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319 15 Mobilidade com qualidade Juliana Muniz de Jesus Neves Lorena de Freitas Pereira Licinio da Silva Portugal Resumo Este capítulo abordará a mobilidade urbana com qualidade considerando a relevância da percepção dos usuários. A fi m de aproximar a oferta de serviços com as expectativas da demanda, é recomendável conhecer de perto as necessidades desta última. Nesse sentido, será apresentada uma metodologia de pesquisa baseada no conceito de “Qualidade de Serviço” (QS), que permite estabelecer os atributos e variáveis mais críticos, de acordo com a avaliação dos usuários. Ela pode ser aplicada a diversos modos de transportes, proporcionando informações que auxiliam na formulação de estratégias indicadas para estimular a escolha e o consequente uso das modalidades mais sustentáveis. Neste capí- tulo, será destacada sua aplicação no caso dos pedestres – considerando a importância do transporte ativo para a promoção da mobilidade sustentável. Palavras-chave : mobilidade , qualidade de serviço , atributos críticos , transporte ativo , caminhada , pesquisa qualitativa , modalidades sustentáveis , estratégias de acessibilidade. 15.1. Introdução A fi m de tornar as modalidades sustentáveis mais atraentes, incentivando a trans- ferência do automóvel para elas, é fundamental proporcionar uma adequada qualidade de serviço a seus usuários. A mobilidade sustentável para ser alcançada depende das condições de acessibilidade resultantes da devida articulação entre transporte e uso do solo. Esta preocupação nas nossas cidades assume um papel relevante considerando que, diferentemente de outros países mais avançados, a disponibilidade de um serviço de transporte não signifi ca garantia de qualidade. Isto reforça ainda mais a importância de analisar a qualidade dos transportes não só para garantir as exigências mínimas para seu uso, como também criar condições de acessibilidade que favoreçam as modalidades sustentáveis e restrinjam a utilização de modos motorizados individuais. Quando se deseja desestimular determinado modo, medidas capazes de atuar na percepção dos usuários podem ser adotadas, incentivando a transferência para outra modalidade C0075.indd 319C0075.indd 319 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Transporte, Mobilidade e Desenvolvimento Urbano 320 mais efi ciente. Vale destacar que as condições de acessibilidade impõem aos usuários diversas barreiras, cuja superação variará de acordo com as características físicas e econômicas individuais. A impossibilidade de acessar atividades é denominada imobilidade. Ao pensar no incentivo ao uso de meios de transportes ativos, como a caminhada e a bicicleta, busca-se a redução dos casos de imobilidade urbana. Isso se dá não só pelo fornecimento de infraestrutura com qualidade para estas modalidades como também pela proximidade de atividades e oportunidades. Por outro lado, o estudo da mobilidade com qualidade deve ser um instrumento técnico factível, que se baseie na percepção dos usuários, incentive a participação dos mesmos e permita determinar as estratégias mais indicadas para promover um trans- porte que seja digno à população. Ao pensar na mobilidade com qualidade se faz neces- sário, antes, compreender a noção de “qualidade” aqui empregada. Trata-se de um termo que pode ser dado em função da percepção do consumidor frente a um produto ou serviço, considerando o quanto este atende as suas necessidades. No entanto, em transportes, essa não é a única perspectiva pela qual a qualidade pode ser analisada. Frequentemente, a abordagem técnica é utilizada para avaliar a qualidade da infra- estrutura ofertada. A vantagem desta forma de análise é que ela pode ser mensurada, com relativa facilidade, a partir de critérios objetivos; entretanto, tem a desvantagem de que os padrões técnicos estabelecidos nem sempre atendem de forma plena os diferentes perfi s de usuários do serviço. Nesse caso, pode ocorrer uma defasagem entre a qualidade mensurada tecnicamente e a percebida pelo consumidor. Por isso, a qualidade de serviço se apresenta como uma ferramenta efi ciente, pois ela permite preencher a lacuna entre a percepção do prestador do serviço e a percepção do usuário. Por ser baseada na perspectiva do consumidor, comumente a mensuração da qualidade de serviço se torna mais complexa. Fatores associados ao indivíduo, como faixa etária, gênero, condição socioeconômica, cultura e condição física, podem infl uenciar diretamente a determi- nação da qualidade, tornando sua avaliação mais subjetiva ( Schneider e White, 2004; Ferreira e Sanches, 2012; Paquette et al. , 2012 ), o que exige um melhor conhecimento das ferramentas disponíveis para realizar tal estudo. 15.2. Base conceitual A mobilidade pode ser expressa, em linhas gerais, por padrões (ou demanda) de viagens resultantes das condições de acessibilidade e das características individuais (possibilidades física e socioeconômica de locomoção). A mobilidade sustentável pode ser alcançada ao se articular de maneira adequada a acessibilidade: o transporte e o uso do solo. Algumas abordagens podem ser utilizadas para prover qualidade para a mobilidade. A análise pode ser focada na oferta e sua infraestrutura por meio de normas e exigên- cias técnicas a serem observadas no desenvolvimento de seu projeto. Apesar de uma C0075.indd 320C0075.indd 320 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Mobilidade com qualidade 321 preocupação necessária, ela pode não ser sufi ciente em função do porte, da natureza e do propósito da demanda de viagens. Outra abordagem de análise direciona-se à capacidade