Prévia do material em texto
Conhecimentos da Psicopatologia Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dra. Carmen Lúcia Tozzi Mendonça Conti Revisão Textual: Prof.ª M .ª Marcia Ota Processos Clínicos e Alterações Psicopatológicas Processos Clínicos e Alterações Psicopatológicas • Observar os procedimentos clínicos psicopatológicos em suas nuances; • Compreender a importância da prática clínica psicopatológica bem como as reflexões que a estruturam; • Conhecer a enorme gama de alterações psicopatológicas em suas especificidades e complexidades. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução; • A Clínica; • O Diagnóstico; • A Avaliação; • As Alterações. UNIDADE Processos Clínicos e Alterações Psicopatológicas Introdução Na primeira unidade deste curso, foram compartilhadas reflexões a respeito dos fun- damentos da psicopatologia. O intuito desse percurso era o de apresentar alguns dos mais importantes elementos que estruturam a psicopatologia como campo do conheci- mento e prática científica/clínica. Agora, na segunda unidade, o trabalho é o de adentrar pelos meandros da prática clí- nica e dos transtornos psicológicos, duas das categorias essenciais para o entendimento da psicopatologia. Objetivando entender melhor a prática clínica, apresentaremos algumas de suas ca- racterísticas principais, bem como sua dinâmica de funcionamento. Já no caso dos transtornos psicológicos, a unidade contém algumas definições forjadas no interior dos estudos contemporâneos. Consequentemente, a partir da diversidade, sutilezas e transformações, será possível perceber como essas definições conjugam intimamente a prática clínica e sua volatilidade com os estudos e reflexões científicas. A Clínica Para Berlinck (2009), a psicopatologia se refere e se sustenta fundamentalmente a partir do método clínico, que é constituído pela relação entre o médico e o paciente, na situação clínica e tem como objetivo principal o tratamento do sofrimento psíquico. Esse autor ressalta que a prática clínica é social, ou seja, está vinculada às questões sócio- -históricas inseridas no todo, no bojo da sociedade. Nessa perspectiva, é possível entrever que o sofrimento psíquico carrega consigo fortes marcas de seu tempo, e, portanto, os tratamentos também devem se relacionar com essas transformações. Barlow e Durand (2015) destacam que, no campo da psicopatologia, atuam diversos profissionais altamente capacitados, como: psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas etc. Se a clínica é o elemento fundamental, contudo não se pode admitir que sua prática é exclusiva de sua empiria. A psicopatologia se organiza numa conexão profunda entre a prática clínica e os estudos científicos que se alimentam dessa prática ao mesmo tempo que a embasam, ou seja, há uma relação de reciprocidade entre prática e pesquisa. Barlow e Durand (2015) ressaltam, por exemplo, a existência do pesquisador clínico, que pode atuar de três maneiras: Primeiro, eles podem acompanhar os mais recentes avanços científicos em sua área e, portanto, utilizar os mais atuais procedimentos de trata- mento e de diagnóstico. Nesse sentido, são consumidores da ciência da psicopatologia para benefício de seus pacientes. Segundo pesquisadores 8 9 clínicos analisam seus próprios procedimentos de avaliação ou de trata- mento para verificar se funcionam. Esses profissionais respondem não apenas por seus pacientes, mas também pelas agências governamen- tais e seguradoras que pagam pelos tratamentos e, por essa razão, eles devem demonstrar claramente que seus tratamentos funcionam. Terceiro, pesquisadores clínicos podem conduzir pesquisas, geralmente em clínicas ou hospitais, que produzam novas informações sobre transtornos ou sobre seu tratamento, tornando-se, assim, imunes aos modismos que impregnam nosso campo de trabalho, em geral, à custa de pacientes e de suas famílias. (BARLOW; DURAND, 2015, p. 6) O Diagnóstico Uma das questões mais importantes e sensíveis do