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Indaial – 2020 ao Ensino na ÁrEa dE Língua PortuguEsa Prof.a Mariane Eggert de Figueiredo 1a Edição Educação E novas tEcnoLogias aPLicadas Elaboração: Prof.a Mariane Eggert de Figueiredo Copyright © UNIASSELVI 2020 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI Impresso por: F475e Figueiredo, Mariane Eggert de Educação e novas tecnologias aplicadas ao ensino na área de língua portuguesa. / Mariane Eggert de Figueiredo. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 249 p.; il. ISBN 978-65-5663-230-8 ISBN Digital 978-65-5663-227-8 1. Língua portuguesa – Ensino e aprendizagem. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 370 Todos os dias lemos e escrevemos, mesmo sem nos darmos conta disso. Ler e escrever são atividades intrínsecas à vida em sociedade, sobretudo na atualidade, permeada pela tecnologia, velocidade e globalização. Nesse contexto mediado por tecnologias digitais da informação e comunicação, as TDICs, as atividades sociais de leitura e escrita demandam novas abordagens, pois o contexto é heterogêneo e está em constante transformação. APRESENTAÇÃO Na Unidade 1, abordaremos conteúdos sobre leitura e escrita, a teoria dos gêneros e os letramentos. Você verá em primeiro lugar a leitura como processo e o letramento no contexto atual das tecnologias digitais de informação e comunicação. Em seguida, percorrerá os gêneros textuais e o conceito de tecnologias digitais da informação e comunicação, as TDICs, efetuando uma reflexão sobre as linguagens desses contextos. Finalmente, aprenderá sobre as diversidades culturais e a liberdade no universo digital. Aprenderá sobre os discursos que se enfrentam e a questão das autorias na Internet, antes de encerrar a reflexão sobre os desafios do livro na era digital e a leitura nas TDICs. Na Unidade 2, os processos de ensino e aprendizagem serão abordados no contexto da era digital. Assim, num primeiro momento, uma abordagem diacrônica da educação e das perspectivas metodológicas adotadas, bem como das estruturas e recursos para a aprendizagem em meio digital permitirá apreender o papel do professor dentro desse contexto. Já o aluno digital será estudado através da apresentação das gerações digitais e sua relação com a aprendizagem, além de uma incursão no contexto legislativo do ensino da língua portuguesa e das TDICs. Finalmente, um panorama da inclusão no Brasil e as políticas relacionadas ao ensino para uma inclusão digital efetiva na escola completará o estudo no contexto da atualidade marcada pelas TDICs. Por fim, na Unidade 3, estudaremos de forma concreta as implicações dos processos de aprendizagem dentro do escopo da cibercultura. Num primeiro momento, a tecnologia será abordada em seu papel de mediação para os processos de leitura e de reescrita nas aulas. Uma atenção especial é atribuída aos processos narrativos e NOTA Antes da era digital, falava-se em tecnologias da informação e comunicação (TICs). Com a era digital, estas tornaram-se as tecnologias digitais da informação e comunicação (TDICs). GIO Olá, eu sou a Gio! No livro didático, você encontrará blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que você poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresentamos também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. aos gêneros presentes no contexto digital. Em seguida, o estudo dos gêneros digitais será realizado em sua relação com os processos de ensino e aprendizagem da língua portuguesa em particular. Novas metodologias e gêneros emergentes neste assunto serão abordados através de estudos, permitindo responder a interrogações, tais quais: o que são memes? Como os aplicativos contribuem ao aprendizado da língua portuguesa? Entre outras questões. Para fechar a unidade, a reflexão se porta sobre o ciberespaço e o seu papel de mediador para leituras intersemióticas por leitores heterogêneos e o aprofundamento do conceito de ubiquidade, característico da era atual, marcada pelas tecnologias digitais. Procure sempre consultar as referências indicadas e fazer as autoatividades ao final de cada tópico. Sua caminhada se tornará, assim, desafiadora e produtiva. Bons estudos! Prof.a Dra. Mariane Eggert de Figueiredo Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. QR CODE ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! SUMÁRIO UNIDADE 1 — LETRAMENTO E LEITORES DO SÉCULO XXI .................................................. 1 TÓPICO 1 — LEITURA E ESCRITA NO CONTEXTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS ...................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3 2 A LEITURA COMO PROCESSO ............................................................................................3 2.1 PROCESSOS COGNITIVOS CONSCIENTES E INCONSCIENTES ..................................................4 2.2 ESTRATÉGIAS DE LEITURA ................................................................................................................dado cultural e socialmente, mas cada um o mobiliza de acordo com sua posição. O sentido constrói-se na relação dialógica que se estabelece entre estas duas instâncias a partir do material linguístico-discursivo compartilhado, os textos. Com o surgimento de novos suportes e recursos para a comunicação, tais como as TDICs, a relação entre autor-texto-leitor relativizou-se, bem como os respectivos conceitos. As TDICs possibilitam novas formas de produção e recepção − e de códigos e textos – compartilhados por autores e leitores que se distinguem nitidamente desses aspectos, notadamente os da era da escrita. Textos multimodais, produzidos em ambiente virtual, mobilizam bem mais que codificação e decodificação de signos e aspectos situacionais. Englobam comportamentos, atitudes, aspectos cognitivos ligados à interação mediada por dispositivo digital (CARVALHO; PAGANI; GOMES, 2015). Há implicações: 27 • A leitura realizada em meio digital confronta materiais e atores de um novo tipo. • Continuamos a ler como antes – na era escrita –, mas com papéis diversos. • A significação das diversas modalidades – linguagem verbal, visual, agenciamento gráfico, interativo etc. – impõem competências leitoras e atitudinais mais amplas. • Aos modelos de leitura bottom up e top down impõe-se o modelo interativo. • Os recursos do universo digital mobilizam novos comportamentos por parte dos atores: o leitor é convidado a evadir-se por meio dos links, deambular entre escritos, encantar-se e descobrir possibilidades previstas na criação hipertextual. • A leitura mobiliza capacidades visuais, sonoras, táteis, que interagem com a lingua- gem verbal a ser decodificada por este novo leitor ativo e interativo. • O hipertexto é uma forma ativa de texto que se desloca à medida que a leitura é efetuada – e não mais o leitor, como ocorre na linearidade. • Entre o virtual e o que se realiza no plano real “[tudo] se dá como se o autor de um hipertexto constituísse uma matriz de textos potenciais, o papel dos navegadores é o de realizar alguns desses textos” (LEVY, 1999, p. 57). É sobretudo nesse último aspecto que ocorre um diálogo vivo entre um autor-leitor do texto virtual – o hipertexto − e um leitor-coautor, na medida em que o primeiro estabelece caminhos possíveis de leitura enquanto o segundo os percorre, efetivamente. O que nos conduz a concluir com Levy (1999, p. 61) que “toda leitura é uma escrita potencial” através do hipertexto digital. Modelos bottom up e top down propostos por Kato (1986): • O modelo bottom up consiste na decodificação de sons e letras pelo leitor, que assume um papel passivo. • No modelo top down, o leitor, ativo, participa na construção dos sen- tidos. Para o modelo interacionista o sentido da leitura é produto da interação entre leitor e texto (DURAN, 2009). IMPORTANTE 28 UMA LEITURA INTERATIVA A interatividade é, segundo Clément (1997), uma das propriedades que mais distingue o texto digitalizado do impresso. A verdadeira novidade do livro eletrônico é a utilização das novas técnicas que atendem pelos nomes: hipertexto, interati- vidade, rede e multimídia. Nesse momento, iremos nos deter em discutir algumas questões acerca da interatividade, as quais nos remetem a visões sobre fechamento e abertura da obra, e essas duas acepções interferirão diretamente no processo de escrileitura. Para que escrita e leitura sejam abordadas como atividades geminadas numa modalidade em que uma gera a outra, necessita-se que a escrita esteja aberta às escolhas do escrileitor. A escrita eletrônica é comumente tratada como um aparato textual aberto por várias razões, entre elas, a posição dialogante interativa em que o escritor é colocado em face do écran, com relação a seu próprio texto. Assim, a flexibilidade do texto no meio digital é considerada maior do que a apresentada pelo texto impresso, uma vez que aquele não possui versão final, uma versão nunca é definitiva porque pode ser atualizada, substituída ou completada. A escrita impressa, apresentando uma estrutura fixa, com suas páginas imutáveis, não possibilitando uma substituição de edições revisadas, mas apenas uma suplementação, segundo esta concepção, manter-se-ia numa posição menos dinâmica do que a escrita eletrônica. Entretanto, a dinamicidade do texto impresso, se não pode ser sustentada pe- los mesmos fatores que contribuem para o movimento do texto digital, pode se efeti- var por outros aspectos peculiares do hipertexto impresso. Como conceber o Jogo da Amarelinha como o término da narrativa se o leitor é remetido do capítulo final, o 145, para o capítulo 125, e deste para o 145, num processo circular e contínuo, sem que em nenhum momento se depare com uma estrutura conclusiva? Também Ítalo Calvino, em As cidades invisíveis, resolve “abandonar” sua obra, evitando qualquer capítulo que encerre a discussão ou aponte para um final redentor. As páginas finais indicam aquela que seria a última discussão, travada entre o Grande Khan e Marco Polo, no entanto, ela aponta para questões metafísicas que tornam incerto o dito, um discurso que visa, num processo contínuo, alimentar as polêmicas anteriores ao remetê-las para outras questões, criando uma ilusão de contínuo. Assim, é possível entrever, na porosidade da obra, aberturas que nos exigem relativizar nosso entendimento sobre a escrita impressa supostamente controlada pelo autor. É preciso também discutir o que se entende por interatividade. Para Levy (2000, p. 79), “[...] interatividade, em geral, ressalta a participação ativa do beneficiário de uma transação de informação”. Snyder (1997), quando fala de interatividade, também o faz pensando no empenho e na participação que o leitor manifesta no ato de leitura, relacionando-a com o engajamento verbal que um sujeito tem com o outros num diálogo, e com a sua liberdade de percorrer o texto de forma transversal. FONTE: NEITZEL, A. A. Uma leitura interativa. In: NEITZEL, A. de A. Hipertexto: o jogo das construções hipertextuais. Florianópolis: EDUFSC, 2009. p. 193-5. 29 Com esse raciocínio completamos este primeiro tópico de estudos em que focamos na leitura, nos letramentos e nos leitores digitais. Veja, a seguir, o resumo do tópico e, após, realize as autoatividades propostas. 30 Neste tópico, você aprendeu: • A leitura como processo envolve aspectos cognitivos e metacognitivos conscientes e inconscientes que permitem acessar os sentidos. • Os sentidos, a emoção e o raciocínio constituem os três níveis básicos de leitura. • São conhecimentos necessários para a efetivação do processo de leitura e a resolução de hipóteses formuladas antes de ler: conhecimento prévio, conhecimento de mundo e conhecimento textual. • O processo de leitura efetiva-se mediante estabelecimento de hipóteses, confrontação e resolução das hipóteses formuladas. • A multimodalidade que caracteriza os textos digitais demanda capacidades sensoriais, visuais e leitoras do leitor em contexto digital. • Os leitores da atualidade tecnológica ocupam um papel central na concepção dos sentidos de um texto, na medida em que o texto digital se caracteriza pelo hipertexto. • O hipertexto, como múltiplos textos, oferecendo leituras virtualmente possíveis, derruba o conceito de linearidade atribuído à leitura dos textos escritos. • No contexto digital hipertextual, toda leitura torna-se uma forma de escritura, relativizando os papéis dos agentes envolvidos: autor, texto e leitor. RESUMO DO TÓPICO 1 31 AUTOATIVIDADE 1 Leia os dois excertos a seguir: Kato (1985, p. 52) entende a leitura como um processo de decodificação e identifica, a partir de estudiosos das áreas de ciências da cognição e da inteligência artificial, duas posições teóricas opostas que corresponderiam a dois tipos básicos de processamento da informação: a hipótese descendente, dependente do leitor, e a hipótese ascendente, do texto. A hipótese ascendente enfatiza o texto e os dados que contém como ponto de partidapara a compreensão. A outra vê no leitor a fonte única do sentido, de modo que o texto serve apenas para confirmar hipóteses. Diante dessas duas hipóteses extremistas, a autora apresenta uma hipótese intermediária, chamada interacionista, em que a leitura se processa na interação texto-leitor ou ainda autor-texto-leitor. FONTE: KATO, M. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1985. Nas aulas de línguas – materna e estrangeiras –, o texto é, na maioria das vezes usado como pretexto para o estudo da gramática, do vocabulário ou de outro aspecto da linguagem que o professor – ou o livro didático – reputam como importante ensinar. FONTE: CORACINI, M. J. R. F. Leitura, decodificação, processo discursivo...? In: CORACINI, M. J. R. F. O jogo discursivo na aula de leitura: língua materna e língua estrangeira. 3. ed. Campinas, SP: Pontes Editora, 2010. Agora, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) Os dois texto abordam aspectos ligados ao hipertexto. ( ) Ambas as apresentações restringem-se à noção de leitura, a partir dos aspectos metacognitivos do processamento da linguagem. ( ) Ascendente e descendente, no primeiro texto, referem-se às hipóteses top down e bottom up, de processamento textual (KATO, 1985). ( ) Gramática, vocabulário e aspectos de linguagem presentes no texto caracterizam a leitura como dependente do texto. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) F – V – V – V. b) ( ) F – F – V – F. c) ( ) V – V – F – V. d) ( ) F – F – V – V. 32 2 A partir da afirmação de Coracini (2010, p. 18): “ nas aulas de línguas – materna e estrangeiras – o texto é, na maioria das vezes, usado como pretexto para o estudo da gramática, do vocabulário ou de outro aspecto da linguagem que o professor – ou livro didático – reputam como importante ensinar”. Considerando o letramento digital, assinale a alternativa CORRETA: ( ) Numa aula de língua portuguesa convém não indicar leituras em suporte digital, pois os alunos não saberão o que ler e nem como ler. ( ) A leitura em suporte digital é a forma menos indicada para que os alunos acessem a determinados conteúdos trabalhados em sala de aula. ( ) Por ser não linear, a leitura em suporte digital tende a desestruturar os conhecimentos já consolidados sobre determinados assuntos, como a gramática, por exemplo. ( ) Ler pode tornar-se uma atividade tão prazerosa quanto navegar online, tudo vai depender dos objetivos e das estratégias adotadas pelo professor para que os alunos acessem os textos. 3 Ao longo da História da humanidade, os suportes sobre os quais se efetuou a leitura têm variado: pedra, argila, cascas e folhas de plantas diversas receberam conteúdos dotados de sentidos ocasionando formas diversas de leitura. A cada fase correspondem, assim, modos de ler e formas de letramento específicas. O texto digital, com suas características e usos variados, demanda uma nova forma de letramento. Sabendo disso, analise as asserções a seguir e a relação que se estabelece entre elas: I- Uma distinção importante a ser feita entre a leitura digital e a leitura tradicional, linear e assíncrona com relação à produção, é seu aspecto de simultaneidade. PORQUE II- Na leitura feita no computador é possível interagir e redigir o texto de forma colaborativa à medida que a leitura se realiza, possibilidade que os textos impressos ou manuscritos desconhecem. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) I e II são proposições verdadeiras e II é uma explicação para I. b) ( ) I e II são proposições verdadeiras, mas II não mantém relação com I. c) ( ) I é proposição verdadeira, e II é falsa. d) ( ) II é proposição verdadeira, e I é falsa. 33 GÊNEROS DIGITAIS E HIPERGÊNERO 1 INTRODUÇÃO UNIDADE 1 TÓPICO 2 - No dia a dia somos confrontados a textos dos mais variados tipos e funcionamentos: panfletos, documentos, bilhetes, publicidades, avisos, mensagens, entre outros. Na maior parte do tempo, nem prestamos atenção à diversidade que os caracteriza. Esse material comunicativo, porém, apresenta distinções quanto a sua natureza e constituição, intencionalidades comunicativas, situações de ocorrência, públicos visados etc. Ao mesmo tempo, apresentam um conjunto mais ou menos estável de características que permitem agrupá-los em gêneros específicos. Durante muito tempo, os textos foram estudados do ponto de vista de sua estrutura linguística e do material textual. No entanto, como já vimos no Tópico 1, os textos não se caracterizam unicamente pelo material linguístico e a estrutura de que se compõem, mas apresentam funcionamentos característicos em situações específicas. Daí fala-se de gêneros discursivos, pois o foco das análises desloca-se da esfera meramente textual para o funcionamento no discurso. Nossa abordagem dos gêneros integra esta perspectiva sociointeracionista dos textos, ou seja, como funcionam nos discursos em que se realizam e, especificamente, no discurso digital. Assim, veremos, num primeiro momento, os gêneros textuais e, a partir da proposta de Mikhail Bakhtin, os gêneros discursivos. Em seguida, abordaremos os gêneros do discurso digital e os filtros a eles aplicados. 2 GÊNEROS TEXTUAIS X GÊNEROS DISCURSIVOS Neste subtópico, abordaremos alguns conceitos relacionados ao texto e ao discurso. Vamos começar estabelecendo algumas precisões quanto ao termo “discurso” e suas potencialidades. Em seguida, abordaremos a noção de gênero estabelecida pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin. 34 Que tal assistir ao vídeo de Best Aulas Ever, Entendendo o conceito de gêneros do discurso em Bakhtin, versão resumida? Acesse no link: https://www.youtube. com/watch?v=ti2Uycn5CM0. 2.1 ENTRE O TEXTO E O DISCURSO: NOÇÕES O termo “discurso” é polissêmico: pode referir-se a uma elocução – O discurso do prefeito na formatura foi longo demais! −, a um uso restrito da língua – O discurso político é permeado de falácias/O discurso publicitário é sedutor/O discurso feminista tende a intensificar-se na atualidade globalizada −. Em ambos os casos, estamos tratando de textos em uso num determinado contexto. No entanto, o termo “discurso” é bem mais abrangente em suas acepções. Vamos abordar esse tema. A partir de estudos da enunciação, desenvolvidos na França no século passado, opera-se uma distinção entre a narrativa – também chamada de história − e o discurso propriamente dito (BENVENISTE, 1966). O discurso é ancorado na situação enunciativa – um sujeito, num espaço, num momento específicos é responsável pelo conteúdo proposto ou enunciado – um trio conhecido por “eu-aqui-agora” –, apresentado desta maneira por conter marcas no texto que indiquem sujeito e situação de enunciação (BENVENISTE, 1966). Por se tratar de uma forma de conceber a linguagem e seus usos, as diversas possibilidades efetivamente realizadas, não é mais possível falar do discurso como modo ou padrão do que deveria ou poderia ser, mas como funcionamento – e, assim, ultrapassando as fronteiras linguísticas das virtualidades formais e abarcando o universo pragmático – que quer dizer ação, realização efetiva na relação entre sujeitos. Essa dicotomia aplica-se aos textos e gêneros. No entanto, é preciso operar a distinção entre o que se refere à esfera linguística propriamente textual e o que vai além, integrando os elementos da ocorrência efetiva dos textos, da situação de comunicação e, para o que nos diz respeito, ao midium digital – entendido como canal, meio digital. Daí a noção de discurso, conforme Maingueneau (2004): DICAS 35 • É uma organização situada além da frase: mobiliza recursos diversos integrando a frase e o texto. Assim, obedece a regras de extensão, articulação e funcionamento. Rojo (2013) engloba gêneros, situação de comunicação e práticas de linguagem. • É sempre orientado: por ser concebido em função das perspectivas de um autor – autor aqui no sentido de emissor – em função de (uma) finalidade(s). E orientaçãoimplica “linearidade”, embora o discurso permita ires e vires para alcançar o(s) fim(ns) inicialmente proposto(s). Evidentemente, aqui é preciso lembrar do carácter dialógico da linguagem, o que implica múltiplas intervenções e referências. • É uma forma de ação: em oposição ao texto hipotético e meramente linguístico, que só possui conteúdo proposicional. O discurso age, realiza – atos de fala, performativos, sua “interatividade”, no sentido de estar ligado a sujeitos múltiplos. Quando falamos ou escrevemos, dirigimo-nos a alguém que, pelo simples fato de ser suposto, interage com o dito ou escrito. São as noções de enunciador e coenunciador (MAINGUENEAU, 2004). • É contextualizado: a ocorrência de um mesmo material textual e/ou linguístico em contextos variados, influencia a produção de significados deste material. • É assumido por um sujeito: este sujeito – um “eu” – posiciona-se com relação ao material produzido – daí as modalidades de maior ou menor distância com o que é proposto por este “eu” -, gerando, por exemplo, subentendidos, usos de polidez. Reflita sobre as diferenças entre os enunciados: Seria possível fechar a janela? Está um frio aqui. Feche a janela, por favor. Feche a janela! A janela fica fechada! Há aqui intenções ou desejos expressos numa escala gradativa que vai do pedido gentil, à constatação, à ordem e à injunção (ordem expressa). São as modalidades discursivas. • É regido por normas: uma pergunta, por exemplo, vai implicar resposta. • Está integrado no interdiscurso: ele só adquire existência plena no jogo das relações que caracterizam o uso da linguagem. Assim, interferem características do contexto, dos falares já produzidos neste contexto, dos falares possíveis na situação específica de sua ocorrência. NOTA 36 Percebemos então que, enquanto o “texto” é um produto marcado por potencialidades internas, o material textual – frases, articulações, significados possíveis – do discurso constrói uma efetivação significativa específica em ocorrência real – significados construídos na realização. Pense na reação do(s) interlocutor(es) nos exemplos acima: em qual(is) enunciações a janela seria fechada sem que se sentisse(m) constrangido(s) ou obrigado(s)? A partir dessa explanação inicial, passamos à teoria de Mikhail Bakhtin e a noção de gêneros. É o que veremos no subtópico a seguir. 2.2 BAKHTIN E A NOÇÃO DE GÊNERO Mikhail Bakhtin, tomando o texto literário como objeto de estudo − e não as unidades mínimas da língua, como o estruturalismo fazia −, vê na língua um instrumento de interação em que dois indivíduos dão origem à enunciação. Para o autor (BAKHTIN, 1979, p. 265): Todo enunciado – oral e escrito, primário e secundário e também em qualquer campo de comunicação discursiva – é individual e por isso pode refletir a individualidade do falante (ou de quem escreve), isto é, pode ter estilo individual. Entretanto, nem todos os gêneros são igualmente propícios a tal reflexo da individualidade do falante na linguagem do enunciado. O autor estendeu a noção de enunciado aos variados campos de interação social, sendo que a situação e o campo social determinam estruturas de enunciação. Assim, “cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 1979, p. 261). Essa asserção contém a noção de gênero: cada gênero requer uma forma padronizada, com linguagem específica e condições de aparição. Marcuschi (2007, p. 155) salienta: Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos, definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas, [...] se expressam em designações diversas, constituindo em princípio listagens abertas. 37 Enunciado é a unidade concreta e real da comunicação discursiva, já que o discurso só pode existir na forma de enunciados concretos e singulares pertencentes aos sujeitos discursivos de uma ou outra esfera da atividade e comunicação humanas. Dessa forma, cada enunciado é um novo acontecimento, um evento único da comunicação discursiva e não pode ser repetido, somente citado. Nesse caso, constitui um novo acontecimento (BAKHTIN, 1979). Pense no que isso representa no discurso digital: cada trajetória de leitura através do hipertexto – dos links – traduz-se numa enunciação, única, e cada texto digital, uma explosão de virtualidades. A palavra “virtual” pode ser entendida em ao menos três sentidos: o primeiro, técnico, ligado à informática, um segundo corrente e um terceiro filosófico. O fascínio suscitado pela “realidade virtual” decorre em boa parte pela confusão entre esses três sentidos. Na acepção filosófica, é virtual aquilo que existe apenas em potência e não em ato, o campo de forças e de problemas que tende a resolver-se em uma atualização. O virtual encontra-se antes da concretização efetiva ou formal (a árvore está virtualmente presente no grão). No sentido filosófico, o virtual é obviamente uma dimensão muito importante da realidade. Entretanto, no uso corrente, a palavra virtual é muitas vezes empregada para significar a irrealidade – enquanto a “realidade” pressupõe uma efetivação material, uma presença tangível. A expressão “realidade virtual” soa então como um oximoro, um passe de mágica misterioso (LEVY, 1999, p. 50). Bakhtin classificou os gêneros em primários – simples, aprendidos desde a infância, naturalmente – e secundários – gêneros discursivos complexos que são aprendidos mais tarde, de forma consciente −, lembrando que os primeiros servem de base para o surgimento desses últimos. Costuma-se atribuir os gêneros primários à esfera da oralidade, das interações em presença, já os últimos, a esferas mais complexas, como o texto escrito. A partir de Bakhtin, Dolz e Schneuwly (2004 apud ALVES; SILVA, 2010, p. 23) propõem três dimensões essenciais para os gêneros: IMPORTANTE NOTA 38 • Conteúdo: os conteúdos que são (que se tornam) dizíveis através do gênero. • Estrutura: a estrutura (comunicativa) particular dos textos que pertencem ao gênero. • Unidades de linguagem: as configurações específicas de cada gênero, pois são sobretudo traços da posição enunciativa do enunciador, e os conjuntos particulares de sequências textuais e tipos discursivos que formam a estrutura de cada gênero. Assim, retomando Bakhtin (1979), Schneuwly (2004) apresenta como dimensões dos gêneros primários: • Troca, interação, controle mútuo pela situação: um diálogo, por exemplo. • Funcionamento imediato do gênero como entidade global controlando todo o processo, como uma só unidade: a conversa em interação. • Nenhum, ou pouco controle metalinguístico da ação linguística em curso: você não fica pensando nas definições e metalinguagens num diálogo, mas na comunicação. Relembrando: • Os gêneros primários estabelecem-se na ação da linguagem. • Os gêneros secundários estabelecem-se através de mecanismos específicos relacionados a condições de ocorrência, estrutura, funcionamento etc. • Ambos, gêneros primários e gêneros secundários, estão intrinseca- mente ligados à noção de interação e apresentam duas partes inextri- cáveis: a dimensão linguística textual – palavras, seu agenciamento – e o funcionamento social – onde ocorrem, como, quando, por quê. • Cada gênero está vinculado a uma situação de interação típica, numa determinada esfera social e possui finalidades discursivas e concepção própria de autor e destinatário. Qual o impacto dessa teoria para nosso estudo? Por serem historicamente constituídos a partir de novas interações verbais ou de natureza semiótica distinta da vida social – visual, sonora, tátil, por exemplo –, quaisquer alterações ocorridas nas so- ciedades e suas formas de interação que evoluem alteram os gêneros que aí se haviam estabilizado. Dessa maneira, alterações nas formas de interaçãoprovocam mudanças nas categorias de gêneros presentes nas sociedades. Mudanças nas categorias tam- bém acabam provocando mudanças nas sociedades. NOTA 39 Você está lembrado da afirmação de “abertos” no vídeo de Santaella? Uma gama de novas possibilidades híbridas tornou-se possível, oferecendo novas características. Vamos aprofundar a análise, com uma abordagem do discurso em Comunicação. 2.3 ANÁLISE DOS TEXTOS EM COMUNICAÇÃO: DOMINIQUE MAINGUENEAU E O DISCURSO Em sua análise do discurso na esfera da Comunicação – logo, também as mídias digitais − Maingueneau (2004) propõe uma divisão dos gêneros não por setores da sociedade – produção de mercadorias, administração, lazer, saúde, ensino, pesquisa científica etc. –, mas por: • Um lugar institucional: hospital, escola, empresa, família etc. • O estatuto dos parceiros do discurso: discurso entre crianças e adultos, entre crian- ças, entre homens e mulheres, entre mulheres, entre superiores e inferiores etc. • Um posicionamento de natureza ideológica: o discurso socialista, neoliberal etc. • Uma finalidade específica: a publicidade é um gênero que visa seduzir para vender, já uma conversa informal, manter ou estreitar laços sociais etc. • O estatuto dos parceiros envolvidos: professor x aluno, vendedor x cliente etc. • Lugar e momento de ocorrência legítimos: uma aula dada em um bar seria ilegítima e marcaria uma transgressão, efeito muitas vezes desejado e produtor de sentidos. Quanto à temporalidade dos gêneros no discurso, esta implica: • Periodicidade: gêneros recorrentes, como uma missa, um curso, um telejornal. • Duração de encadeamento: a duração de leitura, por exemplo, de um jornal em oposição à leitura efetuada na tela do computador. • Continuidade: uma piada, por exemplo, deve ser contada de uma só vez x uma série de televisão, apresentada em episódios. • Duração de validade presumida: um jornal é válido no dia, um exemplar de revista, uma semana, um mês. • Organização textual: um provérbio, por exemplo, caracteriza-se por estrutura binária, ele- mentos da poética como ritmo, rimas, em oposição às falas espontâneas do dia a dia. • Suporte material: papel ou materiais impressos, ondas sonoras, pixels e/ou sequên- cias numéricas digitais. NOTA 40 É neste aspecto que as mídias digitais vêm enriquecer a reflexão sobre os gêneros discursivos: na medida em que permitem múltiplos arranjos e incursões nos gêneros existentes. Para Maingueneau (2004), as mídias não são apenas meios ou suportes para o discurso, mas verdadeiros agentes de transformação do próprio discurso, na medida em que o seu desenvolvimento provocou a ruptura da sociedade com a era de estabilidade da escrita e abriu caminho a novos processos discursivos, novas formas comunicativas híbridas (misturando imagens, codificações próprias, caminhos abertos). Daí que não se pode mais opor simplesmente as linguagens oral e escrita. Após o surgimento das TDICs, que misturam ambas, surge uma nova forma de concepção das linguagens e seu uso cotidiano através das ferramentas digitais. Para entender esses aspectos, observe a Figura 4 e as formas de comunicação e gêneros apresentados: FIGURA 4 − ILUSTRAÇÃO DE GÊNEROS DIGITAIS FONTE: . Acesso em: 13 jun. 2020 Você, sem dúvida, reconheceu vários contextos e gêneros de que se serve nas interações do dia a dia: da conversa ao texto escrito, a conversa escrita através do celular, a escrita com ares de desenho, enfim, múltiplas possibilidades nas formas de interação. No subtópico a seguir – os gêneros e o discurso eletrônico no contexto digital – vamos aprofundar este tema. IMPORTANTE 41 3 GÊNEROS TEXTUAIS E O DISCURSO ELETRÔNICO DO CONTEXTO DIGITAL: MULTISSEMIOSES Neste subtópico, falaremos um pouco de tecnologias digitais – as tecnologias digitais da informação e comunicação (TDICs). Observe a imagem apresentada a seguir e pense rapidamente: Como você integra neste gráfico a noção de gênero abordada no subtópico anterior? FIGURA 5 − EXEMPLOS DE TECNOLOGIAS NA ATUALIDADE FONTE: . Acesso em: 26 out. 2019. Nesta imagem encontram-se representados diferentes setores da sociedade, diferentes modos de interação e aspectos familiares a sua realidade cotidiana. O que é possível depreender destes ícones com relação aos gêneros presentes nas formas de interação social atuais? Que “tipos de textos relativamente estáveis” – ou gêneros – são passíveis de ocorrência nessas interações? Muita coisa mudou na sociedade, não é? Conforme vimos no subtópico anterior, este fato implica na emergência de novos gêneros discursivos que se estabilizam e têm por origem os avanços ocorridos na esfera tecnológica e as transformações sociais. Com efeito, desde a invenção da roda até o computador, a tecnologia, segundo Kenski (2007), envolve todo o saber-fazer da humanidade, das ferramentas pré-históricas às últimas invenções da pós-modernidade. Assim, faz evoluir, junto com ela, os gêneros discursivos que circulam nas sociedades. Atualmente – e na perspectiva em que é adotado o termo “digital” neste estudo –, esse corresponde ao que Santaella (2007, p. 45) conceitua como universo virtual: “espaço informacional, no qual o usuário pode acessar, movimentar e trocar informações com um incontável número de usuários”. Antes de abordarmos os gêneros que circulam neste universo virtual, vamos aprofundar algumas noções relativas a este universo e suas formas de funcionamento. 42 3.1 UNIVERSO VIRTUAL: O CONTEXTO DIGITAL Neste subtópico, veremos alguns conceitos relacionados às tecnologias digi- tais que favorecem o surgimento de novos gêneros discursivos na atualidade virtual. São eles: • O ciberespaço: também chamado de “rede” é o novo meio de comunicação através da interconexão mundial dos computadores. Engloba não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas o “universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo” (LEVY, 1999, p. 16). • Tecnologia da Informação e da Comunicação (TICs): conjunto de tecnologias (hardware, software e telecomunicações) que favorecem a automação e a comu- nicação, seja em processos comerciais, pesquisa, ensino ou na vida cotidiana das pessoas (BELINI, 2014). São exemplos de suportes: telefone, computador, rádio, tele- visão, as mídias em geral. • Tecnologia digital (TD): permite a transformação de qualquer linguagem ou dado em números (0 e 1). Imagens, sons, textos, que percebemos através dos sentidos (visão, audição), são transformados em sequências numéricas (binárias) e lidas por dispositivos variados chamados de maneira geral computadores (RIBEIRO, 2019). • Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs): o processo de digitalização permite um maior fluxo e troca de informações e dados, por isso é cada vez mais presente. Como já citado, TICs e TDs distinguem-se por sua natureza – as TICs são ferramentas analógicas – e pela anterioridade, pois surgiram antes no tempo. Novas Tecnologias, Novas Tecnologias da (Informação) e Comunicação são denominações adotadas. Atualmente, usa-se Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação − TDICs − (GEWEHR, 2016). Quer saber como chegamos à era digital? Leia: HARARY, Y. N. Sapiens: uma breve história da humanidade. São Paulo: LP&M Editora, 2014. O autor revê o desenvolvimento da humanidade em fases: Cognitiva, Agrícola e Científica. Atualmente, estamos vivendo a Revolução Virtual. O quadro apresentado a seguir sintetiza a trajetória das tecnologias de informação e comunicação ao longo das épocas, os suportes predominantes e a finalidade associada a cada uma. DICAS 43 QUADRO 1 – EVOLUÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO TIC/DIC SUPORTE ÉPOCA FINALIDADE Era da oralidade Voz Pré-História Comunicação Culturaoral Pinturas rupestres Há 30 mil anos Comunicação Cultura oral escrita Placas cuneiformes 2 mil a.C. Alfabeto e comunicação Escrita Invenção do papel 105 d.C. Registros-comunicação Cultura oral escrita Manuscritos, copistas, leitura oral coletiva Até a Idade Média Produção e difusão da informação Era da escrita Início do texto impresso, leitura silenciosa Fim da Idade Média Ensino, comunicação e lazer Cultura oral/ escrita Imprensa Guttenberg Manuscritos e livros Séc. XV Difusão do conhecimento 1as universidades de Educação Pública Textos escritos Séc. XVII-XIX Conhecimento/saber Imprensa: 1ª mídia – Nova prática Texto escrito: livro (leitura individual silenciosa) Séc. XVII, XVIII Informação, conhecimento lazer Jornal: profissão/ internac. Texto escrito e gráfico Séc. XIX-XX Informação, conhecimento lazer Telégrafo Fio/cabo 1840 Ensino notícia lazer Era audiovisual Ondas/som/imagem Séc. XX Ensino, notícia lazer Rádio (EUA) Ondas/voz/música 1920 Notícia de guerra, publicidade, lazer Televisão (EUA e Europa) Ondas/Imagem em movimento 1940-1950 Informação com imagens Computador (EUA Alemanha, Grã Bret) Eletromecânica transistores 1940-1950 Realizar operações, cálculos Era da informação Gravador/Computador/ TV 1960 Comunicação, instrução lazer Internet (EUA) Rede 1960 Comunicação a distância Era da informática Computador/lousa interativa Anos 1990 Ensino e comunicação Macintosh 128 Revolução do texto Informática, mouse, Interface gráfica 1984 PC para uso pessoal Era digital Internet 1995 Interconexão World Wide Web Inteligência artificial e conexão entre aparelhos Séc. XXI Ensino, comunicação lazer Tecnologia digital Smartphones 2000 Comunicação lazer R. sociais, Google Smartphones, PC, I.A. 2000- Sociedade 4.0-5.0 FONTE: Adaptado de Kohn e Moraes (2007) 44 AUTOATIVIDADE Agora, reflita: como é que os gêneros discursivos surgiram e evoluíram ao longo do período histórico abordado no quadro apresentado? 3.2 O DISCURSO ELETRÔNICO Acadêmico, vamos começar com o vídeo de Ouvindo e Aprendendo CBN: Gêneros digitais, que você poderá acessar em: https://www.youtube.com/watch?- v=bT0SPy385fA. Como você pôde verificar no vídeo, e conforme já tratamos no subtópico ante- rior, o discurso eletrônico distingue-se dos discursos oral e escrito, tal como estes são apreendidos em suas características de linearidade, fronteiras, linguagem verbal e não verbal, circulação longe de seu contexto de produção. No entanto, há outras diferenças em jogo ao se tratar desse tipo de discurso. Antes de mais nada, convém lembrar que o discurso eletrônico nada mais é do que o produto de traduções − de linguagem de pro- gramação − dos discursos e modalidades tradicionais: oral, escrito, visual. Nem sempre temos consciência disso, não é mesmo? Esse aspecto, porém, é inovador com relação às formas discursivas anteriores e por isso nos interessa, pois permite alterações infini- tas nos discursos produzidos e compartilhados pelo ciberespaço. O discurso mediado pelas TDICs é a tradução das modalidades oral, es- crita, visual em linguagem digital, o que permite infinitas produções e transformações num sistema aberto. Vamos ver um exemplo prático: observe a Figura 6. Temos nesta figura uma pessoa que tira uma foto selfie. Talvez você nem perceba, mas acontece um processo complexo: por que as pessoas tiram as selfies? Para se verem? Se mostrarem ao mundo? Para gritar ao mundo que estiveram num determinado lugar? Para existir? E o que acontece entre a produção e a recepção? Será que a imagem reproduz o real? Não, não é? Pois bem, esta transformação é possível através da transcodificação do real ao virtual – aqui, no sentido já visto, de potencialidade − e sua restituição segundo um sistema aberto a múltiplas possibilidades, as potencialidades virtuais. IMPORTANTE 45 Transcodificação, aqui, quer dizer em outro código, além do real: as possibilidades subjacentes ao gesto de tirar a foto selfie. FIGURA 6 − A TRADUÇÃO DO REAL AO VIRTUAL NA IMAGEM DIGITAL FONTE: . Acesso: 20 fev. 2020 Na imagem, ocorre um efeito de perspectiva e área central condensada – efeito de emagrecimento. Você provavelmente já usou essa possibilidade – pois os aparelhos já vêm com a técnica embutida − e construiu, através dos recursos oferecidos pela tecnologia digital, uma imagem ideal. Serviu-se de um discurso “traduzido” pela possibilidade digital. Levy (1999, p. 78) já predizia isso ao afirmar: “o mundo virtual, no sentido amplo, é um universo de possíveis”. Pela fotografia selfie, nos construímos em “possíveis” pela concepção que temos de nós mesmos e a que queremos dar ao universo. Os recursos oferecidos pela digitalização acarretam a emergência de múltiplas possibilidades de produção, comunicação e discursos. Vamos refletir sobre o efeito selfie a partir da afirmação de Cassettari (2012, p. 145): O gênero textual dirige-se à materialização do discurso, enquanto prática concreta, na construção sócio-histórica, no uso comunica- tivo, definido por objetivos, funcionalidade, institucionalidade e tec- nicidade. É uma decorrência das necessidades humanas e ajusta-se às alterações cotidianas. NOTA 46 Logo, o efeito selfie é o produto de uma transformação ocorrida na sociedade como um todo: a globalização, a interconexão e as possibilidades oferecidas pelo ci- berespaço, por onde comunicamos e por onde ocorre a circulação de informações e conhecimentos. Nesse aspecto, convém lembrar a noção de “condições de produção” de Orlandi (2009) referindo-se ao contexto sócio-histórico-ideológico da produção. Por que uma selfie? Pois é moda? Pois os sujeitos precisam se mostrar através desse gê- nero? Por que os sujeitos produtores do discurso imergem em um universo que lhes escapa? Segundo Rasia (2016, p. 114): O ato diário e contínuo de imersão nas redes sociais tem construído/ imposto para e pelos sujeitos um real que lhes diz sobre a necessida- de imperiosa de lá se fazerem presentes, sob pena de não existirem. [...] E os limites entre o imaginário e as condições de verdade dessa construção se esvanecem [...]. Impiedosa ironia que traga os sujeitos, impedindo-os, muitas vezes, [...] de romperem com o círculo. O exposto é apenas um exemplo dos gêneros possíveis no discurso digital. No entanto, sabemos que não é único, já que novos gêneros emergem no espaço virtual que se transforma em alta velocidade, ressignificando e aprimorando também gêneros existentes (MARCUSCHI, 2010). As interações no ciberespaço são rápidas, e isso influencia os gêneros que aí se configuram. São características dos textos da mídia (ROJO; MOURA, 2012, p. 23): • Interatividade e natureza colaborativa. • Transgressão das relações de poder, sobretudo, as relações de propriedade (das máquinas, ferramentas, ideias e textos, sejam verbais ou não. • Hibridismo, no sentido de flertarem com as fronteiras, misturando linguagens, modos, mídias, culturas etc. Como as TDICs incorporam essas características? Para Sampaio e Oliveira (2017, p. 165): [...] grande parte dos usos linguísticos na contemporaneidade envolvem novas tecnologias da informação e da comunicação. Os bilhetes passados por debaixo da carteira foram substituídos por “WhatsApps”; as cartas enviadas pelos Correios foram substituídas por e-mails; as opiniões pouco fundamentadas, que eram ditas sem pensar, ouvidas por alguns poucos e esquecidas minutos depois, hoje podem ganhar o mundo em minutos através de postagens no Facebook. E a mudança não é apenas uma questão do recurso tecnológico usado em nossas manifestações linguísticas. Trata-se de uma mudança que atinge também, por exemplo, o conteúdo, a estrutura, o objetivo do que é dito/escrito [...]. É uma nova forma de produzir e de ler textos, que impacta, portanto, tanto o trabalho do autor quanto o do leitor. NOTA 47 Você percebeu, então,no que consiste o discurso eletrônico e suas implicações para os processos de leitura, escrita, comunicação? Os gêneros discursivos sofrem uma reestruturação e reconstrução contínua: a cada segundo, novas possibilidades estão surgindo, devido à velocidade e à sincronicidade com que as interações ocorrem no ciberespaço. Amplie seus conhecimentos sobre os gêneros digitais assistindo ao vídeo de Práticas de Linguística aplicadas ao ensino: memes e gêneros textuais: você sabe usar um meme? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=67y1cvay-Ow. A seguir, refletiremos sobre as linguagens e as TDICs. 3.3 LINGUAGENS NO DISCURSO ELETRÔNICO: MULTISSEMIOSES E O “INTERNETÊS” Até agora, você refletiu sobre as noções de texto, gênero, discurso digital. Vamos agora analisar as transformações nas linguagens no discurso digital. Para Machado (1999, p. 122): No contexto digital, o conceito de gênero explora possibilidades combinatórias atípicas ao mundo da cultura literária-tipográfica. Pela primeira vez a materialidade da escrita e não apenas o seu conteúdo assume um poder maior de definição sobre o gênero. O texto digital não diz respeito apenas ao conteúdo da mensagem, mas sobretudo aos recursos que tornam possível sua realização. O gênero depende de todo o contexto mais amplo da enunciação não só do dito e do não dito [...], mas do visível e do invisível [...]: o contexto material é a interface insubstituível do texto. Vamos lembrar, em primeiro lugar, que os dispositivos e recursos proporcio- nados pela tecnologia e as tecnologias de informação e comunicação sofreram uma verdadeira explosão (MACHADO, 1999). Ao funcionar através de uma interface gráfica especialmente prevista para as interações em meio digital, a noção de texto é ampliada: o texto, que já era “tecido”, passa a ser fabricado através de um design específico. Esse design vai “tecer os gêneros geradores do texto digital” (MACHADO, 1999, p. 123). Em seguida, quanto às linguagens, nas formas de organização das mensagens, as possi- bilidades se tornaram tão infinitas quanto as possibilidades de uso da linguagem (MA- CHADO, 1999). DICAS 48 No vídeo Gêneros Digitais, você foi levado a prestar atenção em algumas peculiaridades dos gêneros digitais e as linguagens que os caracterizam. Que tal rever estas informações? Assista ao vídeo, que está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=bT0SPy385fA. Embora se trate de um sistema aberto a possibilidades ilimitadas, do ponto de vista descritivo das práticas atuais, Marcuschi (2005, p. 19) aponta alguns efeitos da linguagem escrita no contexto digital: • Usos da linguagem: pontuação minimalista, novidades ortográficas, abundância de siglas, abreviaturas não convencionais, estruturas frasais pouco ortodoxas e uma escrita semialfabética. • Natureza enunciativa da linguagem: integração de maior número de semioses do que usualmente, tendo em vista a natureza do meio, com a participação mais intensa e menos pessoal. Surge a hiperpessoalidade. • Gêneros realizados: a internet transmuta, de maneira bastante complexa, gêneros existentes, desenvolve alguns realmente novos e mescla vários outros. Você já ouviu falar em netspeak ou txtspeak? São maneiras de designar o “internetês”. Internetês é um código da era digital utilizado nas interações – os usuários têm a impressão de estarem em presença, mas servem-se do código escrito. São características do internetês (XAVIER, 2002 apud MAGNABOSCO, 2009, p. 52): • Hibridismo de linguagens – oralidade e escrita. • Multimodalidades – combinação de várias formas semióticas, como o som e a imagem nas interações trocadas através da escrita. • Produção de enunciados mais curtos com menor índice de nominalizações por frase. • Uso de cumprimentos informais. • Alongamentos vocálicos com funções paralinguísticas. • Sinais de verificações dos interlocutores. • Campo de atuação restrito − principalmente, os chats – num mesmo suporte – a tela do computador/smartphone e um mesmo evento sociointeracional –, a conversa privada ou em grupos. DICAS IMPORTANTE 49 A Figura 7 ilustra esses aspectos nas mensagens trocadas por aplicativos de comunicação, neste caso o WhatsApp. É assim que você se comunica através desses aplicativos? FIGURA 7 − EXEMPLO DE TROCA DE MENSAGENS VIA APLICATIVO WHATSAPP FONTE: . Acesso em: 29 jun. 2020. A imagem revela aspectos do gênero “conversa via WhatsApp” que convém apontar: • Situação de comunicação: interações informais entre amigos mediadas pelo aplicativo de conversas. • Gêneros e códigos: reprocessamento de códigos − de escrita, gêneros − em novas estruturas − o diálogo, gênero de oralidade representado pela linguagem escrita. • Múltiplas semioses: ocorrência de linguagens hibridas, verbal – oral/escrita/abre- viações e não verbal –, pictórica/icônica nos desenhos e na imagem do interlocutor. • Materialidade da escrita: Evidência da forma diante do conteúdo transmitido − novos códigos: “mlk”, “td”, “vc” e “emojis” são alguns exemplos. • Uso dos recursos gráficos: traduz elementos paralinguísticos ligados à oralidade − repetição de letras, ícones, envio de áudio, numa profusão de recursos relativamente codificados, mas abertos a diferentes representações. • Sequências: breves e comportando abertura – com saudação/resposta, multisse- mióticas. • Desvios na comunicação: truncagem/mal-entendidos − na segunda sequência − obri- gando retomadas e repetições – A não [Ah, não], eu te pedi... /E o aplicativo de banco? • Tradução: Palavras, sons, imagens são traduzidos pelo recurso à numerização. • Sensorialidade: os contatos facilitados pelo dispositivo digital lançam as interações para a esfera virtual. • Elementos paralinguísticos: Oieeeeee, fffffffffffffaz um favor? 