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Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia Problema 1 01) Identificar e descrever as reações teciduais (hipercelularidade, espessamento da membrana basal, hialinose e esclerose) encontradas nas glomerulopatias abaixo e relacionar com o desenvolvimento de síndrome nefrótica e nefrítica: a) Nefropatia por IgA A doença é mais comum em homens (2:1) e em indivíduos entre 10 e 40 anos de idade. Seu diagnóstico só é possível por meio de biópsia renal, pela demonstração de depósitos difusos de IgA em glomérulos e mesângio, por imunofluorescência ou imunoperoxidase. Aspectos morfológicos À ML, a lesão glomerular apresenta grande variabilidade histológica, incluindo desde glomérulos normais ou com alterações mínimas até formas membranoproliferativas, esclerosantes segmentares ou proliferativas crescênticas. A forma mais frequente é a glomerulonefrite proliferativa mesangial difusa, na qual se observam proliferação celular no mesângio e expansão da matriz mesangial, geralmente em eixos (Figura 17.26 A). Em 2009, foi criada a Classificação de Oxford para a doença Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia (modificada em 2016 e mais recentemente em 2018), que se baseia nos seguintes parâmetros morfológicos, aos quais se atribui um valor numérico: (a) proliferação mesangial (0 ou 1, indicando alteração focal ou difusa); (b) esclerose glomerular e proliferação endocapilar (0 ou 1, indicando ausência ou presença da alteração); (c) comprometimento túbulo-intersticial (0, 1 ou 2, segundo a extensão da lesão na amostra); (d) crescentes celulares ou fibrocelulares (0, 1 ou 2, indicando ausência de crescentes, presença em menos de 25% e presença em mais de 25% dos glomérulos). O diagnóstico final deve indicar o padrão histológico da lesão glomerular acrescido dos critérios descritos. À ME, IgA é visível como depósitos elétron-densos no mesângio, especialmente na transição da alça capilar com o mesângio (região notch), podendo ser encontrados também nos demais compartimentos glomerulares (subendotelial e, mais raramente, subepitelial). O diagnóstico definitivo é feito por IMF, pelo achado de depósitos predominantes de IgA no mesângio, difusamente (Figura 17.26 B), qualquer que seja o padrão morfológico à ML (Figura 17.27). São encontrados ainda C3, com ou sem outras imunoglobulinas, e depósitos granulares de IgA nas alças capilares. Etiologia e patogênese. A patogênese da doença ainda não é totalmente conhecida. IgA (a principal imunoglobulina dirigida contra agentes bacterianos e virais em secreções exógenas) existe em pequena concentração no plasma e predominantemente na forma monomérica (a forma polimérica é catabolizada no fígado). Há duas subclasses de IgA (IgA1 e IgA2), mas somente a IgA1 forma depósitos no mesângio. Em mucosas secretoras, células do sistema imunitário (células B, T e dendríticas) ficam continuamente expostas a estímulos antigênicos. Em pacientes com NIgA, a resposta de mucosas parece ser ineficaz, mantendo-se a infecção e a estimulação antigênica, o que resulta em produção exacerbada de IgA polimérica e anômala (com Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia glicosilação alterada). IgA anômala pode ser secretada na superfície de mucosas e alcançar a circulação sanguínea. Na NIgA, a produção de IgA sérica pela medula óssea também está aumentada, provavelmente em consequência de estimulação imunitária. O resultado é aumento do nível sérico total de IgA normal e de IgA alterada. Imunocomplexos no mesângio contendo IgA ativam o sistema complemento e estimulam as células mesangiais, que proliferam, produzem matriz extracelular e liberam citocinas, resultando em lesão glomerular. Entre os antígenos envolvidos, postulam-se componentes virais, bacterianos e alimentares. Fatores genéticos parecem ser importantes: 10 a 15% dos pacientes têm história familial da doença. NIgA pode ocorrer também de forma secundária, associada sobretudo a hepatopatias (provavelmente por depuração hepatobiliar insuficiente de ICC/IgA), doença celíaca (por aumento na síntese de IgA) e púrpura de Henoch-Schönlein (ver adiante); outras doenças associadas à NIgA secundária são artrite reumatoide, neoplasias (carcinoma de células renais, linfoma não Hodgkin, adenocarcinomas, carcinoma brônquico de pequenas células), psoríase e sarcoidose. Aspectos clínicos. Prognóstico. Assim como o quadro histológico, a expressão clínica é variada. A doença manifesta-se por hematúria recorrente, geralmente acompanhada de proteinúria, síndrome nefrítica aguda, síndrome nefrótica e insuficiência renal, aguda ou crônica. Muitas vezes, a hematúria aparece após infecções das vias respiratórias superiores, do trato digestivo ou do sistema urinário e, possivelmente, exercício físico, notadamente em crianças. O prognóstico em geral é bom, embora 20% dos casos evoluam lentamente para insuficiência renal crônica. Os casos que se iniciam com proteinúria maciça, lesões vasculares, hipertensão arterial, proliferação mesangial difusa, padrão morfológico membranoproliferativo, formação de crescentes, esclerose segmentar ou global, lesões tubulointersticiais acentuadas e insuficiência renal têm prognóstico menos favorável. Recorrência da doença em rins transplantados se dá em 50% dos pacientes, dentro de 4 anos. Nas recorrências, a função renal mantém-se preservada ou tem piora lenta, como a doença original. b) Nefropatia Diabética - Lâm. A. 288/314 (Anatpat) Alterações renais no diabete mélito. As alterações principais ocorrem nos glomérulos e caracterizam-se por: a) espessamento da membrana basal dos capilares (só visível com PAS ou microscopia eletrônica e não demonstrada aqui); b) glomerulosclerose intercapilar difusa e c) glomerulosclerose intercapilar nodular, ou lesão de Kimmelstiel-Wilson. Hialinose arteriolar e hialinização glomerular, alterações inespecíficas, encontradas também na hipertensão arterial, são particularmente marcadas na nefropatia diabética. Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia Diabetes melito é uma das principais causas de insuficiência renal crônica; 30 a 40% dos pacientes diabéticos desenvolvem nefropatia diabética, dos quais cerca de 2/3 evoluem para doença renal crônica terminal. Nos diabéticos do tipo I em fase adiantada, nefropatia diabética (ND) é encontrada em 1/3 dos pacientes, sendo a doença renal responsável pelo óbito em 20 a 30% dos casos, geralmente na terceira ou quarta década de vida. No diabetes do tipo II, a ND é menos comum, tem a mesma gravidade e pode também levar a insuficiência renal. Aspectos morfológicos As lesões renais são semelhantes no diabetes tipos I e II, embora sejam mais precoces e de evolução mais rápida no primeiro. Em praticamente todos os casos de diabetes tipo I, há espessamento difuso da MB dos glomérulos, túbulos e capilares, inclusive de outros órgãos (pele, retina etc.), fazendo parte da chamada microangiopatia diabética. O reconhecimento de lesão inicial é possível apenas à ME. Nos glomérulos, o quadro inicia-se por espessamento da MB, aumento difuso da matriz e discreta hipercelularidade mesangial (glomerulosclerose difusa). Em seguida, em alguns glomérulos formam-se nódulos acelulares, eosinófilos, PAS+ e argirófilos, contendo lipídeos e fibrina e limitados por capilares periféricos dilatados (glomerulosclerose nodular ou lesão de Kimmelstiel- Wilson, Figura 17.37 A), que coexistem com glomerulosclerose difusa. Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia No espaço de Bowman, podem-se encontrar aglomerados acidófilos, PAS+ e hialinos(casquete ou capa de fibrina, fibrin-cap). Outro achado é a gota capsular (capsular drop), formada por material proteico, PAS+ na cápsula de Bowman, entre as células epiteliais e a MB (Figura 17.37 B). Com o tempo, a expansão mesangial e o espessamento da MB progridem e, junto com o aumento dos nódulos, bloqueiam os glomérulos. À ME, observam-se espessamento da lâmina densa da MBG (5 a 10 vezes) e expansão da matriz mesangial, além de aglomerados elétron-densos contendo lipídeos. À IMF, há deposição difusa de IgG, albumina e outras proteínas plasmáticas. Nas pequenas artérias e arteríolas, é frequente a hialinose (Figura 17.37 C), que acomete também a arteríola eferente. Apesar de não ser específica de diabetes, hialinose é mais exuberante nesta doença, tem relação com a sua duração e não depende de hipertensão arterial, embora esta a torne mais intensa. As lesões glomerulares e vasculares causam isquemia renal, mantêm a hipertensão arterial e levam a atrofia tubular e fibrose intersticial (Figura 17.37 D). Patogênese. Modificações bioquímicas na MB dependem de hiperglicemia, que se associa a aumento de colágeno tipo IV e fibronectina, redução de proteoglicanos e interferência na associação dessas moléculas por glicosilação não enzimática de proteínas. A glicose liga-se aos grupos amino de proteínas e forma compostos que, por ligações covalentes com grupos amino de outras proteínas, resultam em complexos proteína-proteína (AGE, advanced glycated end-products). Estes depositam-se e ligam-se a receptores celulares (macrófagos, células mesangiais e epiteliais), estimulando a liberação de citocinas e fatores de crescimento. Em suas interações com o colágeno, os AGEs estimulam a síntese de matriz e colágeno tipo IV pelas células mesangiais, que proliferam e causam expansão mesangial e compressão de capilares. Há ainda redução na síntese de Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia glicosaminoglicanos, especialmente sulfato de heparano, que modifica a estrutura da MBG e a sua permeabilidade a macromoléculas. Tal processo ocorre mais em indivíduos com predisposição genética, o que explica a nefropatia diabética ser mais comum em certas famílias. É possível, também, que ocorram modificações funcionais no mesângio e alterações na hemodinâmica glomerular, favorecendo lesões por ativação do fluxo e hiperfiltração, como ocorre na glomerulosclerose segmentar focal e quando há grande redução do parênquima renal (p. ex., anomalias congênitas, nefropatias crônicas, rim transplantado). Aspectos clínicos. Prognóstico. No início, a nefropatia diabética manifesta-se com hiperfiltração glomerular e aumento da depuração de creatinina. Progressivamente, surgem microalbuminúria (30 a 300 mg/dia), proteinúria não nefrótica, síndrome nefrótica e insuficiência renal crônica. Em muitos países, a nefropatia diabética constitui a causa mais comum de rim em estágio terminal (ver adiante). Proteinúria surge após 10 a 20 anos em mais de 50% dos casos de diabetes juvenil e em 20 a 30% dos casos de diabetes tardio, precedendo o aparecimento gradativo de insuficiência renal crônica. Hipertensão arterial pode ser a primeira manifestação. Diabetes melito associa-se também a maior risco de pielonefrite e necrose de papilas. c) Glomerulonefrite crescêntica - Lâm. A. 41 (Anatpat) Glomerulonefrite rapidamente progressiva representa uma síndrome de etiologia variada que se manifesta clinicamente por síndrome nefrítica de início rápido e insuficiência renal grave. A biópsia renal, com avaliação por ML, IMF e, eventualmente, ME é essencial para se estabelecer o diagnóstico etiológico e o mecanismo patogenético. Diagnóstico rápido e específico permite abordagem terapêutica eficaz, capaz de reverter a lesão antes de ela tornar-se crônica e irreversível. O prognóstico varia de acordo com a etiologia, mas em geral é desfavorável. Aspectos clínicos. Prognóstico. O quadro clínico caracteriza-se por rápida e grave insuficiência renal, com oligúria ou anúria, ureia e creatinina elevadas precocemente, hipertensão arterial e edema. Hematúria e cilindros hemáticos são constantes. Proteinúria é variável, podendo, raramente, ocorrer síndrome nefrótica. O prognóstico é reservado. Com frequência, há perda total da função renal após curto prazo, com necessidade de terapia substitutiva definitiva (diálise ou transplante). As GNRPs associadas à GNDA pós-estreptocócica e a vasculites apresentam prognóstico menos desfavorável. Os casos com formação de anticorpos anti-MBG frequentemente têm mau prognóstico. São marcadores de mau prognóstico crescentes em mais de 80% dos glomérulos, sinais de cronificação (crescentes colagenizadas), forma circunferencial predominante, rupturas frequentes da cápsula de Bowman e da MBG e necrose ou trombose de alças capilares. O diagnóstico etiológico rápido da doença possibilita abordagem terapêutica mais eficiente, por meio de corticosteroides, agentes citotóxicos e plasmaférese, no sentido de prevenir a síntese de colágeno nas crescentes e a formação de cicatrizes. Glomerulonefrite rapidamente progressiva ou crescêntica. Esta forma grave de glomerulonefrite se caracteriza clinicamente por perda rapidamente progressiva da função renal e oligúria, levando à insuficiência renal aguda. Histologicamente, a alteração característica são as crescentes, constituídas por células proliferadas do folheto parietal da cápsula de Bowman e monócitos, que reduzem ou obliteram o espaço de Bowman e se fundem com os tufos capilares. Isto reduz ou impede a filtração glomerular. Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia d) Glomerulonefrite membranosa - Lâm. A. 27 (Anatpat) Em muitas regiões do mundo, a glomerulopatia membranosa é causa frequente de síndrome nefrótica em adultos, preferencialmente homens brancos, entre 40 e 60 anos de idade. A doença pode ser primária ou secundária (doenças autoimunes sistêmicas, uso de medicamentos/drogas ou doenças infecciosas crônicas). Etiologia e patogênese. GN membranosa é mediada por ICs, predominantemente com antígenos in situ, podendo ocorrer também por ICs circulantes ou por antígenos ”plantados”. Nos últimos anos, tem-se observado aumento da sua incidência no mundo todo, particularmente em países com maior poluição atmosférica, o que sugere possível associação de agressão ao epitélio respiratório com autoimunidade. Em 70% dos casos, trata-se de doença primária, que se associa a anticorpos antirreceptor de fosfolipase A2 (PLA2R) e antiperoxidase neutra presentes na membrana de podócitos; trata-se, portanto, de doença autoimune. Em até 10% dos pacientes negativos para anticorpo anti-PLA2R, a trombospondina tipo I contendo o domínio 71 (SHSD71), presente no citoplasma de podócitos, é o antígeno-alvo de autoanticorpos. A semelhança da GNM com a nefrite experimental de Heymann, causada por anticorpos anticomponentes de podócitos, reforça a natureza autoimunitária da doença. Aspectos morfológicos Na fase inicial, os glomérulos não apresentam alterações à ML. Com o tempo, surge espessamento regular, global e difuso da parede dos capilares, sem aumento da celularidade. O espessamento deve-se a depósitos de imunoglobulinas ao longo da face subepitelial da MBG. Formam-se projeções ou espículas (spikes) da MB entre os imunodepósitos, visíveis à impregnação pela prata (Figura 17.33 A). As projeções acabam por circundar totalmente os depósitos, conferindo às alças o aspecto de trilho de trem. Na fase tardia, as espículas se fundem e se incorporam à MBG, tornando-a ainda mais espessa; ocorrem ainda redução das luzes capilares, esclerose mesangial e fibrose glomerular progressiva. A IMF revela depósitos granulares de IgG e, frequentemente, de C3 do complementonos capilares, com distribuição global e difusa (Figura 17.33 B). À ME, observam- se depósitos elétron-densos na região subepitelial, entre os quais aparecem projeções da lâmina densa da MB (Figura 17.33 C). Há ainda apagamento dos pés dos podócitos. Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia Aspectos clínicos. Prognóstico. A doença instala-se de maneira insidiosa e tem curso indolente. Síndrome nefrótica, a principal apresentação clínica, está presente em 85% dos pacientes (15% dos casos manifestam-se por proteinúria não nefrótica). A proteinúria é não seletiva e geralmente refratária ao tratamento com corticoides. Pode haver hipertensão arterial discreta e hematúria. Ureia e creatinina séricas são normais durante longo período, podendo sofrer elevações com o avanço da doença. Cerca de 10 a 25% dos pacientes (principalmente mulheres e pacientes com proteinúria não nefrótica) apresentam remissão parcial ou total. Em 50% dos casos, permanecem sinais clínicos, especialmente proteinúria, enquanto o restante desenvolve insuficiência renal crônica, com ou sem hipertensão arterial. Trombose da veia renal é frequente. Nas formas secundárias, é possível tratamento dirigido à doença básica. Anticorpo sérico anti-podócitos (anti-PLA2R) associa-se fortemente à forma primária, podendo auxiliar no diagnóstico diferencial entre as duas formas da doença. Em rins transplantados, são frequentes recorrência da doença (recidiva) ou glomerulopatia “de novo” (diferente da doença no rim original). Glomerulonefrite membranosa. Esta forma de glomerulonefrite se caracteriza clinicamente por síndrome nefrótica (proteinúria > 3,5 g/24hs). Histologicamente, a alteração característica é o espessamento da parede dos capilares glomerulares. As alças capilares ficam armadas e de contorno circular, devido ao depósito de imunocomplexos na membrana basal (só demonstrável com imunofluorescência ou microscopia eletrônica). Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia Alças capilares são espessadas e hialinas. A lesão afeta difusamente os glomérulos. Não há aumento da celularidade nem espessamento do mesângio. e) Glomerulonefrite pós-estreptocócica - Lâm. A. 140 (Anatpat) Glomerulonefrite proliferativa difusa aguda (GNDA) caracteriza-se por inflamação de natureza imunitária que compromete os glomérulos de forma global e difusa e se expressa morfologicamente por: (a) aumento de volume e hipercelularidade glomerular; (b) proliferação de células endoteliais e mesangiais; (c) exsudato de leucócitos. GNDA, que acomete particularmente crianças e jovens, é GN por imunocomplexos associada a infecções, sobretudo por Streptococcus β- hemolítico do grupo A. A incidência de GNDA associada ao estreptococo tem diminuído, enquanto a doença causada por Staphylococcus aureus está aumentando. Aspectos morfológicos Os glomérulos exibem aumento de volume, proliferação difusa de células endoteliais e mesangiais e infiltração de neutrófilos e monócitos (Figura 17.21 A). O aumento da celularidade reduz ou obstrui a luz dos capilares. Em alguns casos, formam-se crescentes (ver adiante), que geralmente desaparecem sem deixar cicatrizes. A IMF mostra depósitos granulares de C3 do complemento, difusamente, que conferem ao glomérulo aspecto em “céu estrelado” (depósitos mais irregulares e na região mesangial) ou “em guirlanda” (depósitos sobre as alças capilares periféricas – Figura 17.21 B). Em 50% dos casos, há também depósitos de IgG e, eventualmente, de IgM na parede capilar e no mesângio. O exame histológico com objetiva de imersão a óleo possibilita, ocasionalmente, identificar depósitos subepiteliais nodulares com distribuição irregular, designados como humps ou corcovas. À ME, os humps aparecem como