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O jornalismo profissional em tempos de 
big techs e redes sociais 
por Mauro Bellesa - publicado 15/10/2020 13:43 - última modificação 15/10/2020 13:43 
 
 
Parece que as notícias sobre a morte do jornalismo profissional são 
manifestamente exageradas, poderia dizer alguém parafraseando o famoso 
comentário de Mark Twain quando soube de rumores sobre a própria morte. 
O fato é que várias empresas e veículos jornalísticos já ficaram pelo caminho em 
consequência da perda de receitas de publicidade, leitores e até profissionais na 
competição com os serviços digitais de comunicação. 
Mas muitos mantêm-se com certa dose de vigor e influentes, apostando em 
estratégias variadas para obter receita, desde a ampliação de assinaturas on-line 
até a comercialização de produtos associados a seu conteúdo. E há também 
inúmeros serviços jornalísticos já nascidos no mundo digital. Todos enfrentam, 
porém, uma nova realidade na disseminação de informações: aplicativos e redes 
sociais. 
Se a imprensa foi uma das instituições mais pressionadas a se transformar pela 
internet, nada mais apropriado que seus desafios atuais fossem o tema de 
discussão inaugural, no dia 9 de outubro, da Cátedra Oscar Sala, parceria do IEA 
com o NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), executores de 
convênio firmado entre a USP e o CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil). 
 
O expositor do webinar “Imprensa, Tecnologia e o Futuro do Jornalismo” foi o 
jornalista Rodrigo Mesquita, acionista do Grupo Estado, onde desempenhou 
diversas funções na redação do "Jornal da Tarde", inclusive de editor-chefe, e 
dirigiu a Agência Estado, transformando-a num veículo de informações para várias 
áreas de negócios. Depois de deixar a agência, Mesquita atuou por mais de uma 
década na criação de sistemas de informação para setores empresariais, 
entidades e órgãos governamentais. 
 
http://www.iea.usp.br/author/mbellesa
https://www.nic.br/
https://cgi.br/
 
O encontro teve também uma exposição complementar do especialista em 
publicação digital e tecnologia de aprendizagem Walter Bender, ex-diretor 
executivo do MIT Media Lab (EUA), laboratório no qual Mesquita participou por 14 
anos. 
 
Os comentadores foram: o engenheiro Demi Getschko, integrante do CGI.br desde 
sua criação em 1995 e diretor-presidente do NIC.br; a professora e escritora 
Bianca Santana, integrante da Uneafro e do Instituto Peregum; o jornalista Caio 
Túlio Costa, primeiro diretor do portal Universo Online (UOL) e cofundador da 
Torabit, empresa de monitoramento digital; e a jornalista Ana Estela de Sousa 
Pinto, correspondente do jornal "Folha de São Paulo" em Bruxelas (Bélgica), de 
onde cobre a União Europeia. 
 
O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, consultor em Comunicação da Fapesp 
e professor do Insper, foi o moderador. A abertura foi feita pelo diretor do 
IEA, Guilherme Ary Plonski, professor da Escola Politécnica (EP) e da Faculdade 
de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), ambas da USP, e pelo 
coordenador acadêmico da Cátedra Oscar Sala, o jornalista Eugênio Bucci, 
professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, que também 
comentou as exposições. 
 
Infraestrutura 
Para Rodrigo Mesquita, a internet não é um meio, mas uma nova infraestrutura 
que afeta todos os processos sociais e cria outra realidade cognitiva. "Em relação 
à mídia, promoveu a junção da editoração, impressão, televisionamento, 
computação, radiodifusão e telecomunicações" e anulou a ideia de que "o meio é 
a mensagem" de Marshall McLuhan; "a narrativa é a mensagem", afirmou. 
Ele considera que as big techs – gigantes das tecnologias digitais, como Amazon, 
Alphabet (controladora do Google), Facebook, Apple e Microsoft – estão se 
tornando utilitários da democracia, concentrando o poder econômico, social e 
político, "e a imprensa parece ignorar isso". 
http://www.iea.usp.br/pessoas/pasta-pessoaw/walter-bender
http://www.iea.usp.br/pessoas/pasta-pessoad/demi-getschko
http://www.iea.usp.br/pessoas/pasta-pessoab/bianca-santana
http://www.iea.usp.br/pessoas/pasta-pessoac/caio-tulio-costa
http://www.iea.usp.br/pessoas/pasta-pessoac/caio-tulio-costa
http://www.iea.usp.br/pessoas/pasta-pessoaa/ana-estela-de-sousa-pinto
http://www.iea.usp.br/pessoas/pasta-pessoaa/ana-estela-de-sousa-pinto
http://www.iea.usp.br/pessoas/pasta-pessoac/carlos-eduardo-lins-da-silva
http://www.iea.usp.br/pessoas/pasta-pessoag/guilherme-ary-plonski
http://www.iea.usp.br/pessoas/pasta-pessoae/eugenio-bucci
 
