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FISIOTERAPIA INTENSIVA EM NEOPEDIATRIA E HOME 
CARE 
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SUMÁRIO 
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 3 
2. MÉTODOS ............................................................................................................ 7 
3. RESULTADOS ..................................................................................................... 9 
4. DISCUSSÃO ......................................................................................................... 9 
4.1 Programa UTI Pediátrica ............................................................................................... 18 
4.2 Tratamento Domiciliar .................................................................................................... 23 
4.3 Rede de Suporte Tecnológico Domiciliar à Criança Dependente de Tecnologia 
Egressa de um Hospital de Saúde Pública ........................................................................ 25 
4.4 A Necessidade de Suporte Tecnológico Material é Reconhecida Como uma 
Categoria per se ......................................................................................................................... 27 
4.5 O Atendimento Domiciliar à Criança Dependente de Tecnologia .................... 27 
4.6 A Assistência Domiciliar Traz, Junto às Incontestáveis Vantagens, Muitas 
Questões a Resolver ................................................................................................................. 28 
4.7 A Tecnologia Redefine o Espaço no Lar e o Significado dos Papéis de Pais e 
Mães 29 
4.8 A Criança Dependente de Tecnologia e o Atendimento Domiciliar Pediátrico 
do IFF ............................................................................................................................................. 31 
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 39 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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NOSSA HISTÓRIA 
 
 
 
 A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, 
em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-
Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo 
serviços educacionais em nível superior. 
 A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de 
conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação 
no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. 
Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que 
constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de 
publicação ou outras normas de comunicação. 
 A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma 
confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base 
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições 
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, 
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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1. INTRODUÇÃO 
 
Os anos 2000 do século XXI marcam o alvorecer de um debate importante para 
o cuidado à saúde de crianças e adolescentes, cuja existência pode ser qualificada 
como especial ou complexa, desafiando as expectativas de uma não sobrevivência 
frente às dependências tecnológicas. Citamos ainda o reconhecimento pela 
Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2003, da mudança no cenário 
epidemiológico, com a relevância da atenção às condições crônicas como 
reorientadora dos desenhos de atenção e gestão de redes. Essa definição da OMS 
incorpora e reúne o que há em comum entre situações de saúde tão diversas, 
colocando na agenda internacional uma indução para a reorganização do sistema de 
saúde com foco menos no modo de transmissão das doenças e mais no seu curso e 
duração para os sujeitos e impacto para o sistema. 
A definição de condição crônica engloba tanto as doenças crônicas quanto as 
doenças infecciosas, como a tuberculose e a AIDS, e as mais variadas deficiências. 
Isso porque têm características em comum, como temporalidade e continuidade do 
cuidado, controle de sintomas e longitudinalidade da atenção, interrupção e 
incorporação de rotinas de vida. 
No entanto, há que ponderar que quando reunimos condições de saúde 
distintas, e sobre as quais incidem símbolos de discriminação social, corremos o risco 
de desconhecer que o processo saúde-doença-cuidado é mediado por trocas sociais, 
por jogos de afirmação, lutas por reconhecimento. Nesse caso, os movimentos 
associativos de pessoas que vivem com HIV/AIDS e o movimento social das pessoas 
com deficiências - somente para citar duas experiências no campo das identidades 
ligadas ao viver com doenças e ou deficiências de curso crônico - são exemplares na 
afirmação dos direitos e lutas contra a discriminação. Por esse motivo, ser 
reconhecido como “pessoa com condição crônica de saúde” pode diluir as 
especificidades que muitas vezes são reorientadoras de práticas, políticas e ações 
afirmativas. 
Esse ponto toca diretamente o presente artigo e diz respeito à necessidade de 
buscar definições e conceitos que contribuam para um diálogo mais efetivo com as 
características, demandas e necessidades de um contingente de crianças que podem 
ser reconhecidas como crônicas, mas que acima de tudo se diferenciam por graus de 
complexidade no uso dos serviços de saúde, no aporte tecnológico que garante suas 
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funções vitais em espaços hospitalares ou domiciliares, e que nascem e vivem boa 
parte de sua infância dentro de enfermarias ou unidades de tratamento intensivo de 
hospitais pediátricos. Ao propormos recomendações e destacarmos linhas de 
cuidado, precisamos acionar a revisão de definições, em um esforço de reconhecer 
que definições estão associadas às práticas, orientam formações profissionais, 
induzem políticas. 
Um antecedente desse esforço de identificar e definir melhor essas crianças e 
suas demandas está reunido em torno do conceito de crianças com necessidades 
especiais de saúde (CRIANES). Essa definição reconhece que essas crianças são 
especiais relacionando as suas necessidades ao uso da tecnologia, ao cuidado 
multidisciplinar e ao uso recorrente e intenso dos serviços de saúde. Ela se apresenta 
como um marco teórico no campo de pesquisas em enfermagem, com destaque para 
a demanda de cuidados especiais de saúde no domicilio, que são de natureza 
contínua e complexa. 
Essa noção de complexidade é incorporada para qualificar e diferenciar uma 
condição crônica das doenças crônicas mais prevalentes. Daí, lê-se a condição 
crônica complexa (CCC) em pediatria como destacando e especificando na própria 
definição a presença da limitação de função física e/ou mental, a dependência 
medicamentosa, dietética, tecnológica, a necessidade de terapia de reabilitação física, 
de linguagem, deglutição e de cuidados multiprofissionais. Da definição de CCC faz 
parte a referência à duração da condição crônica complexa de ao menos 12 meses, 
que compromete diferentes sistemas orgânicos, ou severamente ao menos um 
sistema, requerendo cuidado pediátrico especializado e algum período de 
hospitalização em um centro de cuidado terciário. Os sistemas orgânicos são 
identificados por categorias diagnósticas padronizadas pela Classificação 
Internacional de Doenças (CID): doenças do aparelho neuromuscular; cardiovascular; 
respiratório; renal; gastrointestinal; hematológico ou imunológico; metabólico; outros 
defeitos genéticos ou congênitos; neoplasias. 
Optamos, assim, por assumir que crianças e adolescentes com CCC são mais 
do que marcadas pela cronicidade; são resultado de um nascimento, crescimento e 
desenvolvimento qualificado pela complexidadetratamento: tomadas suficientes e rede elétrica para 
alimentar os aparelhos eletroeletrônicos, rede de água que possibilite assepsia de 
material e telefone, fundamental em uma assistência baseada na comunicação entre 
as partes. Tais elementos são indispensáveis ao desempenho das tarefas 
assistenciais e podem significar a linha de corte ou admissão. 
Assim, a clientela assistida (mesmo no sistema de saúde pública e gratuita) 
carece de um mínimo de condições geográfico/socioeconômicas que permitam 
estabelecer uma estrutura básica que garanta o funcionamento de equipamentos e a 
própria assistência. 
O equipamento pode ter origens diversas, em diferentes acordos de 
empréstimo, doação, cessão, aluguel, etc. Pode ser do próprio hospital, de apoios 
como REFAZER (ONG beneficente ligada ao IFF), Secretarias Municipal ou Estadual 
de Saúde, ou empresas prestadoras de serviço (White Martins, Air Liquide) a mando 
destas. 
 
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Estes determinam que as prestadoras de serviço entreguem suprimentos, 
façam manutenção, reposição, etc. Cada criança tem seu cadastro na empresa, de 
forma que esse contato e posterior solução de problemas possam ser definidos por 
telefone. 
Esse serviço pode ser prejudicado se houver inadimplência do Estado frente às 
empresas fornecedoras ou prestadoras de serviços. 
Alguns insumos podem ser fornecidos pelo IFF, obtidos por médicos do 
hospital, pela ONG Refazer ou, quando possível, adquiridos pela família. Pedidos 
feitos em programas televisivos e radiofônicos de apelo popular também são um 
recurso ao qual algumas recorrem. Essa necessidade de caminhos alternativos para 
o acesso aos dispositivos aponta uma insuficiência da oferta oficial. 
Esse repasse de responsabilidade para a família gera uma forma 
individualizada de obtenção de recursos, que não conta com um suporte ou garantia 
por parte do sistema de saúde. O resultado pode ser tão desigual quanto os desfechos 
encontrados em diferentes esferas governamentais. 
Assim, a garantia de fornecimento regular, ou com interrupções previstas, pode 
exigir esforços em vários níveis e diferentes esferas administrativas. 
Orientados pelo PADI quanto ao protocolo burocrático, pais que têm suficiente 
esclarecimento e persistência conseguem alguns insumos e equipamentos a cargo do 
Estado. Devem ser procuradas as Procuradorias e Juizados da Criança e Adolescente 
do município em que a criança reside. 
Todas as crianças usam pelo menos um equipamento diariamente. Estes são 
ligados à terapia respiratória, administração de medicamentos, alimentação e outras 
formas de cuidado de base tecnológica. 
O cuidado técnico envolve uma gama de atividades tais como assistir a criança 
quando ela está usando equipamento, monitoramento por observação próxima e/ou 
uso de dispositivos secundários, manejo do equipamento, limpeza e preparação para 
o uso, prover suprimentos e gerenciar reservas, manter a interface entre o 
equipamento e o corpo (por exemplo, cuidado nos locais de entrada e saída, troca de 
sondas), acessar suporte técnico/médico de outros, seja do hospital, PADI ou da 
empresa terceirizada. 
 
