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Disciplina | Introdução www.cenes.com.br | 1 DISCIPLINA METODOLOGIA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Sumário www.cenes.com.br | 2 Sumário Sumário ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 2 1 Introdução --------------------------------------------------------------------------------------------- 3 2 Aspectos Históricos da Disciplina e da Formação Docente------------------------------- 4 3 A Organização das Escolas e as Linhas de Pensamento Pedagógico no Contexto do Desenvolvimento das Políticas Educacionais Vigentes ------------------------------------------ 10 3.1 Linhas do Pensamento Pedagógico no Contexto do Desenvolvimento das Políticas Educacionais Vigentes ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- 13 4 Diretrizes Oficiais para o Ensino de Língua Portuguesa ---------------------------------- 16 5 Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa --------------------------------------------- 24 5.1 A Avaliação ------------------------------------------------------------------------------------------------------- 29 6 A Leitura na Escola --------------------------------------------------------------------------------- 31 7 O Ensino da Literatura no Ensino Fundamental e Médio: Estratégias Metodológicas --------------------------------------------------------------------------------------------------- 57 8 O Processo da Escrita na Escola ---------------------------------------------------------------- 59 9 Análise Linguística e Ensino de Gramática -------------------------------------------------- 70 9.1 Análise Linguística ---------------------------------------------------------------------------------------------- 70 9.2 O Ensino da Gramática ---------------------------------------------------------------------------------------- 79 10 Referências ---------------------------------------------------------------------------------------- 82 Este documento possui recursos de interatividade através da navegação por marcadores. Acesse a barra de marcadores do seu leitor de PDF e navegue de maneira RÁPIDA e DESCOMPLICADA pelo conteúdo. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Introdução www.cenes.com.br | 3 1 Introdução O ensino da Língua Portuguesa configura-se como elemento fundamental no contexto educacional brasileiro, haja vista que se trata da língua oficial do país, assumindo papel central na comunicação entre seus cidadãos. Ademais, o domínio das habilidades linguísticas relacionadas à fala, leitura e escrita em português se apresenta como requisito imprescindível para o êxito acadêmico e profissional dos indivíduos. O ensino da Língua Portuguesa é obrigatório nas escolas brasileiras, desde o ensino fundamental até o ensino médio. O objetivo é desenvolver as habilidades de leitura, escrita, compreensão e expressão oral dos alunos, bem como o conhecimento da gramática, da literatura e da cultura brasileira. O ensino da Língua Portuguesa é dividido em diferentes áreas de estudo, incluindo gramática, ortografia, sintaxe, semântica, leitura, produção textual e literatura. Os alunos são ensinados a reconhecer e aplicar as regras gramaticais e ortográficas corretas, a construir frases e textos com clareza e coesão, a compreender textos literários e não literários e a analisar os diferentes aspectos da língua portuguesa. No ensino médio, o estudo da literatura brasileira e portuguesa é intensificado, com o objetivo de desenvolver a capacidade de análise crítica e interpretativa dos alunos. Além disso, os alunos aprendem sobre as diferentes épocas e movimentos literários e suas principais obras e autores. É importante ressaltar que, apesar do ensino obrigatório da Língua Portuguesa nas escolas, ainda existem desafios a serem enfrentados para garantir a qualidade do ensino e a aprendizagem efetiva dos alunos. Por isso, é fundamental que haja investimento em formação de professores, recursos didáticos adequados e políticas públicas efetivas para melhorar a educação no país. Dessa forma, abordaremos a seguir sobre aspectos históricos dessa formação e disciplina; alguns conteúdos e metodologias de ensino da nossa Língua-mãe; bem como teorias de linguística e aprendizagem pertinentes ao assunto. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Aspectos Históricos da Disciplina e da Formação Docente www.cenes.com.br | 4 2 Aspectos Históricos da Disciplina e da Formação Docente A história da disciplina de Língua Portuguesa no Brasil remonta à época colonial, quando a língua portuguesa foi estabelecida como a língua oficial do país. Desde então, o ensino da língua foi considerado fundamental para a formação da identidade nacional e para a comunicação entre os cidadãos. No entanto, somente no início do século XX, a disciplina de Língua Portuguesa começou a ser sistematizada nas escolas brasileiras, com a introdução de gramáticas normativas e o estudo da literatura brasileira. A partir daí, a disciplina foi se consolidando como uma das principais áreas de estudo nas escolas do país. Em relação à formação docente, a história é um pouco mais recente. Antes da década de 1970, o ensino de Língua Portuguesa era visto como uma atividade puramente técnica, que não exigia uma formação específica do professor. Então, ao final dos anos 1970 e início da década de 1980, vivemos um forte movimento de democratização da sociedade, em que a luta dos educadores trouxe contribuições significativas para a educação e para o modo de se compreender a escola e o trabalho pedagógico. Essa luta colocou “em evidência as relações de determinação existentes entre a educação e a sociedade e a estreita vinculação entre a forma de organização da sociedade, os objetivos da educação e a forma como a escola se organiza”, escreve a pesquisadora em educação, Professora Helena Costa de Lopes Freitas, em seu trabalho Formação de professores no Brasil: 10 anos de embate entre projetos de formação (FREITAS, 2002, p. 138). Assim, a partir daí, começou a ser reconhecido que o ensino da língua exigia um conhecimento teórico mais aprofundado, bem como habilidades pedagógicas específicas. Teoria Mecanicista O pensamento mecanicista é uma concepção filosófica que surgiu a partir do século XVII, com a consolidação da Revolução Científica e o desenvolvimento da física mecanicista de Isaac Newton. Esse pensamento se caracteriza pela ideia de que o universo é uma máquina, composta por partes interdependentes que funcionam de forma determinista e previsível, seguindo leis universais e imutáveis. De acordo com o pensamento mecanicista, todos os fenômenos da natureza, incluindo os fenômenos biológicos e psicológicos, podem ser explicados em termos Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Aspectos Históricos da Disciplina e da Formação Docente www.cenes.com.br | 5 de princípios mecânicos e leis da física. Isso significa que a realidade é compreendida como um conjunto de partes isoladas e estáticas, que podem ser analisadas separadamente, sem considerar suas relações e interações com o todo. Na educação, por exemplo, o pensamento mecanicista se refletiu em práticas pedagógicas que enfatizavam a transmissão de conhecimento e a memorização de informações, sem levar em consideração as necessidades e interesses dos alunos. O que se pode explicar pela teoria da “ontogênese”, a seguir. Paulo Freire (1921-1997) desenvolveu o conceito de “educação bancária” em seu livro Pedagogia do oprimido, publicado pela primeira vez no Brasil em 1970. Ele referia-se ao modelo tradicional de prática pedagógica em que o professor é tido como aquele que supostamente tudo sabe e o aluno nada sabe. Os conteúdos escolares são transmitidos passivamente aos alunos, ou seja,perspectiva, existem diferentes métodos avaliativos que podem ser utilizados no ensino de Língua Portuguesa, dentre os quais destacamos: • Avaliação diagnóstica: é realizada no início do ano letivo para identificar as habilidades e competências já adquiridas pelos alunos em relação à língua portuguesa. Essa avaliação é importante para que o professor possa planejar suas aulas de acordo com as necessidades de cada aluno. • Avaliação formativa: é realizada ao longo do processo de aprendizagem, com o objetivo de identificar o desempenho dos alunos e orientar o professor em sua prática educativa. É uma avaliação contínua e sistemática que busca acompanhar o progresso do aluno. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 31 • Avaliação somativa: é realizada ao final de um período, como uma forma de verificar o desempenho dos alunos em relação aos objetivos propostos. É importante para que o professor possa avaliar o resultado de seu trabalho e, caso necessário, fazer ajustes em sua prática educativa. • Avaliação por competências: avalia não apenas o conhecimento dos alunos, mas também suas habilidades e atitudes em relação à língua portuguesa. Essa avaliação busca verificar se os alunos são capazes de aplicar seus conhecimentos em situações reais e cotidianas. • Portfólio: é uma avaliação que utiliza uma coleção de trabalhos, produções e atividades realizadas pelos alunos ao longo do processo de aprendizagem. Essa avaliação busca evidenciar o desenvolvimento do aluno ao longo do tempo, seus avanços e dificuldades, e estimula a reflexão crítica sobre a própria aprendizagem. Dessa forma, uma avaliação tem como objetivo verificar o desempenho e o progresso do aluno em relação ao que foi ensinado e aprendido. Ela permite ao professor identificar as necessidades dos alunos, planejar o ensino e ajustar sua prática pedagógica para melhor atender às necessidades individuais e coletivas da turma. 6 A Leitura na Escola Discutiremos agora o papel da leitura na disciplina Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa. No primeiro capítulo, apresentaremos uma breve discussão a respeito do que entendemos ser “leitor”. No segundo capítulo, refletiremos sobre o papel da escola na formação de leitores e, mais especificamente, sobre o papel do professor de Língua Portuguesa na formação de leitores. No terceiro capítulo, abordaremos algumas concepções de leitura que existem nesse campo de pesquisa com ênfase na concepção que adotamos para a discussão deste material pedagógico e, ainda, discutiremos os objetivos para o trabalho com a leitura, apontando alguns caminhos/estratégias para desenvolver atividades de leitura em sala de aula. O que É Ser Leitor? Ser leitor é mais do que simplesmente decodificar e compreender um texto. É uma atividade complexa que envolve a interação entre o leitor, o texto e o contexto em que ele é produzido e lido. Ser leitor significa ser capaz de interpretar e Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 32 compreender um texto de forma crítica, levando em consideração seu propósito, contexto, estrutura e linguagem. Além disso, ser leitor também envolve a capacidade de refletir sobre o que foi lido, estabelecer conexões com outras leituras, experiências pessoais, memória de leitura e conhecimentos prévios, e formular opiniões e argumentos baseados na leitura. Ser um leitor habilidoso é uma habilidade essencial em muitas áreas da vida, desde a educação formal até a vida profissional e pessoal. Olfato, tato, audição, visão e gustação são sentidos que entram em ação na leitura. Como expusemos anteriormente, todos nós carregamos uma memória de leitura, por isso é fundamental que conheçamos a experiência de vida dos nossos alunos, o conhecimento e a leitura de mundo que eles trazem para a sala de aula, já que todo esse saber deverá ser levado em conta no trabalho de leitura que será realizado. Concordamos, por isso, com Antunes (2009, p. 201) quando afirma que “[...] formar leitores, desenvolver competências em leitura e escrita é uma tarefa que a escola tem que priorizar e não pode sequer protelar”. Entendemos, ainda, que não é só na escola que nós formamos leitores, uma vez que nós formamos leitores “no mundo”, na nossa casa, com a nossa família, com os nossos pares, como vimos anteriormente. Assim, [...] essa prioridade da escola na formação do leitor não exclui, evidentemente, a atuação da família, na ação diuturna dos pais, que devem assumir a iniciação da criança nesse mundo gráfico (e, por vezes, mágico) das palavras. Não exclui ainda a sociedade, os meios de comunicação – todos: jornais, revistas, TV, páginas da internet – nem exclui (principalmente essas!) As políticas públicas orientadas para a educação e a promoção da cultura letrada (ANTUNES, 2009, p. 202). Como você pode observar, ao longo da nossa discussão defendemos a ideia de que o leitor pode ser leitor do código escrito, pois, necessariamente, é leitor do mundo. Vimos também que esse leitor se forma tanto na escola, como na sociedade. É geralmente na escola, a partir de um ensino formal, que o leitor passa a dominar o código escrito, e é também nesse ambiente que ele tem a oportunidade de tornar-se proficiente na leitura dos diversos gêneros que circulam na sociedade. A escola tem de priorizar o trabalho com a leitura. É sobre o papel da escola na formação de leitores que trataremos a seguir. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 33 O Papel da Escola na Formação de Leitores A escola desempenha um papel fundamental na formação de leitores, uma vez que é nesse espaço que os alunos têm a oportunidade de desenvolver habilidades de leitura, compreensão e interpretação crítica de diferentes tipos de textos. A escola deve proporcionar um ambiente rico em materiais de leitura e incentivar a prática da leitura de forma prazerosa e significativa para os alunos, a fim de estimular o interesse e o gosto pela leitura. Os professores de Língua Portuguesa, em particular, devem ensinar estratégias de leitura que permitam aos alunos compreender e interpretar textos de forma eficaz. Além disso, é importante que a escola valorize a diversidade de gêneros textuais e de autores, apresentando aos alunos diferentes perspectivas e visões de mundo, e contribuindo para a formação de cidadãos críticos e conscientes. A escola também pode promover atividades de leitura em grupo, debates e discussões sobre temas relevantes, que ajudem os alunos a construir sentidos sobre o mundo e a si mesmos. Embora os professores das outras disciplinas trabalhem com textos e saibam que o aluno-leitor “[...] tem de mobilizar conhecimentos estocados nas diversas áreas e disciplinas para dialogar competentemente com o texto” (BORTONI-RICARDO et al., 2010, p. 16), muitos deles acreditam que o trabalho com a leitura é tarefa exclusiva do professor de Língua Portuguesa. Por outro lado, muitas vezes nem mesmo o professor de Língua Portuguesa atribui importância para as aulas de leitura. Ora porque é cobrado, tanto pela escola quanto pelos pais dos alunos, para centralizar o ensino na gramática, ora porque acredita que a leitura é um saber que o aluno já adquiriu na fase da alfabetização, momento em que passou a dominar os sinais gráficos e, desse processo em diante, tornou-se proficiente – não há, portanto, mais o que aprender. Esquece-se o professor que “[...] a leitura é uma atividade de acesso ao conhecimento produzido, ao prazer estético e, ainda, uma atividade de acesso às especificidades da escrita” (ANTUNES, 2003, p. 70) e que o processo de seu ensino e aprendizagem é, portanto, contínuo. Além disso, existe outra questão levantada para o ensino da leitura, que se relaciona à experiência que o aluno traz para asala de aula. Observamos, por exemplo, que os alunos que têm na família pessoas que leem, ou seja, exemplos de leitores e têm ainda acesso a materiais