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Bases do direito constitucional internacional Prof. Celso de Oliveira Santos Descrição Você vai entender a relação entre o direito interno e o direito internacional, bem como o surgimento e a extinção do vínculo entre pessoas e Estados. Propósito O estudo dos princípios do direito internacional constitucional é imprescindível para compreender como as leis e os regulamentos globais impactam as constituições e sistemas jurídicos nacionais, garantindo a harmonia entre as leis internacionais e internas, bem como para resolver questões relacionadas à nacionalidade e cidadania, promovendo a cooperação internacional e protegendo os direitos dos indivíduos em um mundo cada vez mais globalizado. Preparação Antes de iniciar os estudos, tenha em mãos a Constituição federal. Objetivos Módulo 1 Princípios do direito internacional constitucional Reconhecer os fundamentos do direito internacional constitucional. Módulo 2 Tratados e a relação entre direito internacional e interno Analisar os tratados internacionais bem como a relação entre as normas internacionais e nacionais. Módulo 3 Nacionalidade e cidadania Identificar os regramentos sobre aquisição e perdimento de nacionalidade. Introdução O direito internacional constitucional é um ramo do direito que abrange as relações entre o direito internacional e as constituições nacionais dos Estados soberanos. Em constante evolução, o estudo do direito constitucional internacional tem como principais objetivos analisar como os princípios do direito internacional são incorporados nas estruturas constitucionais internas, os tratados internacionais são internalizados nos sistemas jurídicos nacionais e as questões de nacionalidade são tratadas à luz dessas interações, além de envolver questões relativas à proteção dos direitos humanos de forma abrangente. 1 - Princípios do direito internacional constitucional Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer os fundamentos do direito internacional constitucional. Direito constitucional internacional e direitos humanos Contexto histórico A criação de uma nova institucionalidade do direito e das relações internacionais — mediada com certo protagonismo pela Organização das Nações Unidas (ONU), embora não tenha resultado em uma concentração significativa de poder na estrutura da organização — impactou de maneira significativa a geopolítica global, gerando consequências de ordem doméstica em todos os Estados que se tornaram membros dela. Nas décadas de 1950-70, prevaleceu uma ampla tendência de natureza militarista que se seguiu à Guerra e às sucessivas crises econômicas e políticas ocorridas no século XX. Por essa razão, somente em 1969 a Carta Americana de Direitos Humanos (CADH) foi concluída. Como resultado disso, até o final da década de 1980, muitos estados latino- americanos ainda se Manifestação por eleições diretas no Brasil, 1984. encontravam sob regimes autoritários, ainda que reconhecessem formalmente a existência de direitos humanos. Na redemocratização dos estados latino-americanos, a teoria do direito constitucional na região consagrou uma virada paradigmática ao adotar a corrente do neoconstitucionalismo. Essa vertente propõe a concepção e a aplicação da norma jurídica com base na proteção dos direitos humanos para reafirmar a força normativa da Constituição e expandir a jurisdição constitucional como meio para evitar que os abusos e violências cometidos pelos governos autoritários nas primeiras décadas do pós-Guerra se repitam. Após 1945, foi possível observar um alinhamento entre as ordens jurídicas nacionais e a ordem internacional concebida. Historicamente, isso se justifica pelo repúdio à violência sistemática praticada por governantes contra grupos específicos ou opositores políticos. Do ponto de vista político-jurídico, destaca-se a necessidade de que os ocupantes dos cargos públicos, tanto executivos quanto legislativos, cumpram as leis e normas constitucionais da mesma forma que qualquer concidadão. Exemplo As normas internacionais de direitos humanos foram incorporadas na elaboração dos textos constitucionais durante o movimento neoconstitucionalista. Tomando como exemplo o Brasil, a Constituição de 1988, promulgada no contexto da redemocratização do país, estabelece no art. 4º, que trata das relações internacionais brasileiras, a prevalência dos direitos humanos como um de seus princípios norteadores. Desde a redemocratização, essa tendência tem sido evidenciada na aplicação da norma jurídica pelos órgãos executivos, legislativos e, sobretudo, judiciários. Na atualidade, é permitida a utilização de precedentes judiciais estrangeiros e dos órgãos de solução de controvérsias das organizações internacionais para resolver disputas em sede doméstica. Os tratados de direitos humanos constituem parte do que se convencionou denominar bloco de constitucionalidade, que engloba um grupo de normas materialmente constitucionais. Essas normas, em conjunto e em harmonia com a constituição dos Estados, orientam a aplicação e a interpretação da lei interna para garantir sua conformidade com a ordem jurídica de forma abrangente. No contexto do processo de internacionalização do direito constitucional, é introduzido o controle de convencionalidade, equiparável à ideia do controle de constitucionalidade. Entretanto, o escopo do controle de convencionalidade também abrange a necessidade de que as formulações legislativas e a prática dos órgãos jurisdicionais garantam que a prática jurídica nos âmbitos público e privado esteja de acordo tanto com os preceitos constitucionais quanto com aqueles concebidos internacionalmente, conforme a vontade do Estado signatário. O controle de convencionalidade, assim como o controle de constitucionalidade, abrange o conjunto de princípios e o arcabouço normativo produzido na respectiva fonte, podendo ainda contemplar outros elementos jurídicos apurados em sede doutrinária, jurisprudencial ou costumeira. Também merece destaque o parágrafo único do art. 4º da Constituição da República Federativa do Brasil, que expõe a vocação da sociedade brasileira e dos seus órgãos de representação política para o exercício de um papel de liderança regional na geopolítica internacional. A seguir, analisaremos cada um dos princípios constitucionais que regem as relações internacionais do Brasil e que, consequentemente, compõem o arcabouço principiológico do que se convencionou chamar direito constitucional internacional na ordem jurídica brasileira. Direitos humanos e sua prevalência A primazia dos direitos humanos deriva de um consenso entre os Estados para evitar a repetição de episódios de violência sistemática tão graves quanto o Holocausto do povo judeu pelo regime nazista alemão e a violência generalizada ocorrida entre os Estados diretamente envolvidos na Segunda Guerra Mundial. Inspirada na adoção de documentos e normas internacionais voltados para a proteção dos direitos humanos, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) conferiu status constitucional ao compromisso que o Estado brasileiro havia formalmente assumido. Embora esse compromisso estivesse estabelecido, ele não foi ratificado durante regimes anteriores que não atendiam às obrigações delineadas, como é o caso da Carta Americana de Direitos Humanos. Esta só foi ratificada em 1992, período no qual também ocorreu a ratificação da Convenção de Reconhecimento da Competência Obrigatória da Corte Internacional de Direitos Humanos, conforme preconizado no Pacto de São José da Costa Rica. Exemplo O artigo 5º – um dos diversos dispositivos da CRFB/1988 que reafirmam a proteção dos direitos humanos – detalha o conteúdo dos direitos humanos no ordenamento pátrio, e, em seu parágrafo 2º, dispõe expressamente que os direitos enumerados nos incisos daquele artigo “não excluem outros decorrentes doCRFB/1988 identifica as hipóteses de caracterização da nacionalidade para brasileiros natos e os brasileiros naturalizados. Assinale a alternativa que indica um caso constitucionalmente válido de naturalização requerida para obtenção de nacionalidade brasileira. A Juan, cidadão espanhol, casado com Beatriz, brasileira, ambos residentes em Barcelona. B Anderson, cidadão português, domiciliado no Brasil há 36 dias. Louis, cidadão francês, domiciliado em Brasília há 14 anos, que está em liberdade condicional, após C condenação pelo crime de exploração sexual de vulnerável. Fatou, 14 anos, nascida em território brasileiro e D tendo como genitores um casal de diplomatas senegaleses. Maria, 45 anos, cidadã russa, residente e domiciliada no Brasil desde seus 25 anos de idade, E processada criminalmente por injúria, mas absolvida por sentença transitada em julgado. Parabéns! A alternativa E está correta. A situação de Maria é a única que se enquadra no art. 12 da CRFB perfeitamente, uma vez que não possui condenação criminal e completou os 15 anos exigidos para a naturalização. Juan deveria residir no Brasil por 15 anos, Anderson por 12 meses, Louis não poderia ter condenação criminal e Fatou é menor e filha de estrangeiros que se encontravam no Brasil a serviço do seu Estado de origem. Questão 2 Kristoff, 29 anos de idade, brasileiro naturalizado desde 1992, decidiu se candidatar, nas eleições de 2010, ao cargo de deputado federal, em determinado ente federativo. Eleito, e após ter tomado posse, foi escolhido para presidir a Câmara dos Deputados. Com base nessa hipótese, assinale a afirmativa correta. Kristoff não poderia se candidatar ao cargo de A deputado federal, uma