50 As multissemioses através do hibridismo de linguagens, as marcas da oralidade traduzidas por linguagem escrita – pictórica, pontuações, repetições – e, sobretudo, a evidência assumida pelo significante caracterizam a linguagem no discurso digital, gênero chat. A seguir, serão abordados os filtros do texto digital. 4 OS FILTROS DO TEXTO DIGITAL Você já viu que o discurso digital é permeado por sequências textuais que compreendem os usos da linguagem em interação. Estes usos da linguagem respondem a dois modos de funcionamento: o dos gêneros primários, que levam a dialogar com o mundo, e os gêneros secundários, a referir-se ao mundo e discorrer sobre ele. Podemos também classificar os usos da linguagem no meio digital em gêneros de diálogo – interação – e gêneros narrativos – informação. Esses gêneros ocorrem no discurso virtual através de linguagens variadas, com predomínio de um outro aspecto: o aspecto sensorial. Sobre isso, Kenski (2012, p. 32) salienta: A tecnologia digital rompe com as formas narrativas circulares e repetidas da oralidade e com o encaminhamento contínuo e sequencial da escrita e se apresenta como um fenômeno descontínuo, fragmentado e, ao mesmo tempo, dinâmico, aberto e veloz. Deixa de lado a estrutura serial e hierárquica na articulação dos conhecimentos e se abre para o estabelecimento de novas relações entre conteúdos, espaços, tempos e pessoas diferentes. Modos de referenciamento, abreviações, links hipertextuais que permitem a ampliação das possibilidades de leitura, a navegação entre documentos, são recursos que possibilitam ires e vires numa construção cooperativa e colaborativa dos discursos. Os conhecimentos integram-se, dinamizam-se, ampliam ao infinito o leque de possibilidades cujas fronteiras não são divisórias, mas se traduzem por filtros digitais (MACHADO, 1999). O resultado são gêneros híbridos, multissemióticos, novas construções e funcionamentos de gêneros tradicionais. A seguir, veremos gêneros orientados ao diálogo. IMPORTANTE 51 4.1 GÊNEROS DE DIÁLOGO Gêneros virtuais fundados no diálogo constituemlugares privilegiados para observação das características emergentes no discurso virtual (como você pôde ver na Figura 7): • Chats: o termo “chat” é um anglicismo que poderia ser traduzido por “bate-papo” ou “conversa”. Pode ser individual – duas pessoas conectadas e em situação de diálogo −, ou público − quando a mensagem é compartilhada com outros usuários de um grupo. No discurso digital, é uma ferramenta – o fórum − que permite comunicar (por escrito) em tempo real através da internet − quer dizer que quando a mensagem é enviada, ela é imediatamente recebida pelo(s) destinatário(s). O mesmo acontece com as mensagens deixadas em um fórum. Quando, no chat, é possível ver a outra pessoa, fala-se em videochat ou videoconferência. Nesse caso, trocam-se mensagens escritas, imagens ou sons, com recurso de uma câmera digital e um microfone (CONCEITO.DE, 2014). • Fórum: significa “fora” e na Roma antiga era uma praça situada fora dos muros da cidade, em que se tratavam os negócios do povo e aconteciam os julgamentos. Atualmente, um fórum é uma reunião para discutir assuntos de interesse geral, com presença de um auditório que pode intervir nas discussões. Como gênero discursivo, um fórum é uma técnica de comunicação unindo várias pessoas em torno de um tema de interesse comum e moderado por um moderador. Na internet, os fóruns são aplicativos que permitem dialogar e discutir temáticas específicas. A partir de uma mensagem publicada pelo moderador, os utilizadores respondem e/ou fazem avançar a reflexão iniciada através de linguagem escrita (CONCEITO.DE, 2012). • Homepage: espaço virtual na Internet constituído de diversas “páginas virtuais” acessíveis a partir de um domínio da World Wide Web (o www). São multissemióticos ao incluírem imagens, textos, sons, animações Flash, que podem ser partilhados em linha. O mais habitual é que a página inicial (ou URL inicial) permita o acesso às outras páginas através das quais o visitante pode navegar por hiperlinks. Um navegador – programa informático que permite acessar informações na internet − é necessário para acessar às homepages. Constituem um gênero híbrido entre diálogo e narrativa, pois os agenciamentos, a diagramação, a forma com que se pode transitar entre as páginas podem apresentar situações que se relacionam (CONCEITO.DE, 2019). Esses três casos ilustram alguns gêneros de diálogo frequentes na Web. A se- guir você verá os gêneros narrativos e seu desempenho nas TDICs. 52 4.2 GÊNEROS NARRATIVOS As narrativas existem nas sociedades e parecem ter existido desde sempre. Personagens, enredo e tempo ocupam os discursos. Afinal, todos nós contamos histórias, não é mesmo? Com a evolução das sociedades e o advento das TDICs, as narrativas também adquiriram novas formas de expressão, adaptando-se ao suporte − a tela −, ao meio de produção – computador, tecnologia digital −, à modalidade – cada vez mais visual – e à ampliação da possibilidade de publicação. Assim, imagens fixas, tais como as fotografias, são narrativas visuais (BARTHES, 1980), e as imagens em movimento também. Paul (2007) classifica os elementos das narrativas digitais em cinco grandes categorias que apresentam, cada qual, subclasses: • Mídia: corresponde ao tipo de expressão usado pelo narrador: vídeo, áudio, fotos, texto, desenhos animados, gráficos etc. Engloba quatro aspectos: configuração, tipo, ritmo e edição. A primeira concerne as combinações de mídias para construção da narrativa; o tipo corresponde à mídia empregada; o ritmo refere-se ao fluxo − gravada ou ao vivo – e a edição ao grau de alteração dos conteúdos. • Ação: refere-se ao movimento do conteúdo e à ação necessária para acessá-lo. Assim, pode ser dinâmico – há movimento – ou estático – não há movimento; ativo –, em que é demandado a intervenção do usuário – ou passiva – sem necessidade de intervenção. • Relacionamento: relação entre o usuário e o conteúdo. Sua principal característica é a versatilidade. Assim, pode ser aberto e não limitar a uma única ação por parte do usuário ou fechado, limitando a ação do usuário. O conteúdo aberto pode ser linear e impor ao usuário uma ordem nas escolhas, ou não linear e oferecer escolhas; também pode ser customizável e identificar parâmetros informativos relacionadas ao(s) interlocutor(es) ou padrão, não permitindo esta identificação; ainda, pode ser calculável ou não calculável – as respostas são registradas ou não; manipulado ou fixo − com movimentação dos conteúdos ou não –, expansivo – com acréscimos aos conteúdos –, ou limitado – sem possibilidade de acréscimo. • Contexto: nas narrativas digitais, compreende a habilidade de ampliar os conteúdos através de links. Os links podem ser operacionalizados por hipermídia ou – autoexplicação; os links podem estar embutidos na narrativa – internos – ou paralelos a ela – ao lado; podem ser internos − enviam a materiais produzidos no mesmo site da narrativa –, ou externos – enviam a outros ambientes; suplementares – enviam a materiais que diferem do conteúdo –, ou duplicativos – enviam a informações já apresentadas; podem ainda ser de natureza contextual – o objetivo do link é enviar o material específico da narrativa −, relacionado – o link envia a um material similar –, ou recomendados – o link remete a tópicos de interesse. 53 • Comunicação: pode ser sincrônica ou assincrônica e refere-se ao contato com outros usuários a partir da mídia. Compreende a configuração – diferentes formas de comunicação −, tipo – modo de comunicação entre os usuários −, direcionamento – gravado ou ao vivo -, moderação – com acompanhamento dos autores – e objetivos – corresponde aos objetivos dos links comunicativos. Para Alexander e Levine (2008 apud ALBUQUERQUE, 2012, p. 36), as narrativas digitais são: “abertas, ramificadas, hiperlinkadas, multimidiáticas, participativas, exploratórias e imprevisíveis”. Um gênero narrativo recorrente nas plataformas digitais − blogs, miniblogs, websites de armazenamento e/ou compartilhamento de documentos e vídeos − é o storytelling digital. Storytelling é a “ação de contar histórias, utilizando ferramentas, estratégias e tecnologias da Web” (ALEXANDER; LEVINE, 2008 apud ALBUQUERQUE, 2012, p. 36). Podemos contar nossa história emocional através de uma selfie, não acha? No ensino da língua portuguesa o storytelling pode ser utilizado segundo objetivos diversos: estimular a reflexão e desenvolver um pensamento crítico, promover a criatividade, envolver os alunos em atividades colaborativas, instigando-os a se tornarem protagonistas de seu processo de aprendizagem (BARRET, 2006). Pode-se criar histórias em colaboração, distribuir os papéis – enquanto uma equipe define personagens, outra elabora enredo, uma terceira cria ambientações, tudo com imagens, textos e sons. Algumas plataformas são Pixton (para histórias em quadrinhos); Utellstory (para uma narrativa digital) e aplicativos: Storykits (narrativas) ou o Sonipics (imagens narradas). Se nós gostamos de contar histórias, algumas narrativas produzem um efeito de subjetivação. Vamos continuar a análise do caso selfie – gênero de que já falamos no Subtópico 3.2. − a partir de Rasia (2016). No funcionamento da imagem selfie, há vários “pontos de deslizamentos dos sentidos” (RASIA, 2016, p. 111). A selfie é uma forma de subjetivação, na medida em que: • há alteração no plano de captação da imagem; • os objetivos do registro também se alteram: uma selfie só faz sentido com a distribuição nas redes sociais, e isso implica, necessariamente, uma alteridade – um outro a quem se destina; • a distribuição responde à injunção por visibilidade, modo específico de subjetivação; • ocorre indistinção entre sujeito e objeto, ou entre referente e referido; • o plano de fundo perde importância: isso implica um processo de desistoricização; • o eu, que se coloca em centro imponente e absoluto, acaba perdido na profusão de eus dentro do fenômeno de banalização de imagens emcenas cotidianas. IMPORTANTE 54 Assim, o gênero selfie, muito presente nas mídias e redes sociais, transforma não apenas nossa relação com a imagem, mas oferece uma releitura de conceitos linguístico-discursivos, ajustando-os à nova realidade do ciberespaço. Ao banalizar-se o processo, há “um efeito de retorno, centralismo e suposto universalismo do eu, por meio da imagem propagada ad infinitum, em razão proporcional à indistinção de eus na massa profusa da globalização” (RASIA, 2016, p. 112). O discurso das mídias digitais é uma imensa forma de narrativas, presentes nos blogs, homepages, páginas de redes sociais, tantos testemunhos quanto as próprias interações que aí se processam. Para Rocha e Alves (2010, p. 222): “somos protagonistas de nossas histórias” nesse universo onde o velho e o novo colidem, onde “o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis”. As narrativas publicitárias escritas, sonoras, visuais, multissemióticas visam consumidores exigentes e individualizados, interativos e cada vez mais “ligados” nessas modalidades que o meio oferece: redes sociais, fóruns de discussão, bate-papos virtuais ou a mera navegação pelo universo ilimitado de possibilidades oferecido pela rede. Mediada pelos meios digitais, a sociedade vive uma amplificação de vozes, em que as pessoas estão aprendendo a compartilhar pensamentos, ideias e experiências através de novos modos de produzir e consumir conteúdos. A realidade se confunde com o virtual e vice-versa e o comportamento social se altera, perdendo suas amarras e abrindo espaço para a fluidez de informações, comportamentos e relacionamentos (ROCHA; ALVES, 2010, p. 222) Nessa “cultura da convergência” (ROCHA; ALVES, 2010, p. 223), todos se tornam participantes ativos, produtores de narrativas sob as mais variadas formas e alcances: testemunhos, processos, histórias imaginárias, todo tipo de material acaba em podcasts, cada um oferecendo seu discurso de sedução em escala globalizada. Podcast é um arquivo digital de áudio transmitido pela Internet. De conteúdo variado, visa transmitir informações sobre algo. Os podcasts diferem dos “feeds de texto”, a serem lidos, pois são texto audíveis. São considerados a tendência para a publicidade e o marketing digital. FONTE: . Acesso: 28 nov. 2019. Encerramos com esse gênero digital nossa reflexão sobre diálogos e narra- tivas digitais. NOTA 55 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu: • O discurso é uma forma de ação assumida por um sujeito enunciador, regida por normas, num determinado contexto e integrado no interdiscurso. • O discurso digital ocorre em um ambiente virtual com regras próprias onde circulam as informações: o ciberespaço. • As tecnologias que possibilitam diferentes discursos evoluíram ao longo dos séculos: do uso da voz ou da escrita ao recurso às mais variadas tecnologias, dentre as quais, atual- mente, podemos citar as TDICs, tecnologias digitais de informação e comunicação. • Como fenômeno intrínseco às práticas sociais, novos gêneros – formas relativamente estáveis ocorrendo em situações específicas – surgem: a selfie é um gênero do discurso digital em voga na atualidade. • Os discursos correntes em diversas áreas desenvolvem linguagens específicas: no gênero digital, híbrido e multissemiótico, as interações caracterizam-se por: brevidade, uso de imagens e abreviações, interrupções, marcas de oralidade como alongamentos vocálicos e repetições, caracterizando uma forma de oralidade por escrito no midium tecnológico. • Os filtros dos discursos digitais permitem interseções e/ou integrações entre diversos aspectos e/ou gêneros, diferentemente do conceito de fronteiras, que estabelecem limites. O texto digital, assim, é marcado por múltiplas possibilidades de produção, leitura, interação, tanto entre produtores e receptores, quanto entre gêneros. 56 AUTOATIVIDADE 1 O desenvolvimento das tecnologias digitais transformou os papéis de produtores e consumidores de textos. Ao mesmo tempo, novas habilidades tornaram-se fundamen- tais para a comunicação. Analise as asserções e assinale a alternativa INCORRETA: a) ( ) As mídias digitais interessam ao estudo dos gêneros do discurso porque permi- tem múltiplos arranjos e incursões nos gêneros que já existem. b) ( ) As mídias não são apenas suportes para o discurso, mas verdadeiros agentes de transformação do próprio discurso. c) ( ) Formas comunicativas híbridas são exclusivas aos processos discursivos media- dos pelas TDICs. d) ( ) O desenvolvimento das TDICs provocou uma ruptura na sociedade da escrita. 2 Os links hipertextuais permitem ampliação das possibilidades de leitura, através da navegação entre documentos e a construção de sentidos diversos que surgem à medida que diferentes escolhas são operadas. O professor de línguas – portuguesa e estrangeiras – pode tirar proveito desse aspecto na medida em que os links favorecem: a) ( ) Distrações para a rotina da sala de aula. b) ( ) Análise dos textos durante explicações gramaticais por parte do professor. c) ( ) Ires e vires entre textos, autores e alunos, favorecendo um aprendizado ativo e colaborativo. d) ( ) Possibilidade de consultar as respostas antes de um exercício. 3 Em seus estudos linguísticos, Bakhtin introduz e discute várias noções, dentre as quais, as noções de gênero discursivo e de dialogismo. Partindo dessas noções, analise as duas asserções apresentadas a seguir e a relação proposta entre elas: I- Para Bakhtin, a linguagem é um fenômeno profundamente social e histórico e, por isso, ideológico. PORQUE II- A unidade básica de análise linguística é o enunciado, ou seja, elementos linguísticos produzidos em contextos sociais reais e concretos. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. b) ( ) I e II são proposições falsas. c) ( ) I e II são proposições verdadeiras, e II complementa o sentido de I. d) ( ) I e II são proposições verdadeiras, mas não há relação entre elas. 57 TÓPICO 3 - DIVERSIDADE CULTURAL E DE LINGUAGEM NO MEIO DIGITAL 1 INTRODUÇÃO UNIDADE 1 O ser humano é complexo por natureza. Cada indivíduo é único em sua forma de pensar e agir e dessa individualidade extrai um potencial que lhe permite interagir com os outros seres, seja a natureza, seres humanos ou as tecnologias que, juntos, de- senvolvem. Falar em diversidades culturais e meio digital impõe que se apresente, em primeiro lugar, o conceito de “cultura”. Assim, neste tópico, serão abordados, em primeiro lugar, os aspectos pertinen- tes à cultura e à cultura digital. Em seguida, a partir da noção de cultura de Bauman (1998), discutir as diversidades e discursos que se enfrentam no meio digital. Veremos também alguns tipos específicos de discurso e os desafios que representam na cultu- ra digital da atualidade. Assim, falaremos do discurso jornalístico e do livro na cultura digital, partindo do pressuposto das novas formas de leitura e consumo bibliográfico. Esperamos que sua trajetória neste tópico seja produtiva e agradável. Bom trabalho! 2 A DIVERSIDADE CULTURAL NO AMBIENTE DIGITAL Antes de falarmos sobre a diversidade cultural, vamos definir “cultura”, um conceito complexo e que oferece uma pluralidade de abordagens que se alteram nas sociedades e evoluem com o tempo. Para você, o que é “cultura”? A palavra “cultura” tem origem no latim colere, cuidar de, tomar conta, transformar a natureza. Daí “agricultura” – cuidar dos ou transformar os produtos agrícolas − e cibercultura − ocupar-se do ou transformar o ciberespaço. 58 Cultura: conjunto dos hábitos, sociais e religiosos, das manifestações intelectuais e artísticas que caracteriza uma sociedade. Por exemplo: a cultura inca, a cultura ocidental. Normas de comportamento, saberes, hábitos ou crenças que diferenciam um grupo de outro: provêm de culturas distintas.FONTE: DICIO. Definição de cultura. 2019. Disponível em: https:// www.dicio.com.br/cultura/. Acesso em: 24 nov. 2019. Segundo Cuche (2002), a palavra “cultura” foi uma invenção do século XVIII na França, onde surgiu acompanhada das práticas a que fazia referência: “cultura das artes”, por exemplo. Usada, inicialmente, no singular refletia o universalismo dos filósofos, pois a consideravam própria ao gênero humano como um todo. A partir de então, incorporou em seu significado o sentido de erudição, expandindo-se por empréstimo às outras regiões, como expressão das ideias humanistas. Os humanistas apregoavam o progresso, a instrução, o desenvolvimento intelectual levando ao conhecimento. Cultura passou então a opor-se a tudo que não estivesse nessa perspectiva. Traduzida para o alemão kultur opõe-se ao termo francês elitizado e adquire um sentido de “civilização”. A estratificação social no período – opondo às cidades em pleno progresso científico e regiões não desenvolvidas, tidas como bárbaras ou selvagens – aprofunda esta divisão no contexto europeu dos finais do Século XVIII e no Século XIX. Isso faz com que se desenvolva a noção de cultura como descritiva das diversidades características dos diversos povos. Assim, a partir do antropólogo britânico Edward Burnett Tylor, cultura é a expressão da totalidade da vida social dos seres humanos coletivamente. É adquirida desde o nascimento por processos inconscientes (GODOY; SANTOS, 2014, p. 20). Os comportamentos dos indivíduos em cada cultura são condicionados socialmente, com tendências gerais e instintivas. Socialmente quer dizer que os indivíduos estabelecem relações de três tipos com o grupo em que se encontram: • Relações com o mundo orgânico e inorgânico. • Relações no interior dos grupos. • Relações condicionadas de forma subjetiva: como vivem o luto, relação com o pudor, o amor aos pais, o direito à propriedade privada etc. Assim, se determinam as ações – boas ou más − dos indivíduos (PEREIRA, 2012). IMPORTANTE 59 Para Bauman (1998), o termo “cultura” entrou na linguagem num período anterior, a partir da divisão de Cícero entre o culto da alma e a agricultura: “a necessidade externa de ação e a determinação interna de agir proporcionaram conjuntamente a estrutura em que o mundo era apreendido (BAUMAN, 1998, p. 162). A partir daí, o conceito passou a ser dividido segundo uma expectativa de trabalho entre “os que fazem e os que são feitos”, “os escultores e os esculpidos”: de um lado pensadores, instruídos, como professores, educadores, mentores morais, e do outro, a massa bruta “à espera das mãos hábeis do lapidador” (BAUMAN, 1998, p. 162). Por fim, surge o mundo como “o teatro do seu encontro” para a socialização, a educação, ensino e aprendizado. Nessa ótica, a noção de cultura foi cunhada como “fábrica de ordem” visando a um “sistema ordenado em que nada é deixado ao acaso”. Criam-se regras, as regras são aperfeiçoadas, numa relação “hierárquica” em que tudo é planejado. Esta concepção original de cultura (no singular) persistiu na sociedade, mas fez-se acompanhar da noção de diferencial: necessidades humanas iguais devem ser satisfeitas de modos diferentes – que não são melhores ou piores, são apenas outros. Daí falar-se em “culturas”, no plural, e “cultura”, no singular, como um dispositivo “antialeatoriedade” (BAUMAN, 1998, p. 164). A sociedade atual, globalizada, vive um novo paradigma e os fenômenos culturais mudaram drasticamente: hoje, os próprios consumidores da cultura são seus produtores – metáfora da “cooperativa de consumidores” (BAUMAN, 1998, p. 168). Espontâneas, livres, as ações não são determinadas ou causais, mas “interacionais” num território social “cooperativo”, de autogoverno em que não há como decidir de antemão onde surgirá a autoridade (BAUMAN, 1998, p. 169-70). Lembra do que viu sobre as narrativas publicitárias, storytellings e podcasts? Então: no ciberespaço da era digital, todos se tornaram protagonistas virtuais prontos a se tornarem protagonistas globais num espaço em movimento. No âmbito da cultura, não existe separação entre continuidade e mudança. Como no mercado de consumo, através da demanda, o excesso de signos determina quais se transformam em “símbolos culturais” num “entrechoque de desejos incompatíveis, como salvação e perdição abraçando-se estreitamente, [...] a vida encontrando sua realização somente na morte [...]. “A liberdade e a aparente infinidade de possibilidades criativas acompanha unicamente o excesso de signos, sua redundância, falta de função e finalidade” (BAUMAN, 1998, p. 174). O autor vê aí o segredo da perpétua não satisfação do desejo: “necessitamos sempre de mais liberdade do que temos – mesmo que a liberdade de que achamos que necessitamos seja liberdade para limitar e confinar a liberdade atual” (BAUMAN, 1998, p. 175). IMPORTANTE 60 No ciberespaço, Levy (1999, p. 118) aponta que: “a ecologia das técnicas de comunicação propõe, os atores humanos dispõem”. Eles constroem, deliberadamente ou levados pelo inconsciente coletivo, o universo cultural conjunto. A “cibercultura” torna-se, assim, “o universal”, mas sem a perspectiva de totalidade, pois o conjunto é formado a partir de indivíduos. Além disso, os indivíduos encontram-se diante da possibilidade comunicativa – da interação em presença da era oral −, mas também disponibilizando do conjunto dos conhecimentos e informações do ciberespaço. Daí as diversidades culturais circulantes e globalizadas. A seguir, veja a trajetória dos conhecimentos, desde tempos remotos até o ciberespaço. 2.1 DA CULTURA DE ORALIDADE À CULTURA DIGITAL: UMA EVOLUÇÃO Para iniciar este subtópico, convidamos você, acadêmico, a revisitar o Quadro 1, Tópico 2, Subtópico 3.1 e rever a evolução das tecnologias ao longo dos séculos. Como você pôde ver, comunicar e transmitir conhecimento sempre foram atividades integradas ao fazer humano. Cada sociedade, porém, segundo o estágio de evolução em que se encontra, apresenta peculiaridades. À medida que evoluem e que os conhecimentos se transmitem, as técnicas se aprimoram e aumentam em complexidade. Percebemos essas passagens na divisão das Revoluções Industriais ou de sociedade em ponto zero (.0): • Sociedade 1.0 – Caça e coleta: é o início de tudo, ocorrem os primeiros contatos do ser humano com a natureza. • Sociedade 2.0 – Agricultura: abandono do nomadismo e adoção do sedentarismo; surgem pequenas cidades e começam descobertas e trocas entre os indivíduos. • Sociedade 3.0 – Indústria: surgimento de máquinas e indústrias. Predomina o poder, as cidades aumentam com a demandas de mão de obra para a indústria; há necessidade de formação dessa mão de obra; revolução na vida dos cidadãos. • Sociedade 4.0 – Informação: é a atualidade, em que as informações circulam livre e rapidamente pelos meios de comunicação em massa e pela Internet. Alto impacto da tecnologia com Inteligência Artificial, Robótica, a sociedade gira em torno da tecnologia e do compartilhamento de experiências e informações, agregando conhecimento. • Sociedade 5.0 – Superinteligente: iniciou no Japão e ramifica-se através do planeta. Toda informação chega aos usuários pela simples vontade, interconexão global de humanos e tecnologias, cidades inteligentes, uma forma totalmente nova de conceber a existência. FONTE: . Acesso em: 22 nov. 2019. 61 A sociedade 4.0 tornou-se complexa. O conhecimento gerado desde os fins da era 2.0, início da era 3.0, tornou-se extremamente complexo e segmentado. Este modelo de conhecimento segmentado só pode ser gerido através das tecnologias, pois é humanamente impossível conceber as múltiplas subdivisões a que chegamos. Além disso, as interações passaram a ocorrer globalmente de forma instantânea, apagando as fronteiras do tempo e do espaço. Diante disso, mais que conhecer, impera saber como agir, despertar para umanova forma de sociedade do terceiro milênio. Este tema será aprofundado no Tópico 2 desta Unidade. Lembra da obra do autor da teoria da complexidade, Edgar Morin: Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro? Nela, o pesquisador dá uma visão englobante dos percalços da sociedade, educação, ciência na entrada do Terceiro Milênio. Boa leitura! Na Sociedade da Informação e do conhecimento, que é aquela em que os conhecimentos se tornaram acessíveis através da circulação pelo ciberespaço, as tecnologias (computadores e sistemas de telecomunicações) ocupam um lugar de destaque para todas as áreas, pois é preciso estar conectado, em tempo real, para existir. Gosta de ler? Lembre-se da trajetória da humanidade na obra de Yuval Noah Harari, Sapiens: uma breve história da Humanidade. Boa leitura! O quadro a seguir mostra a evolução dos conhecimentos e suas finalidades por período. DICAS DICAS 62 QUADRO 2 – OS CONHECIMENTOS AO LONGO DAS ERAS E SUAS FINALIDADES Período Classe Conhecimento Finalidade Era primitiva Artesãos Empírico: funciona- não funciona Utilidade prática Sacerdotes Racionalidade Explicar os fenômenos através do Divino Era clássica Filósofos gregos - Aristóteles Lógica e observação Explicar os fenômenos através da razão Era medieval Pensadores e populações Mitos, crenças Explicar os fenômenos por influência Iluminismo Experimentalistas: Da Vinci, Galileu Galilei Raciocínio matemático Experimentação Funciona-não funciona com Método, critérios Comprovar os fenômenos para comprovação Época moderna Cientistas – René Descartes Método científico cartesiano Explicar as partes para entender o todo. Academias científicas Aplicação e experimentação Aprofundar saberes Habilidades Revolução Industrial Burguesia, Aristocracia europeia Prático: fabricação Aplicação dos saberes Pós-Segunda Guerra Países desenvolvidos Tecnologia da inf. e comunicação Comunicação Guerra Fria Departamento de defesa – EUA Rede de comunicação Espionar inimigos Pós-Guerra Fria ARPANET – EUA Rede de computadores Comunicação Pós-Modernidade Comunidades científicas e de pesquisa Internet Busca e trocas de conhecimentos Contemporaneidade Globalização www - Google Informação, conhecimento, comunicação global FONTE: Adaptado de Sales e Almeida (2007) No quadro apresentado, você pôde percorrer a trajetória entre o início da humanidade, tal como ela nos é conhecida, seus relacionamentos com as técnicas, linguagens, usos que deles são feitos, até a nossa era globalizada em que informação e conhecimento se tornam preponderantes com relação a mercadorias e poder econômico. Como veremos ao longo deste livro didático, estes fatores impactam diretamente na educação e no ensino e aprendizagem da língua portuguesa. A seguir, você será levado a refletir sobre a Internet e a sua vocação a compar- tilhar informações e conhecimentos. 63 2.2 A INTERNET COMO ESPAÇO DO SABER: REPOSITÓRIO DE CONHECIMENTOS Segundo Levy (1999, p. 118): Hoje, tecnicamente, devido ao fato da iminente colocação em rede de todas as máquinas do planeta, quase não há mais mensagens "fora de contexto", separadas de uma comunidade ativa. Virtualmente, todas as mensagens encontram-se mergulhadas em um banho comunicacional fervilhante de vida, incluindo as próprias pessoas, do qual o ciberespaço surge, progressivamente, como o coração. O ciberespaço tornou-se o lugar privilegiado da informação e circulação dos conhecimentos armazenados ao longo de milênios pela humanidade. Quando surgiu, três princípios foram fundamentais a seu implante e sua propagação: a interconexão, a criação de comunidades virtuais e a inteligência coletiva. Dessa forma, toda a informa- ção encontra-se em um espaço virtual, uma rede coletiva e universal de conhecimentos em circulação. “Uma comunidade virtual é construída sobre as afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo de coopera- ção ou de troca, tudo isso independentemente das proximidades geográfi- cas e das filiações institucionais” (LEVY, 1999, p. 128). Como espaço de compartilhamento de informações, conhecimentos, comportamentos, as comunidades virtuais implicam a reciprocidade: o usuário dispõe de informações e também disponibiliza conteúdos on-line. Assim, segundo Levy (1999, p. 130), são: A expressão da aspiração de construção de um laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais, nem sobre as relações de poder, mas sobre a reunião em torno de centros de interesses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaboração. Você lembra da classificação dos gêneros de Maingueneau, que vimos no Subtópico 2.3, Tópico 2? O discurso a partir de um lugar, de um posicionamento. No ciberespaço, a partir da existência do laço social, o discurso tem por vocação suprema a construção da inteligência coletiva. De que maneira? Através da reciprocidade, a cooperação interativa entre produtores – de conhecimentos – e consumidores (LEVY, DICAS 64 1999, p. 134). Assim, por exemplo, ao se tratar das “ciberartes”, o espectador é convidado a participar na confecção da obra, que se torna um produto colaborativo. Isso torna esse tipo de discurso um discurso “aberto”, apto a todas as possibilidades e formas de organização: programas de computadores facilitam composições textuais colaborativas, com autores situados em diversas partes do globo, atualizando conteúdos e contribuindo à feição dos materiais textuais disponibilizados nessa esfera virtual. Dessa maneira, os “limites”, as “fronteiras” de texto, de gênero, de discurso tornam-se permeáveis. Levy (1999, p. 137) cita o exemplo da música que, ao ser disponibilizada em streaming – em contínuo – “conhece fenômenos de padronização comparáveis aos que a impressão teve sobre as línguas”. No Século XV, a escrita contribuiu à padronização linguística nos dife- rentes territórios europeus onde textos impressos nos idiomas oficiais levaram ao declínio de muitos dialetos falados então (LEVY, 1999). No ciberespaço, a própria palavra escrita parece estar sendo levada ao de- clínio através da preferência pela imagem, de que já falamos. Com a hegemonia da língua inglesa, língua franca, Levy (1999) considera que estamos atravessando novo período de padronização. O www – world wide web – favorece a emergência da inteligência coletiva. E, diante disso, podemos nos questionar até que ponto ainda é possível falar em culturas – como conjunto de individualidades – no ciberespaço. Para Levy (1999), três formas fundamentais operam na construção cooperativa de um universo de dados: • Para o texto: dispositivo hiperdocumental para leitura-escrita cooperativa em rede. • Para a música: um processo recursivo de criação e transformação de uma memória- fluxo por uma comunidade de cooperadores diferenciados. • Para a imagem: interação sensório-motora com um conjunto de dados que define seu estado virtual. A disponibilização e construção universal dos conhecimentos apresenta efeitos que transformam nossa forma de trabalhar os conhecimentos: • Simulação: tornou-se o modo preponderante de estudo e pesquisa. As simulações amplificam a imaginação individual e, em consequência, aumentam a inteligência de modo global. IMPORTANTE 65 • Impressão de caos: o conjunto dos saberes “flutua” (LEVY, 1999, p. 168), o que pode desorientar a pesquisa e a simulação por causa da interconexão em tempo real. No entanto, como essa interconexão em tempo real favorece a inteligência coletiva, esse efeito é anulado. • Inteligência artificial: perde importância diante da valorização da inteligência co- letiva que demanda a sinergia de habilidades – a disponibilização da memória, da imaginação, da experiência, a criatividade – efeitos que as novas formas de comuni- cação facilitam, mas não determinam. • Memória coletiva internacional:5 3 LETRAMENTO PARA PÚBLICOS MULTILETRADOS ..........................................................8 3.1 LEITURA NA CONTEMPORANEIDADE ............................................................................................... 9 3.2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO .................................................................................................. 10 3.3 LETRAMENTO DIGITAL E MULTILETRAMENTOS...........................................................................12 4 TEXTO IMPRESSO E TEXTO DIGITAL: DESAFIOS E OPORTUNIDADES ......................... 15 4.1 O HIPERTEXTO ......................................................................................................................................17 4.2 LINEARIDADE X NÃO LINEARIDADE ..............................................................................................22 4.3 LEITOR X LEITOR COAUTOR – DIÁLOGOS ....................................................................................26 RESUMO DO TÓPICO 1 ........................................................................................................ 30 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................. 31 TÓPICO 2 — GÊNEROS DIGITAIS E HIPERGÊNERO ........................................................... 33 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 33 2 GÊNEROS TEXTUAIS X GÊNEROS DISCURSIVOS .......................................................... 33 2.1 ENTRE O TEXTO E O DISCURSO: NOÇÕES ....................................................................................34 2.2 BAKHTIN E A NOÇÃO DE GÊNERO ..................................................................................................36 2.3 ANÁLISE DOS TEXTOS EM COMUNICAÇÃO: DOMINIQUE MAINGUENEAU E O DISCURSO ......................................................................................................................................39 3 GÊNEROS TEXTUAIS E O DISCURSO ELETRÔNICO DO CONTEXTO DIGITAL: MULTISSEMIOSES ............................................................................................................. 41 3.1 UNIVERSO VIRTUAL: O CONTEXTO DIGITAL .................................................................................42 3.2 O DISCURSO ELETRÔNICO ...............................................................................................................44 3.3 LINGUAGENS NO DISCURSO ELETRÔNICO: MULTISSEMIOSES E O “INTERNETÊS” ......................47 4 OS FILTROS DO TEXTO DIGITAL ...................................................................................... 50 4.1 GÊNEROS DE DIÁLOGO .......................................................................................................................51 4.2 GÊNEROS NARRATIVOS ....................................................................................................................52 RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................................ 55 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 56 TÓPICO 3 — DIVERSIDADE CULTURAL E DE LINGUAGEM NO MEIO DIGITAL ...................57 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................57 2 A DIVERSIDADE CULTURAL NO AMBIENTE DIGITAL ......................................................57 2.1 DA CULTURA DE ORALIDADE À CULTURA DIGITAL: UMA EVOLUÇÃO ...................................60 2.2 A INTERNET COMO ESPAÇO DO SABER: REPOSITÓRIO DE CONHECIMENTOS ......................... 63 3 A BANALIZAÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO MEIO DIGITAL .......................... 65 3.1 A FONTE DE INFORMAÇÃO NO TEXTO DIGITAL ............................................................................66 3.2 DISCURSOS HÍBRIDOS: COAUTORIAS DIGITAIS ..........................................................................69 4 A FORMAÇÃO DE OPINIÃO: JORNALISMO TRADICIONAL X JORNALISMO ELETRÔNICO ................................................................................................................. 71 4.1 OS DISCURSOS QUE SE ENFRENTAM NA INTERNET ................................................................. 73 5 OS DESAFIOS DO LIVRO DIGITAL ....................................................................................75 5.1 LEITURAS: SUPORTE FÍSICO X TELA .............................................................................................. 76 5.2 PLATAFORMAS: AUTORES E LEITORES NO CIBERESPAÇO ..................................................... 77 LEITURA COMPLEMENTAR .................................................................................................79 RESUMO DO TÓPICO 3 ........................................................................................................ 84 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 85 UNIDADE 2 — ENSINO E APRENDIZAGEM NA ERA DIGITAL ..............................................87 TÓPICO 1 — O PAPEL DO PROFESSOR FRENTE AOS MULTILETRAMENTOS ................... 89 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 89 2 EDUCAÇÃO CONVENCIONAL E EDUCAÇÃO DIGITAL .................................................... 89 2.1 HISTÓRIA DA ESCOLA E DO ENSINO...............................................................................................90 2.1.1 Contexto histórico-social de evolução do paradigma de ensino .................................. 91 2.1.2 A escola tradicional ...................................................................................................................92 2.1.3 Tendências construtivistas .....................................................................................................93 2.1.4 Olhar sobre a pós-modernidade: metodologias ativas ....................................................95 2.2 O NOVO PARADIGMA EDUCACIONAL ............................................................................................ 97 2.2.1 Tipos de sociedades ................................................................................................................. 97 2.2.2 As diferentes tecnologias .......................................................................................................99 2.2.3 Educação mediada pelas tecnologias...............................................................................100 2.3 PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS: PROJETOS, DESAFIOS, RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS ................................................................................................................................. 102 2.3.1 Aprendizagem por projetos ..................................................................................................103 2.3.2 Desafios de aprendizagem ...................................................................................................104 2.3.3 Aprendizagem centrada na resolução de problemas ...................................................105 3 ESTRUTURAS DIGITAIS E RECURSOS PARA APRENDIZAGEM ...................................105 3.1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ................................................................................................................105 3.1.1 Definição .....................................................................................................................................105 3.1.2 Evolução do ensino a distância ........................................................................................... 107 3.1.3 Ensino a distância e autoaprendizagem ...........................................................................108 3.2 AMBIENTES DE APRENDIZAGEM ...................................................................................................110o ciberespaço tornou-se o principal equipamento coletivo internacional de memória, pensamento e comunicação, detentor da história e do conjunto de fazeres da humanidade, sendo mediador essencial da inteligência coletiva universal. Terminamos este subtópico com uma reflexão sobre o impacto da cibercultura no mundo de hoje: “a desterritorialização da biblioteca a que assistimos hoje talvez não seja mais do que o prelúdio para um [novo] tipo de relação com o conhecimento. Por uma espécie de retorno em espiral à oralidade original, o saber poderia ser novamente transmitido pelas coletividades vivas” (LEVY, 1999, p. 164). Quais são as implicações destes aspectos e, sobretudo, da observação feita pelo autor de que “o saber poderia ser novamente transmitido pelas coletividades vivas”? É o que veremos no subtópico seguinte ao abordarmos a banalização da liberdade de expressão no meio digital. 3 A BANALIZAÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO MEIO DIGITAL Dizem que “nem toda verdade deve ser dita”, certo? Talvez você não concorde, mas apesar da forte interatividade e cooperação de que falamos no subtópico anterior, nem tudo pode ser dito de qualquer maneira a qualquer momento nas interações mediadas pelas tecnologias digitais. A possibilidade de interação contínua entre indivíduos das mais variadas culturas, a todo momento, sem barreiras que impeçam a expressão, o uso e as trocas das informações e conteúdos de todo tipo que se possa conceber, transformou o universo virtual em um território aberto a todas as possibilidades que se conheça e que ainda venham a ser descobertas. Por isso, a difusão das informações e as trocas interativas obedecem a algumas regras sobre o que pode e o que é dito, quem diz, quando, onde, por quê. Vamos analisar, a seguir, a origem das informações trocadas no ciberespaço. Em seguida, veremos os discursos híbridos e as coautorias digitais. 