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Paul Mattick CAPITALISMO E ECOLOGIA DO DECLÍNIO DO CAPITAL AO DECLÍNIO DO MUNDO Edições Enfrentamento Goiânia, 2020 © 2020, Edições Enfrentamento Capa: Ediney Vasco Tradução: Mateus Alves Revisão: Marcus Gomes Diagramação: Carlos Henrique Marques Conselho Editorial: André de Melo Santos/IFG Cleito Pereira/UFG Jean Isídio/UEG Leonardo Proto/FTA Lisandro Braga/UFPR Maria Angélica Peixoto/IFG Mateus Orio/UEG Nildo Viana/UFG Ricardo Golovaty/IFG Weder David de Freitas/IFG Ficha Catalográfica MATTICK, Paul. Capitalismo e Ecologia/Paul Mattick. Goiânia: Edições Enfrentamento, 2020. 88 p. ISBN: 978-65-00-06302-8 (edição digital). 1. Ecologia Humana. 2. Sociologia ambiental. 3. População. 4. Demografia. 5. Estudos da População. CDD 304.2 CDU 314.1 Índices para catálogo sistemático: 1. Ecologia. 2. Capitalismo. 3. População. http://edicoesenfrentamento.net edicoesenfrentamento@gmail.com SUMÁRIO CAPITALISMO E ECOLOGIA SEGUNDO PAUL MATTICK INTRODUÇÃO DIALÉTICA E ECOLOGIA CRESCIMENTO, CAPITALISMO E COMUNISMO CRISE ECOLÓGICA E LUTA DE CLASSES CAPITALISMO, CRISE ECOLÓGICA E CRISE SOCIAL O CAMINHO DA ESPERANÇA CAPITALISMO E ECOLOGIA SEGUNDO PAUL MATTICK Nildo Viana A presente obra de Paul Mattick aponta para uma análise crítica da relação entre capitalismo e ecologia a partir de uma discussão com algumas posições em relação ao problema ambiental, tal como colocada no início dos anos 1970. O ponto de partida dessa discussão é provocado, indiretamente, pela publicação do Clube de Roma sobre os “limites do crescimento”. O relatório do Clube de Roma criou um estardalhaço em torno da questão ambiental e seu catastrofismo gerou um impacto em alguns setores da sociedade. Esse foi o caso de Wolfgang Harich, que, na antiga Alemanha Oriental (que vivia sob o capitalismo estatal e era satelizada pela antiga União Soviética), refletiu sobre a questão ecológica a partir das posições do Clube de Roma. Mattick realiza, na presente obra, uma análise crítica desse ideólogo do capitalismo estatal e, nesse contexto, discute a relação entre capitalismo e ecologia. Mattick focaliza sua análise na proposta de Harich, publicada com o título de Comunismo sem Crescimento? Babeuf e o Clube de Roma¹. A sua análise discorre sobre as reflexões e propostas de Harich, adentrando na questão ecológica no contexto do desenvolvimento capitalista e tratando de questões correlatas, como ecologia, dialética, luta de classes, acumulação capitalista, entre outros temas. Nesse contexto, Mattick já avança em alguns elementos de crítica da ecologia em suas tendências conservadoras e reformistas, bem como avança em algumas discussões interessantes sobre a questão ecológica em si. No fundo, a crítica de Mattick a Harich é uma introdução geral a uma crítica do ecologismo hegemônico através de uma crítica à concepção de crise ecológica e sua solução por parte desse autor. O nosso objetivo é realizar uma apresentação crítica da análise de Mattick, destacando tanto os elementos que são uma contribuição para a discussão da questão ecológica numa perspectiva marxista, quanto os elementos problemáticos de sua análise. Esse último aspecto, não é necessário dizer, não invalida ou desqualifica a sua abordagem do problema ecológico, muito mais avançada do que milhares de páginas escritas por ecologistas de variadas tendências, embora ainda introdutória e voltada para uma reflexão derivada de uma publicação específica. Um dos elementos que se destaca na abordagem de Mattick a respeito da questão ecológica é a questão dos seus pressupostos epistêmicos. Sem dúvida, Mattick, como marxista autêntico, parte da perspectiva do proletariado, logo, da crítica revolucionária. Nesse sentido, ele compartilha o campo axiomático da episteme marxista, o que lhe garante a criticidade e a ruptura com o anistorismo da episteme burguesa². A recusa da história efetivada pela episteme burguesa é criticada pelo marxismo e nisso Mattick é coerente na presente obra. Outros elementos da episteme marxista se manifestam nesse pequeno texto de Mattick. Porém, Mattick também revela algumas ambiguidades. Esse é o caso no que se refere à algumas afirmações e termos utilizados por ele, que entram em contradição com o campo analítico e o campo linguístico da episteme marxista. Sem dúvida, isso é parcial. Porém, é indício de problemas analíticos e terminológicos. Essa questão se manifesta logo no início do texto. Logo ao iniciar o texto, Mattick afirma que “o caráter histórico da natureza decorre da segunda lei da termodinâmica, descoberta há mais de cem anos atrás por Carnot e Clausius” (p. 35). Mais adiante ele afirma: “a Segunda Lei da Termodinâmica foi descoberta pela físico-química, e não pelo método dialético, e isso é o suficiente para elucidar a ecologia do ponto de vista biológico e social” (p. 42). Sem dúvida, esse é um problema que poucos perceberiam e cuja importância pode parecer desprezível. A não percepção do problema tem sua origem na distinção, também feita por Mattick, entre marxismo e ciências naturais. Ele diz, acertadamente, que “o marxismo não é uma ciência natural” (p. 42). Essa constatação, no entanto, pode ser problemática quando se passa dela para a submissão do marxismo às ciências naturais, quando se trata de abordar os fenômenos naturais. Na verdade, as ciências naturais não são neutras e nem estão acima das relações sociais, dos valores, etc., da sociedade burguesa. Um dos elementos fundamentais das ciências naturais é que elas reproduzem a episteme burguesa (e, por conseguinte, seus paradigmas hegemônicos, a cada regime de acumulação, embora não de forma generalizada, pois existem exceções e paradigmas concorrentes)³. Isso não quer dizer, obviamente, que nada que foi produzido pelas ciências naturais seja verdadeiro⁴. As ideologias possuem “momentos de verdade” e as ciências naturais possuem mais momentos de verdade do que a maioria das formas de consciência existentes na sociedade capitalista. Porém, isso ocorre dentro de um limite. As ciências naturais trazem em si as marcas da episteme burguesa e uma de suas principais características é o reducionismo (ao lado do anistorismo e antinomismo). Esse é o caso dos cientistas que buscaram, usando um frasco e determinados gases, observar se a partir de química simples seria possível comprovar que a hipótese sobre a origem da vida de Oparin e Haldane é verdadeira, o que ficou conhecido como “Experimento de Urey e Miller”⁵. O reducionismo se revela na ideia de que o uso de determinados componentes em um frasco de vidro poderia reproduzir a riqueza da vida real, que pode conter milhões de outros elementos e que não foram selecionados por pesquisadores e sim num processo espontâneo e natural. O equívoco está em pensar que num frasco, por mais elementos que se coloque nele, seria possível reproduzir o conjunto de determinações que deram origem à vida. O experimento foi criticado posteriormente por causa da escolha dos elementos (hidrogênio, amônia, metano, etc.) pelos pesquisadores, pois excluíam outros elementos (nitrogênio, dióxido de carbono, oxigênio) que mais provavelmente estariam presentes na formação da vida no planeta (e que destruiriam as moléculas necessárias para tal) . Claro que a base de tal experimento é uma concepção cuja origem social e histórica precisaria ser rastreada, tanto na análise das mutações culturais, e, nesse caso, a hegemonia do paradigma reprodutivista⁷, quanto em outros processos sociais e históricos, além da história das ciências naturais e seu estágio no momento em que o experimento ocorreu. As implicações políticas de supostas concepções e descobertas científicas podem ser analisadas na história ou na própria relação entre determinada tese científica e seus usos políticos e sociais. A questão do uso político de supostas “descobertas científicas” é descartada por muitos, pois, segundo argumentam, o uso é extracientífico. Ora, o uso extracientífico revela o interesse científico e este expressa interesses mais amplos.menos, não altera o fato que as matérias- primas e combustíveis serão, no fim, utilizados, não faz muito sentido contrariar expectativas otimistas com expectativas pessimistas. Mas, tal como as coisas estão, é esperado que para o futuro previsível da política econômica, e, portanto, da política, não serão determinados pelas considerações ecológicas, mas — como antes — pela exigência imanente de produção de lucro do capital. O limite histórico do capital é, de acordo com Marx, o próprio capital. O desenvolvimento das forças sociais de produção pelo caminho da acumulação de capital não exige apenas matérias-primas não-renováveis e traz com ele uma superpopulação relativa, mas também leva a uma tendência declinante da taxa de lucro em relação ao crescimento da massa de capital. Com isto, os limites da expansão capitalista tornam-se visíveis. Mesmo sem os limites impostos pela natureza, o capital deve ter fim. Não é, portanto, orientado diretamente à natureza, mas à taxa de lucro, dependente do mais-valor, ao qual, à medida que o capital se acumula, determina a relação entre natureza e sociedade. Embora as apreensões “ecológicas” do Clube de Roma possuam basicamente um fundamento prosaico, como foi proeminente, por exemplo, a chamada crise do petróleo de 1973. Nesta crise não houve uma inesperada falta de petróleo, mas um aumento dos preços politicamente motivado, acompanhando a inflação geral do mundo, que mudou a relação oferta-demanda para benefício dos produtores de petróleo. Se fosse deixado para o mercado, apenas um considerável declínio na demanda poderia afetar o preço do monopólio, e isso só ocorreria com dificuldade e ao longo do tempo. Mas, o aumento da produção de petróleo concomitante ao aumento dos preços, não levará somente, de acordo com o segundo relatório do Clube de Roma, para uma mais acelerada escassez do suprimento de energia, mas para uma transferência de riqueza e poder econômico dos países industriais para os estados que produzem petróleo. O Irã já conseguiu o controle minoritário das ações da empresa alemã Krupp. Dentro de dez anos, os estados produtores de petróleo, com um capital acumulado de 500 bilhões de dólares, poderiam tomar grande parte do capital ocidental em suas mãos, abalando, assim, a economia mundial, inclusive dos países subdesenvolvidos, para o nível mais profundo. Sem entrar nessas especulações não fundamentadas e mais que duvidosas, pode-se notar que os desejos do Clube de Roma para uma “solução global do problema energético” parecem derivar mais do ponto de vista econômico do que ecológico. Em todo caso, não é, no momento, uma real falta de recursos naturais que ameaçam o mundo, mas sim a guerra competitiva pelo lucro global realizada por todos os meios possíveis. Como o movimento do mundo é determinado pelo lucro, os capitalistas se preocupam com o problema ecológico apenas na medida em que isso afeta o lucro. Os capitalistas não têm interesse na destruição do mundo; se salvar o mundo tornar-se lucrativo, então a proteção do mundo se tornará outro negócio – ainda mais porque a destruição ambiental é ela mesma um instrumento da competição para compartilhar o lucro total. Este problema aparece na literatura econômica sob o título de “externalidade”, a distinção entre efeitos privados e o sintoma social concomitante da produção capitalista. Os fenômenos sociais são também fenômenos ecológicos, como quando a emissão de poluentes de todo tipo, que entra dentro de ciclos naturais, finalmente destrói a necessária balança global de oxigênio. Neste sentido a destruição do meio ambiente, que geralmente é considerada mais rápida e perigosa do que o uso rápido de recursos materiais, está entrelaçada com a escassez dos recursos. Tal fenômeno amplamente conhecido, que pode ser atribuído a produção de lucro e à redução da produção de lucro, afeta os variados capitais diferentemente e, portanto, eles mesmos fazem esforços para limitar a destruição no interior do capitalismo. Depende da massa de mais-valor se estas tentativas podem ser bem sucedidas, isto é, depende