tratamento clínico é o diagnóstico. Dalgalarrondo (2008) afirma que o diagnóstico se estabelece numa relação dialética entre duas instâncias, a particular e a geral. A particular refere-se aquilo que é próprio do pa- ciente, aquilo que o singulariza, em suma, aquilo que é específico daquela pessoa. O geral refere-se à “categoria diagnóstica a qual essa pessoa pertence”. No caso da psicopatologia, apesar dos diagnósticos seguirem os padrões médicos gerais, há algumas especificidades que merecem ser apresentadas, como destacadas por Dalgalarrondo (2008, p. 41 e 42): O diagnóstico de um transtorno psiquiátrico é quase sempre baseado preponderantemente nos dados clínicos. O diagnóstico psicopatológico, com exceção dos quadros psico-orgânicos (delirium, demências, síndromes focais etc.), não é, de modo geral, ba- seado em possíveis mecanismos etiológicos supostos pelo entrevistador. Baseia-se principalmente no perfil de sinais e sintomas apresentados pelo paciente na história da doença e no momento da entrevista. De modo geral, não existem sinais ou sintomas psicopatológicos total- mente específicos de determinado transtorno mental. O diagnóstico psicopatológico é, em inúmeros casos, apenas possível com a observação do curso da doença. Como salientou o psiquiatra brasileiro José Leme Lopes, em 1954, o diagnóstico psiquiátrico deve ser sempre pluridimensional. Confiabilidade e validade do diagnóstico em psiquiatria. A confiabilidade (reliability) de um procedimento diagnóstico (técnica de entrevista padro- nizada, escala, teste, diferentes entrevistadores etc.) diz respeito à capa- cidade desse procedimento produzir, em relação a um mesmo indivíduo ou para pacientes de um mesmo grupo diagnóstico, em circunstâncias diversas, o mesmo diagnóstico. Validade (validity) diz respeito à capa- cidade de um procedimento diagnóstico conseguir captar, identificar ou medir aquilo que realmente se propõe a reconhecer. 9 UNIDADE Processos Clínicos e Alterações Psicopatológicas Figura 1 – Van Heemskerck, Jacoba Landschap, 1915 Fonte: Wikimedia Commons A Avaliação A avaliação psicopatológica é realizada fundamentalmente a partir da entrevista. Para Dalgalarrondo (2008), a entrevista não é uma mera conversa, um encontro repleto de banalidades; ao contrário, a entrevista juntamente com a observação do paciente é a principal fonte de conhecimento da psicopatologia. Nesse contato com o paciente, o profissional de saúde mental consegue, a partir de um embasamento técnico e inventivo, obter as informações clínicas e as dinâmicas afetivas do paciente. Desse modo, a entrevista se torna um elemento preponderante para o diagnóstico e o planejamento terapêutico, configurando-se, portanto, como um dos eixos de trabalho da saúde mental. Para Dalgalarrondo (2008), a entrevista depende fundamentalmente de quatro ele- mentos: do paciente e sua capacidade cognitiva, seu estado mental e emocional momen- tâneo, suas características pessoais etc.; do contexto institucional, ou seja, em qual am- biente esta entrevista é realizada; do objetivo da entrevista, que pode ser um diagnóstico clínico, uma entrevista para psicoterapia, uma orientação familiar, farmacológica etc.; e a própria personalidade do entrevistador. Pensando do ponto de vista do entrevistador, isto é, do profissional de saúde mental, esse autor chama a atenção para alguns comportamentos, atitudes e ações que devem ser evitados: posturas rígidas e estereotipadas; atitudes excessivamente neutras ou frias; reações exageradamente emotivas ou artificialmente calorosas; comentários valorativos e julgamentos; reações intensas de pena ou compaixão; respostas hostis ou agressivas; uso de prolixidade na entrevista; e muitas anotações no decorrer da entrevista. 10 11 Tendo em vista esses princípios, a entrevista psicopatológica se estrutura a partir de dois elementos fundamentais de avaliação: 1. A anamnese, ou seja, o histórico dos sinais e dos sintomas que o paciente apresenta ao longo de suavida, seus antecedentes pessoais e familiares, assim como de sua família e meio social. 