vez que esse é um cargo privativo de brasileiro nato. Kristoff poderia se candidatar ao cargo de deputado federal, bem como ser eleito, mas não poderia ter B sido escolhido presidente da Câmara dos Deputados, pois esse cargo deve ser exercido por brasileiro nato. Kristoff não poderia ser deputado federal, mas C poderia ingressar na carreira diplomática em que não é exigido o requisito de ser brasileiro nato. Kristoff não poderia se candidatar ao cargo de D deputado federal, mas poderia ter se candidatado ao cargo de senador da República, mesmo sendo brasileiro naturalizado. Kristoff não poderia se candidatar ao cargo de E deputado federal, mas poderia exercer o cargo de vereador. Parabéns! A alternativa B está correta. Kristoff pode se candidatar ao cargo de deputado federal, mas a posição de presidente da Câmara é privativa de brasileiros natos conforme o inciso II do § 3º do art. 12 da Constituição federal. Considerações finais O direito constitucional internacional, como campo de estudo e prática do direito em expansão, oferece uma ampla gama de assuntos que podem ser analisados a partir das óticas de constitucionalização do direito internacional e de internacionalização do direito constitucional. Além dos princípios que orientam as relações no ambiente internacional e nas relações transnacionais, também tem grande relevância a compreensão das relações entre os ordenamentos jurídicos interno e internacional, de modo a esclarecer a aplicação do direito e o contexto geopolítico e histórico das estruturas formais que emolduram a vida em sociedade atualmente. Também são relevantes as normas positivadas por meio dos tratados, das constituições e das leis domésticas, na necessidade de identificar, por meio da nacionalidade, quais regramentos jurídicos incidem sobre as partes em cada relação jurídica a ser analisada sob a sua ótica. Explore + Assista ao filme Coragem para a paz (ONU, 2007), que retrata a atuação das Forças de Paz da ONU e as situações de extrema gravidade que explicam a mitigação do princípio da não intervenção. Compreenda a profundidade dos desafios diariamente enfrentados por pessoas apátridas e por imigrantes indocumentados acompanhando a trajetória da personagem Tigest, coadjuvante no filme Cafarnaum (Nadine Labaki, 2019). Para compreender a relevância do reconhecimento da nacionalidade, assista ao filme O Terminal (Steven Spielberg, 2004), que retrata a história de um cidadão da Europa Oriental que viaja rumo a Nova York justamente quando seu país sofre um golpe de Estado, o que gera a invalidação de seu passaporte. Referências ABASS, A. International law: Text, Cases, and Materials. 2. ed. Oxford, Inglaterra: Oxford University Press, 2014. BARROSO, L. R. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. Tomo II. BINENBOJM, G. Monismo e dualismo no Brasil: uma dicotomia afinal irrelevante. Revista da EMERJ, v. 3, n. 9, 2000. MELLO, C. D. de A. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. V. I e II. OLIVEIRA, D. P. Celebração e Integração dos Tratados Internacionais no Direito Brasileiro. Revista Constituição e Garantia de Direitos, v. 4, n. 1, 2011. PIOVESAN, F. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. SILVA, A. P. Os princípios das relações internacionais e os 25 anos da Constituição Federal. Revista Informação Legislativa, ano 50, n. 200, out./dez. 2013. TIBURCIO, C. A nacionalidade à luz do direito internacional e brasileiro. Cosmopolita, v. 2, n. 1, Rio de Janeiro, 2014. TRINDADE, O. C. A constitucionalização do direito internacional: mito ou realidade? Revista de Informação Legislativa, v. 45, n. 178, p. 271-284, abr./jun. 2008. VARELLA, M. D. Direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. Material para download Clique no botão abaixo para fazer o download do conteúdo completo em formato PDF. Download material O que você achou do conteúdo? Relatar problema image6.png image7.png image8.png image9.png image10.png image11.png image12.png image13.png image14.png image15.png image16.png image17.png image18.png image19.png image20.png image21.png image22.png image23.png image24.png image25.png image26.png image27.png image28.png image29.png image30.png image31.png image32.png image33.png image34.png image35.png image36.png image37.png image38.png image39.png image40.png image41.png image42.png image43.png image1.png image2.png image3.png image4.png image5.pngregime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais” aderidos pelo Estado Brasileiro (CRFB/1988). A prevalência dos direitos humanos como normas constitucionais a serem aplicadas e como princípio preferencial na interpretação e na aplicação da norma jurídica foi estabelecida de maneira explícita desde a redemocratização. Isso incluiu a contemplação das normas de direito internacional, que passaram a ter seu valor normativo reconhecido como supralegal a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004. Além disso, essa emenda viabilizou a equiparação das normas internacionais às normas constitucionais caso haja a aprovação por 3/5 dos votos, em dois turnos, no momento da internalização das normas internacionais que versam sobre a matéria. A EC nº 45/2004 também constitucionalizou a submissão voluntária do Estado brasileiro à jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI), reforçando o caráter da proteção dos direitos humanos concebida internacionalmente dentro do ordenamento doméstico. Isso ocorreu por meio da validação da perspectiva de responsabilização pessoal, para além da responsabilidade estatal, exercida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em caso de violações sistemáticas de obrigações estabelecidas na Carta Americana de Direitos Humanos (CADH) ou tipificadas no Estatuto de Roma, que deu origem ao TPI. Princípios ligados ao exercício da soberania do Estado Independência nacional O princípio da independência nacional está relacionado à capacidade do Estado brasileiro de exercer sua soberania no âmbito internacional. Devido ao histórico colonial do continente americano, a soberania se configura como um bem jurídico de grande valor e importância nas relações internacionais desde o início dos movimentos de descolonização na região, que datam do século XIX. Tratando-se da relação com o princípio da independência nacional, a descolonização pode ser entendida como o processo pelo qual um Estado adquire a capacidade de exercer sua soberania perante a comunidade internacional, estabelecer sua própria estrutura política e territorial e implementar uma ordem jurídica interna baseada nas decisões tomadas pelas autoridades locais. No direito internacional público, a soberania dos Estados importa não apenas para compreendê-los como sujeitos dotados de capacidade jurídica, mas também para conferir validade aos atos praticados internacionalmente, aos tratados e outras fontes normativas concebidas com sua concordância e à atuação das organizações internacionais das quais fazem parte. Embora seja visto como indivisível, inalienável e imprescritível, o princípio da soberania dos Estados não é considerado absoluto. Mesmo que a soberania nacional não possa ser cindida, cedida ou erodida pela atuação na seara internacional, o Estado tem a prerrogativa de permitir que outros Estados exerçam suas soberanias. Isso pode ser feito visando à realização de interesses políticos ou à obtenção de benefícios em reciprocidade. Autodeterminação dos povos O princípio da autodeterminação dos povos, derivado da descolonização dos Estados na região e do exercício independente da jurisdição interna e da soberania externa, não se confunde com a independência nacional. Ele é concebido como um direitotitularizado pelos povos, e não necessariamente pelos Estados. Exemplo: Na ocasião da independência do Kosovo, em 22 de julho de 2010, essa ideia foi reforçada pelo parecer consultivo proferido pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) a respeito da declaração unilateral de independência daquele país, em uma decisão que estabeleceu que a autodeterminação dos povos se sobrepõe, como princípio, à soberania territorial dos Estados. No cenário internacional, o princípio da autodeterminação foi elevado à categoria de direito no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, assinado em 1966 pela Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU). No entanto, já àquela altura, o princípio estava expressamente reconhecido nos arts. 1º e 55 da Carta das Nações Unidas e na Resolução nº 1.514 de 1960 da AGNU, intitulada Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e aos Povos Coloniais. Essa resolução foi aprovada para estabelecer de que forma os Estados que ainda mantivessem territórios sob sua jurisdição deveriam prestar contas à ONU sobre a qualidade de vida e as condições de desenvolvimento dos povos não autônomos. Igualdade (entre Estados) A ideia de igualdade entre os Estados consiste basicamente na paridade de tratamento entre eles na qualidade de sujeitos no mesmo sistema jurídico, o que pressupõe as mesmas condições de acesso às ferramentas institucionais e o mesmo grau de submissão às normas jurídicas para todos eles. É necessário reconhecer que o direito à igualdade encontra limitações diante das condições políticas, econômicas e sociais que originam as desigualdades entre indivíduos. A sociedade internacional reflete a mesma lógica, guardadas as devidas proporções, por meio das incidências geopolíticas e históricas que permeiam as relações entre Estados. Exemplo: O Poder de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU é o exemplo mais clássico dessa disparidade, porque, na prática, esse poder pode barrar pautas relevantes que não estejam alinhadas com os interesses de um ou mais desses países privilegiados com essa prerrogativa. As limitações que a igualdade entre os Estados encontra no plano material não invalidam a sua eficácia formal. Assim como nas relações internas entre indivíduos há uma perspectiva de igualdade material sob a qual se busca equalizar as condições para a convivência entre indivíduos que se encontram em condições de desigualdade, na institucionalidade do direito internacional também se observam alguns exemplos desse tipo de atuação, como o mecanismo conhecido como cláusula da nação mais favorecida na Organização Mundial do Comércio (OMC). Princípios ligados à relativização da soberania Não intervenção O princípio da não intervenção está diretamente ligado à noção de soberania externa dos Estados, e tem como principal objetivo salvaguardar a liberdade política, econômica, social e cultural dos povos circunscritos às suas jurisdições. Ou seja, com base no princípio da não intervenção, os Estados se abstêm de agir em circunstâncias nas quais o assunto sob foco é de gestão interna dos Estados. A intervenção só é considerada legítima se houver um interesse da sociedade internacional na situação ou eventuais implicações nos interesses nacionais que justifiquem a adoção de qualquer tipo de postura. A utilização de qualquer mecanismo de coerção, sobretudo o uso da força, fica primariamente obstada pelo princípio da não intervenção. Esse princípio encontra sua contramedida no comportamento denominado não indiferença. A não indiferença caracteriza-se pela adoção de posicionamentos e medidas pautados em uma ação imparcial e nas normas internacionais aplicáveis na busca de consensos para estabilizar situações críticas que afetem diretamente o Estado brasileiro, ou que sejam de interesse da sociedade internacional. Exemplo: A participação do Brasil nas intervenções na Síria, em resposta a violações de direitos humanos; no Haiti, perante a crise humanitária; e no Timor Leste, durante a criação da Autoridade Transitória das Nações Unidas para assegurar paz, autodeterminação e respeito aos direitos humanos. Defesa da paz O princípio da defesa da paz pode ser compreendido de duas maneiras: 1. Como um direito subjetivo à segurança que os Estados devem garantir aos seus cidadãos. 2. Como um compromisso a fim da estabilização de conflitos sociais e políticos que afetam a ordem internacional, seja por suas implicações diretas ou por caracterizarem violações das normas internacionais. Na perspectiva da segurança pública, o art. 144 da Constituição federal identifica as instituições públicas responsáveis pela manutenção da paz interna e da estabilidade social no país, bem comoas funções e prerrogativas de cada uma. A atuação de todas as forças de segurança é balizada, impreterivelmente, pelo princípio da prevalência dos direitos humanos, estabelecendo limites para sua atuação e reconhecendo que o uso da força não é suficiente para promover a estabilização social. Portanto, é necessário abordar as causas dos problemas estruturais em suas raízes, por meio de políticas públicas voltadas para: Renda Educação Habitação Amplo acesso aos direitos Quanto às relações internacionais, embora o Brasil tenha tradicionalmente adotado posturas conciliatórias e de abstenção em sua diplomacia, o princípio da defesa da paz refere-se particularmente à atuação do Estado em missões de paz e de reconstrução democrática, que também desempenham um papel significativo no histórico das relações internacionais do Estado brasileiro. Desde sua redemocratização em 1989, o Brasil participou ativamente em mais de 20 missões de paz conduzidas pela ONU, liderando as missões no Haiti e no Congo, além de contribuir com iniciativas da Organização dos Estados Americanos (OEA). Concessão de asilo político O asilo político é um costume internacionalmente estabelecido, sobretudo na América Latina. Caracteriza-se pela proteção de pessoa considerada perseguida por seu ativismo político ou pelo suposto cometimento de crime ou de ato ilícito. Pode ser compreendido de duas maneiras: o asilo territorial – que se assemelha, mas não se confunde com o instituto do refúgio – e o asilo diplomático. O asilo territorial configura-se quando um Estado permite que uma pessoa considerada perseguida por motivos políticos permaneça dentro de suas fronteiras, sem ser entregue ao Estado de origem, visando proteger sua integridade física, liberdade e segurança, mesmo que existam fundamentos jurídicos para a entrega. Entenda a seguir o que difere a condição do refúgio e do asilo político. Refugiado Sofreu perseguição mais relacionada a motivos étnicos, religiosos ou culturais, com ou sem componentes identitários. Asilado político Sofreu perseguição direcionada pelo Estado, e não a todo o grupo social ao qual pertence. O asilo diplomático consiste em uma etapa intermediária para o estabelecimento do asilo territorial. Nesse caso, a pessoa asilada é protegida de maneira temporária e precária dentro da representação diplomática do Estado que concede o asilo, garantindo sua integridade, liberdade e segurança até que possa ser transportada para o território de destino. Princípios ligados à atuação do Estado na sociedade internacional Solução pacífica de controvérsias O princípio da solução pacífica de controvérsias diz respeito à utilização de métodos institucionais e alternativos para dirimir divergências jurídicas e políticas entre Estados e entre sujeitos de direito em perspectiva ampla, contemplando os mecanismos jurisdicionais – incluindo cortes e tribunais internacionais, além dos modelos arbitrais –, diplomáticos e políticos disponíveis em cada contexto. O objetivo da solução pacífica de controvérsias é buscar a melhor solução possível para todas as partes envolvidas e evitar o uso da força ou de meios violentos. A preferência pelos meios de solução pacífica de controvérsias está relacionada à ideia de proibição da guerra no contexto da constitucionalização do direito internacional, que começou com a criação do sistema onusiano. Ao impor limites ao Jus ad bellum, na prática, essa preferência etrata a intenção da nova institucionalidade do direito internacional de obrigar os Estados a optarem por mecanismos institucionais e diplomáticos para resolver disputas de interesses. A participação do Brasil nos sistemas de solução de controvérsias internacionais ao longo da história vai além de simplesmente apresentar demandas ou aceitar a jurisdição de tribunais internacionais. O Brasil tem desempenhado um papel significativo na trajetória dos Tribunais Internacionais por meio da atuação de juízes no Tribunal Penal Internacional (TPI), no Tribunal Internacional para o Direito do Mar, na Corte Internacional de Justiça (CIJ) e no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Combate do terrorismo e do racismo O combate à discriminação racial encontra respaldo internacional desde 1965, quando a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial foi adotada no sistema das Nações Unidas. Veja como essa convenção define a discriminação racial. [...] qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, côr, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano, em igualdade de condição, de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de sua vida pública. (Decreto nº 65.810, 1969, art. I) No mesmo sentido, a OEA adotou, em 2013, a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância e a Convenção contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância. O combate à discriminação racial no Brasil tem como objetivo central erradicar os resquícios sociais, econômicos, políticos e culturais das práticas escravagistas que vigoraram ao longo do período colonial e que ainda afetam a sociedade contemporânea na forma de discursos de ódio, práticas de exclusão e cerceamento de direitos, cujo acesso por pessoas negras e de origem indígena deveria ser igualitário. Defini-se terrorismo como a prática de violência ou grave ameaça à integriade dos cidadãos de um Estado com o obetivo de obeter resultados políticos ou materiais, frequentemente envolvendo sequestros, homicídios e atentados contra a vida e a integridade física. Em termos normativos, no sistema multilateral, a Convenção para Prevenir e Punir os Atos de Terrorismo Configurados em Delitos contra as Pessoas e a Extorsão Conexa, Quando Tiverem Eles Transcendência Internacional foi concluída em 1971. Na OEA, a Convenção Interamericana contra o Terrorismo foi adotada em 2022. Ataque terrorista em Nova York, 11 de setembro de 2021. Ambos os documentos estabelecem conceitos semelhantes de terrorismo e estabelecem mecanismos de combate, respeitando, no entanto, a concessão de asilo e a observância das garantias processuais e dos direitos humanos de indivíduos acusados de envolvimento em atos de terrorismo. Cooperação entre os povos O princípio da cooperação entre os povos visa estabelecer um ambiente pacífico, pautado no intercâmbio de experiências, boas práticas e de conhecimento técnico nas mais diversas áreas de atuação do Estado e setores do mercado, promovendo o progresso da humanidade. Essa orientação reforça a vocação do Brasil para assumir um papel de liderança regional nos processos de integração entre Estados da América do Sul e da América Latina. Tal papel também é evidente na atuação brasileira no sistema multilateral, por meio de organizações como a OMC e na ONU. Nota-se