escritos, mais facilmente chegam à escola com alguma bagagem de leitura. Uma vez inseridos em ambiente onde cedo aprendem a ler imagens, imitam os pais/a família na invenção de histórias, aprendem o código escrito Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 34 e passam a atribuir significado para aquele conjunto de rabiscos na página. Mais tarde, na escola, esses alunos vão se formando leitores cada vez mais hábeis, pois já trazem um conhecimento prévio, não ficando somente na dependência da escola a sua formação de leitor. Já para aqueles alunos que não têm acesso a material escrito em casa, que não têm exemplos de leitores na família, a formação do leitor fica restrita à escola. Por isso, [...] até o momento, aprender a ler, ou melhor, ser leitor, tem sido no Brasil prerrogativa das classes mais favorecidas. Quer dizer, os meninos pobres são levados a se convencerem de que “têm dificuldades de aprendizagem” e, portanto, não nasceram para a leitura. Tentam por alguns anos; cansam-se e acabam desistindo. Grande parte das pessoas acham isso natural; ou seja, ninguém considera absurda a “coincidência” de apenas os pobres não aprenderem a ler (ANTUNES, 2009, p. 186, grifos da autora). É importante ressaltarmos que, embora alguns alunos não tenham acesso a material escrito ou exemplos de leitores em casa, estão, de qualquer forma, inseridos em uma cultura letrada, mesmo em localidades mais afastadas. Numa sociedade como a que vivemos, em todos os lugares há propagandas escritas, letreiros, outdoors, rótulos de produtos alimentícios, de remédios, bulas, manuais, enfim, há escrita por toda parte. Dessa forma, a escola deve considerar esse contato com a cultura escrita, atentando para o conhecimento que os alunos trazem a ela, em função de uma vivência maior ou menor com esse material escrito. Em suma, o papel da escola na formação de leitores é criar um ambiente favorável e desafiador para a prática da leitura, ensinar estratégias de leitura eficazes, valorizar a diversidade de gêneros textuais e de autores, e promover a reflexão crítica sobre os textos lidos. O Papel do Professor de Língua Portuguesa na Formação de Leitores Como vimos anteriormente, tanto o professor de Língua Portuguesa como o professor das outras disciplinas trabalham com textos em sala de aula. Vale lembrarmos, no entanto, que enquanto o professor das outras disciplinas utiliza o texto como pretexto para ensinar o conteúdo específico de suas aulas, o professor de Língua Portuguesa tem, necessariamente, o texto como objeto do ensino da sua disciplina. Assim, os professores de língua portuguesa têm um papel fundamental na formação de leitores, uma vez que é por meio do ensino da língua que os alunos têm Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 35 acesso aos diferentes tipos de textos e são incentivados a desenvolver o hábito de leitura. Para tanto, é importante que os professores trabalhem com práticas pedagógicas que estimulem a leitura de forma prazerosa e significativa, proporcionando aos alunos o contato com diferentes gêneros textuais e instigando-os a refletir criticamente sobre o que leem. Além disso, é importante que os professores sejam mediadores na seleção de obras literárias, orientando os alunos na escolha de livros adequados às suas necessidades e interesses, e que saibam utilizar estratégias pedagógicas que favoreçam a compreensão e interpretação dos textos. Sendo assim, iniciamos nossa conversa, neste momento, refletindo sobre como se dá a seleção dos textos que circulam nas aulas de Língua Portuguesa. Como muitos professores não selecionam os textos que entram na sala de aula, nem sempre conseguem dar conta dos objetivos da ampla tarefa a que a leitura se ocupa. Se pensarmos no livro didático, por exemplo, notaremos, como bem o pontua Geraldi (1997, p.168-169), que [...] toda a lição ou unidade destes livros, organizados em unidades e, em geral, sem unidade, iniciam-se por um texto para leitura. Como tais leituras não respondem a nenhum interesse mais imediato daqueles que sobre os textos se debruçam, a relação interlocutora a ocorrer deverá se legitimar fora dela própria. Como resolver essa questão se, em algumas escolas, o livro didático é o único livro a que os alunos têm acesso? Primeiro temos de pensar na questão da escolha do livro didático. Ela deve ser feita pelo professor que irá trabalhar com o livro, pois mesmo não conhecendo ainda os alunos que receberá no ano seguinte, tendo em vista que a escolha do livro1 se dá no ano anterior, ele já sabe qual material se ajusta melhor ao seu trabalho com leitura. Além disso, o professor já tem algum conhecimento sobre os alunos com os quais irá trabalhar e as possibilidades de ensino e aprendizagem que se lhes apresentam. Esse material deverá ainda se adequar à sua formação, à sua concepção de linguagem, e consequentemente de leitura, aos objetivos das suas aulas e às suas expectativas com relação aos alunos. Afinal, esse material também “precisa se pautar nas capacidades de leitura que se supunha ter o aluno e nas capacidades que se pretenda que ele venha a ter” (PIETRI, 2007, p. 36). Passada a etapa da escolha do livro didático, o professor deverá ter em mente que é a si atribuída a tarefa de conduzir a disciplina. Assim, o livro didático é material Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 36 de apoio, de consulta, de complementação de suas aulas, de modo que, além de utilizar o livro didático especificamente para as aulas de leitura, o professor selecionará outros materiais que possam favorecer o ensino-aprendizagem da leitura. Como o mesmo assunto pode ser tratado por meio de diferentes gêneros do discurso, é importante propormos atividades de leitura de textos diversos. Se o livro didático traz, por exemplo, um texto argumentativo sobre adolescência, podemos acrescentar uma notícia de jornal, uma propaganda ou um conto que trate do mesmo tema. E como são gêneros discursivos distintos, apresentarão diferentes marcas discursivas, seja em função dos objetivos da interação, seja em função do suporte, o que possibilitará atividades de leitura diversificadas e interessantes. Essas atividades desencadearão outras atividades e, assim, sucessivamente. Ademais, [...] não é possível considerar uma aula de leitura que se limite a apresentar um único texto, isoladamente, sem referência a outros textos. Não é possível considerar uma aula de leitura que se esgote no tempo de uma aula. Do mesmo modo que a leitura de um texto não se restringe a um texto, uma aula de leitura não se restringe a uma aula. (PIETRI, 2007, p. 86). Salientamos que não cabem ao livro/manual do professor as respostas para as questões de interpretação dos textos com os quais se irá trabalhar. Há normalmente outras respostas possíveis que o livro/manual do professor não contempla. As respostas dependem também do conhecimento prévio e de mundo, determinado pelas diferentes experiências que os alunos vivenciaram e que, portanto, provocarão sentidos diferentes para cada aluno. Isso, no entanto, não significa que todas as respostas sejam aceitáveis. Há, de alguma forma, um limite que é imposto pelo texto escrito. Em outras palavras, todo o texto deve ser entendido como uma obra aberta, mas não escancarada. Para que os alunos mergulhem no mundo das linguagens escritas, há algumas ações que a escola pode realizar, conforme nos sugere Antunes (2009, p. 205): Estimular a cultura do livro; Possibilitar fartura de um bom e diversificado material de leitura; Permitir acesso fácil e bem orientado a esse material;Diversificar os objetivos de leitura; Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 37 Promover com frequência atividades de ler e de analisar materiais escritos; Formar o gosto estético na convivência com a literatura; Ao longo deste capítulo, discutimos sobre o papel da escola na formação de leitores e ainda sobre o papel do professor de Língua Portuguesa nessa formação. No tópico seguinte, apresentaremos algumas concepções de leitura que circulam nesse campo de pesquisa, evidenciando a que adotamos aqui. Antes de iniciarmos o próximo capítulo, gostaríamos de salientar alguns resultados de uma pesquisa realizada em 2008, na época da publicação da segunda edição de Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro – uma organização social de interesse público que tem como objetivo principal o fomento à leitura e à difusão do livro. Embora entendamos que o leitor não se constitui somente pela leitura de livros, a pesquisa apresentada aqui adota como critério de leitura o livro. Essa pesquisa teve como objetivo principal diagnosticar e medir o comportamento dos indivíduos como leitores que, segundo o documento, apresentam níveis de leitura significativamente inferiores à média de países industrializados e em desenvolvimento, e levantar junto aos entrevistados suas opiniões relacionadas à leitura. A pesquisa nos interessa principalmente pelas reflexões que traz para o trabalho da escola e do professor de Língua Portuguesa na formação de leitores, assunto foco deste capítulo. Ademais, os resultados da pesquisa reforçam “[...] o papel extraordinariamente poderoso das escolas no desenvolvimento da leitura como também sinaliza os caminhos para fomentar sua prática fora dela e pela vida afora dos leitores” (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2008, p. 11). A amostra da pesquisa constituiu-se de 5012 informantes distribuídos em todas as unidades da federação. As entrevistas foram realizadas entre 29/11 e 14/12 de 2007. Os resultados gerais apontam que 16% do total de entrevistados são considerados não alfabetizados; 48% declararam-se não leitores, pois não haviam lido um livro nos três meses anteriores à pesquisa. Desses não leitores, 33% são analfabetos e 37% têm até a 4a série, faixa em que as práticas de leitura ainda não estão consolidadas. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 38 Os índices apontam também para a importância da escola “na tarefa de reverter o índice de não-leitores no Brasil, por meio de programas de alfabetização de jovens e adultos, e pelo investimento em curto prazo e maior na valorização social da leitura e do livro e no aperfeiçoamento do processo educacional” (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2008, p. 14). A pesquisa evidencia ainda que a valorização da leitura cresce à medida que avança a escolarização dos entrevistados, que se mostram mais espontaneamente dispostos à leitura. Dentre os entrevistados, 61% gostam muito de ler, 30% gostam um pouco e 9% não gostam. Os dados da pesquisa assinalam que entre os adultos a leitura decresce muito, a não ser quando se trata dos entrevistados que fizeram ou fazem curso universitário. Isso é o que faz os analistas da pesquisa suporem que “[...] a escola não tem formado leitores para a vida inteira, talvez por práticas pouco sedutoras e obrigatórias, das quais o não estudante procura se livrar assim que ultrapassa os limites da escola” (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2008, p. 15). Enfim, a pesquisa do Instituto Pró-Livro evidencia que todos os dados apresentados mostram que a escola tem de necessariamente assumir seu papel de formadora de leitores, “intensificando sua ação em todas as direções que se relacionam com o gosto pela leitura” (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2008, p. 14). Por fim, é importante que os professores de língua portuguesa estimulem a produção de textos pelos alunos, pois essa prática contribui para o desenvolvimento da escrita e para a consolidação do hábito de leitura, uma vez que a produção de textos está intimamente relacionada ao processo de leitura e interpretação. Concepções de Leitura As concepções de leitura se referem às diferentes maneiras como entendemos o processo de ler e interpretar um texto. Existem diversas concepções de leitura, algumas mais tradicionais e outras mais contemporâneas, e cada uma delas tem implicações diferentes para a prática de ensino da leitura. Uma das concepções mais tradicionais de leitura é aquela que a vê como um processo de decodificação de símbolos escritos, em que o leitor identifica as palavras e frases e as associa a um significado preestabelecido. Essa concepção de leitura muitas vezes enfatiza a importância da precisão e da velocidade na leitura, e pode Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 39 levar a práticas de ensino baseadas na repetição e na memorização. Nessa perspectiva, a leitura é vista como um processo ativo e interpretativo, em que o leitor constrói significados a partir de sua bagagem cultural, de suas experiências e de seus objetivos ao ler determinado texto. Assim, os alunos interagem com o texto, agem sobre o texto e são atingidos por ele, estabelecendo relações com o texto e com a linguagem, a partir do exercício da leitura, que previamente não existiam. A abordagem sociointeracionista é uma corrente teórica da linguística aplicada que enfatiza a importância do contexto social e da interação entre as pessoas na construção do conhecimento e do desenvolvimento da linguagem. De acordo com essa abordagem, a aprendizagem da língua é um processo que ocorre por meio da interação social, em que o sujeito é visto como um agente ativo no processo de construção do conhecimento. A linguagem é vista como uma ferramenta para a interação social e para a construção de significados compartilhados entre os falantes. Nessa perspectiva, a leitura é vista como um processo de interação social em que o leitor constrói significados a partir da interação entre o texto e o contexto social e cultural em que está inserido. A compreensão do texto depende não só das habilidades linguísticas do leitor, mas também de seu conhecimento de mundo e de sua capacidade de inferir e estabelecer conexões entre informações. Além disso, sob essa perspectiva acredita-se que “[...] o texto sozinho (como o locutor no diálogo) não é responsável pelas significações que faz emergir, o que cria um primeiro problema para os textos que se querem transparentes [...]” (GERALDI, 1996, p. 112); do contrário, os textos teriam de ser extremamente longos, e por isso a importância de experiências com outros textos, outras linguagens no exercício da leitura. Acredita-se ainda, diante dessa concepção, que [...] o leitor não é totalmente livre na construção de significações, já que um dos instrumentos com que opera nesta construção é precisamente o texto presente, cujo processo de produção manuseia também as mesmas “regras” de interpretação existentes numa “comunidade interpretativa”, de que o autor é parte. (GERALDI, 1996, p. 113). Assim, embora consideremos a experiência prévia e de mundo dos nossos alunos, sabemos que existe um limite para as possibilidades de interpretação textual, limite imposto pelo próprio texto, pelos objetivos e intenções do autor, como já Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 40 dissemos anteriormente referindo-nos às respostas a questões de interpretação textual. Assim, a abordagem sociointeracionista propõe uma abordagem de ensino de leitura que valorize a interação social e o contexto de produção e recepção dos textos, explorando as diferentes perspectivas e pontos de vista presentes na sociedade e promovendo a reflexão crítica sobre os temas abordados. A seguir, destacaremos aspectos mais específicosdo ensino da leitura, tais como objetivos e encaminhamentos para o trabalho em sala de aula. O Ensino da Leitura Partindo da concepção de leitura como forma de interação, vamos discutir os objetivos para o trabalho com a leitura na escola e apontar alguns