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Nenhuma pesquisa feita em domicílio, na literatura estrangeira consultada, faz 
menção a um fator constantemente citado nas dissertações nacionais: as dificuldades 
relativas à higiene. 
A precariedade de saneamento básico e de serviços impõe um problema 
adicional, dificultando o manuseio, lavagens e a manutenção dos níveis de assepsia 
necessários ao local e uso de dispositivos/insumos. 
A clientela-alvo do IFF é de extrato social mais baixo, moradora da periferia, 
onde o abastecimento é deficiente. Três das mães entrevistadas não tinham 
saneamento básico ou fornecimento regular de água em casa. 
A questão dos custos com material está sempre presente no discurso. 
Uma das principais justificativas para a criação de sistemas de atendimento 
domiciliar é a de redução de custos com a desospitalização. Mas este custo é em 
parte repassado à família, que muitas vezes assume despesas com insumos: 
"O cuidado destas crianças no domicílio diminui os gastos com despesas 
hospitalares para os cofres públicos, mas oneram ou tornam insustentável o cuidado 
familiar com vistas à garantia de qualidade de vida para estas crianças"11. 
Wegener e Aday30 concluíram que a restrição financeira é o mais poderoso 
fator de estresse familiar para as famílias de CDTs. 
Os dispositivos e insumos são caros e de difícil obtenção, e aparelhos mais 
sofisticados podem ser excluídos do sistema de saúde pública: 
Aí eu dei entrada no Juizado, aí a Defensora fez o pedido através da Prefeitura. 
Mas o senhor César Maia recorreu [...] Recorreu do pedido. Ele fez, não sei porque, 
com todas as documentações, todas as coisas e provas que eu levei para a 
Defensora, mesmo assim ele recorreu. Mas ontem eu tive uma boa notícia [...] o Juiz 
deu ganho de causa pra gente. 
Então, já sei que ta com ganho de causa. Já é mais fácil, agora só falta algumas 
coisinhas lá, mas ainda deve demorar um pouquinho [...] já fiz antes o mesmo pedido 
pelo Estado e ela recebeu logo, só que ela resolveu (a Defensora) pedir pela 
Prefeitura, já que os aparelhos são todos do Estado, então resolveu dar entrada pela 
Prefeitura e a gente ganhou um não na cara [...] 
 
 
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Quando o rapaz da empresa que representa o fabricante do aparelho chegou 
para entregá-lo, ele disse que nunca tinha visto uma família pobre conseguir um 
daqueles. 
O ambiente doméstico é onde a criança e os cuidadores enfrentam o maior 
desafio: o imperativo de abarcar o processo, desenvolver um modo operatório gerido 
com relativa autonomia. Tal competência a ser criada tem que ser abrangente e 
eficiente em situações de rotina ou extraordinárias. 
A finalidade é bastante clara, a manutenção da vida, mas os procedimentos e 
mecanismos empregados são misteriosos e o sujeito não se beneficia de 
conhecimentos anteriores que permitam comparações e associações. Soma-se a 
esse contexto a baixa escolaridade e pouco contato com eletroeletrônicos mais 
sofisticados. 
É imposto ao cuidador um elemento misterioso e intrincado, diferente de tudo 
que ele já viu antes, do qual depende a vida da criança. E, de acordo com Dejours, "o 
medo aumenta com a ignorância. Quanto mais a relação homem-trabalho está 
calcada na ignorância, mais o trabalhador tem medo". 
Dada a inexperiência e falta de conhecimento prévio que facilite o 
entendimento, ocorrem eventos dramáticos onde o cuidador experimenta tensão, 
isolamento e sensação de desamparo: 
"E a primeira vez que eu passei sozinha (saiu a sonda de gastrostomia do 
lugar), eu falei ai meu Deus, me ajuda, é eu e o Senhor agora [...] aquela tremedeira, 
eu falei, agora fica calma". 
O equipamento, seu uso e manutenção representam um corpo estranho, cuja 
operacionalidade e entendimento pertencem ao especialista. 
O cuidador que se sai com sucesso de imprevistos e situações críticas é 
simbolicamente alçado a essa categoria, com o reconhecimento implícito de que tal 
grau de complexidade pertence à esfera do profissional de saúde: 
[...] aquilo soltou e entrou dentro da garganta dela, ficou lá dentro. Nem os 
médicos sabiam que aquela traqueo desencaixava do coisa (sic) que fica no pescoço. 
Aí eu olhei, o coisa dentro da garganta e o troço solto. Isso era três horas da 
manhã, minha filha lá morrendo engasgada, o que eu vou fazer? 
A sorte é que tirei tudo, troquei, fiz os procedimentos e só liguei no outro dia 
pro médico e disse olha, tive que fazer isso assim. Ele disse "você está de parabéns, 
tomou atitude de doutora [...] 
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Os episódios observados ilustram o que Dejours e Molinier apresentam sobre 
"trabalho como enigma": a necessidade de enfrentar o que não está dado pela 
organização prescrita do trabalho. 
O cuidador tem de suplantar o que não foi previsto, as insuficiências e as 
contradições das instruçõese dos sistemas técnicos. Existe uma confrontação entre 
a prescrição teórica e a prática onde as lacunas têm de ser preenchidas, às vezes a 
duras penas. 
Dejours enfatiza que, num trabalho que envolva riscos na relação homem-
máquina, "a preparação técnica [...] é também uma preparação psicológica para o 
incidente, o imprevisto, o acidente. 
" Brument et al. ressaltam aspectos necessários à aquisição de conhecimento 
técnico: a formação deve proporcionar [...] meios de compreender o que se passa no 
funcionamento normal, mas também agir com conhecimento de causa nos períodos 
conturbados: incidentes, arranques ou paradas. Isso exige que o operador conheça 
mais do que os modos de utilização e procedimentos. 
 
O atendimento domiciliar pediátrico para crianças dependentes de tecnologia 
complexa e seu estudo têm expressão no panorama mundial. 
Porém, no Brasil, esse tipo de cuidado é incipiente e o PADI vem realizando 
um trabalho pioneiro. 
As circunstâncias em que esse cuidado ocorre são determinadas pelas 
condições socioeconômicas e geográficas do serviço público de saúde no Rio de 
Janeiro e merecem mais estudo. 
Segundo Popkin e Goulart apud Schramm et al.a modificação no perfil de 
saúde da população em que as doenças crônicas e suas complicações são 
prevalentes resulta em mudanças no padrão de utilização dos serviços de saúde e no 
aumento de gastos, considerando a necessidade de incorporação tecnológica para o 
tratamento das mesmas. 
Estes aspectos ocasionam importantes desafios e a necessidade de uma 
agenda para as políticas de saúde que possam dar conta das várias transições em 
curso. 
 
 
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A escalada tecnológica, o modelo hospitalocêntrico ainda vigente, a pouca 
valorização na educação médica e de outros profissionais em relação aos aspectos 
referentes à promoção e prevenção, a necessidade de novas instâncias de cuidados 
(além do hospitalar e do ambulatorial clássicos), as marcantes deficiências qualitativas 
e quantitativas da força de trabalho em saúde e o desenvolvimento de programas e 
políticas custo-efetivas são elementos a serem considerados no desenvolvimento dos 
futuros modelos tecno-assistenciais em saúde. 
Algumas conclusões se destacam: o atendimento domiciliar voltado para a 
criança dependente de tecnologia na saúde pública depende de alguns fatores 
essenciais, derivados tanto das suas especificidades terapêuticas quanto das que são 
geradas pelos seus equipamentos e dispositivos de apoio. 
Kirk reforça a importância de profissionais de saúde, tomadores de decisão 
políticos e sociais, grupos interessados, revendedores e redes comunitárias de 
suporte abordarem de forma adequada as necessidades das crianças e de suas 
famílias. 
As políticas sociais não deveriam ser desenvolvidas de forma a categorizar os 
dispositivos médicos (racionalismo tecnocrático) e calcular a eficiência econômica 
(racionalismo econômico). Elas devem adotar valores e éticas essenciais ao sustento 
da dignidade dos seres humanos (razão de valores). 
O Estatuto da Criança e do Adolescente garante "o direito à vida e à saúde, 
mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e 
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência", frisando o 
papel das políticas públicas na garantia de tais direitos. Porém, não especifica 
instâncias responsáveis nem canais competentes. 
Schachter e Holland47enfatizam que "a transferência de responsabilidade pelo 
cuidado do paciente das instituições para os membros da família está produzindo uma 
gama de questões que demandam soluções sociais, éticas, psicológicas, econômicas 
e políticas." 
A Criança Dependente de Tecnologia e sua família enfrentam um desafio. Esta 
não é reconhecida como um grupo particular de pacientes, permanecendo à margem 
de conceituações, apesar de ser uma população numericamente expressiva. Além 
das dores físicas e psíquicas que ela e seus familiares enfrentam, depara-se com a 
dificuldade e a precariedade, em vários aspectos. 
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Para o desempenho das tarefas engajadas em tal cuidado, faz-se necessária a 
disponibilização de informação, serviços integrados e coordenados em níveis 
estratégicos e operacionais, treinamento estruturado, transparência de processos e 
atribuições de responsabilidade. 
A resposta ao enigma da tarefa reside nas estratégias de cooperação entre os 
agentes, engenhosidade e mobilização dos sujeitos implicados. 
No funcionamento em âmbito doméstico com suporte na Saúde Pública, esta 
ampla malha de cuidado domiciliar deve viabilizar articulações dinâmicas em 
diferentes níveis: administrativo/executivo, federal/municipal/estadual, 
público/privado, hospital/casa. 
Os elementos desta rede têm que cooperar/colaborar num grau mínimo que 
permita a formação de um verdadeiro sistema de cuidado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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5 
 