Segundo Mesquita, 70% das pessoas que chegam às edições on-line dos jornais 
o fazem em função das discussões que participam ou acompanham nas redes 
sociais. E o WhatsApp detém o maior índice de leitura dos meios digitais. "As redes 
e aplicativos criam narrativas de enorme impacto." 
"Nessa crise, vimos as redações diminuindo e a pauta reduzida a Brasília. A 
imprensa tem de reagir. Se não fizer isso, ninguém sabe o que vai ser", disse. 
Curadoria 
Ele defende que os jornais assumam um papel de curadoria sobre os assuntos em 
discussão nas redes sociais, criando páginas temáticas sobre as principais 
preocupações da sociedade, trazendo o público para discutir e os jornalistas 
analisando tudo. 
"Devem ser usadas ferramentas para montar estruturas ligadas aos sistemas de 
edição e com isso gerar produtos, como relatórios temáticos, para grupos e 
entidades e insumos para as redações. Os jornais devem abraçar a tecnologia, 
entendê-la melhor, transformarem-se em parceiros de informação e divulgação de 
marcas, ONGs, grupos, empresas etc. e atuar nas redes." 
Origens 
Para Walter Bender, as fake news, fenômeno que corrompe o ambiente virtual de 
informação pública, possuem uma história longa: "Há 200 anos já tínhamos fake 
news nos Estados Unidos. Na disputa entre Thomas Jefferson e John Adams pela 
Presidência, numa campanha muito agressiva, os dois usaram a imprensa para 
publicar fake news e atacar um ao outro”. 
A origem do futuro da imprensa e da notícia situa-se há 40 anos, época em que 
Nicolas Negroponte, fundador do MIT Media Lab, apresentou seu modelo de 
convergência de mídias. "As pessoas sentiam que havia um curso de colisão e 
isso se transformou no digital, mudando como nos informamos e criamos 
comunidades." 
Bender elencou alguns dos principais avanços tecnológicos na edição e 
transmissão digital a partir do início dos anos 90, como agregadores de notícias, o 
 
surgimento do CSS (linguagem de folhas de estilos) e a transformação de vídeo 
em imagem estática. 
Novas formas 
Assim como Mesquita, que propõe a criação de páginas temáticas com 
informações coletadas nas redes sociais e analisadas por jornalistas, Bender 
propõe a elaboração de novas formas de contar uma história, para que o leitor 
possa entendê-la melhor e de maneira mais fácil. "Se estou lendo sobre o Brasil e 
moro em Boston, poderia fazer conexões entre o que sei sobre o Brasil e o que sei 
sobre Boston. Entendo as palavras, mas não sei bem o que significa em tamanho 
uma inundação no Brasil. Poderia ver isso representado num mapa de Boston." 
Uma das coisas que faltam na mídia social é a noção de que há realmente um 
papel para o editor, da discussão entre ele e o autor do material a ser publicado, 
afirmou. "A relação entre quem escreve e o editor é essencial para o processo 
jornalístico. O que vai fazer a diferença é modelar esse processo e incluí-lo na 
mídia social. Falta esse componente para que passemos para uma mídia social 
que aponte para o futuro. É preciso olhar para o futuro e pensar nas ferramentas 
necessárias." 
Excluídos 
Para Bianca Santana, há um aspecto adicional a ser considerado quando se fala 
da sobrevivência do jornalismo: "De que notícias, público e jornalistas estamos 
falando? A imprensa negra praticamente desapareceu no meio do século XX. No 
jornalismo hegemônico, os negros não existem como jornalistas e leitores, mas 
sim como objeto de notícia,comumente nas páginas policiais. As pessoas negras 
não são reconhecidas como produtoras de conhecimento e o que produzem não é 
reconhecido como jornalismo de qualidade. O jornalismo tem feito isso ao longo 
de sua história no Brasil". 
Com a internet e as redes sociais, as mulheres, negros e pessoas LGBT+ têm 
espaço para se colocarem nas esferas públicas, mas não detêm as plataformas, 
não tomam decisões, não têm recursos, enfatizou. "As big techs, com seus 
algoritmos, reproduzem discriminação e desigualdades.” 
 