2. O exame psíquico, também chamado exame do estado mental atual. (DALGALARRONDO, 2008, p. 61) Nesse processo, segundo Dalgalarrondo (2008), quatro técnicas clínicas se desta- cam como fundamentais: avaliação física, avaliação neurológica, psicodiagnóstico e exames complementares. A avaliação física dos pacientes com transtornos psiquiátricos se assemelha com a ava- liação de pacientes sem patologias mentais, contudo é importante ressaltar algumas ca- racterísticas particulares desses pacientes e de suas respectivas entrevistas e tratamentos. De modo geral, os pacientes com transtornos mentais apresentam mais morbidades físicas que a média da população. Apesar disso, há muita negligência ou ausência de ava- liação física nesses pacientes, gerando, assim, um quadro geral de diagnósticos precipitados. Além da necessidade de precisão de diagnóstico, a avaliação física adequada é funda- mental para estabelecer laços afetivos com o paciente, desenvolvendo, desse modo, uma relação de confiança, sobretudo nos casos de pacientes inseguros, regredidos e mesmo os psicóticos. Assim como no caso da avaliação física, a avaliação neurológica do paciente com transtornos mentais é parecida com os demais pacientes, mas também é necessário esta- belecer alguns pontos específicos a fim de compreender melhor os métodos avaliativos. A avaliação neurológica fundamenta-se em três linhas principais: • Uma anamnese bem recolhida que trace um quadro geral e qualificado do paciente; • Um exame neurológico objetivo capaz de identificar possíveis lesões ou disfunções do sistema nervoso centra e\ou periférico; • A avaliação de sinais e reflexos neurológicos como o reflexo de preensão, o reflexo de sucção, o reflexo orbicular dos lábios e o reflexo palmomentual. Outro elemento de auxílio para a avaliação psicopatológica é o chamado “psicodiag- nóstico” desenvolvido pela psicologia clínica. Nesse campo, destaca-se o uso de testes projetivos, os testes personalidade e os rastreamentos para possíveis alterações cerebrais. Por fim, também se fazem necessários os exames complementares laboratoriais, neuro- fisiológicos e de neuroimagem. Tais exames contribuem para as avaliações de disfunções e patologias neurológicas e sistémicas; avaliações de patologias clínicas; bem como no diag- nóstico de quadros confusionais agudos, transtornos do sono e classificação de epilepsias. 11 UNIDADE Processos Clínicos e Alterações Psicopatológicas Figura 2 – SCHJERFBECK, Helene. Maria, 1906 Fonte: Wikimedia Commons As Alterações Antes de trabalhar propriamente com os transtornos e as alterações psíquicas, é importante ressaltar, assim como esclarece Dalgalarrondo (2008), que o corpo humano não é uma composição de elementos isolados entre si, antes trata-se de um organismo que estabelece relações entre estes elementos, constituindo, assim, um todo integrado. Nesse sentido, “não existem funções psíquicas isoladas e alterações psicopatológicas compartimentalizadas desta ou daquela função. É sempre a pessoa na sua totalidade que adoece.” (DALGALARRONDO, 2008, p.85). No entanto, as classificações e categori- zações dos transtornos e alterações psíquicas, apesar de seus limites, constituem uma importante ferramenta para o diagnóstico e o tratamento dos pacientes. Outro aspecto importante a ser ressaltado nesse contexto é que as reflexões desta unidade se pautam pela divisão que Dalgalarrondo (2008) propõe, considerando-se as alterações psíquicas e as síndromes. A seguir, apresentaremos algumas dessas alterações a partir das definições desse autor e, na próxima unidade, compartilharemos as síndromes, levando em conta que suas defi- nições e tratamentos estão em constantes reavaliações e ressignificações. As alterações da consciência são inúmeras e, aqui, destacaremos algumas, bem como suas características fundamentais. A consciência pode se alterar a partir de pro- cessos