da oferta dimensionada, de acordo com o nível de serviço proposto para atender uma dada demanda de viagens. Mesmo sendo esta contemplada, os denominados níveis de serviço (NS) são normalmente estabelecidos por meio de uma escala a partir de variáveis quantitativas e exógenas que procuram refl etir o serviço proporcionado aos usuários, assumindo-se que os melhores níveis correspondem a melhores serviços. A Figura 15.1 apresenta o fl uxo dos aspectos relevantes para a formulação de es- tratégias. Entende-se que a demanda pelos diferentes modos de transporte é infl uenciada pelas condições de deslocamento estabelecidas não só pela oferta (em termos de infra- estrutura e serviços, capacidade e atributos de qualidade fornecidos) como pelo ambiente em que ela se insere. A demanda ( input ), interagindo com a oferta de transporte e o respectivo ambiente (no qual se incluem o ambiente construído bem como as caracterís- ticas individuais citadas anteriormente), produz outputs que expressam o desempenho do sistema, que pode ser defi nido por diferentes medidas sob a ótica dos usuários, uma das quais a qualidade de serviço (QS) – destacada neste capítulo. Quando não atende a determinados níveis de exigência, justifi ca-se a adoção de estratégias. A qualidade de serviço é uma abordagem qualitativa que considera a opinião do consumidor. É mensurada de acordo com o que os clientes percebem, e com o nível de satisfação durante o uso. Em outras palavras, o serviço deve atender às exigências de quem os utiliza garantindo suprimento de suas expectativas. No caso dos sistemas de transportes, de acordo com o TRB (2003) , é a mensuração ou percepção global do Figura 15.1 Elementos intervenientes no processo de análise da qualidade de um sistema de transportes (ST) sob a perspectiva dos seus usuários com foco na qualidade de serviço. C0075.indd 321C0075.indd 321 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Transporte, Mobilidade e Desenvolvimento Urbano 322 usuário, refl etindo na forma como o mesmo encara a performance do sistema. As ex- periências dos consumidores são únicas e particulares, fazendo da mensuração da QS uma tarefa complexa. Por isso, algumas das formas de tornar a pesquisa da QS mais efetiva e consistente é direcioná-laa determinados segmentos socioeconômicos mais uniformes e também avaliar o serviço em condições similares. No caso do transporte público, por exemplo, as condições nos períodos de pico e fora dele tendem a mudar as percepções de forma signifi cativa. Nesse sentido, a aproximação do pesquisador com o público-alvo permite conhecer os principais atributos do serviço, a avaliação que determinado grupo faz dele e, na lacuna entre as expectativas e a oferta, conhecer os aspectos críticos, possibilitando que posteriormente sejam apontadas medidas de melhorias afi nadas às necessidades dos usuários. Neste capítulo, destaque será dado a esta abordagem por valorizar a participação dos usuários na identifi cação dos atributos e variáveis críticos que devem ser alterados com o auxílio de apropriadas estratégias voltadas à acessibilidade, dentre as quais realçamos não só a qualifi cação da oferta – sua infraestrutura e serviço – como ações na capacidade do sistema de transportes (em termos de aumento, redução e/ou otimização) e no gerenciamento e/ou restrição da demanda de viagens ( Gitlow, 1993 ; Grönroos, 1995; TRB, 2003; Portugal, 2005; Stradling et al. , 2007 ). Em sua aplicação, a QS se baseia na avaliação dos denominados “atributos da QS”. Os atributos são aspectos qualitativos de mensuração meticulosa por causa de seu caráter subjetivo, como já citado. Sendo assim, os atributos são as diversas dimensões intangíveis que estruturam a percepção dos usuários a respeito da qualidade do serviço de transportes, tais como segurança, conforto, entre outras. Estes atributos podem ser defi nidos e expressos pelas “variáveis da QS”, que são os aspectos concretos e tangíveis presentes no serviço e capazes de transmitir essas percepções aos usuários ( Sellitto e Ribeiro, 2004 ). Ou seja, as variáveis são as características do serviço nas quais é pos- sível realizar intervenções a fi m de melhorar a percepção e a avaliação do atributo e, consecutivamente, a qualidade da oferta como um todo. Os atributos e as variáveis da QS são amplamente discutidos no universo acadêmico; são exemplos os trabalhos de Yarimoglu (2014) , Paquette et al. (2012) , Dell’olio (2011) e TRB (2003) . Deve-se considerar que em cada modo de transporte existem particularidades, tornando-os mais sensíveis a um determinado grupo de atributos do que a outros. Certos atributos, contudo, são recorrentes em estudos desta natureza, e por isso considerados tradicionais. Nesse contexto, é importante lembrar que estudos sobre modos motorizados existem em maior quantidade na literatura disponível. A Tabela 15.1 apresenta os atributos usualmente utilizados em estudos de QS para os modos de transporte público, de acordo com Cardoso (2006; 2012), a saber: o acesso 1 1 Apesar de esse atributo ser também denominado como “acessibilidade” por diferentes autores, será aqui identifi cado por “acesso”, para evitar possíveis confusões com o conceito de acessibilidade (mais amplo por refl etir a articulação entre transporte e uso do solo) abordado ao longo deste livro. C0075.indd 322C0075.indd 322 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Mobilidade com qualidade 323 pode ser entendido como a facilidade de alcançar uma dada atividade com localização já defi nida, para realizar um propósito, considerando neste caso a infraestrutura e o serviço de transportes. A rapidez está