 
As CCC são predominantemente irreversíveis e representam um elevado custo 
social para os pacientes e suas famílias, exigindo adaptações domésticas e 
comunitárias e um sistema de saúde ágil. O aumento desses casos pode resultar em 
uma maior demanda por cuidados e hospitalização, uma vez que dados 
internacionais apontam que crianças com necessidades especiais de saúde passam 
7 vezes mais tempo internadas (552 vs. 90 dias por 1.000; pa seleção dos especialistas, o processo de validação das recomendações 
foi dividido em três etapas. Na primeira, foi construído um documento síntese da 
pesquisa, enviado por meio eletrônico para leitura, juntamente com três artigos 
científicos sobre a temática 3,6,9. Cada uma das recomendações foi pontuada numa 
escala de 0 a 10, em que zero equivalia à exclusão e dez significava importância 
máxima. Abaixo de cada item o especialista poderia escrever sugestões de mudança 
ou fazer observações sobre o conteúdo ou redação. 
Finalizada a primeira etapa, a equipe da pesquisa consolidou os resultados 
obtidos por meio de instrumento online do tipo survey, verificando o consenso de 
opiniões de acordo com Souza et al. 22, valendo-se da análise de médias e desvio 
padrão, em que médias menores que sete e/ou desvios padrão maiores que dois são 
considerados dissensos. Nessa etapa, nenhuma recomendação foi excluída. Com 
base nessa análise e levando-se em consideração as sugestões/inclusões dos 
especialistas, a lista de recomendações foi reformulada pela equipe da pesquisa. 
A terceira etapa ocorreu presencialmente, nos dias 3 e 4 de agosto de 2015, 
no IFF, durante o Painel de Especialistas sobre Atenção às Crianças e Adolescentes 
com Condições Crônicas Complexas de Saúde. Nesse evento, a nova lista foi 
apresentada e cada especialista defendeu a nota e as sugestões/inclusões 
concedidas a cada recomendação. Ao final da conferência, a equipe da pesquisa 
realizou nova consolidação dos dados obedecendo aos mesmos parâmetros da 
primeira análise, de modo a reformular a lista de recomendações para uma nova 
rodada de pontuação pelos especialistas, desta vez presencialmente, embora ainda 
individual, encerrando o evento. 
 
 
 
 
 
 
9 
 
 
3. RESULTADOS 
 
O tratamento estatístico dos dados da última rodada demonstrou o consenso 
em relação à maior parte das recomendações, tendo sido excluída apenas uma delas. 
Assim, foram elencadas numa figura 13 recomendações validadas por especialistas. 
A análise posterior realizada no conjunto validado possibilitou a categorização 
dessa lista em três dimensões lógicas, consideradas pelos autores como categorias 
relevantes à análise de uma linha de cuidados sobre CCC, são elas: (1) complexidade 
do tema, média de permanência elevada e necessidade de redefinições; (2) 
complexidade de requalificação do ambiente e da equipe multiprofissional na 
hospitalização e desospitalização; (3) necessidade de advocacy e de visibilidade 
pública. 
 
4. DISCUSSÃO 
 
Baseando-se nas três dimensões apresentadas, cabe um esforço de gerar não 
somente uma apresentação pública sobre as mesmas, mas uma síntese dialogada 
com a literatura. Assim, evocamos a perspectiva teórica dos Estudos Sociais de 
Ciência e Tecnologia, cujas referências vão ao encontro da Teoria Ator-Rede e da 
Teoria dos Sistemas. A primeira, tem em Bruno Latour eAnnemarie Mol duas de suas 
referências para fundamentar as interações entre humanos e não humanos no âmbito 
das associações que conformam grupos e suas agências, bem como a interface entre 
tecnologias e as lógicas em saúde, que transitam com a escolha e o cuidado 
complexo. A segunda tem por base as discussões de Maturana& Varela sobre 
complexidade e dinâmica dos organismos vivos. 
O primeiro aspecto digno de nota diz respeito ao fato de que a complexidade 
não se restringe à dimensão da organização do sistema de saúde, mas se caracteriza 
como uma qualidade do estado de vida e saúde dos seres humanos, e na radicalidade 
se coloca como um diferencial, um qualificativo da surpresa que a vida desse grupo 
de crianças representa. A surpresa comparece na interface entre vida e tecnologia, 
inviabilidade prevista de início e surpresa por essas crianças superarem prognósticos 
negativos e se tornarem possíveis. Nessa direção, seus corpos desafiam a natureza 
e nos impulsionam, por exemplo, a assumir a complexidade como inerente à sua 
existência. 
10 
 
 
A presença da tecnologia, materializada nos equipamentos, máquinas, 
próteses e adaptações variadas, se coaduna com as necessidades de crianças cada 
vez menores expostas às imprevisibilidades e desafios do nascimento com corpos 
que necessitam de correções cirúrgicas frequentemente. 
Mendes, ao discutir redes de atenção à saúde e a relação entre sistemas 
integrados e fragmentados, problematiza o entendimento do que seja complexidade e 
as consequências desta definição para uma distorção e desvalorização das práticas 
qualificadas como não complexas. Reforça ainda que esse equívoco ao definir 
complexidade fazendo equivaler a atenção primária à saúde um caráter de “menor 
complexidade” do que a atenção nos níveis secundário e terciário, provoca uma 
banalização da atenção primária à saúde e uma sobrevalorização, seja material, seja 
simbólica, das práticas que exigem maior densidade tecnológica e que são 
exercitadas nos níveis secundário e terciário de atenção à saúde. 
Dialogando com essa crítica, e considerando que a condição de complexidade 
associada à condição crônica é um diferencial nas crianças e adolescentes aqui 
destacados, vale considerar como Mendes aponta a complexidade como algo inerente 
aos sujeitos e não algo de caráter organizacional. E aqui ressaltamos, não é um grupo 
de sujeitos qualquer: são crianças, marcadas por limites físicos, com funções 
comprometidas e que precisam de suportes tecnológicos, cujos corpos são ligados a 
máquinas que as tornam viáveis, que dependem de monitoramento da fragilidade 
física, possibilitando uma estabilidade sempre em alerta. A esses sujeitos liga-se a 
definição de sistemas complexos, ou de complexidade de saúde que os qualifica e 
caracteriza. 
Na primeira dimensão das recomendações, essa necessidade de definições 
que possam deixar claro de que crianças estamos falando, sintoniza com essa 
discussão de sistemas complexos e de uma construção de corpos infantis onde se 
concretizam híbridos entre corporeidade e tecnologia. Cabe destacar aqui que essas 
crianças desafiam padrões de desenvolvimento e reinventam outras formas de se 
fazer entender e de se relacionar com sondas, bombas de infusão, tubos de 
traqueostomias e gastrostomias. Cada tecnologia dessas se torna parte de seus 
corpos e passa a ser incorporada, gerando outros usos e funções. Funções de relação 
entre humanos e não humanos, conexões múltiplas que geram associações 
produtoras de vida. 
11 
 
 
Destacamos a necessidade de reconhecer que a complexidade é inerente à 
definição de condição crônica, e acompanha as crianças marcadas por estas 
condições onde quer que elas estejam. E no caso da pesquisa que conduzimos, as 
evidências da análise dos dados nos levam a reconhecer e reafirmar que os leitos de 
enfermarias de pediatria geral são hoje locais onde essas crianças podem estar 
hospitalizadas, com o uso de equipamentos e tecnologias que talvez até 20 anos atrás 
estivessem restritas às unidades de terapia intensiva. Uma característica marcante e 
um diferencial nessas definições talvez se concentre em dois enquadres: (1) 
complexidade e média de permanência elevada; (2) complexidade e requalificação do 
ambiente e da equipe multiprofissional na hospitalização e desospitalização. 
Dado o caráter crônico dessas condições e o avanço no cuidado, sobretudo 
pelo aporte crescente e progressivo da tecnologia nas intervenções terapêuticas, 
criou-se um grupo emergente de adolescentes e adultos com doenças que 
começaram na infância. A transição desse cuidado deve considerar não somente o 
estabelecimento de serviços capazes de lidar com as suas demandas e necessidades, 
mas com a criação de um novo perfil de profissional, com dupla formação pediatria-
clínica de adultos, ou ainda com a inauguração de uma nova parceria consultiva do 
pediatra hospitalista com os clínicos que assumirão o cuidado de tais pacientes com 
doenças que iniciaram na infância. 
Aqui ampliamosas discussões anteriores apontadas pela literatura 
internacional, a fim de indicar a necessidade de que não se restrinja o cuidado a essas 
crianças como um cuidado estritamente pediátrico, no sentido da especialidade e 
intervenção médica. A urgência de uma equipe multidisciplinar - com fisioterapeutas, 
enfermeiros e técnicos de enfermagem, fonoaudiólogos, nutricionistas, pedagogos, 
assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e psicólogos - é uma necessidade, com 
as devidas organizações destas equipes no cuidado. 
Há que se considerar que essas crianças no hospital encontram-se sob a 
responsabilidade das equipes de saúde e que a alta para casa, após longos períodos 
de internação, gera outros arranjos familiares com o apoio técnico, que nem sempre 
se dá de forma presencial. Do mesmo modo, há que se reconhecer que as equipes 
de saúde envolvidas no cuidado nem sempre estão preparadas para a complexidade 
do cuidado que essas crianças exigem 1. 
 
