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Direitos Humanos no Brasil SST Rascke, K. L.; Direitos Humanos no Brasil / Karla Leandro Rascke Ano: 2020 nº de p.: 11 páginas Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. Direitos Humanos no Brasil 3 Apresentação Os direitos humanos são processos não lineares oriundos de lutas emancipatórias que privilegiam a dignidade humana e a cidadania dos que estão em vulnerabilidade social. Estes direitos humanos possuem caráter universal e são traduzidos pelos direitos fundamentais na órbita interna, ou seja, dentro do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Sistemas internacionais de garantia dos direitos humanos Após a 2ª Guerra Mundial, começou a estruturar-se um Sistema Global e Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos. Paralelamente, declarações, tratados e instrumentos internacionais foram criados e ratificados, buscando proteger uma ampla gama de direitos humanos, tais como direitos políticos, civis, econômicos e culturais. Há sistemas internacionais para a proteção Fonte: Plataforma Deduca (2020) Assim, foi instituído o primado da jurisdição internacional e o indivíduo passou a ser sujeito de Direito Internacional. Esse momento é lembrado por Piovesan (2015a, p. 197): 4 A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos direitos humanos impulsionou o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteger os direitos humanos. O Sistema Regional de Proteção aos Direitos Humanos ao qual o Brasil pertence é o Sistema Interamericano, que já estudamos. Ele ratificou diversos Tratados Regionais e Internacionais relativos aos direitos humanos, transcritos em nossa Constituição Federal, como direitos fundamentais. Os direitos fundamentais estão definidos na Constituição Federal de 1988 Fonte: Deduca (2020) Há relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno, ou seja, como esses dois direitos comunicam-se. Atualmente, duas doutrinas tratam desse assunto: (i) doutrina dualista e (ii) doutrina monista. Vamos a elas: Doutrinas Doutrina dualista – esta doutrina, defendida por dois juristas Triepel (Alemanha) e Anzillotti (Itália) entendem que o Direito Internacional e o Direito Interno são dois sistemas independentes. O primeiro regula somente a relação entre Estados; e o segundo, a relação entre os indivíduos e o Estado. Dessa 5 forma, não poderiam ocorrer quaisquer conflitos entre eles, dado que as matérias de que tratam são completamente diversas. Os tratados internacionais representariam tão somente compromissos externos dos Estados, e não poderiam gerar, na ordem interna, compromissos. Há, porém, uma exceção a essa regra, caso o tratado fosse recebido pelo Direito Interno na forma de uma norma típica de Direito Interno, como uma lei, um decreto etc. Nessa hipótese, havendo conflito, configuraria uma dissecção entre normas internas e, não mais uma divergência entre tratado internacional e lei interna. Nas palavras de Mazuolli (2018, p. 34): Para esta doutrina, as normas de Direito Internacional têm eficácia somente no âmbito internacional, ao passo que as normas no Direito interno só têm eficácia na ordem jurídica interna, de forma que, para o ingresso das normas internacionais provenientes de tratados no ordenamento jurídico pátrio, após a ratificação, far-se-ia necessário incorporar legislativamente o conteúdo desses instrumentos ao ordenamento jurídico interno (técnica da “incorporação legislativa). Doutrina monista Segundo essa doutrina, as duas ordens jurídicas (internacional e interna) coexistem, sendo que a ordem internacional tem primazia sobre a interna. Por esse raciocínio, a ratificação de um tratado por um Estado por si só obriga-o a cumprir as obrigações ali existentes, sem a necessidade de edição de uma lei interna. Esse entendimento, porém, não é unânime. Algumas correntes surgiram a partir desta ideia central: Monismo nacionalista o Estado tem o poder discricionário de adotar ou não as regras determinadas em instrumento internacional. A ordem jurídica nacional é soberana. Monismo internacionalista segundo essa corrente, o Direito Internacional é hierarquicamente superior ao Direito Interno de cada Estado e a ele deve subordinar-se. Em caso de 6 conflito entre o Direito Internacional e o Direito Interno, o primeiro sempre deve prevalecer. Monismo internacionalista dialógico aplica-se quando falamos de normas internacionais de direitos humanos. Nesse caso, deve prevalecer a norma mais benéfica como mais favorável ao ser humano. Os direitos humanos são normas internacionais que advém de lutas emancipatórias em prol dos vulneráveis Fonte: Plataforma Deduca (2020) Os direitos humanos dentro do ordenamento jurídico brasileiro A Constituição de 1988, também chamada de “Constituição Cidadã”, foi a primeira constituição elaborada sob um Regime Democrático de Direito. As constituições anteriores de 1967 e 1969 foram outorgadas durante a ditadura militar que governou o país de 1964 a 1985. Durante esse obscuro período do país, houve uma verdadeira crise de legitimidade e violações de direitos humanos; uma constante no cotidiano dos brasileiros. 