66 3.1 A FONTE DE INFORMAÇÃO NO TEXTO DIGITAL Quando tratamos do discurso, vimos que toda informação emana de uma fonte que assume, com maior ou menor distância, a responsabilidade sobre os enunciados produzidos nas diferentes situações de comunicação. É através da produção e da circulação que as informações conhecidas e compartilhadas formam os conhecimentos e saberes que contribuem a fazer avançar a sociedade. Seja para a satisfação de necessidades básicas, para a resolução de problemas, ou para as reflexões filosóficas mais profundas, dependemos das trocas discursivas. Nesse sentido, ainda, dependemos da fiabilidade das fontes consultadas no ambiente aparentemente caótico do ciberespaço. Ao ler um livro, ouvir uma afirmação em interação presencial sobre o tempo que faz, ouvir o apito do guarda de trânsito na injunção de parar, a fonte dos conteúdos compartilhados é direta e facilmente observável, a validade das asserções imediatamente confirmável, pois a presença física e a concomitância temporal permitem, quase instantaneamente, a confrontação, através de processos cognitivos muitas vezes inconscientes, para a coerência e sua aceitação. Você já ouviu falar das máximas conversacionais, de Herbert Paul Grice? Que tal assistir ao vídeo de Deolinda Duarte: Máximas conversacionais de Grice, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AE6SxENnSQs. Segundo Grice (1975 apud FIORIN, 2013), as máximas conversacionais são: • Máxima de quantidade: dizer o necessário, não mais nem menos. • Máxima de qualidade (verdade): ser verídico e provar o que diz, sem exprimir como certo o que julgar falso (não mentir ou pretextar intencionalmente). • Máxima de relação (pertinência): falar sobre o tema abordado (ser pertinente). • Máxima de maneira: evitar ambiguidades e prolixidades inúteis, falar de maneira clara e ordenada. Como você pode ver, os elementos contextuais são determinantes para os con- teúdos trocados e a transmissão das informações entre as pessoas. As máximas de Grice aplicam-se, sobretudo, às interações verbais em presença, as conversações. Neste tipo de interação, a sua observação é palpável. O mesmo não ocorre nas trocas mediadas pelo discurso digital em que “o virtual existe sem estar presente” (LEVY, 1999, p. 49). NOTA 67 Vamos nos centrar na origem do conteúdo e sua pertinência ou real contribuição à troca. Você é o usuário que busca uma informação, a plataforma − máquina, site etc. −, o interlocutor que a fornece. Como assegurar-se − da pertinência, veracidade, origem − de que a resposta é plausível com a busca que você realiza? Estamos diante do fenômeno da desorganização, do aparente caos de que falamos no subtópico anterior. O desenvolvimento exponencial de conteúdos no meio digital torna a tarefa da escolha de fontes seguras bastante complexa, devido à profusão de fontes de informação disponíveis. A adoção de alguns critérios permite, no entanto, saber identificar a origem e a pertinência das informações compartilhadas. Evidentemente, aqui estamos falando sob uma perspectiva enunciativa – no sentido de Bakhtin e de que todo enunciado possuir uma instância na base em que assume a proposição e a apresenta como verdadeira. Lembre-se das máximas de Grice, já apresentadas e esclarecidas no vídeo a que você assistiu. Para Levy (1999), o melhor uso a ser feito das TDICs é conjugar de forma eficaz as inteligências e a imaginação humanas. Afinal: Não se pode compreender ou apreciar o que se desenrola no ciberespaço a não ser pela participação ativa, ou então ouvindo as narrativas de pessoas integradas em comunidades virtuais ou "surfando na Net" e que contarão suas histórias de leitura e escrita (LEVY, 1999, p. 202). O ciberespaço tende à inteligência coletiva, cada interação (cor)responde a in- teresses, de modo que o aprendizado de novas habilidades para uso desta ferramenta se torna primordial. Como as interações mediadas pelo contexto digital crescem mais do que as interações reais, pode-se temer o caos (LEVY, 1999) – a maioria de nós já con- templou mais reproduções do que obras de arte originais, por exemplo –, mas isto não causa o fim das interações reais, apenas amplia a inteligência coletiva do ciberespaço, mediante a exposição e circulação dos discursos através dele. O ciberespaço é uma “forma de continuidade de crescimento ou de aprofundamento ao mesmo tempo em que é processo de emergência e abertura radical” (LEVY, 1999, p. 222). Ele muda a vida: NOTA 68 • Nos modos de relação: comunicação interativa e comunitária de todos com todos no centro de espaços informacionais coletivamente e continuamente reconstruídos. • Nos modos de conhecimento, de aprendizagem e de pensamento: simulações, navegações transversais em espaços de informação abertos, inteligência coletiva. • Nos gêneros literários e artísticos: hiperdocumentos, obras interativas, ambientes virtuais, criação coletiva distribuída. Como “extensão do potencial humano”, o ciberespaço exige, conforme Levy (1999, p. 233), que os usuários se interroguem sobre seus hábitos e reflexos mentais e os adaptem às novas necessidades. Da mesma maneira, o desenvolvimento de filtragens e a implementação de algoritmos permite que cada usuário obtenha a informação que lhe é mais pertinente em cada situação. Algoritmo, em ciência da computação, é uma sequência finita de ações executáveis que visam obter uma solução para um determinado tipo de problema ou executar uma tarefa. FONTE: . Acesso em: 30 nov. 2019. Ainda, sobre algoritmos, há outra obra de HARARI, Y. N. 21 lições para o século XXI. Trad. de Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. Se estiver preparado, perceberá a emergência de padrões de qualidade – endereços que mais são acessados, por exemplo, sites educacionais, informações produtivas etc. Um dos papéis da educação do século XXI é preparar os alunos desta e das futuras gerações para esta nova forma de comportamento e interação. Falaremos desse assunto nas próximas unidades.NOTA DICAS 69 3.2 DISCURSOS HÍBRIDOS: COAUTORIAS DIGITAIS No Tópico 2, quando tratamos do hipertexto, vimos que o usuário, torna-se “consumidor e autor no hipertexto” (LEVY, 1999, p. 58). Desse modo, os caminhos – links – lhe são possibilitados pelo autor, mas, a partir daí, ocorrem múltiplas possibilidades de leituras e reconstruções do texto original. Barthes (1980, p. 82), já aplicava ao texto físico esta possibilidade interativa: “[...] o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo”. Nesse entre- laçamento participam diversos elementos e agentes: o sujeito, a história, o cultural, o social, o ideológico, a ficção, a realidade e a sua representação. Trata-se de um processo que forma uma tessitura híbrida, o que acaba sendo um campo fértil para a irrupção da linguagem do inconsciente (PIMENTA; MOMESSO; ASSOLINI, 2016). Nos suportes digitais, leitura e escrita conhecem uma ampliação nestes processos de en- trelaçamento perpétuo. Além disso, conforme já vimos, hábitos e códigos alteram-se: as gerações digitais leem, mas esta leitura difere da leitura em suporte físico que é menos interrompida, mais profunda, tendendo à reflexão. Já nas TDICs, as multissemioses, a velocidade das interações, os “hiper” – texto, gênero – deslocam leitores e autores também à esfera “hiper”. Chartier (2000, p. 20) ressalta que se: [...] transforma profundamente nossa relação com a cultura escrita: em primeiro lugar, a representação eletrônica da escrita modifica radicalmente a noção de contexto e, em consequência, o próprio processo da construção do sentido. Por outro lado, ela redefine a materialidade das obras porque ela desata o laço imediatamente visível que une o texto e o objeto que o contém e que ela dá ao leitor, e não mais ao autor ou ao editor, o domínio sobre a composição, a découpage [o recorte] e a própria aparência das unidades textuais que ele quer ler. O leitor do texto digital tem, porém, a sua frente, um texto palpável que ele mesmo recorta e reconstrói. Essa maior participação do leitor na composição do texto − através da interação, dos links hipertextuais e da disponibilização de todos os conteúdos no ciberespaço − extraiu do autor a posição em destaque em que se encontrava com o livro impresso e colocou em evidência o “eu” do leitor. Assim, contribuem a fazer deste leitor coautor (MOMESSO, 2004). A possibilidade de expressar-se sobre todas as formas de conhecimento e pensamento, universais e disponíveis no ciberespaço responde, segundo Pimenta, Momesso e Assolini (2016), a um desejo da humanidade desde sempre. O ciberespaço concretizou-o num “mundo sem fronteiras” (PIMENTA; MOMESSO; ASSOLINI, 2016, p. 388), em que leitores são autores em um processo sempre inacabado. O leitor, singular diante de sua leitura, torna-se coautor na era digital. 70 Mudaram as formas de escrita: manuscrita, impressa, digital, e muda- ram os suportes: pedra, papel, tela. Consequentemente, mudaram os agentes: autor, leitor, coautores. O leitor adquire maior liberdade com relação ao texto: interage, intervém, interfere, navega e constrói o texto de forma colaborativa. Para Momesso (2004, p. 139): [...] o texto eletrônico permite desenvolver e ampliar as argumen- tações e demonstrações, o hiperleitor pode verificar a validade de qualquer demonstração através da consulta pessoal aos textos, ima- gens, sons gravados, ou seja, a tudo que estiver disponibilizado em forma digitalizada. Portanto, ao mesmo tempo, o texto eletrônico de aparência simples é complexo, em virtude da presença da multili- nearidade e da fragmentação, de textos não verbais e de aparatos paratextuais, da falta de ordem preestabelecida para sua navegação, de sua simultaneidade de produção e de circulação. Todas estas ca- racterísticas contribuem para o surgimento de uma nova ordem de discurso e de razões. A multilinearidade, na concepção da linguística ecossistêmica das línguas e discursos como estruturas vivas, interacionais, é a possibilidade de múltiplas direções nos discursos, à maneira de um rizoma. Isso porque o mundo “é uma imensa rede de relações em que tudo está relacionado a tudo, sem limites conhecidos” (COUTO, 2016, p. 47). O e-book – livro publicado digitalmente e compartilhado no ciberespaço – também é propício à divisão dos papéis, afinal, para publicar ou ler um livro em meio digital, é necessário pagar pelo programa (software) em que ele está codificado, e, quando possível, fazer constantes atualizações (upgrades) neste software, para reformatar o arquivo e manter o acesso a ele (JOBIM, 2004). O livro, neste caso, depende do suporte como o texto escrito dependia da durabilidade do papel, mas enquanto o autor deste permanecia único para a leitura, o primeiro divide o processo com o(s) autor(es) do programa, que possui(em) direitos de autoria sobre a obra. NOTA IMPORTANTE 71 Conforme o artigo 4 do Tratado de Direitos Autorais da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (World Intellectual Property Organi- zation Copyright Treaty), adotado em Genebra em 20 de dezembro de 1996, o qual estabelece que: “programas de computador são protegidos como obras literárias no âmbito de sentido do artigo 2 da Convenção de Berna. Tal proteção aplica-se a programas de computador, quaisquer que sejam o modo ou forma de sua expressão” (UNITED NATIONS, 1996 apud JOBIM, 2004, p. 81-82). No Brasil, a Lei dos Direitos autorais de 1998 rege acesso, distribuição e compartilhamento de textos e obras em meio digital e torna crime burlar mecanismos de Sistemas de Proteção e Ges- tão de Direitos Autorais. Você verá implicações dos fenômenos de coautoria e ecossistema na prática na Unidade 2, ao abordarmos os REAs (Recursos Educacionais Abertos) disponíveis no ciberespaço. 4 A FORMAÇÃO DE OPINIÃO: JORNALISMO TRADICIONAL X JORNALISMO ELETRÔNICO O surgimento de novos gêneros e modos de funcionamento dos discursos pode despertar o medo de que a nova forma será causa de morte da forma que a precedeu. O jornalismo conheceu diversas vagas nesse aspecto, mas o medo revelou-se improcedente: o rádio não substituiu a imprensa escrita, o audiovisual não substituiu o rádio, nem a presença do gênero no ciberespaço está substituindo as formas jornalísticas precedentes. O que mudou então? Mudou a maneira de se relacionar com a informação – da leitura em suporte impresso à leitura digital − e, sobretudo, a opinião – a supressão do tempo e do espaço na era digital permite interação com o discurso jornalístico –, a seção “Opinião do leitor” torna-se um bate-papo, um podcast ou mensagem vídeo ao vivo no ciberespaço. Na era da imprensa impressa, a opinião se formava a partir de personalidades a quem se atribui um status para tal, conferido pelo público envolvido. Ter o direito de publicar em grandes organismos de imprensa conferia ao cronista da “opinião” a autoridade necessária para opinar. E estes discursos eram validados pelo público − leitores e/ou pares – ou, contestados, numa manifestação aberta da democracia e dos discursos circulantes e aferidos pela doxa. NOTA 72 Doxa significa crença comum ou opinião popular. Daí palavras como “ortodoxo”, “heterodoxo”. Para os retóricos gregos era a ferramenta para formação de argumentos através de opiniões comuns, a doxa (em oposição ao saber verdadeiro, episteme). FONTE: . Acesso em: 2 dez. 2019. Nas mídias digitais, porém, opinião pública deixou de ser sinônimo de opinião publicada (KOTSCHO, 2008). Há várias implicações nesse processo: • Coautoria: a opinião nas mídias digitais é compartilhada pelos leitores coautores, nos pro- cessos interativos entre produção, recepção, circulação dos discursos no ciberespaço. • Democratização: as fontes do jornalismo digital pertencem aos mesmos grupos detentores do jornalismo impresso. No entanto, há mais pessoas acessando a internet do que havia leitores da imprensa escrita. Essa participação interativapermitiu a ascensão do, antes, leitor e receptor passivo ao estatuto de coformador de opinião. • Acesso: os poderes político, econômico e da comunicação perdem força pela transpa- rência das informações proporcionadas pelas interações através do ciberespaço. • Internet: permite a emergência de um perfil de sociedade pelas manifestações de opinião individuais dentro do sistema globalizado. Com as mídias digitais, a formação de opinião sofreu múltiplos deslocamentos (LIMA, 2011): • Dos mais velhos − pais, lideranças comunitárias − para os mais jovens – os filhos. • Das elites – classes A e B – para camadas populares – classes C e D. • Das mídias clássicas – televisão, rádio – para o boca a boca e as mídias digitais interativas. • A regionalização: produções culturais, artísticas e jornalísticas se deslocam para o meio do povo, havendo, consequentemente, maior afirmação e descentralização. Através da maior visibilidade, das múltiplas formas de interação, o jornalismo eletrônico não informa conteúdos e opinião de maneira unilateral, mas representa, nas mídias, opiniões das massas – representatividade das diversas classes sociais. Da mesma maneira como ocorre na educação, com o foco no aluno e não mais no professor, o jornalismo eletrônico é focado no público e suas demandas em particular. NOTA 73 Essa nova forma de conceber o acesso às informações e à formação de opinião não está isolada das atividades de leitura, mas ambas caminham juntas. No subtópico a seguir, você verá os desafios do livro na era digital e as diversidades de culturas. Se considerarmos com Jonas (2006 apud OLIVEIRA, 2017, p. 54) que a educação tem um fim determinado “como conteúdo: a autonomia do indivíduo, que abrange essencialmente a capacidade de responsabilizar-se”, podemos perceber, nos deslocamentos vistos, um grau mais elevado de educação e responsabilização da sociedade brasileira. 4.1 OS DISCURSOS QUE SE ENFRENTAM NA INTERNET Nas diversas culturas existem regras e normas que regulam as interações, para que a sociedade não entre em colapso, como grupo de indivíduos que convivem e interagem uns com os outros. Com efeito “em toda sociedade, a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos” (FOUCAULT, 1996, p. 8-9). Vejamos cada um deles: • Controle: não é possível afirmar toda e qualquer coisa que nos vem à ideia. É preciso estar investido de legitimidade para afirmar o que afirmamos. • Seleção: ao estar investido de legitimidade, também é preciso selecionar o conteúdo nas possibilidades linguísticas, ideológicas, orientações argumentativas, o posicionamento assumido, a situação. • Organização: tendo em vista os objetivos visados, o discurso é organizado e estruturado. Para convencer alguém, por exemplo, são necessários argumentos, já para apresentar um produto é necessário descrevê-lo, apresentar modalidades e funcionamentos etc. • Redistribuição: toda produção discursiva possui na sua essência uma intenção comunicativa. Logo, a distribuição ocorre em consequência da produção e implica a noção de circulação, conexões. A emergência de falas individualizadas imbuídas de autoridade e opinião pública legitimada permite que, através do espaço virtual, circulem diferentes discursos opostos. Ao analisar as mídias de massa e suas repercussões na sociedade, Humberto Eco tece duras críticas aos efeitos da Internet na sociedade. As facilidades de emissão de opinião, a falta de hierarquia das intervenções, deu à ferramenta um poder de globalização a “legiões de idiotas” (ECO, 2015 apud KARNAL, 2017, p. 107). Para Karnal (2017, p. 107), a internet facilita a vida de quem odeia: “se a globalização fez com que bobagens alcançassem escala global, a internet maximizou a expressão de ódio, de intolerância, de exacerbação de preconceitos e da violência da linguagem”. Isso se dá por razões diversas: 74 • Distância física: a interposição das telas encoraja os discursos de enfrentamento e ódio. • Anonimato: facilita a quebra de regras como polidez, máximas conversacionais, ética. • Estatuto dos sujeitos: a “democratização” hegemoniza os sujeitos em interação no ciberespaço tornando a todos coautores dos textos. Ao mesmo tempo em que os hegemoniza, também confere a cada um, um poder universal. Quando uma informação é conflitante com os padrões de um usuário, a coautoria o autoriza a opor- se à informação, seja ela emitida localmente ou advinda do outro lado do planeta. • Acessibilidade às plataformas: antes, emitir opiniões demandava custos e riscos. Havia custos na publicação dos livros e na aquisição da legitimidade para fazê-lo; os riscos, na reação dos interlocutores e do público em geral levando a perdas. • Senso de identidade dos discursos de ódio: a expressão de discursos de ódio tornou-se lugar comum na rede e ver o ódio expresso tranquiliza os usuários. • Noção de pós-verdade: a mentira é usada de forma consciente, mas sem assumir relevância na rede. “O que importa é a sua eficácia” (KARNAL, 2017, p. 109). • Viralização: informações falsas são repassadas e com isso vão se carregando de um ódio coletivo. Opor-se ao processo significa passar por transgressor. • Imposição da felicidade: negligenciar a dimensão trágica da existência ao impor um bem-estar constante pode levar ao prazer de contemplar – e viralizar – o ódio alheio. • Percepção: aumento, a nível mundial, da percepção de violência na atualidade globalizada. O passado é sempre virtuoso. Karnal sintetiza o poder da internet: “a internet não criou os idiotas, mas o ataque anônimo nas redes deu ao ódio do covarde uma energia muito grande. Deu- lhe a proteção da distância física e do anonimato” (KARNAL, 2017, p. 110). E propõe duas alternativas como solução aos enfrentamentos na internet: coerção e consenso (KARNAL, 2017): • Coerção: obtida por meio de medidas coercitivas (leis, proibições, punições) a fim de regular os comportamentos. • Consenso: obtido através da educação e da discussão das funções e papéis de cada um, sobretudo o da escola, na formação de uma criança. Logo, o seu papel de (futuro) professor de língua portuguesa também tem a ver com a discussão dos discursos de enfrentamento e oposição que circulam no ciberespaço. As tecnologias também servem para isso. Caso contrário, acabaremos com as diversidades culturais a enfrentarem-se ao modo deste comentário do autor sobre as diferenças que se opõem: Os dois – criminosos e pacíficos representantes do bem – têm direito à terra; quem tiver as armas melhores vai fazer valer o seu direito. Que o seu discurso seja sempre representante do bem! Terminamos, assim, este subtópico sobre os discursos que se enfrentam na internet. A seguir você refletirá sobre os desafios do livro digital, leitura e direitos autorais. 75 5 OS DESAFIOS DO LIVRO DIGITAL O prazer da escrita e da leitura tem acompanhado a humanidade por séculos, senão milênios. Abrir um livro, descobrir e saborear o seu conteúdo a cada folhear das páginas, umas após as outras, sentir a materialidade da escrita e vivenciar um universo de aventuras, do início ao fim do livro: assim alimentou-se a fantasia coletiva desde o desenvolvimento da imprensa de Gutemberg, e mesmo antes, com os pesados volu- mes, ricamente ornados pelos copistas, nos recantos mais distantes de mosteiros e capelas medievais. A leitura foi uma atividade solitária em que o leitor tinha por única companhia as personagens e as intrigas saídas do papel. Viaje no tempo e na tecnologia enquanto assiste ao vídeo de Qualis Book A evolução do livro, disponível em: https://www.youtube.com/watch?- v=hxMjt2xZWOE. Com o passar do tempo e o desenvolvimento de tecnologias cada vez mais aprimoradas, a imaginação do leitor teve ceifadas suas habilidades criativas. Vieram imagens prontas, vieram imagens fixas e imagens em movimento. E, na sociedade interligada pelos computadores dos dias de hoje, a leitura na tela está longede ser uma atividade solitária e imaginativa: links, imagens, ícones floreiam os dispositivos e entregam numa velocidade cada vez maior conteúdos que podem ser coescritos, coeditados: somos leitores coautores, lembra? Resultam daí implicações: o ciberespaço proporcionou, por um lado, o acesso a múltiplas produções que, de outra maneira, talvez jamais chegassem ao nosso conheci- mento, mas, por outro, nos ceifou do aprofundamento nas histórias e nos materiais com que nos confrontamos nas telas. Ler nos dispositivos digitais corresponde a ler de outra maneira, nem melhor, nem pior, mas diferente. A seguir você aprenderá sobre implicações da leitura nas telas e, finalizando, os desafios do livro digital. DICAS 76 5.1 LEITURAS: SUPORTE FÍSICO X TELA Vimos que na leitura em suporte físico há processos cognitivos conscientes e inconscientes. Na leitura digital, os processos se diversificam (LOGAN, 2012 apud GUEDES et al., 2013): • Em natureza: tornam-se complexos e intensos, há uma grande quantidade de tráfego de informações através do corpo caloso – estrutura que conecta os dois hemisférios do cérebro. • Em multiplicidade: integrando os lados do cérebro, o lado direito converte os pixels captados pelo olho em letras e o lado esquerdo converte as letras em palavras e frases. • Em finalidade: a leitura digital implica possibilidades interacionais concomitantes aos processos de leitura como decodificação e produção de sentidos (GUEDES et al., 2013). Decorrem daí consequências ou implicações no processo de compreensão: • Múltiplos suportes: finalidades específicas pedem diversidade de suportes − ler por lazer ou para informação e conhecimento não ocorrem de qualquer maneira em qualquer suporte. • A atenção: a leitura nas telas e suas múltiplas possibilidades ocasiona diminuição na atenção (GUEDES et al., 2013). • O aprendizado: alunos entrevistados apontaram dificuldades em fazer anotações na leitura efetuada na tela, uma dificuldade suplementar nas atividades de estudos e quando há o uso de smartphones. • Os ambientes: diferenças quanto aos ambientes em que a leitura é efetuada – ao sol, a luminosidade dificulta a leitura nas telas, e em ambientes iluminados a leitura nas telas tende a ocasionar cansaço visual. • A tecnologia: o uso prolongado da tela para leitura é responsável pela redução da autonomia do dispositivo – consumo da bateria do celular, tablet etc. A leitura nas telas, porém, apresenta também um conjunto de vantagens para a aquisição de conhecimentos: • Quanto à praticidade: possibilidade de integração em um dispositivo de diversas obras, até mesmo bibliotecas inteiras para leitura a qualquer momento e em qual- quer lugar. • Dinamicidade: possibilidade de navegação nos conteúdos através do hipertexto, além da edição, recortes significativos, anotações. Vários aplicativos permitem a realização de esquemas, mapas mentais, anotações. • Aprendizagem: facilidades de busca nas obras permitem localização rápida e dirigida de conteúdos, o que torna o aprendizado dinâmico e ativo. • Conservação: a digitalização de obras antigas, raras, indisponíveis no mercado possibilita perenizar os conteúdos. 77 A leitura em telas já era vista como “a grande sacada” por Levy (1999, p. 96): “[...] posso não apenas ler um livro, navegar em um hipertexto, olhar uma série de imagens, ver um vídeo, interagir com uma simulação, ouvir uma música gravada em memória distante, mas, também, alimentar essa memória com textos, imagens etc.”. Em suma, anotar, riscar, circular, destacar os conteúdos dos livros sempre foi uma atividade realizada durante a leitura para fazer aparecer um determinado sentido. O tempo fez com que algumas dessas formas se cristalizassem, fazendo surgir códigos e tecnologias que facilitam a adoção desses e outros recursos. Assim é que tanto a escrita quanto as leituras nos diversos suportes evoluíram com o passar do tempo. As últimas décadas, porém, além de conhecer novas práticas e suportes de leitura, conheceram também a globalização através do ciberespaço, uma nova forma de pensar os conteúdos e a comunicação (GUEDES et al., 2013). 5.2 PLATAFORMAS: AUTORES E LEITORES NO CIBERESPAÇO A tela dos dispositivos digitais tornou-se a forma preferida para leitura e lazer. Se queremos que os alunos leiam precisamos criar dispositivos que os levem à leitura digital nas salas de aula. O governo português criou a Plano Nacional de Leitura disponibilizado na Bi- blioteca Digital. O projeto agrega textos de autores consagrados e objetiva melhorar as competências em leitura e escrita, partilhar competências e saberes e participar em iniciativas integradas nas múltiplas formas de leitura e escrita, características do Século XXI. Para a CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – é ferramenta ímpar de incentivo à leitura e os multiletramentos digitais. Acesse o endereço do PNL português e conheça a cultura, os mitos, os contos das várias regiões do planeta em que a língua portuguesa é conhecida e falada: http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/biblioteca/ index.php?r=sobre. No Brasil existem projetos de leitura e incentivo ao livro disponibilizado para leitura na tela, mas o acesso às obras não é direto. O público visado não são crianças ou o público em geral, mas sobretudo profissionais da área das letras e/ou do ensino para realização de projetos. DICAS 78 Acesse à plataforma do Plano Nacional do Livro e conheça este projeto: http://plataforma.prolivro.org.br/. O Plano Nacional do Livro e Leitura é uma ação do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas − também objetiva incentivar o acesso ao livro e à leitura, mas o projeto não oferece a mesma facilidade de acesso que o endereço do PNL português. Encontrar as obras para a leitura na tela pode ser fastidioso. Projeto disponível em: http://snbp.cultura.gov.br/pnll/. De modo geral, as melhores bases encontram-se na iniciativa privada ou no âmbito de organizações culturais. Veja, a seguir, uma lista de endereços úteis para a leitura de obras na tela, bem como projetos culturais variados que pode explorar com seus alunos: • Projeto Gutemberg: http://www.gutenberg.org/wiki/PT_Principal. • Biblioteca Digital Camões: http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca- digital-camoes.html. • Portal Domínio Público: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaO- braForm.do. De iniciativa pública, disponibiliza obras que não contenham direitos au- torais. Público geral: adolescente-adulto. • Biblioteca Digital Mundial: https://www.wdl.org/pt/. Talvez a melhor iniciativa, pois o acesso se dá diretamente nas obras, o que facilita a consulta e a leitura. Chegamos ao final deste tópico e desta primeira unidade. Veja a seguir, a leitura complementar, o resumo do tópico e a autoatividade. DICAS DICAS 79 HIPERTEXTO E GÊNEROS DIGITAIS: MODIFICAÇÕES NO LER E ESCREVER? Gislaine Gracia Magnabosco [...] Vivemos, hoje, na chamada sociedade da informação (LEMOS, 2002) em um tempo em que a comunicação mediada por computador e as questões de linguagem assumem um papel fundamental na vida pós-moderna ou, como denomina Levy (1999), na era da Cibercultura. Essa era, marcada pelo advento de novas formas midiáticas (computador coletivo, microinformática, internet), acabou por transformar conceitualmente o tempo (agora visto como o da simultaneidade) e o espaço (universo de informações navegáveis de forma instantânea e reversível) (CASTELLS, 2000). Proporciona, ainda, uma mudança no suporte de leitura e escrita (tela do computador, monitor). E, quando nos reportamos às questões de linguagem, observamos que essas modificações, acrescidas: a) da necessidade de expressão, no mais curto espaço de tempo possível, em ambientes síncronos com vários interlocutores; b) do processo de reoralização – imprimir caráter “falado” ao que compulsoriamente tem de ser escrito (HILGERT, 2000); seguido c) do desejo de, por meio de símbolos, emoticons e sinaisgráficos, facilitar a interação e criar vínculos afetivos entre os participantes (GUTIERREZGONZALEZ, 2007), contribuindo para a ocorrência da chamada lei do Minimax – mínimo esforço para o máximo de expressão (OTHERO, 2005). Isso repercute na elaboração de enunciados breves e concisos, que valorizam a informação em si, expressos através de uma escrita abreviada, cujo aspecto normativo passa a ser de segunda ordem. Além dessa escrita abreviada, observa-se que o próprio ato de ler acaba sofrendo algumas modificações. Como menciona Almeida (2008), ao mesmo tempo que a WEB propiciou ao usuário comum o acesso a uma quantidade inimaginável de informação, ela também ocasionou uma transformação no tipo de leitura realizada: a leitura via WEB, muitas vezes, apresenta-se mais superficial que a tradicional, que tem como suporte o livro. Silva (2008) também parte desse pressuposto e afirma que, em decorrência das suas características de uso (velocidade, aceleração, credibilidade reduzida etc.), o mundo da internet diminui a profundidade de compreensão das informações pelos leitores: a fartura dos textos inseridos nesse ambiente pode, muitas vezes, levar a um estreitamento do raciocínio e do pensamento por interferência da LEITURA COMPLEMENTAR 80 própria forma de uso (veloz, fugaz etc.) dessas ferramentas de navegação. Além disso, como menciona Marcuschi (2005), uma leitura inadequada, através dos hipertextos, pode gerar uma dispersão do hiperleitor, já que este pode se perder no meio de tantos nós e links, gerando uma indisposição e abandono da leitura. Por todas essas transformações mencionadas e pela crescente presença dessa tecnologia no dia a dia dos adolescentes e da sociedade em geral, é preciso, como adverte Freire (1996), que estabeleçamos uma postura criticamente curiosa sobre essas, até porque, como alerta Ramal (2002, p. 14), “os suportes digitais, as redes, os hipertextos são, a partir de agora, as tecnologias intelectuais que a humanidade passará a utilizar para aprender, gerar informação, ler, interpretar a realidade e transformá-la [...]”. O discurso eletrônico O chamado “letramento digital”, que surgiu com as novas tecnologias, vem promovendo um uso intenso da escrita por força até das características do meio eletrônico utilizado. Com isso, “nossa sociedade parece tornar-se ‘textualizada’, isto é, passar para o plano da escrita” (MARCUSCHI, 2005, p. 15). Sobre a escrita nos discursos eletrônicos, Crystal (apud MARCUSCHI, 2005, p. 19) menciona três aspectos que devem ser verificados quando estamos falando da linguagem da internet e sobre o efeito da internet em nossa linguagem: • do ponto de vista dos usos da linguagem: temos uma pontuação minimalista, uma ortografia um tanto bizarra, abundância de siglas, abreviaturas nada convencionais, estruturas frasais pouco ortodoxas e uma escrita semialfabética; • do ponto de vista da natureza enunciativa dessa linguagem: integram-se mais semioses do que usualmente, tendo em vista a natureza do meio com a participação mais intensa e menos pessoal, surgindo a hiperpessoalidade; • do ponto de vista dos gêneros realizados: a internet transmuta, de maneira bastante complexa, gêneros existentes, desenvolve alguns realmente novos e mescla vários outros. O “internetês” A comunicação mediada por computador utiliza uma linguagem que, dadas as características do meio (os usuários sentem-se falando por escrito), apresenta muitos aspectos típicos da fala (produção de enunciados mais curtos e com menor índice de nominalizações por frase, uso de cumprimentos informais, alongamentos vocálicos com funções paralinguísticas, sinais de verificação dos interlocutores, entre outras), resultando, então, em uma forma linguística específica para esses contextos de enunciação digital (XAVIER, 2002): o chamado internetês. 81 Essa linguagem utilizada na internet, principalmente nos chats, caracteriza-se como uma linguagem híbrida, que funde oralidade e escrita em um mesmo suporte – a tela do computador – e em um mesmo evento sociointeracional; absorvendo outras formas semióticas, como o som e a imagem, traz uma nova formatação ao texto escrito, que, por sua vez, é permeado de oralidade. Assim, apresentando-se de forma diferente da convencional, essa escrita fez emergir diferentes opiniões entre os estudiosos da área. Como ressaltam Pereira e Moura (2006), os enunciados produzidos nas salas de bate-papo, utilizando o internetês, são enunciados específicos que emanam de interlocutores pertencentes a uma determinada esfera da atividade humana (adolescentes da contemporaneidade) e que refletem as condições específicas e as finalidades dessa esfera, tanto por seu conteúdo (temas de interesse desse público) quanto pelo estilo verbal adotado (lexical, fraseológico e gramatical) e, principalmente, quanto pela construção composicional (elaboração de um código discursivo escrito, mediado pelo computador, composto de caracteres alfabéticos, semióticos e logográficos). Assim, nada mais são que estratégias para manter o contato e tornar o discurso atraente, interessante e dinâmico [...]. Autores [...] afirmam que esse tipo de linguagem nada mais é que um código secreto de uma comunidade jovem e moderna, com características que já aconteceram na norma padrão, em outros períodos históricos (Português medieval – abreviações), sendo caracterizada, inclusive, como parte da metamorfose natural da língua. Para esses autores, os internautas, por utilizar um suporte especial (computador), acabam criando escritas especiais, escrevendo, então, de duas maneiras (padrão e internetês), demonstrando, assim, maior competência. Outros autores [...] defendem que o internetês é prejudicial ao ensino de Língua Portuguesa, uma vez que o aprendizado da escrita estaria condicionado à memória visual. Se há o inventar de diferentes grafias, muitos jovens, ainda em formação, tenderão à dúvida, além da instalação de irreversíveis vícios com relação à ortografia. O fato é que a utilização desse chamado internetês dificulta a fluência da leitura, exigindo conhecimento desse “dialeto” para que possa haver o entendimento do que o interagente quer expressar. Inadequado ou não, ele é muito utilizado pelos usuários da WEB, principalmente por adolescentes, e esses, muitas vezes, dada a grande utilização dessa linguagem, a levam para as produções escolares tradicionais. Dessa forma, acredita-se, então, que a melhor forma de lidar com essa questão seria a construção, juntamente aos alunos, de estratégias que pudessem contribuir para uma efetiva conscientização do uso adequado desses gêneros e de suas linguagens nos diversos contextos interacionais. Um trabalho, então, com a chamada variedade linguística. A leitura na cibercultura Com o advento da internet, de seus gêneros digitais e do hipertexto, observa- se uma mudança não só na forma e no espaço da escrita, como também na leitura. O hipertexto, produzido coletivamente pelos usuários da internet, modifica a relação leitor- 82 escritor, tornando imprecisa a fronteira que os separava, uma vez que, agora, o “leitor- navegador não é um mero consumidor passivo, mas um produtor do texto que está lendo, um coautor ativo, capaz de ligar os diferentes materiais disponíveis, escolhendo seu próprio itinerário de navegação” (COSTA, 2000, p. 4). Com o texto digital, escrita e leitura se estruturam hipertextualmente, através dos nós e dos links, em um novo suporte: a tela do computador. A partir de agora, o leitor pode escolher o melhor caminho da leitura e o conteúdo a ser lido, explorando o espaço virtual de acordo com seus interesses e suas necessidades e construindo seu conhecimento com base nas escolhas que vai realizando. Agora, “a partir do hipertexto, toda leitura é uma escrita potencial” (LEVY, 1999, p. 264). No entanto, como lembra Xavier (2005), essa liberdade é possível, mas não é a ideal, uma vez que o produtor do texto eletrônico é quem decide disponibilizarou não links com outros hipertextos afins. E esses links hipertextuais podem apenas respaldar o ponto de vista do seu autor, embora a transparência das ideias e posições seja um traço inerente à própria concepção da rede informacional. Essa não linearidade, somada à quase instantaneidade da passagem de um nó a outro, pode gerar problemas de compreensão global do texto, bem como de desorientação e dispersão, pois, por exemplo, nos perdemos mais facilmente em um hipertexto do que em uma enciclopédia. A referência espacial e sensoriomotora, que atua quando seguramos um volume nas mãos, não mais ocorre diante da tela. A esse respeito, Xavier (2005, p. 173) defende que “o uso inadequado dos links pode dificultar a leitura por quebrar, quando visitadas indiscriminadamente, as isotopias que garantiriam a continuidade do fluxo semântico responsável pela coerência, tal como ocorre em uma leitura de texto convencional”. E tal dispersão pode gerar, no hiperleitor, uma indisposição e um abandono da leitura, que Marcuschi (2001, p. 89-90) conceitua como “stress cognitivo”. Além disso, como menciona Almeida (2008), por ser afetada por inúmeros fatores tais como a forma como o texto é disposto na página, o tipo de letra e o tamanho, o tipo de monitor de computador, a ergonomia do mobiliário e a iluminação do ambiente, a leitura, a partir da tela de um computador, é 30% mais lenta que a partir de textos impressos e é mais cansativa e, consequentemente, de menor compreensão. Chartier relata que: A leitura diante da tela é geralmente descontínua, e busca, a partir de palavras-chave ou rubricas temáticas, o fragmento textual do qual quer apoderar-se (um artigo em um periódico, um capítulo em um livro, uma informação em um Web site), sem que necessariamente sejam percebidas a identidade e a coerência da totalidade textual que contém esse elemento (2002, p. 23). 83 Essa leitura descontínua, lenta e cansativa faz com que o leitor do texto digital “escaneie” a página que aparece na tela iluminada do computador, sem efetuar uma leitura palavra por palavra, consoante a leitura de um texto em uma página impressa. Vê-se, então, que, caracterizando-se como um texto não linear, maleável, com possibilidade de diferentes percursos de leitura graças aos hiperlinks, o texto eletrônico pode causar transtornos a leitores menos experientes, além de, muitas vezes, contribuir para uma leitura mais superficial. Além disso, ao permitir vários níveis de tratamento de um tema, o texto virtual oferece a possibilidade de múltiplos graus de profundidade simultaneamente, já que não tem sequência nem topicidade definidas, mas liga textos não necessariamente correlacionados. Diante disso, o leitor precisa de uma bagagem intelectual maior e, também, de uma maior consciência quanto ao buscado. FONTE: MAGNABOSCO, G. G. Hipertexto e gêneros digitais: modificações no ler e escrever? Conjectura, v. 14, n. 2, p. 50-5, maio/ago. 2009. 84 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu: • O termo “cultura” conhece duas noções principais que se transformam conforme as épocas e as sociedades: “cultura” no singular refere-se ao conjunto de conhecimentos e instruções circulantes em um grupo social; neste sentido já se opôs, no tempo, à “selvagem”, “desprovido de cultura”; “culturas” no plural, refere-se aos hábitos, práticas, conhecimentos e formas de ser dos diversos grupos sociais; neste sentido não há indivíduo sem cultura. • O ciberespaço tornou visíveis as diversidades culturais a nível global: de maneira interativa, todas as formas de culturas se tornam produtoras e consumidoras de informações e conhecimentos globalizados. • No ciberespaço, os leitores são coautores dos textos, assim como os programas que tornam possíveis as leituras. • O ciberespaço tende à formação de uma inteligência coletiva. • A leitura digital é diferente da leitura em suporte físico na medida em que mobiliza ope- rações cognitivas de alta complexidade e envolvendo os dois hemisférios cerebrais. • A opinião no jornalismo digital não se ampara em formadores de opinião legitima- dos pelo grupo social, mas emana da própria comunidade e seus leitores-coautores em interação. • Com a “democratização” de acesso e o fenômeno das coautorias digitais, dispositivos legais vigentes a nível de estados e a nível global enquadram os direitos autorais. • Várias plataformas e recursos digitais permitem leitura e compartilhamento de textos e livros on-line produzindo um modo de pensar e de saber globalizado e sistêmico. 85 AUTOATIVIDADE 1 Leia a afirmação a seguir (LEVY, 1999, p. 202): O melhor uso a ser feito das TDICs é conjugar de forma eficaz a inteligência e a imaginação humanas, já que: “não se pode compreender ou apreciar o que se desenrola no ciberespaço a não ser pela participação ativa, ou então ouvindo as narrativas de pessoas integradas em comunidades virtuais ou ‘surfando na Net’ e que contarão suas histórias de leitura e escrita”. A partir do que foi enunciado, no momento de planejar atividades para aulas de língua portuguesa, quais atividades seriam mais adequadas, levando em consideração os temas: discursos que se enfrentam, enunciadores e/ou fontes da informação e desafios da leitura no ciberespaço? I- Apresentar aos alunos uma lista de exercícios sobre as diferenças entre livro impresso e livro digital e pedir a eles que escrevam uma gramática normativa da língua portuguesa. II- Formar equipes de trabalho com os alunos, apresentar um tema polêmico de atualidade e solicitar às equipes que pesquisem na internet para discussão numa mesa redonda posterior. III- Organizar equipes na sala de aula, apresentar uma informação, uma notícia ou questão de atualidade e pedir aos alunos, segundo as equipes, que: pesquisem na internet e se posicionem a respeito, encontrem livros de literatura – brasileira ou estrangeira −, filmes, obras de arte que abordem o tema, criem uma maquete, peça de teatro, notícia etc., sobre o tema, respectivamente. IV- Trazer um texto de opinião extraído de jornais e revistas impressas e pedir que trabalhem sobre a banalização da liberdade de expressão, discursos que se enfrentam, diversidade cultural nesse gênero textual, num primeiro momento. Em seguida, comparar com blogs, redes sociais, tratando o mesmo tema do texto. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) I, II e III estão corretas. b) ( ) II, III e IV estão corretas. c) ( ) I, III e IV estão corretas. d) ( ) Somente II está correta. 86 87 ENSINO E APRENDIZAGEM NA ERA DIGITAL UNIDADE 2 — OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • apreender o papel do professor e do aluno frente aos multiletramentos da era digital; • abordar diferentes estruturas e recursos de ensino e aprendizagem que se oferecem no contexto da era digital; • analisar o perfil de aluno da era digital, a partir de uma reflexão sobre a história da educação e do ensino; • refletir sobre a inclusão digital, através das diversidades globais e as políticas gover- namentais em contexto brasileiro para o acesso aos recursos educacionais digitais. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – O PAPEL DO PROFESSOR FRENTE AOS MULTILETRAMENTOS TÓPICO 2 – O ALUNO DIGITAL TÓPICO 3 – INCLUSÃO DIGITAL Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 88 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 2! Acesse o QR Code abaixo: 89 TÓPICO 1 — O PAPEL DO PROFESSOR FRENTE AOS MULTILETRAMENTOS UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Na primeira unidade desta obra, você aprendeu sobre as formas de acesso ao conhecimento através da leitura e seu processamento na sociedade multiletrada da era atual. Nesta unidade, abordaremos as TDICs – Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação – na educação,refletindo sobre os atores e os processos envolvidos a partir do modelo de sociedade em que vivemos. Num primeiro momento, você verá a trajetória da escola e do ensino do surgimento aos dias atuais. Em seguida, verá os atores envolvidos − professor e aluno −, recursos e processos e, finalmente, as disposições governamentais que garantem e regulam o acesso às TDICs pela sociedade brasileira inserida na globalização. 2 EDUCAÇÃO CONVENCIONAL E EDUCAÇÃO DIGITAL Vivemos na sociedade das tecnologias, em particular, as TDICs, que permitem a circulação de informações e o compartilhamento de conhecimentos de forma instantânea e globalizada. Nesse contexto, a educação no Século XXI encontra novos desafios: pais, professores e alunos, agentes da educação, dirigentes locais e globais devem trabalhar em conjunto para a reestruturação da educação. Heinsfeld e Pischetola (2017, p. 1356) interrogam-se: Em um cenário em que é possível acessar informação, aprender, colaborar e trocar conhecimento via redes digitais, através de ativi- dades sociais cotidianas, no qual não há uma cultura homogênea a ser transmitida para os indivíduos, mas, sim, ululantes multicultura- lismos, e em que a relação espaço-tempo de aprendizagem sofreu profunda alteração graças aos adventos tecnológicos e às novas maneiras de o homem se relacionar com a informação, qual seria a função da educação? Qual será, especificamente, o papel da insti- tuição escolar, nessa nova sociedade? De que forma estaremos for- mando cidadãos para a sociedade futura? Qual o papel do professor diante disso? Para Evans (2002, p. 3), “uma peça de giz e quadro-negro ou mesmo um galho e um chão de areia são ferramentas nas mãos de um mestre”. Logo, o verdadeiro mestre deve ser capaz de questionar suas práticas, adaptar- 90 -se aos novos públicos e contextos para guiar o seu aluno em direção do aprendizado, e isso mesmo que os contextos se transformem, invalidando recursos e estruturas tradicio- nais, familiares a suas práticas. O verdadeiro professor encara os novos desafios e é capaz de encontrar soluções que melhor se adaptem a sua prática diária. A fim de compreender o paradigma atual em que se encontra a educação neste século, marcado pelas TDICs e desafiando as funções de professores e agentes da educação, refletiremos sobre a história da escola e do ensino ao longo do tempo. A seguir, abordaremos estas transformações, o modo como ocorreram e o porquê. Convidamos você, acadêmico, a refletir sobre a sua experiência nos ban- cos da escola, a interrogar as gerações mais velhas sobre as experiências e as formas de aprendizagem de seu tempo. Com certeza verá que muita coisa mudou. 2.1 HISTÓRIA DA ESCOLA E DO ENSINO Desde Aristóteles, sabemos que os seres humanos possuem em si o desejo de saber (OLIVEIRA, 2017). Nesse sentido, duas acepções de educação têm permeado desde então o campo da educação institucionalizada: • Por que as coisas são como são: refere-se aos questionamentos filosóficos sobre as artes e ao aperfeiçoamento do intelecto. • O que e como proceder: integra os questionamentos relegados ao campo da empeiría – a experiência – e thécne – a arte ou a técnica, o método –, respectivamente, a obser- vação dos fenômenos, a experimentação e o desenvolvimento de técnicas e ofícios. Assim, “educar é conduzir o indivíduo à condição de cidadão” (OLIVEIRA, 2017, p. 54) Baseado no diálogo e no questionamento, esse modelo influenciou o paradigma da educação ao longo dos tempos, já que: “à educação caberia [...], primordialmente, um trabalho de reflexão, um esforço crítico capaz de transformar os conteúdos recebidos e se deixar transformar por eles” (OLIVEIRA, 2017, p. 54). A partir de Francis Bacon, no Século XVII, a busca pelo conhecimento visa maior aplicabilidade e domínio sobre a realidade. A discussão teórica é preterida à prática da experimentação. A partir de então, a busca pelo conhecimento passa pela ação, pelo NOTA 91 domínio dos processos, a experimentação, em oposição ao paradigma anterior do discurso formal qualitativo. Todo o ensino decorrente desde então obedeceu a esta orientação: a de entender os fenômenos, desvendar as linguagens para chegar às verdades. Conforme Oliveira (2017, p. 55): O desenvolvimento dessa estratégia atravessou quase cinco séculos e se desdobrou em uma nova mudança a partir de meados do Século XX, quando as chamadas sociedades industriais desenvolvidas vive- ram uma revolução que transformou o antigo modo de fazer ciência, basicamente porque reduziu o conhecimento a mera informação. Alterações de paradigmas, porém, não ocorrem de forma abrupta. Assim, duas observações impõem-se quanto aos dois últimos séculos: • No Século XIX, o avanço tecnológico, industrial, econômico e social, sem precedentes, resultará em uma crise das ideias – e, por isso, na busca pelo saber. • No Século XX, como um prolongamento dos questionamentos iniciados, novas cate- gorias para enquadrar o saber serão desenvolvidas, tais como performance, eficácia e competência (LYOTARD, 1979 apud OLIVEIRA, 2017). Assista ao vídeo D01 Educação e Sociedade: breve história da educação no Brasil – UNIVESP − TV Cultura, que retraça a educação no Brasil. A partir do vídeo, você poderá refletir sobre a evolução da educação e os tipos de ensino adotados. Acesse no link: https://www.youtube.com/watch?v=1w_17aJRbH4. Abordaremos, a seguir, o contexto da evolução do paradigma educacional. 2.1.1 Contexto histórico-social de evolução do paradigma de ensino Começamos abordando momentos decisivos que traduzem a evolução no pensamento didático e nos processos do ato de aprender ao longo da História. Segundo Maciel Leão (1999, p. 108): Tudo o que rodeia a educação institucionalizada é fruto de nossa própria história de sociedade em suas mais variadas ramificações (política, econômica etc.). As concepções sobre a educação também fazem parte dos caminhos tomados pela humanidade em sua incan- sável procura de cultura e conhecimento. DICAS 92 Assim, ao longo dos tempos, as sociedades organizaram-se em torno da “escola tradicional”, cujos moldes prevalecem, em muitos casos, paradoxalmente, até os dias atuais. As TDICs e as transformações tecnológicas, passando pela sociedade atual, interconectada e globalizada, contribuíram para dar origem e a ancorar um novo paradigma que vinha se estabelecendo ao longo do tempo. Vejamos como este processo ocorreu. 