do aumento da exploração dos trabalhadores ou de seus “modestos padrões de vida”. Neste ponto, as propostas de Harich são as mesmas medidas recomendadas pelo capital, assim expressas pelo Clube de Roma. Não é impossível que — com uma produção suficiente de mais-valor — o próprio capital poderia ser capaz de evitar a destruição do meio ambiente, em seu próprio interesse, enquanto o custo é pago pela população operária. E como a acumulação impõe limites ao mais-valor, a destruição do meio ambiente em andamento pode ser rastreada de volta aos limites do modo de produção capitalista. Nos deparamos aqui com um problema social e não ecológico. Mas o que dizer acerca do problema da superpopulação? Esse é um problema em si, que não desaparecerá simplesmente mesmo com uma imaginável gestão racional das matérias-primas e com o fim da destruição ambiental. A produção dos meios de subsistência está diminuindo em relação ao aumento da população. A terra está ficando menos fértil? Ou simplesmente inadequada para suportar o crescimento populacional? Entre diversos estudos, um realizado três anos atrás para o Clube de Roma, sob a liderança do H. Linnemann, mostrou que a capacidade global de produção de comida cresceu suficientemente para suportar o dobro da população³². Atualmente, a diminuição da produção agrícola em relação à população em crescimento nada tem a ver com os limites estabelecidos pela natureza, mas se origina em relações sociais que impedem uma extensão da produção. Além disso, a fome existente no mundo não tem nada a ver com a produtividade da agricultura. Mesmo a duplicação da produção poderia não eliminá-la; na verdade, isto provavelmente a aumentaria ainda mais. A existência de alimentos suficientes não é o bastante para garantir a satisfação das necessidades de consumo humano. As mercadorias existem somente para a demanda efetiva e, para quem precisa sem a capacidade de pagar, a superprodução pode ser ainda mais perigosa do que uma safra insuficiente causada pela natureza. As safras insuficientes que também podem levar a fome não têm, obviamente, nada a ver com a natureza incalculável, mas sim com a negligência social de medidas que, com o aumento da produção agrícola e com o melhoramento da produtividade agrícola, poderiam acumular reservas suficientes para compensar catástrofes naturais. No mundo subdesenvolvido e amplamente agrário, como por exemplo no Sul Asiático, o problema não é uma avareza da natureza, mas sim as instituições e relações de poder de um sistema de classe social que impedem o aumento da produção e da produtividade. Além da economia de subsistência se tornar cada vez mais insustentável, a propriedade latifundiária, o sistema de arrendamento agrícola, o capital portador de juros³³, a economia de plantation³⁴, e o estado burocrático parasitário, é que impedem qualquer desenvolvimento progressivo mantendo a estrutura social existente. Nos estados africanos, a especialização na produção de matérias-primas industriais criada pelo sistema colonial levou a uma situação da qual um maior desenvolvimento é hoje também subordinado ao ciclo de crise capitalista e ao empobrecimento entrelaçado com isso. Não apenas lá, mas também nas nações do América do Sul, o aumento da industrialização vem com o custo da produção agrícola. Países que eram exportadores de alimentos, agora estão se tornando importadores. O desenvolvimento da Rússia dentro do mundo competitivo também exigiu uma negligência relativa na agricultura, tornando necessária a importação de comida sempre que houver uma safra ruim. O aumento da discrepância entre a produção industrial e agrícola tem menos a ver com o crescimento populacional e diminuição da fertilidade do solo do que com a ênfase exagerada unilateral da expansão industrial, ou da expansão do capital, demandada pela competição capitalista. Obviamente, o crescimento populacional aumentou enormemente . Já que a medicina diminuiu consideravelmente a mortalidade,e o número de nascimentos permaneceu o mesmo, surge uma “explosão populacional”. É óbvio, no entanto, que a população não pode continuar crescendo, e mais cedo ou mais tarde, terá que se estabilizar em relação às condições ecológicas dadas. Mas, a partir disso, o tamanho atual da população não é responsável pela pobreza existente no mundo. Um nível de produção adequada para as necessidades do aumento populacional mostraria provavelmente que é muito cedo falar de uma superpopulação absoluta. A porcentagem de crescimento da produção e da produtividade da agricultura em países como o Estados Unidos e Austrália excede, e muito, a porcentagem do aumento populacional. Embora os mesmos resultados não podem ser concretizados em todos os lugares, mesmo com os mesmos métodos, é certamente ainda possível o aumento significativo da produção mundial de comida. E com um melhoramento geral das condições de vida, podemos esperar ver uma diminuição consciente do crescimento populacional. Obviamente, isto pode também ser realizado através do uso da violência do estado, o método escolhido por Harich. Deste modo, na Índia, há propostas de leis que obrigam a esterilização forçada em famílias depois de terem seu segundo filho. Deste modo, falta apenas um pequeno passo para a extermínio de pessoas que estão em excesso. Mas há também outra coisa: enquanto isso é ainda um privilégio de uma minoria da população mundial, o nível do controle de natalidade já realizado pelos países desenvolvidos, demonstram a possibilidade de planejamento familiar, que ao longo do tempo, pode não somente estabilizar a população, mas até diminuí-la. Os alertas de Harich e do Clube de Roma seriam completamente sem sentido, se eles não estivessem acompanhados pela convicção que a ameaçadora catástrofe ecológica pode ser prevenida. A ideia de que essa é uma possibilidade real em si, significa que se a humanidade ainda possui um futuro indefinido depende da sociedade e não da natureza. Para Harich, a destruição da produção capitalista é a pressuposição inevitável para este futuro. Apenas por este caminho, o problema ecológico encontraria uma solução. Mas o que ele tem em mente não é uma revolução que levaria a uma sociedade comunista, o único tipo de sociedade que estaria em posição para resolver o problema ecológico. O Clube de Roma não pode nem imaginar a pseudorrevolução de Harich, mas depende de sua boa vontade e dos estadistas esclarecidos de prontidão a tomar as medidas necessárias para resolver o problema ecológico. Mas não podemos esperar que essas medidas acabariam com este problema junto com a estrutura social e com os próprios estadistas. Mas não podemos esperar que essas medidas acabariam com a estrutura social e com os próprios estadistas. O CAMINHO DA ESPERANÇA O que, então, deve ser feito nessa situação aparentemente sem esperança? Em geral, nada, desde que o problema seja encarado do ponto de vista ecológico. Antes de tudo, não é a coisa mais óbvia que ameaça a existência contínua da humanidade. A “crise ecológica” é, em grande parte, produto de uma situação de crise social, e a catástrofe iminente que surge da crise social está chegando mais cedo do que a catástrofe ecológica. Atualmente, a grande probabilidade de conflitos envolvendo guerra atômica torna supérflua a preocupação com a crise ecológica. Precisamos nos concentrar em processos sociais para impedir os criminosos atômicos do Oriente e do Ocidente. Se os trabalhadores do mundo não conseguirem isso, eles também não estarão em posição de combater a ameaça ecológica ou criar a sociedade comunista que tornaria possível a existência futura da humanidade. Notas [←1] HARICH, Wolfgang. ¿Comunismo sin crecimiento? Babeuf y el Club de Roma. Barcelona: Editorial Materiales, 1978. [←2] Sobre a episteme burguesa veja: VIANA, Nildo. O Modo de Pensar Burguês. Episteme Burguesa e Episteme Marxista. Curitiba: CRV, 2018. [←3] Sobre as mutações da episteme burguesa e sucessão de paradigmas, cf. VIANA, Nildo. Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas. Curitiba: CRV, 2019. [←4] E muito menos que concordemos com as ideologias do paradigma subjetivista que são irracionalistas ou adeptas da “construção cultural” da ciência. A concepção marxista é mais complexa e mais profunda, além de não cair nas antinomias do pensamento burguês (tal como a entre racionalismo e irracionalismo, absolutismo e relativismo, etc.). [←5] Experimento realizado em 1953, por Stanley Miller e Harold Urey, na Universidade de Chicago. [←6] Cf. DAMINELI, Augusto; DAMINELI, Daniel S.C. Origens da Vida. Estudos Avançados, vol. 21, num. 59, 2007. [←7] O paradigma reprodutivista, nessa época, apontava para uma verdadeira euforia com a criação de “modelos” e não é difícil imaginar o frasco de Miller e Urey como um “modelo” que explicaria a origem da vida. E as primeiras críticas a esse experimento se basearam em “modelos matemáticos”, o que, em si mesmo, é revelador da força do paradigma hegemônico nessa época. Sobre o paradigma reprodutivista, cf. VIANA, Nildo. Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas. Ob. cit. [←8] A ideia de lei, com seu caráter determinista, é questionável não apenas nas relações sociais, mas também no “mundo natural”. Claro que, aqui, não compactuamos com o atual paradigma hegemônico e, por conseguinte, não defendemos a existência de um “indeterminismo”. O que colocamos é que as relações estabelecidas, tanto nos fenômenos sociais quanto nos fenômenos naturais, são mais complexas e a ideia de lei é limitada e obstáculo para sua compreensão. Isso não abole a existência de determinações e de uma determinação fundamental que constitui o fenômeno. Essa discussão metodológica, no entanto, não pode ser realizada aqui, por nos desviar muito dos nossos objetivos. [←9] Sem dúvida, Rifkin é um autor sensacionalista (e ficou conhecido no Brasil com sua obra O Fim dos Empregos e, além dessa, escreveu várias obras sobre o “fim”, inclusive do capitalismo, ou seja, é um gerador de best-sellers pseudocientíficos), mas não deixa de ser expressão do que pode ocorrer e do que efetivamente ocorre com a simplificação e vulgarização da ciência, bem como seus efeitos políticos e sociais. Também não se pode esquecer que os best-sellers sensacionalistas possuem impacto na sociedade. [←10] A questão de sua maior ou menor validade, por sua vez, requer uma análise de sua correspondência ou não em relação à realidade e nos contextos nos quais “funciona” e nos quais “não funciona”, o que remete para outra discussão, que não é a que realizamos aqui. [←11] A questão da dialética da natureza é polêmica. A obra de Engels, A Dialética da Natureza (ENGELS, Friedrich. A Dialética da Natureza. 4ª edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.), foi saudada como obra fundamental pelo pseudomarxismo social-democrata e, principalmente, bolchevista, e acaba desembocando no “diamat” (“materialismo dialético”), divulgado fundamentalmente por Stálin (STÁLIN, Joseph. Materialismo Dialético e Materialismo Histórico. 3ª edição, São Paulo: Global, 1982). Antes disso, no entanto, a ideia de uma “dialética da natureza” foi refutada por Lukács (cf. LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe. 2ª edição, Rio de Janeiro: Elfos, 1989), em seu período revolucionário, e por outros marxistas. A ideia de uma “dialética da natureza” é a de que a dialética é composta por leis que se manifestam como leis do pensamento, da sociedade e da natureza. O caráter positivo-naturalista dessa concepção é visível e mostra, mais uma vez, a força do paradigma hegemônico (nesse caso, do positivismo em relação a Engels). [←12] Existe uma discussão sobre isso e distintas concepções a esse respeito. O terreno de desenvolvimento ideológico da ideia de uma “lógica dialética” é o pseudomarxismo (como exemplos, é possível consultar, entre outros: PRADO JR., Caio. Introdução à Lógica Dialética. São Paulo: Brasiliense, 1979; KOPNIN, P. V. A Dialética como Lógica e Teoria do Conhecimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978). Umaexceção é Henri Lefebvre, que, no entanto, não escapou do círculo ideológico em que adentrou ao iniciar reflexão sobre isso (LEFEBVRE, Henri. Lógica Formal, Lógica Dialética. 