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INICIAÇÃO CIENTÍFICA (PIBIC) - 2023 O PSICOPATA TRANSGRESSOR E O TRATAMENTO PENAL QUE LHE É ATRIBUÍDO PELO JUDICIÁRIO BRASILEIRO. UDF Centro Universitário Por: Yan Yuri de Camargo Bandeira. RGM: 30617006 Turma: Direito - D1 / Período: 4°, 2023 Orientador: Me. Anderson Pinheiro da Costa. Resumo O presente estudo tem por objetivo geral analisar qual o tratamento penal atribuído a indivíduos diagnosticados com psicopatia pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Busca-se entender como esses indivíduos são responsabilizados criminalmente de acordo com as normas atuais do Direito Penal e do Direito Processual Penal, mapeando a aplicabilidade da norma no processo decisório da referida corte. Como objetivos específicos a pesquisa visa analisar o conceito de psicopatia e suas principais características, além da culpabilidade como elemento do crime. A metodologia de pesquisa adotada é a qualitativa e descritiva, com coleta de dados baseada em análise documental, doutrinária e jurisprudencial, focando em decisões judiciais e entendimentos jurídicos sobre o tema. Ademais, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com roteiro aberto, visando obter percepções de profissionais da área jurídica sobre o tratamento judicial e penal dado aos psicopatas. Como referencial teórico, a pesquisa contará com os postulados de Cleckley (1988), Hungria (2019), Silva (2012), Costa (2014) e Capez (2017), selecionados por sua relevância e contribuição significativa para a compreensão da psicopatia e suas implicações no Direito Penal. Palavras-chaves: Psicopatia; sistema prisional; responsabilidade criminal pelo TJDFT; Abstract The general objective of this study is to analyze the criminal treatment given to individuals diagnosed with psychopathy by the Court of Justice of the Federal District and Territories (TJDFT). The aim is to understand how these individuals are held criminally responsible according to the current rules of Criminal Law and Criminal Procedural Law, mapping the applicability of the rule in the decision-making process of said court. As specific objectives, the research aims to analyze the concept of psychopathy and its main characteristics, in addition to culpability as an element of the crime. The research methodology adopted is qualitative and descriptive, with data collection based on documentary, doctrinal and jurisprudential analysis, focusing on judicial decisions and legal understandings on the subject. In addition, semi-structured interviews with an open script were conducted, aiming to obtain perceptions of legal professionals about the judicial and criminal treatment given to psychopaths. As a theoretical framework, the research will rely on the postulates of Cleckley (1988), Hungria (2019), Silva (2012), Costa (2014) and Capez (2017), selected for their relevance and significant contribution to the understanding of psychopathy and its implications in Criminal Law. Keywords: Psychopathy; prison system; criminal liability by the TJDFT; Introdução A psicopatia é uma condição complexa que tem sido objeto de fascinantes debates ao longo da história. Inicialmente, interpretada como loucura, a compreensão da psicopatia evoluiu para uma perspectiva mais científica e clínica, sendo reconhecida como um transtorno mental com implicações profundas, tanto no campo da psicologia, quanto na seara do direito. (CLARA, 2017) De acordo com Hare (1999), pioneiro na pesquisa sobre psicopatia, apoiado pelos postulados de Cleckley (1988), essa mudança de paradigma a respeito da temática reflete uma mudança significativa na forma como a sociedade percebe e trata indivíduos diagnosticados com essa condição. Cleckley ao descrever detalhadamente as características que indicam o transtorno de psicopatia, oferece uma base importante para a pesquisa moderna.(ÁVILA, 2019) Nesse contexto, a presente pesquisa se apoia na metodologia qualitativa, que adota uma abordagem interpretativa e naturalista. A pesquisa qualitativa se distingue por estudar os fenômenos em seus cenários naturais e entender os significados que as pessoas atribuem a eles (VIEIRA; ZOUAIN, 2005). Assim, a investigação sobre a psicopatia considera as experiências dos indivíduos acometidos pelo transtorno e a forma como elas são interpretadas pelos profissionais de saúde e do direito. A pesquisa qualitativa valoriza a descrição detalhada dos fenômenos e dos elementos que os envolvem, proporcionando uma visão profunda das características e das implicações da psicopatia. A análise dos dados, conforme observado por Richardson, segue um processo indutivo, o que é crucial para compreender aspectos psicológicos complexos que não podem ser totalmente capturados por outros métodos. Isso é especialmente relevante na psicopatia, dada sua natureza de múltiplas faces e a dificuldade em mensurar suas nuances por abordagens mais quantitativas. (RICHARDSON, 1999) A coleta de dados para este estudo se baseia na análise bibliográfica, jurisprudencial e revisão de literatura, com base em obras publicadas e decisões de tribunais brasileiros sobre casos relacionados à psicopatia. Este método é essencial para construir uma base sólida para a pesquisa científica, permitindo um aprofundamento no fenômeno estudado e no seu tratamento jurídico. As fontes utilizadas foram livros, artigos científicos, teses, dissertações, anuários, revistas, leis e outras publicações relevantes. (FONSECA, 2002) Para isso foram consultados anuários estatísticos do judiciário, além de repositórios acadêmicos da Universidade de Brasília (UnB). Bem como, sítios eletrônicos de tribunais, como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), a fim de coletar dados relevantes sobre a atuação judicial e jurisprudencial. Não obstante, foi utilizada entrevista semiestruturada, realizada com 3 juízes de direito lotados no TJDFT. A escolha desses magistrados se deu pela vasta experiência que possuem em direito penal e processo penal, áreas que são centrais para o objetivo desta pesquisa. Um dos fatores que pesaram na seleção desses juízes foi o fato de que todos atuam em varas criminais, sendo que um deles atua especificamente no Tribunal do Júri, o que contribui para uma visão prática e aprofundada sobre o julgamento de crimes de grande repercussão. A utilização da entrevista semiestruturada é de suma importância para esta pesquisa, pois permite captar, de forma mais detalhada, as percepções e justificativas dos juízes no exercício de suas funções. Diferente de métodos quantitativos, esse tipo de entrevista possibilita que os entrevistados expressem suas visões e práticas cotidianas, proporcionando uma análise mais rica e subjetiva do funcionamento do sistema penal com relação aos psicopatas. O trabalho busca explorar a psicopatia de maneira abrangente, começando com uma revisão histórica de suas concepções, desde a visão sobrenatural até a classificação moderna de transtornos mentais. No tópico dois, buscar-se-á verificar o conceito de psicopatia focada na análise da identificação do psicopata e quais os métodos atuais para melhor lidar com esses indivíduos. Os estudos de Bitencourt (2020) oferecem uma perspectiva valiosa sobre a relação entre psicopatia e direito penal, abordando como a psicopatia é tratada no âmbito jurídico e as implicações legais de seu diagnóstico. No tópico três, objetiva-se analisar a relação entre psicopatia e direito penal brasileiro, com foco no conceito de crime segundo a legislação nacional e na determinação da culpabilidade dos indivíduos com psicopatia. A análise recairá sobre o conceito de imputabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade, e como essas categorias influenciam o julgamento e a punição de autores de crimes. Diante desse contexto, este estudo busca aprofundar a compreensão sobre a psicopatia, analisando suas múltiplas facetas à luz da jurisprudência e dos conceitos de imputabilidade previstos no direito penal brasileiro.como previsto no art. 153 do Código de Processo Penal (CPP). Também questionou a validade do laudo psiquiátrico, argumentando que o réu, devido à psicopatia, não teria controle sobre seus atos, o que justificaria sua inimputabilidade. O tribunal rejeitou os embargos, afirmando que não havia omissão ou contradição no acórdão original. Quanto ao incidente de insanidade mental, o tribunal concluiu que, embora o incidente devesse ter sido processado em autos apartados, a defesa não demonstrou qualquer prejuízo decorrente dessa falha processual, conforme o princípio do "pas de nullité sans grief" (art. 563 do CPP). Além disso, a corte considerou que a questão já estava preclusa, pois não foi levantada nas fases anteriores do processo. Sobre o laudo psiquiátrico, o tribunal destacou que o perito avaliou as alegações da defesa e concluiu que, apesar de o réu possuir transtorno de personalidade antissocial e voyeurismo, essas condições não afetavam sua capacidade de entendimento ou controle de suas ações. O laudo indicou que o réu tinha pleno entendimento das consequências de seus atos. A decisão foi unânime, e os embargos foram rejeitados. (BRASIL, 2023) 4.4.4 Quarto processo Na Terceira Turma Criminal, no acórdão nº 1670980 o autor foi denunciado por registro não autorizado da intimidade sexual, conforme o art. 216-B do Código Penal. O crime ocorreu em 7 de junho de 2022, quando o apelante filmou uma mulher nua em um banheiro feminino da Universidade de Brasília (UnB) sem o consentimento dela. A vítima percebeu que estava sendo filmada e repreendeu o apelante, que fugiu do local. Posteriormente, ele foi identificado por imagens de câmeras de segurança e reconhecido por testemunhas. Após a denúncia, foi instaurado um incidente de insanidade mental para avaliar a capacidade do réu. O laudo psiquiátrico concluiu que ele apresentava transtorno