2.1.2 A escola tradicional Para a escola tradicional, oriunda da sociedade burguesa do Século XIX, a educação é um direito de todos e um dever do Estado. Essa escola segue pedagogias específicas e possui características marcadas: [O] ensino tradicional que ainda predomina hoje nas escolas se constituiu após a Revolução Industrial e se implantou nos chamados sistemas nacionais de ensino, configurando amplas redes oficiais, criadas a partir de meados do século passado, no momento em que, consolidado o poder burguês, aciona-se a escola redentora da humanidade, universal, gratuita e obrigatória como um instrumento de consolidação da ordem democrática (SAVIANI, 1991, p. 54). As abordagens na escola tradicional partem do pressuposto de que a inteligência torna os indivíduos capazes de acumular informação. Assim, cabe à escola transmitir ao aluno um grande número de informações que são por ele assimiladas. Ao professor cabe organizar os conteúdos de modo a tornar eficazes a transmissão, a acumulação e a consequente aprendizagem por parte desse aluno. Ao professor e à escola cabem também o papel de fornecer informação de qualidade de modo a formar cidadãos aptos à vida em uma sociedade democrática. Segundo Maciel Leão (1999, p. 191): “o aluno aprendia os conteúdos escolares porque era portador de uma inteligência inata, ou sua aprendizagem estava diretamente relacionada à quantidade ou qualidade da experiência escolar em determinado conteúdo”. A metodologia predominante é a “maiêutica” em que o professor conduz os alunos em direçãode um resultado almejado através de perguntas, exposição, atividades. IMPORTANTE 93 A maiêutica pura é um método ou técnica que consiste em fazer perguntas a uma pessoa até que esta descubra conceitos que estavam latentes ou ocultos na sua mente. O questionário é desenvolvido por um professor que deve encarregar-se, com as suas perguntas, de guiar o seu discípulo (aluno) para o conhecimento não conceitualizado. FONTE: . Acesso em: 6 jan. 2020. Esse processo de conduzir o aluno por parte de um professor detentor de conhecimentos adquiridos permeia a educação ao longo de séculos. No entanto, os contextos evoluem, fazendo evoluir as tendências na educação. Para isso, contribuirão os desenvolvimentos tecnológicos e as transformações sociais ocorridas, sobretudo, durante os Séculos XIX e XX. 2.1.3 Tendências construtivistas Na Escola Construtivista, cujo precursor é Jean Piaget, a aprendizagem não é mais resultado exclusivo da batuta de um professor detentor de conhecimentos, mas fruto de um trabalho do próprio aluno que extrai de si mesmo a reflexão necessária levando-o à aprendizagem. Esta, então, não é mais tão dependente do professor. Vamos recordar que no Século XIX a educação é autoritária, e os adultos eram modelos a serem seguidos pelos mais jovens. Destaca-se, nessa orientação, Emile Durkheim (1978) que, com a finalidade de manter o sistema socialista, concebe uma educação baseada na autoridade e em normas, em que o aluno é passivo e assimila os conhecimentos, enquanto DICAS IMPORTANTE o professor, ativo, é detentor de conhecimentos. A partir de Pierre Bourdieu (1930-2002) acentuam- se a preocupação com as desigualdades sociais e o questionamento dos valores universalmente aceitos da doxa. A escola como lugar de convívio de indivíduos oriundos de diferentes classes e meios é vista como lugar de legitimação das desigualdades. Bourdieu contesta este papel da escola na reprodução dos valores da ideologia dominante, propondo a conquista de uma escola para todos, de caráter igualitário que viabilize a realização das potencialidades humanas (RODRIGUES, 2007). 94 A doxa corresponde a um poder simbólico exercido pela coletividade sobre o indivíduo: regras do jogo, opinião, possível de ocorrência. Distingue-se da episteme, o saber (DORIA; LIMA, 1975). Com base em Piaget, o aprendizado ocorre pela interação e por processos de maturação em que toda experiência e aprendizado anteriores influenciam os seguintes (MACIEL LEÃO, 1999). Como mediador desses processos, o professor auxilia o aluno em sua trajetória de construção do conhecimento, adaptando as dificuldades aos progressos alcançados, propondo desafios que mobilizem hipóteses e estratégias de aprendizagem. Assim, a supremacia que lhe era conferida pela concepção autoritária de sua função deve ceder o lugar a competências variadas, dentre as quais: a de compreender que o aluno aprende também através da interação com colegas, da reflexão e do raciocínio (MACIEL LEÃO, 1999). Nessa ótica, Paulo Freire (1921-1997), além de considerar a interação como vetor de aprendizagem, considera a autonomia do sujeito como fator essencial para o seu pleno desenvolvimento como ser humano e cidadão inserido na sociedade. Aprender torna-se um ato revolucionário em que o aluno dialoga, interroga-se a si mesmo e ao seu meio para assumir o controle de sua trajetória, reconhecendo-se capaz de aprendizagem e autonomia como cidadão. O método de Freire foi aplicado, inicialmente, a camponeses e operários que, a partir de suas experiências de vida, puderam ser alfabetizados em tempo recorde. Provava-se, assim, a contribuição de fatores emocionais no desenvolvimento das habilidades e capacidades intelectuais (BECK, 2016). Assim, toda educação baseia-se em dois princípios: autonomia e emancipação. Conceitos como “desigualdade” e “aprendizado mecânico” são banidos e abre-se caminho para um processo de aprendizagem concomitante: professor e aluno aprendem juntos através de práticas dialógicas e críticas. Freire critica a “educação bancária”, em NOTA NOTA 95 que os conteúdos são depositados em alunos passivos, sentados em bancos escolares (GUIA, 2017). Cabe ainda lembrar que o método Freire e seu impacto, na sociedade brasileira num primeiro momento e mundial em seguida, encontra-se inserido em um contexto evolutivo de uma sociedade que se encaminha a uma ruptura. Veremos, a seguir, como isso se produziu. 2.1.4 Olhar sobre a pós-modernidade: metodologias ativas Até então o modelo de sociedade e de educação vigente banhava no processo da industrialização e do desenvolvimento tecnológico, que davam ao homem certezas de sua hegemonia. Esse pensamento, porém, começa a alterar-se a partir de meados do Século XX. O sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017) aponta as incertezas e ameaças que envolvem os seres humanos dos finais do Século XX e inícios do Século XXI. A evolução das tecnologias havia contribuído a instaurar um clima de insegurança no mundo – seja em consequência das grandes guerras ou por reestruturações no mundo do trabalho, provocadas por um fenômeno de circulação global de informações e mercadorias, a globalização. A globalização é o processo de aproximação entre as diversas sociedades e nações do mundo todo, seja no plano econômico, social, cultural ou político e a consequente integração de mercado entre os países. FONTE: . Acesso em: 13 jan. 2020. Bauman propõe a teoria de “líquido”, na qual discute as incertezas e fragilidades que acometem as estruturas sociais. A vida na atualidade torna-se um fluido ou visgo – líquida – em oposição à solidez da era precedente, em que a Ciência previa valores e estruturas perenes, garantindo segurança e condições de constância. “Os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Enquanto os sólidos têm dimensões especiais, claras, [...] os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la (BAUMAN, 2005 apud SILVA; URBANESKI, 2013, p. 50). NOTA 96 Conheça a proposta de Bauman sobre o mundo líquido no vídeo de Milenio: A fluidez do mundo líquido de Zygmunt Bauman, disponível no link: http:// g1.globo.com/globo-news/milenio/videos/v/milenio-a-fluidez-do-mundo-li- quido-do-zygmunt-bauman/4661254/#:~:text=O%20soci%C3%B3logo%20 Zygmunt%20Bauman%20guarda,consagra%C3%A7%C3%A3o%20como%20 acad%C3%AAmico%20no%20Ocidente. A escola e sua pedagogia não estão imunes ao processo em que passa a sociedade pós-moderna, ou seja, a atual. Os conhecimentos disponíveis em tempo real em rede global possibilitam uma nova forma de pensar e conceber o ensino. Assim, surgem alguns desafios para a escola: • Imediatismo: a escola se vê na obrigação de não apenas propor um ensino atraente para uma sociedade mutante, como tudo deve ser imediato, pronto para a utilização, pois logo será descartado. De que maneira a escola pode atingir esse fim? Através da integração – e não do combate – das TDICs, que permitem a flexibilização do processo educativo. • Público: a escola precisa tornar-se atraente para um público diverso daquele para o qual as teorias e práticas pedagógicas haviam sido desenvolvidas, a sociedade dos “sólidos”. Nestas, o acesso à cultura e ao saber por si sós bastavam para manter, nos bancos escolares, alunos interessados. Já as gerações tecnológicas querem a aplicação imediata dos conhecimentos, pois dispõem em rede de toda informação intermediária para chegarem a este fim. O saber, que se tornou complexo, está acoplado à noção de fazer. • Conhecimento: na sociedade líquida, o conhecimento não é mais representativo dos objetos e das realidades do mundo, pois este tornou-se volátil, inserido num tal pro- cesso de transformação que as verdades antes admitidas se encontram em constante questionamento. Leis, teorias, métodos que legitimavam o papel da escola como de- tentora doconhecimento a ser transmitido – seja pela autoridade, interatividade ou diálogo – são desafiados, contestados, sofrendo um processo de reavaliação. Na nova realidade pós-moderna, cabe à escola, então, reavaliar o seu papel de modo a integrar esse movimento, concebendo formas de relacionar-se ao seu papel, a fim de garantir a sua sobrevivência como instituição legitimada nesta sociedade (SILVA; URBANESKI, 2013). Acadêmico, terminamos este subtópico. A seguir, você será levado a aplicar os conhecimentos vistos, confrontando-os a dois paradigmas da educação em vigor: a escola clássica e seus ambientes de maior rigidez; e a nova escola, caracterizada pela flexibilização de ambientes e relações. DICAS 97 2.2 O NOVO PARADIGMA EDUCACIONAL Na primeira unidade tratamos das novas formas de leitura e escrita através do uso das tecnologias. Vimos no primeiro tópico desta unidade que a relação com a aprendizagem, o saber e suas manifestações na vida cotidiana passou por importantes transformações nas últimas décadas. A sociedade e, com ela, a escola acompanham essa trajetória de transformações, dando surgimento à Escola Nova. A Escola Nova resulta das transformações ocorridas no Século XIX para estabelecer pa- râmetros educativos baseados nas descobertas das ciências cognitivas e sociais. Confor- me já abordamos no tópico anterior, este modelo estabelece: reconhecimento das indi- vidualidades do aluno; desenvolvimento intelectual não dogmático; educação integral do indivíduo e não apenas intelectual; reavaliação da relação professor-aluno, que passa a ser de parceria e mediação; aprendizado pela prática, através do desenvolvimento de habilidades das quais a principal é aprender a aprender; conteúdos definidos a partir das necessidades. FONTE: . Acesso em: 7 jan. 2020. A sociedade que dá origem a essa escola apresenta um movimento contínuo de transformação. A seguir, abordaremos essa trajetória para entender com clareza as transformações ocorridas no ensino. 2.2.1 Tipos de sociedades No primeiro tópico vimos que as mudanças na educação acompanham transformações de ordem econômica, filosófica, social e que são fundamentais no impacto que a educação sofrerá ao longo do período. Uma visão dessas mudanças pode ser apreendida pela divisão em eras industriais ou de sociedades classificadas em ponto zero (.0) (MORAVEC, 2013): • Sociedade 1.0: compreende as sociedades de caça e coleta, nos primórdios da humanidade quando ocorrem os primeiros contatos do ser humano com a natureza e com os outros seres que encontra pelo caminho em suas migrações. • Sociedade 2.0: corresponde ao período da agricultura, quando as tribos deixam de ser nômades e passam ao sedentarismo, dando origem a aldeias e aglomerações em forma de pequenas cidades. É quando surgem as primeiras experiências e descobertas, além de se efetuarem trocas entre os indivíduos. IMPORTANTE 98 • Sociedade 3.0: refere-se ao período industrial, com o surgimento de máquinas, indústrias e equipamentos. O poder predomina, as cidades aumentam com a demanda de mão de obra para a indústria, mão de obra essa que necessita de formação. Deste período datam correntes de pensamento como o positivismo, que influencia na evolução da educação ao pregar o progresso pelo aperfeiçoamento contínuo do cidadão. • Sociedade 4.0: corresponde à era da informação, à atualidade virtual em que as informações circulam livre e rapidamente pelas TDICs. É altamente impactada pela tecnologia e recorre a Inteligência Artificial e Robótica. As tecnologias impactam diretamente na produção e na circulação da informação e do conhecimento. Esta sociedade é marcada pela velocidade das transformações possibilitadas pela tecnologia, o que se traduz em imediatismo e obsolescência. A educação, em consequência, é desafiada por novos públicos e necessidades. • Sociedade 5.0: é a sociedade superinteligente. Iniciou no Japão e ramifica- se rapidamente pelo planeta. A informação circula pelo simples desejo, numa interconexão global de humanos e tecnologias, as cidades tornam-se inteligentes numa forma totalmente nova de conceber a existência. É para esta realidade que a educação prepara o aluno do 3º milênio: uma realidade marcada pela velocidade da tecnologia e pelas mudanças inerentes ao ser humano complexo. Leia a obra: Introdução ao Pensamento Complexo, de Edgar Morin. Porto Alegre: Meridional, 2015. Os conhecimentos não podem mais ser abordados em áreas ou disciplinas distintas, mas integrados, interconectados, a nível planetário. Lembra que você já leu sobre isso na Unidade 1? Atualmente, saber mais não corresponde a ter mais conhecimentos, mas a saber processar os conhecimentos disponíveis e aplicá-los à realidade concreta e mutante. As tecnologias estão presentes em cada um destes períodos sob diferentes formas (KENSKI, 2007). No entanto, é sobretudo nos três últimos que se fala, usualmente, em tecnologias e, para o que nos diz respeito, TICs e TDICs. Essas tecnologias passam a integrar o universo da educação e substituem o quadro, o giz, livros e cadernos. Dois universos encontram-se: veremos a seguir em que consiste este encontro. DICAS 99 2.2.2 As diferentes tecnologias Você acabou de percorrer a história da humanidade em sua evolução. As tecnologias empregadas na educação que acompanham este processo após a era 3.0 e, sobretudo, a era digital, compreendem dois aspectos: • Técnicos: correspondem às ferramentas utilizadas no processo de ensino- aprendizagem, tais como aplicativos, programas e o seu modo de uso. • Pedagógicos: correspondem ao desenvolvimento de competências e habilidades sociolinguísticas ligadas ao recurso às tecnologias no campo do ensino. Para Kenski (2007), o uso das TDICs na educação implica aos multiletramentos tecnologias de um lado e, de outro, as finalidades para as quais as tecnologias são empregadas, ou seja, novos modos de ensino e aprendizagem. Reveja a trajetória da tecnologia utilizada na Educação, assistindo ao vídeo Evolução das tecnologias na Educação, de Raphael Luna, Projeto Dias. Acesse no link: https://www.youtube.com/watch?v=tcLLTsP3wlo. No vídeo assistido, podemos observar que as tecnologias evoluem com as sociedades, e estas com as tecnologias ao longo do tempo. As TDICs, especificamente, compreendem os recursos empregados para a comunicação e a informação, tais como as mídias de massa – televisão, rádio, os jornais, livros etc. – digitais. São exemplos de tecnologias digitais: a internet, as formas de comunicação por mensagem digital, os vídeos, os blogs e os gêneros já vistos na Unidade 1. A Tecnologia digital permite a transformação de qualquer linguagem ou dado em números (0 e 1). Imagens, sons, textos que percebemos através dos sentidos são transformados em sequências de números (binárias) e lidas por dispositivos variados, os computadores. Atualmente, os smartphones são a preferência geral. FONTE: . Acesso em: 7 jan. 2020. NOTA DICAS 100 As diferentes tecnologias, sejam elas analógicas ou digitais, incorporaram-se, ao longo do tempo, aos processos de ensino e aprendizagem na educação. Abordaremos esse assunto no subtópico a seguir. 2.2.3 Educação mediada pelas tecnologias Levy (1999) classifica as tecnologias segundo as facilidades que proporcionam à humanidade ao longo do tempo: • O fogo de Prometeu: cozinhar os alimentos, endurecer a argila, fundir os metais, alimentar a máquina a vapor, gerar energia ao correr nos cabos de alta tensão, queimar nas centrais nucleares, explodir nas armas e engenhos de destruição. • A arquitetura: abriga-se, reúne-se e inscreve sua existência sobre a Terra. • A roda e a navegação: abrir seus horizontes. • A escrita, o telefone e o cinema: infiltrar-se de signos. • O texto e o têxtil: entretecer a variedade das matérias,das cores e dos sentidos e desenrolar ao infinito as superfícies onduladas, luxuosamente redobradas, de suas intrigas, seus tecidos e seus véus. • Tecnologias – ciência, indústria, da informação e comunicação: desvendar a natureza humana, animal, mineral, vegetal em seus fenômenos complexos e atribuir um sentido à vida e ao mundo. A tecnologia é indissociável da cultura e da sociedade. • Tecnologia digital: interagir, comunicar, de maneira instantânea e complexa, dissolvendo os conceitos de tempo e espaço, acelerando transformações nas estruturas vigentes, desapossando os indivíduos de sua essência humana, seus modos de ser, pensar e viver estabelecidos ao longo de séculos (LEVY, 1999). • O ciberespaço: inteligência coletiva, permite comunicar e interagir de forma comunitária. No estágio atual, a educação serve-se, sobretudo, dos três últimos, a saber: a tecnologia, a tecnologia digital e o ciberespaço, pelas possibilidades de oferecer modos de ensino e aprendizagem flexibilizados, acesso contínuo à informação e o trabalho com- partilhado entre todos os segmentos, áreas, ambientes e categoriais imagináveis e ainda a serem criadas. Assim, instituições de ensino transformaram seus ambientes, a relação com os agentes envolvidos, o modo de se relacionar ao conhecimento, um conhecimento construído coletivamente e disponibilizado para acesso global (LEVY, 1999). A circulação do conhecimento compartilhado no ciberespaço marca um avanço sem precedentes para o progresso dos conhecimentos científicos e sua construção cooperativa entre pesquisadores do mundo inteiro. Daí a sua importância como ferramenta determinante no campo da educação. Sem esquecer o seu caráter atrativo junto ao público envolvido. Afinal, poder servir-se da tecnologia digital, do celular e da internet em salas de aula, apresentadas com frequência como lugares entediantes e sem atração alguma, agrada esse público. 101 Veja, por exemplo, como são apresentados os ambientes escolares em outros gêneros, tais como o cinema, por exemplo. Neitzel e Neitzel (2010, p. 35-80) apresentam dois estudos muito interessantes sobre a maneira com que as salas de aula e o ambiente escolar, com os seus agentes – professores, alunos, responsáveis –, são apresentados. Não deixe de consultar e assistir aos filmes relacionados pelos autores na obra citada. Levy (1999) ressalta, porém, que a partir do desenvolvimento de uma inteligência coletiva em circulação no ciberespaço derivam consequências: • Isolamento e sobrecarga cognitiva (estresse por comunicação e trabalho na tela). • Dependência (vício na navegação ou em jogos em mundos virtuais). • Bobagem coletiva (rumores, conformismo em rede ou em comunidades virtuais, acúmulo de dados sem qualquer informação, “televisão interativa”). Um segundo aspecto salientado pelo autor e dado como efeito do ciberespaço, é a tendência a uma aceleração do ritmo, tanto da técnica, quanto das interações na sociedade, tornando mais necessária a adesão ao ciberespaço. Ou seja, o espaço virtual de comunicação e interação funciona como um ímã que atrai os usuários que se sentem compelidos a aderir a ele. Ao contrário, não aderir ao sistema, acaba levando a defasagens cada vez mais pronunciadas (LEVY, 1999). Aí transparecem as desigualdades – inclusão digital e exclusão –, assunto de que trataremos no Tópico 3, desta unidade. Agora que você já viu que o essencial da educação atual repousa no uso das tecnologias digitais em sala de aula, vamos, então, abordar metodologias específicas de trabalho mediadas pelo recurso às TDICs em salas de aula. IMPORTANTE NOTA 102 2.3 PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS: PROJETOS, DESAFIOS, RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS Segundo John Dewey (1959 apud SANTA MARIA; SILVA, 2018): “aprendemos o que nos interessa, o que encontra ressonância íntima, o que está próximo ao estágio de desenvolvimento em que nos encontramos”. Para responder às necessidades das gerações atuais, integrando o novo modelo de sociedade digital e globalizada, o Fórum Econômico Mundial apresentou as 10 habilidades essenciais para o futuro: 1. resolução de problemas complexos; 2. pensamento crítico; 3. criatividade; 4. liderança e gestão de pessoas; 5. trabalho em equipe; 6. inteligência emocional; 7. julgamento e tomada de decisões; 8. orientação a serviços; 9. negociação; 10. Flexibilidade cognitiva (COSTACURTA; MEINICKE; MEDEIROS, 2018, p. 10-1). Respondendo a esta demanda, surgem as metodologias ativas (MENEZES; SILVA LEITE, 2019, p. 11): O método ativo desenvolve capacidade crítica e independência intelectual do profissional, em face à rigidez de estratégias de aprendizado do método tradicional com práticas mais completas envolvendo conversar, debater, ilustrar, reproduzir, dramatizar, ensinar e expor ideias resumidas, entre outras. Essa técnica se mostrou mais eficaz na retenção do conhecimento e no processo de aprendizado. Para tanto, é imprescindível uma participação mais ativa do aluno e um maior envolvimento com a temática a ser aprendida. O paradigma de ensino e aprendizagem da atualidade é centrado no aluno, na aprendizagem e nos processos. Nele, constituem perspectivas metodológicas a serem amplamente empregadas em sua atividade de professor de língua portuguesa em contexto escolar: aprendizagem por projetos, os desafios de aprendizagem e a aprendizagem centrada na resolução de problemas. Garofalo (2020) indica sete livros para inovar na Educação. Não deixe de consultar o artigo escrito por ele a fim de aprofundar seus conhecimentos e poder aplicar as indicações dadas em sua prática de ensino: https:// deboragarofalo.blogosfera.uol.com.br/2020/01/01/7-livros-para-te-inspirar- a-inovar-na-educacao/. IMPORTANTE DICAS 103 Vamos, agora, abordar em detalhes cada uma destas perspectivas metodológi- cas, começando pela aprendizagem por projetos. 2.3.1 Aprendizagem por projetos A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) ou Project Based Learning (PBL) apoia-se nas teorias de John Dewey, nos anos de 1900, ao prescrever um aprendizado pela prática. Segundo Bender (2014), a ABP é a tendência para este século. São características dessa metodologia (MARKHAM; LARMER; RAVITZ, 2008): • Centralização do processo no aluno. • Desenvolvimento em grupos tutoriais. • Processo ativo com participação de todos os integrantes. • Integração e cooperação entre os integrantes e/ou equipes. • Interdisciplinaridade. • Orientado para uma aprendizagem sistêmica – integral – do aluno. Segundo o Buck Institute for Education (OLIVEIRA; MATTAR, 2018, p. 347), os alunos adquirem conhecimentos e habilidades ao trabalharem durante um período dado em uma investigação, problema ou desafio de natureza complexa. O design da ABP inclui: • Habilidades essenciais de conhecimento, compreensão e sucesso: o projeto é focado em objetivos de aprendizagem partindo do próprio aluno e incluindo con- teúdos e habilidades, como pensamento crítico, solução de problemas, colabora- ção e autogestão. • Problema/pergunta desafiadora: o projeto é enquadrado por um problema significa- tivo a ser resolvido ou uma pergunta a ser respondida, no nível apropriado de desafio. • Investigação sustentável: os alunos envolvem-se em um processo rigoroso e lon- go de interrogações, busca de recursos e aplicação das informações adquiridas. • Autenticidade: o projeto tem contexto, tarefas e ferramentas, padrões de qualidade ou impacto reais ou atende a preocupações, interesses e questões da experiência dos alunos. • Voz e escolha dos alunos: os alunos tomam algumas decisões sobre os projetos, incluindo seu funcionamento e prioridades/interesse de suas criações. • Reflexão: alunos e professores desenvolvem uma reflexão sobre a aprendizagem, a eficácia de suas atividades de investigação e seus projetos, a qualidade do trabalho do seu trabalho, obstáculos e soluções adotadas a fim de superá-los. • Crítica e revisão: os alunos dão e recebem feedback para melhorar processos e produtos. • Produto público:3.3 OBJETOS DE APRENDIZAGEM .......................................................................................................112 3.3.1 Definição de OA .........................................................................................................................112 3.3.2 Características .........................................................................................................................113 3.3.3 Metodologia ..............................................................................................................................115 3.3.4 Repertórios de OAs ................................................................................................................. 117 3.4 REPOSITÓRIO DE CONHECIMENTOS: RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS (REA)................................................................................................................................... 117 3.4.1 Definição .....................................................................................................................................118 3.4.2 Classificação dos REAs ..........................................................................................................119 RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................124 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................125 TÓPICO 2 — O ALUNO DIGITAL .......................................................................................... 127 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 127 2 GERAÇÕES DIGITAIS E APRENDIZAGEM ...................................................................... 127 2.1 PANORAMA EVOLUTIVO DAS GERAÇÕES ................................................................................... 129 2.2 GERAÇÕES DIGITAIS E APRENDIZAGEM .....................................................................................130 3 LEGISLAÇÃO, TDICS E ALUNO DO AMANHÃ .................................................................132 3.1 A EDUCAÇÃO DO FUTURO: PARA ONDE VAI A EDUCAÇÃO? ..................................................133 3.2 BASES TEÓRICAS PARA UMA EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA – BNCC .....................................136 3.2.1 Ensino Fundamental............................................................................................................... 137 3.2.2 Ensino Médio ...........................................................................................................................148 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................153 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................154 TÓPICO 3 — INCLUSÃO DIGITAL .......................................................................................155 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................155 2 A INCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL ..................................................................................155 2.1 PANORAMA DA INCLUSÃO DIGITAL: CONTEXTO HISTÓRICO ................................................. 156 2.2 CONSCIENTIZAÇÃO DAS DIVERSIDADES ................................................................................... 157 3 A INCLUSÃO DIGITAL NA ESCOLA .................................................................................158 3.1 GLOBALIZAÇÃO, ENSINO E IDEOLOGIAS .....................................................................................160 3.2 POLÍTICAS DE IMPLEMENTAÇÃO: GOOGLE FOR EDUCATION ...............................................163 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................... 167 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................165 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................168 UNIDADE 3 — APRENDIZAGEM E CIBERMÍDIA .................................................................171 TÓPICO 1 — A TECNOLOGIA COMO MEDIADORA DA LEITURA E REESCRITA ................. 173 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 173 2 A MÍDIA, A INTERNET E A RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO .............................................. 173 3 PRODUÇÃO ESCRITA EM MEIO DIGITAL: FOCO NO PROCESSO ...................................178 3.1 RECURSOS E APLICATIVOS PARA USO NA REALIZAÇÃO DE TAREFAS EDUCATIVAS NO COTIDIANO .......................................................................................................................................... 178 3.2 A NARRATIVA – STORYTELLING – COMO DINAMIZADORA DOS PROCESSOS DE ESCRITA NA INTERNET ..............................................................................................................182 RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................186 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................187 TÓPICO 2 — OS GÊNEROS DIGITAIS NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA .................189 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................189 2 REPENSANDO METODOLOGIAS PARA UM PÚBLICO DIGITAL .....................................190 3 GÊNEROS EMERGENTES NO CONTEXTO DIGITAL ........................................................193 3.1 BLOG ..................................................................................................................................................... 194 3.2 GÊNEROS TRADICIONAIS: E-MAIL, CHAT, LISTA DE DISCUSSÃO ......................................... 195 3.3 GÊNEROS EMERGENTES NA ERA DIGITAL ................................................................................. 197 RESUMO DO TÓPICO 2 ...................................................................................................... 205 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................... 206 TÓPICO 3 — O CIBERESPAÇO COM MEDIADOR DE LEITURAS ....................................... 207 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 207 2 A LEITURA NA CIBERCULTURA – O DESAFIO DA SEMIOSE NAS POSSIBLIDADES DE LEITURA DIGITAL ........................................................................ 207 2.1 LEITORES E LEITURAS NO CIBERESPAÇO .................................................................................208 2.2 UBIQUIDADE E APRENDIZAGEM ....................................................................................................211 2.3 OS GÊNEROS DIGITAIS E O ENSINO DA LEITURA ..................................................................... 213 3 DESAFIOS DE LEITURA NO CONTEXTO DAS TECNOLOGIAS .......................................215 3.1 A IMAGEM COMO SUPORTE PARA A LEITURA ........................................................................... 215 3.2 O YOUTUBE COMO MEDIAÇÃO ...................................................................................................... 219 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................. 225 RESUMO DO TÓPICO 3 ...................................................................................................... 229 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................... 230os resultados dos projetos são publicados, com explicação, exibição e/ou apresentação a um público externo à sala de aula. 104 A ABP apresenta as seguintes etapas (WRIGLEY, 1998 apud OLIVEIRA, MATTAR, 2018, p. 348): “seleção de tópicos, planejamento, pesquisa e elaboração de produtos”. Assim, em vários passos, os alunos constroem a sua trajetória de aprendizagem ao mesmo tempo em que tecem uma reflexão conjunta sobre os processos necessários para chegar aos resultados. 2.3.2 Desafios de aprendizagem Constituem desafios de aprendizagem um conjunto de procedimentos focados no desenvolvimento de estratégias. Segundo Freitas e Ulrich (2018, p. 2): “o desafio de aprendizagem conduz a prática do aprender a aprender quando o aluno entende o conteúdo da disciplina na teoria e coloca em prática ações e compreende comportamentos profissionais construindo flexibilidade e habilidades que configuram uma competência mais assertiva”. São critérios fundamentais para o desafio de aprendizagem (FREITAS; ULRI- CH, 2018): • Compreensão: o aluno deve compreender a importância da tarefa a ser realizada. • Conhecimento: o aluno deve conhecer os benefícios resultantes da realização da tarefa. • Protagonismo: o aluno é o centro do processo. • Integração: o aluno deve compreender a importância do conhecimento e a integra- ção com outros conhecimentos e processos. • Inter-relação: o aluno deve ser capaz de relacionar informação a conhecimento adquirido. • Estímulo: é fundamental para o desenvolvimento e a assiduidade no processo de aprendizagem. Ao integrar estes requisitos, o aluno aprende por se sentir motivado e incluído em um processo que resultará em soluções construídas de maneira cooperativa, apoiando-se em tecnologias que podem ir do texto impresso aos recursos tecnológicos das mídias digitais. 105 2.3.3 Aprendizagem centrada na resolução de problemas A aprendizagem centrada na resolução de problemas está interconectada a outras metodologias ativas, tais como a ABP (HELLE; TYNJÄLÄ; OLKINUORA, 2006 apud OLIVEIRA, MATTAR, 2018). Ambas buscam alcançar um objetivo através da colaboração e o compartilhamento de informações, pela adoção de atitude proativa e a busca da solução de um problema proposto. No entanto, na aprendizagem centrada na resolução de problemas não há obrigatoriedade de um produto final, mas a solução de problemas conceituais (OLIVEIRA; MATTAR, 2018). Assim, após conhecimento do problema a ser resolvido, em equipes de trabalho, os alunos adotam etapas visando conduzir a soluções; em seguida, os resultados são compartilhados no grupo e discutidos. Acadêmico, na Unidade 3 desta obra, você encontra algumas propostas de trabalho aplicadas ao ensino da língua portuguesa em sala de aula servindo-se destes procedimentos metodológicos aqui elencados. Você já pode consultá-las e refletir sobre as diferentes etapas. Bom trabalho! 3 ESTRUTURAS DIGITAIS E RECURSOS PARA APRENDIZAGEM Os recursos disponibilizados pela tecnologia tornam possíveis diferentes modos de ensino e aprendizagem que ultrapassam a reflexão realizada até aqui sobre procedimentos metodológicos para aplicação em sala de aula. Neste subtópico, você conhecerá os princípios da Educação a distância (EaD) e dispositivos como ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs), objetos de aprendizagem (OAs) e repertórios de conhecimento disponibilizando recursos educacionais abertos (REAs). 3.1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Neste subtópico, estudaremos a modalidade de Educação a Distância, uma tendência no Ensino Superior brasileiro proporcionada pela popularização das TDICs e disponível globalmente. 3.1.1 Definição O que é, afinal, EaD, o ensino a distância? Você saberia dizer? Pense no que o próprio nome diz. 106 Educação a distância: “aprendizado planejado que ocorre normalmente em um lugar diferente do local de ensino, exigindo técnicas especiais de criação do curso e de instrução, comunicação por meio de várias tecnologias e disposições organizacionais e administrativas especiais” (MOORE; KEARSLEY, 2008, p. 2). A EaD constitui-se em uma modalidade de comunicação assíncrona, ou seja, que não ocorre simultaneamente entre a instituição e o aluno, como ocorreria em aulas presenciais numa sala de aula; mas em momentos e lugares distintos, e o processo mediado através de TDICs. Vamos elucidar os conceitos de comunicação síncrona e assíncrona que, ambos, podem integrar as metodologias empregadas no EaD: • Comunicação Síncrona: comunicação realizada com presença simultânea dos interlocutores. Ex.: fala em face a face, a voz ao telefone, mensagens por Hangout, por WhatsApp. • Comunicação Assíncrona: conforme Martins, Cortez e Gabriel (2010, p. 3), na comunicação assíncrona: A transmissão de informação ocorre de modo diferido, não exigindo, por isso mesmo, a disponibilidade ou a presença simultânea dos interlocutores. Além de permitir a comunicação e colaboração em espaços e tempos diferentes, permite ainda uma maior reflexão sobre a informação e os conteúdos produzidos e/ou acedidos (acessados). Integrando essas possibilidades de comunicação, a EaD é uma forma de aprendizado envolvendo atores que executam suas ações em momentos e lugares distintos, o que difere o ensino a distância do ensino presencial. Como você pôde ver no vídeo – e também pode estar percebendo em sua vida acadêmica ou na sociedade ao seu redor – as rotinas estão se transformando, as habilidades demandadas, tornando- se específicas e pontuais, de maneira que um ensino focado, individualizado, que não exija permanências em salas de aulas coletivas – tempo e lugar definidos – tende a se generalizar. A Internet e a EaD rompem, na verdade, com o modelo clássico de instituição “escola” pautado no professor que é “incentivado a tornar-se animador da inteligência coletiva de seus grupos de alunos em vez de um fornecedor direto de conhecimentos” (LEVY, 1999, p. 158). Surgem com a EaD o trabalho cooperativo por meio de groupwares – softwares coletivos para cooperação –, listas de discussão, chats e comunidades virtuais a que os alunos, distribuídos nos eixos espaço e tempo, têm acesso privilegiado. IMPORTANTE 107 A modalidade de Ensino a Distância (EaD) compreende: • Autonomia do aluno: que não se precisa estar presente em um mesmo espaço físico nem ao mesmo tempo com o professor e um grupo de colegas aprendizes. • Construção planejada do conhecimento: através de tecnologias disponibilizadas ao aluno e mediadas por uma equipe – professor e agentes para administração e organização do processo em sua totalidade. • Metodologia específica: integrando instrução e comunicação entre os agentes de ensino e os agentes de mediação – aluno e organização. A EaD possui vários níveis (MOORE; KEARSLEY, 2008 apud BADALOTTI, 2017): • Instituições que se dedicam unicamente ao EaD. • Instituições que mesclam a modalidade EaD com Ensino Presencial. • Cursos de capacitação oferecidos pelos professores através da modalidade EaD. Você pode estar se perguntando sobre o modo como este método de aprendiza- gem surgiu. É o que veremos no subtópico a seguir, ao abordar a evolução do EaD. 3.1.2 Evolução do ensino a distância Embora pareça uma metodologia recente, tributo à revolução digital, as metodologias de EaD possuem uma longa trajetória sobre a qual se operaram transformações (BADALOTTI, 2017): • Primeira geração: surgiu em fins dos anos 1800 e caracteriza-se pelo Ensino por Correspondência com a finalidade inclusiva (chegar àqueles que, de outro modo, não teriam acesso à formação). É intermediada pelos Correios. • Segunda geração: com o surgimento do rádio, no início do Século XX, surgem as primeiras emissões educativas, seguidas mais tarde pelas transmissões televisivas do Serviço Fixo de Televisão Educativa que transmitia programas educativos para escolas e a comunidade. • Terceira geração: marcada pela abordagem sistêmica, agrupa várias tecnologias integradas a fim de oferecer um ensino de alta qualidade e custoreduzido (transmissões em rede – rádio, televisão –, material audiovisual acompanhados de material impresso – livro texto, caderno de exercícios etc. O aluno também dispunha de um ambiente presencial para trocas e compartilhamento (dúvidas, aprofundamento) nas instituições. Neste período surgem as primeiras Universidades Abertas (Open University), em que o ensino e a aprendizagem podem se dar por acesso remoto. • Quarta geração: inicia nos EUA em 1980 para atividades em grupo no EaD. Emprega o serviço de teleconferências entre professores e alunos, que passam a interagir uns com os outros. Com o desenvolvimento da comunicação por satélite, as universidades primeiro, em seguida as escolas, produzem programas que são retransmitidos a diferentes públicos. 108 • Quinta geração: compreende aulas virtuais mediadas pelo computador e os softwares educativos. É a geração atual do EaD em que nos encontramos. O recurso à Internet e as facilidades tecnológicas proporcionadas pelos novos dispositivos de comunicação, sobretudo computador, tablets, smartphones e aplicativos, constituem o eixo fundamental desta metodologia na atualidade. No entanto, não basta que um determinado conteúdo seja disponibilizado na rede para que a aprendizagem ocorra. Veremos a seguir a relação entre EaD e o processo de autoaprendizagem. 3.1.3 Ensino a distância e autoaprendizagem Como vimos nos tópicos precedentes, a EaD caracteriza-se pela autonomia e a individualidade dos aprendizes. Estes, ao aderirem à modalidade de ensino e aprendizagem longe dos locais de emissão e ordenamento dos conhecimentos a serem adquiridos, tornam-se protagonistas no processo de aprendizagem. A autoaprendizagem apresenta duas modalidades: • Autônoma: como o próprio nome indica, o estudante exerce o controle sobre seu processo de conhecimento, escolhendo assuntos, materiais, pesquisas, sem necessidade de tutor para sua orientação. São exemplos famosos deste caso: Henry Ford, Bill Gates. • Dirigida: esta autoaprendizagem é organizada e sistemática. Geralmente dispensada por instituições de ensino que organizam conteúdos e materiais segundo objetivos e em etapas específicas, acompanhando o processo percorrido pelo aprendiz. Demanda uma infraestrutura particular: equipe multidisciplinar para produção e gestão de todas as áreas envolvidas nas diferentes etapas do processo. A autoaprendizagem implica, então, em uma responsabilização do aprendiz no processo de aprendizagem e constitui metodologia desafiadora à instituição: • A instituição deve conduzir o aluno a “aprender a aprender”: não apenas aprender em contexto institucional, mas saber aprender nas situações da vida (MOORE; KEARSLEY, 2008 apud BADALOTTI, 2017). • O aluno deve estar ciente de que as tecnologias podem amplificar os seus resultados, e saber tirar o melhor proveito delas, relacionando os conteúdos à realidade, mudan- do sua postura diante dos estudos – adoção de metodologia – e da vida – adoção de “postura proativa, cooperativa e aberta para diferentes situações da vida” (UNIAS- SELVI, 2013, p. 9). 109 Como vimos, a adoção de uma metodologia de estudo amplificará os resultados e permitirá ao aluno da modalidade EaD atingir os seus objetivos de maneira mais eficaz. Alguns passos para o estudo em modalidade EaD são: o gerenciamento do tempo de estudos, a formação de grupos para estudos (que podem ser virtuais ou presenciais), acesso regular ao ambiente virtual de aprendizagem (AVA) da plataforma EaD (UNIASSELVI, 2013). Veja, a seguir, um quadro elucidativo das diferenças entre a escola clássica, marcada por metodologias tradicionais e as tendências atuais. QUADRO 1 − COMPARATIVO DA EDUCAÇÃO PRESENCIAL E DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ATUAL EDUCAÇÃO PRESENCIAL CLÁSSICA Espaço físico: aulas não presenciais ou semipresenciais, professores e alunos podem ou não estar separados fisicamente. Espaço físico: as aulas ocorrem sempre em um mesmo local físico. Horários: possui maior flexibilidade, pois as atividades podem ser realizadas de forma assíncrona segundo a disposição do aluno. Horários: costumam ser fixos e coincidindo com o espaço físico. Perfil do aluno: autodidata, responsável, disciplinado, curioso e com autonomia. Perfil do aluno: mais dependente do sistema escolar, na maior parte, receptores passivos. Contato físico: limitado ou inexistente. Contato físico: afetivo, emocional, em interação. Uso das TDICs: muito dependente, sobretudo Internet, AVAs e ferramentas − fóruns, livros digitais, vídeos, chats etc. Uso das TDICs: não há dependência de tecnologia, mas de infraestrutura física − sala de aula, carteiras, mesas, quadro, giz, pincel etc. Vagas: número de alunos é praticamente ilimitado, graças ao uso das TDICs. Vagas: limitadas ao espaço físico e recursos, locomoção e/ou tempo. Acessibilidade: ampla, com tendência a diminuição das desigualdades sociais. Acessibilidade: limitada, pois depende de investimentos para alcançar as áreas de difícil acesso, a inclusão social etc. FONTE: . Acesso em: 6 jan. 2020. A seguir, abordaremos um recurso amplamente empregado no Ensino a Distância: os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), também conhecidos pelo nome de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem (AVEA). 110 3.2 AMBIENTES DE APRENDIZAGEM Conheceremos um pouco mais sobre esta ferramenta facilitadora do acesso ao conhecimento. Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) tomam cada vez mais espaço nos diferentes contextos de aprendizagem e representam um desafio tanto para professores quanto alunos. AVAs integram o que Castells (2003) apresenta como CVs (Comunidades Virtuais), formas de interação possibilitadas pela tecnologia que se caracterizam, fundamentalmente, por permitirem a interação horizontal, de muitos para muitos, bem como pelo fato de qualquer pessoa, a qualquer momento, poder estabelecer fluxos de navegação, criar e compartilhar seus conteúdos e/ou iniciar uma CV. Sob essa ótica, Palloff e Pratt (2002) apontam dois tipos de CVs: • Comunidades Virtuais de Aprendizagem (CVAs): têm foco em objetivos educacionais. • Comunidades de Prática (CPs): têm foco no compartilhamento de informações, interesses, experiências no campo profissional e/ou educacional. As redes sociais integram cada vez mais CVAs. Segundo as autoras Palloff e Pratt (2002), é possível observar o surgimento on-line de uma CVA: • Ocorrência de interação ativa entre os participantes. • Aprendizagem colaborativa entre os participantes e um mediador/professor. • Construção de significados/conhecimentos através de trocas, questionamentos, colocações por parte dos participantes. • Compartilhamento de conteúdo, referências bibliográficas, experiências, objetivando a construção de conhecimento. • Encorajamento mútuo entre os participantes. Nesse conjunto, os AVAs são recursos empregados para a mediação da aprendizagem. Segundo Almeida (2003, p. 331), AVAs são: Sistemas computacionais disponíveis na internet, destinados ao suporte de atividades mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação. Permitem integrar múltiplas mídias, linguagens e re- cursos, apresentar informações de maneira organizada, desenvolver interações entre pessoas e objetos de conhecimento, elaborar e so- cializar produções, tendo em vista atingir determinados objetivos. As atividades se desenvolvem no tempo, ritmo de trabalho e espaço em que cada participante se localiza, de acordo com uma intencionalida- de explícita e um planejamento prévio denominado design educacio- nal, o qual constitui a espinha dorsal das atividades a realizar, sendo revisto e reelaborado continuamente no andamento da atividade. Dentro do novo paradigma de ensino e aprendizagem, segundo Kenski (2012, p. 95), os AVAs apresentam três vantagens: 111 • Interatividade: oferecem condições para interação síncrona e assíncrona entre os diferentesagentes do processo educativo. Os estudantes podem, assim, definir seus próprios caminhos para a aprendizagem. • Intertextualidade: conexão entre diversos textos e mídias articulados em um caminho facilitador da aprendizagem, oferecendo gêneros e linguagens variadas – som, imagem, texto, vídeo etc. • Conectividade: rapidez e flexibilidade de acesso à informação e à comunicação, possibilitando o desenvolvimento de projetos colaborativos, bem como a gestão dos processos. Permite que os aprendizes se sintam em telepresença. AVAs integram o “Wedness: modelo idealizado de processo de aprendizagem cooperativo, característico da sociedade digital” (KENSKI, 2012, p. 95). Portanto, materiais e tecnologias apenas não bastam: uma nova pedagogia torna-se necessária para o sucesso das atividades realizadas através de AVAs. Em decorrência das mudanças sociais nas últimas décadas, os AVAs também mostram uma evolução desde o surgimento nos anos 1990 até os dias de hoje, tanto no que se refere às tecnologias disponíveis, quanto nas abordagens. Assim, existem, basicamente, dois tipos de ambientes virtuais destinados à educação: • Sistema aberto: com base em um servidor web, permite livre distribuição na Internet. São exemplos: Teleduc, desenvolvido pela Unicamp/SP, e o Aulanet, desenvolvido pela PUC/RJ. • Sistema fechado: funciona em uma plataforma proprietária e serve a empresa/ instituição que desenvolveu o ambiente. São exemplos: Webct, LearningSpace, Blackboard etc. Kenski (2012) detalha o ambiente Teleduc, desenvolvido pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação – NIED – da Universidade de Campinas (UNICAMP) livre para consultas e download em: http://teleduc.org.br/. Acesse a página da Unicamp: https://www.nied.unicamp.br/biblioteca/teleduc-4/ NOTA DICAS 112 Chickering e Gamson (1987) identificam sete práticas para que o compartilha- mento de conhecimentos seja eficaz e apresente os melhores resultados: • Encorajar o contato entre estudantes e docentes. • Desenvolver reciprocidade e cooperação entre estudantes de modo a incentivar a colaboração, não a competição entre estudantes. • Fazer uso de aprendizagem ativa, realizando atividades dinâmicas como vivências e exercícios práticos. • Proporcionar feedback adequado e contínuo sobre o desempenho, identificando progressos e necessidades de aprendizado. • Ensinar o uso eficiente do tempo, focando em tarefas pertinentes. • Gerar alta expectativa, criando um clima desafiador que motive o aluno à busca do aprendizado de forma responsável. • Respeitar talentos e trajetórias individualizadas de aprendizagem que motivem o aluno a aprimorar seus conhecimentos. Acadêmico, você já está utilizando estes recursos em seu dia a dia e possui agora uma visão aprofundada de seu funcionamento. Resta-nos abordar um outro recurso utilizado no ensino mediado pelas tecnologias digitais que são os objetos de aprendizagem, nosso próximo tema. 3.3 OBJETOS DE APRENDIZAGEM Os objetos de aprendizagem (OAs) surgiram com o desenvolvimento do ensino mediado por TDICs. Foram denominados de forma lúdica “LEGOs” por Wayne Hodgins (1994 apud BRAGA, 2015, p. 38), ou moléculas por Willey (2003 apud BRAGA, 2015), por constituírem pequenas partes temáticas que, acopladas aos conhecimentos existentes, formam novos conhecimentos. Aprofundaremos, a seguir, alguns aspectos dos OAs. 3.3.1 Definição de OA As definições para OAs são múltiplas. Para Kenski (2012, p. 123), OAs são: [...] Porções de conteúdos trabalhadas didaticamente em ambiente digital (com sons, desenhos, animações, imagens, vídeos, gravações, fotos, documentos, textos e atividades) que podem ser utilizadas para ensinar um mesmo assunto em diferentes disciplinas e cursos. À semelhança de livros, capítulos de livros ou mesmo textos soltos reunidos na bibliografia de disciplinas diferentes, os objetos de aprendizagem se prestam a esse mesmo uso, desde que a opção seja o uso do computador em atividades de ensino. Assim como as partes de um LEGO ou as moléculas se articulam para alcançar um objetivo, os OAs são o que o próprio nome indica: partes de um todo a serem inseridas no processo de aprendizagem. A figura a seguir representa as metáforas do LEGO e da Molécula (BRAGA, 2015, p. 39-41): 113 FIGURA 1 − A METÁFORA LEGO PARA OAS FONTE: Adaptado de Braga (2015) A metáfora do LEGO reduz os objetos a blocos fechados, aptos a combinações diversas. Já na metáfora do átomo, nem todo átomo permite associações a outros átomos. Assim também nos OAs a estrutura interna é determinante para as múltiplas possibilidades (BRAGA, 2015). Todo OA possui um critério interno de intencionalidade pedagógica (BRAGA, 2015), critério este determinante para o seu uso. Uma distinção é feita entre objetos de informação (OIs) e OAs. Os primeiros têm conteúdo, mas não estrutura instrucional ou orientações sobre o uso, bem como informações sobre seu desenvolvedor. Um exemplo na área do ensino da língua portuguesa podem ser objetos apresentando aspectos culturais, variação linguística, componente de um texto etc. Já os Objetos de Aprendizagem correspondem a uma extensão dos Objetos de Informação na medida em que incluem objetivos de aprendizagem, avaliações e outros componentes instrucionais (METROS; BENNET, 2002). Estes elementos não precisam, necessariamente, estar incluídos no OA, mas a ele estarem ligados por links hipertextuais que enviam aos objetivos de aprendizagem instrumentos de avaliação, animações complementares etc. 3.3.2 Características Algumas características são necessárias para que um recurso seja considerado um OA: possibilidade de reutilização, apresentação de um tópico específico, durabilidade, facilidade para atualização, flexibilidade, interoperabilidade ou interdisciplinaridade (entre áreas de estudo), modularidade, uso em dispositivo tecnológico, entre outros (KENSKI, 2012). Podemos dizer que, o que as fichas, jogos e outros recursos e atividades representavam para o ensino presencial tradicional, os OAs representam para o ensino mediado pelas TDICs. Desenvolvidos para uso na Educação através do uso das TDICs, podem ser desenvolvidos pelo docente, por equipe especializada, na instituição ou fora dela ou, ainda, utilizando-se de REAs (recursos educacionais abertos), de maneira colaborativa (KENSKI, 2012). 114 Você, professor, poderá desenvolver OAs, segundo as necessidades específicas de suas aulas. Neste tópico abordaremos repositórios de OAs que poderão inspirar esta prática. Chan Núñes (2002 apud AUAD, 2014, p. 21) representa graficamente os OAs. Veja a figura a seguir: FIGURA 2 – OS OAS SEGUNDO NÚÑES FONTE: Adaptado de Auad (2014, p. 21) Vamos explicar a figura (AUAD, 2014): • Conhecimento: OAs são, antes de mais nada, ferramentas de conhecimento, o que implica noções de Gestão e de Geração do Conhecimento. • Currículo: OAs constituem recursos inovadores para a renovação curricular. • Tecnologia Educativa: OAs implicam múltiplos conteúdos e linguagens (multi- modalidades). • Processos de Ensino e Aprendizagem: OAs integram o paradigma da atualidade e correspondem ao perfil do aluno digital, complementam conteúdos, proporcionam novas experiências de aprendizagem pelo recurso às TDICs, oferecendo alto grau de interesse para os processos de ensino e aprendizagem deste aluno. Conhecimento Currículo Tecnologia Educativa Processos de Ensino e Aprendizagem Objeto de Aprendizagem NOTA 115 Reflita sobre a questão: qual é o real interesse para o desenvolvimento de OAs? Para motivar seu estudo, assista ao vídeo de Erik Ferreira – Tecnologia Assistiva: sobre OAs, disponível em: https://www.youtube.com/watch?- v=M7aHFTxX1pQ. 3.3.3 Metodologia Como integrar OAs a suas aulas? O vídeo sugerido já lhe deu algumas ideias, certo? Trataremos a questão em duas etapas: a primeira refere-se ao planejamento de OAs para as aulas, e a segunda fornece critérios para a utilização. Para Badalotti (2017), os seguintes critérios devemser observados: • Relevância: para atingir plena eficácia, o OA deve apresentar temática relevante aos conteúdos tratados. • Usabilidade: o OA deve ser compatível com as plataformas em uso, sendo totalmente acessível ao aprendiz. • Adequação cultural: o OA deve ser adequado ao universo do aprendiz, de modo que os significados que transmite produzam resultados eficazes segundo os objetivos propostos. • Suportes de estrutura: objetos grandes ou pequenos, simples ou complexos devem ser alojados e disponibilizados em sistemas suficientemente robustos para lidar com surtos de tráfego, largura de banda, armazenamento de arquivos grandes. • Redundância de acesso: os OAs devem ser acessíveis através de mais de um meio de entrega: vídeos mp3, por exemplo, acessíveis via Podcast ou link para download. • Tamanho do OA: deve ser pensado para evitar problemas de acesso em localidades remotas, redes lentas etc. Ao planejar o objeto é importante verificar esse aspecto. • Relação com a infraestrutura/entrega: o OA pode ser integrado no sistema de gerenciamento de aprendizagem. Ele é então tratado de forma diferente de um objeto grande e complexo (caso dos jogos, por exemplo), e pode ser executado em conjunto com o sistema de gerenciamento de aprendizagem. Pode ser necessário alterar o sistema de entrega ou fundamento. AUTOATIVIDADE DICAS 116 Quanto ao uso ou não de determinado OA em uma aula, antes de mais nada é preciso ter em mente os objetivos de aprendizagem previstos e os resultados esperados para o alunos/disciplina e/ou conteúdos, o alcance do conteúdo trabalhado no OA, bem como o nível dos alunos a quem o OA se destina (BADALOTTI, 2017). São critérios para nortear a escolha de um OA (BADALOTTI, 2017): • Motivação: como motivar as pessoas (como evitar desmotivação?). Se o OA não cor- responde às expectativas dos aprendizes, provavelmente não se sentirão motivados e os resultados não corresponderão ao esperado. • Integração: alinhar resultados com atividades instrucionais incorporadas no OA: como é o objeto? Como funciona na prática? Quais são as expectativas/ habilidades do aluno que receberá o OA? A mesma reflexão deve ser revista após o emprego do OA a fim de avaliar os resultados do emprego naquela situação. • Tecnologia: avaliar as questões tecnológicas: que plataforma será empregada? Será utilizado um sistema de gestão da aprendizagem? • Recepção: refletir sobre a recepção dos OAs pelos alunos: que tipo de acesso têm? Que formato será utilizado (ActiveX, Audio, CD.ROM, Planilha Excel, Programa Ejecutable, Flash, HTML, Imágenes, Applet de Java, Javascript, PDF, Podcast, PowerPoint, Scorm, Shockwave). Qual material de acesso será empregado (computador, celular)? • Variedade: utilizar atividades variadas para acesso com tecnologia: games, simulação on-line, combinada, móvel etc.). É importante prever perfis de alunos bastante variados, tendo em vista a disponibilização dos OAs para diferentes disciplinas. Para isso, a avaliação das necessidades se torna fundamental. • Público: ter em mente fatores sociológicos dos destinatários do OAs: que valores têm? Como evitar possíveis ofensas involuntárias? O que sei dos valores culturais? Uma avaliação destes critérios impõe-se e, para tal, conhecer o público é uma etapa a não omitir. • Aspectos cognitivos: levar em conta fatores psicológicos e cognitivos: como funciona a mente? Como motivar? Como apresentar conceitos de modo a conectá- los às necessidades, experiências, crenças do aluno? Como obter sua adesão para a proposta de ensino? As respostas às perguntas variam, mas lembre-se: os OAs destinam-se ao aprendizado de conceitos e conteúdo específicos por parte do aluno. Por isso, quanto mais estreito for o elo entre os objetivos e o conteúdo específico do OA, melhor se dará a sua integração. 117 Acesse ao portal do MEC para informações sobre OAs: https://plataformaintegrada.mec.gov.br/home. 3.3.4 Repertórios de OAs Apresentamos aqui algumas opções de recursos disponíveis para seu uso: • RIVED (Rede Internacional Virtual de Educação): disponível em: http://www.dmm. im.ufrj.br/projeto/rived/index.html. • Referatório de OAs da Educação Pública Brasileira: disponível em: https://www.aunirede. org.br/portal/referatorio-de-objetos-de-aprendizagem-da-ead-publica-brasileira/. • Open University: várias opções de cursos e materiais para aprendizagem da língua espanhola, disponível em: https://www.open.edu/openlearn/search-results?as_ q=portuguese. • Merlot: Spanish Proficiency Exercises, disponível em: https://www.merlot.org/merlot/ materials.htm?keywords=Portugu%C3%AAs&sort.property=relevance. Como você pôde observar, há muitos materiais disponibilizados para uso livre no ciberespaço. Isso nos conduz a nossa próxima temática, os recursos educacionais abertos (REA). 3.4 REPOSITÓRIO DE CONHECIMENTOS: RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS (REA) O termo “recursos educacionais abertos” (REA) foi adotado pela UNESCO em 2002 no Forum on the Impacto of Open Courseware for Higher Education in Developing Countries em Paris (MATTAR, 2017 apud LITTO; MATTAR, 2017). No entanto, a tendência já era observada no meio científico, conforme mostra a Figura 3: DICAS 118 FIGURA 3 − FASES DA APARIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO REA FONTE: Braga (2015, p. 139) Nos últimos anos, o uso de REAs intensificou-se sobretudo por três razões (BATSON; PAHARIA; KUMAR, 2014): • Os professores tornaram-se facilitadores numa discussão de aprendizagem carrega- da, multifocal, em rede e local, multicêntrica e que eles já não controlam. • As publicações libertaram-se de métodos tradicionais e os conteúdos multidisciplinares são constantes revisados. • A abertura a múltiplos usos e usuários tornou-se o princípio norteador dos conhecimentos. 3.4.1 Definição Mattar (2017 apud LITTO; MATTAR, 2017, p. 21) define os REAs como sendo, num primeiro momento: “recursos educacionais disponíveis livre e abertamente para educadores e alunos”. Inclui-se aí todo tipo de materiais, desde planos de aula, textos, notas etc., disponíveis para compartilhamento aberto em rede. Logo, à definição inicial, acrescenta condições: • Licença aberta: devem possuir licença aberta ou estar em domínio público para possibilidade de cópia, utilização, adaptação e recompartilhamento. • Ferramentas: devem comportar ferramentas e softwares (geralmente de código aberto) necessários para desenvolver e disponibilizar os materiais. 119 “Código Aberto” é um termo com várias acepções, cuja essência gira em torno da distribuição do código-fonte de software com liberdade de alterar, mudar e redistribuir a obra resultante (LONG; EHRMANN, 2014). As imposições para redistribuição do material podem variar: é exigida a atribuição dos autores originais e como? A redistribuição pode ser feita a qualquer um ou apenas para outras pessoas que trabalham em áreas sem fins lucrativos? Uma versão comercial do código pode ser derivada para a venda? Logo, não basta que um material esteja disponível na rede ou ciberespaço para que seja considerado um REA. Ainda é preciso que apresente características específicas que permitam sua utilização, transformação e recompartilhamento. 3.4.2 Classificação dos REAs Segundo o autor, alguns repositórios de recursos de ensino apresentam materiais para comunidades específicas. No quadro a seguir, vejamos a explicação dos códigos adotados nos REAs, segundo a sua licença (SILVEIRA, 2015): QUADRO 2 − COMBINAÇÕES DIMENSÃO DE LICENÇA CREATIVE COMMONS Atribuição (CC BY) Permite distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir do trabalho, mesmo para fins comerciais, desde que o devido crédito pela criação original seja atribuído. É a licença mais flexível de todas. Recomendada para maximizar a disseminação e uso dos materiais licenciados. Atribuição Compartilhada (CC BY-AS) Permite distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir do trabalho, mesmo para fins comerciais, desde que o devido crédito pela criaçãooriginal seja atribuído e que as novas criações sejam licenciadas sob termos idênticos. Costuma ser comparada com as licenças de software livre e de código aberto copyleft. Todos os trabalhos novos baseados neste terão a mesma licença, portanto, quaisquer trabalhos derivados também permitirão o uso comercial. É a licença usada pela Wikipédia e é recomendada para materiais que seriam beneficiados com a incorporação de conteúdos da Wikipédia e de outros projetos com licenciamento semelhante. IMPORTANTE 120 Atribuição Sem Derivações (CC BY-ND) Permite a redistribuição, comercial e não comercial, desde que o trabalho seja distribuído inalterado e no seu todo, com crédito atribuído aos autores. Atribuição Não Comercial (CC BY-NC) Permite que outros remixem, adaptem e criem a partir do trabalho para fins não comerciais, e embora os novos trabalhos tenham de lhe atribuir o devido crédito e não possam ser usados para fins comerciais, os usuários não têm de licenciar esses trabalhos derivados sob os mesmos termos. Atribuição Não Comercial Compartilha Igual (CC BY-NC-AS) Permite que outros remixem, adaptem e criem a partir do trabalho para fins não comerciais, desde que atribuam o devido crédito e que licenciem as novas criações sob termos idênticos. Atribuição Sem Derivações Sem Derivados (CC BY-NC-ND É a mais restritiva das seis licenças principais, só permitindo download dos trabalhos e compartilhamento, desde que atribuam crédito aos autores, mas sem que possam alterá-los de nenhuma forma ou utilizá-los para fins comerciais FONTE: Adaptado de Silveira (2015, p. 151) Veja, por esse quadro, que as possibilidades são variadas, segundo a orientação fornecida pelos autores. É importante, sempre, observar estes símbolos para não incorrer em plágio. No subtópico anterior, você já visitou alguns endereços para consulta de OAs (Referatório Nacional de OAs). O Quadro 3, a seguir, mostra um conjunto de repositórios de REAs. Para sua composição, o autor (MATTAR, 2017 apud LITTO; MATTAR, 2017) usou os critérios de confiabilidade da fonte, autor e/ou instituição, clareza na licença, acessibilidade a usuários com deficiências, definição dos objetivos de aprendizagem ou claramente identificáveis, possibilidade de emprego em diversos contextos, facilidade de utilização e/ou modificação: 121 QUADRO 3 − REPOSITÓRIOS DE REAS Nome Link Comentários Banco Internacional de Objetos Educacionais (BIOE) http://objetoseducacionais2.mec. gov.br/ Repositório mantido pelo Ministério da Educação do Brasil (MEC) em parceria com outros órgãos, que inclui imagens, mapas, hipertextos, áudios, vídeos, animações, simulações, softwares educacionais etc. Directory of Open Access Journals (DOAJ) https://doaj.org/ Coleção de periódicos de acervo aberto. Directory of Open Access Books (DOAB) http://www.doabooks.org/ Diretório de livros de acesso aberto, mantido pela Fundação OAPEN (Biblioteca Nacional de Haia, Holanda). iBerry http://iberry.com/ Inclui o Open Education Directory (diversos tipos de REAs, por área de estudos), uma lista de cursos abertos, links com apoio aos alunos e MOOCs etc. Merlot https://www.merlot.org/ Comunidade internacional que compartilha recursos para a Educação Superior. MIT OpenCourseWare https://ocw.mit.edu/ Projeto pioneiro na oferta de conteúdo aberto para o Ensino Superior, disponibiliza materiais de diversos cursos ministrados no MIT. The Nacional Science Digital Library (NSDL) https://nsdl.oercommons.org/ Ênfase nas disciplinas de Ciências, tecnologia, engenharia e matemática. OER Commons https://www.oercommons.org/ Biblioteca virtual e plataforma para colaboração do ISKME – Institute for the Study of Knowledge Management in Education. Open Education Europa https://www.openeducationeuropa. eu/ Lista repositórios de REAs na Europa. Open Learning Initiative http://oli.cmu.edu/ Iniciativa do Carnegie Mellon, com cursos interativos livres, materiais para professores e pesquisadores, da Yale University. Open Yale Courses http://oyc.yale.edu/ Acesso gratuito a uma seleção de cursos introdutórios ministrados por professores e pesquisadores da Yale University. The Directory of Open Access Repositories (Open DOAR) http://www.opendoar.org/ Diretório mundial de repositórios acadêmicos de acesso aberto, mantido pela Universidade de Nothingham. 122 Open Learn http://www.open.edu/openlearn/ Artigos e textos, podcasts, vídeos, animações e cursos da Open University. Open Stax http://cnx.org/ Repositório da Rice University, contém pequenos módulos que podem ser organizados como cursos, livros, relatórios e outras atividades acadêmicas. FONTE: MATTAR, 2017 (apud LITTO; MATTAR, 2017, p. 22-3) Os recursos educacionais abertos possuem em sua gênese uma gama de finalidades que, ainda segundo Litto e Mattar (2017), permitem aos usuários de: • Reutilizar: o usuário pode apropriar-se do recurso e usá-lo, inclusive, em contextos ou situações para os quais não foi previsto inicialmente. • Remixar: o usuário pode adaptar os REAs modificando-os, fundindo-os com outros, criando derivativos etc. Normalmente, ao utilizar material desenvolvido por outra pessoa, uma adaptação já existe aos propósitos da situação alvo. Nos REAs, essas modificações se fazem sem que necessite consentimento das fontes. • Criar: ao criar REAs (a partir ou não de outros), é importante estabelecer objetivos de aprendizagem. A taxonomia de Bloom pode constituir uma boa referência. Diversos materiais podem servir de suporte para a criação de REAs, como textos, sons, imagens, animações, vídeos e até cursos, que podem ser desenvolvidos e/ ou recuperados em repositórios de REAs, correspondendo assim ao processo de remixagem de conteúdos. Como ferramentas para a criação, podem ser empregados REAs abertos como Audacity, ou licenciadas, como Microsoft Word, Powerpoint, Adobe Photoshop e Indesign. • Compartilhar: a cultura REA pressupõe o compartilhamento das informações e conteúdo, atividades e ações para enriquecimento da base de conhecimentos. Teorias como o Socioconstrutivismo e Comunidades de Prática subsidiam professores aprendendo juntos e construindo novos conhecimentos compartilhados. Constrói-se, dessa maneira, uma comunidade em torno da aprendizagem, do conhecimento e dos recursos compartilhados, com o professor assumindo papéis ativos na comunidade. Através do compartilhamento e da exposição a novas ideias, ao aprendizado com os pares, lideranças se formam em assuntos diversos, o que pode levar à progressão na carreira e ao desenvolvimento de novos conteúdos e compartilhamentos. As mídias sociais facilitam o processo. • Licenciar: REAs servem-se de material aberto. Empregar material licenciado pode comprometer a finalidade inicial do processo. Para evitar problemas, surgiu o Creative Commons, “conjunto de licenças não exclusivas para o licenciamento de obras protegidas por direitos autorais sem pagamento para o público em geral” (MATTAR, 2017, p. 26). São, portanto, combinações mais ou menos livres que aproximam os REAs entre si. Não substituem direitos autorais, mas facilitam e incentivam os proprietários de direitos (incluindo educadores) a divulgarem mais amplamente obras protegidas por direitos autorais a fim de que toda a comunidade seja beneficiada. 123 Walker (2014, p. 77-8) vê nos REAs uma tendência sólida que tende a se generalizar, permitindo que alunos e profissionais da educação convivam com uma educação fortalecida e eficaz. Ao permitir múltiplas interações, compartilhamentos e construções coletivas do conhecimento, a educação aberta revela-se uma experiência pedagógica de maior qualidade e permitindo resultados mais satisfatórios. A mudança na prática de construção e difusão de conhecimentos abertos demanda, porém, responsabilidade e ética. Do mesmo modo, mecanismos de autoavaliação, comparação e defesa de seus resultados contra erros de interpretaçãose tornam necessários. Estes mecanismos se democratizarão e seus efeitos serão medidos com o tempo. Resta lembrar o fator de democratização de acesso à aprendizagem que constituem as Bibliotecas Digitais. Nesse sentido, alguns autores consideram um estudante inteligente aquele que mostra disciplina e motivação, considerando esses aspectos adequados para adquirir uma educação eficaz em várias áreas. Uma limitação neste conhecimento talvez resida no fato de que apenas materiais classificados como REAs podem figurar abertamente para consultas sem restrições pelo público. 124 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu: • As metodologias de ensino e aprendizagem evoluem ao longo do tempo como resul- tado das transformações ocorridas na sociedade: uma escola autoritária, em que o professor detinha e transmitia conhecimentos existentes dá lugar a uma escola nova, em que o foco está no aluno e os conhecimentos são construídos em conjunto. • Na metodologia ativa de aprendizagem, o foco é o aluno que precisa desenvolver habilidades para lidar com as complexidades da era digital. Os conhecimentos, disponibilizados em rede mundial, demandam capacidades analíticas e proatividade por parte de alunos e cidadãos. • O ensino pelas TDICs facilita o acesso ao conhecimento e sua construção compartilhada. • A EaD tende a suplantar a educação tradicional. Para tanto, dispõe de recursos específicos: AVAs, OAs e REAs. • Na sociedade globalizada e interconectada, surgem novas formas de redes e sistemas de criação, construção coletiva de conhecimentos e seu compartilhamento. Conhecidos como REAs, facilitam o acesso de todos e permitem a integração da sociedade a nível global. 125 RESUMO DO TÓPICO 1 AUTOATIVIDADE 1 Leia o texto Escola Livre, de Friedrich Nietzsche, a seguir: “[...] Imagine uma escola que não reproduzisse o conhecimento, preocupada com o mercado de trabalho ou com as coisas práticas do mundo. Uma escola que se preocupasse em formar um modelo de homem. Fazer desabrochar nas pessoas aquilo que elas são, trazer à tona suas propensões naturais (seus dons) [...]. Um lugar em que se fomentasse nas crianças e adolescentes um espírito de criação do indivíduo no sentido de buscar aquilo que cada um tem dentro de si enquanto ser humano e tendo para isso acesso às bases originais da Cultura Ocidental para, a partir delas, perguntar-se: Como cheguei a ser o que sou? [...] Qual papel me cabe na sociedade em que vivo? [...]” FONTE: SCHULZ, G. N. Livros. Escola. Coleção Guias de Filosofia “NIETZSCHE”. São Paulo: Editora Escola, 2010. p. 23. Segundo o texto e os conhecimentos adquirido no tópico, classifique V para as senten- ças verdadeiras e F para as falsas: ( ) A escola tradicional, antiga, reproduz conhecimentos. ( ) No texto há preocupação com a formação do indivíduo como pessoa, o que corresponde ao paradigma atual da educação. ( ) No texto, trata-se de uma visão utópica de escola que não corresponde aos saberes necessários à formação do indivíduo do Século XXI. ( ) Segundo o texto, a escola deve ser um lugar de liberdade e autoconhecimento, o que não é o caso na atualidade da educação mediada pelas TDICs. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – V – F – V. b) ( ) V – F – F – F. c) ( ) F – F – V – V. d) ( ) V – V – F – F. 2 Leia o texto a seguir: [Nos] casos em que processos de inteligência coletiva se desenvolvem de forma eficaz, graças ao ciberespaço, um de seus principais efeitos é o de acelerar cada vez mais o ritmo da alteração tecnossocial, o que torna ainda mais necessária a participação ativa na cibercultura, se não quisermos ficar para trás, e tende a excluir de maneira mais radical ainda aqueles que não entraram no ciclo positivo da alteração, de sua compreensão e apropriação. 126 Devido a seu aspecto participativo, socializante, descompartimentalizante, emancipador, a inteligência coletiva proposta pela cibercultura constitui um dos melhores remédios para o ritmo desestabilizante, por vezes excludente, da mutação técnica. No entanto, neste mesmo movimento, a inteligência coletiva trabalha ativamente para a aceleração dessa mutação. Em grego arcaico, a palavra pharmakon [que originou farmácia] significa ao mesmo tempo veneno e remédio. Associe as asserções às afirmações correspondentes: I- O novo pharmakon favorece a cibercultura, é um remédio. II- O novo pharmakon acelera o ritmo da alteração tecnossocial, é um veneno. ( ) O novo pharmakon corresponde à inteligência coletiva, participativa. ( ) Não é possível participar ativa e continuamente da cibercultura. ( ) Seus aspectos participativo, socializante, descompartimentalizante e emancipador contribuem para a inclusão. ( ) A exclusão torna-se mais radical para os que não compreendem ou não se apropriam dessa tecnologia. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) II – II – I – II. b) ( ) I – II – I – II. c) ( ) I – I – II – I. d) ( ) I – II – II – II. 127 O ALUNO DIGITAL 1 INTRODUÇÃO UNIDADE 2 TÓPICO 2 - Como você interage com o mundo nas diferentes situações do dia a dia? Você sabe o que é um “nativo digital”? Você acha que a educação – e a escola – está preparada para este público da atualidade? Este tópico trata destas e de outras questões relacionadas aos alunos e às bases teóricas previstas para a sua trajetória de aprendizagem escolar. Pela primeira vez na História, as gerações mais novas dominam um sistema de linguagem e de comunicação antes mesmo de adquirirem os fundamentos da comunicação através da escrita, ou mesmo, da oralidade. As crianças, hoje, nascem com as tecnologias digitais: smartphones, tablets, computadores são objetos de seu cotidiano e sua forma de interagir com o mundo. Essa transformação impacta diretamente na escola, que se vê obrigada a se redirecionar para este público específico e as TDICs, em particular. Neste tópico, trataremos os públicos – gerações digitais – e as perspectivas metodológicas legais previstas na legislação em curso. Ao final, procuraremos refletir sobre as perspectivas futuras quanto às TDICs e suas implicações nos ambientes e públicos da educação digital. 2 GERAÇÕES DIGITAIS E APRENDIZAGEM Antes de ver as características das gerações digitais e sua relação com a aprendizagem, refletiremos sobre o papel das mídias como meios de comunicação em massa na sociedade e o seu uso na educação. São características dos meios de comunicação em massa (TAVARES, 2013): • A padronização do público ao desconsiderarem diferenças culturais. • O desestimulo à sensibilidade dos indivíduos. • Estímulo ao consumismo desenfreado (a publicidade cria necessidades). • Desestímulo da reflexão, o público é levado a não pensar os conteúdos. • Passividade: tendem a tornam o público passivo e conformista. • São a única fonte de informação a certas categorias sociais excluídas. • Padronização: podem contribuir a formar o público, mas padronizam os gostos. • A padronização dos gostos pode unificar as sensibilidades dos diferentes grupos. • Globalização: impactam na mudança das culturais, políticas etc. 128 As mídias são uma das três categorias de dispositivos comunicacionais (LEVY, 1999). A relação entre emissores e receptores é importante e compõe-se de: • um-todos: a mídia – um emissor para receptores passivos: rádio, televisão; • um-um: comunicação recíproca específica: cartas, chamadas telefônicas; • todos-todos: comunidades que constituem de forma progressiva e de maneira cooperativa um contexto comum: conferência, redes sociais, fóruns. Nos meios de comunicação em massa, a comunicação era processava pelo corpo dos usuários (KERCKHOVE 1997 apud KENSKI, 2007) e não necessariamente de forma consciente. A televisão bombardeia os telespectadores com mensagens que não precisam ser compreendidas para serem processadas: o corpo reage aos estímulos rápidos sem a atenção devida do intelecto. Realidades construídas artificialmente e disseminadasem contínuo integraram o cotidiano ao longo de décadas a ponto de se tornarem banais, e gerações inteiras impregnaram-se desse dispositivo. Ao disporem de outros recursos tecnológicos, como os computadores, esses lhes permitem uma mudança na sua relação com o universo midiático e tecnológico: o público passa a ter participação ativa naquilo em que, até então, era “espectador”. Para as gerações digitais imersas em tecnologias, as TDICs representam mais do que um suporte facilitador de comunicação e interação com o mundo (KENSKI, 2007). Assim, os diferentes aspectos da vida privada se banalizam e vão integrar o universo virtual em interação o tempo todo, de modo que os dispositivos se incorporam ao patrimônio afetivo, como se fossem um ser vivo ou prolongamento do próprio corpo. Nesse contexto, não estar conectado significa não existir. E isso pode ser um drama, afinal, você também já não entrou em pânico ao não encontrar o celular? Os aparelhos conseguiram mudar a forma de pensar, agir, sentir, relacionar-se, adquirir conhecimento. A partir daí, diversos autores salientam a importância de um preparo crítico diante desse consumo, pela sua interferência no “modo pensar, sentir, agir” (KENSKI, 2007, p. 20). A conexão ilimitada e o acesso a todo tipo de conteúdo e informação, através das redes de computadores conectados mundialmente pela Internet e o world wide web foi, sem dúvida, uma das mudanças mais profundas vivenciadas pelas gerações neste início do Século XXI. World Wide Web: significa “rede de alcance mundial”. Também conhecida por Web ou www, a “World Wide Web" é uma função da Internet que junta, em um único e imenso hipertexto ou hiperdocumento (com imagens e sons), todos os documentos e hipertextos que a alimentam”. (LEVY, 1999, p. 30). Para acessá-los é necessário um navegador – Internet Explorer, Mozila Firefox, Google Chrome, Safari. A ideia surgiu em 1980 na Suíça e seu precursor foi o britânico Tim Berners-Lee. FONTE: . Acesso em: 10 jan. 2020. NOTA 129 2.1 PANORAMA EVOLUTIVO DAS GERAÇÕES Você acha que pertence às gerações digitais? Veja a seguir um quadro elucidativo das diferentes gerações e suas características: QUADRO 4 − GERAÇÕES X, Y E Z - PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS Geração X Geração Y Geração Z Geração Alfa Nascidos entre 1960-1980 1980-1992 1992-2010 A partir de 2010 Momento histórico Guerra fria Democracias Globalização On demand Mídia MTV Internet @ e i-, MPs Virtual TICs TV e fone fixo Interatividade Mundo digital Intelig. Artificial Mercado de trabalho Carreiras Prom. rápida, ousadia, flexibilidade Conectado, independência Alto potencial p/ solução de problemas Filmes Blade Runner Matrix Youtubers Por estímulos FONTE: Adaptado de Meyer (2014) Crianças nascidas a partir de 2010 são a “geração Alfa”. São crianças que praticamente nasceram dentro da rede. Totalmente digitais, aprenderam a encontrar todas as respostas no ciberespaço e são, em consequência, orientadas para a solução de problemas. Para estes nativos digitais, atividades antes ainda realizadas no universo físico, como desenhar ou pintar, são realizadas em suporte eletrônico (tablets, lousa etc.). Essas crianças são ativas, dinâmicas, inteligentes e expansivas, pela quantidade de estímulos que recebem desde pequenas. Em contrapartida, também são ansiosas e tendem à pouca atenção nas atividades que realizam. Prensky (2001 apud GEWEHR, 2016) propõe a classificação de “nativos digitais” e “imigrantes digitais”, sendo os primeiros as gerações nascidas sob a influência das tecnologias e o movimento de Globalização, X, Y, Z e Alfa. Já os “imigrantes” correspondem aos nascidos antes destes períodos, também chamados “Baby boomers”, por terem nascido nos anos 1960-1980. Nas gerações digitais conectadas 100% do tempo, as fronteiras diluem-se. Por um lado, as fronteiras entre espaço privado e não privado; de outro, as fronteiras do tempo, entendido como duração e periodicidade rítmica, ao modo como se estabeleciam os ritmos necessários à produção nas sociedades agrárias ou no capitalismo (KENSKI, 2007). Tudo, para elas, tem de ser imediato e aplicável. Ao mesmo tempo múltiplo, o indivíduo torna-se multitarefas e pode estar em várias atividades e espaços ao mesmo tempo; também pode fluidificar-se: se a tarefa não prender sua atenção, pode ausentar- se através da conexão à mídia, numa forma de evasão (KENSKI, 2012). 130 Estudos revelaram implicações diversas do recurso às TDICs, além da diluição das fronteiras entre tempo e espaço, no que se refere à memória, à reconfiguração da história, da noção de progresso, de realidade, de ficção e de virtualidade. A educação e a escola são amplamente afetadas, e se veem na obrigação de questionar seus métodos. É o que veremos no subtópico a seguir. 2.2 GERAÇÕES DIGITAIS E APRENDIZAGEM As alterações no modo de agir, de ser e de pensar da sociedade no Século XXI, causadas pelo uso das tecnologias digitais, sobretudo, o recurso da Internet e da co- nexão globalizada, conduziram também a novas formas de organização da educação. A área de ensino e aprendizagem também teve de reelaborar-se diante da emergência de um novo conceito de aluno: o aluno 3.0 e também o 4.0. Para adentrar este tema, consulte o artigo: Os 10 pontos-chave do futuro da educação digital, do blog Toyoutome, disponível em: http://toyoutome.es/pt/ blog/las-10-claves-del-futuro-de-la-educacion-digital/38140. O vídeo de Sir Ken Robinson sobre mudança de paradigma na Educação, da RSAnimate, apresenta as temáticas desenvolvidas neste livro. Embora esteja em espanhol, elas são explicadas de maneira didática e original: a evolução social, os paradigmas educacionais, características da geração digital. Não deixe de visionar o material: https://www.youtube.com/ watch?v=g8J4LqQPy0M. Gewehr (2016) aponta o fato de que, nesta época, professor e aluno pertencem a modelos de geração diferentes. Esse fator impacta nas relações e na forma de trabalho realizada em contexto escolar, pois, contrariamente aos imigrantes digitais, que tiveram contato com as tecnologias mais tarde, os nativos digitais desenvolveram formas diferentes de se relacionar, de aprender e de viver. Para Tapscott (2010 apud GEWEHR, 2016, p. 36), “a época em que os indivíduos nasceram influencia suas atividades na sociedade, principalmente na forma como os nativos digitais pensam, tomam decisões, DICAS DICAS 131 recebem e transmitem as informações”. Nos últimos anos, a quantidade de informação aumentou de tal maneira que a tendência na educação já não são os conteúdos, mas os processos, as habilidades necessárias para realizar tarefas e vencer desafios (GALILEU, 2015 apud GEWEHR, 2016). Isso porque as capacidades criativa e de resolução de problemas tenderiam a diminuir devido à exposição excessiva à informação, o que prejudica nossa capacidade de atenção e concentração. Desse modo, os mecanismos de busca estariam atingindo nossa capacidade de memória (GEWEHR, 2016). Nesse contexto, como ensinar e aprender? Gewehr (2016) salienta a interdependência destas duas ações. No contexto da educação, mediado pelas TDICs, traduz-se: ao fazer uso de métodos defasados, tradicionais, baseados numa transmissão de conhecimentos vertical – do professor ao aluno – o aprendizado não ocorre mais com as gerações digitais. A educação “bancária” de Freire – como já vimos – fracassa, já que as metodologias tradicionais não “prendem” mais a atenção dos alunos (GEWEHR, 2016). Assim, segundo Libâneo (2002, p. 26-27), a escola deve: [...] deixar de ser meramente uma agência transmissora de informação e transformar-se num lugar de análises críticas e produção da informação, em que o conhecimento possibilita a atribuição de significado à informação [...]. Trata-se, assim, de capacitar os alunos a selecionar informações, mas, principalmente, a internalizar instrumentos cognitivos (saber pensar de modo reflexivo)para acender ao conhecimento [...]. Por isso, é necessário que proporcione não só o domínio de linguagens para busca de informação, mas também para a criação da informação. Ou seja, a escola precisa articular sua capacidade de receber e interpretar informação como a de produzi-la, a partir do aluno como sujeito do seu próprio conhecimento. No Tópico 1 desta unidade, você tomou conhecimento de alguns dispositivos e recursos que tem à disposição para o incremento dos processos de aprendizagem junto às gerações digitais. Não deixe de consultar as referências indicadas a fim de tirar o melhor proveito de suas aulas de língua portuguesa. O recurso ao lúdico nos processos de ensino e aprendizagem através da “gamificação” garantirá aulas atrativas e produtivas. Consulte a obra de Fadel et al.: Gamificação. Disponível para download como REA em: http://www.pgcl.uenf.br/arquivos/gamificacao _na_educa- cao_011120181605.pdf. Tal obra possui conceitos e dicas preciosas que podem ser aplicadas em seu cotidiano de professor. Nas páginas 32-3 são apresentadas 12 mecânicas de jogos utilizadas na atualidade, indo do reco- nhecimento de padrões e coleta de dados à organização e criação de ordens, passando por fama, liderança etc. Boa leitura! DICAS 132 Gamificação é a ação de se pensar como em um jogo, utilizando sistemas e métodos do ato de jogar em um contexto fora de jogo, no ensino e aprendizagem (BUSARELLO, 2016). Para as aulas de língua portuguesa, o recurso ao jogo pode revelar-se motivador, além de contribuir com os aspectos cognitivos, pois todos os tipos de jogos podem constituir objeto de aprendizagem da língua e suas aplicações. Além disso, os autores salientam que os jogos são capazes “de promover contextos lúdicos e ficcionais, na forma de narrativas, imagens e sons, facilitando o processo de aprendizagem” (BUSARELLO, 2016, p. 10). Outro recurso, além da gamificação, é o uso da Internet e das redes sociais em sala de aula. O foco das redes sociais é a interação e o compartilhamento de opiniões e ideias (GEWEHR, 2016). Criar grupos fechados no WhatsApp ou Facebook, por exemplo, com atribuição de tarefas específicas pode tornar as aulas bem produtivas, já que este ambiente de aprendizagem se torna um recurso usual e preferido dos alunos. Gewehr (2016) lembra, porém, o critério “idade” a ser levado em consideração, já que algumas plataformas estabelecem critério de maioridade (18 anos) para o seu uso. Através do Google Drive, uma plataforma de armazenamento em nuvem para compartilhamento de documentos e informações, os alunos podem construir coletivamente as tarefas, resolver problemas, trabalhar em projetos. O acesso é permitido a partir de diferentes dispositivos e o trabalho não sofre risco de perdas ou danos. Acadêmico, saiba tirar o melhor proveito desses recursos e facilidades tecnológicas que têm à disposição. A seguir, veremos como as instâncias governamentais preveem o uso das TDICs na educação. 3 LEGISLAÇÃO, TDICS E ALUNO DO AMANHÃ Uma nação desenvolvida demanda um ensino ancorado nas preocupações presentes e expectativas futuras. A BNCC – Base Nacional Comum Curricular – estabelece os princípios fundamentais da educação básica no país. Neste tópico, abordaremos os princípios gerais previstos para a educação brasileira e os princípios específicos para o ensino da língua portuguesa nas escolas do país. NOTA 133 3.1 A EDUCAÇÃO DO FUTURO: PARA ONDE VAI A EDUCAÇÃO? Você está lembrado da teoria do pensamento complexo de Edgar Morin (2005)? Esse antropólogo, sociólogo e filólogo francês é autor dessa teoria que estabelece uma religação entre os saberes. As tecnologias e a disponibilização do conhecimento universal em rede estão na origem de sua reflexão. Por isso, em 1999, foi convidado a refletir sobre as habilidades necessárias para a vida na sociedade do Século XXI e formulou os Sete saberes necessários à educação do futuro (MORIN, 2005). Essa obra é fundamental para seus estudos, pois prevê que é preciso: • Evitar as cegueiras atuais sobre os conhecimentos como se fossem um produto pronto e acabado e introduzir na educação o estudo das características dos conheci- mentos, seus processos e modalidades, disposições psíquicas e culturais que levam ao erro ou à ilusão. • Desenvolver a aptidão ao estudo dos conhecimentos de forma global e pertinente, ensi- nando métodos que permitam estabelecer relações entre as áreas e as influências entre as partes e o todo num mundo complexo – e não separado em disciplinas distintas. • Ensinar a condição humana a partir das disciplinas existentes, inter-relacionando áreas, a fim de mostrar a indissolubilidade entre as unidades e a diversidade do todo “humano”. • Ensinar a identidade terrena pondo em evidência a interdependência, a solidariedade entre todos os continentes. Quando uma espécie ou nação é oprimida, todos o são. • Ensinar a enfrentar as incertezas, pois, ao contrário do que a Ciência previa, o futuro não é previsível e cabe aos agentes da educação preparar os jovens. • Ensinar a compreensão a partir do estudo de todas as incompreensões, suas raízes, mo- dalidades e efeitos, que seria um modo de “educação para a paz” (MORIN, 2005, p. 17). • Fundar uma educação que leve à “antropoética”, concebendo a humanidade como uma nação planetária com cidadania terrena (MORIN, 2005, p. 13-18). O conceito de “antropoética”, desenvolvido por Morin, prescreve uma educação que abarca o desenvolvimento do ser humano sob três pilares: a ética e a autonomia pessoal – que se referem ao indivíduo em suas relações consigo mesmo e com os outros –, e a participação social – que concerne as responsabilidades dos indivíduos como seres humanos inseridos em uma globalidade compartilhada. A educação deve ter como foco esta dupla dimensão: a autonomia do indivíduo e a integração numa coletividade (MENIN; BATAGLIA; ZECHI, 2014). IMPORTANTE 134 Essa concepção de educação antropoética cerceia as reflexões da sociedade líquida atual, marcada por mudanças cada vez mais velozes e que impactam as pedagogias e ambientes de ensino e aprendizagem. No contexto nacional, a BNCC corresponde às demandas da educação do presente e do futuro: público das gerações digitais, conteúdos inseridos no contexto atual, voltados à experiência tecnológica e do futuro. Nesse sentido, segundo Brasil (2013a, s.p.): Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). Este documento normativo aplica- se exclusivamente à educação escolar, tal como a define o § 1º do Artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996)1, e está orientado pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN). O ensino-aprendizagem mediado pelas TDICs integra a área das Linguagens e suas tecnologias na BNCC. A área das Linguagens e suas tecnologias preconiza, para os ensinos fundamental e médio, uma formação que possibilite participação plena dos estudantes nas práticas socioculturais que envolvem o uso das linguagens. Assim, a formação almeja a que o estudante “possa vivenciar experiências significativas com práticas de linguagem em diferentes mídias (impressa, digital, analógica), situadas em campos de atuação diversos” (BRASIL, 2019). Dessa forma, reconhece-se que (ONU, 2015 apud BRASIL, 2019, p. 8): A educação deve afirmar valores e estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade, tornando-a mais humana, so- cialmente justa e, também, voltada para a preservaçãoda natureza, mostrando-se também alinhada à Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas – ONU. Os preceitos estabelecidos pela BNCC preconizam o desenvolvimento de competências que têm orientado os princípios metodológicos na maioria dos países nas últimas décadas. Este tem sido o enfoque adotado pelos organismos internacionais em avaliações como o teste PISA 135 O teste PISA é realizado pela Organização para Desenvolvimento e Cooperação Econômica e avalia os conhecimentos dos alunos até os 15 anos em: Matemática, Ciências e Leitura e interpretação de textos. PISA é a sigla em inglês para: Programme for International Student Assessment, ou Programa Internacional de Avaliação de Alunos, da OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development). FONTE: . Acesso em: 12 jan. 2020. Sob essa ótica, estabelece-se que o aluno deve “saber” conhecimentos, ha- bilidades, atitudes e valores, mas, sobretudo, deve também “saber fazer”, ou mobilizar esses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas com- plexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2019). Visando à formação integral do aluno, a política está comprometida com ações que envolvam toda a comunidade para (BRASIL, 2019, p. 16-17): • contextualizar os conteúdos dos componentes curriculares, identificando estratégias para apresentá-los, representá-los, exemplificá-los, conectá-los e torná-los significativos, com base na realidade do lugar e do tempo nos quais as aprendizagens es- tão situadas; • decidir sobre formas de organização interdisciplinar dos componen- tes curriculares e fortalecer a competência pedagógica das equipes escolares para adotar estratégias mais dinâmicas, interativas e cola- borativas com relação à gestão do ensino e da aprendizagem; • selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático- pedagógicas diversificadas, recorrendo a ritmos diferenciados e a conteúdos complementares, se necessário, para trabalhar com as necessidades de diferentes grupos de alunos, suas famílias e cultura de origem, suas comunidades, seus grupos de socialização etc.; • conceber e pôr em prática situações e procedimentos para motivar e engajar os alunos nas aprendizagens; • construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa de pro- cesso ou de resultado que levem em conta os contextos e as condi- ções de aprendizagem, tomando tais registros como referência para melhorar o desempenho da escola, dos professores e dos alunos; • selecionar, produzir, aplicar e avaliar recursos didáticos e tecno- lógicos para apoiar o processo de ensinar e aprender; • criar e disponibilizar materiais de orientação para os professores, bem como manter processos permanentes de formação docente que possibilitem contínuo aperfeiçoamento dos processos de ensino e aprendizagem; • manter processos contínuos de aprendizagem sobre gestão pedagógica e curricular para os demais educadores, no âmbito das escolas e sistemas de ensino. NOTA 136 3.2 BASES TEÓRICAS PARA UMA EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA – BNCC A Língua Portuguesa integra a classe das linguagens, como pode ser observado na figura a seguir: FIGURA 4 − A LÍNGUA PORTUGUESA NAS ÁREAS DO CONHECIMENTO NA EDUCAÇÃO BÁSICA FONTE: . Acesso em: 29 jun. 2020. 