caminhos/estratégias para desenvolver atividades em sala de aula. Quando preparamos atividades de leitura, nossa primeira tarefa é selecionar os textos. Como vimos anteriormente, muitas vezes delegamos essa tarefa aos autores do livro didático, mas, conforme observamos também, ainda que tenhamos adotado um livro didático, selecionaremos textos para complementar as atividades propostas pelo livro com o qual iremos trabalhar. De um jeito ou de outro, temos de partir, então, da seleção dos materiais para nossas aulas de leitura. Sabemos que há extensa diversidade de gêneros do discurso correspondente à diversidade de práticas sociais existentes. Como afirma Bakhtin, “[...] a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas, porque são inesgotáveis as possibilidades da atividade humana” (2003[1920-1924], p. 262). Assim sendo, temos de privilegiar o trabalho com alguns desses gêneros. Os PCNs, por exemplo, indicam uma seleção de gêneros feita a partir “[d]aqueles cujo domínio é fundamental à efetiva participação social” (BRASIL, 1998, p. 53). No documento referido, esses gêneros organizam-se em função de sua circulação social em: gêneros literários (conto, novela, romance, crônica, poema, texto dramático), de imprensa (notícia, editorial, artigo, reportagem, carta do leitor, entrevista, charge e tira), de divulgação científica (verbete enciclopédico, relatório de experiências, artigo), e de publicidade (propaganda). (BRASIL, 1998, p. 54). Há gêneros que não estão contemplados nas discussões dos PCNs. É o caso daqueles que circulam na internet, como chat, e-mail, blog, pois pertencem a Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 41 situações de interação social mais recentes. Eles constituem, evidentemente, material privilegiado para as aulas de leitura, em função de sua presença nas práticas sociais com as quais mais nos envolvemos atualmente. Temos, então, diferentes gêneros à disposição para o trabalho com a leitura, cada um deles gerando textos específicos. Devemos, portanto, levar em conta o seguinte questionamento: de que forma faremos a seleção desses gêneros para nossas aulas? Nossa inserção na escola faz com que tenhamos compromisso com o seu Projeto Político-Pedagógico e, por consequência, com a consecução dos objetivos educacionais para a série ou séries com que iremos trabalhar. Assim, teremos em mente que os gêneros a serem selecionados para o ensino da leitura estarão relacionados ao projeto pedagógico. Projeto que é pensado para uma turma específica, em função dos seus interesses e, como já salientamos anteriormente, das capacidades (linguístico-cognitivas, socio interativas, discursivas etc.) que queremos que nossos alunos desenvolvam naquele momento. O projeto do qual as leituras farão parte terá uma unidade temática, na qual o assunto eleito será abordado sob diferentes enfoques, tratado a partir dos gêneros do discurso e dos textos selecionados como os mais adequados às necessidades de aprendizagem dos estudantes. Isso ajudará, por certo, a priorizar determinados textos e a definir objetivos para as atividades de ensino de leitura. Esses objetivos estarão também claros para os alunos. A cada atividade de leitura o professor estabelecerá com que finalidade o texto selecionado será lido. Por uma abordagem cognitivista, por exemplo, o aluno poderá apreender as estratégias de leitura, ter consciência destas e valer-se desse conhecimento nas mais diferentes circunstâncias que envolvam atos de leitura. Antes de iniciar a leitura, é importante o professor, além de explicitar o objetivo da atividade, procurar ativar os conhecimentos prévios dos alunos acerca do assunto que será tratado. As atitudes responsivas ativas dos alunos são pistas sobre o seu conhecimento, o que ajudará no estímulo para a leitura e ainda favorecerá o trabalho do professor no direcionamento da atividade, já que este terá condições de atentar para o que os leitores ainda não sabem. Bakhtin (2003[1920-1924]), discorrendo sobre “O enunciado como unidade da comunicação discursiva”, do diálogo, diz que no processo de interlocução os participantes ocupam sempre “posição ativa responsiva”; ou seja: Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 42 [...] o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele [falante] uma ativa posição responsiva: concorda, discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc., essa posição responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo o processo de audição e compreensão desde o seu início [...] toda compreensão é prenhe de resposta [...] o ouvinte se torna falante (BAKHTIN, 2003 [1920-1924], p. 271). A compreensão é um processo ativo e responsivo; é, portanto, um processo de relação entre locutor e interlocutor. Já está no horizonte do enunciado do locutor a possível reação-resposta daquele a quem esse enunciado está sendo dirigido e lhe orienta sentidos e estrutura (aspectos da língua). Os PCNs sugerem, em vista disso, uma série de conceitos e procedimentos subjacentes às práticas de linguagem. Afinal, para o trabalho com a leitura não basta que tenhamos recursos materiais disponíveis, é preciso enfatizar o uso que fazemos desses recursos. Consideramos esses conceitos e procedimentos bastante relevantes e, por isso, reproduzimos a seguir, a partir dos PCNs (1998), aqueles que se relacionam à leitura de textos escritos: • explicitação de expectativas quanto à forma e ao conteúdo do texto em função das características do gênero, do suporte, do autor, etc.; • seleção de procedimentos de leitura em função dos diferentes objetivos e interesses do sujeito (estudo, formação pessoal, entretenimento, realização de tarefa) e das características do gênero e suporte: 1) leitura integral: fazer a leitura sequenciada e extensiva de um texto; 2) leitura inspecional: utilizar expedientes de escolha de textos para leitura posterior; 3) leitura tópica: identificar informações pontuais no texto, localizar verbetes em um dicionário ou enciclopédia; 4) leitura de revisão: identificar e corrigir, num texto dado, determinadas inadequações em relação a um padrão estabelecido; Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 43 5) leitura item a item: realizar uma tarefa seguindo comandos que pressupõem uma ordenação necessária; emprego de estratégias não lineares durante o processamento de leitura: a) formular hipóteses a respeito do conteúdo do texto, antes ou durante a leitura; b) validar ou formular as hipóteses levantadas a partir das novas informações obtidas durante o processo da leitura; c) avançar ou retroceder durante a leitura em busca de informações esclarecedoras; d) construir sínteses parciais de partes do texto para poder prosseguir na leitura; e) inferir o sentido de palavras a partir do contexto; f) consultar outras fontes em busca de informações complementares (dicionários, enciclopédias, outro leitor); • articulação entre conhecimentos prévios e informações textuais, inclusive as que dependem de pressuposições e inferências (semânticas, pragmáticas) autorizadas pelo texto, para dar conta de ambiguidades, ironias e expressões figuradas, opiniões e valores implícitos, bem como das intenções do autor; • estabelecimento de relações entre os diversos segmentos do próprio texto, entre o texto e outros textos diretamente implicados pelo primeiro, a partir de informações adicionaisoferecidas pelo professor ou consequentes da história de leitura do sujeito; • articulação dos enunciados estabelecendo a progressão temática, em função das características das sequências predominantes (narrativa, descritiva, expositiva, argumentativa e conversacional) e de suas especificidades no interior do gênero; • estabelecimento da progressão temática em função das marcas de segmentação textual, tais como: mudança de capítulo ou de parágrafo, títulos e subtítulos, para textos em prosa; colocação em estrofes e versos, para textos em versos; • estabelecimento das relações necessárias entre o texto e outros textos e recursos de natureza suplementar que o acompanham (gráficos, tabelas, desenhos, fotos, boxes) no processo de compreensão e interpretação do texto; • levantamento e análise de indicadores linguísticos e extralinguísticos presentes no texto para identificar as várias vozes do Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 44 discurso e o ponto de vista que determina o tratamento dado ao conteúdo, com a finalidade de: 1) confrontá-lo com o de outros textos; 2) confrontá-lo com outras opiniões; 3) posicionar-se criticamente diante dele; • reconhecimento dos diferentes recursos expressivos utilizados na produção de um texto e seu papel no estabelecimento do próprio texto ou de seu autor. (BRASIL, 1998, p. 55-57). Desejamos que nossos alunos, a cada ano da escolarização, ampliem gradativamente sua capacidade de leitura e que, ao final do Ensino Médio, tornem-se leitores proficientes de determinados gêneros. E o que significa ser um leitor proficiente? O leitor proficiente é aquele que sabe selecionar, entre a infinidade de textos de variados gêneros à sua disposição; aquele que melhor lhe convém em determinada situação. É aquele que consegue selecionar as estratégias mais adequadas para tal leitura, pois sabe que não se lê um e-mail da mesma forma que se lê um romance, por exemplo. É aquele que consegue estabelecer diálogo entre as leituras que já fez (seja de texto escrito, de texto oral, de imagens, de mundo). Encontramos nos PCNs algumas sugestões para que a escola favoreça o trabalho com a leitura, como por exemplo: • A escola deve ter uma biblioteca com diversos tipos de textos e materiais de consulta, que podem ser emprestados pelos alunos. • As salas de aula também devem ter um acervo de livros e outros materiais de leitura para proporcionar aos alunos acesso a diferentes tipos de leitura. • O professor deve criar momentos de leitura livre para que os alunos falem sobre o que leram e aprendam com as experiências dos outros. • Atividades regulares de leitura são importantes, e o planejamento deve ter a mesma importância que outras atividades. Não é necessário seguir tarefas após cada leitura, pois a própria leitura é uma tarefa. • Os alunos devem poder escolher suas próprias leituras, para que aprendam a gostar de ler. A escola deve se organizar para formar leitores e todo professor deve incentivar a leitura em sua disciplina. Uma das sugestões apontadas pelos PCNs (1998, p. 72) ressalta a questão da avaliação da atividade de leitura: “Ler por si só já é um trabalho, não é preciso que a Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 45 cada texto lido se siga um conjunto de tarefas a serem realizadas”. Assim, o professor terá em mente que a atividade de leitura não deve ser realizada com intuito único de avaliar o aluno, seja através de fichas, seja através de resumos, resenhas, o que transformará a atividade que poderia ser prazerosa e eficiente no sentido de formar leitores em uma tarefa desinteressante e desmotivadora. De acordo com Kleiman (2008, p. 23), “[...] a insistência no controle diminui a semelhança entre a leitura espontânea, do cotidiano, e a leitura escolar, ajudando na construção de associações desta última com o dever e não com o prazer”. Além disso, devemos levar em consideração que algumas tarefas avaliativas cabem para determinados gêneros discursivos e não para outros. Os PCNs apontam, por exemplo, que “produzir esquemas e resumos pode ajudar na apreensão de tópicos mais importantes quando se trata de um texto de divulgação científica; no entanto, aplicar tal procedimento a um texto literário é desastroso, pois apagaria o essencial – o tratamento estilístico que o tema recebeu do autor” (BRASIL, 1998, p. 70). Não podemos esquecer ainda, no encaminhamento das atividades de leitura, as relações que esta estabelece com a escrita, pois o trabalho com leitura é integrado à produção em dois sentidos: por um lado, ajuda a compreender e responder ao que é lido, por meio da interação entre o leitor e o texto; por outro, auxilia no desenvolvimento das habilidades de escrita, já que a leitura de um texto implica na compreensão das estratégias utilizadas pelo autor para se comunicar. Assim, para escrever precisamos “ter o que dizer”; precisamos de argumentos para convencer, precisamos de palavras para encantar, para emocionar, divertir, informar, e para tanto, precisamos de exercícios de leitura. Sugestão de atividade didática: Como fechamento desta unidade, sugerimos que você elabore uma proposta prática de atividade de leitura. Para tanto, você escolherá uma turma de Ensino Fundamental ou Médio, preferencialmente uma turma em que você lecione. Inicialmente, você selecionará um gênero que circula no contexto social do aluno, um texto (texto-enunciado) com as configurações desse gênero a ser trabalhado e, em seguida, elaborará um plano para desenvolver em suas aulas, elencando os conteúdos a serem trabalhados, os objetivos a serem alcançados e os procedimentos metodológicos a serem desenvolvidos. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 46 A Leitura Literária no Espaço Escolar Literatura literária é um termo utilizado para se referir a obras literárias que apresentam um alto valor estético e artístico, que são escritas com preocupação em relação à forma, ao estilo, à linguagem e ao conteúdo. Essas obras são criadas por autores que buscam uma expressão pessoal, que lidam com temas universais e que contribuem para a formação cultural e emocional dos leitores. Cabe, todavia, questionarmos: para que nos serviria este (des) arranjo de palavras que nos põe de sobressalto diante a realidade percebida? A sensibilidade estética representa a principal função do texto literário: desenvolver no indivíduo um olhar atento e sensível ao que nos rodeia. Isso é, enfim, reconhecer o papel humanizador da literatura, como destacam as palavras de Antônio Candido (2006, p. 62): “A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”. De modo geral, a importância da literatura literária no ensino nas escolas é múltipla. Em primeiro lugar, as obras literárias oferecem uma visão privilegiada da experiência humana, permitindo que os estudantes conheçam e compreendam outras épocas, culturas e realidades. Além disso, a leitura de literatura literária ajuda a desenvolver habilidades críticas e analíticas, aprimorando a capacidade dos alunos de compreender e interpretar diferentes tipos de textos. Outra importância da literatura literária é que ela ajuda a desenvolver a empatia e a compaixão pelos outros, ao permitir que os alunos se identifiquem com personagens que vivem experiências semelhantes ou diferentes das suas. Além disso, a literatura literária estimula a imaginação e a criatividade, ajudando os alunos a pensar de forma mais livre e a explorar diferentes possibilidades de vida. Aristóteles, em seu livro Poética (1973), faz uma defesa ao discurso poético, apresentando uma distinção entre a figura do historiador, aquele que narra fatosreais e acontecidos, e a do poeta, aquele que narra o que poderia acontecer, o ficcional. Considerando a imitação como congênita ao homem, ele focalizará o prazer do homem em ver-se representado, abrindo a possibilidade de aprendizagem através da mimese, reconhecendo, desta forma, o lugar da poesia como forma de conhecimento, desde que subordinada à filosofia. O poeta latino Horácio 65 a.C. a 8 a.C.), em Arte poética, define a poesia como uma atividade doce e útil (docere cum delectare); a primeira seria o contraponto ao dever, obrigação, aquilo que poderia ser realizado sem imposição; o útil estaria Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 