associada à velocidade ou ao tempo, que, por sua vez, são infl uenciados por outros fatores, tais como: as condições de tráfego, tempo de espera e frequência do transporte, transbordos, sinalização semafórica, travessias e procura por estacionamento. Este atributo é nomeado como “tempo” em diversas pes- quisas sobre o tema. Já o conforto é um atributo cuja mensuração torna-se mais difícil talvez pela amplitude de fatores intervenientes, que variam desde a taxa de ocupação até a climatização do veículo. Em função da difícil delimitação, autores sugerem que sua medida se dê em função de sua ausência, ou seja, o nível de desconforto que determinado serviço oferece. A confi abilidade refl ete a certeza quanto ao atendimento de determinado serviço, considerando as condições predeterminadas. No caso dos transportes públicos, são exemplos, a exatidão no cumprimento da programação estabelecida para o serviço, a manutenção dos itinerários prefi xados e as informações aos usuários. A conveniência está associada às condições do serviço que facilitam o deslocamento. Trata-se, contudo, de um atributo com forte relação com outros atributos (acesso, rapidez e conforto, Tabela 15.1 Relação entre atributos e variáveis da qualidade de serviço de transportes públicos urbanos Atributos Incidência nos trabalhos sobre transporte público Variáveis relacionadas Acesso 78% Facilidade de uso dos modais nos fi nais de semana / Facilidade para atingir destinos / Proximidade / Facilidade para encurtar distâncias – diminuir o tempo / Disponibilidade de informações / Funcionamento das escadas rolantes / Caminhada até o ponto ou estação / Integração com outros modos de transporte / Superlotação (restringindo a entrada de outros passageiros). Conforto 78% Quantidade de pessoas nas plataformas ou pontos / Quantidade de pessoas nos veículos / Condições de embarque e desembarque / Limpeza dos veículos e estações ou pontos / Climatização dos veículos e estações / Iluminação do veículo / Exposição ao ruído / Proteção do clima / Aceleração e “freadas” / Quantidade de assentos. Confi abilidade 56% Regularidade no horário / Agilidade para solucionar panes / Certeza de realizar a viagem no tempo previsto / Frequência / Disponibilidade de informações. Conveniência 67% Velocidade da viagem / Integração com outros modos de transporte / Rotas / Tempo de espera / Transbordo. Rapidez 100% Tempo de viagem dentro do veículo / Tempo de espera do veículo na plataforma ou ponto / Frequência / Facilidade de aquisição dos bilhetes / Velocidade média dos veículos / Transbordo / Tempo de embarque e desembarque. Segurança 67% Ação de prevenção de acidentes / Disponibilidade de equipamentos de segurança / Prevenção de acidentes nas escadas rolantes / Prevenção de acidentes no embarque e desembarque de passageiros / Manutenção e conservação dos veículos e estações / Iluminação nas estações e acessos / Prevenção contra assaltos (estações e entorno) / Prevenção contra furto de veículos / Vigilância por câmeras de circuito de TV / Presença de agentes de segurança. Fonte: Adaptado de Cardoso (2006; 2012). C0075.indd 323C0075.indd 323 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Transporte, Mobilidade e Desenvolvimento Urbano 324 por exemplo), e por isso determinados autores optam por não utilizá-lo em pesquisas que envolvem consultas aos usuários. Por fi m, a segurança trata dos riscos pessoais e materiais. Está vinculada à confi ança do usuário quanto a sua proteção a incidentes capazes de ameaçar sua integridade física ou psicológica. Possui duas dimensões: a segurança de tráfego – possibilidades de acidentes de trânsito – e pessoal – possibilidade de crimes, tais como furtos, assaltos, sequestros, dentre outros ( Santana Filho, 1984; Vasconcellos, 2001; Forte e Bodmer, 2004; Portugal, 2005; Hoehner et al. , 2005; Malavasi, 2006; Cardoso, 2012 ). No trato de diferentes modos de transporte, outros aspectos podem ser priorizados. Por exemplo, ao tratar de transportes públicos, devem ser consideradas as caracterís- ticas das estações e pontos de parada, além dos veículos e do serviço em si. Ao tratar de automóveis, as características das vias e do estacionamento tornam-se relevantes. Por fi m, no caso do transporte ativo, o traçado urbano, a densidade e o uso misto do solo, além das características infraestruturais para os pedestres, ciclistas e demais vias de circulação, ganham maior importância. Com base na percepção dos usuários sobre cada atributo da QS, são defi nidos os aspectos mais críticos da oferta. Consecutivamente,as estratégias são formuladas alte- rando as condições das variáveis relacionadas aos atributos mais importantes e de pior avaliação. Deve-se destacar que as alterações podem se dar na capacidade e qualidade da oferta de transportes, como também na demanda (com campanhas de incentivo ao uso de um determinado modo, por exemplo). 