de preferência sexual (voyeurismo) e transtorno de personalidade antissocial, mas mantinha suas capacidades de entendimento e autodeterminação. A defesa impugnou o laudo, argumentando que a psicopatia impediria o controle sobre os atos, o que caracterizaria inimputabilidade. No entanto, o juiz homologou o laudo e deu seguimento ao processo. A defesa alegou nulidade do processo, pois o incidente de insanidade não foi instaurado em autos apartados, conforme previsto no art. 153 do Código de Processo Penal (CPP). No mérito, pediu a reavaliação do laudo psiquiátrico, argumentando que o transtorno de personalidade antissocial afeta a capacidade de controle dos atos, o que deveria resultar em inimputabilidade. O tribunal rejeitou a preliminar de nulidade, afirmando que, apesar da formalidade processual não ter sido observada, não houve prejuízo à defesa, em conformidade com o princípio do "pas de nullité sans grief" (art. 563 do CPP). No mérito, o tribunal manteve a validade do laudo pericial, que concluiu que o réu possuía plena capacidade de entendimento e controle de seus atos, mesmo com o diagnóstico de transtorno de preferência sexual e transtorno de personalidade antissocial. A decisão foi unânime, e o recurso da defesa foi negado. (BRASIL, 2023) 4.4.5 Quinto processo A Segunda Turma Criminal, no acórdão nº 1440416 O agravante, foi condenado por crimes de natureza sexual contra crianças, incluindo atentado violento ao pudor e estupro de vulnerável. Durante a execução da pena, foi reconhecida sua semi-imputabilidade, o que resultou na conversão da pena privativa de liberdade em medida de segurança de internação, devido à sua periculosidade e transtorno de personalidade. A defesa interpôs agravo, solicitando a extinção da medida de segurança, argumentando que o período de internação já havia ultrapassado o tempo máximo previsto para os delitos. Baseou-se na Súmula 527 do STJ, que limita a duração das medidas de segurança ao máximo da pena cominada ao crime. O tribunal rejeitou o agravo e manteve a medida de segurança. O relator destacou que, apesar do argumento da defesa sobre o excesso de prazo, os laudos psiquiátricos e relatórios multiprofissionais indicaram que a periculosidade do réu ainda não havia cessado, atestando um alto risco de reincidência. Além disso, o réu não contava com suporte familiar nem com alternativas adequadas para tratamento fora da internação, o que inviabilizava sua soltura. A decisão foi unânime, e o recurso foi negado. (BRASIL, 2022) Conclusão A presente pesquisa teve como objetivo investigar a figura do psicopata na jurisprudência das Turmas Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), com o fim de responder à pergunta proposta no início do trabalho, qual seja, como o psicopata transgressor é tratado penalmente pelo judiciário brasileiro. Para tanto, foram analisados acórdãos que abordaram a imputabilidade, semi-imputabilidade ou inimputabilidade de réus diagnosticados com psicopatia ou transtornos de personalidade dissocial. Ao longo da pesquisa, observou-se que o TJDFT, em várias ocasiões, embasou suas decisões em laudos psiquiátricos que diagnosticavam o transtorno, mas os impactos dessas conclusões variaram significativamente de um caso para outro. Por um lado, em certos processos, o laudo médico foi decisivo para reconhecer a inimputabilidade ou semi-imputabilidade do réu, levando à aplicação de medidas de segurança em vez de pena privativa de liberdade. Por outro lado, também se verificou que, em diversas situações, o tribunal manteve a imputabilidade plena, mesmo com o diagnóstico de transtorno de personalidade, sugerindo que o entendimento jurídico sobre a questão da psicopatia é fluido e, por vezes, depende de interpretações variadas do mesmo conjunto de fatos e laudos. A divergência de tratamento revela um dos pontos centrais desta pesquisa: a falta de uniformidade nas decisões sobre a culpabilidade de indivíduos diagnosticados com psicopatia. Tal variação não apenas reflete uma inconsistência no reconhecimento da relevância dos laudos psiquiátricos, mas também levanta questões sobre o próprio entendimento da psicopatia no contexto penal brasileiro. Em alguns casos, os magistrados reconhecem a diminuição da capacidade de autodeterminação desses indivíduos, enquanto em outros, essa consideração é praticamente desconsiderada, reforçando a punição sem qualquer atenuação. Com este comparativo de decisões e feitas estas análises, foi possível perceber que as decisões das Turmas Criminais do TJDFT são divergentes, por vezes seguindo o diagnóstico feito por uma equipe com capacidade técnica para tanto, mas também ignorando ou contrariando as suas considerações. Também foi possível verificar que o mesmo critério pode beneficiar a situação do réu ou prejudicá-la, independentemente se a questão for para a mesma Turma Criminal ou uma diferente. Percebe-se, portanto, uma ausência de coerência e consistência argumentativa nas decisões que foram objeto da presente pesquisa exploratória no âmbito do TJDFT sobre a culpabilidade do psicopata, o que, em tese, pode gerar insegurança jurídica dada a diversidade de entendimentos contraditórios proferidos pelas Turmas Criminais. Referências ASSIS, Jessica. Psicopatia: Conceito, Teorias e Tratamento. https://www.jusbrasil.com.br/artigos/psicopatia-conceito-teorias-e-tratamento/724346823, 2019. ÁVILA, Augusto Medeiros. 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Digressão histórica sobre a psicopatia Uma excursão histórica sobre a psicopatia convida os leitores a explorar as complexidades da mente humana ao longo dos séculos. Desde tempos imemoriais, a psicopatia tem sido objeto de fascínio e estudo, influenciando tanto as percepções populares quanto as abordagens científicas. Nessa jornada, é possível recorrer aos escritos do renomado psiquiatra alemão Emil Kraepelin, cujas contribuições pioneiras na virada do século XX lançaram as bases para a compreensão moderna da psicopatia. Kraepelin, em suas investigações clínicas, delineou os traços distintivos do distúrbio, estabelecendo um marco crucial no desenvolvimento da psiquiatria forense e da psicologia anormal. Ao explorar as raízes históricas desse fenômeno intrigante, os leitores são conduzidos a uma jornada reveladora que os desafia a confrontar as nuances da natureza humana. (PEREIRA, 2018) A psicopatia tem intrigado tanto estudiosos quanto leigos ao longo dos séculos, provocando reflexões profundas sobre o comportamento humano e suas ramificações na sociedade. Desde os primeiros relatos históricos até as modernas abordagens clínicas, essa excursão convida a uma análise crítica das diversas interpretações e teorias que moldaram o entendimento hodierno. Além de Kraepelin, outros pioneiros como Cleckley e Hare deixaram suas marcas, expandindo o conhecimento e desafiando preconceitos enraizados. (ASSIS, 2019) Nesse mergulho, na história da psicopatia, os leitores são levados a confrontar não apenas os sintomas e características diagnosticáveis, mas também as implicações éticas e sociais que surgem da interação entre esses indivíduos e a sociedade. Ao explorar as origens e evoluções dos estudos a respeito da temática, conclui-se que a diversidade de experiências mentais pode moldar destinos individuais e coletivos. 1.1 Do sobrenatural ao doente mental Na idade média, o conceito de "psicopatia" surgiu para descrever comportamentos percebidos pela sociedade da época como moralmente condenáveis. A reflexão sobre a temática iniciou quando filósofos e psiquiatras começaram a questionar se os praticantes de atos imorais eram plenamente conscientes de suas ações no momento da ocorrência. Em Homero a loucura era a desrazão, a perda do contato com a realidade física ou social, e poderia levar o sujeito acometido por ela a praticar transgressões das normas sociais, agressão, homicídio, delírios e até a própria morte. A sua etiologia era mitológica e, em certo sentido, teológica, portanto, reversível: mudando o humor dos deuses à loucura e seus efeitos desapareceriam. Considerando esta atribuição de causa, a loucura não carregava nenhum estigma, pois não passava de uma (des) ordem. (SILVA, 2014, p. 15) As doenças, distúrbios e transtornos mentais não são fenômenos exclusivos da modernidade ou contemporaneidade. Na verdade, séculos antes da era cristã, já existiam relatos que indicavam casos que se alinhavam com a definição atual dessas condições. Essa constatação evidencia que as complexidades da saúde mental têm uma história longa e intrincada, transcendendo as barreiras temporais e refletindo a contínua presença dessas questões ao longo do desenvolvimento da humanidade. (SERVALHO, 1993) Na antiguidade, os distúrbios ou transtornos eram vivenciados em um estado de relativa liberdade, com atenção dispersa a esses indivíduos. Convivendo na sociedade, suas crises e agitações eram frequentemente interpretadas como manifestações sobrenaturais, consideradas como um meio através do qual as numerosas divindades gregas asseguravam que seus caprichos e desígnios não fossem desafiados pela vontade dos mortais. (PESSOTTI, 1994) Em outras palavras, entende-se que: O conceito de loucura da poesia de Homero e de Hesíodo implica invariavelmente a intervenção direta e permanente dos deuses na vida dos homens. São os deuses e seus instrumentos, Até Erinas ou Moira, que roubam ou confundem a razão dos homens e os enlouquecem [...] a interferência da divindade cede gradualmente o papel de causa aos conflitos de paixões, ao entrechoque entre desejo e a norma ética. Ainda que no dizer fugaz de alguns personagens, sejam os deuses a plantar no coração dos homens o ódio e o desejo sexual, a inveja e a culpa. A loucura, nos textos trágicos, resulta de conflitos penosos, entre paixões, entre lealdades, ou deveres. (PESSOTTI, 1994, p. 46) O estudo das