2ª edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979). [←13] Essa afirmação de Korsch é fundamental para a autonomia do marxismo diante da episteme burguesa (KORSCH, Karl. Marxismo e Filosofia. Goiânia: Edições Redelp, 2020) e foi reconhecida por Mattick nos textos em que aborda a concepção deste autor (cf. MATTICK, Paul. Karl Korsch e o Marxismo. Goiânia: Edições Enfrentamento, 2020). [←14] E foi, no ano seguinte, traduzido no Brasil: MEADOWS, Donella H.; MEADOWS, Dennis L.; RANDERS, Jorgen; BEHRENS III, W. W. Limites do Crescimento: Um relatório para o projeto do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade. São Paulo: Perspectiva, 1973. [←15] ALFHANDÉRY; Pierre; BITOUN, Pierre; DUPONT, Yves. O Equívoco Ecológico. Riscos Políticos da Inconsequência. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 15-16. [←16] Esse é o caso, por exemplo, de João Bernardo. Segundo este, o “movimento ecológico é hoje o inimigo oculto” (BERNARDO, João. O Inimigo Oculto. Ensaio sobre a Luta de Classes. Manifesto Antiecológico. Porto: Afrontamento, 1979). Bernardo reúne influência marxista com uma forte presença de episteme burguesa (através do paradigma reprodutivista, especialmente a ideologia estruturalista) e assim cai em anistorismo e numa concepção não-dialética da relação entre capitalismo e meio ambiente, o que lhe permite recusar a ecologia em geral. [←17] Os adeptos do “crescimento zero”, chamados de “zeristas”, tem como fonte de inspiração Stuart Mill e sua ideia de “estado estacionário”, tal como se vê no Clube de Roma e vão desenvolver, sob várias formas (alguns mais extremistas, outros mais moderados), propostas totalmente irrealistas no âmbito do modo de produção capitalista. [←18] Paul Mattick, assim como os adeptos da corrente denominada “comunismo de conselhos”, que se caracteriza por ser antirreformista e antileninista, caracteriza a União Soviética e demais países chamados de “socialistas” como um capitalismo de Estado. Essa concepção emergiu sob várias formas no decorrer da história, surgindo logo após a tomada do poder estatal pelo Partido Bolchevique, tanto na Rússia quanto em outros países. Entre os primeiros defensores da teoria do capitalismo estatal estão militantes e intelectuais como Miasnikov (Rússia), Rodolfo Mondolfo (Itália), Sylvia Pankhurst (Inglaterra), os comunistas de conselhos na Alemanha e Holanda (Pannekoek, Mattick, Korsch, Rühle, entre outros). Posteriormente, outras concepções, distintas entre si e em relação a estas já apontadas, como Amadeo Bordiga e os bordiguistas, trotskistas esquerdistas, maoístas esquerdistas, stalinistas, passaram a defender a ideia de que a URSS era um capitalismo estatal. Porém, nesses casos, são abordagens geralmente oportunistas e por isso identificam épocas diferentes para a implantação do capitalismo estatal, pois para os trotskistas se deu fundamentalmente a partir da ascensão de Stálin e para os stalinistas, após sua morte. Estas concepções, fundadas em análises individualistas, estão muito distantes do marxismo e, por conseguinte, do comunismo de conselhos. [←19] Essa exposição de ideias rotuladas como “ecofascistas” pode ser vista em: LAGO, Antônio; PÁDUA, José Augusto. O que é Ecologia? 2ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1985. [←20] Sobre isso, cf.: VIANA, Nildo. Capitalismo e Destruição Ambiental. Ateliê Geográfico, 10(3), 179-192, 2017. [←21] Aqui é necessário distinguir movimento ecológico e ecologismo. O movimento ecológico é um movimento social e o ecologismo é uma ramificação do mesmo, o conjunto de ideologias, doutrinas, representações cotidianas, que emergem a partir dele. O movimento ecológico não é homogêneo, bem como nenhum outro movimento social (cf. VIANA, Nildo. Os Movimentos Sociais. Curitiba: Prismas, 2016). Também é preciso deixar claro que “ecologismo” não significa todas as concepções que tratam da questão ambiental e sim as que são ilusórias, seja em sua forma mais complexa, como ideologia, seja em suas formas mais simples (doutrinas, representações). [←22] DUMONT, René. A Utopia ou a Morte. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. [←23] HARICH, Wolfgang. Kommunismus ohne Wachtum? Babeuf und der “Club of Rome”. Sechs Interviews mit Freimut Duve und Briefe an ihn. Hamburg: Reinbek, 1975 (NA – Nota do autor). [←24] A Alemanha Oriental surgiu após a derrota nazista e a separação do país, após libertação do nazismo pela Antiga União Soviética, sendo fundada oficialmente em 1949 e sobreviveu oficialmente até 1990, deixando de existir após a “Queda do Muro de Berlim”, com a reunificação entre Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental. Durante esse período esteve submetida ao regime de capitalismo estatal, enquanto que a Alemanha Ocidental permaneceu sendo capitalismo privado. No original RDA (República Democrática da Alemanha). [←25] O livro Comunismo sem Crescimento, de Harich, é composto por entrevistas desse autor realizadas com Freimut Duve, social-democrata da Alemanha Ocidental, bem como cartas. É por isso que Mattick faz algumas referências a Duve no decorrer do texto (NE – Nota do Editor). [←26] MECW, vol. 38, p. 425 (NA). [←27] Mais-produto é um termo usado por Marx para expressar a exploração via criação de mais produtos pelos produtores e que são apropriados pelos proprietários, tal como ocorria no feudalismo, por exemplo. No capitalismo, o mais-produto se realiza através da produção de mercadorias, mas não é o produto que é apropriado pela classe capitalista e sim o mais-valor embutido nele, através da venda da mercadoria para terceiros (NE). [←28] Esse deve ter sido um ato de desatenção de Mattick ao escrever, pois o correto é acumulação de capital, porquanto o mais-valor não se torna imediatamente capital, pois parte é convertido em renda (bens de consumo) para o capitalista (NE). [←29] Mattick aqui cede ao campo linguístico hegemônico do paradigma reprodutivista (o que se vê no uso dos termos “sociedade industrial” e “sistema”), o que era comum na época. Na linguagem marxista, seria “sociedade capitalista” (ou “sociedade burguesa”, ou, ainda “sociedade moderna”, que podem ser considerados sinônimos) em ambos os casos (NE). [←30] Mattick usa em várias passagens “classes dominantes”, no plural. Isso, em certos contextos, é equivocado, enquanto que em outros não. Quando se trata de história das sociedades humanas, nas quais se sucederam distintas classes dominantes (classe escravista, classe feudal, classe capitalista) o plural está correto. Por outro lado, mesmo em apenas uma sociedade, como a capitalista, em certo contexto histórico, é correto usar no plural por existir, em determinado momento de sua história, mais de uma classe dominante, como, por exemplo, no caso do capitalismo subordinado em formação, quando a classe capitalista e a classe latifundiária são dominantes. No caso de Mattick, ao que tudo indica, ele usou o termo no plural para se referir às distintas formas assumidas pela classe capitalista: burguesia privada e burguesia burocrática, dominantes no capitalismo privado e capitalismo estatal, respectivamente. Em alguns momentos, no entanto, talvez por desatenção, ele usa o plural indevidamente (NE). [←31] MEADOWS, Donella. et al. The Limits to Growth, 1972; MERSAROVIC, Mihailo; PESTEL, Eduard. Mankind at the Turning Point, 1975. [←32] Hans Linnemann, MOIRA : model of international relations in agriculture : report of the project group 'Food for a Doubling World Population' (Amsterdam: North-Holland, 1980). [←33] Trata-se do capital bancário, desenvolvimento do “capital portador de juros”, segundo análise de Marx em O Capital. [←34] A economia de plantation é baseada na monocultura, produzindo grandes quantidades de uma mercadoria agrícola que é rentável e se adapta muito bem ao solo e ao clima da região (açúcar, café, soja, etc.). Ela começou a ser usada na sociedade brasileira desde a épocado modo de produção escravista. Cover Page Capitalismo e Ecologia CAPITALISMO E ECOLOGIA SEGUNDO PAUL MATTICK INTRODUÇÃO DIALÉTICA E ECOLOGIA CRESCIMENTO, CAPITALISMO E COMUNISMO CRISE ECOLÓGICA E LUTA DE CLASSES CAPITALISMO, CRISE ECOLÓGICA E CRISE SOCIAL O CAMINHO DA ESPERANÇANo fundo, essa reflexão apenas objetiva apontar um problema na análise de Mattick, que é a aceitação acrítica da ideia de entropia e sua suposição de que essa descoberta da físico-química é “suficiente” para “elucidar a ecologia do ponto de vista biológico e social” ou, ainda, a afirmação reducionista segundo a qual “o caráter histórico da natureza decorre da segunda lei da termodinâmica”, pois aqui a historicidade da natureza é reduzida a uma suposta “lei da natureza”⁸. Ora, ela não é suficiente e deve ser analisada criticamente. Porém, isso do “ponto de vista biológico”, pois, do “ponto de vista social”, ela é mais do que insuficiente. A entropia pouco contribui para a compreensão social da questão ambiental e das relações entre sociedade e meio ambiente. Além disso, basta ver que a ideia de entropia pode gerar um catastrofismo como o de Clube de Roma e propostas como as de Jeremy Rifkin, tal como a de reduzir a população mundial para um bilhão de pessoas, numa época em que existiam 6 bilhões de seres humanos . Isso, aliás, é bem próximo do que propõe Harich, criticado por Mattick. A segunda lei da termodinâmica e a entropia precisam ser avaliadas criticamente e contextualizadas em sua época, relações sociais concretas e ponto de partida epistêmico e paradigmático¹ . Não nos propomos efetivar isso aqui, mas apenas fazer esse alerta e colocar que, nesse aspecto, Mattick se afastou da crítica revolucionária. E isso se revela em suas observações sobre a questão da dialética. Mattick, em certas passagens, se refere à “dialética da natureza”. A dialética da natureza, que foi alvo de polêmica entre marxistas e pseudomarxistas¹¹, aparece sem nenhuma observação crítica. Aliás, da forma como aparece a expressão, é possível até pensar que Mattick tem certa concordância com tal concepção. Mattick usa acriticamente os termos “dialética da natureza” e “materialismo dialético”. Porém, o aspecto mais problemático se manifesta em sua afirmação segundo a qual: Há aspectos da natureza que podem ser compreendidos com a lógica formal e outras que exigem o uso da lógica dialética. As descobertas em microfísica impõem uma lógica adequada a esse objeto, que não é idêntico à lógica formal ou à lógica dialética. Mas os meios para compreender a natureza e a relevância das suas regularidades para os seres humanos que as investigam, não fornecem informações sobre a “totalidade” da natureza e suas leis de movimento, que estão até agora – e, sem dúvida, estarão permanentemente – fechadas para nós. Mesmo se a lógica dialética fosse requerida para o estudo da natureza, nós não poderíamos concluir nada, a partir disso, sobre a dialética da natureza; em contraste, a dialética da sociedade é visível em seu desenvolvimento econômico e nas lutas de classes. Pode-se, obviamente, descrever a lei da entropia como “dialética”, apenas porque ela implica em permanentes mudanças qualitativas, especialmente se rastrearmos todos os processos econômicos e biológicos até sua base física. Mas a Segunda Lei da Termodinâmica foi descoberta pela físico- química, e não pelo método dialético, e isso é o suficiente para elucidar a ecologia do ponto de vista biológico e social (p. 42). Trata-se de afirmações problemáticas. Aqui Mattick se afasta da episteme marxista. O primeiro ponto está na ideia de existência de uma “lógica dialética”¹². A ideia de que cada objeto requer uma lógica específica (formal, dialética ou outra) significa cair em abstratificação. Como Mattick não desenvolve muito sua reflexão sobre tal questão, fica a dúvida se ele realmente está reproduzindo uma concepção fetichista de lógica ou é apenas um deslize linguístico. E o deslize linguístico ocorre em outros momentos, no qual ele cede à linguagem do paradigma hegemônico durante o regime de