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AVA1 – Responsabilidade Civil Histórico e conceito da responsabilidade civil O conceito de responsabilidade civil atualmente adotado pelo Direito brasileiro se originou no Código Civil francês, outorgado por Napoleão em 1804. Ele está relacionado à existência de culpa de um agente por ter praticado algo ato danoso a alguém, que deverá ser reparado. O dispositivo pode ser facilmente traduzido pela expressão: aquele que causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo. Ao contrário do que acontece no Direito Penal, não há nesse caso a necessidade de que se estabeleça de forma prévia qual tipo de dano enseja reparação, e nem há medida de reparação previamente estabelecida. Veja a seguir os amparos da responsabilidade civil no Direito Romano: Segundo Stoco (2011,p. 35), a responsabilidade civil é mais uma consequência do que uma obrigação original: A ninguém se permite lesar outra pessoa sem a consequência de imposição de sanção. No âmbito penal a sanção atende a um anseio da sociedade e busca resguardá-la. No âmbito civil o dever de reparar assegura que o lesado, enquanto pessoa individualizada, tenha o seu patrimônio – material ou moral – reconstituído ao statu quo ante, mediante a restitutiu in integrum. Para se caracterizar a responsabilidade civil, são necessários dois elementos de natureza fática (conduta do agente e o resultado danoso) e um elemento chamado de lógico- normativo que é o nexo causal. Dentre os elementos necessários para caracterizar a responsabilidade civil, podemos citar: Ato ilícito, omissivo ou comissivo, doloso ou culposo; Dano; Nexo de casualidade. Responsabilidade civil subjetiva, objetiva e culpa presumida O conceito de responsabilidade civil predominante no nosso ordenamento jurídico foi diretamente influenciado pelo Código Napoleão, em que a responsabilização civil pelo ato ilícito está diretamente ligada à existência de culpa do agente que praticou a conduta (comissiva ou omissiva) antijurídica. Desse modo, a responsabilidade civil cujos elementos caracterizadores requerem a existência da culpa (esta identificada por meio da negligência, imprudência ou imperícia) caracteriza-se como subjetiva, pois, além dos elementos ato ilícito, dano, e nexo de causalidade, é necessário demonstrar e comprovar o elemento subjetivo do agente para que passe a existir a obrigação de reparação civil. A responsabilidade subjetiva no nosso ordenamento aparece, de certa forma, como regra, sendo que a responsabilidade objetiva (que independente de culpa) acontece somente em hipóteses legalmente previstas. No entanto, dentro da doutrina da responsabilidade subjetiva, constatou-se que na prática, e por vezes, a necessidade de que o lesado demonstrasse a existência de culpa do agente e o nexo de causalidade acabava por inviabilizar a reparação. Isso em decorrência de algum desequilíbrio na relação como, por exemplo, desigualdade econômico-financeira, níveis diferentes de organização empresarial. Tal situação em boa parte das vezes não se via resolvida nem por meio da inversão do ônus da prova, fazendo com que o lesado permanecesse sem a devida reparação, embora tenha se reconhecido o dano sofrido em seu patrimônio jurídico. Diante desse quadro, muitos doutrinadores foram sentindo, ao longo dos anos, insuficiência da teoria da responsabilidade subjetiva – baseada na culpa –, para reparação dos danos o que levou ao paulatino alargamento da teoria da responsabilidade, como, por exemplo, através do desenvolvimento da chamada “teoria da culpa presumida”. Segundo Stoco (2011, 182): Trata-se de uma espécie de solução transacional ou escala intermédia, em que se considera não perder a culpa a condição de suporte da responsabilidade civil, embora aí já se deparem indícios de sua degradação como elemento etiológico fundamental da reparação e aflorem fatores de consideração da vítima como centro da estrutura ressarcitória, para atentar diretamente para as condições do lesado e a necessidade de ser indenizado. Tratam-se, portanto, de casos em que se abandona a necessidade de que o lesado comprove a culpa do agente, para se passar ao paradigma de que tal culpa será presumida, cabendo ao agente provar a sua inocência para eximir-se do dever de indenizar. Tal presunção de culpa pode ser informada por disposição de lei ou também pelo posicionamento