doenças, distúrbios e transtornos mentais ganhou destaque a partir do século XVIII. Foi no final desse período e no início do século XIX que se observou um movimento de reforma significativa em termos de pesquisa e abordagens sobre o assunto. Notavelmente, os franceses Philippe Pinel, Jean-Etiénne Dominique Esquirol, Benjamin Ruesch, James Cowles Prichard e Legrand Du Saul desempenharam papéis essenciais nesse período, apresentando trabalhos que evidenciaram a compreensão de que a anormalidade psíquica ou alienação mental é, na verdade, uma condição orgânica. (PESSOTTI, 1994) Conforme destacado por Oliveira, inúmeros estudos realizados por diversos pesquisadores, que integraram a filosofia e a psicologia, conduziram à reflexão sobre a potencial relação entre o livre arbítrio e as transgressões morais. A indagação central passou a residir na hipótese de que indivíduos que cometem transgressões morais podem ser considerados inculpáveis devido à insanidade ou loucura. (OLIVEIRA, 2012) O francês Philippe Pinel, foi um dos pioneiros na descrição da psicopatia, tendo observado em seus pacientes que, embora alguns deles tivessem plena consciência da irracionalidade de suas ações, ainda assim se envolviam em comportamentos impulsivos, violentos ou carentes de remorso. (GOMES, 2013) Já Jean-Etiénne Dominique Esquirol aprofundou os estudos iniciados por Philippe Pinel, dedicando-se à busca por uma definição mais precisa da psicopatia. No ano de 1812, Benjamin Ruesch abordou a personalidade daqueles que praticavam atos considerados antissociais desde a infância, categorizando-os como indivíduos portadores de "idiotez moral" ou "imbecilidade moral". (ZATTA, 2014) No século XIX, diversos estudos surgiram para balizar as abordagens científicas relacionadas às doenças, distúrbios e transtornos mentais. Nesse contexto, iniciaram-se também os questionamentos sobre a psicopatia, destacando-se o trabalho do filósofo e médico Próspero Despine que, em sua obra, "Psycologie naturelle",enfatizou a anomalia psíquica presente em indivíduos designados como delinquentes desprovidos de senso moral. (ZATTA, 2014) Na segunda metade do século XIX, a "escola francesa" de psiquiatria defendia a perspectiva de que aqueles rotulados como psicopatas eram, na realidade, indivíduos em desequilíbrio psíquico. Para enriquecer essa perspectiva, foram exploradas as diferenças entre as características da psicopatia e das psicoses nos estudos de J. Koch. Este pesquisador amalgamou diversas características da psicopatia, como sentimentos chorosos, sonhadores e exaltados, designando-as como "inferioridades psicopáticas". (SILVA, 2014) Em 1909, o neurologista britânico K. Birnbaum propôs o termo "sociopatia", utilizado como sinônimo de psicopatia. Isso se deve ao fato de que indivíduos diagnosticados com essa anomalia ou distúrbio, os psicopatas, são caracterizados por realizar ações antissociais. (SILVA, 2012) Em 1924, o conceito de psicopatia foi introduzido pelo psiquiatra suíço Paul Engen Bleuler, definindo-a como um defeito moral ou adquirido. A abordagem das personalidades psicopáticas, atribuídas às pessoas que sofrem devido à sua anormalidade e provocam sofrimentos individuais e sociais, foi elaborada pelo psiquiatra britânico Kurt Schneider. Sua contribuição representouuma conceituação e classificação significativa dentro do escopo dessa discussão conduzida por especialistas de diversos países. (ZATTA, 2014) Em 1941, o psiquiatra Hervey Cleckley emergiu como um dos principais pesquisadores a abordar a psicopatia, com seu livro “The mask of sanity”. Ele dedicou seus esforços para esclarecer o termo "transtorno de personalidade antissocial" e outras expressões relacionadas a esse tema. Cleckley propôs a substituição desse termo por um novo rótulo: "demência semântica". Em sua explicação, destacou o que considerava mais relevante em relação a esse distúrbio. (MILLION, 2008 apud COSTA, 2014) O pesquisador Hervey Cleckley delineou as características dos psicopatas, fundamentando-se em termos de objetivos imediatos, bem como em metas confrontadoras e futuras. Além disso, o psicólogo Harrison G. Gough considerou outros aspectos que identificam pessoas com algum grau ou nível de psicopatia, incluindo: [...] comportamento impulsivo; incapacidade de criar vínculos profundos e constante com outras pessoas ou para identificar-se em relações interpessoais; falta de planejamento para conseguir determinados objetivos; aparente falta de ansiedade e de sofrimento pela inadaptação social e sua negativa de reconhecimento a tal inadaptação; tendência a projetar nos outros as culpas e não aceitar a responsabilidade por seus próprios fracassos; mentiras; falta de responsabilidade e pobreza emocional. (OLIVEIRA, 2012, p. 46). No ano de 1944, dois momentos cruciais marcaram as pesquisas e determinações relacionadas à psicopatia. No primeiro, os psiquiatras Andrew Curran e Jonathan Mallinson afirmaram que a psicopatia era uma doença mental, desafiando as teorias historicamente estabelecidas sobre o tema. Eles não mais concebiam a psicopatia como uma doença mental semelhante à esquizofrenia ou ao transtorno bipolar, mas sim como uma condição que apresentava algumas características cerebrais distintas da normalidade. (MYERS, 1999) Em 1944, o segundo momento crucial teve lugar, destacando-se a contribuição do psicanalista estadunidense Robert Lindner. Ao abordar o psicopata, Lindner o descreveu como um rebelde, uma figura desobediente influenciada pelo fanatismo. A rebeldia descrita pelo psicanalista é direcionada exclusivamente para a consecução de seus objetivos, combinada com a incapacidade de realizar algo que beneficie outras pessoas. (OLIVEIRA, 2012) Em síntese, a compreensão da psicopatia evoluiu ao longo dos séculos, desde sua concepção na Idade Média até as contribuições mais recentes de pesquisadores e profissionais da saúde mental. Inicialmente associada a comportamentos moralmente condenáveis, a psicopatia passou por uma série de definições e abordagens, desde interpretações sobrenaturais na antiguidade até os avanços científicos observados a partir do século XVIII. Filósofos e psiquiatras como Philippe Pinel, Jean-Etiénne Dominique Esquirol e outros desempenharam papéis cruciais na construção do entendimento contemporâneo da psicopatia. (NUNES, 2011) O debate sobre a relação entre livre arbítrio e transgressões morais, iniciado por diversos estudiosos, adicionou uma camada complexa à compreensão desse fenômeno. As mudanças, as terminologias como a introdução de "sociopatia" por K. Birnbaum e as definições propostas por Paul Engen Bleuler e Kurt Schneider, refletiram a constante evolução na conceptualização da psicopatia. (ZATTA, 2014). A década de 1940 trouxe importantes questionamentos, com a visão de Andrew Curran e Jonathan Mallinson, de que a psicopatia não era apenas uma doença mental, mas sim, uma condição com características cerebrais distintas. A abordagem do psicanalista Robert Lindner, descrevendo o psicopata como um rebelde influenciado pelo fanatismo, também contribuiu para a riqueza da discussão. (MYERS, 1999) Nesse contexto, ao longo da história, a compreensão da psicopatia evoluiu de interpretações sobrenaturais para um campo multidisciplinar que buscou integrar aspectos biológicos, psicológicos e sociais, demonstrando a complexidade e a constante transformação dos estudos atinentes à temática. Nesse viés, ao longo da história, os estudos sobre a psicopatia evoluíram de interpretações sobrenaturais para um campo multidisciplinar que tem por objetivo integrar aspectos biológicos, psicológicos e sociais, demonstrando a complexidade e a constante transformação das pesquisas atinentes à temática. Como destacado por Trindade et al. (2009) a psicopatia é reconhecida não apenas como um transtorno de personalidade antissocial, mas como uma característica intrínseca que se manifesta globalmente na pessoa, afetando profundamente sua interação com a sociedade e a lei." (COSTA, 2014) 2. O “Psicopata” Definir o termo "psicopata" é fundamental não apenas no contexto da psicologia, mas também para a sociedade como um todo. Envolve aprofundar-se na compreensão de uma condição complexa que exerce um impacto significativo no comportamento humano. A psicopatia não se limita a traços de personalidade extremos; é uma condição que pode impactar significativamente na forma como os indivíduos se relacionam, tomam decisões e percebem o mundo ao seu redor. Portanto, esclarecer o significado de "psicopata" não só facilita a identificação precoce e o tratamento adequado, mas também ajuda a prevenir comportamentos potencialmente prejudiciais que podem resultar dessa condição. (SILVA, 2014) Ao ampliar a compreensão do termo "psicopata", é possível abordar de maneira mais eficaz os desafios associados a essa condição. Isso inclui não apenas melhorias nos protocolos de diagnóstico e intervenção terapêutica, mas também a implementação de estratégias preventivas na educação, na justiça criminal e em outras esferas sociais. Ao reconhecer os sinais precoces de psicopatia e entender suas ramificações comportamentais, é possível mitigar os impactos negativos que indivíduos com essa condição podem ter sobre a sociedade. (SILVA, 2014) 2.1 O que é a psicopatia? A psicopatia é um transtorno de personalidade caracterizado por padrões persistentes de comportamento antissocial e falta de empatia. Indivíduos com psicopatia, muitas vezes, exibem uma notável superficialidade emocional, manipulação habilidosa e ausência de remorso em relação a suas ações. Esses termos são frequentemente utilizados para descrever pessoas que violam normas sociais, desconsideram os direitos alheios e têm dificuldade em estabelecer relações interpessoais profundas. O diagnóstico desse transtorno é complexo e requer avaliação clínica especializada. (HARE, 2013) Antes de abordar