depósitos elétron-densos com aspecto de IC sobre a face epitelial da MBG (Figura 17.21 C). Há ainda depósitos subendoteliais e mesangiais. As principais alterações glomerulares na GNDA estão esquematizadas na Figura 17.22). Na involução do processo, desaparecem a proliferação endotelial e a exsudação neutrofílica, Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia persistindo por mais tempo a expansão da matriz e a proliferação mesangial, até a completa recuperação histológica, ao final de alguns meses. No interstício, há edema e focos de infiltrado inflamatório. Os túbulos podem conter cilindros hemáticos. Aspectos clínicos. Prognóstico. A apresentação clínica mais comum é de síndrome nefrítica aguda, caracterizada por oligúria, hematúria (urina cor de Coca-Cola ou café ralo), proteinúria, geralmente discreta (1 g/24 horas), edema (notadamente facial) e hipertensão arterial. Quando há proliferação celular acentuada nos glomérulos, pode surgir anúria. No sedimento urinário, encontram-se hematúria, inclusive cilindros hemáticos e, ocasionalmente, piúria discreta. São comuns a já mencionada elevação de antiestreptolisina O e a queda dos níveis de complemento. Ocasionalmente, a proteinúria é intensa, resultando em hipoalbuminemia e edema acentuado. As taxas de ureia e creatinina mantêm-se normais ou exibem pequena elevação. Em 1% dos casos, surge insuficiência renal grave e progressiva. Em 95% dos casos e quando o agente desencadeante é o estreptococo, o prognóstico é em geral bom, havendo resolução histológica e clínica apenas com tratamento conservador. Hematúria, no entanto, pode persistir por meses. Em crianças, em 1 a 2% dos casos a lesão evolui para GN crônica. Em adultos e quando o agente etiológico não é o estreptococo, a apresentação clínica é mais exuberante, com edema, hipertensão arterial e hematúria mais acentuados. Os casos associados a infecção por estafilococos são mais frequentes em indivíduos imunodeprimidos, idosos ou com doenças cardíaca e hepática. Embora a evolução seja também predominantemente benigna, muitos pacientes evoluem para GNDA prolongada, GN rapidamente progressiva ou GN crônica. A persistência de sinais clínicos ou a presença de sinais atípicos, principalmente em crianças, são motivos para se indicar biópsia renal. Os diagnósticos diferenciais mais frequentes são GN membranoproliferativa (fase inicial exsudativa), nefropatia por IgA e GN crescêntica. Todas essas doenças podem ter quadros clínico e histológico semelhantes aos da GNDA. Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia f. Glomeruloesclerose segmentar e focal - Imagens no blackboard A glomerulosclerose segmentar e focal (GESF), que se manifesta por síndrome nefrótica ou proteinúria acentuada e compromete crianças e adultos, é uma podocitopatia que se inicia com comprometimento parcial (segmentar) do tufo glomerular e de apenas alguns glomérulos (distribuição focal). Na fase final o comprometimento é global e difuso. GESF pode ser primária ou secundária a anormalidades genéticas, uso de drogas (heroína, ciclosporina, parmidronato), alterações estruturais e funcionais adaptativas (redução da massa renal por rim único, nefropatia de refluxo, obesidade, hipertensão arterial), outras glomerulopatias com padrão de esclerose segmentar e como cicatriz de outras glomerulopatias (p. ex., na síndrome de Alport). A incidência de GESF tem aumentado nos últimos anos. Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia Aspectos morfológicos À ML, observam-se expansão segmentar da matriz mesangial, e acúmulo de proteínas plasmáticas na forma de depósitos hialinos. A lesão causa obstrução da luz capilar e pode formar aderências capsulares (Figura 17.30). Ocasionalmente, aparecem células espumosas, com citoplasma claro, volumoso e repleto de gorduras neutras e glicosaminoglicanos. Células espumosas podem ser vistas também em outras glomerulopatias com proteinúria acentuada.Proliferação mesangial discreta é frequente, inclusive nos glomérulos sem expansão segmentar da matriz. Na GESF primária, os glomérulos inicialmente lesados são os justamedulares. Com o tempo, a lesão atinge a porção superior da cortical e surge esclerose global em maior número de glomérulos. No entanto, biópsia por agulha guiada por ultrassom no início da doença pode não atingir essa região e não amostrar um glomérulo com a lesão segmentar (focal = apenas alguns glomérulos), gerando confusão diagnóstica com LHM. Com frequência, há hipotrofia tubular e fibrose intersticial focais. Nas pequenas artérias e arteríolas, pode haver depósitos de material hialino e neoformação conjuntiva intimal, sobretudo em indivíduos hipertensos. O caráter focal da lesão pode dificultar o diagnóstico diferencial com LHM, especialmente em amostras pequenas. Nos segmentos esclerosados dos tufos, a ME mostra enrugamento da MBG, espessamento de alças capilares e expansão da matriz mesangial, esta contendo raras fibras colágenas e depósitos elétron-densos homogêneos. O processo encarcera as células mesangiais, que desaparecem gradativamente. Na GESF primária, há apagamento dos pés dos podócitos, inclusive em alças sem esclerose e em glomérulos normais à ML. Os podócitos podem estar destacados da MB, ficando o espaço resultante ocupado por material fibrilar e restos celulares. A IMF pode mostrar deposição inespecífica de IgM e/ou C3 do complemento nas áreas de esclerose (IgM e C3 ficam “aprisionados” em regiões de cicatriz e esclerose). Algumas vezes, a amostra renal encaminhada para exame de IMF é diferente daquela para ML, podendo não incluir glomérulos com áreas de esclerose. Nestes casos, a IMF pode resultar negativa. Nas formas secundárias, a lesão de podócitos é restrita aos glomérulos acometidos. Nos casos com hipercelularidade mesangial, podem se encontrar depósitos de IgM e de C3 no mesângio. Há inúmeras variantes: NOS (inespecífica), hilar, celular, colapsante e Tip, as quais têm comportamento clínico e resposta terapêutica diferentes (Figura 17.31). A forma colapsante (ver adiante) associa-se a pior prognóstico e a Tip, a melhor prognóstico. Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia Aspectos clínicos. Prognóstico. Síndrome nefrótica (80% dos casos) é a principal manifestação clínica de GESF, ocasionalmente acompanhada de hematúria microscópica e hipertensão arterial, principalmente em adultos. A proteinúria habitualmente é não seletiva. Resposta à corticoterapia é variável. Remissões espontâneas são raras. A doença evolui para insuficiência renal em ritmo variável, às vezes progredindo rapidamente (cerca de 2 anos), outras de forma mais lenta, demorando 1 década ou mais. O prognóstico é melhor em crianças. Fatores relacionados com mau prognóstico incluem resistência inicial aos corticosteroides, níveis elevados de proteinúria e creatinina no início do quadro clínico, esclerose glomerular em mais de 30% dos glomérulos e grau de fibrose intersticial. Os pacientes com GESF familial ou genética apresentam alta taxa de corticorresistência. Recorrência de GESF é vista em cerca de 30% de rins transplantados. Em alguns casos, pode manifestar-se de forma muito rápida, havendo proteinúria já na primeira urina filtrada pelo rim transplantado. São fatores de risco para recorrência: receptores jovens (abaixo de 9 anos), pacientes com piora rápida da doença no rim nativo (perda grave da função renal em 3 anos), hipercelularidade mesangial difusa e rins transplantados de doadores vivos. g. Glomerulonefrite membranoproliferativa - Lâm. A. 28 (Anatpat) Nesta forma de glomerulonefrite, os glomérulos mostram nítida acentuação da lobulação (os tufos glomerulares se destacam uns dos outros à maneira de folhas de trevo). Há hipercelularidade, principalmente às custas das células mesangiais, e espessamento da parede dos capilares glomerulares, mais fácil de observar na periferia dos lóbulos. Em alguns glomérulos notam-se aderências dos tufos capilares (portanto, do folheto visceral da cápsula de Bowman) ao folheto parietal da mesma. Alguns glomérulos estão totalmente hialinizados. Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia Etiologia e patogênese. Associada a doenças infecciosas ou autoimunes, a GNMP resulta da deposição de ICs circulantes ou formados in situ com antígenos endógenos ou exógenos (p. ex., hepatites B ou C) plantados em glomérulos, os quais ativam o complemento pela via clássica ou alternativa. Como todos os marcadores comumente pesquisados na rotina diagnóstica (imunglobulinas e complemento) podem estar presentes na doença, ela entra no diagnóstico diferencial de muitas glomerulopatias, consideradas em conjunto de “padrão full house”. Aspectos clínicos. Prognóstico. Trata-se de glomerulopatia mais comum em pacientes com hepatite C, afetando sobretudo adolescentes e adultos jovens. A manifestação clínica predominante é síndrome nefrótica (> 50% dos pacientes), com certo componente nefrítico. Hipocomplementenemia é característica da doença; anormalidades na via alternativa do complemento são vistas em 50% dos pacientes. Na maioria dos casos, a doença evolui lentamente, progredindo para insuficiência renal crônica em 10 anos. São sinais de mau prognóstico: síndrome nefrótica ou perda da função renal na apresentação inicial da Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia doença, hipertensão arterial persistente, crescentes difusas e esclerose glomerular acentuada. GNMP é causa comum de insuficiência renal crônica dialítica, com alta recorrência após transplante. 02) Descrever a microscopia eletrônica de um glomérulo normal e de um derivado de um paciente exibindo: O glomérulo é formado pela cápsula de Bowman, por um novelo de 20 a 40 alças anastomosadas de capilares fenestrados e pelo mesângio (Figura 17.1). O enovelamento dos capilares aumenta enormemente a superfície de filtração (equivale a cerca de 13 km de extensão). Há dois polos: o urinário, que se continua com o túbulo proximal, e o vascular, através do qual entra a arteríola aferente e sai a eferente. No polo urinário, o epitélio da cápsula de Bowman continua-se com o epitélio do túbulo proximal. No polo vascular, o epitélio da cápsula se dobra e se continua com o epitélio que envolve as alças capilares, formando o folheto visceral. Entre os dois folhetos, existe o espaço subcapsular ou urinário. O epitélio parietal do glomérulo é achatado. O epitélio visceral consiste em células com longas expansões citoplasmáticas (podócitos), das quais surgem prolongamentos (pés de podócitos) que entram em contato com a membrana basal glomerular, a qual se interpõe entre os podócitos e as células endoteliais. Os espaços de fuga (fendas de filtração) entre os processos podais formam um conjunto de microcanais (20 a 30 nm) interligados e separados da membrana basal por delgado diafragma. Além do papel na barreira de filtração glomerular, o epitélio visceral sintetiza membrana basal. A membrana basal glomerular (MBG), com carga negativa, é constituída por um gel polianiônico hidratado composto por colágeno tipo IV, laminina, proteoglicanos, fibronectina e outras glicoproteínas. O colágeno tipo IV forma uma estrutura em rede à qual se ligam outras glicoproteínas; a natureza porosa do conjunto e a carga negativa conferem à membrana basal permeabilidade seletiva; alterações físico-químicas de seus componentes associam-se a diversas glomerulopatias. Tais componentes atuam ainda como sítios antigênicos ou de defeitos genéticos. A MBG (espessura de 300 nm em adultos) tem três zonas: uma central (lâmina densa), a mais desenvolvida; uma externa clara (lâmina rara externa), emcontato com os processos podais; outra interna (lâmina rara interna), também clara, sobre a qual se assentam as células endoteliais. As células endoteliais possuem expansões citoplasmáticas delgadas e são perfuradas por poros ou fenestrações que medem 70 a 100 nm de diâmetro. O conjunto endotélio-membrana basal-célula epitelial representa a barreira de filtração glomerular. Água, eletrólitos e solutos de baixo peso molecular passam livremente pela MBG; macromoléculas com peso molecular acima de 70 kD ou raio molecular superior a 3,5 nm são retidas. Os poliânions bloqueiam moléculas aniônicas, mesmo as de menores peso e raio molecular, o que explica a passagem de pequena quantidade da molécula negativa de albumina e a resposta diversificada do glomérulo a moléculas antigênicas, dependendo da sua carga. O filtrado glomerular é, portanto, isotônico e praticamente sem proteínas. a. Doença por lesão mínima À ML, os glomérulos têm aspecto normal: os tufos têm celularidade preservada e as alças capilares encontram-se armadas e com luz ampla. À ME, a lesão caracteriza-se por retração e