12 
 
 
Destaca-se nesse ponto a importância de um efetivo modelo de regionalização 
de cuidados em saúde para essa população, a fim de evitar a impossibilidade do 
acesso a esses serviços. Nota-se também uma necessária associação e articulação 
entre os diferentes prestadores de serviços de atenção em saúde, incluindo aí o 
planejamento da transição para clínicas de cuidado em saúde, ações estas focadas 
em uma perspectiva de cuidado ampliado em saúde, inclusive com equipes 
multiprofissionais que possam participar diretamente desta transição de serviços. 
Um sistema de saúde que ainda está fragmentado e organizado por níveis de 
complexidade se mostra incoerente com o conceito de saúde preconizado pela atual 
política de atenção à saúde brasileira. Em 2013, foi instituída pela Portaria nº 252 do 
Ministério da Saúde, a Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas 
no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa rede de atenção à saúde consiste 
em arranjos organizativos, formados por ações em serviços de saúde, com diferentes 
configurações tecnológicas e missão assistencial, articulados de forma complementar 
e com base territorial, tendo diversos atributos com a articulação interfederativa entre 
os diferentes gestores da saúde, formação profissional e capacitação permanente. 
Quando assinalamos, ainda na segunda dimensão, a necessidade de ações 
que identifiquem as demandas por desospitalização e facilitem o diálogo nas 
transições para casa, não podemos deixar de problematizar a presença de dois pontos 
nevrálgicos: (1) quanto os serviços de base territorial estão preparados para atender 
essas crianças de forma contínua ou em situações de emergência. Incluindo os 
serviços de home care privados, que estão mais preparados para atender aos idosos 
acamados do que a esse grupo de crianças que ainda surpreende as formações 
profissionais dedicadas ao cuidado agudo; (2) o fato de ter uma criança crônica 
complexa em casa, após internações prolongadas, apesar de ser um desejo das 
famílias e um trabalho potente das equipes hospitalares, incrementa iniquidades de 
gênero com a sobrecarga feminina neste cuidado. 
A domiciliarização do cuidado de crianças crônicas complexas evoca as 
necessidades de investimento nas redes de apoio e no acesso a benefícios sociais 
que garantam outros suportes para o incremento de gastos de ordem material e 
afetiva. Nesse ponto, a terceira dimensão, que liga complexidade e ações advocacy, 
representa um papel estratégico se pensamos no lugar que estas ações ocupam na 
promoção da saúde e no reconhecimento de direitos, no diálogo organizado entre 
famílias, profissionais e legisladores formulando políticas sintonizadas com as 
13 
 
 
necessidades desse segmento, que possam dar visibilidade e reconhecimento às 
novas demandas por cuidado infantil. 
Existe uma preocupação legítima na transição do cuidado, por representar um 
momento crítico para a garantia da manutenção e da qualidade da assistência, sendo 
a comunicação um elemento-chave neste processo, resultando na proposição de um 
modelo para a sua implantação. Em muitas situações é o pediatra quem continua a 
prestar os cuidados para esse novo grupo, devido aos hiatos identificados no circuito 
demandas/serviços/profissionais especializados. 
Com relação à complexidade e à média de permanência hospitalar elevada, 
destacamos que na pesquisa em que se baseiam as recomendações o número de 
sistemas orgânicos afetados foi em média duas vezes maior entre os casos com CCC 
do que a média dos pacientes sem CCC. Tal dado indica que crianças com CCC 
possuem um risco aumentado para o desenvolvimento de condições crônicas físicas, 
comportamentais, do desenvolvimento ou emocionais e que requerem um maior uso 
de serviços de saúde que as crianças em geral, com o uso intensivo de internação, 
para cuidado complexo e internações superiores a 7 dias. 
Adicionado a isso, apresentamos algumas evidências: (a) a média de 
permanência geral em hospitais representa o tempo médio que o paciente fica 
internado; (b) a média de permanência hospitalar/Brasil/SUS/2014 em pediatria foi de 
6,1 dias; (c) as médias de permanência acima de 7 dias indicam risco aumentado para 
infecção hospitalar em hospitais com emergência aberta, e nestes hospitais a média 
varia entre 3 e 5 dias; (d) o aumento dessa média é influenciado pela faixa etária 
elevada (idosos), severidade e número de comorbidades associadas; (e) a Agência 
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) indica o monitoramento de pacientes com 
média de permanência superior a 8 dias, bem como o uso de hospitais de retaguarda 
e home care; (f) são consideradas no SUS internações de longa permanência aquelas 
superiores a 30 dias: psiquiatria, cuidados prolongados, pneumologia sanitária e 
reabilitação; e (g) Flores et al. consideram como muito prolongadas as internações 
maiores do que 20 dias. 
Após o exposto, consideramos a necessidade de redefinir o tempo de 
permanência esperado para crianças com condições crônicas complexas em 
enfermarias de pediatria geral. Deve-se incluir nessas faixas de aumento de média de 
permanência o grupo de crianças com CCC, para o qual a média de permanência 
esperada já é superior a 7 dias. 
14 
 
 
Também, é importante considerar a necessidade de diálogo com a Rede de 
Atenção Psicossocial para os aprendizados sobre a ação das Equipes de 
Desinstitucionalização, como mediadoras entre o ambiente de internação hospitalar 
para crianças com CCC com internações superiores a 30 dias e a Atenção Básica, 
proporcionando o cuidado pelas Equipes de Atenção Domiciliar. 
Um importante aspecto a ser destacado e estudado com relação à formação 
de redes de atenção e cuidado integral à saúde é a questão do “empoderamento” de 
profissionais envolvidos no processo, e como estes se sentem capacitados para o 
desempenho de sua atividade no âmbito domiciliar no contexto dos problemas 
crônicos. Compreende-se que o trabalho em rede, em que as ações de promoção de 
saúde ocorrem transversalmente dentro do sistema de saúde, poderia favorecer o 
desenvolvimento dos aspectos anteriormente citados, minimizando riscos de 
sobrecarga e estresse, além de favorecer a integração social e a qualidade de vida 
dessa população. 
Já no que diz respeito à complexidade e requalificação do ambiente e da equipe 
multiprofissional na hospitalização e desospitalização, na pesquisa a demanda foi 
maior por especialidades médicas e ações de promoção da saúde. Os procedimentos 
mais frequentes foram realização de exames e dependência tecnológica relacionada 
à respiração. As internações por CCC demandaram mais especialidade médica e de 
reabilitação, suporte clínico, ações de promoção da saúde e dependência tecnológica 
relacionada à alimentação do que as internações sem CCC. 
Por fim, cabe destacar que ao final da já referida pesquisa, das crianças que 
tiveram como desfecho a permanência da internação hospitalar,seis estavam 
aguardando decisões referidas às ações judiciais. Esse cenário de judicialização da 
saúde deve provocar discussões importantes, sem afirmações a favor ou contra, mas 
que problematizem limites e possíveis conquistas. É importante dizer ainda que essas 
crianças que saem da curva e estão situadas nos extremos das longas permanências, 
de mais de 12 meses, são aquelas que mais precisam ser consideradas na urgência 
das estratégias de promoção da saúde, considerando que mesmo hospitalizadas não 
interrompem seus processos de crescimento e desenvolvimento. 
Consonante com a definição anterior, afirmamos que o ecossistema das 
famílias das crianças e adolescentes com condições crônicas complexas evoca 
também uma complexidade digna de atenção. 
15 
 
 
Dessa discussão faz parte a consideração sobre o acesso aos benefícios 
sociais. A maioria das famílias recebia benefício de prestação continuada, mas a 
proporção foi menor entre as mães com menos de 20 anos de idade. Chama atenção 
o fato de que a presença de acompanhante permanente foi mais frequente entre as 
famílias não contempladas com o benefício de prestação continuada (BPC) do que 
entre as famílias beneficiárias. A escolaridade materna e a chefia familiar paterna não 
estão associadas com a presença de acompanhante permanente. 
Uma parcela das crianças com CCC internadas em unidades de terapia 
intensiva e enfermaria de pediatria geral encontra-se dependente de ventilação 
mecânica e traqueostomizada. Considerando que as crianças com condições crônicas 
complexas acabam por permanecer por mais tempo hospitalizadas, com o uso de 
equipamentos portáteis para ventilação mecânica e de tecnologias respiratórias e 
alimentares, o espaço físico das enfermarias precisa ser requalificado, com vistas a 
contemplar as suas necessidades de suporte tecnológico, acolhimento dos pais e 
garantia da presença dos mesmos durante a hospitalização e a perspectiva de um 
cuidado pautado no gerenciamento das dependências. A evolução tecnológica dos 
aparelhos de ventilação mecânica para equipamentos portáteis sofisticados possibilita 
atualmente que a ventilação de pacientes com CCC seja conduzida fora das unidades 
de terapia intensiva, em outras unidades de internação, ou no próprio domicílio do 
paciente. Para isso, é fundamental que a equipe multiprofissional e a família estejam 
capacitadas e orientadas. Em relação à qualidade de vida, a possibilidade da saída 
da terapia intensiva com o aparelho portátil e, consequente, investimento no 
crescimento e desenvolvimento da criança e dos vínculos com suas famílias, são 
vistos como fatores vantajosos para esses pacientes. 
Considerando que esse uso de equipamentos não se restringe a espaços de 
terapia intensiva, o seu manejo demanda uma requalificação e atualização profissional 
com vistas a positivar o seu manejo. Da mesma forma, em função dos longos tempos 
de permanência hospitalar, essas enfermarias precisam contar com suportes de 
promoção de saúde que possibilitem o acesso à qualidade de vínculos característicos 
da infância. 
Vale ressaltar que as maiores taxas de internação por condições crônicas, de 
complexidade variável, acontecem exatamente nos primeiros mil dias das crianças, 
ou seja, na faixa etária até os quatro anos, considerados estratégicos para o 
crescimento e desenvolvimento de habilidades motoras, sociais, comunicacionais e 
16 
 