o conceito de psicopatia, é essencial fazer uma breve referência à psiquiatria forense, que acompanha de perto a desafiadora tarefa de definir quem são os psicopatas: A psiquiatria é a disciplina médica dedicada ao estudo e tratamento das perturbações do comportamento humano, abrangendo a avaliação da personalidade integral de indivíduos que tenham experimentado ou estejam vivenciando transtornos psicopatológicos. Quando aplicada ao contexto jurídico, essa vertente da psiquiatria é conhecida como psiquiatria forense. (COSTA, 2014) Outrossim, a psiquiatria forense deve estabelecer vínculos estreitos com a psiquiatria clínica, especialmente no que se refere ao diagnóstico e prognóstico. Além disso, são imprescindíveis competências em criminologia, profundo entendimento da legislação vigente e habilidades técnicas periciais avançadas. Compete à psiquiatria analisar, conceituar e explicar quem são os psicopatas, desempenhando um papel crucial no sistema jurídico ao lidar com indivíduos desse perfil envolvidos em delitos. (COSTA, 2014) O conceito de psicopatia, inicialmente proposto por Cleckley e posteriormente desenvolvido por Hare, estabelece uma ligação crucial entre o comportamento psicopático e a reincidência criminal, proporcionando insights significativos para o sistema penal. Segundo esses autores, os psicopatas são principalmente reconhecidos por suas condutas amorais e pela ausência de delírios, refletindo uma capacidade cognitivaintacta. (MORANA, 2012) Neste contexto, há uma relação intrínseca entre essa condição psicológica e a prática de crimes. A psicopatia é frequentemente associada à ausência de julgamento moral e à tendência à reincidência criminal, devido à maneira como os psicopatas processam informações sociais e tomam decisões. Esses indivíduos muitas vezes exibem traços de manipulação, superficialidade emocional e falta de empatia, o que contribui para comportamentos delituosos repetidos. A compreensão desses padrões comportamentais pela psiquiatria e pela criminologia é essencial para abordar adequadamente os desafios que os psicopatas representam para o sistema jurídico e para a sociedade como um todo. (MORANA, 2012) Atualmente, existem três principais correntes teóricas que abordam e buscam definir a psicopatia. A primeira corrente considera a psicopatia como uma forma de doença mental, enfatizando aspectos neurobiológicos e disfunções psicológicas subjacentes. A segunda corrente interpreta a psicopatia como uma questão de doença moral, argumentando que os psicopatas possuem uma falha na formação do senso moral e ético. Já a terceira corrente majoritária define a psicopatia como um transtorno de personalidade, destacando padrões persistentes de comportamento desviante, manipulador e falta de empatia. (SILVA, 2008) Cada uma dessas perspectivas oferece uma visão única sobre a psicopatia, influenciando não apenas o entendimento clínico e jurídico, mas também as abordagens terapêuticas e as políticas públicas voltadas para o tratamento e a gestão de indivíduos com esse perfil. A compreensão dessas diferentes percepções é fundamental para uma abordagem integrada e eficaz na avaliação e intervenção com psicopatas no contexto contemporâneo. A discussão sobre psicopatia teve origem no final do século XVIII, quando filósofos e psiquiatras começaram a explorar a relação entre livre arbítrio e transgressões morais, questionando se alguns indivíduos compreendiam as consequências de seus atos. (COSTA, 2014) Philippe Pinel, em 1801, foi o primeiro a observar que certos pacientes, mesmo envolvidos em comportamentos impulsivos e autodestrutivos, mantinham sua capacidade de raciocínio intacta e reconheciam a irracionalidade de suas ações. Ele introduziu a teoria de que indivíduos poderiam ser considerados "insanos sem delírios", desafiando a concepção da época de que qualquer falta de racionalidade implicava em insanidade mental. (MILLON, 1998) Em contrapartida, na obra “Um tratado sobre a insanidade e outros distúrbios que afetam a mente”, o britânico J.C. Prichard, em 1835, aceitou a ideia de Pinel sobre "manie sans delire”, mas divergiu ao sugerir que esses comportamentos refletem uma falha de caráter moral, introduzindo o conceito de "insanidade moral". Para Prichard, esses indivíduos sofriam de um distúrbio que os impediam de seguir padrões éticos e sociais normais. (MILLION, 1998) Nesse sentido, a concepção de psicopatas como "loucos morais" tem exercido uma influência significativa nas decisões judiciais, levando magistrados a classificá-los em diferentes níveis de imputabilidade, desde semi-imputáveis até inimputáveis. Essa abordagem complexa muitas vezes resulta em consequências adversas tanto para a sociedade quanto para os próprios psicopatas. (COSTA, 2014) Ao considerar os psicopatas como "loucos morais", há uma tendência de diminuir a responsabilidade criminal desses indivíduos, o que pode afetar a aplicação adequada da lei e, por consequência, prejudicar a justiça e a segurança pública. Por outro lado, essa visão também pode ser prejudicial para os psicopatas, pois pode impedir a implementação de intervenções adequadas que visem à reabilitação ou à gestão do risco. (COSTA, 2014) Essas teorias influenciaram profundamente o entendimento da psicopatia como uma questão de moralidade e responsabilidade penal. Henry Maudsley, posteriormente, explorou a ideia de que déficits cerebrais poderiam explicar esses desvios morais, enquanto Cleckley, em 1941, propôs a substituição do termo "transtorno de personalidade antissocial" por "déficit semântico", destacando a tendência dos psicopatas de dizerem uma coisa e fazerem. (MILLION, 2008) No entanto, as concepções contemporâneas de psicopatia não a consideram uma forma de insanidade, como proposto por Prichard, mas sim, um transtorno de personalidade antissocial. Essa visão, predominante atualmente, enfoca características persistentes de pensamento, sentimento e comportamento que afetam todas as áreas da vida do indivíduo (TRINDADE, 2012). Desta feita, conclui Jorge Trindade: Mesmo que a psicopatia seja considerada uma patologia social (pelo sociólogo), ética (pelo filósofo), de personalidade (pelo psicólogo), educacional (pelo professor), do ponto de vista médico (psiquiátrico) ela não parece configurar uma doença no sentido clássico, sendo que atualmente há uma tendência universal de considerar os psicopatas como plenamente capazes de entender o caráter lícito ou ilícito dos atos que pratica e de dirigir suas ações (Trindade, J.; Beheregaray, A; Cuneo, M., 2009 apud COSTA, 2014) Nesse mesmo contexto, é relevante explorar a diferenciação entre psicopatia primária e secundária. A psicopatia primária é intrínseca à estrutura biopsíquica do indivíduo, manifestando-se a partir de predisposições, desde a gestação, e se desenvolvendo em traços de personalidade característicos. Em contraste, a psicopatia secundária pode surgir como resultado de experiências ambientais adversas ou traumas, influenciando a formação dos traços psicopáticos na vida adulta. (TRINDADE, 2009) Com base no exposto, pode-se concluir que o psicopata secundário é passível de intervenção psicoterapêutica, uma vez que sua mente foi "afetada" por experiências negativas precoces, resultando em traumas psicológicos. Por outro lado, o psicopata primário é resistente a qualquer forma de terapia ou psicoterapia, pois suas condutas são sustentadas por uma mente cognitivamente intacta (TRINDADE, 2009). Com base na análise anterior, a psicopatia, conforme entendida pelos estudiosos atuais, é uma forma de personalidade marcada pela falta significativa de culpa, remorso e empatia pelos outros. Psicopatas parecem ser desprovidos de emoções, mostrando-se indiferentes ao sofrimento alheio. Este perfil desafia as normas sociais e éticas, refletindo um padrão persistente de comportamento caracterizado por manipulação e superficialidade emocional. (PEREIRA, 2020) 2.2 Quem é o psicopata? Para diagnosticar um psicopata, é essencial a realização de uma avaliação detalhada da personalidade do indivíduo. A criação da Escala Hare facilitou esse processo, mas, dado o aumento desse fenômeno, se tornou crucial a muita cautela ao confirmar o diagnóstico. Embora as características da psicopatia estejam sempre presentes, existem exceções. Além do mais, certas características se destacam de forma mais marcante e incisiva do que as demais. (SILVA, 2012) Inicialmente, tem-se o posicionamento de Cleckley (1941-1976), que concebe a psicopatia como uma configuração de personalidade que não é recente. Sua descrição inicial era um estudo detalhado das características da personalidade, incluindo as seguintes: (TRINDADE, 2010, p. 161) - Charme superficial e boa inteligência; - Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional; - Ausência de manifestações psiconeuróticas; - Falta de confiabilidade; - Insinceridade; - Falta de remorso ou vergonha; - Comportamento antissocial inadequadamente motivado; - Julgamento deficitário e falha em aprender com a experiência; - Egocentrismo patológico e incapacidade de amar; - Pobreza geral nas relações afetivas; - Específica falta de insight; - Falta de responsividade na interpretação geral das relações interpessoais; - Comportamento fantástico com o uso de bebida; - Raramente suscetível ao suicídio; - Interpessoal, trivial e pobre integração de vida sexual; - E falha para seguir um planejamento vital. Outrossim, de acordo com Trindade, em sua obra, “A Máscara da Justiça”,a psicopatia pode ser definida como uma combinação de condições genéticas transmitidas ao longo do tempo e das diversas mesclas genéticas e elementos experienciais construídos durante a vida, não sendo adquiridos exclusivamente no nascimento. (TRINDADE, 2010) Essa perspectiva reforça a necessidade de considerar múltiplos fatores como causadores do surgimento dos