fisiológicos, tidos como normais, ou de processos patológicos que se dividem a partir de alterações patológicas quantitativas e qualitativas da consciência. As alterações patológicas qualitativas da consciência são entendidas como rebaixa- mentos do nível da consciência. Os diversos graus desse rebaixamento são: 12 13 • O bnubilação ou Turvação da Consciência: Configura-se como um rebaixamento leve ou moderado, no qual, em geral, há uma diminuição no grau de clareza senso- rial, dificuldades de concentração e lentidão de compreensão; • Sopor: Caracteriza-se como um estado de turvação da consciência cujo paciente encontra-se sonolento com incapacidade de desenvolver reações espontâneas; • Coma: Trata-se do estado mais profundo de rebaixamento do nível da consciência em que o paciente não realiza nenhuma atividade voluntária consciente. Há algumas síndromes psicopatológicas associadas ao rebaixamento do nível de consciência que devem ser destacadas. O delirium, termo contemporâneo mais usado para designar as síndromes confusionais agudas, se estabelece a partir de quadros com rebaixamentos leves e moderados dos níveis da consciência, como desorientações espa- ciais e temporais, dificuldade de concentração, perplexidade, ansiedade em vários graus, alucinações, entre outros. Outra síndrome importante é o estado onírico caracterizado por dois processos simultâneos: turvação da consciência e a entrada do indivíduo em um estado que se assemelha a um sonho muito vívido, no qual, em geral, há uma atividade alucinatória de caráter cênico e fantástico que produz uma série de imagens complexas. Agora, vamos trabalhar com as alterações qualitativas da consciência; contudo, antes, é preciso fazer uma ressalva, em virtude de dissonâncias na semiologia psiquiátrica e na psicopatologia: os neurologistas tendem a classificar tais alterações como distúrbios fo- cais ou do conteúdo da consciência, enquanto os psiquiatras classificam como alterações qualitativas da consciência. Partindo dessa premissa, vamos a algumas dessas alterações qualitativas: • Estado crepuscular: Surge e desaparece de forma abrupta e tem duração variável, caracteriza-se por um estado transitório de estreitamento da consciência no qual podem ocorrer atos explosivos violentos, quadros de descontrole emocional e am- nesia lacunar dos episódios ocorridos; • O Estado segundo: Assemelha-se ao estado crepuscular e se estabelece a partir da realização de uma atividade psicomotora coordenada que permanece estranha ao su- jeito que a realizou. Os atos realizados, em geral, estão em dissociação com as normas sociais vigentes, mas não são classificados com graves, como os do estado crepuscular; • A dissociação da consciência: É a fragmentação ou a divisão do campo da consci- ência que gera a dissolução da unidade psíquica do sujeito. Acontece, com frequência, em quadros histéricos que são desencadeados por acontecimentos psicológicos sig- nificativos, tendo a ansiedade como uma das consequências mais frequentes. Além disso, pode ocorrer por derivação de problemas ou traumas físicos e, em virtude, de quadros de ansiedade intensa; O transe: Parecido com o estado de sonhar acordado, com os agravantes de realizar atividades motoras automáticas e estereotipadas e a suspensão parcial dos movimentos voluntários. É importante ressaltar que o transe religioso é uma prática culturalmente relevante e sancionada em seu contexto e não deve ser confundido com o transe histé- rico que é movido, em geral, por alterações psicopatológicas e conflitos interpessoais. 