acumulação conjugado, tal como se vê nos usos de expressões como “sistema” e outros. Porém, esses problemas convivem com uma concepção dialética em vários aspectos. Como leitor de Korsch, ele não poderia deixar de observar que o marxismo não é uma ciência natural e nem sequer é uma ciência no sentido burguês do termo¹³. Se Mattick tivesse desenvolvido essa ideia, poderia ter avançado mais na discussão sobre ecologia, dialética e ciências naturais. De qualquer forma, o método dialético, como parte da episteme marxista, é fundamental para a análise da sociedade, bem como para a análise da relação entre sociedade e meio ambiente. Ele é fundamental também para elucidar a gênese histórica e social da ecologia, bem como seu significado ideológico, político e epistêmico. Podemos até predizer que numa sociedade autogerida, o método dialético será a base da análise dos fenômenos naturais, superando os limites da episteme burguesa e das relações sociais da sociedade capitalista. Apesar disso, ele não deixa de ser um método, no sentido de um recurso heurístico, e não uma “lógica”, um “modelo”, um procedimento que possui “leis”, tal como se vê no leninismo e semelhantes, que efetivaram uma reificação da dialética. Porém, em que pese o limite da reflexão de Mattick nesse aspecto, o restante de sua análise avança bem mais, inclusive tendo em vista a época em que se efetivou. A abordagem de Mattick é certeira no sentido de criticar tanto a ideologia do crescimento quanto o catastrofismo de Harich e seus inspiradores. A ideologia do crescimento, um subproduto ideológico do modo de produção capitalista, assume algumas formas distintas, mas, no geral, aponta para uma ideia de “crescimento ilimitado”, que, quando assume “ares ecológicos”, se apresenta como “sustentável”. Mattick concorda com os limites de um desenvolvimento infinito no sentido capitalista. Porém, isso não o impede de criticar o catastrofismo do Clube de Roma e de Harich. Aliás, não seria exagerado dizer que o Clube de Roma foi a primeira versão sistematizada do catastrofismo ecológico. Em 1972, ano da publicação dos relatórios do Clube de Roma¹⁴, e nos anos seguintes, o catastrofismo ecológico proliferou. Ao fim deste segundo milênio, a expressão mais manifesta da ecologia é o medo. Não um medo surdo, apático e com vergonha de si mesmo, mas um medo ostensivo, que é dito e escrito, apregoado e filmado, e se oferece em um espetáculo nas dimensões da mundialização da comunicação. O medo ecológico é um grande medo planetário. “A Terra ameaçada”, “A Terra com a corda no pescoço”, “A Terra em perigo de morte”, “A Natureza na UTI”, “Nós só temos um planeta”, dizem as manchetes dos jornais, as capas das revistas, os programas de televisão, construindo a ecologia-espetáculo que, incrédulos ou persuadidos, habituamo-nos agora a contemplar. Os fenômenos da moda, o gosto sensacionalista da mídia não são, no entanto, os únicos responsáveis. O grande medo ecológico cresce em terra fértil. Ele se alimenta da incessante descoberta de novos estragos do progresso, tanto em nossa porta quanto do outro lado do mundo. Cresce com o inventário científico, constantemente renovado, com atentados graves, e mesmo irremediáveis, que o homem causou aos três elementos naturais – a água, o ar, a terra – que possibilitaram a vida e talharam a existência das sociedades humanas ou animais. Ele se amplifica com ameaças ainda desconhecidas que pesam sobre nós, poluições invisíveis a nossa volta, riscos tecnológicos ocultos, e se expande em inúmeros cenários-catástrofes e profecias de apocalipse dos quais somos prevenidos de que não pertencem hoje exclusivamente ao terreno da ficção”¹⁵. Isso não significa que Mattick recuse a existência do problema ecológico. A crítica que ele efetiva à ideologia do crescimento, e sua vinculação ao capitalismo, bem como sua afirmação de que o problema ecológico existe (apesar de, segundo ele, não possuir “significado prático”), são suficientes para distingui-lo daqueles que negam a existência dos problemas ambientais¹ . Mattick aponta para os limites da concepção de Harich e, por conseguinte, do Clube de Roma. Harich propõe, como se vê no título do seu livro, um “comunismo sem crescimento” e, ainda, prega um retorno a Babeuf.Mattick refuta a possibilidade de “crescimento zero”¹⁷ no interior do capitalismo privado e questiona também sua aplicabilidade ao capitalismo de estado (“socialismo real”)¹⁸. Mattick ironiza Harich e seu “retorno a Babeuf”: por qual motivo não voltar ao “paraíso perdido”? A ideia de retorno ao “comunismo de Babeuf”, sob a forma de “crescimento zero”, é um retrocesso que, segundo Mattick, poderia retroceder até uma mitologia mais antiga, a cristã, e sua ideia do paraíso antes do pecado original, na qual havia uma perfeita harmonia entre humanidade e natureza. Mas, além da ironia, Mattick ressalta a impossibilidade de tal processo, bem como suas consequências: quem seria os prejudicados com tal “comunismo sem crescimento”? A resposta é clara: a classe operária. A estagnação garantiria a reprodução da situação superior da classe dominante e a situação inferior e precária do proletariado, que, sob pretexto de evitar a catástrofe ecológica, deveria aceitar as péssimas condições de vida sob o capitalismo estatal estagnado. Além disso, Mattick percebe o caráter estatizante e antimarxista da proposta de Harich. Já que a população, e os operários mais especificamente, não estaria preparada para o crescimento zero, então o aparato estatal deve assumir a responsabilidade de impor a nova “ordem econômica”. Essa proposta, que muitos chamariam de “autoritária” ou mesmo “ditatorial”, acaba sendo semelhante ao que se denominou ecofascismo. Porém, o termo ecofascismo se presta a confusões. Existem os que consideram que a origem do ecofascismo se encontra no nazismo ou nos Estados Unidos no início do século, com Madison Grant. Porém, outros usam o termo de forma extremamente ampla. Assim, seria necessário uma análise mais profunda para que o termo ecofascismo ganhe o estatuto de um conceito. Porém, não é possível aceitar a denominação de ecofascismo para a defesa de coisas como “limitação forçada do número de filhos”, “racionamento total do acesso aos bens naturais”, “a racionalização do uso dos recursos naturais pelo controle disciplinar total sobre o corpo social”¹ . A isso podemos chamar ecototalitarismo., pois se trata de um controle estatal totalitário da sociedade visando controlar sua relação com o meio ambiente e cuja justificativa ideológica seria a preservação ambiental ou controle dos recursos naturais para garantir a reprodução humana. Não se trata de fascismo, pois este é algo mais específico e apenas os propagandistas políticos usam generalizadamente esse termo contra todos os adversários ou como sinônimo de qualquer autocratismo. Assim, Harich aponta para um ecototalitarismo, de caráter burocrático, adaptado para justificar o capitalismo estatal e servindo para garantir uma diminuição do padrão de renda e de consumo da população e assim aumentando sua “competitividade” com o capitalismo privado. Mattick contribui também ao relacionar a crise ecológica e a luta de classes. Ele demonstra que as medidas ecológicas propostas pelo Clube de Roma e por Harich apontam para beneficiar a classe capitalista e prejudicar a classe operária. Quem pagaria pelo “crescimento zero” seriam os operários e os países de capitalismo subordinado. Desta forma, Mattick mostra os vínculos entre propostas ecológicas – e as ecototalitárias de Harich – e o capitalismo, bem como os interesses de classe por detrás de tais propostas. Num caso, no do Clube de Roma, a burguesia privada do capitalismo privado, noutro caso, a burguesia burocrática do capitalismo estatal. Mattick aponta para a impossibilidade de um equilíbrio ecológico absoluto no capitalismo, bem como aponta para a possibilidade, que se concretizará e se tornará popular nos anos posteriores: o capitalismo pode se apropriar do discurso e das práticas ecológicas para lucrar. E isso se concretizou praticamente de forma bem mais intensa do que na época e do que se poderia imaginar naquele momento. Um conjunto de ideologias, ideias, práticas, políticas governamentais, ações de empresas capitalistas, agora se tornam “ecológicas”. O “capitalismo verde” emerge e Mattick já apontava para essa possibilidade. Porém, isso não resolve o problema. E Mattick reconhece tal fato. No entanto, faltou apontar as razões para a impossibilidade do capitalismo resolver o problema da destruição ambiental. Para isso, seria necessário explicar o processo de acumulação de capital e o caráter expansionista e universalizante do modo de produção capitalista² . E, como Mattick se destacou como um dos melhores analistas da teoria do capitalismo de Marx, bem como da economia política e de processos correlatos, era de se esperar uma demonstração da impossibilidade de uma harmonia entre capitalismo e meio ambiente graças à acumulação de capital. Ele, no entanto, ficou devendo tal demonstração. Assim, as reflexões de Mattick sobre capitalismo e ecologia, tendo por base o comentário à obra de Harich, mostra uma importante reflexão sobre a questão ambiental e seus dilemas na sociedade capitalista. O impacto do relatório do Clube de Roma gerou abordagens catastrofistas, ecototalitaristas, entre outras, bem como gerou a crítica, tal como a expressa por Mattick. O tempo passou e a destruição ambiental avançou. O marxismo desenvolveu algumas poucas reflexões sobre a questão ecológica de lá para cá, tal como essa de Mattick e mais algumas poucas. O marxismo ambíguo, autonomista, pouco contribuiu com tal discussão. O pseudomarxismo se dividiu em diversas concepções, indo desde a posição ecototalitária de Harich ao “ecossocialismo” contemporâneo, influenciado pelo paradigma subjetivista e marcado pelo ecletismo e reformismo. A classe dominante, financiadora do Clube de Roma, se divide em diversas posições, inclusive opostas, de acordo com os interesses de determinados setores do capital. Algumas empresas capitalistas exploram a questão ecológica para lucrar: desde o “ecologicamente correto” para conquistar mercado consumidor até a produção de antipoluentes e “mercadorias ecológicas”, que significa mais produção e mais poluição, até a criação e apropriação capitalista do discurso ecológico de acordo com seus interesses. Assim, o que podemos concluir é que, apesar de escrito nos anos 1970, o texto de Paul Mattick continua atual e bem mais avançado do que o que se produz contemporaneamente sobre o assunto. O que explica tal atualidade? A perspectiva do autor é a razão dessa atualidade, pois ao entender a essência do problema, a abordagem continua atual enquanto o problema existir. Por mais incompleta que seja a análise de Mattick, em parte derivada do fato de ser um comentário crítico a um pensamento ideológico sobre a chamada “crise ecológica”, ele consegue expressar a essência da questão ecológica. Isso significa que a leitura desta obra é um bom ponto de partida para uma análise crítica da ecologia, bem como do movimento ecológico e todas as questões relacionadas, especialmente para aqueles que querem ultrapassar o reino das aparências ou das ideologias, bem como os fetichismos e representações cotidianas ilusórias sobre o problema do meio ambiente. A leitura de Mattick, por conseguinte, é leitura importante também para se posicionar diante da questão ambiental e das lutas sociais travadas contemporaneamente. Uma das lições principais que se pode extrair da presente obra é a inseparabilidade entre luta ecológica e luta operária, entre a questão ambiental e a questão da sociedade capitalista como um todo e a vida do proletariado, bem como do conjunto da população. Pensar a solução para a questão ecológica sem refletir sobre as questões postas por Mattick é criar pseudossoluções. É fundamental superar as ideias místicas, reformistas, totalitárias, ingênuas, sobre a questão ambiental, e o texto de Mattick é uma contribuição importante nesse sentido. A questão ambiental não é apenas uma “invenção burguesa” e