transtornos de personalidade, incluindo traços de caráter anormais ou patológicos. Esses fatores têm como base o ambiente em que o indivíduo se desenvolve, as condições familiares e, principalmente, os tipos de comportamento manifestados ao longo dos anos, os quais podem indicar uma perturbação significativa no funcionamento intrapsíquico, como foi melhor ilustrado acima. (TRINDADE, 2010) Contudo, a psicopatia não deve ser interpretada como um distúrbio mental comparável à depressão ou ao retardo. O termo mais adequado seria "transtorno de personalidade dissocial", uma vez que provoca desvios na formação da personalidade de cada indivíduo afetado. (TRINDADE, 2010) É crucial observar que os psicopatas possuem controle racional completo, não sofrendo de delírios, distúrbios racionais ou psicoses. Pelo contrário, como se percebe claramente, são manipuladores inesquecíveis, habilidosos em articular-se para conseguir o que desejam, sendo capazes de dizer exatamente o que as pessoas querem ouvir. (WALTER, 2011) Os psicopatas têm a habilidade singular de ocultar suas verdadeiras intenções e apresentarem-se como uma contradição ambulante: por um lado, são capazes de oferecer respostas sociais, por vezes, até moralmente adequadas, para as situações do dia a dia; por outro, suas ações não correspondem necessariamente ao que expressam verbalmente quando não estão sendo observados. Este fenômeno revela uma capacidade excepcional de manipulação e um descompasso entre discurso e comportamento genuíno. (KIEHL, 2008) Os psicopatas não são pessoas desorientadas ou que perderam o contato com a realidade; não apresentam ilusões, alucinações ou a angústia subjetiva intensa que caracteriza a maioria dos transtornos mentais. Ao contrário dos psicóticos, os psicopatas são racionais, conscientes do que estão fazendo e do motivo por que agem assim. (HARE, 2013. p. 38) Por fim, a partir dessa observação, é evidente que, na psiquiatria forense, os psicopatas geralmente não são considerados como doentes mentais incapazes de compreender a natureza ilícita de suas condutas. Pelo contrário, eles demonstram um discernimento claro e consciente sobre a ilegalidade de seus atos, mesmo quando escolhem deliberadamente ignorar ou contornar as normas sociais e legais. Essa característica distintiva sublinha não apenas sua complexidade psicológica, mas também a necessidade de abordagens específicas no tratamento e na gestão de seu comportamento na sociedade. (KIEHL, 2008) 2.3 Tratamento Diversos escritores e estudiosos dedicados ao tema psicopatia, afirmaram que a parte mais negligenciada, já escrita sobre esse tema, foi sobre o tratamento. Mesmo com o passar dos anos, pouco, ou quase nada, houve de avanço no tratamento destinado aos psicopatas. No entanto, diante dos elevados índices de criminalidade e do peso crescente sobre os sistemas jurídicos e de saúde mental, a necessidade de avanço na pesquisa por métodos de tratamento se revela insistente. (SILVA, 2008, p. 169) Com raras exceções, as terapias biológicas (medicamentos) e as psicoterapias em geral se mostram, até o presente momento, ineficazes para a psicopatia. Para os profissionais de saúde, este é um fator intrigante e ao mesmo tempo desanimador, uma vez que não dispomos de nenhum método eficaz que mude a forma de um psicopata se relacionar com os outros e perceber o mundo ao seu redor. É lamentável dizer que, por enquanto, tratar um deles costuma ser uma luta inglória (SILVA, 2014) Um dos fundamentos essenciais da psicoterapia é o reconhecimento, por parte do paciente, da necessidade de ajuda, do desejo genuíno de ser assistido, e da disposição para colaborar de maneira eficaz com o profissional. Contudo, muitos indivíduos diagnosticados com psicopatia não reconhecem problemas psicológicos ou emocionais em si mesmos. Dessa forma, caso tenham algum objetivo maior a alcançar durante a terapia, seja individual ou em grupo, os psicopatas são habilmente capazes de manipular os profissionais de saúde, assegurando que os resultados das terapias ou até mesmo das pesquisas sejam favoráveis ao seu propósito. Um exemplo notável são os detentos que utilizam terapias para obter liberdade condicional. (TRINDADE, 2010) Em um estudo, os psicopatas não se motivaram, abandonaram o tratamento logo no início e obtiveram pouco benefício em função do programa. Em seguida à liberação da prisão, eles apresentaram taxa de retorno mais alta do que a dos demais pacientes. Em outro estudo, os psicopatas tiveram quase quatro vezes mais probabilidade de cometer uma infração violenta logo após a liberação do programa terapêutico comunitário do que os demais pacientes. Mas, além de não ser efetivo para psicopatas, o programa, na verdade, pode torná-los ainda piores! Os psicopatas que não participaram do programa foram menos violentos após a liberação da unidade do que os psicopatas tratados. (HARE, 2013, p. 204) Embora esse resultado possa surpreender alguns, para quem trabalha com programas terapêuticos desse tipo, não há novidade, pois é comum que os psicopatas dominem os procedimentos, com frequência, exercendo influência sobre o líder e sobre os outros pacientes do grupo. (SILVA, 2014) Uma maneira de mitigar o impacto causado pela atuação de psicopatas na sociedade seria diagnosticá-los na primeira infância e iniciar o tratamento precocemente, muito antes da idade adulta. Já foram realizadas algumas tentativas nesse sentido, onde um programa que modificou o ambiente social e físico dos psicopatas resultou em melhorias visíveis no comportamento deles durante a adolescência. Essas mudanças continuaram mesmo após o término do programa. No entanto, à medida que esses indivíduos se tornaram adultos, essas melhorias começaram a diminuir. (SILVA, 2014) Com base nas informações e características apresentadas, é evidente que os traços dos psicopatas são essencialmente os mesmos em crianças e adultos. No entanto, crianças geralmente respondem de forma mais positiva a tratamentos, pois seus cérebros ainda estão em desenvolvimento e elas não possuem a mesma habilidade maliciosa para manipular terapeutas com o intuito de obter vantagens, como muitos adultos psicopatas têm. A criança tem uma capacidade maior de aprendizado e pode ser ensinada desde cedo técnicas que ajudem a satisfazer seus desejos e necessidades de maneira adequada à sociedade em que vivem. (SILVA, 2014) Por fim, o diagnóstico precoce da síndrome da psicopatia na infância seguido de um tratamento personalizado, adequado e especializado parece ser uma abordagem que pode mitigar as consequências das condutas antissociais e até ilegais dos psicopatas. Embora não apresente uma solução definitiva e completamente satisfatória, essa estratégia pode ajudar a controlar o comportamento antissocial dos psicopatas, até que seja descoberto um tratamento mais eficaz ou até mesmo definitivo. (ASSIS, 2019) 3. A relação entre a psicopatia e o direito penal brasileiro O estudo do direito penal em relação aos psicopatas envolve uma análise complexa e multidisciplinar, que busca equilibrar a punição justa pelos atos cometidos com a compreensão das particularidades psicológicas desses indivíduos. A psicopatia se manifesta através de traços de personalidade como ausência de empatia, manipulação e impulsividade, os quais podem exercer uma forte influência no comportamento do criminoso. Assim, a interação entre psicopatia e direito penal levanta questões fundamentais sobre a capacidade de discernimento moral e responsabilidade legal desses indivíduos. Enquanto o sistema legal busca proteger a sociedade e promover a justiça, é essencial considerar, em que medida, características psicopáticascomo a manipulação e a falta de remorso podem influenciar a avaliação da culpabilidade e a adequação das penas. O campo jurídico, portanto, enfrenta a necessidade de balancear a retribuição por atos criminosos com abordagens que visem à prevenção de novos delitos e à reabilitação, considerando a complexidade única que os psicopatas apresentam dentro do contexto penal. Nesse contexto, surgem desafios para o sistema jurídico ao determinar a responsabilidade penal e aplicar medidas corretivas ou preventivas adequadas aos psicopatas infratores. Nesse viés, o presente tópico tem por objetivo verificar as interseções entre a psicopatia e o direito penal. 3.1 O conceito de crime adotado pelo direito penal brasileiro O conceito analítico de crime consiste na conduta humana que é típica, antijurídica e culpável. A tipicidade decorre da existência de uma disposição legal expressa que veda determinada conduta. A antijuridicidade refere-se ao ato contrário à lei. Por fim, a culpabilidade engloba elementos subjetivos essenciais, como a imputabilidade, a clara consciência da ilicitude do ato e a exigibilidade de comportamento conforme as normas jurídicas. (OLIVEIRA, 2020) Assim, quando alguém pratica uma ação típica, antijurídica e culpável, comete um crime, pois o legislador já definiu o comportamento social em questão e estabeleceu uma pena específica para tal conduta. Portanto, diante de um crime, o agente condenado deve cumprir uma pena determinada previamente pelo sistema jurídico. Para que haja responsabilização penal, é necessário que o agente seja imputável. A imputabilidade é a norma geral, ao passo que a inimputabilidade representa a exceção. (PRADO, 2021) A imputabilidade penal é um pré-requisito para a culpabilidade, sendo essencial analisar se o indivíduo age com dolo ou culpa apenas após verificar sua imputabilidade, ou seja, se é mentalmente são e maior de 18 anos. A imputabilidade é fundamental para a aplicação da pena. E em linhas gerais, a imputabilidade representa a capacidade psíquica de ser culpável, isto é, a habilidade de compreender a ilicitude da conduta e agir de acordo com essa compreensão. (ZAFFARONI, 2020) O sistema jurídico em vigência atribui