 
cognitivas. Considerando-se que além de serem as que mais se internam são também 
as que ficam mais tempo internadas, quais os possíveis comprometimentos às 
perspectivas de futuro dessas crianças? Como deveríamos pensar sobre inovações 
nos hospitais pediátricos para oferecer estímulos positivos às mesmas, caso essas 
internações não sejam totalmente preveníveis? (porque são necessárias em função 
da própria complexidade da criança e de sua clínica, já esperadas por causa da 
condição crônica e do processo de amadurecimento dos sistemas). Ou seja, em 
perspectiva, valem ações que considerem a importância da promoção de saúde em 
hospitais pediátricos. 
Citamos aqui as abordagens lúdicas que incorporam estratégias terapêuticas 
de elaboração dos agravos e limitações nas rotinas, emoções e mobilidade. E aquelas 
relacionadas ao apoio educacional, mediação de leitura, artes e música. Por fim, as 
preocupações com a ambiência e arquitetura hospitalar, considerando o direto das 
mães e/ou pais acompanharem seus filhos, tendo espaços para repouso e 
permanência. 
Nesse ponto vale destacar que não somente as mulheres podem ou devem 
acompanhar as crianças, mas também os homens. E essa presença não pode ser 
interpretada como destoando do espaço, deslocando uma suposta “natureza feminina 
do cuidado”. Se pelas características próprias do cuidado que essas crianças 
complexas demandam há uma permanência prolongada na internação, por vezes por 
anos, vale incluir na arquitetura do espaço as condições físicas e materiais para a 
garantia do direito ao acompanhante. 
Na perspectiva das bases de apoio, sinalizamos as ações do voluntariado 
organizado, que em articulação com as equipes multiprofissionais podem potencializar 
ações que requalifiquem o cotidiano e suas relações institucionais. Sem que isso 
signifique um esvaziamento das garantias que o Estado tem de oferecer para a vida 
e incorporação desses novos sujeitos, crianças com CCC, no mundo da vida comum. 
Consideramos importante referir que crianças e adolescentes com condições 
crônicas complexas podem estar mais sujeitas às vulnerabilidades, pela invisibilidade 
de sua presença em espaços de vida comum. Esse grupo de crianças e adolescentes 
encontra-se muitas vezes restrito ao ambiente hospitalar ou a espaços técnicos de 
reabilitação. 
 
17 
 
 
Essas crianças desafiam as expectativas, e se anteriormente não sobreviviam, 
hoje ultrapassam as fronteiras hospitalares e vivenciam processos longos de 
judicialização e desospitalização para a garantia do direito de viver em casa, quando 
estabilizadas as suas funções. 
Aqui, ao induzirmos recomendações para uma linha de cuidados para essas 
crianças e adolescentes com CCC, precisamos acionar a promoção de saúde 
pensando desde o ambiente hospitalar com ações que valorizem a infância e não 
descontinuem suas vidas - brincar, classes hospitalares, mediação de leitura - como 
uma trajetória comunitária pós-alta. Nesse caso, é preciso reconhecer a centralidade 
das redes familiares no cuidado porque nos referimos às crianças e não podemos 
ignorar as suas capacidades, seu protagonismo e a possibilidade de que possam 
elaborar o seu processo de adoecimento pari passu com a aquisição de habilidades. 
Dessa forma, pode ser possível a construção gradativa de um protagonismo na 
expressão do seu mal-estar, de seus desejos, de suas dúvidas e suas expressões 
criativas no manejo do cuidado apoiado pela família. Nesse caso, os profissionais 
devem estar atentos e sensíveis às oportunidades de um cuidado centrado na família, 
mas também ao que este cuidado pode gerar de sobrecarga para a mesma, que pode 
atingir os grupos sociais de maneira diferenciada, de acordo com a renda, 
escolaridade, raça/etnia. 
Por fim, mas não menos importante, abrir uma agenda para discutir ações de 
programação, planejamento, formação profissional e pesquisa nesse cenário de 
tantas complexidades significa reafirmar uma perspectiva de linha de cuidados, em 
que a interface intersetorial se coloque. E ainda a necessidade de especificar 
definições revendo normas e convenções quanto ao que se espera como sendo 
número e formação de profissionais para o cuidado com essas crianças e 
adolescentes, em que a complexidade do quadro de saúde as caracteriza. 
É preciso reconhecer que mesmo vivendo com condições crônicas complexas, 
elas são crianças que podem vir a crescer, chegar à adolescência, e que precisam ter 
seus direitos garantidos, no acesso aos mais variadosequipamentos sociais, não 
somente de saúde. 
O progresso da medicina como um todo, e da pediatria em particular, tem 
possibilitado a sobrevivência de cada vez mais crianças com prematuridade extrema, 
doenças neurológicas, trauma grave e anormalidades congênita. 
18 
 
 
Como consequência, o número de pacientes pediátricos dependentes de 
suporte ventilatório por longos e muitas vezes indeterminados períodos de tempo, 
aumentou de maneira relevante na maioria dos centros médicos de atendimento 
terciário a partir da década de 80. 
Crianças com insuficiência respiratória crônica (IRC) que necessitam como 
terapia oxigênio ou assistência ventilatória prolongada, fazem parte de uma população 
bastante heterogênea. 
As principais patologias pediátricas que levam à IRC podem ser divididas em 
três categorias: doenças que afetam o sistema nervoso central, condições que 
envolvem os músculos respiratórios torácicos e doenças pulmonares intrínsecas. 
Incluem-se nestas categorias a displasia bronco pulmonar, a mucoviscidose, as 
doenças neuromusculares, as desordens do controle respiratório resultantes de 
trauma de medula espinhal e síndrome de hipoventilação central, a apneia obstrutiva 
do sono, algumas doenças cardíacas e outras condições congênita. 
Crianças nestas situações são habitualmente submetidas a longas 
permanências hospitalares, freqüentemente em unidades de terapia intensiva, com 
risco de infecção e possibilidade de danos psicoemocionais. 
Na tentativa de se minimizar estes problemas, nos últimos 10 a 15 anos tem-
se dado estímulo à continuação da terapia ventilatória no domicílio. Com o retorno ao 
convívio e restabelecimento da unidade familiar, tem sido observada melhora 
significativa do crescimento e desenvolvimento destas crianças. 
No Brasil não dispomos de programas institucionais bem estruturados de 
ventilação domiciliar para crianças. 
Visando avaliar a possibilidade de implementação de um sistema de suporte 
respiratório domiciliar em nossa região, no presente estudo descreve-se um programa 
alemão de assistência ventilatória a crianças no domicílio. 
 
4.1 Programa UTI Pediátrica 
 
Após aprovação do projeto do estudo pelo Comitê de Ética e Pesquisa, foram 
estudadas as características do Programa da UTI-Pediátrica Dr. 
VonHaunerschesKinderklinik, Ludwig-Maximilians-Universität de Munique, Alemanha, 
no período compreendido entre abril de 1997 e junho de 1998. 
19 
 
 
Neste período fizeram parte do Programa 26 crianças com diagnóstico de IRC. 
Deste total, 22 crianças já se encontravam em tratamento domiciliar e os 4 restantes 
tiveram sua inclusão durante o período de estudo. 
Foram avaliados todos os prontuários médicos para a obtenção de informações 
tais como diagnóstico etiológico da insuficiência respiratória, método ventilatório, 
período do dia sob ventilação, tempo decorrido entre o início da assistência ventilatória 
e a liberação para casa, indicação da ventilação domiciliar e tempo de ventilação 
domiciliar. 
Analisaram-se ainda as intercorrências já havidas até então e os resultados das 
avaliações de rotina. Como as crianças compareram regularmente ao hospital para as 
referidas avaliações, neste período foi feito contato pessoal com todas, bem como 
com suas respectivas famílias. 
De acordo com o protocolo elaborado pelo serviço, os objetivos da assistência 
ventilatória domiciliar podem ser enumerados como: dar suporte, prolongar a vida e 
melhorar a sua qualidade; reduzir a morbidade; melhorar as condições de crescimento 
e desenvolvimento da criança, bem como melhorar o aspecto psíquico do paciente 
junto à sua família e reduzir os custos financeiros. 
Como indicações de inclusão de crianças no programa, citam-se a 
impossibilidade de desmame da assistência ventilatória (problemas ventilatórios de 
causa central, displasias bronco pulmonares e doenças neuromusculares); a tentativa 
de reduzir o número de infecções respiratórias e alterações na função cardíaca nas 
doenças pulmonares obstrutivas e patologias neuromusculares; e ainda a 
necessidade de estimular o desenvolvimento pulmonar em crianças com miopatias 
congênitas. 
As contra-indicações para a continuação da assistência ventilatória no domicílio 
são a presença de uma condição física fisiologicamente instável (ex.: necessidade de 
FiO2 > 0,40); paciente e/ou família que optem pela continuação da terapia hospitalar; 
situação familiar que não tenha possibilidade de proporcionar segurança ao paciente 
(sem segurança contra fogo, riscos de interrupção no fornecimento de energia elétrica, 
ambiente com condições sanitárias insatisfatórias); ambiente inadequado 
(temperatura ambiental que traga desconforto ao paciente, qualidade do ar 
insatisfatória); falta de recursos financeiros; falta de recursos humanos (inabilidade 
dos membros da família e/ou impossibilidade de conseguir auxílio extra-familiar). 
20 
 