nem é o “único” ou “principal” problema da humanidade. Ela é uma questão urgente e fundamental para o destino da humanidade, mas esta não consegue controlar a sua história, pois a acumulaçãode capital, e, por conseguinte, a classe capitalista, com uma consciência limitada (por causa de suas determinações, indo desde seus valores e interesses até chegar ao campo analítico da episteme burguesa), é quem o “controla” parcialmente e cegamente. Desta forma, somente a revolução proletária poderá permitir que a humanidade possa controlar o seu destino e isso significa uma relação consciente e planejada com o meio ambiente. E esse grave problema da humanidade não pode ser resolvido no interior da sociedade capitalista e por isso, mesmo que ganhe cada vez mais importância e a própria sobrevivência da humanidade seja colocada em risco devido à destruição ambiental, não será o mais importante da humanidade. Sem resolver o problema fundamental e basilar das relações de produção capitalistas, que são determinantes na relação entre humanidade e meio ambiente, é impossível resolver o problema ecológico. Se nos anos 1970, período de transição do regime de acumulação conjugado para o regime de acumulação integral, marcado pelas lutas radicalizadas do final dos anos 1960 e pela crise do paradigma reprodutivista, foi um momento gerador de pensamento crítico, resgate do pensamento revolucionário, bem como as versões burguesas de interpretação do momento, tal como o catastrofismo ecológico (já anunciando o totalitarismo para combater a luta operária e de outros setores da sociedade e impedir a revolução), os anos 1980 apontaram para a constituição de um novo regime de acumulação e a renovação hegemônica que lhe foi correspondente. O neoliberalismo, o pós-estruturalismo, o culturalismo, o multiculturalismo, entre diversas outras ideologias, todas correspondentes ao novo paradigma hegemônico, o subjetivista, frearam o despertar da consciência revolucionária em vastos setores da sociedade. A consolidação do regime de acumulação integral e o reino absoluto do subjetivismo marcam uma época e as rachaduras que emergiram no capitalismo subordinado e a partir das contradições do capitalismo neoliberal, geraram um resgate tímido – e marcado por ecletismo – do pensamento revolucionário, mas não conseguiram avançar para uma real ruptura. O autonomismo e o anarquismo, bem como ideias similares (resgatando situacionismo e o “conselhismo”) não escaparam, na maioria das vezes, do subjetivismo e do ecletismo, bem como não conseguiram superar a sua ambiguidade. As poucas exceções, algumas marcadas por um dogmatismo extremo (que, de certa forma, era uma maneira de se proteger do paradigma hegemônico, mesmo que sem consciência desse processo), se encerraram em si mesmas e não avançaram nem no plano da consciência nem no da ação política. Restou apenas o marxismo autogestionário, que não só resgata o marxismo original (Marx e, em menor grau e parcialmente, Engels, devido suas ambiguidades) e o comunismo de conselhos, bem como resgata criticamente o marxismo ambíguo (Rosa Luxemburgo, autonomismo, etc.), como atualiza e desenvolve o marxismo, enfrentando as mais variadas questões, inclusive a ecológica. Por conseguinte, o pensamento de Mattick a respeito da ecologia deve ser resgatado, aprofundado, desenvolvido, atualizado. Os elementos básicos da análise de Mattick são fundamentais para se pensar o problema ecológico, bem como os limites do ecologismo²¹. A compreensão da questão ecológica remete para a superação do ecologismo. A crítica do ecologismo, contudo, não deve ser confundida com a crítica do movimento ecológico em geral e nem todas as ideias que abordam a questão ambiental. Esse processo, no entanto, apesar das várias contribuições já existentes, algumas mais desenvolvidas, outras menos, precisam avançar e por isso a contribuição de Mattick abre espaço para se pensar de forma radical a questão ecológica e é uma das obras que podem ser colocadas entre as fundamentais para discutir a ecologia. A consciência do problema ecológico e dos limites do ecologismo é o ponto de partida para uma real compreensão do problema ambiental e para a se pensar uma real solução. E, se René Dumont, ao mostrar sua preocupação com a questão ambiental, declarou “utopia ou morte”²², hoje, inspirados no texto de Paul Mattick, só podemos dizer: autogestão (abolição do capitalismo) ou morte (destruição capitalista da humanidade). INTRODUÇÃO O caráter histórico da natureza decorre da segunda lei da termodinâmica, descoberta há mais de cem anos atrás por Carnot e Clausius, e esta lei diz que o aumento da entropia resulta em morte por calor. A nossa vida terrestre depende do suprimento contínuo de energia da radiação solar, que diminui e aumenta a entropia, no entanto, mais lentamente. O período envolvido é indefinido do ponto de vista humano, pois é muito grande para ser levado em consideração prática. Mesmo assim, a lei da entropia tem uma contínua influência direta na terra e, portanto, no destino da humanidade. Tirando o sol, a riqueza mineral da terra fornece a satisfação da energia que os seres humanos necessitam. Sua exploração, no entanto, apressa a transformação de energia “livre” em energia “limite”, isto é, energia não mais disponível para uso humano e degradação em direção à morte por calor. Em outras palavras, a fonte de energia disponível pode ser utilizada apenas uma vez. Com sua escassez, a vida humana terminaria, e de fato muito antes do resfriamento do sol, já que todas as riquezas naturais da terra não contêm mais energia do que dois dias de luz solar. Para a humanidade, portanto, a Segunda Lei da termodinâmica se resume à limitação da riqueza natural. Quanto mais lentamente ela é extraída, mais a humanidade pode viver; quanto mais rápida é utilizada, mais cedo nós chegaremos ao nosso fim. Já que o consumo varia com o tamanho da população, o momento no qual o mundo colapsará está conectado com o problema populacional. Para atrasar este colapso, o crescimento populacional deve ser limitado e o consumo dos recursos naturais diminuídos. Este problema foi levantado em relação ao mundo capitalista pelo Clube de Roma, e o Wolfgang Harich levantou este problema em relação ao comunismo, que tem até agora, da mesma forma, engajado no crescimento econômico sem fim²³. O antigo ditado serve para Harich: “O gato não deixa o rato em paz”. Os seus vários anos na prisão de Walter Ulbricht não foram capazes de quebrar seu espírito de oposição. Depois de 17 de junho de 1953, ele se volta contra o rumo Stalinista na Alemanha Oriental²⁴, pelo interesse da própria Alemanha Oriental, e hoje ele se volta contra a ideologia do crescimento que reina neste país, para salvar o mundo por meio do comunismo. Depois de 1953, a Alemanha Oriental deveria ter se aproximado do Ocidente para controlar suas contradições internas; hoje o problema ecológico surgido no Ocidente deve ser enfrentado pelo Oriente para prevenir a destruição do mundo. A abolição do capitalismo é, para Harich, portanto, não somente o objetivo de políticas comunistas, mas a única maneira adequada para mudar para um mundo sem crescimento, da qual depende a sobrevivência a longo prazo da humanidade. Ele expressou seus pontos de vista em entrevistas com Freimut Duve²⁵, na esperança que eles não seriam novamente mal compreendidos na Alemanha Oriental. DIALÉTICA E ECOLOGIA Nem Marx, nem os economistas clássicos relacionaram suas teorias com a lei da entropia. Malthus, no entanto, inaugurou o debate do problema populacional e Ricardo percebeu a tendência do declínio dos retornos da terra como um limite para o desenvolvimento capitalista. Neste sentido, eles apologeticamente retratam as contradições especificamente capitalistas como processos naturais e inalteráveis. Essas teorias foram desenvolvidas numa época em que a agricultura ainda dominava a economia e o desenvolvimento industrial estava fazendo sua decolagem inicial. Apesar da produção ser determinada pela natureza e pelos seres humanos, a atenção de Marx e Engels estava direcionada não para as limitações naturais, mas para os limites do modo de produção capitalista, já que o mundo – visto como natureza – estavaainda pouco povoado, e a “superpopulação” da qual Malthus escreveu era um resultado direto do capitalismo. Sem dúvida, um aumento da população pressupõe o crescimento da produtividade do trabalho, e isto, por sua vez, pressupõe mudanças na estrutura social. “Quanto mais eu entro no assunto”, Marx escreve para Engels, “mais eu fico convencido que a reforma da agricultura e consequentemente a propriedade baseada nela é o alfa e ômega da revolta vindoura. Sem isto, o padre Malthus se mostrará correto”² . À luz do predomínio da ideologia do crescimento na Alemanha Oriental, que supostamente levaria o desenvolvimento das forças produtivas para além do alcançado por qualquer um até agora, Harich tenta legitimar seu interesse na ecologia com referências a Marx e Engels e na dialética materialista. Citando o comunista francês Guy Biolat, ele afirma que “o desenvolvimento da ecologia expressou uma nova abordagem profundamente dialética para o estudo da natureza”, de modo que a preocupação ecológica é “tão ortodoxa quanto se poderia desejar”. A ecologia se preocupa com a “ação recíproca entre natureza e sociedade”, que só pode ser compreendida completamente pelos adeptos da “dialética da natureza” e pela “teoria Marxista do conhecimento refinada por Lenin”. Agora, o metabolismo entre a humanidade e a natureza, que também pode ser entendida como uma interação mútua, não tem nada a ver com a dialética da natureza, e não será contestada por aqueles que acham que a dialética não tem validade. Por isso, a epistemologia de Lênin também não é exigida para discutir a ecologia e suas ameaças, já que sua epistemologia, como Harich deve tristemente reconhecer, até agora contribuiu pouco com o estudo dos problemas ecológicos. De qualquer forma, o Clube de Roma está despreocupado com o materialismo dialético . Em última análise, até mesmo para Harich, pouco importa se o problema ecológico já está incluído na dialética da natureza. Por isso não é necessário discutir sua linha partidária leninista ortodoxa. Seu argumento não repousa na dialética da natureza, mas sim nos cálculos do Clube de Roma, que se baseia no consumo acelerado dos recursos naturais e na explosão da população para prever um declínio da humanidade em um futuro não muito distante. Há aspectos da natureza que podem ser compreendidos com a lógica formal e outras que exigem o uso da lógica dialética. As descobertas em microfísica impõem uma lógica adequada a esse objeto, que não é idêntico à lógica formal ou à lógica dialética . Mas os meios para compreender a natureza e a relevância das suas regularidades para os seres humanos que as investigam, não fornecem informações sobre a “totalidade” da natureza e suas leis de movimento, que estão até agora – e, sem dúvida, estarão permanentemente – fechadas para nós. Mesmo se a lógica dialética fosse requerida para o estudo da natureza, nós não poderíamos concluir nada, a partir disso, sobre a dialética da natureza; em contraste, a dialética da sociedade é visível em seu desenvolvimento econômico e nas lutas de classes. Pode-se, obviamente, descrever a lei da entropia como “dialética”, apenas porque ela implica em permanentes mudanças qualitativas, especialmente se rastrearmos todos os processos econômicos e biológicos até sua base física. Mas a Segunda Lei da Termodinâmica foi descoberta pela físico- química, e não pelo método dialético, e isso é o suficiente para elucidar a ecologia do ponto de vista biológico e social. O marxismo não é uma ciência natural, e, de fato, não é uma ciência no sentido burguês da palavra, mas usa métodos científicos para descobrir os pressupostos e as necessidades para a transformação social, em geral, e para a abolição do capitalismo, em particular, visando intervir praticamente nos processos sociais. As leis da natureza não podem ser mudadas; elas devem ser aceitas, embora aumentando a