ainda a cooperação Sul-Sul, que busca promover interesses mútuos entre estados vistos como em desenvolvimento ou não dominantes na cena global, e a iniciativa de formação do bloco dos BRICS, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e, a partir de janeiro de 2024, também pelos novos membros, Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes. Aplicando o conhecimento Vamos falar sobre os princípios do direito constitucional internacional! Confira o caso a seguir. Cesare Battisti foi condenado em 1988 pela justiça italiana à prisão perpétua, com restrição de luzsolar, por quatro homicídios relacionados às suas atividades na organização Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). No final dos anos 1970, Battisti fugiu da Itália e viveu em vários países, incluindo a França (protegido pela Doutrina Mitterrand até sua revogação) e o Brasil, quando em 2007 foi detido no Rio de Janeiro, ocasião na qual o Estado italiano solicitou sua extradição para que cumprisse sua pena. Battisti requereu reconhecimento do status de refugiado, que foi negado no ano 2008 pelo Conselho Nacional para os Refugiados (Conare). No final de 2009, o Supremo Tribunal Federal julgou que a extradição de Battisti era viável juridicamente, mas que a decisão acerca da sua execução não cabia ao Poder Judiciário, sendo ato de competência do Poder Executivo. No primeiro quadrimestre de 2010, quando foi publicado o acórdão, Battisti já havia sido condenado pela justiça brasileira, pelo ingresso em território nacional com documentos falsificados, à pena de 2 anos no regime aberto. No fim daquele ano, o presidente da República denegou a extradição de Battisti, com fundamento em parecer da Advocacia Geral da União identificando ameaça à sua condição pessoal com base em declarações das autoridades italianas acerca do tratamento que o extraditando receberia ao chegar à Itália. Em 2015, o Ministério Público Federal (MPF) questionou a situação de Battisti no Brasil por meio de ação civil pública e foi declarada em 1ª instância a nulidade da concessão de status de refugiado e determinada a sua deportação. No curso desse processo, que também chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux determinou em decisão monocrática a prisão de Battisti, sob o argumento de que o STF havia entendido pela possibilidade da extradição e que cabia ao Poder Executivo o juízo político acerca da efetivação do ato. O decreto de extradição foi assinado no dia seguinte à decisão pelo então presidente interino, havendo sinalização na mídia de que o presidente eleito para o exercício do mandato seguinte também estava disposto a fazê-lo. Battisti já havia evadido o território nacional, ciente de que a situação política no Brasil era desfavorável à manutenção da sua proteção no Estado brasileiro desde que o presidente interino assumira o poder, em 2016, já em meio ao processamento da ação civil pública (ACP) iniciada pelo MPF em 2015, mas foi capturado na Bolívia em janeiro de 2019 pela Polícia Federal. Após a leitura do case, é hora de aplicar seus conhecimentos! Questão 1 No seu entendimento, qual das situações a seguir se aplicava à condição de Battisti no território brasileiro após a revogação da concessão de seu status de refugiado? A Imigração ilegal B Asilo diplomático C Visto humanitário D Permanência irregular E Aquisição da nacionalidade brasileira Parabéns! A alternativa D está correta. O Estado brasileiro não ofereceu proteção em sede de representação diplomática a Battisti em nenhum outro território, nem empreendeuesforços para conduzi-lo sob sua proteção ao território nacional. Battisti ingressou no Brasil sob a condição de imigrante ilegal, dada a utilização de documentos falsos, obteve o reconhecimento do status de refugiado (ainda que a argumentação para isso tenhaenvolvido elementos típicos da concessão do asilo político territorial) e, posteriormente, com a revogação do reconhecimento de desse status, esteve em situação de permanência irregular, uma vez que não possuía nenhum visto ou autorização, e nem buscou se naturalizar brasileiro. Questão 2 Com relação à aplicabilidade dos princípios elencados no art. 4º da CRFB ao caso Cesare Battisti, o que você pode considerar? A extradição de Battisti não encontra respaldo constitucional no inciso IV do art. 4º da Constituição brasileira, que consagra o princípio da não intervenção, dado que o referido princípio não diz respeito às condenações por crime político. A não extradição de Battisti não poderia serfundamentada com base no inciso II do art. 4º da Constituição brasileira, que preconiza a prevalência dos direitos humanos, caso fosse constatado que o cumprimento da pena na Itália se daria em condições de violação de seus direitos, determinadas pela duração da pena e pela estrutura do estabelecimento penitenciário. O princípio da concessão de asilo político, cristalizado no inciso X do art. 4º da Constituição brasileira, poderia ter sido utilizado para justificar sua permanência no território brasileiro, mesmo na hipótese de se haver reconhecido a ele o status de refugiado. A extradição de Battisti não encontra respaldo constitucional no inciso VIII do art. 4º da Constituição brasileira, que prescreve como princípio regente das relações internacionais brasileiras o repúdio ao terrorismo e ao racismo. A extradição de Battisti era considerada postura obrigatória para o Estado brasileiro em homenagem ao princípio da cooperação entre os povos, previsto noinciso IX do art. 4º da Constituição brasileira. Parabéns! A alternativa A está correta. O princípio da não intervenção se aplica a situações ocorridas inteiramente fora do território brasileiro, não sendo aplicável à situação em questão, uma vez que o ingresso de Battisti no território do Brasil obriga as autoridades nacionais a intervirem, seja em seu desfavor ou em sua proteção. Além disso, o princípio da nãointervenção não possui eficácia absoluta, pois outros princípios, inclusive os elencados no mesmo art. 4º da Constituição, devem ser considerados para a resolução do caso em questão. Questão 3 No caso da extradição de Cesare Battisti, ocorreu uma mudança de postura do Estado brasileiro, acompanhando a transição de governos ocorrida entre 2015 e 2016. Nesse contexto, os chefes do Poder Executivo não assinaram o decreto de extradição, pois se tratava de um ato discricionário, desvinculado de uma decisão judicial que declarasse a sua possibilidade jurídica. Com base em que princípios previstos no art. 4º da CRFB/1988 você poderia fundamentar as decisões, tanto denegatória quanto de deferimento, da extradição solicitada? Exibir solução A negativa da extradição pode ser respaldada nosprincípios da independência nacional, da prevalência dos direitos humanos, da concessão do asilo político e da igualdade entre Estados. Já a concessão da extradição solicitada pode ser justificada nos princípios do repúdio ao terrorismo e da cooperação entre os povos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 De acordo com a Constituição federal de 1988, está consagrada entre os princípios que regem a República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais A a igualdade de gênero. B a proteção dos povos originários. C a prevalência dos direitos humanos. D a concessão de imunidade diplomática. E a proteção do pluralismo político. Parabéns! A alternativa C está correta. A prevalência dos direitos humanos está prevista art. 4º da CRFB/1988, elevada à condição de princípios constitucionais que regem as relações internacionais. As demais alternativas estão atreladas ao debate sobre a proteção de direitos individuais e coletivos. Questão 2 Assinale a alternativa na qual se enquadra corretamente a aplicação de princípio constitucional regente das relações internacionais do Brasil. A participação em missões humanitárias da ONU está pautada no princípio da solução pacífica de controvérsias. A punição do crime de injúria racial praticado contra estrangeiros tem alicerce no princípio da igualdade entre Estados. A concessão de visto humanitário para imigrantes ucranianos no contexto da guerra tem base no princípio da concessão de asilo político. A demarcação de terras indígenas está ligada ao princípio da defesa da paz. O reconhecimento de um Estado que declaraindependência em relação a outro se fundamenta no princípio da autodeterminação dos povos. Parabéns! A alternativa E está correta. A autodeterminação dos povos pode justificar o reconhecimento de um Estado que declare unilateralmente sua independência, desde que isso não tenha ocorrido em desacordo com outras regrase princípios do direito internacional. 