 
Uma vez selecionado o paciente para a continuação da assistência ventilatória 
no domicílio, considerando preenchimento dos objetivos, presença de indicações e 
ausência de qualquer contra-indicação, se inicia a organização da relação de recursos 
materiais e humanos necessários. 
Estes recursos são individualizados para cada paciente de acordo com a 
gravidade da insuficiência respiratória e a técnica ventilatória a ser indicada (invasiva 
ou não-invasiva; contínua ou intermitente). 
A relação de materiais necessários, incluindo ventilador, é encaminhada para 
o seguro-saúde da família, do Estado ou privado, que se encarrega de acionar as 
devidas firmas para o fornecimento. 
Para o paciente em uso de assistência ventilatória contínua ou que não tolere 
períodos superiores a 4 horas sem ser ventilado, são fornecidos 2 equipamentos de 
ventilação. 
Quanto a liberação para recursos humanos, esta só é feita mediante justificativa 
encaminhada pelo médico responsável, sendo que a seguradora se responsabiliza 
pelo pagamento de profissionais da área de enfermagem no máximo por 12 horas 
diárias, ficando sempre a família responsável pela assistência restante. 
Uma vez todos os materiais providenciados, inicia-se o treinamento junto ao 
paciente e ao familiar que ficará mais diretamente responsável pela assistência 
domiciliar. Habitualmente o tempo dispensado precisa ser maior para o paciente em 
uso de técnica invasiva, quando as orientações quanto aos cuidados com a 
traqueostomia, troca de cânula e aspiração de vias aéreas precisam ficar bem 
compreendidas e aprendidas. 
O paciente terá sua liberação para casa quando a equipe (medicina, 
enfermagem, fisioterapia e psicologia) julgar que já existe segurança e aptidão dele e 
de sua família para conduzir a terapia ventilatória e resolver pequenas intercorrências 
que, porventura, possam ocorrer. 
No momento da alta hospitalar, já fica determinada a frequência dos retornos 
para a realização das avaliações de rotina. Estes acontecem habitualmente a cada 3 
meses durante o primeiro ano e após, semestralmente, conforme preconizado para o 
paciente da faixa etária pediátrica. 
As hospitalizações programadas ocorrem geralmente na UTI pediátrica, com 
permanência aproximada de 1 a 2 dias. 
21 
 
 
Nesta oportunidade, conforme as condições clínicas do paciente e necessidade 
para avaliação da eficácia do esquema ventilatório utilizado, são realizados os 
seguintes exames laboratoriais: análise de gases sangüíneos com a criança 
acordada; análise de saturação de O2 contínua durante o sono; análise da 
concentração de CO2 durante o sono; realização dos testes de função pulmonar; 
exame radiológico de tórax; eletrocardiograma; eco cardiograma e endoscopia do 
trato respiratório. 
Os exames são então analisados individualmente e comparativamente com os 
anteriores, para avaliação do caráter evolutivo da doença, da insuficiência respiratória 
e da técnica e parâmetros ventilatórios em uso. 
A anamneserealizada com o familiar acompanhante e/ou o próprio paciente é 
também analisada em conjunto com as avaliações laboratoriais. Itens importantes que 
são regularmente abordados nesta oportunidade são queixas como cefaléia, cansaço, 
indisposição, insônia, sono durante o dia, pesadelos, hiperatividade e distúrbios na 
capacidade de concentração, todos podendo estar relacionados com ventilação 
ineficiente. 
Paralelamente à avaliação específica da eficácia da assistência ventilatória em 
uso, são avaliados o estado nutricional e o desenvolvimento neuropsicomotor da 
criança por profissionais específicos. 
Visitas domiciliares são realizadas regularmente nos intervalos compreendidos 
entre as hospitalizações. As visitas de enfermagem e fisioterapia ocorrem 
semanalmente em períodos isentos de complicações, podendo ter sua frequência 
aumentada durante períodos de infecção ou outra situação patológica que gere 
instabilidade clínica. 
A visita médica é mensal e realizada pelo médico responsável pela área do 
domicílio do paciente. Este médico mantém permanentemente um intercâmbio de 
informações com a equipe responsável pelo Programa de assistência ventilatória 
domiciliar. 
O respirador utilizado para IPPV em todos os pacientes era controlado a volume 
(PLV 100 - Lifecare, Aspen, Color. USA). 
Para ventilação com pressão negativa utilizou-se o Pulmo-Wrap-
LifecareInternational, Inc., Lafayette, Color. USA. 
22 
 
 
As máscaras faciais, assim como também o cuirass foram produzidos 
individualmente para cada criança, conforme molde e medidas específicos 
(LifecareEurope, GmbH, Seefeld, Germany). 
 
O início do “Heimbeatmungsprogramm” - Programa de assistência ventilatória 
domiciliar da UTI-Pediátrica do Dr. VonHaunerschesKinderklinik, Ludwig-
MaximiliansUniversität, Munique, data de 1989. 
Tem como coordenadores o Prof. Dr. Thomas Nicolai e Dr. Karl Reiter, médicos 
responsáveis pela medicina intensiva pediátrica e pelo serviço de broncoscopia. 
O referido programa consta atualmente de 26 pacientes. Durante o período de 
avaliação duas crianças com diagnóstico de mucoviscidose morreram por 
complicações infecciosas e outras, também com mucoviscidose, puderam abandonar 
o programa após terem recebido transplante de pulmão. 
Quanto à caracterização da população incluída no Programa, a Tabela 1 
apresenta a distribuição dos pacientes conforme a idade e o sexo. Onze crianças eram 
do sexo masculino e 15 do feminino. 
Quinze crianças (57,7%) tinham menos de 10 anos e 10 crianças (38,5%) 
tinham entre10 e 20 anos. 
Quatro crianças (15,5%) estão em ventilação domiciliar por período de tempo 
entre 7 a 9 anos, praticamente desde o início do programa. 
Quanto às patologias que levaram à IRC, 15 crianças (57,7%) apresentavam 
patologias neuromusculares com alteração da função dos músculos respiratórios, 8 
pacientes (30,8%) tinham como diagnóstico problemas ventilatórios de causa central 
e 3 crianças (11,5%), doenças pulmonares obstrutivas. 
Dos 26 pacientes, 12 (46,2%) eram ventilados através de técnicas não-
invasivas, sendo que 11 crianças através de máscara facial - com ventilação com 
pressão positiva intermitente (IPPV) e uma criança com pressão positiva contínua na 
via aérea (CPAP). 
A outra criança em uso de técnica não-invasiva era ventilada com pressão 
negativa através de cuirassventilation. As crianças ventiladas através de técnica 
invasiva recebiam a IPPV através de traqueostomia. 
Quanto ao período de ventilação necessário, 7 crianças (26,9%) eram 
ventiladas de modo contínuo, ou seja, durante as 24 horas do dia e 19 (73,1% das 
crianças) necessitavam apenas de ventilação intermitente. 
23 
 
 
As informações obtidas pelo seguro-saúde do Estado (AOK), pelo qual a 
maioria da população é segurada, são de que os gastos com um paciente sob 
assistência ventilatória domiciliar são relacionados basicamente à necessidade de 1 
ou 2 ventiladores. 
Os custos mensais com o paciente que necessita de 1 ventilador, utilizando-se 
de fração inspirada de O2 de até 0,40 continuamente e com assistência de 
enfermagem durante 12 horas, são de aproximadamente R$30.000,00 (US$15, 
700.00). Um paciente com as mesmas necessidades anteriores quanto ao O2 e 
assistência de enfermagem, mas com necessidade de 2 ventiladores tem custo 
mensal de aproximadamente R$44.000,00 (US$23, 100.00). 
Já o custo da criança hospitalizada na unidade de tratamento intensivo durante 
30 dias, com necessidade de assistência ventilatória e O2 é de aproximadamente 
R$42.000,00 (US$22, 100.00). 
Estes dados sugerem que apenas o paciente em assistência ventilatória 
domiciliar contínua, e, portanto, com necessidade de 2 ventiladores, não traria 
redução dos custos em relação ao tratamento hospitalar. 
 