137 3.2.1 Ensino Fundamental São competências específicas das linguagens para o Ensino Fundamental (BRASIL, 2019, p. 65): • Compreender as linguagens como construção humana, histórica, social e cultural, de natureza dinâmica, reconhecendo-as e valorizando-as como formas de significação da realidade e expressão de subjetividades e identidades sociais e culturais. • Conhecer e explorar diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e linguísticas) em diferentes campos da atividade humana para continuar aprendendo, ampliar suas possibilidades de participação na vida social e colaborar para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva. • Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras e escrita), corporal, visual, sonora e digital – para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao diálogo, à resolução de conflitos e à cooperação. • Utilizar diferentes linguagens para defender pontos de vista que respeitem o outro e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, atuando criticamente frente a questões do mundo contemporâneo. • Desenvolver o senso estético para reconhecer, fruir e respeitar as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, inclusive aquelas pertencentes ao patrimônio cultural da humanidade, bem como participar de práticas diversificadas, individuais e coletivas, da produção artístico-cultural, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas. • Compreender e utilizar tecnologias digitais de informação de comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares), para se comunicar por meio das diferentes linguagens e mídias, produzir conhecimentos, resolver problemas e desenvolver projetos autorais e coletivos. Numa perspectiva dialógica entre ensino e aprendizagem e os avanços ocorridos nas sociedades nas últimas décadas, o ensino da língua portuguesa ocorre por meio das TDICs (BRASIL, 2019, p. 67). Cabe à língua portuguesa, então, proporcionar os multiletramentos para sua integração na sociedade tecnológica, nas diferentes modalidades de linguagens – oral, escrita, virtual. Aos alunos serão apresentadas novas formas de comunicação, edição, interação do universo digital, dentre as quais: ferramentas de edição de textos, fotos, vídeos, visando integração multissemiótica da realidade; acesso e práticas sobre conteúdos oriundos de diferentes mídias, como o ciberespaço – a web – e seus diversos gêneros: podcasts, infográficos, enciclopédias colaborativas, textos e materiais de revistas e livros digitais, redes sociais, podendo produzir playlists, vlogs, vídeos-minuto, escrever fanfics, 138 produzir e-zines, tornarem-se booktubers, entre outras possibilidades. A familiarização com o universo virtual, suas linguagens e princípios de utilização integram os objetivos fundamentais do ensino e aprendizagem da língua portuguesa. Ressalta-se que, para preparar os jovens alunos ao mercado de trabalho e à vida plena em sociedade, a aquisição das habilidades essenciais da comunicação, seja em presença ou em meio virtual, é um dos princípios norteadores da área das linguagens. São eixos para a Língua Portuguesa correspondentes às práticas de linguagem: oralidade, leitura/escuta, produção (escrita e multissemiótica) e análise linguística/ semiótica (que envolve conhecimentos linguísticos – sobre o sistema de escrita, o sistema da língua e a norma-padrão –, textuais, discursivos e sobre os modos de organização e os elementos de outras semioses. Cabe ressaltar que estudos de natureza teórica e metalinguística – sobre a língua, sobre a literatura, sobre a norma padrão e outras variedades da língua – nesse nível de ensino não serão tomados como um fim em si mesmo, mas estarão envolvidos em práticas de reflexão que permitam aos estudantes ampliarem suas capacidades de uso da língua/linguagens (em leitura e em produção) em práticas situadas de linguagem (BRASIL, 2019, p. 70-1). Do mesmo modo, a leitura engloba: interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e multissemióticos e de sua interpretação, como: leituras para fruição estética de textos e obras literárias; pesquisa e embasamento de trabalhos escolares e acadêmicos; realização de procedimentos; conhecimento, discussão e debate sobre temas sociais relevantes; sustentar a reivindicação de algo no contextode atuação da vida pública; ter mais conhecimento que permita o desenvolvimento de projetos pessoais, dentre outras possibilidades (BRASIL, 2019, p. 71). A leitura, nesse nível, compreende texto escrito, imagens – estáticas ou em movimento, sons, música etc. As práticas de leitura serão abordadas em inter-relação com as práticas de uso, como pode ser visto no quadro a seguir: 139 QUADRO 5 − PRÁTICAS DE LEITURA E PRÁTICAS DE USO E REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA Reconstrução e reflexão sobre as condições de produção e recepção dos textos pertencentes a diferentes gêneros e que circulam nas diferentes mídias e esferas/ campos de atividade humana • Relacionar o texto com suas condições de produção, seu contexto sócio-histórico de circulação e com os projetos de dizer: leitor e leitura previstos, objetivos, pontos de vista e perspectivas em jogo, papel social do autor, época, gênero do discurso e esfera/campo em questão etc. • Analisar a circulação dos gêneros do discurso nos diferentes campos de atividade, seus usos e funções relacionados com as atividades típicas do campo, seus diferentes agentes, os interesses em jogo e as práticas de linguagem em circulação e as relações de determinação desses elementos sobre a construção composicional, as marcas linguísticas ligadas ao estilo e o conteúdo temático dos gêneros. • Refletir sobre as transformações ocorridas nos campos de atividades em função do desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação, do uso do hipertexto e da hipermídia e do surgimento da Web 2.0: novos gêneros do discurso e novas práticas de linguagem próprias da cultura digital, transmutação ou reelaboração dos gêneros em função das transformações pelas quais passam o texto (de formatação e em função da convergência de mídias e do funcionamento hipertextual), novas formas de interação e de compartilhamento de textos/conteúdos/ informações, reconfiguração do papel de leitor, que passa a ser também produtor, entre outros, como forma de ampliar as possibilidades de participação na cultura digital e contemplar os novos e os multiletramentos. • Fazer apreciações e valorações estéticas, éticas, políticas e ideológicas, entre outras, envolvidas na leitura crítica de textos verbais e de outras produções culturais. • Analisar as diferentes formas de manifestação da compreensão ativa (réplica ativa) dos textos que circulam nas redes sociais, blogs/microblog, sites e afins e os gêneros que conformam essas práticas de linguagem, como: comentário, carta de leitor, post em rede social, gif, meme, fanfic, vlogs variados, political remix, charge digital, paródias de diferentes tipos, vídeos- minuto, e-zine, fanzine, fanvideo, vidding, gameplay, walkthrough, detonado, machinima, trailer honesto, playlists comentadas de diferentes tipos etc., de forma a ampliar a compreensão de textos que pertencem a esses gêneros e a possibilitar uma participação mais qualificada do ponto de vista ético, estético e político nas práticas de linguagem da cultura digital. Dialogia e relação entre textos • Identificar e refletir sobre as diferentes perspectivas ou vozes presentes nos textos e sobre os efeitos de sentido do uso do discurso direto, indireto, indireto livre, citações etc. • Estabelecer relações de intertextualidade e interdiscursi- vidade que permitam a identificação e compreensão dos diferentes posicionamentos e/ou perspectivas em jogo, do papel da paráfrase e de produções como as paródias e a estilizações. 140 Reconstrução da textualidade, recuperação e análise da organização textual, da progressão temática e estabelecimento de relações entre as partes do texto • Estabelecer relações entre as partes do texto, identificando repetições, substituições e os elementos coesivos que contribuem para a continuidade do texto e sua progressão temática. • Estabelecer relações lógico-discursivas variadas (identificar/distinguir e relacionar fato e opinião; causa/ efeito; tese/argumentos; problema/solução; definição/ exemplos etc.). • Selecionar e hierarquizar informações, tendo em vista as condições de produção e recepção dos textos. Reflexão crítica sobre as temáticas tratadas e validade das informações • Refletir criticamente sobre a fidedignidade das informações, as temáticas, os fatos, os acontecimentos, as questões controversas presentes nos textos lidos, posicionando-se. Compreensão dos efeitos de sentido provocados pelos usos de recursos linguísticos e multissemióticos em textos pertencentes a gêneros diversos • Identificar implícitos e os efeitos de sentido decorrentes de determinados usos expressivos da linguagem, da pontuação e de outras notações, da escolha de determinadas palavras ou expressões e identificar efeitos de ironia ou humor. • Identificar e analisar efeitos de sentido decorrentes de escolhas e formatação de imagens (enquadramento, ângulo/vetor, cor, brilho, contraste), de sua sequenciação (disposição e transição, movimentos de câmera, remix) e da performance – movimentos do corpo, gestos, ocupação do espaço cênico e elementos sonoros (entonação, trilha sonora, sampleamento etc.) que nela se relacionam. • Identificar e analisar efeitos de sentido decorrentes de escolhas de volume, timbre, intensidade, pausas, ritmo, efeitos sonoros, sincronização etc. em artefatos sonoros. Estratégias e procedimentos de leitura • Selecionar procedimentos de leitura adequados a diferentes objetivos e interesses, levando em conta características do gênero e suporte do texto, de forma a poder proceder a uma leitura autônoma com relação a temas familiares. • Estabelecer/considerar os objetivos de leitura. • Estabelecer relações entre o texto e conhecimentos prévios, vivências, valores e crenças. • Estabelecer expectativas (pressuposições antecipadoras dos sentidos, da forma e da função do texto), apoiando-se em seus conhecimentos prévios sobre gênero textual, suporte e universo temático, bem como sobre saliências textuais, recursos gráficos, imagens, dados da própria obra (índice, prefácio etc.), confirmando antecipações e inferências realizadas antes e durante a leitura de textos. • Localizar/recuperar informação. • Inferir ou deduzir informações implícitas. • Inferir ou deduzir, pelo contexto semântico ou linguístico, o significado de palavras ou expressões desconhecidas. • Identificar ou selecionar, em função do contexto de ocorrên- cia, a acepção mais adequada de um vocábulo ou expressão. • Apreender os sentidos globais do texto. • Reconhecer/inferir o tema. • Articular o verbal com outras linguagens – diagramas, ilustrações, fotografias, vídeos, arquivos sonoros etc. – reconhecendo relações de reiteração, complementaridade ou contradição entre o verbal e as outras linguagens. • Buscar, selecionar, tratar, analisar e usar informações, tendo em vista diferentes objetivos. • Manejar de forma produtiva a não linearidade da leitura de hipertextos e o manuseio de várias janelas, tendo em vista os objetivos de leitura. 141 Adesão às práticas de leitura • Mostrar-se interessado e envolvido pela leitura de livros de literatura, textos de divulgação científica e/ou textos jornalísticos que circulam em várias mídias. • Mostrar-se ou tornar-se receptivo a textos que rompam com seu universo de expectativa, que representem um desafio com relação as suas possibilidades atuais e suas experiências anteriores de leitura, apoiando-se nas marcas linguísticas, em seu conhecimento sobre os gêneros e a temática e nas orientações dadas pelo professor. FONTE: Brasil (2019, p. 72-74) Esses conhecimentos serão desenvolvidos mediante prática de leitura de textos autênticos em circulação na sociedade, quer seja em suporte físico ou virtual. Tal demanda de leitura aumentará progressivamente com o avanço dos anos de estudo e visa articular: gêneros, complexidades textuais, processos mentais indo da recuperação de informações a reflexões mais aprofundadas de compreensão, aliandoREFERÊNCIAS ................................................................................................................... 233 1 UNIDADE 1 - LETRAMENTO E LEITORES DO SÉCULO XXI OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • apreender as implicações do ciberespaço e das TDICs sobre os leitores nos processos de leitura e escrita; • compreender os gêneros digitais e a noção de hipergênero no que tange aos processos de leituras e escritas digitais; • aprofundar conhecimentos sobre os conceitos de cultura, suas relações com o ciberespaço e o papel deste sobre as diversidades culturais; • conscientizar-se sobre a banalização da liberdade de expressão em meios digitais, bem como sobre o discurso informativo e a formação de opinião no escopo da atualidade digital. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – LEITURA E ESCRITA NO CONTEXTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS TÓPICO 2 – GÊNEROS DIGITAIS E HIPERGÊNERO TÓPICO 3 – DIVERSIDADE CULTURAL E DE LINGUAGEM NO MEIO DIGITAL Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 LEITURA E ESCRITA NO CONTEXTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS 1 INTRODUÇÃO TÓPICO 1 - UNIDADE 1 Você já parou para pensar no que acontece quando lê? De que maneira o material codificado que seus olhos percorrem se transforma em significados, sensações, respostas que seu corpo oferece? Como se processa a leitura de textos escritos? E na leitura nas telas, você já parou para pensar no que acontece? Neste primeiro tópico, examinaremos a leitura como processo percorrido para chegar à compreensão, num primeiro momento, de forma global, em seguida, no âmbito das TDICs. Vamos lá! 2 A LEITURA COMO PROCESSO O tema da leitura, na maior parte das vezes, conduz-nos a noções como: sentido, compreensão, decodificação de signos, textos portadores de formas e conteúdos que transmitem algo. Leitura: ação de ler, ato de decifrar o conteúdo escrito de algo; ação de compreender um texto escrito: “sua leitura foi perfeita”. FONTE: . Acesso em: 19 out. 2019. Você pôde ver na definição que a leitura é concebida como produto de uma ação. Não pensamos na leitura como um processo necessário para chegar a esse resultado, também relacionamos a noção de texto escrito, como mostra a definição. No entanto, o que acontece ao focarmos na leitura como processo? É o que veremos neste tópico: a leitura vista como processo cognitivo consciente e inconsciente e as pistas fornecidas pelo material durante esse processo de leitura. NOTA 4 2.1 PROCESSOS COGNITIVOS CONSCIENTES E INCONSCIENTES O ato de ler envolve funções e processos cognitivos conscientes e inconscientes (GABRIEL, 2016). No entanto, encontra-se a tal ponto enraizado em nosso fazer cotidiano que, na maior parte do tempo, não percebemos os esforços envolvidos e as capacidades mobilizadas para a compreensão do ato realizado. Isso se dá em razão da automatização, estágio alcançado na aquisição da leitura. Isso também ocorre com a escrita, já que ambas se encontram em relação. Sobre esse aspecto, Fischer (2006) opõe a escrita à leitura: a primeira é uma habilidade desenvolvida pela humanidade, a segunda, uma aptidão, já que se desenvolveu a partir da compreensão daquela. FONTE: FISCHER, S. R. História da leitura. São Paulo: UNESP, 2006. Com a aquisição da aptidão à leitura, os processos conscientes passam a representar dificuldades menores, enquanto ao nível inconsciente ocorrem fenômenos que vão além da visualização e decodificação dos signos de um texto. Martins (1994) aponta três níveis de leitura: • Leitura sensorial: envolve os sentidos – a visão, o tato, a audição, o olfato e a gustação. A leitura de imagens e cores, a compreensão de sons e cheiros passam primeiro pelos sentidos e a leitura sensorial. • Leitura emocional: envolve sentimentos e sensações despertadas no sujeito. Assim, as cores, ao provocarem alegria ou tristeza, um poema pode elevar, enternecer, ou um som pode amedrontar, pois ocorre leitura emocional. • Leitura racional: estabelece um elo entre as leituras sensorial e emocional e os conhecimentos existentes, provocando reflexão, mudança no modo de pensar, questionamentos, enfim, a leitura é processada pelo intelecto. Começamos pelas etapas realizadas durante a leitura. Gabriel (2016) ilustra com a metáfora do iceberg a abrangência de processos cognitivos de que não nos apercebemos: • A visão: ao capturar as imagens através dos órgãos da visão, o cérebro restitui – ou procura restituir – um todo coerente dotado de sentido. • O cérebro: ao identificar signos oriundos de códigos diversos efetua correções e reinterpretações dotadas de sentido. IMPORTANTE 5 • A memória de trabalho: ao decodificar unidades isoladas, agrupa-as em unidades significativas. • A memória: ao reconhecer novas unidades por compará-las estatisticamente à bagagem de informações e conhecimentos disponíveis. • O córtex pré-frontal: ao habituar-se a reconhecer, ao longo da vida, sequências familiares e interpretá-las. • A mente – consciente e inconsciente: ao deparar-se com unidades sintáticas, grafemas, e restituir sentidos, ora apelando à consciência, ora processando-as inconscientemente. Esses processos resumem as complexidades envolvidas na leitura e a necessidade de levá-los em consideração no ensino e aprendizagem da língua portuguesa. A leitura de um texto pressupõe uma capacidade de diferenciação visual para compreensão de códigos: visual, verbal, sonoro (BARBOSA, 1991). Agora pare para pensar em como se processa a compreensão a partir do exposto. Anote suas constatações. Nesse sentido, veremos a seguir como acontece o processo de leitura a partir do texto. 2.2 ESTRATÉGIAS DE LEITURA Durante muito tempo, saber ler correspondia a saber decodificar significados, por uma prática de leitura centrada na gramática e regulada pela decodificação dos códigos linguísticos (MARÍN, 2008, p. 19). Cinco processos realizados durante a leitura: • Processo fisiológico: a leitura é realizada no corpo. Os olhos captam os signos, o cérebro os reconhece, relaciona, decodifica. • Processo cognitivo: o cérebro reconhece os signos e os interpreta. Para que o sentido se forme, recorre a comparações, agrupamentos em frases, parágrafos. IMPORTANTE IMPORTANTE 6 • Processo afetivo: os signos interpretados pelo cérebro desencadeiam emoções, sensações, sentimentos. Piadas farão rir, mensagens de afeto, sorrir, suspense ou terror, sentir medo. • Processo argumentativo: todo texto possui uma intenção em sua gênese. Ao ler, reagimos a essa intenção: concordamos, discordamos, dialogamos com o texto, pois isso já foi previsto pelo autor. • Processo simbólico: durante a leitura nossa vivência está envolvida, as crenças, a época e a sociedade, que molda nosso modo de ser e pensar. O texto traz mais que signos, veicula modos de ver o mundo, épocas, enfim, um conjunto de elementos simbólicos que se acrescem ao conteúdo. Assim, textos muito lidos tendem a impactar a sociedade em seu modo de pensar. FONTE: . Acesso em: 13 nov. 2019. Nesse sentido, podemos observar uma concepção do processo de leitura centrado no leitor, e não no texto. Isso porque a leitura é um processo cognitivo e interativo (KLEIMAN, 2008) que não envolve apenas leitor e material textual, mas uma relação entre leitor e texto, leitor e seu mundo individual. Para que a interação ocorra, o leitor apoia-se em uma bagagem de conhecimentos e formula hipóteses que levam à compreensão. São níveis de conhecimento necessários segundo Kleiman (2008): • Conhecimento prévio: é o conhecimento linguísticoas TDICs e as diversidades sociais (BRASIL, 2019, p. 75). Acadêmico, como aplicar, na prática, estas propostas teóricas estabelecidas pela BNCC? Vamos a um exemplo de atividade que poderia ser desenvolvida com os seus alunos: Partindo do pressuposto básico de que sua atividade privilegia o acesso e as práticas sobre conteúdos oriundos de diferentes mídias, como o ciberespaço – a web – e seus diversos gêneros: podcasts, infográficos, enciclopédias colaborativas, textos e materiais de revistas e livros digitais, redes sociais, podendo produzir playlists, vlogs, vídeos-minuto, escrever fanfics, produzir e-zines, tornarem-se booktubers, entre outras possibilidades, uma atividade sobre vocabulário da língua portuguesa, por exemplo. Sugestão de atividade: a partir do texto a seguir, instigar a curiosidade dos alunos em um projeto de pesquisa sobre as palavras da língua/confecção de blog, página em rede social, entrevista com profissionais etc., a fim de mobilizar as capacidades sociais/relacionais do aluno e incentivar o uso e o aprendizado de aspectos específicos da língua portuguesa: etimologia, origem e evolução das palavras, variação linguística, contextos sociais da atualidade, empréstimos linguísticos no português atual etc. Partindo da leitura de um pequeno texto, você pode explorar a dimensão global da língua, seus usos, suas aplicações em gêneros diversos – eles podem narrar uma experiência, descrever, argumentar etc. Texto: “Alfândega: palavra que tem berço no árabe al-fundaq, hospedaria, estalagem. A mesma coisa que aduana, também do berço árabe ad-diwan, registro, escritório, repartição governamental de controle do movimento de entradas e saídas de mercadorias para o exterior ou dele provenientes, responsável, inclusive, pela cobrança dos devidos impostos de importação e exportação” (LÍNGUA PORTUGUESA, 2013, p. 64). IMPORTANTE 142 Já no eixo da produção de textos, as práticas envolvem atividades de interação e autoria, individual ou coletiva, de textos orais, escritos ou multissemióticos, mediados ou não pelas TDICs, que envolvam a realidade cotidiana do aluno e/ou do país, em diferentes gêneros textuais. Veja o quadro a seguir: QUADRO 6 − PRÁTICAS DE PRODUÇÃO DE TEXTO INTER-RELACIONADAS ÀS PRÁTICAS DE USO E REFLEXÃO Consideração e reflexão sobre as condições de produção dos textos que regem a circulação de diferentes gêneros nas diferentes mídias e campos de atividade humana • Refletir sobre diferentes contextos e situações sociais em que se produzem textos e sobre as diferenças em termos formais, estilísticos e linguísticos que esses contextos determinam, incluindo-se aí a multissemiose e características da conectividade (uso de hipertextos e hiperlinks, dentre outros, presentes nos textos que circulam em contexto digital). • Analisar as condições de produção do texto no que diz respeito ao lugar social assumido e à imagem que se pretende passar a respeito de si mesmo; ao leitor pretendido; ao veículo ou à mídia em que o texto ou produção cultural vai circular; ao contexto imediato e ao contexto sócio-histórico mais geral; ao gênero do discurso/campo de atividade em questão etc. • Analisar aspectos sociodiscursivos, temáticos, composicionais e estilísticos dos gêneros propostos para a produção de textos, estabelecendo relações entre eles. Dialogia e relação entre textos • Orquestrar as diferentes vozes nos textos pertencentes aos gêneros literários, fazendo uso adequado da “fala” do narrador, do discurso direto, indireto e indireto livre. • Estabelecer relações de intertextualidade para explicitar, sustentar e qualificar posicionamentos, construir e referendar explicações e relatos, fazendo usos de citações e paráfrases, devidamente marcadas e para produzir paródias e estilizações. Alimentação temática • Selecionar informações e dados, argumentos e outras referências em fontes confiáveis impressas e digitais, organizando em roteiros ou outros formatos o material pesquisado, para que o texto a ser produzido tenha um nível de aprofundamento adequado (para além do senso comum, quando for esse o caso) e contemple a sustentação das posições defendidas. Construção da textualidade • Estabelecer relações entre as partes do texto, levando em conta a construção composicional e o estilo do gênero, evitando repetições e usando adequadamente elementos coesivos que contribuam para a coerência, continuidade do texto e sua progressão temática. • Organizar e/ou hierarquizar informações, tendo em vista as condições de produção e as relações lógico discursivas em jogo: causa/efeito; tese/argumentos; problema/solução; definição /exemplos etc. • Usar recursos linguísticos e multissemióticos de forma articulada e adequada, tendo em vista o contexto de produção do texto, a construção composicional e o estilo do gênero e os efeitos de sentido pretendidos. 143 Aspectos notacionais e gramaticais • Utilizar, ao produzir textos, os conhecimentos dos aspectos notacionais – ortografia padrão, pontuação adequada, mecanismos de concordância nominal e verbal, regência verbal etc., sempre que o contexto exigir o uso da norma-padrão. Estratégias de produção • Desenvolver estratégias de planejamento, revisão, edição, reescrita/redesign e avaliação de textos, considerando-se sua adequação aos contextos em que foram produzidos, ao modo (escrito ou oral; imagem estática ou em movimento etc.), à variedade linguística e/ou semioses apropriadas a esse contexto, os enunciadores envolvidos, o gênero, o suporte, a esfera/campo de circulação, adequação à norma- padrão etc. • Utilizar softwares de edição de texto, de imagem e de áudio para editar textos produzidos em várias mídias, explorando os recursos multimídias disponíveis. FONTE: Brasil (2019, p. 77-8) Aqui, novamente, como sugestão de atividade, o que poderia ser feito? Que tal orientar o aluno para uma postura autônoma e crítica com relação ao uso da língua e dos textos? Por exemplo: trabalhar com obras literárias que tenham sido adaptadas em filme, no teatro, novelas, bandas desenhadas. Realizar uma pesquisa na Internet, servindo-se das ferramentas de edição, imagem, áudio, levá-los a produzirem e reproduzirem, trabalhar documentários a partir de textos e situações abordadas nas obras etc. A variedade de possibilidades é imensa e você saberá selecioná-las a partir de seu público e das situações que conhece e que julgar mais adaptadas para a inserção futura de seus alunos na vida, quer seja social, quer seja profissional. O eixo da oralidade compreende as práticas em situação oral, seja em face a face, ou virtuais: aula dialogada, webconferência, mensagem gravada, spot de campanha, jingle, seminário, debate, programa de rádio, entrevista, declamação de poemas (com ou sem efeitos sonoros), peça teatral, apresentação de cantigas e canções, playlist comentada de músicas, vlog de game, contação de histórias, diferentes tipos de podcasts, vídeos etc. Veja o quadro a seguir: IMPORTANTE 144 QUADRO 7 − TRATAMENTO DAS PRÁTICAS DE LINGUAGEM DA ORALIDADE Consideração e reflexão sobre as condições de produção dos textos orais que regem a circulação de diferentes gêneros nas diferentes mídias e campos de atividade humana • Refletir sobre diferentes contextos e situações sociais em que se produzem textos orais e sobre as diferenças em termos formais, estilísticos e linguísticos que esses contextos determinam, incluindo-se aí a multimodalidade e a multissemiose. • Conhecer e refletir sobre as tradições orais e seus gêneros, considerando-se as práticas sociais em que tais textos surgem e se perpetuam, bem como os sentidos que geram. Compreensão de textos orais • Proceder a uma escuta ativa, voltada para questões relativas ao contexto de produção dos textos, para o conteúdo em questão, para a observação de estratégias discursivas e dos recursos linguísticos e multissemióticos mobilizados, bem como dos elementos paralinguísticos e cinésicos.Produção de textos orais • Produzir textos pertencentes a gêneros orais diversos, considerando-se aspectos relativos ao planejamento, à produção, ao redesign, à avaliação das práticas realizadas em situações de interação social específicas. Compreensão dos efeitos de sentidos provocados pelos usos de recursos linguísticos e multissemióticos em textos pertencentes a gêneros diversos • Identificar e analisar efeitos de sentido decorrentes de escolhas de volume, timbre, intensidade, pausas, ritmo, efeitos sonoros, sincronização, expressividade, gestualidade etc., e produzir textos levando em conta efeitos possíveis. Relação entre fala e escrita • Estabelecer relação entre fala e escrita, levando-se em conta o modo como as duas modalidades se articulam em diferentes gêneros e práticas de linguagem (como jornal de TV, programa de rádio, apresentação de seminário, mensagem instantânea etc.), as semelhanças e as diferenças entre modos de falar e de registrar o escrito e os aspectos sociodiscursivos, composicionais e linguísticos de cada modalidade sempre relacionados com os gêneros em questão. • Oralizar o texto escrito, considerando-se as situações sociais em que tal tipo de atividade acontece, seus elementos paralinguísticos e cinésicos, dentre outros. • Refletir sobre as variedades linguísticas, adequando sua produção a esse contexto. FONTE: Brasil (2019, p. 79-80) Como sugestão de atividade a realizar com os alunos, que tal levá- los a pesquisarem registros de linguagens oral/escrita/virtual, efetuar traduções intralinguísticas, por exemplo, de uma notícia de jornal, escrita, para apresentação em noticiário oral, em blog, bate-papo via aplicativo, mobilizando, assim, as diferentes competências sociolinguísticas de cada contexto e/ou situação, normatizações, usos aceitos etc. DICAS 145 O eixo da análise linguística-semiótica envolve os procedimentos e estratégias (meta)cognitivas de análise e avaliação consciente, durante os processos: • De leitura e de produção de textos. • das materialidades dos textos, responsáveis por seus efeitos de sentido (formas de composição – coesão, coerência etc. –, estilos – léxico, variedades linguísticas etc. –, nos textos multissemióticos, plano, ângulo, lado, figura, fundo etc.). Salientamos que “os processos grafofônicos, ortográficos, lexicais, morfoló- gicos, sintáticos, textuais, discursivos, sociolinguísticos e semióticos que operam nas análises linguísticas e semióticas necessárias à compreensão e à produção de lingua- gens estarão, concomitantemente, sendo construídos durante o Ensino Fundamental” (BRASIL, 2019, p. 81). Além disso, qualquer um dos níveis de análise compreende refle- xões sobre os fenômenos de mudança e variação linguística. Evidentemente, todas as habilidades serão trabalhadas em conjunto, sendo a separação feita apenas para fins curriculares (BRASIL, 2019). O quadro a seguir apresenta estes aspectos: QUADRO 8 − PRINCIPAIS CONHECIMENTOS LINGUÍSTICOS TRABALHADOS Fono-ortografia • Conhecer e analisar as relações regulares e irregulares entre fonemas e grafemas na escrita do português do Brasil. • Conhecer e analisar as possibilidades de estruturação da sílaba na escrita do português do Brasil. Morfossintaxe • Conhecer as classes de palavras abertas (substantivos, verbos, adjetivos e advérbios) e fechadas (artigos, numerais, preposições, conjunções, pronomes) e analisar suas funções sintático-semânticas nas orações e seu funcionamento (concordância, regência). • Perceber o funcionamento das flexões (número, gênero, tempo, pessoa etc.) de classes gramaticais em orações (concordância). • Correlacionar as classes de palavras com as funções sintáticas (sujeito, predicado, objeto, modificador etc.). Sintaxe • Conhecer e analisar as funções sintáticas (sujeito, predicado, objeto, modificador etc.). • Conhecer e analisar a organização sintática canônica das sentenças do português do Brasil e relacioná-la à organização de períodos compostos (por coordenação e subordinação). • Perceber a correlação entre os fenômenos de concordância, regência e retomada (progressão temática – anáfora, catáfora) e a organização sintática das sentenças do português do Brasil. Semântica • Conhecer e perceber os efeitos de sentido nos textos decorrentes de fenômenos léxico-semânticos, tais como aumentativo/ diminutivo; sinonímia/antonímia; polissemia ou homonímia; figuras de linguagem; modalizações epistêmicas, deônticas, apreciativas; modos e aspectos verbais. 146 Variação Linguística • Conhecer variedades linguísticas do português do Brasil e suas diferenças fonológicas, prosódicas, lexicais e sintáticas, avaliando seus efeitos semânticos. • Discutir, no fenômeno da variação linguística, variedades prestigiadas e estigmatizadas e o preconceito linguístico que as cerca, questionando suas bases de maneira crítica. Elementos notacionais da escrita • Conhecer as diferentes funções e perceber os efeitos de sentidos provocados nos textos pelo uso de sinais de pontuação (ponto final, ponto de interrogação, ponto de exclamação, vírgula, ponto e vírgula, dois-pontos) e de pontuação e sinalização dos diálogos (dois-pontos, travessão, verbos de dizer). • Conhecer a acentuação gráfica e perceber suas relações com a prosódia. • Utilizar os conhecimentos sobre as regularidades e irregularidades ortográficas do português do Brasil na escrita de textos. FONTE: Brasil (2019, p. 82-83) Os conhecimentos serão contextualizados em campos de atuação distribuídos ao longo do ensino fundamental da seguinte forma: • Anos iniciais: vida cotidiana; artes e literatura; práticas de estudo e pesquisa; vida pública. • Anos finais: artes e literatura; práticas de estudo e pesquisa; jornalismo e mídia; atuação na vida pública. Os Direitos Humanos serão abordados em todas as fases, pois perpassam todos os campos (BRASIL, 2019, p. 85). A partir dessa exposição, o quadro a seguir sintetiza as competências específicas da Língua Portuguesa no Ensino Fundamental: QUADRO 9 − COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS PARA O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA – ENSINO FUNDAMENTAL Compreender a língua como fenômeno cultural, histórico, social, variável, heterogêneo e sen- sível aos contextos de uso, reconhecendo-a como meio de construção de identidades de seus usuários e da comunidade a que pertencem. Apropriar-se da linguagem escrita, reconhecendo-a como forma de interação nos diferentes campos de atuação da vida social e utilizando-a para ampliar suas possibilidades de participar da cultura letrada, de construir conhecimentos (inclusive escolares) e de se envolver com maior autonomia e protagonismo na vida social. Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão, autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo. Compreender o fenômeno da variação linguística, demonstrando atitude respeitosa diante de variedades linguísticas e rejeitando preconceitos linguísticos. Empregar, nas interações sociais, a variedade e o estilo de linguagem adequados à situação comunicativa, ao(s) interlocutor(es) e ao gênero do discurso/gênero textual. Analisar informações, argumentos e opiniões manifestados em interações sociais e nos meios de comunicação, posicionando-se ética e criticamente com relação a conteúdos discriminatórios que ferem direitos humanos e ambientais. 147 Reconhecer o texto como lugar de manifestação e negociação de sentidos, valores e ideologias. Selecionar textos e livros para leitura integral, de acordo com objetivos, interesses e projetos pessoais (estudo, formação pessoal, entretenimento, pesquisa, trabalho etc.). Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o desenvolvimento do senso estético para fruição, valorizando a literatura e outras manifestações artístico-culturais como formas de acesso àsdimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial trans- formador e humanizador da experiência com a literatura. Mobilizar práticas da cultura digital, diferentes linguagens, mídias e ferramentas digitais para expandir as formas de produzir sentidos (nos processos de compreensão e produção), aprender e refletir sobre o mundo e realizar diferentes projetos autorais. FONTE: Brasil (2019, p. 87) Uma atividade que você pode desenvolver com os seus alunos é, por exemplo, a partir de um mito – o mito de Procrusto e a cegueira do desconhecimento –, trabalhando usos da linguagem, reflexão sobre a língua que se fala e se escreve etc. Procrusto era um bandido grego que vivia na floresta. Ele teria mandado construir uma cama em que cabia exatamente o seu corpo, nada menos, nada mais. Quando capturava alguém na floresta, amarrava o prisioneiro à cama: se fosse maior, cortava as partes que ultrapassassem as dimensões, se menor, esticava-o para que alcançasse as dimensões da cama. Procrusto acabou morto por Teseu que lhe aplicou a mesma pena, cortando-lhe a cabeça e os pés (COELHO, 2015, p. 12-15). O mito refere-se ao autoritarismo, ao totalitarismo que visa moldar a forma de ser e pensar. A partir do mito, você pode trabalhar debates, argumentações, relacionar com situações da atualidade etc., sempre mobilizando o recurso às TDICs e à autonomia colaborativa dos alunos. Para as habilidades a serem desenvolvidas no Ensino Fundamental, a leitura das páginas 95-191 e quadros gerais da BNCC é recomendada: http://base- nacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. IMPORTANTE DICAS 148 3.2.2 Ensino Médio O Ensino Médio deve responder às demandas da juventude brasileira em sua passagem à vida adulta, preparando integralmente os adolescentes e jovens a serem protagonistas em seu projeto de vida. Nesse percurso, as TDICs integram-se plenamente não apenas por estarem presentes na vida como por mediarem as comunicações e interações da vida atual e, provavelmente, futura. Assim, aos alunos do Ensino Médio será garantida, de maneira particular, além da formação geral, uma formação em TDICs. São conhecimentos e habilidades a serem desenvolvidos no âmbito das TDICs: • O pensamento computacional: capacidades e habilidades voltadas à solução de problemas mediante algoritmos. • Mundo digital: conhecimentos relacionados às TDICs, suas formas de interação e funcionamento. • Cultura digital: habilidades de uso, relacionamento e aprendizagem através das TDICs, mediante o desenvolvimento de um pensamento e atitude críticos. No Ensino Médio são propostos itinerários, sendo que a Língua Portuguesa se insere no itinerário em formação geral e básica: “Linguagens e suas tecnologias” (BRASIL, 2019, p. 476). Esse itinerário visa ao aprofundamento de (BRASIL, 2019, p. 477): [...] conhecimentos estruturantes para aplicação de diferentes linguagens em contextos sociais e de trabalho, estruturando arranjos curriculares que permitam estudos em línguas vernáculas, estrangeiras, clássicas e indígenas, Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), das artes, design, linguagens digitais, corporeidade, artes cênicas, roteiros, produções literárias, dentre outros, considerando o contexto local e as possibilidades de oferta pelos sistemas de ensino. A Língua Portuguesa é oferecida nos três anos do Ensino Médio, segundo estabelece a Lei n° 13.415/2017 (BRASIL, 2019, p. 485), devendo permitir ao aluno “vivenciar experiências significativas com práticas de linguagem em diferentes mídias” e situadas em campos de atuação social diversos. Pesquisa e produção colaborativa continuam sendo os modos privilegiados de tratar o conhecimento e os discursos, sem perder de vista as multissemioses inerentes às TDICs. Estas, considerando-se o fluxo da comunicação de “muitos para muitos” (BRASIL, 2019, p. 487), permite que todos se tornem produtores e receptores nos mais variados gêneros e discursos. No Ensino Médio, cinco campos de atuação social são priorizados na BNCC (BRASIL, 2019): 149 • A vida pessoal. • As práticas de estudo e pesquisa (com análise de elementos discursivos, composi- cionais e formais de enunciados nas diferentes semioses, com propostas de trabalho que potencializem o acesso dos alunos a saberes sobre o mundo digital, pelo impacto que exerce na vida dos jovens, o interesse destes pelas TDICs e o fato de constitu- írem discursos híbridos multisemióticos. Na cultura digital, os multiletramentos, os novos letramentos, novos gêneros como posts, tweets, memes, mashups, playlists comentadas, reportagens e relatos multimediáticos, vlogs, videominutos, political re- mixes, tutoriais em vídeo etc., além de ações, como curtir, comentar, compartilhar, taquear, seguir, supõem o desenvolvimento de outras habilidades. • O campo jornalístico-midiático, dentro da perspectiva de desenvolvimento do pensamento crítico. • O campo de atuação na vida pública, com reflexões sobre ética e a participação na vida pública. • O campo artístico, para o desenvolvimento e a prática da sensibilidade. Assim, são competências específicas para o ensino médio (BRASIL, 2019, p. 490): • Compreender o funcionamento das diferentes linguagens e práticas culturais (artísticas, corporais e verbais) e mobilizar esses conhecimentos na recepção e produção de discursos nos diferentes campos de atuação social e nas diversas mídias, para ampliar as formas de participação social, o atendimento e as possibilidades de explicação e interpretação crítica da realidade e para continuar aprendendo. • Compreender os processos identitários, conflitos e relações de poder que permeiam as práticas sociais de linguagem, respeitando as diversidades e a pluralidade de ideias e posições, e atuar socialmente com base em princípios e valores assentados na democracia, na igualdade e nos Direitos Humanos, exercitando o autoconhecimento, a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, e combatendo preconceitos de qualquer natureza. • Utilizar diferentes linguagens (artísticas, corporais e verbais) para exercer com autonomia e colaboração, protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva, de forma crítica, criativa, ética e solidária, defendendo pontos de vista que respeitem o outro e promovam os Direitos Humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável, em âmbito local, regional e global. • Compreender as línguas como fenômeno (geo)político, histórico, cultural, social, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo suas variedades e vivenciando-as como formas de expressões identitárias, pessoais e coletivas, bem como agindo no enfrentamento de preconceitos de qualquer natureza. • Compreender os processos de produção e negociação de sentidos nas práticas corporais, reconhecendo-as e vivenciando- as como formas de expressão de valores e identidades, em uma perspectiva democrática e de respeito à diversidade. 150 • Apreciar esteticamente as mais diversas produções artísticas e cul- turais, considerando suas características locais, regionais e globais, e mobilizar seus conhecimentos sobre as linguagens artísticas para dar significado e (re)construir produções autorais individuais e co- letivas, exercendo protagonismo de maneira crítica e criativa, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas. • Mobilizar práticas de linguagem no universo digital, considerando as dimensões técnicas, críticas, criativas, éticas e estéticas, para expandir as formas de produzir sentidos, de engajar-se em práticas autorais e coletivas, e de aprender a aprender nos campos da ciência, cultura, trabalho, informação e vida pessoal e coletiva. Para a leitura individualizada de cada uma dessas competências, consulte BNCC, 2018, p. 493-8, disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Você verá que sua atuação como professor mediador da aprendizagem das habilidadesvai enriquecer-se com esta leitura! O ensino e aprendizagem da língua portuguesa no Ensino Médio insere-se num aprofundamento das competências preparadas no Ensino Fundamental, mediante o recurso às TDICs e seus multiletramentos. A literatura permanece central também no Ensino Médio, atribuindo-se um lugar central ao texto literário inserindo-o como ponto de partida às práticas adotadas. Cada habilidade a ser desenvolvida insere-se num conjunto de práticas específicas que fazem parte do cotidiano no processo de aprendizagem: leituras diversas, reescrita, análises comparativas etc. É através de uma prática regular que as competências se consolidam. Aqui, como já foi sugerido anteriormente, para o Ensino Fundamental, as formas de proceder também incluem a interação, o trabalho colaborativo entre colegas, classes ou até países, com projetos que podem envolver até a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) mediante trocas com alunos espalhados pelo mundo, o que caracteriza, na prática, o verdadeiro espírito da globalização aplicada à Língua Portuguesa. DICAS NOTA 151 A progressão das aprendizagens e habilidades desenvolvidas no Ensino Fundamental leva em consideração no Ensino Médio (BRASIL, 2019, p. 499-500): • A complexidade das práticas de linguagens e dos fenômenos sociais que repercutem nos usos da linguagem (como a pós- verdade e o efeito bolha). • A consolidação do domínio de gêneros do discurso/gêneros textuais já contemplados anteriormente e a ampliação do repertório de gêneros, sobretudo dos que supõem um grau maior de análise, síntese e reflexão; • O aumento da complexidade dos textos lidos e produzidos em termos de temática, estruturação sintática, vocabulário, recursos estilísticos, orquestração de vozes e semioses. • O foco maior nas habilidades envolvidas na reflexão sobre textos e práticas (análise, avaliação, apreciação ética, estética e política, valoração, validação crítica, demonstração etc.), já que as habi- lidades requeridas por processos de recuperação de informação (identificação, reconhecimento, organização) e por processos de compreensão (comparação, distinção, estabelecimento de rela- ções e inferência) já foram desenvolvidas no Ensino Fundamental. • A atenção maior nas habilidades envolvidas na produção de textos multissemióticos mais analíticos, críticos, propositivos e criativos, abarcando sínteses mais complexas, produzidos em contextos que suponham apuração de fatos, curadoria, levantamentos e pesquisas e que possam ser vinculados de forma significativa aos contextos de estudo/construção de conhecimentos em diferentes áreas, a experiências estéticas e produções da cultura digital e à discussão e proposição de ações e projetos de relevância pessoal e para a comunidade. • O incremento da consideração das práticas da cultura digital e das culturas juvenis, por meio do aprofundamento da análise de suas práticas e produções culturais em circulação, de uma maior incorporação de critérios técnicos e estéticos na análise e autoria das produções e vivências mais intensas de processos de produção colaborativos. • A ampliação de repertório, considerando a diversidade cultural, de maneira a abranger produções e formas de expressão diversas – literatura juvenil, literatura periférico-marginal, o culto, o clássico, o popular, cultura de massa, cultura das mídias, culturas juvenis etc. – e em suas múltiplas repercussões e possibilidades de apreciação, em processos que envolvem adaptações, remidiações, estilizações, paródias, HQs, minisséries, filmes, videominutos, games etc. • A inclusão de obras da tradição literária brasileira e de suas referências ocidentais – em especial da literatura portuguesa –, assim como obras mais complexas da literatura contemporânea e das literaturas indígena, africana e latino-americana. Os campos de atuação social, no Ensino Médio, privilegiam as mesmas temáticas do Ensino Fundamental, a saber: vida pessoal, artes e literatura, estudo e pesquisa, jornalismo e mídias, atuação na vida pública (BRASIL, 2019). 