da jurisprudência. No entanto, o Código Civil brasileiro não adota a teoria da culpa presumida, assumindo como regra a responsabilidade subjetiva e informando expressamente a existência de responsabilidade objetiva nos casos em que a elegeu, como por exemplo: O desenvolvimento da “teoria da culpa presumida” foi um passo importante em direção à elaboração da “teoria da responsabilidade objetiva”. Em razão da insatisfação da doutrina e jurisprudência com a teoria da responsabilidade civil atrelada à culpa, que nem sempre atendia aos anseios da sociedade e restaurava a situação de justiça, foi-se caminhando para a construção da teoria da responsabilidade sem culpa, ou responsabilidade objetiva, que surge unicamente da ocorrência do fato danoso. Como aponta Eugenio Facchini Neto (apud STOCO, 2011), a teoria da responsabilidade atrelada à culpa funcionou bem durante o século XIX quando, ao final deste, viu surgir seu declínio. Uma das circunstâncias que favoreceram esse declínio e a necessidade de evolução das teorias decorreu justamente da Revolução Industrial, quando pessoas necessitadas de emprego e sustento passavam excessivas horas trabalhando nas fábricas e indústrias, sendo vítimas de danos que na maioria das vezes decorriam da atividade empresarial, na qual a vítima não teria condições de comprovar a culpa, mas também não poderia ficar desamparada, por não ter ela – vítima – também culpa pelo dano sofrido. Dessa forma, passa-se a admitir como indenizável o ato que gera dano a outrem, independentemente de que seja culpável. Passa-se a admitir, portanto, a responsabilidade civil é objetiva, que prescinde de culpa do agente. Um dos fundamentos da teoria da responsabilidade objetiva é a “teoria do risco”, pela qual o agente causador do dano indeniza o lesado em razão de ser proprietário do bem ou responsável pela atividade que causou o dano, e não por possuir culpa em si. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2011): o “exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade”. A “teoria do risco” foi traduzida no nosso ordenamento jurídico através do art. 927 do Código Civil: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. São consideradas assim perigosas as atividades potencialmente danosas, além da normalidade, como, por exemplo, fabricação de explosivos e produtos químicos, produção de energia nuclear, substâncias, máquinas, aparelhos e instrumentos perigosos, etc. (GONÇALVES, 2011). A prática de atos lícitos também pode ensejar a reparação por responsabilidade civil. Segundo Stoco (2011, p. 188), nesses casos, “o que importa considerar é que o dano suportado seja ilegítimo, e não que a conduta que lhe deu causa o seja”. Carlos Roberto Gonçalves (2011) cita como exemplos: do dono do prédio encravado que exige passagem pelo prédio vizinho, mediante o pagamento de indenização cabal (art. 1.285); o do proprietário que penetra no imóvel vizinho para fazer limpeza, reformas e outros serviços considerados necessários (art. 1.313). Responsabilidade civil e a Legislação brasileira O ordenamento jurídicobrasileiro adotou, como regra, a teoria da responsabilidade subjetiva, elencando expressamente as hipóteses em que admitirá responsabilidade objetiva. Os principais dispositivos acerca da responsabilidade civil estão tratados no nosso ordenamento nos artigos 186 a 188, e entre os artigos 927 e 954 do Código Civil de 2002. Aos artigos 186 a 188, coube a definição legal dos atos ilícitos, não se dispensando o estudo da doutrina sobre tais conceitos. De acordo com o art. 186 do Código Civil brasileiro, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Devemos apontar aqui uma crítica feita pela doutrina: na tentativa de definir o que seria o ato ilícito, o legislador o vinculou à existência de prejuízo ou danos a outrem o que, na verdade, não é elemento essencial caracterizador do ato ilícito. Mesmo o agente que não causa dano a ninguém, mas pratica conduta (ação omissiva ou comissiva) em contrariedade ao ordenamento jurídico comete ato ilícito. A adição do elemento do prejuízo causado a outrem, em razão desta conduta quando praticada com culpa, é necessário para caracterizar o instituto da responsabilidade civil e o dever de reparar o prejuízo, restaurando o lesado ao estado anterior. O artigo 187 informa que também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Trata-se