2 15.3. Procedimento proposto De forma geral, a maioria das empresas e organizações está permanentemente preo- cupada em garantir a satisfação de seus clientes, pois, além disso contribuir para a fi delidade de seus atuais consumidores, estimula a atração de novos. Em transportes, essa lógica não é diferente. Se o objetivo é promover o uso de modalidades sustentáveis, é necessário garantir a satisfação dos atuais pedestres, ciclistas e usuários de transporte público “limpo”, e ainda atrair os usuários de transportes de menor efi ciência social e mais poluentes, como o automóvel por exemplo. No entanto, essa tarefa não é simples, tendo em vista que são várias as dimensões que infl uenciam a programação de viagens orientadas a uma mobilidade sustentável. Ao longo dos capítulos anteriores, foi pos- sível entender um pouco mais sobre alguns desses múltiplos aspectos, que vão desde questionamentos sobre o propósito da viagem até a determinação das modalidades, destinos e horários que devem ou não ser estimulados em cada contexto. De maneira prática, em transportes, duas abordagens são tradicionalmente utiliza- das para promover mudanças de comportamento em prol da mobilidade sustentável (Parra, 2006). Elas são: o gerenciamento da demanda por viagens e o gerenciamento da 2 Ver Seção 15.3. C0075.indd 324C0075.indd 324 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Mobilidade com qualidade 325 capacidade de transportes ofertada. O primeiro tipo de gerenciamento se preocupa em limitar o uso desnecessário de certas modalidades menos produtivas e mais poluentes, além de incentivar a mudança de comportamento e atitude das pessoas em relação à maneira de se deslocar, privilegiando os modos de transporte sustentáveis. O segundo tipo procura otimizar, ampliar ou restringir a oferta de certos modos de transportes para assim encorajar ou não o seu uso. Complementar e articuladamente a estas abordagens, acrescenta-se uma terceira: o gerenciamento da qualidade da oferta. Ela procura melhorar os parâmetros de qualidade a fi m de tornar os modos de transportes mais ou menos atrativos, o que envolve intervenções direcionadas principalmente aos transportes, mas que também podem ser aplicadas ao uso do solo. Sendo assim, com o foco na melhoria da qualidade, alguns procedimentos foram desenvolvidos para auxiliar os planejadores e ges- tores a realizarem ações mais exitosas. É o caso da Qualidade de Serviço, que, como visto anteriormente, quando bem mensurada pode oferecer informações importantes sobre as variáveis e atributos que merecem maior atenção para promover (ou desestimular) o uso de determinada modalidade, podendo igualmente contribuir para incentivar outras escolhas sustentáveis na programação dos deslocamentos. Para utilizar esse método de mensuração é inicialmente necessário caracterizar o modo de transporte, o propósito da viagem e o tipo de usuário que se pretende contem- plar. Geralmente, a modalidade a ser promovida é a sustentável, ou seja, trata-se de modos não motorizados, como a caminhada e a bicicleta, ou coletivos “limpos”, que geram menor poluição per capita (como os metroferroviários). O usuário que se deseja atrair é tradicionalmente aquele do transporte motorizado individual. No entanto, cada contexto deve ter suas especifi cidades examinadas com cautela. Nas cidades brasileiras, por exemplo, é possível também focar nos usuários oriundos de transporte público de menor efi ciência ambiental e social. 3 Uma vez estabelecido o propósito de viagem, o modo de transporte e o usuário que se pretende contemplar, deve-se selecionar e caracterizar os atributos da qualidade de serviço a serem investigados. Nesta etapa é importante conhecer o estado da arte, ou seja, como outras pesquisas similares selecionam e caracterizam esses atributos. Tais informações podem ser coletadas em trabalhos acadêmicos, artigos científi cos ou em manuais e relatórios técnicos de empresas e instituições do ramo de transportes ( Eboli e Mazzula, 2007 ; FDOT, 2009; Pereira, 2014 ). Algumas modalidades oferecem estas informações mais consolidadas e sistematizadas do que outras, o que ajuda na seleção dos atributos. No entanto, mesmo nesses casos sempre será necessário adequar a seleção e a caracterização dos atributos e variáveis às especifi cidades do local, do propósito da viagem, da modalidade e do público investigado. A Figura 15.2 apresenta as etapas típicas que envolvem o estudo da QS. 3 Ver Cardoso (2012) que aborda o uso da qualidade de serviço para estimular a transferência de usuários de ônibus – operando em tráfego misto, em corredores urbanos saturados e de longa distância nos padrões usuais desta modalidade – para o trem na cidade do Rio de Janeiro. C0075.indd 325C0075.indd 325 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Transporte, Mobilidade e Desenvolvimento Urbano 326 Após ter selecionado os atributos e variáveis para estudo de caso, segue-se para a etapa de valoração dos mesmos. O principal elemento da avaliação da Qualidade de Serviço é a percepção dos usuários, expressa pelo seu grau de satisfação e a avaliação de importância sobre os atributos. Por isso, frequentemente utilizam-se técnicas de consulta ao usuário para obter essa valoração. Um dos métodos de consulta mais populares são os questionários de qualidade de serviço, nos quais solicita-se que os usuários avaliem, com notas ou adjetivos, os variados aspectos de uma modalidade. A percepção dos respondentes também pode ser capturada por meio de questões que fazem uso da escala psicométrica de tipo Likert. Com as respostas é possível descobrir o grau de conformidade do entrevistado com a afi rmação proposta e assim medir atitudes e sentimentos ( Cardoso, 2006 ). Outras técnicas de consulta mais qualitativas também podem ser utilizadas, como grupos focais ou entrevistas de profundidade ( McDaniel e Gates, 2003; Malhotra, 2006 ). E, além disso, em função da quantidade de informações disponíveis, a própria revisão bibliográfi ca pode fornecer elementos importantes sobre a avalição de um serviço de transporte num determinado contexto. A etapa seguinte a valoração da Qualidade do Serviço é a determinação dos atributos e variáveis críticos. Após coletar as avaliações, é necessário tratar essa informação de forma efi ciente para que ela produza resultados claros e que auxiliem na tomada de decisão dos gestores. Saber, por exemplo, como