compreensão sobre elas, as transformamos em uma força de produção humana, determinando as possibilidades do desenvolvimento social. Se a natureza afeta os seres humanos, ela pode, portanto, desenvolver-se em uma direção, ou seja, até o seu fim. Enquanto o mundo existir, os problemas da humanidade serão determinados por este mundo e devem ser resolvidos no interior dele. Mesmo sendo verdade que a termodinâmica é somente uma característica de um universo em expansão e o processo inverso ocorreria em um universo em contração levando a uma nova produção de matéria fora da radiação, isto não teria relevância para um mundo que desapareceria, junto com seus habitantes, enquanto isso. Também é óbvio que sem o princípio da entropia, o metabolismo entre a humanidade e a natureza dependeria da fecundidade da terra e da produtividade de matérias-primas. Com a esgotamento das matérias-primas, a fonte de energia entra em decadência e leva junto com ela a possibilidade de intervenções humanas nos processos naturais. O mundo, no qual Marx e Engels viveram, sabia, no entanto, que os limites da natureza não limitavam a produção. Nem processos físicos ou biológicos explicam as desagradáveis condições sociais. O esgotamento da saúde da terra e uma relativa superpopulação eram os resultados diretos da produção por lucro e poderia ser desfeita pela eliminação das relações de produção capitalistas. Eles não poderiam ainda falar sobre uma crise ecológica, particularmente não por um ponto de vista Marxista. CRESCIMENTO, CAPITALISMO E COMUNISMO As coisas estão diferentes hoje? De acordo com o Clube de Roma e Harich, nós estamos no meio de uma crise ecológica, o que obriga o Marxismo a se aprofundar mais do que antes nas bases naturais da sociedade e no problema da população levantada por Malthus. Harich acredita que os cientistas comunistas, se não ainda a Alemanha Oriental que estava na URSS, “estão começando a focar com grande discernimento na crise ecológica”. Para deixar claro: o problema pode ser resumido em três ideias – sobrecarga ambiental, consumo de matérias-primas e superpopulação. A solução, de acordo com Harich, reside na reversão desses processos. Isso, no entanto, implica na destruição da sociedade capitalista e assim na transformação revolucionária em um nível global. De acordo com Harich, contudo, nós não podemos falar hoje em revolução comunista como essa foi imaginada, libertando as forças sociais de produção dos grilhões das relações de produção capitalista para satisfazer necessidades crescentes, mas deve seguir a ideia de Babeuf de retroceder as forças produtivas e as necessidades humanas em direção a coletividade devota pré-industrial. Marx já enfatizou que no capitalismo, as forças produtivas tornaram-se forças de destruição, “é exatamente isso”, diz Harich, “que nós estamos experimentando hoje”. Mas isto é má interpretação por parte de Harich. Mesmo considerando o lado destrutivo do desenvolvimento capitalista, Marx viu no comunismo o único caminho possível para um desenvolvimento progressivo das forças produtivas, na qual a superação da pobreza humana determinada pelo capitalismo, no geral, depende. Certamente, este crescimento das forças sociais de produção inclui as exigências que devem não mais servir cegamente a valorização de capital, mas sim as necessidades humanas racionais, que são elas mesmas determinadas pelo caráter tecnológico-científico das adicionais forças produtivas. Agora isto pode parecer utópico, não somente por causa do caráter longilíneo do capitalismo, mas também por causa dos limites do crescimento econômico impostos pela natureza, que foi desconsiderado por Marx. A relativa superpopulação que Marx escreveu sobre, de acordo com Harich, tornou superpopulação absoluta, que não pode ser superada através da mudança do capitalismo para o comunismo, mas somente através de uma sistemática redução por meio do planejamento populacional – e não somente o “Terceiro Mundo”, mas em uma escala global. Deste modo, mesmo o comunismo não permite o desenvolvimento da indústria moderna, mas necessita de um planejamento econômico sem crescimento e possivelmente a liquidaçãode formas de produção já em uso. A crise ecológica descoberta pelo Clube de Roma e outros pode ser visto como uma nova tentativa – similares aos esforços de Malthus e Ricardo – de explicar as dificuldades sociais como resultado de condições naturais, já que para eles a forma de sociedade parece ser natural e imutável. O novo elemento é que hoje há concordância do lado “Marxista”, com uma consciência boa ou má. Claro, a posição de Harich diverge da defendida pelo Clube de Roma, pois ele permanece ciente de que, mesmo com uma compreensão completa da situação de crise, o mundo capitalista não está em posição de tomar medidas para preservar a vida humana em um futuro distante, mesmo que sob a forma modesta. O Clube de Roma, nota Harich, de fato fala em um esperado empobrecimento e destruição do mundo, mas “não fala que os ricos devem desaparecer de cena”. Hoje as pessoas estão prontas “para racionar gasolina”, mas não estão preparadas “para racionar tudo”. Mas porque tudo não deve ser racionado, pois sob base socialista, se pergunta Harich: “isto já não seria comunismo?” Isto não seria o comunismo de Babeuf, enquanto resultado da distribuição racional, para o qual o movimento operário deve agora, tendo atingido um nível mais alto, retroceder com um movimento espiral dialético – a negação da negação – depois que as “fontes” da riqueza capitalista fluem por quase 200 anos? Mas porque empacar em Babeuf? Por que não retornar para a ecologia perfeita do Paraíso antes do Pecado Original? Um é tão impossível quanto o outro, para o lamento de Babeuf. A história não pode ser feita para retroceder, nem mesmo pela “negação da negação”. Uma distribuição racionalizada pressupõe forças produtivas que satisfaçam as necessidades de quatro bilhões de pessoas, e com o contínuo desenvolvimento produtivo à fim de conter a lei do aumento da entropia, isto é, para suportar a entropia negativa do mundo dos vivos com o mínimo de gasto de energia “livre”. Mas, além disso, o racionamento que Harich fala não é estranho ao mundo capitalista, onde pode ser encontrado, aplicado mais ou menos minuciosamente, em tempo de guerra (e também no “comunismo de guerra”). Além disso, o capitalismo é baseado, de acordo com a lei do mais-valor, no “racionamento” das condições de vida do proletariado, algo que também caracteriza as relações de produção países supostamente “socialistas”, embora lá o mais-valor possa aparecer diretamente como mais-produto²⁷. De fato, a existência do capital, como Harich mesmo explica, reside no contínuo “racionamento” dos produtores para satisfazer as crescentes exigências de acumulação de mais-valor²⁸. Quando e em que medida for necessário, o capital irá também buscar formas políticas para pressionar as condições dos trabalhadores para um nível mais modesto. A expansão da pobreza em nível global é um produto da produção de mais-valor, o resultado do “racionamento” do capitalismo das condições de vida de grandes massas de pessoas, e pode, assim, não ser recomendada como solução da crise ecológica. Se esta fosse a solução, o capital estaria na melhor posição para concretizá-la. Quando Harich fala da necessidade de reduzir a produção e consumo, algumas questões surgem: de quem ele está falando, na verdade? Dos trabalhadores, de quem o mais-valor está sendo extraído? Dos desempregados, que dificilmente conseguem se manterem vivos? Dos milhares de milhões nos países subdesenvolvidos, que sofrem de desnutrição e morrem lentamente (ou às vezes rapidamente) de fome? E se a superpopulação absoluta e o acelerado consumo das matérias-primas são as causas desses sofrimentos, então uma distribuição justa não pode mudar isso essencialmente. Assim, segundo Harich, devemos pôr um fim à acumulação, para que a produção social com base na reprodução simples e com crescimento populacional zero possa finalmente igualar o consumo. As relações capitalistas de produção e de propriedade excluem a possibilidade da reprodução simples. A interrupção do desenvolvimento industrial demandada pela pressão de acumular traz crises econômicas e a miséria da depressão. Do ponto de vista daqueles que veem a crise ecológica como já em andamento, isto pode, certamente, ser uma situação bem-vinda. Mas como uma situação de crise sem uma contestação revolucionária do sistema capitalista pode somente conduzir para uma nova fase de acumulação, uma realização da reprodução simples está reservada ao comunismo. Na verdade, na concepção de Harich, o comunismo também não é realidade, mas suas precondições já foram estabelecidas com a existência dos “países socialistas”. Depende deles, e do movimento operário dos países capitalistas, se a sociedade pode preservar sua base natural. “A derrubada da burguesia, a criação da ditadura do proletariado, e a realização do comunismo são”, de acordo com Harich, “os pressupostos para a realização social das demandas do Clube de Roma”. Além de um punhado de cientistas, no entanto, nem as autoridades dos “países socialistas” nem os operários do mundo capitalista são conscientes dessa importante tarefa. Como Freimut Duve enfatiza, “as políticas econômicas de todas as nações – sem exceções – são as mesmas e isso ocorreria mesmo se os estudos do Clube de Roma nunca tivessem sido realizados”. Isto vale também para os “países socialistas”, que Harich atribui a eles a possibilidade de uma adaptação mais rápida e melhor à crise ecológica, pois não estão sujeitos à uma pressão pela reprodução ampliada. A destruição do meio ambiente, em todos os casos, é um problema para a sociedade industrial em geral, a possibilidade de enfrentar esse problema não é de forma alguma neutra em relação ao sistema² . Com certeza, infelizmente, os recursos de matérias- primas dos países “socialistas” tornam desnecessária uma revolução comunista anterior. Mas eles irão, mesmo assim, finalmente lidar com a crise ecológica, já que os comunistas “nunca se resignarão à ideia de que a humanidade está condenada à destruição”. Enquanto isso, é uma questão de nadar “contra a corrente” e manter uma imagem do futuro para os olhos do mundo, de modo a indicar o caminho para escapar. O Clube de Roma pode apenas alertar e fazer propostas, mas, de acordo com Harich, não muda nada na “explosiva força revolucionária” efetivada pela compreensão ecológica. As conclusões dessa compreensão só podem ser desenvolvidas pelo movimento operário e pelos Estados operários, mas exigem a revisão das ideias comunistas tradicionais. As vantagens do sistema socialista devem ser utilizadas para regular e planificar a produção de todos os bens materiais, fazendo justiça de acordo com o critério ecológico.... Para atingir essa finalidade, diz Harich, os partidos de esquerda devem agora imediatamente começar a explicar para a classe operária as razões pelas quais interromperão o crescimento econômico assim que chegarem ao poder, e imporão restrições materiais para toda população, incluindo os operários. Assim, será uma revolução não para melhorar, mas para piorar o padrão de vida dos trabalhadores. Será difícil conseguir muito entusiasmo revolucionário para este projeto. Esta é a grande preocupação de Harich. Como pessoa amante da verdade, ele não deseja despertar ilusões e sim deixar claro para os trabalhadores a necessidade das novas privações, “Tão popular quanto possível e tão impopular quanto é necessário dado o julgamento da ciência”. Em todo caso, nós devemos colocar um fim ao pensamento de prosperidade e ao fetichismo do crescimento, Por meio da reeducação, mas também, quando necessário, por rigorosa repressão, talvez pelo fechamento de ramos inteiros da produção, acompanhado por imposições legais de forma abrupta. É claro que, pelo menos para Harich, isso requer “a propriedade social dos meios de produção, administrada pelo estado proletário, é uma necessária precondição”. Mas isso não é suficiente. O estado proletário deve também ter o poder de controlar o consumo