da figura do abuso de direito, que pressupõe a existência de um direito anterior do agente que, no seu exercício, desbordou os limites da boa-fé, da função social, da função econômica ou dos bons costumes. Stoco (2011, p. 144), definiu a boa-fé como: cláusula geral que integra os pactos, serve como norma de intepretação e elemento limitador dos direitos subjetivos, com o objetivo de estabelecer os deveres de comportamento que as partes devem obedecer nas relações jurídicas. Com esse desiderato, essa cláusula de exigência de conduta ética deverá estar subentendida em todas as relações. Já a função social está relacionada à observância da finalidade para a qual o direito subjetivo legítimo que está sendo exercido (possivelmente, com abuso) foi assegurado pelo ordenamento jurídico. A função econômica, por sua vez, está relacionada ao equilíbrio entre a finalidade econômica do direito exercido em relação ao patrimônio jurídico de outrem. Significa dizer que a todos é legítimo buscar proveito econômico desde que issonão implique em manifesto e exacerbado prejuízo à outra parte no negócio. Por fim, a expressão bons costumes refere-se a um complexo de regras e princípios impostos pela moral, que traduzem a norma de conduta dos indivíduos em suas relações sociais contratuais. No Código Civil Brasileiro de 2002, entre os artigos 927 e 954, podemos encontrar disposições sobre o instituo que devem ser ora anunciadas. Inicialmente, dispõe o artigo 927 que aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Ou seja, o patrimônio do agente causador do dano deverá responder pela restituição do patrimônio jurídico do lesado ao estado anterior em que se encontrava, antes do ilício praticado. Dignos de nota também são os dispositivos do artigo 939 e do artigo 940. Pelo artigo 939, o credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro. Pelo artigo 940, aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição, sendo que tais penas (dos artigos 939 e 940) não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. Devemos destacar que os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação, sendo solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932 (pais, tutor, curador, empregador, etc.). Por fim, o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la são transmitidos com a herança. Responsabilidade civil contratual A responsabilidade civil contratual decorre da realização anterior de um contrato (na acepção jurídica da palavra) entre as partes, em que alguma das obrigações ali previstas não tenha sido cumprida por uma delas. O próprio instrumento contratual, caso o negócio jurídico tenha sido formal, pode prever especificamente as hipóteses de descumprimento e geração de responsabilidade bem como os parâmetros e formas de reparação a serem realizados. No entanto, como a noção de ilicitude está vinculada a um preceito jurídico anterior, tal cláusula também pode ser redigida com conteúdo genérico, sendo que a inexistência destas disposições não retira o direito à reparação civil, amparado pela Legislação. Também é possível inserir nos contratos a chamada cláusula limitativa ou restritiva do valor da indenização, que não se confunde com a cláusula de não indenizar. Esta última é vedada pelo nosso ordenamento jurídico. A cláusula limitativa consiste no estabelecimento pelas partes - pressupondo que negociaram livremente em atenção à autonomia da vontade -, de um limite para eventual indenização devida pelo descumprimento de obrigação ali estipulada. Veja a seguir alguns casos de responsabilidade civil no contrato de transporte: As instituições bancárias possuem responsabilidade civil contratual em relação a seus clientes sendo importante destacar que é também objetiva, nos moldes do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor e das Súmulas 28 do Supremo Tribunal Federal (“O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista”) e súmula nº. 297 do Superior Tribunal de Justiça (“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”). Em relação aos construtores e incorporadores, eles possuem responsabilidade contratual - caso em que responderão por perdas e danos em caso de inexecução de alguma cláusula –, ou extracontratual no que diz respeito à solidez e segurança da obra. Concluída e entregue a obra, subsiste a responsabilidade do empreiteiro, durante 5 anos, pela solidez