4.2 Tratamento Domiciliar 
 
O tratamento domiciliar é uma importante opção para crianças que necessitam 
terapias de suporte à vida por longos períodos de tempo. 
No Brasil não contamos ainda com programas semelhantes. Optou-se assim 
pela avaliação de um programa de assistência ventilatória domiciliar em crianças no 
exterior, procurando-se conhecê-lo ao máximo a fim de, se possível, adaptá-lo ao 
nosso país. 
A Universidade de Munique foi o local escolhido para o estudo. Além de possuir 
casuística expressiva em se tratando da faixa etária pediátrica, a Universidade 
proporcionou acesso a todas as informações e protocolos do programa, bem como 
ofereceu a possibilidade de contato direto com os pacientes e suas famílias, inclusive 
em visitas domiciliares. 
A Task Force on Technology-DependentChildren reconheceu que o mais 
importante aspecto de um cuidado domiciliar apropriado é o adequado gerenciamento 
da situação. 
24 
 
 
Este foi definido como um processo de cuidado coordenado, que promove 
efetiva e eficiente organização e utilização de recursos médicos, sociais e 
educacionais, para conseguir estimular o potencial máximo da criança no ambiente 
mais apropriado e menos restritivo possível. 
No estudo inglês, assim como no programa de assistência ventilatória domiciliar 
do Dr. VonHaunerschesKinderklinik, a maioria das crianças com insuficiência 
respiratória crônica apresentava doenças neuromusculares (55,9%), seguida pela 
síndrome de hipoventilação central congênita (14,0%). 
Semelhante também foi o período de ventilação durante as 24 horas do dia - 
24% de modo contínuo e 76% necessitavam apenas ventilação intermitente. Houve 
diferenças, no entanto, quanto à técnica ventilatória utilizada - 46% das crianças por 
nós avaliadas eram ventiladas através de técnicas não-invasivas, enquanto na 
avaliação das crianças inglesas, 64,5% utilizavam este método. 
Quanto às indicações e contra-indicações para a inclusão dos pacientes no 
programa, pôde-se observar que são semelhantes à maioria dos demais protocolos 
de assistência ventilatória domiciliar em crianças. 
Para a adequada seleção do paciente deve-se ter em mente todas estas 
indicações e contra-indicações a fim de que, evidentemente, os objetivos possam ser 
atingidos. 
Os respiradores utilizados, bem como a seleção dos demais equipamentos, 
seguem o princípio de que estes devem ser portáteis, duráveis e simples de ser 
usados e manuseados. 
Deve-se ter em mente que não se deseja transferir a unidade de terapia 
intensiva para a casa. 
A importância conferida ao treinamento do paciente e da família é consenso na 
literatura. 
Algumas doenças permanecem estáveis durante o seu curso, enquanto outras 
evoluem para piora da insuficiência respiratória e maior necessidade de parâmetros 
ventilatórios. 
O protocolo analisado prevê avaliações de rotina. Essas avaliações clínicas e 
laboratoriais são imprescindíveis para a detecção de sinais de hipóxia alveolar e/ou 
hipoventilação e para o ajuste do padrão ventilatório. 
 
25 
 
 
Frente ao aparecimento de sinais de hipertensão pulmonar e cor pulmonale, aprimeira hipótese é sempre a de assistência ventilatória inadequada. Com relação aos 
gastos com o paciente tratado no domicílio, observam-se diferenças entre os diversos 
programas. 
Pode ser notado, no entanto, que a necessidade de prestação de serviços por 
profissionais de enfermagem e a necessidade de dois ventiladores são relatados 
como os principais responsáveis por tornar a redução de custos menos animadora. 
Alguns autores afirmam que a importância da humanização dos atendimentos 
dos pacientes dependentes de assistência ventilatória, bem como a alternativa da 
melhora da qualidade de vida junto à família são fatores suficientemente convincentes 
para que a comparação dos custos, intra- e extra-hospitalares, não seja jamais 
utilizada como argumento para a sua indicação ou contraindicação do tratamento 
domiciliar. 
As peculiaridades sociais de nossa população, assim como a precária 
organização do sistema de saúde conspiram contra a implementação de programas 
semelhantes de assistência respiratória domiciliar no Brasil. 
Talvez a adaptação da experiência alemã para hospitais secundários fosse o 
primeiro passo para levar a criança para mais perto dos seus familiares. Conforme os 
cuidados de terapia intensiva melhoram, fica mais premente a necessidade de 
implementação de programas pediátricos de suporte ventilatório domiciliar. 
A complexidade desses programas exige longa e cuidadosa programação, para 
que possam cumprir com sua função básica de minimizar o sofrimento das crianças 
cronicamente enfermas e suas famílias. 
Esse sistema altamente organizado faz com que o paciente e familiares sintam-
se seguros e é responsável pelo êxito do programa de assistência ventilatória no 
domicílio. Existe a necessidade de um grande esforço organizacional antes que 
possamos instituir programas semelhantes no Brasil. 
 
4.3 Rede de Suporte Tecnológico Domiciliar à Criança Dependente de 
Tecnologia Egressa de um Hospital de Saúde Pública 
 
O crescente desenvolvimento tecnológico em saúde nas últimas décadas vem 
aumentando a expectativa de vida e ampliando a sobrevida em muitos casos 
anteriormente condenados a óbito. 
26 
 
 
Tais mudanças no perfil demográfico refletem a chamada transição 
epidemiológica. O termo descreve a evolução nos padrões de morbidade e 
mortalidade ao longo da história. Segundo Omran1, conceitualmente a teoria da 
transição epidemiológica enfoca a complexa mudança nos padrões de saúde e 
doença e suas implicações demográficas, econômicas e sociais. 
O autor pondera que, durante tal transição, as mudanças mais profundas nos 
padrões de doença e saúde ocorrem entre crianças e jovens. 
A sobrevivência infantil é significativa e progressivamente aumentada em 
resposta à melhora dos padrões de qualidade de vida, avanços na nutrição e 
medidas de saneamento preventivas, e ainda mais acentuada à medida que 
modernos recursos de saúde pública tornam-se disponíveis. 
Ainda que todas as faixas etárias se beneficiem da mudança nos padrões 
de doença e do aumento da expectativa de vida, o declínio da mortalidade 
infantil é certamente o maior, especialmente no grupo de 1 a 4 anos. 
A incorporação de tecnologia nas áreas de terapia intensiva neonatal e 
pediátrica está possibilitando maior chance de sobrevivência dos recém-nascidos de 
alto risco, de crianças com malformações congênitas, traumas adquiridos e doenças 
anteriormente incompatíveis com a vida. 
Contudo, tais crianças frequentemente ficam condicionadas ao uso 
permanente de dispositivos que monitorem e auxiliem funções vitais. 
A Criança Dependente de Tecnologia (CDT) se caracteriza pela dependência 
de artefatos tecnológicos e/ou farmacológicos indispensáveis à sobrevivência. Tais 
artefatos podem auxiliar a nutrição e medicação, respiração ou outros. 
O Office of Technology Assessment do Congresso norte-americano, em 
memorando técnico (elaborado a pedido do Senado daquele país), estima que a 
população nos Estados Unidos de crianças dependentes de algum tipo de dispositivo 
chegue a 100.000 crianças por ano (dados de 1987). 
Destas, estima-se que entre 10.000 e 68.000 estejam recebendo atendimento 
domiciliar. Rehm e Bradley informam que, com base em um levantamento nacional 
feito em 2003, o Maternal Child Health Bureau reportou um índice de 12,8% de 
crianças atendendo aos critérios de sua definição de Criança com Necessidades 
Especiais de Cuidado em Saúde. 
Destas, 23% experimentaram limitações significativas em suas atividades 
decorrentes de suas condições crônicas. 
27 
 
 
Em 2001, Glendinning et al. calcularam haver até 6.000 crianças dependentes 
de tecnologia no Reino Unido. 
No Brasil, Cunha, em 1996, apropria-se do conceito de CDT, localiza 
fisicamente o tipo de dependência e busca situar esta clientela. Os estudos brasileiros 
disponíveis se atêm a cenários específicos, seja por faixa etária ou grupos localizados. 
Porém, os dados indicam que tal população, ainda que diluída sob outras 
classificações, é expressiva em números absolutos. 
 
4.4 A Necessidade de Suporte Tecnológico Material é Reconhecida Como 
uma Categoria per se 
 
 
Há quem estabeleça uma definição para CDT que englobe as dimensões não-
médicas do cuidado. A CanadianAssociationofPediatric Health Centers, ao buscar 
definir indicadores de saúde para a infância e juventude, decidiu ampliar a definição 
de CDT para Criança com Múltiplas Necessidades Complexas, de forma a abarcar e 
ressaltar não somente as demandas de saúde, mas também aquelas relativas a 
serviços e produtos. 
"Tomou-se a decisão de definir este grupo como 'crianças com múltiplas 
necessidades de cuidado/desenvolvimento, aquelas que requerem múltiplos serviços 
em múltiplos setores, e múltiplos lugares". Assim, atribui-se uma importância 
intrínseca às esferas operacionais da tecnologia. A necessidade de suporte 
tecnológico material é reconhecida como uma categoria per se. 
 