individual de acordo com o critério imposto pela ecologia. No finito sistema da biosfera”,continua Harich, “é que o comunismo deve fazer o seu caminho, deve transformar a sociedade humana em um estado estacionário homeostático que, nos limites da continuação da dinâmica do capitalismo ou socialismo, também não tem lugar para liberdade individual sem limite. Qualquer ideia de um futuro definhamento do Estado é, portanto, ilusória. Esta “revisão” do “Marxismo-Leninismo clássico” é direcionada, obviamente, somente contra a ideologia e não contra a realidade dos países “socialistas”, que nunca teve, e não tem, intenção de renunciar a “autoridade estatal e leis codificadas” para realizar o comunismo no sentido do marxismo original. Mas, assim como o estado autoritário foi, segundo Harich, necessário para criar a “indústria pesada, fundamento da autodeterminação nacional”, com “aspereza e brutalidade sem exemplos”, hoje ele é ainda mais necessário para desmantelar este fundamento. Assim como Stalin “governou o país” com o objetivo do desenvolvimento industrial, o estado proletário deve, considerando em seus cálculos as previsões da ciência, utilizar todos os meios necessários para forçar o povo a viver de acordo com a ecologia. O próprio comunismo de Babeuf não pode ser deixado aos operários, pois somente pode ser alcançado através do inevitável poder estatal exercido pelos partidos Marxista-Leninistas. Contra isso, Duve contesta que não se pode falar de comunismo em relação as ideias autoritárias de Harich, já que “a administração da escassez em todo caso dará aos administradores o poder real”. A perpetuação do estado é naturalmente a perpetuação da sociedade de classes, e, portanto, das relações de produção exploradoras, que são, ao mesmo tempo, relações de propriedade. Enquanto propriedade do Estado, os meios de produção despontam no futuro como meios de produção separados dos operários. Tanto a forma quanto o que é produzido está subordinado não ao controle dos operários, mas ao das instituições estatais, que supostamente representam o interesse da sociedade. Mas essa sociedade permanece dividida: de um lado, um grupo de pessoas organizadas através do estado, que controlam os meios de produção e a distribuição do produto, de outro, a massa da população, que deve seguir suas ordens. Este novo tipo de sociedade caracterizada por um controle estatal dos meios de produção aparece para a burguesia como socialismo de estado, ou simplesmente socialismo, mas é capitalista em sua relação com os trabalhadores, expresso convenientemente no conceito de capitalismo de estado, embora se autoproclame socialismo. Uma vez estabelecida esta situação, o processo de reprodução social ocorre como reprodução da dominação estatal, e a riqueza social cresce de acordo com o aumento do poder estatal. Além da luta competitiva internacional entre capitais organizadas nacionalmente, que será ainda mais acentuada graças às diferenças entre os sistemas capitalistas, a classe privilegiada que é constituída nas relações sociais do capitalismo de estado tem seu próprio interesse direto no aumento do mais-produto à sua disposição e, por conseguinte, no desenvolvimento das forças produtivas em uma base capitalista estatal. Não se pode ser esperar que se estabeleça, espontaneamente, limites às forças produtivas, e, na medida em que for forçado nesta direção, não se aplicará as privações resultantes a si mesma, mas as imporá à massa impotente da população. O argumento ecológico, obviamente, oferece um bom álibi. Isto já é usado por Harich para defender o contínuo atraso dos países “socialistas” em comparação com as nações industriais capitalistas. Nós devemos transformar o declive dos padrões de vida do Ocidente-Oriente”, ele diz, “que até o presente tem limitado o progresso da revolução proletária nos países industriais capitalistas, em uma rampa Oriente-Ocidente de cuidados exemplares do meio ambiente, do racionamento, manuseio econômico e moderado de matérias-primas, e uma qualidade da vida socialista correspondentes. Os operários do Ocidente, mesmo depois de uma revolução bem-sucedida, devem tomar o mais baixo padrão de vida do Oriente como modelo e compreender seu dever revolucionário de renúncia de poucos confortos que o capitalismo ocasionalmente oferece a eles. O que a experiência dos operários da Alemanha Oriental deve deixar claro para aqueles do Ocidente é que as características da Alemanha Oriental, assim como o campo socialista em geral, que nós geralmente observamos como desvantagens, serão vantagens à medida que nós encaramos os novos padrões da crise ecológica. Esta inversão dos valores até então existentes pode, contudo, na concepção de Harich, não ser atingida de um dia para a noite. O comunismo dos iguais de Babeuf pressupõe uma “primeira fase socialista”, como Marx já expressava, e como existe na Alemanha Oriental: isto é, uma distribuição não de acordo com a necessidade, mas de acordo com o trabalho realizado. Como é o “estado proletário” que julga o desempenho, este estado torna-se o instrumento de desigualdade e não tem outro conteúdo além dessa desigualdade, ou dele próprio. Mas, assim como a classe dominante no capitalismo privado está pouco disposta a abrir mão de seus privilégios, a nova classe dominante que efetiva sua dominação através do “estado proletário” renunciará aos privilégios associados a ele. O “estado socialista” é tão incapaz de responder aos avisos do Clube de Roma à la Babeuf quanto o capital; ele age, ao invés disso, às custas dos operários, como sempre, com ou sem a crise ecológica. Assim como a classe operária não está disposta, sob as condições de exploração e desigualdade existentes nos países capitalistas, a deixar de lado suas necessidades para preservar o meio ambiente, os operários dos países “socialistas” não estão dispostos a renunciarem uma melhoria em seus padrões de vida no interesse das “futuras gerações”. As lutas de classes, sempre latente, decidirá o curso futuro do desenvolvimento econômico. Para interromper o crescimento econômico, a luta de classes também deve ser abolida, ou, para usar a terminologia de Harich, a “ditadura do proletariado” sob a liderança dos partidos comunistas deve ser criada em escala global para atender as demandas da crise ecológica, mesmo na “primeira fase” do comunismo. CRISE ECOLÓGICA E LUTA DE CLASSES A luta de classes não pode, é claro, ser abolida por meio do poder estatal, mas apenas continuada de forma unilateral por um longo ou curto período, ou seja, através da ditadura fascista ou democrática do capital ou através da “ditadura do proletariado” no sentido “Marxista-Leninista”. Assim como a crise econômica decorrente das relações capitalistas de produção intensifica os antagonismos de classe, as medidas para superar a crise ecológica, que são praticamente as mesmas da crise econômica, devem aguçar os conflitos de classe. A ameaça contínua às classes dominantes³ , por um lado, força-as a manter seu poder por meios ditatoriais; por outro lado, elas também buscarão atender às demandas dos operários, na medida do possível. Para o capital privado, isso pode apenas ser uma medida que levará à retomada da acumulação de capital e com ela, a expansão da produção. Para manter o poder, a classe dominante dos países “socialistas” deve aumentar a produtividade do trabalho e expandir a produção, comprometendo-se, sem olhar para trás, com as consequências ecológicas de um maior crescimento. Portanto, os alertas do Clube de Roma não são ouvidos em nenhum lugar, e particularmente não são ouvidos nos países “socialistas”, onde uma nova “burguesia” surgiu a partir das bases do estado. Harich explica isso evocando a falta de compreensão por parte das autoridades “comunistas”, que poderia ser remediada com discernimento “científico”. No entanto, o problema real é a consciência de classe da nova classe dominante, tão forte quanto a da antiga classe dominante. É o socialismo falsificado sob a forma de socialismo de estado, o único tipo de “socialismo” que Harich pode imaginar, que o permite colocar suas esperanças ecológicasna dependência da ditadura estatal e de sua perpetuação. Se a salvação do mundo depende dos já existentes e dos futuros países “socialistas”, nós podemos abandonar toda esperança. O que Harich condena no capitalismo, sua incapacidade de interromper o crescimento econômico, é uma verdade para os sistemas de capitalismo de estado que se apresentam como “socialistas”. Suas demandas ilusórias por “um estado estacionário da humanidade no interior do sistema da natureza” exige simultaneamente a superação do sistema capitalista e do capitalismo de estado e exigiria movimentos revolucionários que não se subordinariam incondicionalmente ao “julgamento da ciência” ou do estado, mas, sem obediência à autoridade, se sentiriam em casa no mundo de maneira correspondente as suas próprias necessidades. Como tal movimento não existe, nós estamos presos na crise ecológica. A “ciência” não é responsável pela aplicação prática ou na falha da aplicação do conhecimento ganho por ela; a responsabilidade é dos governos e, então, das classes dominantes. É peculiar que Harich critica o fetichismo do crescimento em nome da ciência, já que esta última é ela mesma apenas um aspecto do fetichismo do crescimento. A ciência é representada por pessoas, que não são somente cientistas, mas também membros da sociedade, e seus interesses sociais particulares que determinam os campos de aplicação da ciência. O desenvolvimento das forças produtivas capitalistas ou — o que resulta da mesma coisa — a geração da “crise ecológica”, foi um processo possibilitado pela ciência, e é, cada vez mais, um resultado direto da ciência e sua influência sobre a tecnologia. É da ciência, destruidora do meio ambiente, que Harich espera as necessárias instruções para a reconstrução de um equilíbrio ecológico, que sua realização prática definiria limites não somente para o crescimento econômico, mas também para a ciência. Ele fala, é claro, da ciência sob a “ditadura do proletariado”, mas já que isso é somente outro nome para a relação capital- trabalho ainda existente na forma de propriedade estatal, o desenvolvimento da ciência depende de um maior crescimento das forças produtivas, assim como os interesses socialmente determinados dos cientistas permanecem amarrados ao progresso do capitalismo de estado. Isto é aparentemente contrariado pelo reconhecimento dado ao Clube de Roma pelos cientistas russos, bem como pela atenção geralmente dada as descobertas do Clube, creditadas com “forças revolucionárias explosivas”. Parece atordoante que estas pesquisas estavam sendo financiadas por instituições capitalistas e por empresas comerciais, como a Fundação Volkswagen, sem falar ainda do inesperado liberalismo com que os estados totalitários têm permitido seus acadêmicos ao direito de uma futurologia pessimista. Vemos aqui a ciência como tal, independentemente de seu ambiente social, abrindo um caminho livre, ou as suas preocupações atuais são também preocupações das classes dominantes? Este desenvolvimento talvez seja parte do planejamento exigido a longo prazo, ou apenas uma reação espontânea a escassez das matérias-primas e combustíveis necessários, politicamente projetadas na estrutura do mecanismo de preço? Ou nós estamos lidando aqui com não mais do que uma rédea dada livremente a ciência, na qual pode, por fim, levar apenas para projetos extensivos para dar aos cientistas trabalhos e renda? Embora o problema ecológico realmente exista, as pesquisas sobre este problema têm praticamente nenhum significado prático. Na medida em que se pode atribuir significado prático a elas, torna-se contraditório: embora elas sejam capazes de explicar a terrível situação aos operários do Oriente e do Ocidente e interromper sua luta por melhores condições de vida, um aumento do mais-valor ou mais-produto ainda exigiria uma progressiva destruição ecológica. CAPITALISMO, CRISE ECOLÓGICA E CRISE SOCIAL A manutenção de um equilíbrio ecológico absoluto é impossível. Mas hoje a