e segurança da construção (art. 618 do Código Civil). Responsabilidade civil extracontratual A reponsabilidade civil extracontratual se baseia na violação ao dever de cumprimento da lei e do ordenamento jurídico como um todo, que exige que as pessoas têm o dever de não lesar as outras. Nos casos em que o ato ilícito é praticado por mais de uma pessoa, surge a solidariedade no dever de reparar, nos termos do artigo 942 do Código Civil. De modo geral, é imprescindível a demonstração dos elementos da reponsabilidade civil: a conduta, o dano, a culpa e a relação de causalidade. Isso porque nosso ordenamento adotou como regra a responsabilidade subjetiva, cabendo à Legislação prever as exceções à regra. A responsabilidade civil extracontratual pode ser, além de decorrente de fato próprio, decorrente de fato de terceiros como no caso dos pais que respondem pelos atos ilícitos dos filhos menores independentemente de culpa; dos tutores e curadores pelos atos dos tutelados e curatelados; dos empregadores ou comitentes pelos atos de seus empregados e prepostos, no exercício dotrabalho que lhes competir ou em razão dele; dos educadores (do Estado) pelos atos praticados pelos alunos em face de terceiros. Nesse sentido, os hoteleiros também respondem pelos prejuízos causados por seus hóspedes a terceiros ou a outros hóspedes, responsabilidade baseada no risco da atividade hoteleira. Há responsabilidade dos proprietários de coisas ou animais pelos danos causados a terceiros, conforme se extrai dos artigos 936 a 938 do Código Civil, por exemplo. Em relação à guarda de animais, a culpa do dono é presumida desde que o lesado comprove o dano e o nexo causal com o “fato do animal”, sendo possível ao dono afastar sua responsabilidade caso comprove culpa exclusiva da vítima ou força maior. Nos casos de desabamento de edifícios, em que parte da estrutura cai sobre outras propriedades ou pedestres, o dono do edifício possui responsabilidade objetiva nos termos do art. 937 do Código Civil, detendo direito de regresso contra o construtor. Nesse caso, a responsabilidade também é objetiva, cabendo ao ofendido comprovar somente o dano e o nexo de casualidade. Os danos podem ser classificados em alguns tipos: Morais; Materiais, que incluem o dano emergente (que consiste no prejuízo sofrido pela vítima) e o lucro cessante (a expectativa frustrada de lucro que o lesado teria se não tivesse ocorrido a ação danosa); Ambiental e ecológico. Devemos destacar ainda a “teoria da perda de uma chance”. Inspirada na doutrina francesa, ela aponta que se alguém, praticando um ato ilícito, faz com que outra pessoa perca uma oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, esta conduta enseja indenização pelos danos causados. No Brasil, para aplicação desta teoria, o Superior Tribunal de Justiça exige que que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade. Portanto, o dano potencial ou incerto, no espectro da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável. Importante frisar que há, também, nos casos da responsabilidade extracontratual, a possibilidade de exclusão do dever de indenizar em decorrência dos seguintes fatores: estado de necessidade; legítima defesa, culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito e força maior. Os tabeliães ou notários (titulares dos cartórios de notas) também possuem responsabilidade civil pela obrigação de resultado que assumem. Em caso de dano causado ao particular, este pode acionar o Estado em razão de a atividade cartorial ser exercida por delegação do poder público, com base na responsabilidade objetiva do art. 37, §6º da Constituição, ou pode acionar diretamente o notário ou o registrador, devendo neste caso ser provada a culpa ou dolo do agente. Responsabilidade civil e penal Da mesma forma que o ato antijurídico (ou ato ilício) que viola preceito cíveis de Direito Civil (e, por óbvio, Direito Constitucional, Administrativo, Tributário, Consumerista etc) ensejará para aquele que o praticou, por dolo ou culpa, e causou dano moral ou material a outrem, o dever de repará-lo, também o ato antijurídico que viola preceito de Direito Penal ensejará o dever de reparar. Assim, temos que os institutos da responsabilidade civil e da responsabilidade penal possuem semelhanças e diferenças. Semelhanças entre responsabilidade civil e penal Segundo Stoco (2011), a