os usuários avaliam a importância e a sua satisfação com cada atributo, pode ser um bom indicativo de onde as ações devem ser privilegiadas para que os efeitos junto ao usuário sejam notados de forma mais rápida. A metodologia proposta por Stradling et al. (2007) , que tem este propósito, foi desenvolvida especial- mente para a Qualidade de Serviço em transportes e está estruturada da seguinte forma: 1) Identifi car os aspectos signifi cativos do serviço (atributos e variáveis) por meio de consulta aos usuários e de revisão da literatura sobre o tema. 2) Pesquisar a opinião de atuais e/ou potenciais usuários sobre a importância e o desempenho de cada atributo. + Figura 15.2 Procedimento para o estudo da Qualidade de Serviço com vistas a formulação de estratégias direcionadas à mobilidade sustentável. C0075.indd 326C0075.indd 326 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Mobilidade com qualidade 327 3) Realizar uma tabulação cruzada entre as avaliações de importância e satisfação para contabilizar os percentuais de descontentamento dos usuários para cada atributo. 4) Representar grafi camente o descontentamento versus a importância paratodos os atributos. 5) Priorizar por meio da divisão do gráfi co em quatro zonas. 6) Identifi car os atributos do serviço que merecem atenção urgente dos provedores. Por meio da aplicação desses seis passos, fi ca mais simples analisar e visualizar através de gráfi cos a relação entre a importância e o descontentamento dos usuários quanto aos atributos contemplados. A Figura 15.3 – usada no caso descrito na Seção 15.4 – apresenta o plano cartesiano proposto pelos autores para delimitar os atributos críticos, ressaltados nos passos 4, 5 e 6. A partir desses resultados, o planejador pode estabelecer as ações corretivas de atenção prioritária e aplicá-las tanto nas variáveis re- ferentes a modalidade de transporte a ser valorizada, bem como em outras modalidades concorrentes, e ainda na estrutura urbana como um todo. Reforça-se, nesse sentido, que a promoção da mobilidade sustentável será resultado de um conjunto de estratégias que articulam os diferentes modos de transportes e o uso do solo, tendo em vista que as escolhas intervenientes na programação das viagens é determinada, de um lado, pela Figura 15.3 Relação entre a importância e a satisfação dos atributos da QSP. Fonte : Adaptado de Stradling et al. (2007) . C0075.indd 327C0075.indd 327 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Transporte, Mobilidade e Desenvolvimento Urbano 328 capacidade e a qualidade da oferta de transportes, e por outro lado, pelo ambiente cons- truído, que determina as distâncias entre as atividades e o contexto no qual as viagens ocorrem. Outro aspecto importante a ser considerado na elaboração das medidas é o fato de que as condições de acessibilidade estão associadas a uma dada impedância 4 , que por vezes podem ser usadas para incentivar escolhas mais sustentáveis, tais como a opção modal. Nesse sentido, a Qualidade de Serviço pode ser um instrumento importante para, com base na percepção dos usuários, ser utilizado no processo de concepção de condições de acessibilidade promotoras da mobilidade sustentável. 15.4. O caso dos pedestres A Qualidade de Serviço para pedestres, assim como outros estudos sobre a caminhada como modo de transporte, ainda são recentes na bibliografi a acadêmica. Por ser uma atividade básica do ser humano, a caminhada foi durante muito tempo pouco valorizada no processo de planejamento de transportes, no entanto, sabe-se atualmente que ela é elemento-chave para a mobilidade sustentável funcionando tanto de forma integrada com outros modos de transporte, como de forma independente, conectando origem e destino diretamente. Sendo assim, o conhecimento sobre a percepção dos pedestres ainda encontra-se pouco sistematizado, se comparado a modalidades motorizadas. Além disso, considerando que a percepção é a forma como os estímulos externos são apurados e interpretados por cada indivíduo, a caminhada é um dos modos de transportes mais complexos, pois ela permite grande quantidade de interação entre o usuário e o ambiente exterior ( Neves, 2014 ). Por conseguinte, para a metodologia da Qualidade de Serviço para Pedestres (QSP), essa grande variedade de estímulos implica na apuração de um maior número de percepções, ou seja, mais atributos do que os defi nidos na bibliografi a tradicional de transportes. Se para o transporte público adota-se tradicionalmente seis atributos para a qualidade do serviço ( Tabela 15.1 ), para os pedestres, soma-se ainda um sétimo atributo, que se refere à interação social. A obrigatoriedade em dividir os espaços públicos sem o auxílio de nenhum equipamento, maximiza a possibilidade de trocas e contatos interpes- soais durante a caminhada, fundamentais para o estabelecimento de vínculos sociais a nível local ( Magalhães et al. , 2004 ). Diversos estudos já comprovaram a importância desse atributo para as viagens a pé, principalmente em contextos recreacionais ( Cao et al. , 2009 ). Além disso, é necessário adaptar a defi nição dos atributos ao modo a pé, pois as variáveis que oferecem conforto para o pedestre tendem a ser diferentes daquelas que oferecem conforto a usuários de modos motorizados, por exemplo. Ou então, se a rapidez em modos motorizados está intimamente relacionada à velocidade, no caso da caminhada, esse aspecto perde importância devido a baixa possibilidade de variação da velocidade dos pedestres. A Tabela 15.2 traz as defi nições propostas 4 Impedimento ou barreira capaz de difi cultar ou mesmo impedir o deslocamento. A impedância pode ser