13 UNIDADE Processos Clínicos e Alterações Psicopatológicas As alterações da atenção são variadas, sendo a hipoprosexia a que classifica as alterações mais comuns e menos específicas, com perdas de graus variados da atenção, a aprosexia a que classifica a perda total da atenção e a hiperprosexia que consiste na atenção exacerbada. Os transtornos que causam mais alterações da atenção são: • Os transtornos de humor: Constituem-sea partir de dificuldades de concentração e atenção constantes. Nos quadros maníacos, há diminuição da atenção voluntária e aumento da atenção espontânea, fazendo com que os indivíduos transitem de um estímulo para outro com rapidez. Nos quadros depressivos, acontece, na maioria das vezes, uma diminuição geral da atenção e, em alguns casos mais graves, ocorre a fixação da atenção em temáticas depressivas, levando o indivíduo a ter dificuldade em mudar seu foco atencioso; • O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC): Caracteriza-se pela atenção exces- siva e desregulada que afeta a seleção de respostas do paciente, bem como sua memória e o controle executivo; • Na esquizofrenia, o déficit de atenção é um elemento fundamental. Em geral, os pa- cientes esquizofrênicos têm dificuldade de filtrar informações sensoriais irrelevantes enquanto realizam uma atividade; sendo assim, são altos os graus de distração com estímulos sonoros e visuais, por exemplo; • O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH): Configura-se pela grande dificuldade de manter-se atento a estímulos internos e externos. Geralmen- te, os pacientes são crianças e adolescentes e têm a realização e a organização de tarefas comprometidas, assim como a resistência ao controle de seus próprios impulsos e comportamentos. Outra alteração psíquica importante é a alteração da orientação, que ocorre por meio de uma desorientação temporoespacial quando três áreas encefálicas são com- prometidas: nas lesões corticais difusas; nas lesões mesotemporais e em patologias que afetam o tronco cerebral e o sistema reticular ativador ascendente. Esse processo desorientador ocorre num primeiro momento em relação ao tempo, posteriormente após o agravo do transtorno, em relação ao espaço até que o indivíduo se desoriente em relação a si mesmo. Os tipos mais comuns são: • Desorientação por redução do nível de consciência; • Desorientação por déficit de memória imediata e recente; • Desorientação apática ou abúlica; desorientação delirante; • Desorientação por déficit intelectual; • Desorientação por dissociação; • Desorientação por desagregação; • Desorientação quanto à própria idade. As alterações da sensopercepção podem ser de ordem quantitativa ou qualitativa. 14 15 As alterações quantitativas da sensopercepção são: • Hiperestesia: Quando as percepções se dão de maneira anormalmente aumentada em sua duração ou intensidade, como por exemplo: ruídos que parecem estrondos, imagens muito vivas e intensas, sensação de desagrado tátil a partir de um estímulo leve; • Hipoestesia: Diminui as percepções e sensação, fazendo com que alguns pacientes depressivos, por exemplo, percebam o mundo como mais escuro, outros podem ter o paladar e o olfato afetados, e mesmo problemas táteis complexos; • Anestesia Tátil: Consiste na perda da sensação tátil em determinada região da pele; • Por fim, temos as parestesias e as disestesias que são associadas de modo geral a doenças neurológicas que comprometem o tato, muitas vezes de forma dolorosa. As alterações qualitativas da sensopercepção são: • A Ilusão: Consiste na percepção alterada, deformada, de um objeto real/presente e ocorre de maneira mais comum em três condições: rebaixamento do nível de cons- ciência, estados de fadiga grave ou de inatenção marcante e alguns estados afetivos ; • A alucinação: É definida como a percepção de um objeto sem que este esteja pre- sente, ou seja, sem o estímulo sensorial referente, podendo ser: auditiva, musicai, visual, tátil, olfativa e gustativa, cenestésica e cinestésica, funcional, combinada, extracampina, autoscópica, hipnagógica e hipnopômpica, estranheza do mundo percebido e alucinose ; • A pseudoalucinação, se assemelha com o processo alucinatório, contudo as imagens não se articulam de modo vívido típico de uma imagem real, sendo mais próxima das características de uma imagem representativa. Assim como outras, as alterações da memória são nomeadas em: quantitativas