47 relacionado ao aproveitamento do tempo, aquilo que é necessário/pragmático. Segundo o poeta latino, essas duas funções estariam em confluência na palavra poética. Assim, ao longo da história, vão-se tecendo oposições e contraposições referentes à função da poesia (neste caso a literatura). Outro binômio que pode aqui ser citado é o real em oposição ao ficcional que jogou a referência para um campo à parte da literatura, no entanto é sabido que um texto literário, em sua trama inventiva, não tem como escapulir da inserção referencial. O discurso literário consegue, evidentemente, ir além da referência e representação de mundo, ao criar um mundo, a partir de dados referentes à vivência do leitor. (DEBUS, 1996). No que diz respeito ao papel da escola na formação do leitor literário, Tânia Rösing (2009, p. 136) destaca que [...] o esforço deve direcionar-se para o convencimento dos docentes acerca dos benefícios da leitura literária: os textos literários passam a constituir cenários com os quais se pode refletir sobre o que somos, sobre o que são os outros, como podemos melhorar nosso vir a ser no mundo, como podemos transformar o mundo a partir de mudanças em nosso entorno. Por fim, o ensino de literatura literária contribui para a formação de leitores críticos e autônomos, capazes de fazer escolhas de leitura conscientes e responsáveis ao longo de toda a vida. Ademais, novas formas de escrever propiciam novas formas de ler. O Leitor de Literatura Personagens que saltam das páginas dos livros e ganham vida, este foi um dos recursos utilizados pela livraria Tcheca Anagram para sua campanha de marketing que tem o slogan “Palavras criam Mundos”. Sem sombra de dúvidas, esta é uma imagem que remete ao poder da palavra literária: conferir ao leitor o deslocamento de um mundo ao outro ou a outros. No entanto, devemos lembrar que este mundo do (im)possível só é vivificado pelas mãos do leitor; isto é, cabe ao leitor instituir vida à narrativa que o livro guarda ao descerrá-lo e abrir as suas páginas. Contemporaneamente podemos dizer que a leitura literária é valorizada socialmente. Provavelmente você não ouviu falar que a leitura de um romance pode lhe fazer mal física e psicologicamente, no entanto até o século XVIII era temerário valorizar a leitura literária, em especial aquela realizada pelo público feminino. Supunha-se que a identificação com as personagens provocaria reações Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 48 desautorizadas socialmente, isto é, o devaneio da leitura poderia levar as mulheres a se identificarem com as personagens e atentar contra a moral e os bons costumes (ABREU, 2010). Quando apresentamos a possibilidade de (re)visitar as memórias de leitura e trouxemos para a cena as memórias de leitura de alguns escritores, você por acaso lembrou das leituras literárias realizadas? Você é um leitor de literatura? Poderíamos ir além e perguntar: o que caracteriza o leitor de literatura? A literatura hoje está presente no cotidiano dos cidadãos brasileiros? Quais são as formas sociais de inserção da literatura em nossa sociedade contemporânea? A leitura literária vinculada à leitura de um público feminino e os gestos de devaneios provocados pelo ato dessa leitura estão registrados em várias pinturas, em especial do século XIX. Martine Poulain, ao se debruçar sobre cenas de leitura, em três formas de registros iconográficos – na pintura, na fotografia e no cartaz – entre os anos de 1881 a 1989, apresenta algumas constatações referentes a representações da leitura. Entre elas está a do objeto livro como sinal de poder social ou de saber intelectual e a leitura desse objeto frequentemente representado pela cena do feminino em devaneio. Segundo ele “[...] mesmo sua leitura sendo efetivada ou interrompida pelo pintor, é sempre muito intenso o sentimento de absorção nessa prática, como testemunham ora o olhar ora a atitude corporal” (POULAIN, 1997, p. 63). Essa relação entre a leitura literária e o feminino também é representada na ficção. Em O primo Basílio (1878), de Eça de Queirós, a protagonista Luiza é descrita em seus protocolos de leitura: “E saltando na ponta do pé descalço, foi buscar ao aparador por detrás de uma compota um livro um pouco enxovalhado, veio estender- se na voltaire, quase deitada, e, com o gesto acariciador e amoroso dos dedos sobre a orelha, começou a ler interessada” (QUEIRÓS, 2010). O livro enxovalhado lido pela protagonista é A dama das Camélias, que a leva a cometer adultério, influenciada pela leitura. Machado de Assis, em seus romances considerados românticos como Helena, Diva, Iaiá Garcia e A mão e a Luva, insere suas personagens femininas em cenas de leitura, ora silenciosas e individuais, ora em voz alta como prática de sociabilidade. Márcia Abreu (2010), ao construir uma breve história da leitura de textos em voz alta argumenta: Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 49 Durante a primeira metade do século XIX a leitura oral era uma das formas de mobilização cultural e política dos meios urbanos e dos operários. Depois disso, numerosas formas de lazer, de sociabilidade e de encontro, antes mantidas pela leitura em voz alta, tornaram-se cada vez mais restritas. A partir daí as elites passaram a restringir os usos da oralização dos textos. Lia-se em voz alta nas Igrejas e nos tribunais. Lia-se em voz alta nas escolas para controlar a qualidade de sua leitura silenciosa – objetivo final da aprendizagem. No passado, a leitura tomava parte em um conjunto de práticas culturais que passavam pelo livro: a escuta dos textos, sua memorização, o reconhecimento, nas letras impressas no papel, do texto repetidas vezes ouvido, sua recitação para si ou para um grupo. (ABREU, 2010, não paginado). E o leitor de hoje? Qual a representação que melhor cabe? Provavelmente não é da leitura como recolhimento, o leitor sossegado e só, nem a da leitura linear. Vivemos a era digital em que a linguagem da hipermídia demanda novas exigências do exercício de ler e escrever. Maria Zilda Cunha, professora da USP, afirma que “[...] o grande poder da hipermídia está no confluir das matrizes de linguagem e pensamento, na hibridização de mídias que ela aciona, e, consequentemente, na mistura de sentidos receptores e na sinestesia reverberante conforme o receptor interage, cooperando na sua realização” (CUNHA, 2009, p. 181). Assim, ao leitor cabem novas exigências, demandas provenientes dos novos suportes de leitura (não mais unicamente o papel). O termo hipertexto, comumente utilizado na contemporaneidade, relacionado ao texto eletrônico, pode também conceitualizar a leitura de muitos livros infantis e juvenis produzidos no formato tradicional impresso. Os projetos gráfico-editoriais de muitos livros propõem tal interação entre imagem e texto verbal que confluem para uma leitura dinâmica e não linear. Poderíamos dizer que essas novas propostas ultrapassam a esfera da restrição etária e contemplam todos os leitores. Dilvo Ristoff, no prefácio do livro de Wandelli (2003), assim se reportaao assunto: Embora o meio eletrônico encoraje uma escrita mais fluida e facilite a liberação do pensamento e das narrativas do jugo das sequencialidades, por si só ele é insuficiente para garantir a existência de um processo ou de uma arquitetura hipertextual. Para Wandelli é, pois, falsa a dicotomia entre livro impresso e o meio eletrônico em termos Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 50 de oposição binária entre o velho e o novo. As narrativas contemporâneas mostram que o livro impresso também mudou e que a mudança iniciada de forma dramática nas últimas décadas, não só responde às novas tecnologias da era da informática como de certa forma antecipa algumas das estratégias e possibilidades. (RISTOFF apud WANDELLI, 2003). O leitor do hipertexto é um leitor imersivo e interativo, a leitura não é mais realizada somente no papel, surge à tela do computador. Santaella (2004, p. 179) classifica o leitor imersivo em três níveis: errante, detetive e previdente, cada nível navega de acordo com suas habilidades. Assim, o leitor imersivo ideal seria aquele capaz de [...] misturar de modo equilibrado os três níveis de leitura imersiva: o errante, o detetivesco e o previdente. O ideal é que esse leitor não se entregue às rotinas sem imaginação do previdente, mas se abra para as surpresas, entregue-se às errâncias para poder voltar a vestir a roupagem do detetive, farejando pistas. (SANTAELLA, 2004, p. 181). Um novo sujeito leitor se avizinha não mais leitor só do impresso, mas leitor da tela digital do computador. O “Homo Zappiens”, categoria à qual pertencem àqueles que sabem que há muitas fontes de informações e que elas apresentam e defendem verdades diferentes; é um sujeito que possui uma grande habilidade icônica, é capaz de lidar com uma multiplicidade de linguagens, executa várias tarefas ao mesmo tempo, lida com diferentes níveis de atenção enquanto navega (MSN, sites, Twitter, blog, Orkut, entre outros), tem um comportamento não linear, e possui habilidades colaborativas. Cabe à escola saber desenvolver atividades que levem em conta esse novo leitor. Segundo Veen e Vrakking (2009, p. 70): Os pensadores digitais, como são as nossas crianças, podem fazer muito mais do que se espera delas na escola. Podemos desafiá- las, apresentando-lhes problemas complexos para resolver e dar a elas um amplo controle sobre seus processos de aprendizagem. As crianças gostam de ser desafiadas, pois elas passaram por experiências semelhantes ao jogar no computador. Elas também gostam de ser desafiadas em tarefas complexas. A abordagem pedagógica de trabalhar passo a passo não é o que elas gostam de fazer. Elas são não lineares – o que é mais desafiador. Elas gostam de estar imersas em situação em que não se saber por onde começar e nem como agir. Gostam de aprendizagem experiencial, como a dos jogos de computador. O leitor contemporâneo, ao mesmo tempo em que lê o texto impresso no formato livro, desloca seu olhar para o e-reader, e ainda mais impressionante é a Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 51 leitura de alguns títulos pelo iPad. Certamente você ficará surpreso com o movimento das cenas, a ampliação das ilustrações, e os diferentes efeitos da tecnologia. Assim, pensar experiências de leitura na contemporaneidade implica refletir sobre a constituição desse novo leitor que nos indaga, no espaço da escola, sobre novos protocolos de leitura. O Ensino da Literatura na Escola: para Além do que Dizem os Documentos Primeiramente é necessário saber que, de acordo com os PCNs, no Ensino Fundamental, do 6º ao 9º ano (correspondente ao terceiro e ao quarto ciclo), a literatura não tem foro de disciplina, ela está inserida no ensino da Língua Portuguesa. Já no Ensino Médio, embora a literatura continue fazendo parte da disciplina de Língua Portuguesa, integrante da área de Linguagens e Códigos, há referência explícita ao seu ensino quando o documento traz como um dos seus objetivos: “Recuperar, pelo estudo do texto literário, as formas instituídas de construção do imaginário coletivo, o patrimônio representativo da cultura e as classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial” (BRASIL, 2000, p. 24). Os PCNs (BRASIL, 1998) da Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental apresentam o texto como unidade de ensino, desenvolvendo uma reflexão específica sobre a “especificidade do texto literário” considerando-o como uma “forma peculiar de representação e estilo, construção autônoma onde predominam a força criativa da imaginação e a intenção estética” (BRASIL, 1998, p. 26) em que entram em diálogo a realidade e a fantasia: Pensar sobre a literatura a partir dessa relativa autonomia ante outros modos de apreensão e interpretação do real corresponde a dizer que se está diante de um inusitado tipo de diálogo, regido por jogos de aproximação e afastamento, em que as invenções da linguagem, a instauração de pontos de vista particulares, a expressão da subjetividade pode estar misturada a citações do cotidiano, a referências indiciais e, mesmo, a procedimentos racionalizantes. Nesse sentido, enraizando-se na imaginação e construindo novas hipóteses e metáforas explicativas, o texto Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 52 literário é outra forma/fonte de produção/apreensão de conhecimento. (BRASIL, 1998, p. 26). Nesse nível de ensino, embora os gêneros literários apareçam referenciados como privilegiados para a prática da escuta e leitura de textos, bem como para a prática e produção de textos orais e escritos, não são apresentados encaminhamentos metodológicos específicos para o trabalho com a literatura. Tal constatação é feita também por Gomes (2010). Esse autor destaca ainda a inexistência de referência à vasta produção literária que circula no mercado editorial brasileiro, cujo público-alvo são os alunos dessa faixa etária; a falta de circulação dessa produção, a partir dos programas de promoção da leitura desenvolvidos pelo governo, assim como a desconsideração para a importância do papel dessa literatura na formação de leitores. Falamos aqui da literatura de recepção infantil e juvenil. Os documentos de 2000 (PCNEM) e 2002 (PCNEM+) referentes ao Ensino Médio destacam que, nesse grau de ensino, deve-se dar “[...] especial atenção à formação de leitores, inclusive das obras clássicas de nossa literatura [...]” (BRASIL, 2002, p. 68), configurando-se assim uma intenção de que a literatura seja incorporada ao ensino da Língua Portuguesa, porém, não há políticas claras para a formação de formadores de leitores. Em 2006, no documento sobre As orientações curriculares do Ensino Médio, no item “Conhecimentos de Literatura”, os consultores Neide Luzia de Rezende, Maria Zélia Versiani Machado e Enid Yatsuda Frederico, bem como os leitores críticos Lígia Chiappini Moraes Leite e Haquira Osakabe, buscam integrar a literatura e a sua especificidade como disciplina no Ensino Médio; no entanto ela continua integrando a disciplina de Língua Portuguesa, como já mencionamos. No que diz respeito ao ensino da literatura, os estudiosos citados no parágrafo anterior apontam alguns problemas dos PCNs +, entre eles: • Valorizar em excesso a opinião do aluno como critério de avaliação do texto literário é uma forma radical de abordagem. • Críticas à prática viciada do ensino de história da literatura acabam por priorizar o eixo temporal e espacial, mantendo a ênfase em escolas/movimentos literários, obras e autores. • Enfatizar a fruição estética apenas como uma experiência coletiva de leitura literária, ignorando a dimensão individual da fruição. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 53 Se os documentosapresentam um rompimento com uma visão historiográfica desvinculada do texto no ensino de literatura, por que então tal prática ainda persiste? Por que ainda persiste no Ensino Médio um ensino da literatura numa linha diacrônica de movimentos literários, autores e obras? Nossa intenção, aqui, não é polemizar, mas expor as fragilidades que compõem os documentos, pois a posição sobre o ensino da literatura, em especial no Ensino Médio, não é fato dado, algo resolvido. É necessário lembrar que, desde o século XIX até os nossos dias, as análises e os estudos literários enveredaram por rumos diversificados que, em síntese, podem ser definidos como se ligando, sucessivamente, aos três elementos que constituem o fato literário: o autor, a obra e o leitor. Num primeiro momento, concentraram-se na produção da obra, destacando a figura do autor e o seu contexto histórico (críticas biográficas e deterministas); num segundo momento, sobrevalorizaram o texto e o que ele tinha para dizer por si só, confiante na sua autossuficiência, uma visão imanentista que se utilizou da linguística como ciência prioritária (Formalismo Russo, New Criticism e mesmo a Crítica Estilística, para chegar ao Estruturalismo). Dessa forma, as pesquisas voltaram-se para o polo da textualidade, em detrimento do aspecto comunicativo. No terceiro momento, surgem as reflexões sobre a figura ativa do leitor. Estudos desenvolvidos por Mikhail Bakhtin (1895-1975) e Hans Robert Jauss (1921-1997) ampliam essa discussão e levam em conta, no ensino da literatura, a teoria literária que prioriza o leitor, tornando-o protagonista. Na concepção de Bakhtin (1990, 2003), a palavra constitui um elo entre vários discursos. Ela não é estática, mas um signo social dialético, dinâmico e vivo, por isso ativa e mutável; portanto, nunca é neutra e está sempre a serviço de algo, carregando consigo as interpretações e pressões dos contextos que já integrou. Bakhtin vinculou o texto literário à história e à sociedade, vistos como outros “textos” possíveis de leitura. Assim, todo texto comportaria o diálogo de vários discursos: do emissor, do destinatário e do contexto e/ou contextos anteriores. O escritor já não é o “Adão bíblico” em busca do verbo primeiro, à medida que todo discurso está sempre habitado por outras vozes, por outros discursos. Percebemos, desse modo, que a essência do princípio dialógico se fundamenta como tal numa relação de alteridade, ou seja, o processo de comunicação exige o reconhecimento do outro. Na perspectiva bakhtiniana, o permanente processo de dialogização vai refletir na relação dinâmica estabelecida entre o autor, o texto literário Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 54 e o leitor, pois a palavra, como criação ideológica, vai desenvolver-se de forma diversa das normas estabelecidas. A pluralidade de vozes inseridas no discurso romanesco revela, por conseguinte, ao leitor um horizonte diverso do habitual. Ivanda Martins, estudiosa da área de Língua Portuguesa, no artigo “A literatura no Ensino Médio: quais os desafios do professor” (2006), destaca que a discussão sobre o ensino nesse nível passa pela reflexão dos subsídios teórico-metodológicos que contribuem com a prática pedagógica. Para ela: A sistematização de certos conceitos específicos da teoria e crítica literária precisa alcançar maior profundidade, exigindo-se do aluno um repertório mais amplo de leituras e o conhecimento da organização estética da obra literária. A carência de noções teóricas e a escassez de práticas de leituras literárias são fatores que contribuem para que o aluno encare a literatura como objeto artístico de difícil compreensão. (MARTINS, 2006, p. 83). Martins (2006, p. 84) salienta ainda que a leitura literária é pouco valorizada em todos os níveis de ensino da educação Básica (da Educação Infantil ao Ensino Médio) e as contribuições das teorias literárias contemporâneas pouco têm sido contempladas nas escolas, persistindo as abordagens formalistas, estruturalistas, biográficas. Certamente você já ouviu comentários ou leu a expressão “escolarização” vinculada à arte como sinônimo de negatividade. Magda Soares, com relação à escolarização da literatura infantil e juvenil, afirma que: Não há como ter escola sem ter escolarização de conhecimentos, saberes, artes: o surgimento da escola está indissociavelmente ligado à constituição de ‘saberes escolares’, que se corporificam e se formalizam em currículos, matérias e disciplinas, programas, metodologias, tudo isso exigido pela invenção, responsável pela criação da escola, de um espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem. (SOARES, 1999, p. 20). Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 55 Soares (1999) assevera que não devemos atribuir conotação pejorativa à escolarização, pois ela é inevitável e necessária. Negar a escolarização seria negar a própria escola, no entanto existe uma escolarização adequada e outra inadequada no trato com o conhecimento, nesse caso, o literário. Uma escolarização eficaz da literatura é aquela que promove práticas de leitura condizentes com o contexto social e incentiva atitudes e valores que moldam um leitor ideal. Por outro lado, uma escolarização inadequada da literatura é aquela que afasta ao invés de aproximar dos hábitos de leitura sociais, criando resistência ou aversão à leitura. Dessa forma, o ensino da literatura nas escolas é uma prática pedagógica que visa desenvolver nos alunos competências leitoras e críticas, a partir da leitura e análise de obras literárias. Além disso, o ensino da literatura também pode contribuir para a formação do senso crítico, da sensibilidade estética e da compreensão das dimensões históricas, sociais e culturais da sociedade. Da Biblioteca Escolar a Outros Espaços de Leitura Literária A biblioteca escolar é compreendida pelos documentos oficiais de referência como um espaço de fundamental importância para a disseminação da leitura, em especial da leitura literária. Veremos a seguir que políticas públicas têm levado em conta este local como espaço irradiador da leitura, pois não é possível se ter um projeto pedagógico que leve em conta a formação do leitor sem pensar neste ambiente, uma vez que um projeto pedagógico voltado para a formação do leitor literário deve incluir um sistema contínuo de trocas de livros, apoiado por uma biblioteca bem equipada e outros espaços de leitura e circulação de livros. Essa ampliação dos espaços escolares de leitura pode permitir trocas mais autênticas e criar uma comunidade de leitores, importante para manter a literatura viva, especialmente em contextos sem bibliotecas públicas ou livrarias. Isso também pode aumentar o tempo dedicado à literatura, que geralmente é limitado durante as aulas. Vários locais, no Brasil e fora dele, possuem espaços de leitura que, num primeiro momento, parecem sui generis, mas acabam sendo fundamentais para a formação de leitores. O Ministério da Educação brasileiro, no que se refere ao livro e à sua circulação no espaço escolar, tem se voltado preferencialmente para o desenvolvimento de políticas de acesso ao livro didático. Das ações que dizem respeito à biblioteca escolar, ao incentivo à leitura e à formação de leitores, podemos mencionar o que segue. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Leitura na Escola www.cenes.com.br | 56 Entre os anos de 1984 e 1996, ocorreu o Programa Nacional Salas de Leitura (PNSL), instituído pela Resolução MEC/FAE nº 14, de 26 de julho de 1984. Esse programa tinha como finalidade a criação de um espaço alternativo nas escolas públicas que fugisse ao formato da biblioteca tradicional. Em 1997 foi instituído o Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE (Portaria Ministerial nº 584). Em 2000, o PNBEprivilegiou a distribuição de obras voltadas para a formação do professor às escolas de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental. Cabe lembrar que, de 2001 a 2003, o PNBE desenvolveu o projeto Literatura em Minha Casa e Palavra da Gente, focado na distribuição de coleções de literatura diretamente ao aluno, com objetivo de oportunizar ao estudante e seus familiares o acesso ao livro literário. As coleções compunham-se de um conjunto de títulos de gêneros variados. Em 2001, o projeto Literatura em Minha Casa foi direcionado a alunos de 4ª e 5ª séries. Em 2002, para alunos de 4ª série e em 2003, para alunos de 4ª e 8ª séries e do último segmento de Educação de Jovens e Adultos (EJA). No ano de 2004, com a mudança de governo no País, há uma avaliação do referido projeto anterior e a distribuição particularizada ao aluno é revista e se retorna a ações de implementação do acervo coletivo dos espaços de leitura na escola: bibliotecas e salas de leitura. Foram distribuídos, em 2005, às escolas do primeiro segmento do Ensino Fundamental (do 1º ao 5º ano) livros de literatura no formato disponível no mercado editorial. Em 2006/2007, foram selecionados e distribuídos livros de literatura ao segundo segmento do Ensino Fundamental (do 6º ao 9º ano). Cabe, ainda, registrarmos que, em 2007/2008, a seleção e distribuição de livros de literatura foram voltadas para alunos da educação infantil e das séries/anos iniciais do Ensino Fundamental. Constatamos, ainda, que a seleção e a distribuição de livro de literatura foram, em 2008/2009, voltadas para alunos do Ensino Fundamental (do 6º ao 9º ano) e do Ensino Médio. Destacamos que, a partir de 2009/2010, as obras de literatura têm sido voltadas para as crianças da educação infantil (creches e pré-escolas), para os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental e para os alunos da educação de jovens e adultos (Ensino Fundamental e Médio). Embora não sejam títulos de literatura, neste período também foi lançado o edital PNBE Professor 2010, com o objetivo de subsidiar teórica e metodologicamente os docentes no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem nos respectivos campos disciplinares, áreas do conhecimento e etapas/modalidades da educação básica. Foram selecionados 154 títulos divididos em cinco categorias: 53 para os anos Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | O Ensino da Literatura no Ensino Fundamental e Médio: Estratégias Metodológicas www.cenes.com.br | 57 iniciais do Ensino Fundamental; 39 para anos finais do Ensino Fundamental; 45 para o Ensino Médio e educação de jovens e adultos; e 17 para os anos iniciais e finais do Ensino Fundamental da educação de jovens e adultos. Importa frisarmos que, embora tenhamos essas ações, ainda existe carência de bibliotecas escolares. Há, todavia, esperança de que se reverta este quadro, pois foi sancionada a Lei nº 1.244/2010, publicada no Diário Oficial da União, em 25 de maio de 2010, que determina que toda escola pública e privada tenha um acervo mínimo de livros nas bibliotecas escolares, correspondente a um título por aluno matriculado. A referida lei estabelece o prazo de 10 anos para a criação de espaço exclusivo para a guarda do acervo e a admissão de profissional habilitado para administrar esse acervo. Faz-se necessário destacar que, a partir de 2003, com a Lei nº 10.753, que institui a Política Nacional do Livro, desenvolveu-se um Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) e várias ações de promoção da leitura foram desencadeadas. Outras instituições não governamentais têm se aliado em prol de reflexões sobre a leitura literária no Brasil, entre elas podemos citar o Movimento por um Brasil literário e a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). 7 O Ensino da Literatura no Ensino Fundamental e Médio: Estratégias Metodológicas Existem diversas estratégias metodológicas que podem ser utilizadas para o ensino da literatura nas escolas. Algumas delas incluem: • Leitura compartilhada: essa estratégia envolve a leitura coletiva de uma obra literária, em que o professor e os alunos se revezam na leitura em voz alta. Essa prática permite que os alunos se envolvam com o texto e criem um ambiente de discussão em torno da obra. • Análise de textos: o professor pode apresentar aos alunos diferentes textos literários para análise e discussão, destacando elementos como personagens, enredo, estrutura, linguagem e tema. Essa estratégia permite que os alunos desenvolvam habilidades de interpretação e análise crítica. • Produção textual: a produção de textos literários pelos alunos pode ser uma forma eficaz de estimular a criatividade e a expressão Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | O Ensino da Literatura no Ensino Fundamental e Médio: Estratégias Metodológicas www.cenes.com.br | 58 escrita. O professor pode oferecer diferentes gêneros literários como opções, como contos, crônicas, poesias, entre outros. • Integração com outras disciplinas: a literatura pode ser integrada com outras disciplinas, como história, geografia, artes e língua estrangeira, para ampliar o conhecimento dos alunos sobre diferentes temas e contextos. • Atividades práticas: atividades práticas, como dramatizações, jogos e projetos literários, podem ser usadas para engajar os alunos e tornar o ensino da literatura mais dinâmico e divertido. Além disso, é importante que o ensino da literatura esteja integrado a um projeto pedagógico mais amplo, que contemple a formação de leitores críticos e reflexivos. Isso pode incluir a criação de espaços de leitura, como bibliotecas e salas de leitura, e o incentivo à leitura em casa e fora da escola. Também é fundamental que os professores estejam engajados em sua própria formação, buscando atualização constante sobre as tendências e novidades da literatura. Outrossim, apresentaremos mais algumas práticas didáticas para o ensino da literatura nas escolas: Varal Literário Outro trabalho interessante a ser realizado com os alunos é a construção do Varal Literário. Os primeiros varais literários começaram a circular em Santa Catarina na década de 1970, idealizados pelo poeta Alcides Buss. Atualmente são muito utilizados para divulgar e expor poemas. O varal literário consiste em pendurar num cordão (como um varal de roupa) as produções literárias dos alunos e de escritores por escolhidos eles. Os poemas podem, igualmente, ser apresentados em folhas de ofício e/ou cartolinas. Análise Comparativa - Intertextualidade Martins (2006) sugere a análise comparativa entre romances por autores em tempo e espaço diferentes, o que incentiva o trabalho com os diferentes níveis de compreensão de intertextualidade. O quadro a seguir, elaborado pela autora, apresenta sugestão de como trabalhar os diferentes níveis de intertextualidade: Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | O Processo da Escrita na Escola www.cenes.com.br | 59 Outra possibilidade de trabalhar com o romance apresentamos a seguir. Para introduzir no Ensino Médio a leitura dos romances do escritor português José Saramago, sugerimos, por exemplo, a leitura de um conto do autor publicado em formato de livro infantil, denominado A maior flor do mundo (Ilustração de João Caetano). Nesse conto, o escritor tece considerações sobre as dificuldades das relações humanas e as de escrever para a infância. Para completar, você pode assistir ao filme, adaptado e dirigido por Juan Pablo Etcheverry, “A flor mais grande do mundo”. Outras Possibilidades a) Saraus literários. b) Feiras de livro. c) Intercâmbios de leitura. d) Sessões audiovisuais. 