4.5 O Atendimento Domiciliar à Criança Dependente de Tecnologia 
 
 
O uso de tecnologia em domicílio para oferecer cuidado a crianças doentes não 
é novo. No fim dos anos 50, havia (nos EUA) um grande número de sobreviventes de 
poliomielite necessitando suporte respiratório em casa. 
Desde então sofisticadas tecnologias [...] vêm sendo transferidas para o 
domicílio. Cada nova tecnologia traz o reconhecimento de novas necessidades para 
o treinamento de pacientes e famílias, e aumento da complexidade do cuidado de 
enfermagem. 
28 
 
 
 
4.6 A Assistência Domiciliar Traz, Junto às Incontestáveis Vantagens, 
Muitas Questões a Resolver 
 
Cria-se uma rede de atendimentos baseada na cooperação entre família-
hospital-atendimento domiciliar, especializada e dependente de vários subsistemas. 
Emergem então as dificuldades inerentes ao cuidado com muitas necessidades 
complexas. 
As vantagens da assistência domiciliar são incontestáveis. O risco de infecções 
é menor; o ambiente doméstico oferece à criança aconchego familiar e estimulação 
social; o lar e a família propiciam um meio para desenvolver-se e participar de 
atividades cotidianas, e possibilita que aquelas que tenham um certo grau de 
autonomia possam freqüentar escola. Por outro lado, tal cuidado apresenta muitos 
desafios. 
Ainda que existam muitas semelhanças entre o cuidado de crianças 
dependentes de tecnologia e o de crianças cronicamente doentes ou incapacitadas, a 
assistência domiciliar e necessidades de enfermagem do primeiro grupo são 
indubitavelmente mais especializadas, complexas e intensivas. 
Kirk, em outro texto, observa: 
Ao cuidar de suas crianças em casa, os pais também assumiram 
responsabilidade pelo desempenho de procedimentos altamente técnicos que eram 
anteriormente executados apenas por profissionais qualificados. 
Os pais desempenham múltiplos papéis, incluindo a administração da doença, 
organização dos serviços e luta pelos direitos da criança, bemcomo os outros 
aspectos usuais do cuidado materno/paterno. 
Procedimentos clínicos regulares incluem a troca de tubos de traqueostomia, 
sucção de vias aéreas e administração de infusões intravenosas e alimentação. 
 
 
 
 
 
29 
 
 
4.7 A Tecnologia Redefine o Espaço no Lar e o Significado dos Papéis de 
Pais e Mães 
 
Bond enfatiza "a necessidade de treinamento intensivo para que para os pais 
desempenhem procedimentos complexos em domicílio, que antigamente só eram 
encontrados em unidades de terapia intensiva de hospitais". Murphy relata que, em 
alguns estudos longitudinais, na verificação dos fatores envolvidos no processo de 
familiarização com a tecnologia, esta geralmente ocorria nos primeiros seis a doze 
meses com CDT em casa. 
A vida das famílias freqüentemente gira em torno da tecnologia e suas rotinas: 
"Tudo gira em torno da traqueostomia, é terrível". Mãe de A 
O lar também tem seu contexto alterado. O espaço físico ocupado pelo 
equipamento é privilegiado, muitas vezes ocupando todo o cômodo em que se 
encontra. 
Foram observadas verdadeiras estações de cuidado dominando a área. 
Quartos, salas, banheiros e varandas contêm aspiradores, ventiladores, cilindros de 
oxigênio e bombas. Não raro são construídos cômodos especialmente para 
equipamentos. 
A tecnologia redefine o espaço no lar e o significado dos papéis de pais e mães. 
Ainda Kirk: 
O ambiente doméstico torna-se medicalizado pela presença do equipamento, 
pessoal de manutenção e visitas. São freqüentemente reportados sentimentos de 
ansiedade, estresse e extremo cansaço. 
Discussões ou atrasos no suprimento de insumos e equipamento para crianças 
em ventilação mecânica, traqueostomia, oxigenoterapia e nutrição enteral é muito 
mais comum do que para aqueles dependentes de diálise peritoneal, drogas 
intravenosas e nutrição parenteral, para as quais atribuir responsabilidades parece ser 
mais claro. 
Obter serviços de suporte doméstico apropriados vem sendo relatados como 
difíceis e problemas relacionados à fragmentação e baixa coordenação são 
repetidamente citados. 
O principal objetivo da família, segundo O'Brien, é alcançar alguma estabilidade 
e funcionalidade. "Infelizmente, uma mudança no equilíbrio é um elemento constante 
na vida familiar da CDT". Uma mãe descreveu sua rotina da seguinte forma: 
30 
 
 
[...]e você nunca pode realmente sentar e dizer 'OK, agora o trabalho foi todo 
feito. Podemos deixar assim e vai funcionar'. Não funciona desse jeito. Isso é diário, 
e tem sempre alguma coisa que aparece e você tem que ir resolver. Isso é muito 
frustrante e cansativo. 
A percepção é de que, independente do grau de planejamento e expectativa de 
controle, algum fator inesperado emerge derrubando planos: 
[...] e mesmo que nós tentemos construir alguma estabilidade para o futuro, nós 
ainda temos, sempre temos, a sensação de que tudo está mal alinhavado. É como 
viver num castelo de cartas, não demora muito a ruir. 
Você tem todos esses esquemas, esses sistemas confusos de organização e 
uma pessoa não vem, ou outra está atrasada [...] isso me impressiona muito, sabe, o 
quanto o sistema todo é frágil. Nós vamos levando a vida, e quando uma pequena 
peça falta, e então tudo cai por terra! 
Os pais destas crianças não têm modelos por onde basear suas ações, nem 
relacionar suas próprias experiências de infância, ou com construções sociais de 
família. 
Assim, para os pais de CDTs, a natureza de seu papel de pai/mãe é muito 
diferente das idéias cotidianas de contexto parental, sendo ampliada para incorporar 
atividades de assistência: uma mãe descreveu como se sentia enfermeira e não mãe, 
graças à intensidade de necessidades de cuidado: 
"Eu era uma enfermeira de tempo integral, não mãe. Eu não reconhecia ele 
como mãe – eu sou a enfermeira dele, sabe. 
A CDT torna-se, além de dependente de tecnologia, dependente da atenção 
terciária. 
Bond et al. ponderam que "o processo tradicional de cuidado deve ser 
modificado de forma a incluir elementos que capacitem, dêem poder e fortaleçam as 
famílias, bem como promover a aquisição das competências necessárias às 
finalidades desejadas". 
Alguns programas oficiais tentam avançar e organizar a transição no papel de 
sujeito/objeto do cuidado. 
O Departmentof Health inglês formulou o Programa Expert 
Patient, preconizando o "paciente especialista que entende a doença, tem confiança, 
habilidades, informação e conhecimento para desempenhar um papel central no 
gerenciamento da vida com doenças crônicas, minimizando seu impacto em sua vida". 
31 
 
 
Tal iniciativa está mais identificada com o paciente crônico idoso de menor 
complexidade, mas a idéia central de fortalecimento e capacitação aplica-se a outros 
grupos. 
Kirk reconhece o conceito e transporta-o para a família, pedindo apoio aos "pais 
especialistas". 
 
Foram entrevistadas, no hospital, três mães nas Enfermarias, na DIP e na 
Triagem, além das mães cuidadoras do PADI. Também foram ouvidos profissionais 
do PADI (enfermeira, fisioterapeuta e técnica em enfermagem). Foi consultado 
material de produção científica e documentos da própria equipe do PADI. 
Todos os sujeitos entrevistados foram informados quanto às finalidades da 
pesquisa e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto 
obteve aprovação prévia do Comitê de Ética do IFF. 
 
4.8 A Criança Dependente de Tecnologia e o Atendimento Domiciliar 
Pediátrico do IFF 
 
O Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz é o único hospital no Rio de Janeiro a 
prestar assistência domiciliar às crianças dependentes de tecnologia. 
Este hospital tem um perfil característico de atendimento da clientela pediátrica 
e neonatal, como hospital de referência da rede pública do estado do Rio de Janeiro 
voltado ao atendimento de gestação de risco, malformações congênitas e síndromes 
raras, além das patologias que possam surgir. 
A CDT crônica oriunda do Instituto Fernandes Figueira pode se beneficiar desta 
modalidade especializada de cuidado oferecido pelo Programa de Assistência 
Domiciliar Interdisciplinar (PADI). Além das vantagens gerais do atendimento 
domiciliar (redução de custos, liberação de leitos, menor taxa de infecção hospitalar), 
somam-se outras. A criança é sempre atendida pelo mesmo grupo de pessoas, 
fortalecendo a parceria. 
O perfil multidisciplinar do PADI é formado pela união de várias categorias 
profissionais (médicos, enfermeira, fisioterapeutas, psicóloga e técnica em 
enfermagem, à época em que a pesquisa foi efetuada) e oferece condições de 
enfrentar situações mais complexas. 
32 
 
 
A atuação do PADI pode estender-se a instâncias aparentemente não 
relacionadas ao cuidado: um exemplo de intervenção participativa nas escolas diz 
respeito ao caso de uma criança onde a equipe adquiriu através do REFAZER um 
concentrador de oxigênio para adaptação desta ao ambiente escolar. Para efetivar 
este processo, a enfermagem, o serviço social, médico, psicóloga, foram até a escola 
desta criança na intenção de orientar e informar sobre o uso desta tecnologia e as 
especificidades do quadro clínico apresentado. Participaram deste encontro a diretora 
e a professora responsável pela turma da CDT. 
Assim, para que a criança pudesse frequentar aulas, fez-se necessário um 
trabalho de conscientização, esclarecimento e comprometimento da escola e suas 
autoridades, dentro e fora de sala de aula, a partir da ótica de diversas especialidades. 
Tal iniciativa reflete uma filosofia de cuidado que valoriza aspectos de bem-
estar e qualidade de vida. 
O benefício proporcionado pelo cuidado centrado na família cria uma série de 
necessidades a serem satisfeitas. 
A própria admissão da criança ao atendimento domiciliar deve atender a uma 
série de pré-requisitos não médicos. 
Um dos critérios de inclusão é a existência de condições materiais mínimas, no 
domicílio, que dêem suporte ao

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