152 Para um aprofundamento maior nos campos de atuação social, competências específicas e habilidades, reportar-se à BNCC, 2018, p. 505-26: http:// basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_ site.pdf. Encerramos, assim, o estudo dos textos reguladores do ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa nos Ensinos Fundamental e Médio. Não deixe de consultar a obra de referência da Base Nacional Comum Curricular disponível no endereço indicado anteriormente, pois contém um aprofundamento das habilidades e capacidades a serem desenvolvidas. No Tópico 3, desta unidade você verá as reais possibilidades de implantação das políticas previstas, bem como o panorama da inclusão tal qual ele se apresenta no estágio atual. DICAS 153 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu: • Mudanças nas gerações impactam diretamente nas formas de ensino e aprendizagem: assim, nativos digitais, por um contato direto com as TDICs, são ágeis, flexíveis e orientados para resultados, mas também impacientes e superficiais. • Nos processos de ensino e aprendizagem mediados pelas TDICs, o foco passa do ensino e magistral de conteúdos tradicionais ao aluno e habilidades a serem desenvolvidas para a construção de um conhecimento colaborativo. • A legislação acompanha este movimento, tanto a nível mundial, através dos saberes necessários para o futuro, quanto a nível nacional, através da integração dos saberes às habilidades digitais. • Na BNCC, as habilidades e conhecimentos necessários à vida em sociedade na língua portuguesa encontram-se inseridos numa trajetória de linguagens e suas habilidades, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio. • São áreas a serem trabalhadas em Língua Portuguesa no Ensino Fundamental, nos anos iniciais: vida cotidiana; artes e literatura; práticas de estudo e pesquisa; vida pública. Nos anos finais: artes e literatura; práticas de estudo e pesquisa; jornalismo e mídia; atuação na vida pública. • No Ensino Médio, esses conhecimentos e habilidades são aprofundados, com uma orientação ao desenvolvimento e o pleno exercício de um projeto de vida bem- sucedido, englobando as habilidades e conhecimentos em língua e linguagem, literatura e as multissemiosos dos discursos mediados pelas TDICs. 154 AUTOATIVIDADE 1 Leia o texto a seguir: Gírias “[...] A gíria é uma variação da língua que acontece em um determinado tempo e espaço e se desenvolve em dois níveis: o primeiro que pode ser denominado ‘gíria de grupo’, e o segundo que é chamado de ‘gíria comum’ [...]. As gírias se renovam e mudam de acordo com ‘a moda’, o que torna obsoletas certas expressões e possibilita a criação de outras variantes [...]. Assim, temos: Gírias dos anos 40: brotinho (menina), boa pinta (rapaz bonito), carango (carro). Gírias dos anos 50: bacana (bonito), de lascar (muito ruim), pisante (sapato). Gírias dos anos 70: bicho (amigo), joia (tudo bem), careta (pessoa conservadora). Gírias dos anos 80: mina (garota), brega (feio), deprê (triste). Gírias dos anos 90: antenado (atento), mauricinho (rapaz bem-vestido). Gírias atuais: beca (roupa nova), bucha (pessoa inconveniente), X9 (dedo duro)” (MAGI, 2014, p. 8). FONTE: MAGI, L. Gíria: instrumento de manutenção e renovação da língua. ed. 48. Língua Portuguesa: Conhecimento prático. 2014. Partindo dos conhecimentos abordados neste tópico e do texto exposto, elabore uma atividade para uma classe de alunos de Ensino Fundamental II para tratar a temática abordada através das TDICs. 155 TÓPICO 3 - INCLUSÃO DIGITAL 1 INTRODUÇÃO UNIDADE 2 As tecnologias vêm influenciando a sociedade de diversas maneiras. Seu impacto é percebido através da globalização e a disponibilização dos conhecimentos em rede. O ciberespaço conglomera um repertório de informações, conhecimentos, tecnologias de que as diferentes culturas dispõem na atualidade. No entanto, numa sociedade em que valoreseconômicos determinam a hegemonia das nações mais desenvolvidas a nível mundial e das regiões, a nível nacional, o panorama pode ser menos otimista (LEVY, 1999). Neste tópico, abordaremos a questão da inclusão digital, sobretudo no contexto brasileiro, marcado por diversidades sociais e econômicas que impactam nos processos de ensino e aprendizagem mediados pelas TDICs sob diversos aspectos. Assim, num primeiro momento, será fornecido um panorama da inclusão social no país, levando-se em consideração as diversidades culturais presentes em solo brasileiro. Em seguida, você verá como esses aspectos impactam na educação e quais são as perspectivas previstas em lei para as equidades. 2 A INCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL O termo “inclusão digital” é relativamente recente e deriva dos Programas para a Sociedade da Informação surgidos em países, sobretudo, da União Europeia (EU) a partir do crescimento global das tecnologias da informação e da comunicação. Surge, então, uma preocupação quanto à necessidade de desenvolvimento de políticas relacionadas às TDICs (BONILLA; OLIVEIRA, 2011). Em várias partes do globo surgem os “Programas para a Sociedade da Informação”, com o incentivo de organizações internacionais, entre as quais a Organização das Nações Unidas (ONU) e a União dos Estados Americanos (UEA) (BONILLA; OLIVEIRA, 2011). Desde então, a exclusão digital é flagrante e passa a se manifestar no vocabulário: digital divide, gap digital, apartheid digital, infoexclusão, ou exclusão digital, são apenas alguns dos termos que surgiram para justificar a existência de políticas para o desenvolvimento das TICs e o acesso de todos ao mundo globalizado. O termo “inclusão digital” também está diretamente relacionado ao termo “exclusão digital” e, para tratar do primeiro, é preciso combater as razões que se encontram na base do segundo. Essas razões levam a dois outros termos: inclusão e exclusão social. É, então, indispensável atribuir a importância devida aos fatores da exclusão social na sociedade heterogênea e com condições desiguais para então refletir sobre a inclusão digital nos meios escolares e de aprendizagem. 156 2.1 PANORAMA DA INCLUSÃO DIGITAL: CONTEXTO HISTÓRICO No Brasil, a preocupação política com a inclusão digital surge no ano de 2000 no Livro Verde – Sociedade da Informação no Brasil (TAKAHASHI, 2000 apud BONILLA; OLIVEIRA, 2011, p. 24). No entanto, essa preocupação ocorre em processos autônomos e sem ligação (FERREIRA, 2002 apud BONILLA; OLIVEIRA, 2011, p. 24), subentendendo-se que, para que haja inclusão digital, faz-se necessária a disponibilização de especialistas em tecnologias – sem, contudo, considerar as desigualdades de condições de acesso às tecnologias. Ferreira (2002 apud BONILLA; OLIVEIRA, 2011, p. 25) aponta que, se antes o foco eram as desigualdades sociais, a questão atualmente passa a envolver uma mera preocupação com capacitação técnica. O conceito de “exclusão social” evoluiu desde o seu surgimento até a atualidade: surgido na obra L’exclu, de René Lenoir, designava em princípio a categoria de indivíduos excluídos do social, tais como leprosos, doentes mentais, marginais. Atualmente, porém, em uma sociedade de comunicação, não haveria excluídos, já que todos estão, de alguma forma, comunicando-se e conectados, de modo que, teoricamente, “só os mortos são excluídos” (BONILLA; OLIVEIRA, 2011, p. 27). A partir do desenvolvimento industrial do Brasil, nos anos 1930, apoiado no modelo capitalista de produção e circulação de bens, surge a noção de exclusão no sentido de excluídos do mode- lo socioeconômico dominante, pois “a exclusão está incluída no pró- prio modelo de produção capitalista” (RIBEIRO, 1999 apud BONILLA; OLIVEIRA, 2011, p. 27). Castels (2003 apud BONILLA; OLIVEIRA, 2011, p. 27) aponta como excluídos, “indivíduos afastados de seus perten- cimentos coletivos, vivenciando carências ou desvantagens sociais: pobreza, falta de trabalho, sociabilidade restrita, condições precárias de moradia, entre outras”. Para Boneti (2001, p. 3 apud BONILLA; OLIVEIRA, 2011, p. 28): “incluir significa inserir, introduzir, adaptar os indivíduos a determinado modelo, a uma dada realidade pronta”. Bonilla e Oliveira (2011) veem a exclusão de acesso às TDICs na mesma linha que a exclusão desta realidade pronta ou modelo. Assim, um relatório publicado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI) revela que “exclusão digital e a exclusão social são fenômenos estreitamente associados” (BAHIA, 2004 apud BONILLA; OLIVEIRA, 2011, p. 30). A própria exclusão digital acaba aprofundando a exclusão social, pois as principais atividades econômicas, governamentais e a produção cultural migram para as redes (SILVEIRA, 2001, p. 18 apud BONILLA; OLIVEIRA, 2011, p. 30). A seguir, abordaremos a conscientização das diversidades na base da exclusão. IMPORTANTE 157 2.2 CONSCIENTIZAÇÃO DAS DIVERSIDADES Vimos, no subtópico anterior que, para que os multiletramentos ocorram no sis- tema educativo, tal como previsto nos objetivos da BNCC, a educação, antes, necessita diagnosticar as categorias que se encontram à margem das condições socioeconômi- cas dominantes. A inclusão digital, então, passa a ser um fator de transformação social e não de capacitação (BONILLA; OLIVEIRA, 2011). Para Castel (1998 apud BONILLA; OLI- VEIRA, 2011, p. 32), trata-se de “abandonados”, “encalhados sociais”, esquecidos pelo sistema produtivo dominante. Assim, permitir às populações marginais, seja étnica e/ou socialmente, os multiletramentos digitais é conferir-lhes empoderamento através de uma ferramenta que lhes permita comunicar, interagir, informar-se, ou seja, atuar com “autonomia e independência” (BONILLA; OLIVEIRA, 2011, p. 33). Iniciativas para a constituição de comunidades de informação e conhecimento têm sido tomadas neste sentido. Segundo Castells (2003 apud BONILLA; OLIVEIRA, 2011, p. 38): Um excluído digital tem três grandes formas de ser excluído. Primeiro, não tem acesso à rede de computadores. Segundo, tem acesso ao sis- tema de comunicação, mas com uma capacidade técnica muito baixa. Terceiro (a mais importante forma de ser excluído e da que menos se fala) é estar conectado à rede e não saber qual o acesso usar, qual a in- formação buscar, como combinar uma informação com outra e como a utilizar para a vida. Esta é a mais grave porque amplia, aprofunda a exclusão mais séria de toda a História; é a exclusão da educação e da cultura porque o mundo digital se incrementa extraordinariamente. Seguindo essa perspectiva, torna-se necessário que os espaços tecnológicos nas escolas se tornem, também, centros de inclusão social mediante o acesso público às TDICs. Além do mais, segundo Bonilla e Oliveira (2011), embora as políticas existam para todos os públicos e de forma idêntica, o acesso às tecnologias ocorre de forma diversa: enquanto os filhos de ricos têm acesso via telefone ou computador em casa, os pobres acessam em condições restritas: centros públicos, escola, redes públicas, cheias proibições. Assim, para que as políticas de inclusão digital, multiletramentos e desenvolvimento das habilidades voltadas ao aprendizado do futuro funcionem, impõe- se que, ao mesmo tempo, seja considerado o conceito de cidadania. Segundo Arroyo (2001 apud BONILLA, OLIVEIRA, 2011, p. 42): “precisamos redefinir a concepção de cidadania, recolocando as questões da cidadania em outros termos: a cidadania dos direitos sociais, dos direitos humanos, dos direitos básicos do ser humano”. Uma pesquisa realizada pela União Internacional das Telecomunicações em 2019, situa o Brasil em 31º lugar no ranking mundial de inclusão digital (NETION, 2019). Os primeiros colocados são: Suécia, Singapura e Estados Unidos. Embora já existam políticas, como o Marco Civil da Internet, um longo caminho ainda separa a sociedade brasileira da ferramenta que mais promete movimentar os mercados de amanhã. 158 Marco Civil da Internet, Lei n° 12.965/2014,regula o uso da Internet no Brasil pela previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para o usuário e determina diretrizes para a atuação do Estado. FONTE: . Acesso em: 30 jun. 2020. Neste caminho encontram-se alguns obstáculos, nomeadamente (NETION, 2019): • Altos índices de analfabetismo funcional impedem o uso pleno das TDICs: quase 40 milhões. • Acesso restrito: em torno de 55% dos domicílios têm acesso à internet, mas 17% não possuem um computador e concentram a conexão em dispositivos como celulares e tablets. • Quanto maior o grau de escolaridade, maior é o índice de inclusão digital – 92% com mais de 15 anos de estudos. Perceba, então, que a inclusão digital está diretamente ligada a dois fatores: medidas governamentais nesse sentido e o acesso à educação com uso das TDICs na escola, que veremos a seguir. 3 A INCLUSÃO DIGITAL NA ESCOLA O acesso às TDICs na Educação impõe que se considere a Educação e o que as tecnologias representam para a área. Segundo Kenski (2007): • É preciso rever metodologias e práticas e reelaborar novas pedagogias com as TDICs. • O aluno tecnológico 3.0 e 4.0 e a sociedade da informação orientam para um aprendizado colaborativo e personalizado, considerando-se as particularidades de cada contexto. • A cultura inovadora, marcada por avanços velozes, supõe instituições e profissionais preparados para mediar os processos de aprendizagem através das TDICs, facilitando a trajetória dos alunos nas modalidades implantadas. • Planejamento e reorientação contínuos durante a formação, envolvem corpo docente e discente, instituição, comunidade. NOTA 159 • As novas competências e habilidades exigidas do professor nesse modelo o tornam um “aprendente” integrado a uma equipe com os alunos. Aprende e recicla-se constantemente. • O desenvolvimento de novas habilidades e comportamentos integra uma aprendizagem colaborativa, cooperativa, trabalho em equipes motivadas e ampliando o espaço do conhecimento. Esse ultrapassa a sala de aula, a disciplina, a escola e integra a sociedade. Assim, a política e a gestão da educação pedem novos posicionamentos, a fim de que se delimitem claramente: os papéis do Estado na educação; os objetivos e as finalidades da educação diante das novas demandas sociais; a estrutura organizacional das instituições de ensino em todos os níveis; o financiamento da educação; a universalização e democratização do acesso aos novos ambientes tecnológicos da educação; a valorização do magistério e a articulação da educação com outras esferas sociais, que também oferecem educação (KENSKI, 2007). A elaboração da política e gestão da educação deve repousar sobre bases democráticas e descentralizadas, dar autonomia, responsabilizar, enquadrar e objetivar a qualidade como prioridades. Isso porque decisões tomadas coletivamente permitem: • O acesso amplo a todos à educação a partir de um lugar específico, mas em todos os lugares: é a nova escola que vai até o aluno ou o cidadão, não ele que vai até ela. • Um processo de educação englobante da sociedade como um todo: a aprendizagem ocorre em todos os momentos e lugares e torna-se vetor de fortalecimento das minorias identitárias, os excluídos sociais e digitais. • A reorganização estrutural das instituições educacionais a fim de atender às novas demandas políticas, econômicas, sociais de cada comunidade. • A formação e o aperfeiçoamento dos professores para corresponder às demandas no desenvolvimento crítico global e o desejo de aprender. • Uma educação como vetor de empoderamento do sujeito, crítico quanto ao seu processo de aprendizagem e atuante na sociedade. • A formação de redes de interconexões educacionais de ensino mútuo, o “coletivo inteligente”, de Pierre Levy (1999): todos participam, todos aprendem, interagem. A educação brasileira, na atualidade, encontra-se perante este desafio: a consolidação deste projeto democrático e coletivo, humano, voltado à educação global de uma sociedade interconectada através das TDICs, capaz de lhe mostrar o caminho para a formação integral do ser humano, em toda parte, sem desigualdades, nem exclusão. Isso porque: “aprender a ser professores e alunos – cidadãos do país e do mundo – é uma necessidade advinda com as parcerias nos projetos educacionais em rede” (KENSKI, 2012, p. 93). Antes de passar ao subtópico dedicado à globalização, ao ensino e às ideologias, convidamos você, acadêmico, a responder às questões apresentadas a seguir, que o ajudarão a preparar a reflexão que realizaremos. Bom trabalho! 160 AUTOATIVIDADE 1 No Brasil – e no mundo – ainda existem escolas que não possuem a infraestrutura necessária para a realização das atividades de ensino e aprendizagem clássicas. Como, neste contexto, podemos pensar o novo cidadão tecnologicamente preparado para o mundo globalizado? 2 Quanto às condições sociais dos participantes − seu preparo, a infraestrutura etc. −, o que se percebe nas relações entre ensino privado e ensino público, entre grandes centros e áreas rurais, entre elites dominantes e minorias étnico-raciais? Realize uma pesquisa em seu entorno, no site do IBGE ou em órgãos governamentais. 3 Realize uma pesquisa nas páginas governamentais (MEC, Ministério da Ciência e Tecnologia, CNPq, Capes etc.) e descreva as medidas atuais que estão sendo tomadas para a inclusão digital no Brasil. 3.1 GLOBALIZAÇÃO, ENSINO E IDEOLOGIAS O mundo passou por grandes transformações em todos os setores − econômico, científico, tecnológico, social − que possibilitaram interações e relações a nível global. A informação e o conhecimento, hoje, circulam imediatamente pelo mundo no ciberespaço (LEVY, 1999). Nesse espaço globalizado, os valores das potências economicamente de- senvolvidas tendem a impor-se pelas facilidades de comunicação e difusão virtuais e a hegemonia que estas potências exercem (KENSKI, 2012). Segundo a autora (2012, p. 18): A globalização da economia e das finanças redefine o mundo e cria uma nova divisão social: o mundo desenvolvido e rico e o espaço em que predominam as mais novas tecnologias e seus desdobra- mentos na economia, na cultura, na sociedade. Os que não têm a "senha de acesso" para ingresso nessa nova realidade são os exclu- ídos, os "subdesenvolvidos". Nesse contexto, cabe à educação um papel preponderante, visando ao respeito das populações excluídas e à garantida dos direitos humanos fundamentais. Já vimos que a sociedade adotou modelos de desenvolvimento diversos e que levaram à evolução das perspectivas metodológicas na educação. Essa educação é fruto do pensamento positivista de uma sociedade marcada por tensões oriundas da era industrial, inicialmente orientada à formação de mão de obra para atender às demandas do mercado capitalista. Logo, em sua origem, tratava-se de uma educação voltada à formação prática, metódica e voltada aos desenvolvimentos tecnológicos da indústria. Não se voltava ao aprimoramento do ser humano, à reflexão crítica e da 161 formação integral da pessoa como ser pensante, tal como ocorria na escola clássica dos filósofos gregos, por exemplo. A educação de cunho humanista, orientada à reflexão e à formação humana, permaneceu reservada às elites e aos religiosos. No Brasil, durante a maior parte do Século XX, quando o acesso ao ensino foi se popularizando, as classes abastadas tiveram formação humanista e as classes menos abastadas uma formação técnico-profissional voltada ao suprimento de mão de obra operária (COSTA, 2018). O Brasil, como país capitalista e neoliberal, tende à reprodução das ideologias dominantes na luta incessante para regulação dos mercados, em escala mundial. Os reflexos das políticas econômicas e mercadológicas internacionais acabam orientando a direção tomada nas políticas educacionais. Hermenau (2005) mostra como a relação entre economia e regimes governamentaise educação é estreita. Os modelos de ensino tendem a apoiar-se nas estruturas, políticas e ideologias internacionais. Para o que nos diz respeito, implantadas aqui e com ênfase dada à prática técnica e profissional. Em tempos de globalização e a diluição das fronteiras, os avanços na esfera mundial levam à percepção das ideologias implantadas, o que, inevitavelmente, gera tensões e faz alterarem-se modelos. Costa (2018, p. 25) lembra que já houve, ao longo da História, três ondas de globalização relacionadas ao colonialismo/imperialismo moderno: • A primeira, nas explorações comerciais da Espanha e de Portugal (Século XV). • A segunda, na industrialização comandada pela Grã-Bretanha (Século XVIII). • A terceira deriva do mundo pós-guerra, com o imperialismo implantado pelos Estados Unidos (Século XX). Na modernidade, segundo Hall (2006 apud COSTA, 2018), a construção da identidade dos indivíduos e comunidades faz-se por três modos: • Na unidade (Iluminismo): há fixidez nos caracteres herdados ao nascer ou construídos a seguir. Para que uma unidade nacional se mantenha, há interesse em preservar a unici- dade nacional: uma língua, um sistema de leis, de códigos, de cultura, de modo de vida. • Na interação com os outros (modo sociológico): o indivíduo encontra-se consigo mesmo e com os outros. • No modo pós-moderno (globalização), em que o indivíduo procura uma identidade na interação e em modelos ou parâmetros, mas não os encontra, ou as suas direções são múltiplas e conflitantes. Isso motivou transformações nas sociedades e no modelo de ensino e aprendizagem. Não apenas as identidades se tornaram flutuantes, mas o apagamento das fronteiras, a supressão do das noções de espaço-tempo levaram a todas as diluições (LEVY, 1999). Esse processo pode ser um fator gerador de incertezas e, consequentemente, de conflitos. Segundo Bauman (1999, p. 7): 162 Para alguns, “globalização” é o que devemos fazer se quisermos ser felizes; para outros, é a causa de nossa infelicidade. Para todos, porém, “globalização” é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível; é também um processo que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira. Estamos todos sendo “globalizados” − e isso significa o mesmo para todos. Diante de uma sociedade marcada por dualidades opositivas, em que indivíduos são classificados e julgados em bons e maus pelas origens, a formação, cor, tamanho, sexo, lugar em que vivem, surgiu a necessidade de uma nova orientação em escala global. No contexto “líquido” (BAUMAN, 1999) da humanidade pós-guerras mundiais e globalizada pelas TDICs surge, subitamente, a conscientização das diversidades e das capacidades, mas também dos limites de sua existência humana que, na Modernidade, era tida como sólida e perene. As decisões para a educação do futuro e a implantação das habilidades a serem desenvolvidas pela escola de amanhã em que, antes de aprender conteúdos e particularidades, aprende a aprender de maneira sistêmica e global, desenvolvendo habilidades humanas e cognitivas ligadas ao manejo de um conhecimento disponibilizado no ciberespaço tornou-se imperativamente urgente. Nesse contexto, em que impera integrar saberes, perspectivas, conhecimentos, mas também os contextos, de uma forma global de aprendizagem, é que a educação globalizada deve lutar contra as hegemonias ideológicas, mas acreditar na interdependência de todos e no poder da autonomia dos indivíduos. Segundo Bittar (2008, p. 2): [...] a escola, no contexto pós-moderno, está encolhida, porque desafiada, em sua incapacidade de produção de sujeitos capazes de reflexão, uma vez que outros atrativos circundam a escola desbaratinando sua capacidade de oferecer respostas à complexidade da vida individual, da vida familiar e da vida social. A subjetividade fragilizada da sociedade pós-moderna, a subjetividade que se tem, está profundamente ameaçada em sua capacidade de emergir do anonimato, da inconsciência e da reificação de sua condição pelo consumo, e se acovarda crescentemente ante à própria autonomia. Autonomia é, fundamentalmente, em seu traçado interior, liberdade. Significa a posse de um estado de independência com relação a tudo o que define a personalidade heteronomamente. Isto importa na capacidade de analisar e distinguir, para o que é necessária a crítica, pois somente ela divisa o errado no aparentemente certo, o injusto no aparentemente justo. O educando deve ser estimulado a perceber estas diferenças e a reagir a elas quando necessário. Se quisermos uma sociedade globalmente justa, inclusiva e preparada para os desafios que o futuro reserva, impera focar nas liberdades do indivíduo como pessoa pensante e sujeito ativo de seu devir. Afinal (HERMENEAU, 2005, p. 99): Politicamente falando, uma mera mudança das elites funcionais não dará ensejo para que se reflita com profundidade sobre educação e ensino. No entanto, se quisermos uma mudança fundamental da sociedade, a política de ensino e também temas de educação tornam- se pontos centrais de discussão, mesmo porque, na sociedade atual, parece haver consenso de que nas instituições e conceitos de educação e de ensino também se define o futuro da sociedade. 163 Ao integrar as novas perspectivas metodológicas e críticas em sua postura de professor de língua portuguesa, você será capaz de gerar condições de (BITTAR, 2008, p. 3): a) sucesso do processo pedagógico; b) permanente confirmação de seu estatuto de educador e formador, em contraste com as condi- ções que negam dignidade e profissionalismo à carreira; c) vocacio- nar-se pela humanidade, como condição de exercício de seu papel crítico; d) utilizar o potencial atrativo de recursos pedagógicos sufi- cientes para avançar sobre um estado de coisas em que a rejeição à escola se dá pela rejeição da própria forma com a qual a escola pratica a transmissão do conhecimento; e) informar-se permanen- temente e ser capaz de oferecer uma visão que articula o curricular ao extracurricular com o dinamismo de que o jovem necessita para enfrentar dilemas que são de seu tempo e de sua hora. Convidamos você, acadêmico, a rever o Tópico 2, Subtópico 3.1: A EDUCAÇÃO DO FUTURO, segundo o pesquisador Edgar Morin. A seguir, você verá um programa de educação globalizada através das TDICs e que corresponde às políticas de aprendizagem para a sociedade de amanhã. 3.2 POLÍTICAS DE IMPLEMENTAÇÃO: GOOGLE FOR EDUCATION No Brasil, a discussão sobre juventude, trabalho e educação integra as políticas públicas de educação (DALAROSA; SOUZA, 2014), pois, em plena Sociedade 4.0, o trabalho para o qual a escola preparava os jovens agora é ou será realizado pela mão de obra dita “morta”, a tecnologia com robôs e Inteligência Artificial (DALAROSA; SOUZA, 2014). Segundo Dalarosa e Souza (2014, p. 95-6): “o trabalho, contraditoriamente, gera riquezas e desenvolve as capacidades do homem, ao mesmo tempo em que instrumentaliza diminuindo as possibilidades de construção social, acabando por gerar certo [...] embrutecimento e exploração”. Desenvolver habilidades humanas tornou-se capital para lidar com a velocidade, as transformações irreversíveis ocasionadas pelo processo de globalização e a universalização dos saberes. Sensibilidade, intuição, capacidade para o diálogo tornam-se prioritários neste contexto para o qual a escola deve preparar o jovem, não mais para aprender conhecimento, mas para estar preparado para as mudanças e dotado, ética e intelectualmente, de autonomia. Três pontos merecem reflexão (HERMENAU, 2005): NOTA 164 • A educação não pode estar sujeita às leis do capital, mas emancipar-se. • A tecnologia não educa, mas constitui-se como meio para um aprendizado intersubjetivo, amplo e global, pelo acesso ilimitado a formas de pensamento além do grupo que o aluno pertence. • A sociedade deve escolher entre justiça, inclusão e liberdade ética em todos os níveis, seja do indivíduo, da comunidade local, regional ou global. Nessesentido, alguns organismos e instituições públicas e privadas apresentam programas de educação a nível global, visando minimizar as exclusões e integrar as novas formas de pensamento globalizado. Podemos citar: • Programa ProInfo: criado em 1997 pelo Ministério da Educação, visa proporcionar uma educação mediada pelas TICs e pelas TDICs (PAVANELLI-ZUBLER; JESUS, 2016). • Programa Escolas Interculturais de Fronteira: lançado pelo Ministério da Educação, visa promover a integração regional por meio da educação intercultural, considerando contextos multilíngues ou bilíngues existentes nas fronteiras, tendo como consequência a ampliação das oportunidades do aprendizado das línguas em uso e trocas culturais. Implantado nas regiões de fronteiras, ocorre desde 2015 em Foz do Iguaçu (AMATO, 2004). • Programa Um Computador por Aluno (ProUCA): visa incluir educadores e alunos na cultura digital, incentivando a autoria, a criação e a constituição de culturas colaborativas na escola (PAVANELLI-ZUBLER; JESUS, 2016). • Google for Education: plataforma criada para revolucionar a educação. Apresenta um conjunto de soluções específicas desenvolvidas pelo Google e disponibilizadas às instituições para que estudantes e professores possam usufruir de tecnologia de ponta e conectividade em seus processos de ensino e aprendizagem (REDAÇÃO, 1995). O caso de maior sucesso com a aplicação do método ocorreu em 2019 na cidade Barueri-SP. Confira os benefícios já constatados para professores e alunos e também conheça as diversas possibilidades no link: https://www.colaborativa.com. br/caso-de-sucesso-secretaria-de-educacao-de-barueri/. Acadêmico, chegamos ao final desse percurso. Leia a seguir o texto da leitura complementar para consolidar os conteúdos tratados. Em seguida, realize a autoatividade proposta. DICAS 165 SOBRE A NOÇÃO DE COMPETÊNCIA Jelson Roberto de Oliveira Competência é “uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” (PERRENOUD, 1999, p. 7). É também a reunião de “múltiplos recursos cognitivos: saberes, capacidades, microcompetências, informações, valores, atitudes, esquemas de percepção, de avaliação e de raciocínio” (PERRENOUD et al., 2002, p. 19). Essa noção combate a mera memorização de conteúdos e exige julgamento e capacidade de discernimento a respeito do que deve ser feito em determinada situação concreta, na qual a atitude reflexiva diante dos problemas reais é muito relevante. A estrutura de saberes anteriores é uma espécie de pano de fundo sobre o qual se desenvolve a capacidade de aplicação desses saberes e de sua renovação diante dos problemas. O conhecimento, nesse caso, deve estar sempre conectado com as práticas, em vista da utilização adequada dos instrumentos e dos recursos técnicos. Perrenoud acentua a importância dessa articulação e, com isso, compreende o papel da educação como a promotora da capacidade de mobilização dos saberes em vista desses conhecimentos, em papel ativo dos estudantes e não necessariamente perante a transferência de informações por parte dos docentes. Essa noção evoca valores e atitudes que ultrapassam o mero valor técnico, incluindo a capacidade de criar novas respostas e de transformar o conhecimento em contato com a realidade, e vice-versa. O acento óbvio no sujeito remete ao potencial intuitivo do aprendizado, capaz de analisar as situações concretas e de responder a elas da maneira mais adequada. Para Perrenoud (1999), a escola não pode simplesmente repassar conhecimentos, porque é preciso capacitar o estudante para que ele mobilize os saberes e enfrente a complexidade do mundo ao seu entorno. Competência, nesse caso, aparece como uma espécie de alternativa ao modelo educativo centrado meramente na transmissão de conteúdos, ainda que deva ser pensada não como uma contraposição a estes últimos, já que eles estão integrados a ela como um de seus aspectos. Essa descrição acentua a importância da relação entre conhecimento e situação, ou seja, da experiência concreta de aplicação e retroalimentação do conhecimento a partir das vivências próprias dos indivíduos. Isso é destacado também por Fourez ao debater a questão da transversalidade das competências, mas também dos saberes: para ele, é “em situações particulares que se desenvolvem as competências, métodos, modelos, noções ou conhecimentos” e só então elas podem ser transferidas para LEITURA COMPLEMENTAR 166 outras classes de situações (1999, p. 5). Estas, assim, mobilizam diferentes saberes e a necessidade de integrá-los de diferentes formas. E esse é o “valor de uso” que as competências acrescentam ao conhecimento. Nesse sentido, mais grave do que o déficit de conhecimento dos estudantes, é a sua incompetência em utilizá-los. Dessa forma, destaca-se o potencial criativo do conhecimento, mobilizado por metodologias educativas que se realizem como esforço de integração de saberes capaz de vencer os processos fragmentários das disciplinas em geral, bem como a redução da aula a um processo burocrático e bancário. Educar é gestar o conhecimento, portanto. Menos conteúdos e situações-problema mais intensas e significativas: eis a meta desse ideal que certamente encontra muitos desafios em uma realidade escolar na qual os professores estão despreparados (e talvez até desmotivados) para rever suas próprias metodologias. Algo que, aliás, exige dedicação e tempo de reflexão, elementos raros no mundo das “empresas de educação” ou mesmo da educação orientada pelos moldes empresariais, marcados pela precarização das condições de trabalho dos docentes. FONTE: Adaptado de OLIVEIRA, J. R. de. O novo status do saber na era tecnológica e os desafios para a educação segundo Hans Jonas. Educação: revista quadrimestral. Porto Alegre, v. 40, n. 1, p. 53-62, jan./abr. 2017. 167 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu: • A inclusão digital está relacionada à exclusão digital e, para tratar da primeira, é preciso combater as razões que se encontram na base da segunda. • A própria inclusão digital acaba por excluir socialmente, na medida em que o próprio governo migra para a Internet. • Numa sociedade heterogênea e com condições desiguais, como a brasileira, demanda-se a devida atenção aos fatores da exclusão social para então refletir sobre a inclusão digital na educação. 168 AUTOATIVIDADE 1 (ENADE, 2011) Exclusão digital é um conceito que diz respeito às extensas camadas sociais que ficaram à margem do fenômeno da sociedade da informação e da extensão das redes digitais. O problema da exclusão digital se apresenta como um dos maiores desafios dos dias de hoje, com implicações diretas e indiretas sobre os mais variados aspectos da sociedade contemporânea. Nessa nova sociedade, o conhecimento é essencial para aumentar a produtividade e a competição global. É fundamental para a invenção, para a inovação e para a geração de riqueza. As tecnologias de informação e comunicação (TICs) proveem uma fundação para a construção e aplicação do conhecimento nos setores públicos e privados. É nesse contexto que se aplica o termo exclusão digital, referente à falta de acesso às vantagens e aos benefícios trazidos por essas novas tecnologias, por motivos sociais, econômicos, políticos ou culturais. Considerando as ideias do texto, avalie as afirmações a seguir: I- Um mapeamento da exclusão digital no Brasil permite aos gestores de políticas pú- blicas escolherem o público alvo de possíveis ações de inclusão digital. II- O uso das TICs pode cumprir um papel social, ao prover informações àqueles que tiveram esse direito negado ou negligenciado e, portanto, permitir maiores graus de mobilidade social e econômica. III- O direito à informação diferencia-se dos direitos sociais, uma vez que esses estão focados nas relações entre os indivíduos e, aqueles, na relação entre o indivíduo e o conhecimento. IV- O maior problema de acesso digital no Brasil estána deficitária tecnologia existente em território nacional, muito aquém da disponível na maior parte dos países do primeiro mundo. É CORRETO apenas o que se afirma em: a) ( ) I e II. b) ( ) II e IV. c) ( ) III e IV. d) ( ) I, II e III. e) ( ) I, III e IV. FONTE: . Acesso em: 22 jan. 2020. 2 “Autonomia é, fundamentalmente, em seu traçado interior, liberdade. Significa a posse de um estado de independência com relação a tudo o que define a personalidade heteronomamente. Isto importa na capacidade de analisar e distinguir, para o que é necessária a crítica, pois somente ela divisa o errado no aparentemente certo, o injusto no aparentemente justo. O educando deve ser estimulado a perceber estas diferenças e a reagir a elas quando necessário” (BITTAR, 2008, p. 2). 169 A partir do exposto, assinale a alternativa INCORRETA quanto aos procedimentos metodológicos citados e sua relação com as TDICs e os fenômenos de inclusão e exclusão digital: a) ( ) Recorrer, nas aulas, ao uso de letras de músicas que os alunos, em grupos, procuram, escolhem e escutam e/ou assistem em vídeos para, posteriormente, analisar os conteúdos em forma de mesa redonda e/ou apresentação à classe. b) ( ) Apresentar em sala de aula exemplos de placas, anúncios, panfletos contendo erros crassos de língua e gramática e explicitar as regras, com pesquisa em dicionários, mesmo on-line, para criticar estes desvios da norma padrão. c) ( ) A partir de uma reportagem, filme ou documentário sobre a inclusão digital no Brasil, distribuir os alunos em grupos e lançar desafios de pesquisa, estudo de caso sobre a inclusão digital em outras partes do globo. d) ( ) Após uma atividade sobre o tema das TDICs e seus usos na sociedade, abrir uma discussão num fórum online e solicitar a intervenção dos alunos que, em sala ou fora dela, inserem sua participação. 170 171 APRENDIZAGEM E CIBERMÍDIA UNIDADE 3 — OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender o funcionamento das tecnologias digitais como mediadoras nos processos de leitura e escrita através da interação e de práticas colaborativas; • adquirir ferramentas e competências para a inclusão das mídias digitais nos processos educativos de ensino e aprendizagem nas aulas de língua portuguesa; • refletir sobre os processos de escrita digitais e sua aplicação nas aulas de língua portuguesa; • conhecer os principais gêneros digitais, bem como os gêneros digitais emergentes na internet e que são familiares às práticas do alunato jovem, depreendendo suas potencialidades para instauração de processos dinâmicos e colaborativos de ensino e aprendizagem da língua portuguesa na sociedade digital da atualidade globalizada; • adquirir competências sobre os processos de leitura e a leitura na sociedade digital marcada pela ubiquidade e os caminhos múltiplos de construção e compartilhamento de conhecimentos; • a partir de uma proposta prática, refletir sobre mecanismos de inserção de vídeos e atividades da plataforma YouTube nas aulas de língua portuguesa. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – A TECNOLOGIA COMO MEDIADORA DA LEITURA E REESCRITA TÓPICO 2 – OS GÊNEROS DIGITAIS NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA TÓPICO 3 − O CIBERESPAÇO COM MEDIADOR DE LEITURAS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 172 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 3! Acesse o QR Code abaixo: 173 TÓPICO 1 — A TECNOLOGIA COMO MEDIADORA DA LEITURA E REESCRITA UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Nas duas primeiras unidades você foi conduzido a refletir sobre os processos de leitura e escrita associados ao potencial gigantesco que as mídias, e, sobretudo, a cibermídia, oferecem para a sociedade em geral e para o contexto da educação em particular. Vimos, de modo geral, o impacto crescente do ciberespaço pelas transformações que se operaram ao longo do último século e a mudança de paradigma – social, educacional – nas últimas duas décadas. Agora, vamos nos concentrar mais especificamente sobre o ensino da língua portuguesa mediado pelas mídias digitais, ciberespaço e TDICs. Para tanto, em primeiro lugar, refletiremos sobre alguns procedimentos metodológicos relacionados à leitura e à reescrita em suporte digital. Em seguida, abordaremos alguns gêneros específicos ao ambiente da internet, explorando possibilidades de uso – e até ampliação – em sala de aula. Finalmente, relacionaremos alguns gêneros emergentes e os desafios que apresentam para a leitura e as aulas de língua portuguesa, notadamente, com uma reflexão sobre a plataforma YouTube e suas repercussões para o ensino da língua portuguesa. Bom trabalho! 2 A MÍDIA, A INTERNET E A RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO A educação, como vimos, acompanha as mudanças ocorridas nas diversas sociedades ao longo do tempo. Nunca, antes, porém, esteve diante de desafios como os que agora se impõem, tanto à educação, como ao professor e ao aluno. A desestruturação dos seus papéis frente ao aprendizado, ao conhecimento e a si mesmo põe-nos agora em xeque, numa perspectiva de futuro como agentes de formação e capacitação profissional e para a vida. O novo paradigma de ensino que conhecemos – abarcando os saberes e as habilidades e competências a serem desenvolvidas ao longo da vivência escolar – coexiste com um novo modelo de sociedade globalizada e interativa, conectada pela internet, o “cérebro digital global” (SANTAELLA, 2013, p. 21). Daí chegamos ao novo paradigma da educação de que falamos na Unidade 2 desta obra e para o qual você se prepara. Nele, não há, de um lado, professores e conhecimentos a transmitir e, de outro, alunos e conhecimentos a aprender, mas comportamentos e habilidades a 174 desenvolver (MORIN, 2000). Para o desenvolvimento dessas habilidades, as tecnologias – mídias e dispositivos digitais, tais como computadores, tablets e celulares – são um meio determinante a ser privilegiado. Segundo Papert (1994), o uso de tecnologias de informação abre uma gama de oportunidades na educação, melhorando os ambientes de aprendizagem, relação com alunos e pares, enfim, o “conjunto inteiro de condições que contribuem para moldar a aprendizagem” (PAPERT, 1994, p. 6). Retomando os textos oficiais sobre a educação na área das linguagens e do ensino e aprendizagem da língua portuguesa (BRASIL, 2018), responderemos a duas perguntas: • De que maneira você poderá aliar essas prescrições para as aulas de língua portuguesa a sua prática diária? • Como fazer das aulas de língua portuguesa não mais um tempo de enfado e dificuldade, mas a ocasião para alunos e professores expressarem-se e construírem juntos uma trajetória de aprendizagem e realização pessoal? Começaremos lembrando que o aluno da era globalizada em que vivemos mudou. Assim, tanto em sala de aula quanto no dia a dia, não se encontram mais, de um lado produtores – de um texto, de conteúdos, produtos, serviços, ideologias – e de outro, leitores, receptores dos conteúdos produzidos pelos primeiros. A internet e suas múltiplas possibilidades permitiu a emergência de um novo aluno e de um novo leitor: os “prossumidores” (SANTAELLA, 2013, p. 19). Retenha a noção de Prossumidor: “produtor e consumidor de textos multimídia” (SANTAELLA, 2013, p. 19). Que tal ler o artigo completo? SANTAELLA, L. Desafios da ubiquidade para a educação. Novas Mídias e o Ensino Superior, São Paulo, p. 19-29, abr. 2013. Acesse no link: https://www. revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/edicoes/edicoes/ed09_abril2013/ NMES_1.pdf. Diferentemente do que ocorria nas mídias tradicionais lineares – em que uma fonte emitia para vários alvos – e no que concerne leitura e escrita – em que um autor escreve paraleitores plurais –, a internet ocasiona uma nova forma de relacionar-se com os conteúdos, assim como de se posicionar em relação a eles. DICAS 175 Convém, aqui, lembrar Rocha e Alves (2010, p. 222): “somos protagonistas de nossas histórias” nesse universo onde o velho e o novo colidem, onde “o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis”. FONTE: ROCHA, E.; ALVES, L. M. Publicidade on-line: o poder das redes sociais. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 20, n. ¾, p. 221-230, mar./abr. 2010. Acadêmico, adquira o hábito de ler e assistir aos vídeos produzidos pelo Prof. José Moran. Em sua página, são apresentados recursos e dadas indicações importantíssimas para a dinamização das aulas e o aumento da produtividade por parte de seus alunos. Confira em: http://www2.eca.usp. br/moran/. Se de um lado as mídias proporcionavam produção e consumo ao mesmo tempo em que permitiram a emergência do protagonismo dos consumidores, a internet dará lugar à dupla noção de produção e consumo. São os “prossumidores” (SANTAELLA, 2013, p. 19) que interagem com os conteúdos, coproduzindo-os ao mesmo tempo em que os consomem. Daí podemos inferir que, nas suas aulas de língua portuguesa, o mesmo material que se pressupõe trabalhar, quer seja o material linguístico-discursivo, quer sejam usos e formas de ação-interação, será ao mesmo tempo coproduzido no próprio instante de sua utilização. Assim, a gramática da língua, a literatura, gêneros e usos sociais já não constituem um universo para o qual se vai olhar de fora como se tratasse de um repertório de saberes a adquirir, mas que será apreendido em pleno funcionamento, através da coconstrução pela integração dos saberes e das habilidades do aluno prossumidor. Vamos a um exemplo de atividade. Os jovens de hoje vivem imersos nas redes sociais, nas quais compartilham informações, comunicam, alimentam em contínuo o mundo de um conteúdo em que se inserem como verdadeiros personagens. Por que, então, não aproveitar esse interesse, esse foco afetivo, para explorar conteúdos da língua portuguesa? Peguemos o hábito que praticamente todos nós temos, atualmente, de publicar selfies na rede. NOTA DICAS 176 Reveja o que falamos a respeito na Unidade 1, Tópico 2, sobre a subjetivação e o ato de contar-se através das selfies: através das imagens inseridas nas redes sociais, o sujeito conta histórias de si, das maneiras como se vê, se insere no mundo, a narrativa – storytelling – que se constrói, consciente ou inconscientemente. A sobre-exposição de si mesmos é produto da “rapidez e da frivolidade das relações” (LICHT, 2015, p. 20) e não visa a seu próprio consumo unicamente, mas à contemplação compartilhada na internet. O ato de fazer e compartilhar selfies é marcado pela “repetição” e pela busca de “prazer” e/ou satisfação (LICHT, 2015, p. 22). Já que os “outros” reconhecem o autor da selfie pelas imagens projetadas na rede, a construção das imagens passa a sofrer uma busca constante de um perfil ideal a ser exposto, a ponto de se tornar um verdadeiro fenômeno social, amplamente enraizado no meio jovem que busca através de “avatares” ideais o refúgio para uma realidade enfadonha, sofrida, enfim, não correspondendo aos anseios (LICHT, 2015, p. 22). A partir do exposto, percebe-se o profundo interesse dos alunos digitais pela prática. Assim, você pode partir dessa prática corrente e amplamente inserida no cotidiano do aluno para despertar o seu interesse a aspectos gramaticais, por exemplo, os tipos de textos, através de: • Descrições de selfies pesquisadas, das próprias, uns dos outros etc., observando a forma como a descrição surge para o outro, a forma como os retratos apresentam e representam o indivíduo; organizando tutoriais de selfies a serem realizadas pelos próprios alunos segundo determinadas temáticas da atualidade e dos contextos em que se encontram inseridos, segundo determinadas características etc.; organizando discussões de selfies de famosos nas mais variadas situações e contextos. • Narrações, num plano diacrônico, através da análise de selfies no plano temporal, sua relação com as realidades envolvidas, propósitos buscados, evolução dos contextos, construção de personagens idealizadas e até mesmo a constituição de um enredo que pode, numa etapa posterior, dar origem a atividades de escrita – a construção de uma intriga sobre os resultados desta etapa e a redação coletiva, por exemplo, de um conto, um romance etc. • Argumentações e redação de textos dissertativos expositivo-argumentativos baseados nas leituras e análises das selfies nas duas etapas anteriores. A partir desta prática amplamente ancorada no universo afetivo e cognitivo do aluno, é possível explorar as habilidades de reflexão, análise comparativa, reflexão crítica sobre práticas sociais, aspectos relacionados ao emprego das linguagens e multissemioses – imagem e linguagem verbal presentes na selfie –, orientação argumentativa – afirmação ou não de determinados conceitos ligados à estética, aos padrões culturais predominantes etc. NOTA 177 Por nos tornarmos responsáveis pelas informações veiculadas no ciberespaço (LEVY, 2000) também nos tornamos sujeitos de novos processos de comunicação (LICHT, 2015), o que, por si só, também pode constituir tema para exploração nas aulas de língua portuguesa concomitantemente ao estudo ancorado no gênero selfie. Aliás, Licht (2015, p. 23) nos lembra que “as redes sociais podem apagar as fronteiras entre o público e o privado”, o que também engloba o escopo das habilidades a serem desenvolvidas nas linguagens, segundo o que estabelece a BNCC (BRASIL, 2019). Evidentemente, como professor, seu papel constitui-se em ser o mediador para que as atividades relacionadas às selfies não se transformem em uma brincadeira sem propósitos outros que a superexposição de si mesmo e a construção idealizada de um personagem. Para isso, é necessário estabelecer, antes da atividade, quais etapas e entregas são esperadas, bem como objetivos a serem alcançados com os resultados finais. Afinal, como nos lembra Licht (2015, p. 25): “tudo se torna um post em potencial. Da xícara do café da manhã à corrida no final da tarde. Da cama em virtude de uma gripe à balada do final de semana”. Então, esta “narrativa sem fim” (LICHT, 2015, p. 25), que são as exposições através das selfies, torna-se possível uma infinidade de abordagens de todo tipo de material que instigue a manipulação da língua portuguesa e a reflexão sobre seus variados usos e empregos nos mais diversos contextos. Em conclusão a esse subtópico, podemos lembrar que se nas mídias clássicas – tais como a televisão, os jornais impressos, as revistas – e os variados gêneros – tais como a publicidade, as charges – serviam de suporte para a exploração de conteúdos em sala de aula, na era da internet e das metodologias ativas, o material a ser explorado pelos alunos deve corresponder a seus pontos de interesse a fim de atraí-lo e de mobilizá- lo ao trabalho, seja na forma de projetos – por que não selfies coletivas dos grupos? –, desafios e resolução de problemas, sempre relacionados aos gêneros que mais atraem e que correspondem aos fazeres e práticas desses alunos na sua inserção social. Terminamos esse subtópico com as respostas às perguntas colocadas no início: como aliar as prescrições da BNCC (BRASIL, 2019) da área das linguagens para as aulas de língua portuguesa em sua prática diária e de que maneira a tornar atrativas as aulas de língua portuguesa: oportunizando ocasiões para que alunos e professores possam expressar-se e construir juntos uma trajetória de aprendizagem e realização pessoal. O exemplo da selfie poderia ser retomado com outros gêneros discursivos do universo virtual proporcionado pelo ciberespaço. No entanto, destes, falaremos na seção dedicada a este subconjunto. NOTA 178 Esperamos que você, professor ou futuro professor de língua portuguesa,sem o qual não há decodificação dos signos. Engloba pronúncia, vocabulário e regras gramaticais levando à compreensão global de um texto a partir da bagagem adquirida pelo leitor desde a infância. • Conhecimento de mundo: acúmulo de experiências sociais adquiridas de ma- neira informal. • Conhecimento textual: adquirido pelo contato com os gêneros e as estruturas textuais. A compreensão efetiva dos conteúdos expressos no texto ocorre dentro de um processo em que são necessários (KLEIMAN, 2008): • O estabelecimento de objetivos específicos de leitura para orientar e facilitar a compreensão. • A formulação de hipóteses como estratégia metacognitiva baseada no conhecimento prévio, de mundo e textual, para a compreensão. • A confrontação das hipóteses para validá-las ou não, segundo os conhecimen- tos citados. Logo, é preciso saber para que ler, o que buscar na leitura. A partir de pistas fornecidas, formular hipóteses de compreensão que serão verificadas a fim de confirmar ou reorientar o processo. Dessa forma, o leitor exerce controle consciente sobre o processo da leitura. As verificações e reelaborações das hipóteses fazem o leitor chegar 7 aos sentidos do texto. Este, nessa ótica, não é um objeto pronto e acabado, mas um processo que se completa na interação entre o leitor e o material textual. Nesta abordagem interacionista, o leitor extrai do material textual significados que façam sentido. Ao buscar em sua própria memória os conhecimentos prévios sobre tudo que se refere ao assunto abordado, estabelecer diálogos entre seus conhecimentos prévios e o texto, o leitor-coautor, que chegará à compreensão. Trata-se de um processo ativo, segundo Cordeiro (2005, p. 6), “porque inclui predição, elaboração das hipóteses e previsões a respeito do texto; o leitor [ao ler] observa os recursos visuais, gráficos e sonoros [...], e levanta uma série de hipóteses”. Dessa concepção resulta maior liberdade do leitor diante dos conteúdos proces- sados na leitura, tendo em vista a natureza individual dos conhecimentos (prévios e de mundo), bem como os esquemas mentais de cada indivíduo. Leffa (1996) salienta que a leitura é uma extração de significados dos textos ao mesmo tempo que significados são atribuídos aos textos, numa relação interativa – e integrativa − entre autor e leitor através do texto. Essa noção é fundamental no contexto das tecnologias digitais e da Internet, pois, do ponto de vista dos mecanismos cognitivos envolvidos, a leitura é um processo dinâmico, assim como são os discursos e/ou textos do universo virtual. Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs): integram o conjunto das mídias clássicas, as Tecnologias da Informação e da Comunicação, como televisão, rádio, jornais, e a tecnologia digital, através do computador e da internet. Com a popularização da internet, as TDICs passaram a ocupar o centro da vida cotidiana, em aspectos relacionais e comunicacionais: pessoa- pessoa, pessoa-máquina, máquina-pessoa e máquina-máquina. Aprofunde seus conhecimentos sobre as TDICs lendo a seguinte obra: KENSKI, V. M. Educação e tecnologia: o novo ritmo da informação. São Paulo: Papirus, 2012. No subtópico a seguir, abordaremos as habilidades de leitura como atividade social na atualidade digital, em que a educação e o seu papel de professor de língua portuguesa se encontram inseridos. IMPORTANTE 8 Que tal aprofundar estes conhecimentos sobre o assunto “leitura”? Na obra de Fischer (2006) você obterá uma visão histórica e descritiva do ato de ler, praticantes e diferentes ambientes sociais em que se encontram, além de curiosidades sobre leituras em suportes originais – pedras, ossos, cascas de árvores – muros e monumentos, tabuletas e rolos de papiros, códices, livros e panfletos, até chegar ao suporte eletrônico e à leitura na tela. Leia esta obra: FISCHER, S. R. História da leitura. São Paulo: UNESP, 2006. 3 LETRAMENTO PARA PÚBLICOS MULTILETRADOS Vimos que ler é apropriar-se de ferramentas e competências que permitem interagir com os textos. Neste subtópico, refletiremos sobre o letramento a partir dos canais pelos quais os textos chegam a nós, sobretudo no contexto globalizado e em rede na qual espaço e tempo – e podemos dizer papel e letras – se liquefazem no que foi denominado “ciberespaço” (LEVY, 1999). O termo “liquefazem” vai ao encontro do conceito de modernidade líquida de Zigmund Bauman. Trata-se de um conceito que pode ampliar sua visão do mundo atual. Conheça mais através da obra: BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1999. O termo ciberespaço corresponde a um “dispositivo de comunicação intera- tivo e comunitário [...]” (LEVY, 1999, p. 26). Essa noção será aprofundada no Tópico 2, Subtópico 3: Gêneros textuais no contexto digital. Vamos, então, abordar o acesso à leitura na sociedade contemporânea, marcada pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TDICs). NOTA DICAS 9 3.1 LEITURA NA CONTEMPORANEIDADE Vários autores têm-se dedicado à elucidação dos aspectos da leitura e à evolução das tecnologias que lhe dão suporte. Fischer (2006) aponta a evolução da leitura ao longo do tempo, até chegar à atualidade: da percepção visual e decodificação de imagens codificadas, no início, ler passou a significar a compreensão de sinais escritos, formando textos em superfícies gravadas – depois impressas – e, finalmente, a extração de informações codificadas de uma tela luminosa em aparelho – o computador –, incluindo tablets e smartphones, que funcionam a partir dos primeiros. Para Santaella (2012, p. 11): “o ato de ler passou a não se limitar apenas à deci- fração de letras, mas veio também incorporando [...] as relações entre palavra e imagem, entre o texto, a foto e a legenda, [...] entre o texto e a diagramação”. Nesse sentido, no contexto digital, há processos simultâneos decorrentes das multimodalidades caracte- rísticas desses textos. Multimodalidade: formas e modos de representação distintos usados na construção linguística de uma mensagem: texto, imagem, som, cor, disposição dos elementos, sua articulação e, na fala, padrões de entonação, articulação, gestos (DIONÍSIO, 2005). Acesse o vídeo da música: A canção lógica − The local song, Supertramp − e vivencie a multimodalidade: https://www.youtube.com/ watch?v=efdMiIc0N60. Nossa maneira de ler mudou: não lemos mais apenas em suporte físico − livros, revistas de papel −, lemos em telas. O público também mudou: comunica-se por dispositivos tecnológicos capazes de alterar a maneira de perceber, codificar e decodificar os signos, estabelecendo relações antes pouco plausíveis. A tela proporciona múltiplas possibilidades, da coexistência de linguagens – verbal, não verbal – a inter-relações multimodais – som, imagem, códigos múltiplos −, e discursivas – várias pessoas leem o mesmo material e interagem −, ou ainda finalidades e modos de ação dos usuários da internet. Para Martins (2002, p. 104): [...] as mudanças impostas pela informatização impõem a necessida- de de quebra de paradigmas e de revisão de padrões e posturas, que acabam resultando num novo aprendizado, pelo qual o ser humano é levado a realizar de uma maneira nova as velhas funções já impostas pelo tempo. DICAS 10 Assim, falar de leitura na sociedade digital como ato social impõe o abandono de conceitos antes vigentes como linearidade e não linearidade, linguagem oral e escrita, estrutura textual com início, meio e fim; e a integração de conceitos, como ciberespaço, hipertexto, hipermídia, rede. Acesse o portal do professor na plataforma de Recursos Educacionais Abertos do Ministério da Educação e Cultura para elucidação desses e outros conceitos: http://eproinfo.mec.gov.br/webfolio/Mod83378/cont1/ hq2_intro.html. Nas tecnologias, o leitor “afasta-se do objeto pela conformação da materialidade, aproxima-se de um universo navegável em ‘entretextos’ e imagens disponíveis a sua escolha, que lhe permitem novas reconfigurações,saiba tornar dinâmicas as suas aulas, evitando, dessa maneira, a imagem desfavorável que, ao longo dos anos, acoplou-se ao estudo do nosso idioma nacional como algo maçante e desmotivador. No subtópico a seguir, refletiremos sobre formas de produção escrita em meio digital. Evidentemente, ao abordarmos a atividade com o suporte das selfies já tratamos, ligeiramente, desse assunto. O que faremos, porém, é apresentar recursos e formas de construção colaborativa de conteúdos em que a escrita é fomentada e visada como objetivo final. Vamos lá? 3 PRODUÇÃO ESCRITA EM MEIO DIGITAL: FOCO NO PROCESSO A leitura e a escrita passam por um processo de “mutação” (POULAIN, 2012 apud NEITZEL; MORAES; PAREJA, 2016, p. 720) na era atual em que predominam suportes digitais. A leitura e a produção textual em meio digital pressupõem a não linearidade e a coexistências das múltiplas semioses mediante integração de linguagem verbal e não verbal, intertexto, recursos múltiplos de design e ferramentas simultâneas de codificação, decodificação e cooperação. Ler e escrever em meio digital são, antes de mais nada, um convite à ação: a leitura pede ações como seleções de prioridades, percursos de navegação, além da possibilidade interativa de coprodução. Neste subtópico, vamos, num primeiro momento, abordar alguns recursos e aplicativos disponíveis para a dinamização dos processos educativos em suas aulas e, numa etapa seguinte, abordar a estratégia do storytelling ou a arte de contar histórias em meio digital. 3.1 RECURSOS E APLICATIVOS PARA USO NA REALIZAÇÃO DE TAREFAS EDUCATIVAS NO COTIDIANO Existem várias ferramentas de texto, edição, publicação e interação disponíveis na internet. Abordaremos algumas delas. Neitzel, Moraes e Pareja (2016, p. 729) apresentam a plataforma Google Docs como recurso ideal de escrita colaborativa em meio escolar. Vamos a algumas delas: • Google Docs: trata-se de um conjunto de aplicativos de escritório para uso on-line. Gratuito e disponível para acesso, não demanda nenhuma instalação nem custos, apenas uma conexão à internet e uma conta no Google. O uso pode ser individual ou colaborativo, é possível estabelecer critérios de compartilhamento para leitura apenas, edição e compartilhamentos. A partir da definição da tarefa com os alunos, você poderá convidá-los a acessarem a plataforma e dar início a um trabalho de redação coletiva em tempo real. Evidentemente, antes será necessário alocar tarefas específicas a cada equipe e/ou usuário, prever entregas, determinar os tempos etc. Trabalhar no Google Docs em conjunto permite aos alunos observarem a construção colaborativa passo a passo, interagir através de comentários, inserir links para outros documentos, imagens etc. 179 • EdModo: parecido com a rede social Facebook, consiste em uma plataforma para ensino e aprendizagem colaborativa que oferece segurança e rapidez nos processos tanto para professores quanto alunos. Permite integrar e gerenciar diretamente conteúdos e tarefas e tornando mais eficaz a aprendizagem. Após criação de conta e/ ou carregar o aplicativo, é possível interagir com o grupo e os professores, promover e continuar os processos iniciados em sala de aula fora dela, publicar e receber tarefas e conteúdos, avaliar a progressão, tanto individualmente quanto de forma coletiva, compartilhar processos e dados – imagem-vídeo-som, textos etc. O Edmodo é uma forma de ampliar e estender os processos de ensino e aprendizagem para além das fronteiras dos ambientes físicos, tais como a sala de aula, a escola, a biblioteca etc. Disponível no endereço: www.edmodo.com (GOOGLE, 2020a). • Google Classroom: consiste em uma plataforma de gerenciamento de trabalho em equipes disponibilizada para uso gratuitamente por parte de professores e instituições de ensino, além de alunos e o público em geral. Para você, como futuro professor, permite o gerenciamento de suas turmas e as tarefas alocadas a cada uma delas, num planejamento detalhado e prático, otimizando tarefas, permitindo mais tempo para o acompanhamento dos processos de seus alunos, mesmo fora da sala de aula. Disponível em: https://edu.google.com/intl/pt-BR/products/classroom/?modal_ active=none (GOOGLE, 2020b). Essas plataformas também podem ser utilizadas no smartphone. A tendência a incorporar o uso do smartphone nos procedimentos metodológicos das aulas vem crescendo nos últimos anos e, conforme Gardner e Davis (2013, p. 20) constituem “atalhos” para realização de diferentes atividades. Afinal, o aluno já está acostumado a navegar e a servir-se dos aplicativos para finalidades diversas de sua vida, desde locomover-se a buscar lazer, informar-se, enfim, tudo passa pelo aplicativo. Logo, estender o emprego às salas de aula constitui apenas um prolongamento dessa incorporação das tecnologias disponíveis e já correntes no dia a dia. Aplicativo, representado pela abreviação “app”, do inglês application é um programa de computador desenhado para desempenhar tarefas específicas. Instalados em celulares e/ou tablets permitem usos variados, do lazer ao trabalho, busca de informações e conhecimentos, entre outras funções (DICIONÁRIO INFORMAL, 2020). NOTA 180 Existe uma gama de aplicativos disponíveis para trabalho com seus alunos em sala de aula. Relacionamos, aqui, alguns aplicativos de uso gratuito com os quais você poderá trabalhar em sala de aula com os seus alunos (TORRES, 2020): • Kahoot: com ele é possível criar quizzes e levar os seus alunos a trabalharem conteúdos numa perspectiva de gaming em sala de aula. Num primeiro momento você cria a atividade e, em seguida, libera para que a sala a realize. • Letterschool: ideal para trabalhar no Ensino Fundamental I, pois permite a familiari- zação com letras e números de uma forma lúdica e integrando a tecnologia. • Peak: com este aplicativo podem ser desenvolvidas tarefas diárias para treinamento cerebral, desenvolvimento de habilidades cognitivas que, em seguida, se traduzem em um melhor rendimento nos conteúdos abordados por outros meios. Similar a ele, existe o Elevate que, através do treinamento cerebral, estimula o desenvolvimento e as capacidades individuais dos alunos, o que melhora o seu rendimento nos conteúdos abordados. • EdModo: este aplicativo facilita a comunicação com os seus alunos, permitindo envio de mensagens, lembretes, tabelas com tarefas e atividades previstas, facilitando o potencializando os contatos e os fluxos de comunicação nos ambientes escolares. • TED: para levar os alunos a assistirem palestras de conteúdos dos mais variados e, em seguida, trabalhar os conteúdos com os alunos. As palestras abrangem uma gama variada de temas e, quando em inglês, algumas possuem legendas em português (EVOLUA, 2018). Dentre os aplicativos específicos para criação e compartilhamento de textos, podcasts, vídeos, fotos, entre outros gêneros, encontram-se: • Comic Life: com o qual é possível criar e compartilhar histórias em quadrinhos (comics em inglês). Uma vez instalado no smartphone, não demanda conexão com a Internet o que, em muitos casos, pode ser uma vantagem já que a rede Wi-Fi nem sempre está disponível (TECTUDO, 2010). • Anchor: permite a criação e publicação de podcasts com múltiplas possibilidades e recursos de criação, gravação, edição de vídeo, efeitos sonoros e artísticos. É o recurso ideal para a produção do gênero e a mobilização de capacidades e habilidades diversas, durante e após as aulas (ANCHOR, 2019). • Canva: aplicativo para design, permite explorar as habilidades artísticas e a criatividade dos alunos na criação de diversos gêneros textuais como publicidades, cartazes, catálogos, banners etc. A partir da tarefa apresentada aos alunos, o aplicativo permite a criação dos trabalhos individualmente ou em grupo e o seu compartilhamento posterior (CANVA, 2020). 181 Essas são apenas algumas possibilidades de recursos disponíveis para uso gratuito no smartphone e você, certamente, conhece outrosnovas representações para o ato de ler” (PIMENTA; MOMESSO; ASSOLINI, 2016, p. 387). Isso amplia o conceito de leitura: a interatividade chama o leitor à participação ativa, à transcendência dos conteúdos, à navegação virtual sempre em busca de mais e sendo levado a descobertas de sentidos que podem não ter sido previstos, como o fato do leitor tornar-se também coautor. Desenvolveremos esse aspecto no Tópico 3, Subtópico 3. Agora que você já sabe que a leitura em suporte digital implica múltiplas habilidades e competências, veremos como se desenvolvem essas habilidades. 3.2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Durante muito tempo, o termo “alfabetizado” designava alguém capaz de ler, ou seja, de decodificar os códigos linguísticos permitindo a compreensão de textos escritos e a dimensão social da linguagem. A sociedade, porém, desenvolveu mecanismos que lhe permitiram acessar ao conhecimento que faz a leitura possível. Ela alfabetizou-se e, na medida em que se tornou majoritariamente capaz de decodificar os signos, as mudanças foram se tornando mais velozes, e a relação com o material escrito, diversificada. As tecnologias da informação e da comunicação contribuíram a transformar nossa relação com a escrita e a leitura, bem como os usos dos textos. Para Snyder (2010), as noções relacionadas ao acesso à informação e à comunicação não são estáticas e sofrem remodelamentos a cada avanço das tecnologias. Daí resultam distinções nos conceitos: alfabetização diferencia-se do conceito de letramento. DICAS 11 As abordagens de letramento são numerosas e abrangem diversas áreas. Para a sua formação no ensino da língua portuguesa adotamos, aqui, os conceitos voltados à educação, de Magda Soares (2002, 2007, 2009, 2011). Soares (2007) distingue alfabetização de letramento: • Alfabetização: processo de aprendizado do sistema de representação dos sons da fala, ou, como, a partir de sons da linguagem falada reconhecemos palavras, decodificamos significados para o agrupamento dos sons. Alfabetizar corresponde a decodificar significados atribuídos aos conjuntos de sons ordenados segundo determinados arranjos. É a aquisição de uma tecnologia, os sistemas alfabético e ortográfico, envolvendo aspectos cognitivos e linguísticos, no que se refere à codificação e à decodificação dos signos – atribuição dos significados – à maneira de produção, formar as letras, por exemplo. • Letramento: processo de aprendizado das funções sociais da língua escrita (SO- ARES, 2007) ou da linguagem verbal em sua forma escrita. São as unidades de- codificadas em seus variados usos na sociedade, ou seja, o desenvolvimento de habilidades de uso da tecnologia escrita. Integram ao letramento habilidades en- volvendo noções linguísticas, como saber construir um texto, ler e compreender a leitura, adaptar corretamente leituras e escritos ao contexto, segundo as situações e finalidades propostas. A partir desses dois conceitos – alfabetizar e letrar – e integrando os aspectos sociais da língua, com a qual os sujeitos estão intimamente ligados na vida em sociedade, a autora propõe a noção de “alfaletrar”: • Alfaletramento: conceito proposto com base nos estudos em Psicogênese, nos anos 1990. Para Soares (2007), é a aprendizagem da escrita e da leitura como codificação e decodificação dos signos juntamente ao aprendizado das funções e usos. Consiste em aprender a ler e a escrever lendo e escrevendo. Durante o processo de aprendizagem da leitura e da escrita (alfabetização) também ocorre o aprendizado dos usos em sociedade dessas tecnologias (letramento). Visite o endereço do projeto Alfaletrar para conhecer as propostas das equipes de Magda Soares e inspire-se com soluções para aplicação em sua atividade docente na área de língua portuguesa: http://alfaletrar.org.br/. DICAS 12 Agora que você já se familiarizou com os conceitos de alfabetização e letramento, assim como o de “alfaletramento”, abordaremos estas noções nas mídias digitais e no contexto virtual. A noção de alfaletramento aplica-se ao nosso estudo: os processos de leitura e escrita em suporte digital e o ensino da língua portuguesa mediada pelas TDICs, pois as mudanças velozes que ocorrem nesse âmbito implicam um aprendizado constante de novas formas de leitura e escrita. Veja, a seguir, as implicações sobre o letramento, com o letramento digital e os multiletramentos. 3.3 LETRAMENTO DIGITAL E MULTILETRAMENTOS Se você acessou o portal do MEC indicado no Subtópico 3.1 e consultou as possibilidades de utilização das tecnologias em sala de aula, percebeu que já não é possível dissociar a sociedade dos recursos proporcionados e disponibilizados pela Internet, bem como a comunicação mediada pelas tecnologias. O acesso e uso dos tipos e meios de comunicação digital impõem um novo aprendizado de linguagens e usos, já que o contexto tecnológico gerou novas formas de comunicação e linguagem, e ampliou as possibilidades de comunicação, ao mesmo tempo em que eliminou as noções de tempo e espaço das comunicações (LEVY, 1999). Por isso, falamos em letramento digital e multiletramentos quando se consideram o acesso às tecnologias e o seu uso efetivo na vida e, como docentes em língua portuguesa, em sala de aula. Kleiman (2014) atenta-se para a necessidade de aprendizagem − além do aprendizado do uso das tecnologias, seu funcionamento e possibilidades − também dos gêneros e formas discursivas que circulam nas TDICs. Vejamos, então, em que consistem o letramento digital e os multiletramentos: • Letramento Digital: para Soares (2002, p. 151), “um certo estado ou condição que adquirem [aqueles] que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel”. O letramento digital é uma necessidade, pois não são as tecnologias que se adaptam às necessidades e fazeres das sociedades, mas estas que precisam se adaptar para existir nos novos modelos de comunicação e mediação através do universo digital. Almeida (2005, p. 174) indica o “uso da tecnologia de informação e comunicação para propiciar ao cidadão a produção crítica de conhecimento, com competência para o exercício da cidadania e para inserir-se criticamente no mundo digital como leitor ativo, produtor e emissor de informações”. Dessa forma, o letramento digital favorece a inclusão crítico-social e o desenvolvimento de uma fluência tecnológica que permite conectar a educação às demandas do mundo do trabalho. 13 • Multiletramentos: a noção de multiletramentos surgiu com pesquisas realizadas pelo Grupo de Nova Londres (GNL), em 1996 (BEZ et al., 2018), e implica as diversidades sociais da contemporaneidade. Enquanto o letramento digital diz respeito à multiplicidade e variedade de práticas, os multiletramentos abarcam as novas práticas sociais e suas múltiplas linguagens, as mídias da atualidade globalizada e o conhecimento em rede. Nessa atualidade globalizada, não basta mais saber ler e escrever, com o domínio das linguagens verbal e não verbal; impõe-se a aquisição de novas habilidades e competências no âmbito social, político, cultural, global. Abre-se, desse modo, espaço a uma mestiçagem cultural na produção de leituras, escritas e funcionalidades que ultrapassam a esfera educacional. A sociedade multicultural demanda o desenvolvimento de habilidades múltiplas e essa necessidade é que deu origem ao termo “multiletramentos” (BUZATO, 2007). Para o GNL, os multiletramentos se tornaram necessários porque o uso das mídias digitais pedia uma forma mais ampla de letramento que englobasse “todas as formas de representar significados dos diferentes sistemas semióticos – linguístico, visual, sonoro ou auditivo, espacial ou gestual – inter-relacionados no texto multimodal contemporâneo” (KLEIMAN, 2014, p. 81). Logo, não se trata do letramento de acesso à leitura e à escrita, nem do letramento digital de acessoàs ferramentas das TDICs. Trata-se de múltiplos letramentos em códigos, sistemas e representações de significados nas diversas culturas aproximadas pelas TDICs. Além disso, por se tratar das TDICs, vale lembrar que os gêneros e domínios discursivos dos meios digitais alteraram-se com relação às estruturas e aos mecanismos das tecnologias e mídias clássicas. No entanto, as necessidades de habilidades em letramento visual e letramento crítico persistem para que informação e comunicação produzam sentidos plenos. • Letramento visual: entendimento das informações visuais como elemento significativo na comunicação. A imagem significa do mesmo modo que a linguagem verbal, oral ou escrita. Para Kress (1998), imagem e texto coexistem e sua integração depende de um processo de elementos sociais, culturais, políticos, bem como de desenvolvimentos de representação, comunicação e tecnológicos. Letramento visual é a habilidade de compreender o funcionamento das imagens tanto quanto o funcionamento dos textos escritos e/ou orais, na produção de sentido. Na educação pelas TDICs, letramento visual é “a área de estudo que lida com o que pode ser visto e como se pode interpretar o que é visto” (OLIVEIRA, 2006, p. 18). IMPORTANTE 14 • Letramento crítico: as imagens divulgadas pelas mídias digitais estão imbuídas de ideologias diversas (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006). O letramento crítico integra as relações de poder existentes nas mais variadas produções textuais. Assim, um leitor criticamente letrado será capaz de perceber intenções, modalidades discursivas – o que o autor afirma? Como se posiciona com relação ao que afirma? Qual o seu distanciamento do que afirma −, integrando implícitos, pressupostos, subentendidos veiculados pelas TDICs. Almeida (2011) propõe uma pedagogia de letramento crítico visual de modo a conscientizar o aluno sobre valores e crenças presentes nos textos multimodais – tais como os textos da esfera digital. Logo, o letramento crítico impõe- se numa educação mediada pelas TDICs. Nesse aspecto, ao abordarem as práticas de formação docente, Kersch e Marques (2018) argumentam por um letramento midiático crítico baseado em seis dimensões: • Multiletramentos e novas tecnologias. • Equidade e acesso à tecnologia. • Análise de múltiplos pontos de vista na perspectiva de grupos não dominantes. • Ensino centrado no aluno. • Testemunho e restauração (contar a própria história é parte da pedagogia). • Promoção/divulgação do produto e transformação social. Ainda com relação ao aprendizado da cultura digital, Buzato (2007, p. 168) pro- põe uma definição global para os multiletramentos como: “redes complexas de letra- mentos (práticas sociais) que se apoiam, se entrelaçam, se contestam e se modificam mútua e continuamente por meio, em virtude e/ou por influências das TIC”. A partir dessa abordagem, no próximo subtópico, trataremos as linguagens características do texto impresso e do texto digital. Antes, porém, assista ao vídeo a seguir que, de maneira didática e clara, apresenta noções semióticas relacionadas à leitura, importantes para o seu trabalho mediado pelas TDICs. Vídeo de Simone Bueno Borges, Leitura e Multimodalidade: https://www.youtube.com/watch?v=06bOrtJXI6M. DICAS No vídeo, você pôde ver conceitos chave para a nossa reflexão que são as modalidades e multimodalidades nas paisagens semióticas. Como você já sabe, as modalidades referem-se ao conjunto dos recursos criados social e culturalmente para produzir significados: fala, gestos, sons, escrita, gráficos, imagem. Logo, as 15 4 TEXTO IMPRESSO E TEXTO DIGITAL: DESAFIOS E OPORTUNIDADES Imagine que você acorda no Século XV e vive os anos que seguem a invenção da imprensa móvel por Johannes Gutemberg. Qual seria o cenário ao seu redor? A linguagem escrita, impressa, torna-se rapidamente um instrumento de informação, comunicação e circulação de conhecimentos em textos longos e pouco ilustrados. Você se sentiria perdido, não é? Isso porque o texto impresso transformou a maneira como as pessoas interagiam, comunicavam-se e até a maneira de pensar. Basta lembrar o desenvolvimento do pensamento científico cartesiano – de René Descartes − e os ensaios e tratados científicos. Do sistema de educação à circulação dos conhecimentos na forma de livros, jornais, revistas, as mudanças são imensas. Veja na imagem uma ilustração da imprensa de Gutemberg, fundamental na alteração do pensamento e do modo de estruturação dos discursos. FIGURA 1 − A IMPRENSA DE GUTEMBERG FONTE: . Acesso em: 30 jun. 2020 multimodalidades compreendem os múltiplos recursos concomitantes na produção dos significados nos gêneros que circulam na sociedade. Já as paisagens semióticas englobam os objetos comunicativos presentes no espaço público e criados para produzir significado. Nas TDICs, há múltiplas paisagens semióticas nas quais os gêneros circulam. À medida que as sociedades evoluem e que novas formas de fazer transitar conteúdos vão se desenvolvendo, operam-se alterações também nas modalidades e nas paisagens semióticas. Por isso, nas TDICs, as modalidades existentes apresentam outros modos de funcionamento. Vamos ver a seguir desafios e oportunidades do texto digital com relação ao texto impresso. 16 A partir de René Descartes e o pensamento “cartesiano”, o conhecimento passou a ser analisado metodicamente pelas partes que o compõem. Aprenda sobre o tema, assistindo ao vídeo de Soares Dicson, Filosofia: Método Cartesiano: https://www.youtube.com/watch?v=iMZ8_FtLn-Y. Quando falamos em “texto”, com frequência temos uma ideia de unidade física, com fronteiras, início, meio e fim, escrita, gramática, regras, impressão em papel; ou seja, embora todo texto seja multimodal, pensamos no texto em sua forma escrita e acabada. No entanto, você já sabe que a noção de texto vai muito além: “texto com- preende toda unidade de produção de linguagem que veicula uma mensagem linguis- ticamente organizada e que tende a produzir um efeito coerente sobre o destinatário” (BRONCKART, 1999, p. 71). Você já estudou textos da oralidade, como diálogos, charges etc. Isso quer dizer que o texto não se caracteriza pela sua forma, mas pela ocorrência numa determinada situação. Lembra da paisagem semiótica do vídeo sobre multimodalidades e o exemplo do outdoor? As mídias digitais e a internet mudam o modo de produção, circulação e processamento dos conhecimentos e dos textos, pela introdução e banalização da noção de “hiper”: hipertexto, hipermídia, hipergêneros, hiperleitor (LEVY, 1999). Você está lembrado que o texto impresso obedece a fatores e critérios como os critérios de textualidade, construção do sentido, funcionamentos discursivos? Revise seus conhecimentos sobre os textos na obra: KOCH, I. V. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Editora Contexto, 2015. IMPORTANTE NOTA DICAS 17 No texto digital, as relações intermodais – entre texto, imagem, condições de produção e recepção − produzem sentidos concomitantes, pois a leitura se processa ao mesmo tempo, e até em outras dimensões ao convidarem o leitor a evadir-se através de ligações, os links para outros espaços. Esse aspecto refere-se à noção de hipertexto, sobre a qual falaremos no subtópico a seguir. No entanto, antes, convidamos você, acadêmico, a assistir à reportagem com a pesquisadora Lúcia Santaella, Do texto impresso à hipermídia, para introduzir aspectos teóricos ligados a esses dois funcionamentos textuais. Aproveite para compreender – ou relembrar – o conceito de “linguagem híbrida”, de que voltaremos a falar nesta obra. Acadêmico, indicamos o vídeo Do texto impresso à hipermídia, de Lúcia Santaella, no link: https://www.youtube.com/watch?v=3dLQ923Xi9M. 4.1 O HIPERTEXTO O princípio do hipertexto surgiu nos anos de 1940 quando o cientista americano Vannevar Bush criou o Memex, um instrumento de armazenamento de dadosque per- mitia a leitura não linear – que implica o não sequenciamento no desenrolar da leitura. A linearidade refere-se ao que segue em linha, obedece a uma lógica e/ ou sequência de estruturas possíveis: a escrita é linear; letras, palavras, frases seguem uma ordem. O termo, porém, foi cunhado mais tarde pelo filósofo e sociólogo Ted Nelson, inspirado na noção matemática do hiperespaço – o espaço com quatro ou mais dimensões (SILVA NETO, 2010). No ramo das TDICs, Levy (1999) concebe o hipertexto como hiperdocumentos aos quais se atribui a noção de texto, associados por conexão em rede. DICAS IMPORTANTE 18 Rede é o espaço livre de comunicação interativa e comunitário, instrumento mundial de inteligência coletiva (LEVY, 1999). Diferentemente do que ocorre na leitura linear dos textos escritos, o hipertexto permite navegação a partir de pontos específicos, segundo o desejo dos usuários, em conexões, ou links, que funcionam como “janelas” através das quais é possível transitar entre documentos. Essa noção não se restringe apenas ao universo digital: uma Biblioteca e seu sistema de envios, como textos em rede, é uma forma de hipertexto (LEVY, 1999). A diferença para o hipertexto virtual é a velocidade e a forma intuitiva com que se fazem as interações entre documentos – como você pôde ver no vídeo de Santaella − e entre as linguagens híbridas ou não. Link [do inglês elo, vínculo, ligação]. Na informática, a palavra link pode significar hiperligação, ou seja, palavra, texto ou imagem que quando clicada encaminha o usuário para outra página na internet, que pode conter outros textos ou imagens. Na análise discursiva e o estudo dos textos nas TDICs, o link ou “ligação” opera uma função pseudogramatical, na medida em que provoca um movimento no discurso. FONTE: . Acesso em: 18 nov. 2019. Através dos links que segue, o leitor torna-se “consumidor e autor no hipertexto” (LEVY, 1999, p. 58). Koch (2006, p. 61) afirma que “todo texto é hipertexto”, pois o leitor pode sempre realizar interrupções no sequenciamento linear para a construção dos sentidos presentes no texto. NOTA NOTA 19 Esse aspecto pode ser facilmente observado nas obras de Júlio Cortázar, O Jogo da Amarelinha, Jorge L. Borges, La Biblioteca de Babel, Gerard Genete, Palimpsesto. Não deixe de consultá-las para imbuir-se das noções de hipertexto, intertexto, releituras e reescritas múltiplas. A obra de Neitzel (2009) também fornece exemplos úteis de hipertextos na escrita. Procure consultá-la para enriquecer seus estudos e sua atuação como professor de língua portuguesa: NEITZEL, A. de A. Hipertexto: o jogo das construções hipertextuais. Florianópolis: EDUFSC, 2009. Marcuschi (2007, p. 186-189) também confere ao hipertexto uma abrangência múltipla, mas vai além ao estendê-lo à esfera social: [...] o hipertexto não é um fenômeno do meio estritamente eletrônico ou exclusivamente do mundo digital. Na verdade, você não precisa entrar na internet para defrontar com um hipertexto. O hipertexto já se encontra no seu caminho diário de casa para o trabalho, a escola, a igreja, o dentista e o mercado, desde há muito tempo. Na verdade, poderíamos afirmar que nós pensamos em hipertexto, não é? Veja, por exemplo, como os pensamentos se encadeiam em sua mente e, muitas vezes, nas conversas, de repente, surgem falas totalmente descontextualizada, sendo comuns explicações como: é que isso me fez pensar em determinado aspecto, assunto ou tema. Nesse sentido, a conversa partiu em hipertexto a partir de um link para isso. No discurso virtual, o hipertexto possui três características (SNYDER, 2010, p. 256): • Múltiplos caminhos de leitura. • Texto que inclui imagens e/ou sons, dividido em blocos ou fragmentos. • Algum mecanismo eletrônico que possibilite conectar os blocos ou fragmentos. Veja, na Figura 2, uma ilustração de hipertexto no discurso virtual: IMPORTANTE 20 FIGURA 2 − EXEMPLOS DE LINKS HIPERTEXTUAIS FONTE: . Acesso em: 20 jan. 2020. Evidentemente, a possibilidade de realizar incursões ou buscar em outros tex- tos informações complementares, sequenciais, comparativas às encontradas em um texto lido abre caminho a infinitas possibilidades de leitura, que não são mais lineares – na sequência −, mas concomitantes − ou ao mesmo tempo −, em um sistema aberto em possibilidades. Snyder (2010) considera hipertextuais também as múltiplas possibi- lidades argumentativas, linguísticas e pragmáticas – de uso − que o processo permite e ainda acarreta no futuro. Esse aspecto pode ser observado através de transformações operadas nos gêneros de discurso, como no caso da publicidade: nas mídias clássicas, escritas ou audiovisuais, as propagandas são narrativas, frequentemente, sob a for- ma de spots lúdicos, contêm contradições, linguagens apelativas. Nas TDICs, passam a brevíssimas aparições recheadas de links hipertextuais, enviando o discurso para outras possibilidades. Essa abertura a incursões nos conduz a abarcar a noção dos “nós” de um rizoma. Você já ouviu falar dessa teoria? 21 Para uma explicação didática e clara do conceito de rizoma, assista ao vídeo de Um pouco de filosofia: o estranho conceito de um rizoma, no link: https:// www.youtube.com/watch?v=fOYnCY7myDM&t=18s. FIGURA 3 − IMAGEM DE RIZOMA VEGETAL E DIGITAL FONTE: ; . Acesso em: 20 jun. 2020 A noção de rizoma tem muito a ver com multiplicidade: de direções, possibilidades, conexões etc. Veja, na Figura 3, como as conexões se efetuam através de nós – os links −, levando a múltiplas direções. O hipertexto e a interatividade estão estreitamente ligados à noção do rizoma, que permite a cada nó novos caminhos aleatórios para leitura e construção de significados. Esse funcionamento aproxima-se do mapa mental, gênero que você já conhece, não é mesmo? Para o estudo do discurso digital, trata-se de um aspecto fundamental. Rojo e Moura (2012) veem na interatividade das mídias digitais a característica propulsora do hipertexto. DICAS 22 As mídias de massa tradicionais (televisão, rádio, jornais) emitem para um interlocutor tomado em sua totalidade, uniformizado. Nas mídias digitais, a possibilidade de interação direta entre emissor e destinatário, a relação autor-leitor dos textos, individualizou-se (ROJO; MOURA, 2012). A facilidade acarretada nos modos de construção e recepção dos textos multimodais transforma a maneira com que significados e sentidos são elaborados. Dionísio (2011) observa um declínio na preferência pela palavra em consequência dessa transformação. A dinamicidade da ferramenta digital faz com que o texto digital também seja dinâmico, multiforme, impregnado dos novos modos de pensar e conviver da sociedade digitalizada. 4.2 LINEARIDADE X NÃO LINEARIDADE A noção linearidade é fundamental para o estudo dos textos nas TDICs. Vamos, então, lembrar o que vem a ser linearidade e não linearidade, dois conceitos amplamente empregados em diversas áreas do conhecimento: • Em Lógica e Matemática tem a ver com previsibilidade, determinação. • Em Linguística, com sucessão e sequência, ordem. • Em Comunicação, orientação, direção. Todos esses sentidos, na verdade, aplicam-se à temática da leitura e dos textos mediados pelas TDICs. Veja: costuma-se atribuir a linearidade como característica da sociedade da escrita, em oposição às sociedades orais, marcadas pela circularidade. As primeiras civilizações, nômades e tribais, impregnavam-se dos seus discursos através da repetição. A linguagem falada nessas sociedades orais demarcava identidades circulares na medida em que indivíduos da mesma tribo compartilhavam as mesmas falas, formando, assim, círculos de familiaridade e compartilhamento de conhecimentos.O sequenciamento das falas não era regido por uma ordem predeterminada: a oralidade para a comunicação pedia a presença do outro e a repetição dos conteúdos. Daí a noção de circularidade atribuída a essas culturas orais, em que histórias se repetem, acontecimentos, sazonalidades, presenças dos interlocutores, músicas, rimas, cantigas, contos, mitos, tudo isso remete à memória num eterno retorno de informações carregadas de conteúdos e afetos (KENSKI, 2007). NOTA 23 A linguagem escrita, porém, é fruto de outro momento histórico em que a sociedade, já sedentária, vivencia situações estruturadas, da ordem do previsível − a terra cultivada produzirá os frutos esperados, a ação começada implica em sua continuação e conclusão etc. Essa sociedade caracteriza-se pela linearidade. A própria escrita, como você sabe, obedece a uma sucessão, sequência de estruturas possíveis. A palavra “página” viria de pagus, o campo arado em linhas retas para o plantio (LEVY, 1999). Assim, não escrevermos em círculos, mas linhas em sequência ordenada e codificada. Desse modo, estabelecemos relações sobre os dois eixos: o sintagmático – relacionado às sequências umas após as outras – e o paradigmático – numa relação de exclusão das unidades –, a ocorrência de uma exclui a outra, embora, numa esfera virtual, como você já sabe, elas coexistam. Para Ferdinand Saussure, o pai da linguística estruturalista, as unidades da língua estabelecem entre si relações associativas e de contraste ou oposi- ção de dois tipos: sintagmáticas – lineares e inseridas na cadeia da fala e da escrita – e paradigmáticas – de exclusão, já que a ocorrência de um signo inviabiliza automaticamente outras (SAUSSURE, 1976). Consulte o texto apresentado por Ceia (2009), disponível em: https://edtl. fcsh.unl.pt/encyclopedia/eixo-sintagmaticoeixo-paradigmatico/. Logo, linearidade tem a ver com sequência e ordens de sucessão, como na leitura dos textos escritos tradicionais. Lembra dos fatores de textualidade? Coesão e coerência interligam as partes e formam o todo. Na verdade, o pensamento ocidental cartesiano ordena-se a partir de uma perspectiva linear: causa e efeito, antes e depois, o todo e as partes. NOTA DICAS 24 A era virtual que estamos vivendo transforma esses conceitos e impõe novas formas de pensamento, comportamentos, aprendizagem e comunicação. Morin (2000) definiu o pensamento complexo que se traduz por uma incapacidade de compreender a verdade através da segmentação dos conhecimentos, mas antes por uma abordagem sistêmica, ou interligando dimensões da realidade. Em síntese: uma abordagem transdisciplinar ou não segmentada. Esta teoria aponta a necessidade de mudanças na educação em razão da complexidade de temas, sujeitos e comportamentos da atualidade, que demandam abordagens intersubjetivas, e habilidades e competências para a tomada de decisões. Para entender, que tal ler esta obra do autor? Leia o livro Os sete saberes necessários à educação do futuro, de Morin. FONTE: MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000. A linearidade como código é aprendida desde a mais tenra idade, a fim de tornar possíveis a (de)codificação e a estruturação dos elementos da língua em textos segundo contextos e situações específicas. Escrever, como você sabe, não é o mesmo que falar, em que a presença do interlocutor permite incursões, idas e voltas – os círculos da era oral −, recuperações em mal-entendidos. Escrever exige pensar, uma complexidade que impõe os letramentos (KATO, 2009). Na área da Comunicação, logo, nos contextos que englobam as TDICs, a linearidade compreende a orientação dada a uma informação (MCLUHAN, 1977). Na obra A galáxia de Gutemberg, o autor anuncia que a forma de percepção produzida pelas imagens de televisão e outros dispositivos de comunicação substitui a forma linear de pensar da sociedade marcada pela escrita. Isso porque a percepção não se dá na ordem do sequenciamento, mas é simultânea ou até inversa, com uma tendência à preferência pela imagem. Você está lembrado do que disse Santaella em seu vídeo? As novas formas reorganizam as formas existentes. Nas mídias digitais, o discurso inteiro reorganiza-se, abrindo possibilidades múltiplas e flexíveis. Aquelas figurinhas usadas nas mensagens de WhatsApp − os emojis, emoticons, memes − nada mais são do que o reflexo disso. IMPORTANTE NOTA 25 Nas mídias do tipo clássico são lineares os modos de difusão orientados da fonte a um público passivo. Não lineares, dentro dessa perspectiva, são os modos de difusão interativos, tais como um telefone – emissor e receptor − e a internet, pelas múltiplas conexões que permite estabelecer. No que lhe diz respeito, em seus estudos, são não lineares os modos de ensino e aprendizagem mediados pelas TDICs, em que docentes e aprendizes interagem de maneiras e através de canais e ferramentas múltiplas. Gonçalves e Barbosa (2015, p. 710) criticam as dicotomias apoiadas no termo “linha” e propõem uma abordagem menos estanque entre culturas oral e digital não lineares x cultura escrita linear, até porque o hipertexto digital apoia-se na escrita linear para se concretizar: Em lugar de opor a Linearidade (iniciada com maiúscula) da escrita e dos textos ao não linear do oral e do digital, seria interessante pensar processos localizados e contingentes: haveria, por exemplo, práticas de linearização no âmbito da oralidade (a escuta sequencial de um texto declamado), ou processos não lineares em textos manuscritos e impressos (navegação irregular e não sequencial dentro do texto), ou usos lineares de hipertextos (como quando se lê sequencialmente na Internet) e assim sucessivamente. Ilustram esta proposta os escritos de Gérard Genette, Jorge Luiz Borges, Júlio Cortázar e até Machado de Assis, nas Memórias Póstumas de Brás Cubas, repletos de incursões e inter e hipertextuais, aproximando a leitura de um imenso hipertexto não linear. Essas múltiplas possibilidades – e pautado na proposta de Gonçalves e Barbosa (2015) sobre usos lineares de hipertextos − conduzem a reflexão aos agentes desses processos lineares e não lineares. Por isso, a seguir, abordaremos o papel do leitor coautor e os diálogos possíveis nos textos digitais. NOTA 26 4.3 LEITOR X LEITOR COAUTOR – DIÁLOGOS A grande diferença surgida no âmbito da leitura em contexto digital é, sem dúvida, a possibilidade dialógica interativa entre autor e leitor, e não apenas leitor, mas leitores, que dialogam entre si. Essa dinamicidade era desconhecida ao texto em suporte físico em sua trajetória típica entre emissão, leituras possíveis, efeitos de sentido e questionamentos possíveis. Todo texto é dialógico em sua essência (BAKHTIN, 1997b): a orientação dialógica do texto pressupõe a existência de um elo entre autor e leitor destinatário que, como já vimos, nunca estão sós, mas inter-relacionam-se continuamente. O texto é reflexo desse dialogismo (BAKHTIN, 1997b, p. 383): Vivo no universo das palavras do outro. E toda a minha vida consiste em conduzir-me nesse universo, em reagir às palavras do outro (as reações podem variar infinitamente), a começar pela minha assimilação delas (durante o andamento do processo do domínio original da língua), para terminar pela assimilação das riquezas da cultura humana (verbal ou outra) [...]. Essa redistribuição de tudo o que está expresso na palavra, e que dota o ser humano de um pequeno mundo constituído de suas palavras pessoais (percebidas como pessoais), representa o fato primário da consciência humana e da vida humana. Na leitura, a relação autor-texto-leitura-leitor não se faz em uma só direção, mas é sempre conjunta. Para Fanini (2015, p. 21-22): A leitura não é ação isolada do leitor; tão pouco é direcionada uni- camente pelo autor ou por um código literário dado. O autor não se submete ao leitor e vice-versa. Ambos resistem em suas particula- ridades. Ambos se utilizam de um código partilhado,