apagamento difuso dos pés dos podócitos (fusão dos pés dos podócitos – Figuras 17.28 e 17.29), sem redução no número de células. Há também condensação da actina do citoesqueleto celular junto à base do podócito (face que se apoia sobre a MBG). Os podócitos são tumefeitos, têm citoplasma vacuolizado e podem apresentar projeções microvilositárias na face apical. A MBG não apresenta alterações, nem se observam depósitos Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia elétron-densos. O apagamento dos pés dos podócitos não é alteração exclusiva desta doença, pois ocorre também em outras afecções em que há proteinúria maciça, como na GN membranosa. Em grande número de casos, após corticoterapia ocorre restituição da integridade dos podócitos e remissão das manifestações clínicas. A IMF é negativa. A passagem de lipoproteínas pelos glomérulos explica a vacuolização fina nos túbulos proximais, por acúmulo de gorduras e degeneração hialinogoticular consequente à reabsorção proteica aumentada. b. Nefropatia por IgA - Imagens no blackboard À ML, a lesão glomerular apresenta grande variabilidade histológica, incluindo desde glomérulos normais ou com alterações mínimas até formas membranoproliferativas, esclerosantes segmentares ou proliferativas crescênticas. A forma mais frequente é a glomerulonefrite proliferativa mesangial difusa, na qual se observam proliferação celular no mesângio e expansão da matriz mesangial, geralmente em eixos (Figura 17.26 A). Em 2009, foi criada a Classificação de Oxford para a doença (modificada em 2016 e mais recentemente em 2018), que se baseia nos seguintes parâmetros morfológicos, aos quais se atribui um valor numérico: (a) proliferação mesangial (0 ou 1, indicando alteração focal ou difusa); (b) esclerose glomerular e proliferação endocapilar (0 ou 1, indicando ausência ou presença da alteração); (c) comprometimento túbulo-intersticial (0, 1 ou 2, segundo a extensão da lesão na amostra); (d) crescentes celulares ou fibrocelulares (0, 1 ou 2, indicando ausência de crescentes, presença em menos de 25% e presença em mais de 25% dos glomérulos). O diagnóstico final deve indicar o padrão histológico da lesão glomerular acrescido dos critérios descritos. À ME, IgA é visível como depósitos elétron-densos no mesângio, especialmente na transição da alça capilar com o mesângio (região notch), podendo ser encontrados também nos demais compartimentos glomerulares (subendotelial e, mais raramente, subepitelial). O diagnóstico definitivo é feito por IMF, pelo achado de depósitos predominantes de IgA no mesângio, difusamente (Figura 17.26 B), qualquer que seja o padrão morfológico à ML (Figura 17.27). São encontrados ainda C3, com ou sem outras imunoglobulinas, e depósitos granulares de IgA nas alças capilares. c. Glomerulonefrite crescêntica - Lâm. A. 41 (Anatpat) A principal lesão glomerular caracteriza-se por proliferação e acúmulo de células no espaço de Bowman, que se dispõem em forma de semilua (daí a origem do nome crescente) ou circunferencialmente ao tufo capilar. Tais formações são constituídas por células epiteliais parietais proliferadas, além de monócitos e macrófagos, eventualmente neutrófilos e linfócitos que migram para o espaço urinário; entre as células, encontra-se malha de fibrina. A natureza das crescentes muda com a evolução da doença. No início, predominam células no espaço de Bowman, originando crescentes celulares. Em seguida, ocorrem acúmulo de fibroblastos e deposição de colágeno, formando crescentes fibrocelulares (Figura 17.23 A). Finalmente, há redução gradual do número de células e aumento do colágeno, resultando em crescentes fibróticas. Crescentes volumosas e com disposição circunferencial, que em geral associam-se a lesões glomerulares mais acentuadas, ocupam o espaço de Bowman e comprimem os capilares glomerulares, comprometem a filtração e têm evolução clínica mais grave. A MBG exibe áreas de ruptura, ocasionalmente identificáveis ao PAS e por impregnação pela prata. Áreas de necrose fibrinoide em glomérulos e na parede arteriolar podem ser encontradas. Os achados à IMF variam segundo a etiologia da doença; fibrina é bem evidente (Figura 17.23 B). A ME mostra ruptura de alças capilares. Dependendo da etiologia, encontram-se depósitos eletrondensos de ICs, com distribuição e constituição variáveis. Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia d. Glomerulonefrite membranosa - Lâm. A. 27 (Anatpat) Na fase inicial, os glomérulos não apresentam alterações à ML. Com o tempo, surge espessamento regular, global e difuso da parede dos capilares, sem aumento da celularidade. O espessamento deve-se a depósitos de imunoglobulinas ao longo da face subepitelial da MBG. Formam-se projeções ou espículas (spikes) da MB entre os imunodepósitos, visíveis à impregnação pela prata (Figura 17.33 A). As projeções acabam por circundar totalmente os depósitos, conferindo às alças o aspecto de trilho de trem. Na fase tardia, as espículas se fundem e se incorporam à MBG, tornando-a ainda mais espessa; ocorrem ainda redução das luzes capilares, esclerose mesangial e fibrose glomerular progressiva. A IMF revela depósitos granulares de IgG e, frequentemente, de C3 do complemento nos capilares, com distribuição global e difusa (Figura 17.33 B). À ME, observam- se depósitos elétron-densos na região subepitelial, entre os quais aparecem projeções da lâmina densa da MB (Figura 17.33 C). Há ainda apagamento dos pés dos podócitos. e. Glomerulonefrite pós-estreptocócica - Lâm. A. 140 (Anatpat) Os glomérulos exibem aumento de volume, proliferação difusa de células endoteliais e mesangiais e infiltração de neutrófilos e monócitos (Figura 17.21 A). O aumento da celularidade reduz ou obstrui a luz dos capilares. Em alguns casos, formam-se crescentes (ver adiante), que geralmente desaparecem sem deixar cicatrizes. A IMF mostra depósitos granulares de C3 do complemento, difusamente, que conferem ao glomérulo aspecto em “céu estrelado” (depósitos mais irregulares e na região mesangial) ou “em guirlanda” (depósitos sobre as alças capilares periféricas – Figura 17.21 B). Em 50% dos casos, há também depósitos de IgG e, eventualmente, de IgM na parede capilar e no mesângio. O exame histológico com objetiva de imersão a óleo possibilita, ocasionalmente, identificar depósitos subepiteliais nodulares com distribuição