2 - Tratados e a relação entre direito internacional e interno Ao final deste módulo, você será capaz de analisar os tratados internacionais bem como a relação entre as normas internacionais e nacionais. Tratados internacionais A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) de 1969, em seu art. 2º, define que um tratado é “um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”. Seguindo o conceito adotado na CVDT, também vigente no ordenamento brasileiro, há uma ampla tipologia de tratados. Acompanha a seguir algumas nomenclaturas possíveis. Convenção Pacto Carta Estatuto Protocolo Acordo Declaração A terminologia empregada no título dos documentos normativos, embora possa ter relevância no âmbito das organizações internacionais quando são concebidas nessas instâncias deliberativas, não acarreta diferenças significativas em seu tratamento pela ordem doméstica. A vinculação dos tratados à ordem doméstica está condicionada ao cumprimento dos atos de internalização das normas contidas em um tratado. Concepção e criação O art. 84, inciso VIII, da Constituição federal de 1988 determina que cabe exclusivamente ao presidente da República celebrar tratados, sendo esses submetidos ao referendo do Congresso Nacional. No entanto, o art. 7 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) estabelece que essa competência pode ser exercida, quando conveniente, por representantes dotados de plenos poderes ou por aqueles incumbidos como chefes de missão ou acreditados perante uma conferência ou organização internacional para trabalhar na conclusão e na negociação do texto final antes que os tratados sejam concluídos. Além disso, existe a possibilidade de se confirmar a posteriori os atos praticados por uma pessoa que não esteja devidamente acreditada ou não reúna, no momento da conclusão do tratado, as qualificações necessárias. Dessa maneira, após a proposição do documento internacional e as discussões sobre o conteúdo das normas a serem criadas por meio dele, o art. 9 da CVDT estabelece que seu texto é adotado com o consentimento de todos os Estados participantes ou pela aprovação de dois terços dos Estados presentes e votantes, salvo se for adotada regra diversa pela mesma maioria. Após a adoção do texto, ele é autenticado, geralmente por meio da assinatura ad referendum ou rubrica dos representantes dos Estados, ou da ata final da conferência. Os Estados, então, seguem com os procedimentos de internalização e manifestação do seu consentimento em se obrigar pelo tratado em conclusão. Há condições de validade incidentes, ainda, para o conteúdo do texto final a ser adotado, que além da habilitação dos agentes e da capacidade das partes contratantes – consubstanciada no reconhecimento dos Estados e organizações internacionais envolvidos –, precisa contar com o consentimento mútuo de todas elas e com a verificação da licitude e da possibilidade do seu teor. A incorporação dos tratados internacionais Assista a este vídeo sobre o procedimento para incorporação dos tratados internacionais no país e as hipóteses de seu afastamento. Etapas São seis as etapas obrigatórias para a adoção e a internalização de um tratado, de acordo com a doutrina tradicional do direito internacional público: 1. Negociação 2. Assinatura 3. Ratificação 4. Promulgação 5. Publicação 6. Registro Anteriormente, verificou-se que há um conjunto de regras específico para as fases da negociação e assinatura dos tratados para que sua adoção seja válida. Para todas as demais fases, igualmente, há regras que devem ser observadas como condição de validade desses atos. Vamos compreender com mais detalhes as demais etapas relativas aos tratados. Ratificação É o ato administrativo que confirma a aceitação do texto do tratado pelo Poder Executivo do Estado. No Brasil, a tramitação perante as casas legislativas tem relevância não somente para a validação da ratificação, mas também para determinar a posição hierárquica e o valor normativo das normas de direito internacional, sobretudo quando não versarem sobre direitos humanos, no ordenamento doméstico. Materializa-se a ratificação, classicamente, por meio do depósito de um instrumento chamado carta de ratificação no órgão, organização internacional ou Estado designado como depositário do tratado em conclusão. Promulgação É um ato interno que incorpora o texto do tratado ao sistema legal do país por meio de um decreto legislativo e dá azo à sua execução no alcance da jurisdição do Estado, que ocorre após a sua aprovação pelo Congresso Nacional. No Brasil, a promulgação se aperfeiçoa por meio de decreto presidencial, que determina o modo de aplicação e execução do seu teor. Publicação É um ato quase automático no ordenamento brasileiro que segue a promulgação. Todos os decretos do Poder Executivo são publicados no Diário Oficial. Essa publicação é necessária para que o público tenha conhecimento deles e, assim, os decretos tenham validade. Registro É a etapa final no iter procedimental e estabelece o marco documental e temporal para que o teor de um tratado seja oponível nas estruturas da organização internacional onde ocorre o seu secretariado. Embora não determine a entrada do tratado em vigor nas ordens jurídicas internas dos seus Estados-parte, esse registro é crucial para sua validade internacional. Como exemplo, o art. 102 da Carta das Nações Unidas disciplina o ato do registro e, entre outros pontos, permite o registro de tratados que envolvam membros da ONU, mesmo que não tenham sido firmados dentro do sistema onusiano. Além disso, também possibilita o registro de tratados por Estados não são membros da ONU, desde que acordados com Estados que estão vinculados ao sistema da organização. Reservas, denúncia e outras condições de suspensão e extinção dos tratados O rito de conclusão dos tratados envolve a vinculação interna e internacional dos Estados ao conteúdo estabelecido. No entanto, é importante verificar as hipóteses nas quais o Estado pode se desobrigar de parte ou de todo o seu teor. Agora, vamos conhecer alguns instrumentos utilizados nesse tipo de circunstância. Reserva É o mecanismo que permite a um Estado, ao adotar o texto final de um tratado, excluir uma parte das obrigações que voluntariamente assumiu. Esse processo está sujeito a duas condições essenciais: a aceitação por outros Estados-parte e formulação necessariamente pelo Poder Executivo, ficando impedida a formulação pelo Poder Legislativo dos Estados. Além disso, a reserva não pode ser vedada expressamente, nem se opor ao objetivo e à finalidade do tratado em questão. Denúncia É o ato unilateral em que uma das partes contratantes comunica aos demais signatários sua intenção de se desvincular do tratado, ficando assim livre do cumprimento do seu teor. Em regra, a denúncia de um tratado exige a previsão da sua possibilidade no conteúdo do texto respectivo. No entanto, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) também admite a denúncia quando a natureza do tratado a admitir implicitamente. De acordo a convenção, a denúncia só produz efeitos após 12 meses de sua formalização. Existem várias outras circunstâncias que podem fazer com que um tratado deixe de vigorar temporária ou permanentemente, seja para uma parte específica ou grupo de partes, ou para todos os Estados contratantes. Isso pode ocorrer por diferentes motivos, por exemplo: Execução completa de seu objetivo, ao término do prazo estabelecido para sua eficácia. Cumprimento de uma condição resolutória prevista expressamente na adoção do texto final. Renúncia dos eventuais beneficiários. Caducidade, em virtude da formação de um costume que o contraponha. Ocorrência de guerra ou ruptura de relações diplomáticas entre as partes contratantes. Impossibilidade fática da sua execução. Seureiterado incumprimento por uma das partes contratantes. Fato de terceiro que o impossibilite. Hierarquia dos tratados Entenda neste vídeo a hierarquia dos tratados internacionais e sua relação com o ordenamento jurídico interno. Aplicação dos tratados no direito interno A partir da promulgação e da consequente publicação do tratado, seu conteúdo passa a integrar a ordem jurídica interna do Estado. Surge então a necessidade de estabelecer um conjunto de parâmetros para sua aplicação e para a resolução de eventuais conflitos entre o seu teor e o de outras normas jurídicas preexistentes e supervenientes. É imprescindível diferenciar os tratados comuns dos tratados que abordam direitos humanos. Os tratados comuns incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, no que diz respeito à sua força normativa, são considerados equiparáveis às leis ordinárias — embora não se tornem leis com o cumprimento do rito de internalização, uma vez que mantêm sua natureza internacional, devido ao fato de que, mesmo tendo sido aprovados pelo Congresso Nacional, não passaram pelos mesmos ritos pelos quais as leis de gênese doméstica passam. Já os tratados que versam sobre temas de direitos humanos possuem hierarquia supralegal, ou seja, são superiores hierarquicamente às leis ordinárias, embora submetidos aos mandamentos constitucionais. Após a EC nº 45/2004, segundo o § 3º do art. 5º da CRFB/1988, os tratados internacionais que versam sobre direitos humanos e que forem aprovados com pelo menos três quintos dos votos dos membros de cada casa legislativa tornam-se equiparáveis às emendas constitucionais. Atualmente, quatro tratados cumprem esse requisito: 1. Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova York). 2. Protocolo Facultativo dessa mesma Convenção de Nova York. 3. Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas às Pessoas Cegas, com Deficiência Visual ou com Outras Dificuldades para Ter Acesso ao Texto Impresso. 4. Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. O reconhecimento do status de supralegalidade aos tratados de direitos humanos é uma construção doutrinária e jurisprudencial no Estado brasileiro – desde o julgamento do Recurso Extraordinário 466.343-1/SP. Esse reconhecimento não está expressamente lastreado no texto constitucional nem em outra norma positivada, para além da sua dedução do princípio da prevalência dos direitos humanos, o qual, contudo, refere-se à condução das relações internacionais do Brasil, não sendo necessariamente aplicável a todas as situações de natureza doméstica. No que se refere aos tratados comuns, sua própria validade possui fragilidades decorrentes da circunstância de não gozarem do mesmo prestígio que as normas internacionais de direitos humanos, sendo passíveis, inclusive, de revogação por lei superveniente que os contraponha. As relações entre o direito interno e o direito internacional Assista a este vídeo e compreenda as relações entre o direito interno e o internacional e as diferentes teorias que as explicam. A questão da hierarquia entre as normas de direito internacional e aquelas de gênese doméstica leva à necessidade de uma reflexão sobre a própria natureza das normas jurídicas, para estabelecer a natureza das relações entre elas. Para tanto, é preciso compreender se o direito internacional e o direito doméstico constituem dois ordenamentos jurídicos completamente apartados e independentes, ou dois campos de expressão de uma única ordem jurídica. Acompanhe a seguir a compreensão de algumas teorias. Teoria monista Sugere que o direito internacional e o direito interno dos Estados não são sistemas jurídicos separados. Ao invés disso, pertencem a um único sistema de normas, que se imprime sobre as relações entre os Estados e demais sujeitos internacionais e sobre os seus jurisdicionados de igual modo, variando somente a abrangência territorial e temporal de sua aplicação. A teoria monista pode ser dividida em duas correntes principais: Concede primazia ao direito internacional Concede primazia ao direito interno Essa diferenciação refere-se a quais normas jurídicas prevaleceriam em caso de conflitos de aplicação. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969), em seu art. 27, prevê expressamente que um Estado não pode invocar dispositivos de direito interno para esquivar-se de cumprir um compromisso internacionalmente reconhecido, estabelecendo a tônica também operada nas decisões dos tribunais internacionais quando tratam do tema. Entretanto, na prática, isso não garante que a aplicação das normas internacionais sempre prevalecerá internamente quando do exercício pleno da soberania dos Estados, ao exercer internamente sua jurisdição. Teoria dualista Considera o direito internacional e a ordem constitucional como dois sistemas jurídicos distintos. Cada um se aplica aos seus próprios sujeitos, embora tenham em comum a relação com o conteúdo das normas criadas pelos Estados em sede internacional e, em seguida, internalizadas. Essa concepção também exclui a possibilidade de o direito internacional estabelecer obrigações diretas entre indivíduos. Para os teóricos do dualismo, essas obrigações são de competência exclusiva dos Estados, que têm a capacidade de originá-las apenas depois de seguir os procedimentos de internalização das normas acordadas inicialmente no âmbito internacional. Nessa concepção, as normas internacionais seriam transformadas em normas internas para que sua eficácia passasse a atingir os indivíduos jurisdicionados pelos Estados signatários. Teorias mitigadas As teorias monista e dualista apresentam limitações, em grande parte decorrentes da rigidez com que tratam a unicidade e a separação entre o direito internacional e o direito interno. Enquanto as teses monistas, em uma perspectiva pragmática, tendem a desconsiderar parcialmente o exercício da soberania pelos Estados, as teorias dualistas não acomodam adequadamente a pluralidade de sujeitos no direito internacional, as relações transnacionais entre particulares e a existência das práticas costumeiras internacionais. Tanto a vertente monista quanto a dualista se dividiram em correntes denominadas radical e moderada. Vamos conhecê-las! Correntes radicais Defendem uma abordagem mais estrita às características fundamentais de cada vertente. Monismo moderado Defende uma flexibilização da primazia dos tratados sobre as normas do direito interno para equipará-las às leis domésticas, ainda que se submetam aos mandamentos constitucionais e à aplicação dos critérios de solução de antinomia, sobretudo o cronológico. Dualismo moderado Defende que a eficácia de uma norma internacional pode prescindir a criação de uma nova lei correspondente – o que implicaria a realização de todo o rito típico do processo legislativo, para muito além da aprovação do texto final do tratado ao ser concluído, como ocorre atualmente na incorporação dos tratados. Na década de 1970, o STF decidiu, no Recurso Extraordinário 71.154, que a hierarquia entre tratados e leis só seria avaliada após a completa internalização do tratado. Posteriormente, no Recurso Extraordinário 80.004, com a Constituição atual em vigor, ficou estabelecido que uma lei interna posterior sobre o mesmo tema de tratados comuns poderia afetar sua vigência, exceto em questões tributárias, de acordo com o art. 98 do Código Tributário Nacional. Mais recentemente, no Recurso Extraordinário 466.343-1/SP, ficou consignado que o STF necessitará revisitar criticamente seu posicionamento em razão da crescente abertura do Estado constitucional às normas supranacionais de proteção de direitos humanos. O Código de Processo Civil, cuja atualização foi promulgada em 2015, também denota a referida abertura em relação aos tratados comuns, conforme o teor do seu artigo 13: Art. 13. A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicasprevistas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte. (Código de Processo Civil, 2015) Aplicando o conhecimento Vamos aplicar o que aprendemos sobre como são editados os tratados e como se relacionam com o direito interno! Veja o caso a seguir. O julgamento do Recurso Extraordinário 466.343-1/SP, datado de 2009, tornou-se célebre no estudo do direito internacional e do direito constitucional, tratando a controvérsia nos autos da possibilidade da prisão civil do depositário infiel em contrato de alienação fiduciária. A alienação fiduciária é modalidade de crédito na qual se transfere ao credor a posse indireta de um bem como garantia de pagamento, mantendo-se a posse direta com o alienante. Nesses termos, denomina-se depositário o devedor que, exercendo a posse direta sobre o bem cuja posse indireta encontra-se alienada em garantia do cumprimento de obrigação contratual. Entende-se por “depositário infiel”, então, aquele que, na condição de depositário de um bem, se desfaz dele. O inciso LXVII do art. 5º da Constituição brasileira de 1988, seguindo a linha de pensamento adotada nas constituições anteriores, estabelece que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Nesse caso específico, uma instituição bancária recorreu ao STF para solicitar a revisão do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual confirmou a sentença de procedência emitida pelo juiz natural em primeira instância na ação de depósito com base na alienação fiduciária. No entanto, o tribunal estadual se absteve de determinar a prisão civil do devedor fiduciante, considerando-a inconstitucional. O STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 466.343-1/SP, manteve a sentença e o acórdão sob o fundamento de que “desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao PIDCP (art. 11) e à CADH — Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal para aplicação da parte final do art. 5º, LXVII, da CRFB/1988, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel”, considerando que a hierarquia supralegal desses dois tratados sobrepõe as normas legais que disciplinam a prisão civil do depositário infiel. Posteriormente, o STF adotou a Súmula Vinculante nº 25, que dispõe que “é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”. Após a leitura do case, é hora de aplicar seus conhecimentos! Questão 1 O inciso LXVII do art. 5º da Constituição brasileira de 1988, seguindo a linha de pensamento adotada nas constituições anteriores, dispõe que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Considerando que o STF declarou, em seu posicionamento mais recente acerca do tema, a adoção da teoria dualista moderada para a relação entre o direito interno e o direito internacional, como você pode dizer que se explica a decisão proferida no RE 466.343-1/SP? A Pela revogação do inciso LXVII do art. 5º da CRFB. B Pela aplicação do princípio da prevalência dos direitos humanos. Pela posição do inciso LXVII do art. 5º da CRFB na C hierarquia das normas jurídicas no ordenamento brasileiro. D A decisão do STF foi equivocada e não poderia ter sido proferida conforme ocorreu. E Pela inaplicabilidade da legislação infraconstitucional que disciplina a prisão civil do depositário infiel. Parabéns! A alternativa E está correta. A regra do inciso LXVII do art. 5º da Constituição não possui inferioridade hierárquica em relação às normas do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Carta Americana de Direitos Humanos. Isso ocorre tanto porque se trata de uma norma constitucional quanto porque os procedimentos previstos no § 3º do art. 5º da CRFB não foram cumpridos. A previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, LXVII) deixou de ser aplicável diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que trata do assunto. Isso se deve ao caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais. Questão 2 Considerando os fundamentos apresentados pelo STF no julgamento do RE 466.343-1/SP, de que maneira você entende que se poderia, hipoteticamente, tornar a viabilizar a prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro? A Denunciando a Carta Americana de Direitos Humanos. Incluindo, por meio de Emenda Constitucional, o teor B do regramento para a execução da prisão civil do depositário infiel na CRFB/1988. C Revogando-se a Súmula Vinculante nº 25. D Denunciando o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Submetendo