caracterizada por variáveis como, por exemplo, tempo, distância e custo (SOUSA e BRAGA, 2011). C0075.indd 328C0075.indd 328 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Mobilidade com qualidade 329 para os atributos e as principais variáveis relacionadas a QSP, de acordo com revisão bibliográfi ca realizada por Neves (2014) . Observando a Tabela 15.2 , percebe-se que algumas variáveis podem interferir em diferentes atributos, de acordo com o contexto e a percepção do pedestre. A proximi- dade entre origem e destino, por exemplo, pode paralelamente aumentar a percepção dos atributos acesso, rapidez e conveniência. Destaca-se que além das variáveis mencio- nadas na Tabela 15.2 , existem outras que também podem impactar na QSP, por isso é fortemente recomendável realizar um conhecimento detalhado da área de estudo antes da seleção das variáveis. Outra recomendação importante é delimitar o propósito de viagem que se pretende avaliar. De acordo com o motivo da caminhada, as expectativas e o comportamento dos pedestres podem variar, ou seja, a importância dos atributos oscilam de um contexto a outro (Magalhães, 2004). Nas viagens utilitárias cotidianas, em que o propósito é alcançar destinos como trabalho e estudo, sabe-se que os atributos rapidez e acesso se destacam dos demais ( Koh e Wong, 2013 ). Nestes contextos, as preocupações principais da maioria dos pedestres são com a facilidade de acesso e a minimização do tempo de deslocamento ( Middleton, 2009 ; McConville et al., 2010). De acordo com a literatura, ainda que não exista consenso, considera-se 30 minutos como tempo máximo para caminhadas em Tabela 15.2 Atributos e variáveis que compõem a qualidade de serviço para pedestres Atributo Conceito Variáveis Acesso Facilidade oferecida pelo sistema de transporte e pela estrutura urbana para alcançar atividades e destinos a pé. Densidade e diversidade de uso do solo. Distância e proximidade. Disponibilidade de infraestrutura para pedestre. Rapidez O menor tempo de viagem para alcançar destinos. Proximidade. Tempo de travessia. Linearidade e continuidade do trajeto. Desenho das vias. Volume de pedestres. Conforto Bem-estar pessoal do pedestre proporcionado pela interação sensorial com o ambiente de caminhada. Pavimento e largura da calçada. Presença/ausência de obstáculos. Topografi a. Bancos. Banheiros públicos. Poluição do ar e sonora. Limpeza. Paisagem. Clima. Confi abilidade Grau de certeza sobre as características e o desempenho da viagem a pé, e a facilidade dos pedestres em orientar seu deslocamento no espaço. Disponibilidade de informações para pedestres. Sinalização e legibilidade dos caminhos. Conveniência Características do sistema que facilitam o deslocamento do pedestre de acordo com seus interesses pessoais e em comparação com outros modos de transporte. Proximidade. Continuidade e linearidade de caminhos. Facilidade de travessias. Segurança Possibilidade de confl ito entre pedestres e veículos (segurança viária). E vulnerabilidade em relação a crimes e agressões (segurança pública). Volume e velocidade do tráfego. Equipamentos de segurança nas travessias. Separação entre pedestres e veículos. Iluminação e visibilidade. Presença policial. Comportamentos antissociais. Sociabilidade Possibilidade do percurso estimular a interação social. Áreas de convivência social. Praças, parques, bancos, comércios e serviços. Atmosfera festiva.Fonte : Neves (2014). C0075.indd 329C0075.indd 329 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Transporte, Mobilidade e Desenvolvimento Urbano 330 viagens utilitárias. Estima-se que para ir ou voltar do trabalho, a média do tempo de caminhada seja a metade daquela que se pratica para acessar destinos de lazer ( Rocha et al. , 2010 ). Além disso, quando se trata da caminhada como forma de atividade física ou recreativa, atributos como o Conforto , principalmente relacionado à parte estética e paisagística, a Confi abilidade , a Conveniência e a Sociabilidade ganham destaque ( Florez et al. , 2014 ). A Segurança é valorizada pela maioria dos pedestres nos mais diferentes contextos. Sua vulnerabilidade diante de veículos motorizados e a fácil exposição à violência nos espaços públicos preocupam signifi cativamente, principalmente nas cidades onde os níveis de acidentes de trânsito e de criminalidade são elevados ( Sinclair e Zuidgeest, 2015 ). Esse atributo também assume forte im- portância para aqueles pedestres que se consideram ou estão de fato em posição de maior vulnerabilidade nos espaços públicos, como é o caso das mulheres, crianças e idosos ( Vasconcellos, 2012 ). Para apresentar como exemplo um estudo de caso mais específi co sobre a QSP, tem- -se a pesquisa realizada por Neves (2014) que tratou da qualidade do ambiente de cami- nhada no contexto de megaeventos esportivos na cidade do Rio de Janeiro. Neste estudo, que teve como referência o estádio do Maracanã, conclui-se, através de questionários de pesquisa aplicados durante os jogos da Copa das Confederações de 2013 e grupos focais, que dentre os sete atributos considerados ( Tabela 15.2 ), quatro são mais valorizados na caminhada para acessar megaeventos esportivos. Eles são o Acesso , a Confi abilidade , a Segurança e a Sociabilidade . O primeiro é valorizado principalmente devido aos tradicionais esquemas de tráfego que tendem a priorizar a oferta de infraestrutura para pedestres no entorno dos eventos. As restrições de trânsito e estacionamento de veículos, e a criação de vias exclusivas para a caminhada, são exemplos de estratégias que facilitam o acesso a pé e se mostram muito importantes para a percepção de qualidade de quem