ou qualitativas. As qualitativas podem ser hipermnénsias que se caracterizam pela aceleração do ritmo psíquico, ou amnésias que se configuram como a perda da memória. As amnésias são de ordem psicogênica que ocorre quando acontece a perda de elementos mnêmicos focais de característica psicológica, ou orgânica que, de modo geral, é menos seletiva que a outra. As quantitativas também chamadas de paramnésias são classificadas em dois tipos fundamentais: • Ilusões mnêmicas nas quais há um acréscimo de algum elemento negativo a um núcleo verdadeiro da memória; • Alucinações mnêmicas que são representações ou criações imaginativas que parecem elementos da memória, mas não encontram lastro mnemônico. Além dessas duas categorias de alterações da memória, há também as alterações do reconhecimento que podem ser basicamente de origem cerebral ou vinculadas a trans- tornos mentais. As de origem cerebral são capazes de afetar, por exemplo, o reconheci- mento tátil, auditivo, visual, facial etc. Já nas alterações do reconhecimento associadas a transtornos psiquiátricos, com possibilidade de haver desconhecimento de familiares, desconhecimento da própria identidade, falsos reconhecimentos etc. 15 UNIDADE Processos Clínicos e Alterações Psicopatológicas As alterações da afetividade são inúmeras, muito diversas e cada vez mais presentes no mundo contemporâneo. As alterações de humor são muito frequentes, podem ser de ordem maníaca ou depressiva, sendo classificadas como: distimia (alteração básica do humor) e disforia (distimia acompanhada de algum elemento afetivo incômodo). A ansiedade, a angústia e o medo são três das alterações de afetividade mais significativas. A ansiedade é definida como um estado de humor desconfortável, em que as previsões do futuro ocorrem de maneira negativa e existe um forte incômodo quanto à dinâmica in- terna do próprio indivíduo. A angústia se configura a partir de dores no peito, sensações de sufocamento, compressão etc. E o medo, diferentemente da angústia e da ansiedade, define-se pela referência a um objeto específico, preciso. De acordo com a psicanálise, há algumas classificações dessas alterações: angústia de castração, angústia de morte ou aniquilamento, ansiedade depressiva, ansiedade per- secutória ou paranoide e angústia de separação. Já a escola existencial, tem a angústia existencial como objeto de definição e as escolas comportamentalistas e cognitivistas classificam a ansiedade de desempenho e ansiedade antecipatória. Outras alterações afetivas importantes são as emocionais e as sentimentais. Algumas delas são: apatia, hipomodulação do afeto, inadequação do afeto, pobreza de sentimen- tos e distanciamento afetivo, embotamento afetivo e devastação afetiva, sentimento de falta de sentimento, anedonia, indiferença afetiva, labilidade afetiva e incontinência afe- tiva, neotimia, fobias, pânico etc. As alterações da vontade se constituem de maneira vasta e variada. A Hipobulia/ abulia se configura como a inibição ou abolição da atividade volitiva, fazendo com que o indivíduo não tenha ímpeto, vontade de realizar suas atividades, com fortes traços de desâ- nimo etc. Os distúrbios da vontade se distinguem entre o ato impulsivo e o ato compulsivo. Os atos impulsivos são considerados como uma espécie de curto-circuito do ato voluntário e apresentam, em geral, as seguintes características: • Manifestam-se com ausência de fase prévia de intenção, deliberação e decisão; • Ocorrem de modo mais comum de maneira egossintônica; • São associados, de modo geral, a impulsos patológicos inconscientes ou à incapa- cidade de tolerância à frustração. Os atos compulsivos se diferem dos impulsivos por gerarem descontentamento em quem os realiza. Os indivíduos que produzem atos compulsivos tendem a classificá-los como inadequados, indevidos e tentam ações para adiá-los, minimizá-los etc. Suas prin- cipais características são: desconforto subjetivo, egodistônicos, ocorre uma tentativa de resistênciaao