prolongação da existência humana através do respeito aos limites impostos pela natureza é uma possibilidade, mas sua realização exigiria o fim da superexploração capitalista dos recursos naturais. Os limites impostos pela natureza ainda não é o mais importante. O que é necessário, hoje e amanhã, é acabar com a miséria humana causada pelas relações de produção capitalistas, como ponto de partida para uma forma de sociedade planejada racionalmente de acordo com as condições naturais — baseada não em mais privações, mas em um melhor padrão de vida para todos, da qual depende a diminuição do crescimento populacional e que possibilitaria o desenvolvimento adicional das forças produtivas da sociedade. A destruição progressiva do meio ambiente não é resultado do crescimento das forças produtivas, mas sim resultado do crescimento das forças produtivas sob o capitalismo. Se a produção capitalista realmente fosse o que afirma ser, uma produção para a satisfação das necessidades humanas, o desenvolvimento das forças produtivas teria um caráter diferente do atual, com uma tecnologia diferente e diferentes consequências ecológicas. Com relação a isso, a reprodução ampliada com uma população crescente e necessidades crescentes não faz diferença em princípio. Mas o desenvolvimento das forças produtivas ocorre com base nas relações de produção capitalistas e está, portanto, vinculado a produção de capital; ela pode satisfazer as necessidades humanas apenas na medida em que elas coincidem com as exigências da acumulação de capital. Isto exclui qualquer referência direta às autênticas necessidades sociais, e aos limites naturais da produção social. Sob as condições da competição capitalista, que não são abolidas com o capital monopolista, e que os sistemas de capitalismo de estado são subordinados como parte do sistema global, o desenvolvimento das forças produtivas avança cegamente, especialmente quando esforços são feitos para trazer a produção sob controle consciente em nível nacional. Este processo exige um enorme desperdício de poder do trabalho humano e de recursos naturais, que não ocorreria (pelo menos no mesmo grau) em outro sistema social. Embora não haja muito sentido nisso, pode-se calcular até que ponto a expansão da produção capitalista é determinada pelas exigências da existência humana e até que ponto pelo caráter específico do modo de produção capitalista. Em outras palavras: Como seria a produção sem todas as atividades produtivas e improdutivas exigidas pelo capitalismo? Certamente este cálculo mostraria que pelo menos metade da produção capitalista poderia ser dispensada sem afetar as condições de vida das pessoas. Grande parte do trabalho hoje é improdutivo, fazendo “sentido” somente dentro do mercado capitalista e nas relações de propriedade. O trabalho improdutivo poderia ser transformado em trabalho produtivo — “produtivo” não no sentido lucrativo, mas no sentido de criação de valores de uso — enquanto reduz o tempo de trabalho. Tal produção, com o desaparecimento do princípio do lucro, competição e da desnecessária “depreciação moral” dos meios de produção, traria uma economia significante das matérias-primas sem diminuir a produção para atender as necessidades humanas. Tal transformação exige uma ordem social diferente das existentes. Se acompanharmos os cálculos do Clube de Roma, pode ser que — dada a superpopulação, a limitada capacidade da terra, e o esgotamento das fontes de energia — a oportunidade de concretizar isso pode já estar perdida. Uma olhada na atual produção mundial mostra claramente que nós não podemos falar ainda de uma verdadeira falta de recursos materiais. Pelo contrário, e apesar da curta e artificialmente produzida “crise energética”, o mundo está sofrendo da “sobreprodução”, de uma insuficiente demanda efetiva, mesmo nas bases de uma baixa taxa de acumulação, que por ela mesma impõe limites a expansão de produção. A situação de crise que nós estamos experenciando tem causas não naturais, mas tem como base as exigências da valorização de capital. Mesmode acordo com o Clube de Roma, os efeitos da crise ecológica serão completamente visíveis, e assumem formas catastróficas somente em “duas ou três gerações”, e apenas se nenhum passo for tomado para combatê-los. Nos dois relatórios produzidos para o Clube de Roma que Harich cita³¹, o prazo até a destruição do mundo é, possivelmente, até metade do próximo século. Neste meio tempo, um caminho deve ser encontrado para mudar do crescimento “indiferente” para um crescimento “orgânico” da economia e da sociedade. Este caminho está para ser descoberto graças a um modelo de computador que extrapola a tendência do desenvolvimento dos dias presentes ao futuro. Reconhecidamente, os resultados são apenas uma probabilidade, não uma certeza. Enquanto o primeiro relatório sobre os “limites do crescimento” preocupou o mundo inteiro, lidando com o aumento da população total e da média da renda per capita etc., o segundo relatório enfatiza que este tipo de análise não pode levar a uma solução do problema. O mundo consiste de várias e diferentes partes que devem ser tratadas de modos particulares, no que diz respeito às necessidades regionais. Se o primeiro relatório alertou que o sistema mundial colapsará no meio do próximo século, o segundo relatório previra não o colapso do mundo, mas sim o colapso de uma ou outra de suas regiões (que significaria, é claro, ipso facto, a destruição do mundo em sua totalidade). Se de pouco a pouco ou tudo de uma vez, o colapso é inevitável de acordo com a lógica do computador; o resultado disso é que cabe aos “estadistas” arregaçarem a manga. Aqui encontramos a mentalidade dos cientistas especialistas do Clube de Roma, por exemplo, M. Mesarovic e E. Pestel, responsáveis pelo segundo relatório. Eles se referem ao longo do relatório não à sociedade capitalista, mas à “sociedade” (ou simplesmente a “humanidade”) ameaçada pela natureza. Do ponto de vista deles, a crise ecológica tem raízes nas atividades que “surgiram das melhores intenções das pessoas”. Não ocorreu para eles que estas intenções envolvem a exploração dos operários; pelo contrário, eles estão convencidos que “a redução do trabalho humano através da exploração dos recursos não-humanos de energia é um projeto com o qual as pessoas devem concordar”. Eles são incapazes de compreender que é exatamente o aumento da exploração do trabalho que torna necessário a superexploração dos recursos naturais. Eles não compreendem a sociedade em que eles vivem ou eles fingem uma falta de entendimento para não serem ofensivos. Mas, olhando as soluções propostas, é a primeira destas que parece correta. Estas propostas representam uma série de formas prudentes de comunicação, tal como a ênfase da necessidade de uma solução global do problema ecológico; uma economia mundial mais balanceada através da abolição simultânea do subdesenvolvimento e do superdesenvolvimento nas respectivas regiões; uma alocação apropriada de matérias-primas e combustíveis não renováveis; uma efetiva política de população; mais energia solar em vez de reatores nucleares; aumento da ajuda aos países pobres pelos países ricos; e louváveis medidas similares. Nenhuma palavra é desperdiçada sobre como este programa será posto em prática. Os especialistas estão certos apenas que a solução da problématique humaine exige o trabalho cooperativo mais estreito em uma escala mundial, já que apenas pode haver um futuro “quando a história, não mais como antes, é determinada por indivíduos ou classes sociais, mas através da dedicação dos recursos materiais para a proteção da existência humana”. O reconhecimento da realidade capitalista está no mesmo nível da compreensão de Harich do mundo “socialista”. Em ambos os casos, observamos somente feitiços pronunciados ao vento. De certa forma, os autores do segundo relatório não se sentem seguros. Por mais “racional” que o computador seja, as pessoas são irracionais. Apesar do computador indicar que as pessoas podem ser ajudadas não através de conflitos, mas por meio da cooperação, a análise do computador necessariamente trata somente os limites materiais do crescimento. Mas o mundo é ameaçado pelas próprias pessoas com base em problemas sociais, políticos, e organizacionais, que, em última análise, brotam da “natureza humana”. Já que o Clube de Roma é apartidário em relação a políticas, os problemas não podem ser discutidos politicamente. O relatório observa que o caminho mais rápido para a aniquilação da humanidade seria, certamente, uma guerra atômica; mas esta eventualidade, como o enorme desperdício de recursos dispendiosos através de armamentos e militarismo, não está incluído na estrutura dos problemas discutidos pelo Club de Roma, já que o mundo está exposto ao perigo da completa destruição, mesmo sem uma guerra atômica. Um dialético como Harich não pode se satisfazer com isto. A distinção feita pelo Clube de Roma entre problemas sociais e naturais contradizem a “interação” entre humanidade e natureza. Para Harich, a ameaça de uma guerra atômica e a crise ecológica estão estreitamente conectadas. Na verdade, ele não nega que há contradições sociais que dirigem em direção à guerra, mas em tempos que o crescimento econômico se depara contra limites naturais inquebráveis, nós devemos também reajustar um pouco nossas opiniões. Sob as condições da crise ecológica, fatores sociais e naturais são entrelaçados de maneiras anteriormente desconhecidas... A influência da sociedade na natureza pode criar uma situação na qual pode levar a sociedade a procurar refúgio em uma catástrofe. Não basta, portanto, esforçar-se diretamente para prevenir uma guerra; nós devemos tratar a crise ecológica como uma possível causa da guerra para evitar a própria guerra. De fato, tivemos duas guerras mundiais e muitos conflitos menores antes da ameaça à ecologia entrar em nossa consciência. Estas guerras aconteceram não porque as nações lutaram – tal como cães lutam por ossos – por causa do declínio de suplementos de matérias-primas, mas porque a luta competitiva capitalista pela extração do mais-valor da população operária se desenvolveu em um plano mundial. A luta competitiva existe em todas as circunstâncias, com ou sem escassez de matéria-prima, e, portanto, nada tem a ver com esta última, pois surge do modo de produção capitalista. Mesmo quando a escassez de matérias- primas e consumo de bens leva a guerra em vez de outra solução, isto resulta da forma da sociedade e não da escassez em si. Nesta questão, contudo, Harich novamente se aproxima da concepção unilateral do Clube de Roma do problema como puramente ecológico, sem referência ao real mundo capitalista. Este mundo é para ele também, apesar da “intervenção de fatores sociais e naturais”, apenas um fator subordinado: é a crise ecológica que pode levar a guerra, então para evitá-la pressupõe resolver a crise ecológica. Mas a guerra pode ocorrer amanhã, enquanto a crise ecológica não é esperada até na metade do próximo século. Pode até ser impedido por uma guerra atômica, que proveria uma pavorosa demonstração da destruição da humanidade, não pela natureza, mas pelo capitalismo. Mas, há uma crise ecológica? Os números produzidos pelo modelo do computador que Harich e o Clube de Roma se referem estão abertos a dúvidas por diferentes pontos de vistas. Como a quantidade de matérias-primas e a energia consumida pelos países industriais nos últimos 50 anos pode apenas ser determinado imprecisamente, estamos ainda menos certos do que ainda está disponível. Aqui estamos lidando com quantidades desconhecidas, como pode já ser vista no fato que estimativas são continuadamente revisadas, não somente por causa de descobertas de novas reservas, mas também devido aos melhoramentos nos métodos de estimativa. Para dar um exemplo: o intocável suprimento de carvão nos Estados Unidos eram estimadas em 1969 em 3,000 bilhões de toneladas; em 1975 essa quantidade foi aumentada em 23 por cento devido ao melhoramento dos métodos de estimativa. Já que tais erros de estimativas, quer para mais ou para