caminha. O atributo Confi abilidade também ganhou destaque nesse contexto, primeiramente porque os megaeventos têm um alcance geográfi co expandido e tendem a atrair pú- blicos de outros bairros, cidades e até mesmo países. Sendo assim, para quem não conhece o local do evento, informações sobre transportes e os caminhos possíveis são fundamentais. Além disso, é válido destacar que até mesmo para aqueles que conhecem bem a área, a confi ança nas informações sobre o trânsito e esquemas de circulação são extremamente importantes, pois muitas mudanças costumam ocorrer durante esses períodos alterando as rotas habituais. Em segundo lugar, observou-se que a importância do atributo Confi abilidade na caminhada se deve principalmente a autonomia que este modo de transporte confere. Os outros sistemas de transportes tendem a ser mais com- plexos e permitem menos autonomia aos usuários, envolvendo elementos que escapam do seu controle, como o tempo de espera, a disponibilidade de transporte público ou a procura por estacionamento. Assim, observa-se que o alto grau de certeza sobre as características da viagem a pé e a facilidade de controlar e orientar o deslocamento são percepções muito importantes para a caminhada em megaeventos esportivos, C0075.indd 330C0075.indd 330 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Mobilidade com qualidade 331 principalmente porque nesse contexto é elevada a preocupação dos espectadores em evitar atrasos ( Robbins et al. , 2007 ). No entanto, deve-se destacar que a importância do horário de chegada não implica na valorização do atributo rapidez nestas viagens ( Neves, 2014 ). Pelo contrário, durante megaeventos esportivos, muitos espectadores não se incomodam em destinar uma maior quantidade de tempo ao deslocamento, se eles tiverem como recompensa a garantia de chegar ao seu destino dentro do horário previsto. No caso estudado, observou-se que 95% dos espectadores entrevistados chegaram com uma hora e meia ou mais de antecipação ao estádio. Esta antecedência é justifi cada principalmente como estratégia para evitar atrasos causados por possíveis fi las, tumultos ou engarrafamentos. E ainda, muitos espectadores preferem chegar com antecedência para aproveitar o ambiente fes- tivo e a socialização que se desenvolve nas vias do entorno do evento. Nesse sentido, nota-se que o atributo Sociabilidade também se revela importante em megaeventos esportivos. Inclusive, este estudo de caso observou que a atenção dos pedestres com a sociabilidade durante o percurso tende até mesmo a diminuir as usuais preocupações relacionadas à distância e à rapidez, já que frequentemente a caminhada em megaeventos é percebida como parte do entretenimento oferecido por essa atividade festiva. Por fi m, o atributo Segurança também se mostrou determinante, principalmente em relação à segurança pessoal. Para acessar os eventos, muito pedestres se mos- traram preocupados em evitar os danos e adversidades que envolvem os tumultos possíveis de acontecer quando há grandes aglomerações de pessoas. Esse atributo infl uencia principalmente a escolha do trajeto, pois se verifi ca uma forte preferência por caminhos amplos, com menor fl uxo de pessoas e maior conectividade das vias, o que permite a facilidade de escapes caso ocorra alguma situação de emergência nos acessos ao evento. Do ponto de vista dos planejadores, os resultados dessa pesquisa são interessantes, pois mostram quais os atributos devem ser priorizados, caso se deseje estimular as viagens a pé no contexto específi co de megaeventos esportivos. Vejamos novamente o método proposto por Stradling et al. (2007) aplicado ao estudo de caso da QSP no es- tádio do Maracanã ( Neves, 2014 ). Com as respostas coletadas durante a pesquisa junto aos pedestres, conhecemos as porcentagens de entrevistados que avaliam um atributo como importante e, após a tabulação cruzada, aqueles que estão descontentes com o mesmo ( Peixoto, 2009 ). Elaborando um gráfi co de quatro zonas ao redor da média desses dois percentuais obtidos, temos uma representação gráfi ca do descontentamento versus a importância, onde é possível visualizar e identifi car os atributos que necessitam de atenção urgente 5 ( Cardoso, 2012 ). De forma hipotética, se representarmos grafi ca- mente o descontentamento versus a importância conferida ao atributo Confi abilidade 5 Para mais informações sobre como elaborar o gráfi co de importância versus o descontentamento, consultar Peixoto (2009) e Cardoso (2012) . C0075.indd 331C0075.indd 331 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Transporte, Mobilidade e Desenvolvimento Urbano 332 poderíamos obter uma imagem similar a Figura 15.3 . Cabe destacar que alguns estudos utilizam o método de forma simplifi cada, atribuindo notas, por exemplo, entre 1 e 5 para cada atributo em termos de importância e descontentamento. Desta forma, tem-se que se um determinado atributo possui elevada importância e descontentamento, será considerando crítico. Neste caso hipotético, se na percepção da maioria dos pedestres que frequentam os eventos no estádio do Maracanã o atributo Confi abilidade é considerado muito importante (92%), e ao mesmo tempo a maioria dos usuários está descontente com o mesmo (65%), ele posiciona-se na Zona 1 da Figura 15.3 e passa a demandar ações emergenciais. Uma alternativa, por exemplo, é melhorar a sinalização e a disponibilidade de informações para pedestres. Mapas detalhados com as rotas mais curtas e os tempos de caminhada podem ser instalados em pontos estratégicos facilitando e estimulando o deslocamento a pé. Ou seja, in- tervém-se nas variáveis para provocar melhorias na percepção do atributopor parte dos pedestres. 