ato por parte do indivíduo, acontece um alívio no indivíduo ao realizar o ato, há associações, em geral, a ideias obsessivas. A seguir, alguns exemplos de atos impulsivos e compulsivos: • Impulsos e compulsões agressivas auto ou heterodestrutivas: Automutilação, impulso ou compulsão de autolesão voluntária; frangofilia, impulso em destruir objetos ao seu redor; piromania, impulso de atear fogo, e o impulso e o ato suicida; 16 17 • Impulsos e compulsões relacionados à ingestão de substâncias ou alimentos: Dipsomania, impulso ou compulsão constante por ingestão de grandes quantidades de álcool; bulimia, impulso de ingerir grandes quantidades de alimentos e, em se- guida, por sentimento de culpa relacionado ao aumento de peso, o paciente provoca o vômito ou toma laxantes; potomania, compulsão pelo consumo de água sem ne- cessidade de saciedade da sede; • Outros impulsos e compulsões: Compulsão por comprar; compulsão pelo uso de internet e jogos virtuais ou de videogames; negativismo, obediência automática, automatismo, dentre outros. O utro processo importante são as alterações dos elementos constitutivos do pen- samento, dentre as quais estão: • As alterações dos conceitos que podem ser de desintegração dos conceitos ou con- densação dos conceitos; • As alterações do juízo que são de juízo deficiente ou prejudicado e juízo de realidade ou delírio; • As alterações do raciocínio e do estilo de pensar. Além dos elementos constitutivos, o pensamento é capaz de sofrer alterações do pro- cesso de pensar e as principais são: curso do pensamento, aceleração do pensamento, lentificação do pensamento, bloqueio ou interceptação do pensamento, roubo do pensa- mento, forma do pensamento, fuga de ideias, dissociação do pensamento, afrouxamento das associações, descarrilhamento do pensamento e desagregação do pensamento. A s alterações psicopatológicas do juízo, também conhecidas como delírio, são definidas como juízos patologicamente falsos. O delírio se constitui de quatro elemen- tos principais: • O paciente apresenta uma convicção extraordinária, com níveis de certeza subjetiva muito intensos; • Os usos de princípios de objetividade real não são suficientes para a modificação do estado delirante; • O delírio se conforma em consequência de um conteúdo impossível, a partir da perspectiva de um juízo falso; • O delírio é vinculado a um indivíduo, não se confundindo, portanto, com práticas religiosas e místicas. Os delírios podem ser simples, complexos, não-sistematizados ou sistematizados, e há alguns elementos importantes em sua dinâmica de funcionamento: • O grau de convicção diz respeito ao nível de convencimento no processo delirante no qual o paciente está inserido; • A extensão é o espaço que as ideias delirantes ocupam na vida do paciente; • A implausibilidade aponta a distância entre os processos delirantes e as normas culturais compartilhadas por determinado grupo social; • A desorganização dá conta de observar a estrutura interna das narrativas delirantes; 17 UNIDADE Processos Clínicos e Alterações Psicopatológicas • A pressão ou preocupação se configura com o tipo de envolvimento do paciente com suas produções delirantes; • A resposta afetiva diz respeito aos abalos afetivos promovidos pelas crenças delirantes; • O comportamento desviante que se configura nas ações do paciente de acordo com seus processos delirantes. Os mecanismos que constituem o delírio são: delírio interpretativo, delírio intuitivo, de- lírio imaginativo, delírio catatímico, delírio mnêmico, delírio onírico e delírio alucinatório. Segundo seus conteúdos, os delírios classificam-se como: • Delírios de perseguição, que podem ser de perseguição ou de referência; • Delírios e o mecanismo de projeção, que são delírios de relação, de influência ou controle, de grandeza, místico, de ciúmes e erótico; • Delírios de conteúdo depressivo, que são de ruína, de culpa, de negação dos órgãos, hipocondríaco; • E outros como: delírio de reivindicação, de