7 O Brasil era abertamente criticado por organismos internacionais de direitos humanos pela prática de assassinatos, torturas, desaparecimentos e desrespeito à liberdade de expressão, dentre outros. Muitos desses casos foram, inclusive, objeto de denúncia a órgãos de proteção de direitos humanos regionais e globais, a nível internacional. Sistema de Normas Internacionais SISTEMA GLOBAL ONU SISTEMA REGIONAL Ex.: OEA Fonte: Elaborado pelo o autor (2020) Flavia Piovesan (2013, p. 57) enfatiza a importância da Carta Magna: A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e valores éticos, conferindo valor axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. Na ordem de 1988, esses valores passam a ser dotados de uma especial força expansiva, projetando-se por todo universo constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico nacional. A Constituição de 1988 trouxe uma nova perspectiva para a proteção e implementação dos direitos e garantias fundamentais que é uma materialização dos Direitos Humanos. Procurando ampliar a proteção dos direitos humanos em âmbito nacional, a Constituição conferiu um tratamento diferenciado aos Tratados Internacionais, conforme o determinado no Art. 5º, § 2º (BRASIL, 1988). A Constituição reconheceu, de forma expressa, uma dupla fonte normativa: 8 (i) o Direito Interno que determina, expressa e implicitamente, no texto constitucional, os Direitos Humanos; e (ii) o Direito Internacional por meio da ratificação de acordos internacionais de proteção aos Direitos Humanos. Os tratados internacionais passaram a ser fontes constitucionais com a mesma eficácia e igualdade dos direitos expressos ou implícitos na Constituição. Os direitos humanos dentro da Constituição Federal Fonte: Plataforma Deduca (2020) Flavia Piovesan (2013, p. 58) corrobora esse entendimento, conforme o trecho a seguir: Logo, por força do 5º, §§1º e 2º da Carta de 1988 atribui aos direitos enunciados em tratados internacionais a hierarquia de norma constitucional, incluindo-os no elenco dos direitos constitucionalmente garantidos, que apresentam aplicabilidade imediata. A hierarquia constitucional dos tratados de proteção dos direitos humanos decorre da previsão constitucional do 5°, § 2º, à luz de uma interpretação sistemática e teleológica da Carta, particularmente da prioridade que atribui aos direitos fundamentais e ao princípio da dignidade humana. 9 Status dos direitos humanos na Constituição Federal de 1988 Por um longo período, esse status constitucional foiobjeto de controvérsia doutrinária, em especial quanto aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. A Emenda 45, de 2004, teve o condão de resolver, de forma definitiva, essa questão ao acrescentar o §3º do art. 5º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Essa Emenda determina que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais, passando a ter o status delas. Os Tratados de Direitos Humanos passam a situar-se no mesmo plano hierárquico das demais normas constitucionais. Para finalizarmos essa relação entre Constituição de 1988 e Tratados Internacionais de Direitos Humanos, precisamos entender qual procedimento deverá ser adotado em caso de conflito entre as normas contidas neles. Seguem as possíveis situações: Tratados Internacionais de Direitos Humanos Compatibilização com o determinado na Constituição. Complementação com os direitos previstos no texto constitucional. Colisão com o ordenamento jurídico interno. Fonte: Elaborado pelo autor (2020) No primeiro caso, não haveria qualquer problema, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 prevê vários artigos cujo objeto é proteção aos direitos humanos, tais como os artigos 5º, III e LVIII (BRASIL, 1988), dentre outros; no segundo, embora ainda não existentes no ordenamento jurídico nacional, os Tratados Internacionais servem exatamente para preencher essa lacuna e auxiliar na efetividade na proteção aos Direitos Humanos; e, por fim, no terceiro, deparamo-nos com um difícil conflito. A solução, contudo, é dada pela prática adotada pela jurisprudência dos órgãos de supervisão internacional de direitos humanos. A regra nos é dada por Piovesan (2013, p. 73): 10 Logo, na hipótese de eventual conflito entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito interno, adota-se o critério da norma mais favorável à vítima. Em outras palavras, a primazia é da norma que melhor proteja, em cada caso, os direitos da pessoa humana. A escolha da norma mais benéfica ao indivíduo é tarefa que caberá fundamentalmente aos Tribunais nacionais e a outros órgãos aplicadores do direito, no sentido de assegurar a melhor proteção possível ao ser humano. Citamos, a título de exemplo da Constituição de 1988, que reflete a incorporação, no ordenamento jurídico interno, de direitos humanos consagrados em Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil, artigos 1º, IV; 5º, III e XLVII; 22 da Constituição Federal de 1988, que serão entendidos na ordem interna como Direitos Fundamentais. Finalizamos este tópico lembrando você da relação entre o Direito Internacional e a ordem constitucional. Nas palavras de Flavia Piovesan (2015, p. 47-48): O Poder Constituinte soberano, criador de Constituições, está hoje longe de ser um sistema autônomo que gravita em torno da soberania do Estado. A abertura do Direito Internacional exige a observância de princípios materiais de política e direitos internacionais tendencialmente informados do Direito interno. Daí a primazia da dignidade humana como paradigma e referencial ético, verdadeiro super princípio a orientar o constitucionalismo contemporâneo nas esferas local, regional e global, doando-lhe especial racionalidade, unidade e sentido. Fechamento Nesta Unidade, estudamos a estruturação dos Direitos Humanos e seus sistemas, global e regional. A influência e a interrelação entre o Direito Internacional e o Direito Interno, já que os Direitos Humanos transitam na órbita internacional e, quando adentram na legislação pátria, interna, passam a ser conhecidos como Direitos Fundamentais. Estudamos os status dos Tratados Internacionais e a EC nº 45, de 2004 que determinou o rito e o acolhimento dos Tratados Internacionais que versam sobre os Direitos Humanos. 11 Referências BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. ______. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. ______. Emenda Constitucional nº 45, De 30 De Dezembro De 2004. DIÓGENES JUNIOR, J. E. N. Gerações ou dimensões dos direitos fundamentais? MAZZUOLI, V. O. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Forense, 2018. PIOVESAN, F. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2013. ______. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015a. ______. Direitos Humanos e Justiça Internacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015b. SARLET, I. W. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018.