à pena a principal finalidade de prevenir delitos, punir infratores e reintegrar os condenados à sociedade. O artigo 59 do Código Penal estipula que o juiz deve determinar a pena de maneira a ser necessária e suficiente para reprovar e prevenir o crime. Na mesma linha de pensamento, reforçando o caráter educativo da pena, a Lei de Execução Penal – Lei 7210/1984 – em seu artigo 10º, estabelece que é responsabilidade do Estado assistir o preso e o internado, com o objetivo de prevenir a reincidência criminal e facilitar sua reintegração na sociedade. Além disso, o artigo 22 da mesma Lei regula que deve haver uma assistência com o propósito de oferecer suporte e preparar os indivíduos presos e internados para sua reintegração à liberdade. (BRASIL, 1984) No ordenamento jurídico brasileiro, as sanções penais se dividem em duas categorias principais: as penas e as medidas de segurança, que se distinguem, dentre outros aspectos, pelos fundamentos, finalidades e duração. Nessa perspectiva, o fundamento para a imposição da pena reside na culpabilidade do agente, enquanto o fundamento para a aplicação da medida de segurança está na periculosidade do indivíduo. (BITENCOURT, 2020) As penas são destinadas a criminosos condenados que sejam imputáveis ou semi-imputáveis, enquanto as medidas de segurança são aplicadas a indivíduos inimputáveis e, em casos excepcionais, aos semi-imputáveis. Em virtude do sistema jurídico unitário, o juiz deve optar por uma das sanções penais para cada caso específico, ou seja, pena ou medida de segurança. (COSTA, 2014) Quanto à sua finalidade, a pena visa reprovar condutas ilícitas e prevenir a ocorrência de novos crimes, enquanto a medida de segurança tem como objetivo o tratamento e a reabilitação do agente. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XLVII, proíbe a imposição de penas de morte, exceto em caso de guerra declarada, e veda penas perpétuas, trabalhos forçados, banimento ou qualquer outra forma de castigo que seja considerada cruel e desumana. (BRASIL, 1988) Conforme observado anteriormente, nota-se a utilização de duas terminologias distintas: "condenados" e "internados". O termo "condenados" refere-se aos indivíduos imputáveis sujeitos a uma pena após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Por outro lado, a "internação" aplica-se aos inimputáveis que cometem condutas definidas na legislação nacional como típicas e ilícitas. (COSTA, 2014) O artigo 26 do Código Penal Brasileiro isenta de pena o agente que, devido a doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era totalmente incapaz de entender a natureza ilícita do ato ou de agir de acordo com essa compreensão no momento da ação ou omissão. A redação do dispositivo indica que o legislador adotou o critério psicológico para determinar a inimputabilidade do agente. Assim, o indivíduo será considerado absolutamente inimputável se apresentar uma das condições mencionadas, sem que o código estabeleça uma lista específica de doenças mentais, deixando essa definição para especialistas em psiquiatria forense. (GREGO, 2021) É interessante observar que a legislação penal trata as medidas de segurança de maneira distinta em relação às normas penais que definem crimes, especialmente no que diz respeito ao tempo de duração. Nas normas que definem crimes, as penas têm um intervalo específico de cumprimento (por exemplo, o crime de estelionato, conforme o artigo 171 do Código Penal, estabelece pena mínima de 1 ano e máxima de 5 anos de reclusão). Por outro lado, as medidas de segurança têm um período mínimo de um a três anos (conforme o artigo 97, §1º do Código Penal). A legislação não estabelece um prazo máximo para a duração da medida de segurança. Assim, inicialmente, entendia-se que se a periculosidade não fosse considerada extinta, a medida poderia ser prolongada indefinidamente. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula n. 527, passou a determinar que: “a duração da medida de segurança não deve exceder o limite máximo da pena prevista para o crime cometido”. Em contraste, o Supremo Tribunal Federal interpretou que o prazo máximo para a medida de segurança é de 40 anos, conforme o art. 75 do Código Penal, e não se relaciona com a pena prevista para o crime em abstrato. (BRASIL, 2024) Segundo o Supremo, esse limite de 40 anos decorre da proibição constitucional de penas perpétuas, que se aplica também às medidas de segurança (art. 5º, XLVII, b, da CF). Portanto, após esse período, a medida de segurança deve ser considerada extinta. Caso a periculosidade persista, o Ministério Público deve promover uma ação civil para a interdição da pessoa perigosa, visto que o art. 1.769 do Código Civil e o art. 9º da Lei n. 10.216/2001 permitem a internação compulsória de indivíduos perigosos, mesmo fora do contexto de um crime. (SILVA e SOUZA, 2020) O parágrafo único do artigo 26 do Código Penal também aborda outra figura importante: os semi-imputáveis. Nesses casos, os agentes possuem capacidade ou entendimento reduzido. Isso significa que o indivíduo não é completamente incapaz de compreender o caráter ilícito do ato ou de agir de acordo com esse entendimento, mas também não alcança plena capacidade. Essa redução decorre de alguma perturbação da saúde mental ou de um desenvolvimento mental incompleto ou retardado. É importante ressaltar que perturbação da saúde mental não é sinônimo de doença mental. (GREGO, 2021) Por fim, o agente semi-imputável possui uma responsabilidade penal atenuada, sendo considerado relativamente imputável. A consequência dessa condição é a condenação do indivíduo pelo crime cometido, porém, com uma redução de um a dois terços da pena. (GREGO, 2021) 3.2 A determinação da culpabilidade sob a perspectiva do direito penal Segundo Fernando Capez (2014), o conceito de culpabilidadeno Direito Penal é meticulosamente explorado com uma visão que enfatiza a responsabilidade individual e a necessidade de um juízo de reprovação moral sobre a conduta do agente. Para ele, a culpabilidade não se resume à mera imputação de um resultado danoso a alguém, mas envolve a análise da capacidade do agente de entender a ilicitude de seus atos e de agir de acordo com esse entendimento. A culpabilidade é vista como um dos elementos essenciais para a configuração do crime, juntamente com a tipicidade e a antijuridicidade. Ela representa a reprovação social e jurídica da conduta do agente, baseada em critérios de consciência e livre arbítrio. Assim, para que alguém seja culpado penalmente, é necessário que tenha agido de forma consciente e voluntária, compreendendo as consequências jurídicas de seus atos. (CAPEZ, 2014) Além disso, a culpabilidade deve ser analisada levando em conta as circunstâncias individuais do agente, como sua capacidade mental, seu conhecimento prévio sobre a ilicitude do ato e suas condições pessoais. Essa abordagem visa assegurar que a responsabilização penal seja justa e proporcional ao grau de culpabilidade do agente. (CAPEZ, 2014) Portanto, a culpabilidade para Direito Penal não se restringe à identificação do responsável pelo fato, mas envolve uma profunda análise da consciência moral e da capacidade de autodeterminação do indivíduo diante de suas ações ilícitas. (NUCCI, 2023) A estrutura da culpabilidade é composta por elementos fundamentais: imputabilidade, que diz respeito à capacidade do agente de entender o caráter ilícito de sua conduta; potencial consciência sobre a ilicitude do fato, indicando a capacidade do agente de compreender a natureza criminosa de suas ações; e exigibilidade de conduta diversa, que se refere à possibilidade de o agente agir de forma diferente diante das circunstâncias. Dentre esses elementos, destaca-se a imputabilidade como foco principal deste estudo. (NUCCI, 2023) 3.2.1 Imputabilidade A imputabilidade refere-se à capacidade do agente de compreender o caráter ilícito de sua conduta e de se determinar de acordo com esse entendimento. Em outras palavras, um indivíduo imputável é aquele que pode ser responsabilizado juridicamente por suas ações porque possui discernimento suficiente para entender as consequências jurídicas e morais de seus atos. (MASSON, 2020) No entanto, quando se trata de psicopatas, a questão da imputabilidade pode se tornar complexa. Apesar de terem plena consciência das normas legais e da natureza ilícita de seus comportamentos, a psicopatia é caracterizada por uma falta de empatia e remorso, o que pode influenciar seu entendimento moral e ético. Isso levanta debates sobre até que ponto a psicopatia afeta a capacidade de um indivíduo de agir de acordo com as normas sociais e jurídicas. (MASSON, 2020) Conforme Jorge Trindade e outros estudiosos, a visão sobre psicopatas e sua imputabilidade no contexto legal é baseada na ideia de que esses indivíduos têm plena consciência das leis e entendem a natureza ilícita de seus atos. (TRINDADE, 2019) Isso sugere que, diferente de pessoas que cometem crimes por falta de entendimento ou discernimento, os psicopatas são considerados capazes de compreender as consequências legais de suas ações. Portanto, argumenta-se que eles devem ser responsabilizados judicialmente como qualquer outra pessoa plenamente imputável, embora a complexidade emocional e a falta de empatia que caracterizam a psicopatia possam influenciar suas motivações e comportamentos criminosos. (TRINDADE, 2019) Imaginar a psicopatia como uma doença mental clássica e incapacidade sob o aspecto cognitivo e volitivo, fazendo com que, sob o aspecto jurídico, o psicopata seja isento de pena, é o mesmo que privilegiar a sua conduta delitiva perpetrada ao longo da vida e validar seus atos (TRINDADE, 2010, p. 174) No Código Penal Brasileiro, a imputabilidade não é explicitamente definida como um conceito isolado, mas é tratada de forma indireta nos artigos que mencionou: 26, 27 e 28 § 