8 O Processo da Escrita na Escola Objetivamos discutir o desenvolvimento do processo da escrita na escola, observando-o pelos princípios do pensamento filosófico-linguístico da linguagem como interação social (teorias de Mikhail Bakhtin e seu Círculo)e da visão socio interacional do ensino e da aprendizagem (teorias de Vigotski e discípulos). Não é, pois, nosso objetivo discutir a trajetória histórica das teorias sobre concepções de Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | O Processo da Escrita na Escola www.cenes.com.br | 60 língua, de linguagem e de texto e implicações desses estudos nas ciências da linguagem e destas na atualidade. Com essa abordagem esperamos fornece algumas orientações que possam subsidiar a formação do professor em Letras-Português, na perspectiva teórico- metodológica aqui assumida. O processo de escrita na escola é uma atividade fundamental no desenvolvimento da habilidade de comunicação escrita dos alunos. Além disso, é uma ferramenta importante para a construção de conhecimento em diferentes áreas do saber. O primeiro passo para um bom processo de escrita é a escolha do tema. É importante que o tema esteja relacionado com a realidade do aluno, com suas experiências e vivências, para que haja uma maior motivação e envolvimento na atividade. Em seguida, é importante que o professor auxilie os alunos no planejamento da escrita, fornecendo orientações sobre como organizar as ideias, estabelecer um objetivo claro para o texto e definir a estrutura adequada para a mensagem a ser transmitida. Após o planejamento, os alunos podem começar a escrever o texto propriamente dito. Nessa fase, é importante que o professor esteja disponível para tirar dúvidas e dar sugestões para aprimorar o trabalho. Outra etapa importante é a revisão do texto. Os alunos devem ser incentivados a relerem seus próprios textos com um olhar crítico, para identificar erros de ortografia, concordância, coesão e coerência. Além disso, o professor pode utilizar ferramentas de revisão em grupo, como a leitura coletiva, para ajudar os alunos a identificarem possíveis problemas no texto de seus colegas. Por fim, é importante que o professor forneça feedbacks construtivos e específicos para cada aluno, apontando pontos fortes e pontos a serem trabalhados na escrita, incentivando o aluno a melhorar continuamente. É importante lembrar que o processo de escrita deve ser um processo gradual e contínuo, que se estende ao longo de todo o ano letivo, com diferentes tipos de textos e objetivos. Com o tempo, os alunos vão desenvolvendo habilidades cada vez mais sofisticadas de comunicação escrita, o que é fundamental para seu sucesso acadêmico e profissional. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | O Processo da Escrita na Escola www.cenes.com.br | 61 E, nesse contexto, algumas perguntas iniciais se insinuam: • Afinal, no espaço escolar, sendo estudantes, como alcançamos o domínio desse conhecimento? E, na função de professores, como nos tornamos competentes na mediação pedagógica do que se ensina e do que é aprendido? • Como compor um processo educativo, uma metodologia de ensino direcionada ao ato da escrita, que possibilite a cada um de seus participantes a aquisição (se for esse o caso), o desenvolvimento dos usos da escrita tanto no que diz respeito à habilidade individual como no coletivo? Habituamo-nos com relações de assimetria: pelo discurso pedagógico que ensina basicamente pelo livro didático (conteúdos); pelas lembranças do que aprendemos com nossos professores e, como alunos, assumindo um papel de “aquele que desconhece necessariamente o que lhe é ensinado”. E, alunos e professores, vimos repetindo ações de submissão à palavra do outro. “Professor, como começo a minha redação/composição/texto?” Lembram desse enunciado? Alguns professores respondiam (ou respondem) a seus alunos: “Você não sabe? Pense, esforce-se! A ideia está na sua cabeça, é só passar para o papel!” Outros nos “davam” um começo. Vocês recordam de algo semelhante ao que estamos dizendo? É, mas essa é uma longa história, que trata de uma prática pedagógica que ocupou (e ainda ocupa) uma boa fatia dos modelos de ensino. E quanto à correção do que produzíamos? Ou recebíamos uma avaliação (nota/conceito) ou observações generalistas (sua redação não está boa, reescreva-a; tente melhorar o final; sua redação não tem começo, meio e fim; falta coesão; melhore a ortografia, reveja a pontuação e a concordância verbal etc.). Poderíamos nos alongar nessas descrições que habitam as memórias de ensino, mas as trouxemos para começar a falar sobre a aprendizagem de ministrar aulas, cujo objetivo é ensinar a linguagem verbal escrita; não aos moldes das memórias acima resgatadas. Vamos atuar nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, mas acima desse nosso compromisso está o necessário entendimento do objeto de ensino da Língua Portuguesa e Literatura. Com essa consideração temos, então, de tocar em questões que dizem respeito ao acesso à cultura da escrita pelo ensino sistematizado e intencional desse conhecimento, sem esquecer que isso implica olhar para o ser que escreve, o Ser humano. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | O Processo da Escrita na Escola www.cenes.com.br | 62 Aprendizagem e Desenvolvimento da Linguagem Escrita e Autoria O desenvolvimento da linguagem escrita é um processo complexo e contínuo que envolve diversas etapas e habilidades. Inicialmente, as crianças começam a se familiarizar com a escrita por meio de atividades lúdicas e de exploração do ambiente em que estão inseridas, como por exemplo, identificar letras em placas e cartazes ou desenhar e escrever palavras e frases. Com o tempo, à medida que as crianças são expostas a mais situações de leitura e escrita, elas começam a compreender a relação entre as letras e os sons da língua falada. É nessa fase que se inicia o processo de alfabetização, que consiste em aprender o sistema de escrita alfabética e desenvolver habilidades de decodificação e compreensão de textos. Conforme as crianças vão progredindo em sua alfabetização, elas passam a escrever textos mais complexos, utilizando diferentes gêneros textuais e estratégias de escrita. Nesse sentido, é importante que a escola ofereça oportunidades para que os alunos pratiquem a escrita em diferentes contextos e situações, como por exemplo, escrever cartas, redigir relatórios de pesquisa, produzir poesias e contos, entre outros. Além disso, é fundamental que o processo de desenvolvimento da linguagem escrita seja acompanhado por professores e outros profissionais que possam auxiliar os alunos a aprimorarem suas habilidades e a refletirem sobre o uso da língua escrita. Isso inclui não só aspectos gramaticais e ortográficos, mas também a organização textual, a coerência e a coesão do discurso. Em resumo, o desenvolvimento da linguagem escrita é um processo que envolve múltiplas etapas e habilidades, e que deve ser estimulado e acompanhado de forma cuidadosa e contínua pela escola e pelos educadores. Diante disso, podemos perceber que os procedimentos para o ensino sistematizado da leitura e da escrita estão ancorados nas concepções de linguagem (língua/linguagem) e de ensino e aprendizagem que seus proponentes possuem (de modo consciente ou não) e se expressam nas escolhas tanto da ordem das relações sociais como discursivas (processos de interação social e verbal). Tais escolhas provocam uma ou outra modalidade de interação social e verbal. Dessa forma, é imperiosa a observação da constituição das inter-relações, ou seja, a observação dos processos sociais, históricos e ideológicos envolvidos na singularidade das relações sociais e discursivas nas salas de aula: um ambiente com a finalidade do ensino intencional do português nas suas diferentes modalidades, cuja Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | O Processo da Escrita na Escola www.cenes.com.br | 63 finalidade põe em perspectiva a responsabilidade social para com a formação do cidadão com vistas a uma sociedade mais justa e solidária. A escola, comoo professor deposita na cabeça “vazia” de seus alunos o conteúdo que eles não possuem, como alguém que deposita dinheiro em um banco. Essas concepções em que o professor não mais é visto como mero transmissor de conteúdo enfatizam, então, “[...] a necessidade de um profissional de caráter amplo, com pleno domínio e compreensão da realidade de seu tempo, com desenvolvimento da consciência crítica que lhe permita interferir e transformar as condições da escola, da educação e da sociedade” (FREITAS, 2002, p. 139), corroborando a importância dos processos de formação de professores nessa perspectiva. A publicação do livro Pedagogia do oprimido (2005), do grande educador brasileiro Paulo Freire, escrito nos anos de 1967 e 1968, quando de seu exílio no Chile, constitui também esse momento histórico de construção de novos olhares sobre a formação do professor. Freire discute uma nova concepção de educação, a partir da compreensão da realidade social e econômica dos educandos, e denuncia a educação bancária, caracterizada pelo aluno que chega à escola e recebe do professor o conteúdo como se fosse uma mercadoria. Outrossim, com o tempo, o pensamento mecanicista foi questionado e criticado, principalmente a partir do século XX, com o surgimento de novas abordagens filosóficas e científicas. Uma das principais críticas ao pensamento mecanicista é que ele desconsidera a complexidade e a dinamicidade da realidade, reduzindo-a a um conjunto de partes isoladas e estáticas. Além disso, essa concepção não leva em conta a subjetividade e a subjetividade dos indivíduos e a influência do contexto social e cultural em suas experiências e comportamentos. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Aspectos Históricos da Disciplina e da Formação Docente www.cenes.com.br | 6 As transformações concretas no campo da escola também se deram “[…] no sentido de buscar superar as dicotomias entre professores e especialistas, pedagogia e licenciaturas, especialistas e generalistas, pois a escola avançava para a democratização das relações de poder em seu interior e para a construção de novos projetos coletivos”; construindo, assim, “a concepção de profissional de educação que tem na docência e no trabalho pedagógico a sua particularidade e especificidade” (FREITAS, 2002, p. 139, grifos da autora). Com relação à formação do professor de Língua Portuguesa, para os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, a Lei no. 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional) reafirma a obrigatoriedade da formação em nível superior, razão pela qual se organizam, dentre outros programas de formação, os cursos na modalidade de EaD, dada a impossibilidade de oferta de cursos presenciais em todos os municípios brasileiros. No que diz respeito ao ensino da Língua Portuguesa, até os anos 1970, os estudos e pesquisas se faziam na área de conhecimento denominada Didática, que se subdividia em Didática Geral e Didática Especial, que, por sua vez, desmembrava-se em Didática do Português. A proposta dessa disciplina apontava para um ensino normativo, prescritivo, “um conjunto de normas, recursos e procedimentos que deveriam informar e orientar a prática dos professores”, de forma a poderem prescrever com mais eficácia as normas da língua, diz a professora, doutora e livre docente em Educação Magda Becker Soares (1997, p. X). Ademais, a disciplina de Língua Portuguesa foi tendo seu nome alterado no Ensino Fundamental e Médio ao longo do tempo. Na década de 1960, época do antigo curso ginasial, era denominada Português, subdividida em Estudos de Língua e Estudos de Literatura, ministrados inclusive por professores diferentes. Na década de 1970, passou a chamar-se Comunicação e Expressão, e dela não fazia parte a literatura, que passou a integrar o currículo do segundo grau, como estudo de história literária e de autores e obras visando aos concursos vestibulares. Nos currículos atuais temos, no Ensino Fundamental, a disciplina de Língua Portuguesa, e a Literatura faz parte dela. Porém, persiste a tendência de se considerarem distintas a língua e a literatura e de o texto literário ser utilizado em sala de aula apenas como pretexto para aulas de leitura, interpretação e estudos gramaticais. Ainda há forte tendência em considerar a gramática normativa e prescritiva como conteúdo central das aulas de língua e compreender o ensino da literatura, quando objetivado, como o estudo para a caracterização de obras e autores. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Aspectos Históricos da Disciplina e da Formação Docente www.cenes.com.br | 7 No Ensino Médio, no entanto, embora continue fazendo parte da disciplina de Língua Portuguesa, a “[...] literatura possui alguma autonomia de disciplina”, como afirmam Ramos e Corso (2010, p. 29). Estudar a língua é também estudar literatura e vice-versa, pois o objeto do ensino de Língua Portuguesa é a linguagem verbal (a palavra, o texto, a linguagem em uso) nas suas múltiplas formas de manifestação, incluindo a literária, nas diferentes esferas sociais. Com relação aos cursos de pedagogia, estes formavam o professor para a sala de aula, orientadores educacionais, supervisores e administradores escolares; esses últimos nomeados de especialistas em educação. Hoje, nos cursos de formação, essa divisão não existe mais. Os cursos formam profissionais para atuar na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Atualmente, a formação de docentes para a educação básica envolve uma série de desafios, como a necessidade de oferecer uma formação teórica sólida e atualizada, aliada a uma formação prática que permita ao futuro professor vivenciar a realidade da escola e desenvolver habilidades pedagógicas específicas. A Lei nº 9.394/96, em seu artigo 62, dispõe o que segue: Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal. Ainda, outras disposições legais acerca da formação de docentes da Língua Portuguesa e Literatura no Brasil, atualmente, serão expostas a seguir: 1. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei nº 9.394/1996: essa lei estabelece as bases da educação nacional e define a formação de docentes como uma das prioridades do sistema educacional. A LDB estabelece que a formação de professores deve ser realizada em cursos de licenciatura de graduação plena, que devem contemplar a formação em áreas específicas do conhecimento, como a Língua Portuguesa e a Literatura. 2. Resolução CNE/CP nº 2/2015: essa resolução estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Aspectos Históricos da Disciplina e da Formação Docente www.cenes.com.br | 8 cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada de professores da educação básica. A resolução estabelece as competências e habilidades que devem ser desenvolvidas nos cursos de formação de professores da Língua Portuguesa e Literatura, como o domínio da língua portuguesa e a capacidade de desenvolver atividades de leitura, produção de textos e análise literária. 3. Base Nacional Comum Curricular (BNCC): a BNCC é um documento que define as competências e habilidades que os estudantes devem desenvolver ao longo da educação básica no Brasil. A BNCC estabelece as habilidades e competências que os professores de Língua Portuguesa e Literatura devem desenvolver em seus alunos, como a capacidade de compreender e produzir diferentes tipos de textos e de analisar e interpretar obras literárias. 4. Diretrizesinstituição social, é parte de uma complexa formação social e preconiza por meio de seus projetos de ensino particulares um determinado modo de educação não desarticulado daqueles que circulam em outras esferas sociais. Como profissionais responsáveis pela ação pedagógica, professores lidam com a memória do que é o ensino, do que é a aprendizagem, constituídos, ambos os processos, ao longo de um tempo e espaço históricos. Nesse tempo e espaço, lida-se, portanto, com a memória dos sentidos que foram sendo construídos sobre o que se compreende como uma aula de língua materna (no caso, o português). Pelas aulas, os estudantes passam a se vincular a essas comunidades socio discursivas e passam também a construir sentidos do processo educativo (do que é ser professor, do que é ser aluno, do que é a leitura (ser leitor), escrita (ser escritor), entre outros). Não passamos, portanto, impunes pelas salas de aula, pelas instituições que se ocupam com a educação formal ou que com elas estabelecem elos sociais. Pensar em metodologias de ensino da escrita ou de quaisquer das modalidades da língua implica considerar que quaisquer desses processos de conhecimento não iniciam necessariamente no espaço da instituição escolar. É, contudo, desse espaço que, como futuros professores, temos a responsabilidade de responder socialmente pelos estudantes que formamos nessa disciplina denominada Língua Portuguesa. E, como diz Bakhtin (2010 [1920-1924]), referindo-se à dimensão ética do agir humano, não temos álibi para escapar dessa responsabilidade. Ainda, nessa direção, a metodologia assumida para essa pedagogia requer a definição de uma unidade de fundamento para o ato educativo. Neste livro de Metodologia, assumimos uma concepção interacionista de linguagem e, então, se focarmos nosso olhar sobre o ensino da escrita, cabe-nos a pergunta: o que fazer, como fazer, para que fazer quando ensinamos a escrita ancorados nessa compreensão filosófica, teórico linguística da língua? Certamente o comentário mais imediato aponta que o ensino não pode ser desenvolvido pela fragmentação da linguagem verbal. Ensinar com base em uma didática que fragmente a aula com o objetivo de obter o domínio da escrita por meio de exercícios e treinos, propondo aulas de leitura, de interpretação de textos, de exercícios gramaticais, de paráfrases textuais, etc., como atividades estanques que pouco ou jamais se inter-relacionam vai na contramão do que se compreende sobre a natureza da linguagem verbal. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | O Processo da Escrita na Escola www.cenes.com.br | 64 De outro modo, pelo entendimento de língua como interação, a linguagem é constituída nas atividades humanas ao mesmo tempo em que é constituidora dessas atividades. Nela, os enunciados produzidos pela sua natureza dialógica são tomados no “grande diálogo da comunicação discursiva.” (BAKHTIN, 2003, p. 323). Então, pedagogicamente temos a responsabilidade da compreensão da linguagem em toda sua complexidade, e a aprendizagem da escrita é uma delas porque é elo nesse processo. A compreensão da língua, consequentemente, passa pelo entendimento de que se tratarmos de recortes desse fenômeno estes necessitam ser analisados considerando-os no contexto da cadeia ininterrupta da linguagem. Se essa é a realidade concreta do fenômeno língua/linguagem, essa é a realidade concreta para seu ensino. Modelos de Ensino na Pedagogia da Língua Escrita: Pontos de Referência em Discussão Historicamente, com base nas orientações sobre o ensino da escrita nas séries iniciais, por não considerarem que a aprendizagem iniciava antes mesmo de a criança entrar na escola (pensava-se que a criança chegava a zero na escola, era uma “tábula rasa”, isto é, sem nenhum saber), o conhecimento era apresentado de modo gradual e progressivo e, muitas vezes, artificial, não só do ponto de vista linguístico, mas também por estar desconectado da realidade vivencial da criança. Como decorrência, as experiências escolares com a escrita concentravam-se em atividades mecânicas de reprodução, correspondência entre som e grafia, enfim, basicamente constituíam-se de treino da escrita (mediante cópia mecânica, ditados, exercícios repetitivos que obedeciam rigorosamente a uma graduação de dificuldades). Bortolotto (2001[1998], p. 23), discutindo o processo de ensino para produzir texto escrito no âmbito da sala de aula de alfabetização, alertava sobre o uso, pelo professor, de métodos com passos previstos e predeterminados para esse ensino: A literatura mostra que muitos professores apoiam o trabalho de alfabetização em métodos específicos, seguindo uma forma de ação que tem certo caráter de legalidade e segurança por ser o método reconhecido como um caminho que apresenta alguma garantia de resultado. [...] Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | O Processo da Escrita na Escola www.cenes.com.br | 65 Todavia, é importante destacar que não existe um método único e universalmente válido para o ensino da língua escrita, e que cada abordagem apresenta suas vantagens e limitações. Cabe ao educador escolher a metodologia mais adequada para o perfil e as necessidades de seus alunos, levando em conta suas concepções pedagógicas e as demandas do contexto escolar. Esta é apenas uma representação do modo como a didática da Língua Portuguesa iniciava seus “estudos de textos”. De modo geral, mantinham um modus operandi para os procedimentos didáticos de apresentação desses estudos. Os passos poderiam ser previstos, pois a cada página a sistemática de apresentação era a mesma ou, quando muito, semelhante. A conduta que se esperava do professor era de que acompanhasse tais passos, agindo desse modo, poderia ele “garantir” êxito a seu processo pedagógico (o do livro didático, mas assumido como seu). Conduta, como vimos e agora repisamos, que se assemelha à dos manuais de alfabetização e das propostas para ações dos alfabetizadores. Se observarmos a proposta de estudo do texto (entendimento e análise) que está dirigida para alunos que estão por cinco anos na escola, verificaremos que as respostas esperadas não exigem dos estudantes mais que a decodificação do código escrito (leitura-decodificação), mais que a localização de informações com base no fragmento de um texto literário selecionado para estudo (diga-se, sem mencionar tal situação de produção escrita). Ademais, o texto é tratado como um conjunto preciso de informações, levando o aluno a possíveis equívocos, como o de ser a leitura um ato de reprodução do sentido do texto (leitura parafrástica), de a garantia da leitura passar necessariamente por exercícios de entendimento e análise (respostas excludentes; objetivas – sem espaço para outras posições interpretativas). Esse modo de ensino pode imprimir uma rotina pouco saudável àqueles jovens estudantes partícipes da rica produção humana nos usos e práticas de linguagem na realidade concreta da comunicação discursiva. Necessitamos pensar com profundidade sobre os manejos pedagógicos, buscando a compreensão, mas reagindo reflexivamente e com atitudes, nutridos pela concepção de língua que se assume com essa ou com aquela ação. Mesmo porque também podemos nos deparar com alunos com seus processos de aprendizagem e de desenvolvimento do conhecimento da escrita distante do que é esperado. Então, se temos de compreender a natureza da linguagem e dessa concepção traçar nosso ato pedagógico, se temos de olhar a comunicação discursiva no seu fluxo ininterrupto, também temos de olhar para os interlocutores desse processo, para o professor (e sobre ele já falamos um pouco, mas destinaremos um espaço especial neste livro), sobre sua condição de aprendiz do ensinar; sobre suas condições sociais, históricas, Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | O Processo da Escrita na Escola www.cenes.com.br| 66 ideológicas de trabalho (formação; condições de trabalho), sobre seus alunos, na relação que se estabelece entre professores, alunos e objeto de conhecimento. Para traçarmos nossos projetos de ensino de escrita, necessitamos saber de onde partir e onde pretendemos chegar, portanto, saber o que nossos alunos dominam ou necessitam saber. Esse é também um dos pontos a serem postos em consideração quando falamos de ensino da escrita: não perder de vista os sujeitos do processo nas práticas de escrita. Necessitamos de conhecimentos sobre o objeto do nosso ensino, mas também sobre a aprendizagem dos sujeitos, sobre nossa mediação na relação social escolar (porque também somos aprendizes do ensinar). Isso para ficar nessas relações mais imediatas envolvidas na produção do conhecimento da escrita em uma instituição especializada para tal tarefa. Não iremos encontrar turmas homogêneas com pessoas com as mesmas necessidades de conhecimento, portanto nossos desafios no ensino da escrita são importantes e instigadores e requerem saber o que os sujeitos sabem (tanto professores quanto alunos). É no curso dessa disciplina Metodologia do Ensino de Português e Literatura que poderemos desenvolver, aprofundar os conhecimentos, as experiências necessárias ao nosso futuro desempenho profissional, colhidas durante as mais variadas disciplinas do curso. Nessas diferentes disciplinas vocês estudaram teorias que discutiam a Língua Portuguesa e a Literatura. Agora, estamos diante do desafio de pensar a atuação profissional e provocar-lhes aprendizagens e desenvolvimento de conhecimentos sobre a linguagem escrita. Necessitamos agir, então, necessitamos saber como agir. Necessitamos, então, de um método? De uma metodologia? Ou, antes de tudo, de uma concepção de linguagem, de entender o que é linguagem? A tradição do ensino escolar da escrita já nominou de muitos modos o objeto de seu ensino, como retórica, poética, gramática, gramática histórica, composição, redação, produção textual e, em um tempo histórico mais próximo do nosso, perfilam expressões como discurso escrito, gêneros do texto, gêneros do discurso, tipos de texto e de discurso. Essas diferentes nominações expressam uma dada concepção de escrita, uma dada concepção de texto que, por sua vez, põe em perspectiva uma determinada concepção de linguagem. Enfim, são muitos os quadros conceituais provocadores de desdobramentos importantes para as/nas práticas educacionais. Em adição, apresentaremos, a seguir, algumas abordagens e métodos de ensino utilizados na pedagogia da língua escrita. Essas abordagens variam de acordo com as concepções pedagógicas e teóricas adotadas pelos educadores. Seguem elas: Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | O Processo da Escrita na Escola www.cenes.com.br | 67 • Método Tradicional: Baseado em um ensino diretivo e autoritário, esse método foca na memorização de regras gramaticais e na prática de exercícios de escrita. A ênfase está na correção de erros e na padronização da linguagem escrita. • Método Construtivista: Fundamentado na ideia de que o aprendizado é construído pelo aluno, esse método parte da experiência e dos conhecimentos prévios do estudante para desenvolver habilidades de leitura e escrita. A escrita é vista como um processo de construção de significados e de produção de sentido. • Método Montessori: Baseado na observação e na experimentação, esse método busca desenvolver a autonomia do aluno e sua capacidade de explorar e descobrir. A escrita é trabalhada por meio de atividades lúdicas e sensoriais, que incentivam a experimentação e a descoberta. • Método da Produção de Textos: Esse método tem como foco o desenvolvimento da habilidade de produzir textos, a partir de uma sequência de etapas que vão desde a coleta de informações até a revisão final. O objetivo é que o aluno se torne capaz de produzir textos coerentes, coesos e gramaticalmente corretos. • Método Sociointeracionista: Baseado na teoria de Vygotsky, esse método enfatiza a interação social e a participação em atividades coletivas como forma de desenvolver a linguagem escrita. O processo de escrita é visto como uma atividade social, que envolve a construção de significados em um contexto comunicativo. • Método da Gramática Reflexiva: Esse método tem como objetivo desenvolver a capacidade do aluno de analisar a língua e refletir sobre o seu uso. A ênfase está na compreensão das regras gramaticais e na capacidade de aplicá-las em diferentes contextos de uso da língua escrita. • Método da Escrita Criativa: Esse método busca estimular a criatividade e a imaginação dos alunos, por meio de atividades de escrita que valorizam a expressividade e a originalidade. O foco está na produção de textos literários e na experimentação de diferentes estilos e gêneros textuais. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | O Processo da Escrita na Escola www.cenes.com.br | 68 Pensar o texto como unidade de ensino é pensá-lo na sua complexa constituição e levar em conta tal constituição nas pedagogias para ensino de linguagem verbal (práticas específicas). Não se trata de substituir nominações (composição, redação, produção textual, gêneros textuais, gêneros do discurso), mas de provocar reflexões e atitudes entre aquilo que permanece, muitas vezes, ressignificado e aberto à criação, porque ainda é uma necessidade, e o que se desloca, é ultrapassado, por não atender às necessidades deste tempo presente. Todavia, esse “agir, saber agir, quando agir, como agir, e por quais métodos” deve vir, primeiramente, na postura e no posicionamento do professor, de sua visão de língua e de linguagem. Assim, se comunga do caráter interacionista desses objetos de conhecimento, sua metodologia, seu planejamento, deve ser coerente com esse princípio. Então, ao elaborar seu planejamento, ao decidir trabalhar com a escrita, com o que escrever (não esquecer, nessa decisão, da importância de compartilhar e discutir a ideia com os alunos), deverá já ter em mente tanto o sujeito-escritor (aluno) como o sujeito-leitor (definido pelo grupo – professor e alunos – num processo participativo, interativo). Seu trabalho guiar-se-á, então, por esta questão: a quem os alunos irão destinar o que escrevem? Como já vimos, isso irá determinar o como escrever. Vamos dar um exemplo que nos toca de perto. Quando nós – o grupo de professores que escreveu este Caderno – esboçamos nossos primeiros planejamentos, esse pressuposto tornou-se logo evidente. Seríamos os sujeitos-escritores que iríamos destinar o que escrevêssemos a sujeitos-leitores bem definidos. Foi fundamental termos nosso interlocutor previamente definido, pois essa modalidade de ensino requer um tipo de texto com características especiais, já que nosso interlocutor, ausente no tempo e no espaço e não presencial em uma sala de aula, necessita logicamente de uma metodologia com estratégias especiais. Estamos vendo, então, que o que se escreve, a quem se escreve determina o como se escreve. Daí a importância de nosso aluno ter seu interlocutor bem definido para que possa determinar o como escrever. Claro está que o como escrever pressupõe também o domínio de um conjunto complexo de habilidades que vão sendo adquiridas ao longo do processo de aprendizagem, que inicia, como vimos, antes mesmo de a criança entrar na escola, passa pelo aprendizado do sistema alfabético, vai amadurecendo e se aprofundando no decorrer dos outros níveis de ensino e pode perdurar ad infinitum, já que somos eternos aprendizes. O que queremos frisar aqui é a importância, no decorrer de toda essa aprendizagem, de o Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | O Processo da Escrita na Escola www.cenes.com.br | 69 aluno sentir-se, assumir-se como locutor/escritor, sentir-se partícipe de uma ação interpessoal; enfim, autor de seu texto, peloqual poderá atuar sobre seu interlocutor, e que, para tanto, deverá selecionar um conjunto de estratégias que julgar adequadas para aquele tipo de situação de interlocução. Vejamos como Geraldi (1991) configura isso por meio de um gráfico. Claramente estamos aqui constatando que, pela perspectiva que assumimos, não há como isolar o aluno de seu contexto sócio-histórico, de sua realidade e pedir-lhe que escreva uma redação. Sabemos que, para que haja discurso (oral ou escrito), é fundamental uma estrutura, uma organização social em que locutores e interlocutores dela se sintam parte integrante. Para Bakhtin (2003), o interlocutor é parte constitutiva do enunciado, pois sem a existência dele não haveria discurso. Dessa forma, o enunciado não pode ser tomado como unidade convencional (como uma abstração), mas como unidade real, em sua construção dialógica. Enfim, considerando tudo o que foi dito ao longo deste texto e se formos fiéis ao princípio da dialogia, temos de ouvir as múltiplas e diferentes vozes que emanam de diferentes textos e a elas nos alinharmos ou nos contrapormos com enunciados próprios, com autoria, produzindo outras e outras vozes; afinal, “[...] a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2003, p. 265). Nosso desafio é olhar para os textos com olhos de observadores, com atitudes na direção da compreensão ativa (com a possibilidade de resposta), com apreciação (consciente), Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Análise Linguística e Ensino de Gramática www.cenes.com.br | 70 pelo trabalho na lida da palavra falada, lida, escutada, escrita, analisada nos seus mais diversos e diferentes níveis, aprendendo a ser autores e a formar autores; olhando, perscrutando, procurando conhecer o trabalho da docência, o trabalho na docência com a palavra (o verbo) e de lá aprender a encontrar o outro (as vozes) tecendo a sua própria formação de aprendiz do ensinar. Tendo isso em vista, destacamos que “A palavra quer ser ouvida, entendida, respondida e mais uma vez responder à resposta, e assim ad infinitum” (BAKHTIN, 2003, p. 334). 