invenção, de reforma, cenestopático, de infestação, fantástico. As alterações da linguagem podem estar associadas a transtornos psiquiátricos se- cundários ou primários. As secundárias são: afasia, parafasia, agrafia, alexia, disartria, disfonia e disfemia, dislalia. As primárias são: logorreia, taquifasia e loquacidade, mutismo, bradifasia, perseveração e estereotipia verbal, ecolalia, palilalia e logoclonia, tiques verbais ou fonéticos e coprolalia, glossolalia. Além disso, a linguagem pode sofrer alterações em pacientes esquizofrenia e com demência. As alterações de personalidade passaram por inúmeras conceituações ao longo dos últimos anos e o termo atualmente mais usado pelos profissionais de saúde mental é psicopatia. Esses transtornos são identificados pelas seguintes características: • Surgem na infância ou adolescência na maior parte dos casos; • Reúnem ações e comportamentos em claro desacordo com a vida do indivíduo; • Têm duração extensa; • São complexos, do ponto de vista psíquico; • Produzem dificuldades de adaptação a diversos ambientes sociais; • Não são necessariamente vinculados a lesões cerebrais; • Levam, de modo geral, a um grau de sofrimento; • Podem afetar o desempenho nos âmbitos sociais. Esses transtornos são divididos em três grupos: • Grupo A: Transtorno da Personalidade Paranoide, Transtorno da Personalidade Esquizoide, Transtorno da Personalidade Esquizotípica; • Grupo B: Transtorno da Personalidade Antissocial (Sociopatia), Transtorno da Per- sonalidade Borderline (ou “Emocionalmente Instável”), Transtorno da Personalidade Tipo Impulsivo, Transtorno da Personalidade Histriônica, Transtorno da Personali- dade Narcisista; 18 19 • Grupo C: Transtorno da Personalidade Anancástica ou Obsessiva, Transtorno da Personalidade Ansiosa ou de Evitação, Transtorno da Personalidade Dependente, Transtorno da Personalidade do Tipo Epiléptico. O último tópico da unidade diz respeito às alterações da inteligência, que são tra- balhadas como retardos mentais. O retardo mental é definido pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como uma condição de desenvolvimento interrompido ou incompleto das capacidades mentais, que se manifesta ao longo da infância e adolescência por meio do comprometimento de habilidades cognitivas. Os níveis do retardo mental são: inteli- gência limítrofe, retardo mental leve, retardo mental moderado, retardo mental grave e retardo mental profundo. 19 UNIDADE Processos Clínicos e Alterações Psicopatológicas Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos O que é o Complexo de Édipo para a psicopatologia clínica? | Christian Dunker https://youtu.be/x6optR2yDiI Psicopatologia de Dalgalarrondo Série de vídeos sobre o livro Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. https://ytube.io/3Jk1 Leitura O ensino da clínica psicopatológica: O caso da sessão clínica https://bityl.co/7nJb Psicopatologia e Saúde Mental: Questões sobre os critérios que orientam a percepção clínica https://bityl.co/7nJg 20 21 Referências A MARAL, M. Psicopatologia: Fundamentos e Semiologia Essencial. Disponível em: . BARLOW, D. H.; DURAND, M. R. Psicopatologia: uma abordagem integrada. Tradução Noveritis do Brasil; revisão técnica Thaís Cristina Marques dos Reis. -- 2. ed. -- São Paulo: Cengage Learning, 2015. B ERLINC, M. T. O método clínico: fundamento da psicopatologia. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, v. 12, n. 3, p. 441-444, setembro 2009. D ALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2008. SCHNEIDER, D. R. Caminhos históricos e epistemológicos da psicopatologia: con- tribuições da fenomenologia e existencialismo. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental - Vol.1 N.2 - Out/Dez de 2009. SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ S. E. História da Psicologia Moderna. Tradução: Adail Ubirajara Sobral eMarta Stela Gonçalves.Revisão Técnica: Maria silva Mourão. São Paulo, Editora Cultrix, 1ª edição brasileira, 1981. 21