irregular, designados como humps ou corcovas. À ME, os humps aparecem como depósitos elétron-densos com aspecto de IC sobre a face epitelial da MBG (Figura 17.21 C). Há ainda depósitos subendoteliais e mesangiais. As principais alterações glomerulares na GNDA estão esquematizadas na Figura 17.22). Na involução do processo, desaparecem a proliferação endotelial e a exsudação neutrofílica,persistindo por mais tempo a expansão da matriz e a proliferação mesangial, até a completa recuperação histológica, ao final de alguns meses. No interstício, há edema e focos de infiltrado inflamatório. Os túbulos podem conter cilindros hemáticos. f. Glomeruloesclerose segmentar e focal - Imagens no blackboard À ML, observam-se expansão segmentar da matriz mesangial, e acúmulo de proteínas plasmáticas na forma de depósitos hialinos. A lesão causa obstrução da luz capilar e pode formar aderências capsulares (Figura 17.30). Ocasionalmente, aparecem células espumosas, com citoplasma claro, volumoso e repleto de gorduras neutras e glicosaminoglicanos. Células espumosas podem ser vistas também em outras glomerulopatias com proteinúria acentuada. Proliferação mesangial discreta é frequente, inclusive nos glomérulos sem expansão segmentar da matriz. Na GESF primária, os glomérulos inicialmente lesados são os justamedulares. Com o tempo, a lesão atinge a porção superior da cortical e surge esclerose global em maior número de glomérulos. No entanto, biópsia por agulha guiada por ultrassom no início da doença pode não atingir essa região e não amostrar um glomérulo com a lesão segmentar (focal = apenas alguns glomérulos), gerando confusão diagnóstica com LHM. Com frequência, há hipotrofia tubular e fibrose intersticial focais. Nas pequenas artérias e arteríolas, pode haver depósitos de material hialino e neoformação conjuntiva intimal, sobretudo em indivíduos hipertensos. O caráter focal da lesão pode dificultar o diagnóstico diferencial com LHM, especialmente em amostras pequenas. Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia Nos segmentos esclerosados dos tufos, a ME mostra enrugamento da MBG, espessamento de alças capilares e expansão da matriz mesangial, esta contendo raras fibras colágenas e depósitos elétron-densos homogêneos. O processo encarcera as células mesangiais, que desaparecem gradativamente. Na GESF primária, há apagamento dos pés dos podócitos, inclusive em alças sem esclerose e em glomérulos normais à ML. Os podócitos podem estar destacados da MB, ficando o espaço resultante ocupado por material fibrilar e restos celulares. A IMF pode mostrar deposição inespecífica de IgM e/ou C3 do complemento nas áreas de esclerose (IgM e C3 ficam “aprisionados” em regiões de cicatriz e esclerose). Algumas vezes, a amostra renal encaminhada para exame de IMF é diferente daquela para ML, podendo não incluir glomérulos com áreas de esclerose. Nestes casos, a IMF pode resultar negativa. Nas formas secundárias, a lesão de podócitos é restrita aos glomérulos acometidos. Nos casos com hipercelularidade mesangial, podem se encontrar depósitos de IgM e de C3 no mesângio. Há inúmeras variantes: NOS (inespecífica), hilar, celular, colapsante e Tip, as quais têm comportamento clínico e resposta terapêutica diferentes (Figura 17.31). A forma colapsante (ver adiante) associa-se a pior prognóstico e a Tip, a melhor prognóstico. g. Glomerulonefrite membranoproliferativa - Lâm. A. 28 (Anatpat) Há aumento global e difuso do volume glomerular e da celularidade dos tufos, por proliferação de células mesangiais e expansão da matriz mesangial, o que confere aspecto lobulado aos tufos, que se acentua com a evolução da doença; a expansão da matriz pode ser discreta, em eixos (Figura 17.34 A). As alças capilares mostram-se regular e difusamente espessadas, pela interposição de mesângio e/ou de depósitos de imunocomplexos entre o endotélio e a membrana basal, formando uma nova MB, esta mais bem evidenciada nas alças periféricas por meio da coloração de PAS ou de impregnação pela prata. As alças espessadas assumem aspecto de duplo contorno (Figuras 17.34 B). Pode haver ainda proliferação de células endoteliais, exsudação de neutrófilos e formação de crescentes, geralmente focais. Com a progressão da doença, há hipotrofia tubular e fibrose no interstício. A forma mais frequente de GNMP caracteriza-se por depósitos elétron-densos subendoteliais, subepiteliais e mesangiais (Figura 17.34 C). Ocasionalmente, encontram-se depósitos subepiteliais, separados entre si por espículas, uma variante rara. A IMF revela depósitos granulares de C3 do complemento e imunoglobulinas (IgG, IgA ou IgM) nas alças periféricas, desenhando um aspecto lobular característico, com depósitos mesangiais menos frequentes. 03) Quais os padrões microscópicos observados em biópsias de pacientes exibindo lesão glomerular mediada por anticorpos submetidas a reação de imunofluorescência? ➢ Deposição granular de imunocomplexos • Este é um achado clássico em doenças glomerulares imunomediadas, como glomerulonefrite membranosa e lúpus eritematoso sistêmico (LES). • Ocorre devido ao depósito de imunoglobulinas (IgG, IgA, IgM) e complemento (C3, C1q) na membrana basal glomerular ou no mesângio. ➢ Deposição linear de imunoglobulinas • Característica da doença anti-membrana basal glomerular (doença de Goodpasture). Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia • A imunofluorescência mostra uma marcação linear ao longo da membrana basal glomerular devido à ligação de anticorpos diretamente à membrana basal. ➢ Deposição mesangial • Frequente na nefropatia por IgA (doença de Berger). • Observa-se um padrão granular de depósitos predominantemente de IgA e, em alguns casos, C3 no mesângio. ➢ Padrão “pauci-imune” (ausência de deposição significativa) • Observado em vasculites associadas a ANCA, como a granulomatose com poliangeíte (GPA, ex-Granulomatose de Wegener) e a poliangeíte microscópica. • Na imunofluorescência direta, não há depósitos detectáveis de imunocomplexos. 