novamente a CADH e o PIDCP ao rito de internalização para verificar se os documentos E obterão o quórum requerido no § 3º do art. 5º da CRFB para a equiparação de seus conteúdos ao das emendas constitucionais em termos de hierarquia da norma jurídica. Parabéns! A alternativa B está correta. A denúncia da CADH ou do PIDCP, individualmente, não operaria a recondução das normas infraconstitucionais que determinam a prisão civil do depositário infiel à condição de aplicabilidade em razão da permanência em vigor do outro documento, ficando mantida a proteção reconhecida pelo STF. Situação semelhante se operaria com a revogação da Súmula Vinculante nº 25, já que ambos os documentos internacionais continuariam em pleno vigor no território brasileiro. Por fim, a submissão de tais tratados ao rito de aprovação pelas casas legislativas é desnecessária, porque não tratou a decisão do STF de reconhecer hierarquia constitucional a eles para eliminar a validade do teor do inciso LXVII do art. 5º. A inclusão em patamar constitucional do teor das normas que tiveram sua eficácia sobrestada por meio da decisão do STF seria a única alternativa viável para restabelecer a prisão civil do depositário infiel, porque colocaria essa possibilidade novamente acima dos tratados de direitos humanos de hierarquia supralegal. Questão 3 No modelo jurídico brasileiro, assim como nas demais democracias modernas, tratados passam a integrar o direito interno estatal, após a verificação de seu iter de incorporação. No caso citado, a partir de que momento o iter de incorporação dos tratados poderiam passar a ter vigência na ordem jurídica interna e na ordem internacional? Digite sua resposta aqui Exibir solução A vigência do tratado no direito interno se opera a partir da publicação do decreto executivo, enquanto a vigência da obrigação contraída internacionalmente pela sua incorporação se aperfeiçoa com o registro no Estado ou na organização depositária do tratado. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Com relação aos tratados internacionais, assinale a opção correta, à luz da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969. Uma parte não pode invocar as disposições de seu A direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. B A reserva constitui uma declaração bilateral feita pelos Estados ao assinarem um tratado. C Apenas o chefe de Estado pode celebrar tratado internacional. Ainda que a existência de relações diplomáticas ou consulares seja indispensável à aplicação de um D tratado, o rompimento dessas relações em um mesmo tratado não afetará as relações jurídicas estabelecidas entre as partes. A denúncia de um tratado revoga expressamente E sua vigência, mesmo que o seu teor tenha sido acrescido ao texto da Constituição por meio de emenda constitucional. Parabéns! A alternativa A está correta. O texto dessa alternativa é o único que encontra previsão na Convenção de Viena do Direito dos Tratados, no sentido de que não é possível invocar norma de direito interno como justificativa para descumprir um tratado. A reserva é um ato unilateral. O chefe de Estado não é a única pessoa habilitada para celebrar tratado. O rompimento de relações diplomáticas podejustificar a suspensão da vigência de um tratado. A denúncia não revoga expressamente emenda constitucional que constitucionalize o teor do tratado a que se refira. Questão 2 Com relação a tratados, acordos e convenções no âmbito do direito internacional, assinale a opção correta. A Convenção de Viena de 1969 destina-se a regular A toda a legislação relacionada com as organizações internacionais. Tratado é todo acordo internacional concluído B apenas entre Estados e regulado pelo direito internacional. O Brasil submete-se à jurisdição de tribunal penal C internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. A extinção de um tratado por ab-rogação ocorre D sempre que a intenção terminativa emana de uma das partes por ele obrigadas. O descumprimento de um tratado, se receber o E apoio da sociedade internamente no Estado que o descumprir, implica a revogação automática do tratado. Parabéns! A alternativa C está correta. Essa alternativa encontra previsão no § 4º do art. 5º da CRFB/1988, incluído pela Emenda Constitucional 45/2004. Esse parágrafo estabelece que o Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, desde que tenha manifestado sua adesão a esse tribunal. Cada organização internacional rege-se também por um conjunto de normas criados no seu próprio âmbito. Além disso, as organizações internacionais têm personalidade jurídica de direito internacional e podem celebrar tratados. A ab-rogação é a hipótese em que uma norma é suplantada pela vigência de outra, superveniente. O descumprimento de nenhuma norma jurídica implica sua revogação automática. 3 - Nacionalidade e cidadania Ao final deste módulo, você será capaz de identificar os regramentos sobre aquisição e perdimento de nacionalidade. Nacionalidade e suas implicações Neste vídeo, falaremos sobre a nacionalidade, abordando suas diferentes formas e as implicações jurídicas e sociais que ela acarreta. Assista! A nacionalidade é o vínculo jurídico entre um indivíduo e um Estado, que lhe outorga direitos e deveres formalmente reconhecidos. A nacionalidade determina a aplicabilidade das normas jurídicas de direito público e de direito privado às relações desenvolvidas pelo indivíduo, compreendendo, inclusive, os direitos de adquirir e mudar a nacionalidade. Não devemos confundir nacionalidade com naturalidade, nem com cidadania. São conceitos correlatos, mas que não alcançam o seu significado. Vamos conhecer a definição de cada um! Nacionalidade Refere-se à vinculação de um indivíduo à ordem jurídica de um Estado com o qual mantém relação de pertencimento e lealdade, estando sob a sua proteção nacional e internacionalmente e sendo anterior à aferição da cidadania. Naturalidade Refere-se à característica do indivíduo nascido em determinado local, ou seja, está atrelada ao território de uma unidade subnacional e não necessariamente garante que aquela pessoa é nacional do Estado onde nasceu, ou que continuará a ser ao longo de toda a sua vida. Cidadania Refere-se à prerrogativa de gozar plenamente dos direitos políticos e praticar atos na vida civil livremente. Por ser consequência do reconhecimento da nacionalidade, não se confunde com ela. Aquisição da nacionalidade Há duas principais teorias às quais os Estados aderem para atribuição da nacionalidade: Jus soli Atrela a nacionalidade ao nascimento no seu território. Jus sanguinis Atrela a nacionalidade à descendência direta de naturais daquele Estado. A doutrina categoriza a nacionalidade em duas espécies, semelhante à que existe entre cidadãos natos e naturalizados. Vejamos as duas definições a seguir. Nacionalidade originária É considerada originária, primária ou involuntária, porque deriva do registro de nascimento em determinado Estado, seja por adoção do critério territorial ou daquele consanguíneo. Em regra, essa espécie se opera antes da maioridade civil do indivíduo, o que explica sua denominação de involuntária. Nacionalidade derivada É considerada derivada, secundária ou voluntária, porque é adquirida mediante requerimento formulado pelo indivíduo, tratando-se de escolha consciente do exercício desse direito com relação a Estado com o qual voluntariamente optou por desenvolver tal relação. O Estado brasileiro utiliza tanto o critério da nacionalidade originária como o da nacionalidade derivada para o reconhecimento da nacionalidade. Conforme o art. 12 da Constituição federal, é considerado brasileiro nato: Pessoas nascidas no território brasileiro, ainda que tenham genitores estrangeiros – exceto se estiverem a serviço do seu Estado de origem. Pessoas nascidas no estrangeiro que possuírem ao menos um genitor brasileiro, desde que estejam a serviço do país naquela localidade, ou registrem o nascimento em repartição brasileira competente, venham a residir no território brasileiro e optem pela nacionalidade brasileira após a maioridade. O mesmo dispositivo constitucional reconhece como brasileiros naturalizados: Pessoas que residiram no Brasil por mais de 15 anos sem condenação criminal. Pessoas originárias de países de língua portuguesa que residiram no Brasil por um ano ininterrupto e possuem idoneidade moral. A Constituição assegura que brasileiros, natos ou naturalizados, serão tratados igualmente. No entanto, há duas diferenças notáveis: Apenas brasileiros natos não podem ser extraditados, enquanto naturalizados podem, caso cometam crime comum antes da naturalização ou se envolvam em tráfico ilícito de drogas após a naturalização. Apenas brasileiros natos podem ocupar cargos como a presidência e vice- presidência da República, presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ministro do STF, ministro de Estado da Defesa, carreira diplomática e oficial das forças armadas. Por fim, a Constituição brasileira prevê, mediante a oferta recíproca dos mesmos benefícios, a possibilidade de que pessoas de nacionalidade portuguesa gozem de direitos de brasileiros naturalizados sem precisar passar por esse processo, o que se convencionou denominar quase nacionalidade. Também há benefícios semelhantes que se estendem aos nacionais de outros Estados que adotam a língua portuguesa como idioma oficial, conforme mencionado. Perda da nacionalidade Assista a este vídeo e entenda o que é a perda da nacionalidade, a apatridia e a polipatridia. Procedimento O art. 12 da Constituição