Demi Getschko reafirmou seu otimismo ao comentar que é preciso diferenciar o 
que a internet é como estrutura e o que são construções sobre a internet. "Houve 
uma entrada maciça de novos usuários na rede, o que é ótimo, mas isso não se 
deu impunemente. O processo nem sempre é civilizado e organizado. O efeito 
colateral foi a bagunça que temos hoje em dia." 
Para ele, é preciso ter paciência e a desordem não sobrepuja os benefícios que a 
internet proporciona. "Ela vai melhorar as coisas e o ser humano." Getschko vê a 
internet como um espelho da sociedade. "Se quebramos o espelho, não vemos 
mais nada. O que precisa ser destruído são as bolhas e trazer todo mundo para a 
discussão." 
 
Regulação 
Ana Estela de Sousa Pinto afirmou que a Europa parou de discutir se as big techs 
são plataformas e passou a entendê-las como uma infraestrutura de comunicação. 
Segundo ela, essas corporações impõem riscos à democracia e, por isso, é preciso 
ocupar os fluxos de informação civilizatórios. "Na base dessa questão está a 
sobrevivência das atividades jornalísticas." 
"O ambiente onde essa infraestrutura opera é o da comunicação pública e não no 
espaço privado, por isso tem de ser regulado." 
Países europeus, como França, Espanha e Alemanha, estão enfrentando o 
problema na prática, aprovando leis que estabelecem uma remuneração 
permanente e sustentável a ser paga pelas big techs pelo uso de notícias 
produzidas pelas empresas jornalísticas, comentou. 
"A Europa costuma estabelecer paradigmas mais rígidos e com influência mundial. 
O poder de consumo europeu é tão elevado que as empresas costumam adotá-lo 
para o resto do mundo." 
Caio Túlio Costa mostrou-se cético quanto à remuneração de empresas 
jornalísticas pelo conteúdo reproduzido pelas big tech: "O Google e o Facebook 
ficam com mais de 60% das receitas publicitárias, mas a proposta do Google, por 
 
exemplo, é distribuir 1 bilhão de dólares entre os jornais mundo afora que aderirem 
ao programa, isso é apenas 0,06% de sua receita". 
Modelo de negócio 
Para ele, o futuro do jornalismo tem de ser embasado num modelo de negócio 
sustentável e que abrace a tecnologia e as redes sociais. "Mas tudo leva a crer 
que o jornalismo ainda é dominado por cabeças analógicas. Esse é o grande 
problema. Há uma disputa geracional em curso. Essa indústria está esperando que 
nativos digitais assumam a liderança." 
"A indústria de comunicação tradicional precisa se reinventar. Não adianta transpor 
o modelo antigo para o digital. A cadeia de valor é outra. Cada um fica com uma 
parte do dinheiro e as plataformas ficam com quase tudo. Não deve haver medo 
em matar uma empresa antiga e começar tudo de novo. É preciso ampliar o leque 
de serviços proporcionado. Ter serviços com valor adicionado, não apenas receita 
publicitária." 
Fonte: BELLESA, Mauro. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. 
Outubro de 2021. Disponível em: http://www.iea.usp.br/noticias/copy_of_jornalismo-e-
novas-tecnologias/. Acesso em: 14 dez. 2021.

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