1º. Esses artigos abordam aspectos relacionados à capacidade de uma pessoa se responsabilizar por seus atos criminosos (BRASIL, 1941) O artigo 26 do Código Penal estabelece as condições de exclusão da culpabilidade, mencionando que não há crime quando o agente, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Este dispositivo reconhece que a imputabilidade está ligada à capacidade de compreender a ilicitude do ato e de agir conforme essa compreensão. (BRASIL, 1941) O artigo 27, por sua vez, estabelece que o menor de 18 anos é penalmente inimputável, ressalvando a possibilidade de aplicação de medidas socioeducativas, o que significa. que menores de idade, por sua condição de desenvolvimento, não possuem plena capacidade para entender a gravidade de seus atos de acordo com a maturidade esperada. (SHECAIRA, 2023) O artigo 28, § 1º, complementa o entendimento acima ao tratar das hipóteses de semi-imputabilidade, em que o agente, em razão de perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Essa semi-imputabilidade denota que o agente possui uma capacidade reduzida de entendimento da ilicitude do ato, o que pode mitigar a culpabilidade penal. (SHECAIRA, 2023) Nesse viés, embora o Código Penal Brasileiro não defina explicitamente o conceito de imputabilidade, esses artigos fornecem diretrizes sobre como a lei avalia a capacidade de uma pessoa de ser responsabilizada por suas ações criminosas com base em sua capacidade mental e desenvolvimento. Essas disposições refletem a preocupação do sistema jurídico em equilibrar justiça penal com considerações de saúde mental e desenvolvimento humano. 3.2.2 Inimputabilidade A inimputabilidade pode ser analisada sob dois critérios principais: a inimputabilidade por doença mental e a inimputabilidade por imaturidade natural. No primeiro caso, um agente inimputável é aquele que, no momento do crime, enfrenta problemas mentais que comprometem sua capacidade de compreender a ilicitude do ato cometido. Esses problemas podem decorrer de condições de saúde mental diagnosticadas, como transtornos psiquiátricos graves. (JESUS, 2020) A doença mental é descrita como uma perturbação patológica da saúde mental, sem necessariamente determinar uma causa específica para essa condição. Essa definição destaca que o foco está na manifestação patológica da saúde mental, ou seja, na presença de sintomas ou comportamentos que indicam um desvio do funcionamento psicológico normal, independentemente de ser causado por fatores biológicos, psicológicos ou sociais (PRADO, 2014) Essas disposições legais buscam equilibrar a justiça penal com a proteção dos direitos individuais, garantindo que pessoas incapazes de entender a ilicitude de seus atos não sejam responsabilizadas penalmente da mesma forma que pessoas plenamente capazes. Dessa forma, para que a inimputabilidade seja reconhecida, é necessário que se instaure um incidente de insanidade mental para que seja avaliada a condição mental do acusado. O incidente de insanidade mental pode ser solicitado a qualquer momento no processo, sempre que houver indícios suficientes para justificar sua abertura. Assim, o incidente pode ser instaurado em qualquer fase da persecução penal, seja durante a fase de inquérito policial ou na ação penal. (WONSOSCKY, 2024) Porém, se a insanidade mental do acusado for confirmada durante o inquérito policial, o Ministério Público deverá apresentar a denúncia com um pedido de absolvição e imposição de medida de segurança. Segundo Nucci, isso se deve ao fato de que: (...) o insano tem direito ao devido processo legal, justamente pelo fato de a medida de segurança constituir uma espécie desanção penal, que restringe direitos. Assim, para que seja aplicada, é preciso demonstrar ter o agente praticado o injusto penal (fato típico e antijurídico), o que se dá após a produção das provas, com a assistência do advogado. (NUCCI, 2022) É importante destacar que o incidente de insanidade mental é determinado pelo juiz, seja de ofício ou a pedido de qualquer das partes legitimadas. A legitimidade para requerer o incidente é ampla e inclui a defesa, o Ministério Público, o curador, o cônjuge, ascendentes, descendentes ou irmãos do acusado, além da autoridade policial, caso hajam elementos que indiquem a necessidade de avaliação psiquiátrica do acusado. (NUCCI, 2023) A instauração do incidente é formalizada por uma portaria emitida pelo magistrado, que também nomeará um curador para o réu ou indiciado. Conforme a legislação processual penal, o juiz deve ordenar a suspensão da ação principal, permitindo apenas a prática de atos processuais que não possam ser prejudicados. (CAPEZ, 2023) O incidente de insanidade mental resulta na suspensão do processo, sendo essencial que a avaliação psiquiátrica seja realizada de forma célere. A duração do incidente é restrita ao tempo necessário para os exames e à apresentação do laudo pericial. Após receber o laudo, o magistrado decidirá sobre a condenação ou não do acusado, em se tratando de procedimento comum, considerando sua capacidade de entendimento e autodeterminação no momento do delito. (CAPEZ, 2023) 3.2.3 Semi-Imputabilidade O parágrafo único do artigo 26 do Código Penal Brasileiro trata da diminuição da pena para aqueles que, em virtude de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, eram, ao tempo da ação ou omissão, completamente incapazes de compreender a natureza ilícita do ato ou de agir conforme esse entendimento. Essa condição pode levar à aplicação de medidas de segurança em vez de penas, dependendo das circunstâncias do caso. Uma pessoa semi-imputável é aquela que, em razão de não ter tido pleno conhecimento do caráter ilícito do fato, tem sua pena reduzida. Isso, geralmente, se refere a pessoas que, embora possuam algum grau de entendimento sobre a ilicitude de seus atos, não possuem plena capacidade de compreensão devido ao desenvolvimento mental incompleto, retardado ou outras condições que afetam sua capacidade de discernimento. Essa redução de pena é uma medida de adequação da responsabilidade penal à capacidade de entendimento do agente. (BITTAR, 2019) De acordo com a doutrina de Nucci, os semi-imputáveis são indivíduos cuja capacidade de entender o caráter ilícito do ato que praticam ou de se determinar de acordo com esse entendimento é reduzida, mas não completamente ausente. Em outras palavras, são pessoas que, embora tenham algum comprometimento devido a transtornos mentais ou desenvolvimento incompleto da personalidade, ainda possuem algum grau de responsabilidade penal. (NUCCI, 2021) Badaró aborda a semi-imputabilidade no contexto do Direito Penal, considerando que esses indivíduos devem ser responsabilizados de forma proporcional ao grau de sua capacidade de entender o ato praticado. Isso implica em uma avaliação diferenciada durante o processo judicial, levando em conta as circunstâncias específicas do caso e a condição mental do acusado. (BADARÓ, 2021) Por fim, Paulo Giordano afirma que, no sistema jurídico brasileiro, a semi-imputabilidade pode levar à imposição de medidas de segurança ou penas reduzidas, dependendo da gravidade do crime e da avaliação do grau de responsabilidade do indivíduo. Essa abordagem visa conciliar a proteção da sociedade com a necessidade de tratamento e ressocialização do indivíduo semi-imputável. (GIORDANO, 2024) 4. Termos utilizados na pesquisa Usando o termo “transtorno de personalidade antissocial” foram encontrados 64 acórdãos, julgados entre 14 de agosto de 2008 e 25 de setembro de 2024 pelas Turmas Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Deste número, 27 acórdãos não foram considerados neste trabalho por se tratarem de acórdãos em segredo de justiça e sem o documento de inteiro teor para a análise. Portanto, restaram 37 acórdãos sobre este termo. Com o termo “transtorno de personalidade dissocial” foram encontrados 19 acórdãos, julgados entre 25 de novembro de 2004 e 18 de abril de 2024. Dentre estes acórdãos, 4 acórdãos foram desconsiderados por estarem em segredo de justiça e não possuírem o documento de inteiro teor para análise. Posto isso, 15 acórdãos foram analisados. Ao pesquisar o termo “psicopata”, alcançamos o número de 117 acórdãos encontrados, julgados entre 25 de março de 1992 e 15 de agosto de 2024. Tendo 32 acórdãos em segredo de justiça e sem documento do inteiro teor, 2 acórdãos que estavam com o documento indisponível, coincidentemente os mais antigos, do ano de 1992 e de 1993, não havendo elementos suficientes nas respectivas ementas para analisar o seu conteúdo e não ser possível identificar em qual sentido a palavra “psicopata” foi utilizada na decisão, sendo excluídos do banco de dados. Por fim, restaram 85 acórdãos a serem analisados. Também foi usado o termo “psicopatia”, encontrando 74 acórdãos, julgados entre 30 de junho de 1999 e 27 de junho de 2024. Desses, 22 acórdãos estavam em segredo de justiça e não possuíam o documento de inteiro teor disponível. Por fim, restaram 52 acórdãos. 