federal, que define o conceito de nacionalidade brasileira e as maneiras de obtê-la, também estipula as condições para sua perda. De acordo com o § 4º desse artigo, a nacionalidade pode ser perdida: Por sentença judicial, em casos de atividades consideradas nocivas ao interesse nacional. Pela aquisição de outra nacionalidade – exceto se houver o reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira, ou se houver imposição pela lei estrangeira de naturalização brasileiro residente naquele Estado como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis. Se alguém perder a nacionalidade brasileira, existem duas formas de recuperá-la: Revogar o ato que declarou a perda, devendo comprovar que o ato não foi praticado em acordo com o disposto no art. 12 da CRFB/1988. Iniciar um processo de reaquisição da nacionalidade no Ministério das Relações Exteriores (MRE), devendo ser comprovada a renúncia da nacionalidade adquirida voluntariamente no prazo de 18 meses após a concessão da reaquisição. Apatridia e polipatridia Exemplo Muito embora a aquisição voluntária de outra nacionalidade implique a perda da nacionalidade brasileira, nas hipóteses em que a segunda ou múltipla nacionalidade se der em condições sob as quais se tratar de nacionalidade primária em relação a ambos os Estados, poderá ser admitida a condição chamada polipatridia. Quando uma pessoa é nascida em um Estado que adote o critério territorial para o reconhecimento da nacionalidade, ao mesmo tempo em que um ou ambos seus genitores sejam nacionais de outro Estado, que a seu turno adote o critério consanguíneo.Nesse caso, o indivíduo nasce com direito à nacionalidade originária em ambos os Estados, que assim a reconhecem, e não pode ser forçada a optar por apenas uma delas, tendo inclusive a possiblidade de regularizar esse direito posteriormente ao nascimento. Existe uma quantidade razoável de pessoas que possuem o que comumente se chama binacionalidade ou dupla nacionalidade, que possui o nome técnico de polipatridia, sobretudo no mundo globalizado. A polipatridia não é de particular interesse do Estado brasileiro quando uma das nacionalidades reconhecidas originariamente for a local. Nessa hipótese, julgam-se os nacionais conforme a ordem jurídica do Estado que os reconhece. Contudo, quando se tratar de situação em que o Brasil seja o “terceiro Estado”, no sentido de uma pessoa possuir mais de uma nacionalidade estrangeira, utiliza-se o critério da nacionalidade considerada mais efetiva: aquela do Estado onde a pessoa fixar domicílio ou onde for possível aferir laços fáticos entre o nacional e o Estado que reconhece a nacionalidade. Por outro lado, a apatridia é a condição sob a qual uma pessoa não possui nenhuma nacionalidade, ou não tem sua nacionalidade reconhecida por nenhum Estado. Trata- se de condição rara preocupante para a sociedade internacional por dois motivos: por um lado, essas pessoas não estão protegidas por nenhum ordenamento jurídico; por outro lado, isso dificulta sua responsabilização por atos ilícitos praticados no território dos Estados, uma vez que, por exemplo, não é possível deportá-la. Veja os casos em que a apatridia pode ocorrer: Renúncia voluntária da nacionalidade. Mudanças territoriais e inadequação dos tratados sobre povoamento. Perda da nacionalidade segundo a legislação pertinente. Conflito das leis de nacionalidade, na hipótese de uma pessoa nascer no território de Estado que adote o critério consanguíneo, possuindo genitores nacionais de Estado que adote o critério territorial. A sociedade internacional, preocupada com a situação das pessoas apátridas, produziu dois documentos normativos para dar tratamento jurídico à sua condição e erradicar ou, ao menos, reduzir a incidência desse fenômeno. Esses documentos são a Convenção de 1961 para Reduzir os Casos de Apatridia e a Convenção da Haia de 1930 sobre Determinadas Questões Relativas aos Conflitos de Leis sobre a Nacionalidade e seus Protocolos. Aplicando o conhecimento Vamos falar sobre como são realizados os regramentos sobre a aquisição e perda de nacionalidade! Confira o caso a seguir. Elke Georgievna Grunnupp, conhecida como Elke Maravilha, foi uma celebridade no Brasil que viveu por um longo período sob a condição de apátrida. Elke alegava que nasceu em São Petersburgo, na atual Rússia, sendo filha de pai russo e mãe alemã. Segundo relatava, a família mudou-se para o Brasil em 1951, quando Elke possuía 6 anos de idade, fugindo do regime stalinista, que deixou de reconhecer a nacionalidade de seu genitor. Obtiveram a nacionalidade brasileira, em cujo registro consta ter Elke nascido na Alemanha, país que afirmava ser de origem somente de sua genitora. Por volta dos 20 anos, Elke começou sua carreira como modelo e atriz e ganhou notoriedade nacional por meio dela. Elke participou de programas de TV prestigiosos e envolveu-se em diversas situações polêmicas, algumas delas sobre seus 8 matrimônios, com cônjuges de diversas nacionalidades. Em 1972, Elke protagonizou uma situação envolvendo as autoridades do regime militar, ao rasgar cartazes de "procurado" de Stuart Angel (filho de sua amiga, a estilista Zuzu Angel, que já havia sido assassinado pela Ditadura) no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Em razão desse ato, Elke foi presa por seis dias com fundamento na Lei de Segurança Nacional e teve declarada a perda da nacionalidade brasileira, o que resultou na sua apatridia. Após o fim da Ditadura Militar, Elke recusou a anistia e também se recusou a requerer a reaquisição da nacionalidade brasileira, alegando que o Estado deveria reconhecê-la de ofício, sem que ela precisasse pedir perdão por seu ato ou manejar o processo administrativo. Elke considerava injusto ter que tomar medidas, uma vez que foi o Estado que praticou arbitrariamente o ato da destituição da sua nacionalidade. Após muitos anos na condição de apátrida, Elke solicitou e obteve a nacionalidade alemã conforme o critério consanguíneo adotado pela Alemanha para o reconhecimento da nacionalidade. Contudo, não deixou a condição de residente no Brasil, uma vez que sua vida e sua carreira se consolidaram no país. Após a leitura do case, é hora de aplicar seus conhecimentos! Questão 1 Elke Maravilha, em entrevista, descreveu sua vinda para o Brasil da seguinte maneira: “Chegamos na Ilha das Flores, na Baía de Guanabara, que recebia imigrantes. Meu avô paterno, que era mestiço de viking com azerbaijano, minha avó paterna, que era mongol, minha mãe, que era alemã, meu pai, que era russo, e eu, que não era nada”. No entanto, nem todas essas informações foram comprovadas, tendo vindo à tona, posteriormente, o documento de identidade que fora apreendido pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) quando ela foi presa e perdeu sua nacionalidade brasileira. Considerando o enunciado e o case, assinale a alternativa correta. A Elke já era apátrida quando chegou ao Brasil em razão da perda da nacionalidade russa por seu pai. Elke tinha razão com relação a não requerer a B reaquisição da nacionalidade brasileira, que poderia e deveria ter sido devolvida de ofício pelo Estado. Elke poderia ter evitado a condição de apátrida C facilmente, uma vez que a Alemanha adota o critério Jus sanguinis para o reconhecimento da nacionalidade. Elke não poderia ter evitado a condição de apátrida pois, se solicitasse o reconhecimento da D nacionalidade alemã a que fazia jus, deveria necessariamente renunciar à nacionalidade brasileira, o que não se mostrava útil por residir no Brasil. E O Brasil não reconhece o conceito de apatridia e suas consequências. Parabéns! A alternativa C está correta. Elke fazia jus ao reconhecimento da nacionalidade alemã em caráter primário em razão da sua consanguinidade, ou seja, do fato de sua genitora ser nacional daquele Estado. Por essa razão, Elke não precisaria renunciar à nacionalidade brasileira para requerer a alemã. Enquadrando-se na hipótese de justa polipatridia, Elke optou por vários anos pela apatridia como manifestação de seu pensamento político e social. Questão 2 Com relação ao exercício dos direitos políticos por Elke Maravilha e considerando a descrição do case, o que você pode afirmar? Durante o período em que possuiu nacionalidade A brasileira, Elke poderia concorrer a qualquer cargo eletivo. B Elke Maravilha jamais poderia ter concorrido a nenhum cargo eletivo. Elke Maravilha poderia concorrer mesmo em eleições C ocorridas no período em que se encontrava sob o status de apátrida. D Elke jamais poderia ter concorrido a nenhum cargo eletivo no Poder Executivo em âmbito federal. E Eike poderia concorrer ao cargo de presidente. Parabéns! A alternativa D está correta. A pessoa naturalizada brasileira pode concorrer a cargos eletivos, excetuando-se a presidência e a vice-presidência da República. No Poder Legislativo, embora pudesse concorrer, ainda que fosse eleita, a pessoa naturalizada não poderia ascender à presidência de nenhuma casa legislativa em nível federal. Questão 3 Quando criança, Elke sonhava com uma carreira de delegada de polícia no Brasil. A partir da análise que foi efetuada com base no caso, ela pode ocupar esse cargo? Digite sua resposta aqui Exibir solução Qualquer cidadão nascido em território nacional e os brasileiros naturalizados podem concorrer a cargos eletivos. Entretanto, a Constituição federal, conforme art.12, § 3º, inciso I, reserva o direito ao cargo de presidente e de vice-presidente da República de forma privativa ao brasileiro nato. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 A