responsabilidade significa o dever jurídico do indivíduo obrigar-se poro algo que fez ou deixou de fazer quando deveria agir. Logo, o agente deve responder pelos atos ilícitos ou previamente estabelecidos como crime na lei penal ou, não sendo o caso, por ter ofendido a legislação cível (não criminal), obrigando-se a reparar o dano moral ou patrimonial causado pela sua conduta. Dessa forma, para que haja responsabilização civil ou penal, é requisito necessário que o agente tenha praticado uma conduta eivada de ilicitude. Diferenças entre responsabilidade civil e penal No ordenamento pátrio, o ilícito de natureza penal deve ser anteriormente previsto e tipificado, bem como conterá de forma prévia e abstrata o rol e a extensão das penas aplicáveis para cada tipo de ilícito. Já o ilícito de natureza cível não possui uma tipificação prévia e exaustiva das condutas humanas voluntárias que poderão ensejar a reparação em caso de dano moral ou material a outrem. A ilicitude da ação ou omissão é aferida comparando-se o ato praticado com as normas jurídicas estabelecidas previamente pela sociedade, como, por exemplo, o dever de boa-fé, o direito à propriedade, os direitos da personalidade, a vedação ao enriquecimento ilícito etc. De acordo com a responsabilidade penal, o o ato antijurídico afeta toda a coletividade, pois viola normas estabelecidas pela sociedade para a boa convivência. Ainda que atinja, em princípio, apenas uma pessoa ou vítima, a conduta criminosa afeta a paz social e a integridade do grupo. É por isso que o direito penal tem para si o princípio da legalidade no sentido de que não haverá crime sem legislação anterior e nem pena sem a prévia cominação legal. Isso porque, sendo o ilícito penal passível de ser repreendido por meio de penas gravosas (privativas de liberdade e restritivas de direitos), é preciso que a sociedade como um todo informe aos indivíduos que a compõem, de forma clara e objetivas, quais condutas são passíveis de repreensão com a retirada da liberdade, por exemplo. Assim, o agente poderá ter clareza dos limites entre as condutas que pode praticar sem ter sua esfera de direitos afetada e aquelas que, se praticadas, implicarão na retirada de determinados bens e direitos. Já no caso da responsabilidade civil, o dano normalmente é individualizado e causado a particular, sendo desnecessário que se verifique (para aferir o direito à reparação) se houve também um dano à sociedade ou à paz social (muitas vezes haverá). A responsabilidade civil, portanto, não está preocupada em devolver à sociedade o seu estado anterior, mas sim ao particular mediante a restituição daquilo (ou de indenização equivalente) que possuía anteriormente à conduta danosa. Segundo Stoco (2001), a responsabilidade envolve de antemão o dano, o prejuízo, o desequilíbrio ou a descompensação do patrimônio de alguém. Logo, pressupõe o dano. Na esfera penal, o dano em si pode não ter acontecido ou pode ter sido de menor importância, o que não fará desaparecer necessariamente a responsabilidade penal do agente, que ainda assim terá cometido crime (caso sua conduta se enquadre no tipo penal, seja ilícita, e culpável). Como estudado no âmbito do direito penal, portanto, há crimes que não exigem para sua configuração que algum resultado tenha se apresentado no mundo exterior. Devemos destacar que há algumas condutas antijurídicas que ensejarão tanto a responsabilização penal do agente (como, por exemplo, aquele que praticou crime de calúnia) quanto a responsabilidade civil do mesmo, em razão do transtorno moral causado ao ofendido. Dessa forma, devemos destacar o princípio da independência das instâncias cível e criminal, que não é absoluto, conforme o art. 935 do Código Civil de 2002. Quando o juízo criminal não consegue chegar a tais conclusões (inexistência ou existência do crime, autoria ou não pelo réu), como quando, por exemplo, decide por insuficiência de provas ou pela atipicidade do fato, não haverá vinculação do juízo cível a esta decisão, devendo ser examinados no juízo cível os elementos necessários à caracterização da responsabilidade civil. Nos termos do art. 932 do Código Civil, são também responsáveis pela reparação civil: os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; os donosde hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; e os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.