4.1 Habeas Corpus O tema central dos dois Habeas Corpus era a análise da viabilidade de concessão de liberdade provisória e da decretação de prisão preventiva, com base na necessidade de garantir a ordem pública. No acórdão nº 211.255 (BRASIL, 2004), foi apresentado um laudo psiquiátrico que diagnosticava o réu com Transtorno de Personalidade Dissocial. Já no acórdão nº 1.228.418 (BRASIL, 2020), uma avaliação médica indicava que o réu possuía um perfil psicopata, recomendando sua submissão a uma avaliação psiquiátrica para um diagnóstico mais preciso. No primeiro acórdão, a Primeira Turma Criminal, por decisão unânime, concluiu que, com base no crime de roubo cometido pelo réu, não era possível determinar, por si só, sua periculosidade para justificar a prisão preventiva. No entanto, outros fatores, como a existência de outro processo em andamento por crime semelhante, antecedentes criminais e um laudo psiquiátrico que diagnosticava o réu com Transtorno de Personalidade Dissocial — indicando preservação de sua capacidade de discernimento, mas redução de sua capacidade de autodeterminação — foram considerados indicativos de sua periculosidade. Diante disso, a Turma entendeu que a concessão de liberdade provisória era inviável, justificando a prisão preventiva para garantir a ordem pública. No segundo acórdão, a Terceira Turma Criminal, por maioria, decidiu pela manutenção da prisão preventiva, considerando a gravidade do delito — homicídio qualificado — e o laudo pericial que indicava que o réu apresentava distúrbios mentais, reforçando a necessidade da medida cautelar. Embora o réu fosse primário, com bons antecedentes e residência fixa, tais circunstâncias não afastariam a necessidade da prisão preventiva, desde que preenchidos os requisitos legais. O voto vencido, do desembargador Demétrius Gomes Cavalcanti, defendeu a revogação da prisão preventiva, argumentando que, sendo o réu primário, não havia nos autos indícios de probabilidade de reiteração criminosa. Além disso, segundo o desembargador, o diagnóstico médico que apontava um perfil psicopata não seria suficiente, por si só, para justificar a prisão com o objetivo de garantir a ordem pública. 4.2 Agravo em execução Os assuntos discutidos nos 2 agravos em execução foram referentes a manutenção da medida de segurança aplicada Em relação à medida de segurança, o acórdão nº 940.166 abordou o indeferimento do pedido de desinternação condicional do recorrente. A defesa argumentou que, uma vez que a doença mental que fundamentava a medida poderia ser controlada por medicamentos, seria possível conceder a desinternação. No entanto, a Segunda Turma Criminal firmou o entendimentode que a medida de segurança só pode ser revogada após a constatação da cessação da periculosidade, a ser verificada por perícia médica. No caso em questão, embora a esquizofrenia do recorrente fosse controlável por medicamentos, conforme apontado no laudo psiquiátrico, ele também apresenta transtorno de personalidade antissocial, para o qual, segundo o mesmo laudo, não existem medicamentos capazes de produzir mudanças significativas. Esse fator justifica a manutenção da internação, uma vez que a periculosidade do recorrente não foi eliminada, e ele ainda não reúne condições para reintegração à sociedade. Vale destacar que, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o magistrado não está vinculado ao laudo pericial. Todavia, no presente caso, não haveria razão para desconsiderá-lo, pois o resultado é consistente com o histórico de comportamentos do agravante. Dessa forma, a desinternação seria precipitada, e a decisão do juízo de execução não deve ser modificada. (BRASIL, 2016) No acórdão nº 1848792 o assunto discutido na Primeira Turma Criminal era o indeferimento do pedido de encerramento da medida de segurança de um agravante, que está internado desde 15 de dezembro de 2011. A defesa argumenta que ele já cumpriu um tempo superior ao triplo do período mínimo estabelecido e que, conforme relatórios multiprofissionais, sua desinternação em regime ambulatorial seria benéfica para o tratamento. Os documentos afirmam que não há registros de comportamentos que justifiquem a continuidade da internação e sugerem a possibilidade de desinternação condicional. Entretanto, a Primeira Turma Criminal, por votação unânime, fundamentou sua decisão na avaliação pericial, que concluiu que a periculosidade do agravante é moderada a alta. O perito destacou que, embora ele reúna condições psiquiátricas para tratamento ambulatorial, a desinternação condicional não é recomendada, principalmente devido à incerteza quanto à sua conduta futura e à falta de crítica em relação ao seu transtorno e aos crimes cometidos. Assim, a medida de segurança foi mantida, priorizando a proteção da sociedade até que se comprove a cessação da periculosidade. (BRASIL, 2024) 4.3 Possibilidade de reconhecer a inimputabilidade ou a semi-imputabilidade? Neste estudo, foram analisados cinco acórdãos judiciais que abordam a questão da imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade dos réus, conforme previsto no Código Penal Brasileiro. O foco principal é entender como o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) tem julgado casos envolvendo transtornos mentais, como o transtorno de personalidade antissocial, e como suas decisões refletem a interpretação do tribunal em relação à responsabilidade penal de indivíduos diagnosticados com psicopatia. A análise dos acórdãos revela uma tendência clara nas decisões do TJDFT, evidenciando um rigor na aplicação dos laudos psiquiátricos e na avaliação das capacidades de entendimento e autodeterminação dos réus. O estudo examina como o tribunal equilibra a ciência psiquiátrica com a justiça penal, determinando se os réus são plenamente responsáveis por seus atos ou se suas condições mentais atenuam ou anulam essa responsabilidade. No primeiro processo, o tribunal reconheceu a plena imputabilidade do réu, mesmo com o diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial e dependência química, pois foi constatado que ele tinha plena consciência de seus atos. O segundo caso, em contrapartida, resultou em uma decisão de inimputabilidade, uma vez que o laudo psiquiátrico indicou que o réu sofria de psicose aguda induzida por drogas, o que comprometia sua capacidade de entendimento. Nos terceiro e quarto processos, embora os réus apresentassem transtornos de personalidade e preferências sexuais, o tribunal manteve a imputabilidade, validando os laudos que apontavam a preservação das capacidades de entendimento e controle das ações. Já no quinto processo, o réu foi considerado semi-imputável, tendo sua pena privativa de liberdade convertida em medida de segurança de internação devido ao risco de reincidência e à persistente periculosidade avaliada pelos laudos psiquiátricos. 4.4.1 Primeiro processo A Primeira Turma Criminal, no acórdão nº 1897846, Fausto Thiago Alves Leandro foi condenado por homicídio qualificado por motivo fútil, conforme o art. 121, §2°, inciso II, do Código Penal. O crime ocorreu em 28 de junho de 2019, quando ele esfaqueou a vítima, Márcio César M. L., após uma discussão por uma dívida de R$ 30,00 referente à venda de um par de tênis. O Tribunal do Júri condenou Fausto a 12 anos de reclusão em regime fechado, reconhecendo a qualificadora de motivo fútil. Durante o julgamento, foi realizada uma perícia psiquiátrica que concluiu que, embora portador de transtorno de personalidade antissocial e dependente de drogas, ele possuía capacidade de entendimento e autodeterminação no momento do crime. A defesa alegou que a decisão dos jurados foi contrária às provas, sustentando que o réu seria inimputável ou semi-imputável devido aos seus transtornos mentais e ao uso de drogas. Também argumentou que o crime não deveria ser considerado qualificado por motivo fútil, já que Fausto estaria em um estado de surto psicótico e não agiu por uma motivação racional. No entanto, o tribunal rejeitou as alegações da defesa, apoiando-se no laudo psiquiátrico que confirmou a plena capacidade mental do réu ao cometer o crime. A qualificadora de motivo fútil foi mantida, uma vez que a motivação para o homicídio foi a cobrança de uma dívida insignificante, demonstrando desproporção entre o motivo e a ação. A pena de 12 anos de reclusão em regime fechado foi confirmada, sem alterações, e o recurso da defesa foi negado por unanimidade. (BRASIL, 2024) 4.4.2 Segundo processo A Segunda Turma Criminal, no acórdão nº 1852917, O apelante foi denunciado por ameaça em contexto de violência doméstica, de acordo com o art. 147 do Código Penal e a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). Ele enviou mensagens ameaçadoras à sua ex-esposa, Jorgiana Antonietta Nunes Souza, via WhatsApp, afirmando que usaria uma arma para impedir que os parentes dela entrassem em sua casa. Além disso, ameaçou o filho do casal, dizendo que o faria sentir a dor que ele sentiu. Na decisão de primeira instância, o réu foi condenado a 1 mês e 5 dias de detenção em regime aberto, com a pena suspensa por 2 anos. Ele foi acusado de duas ameaças: uma contra a ex-esposa e outra contra o filho. A defesa recorreu, alegando atipicidade da conduta e pedindo a absolvição por inimputabilidade. A defesa sustentou que o réu agiu em legítima defesa e que as mensagens enviadas não configuravam uma ameaça real. Além disso, argumentou que o réu deveria ser absolvido com base em inimputabilidade, alegando que ele não possuía capacidade de entender o caráter ilícito de seus atos, devido a uma psicose aguda induzida por drogas. O tribunal acolheu o recurso da defesa, baseando-se em um laudo psiquiátrico realizado em outro processo, que concluiu que o réu apresentava incapacidade de entendimento e autodeterminação no momento dos fatos, devido a uma psicose aguda causada pelo uso de drogas. Diante disso, a corte reconheceu a inimputabilidade do réu e aplicou a medida de segurança de internação por 1 ano para tratamento psiquiátrico, conforme o art. 97 do Código Penal. As medidas protetivas de urgência em favor da vítima foram mantidas por mais 1 ano. A decisão foi unânime, e o recurso da defesa foi provido. (BRASIL, 2024) 4.4.3 Terceiro processo A Terceira Turma Criminal, no acórdão nº 1687779, os embargos de declaração foram apresentados pela defesa de J.A.R. Após a decisão do tribunal que rejeitou o recurso de apelação e manteve o laudo psiquiátrico que atestava a capacidade de entendimento e autodeterminação do réu, permitindo o prosseguimento da ação penal. A defesa alegou omissão e contradição no acórdão anterior, especialmente em relação à formalidade da instauração do incidente de insanidade mental em autos apartados,