04) Pielonefrite: comparar os aspectos macro e microscópicos entre a aguda e a crônica. ➢ Pielonefrite aguda Pielonefrite aguda é a inflamação purulenta que compromete túbulos, interstício e pelve renais. Aspectos morfológicos O rim encontra-se aumentado de peso e edemaciado. O achado mais característico são abscessos com halo hemorrágico, principalmente na cortical. Estrias amareladas na medular em direção às papilas (Figura 17.47 A) correspondem a túbulos coletores repletos de neutrófilos. A mucosa da pelve e dos cálices apresenta-se hiperêmica e, eventualmente, hemorrágica. Como complicações podem surgir abscessos perirrenais, necrose de papilas (especialmente em indivíduos diabéticos ou com obstrução do trato urinário), que se apresenta como áreas amareladas nas porções terminais das pirâmides, e hidropionefrose (dilatação do sistema pileocaliceal por acúmulo de material purulento). Microscopicamente, encontram-se inflamação purulenta e destruição do parênquima. Nos casos discretos, notam-se apenas infiltração de neutrófilos e, em menor número, por células mononucleadas. Na medular, os túbulos estão cheios de neutrófilos Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia (Figura 17.47 B), além de haver edema e infiltrado inflamatório intersticial. Quando há necrose de papilas, estas mostram necrose de coagulação. Pielonefrite aguda cura-se por fibrose, que forma cicatrizes na superfície cortical e, às vezes, deformam os cálices. Aspectos clínicos. Prognóstico. O início das manifestações é súbito, com sinais gerais de infecção, dor lombar, disúria, polaciúria, piúria, hematúria e cilindros leucocitários (purulentos); estes confirmam o comprometimento renal, pois se formam nos túbulos. Insuficiência renal depende da extensão do processo. O quadro clínico e a evolução modificam-se quando surgem complicações; necrose de papilas precipita insuficiência renal aguda. Com tratamento adequado, a doença evolui para cura. Quando há obstrução urinária ou se os pacientes são debilitados, imunossuprimidos, diabéticos ou submetidos a instrumentação urológica, pode ocorrer septicemia. Recidivas ou reinfecçõesnão são raras, sobretudo se persistirem os fatores predisponentes. ➢ Pielonefrite crônica Pielonefrite crônica (PNC) é inflamação parenquimatosa crônica dos rins, uni ou bilateral, associada a fibrose e cicatrizes no parênquima e a deformidades no sistema pielocalicial. Pielonefrite crônica é causa importante de insuficiência renal crônica. Há duas formas de pielonefrite crônica: (a) PNC obstrutiva; (b) PNC associada a refluxo. Na PNC obstrutiva, obstrução urinária predispõe a infecções recorrentes e contribui para isquemia e hipotrofia do parênquima renal. A PNC de refluxo é a mais comum e pode iniciar-se na infância. É possível haver PNC associada a refluxo sem infecção urinária, pois não é raro o achado de urina estéril em indivíduos com pielonefrite crônica, embora seja difícil afastar a hipótese de infecção prévia já controlada. Aspectos morfológicos O rim é reduzido de peso e volume (Figura 17.48 A). O achado macroscópico característico são cicatrizes renais, que são grosseiras e têm forma e profundidade variáveis. A cápsula descola-se com dificuldade e rompe-se em correspondência com as cicatrizes. Ao corte, as cicatrizes são afuniladas, têm forma de U e podem chegar até a pelve, deformando os cálices. Estes são dilatados, e as papilas encontram-se achatadas (apagadas); tais elementos são importantes no diagnóstico por imagem. Se o rim é contraído, há aumento do tecido gorduroso perirrenal. Ana Carolina Novak – TXXXIII Distúrbios respiratórios, dor no peito e edemas – Patologia Microscopicamente, a inflamação é quase sempre zonal. O infiltrado é predominantemente de mononucleares (Figura 17.48 B), às vezes com folículos linfoides. Quando o infiltrado de neutrófilos é considerável, fala-se em PNC em atividade. A fibrose é grosseira e de extensão variada. O processo tem caráter destrutivo, sendo os néfrons substituídos progressivamente por fibrose. Outros achados incluem: (a) hipotrofia e desaparecimento de túbulos; os remanescentes são dilatados e contêm cilindros hialinos e homogêneos, adquirindo o conjunto aspecto de tireoide; nos túbulos, encontram-se leucócitos e hemácias, isolados ou formando cilindros; (b) fibrose periglomerular concêntrica; (c) fibrose intracapsular, por neoformação conjuntiva a partir da cápsula de Bowman, em geral com colapso ou esclerose do tufo capilar; (d) fibrose glomerular, por isquemia; (e) espessamento intimal de pequenas artérias, com redução da luz. Quando a PNC evolui com hipertensão arterial, surgem as lesões vasculares desta. O diagnóstico microscópico de PNC nem sempre é fácil ou possível em biópsias percutâneas. Sendo o processo zonal, a punção-biópsia pode atingir apenas parênquima não lesado ou com lesões secundárias; além disso, muitas alterações são inespecíficas e encontradas em outras nefropatias. Aspectos clínicos. Prognóstico. A PNC evolui lentamente, muitas vezes de forma assintomática, exceto em crises de recorrência, quando se manifesta como pielonefrite aguda. Especialmente na PNC de refluxo, a evolução é arrastada, oligossintomática, de diagnóstico tardio, já com insuficiência renal crônica e hipertensão arterial. Em crianças com hipertensão arterial, é importante investigar nefropatia de refluxo como fator predisponente. Às vezes, há perda da capacidade de concentração urinária (poliúria e nictúria) ou bacteriúria e piúria assintomáticas; bacteriúria pode estar ausente na fase tardia. Na nefropatia de refluxo, a cistoureterografia miccional pode ser decisiva no diagnóstico. Em 70% dos casos de PNC obstrutiva, há sinais de infecção urinária aguda e manifestações de infecção do trato urinário inferior. Insuficiência renal crônica e hipertensão arterial ocorrem nos casos de longa evolução. Exames radiográficos mostram dilatação do ureter e dos cálices, achatamento ou desaparecimento das papilas e estreitamento do parênquima; em obstruções ureteropélvicas, não há dilatação ureteral. PNC pode associar-se a rim em estágio terminal, seja como doença primária, seja como afecção superposta a outras nefropatias. Nesses casos, acompanha-se de hipertensão arterial e de insuficiência renal crônica. Quando unilateral, pode causar hipertensão arterial renovascular, inclusive com alterações vasculares no rim contralateral. Quando existe proteinúria intensa, suspeita-se de glomerulosclerose focal segmentar secundária, interpretada como consequência a adaptações glomerulares pela perda do parênquima renal, particularmente na nefropatia de refluxo. Esses casos têm prognóstico desfavorável e evoluem para insuficiência renal.