15.5. Considerações fi nais O objetivo principal do presente capítulo foi tratar a mobilidade urbana com qualidade, considerando a percepção do usuário como um elemento central da sua construção. Para isso, foi apresentada a metodologia de Qualidade de Serviço, que atua como um dos principais indicadores de qualidade em transportes. Por meio de atributos e variáveis, esta metodologia revela como os usuários percebem a qualidade do serviço oferecido a eles e como isso ajuda a prever como as viagens se comportam e seus respectivos padrões. A QS também auxilia na compreensão das expectativas dos atuais e dos pos- síveis usuários de transportes; por isso, ela tem potencial para interferir na promoção da mobilidade sustentável. Os atributos que a compõem frequentemente coincidem com as razões que interferem na escolha do modo de transporte, e as variáveis a eles relacionadas servem como pistas concretas para a elaboração de estratégias que resultem em mudanças no padrão de viagens. Na medida em que o procedimento proposto no Capítulo 5 estabelece os locais, as modalidades e atividades a serem estimuladas ou restringidas em sintonia com a sus- tentabilidade, a partir destes elementos, a aplicação da QS torna-se uma ferramenta para especifi car as estratégias mais indicadas. No entanto, cabe ressaltar que esta metodologia possui algumas limitações, princi- palmente no que tange ao aspecto subjetivo da interpretação dos atributos de qualidade. Por serem correspondentes às percepções, os atributos possuem uma natureza intangível que muitas vezes difi culta a sua defi nição e caracterização. O caráter idiossincrático da determinação da QS acaba exigindo que essa metodologia seja aplicada em contextos específi cos, onde o público-alvo e as características das viagens sejam sufi cientemente uniformes. Além disso, é necessário que o pesquisador tenha atenção com as termi- nologias empregadas e a transferência de informações entre usuários e especialistas. C0075.indd 332C0075.indd 332 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Mobilidade com qualidade 333 O uso coloquial de certas expressões por parte do público entrevistado pode confundir ou distorcer o signifi cado de alguns atributos, por isso atenção especial deve ser dada à linguagem e à análise do discurso. Por fi m, é válido destacar que existem outras metodologias de avaliação da qua- lidade em transportes. Elas são tradicionalmente focadas na mensuração da oferta e sua infraestrutura. Nesse sentido, ganha destaque a qualidade técnica que se refere a estar em conformidade com padrões estabelecidos. Ela é estipulada e mensurada por especialistas através de critérios objetivos que nem sempre correspondem aos reais anseios e expectativas dos usuários. Porém, a sua determinação é menos complexa e pode se dar por meio de técnicas de medição mais rápidas e objetivas. O nível de serviço é uma famosa metodologia desse tipo, cujo foco é medir a utilização das capacidades e a relação entre a oferta de infraestrutura e a demanda. Essa relação vai impactar diretamente na fl uidez e na velocidade do deslocamento, que refl ete o desempenho do sistema. No entanto, como visto através do estudo de caso da caminhada em megae- ventos esportivos, a velocidade e a fl uidez nem sempre são os únicos interesses dos usuários de transportes. Outros critérios mais qualitativos também podem impactar nesse complexo processo que é a tomada de decisão e o comportamento dos usuários de transportes. Sendo assim, a Qualidade de Serviço se apresenta como uma ferramenta interessante e complementar para a elaboração de medidas que contribuam para a mobilidade sustentável. 15.6. Exercícios • Descreva com suas palavras o que são os atributos da QS, qual sua relação com as variáveis da QS e como podem ser utilizados em estratégias de incentivo ao uso de determinado modo de transporte. • Descreva sucintamente o processo de verifi cação dos atributos críticos da QS e identifi que em qual(is) passo(s) encontrou maior difi culdade de entender e aplicar. • Em sua opinião, quais métodos de coleta de dados são mais interessantes em uma pesquisa de QS? Justifi que sua resposta. • Estabeleça os fatores intervenientes e respectivas estratégias destinadas a me- lhorar o atributo conforto e a consequente qualidade de serviço de uma linha de ônibus urbano. No caso de dúvida e para fundamentar a resposta, consulte a referência Cardoso (2012) . • Liste, caracterize e justifi que a escolha dos principais atributos e variáveis que expressam a qualidade das viagens realizadas por bicicletas. Quais os que se mostram mais críticos em sua cidade e por quais motivos? • Liste, caracterize e justifi que a escolha dos principais atributos e variáveis que expressam a qualidade das viagens realizadas por cadeirantes. Quais os que se mostram mais críticos em sua cidade e por quais motivos? No caso de dúvida e para fundamentar a resposta, consulte a referência Pereira (2014), Capítulo 3 . C0075.indd 333C0075.indd 333 04/07/17 3:10 AM04/07/17 3:10 AM Transporte, Mobilidade e Desenvolvimento Urbano 334 Referências Cao , X. , Mokhtarian , P. L. , Handy , S. L. ( 2009 ) The relationship between the built environment and nonwork travel: a case study of Northern California . Transportation Research Part A: Policy and Practice , 43 ( 5 ): 548 - 559 . doi: 10.1016/j.tra.2009.02.001 . Cardoso , B. C. ( 2006 ) Qualidade de serviço no setor de transportes sob a ótica da Teoria de Topoï. [Dissertação de Mestrado]. Programa de Engenharia de Transportes . 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