9 Análise Linguística e Ensino de Gramática Objetivamos salientar a importância da prática de análise linguística como atividade escolar de linguagem necessária ao desenvolvimento de conhecimentos sobre as estratégias de discurso, ou seja, as escolhas discursivas que fazemos ao produzir os textos. Trazemos também à discussão conceitos de gramática visando orientar o ensino cujos conteúdos referem-se à organização da língua, a sua estrutura e ao conjunto de regras que a tornam inteligível. 9.1 Análise Linguística Assim como a criança lê o mundo desde muito cedo, ela também se apropria da linguagem verbal e opera sobre esta desde muito pequena. Ela percebe as diferentes entonações da linguagem, seja quando ouve uma história contada para ela em que o contador varia o tom de voz de acordo com o personagem, seja quando a mãe se refere a ela com carinho ou com repreensão. Percebe ainda que, dependendo do seu interlocutor, deve reagir de forma diferente: com um parente que se dirige a ela, reagirá de certa forma; com o médico que a examina, reagirá de outra forma; e com uma pessoa estranha, também reagirá de forma diferente. Esses conhecimentos dos quais a criança vai se apropriando no desenvolvimento da sua linguagem, por meio da interação com pessoas mais experientes no uso da língua, com os quais ela chega à escola e que lhe possibilitam, além do domínio da língua e do saber usá-la para falar sobre as coisas do mundo, desenvolver reflexões sobre o uso da própria língua; é o que denominamos análise linguística. Como vimos discutindo ao longo deste material pedagógico, o objeto de ensino da disciplina Língua Portuguesa é a linguagem em uso. Assim sendo, as atividades de análise linguística que se fazem na escola têm como função refletir sobre essa Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Análise Linguística e Ensino de Gramática www.cenes.com.br | 71 linguagem em uso, favorecendo seu domínio, tanto na escuta e na leitura quanto na produção de textos orais e escritos. Quando falamos em reflexão sobre a língua em uso, temos claro que a prática de análise linguística “não pode ficar reduzida apenas ao trabalho sistemático com a matéria gramatical” (BRASIL, 1998, p. 27), Ao contrário, temos de [...] criar situações em que os alunos possam operar sobre a própria linguagem, construindo pouco a pouco, no curso dos vários anos de escolaridade, paradigmas próprios da fala de sua comunidade, colocando atenção sobre similaridades, regularidades e diferenças de formas e de usos linguísticos, levantando hipóteses sobre as condições contextuais e estruturais em que se dão. (BRASIL, 1998, p. 28). Embora estejamos falando de reflexão sobre a língua em uso como se fosse algo intrínseco às aulas de Português, sabemos que, de fato, a tradição da disciplina de Língua Portuguesa é o trabalho com a gramática tradicional. Esse trabalho manteve- se durante muitos anos, e ainda se mantém em algumas salas de aula, na crença de melhorar o desempenho linguístico dos alunos, seja na leitura, seja na produção escrita. Ao longo dos anos, tem-se percebido, no entanto, que esse objetivo pouco tem sido alcançado. Como ressalta Geraldi (1996, p.129-130), a sistematização dos conteúdos gramaticais [...] não se dá, na prática de sala de aula, de forma tão sistemática. O simples manuseio de alguns livros didáticos, ou de materiais alternativos produzidos para substituí-los, nos mostra que a sequência em que são trabalhados tais conteúdos gramaticais dificilmente permitirá, ao final de oito anos de estudos, que o aluno tenha um quadro sinóptico de ao menos uma proposta gramatical. O conteúdo é distribuído, nas diferentes séries, de uma forma tão irracional que a uma lição sobre o plural de substantivos compostos pode se seguir uma lição de análise sintática. Qual é, então, a sistematização que se oferece à reflexão prévia do estudante? Tratar-se-ia de uma sistematização a cada vez local? Por conta de quem ficaria, então, a construção de uma visão geral da teoria gramatical estudada? Por conta do estudante? Como vimos evidenciando, tomamos o texto como unidade de ensino e, assim sendo, os aspectos a serem elencados para as atividades de análise linguística não poderão se referir apenas à dimensão gramatical. A dimensão discursiva será necessariamente levada em conta, pois essa prática requer interpretação e produção de texto. Dessa forma, temos de ter em mente que “[...] prática de análise linguística não é uma nova denominação para ensino de gramática” (BRASIL, 1998, p. 78). Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Análise Linguística e Ensino de Gramática www.cenes.com.br | 72 O modo de ensinar, sugerido pelos PCNs de Língua Portuguesa, [...] não reproduz a clássica metodologia de definição, classificação e exercitação, mas corresponde a uma prática que parte da reflexão produzida pelos alunos mediante a utilização de uma terminologia simples e se aproxima, progressivamente, pela mediação do professor, do conhecimento gramatical produzido. Isso implica, muitas vezes, chegar a resultados diferentes daqueles obtidos pela gramática tradicional, cuja descrição, em muitos aspectos, não corresponde aos usos atuais da linguagem, o que coloca a necessidade de busca de apoio em outros materiais e fontes. (BRASIL, 1998, p. 29). Tendo como objeto de ensino a linguagem em uso, a prática de análise linguística, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio, tem de estar articulada às práticas de linguagem. Assim, “Deve-se ter claro, na seleção dos conteúdos de análise linguística, que a referência não pode ser a gramática tradicional. A preocupação não é reconstruircom os alunos o quadro descritivo constante dos manuais de gramática escolar [...]” (BRASIL, 1998, p. 29); ao contrário, temos de selecionar, como conteúdos para nossas aulas de análise linguística dificuldades apresentadas pelos nossos alunos nas atividades de produção, leitura e escuta de textos. Os PCNs apontam que [...] quando se toma o texto como unidade de ensino, ainda que se considere a dimensão gramatical, não é possível adotar uma categorização preestabelecida. Os textos submetem-se às regularidades linguísticas dos gêneros em que se organizam e às especificidades de suas condições de produção: isto aponta para a necessidade de priorização de alguns conteúdos e não de outros. Os alunos, por sua vez, ao se relacionarem com este ou aquele texto, sempre o farão segundo suas possibilidades: isto aponta para a necessidade de trabalhar com alguns desses conteúdos e não com todos. (BRASIL, 1998, p.78-79). A seguir, alguns procedimentos metodológicos, sugeridos pelos PCNs, para a prática de análise linguística: • Foco na instrumentalização do aluno para o domínio da linguagem, sem isolamento dos componentes da expressão oral e escrita já dominados por eles; • Criação de um corpus simples e relevante para que o aluno possa perceber as regularidades linguísticas; • Análise do corpus e agrupamento dos dados observados com base nos critérios previamente estabelecidos; • Registro das conclusões alcançadas pelos alunos; Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Análise Linguística e Ensino de Gramática www.cenes.com.br | 73 • Introdução da metalinguagem após diversas experiências de manipulação e exploração do aspecto selecionado, com acesso a diversos textos que abordem os conteúdos estudados; • Exercitação dos conteúdos estudados para a apropriação efetiva das descobertas; • Reinvestimento dos diferentes conteúdos em atividades mais complexas, como prática de escuta e leitura ou produção de textos orais e escritos. Para que o aluno possa se apropriar dos conhecimentos gramaticais evidenciados e fazer uso na sua produção escrita, o que somente o estudo dos tópicos da gramática escolar não garante, os PCNs sugerem o refazimento dos textos produzidos pelos alunos, uma prática já testada e que tem dado certo. Conforme Geraldi (2002, p.73-74), “[...] a análise linguística que se pretende partirá não do texto ‘bem escritinho’, do bom autor selecionado pelo ‘fazedor de livros didáticos’. Ao contrário, o ensino gramatical somente tem sentido para auxiliar o aluno. Por isso partirá do texto dele”. Assim, o professor seleciona o texto produzido pelo aluno e “[...] pode trabalhar tanto os aspectos relacionados às características estruturais dos diversos tipos textuais como também os aspectos gramaticais que possam instrumentalizar o aluno no domínio da modalidade escrita da língua” (BRASIL, 1998, p. 80). Seguem procedimentos sugeridos pelos PCNs para o encaminhamento da atividade de refazimento textual: • Seleção de um dos textos produzidos pelos alunos, que seja representativo das dificuldades coletivas e apresente possibilidades para discussão dos aspectos priorizados e encaminhamento de soluções. • Apresentação do texto para leitura, transcrevendo-a na lousa, reproduzindo-o, usando papel, transparências ou a tela do computador. • Análise e discussão dos problemas selecionados. Em função da complexidade da tarefa, não é possível explorar todos os aspectos a cada vez. Para que o aluno possa aprender com a experiência, é importante selecionar alguns, propondo questões que orientem o trabalho. • Registro das respostas apresentadas pelos alunos às questões propostas e discussão das diferentes possibilidades em função de critérios de legitimidade e de eficácia comunicativa. Nesta etapa é importante assegurar que os alunos possam ter acesso a materiais de Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Análise Linguística e Ensino de Gramática www.cenes.com.br | 74 consulta (dicionários, gramáticas de outros textos), para aprofundamento dos temas tratados. • Reelaboração do texto, incorporando as alterações propostas. (BRASIL, 1998, p. 80). Os PCNs apontam alguns aspectos a serem levados em conta pelo professor ao desenvolver a atividade de refazimento textual. Vínculos de confiança entre o professor e o grupo são importantes para que os alunos não se sintam constrangidos ao ver suas produções expostas para a turma. Se o objetivo de a atividade não envolver, por exemplo, conteúdos ligados a ortografia, a versão a ser trabalhada pode ter problemas dessa ordem corrigidos, para que a atenção dos alunos se volte para os aspectos que se queira de fato trabalhar. Se o objetivo da atividade envolver conteúdo dos quais os alunos não tenham domínio, o professor pode assinalar os trechos do texto que quer trabalhar, assim os alunos concentram-se na tarefa de refazer os trechos com problemas, ao invés de investirem na tarefa de encontrar os problemas. Quando o professor tiver como objetivo trabalhar aspectos morfossintáticos, por exemplo, poderá ao invés de reproduzir um texto na íntegra, selecionar trechos de vários textos que apresentem o problema a ser reescrito. Quando os alunos já dominarem a tarefa de refazimento textual, o professor pode complexificá-la sugerindo trabalho de refazimento em duplas ou em grupos e até mesmo em forma de oficinas em que questões mais específicas poderão ser propostas (BRASIL, 1998, p. 81). As atividades de análise linguística possibilitam ao aluno, além do conhecimento sobre a língua, a apropriação de recursos expressivos que não fazem parte do seu repertório linguístico. Assim, o aluno irá, aos poucos, na escola, adquirindo uma variedade da língua diferente daquela que adquiriu em casa, com seus pares. De acordo com Geraldi (1997, p. 192-193): [...] além dos objetivos que tais atividades possam ter em si próprias, enquanto conhecimento que produzem sobre a língua, acrescente-se o fato de que elas podem servir e servem para uma outra finalidade: a do domínio de certos recursos expressivos que não fazem parte daqueles já usados pelos alunos. Toda reflexão feita deve estar no horizonte: o confronto entre diferentes formas de expressão e mesmo a aprendizagem de novas formas de expressão, incorporadas àquelas já dominadas pelos alunos, Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Análise Linguística e Ensino de Gramática www.cenes.com.br | 75 levam à produção e ao movimento de produção da variedade padrão contemporânea. Note-se, esta nova variedade não dispensa o conhecimento da variedade padrão anterior, mas faz deste conhecimento (que não precisa necessariamente ser total) uma condição na construção da nova variedade. Para tanto, há que se ter cuidado para que o aluno não tenha a sensação de que sua variedade linguística deverá ser substituída pela variedade da escola. O trabalho a ser desenvolvido visa somar uma nova variedade àquela que o aluno já domina. Assim como os PCNs, alguns autores da área da sociolinguística apontam a necessidade de se trabalhar a variação linguística em sala de aula. A seguir, evidenciaremos algumas propostas, discutidas em Monguilhott (2006), de estudiosos brasileiros que têm se dedicado a aplicar o conhecimento que a sociolinguística vem elaborando, principalmente desde a década de 1980, no Brasil, para a sala de aula. Para Bagno (2002, p. 32), todas as variedades sociolinguísticas devem ser objeto de estudo das aulas de português “para que o espaço da sala de aula deixe de ser o local para o estudo exclusivo das variedades de maior prestígio social e se transforme num laboratório vivo de pesquisa do idioma em sua multiplicidade de formas e usos”. O autor ressalta que sua proposta se justifica em função da impossibilidade de se delimitar as variedades que se organizam em um continuum. Em relação às propostasde se ensinar na escola a “língua culta”, Bagno (2002, p. 64) sugere que haja, em sala de aula, a investigação da língua viva, falada e escrita, para que o aluno entenda que “[...] existe uma distância muito grande entre a norma- padrão tradicional (que não é uma ‘língua culta’ real e sim uma língua ‘cultuada’, ideal) e as realizações empíricas da língua por parte dos falantes cultos [...]”. Em sua proposta, Bagno (2002, p. 65) julga primordial que o professor delimite um corpus de língua culta falada e escrita para analisar a “[...] língua real e não o padrão idealizado e artificial”. Esse corpus ajudará na comprovação e na explicação da variação e mudança que ocorre na língua viva. A explicação, de acordo com o autor, virá a partir do arcabouço teórico que o professor deve buscar. Bagno (2002, p. 41) evidencia ainda a questão do preconceito linguístico que há em função dos valores sociais atribuídos às variedades linguísticas, valores que, na verdade, são atribuídos aos falantes dessas variedades. O valor que a variedade recebe Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Análise Linguística e Ensino de Gramática www.cenes.com.br | 76 está diretamente relacionado ao valor que o falante dessa variedade recebe no mercado social. Quanto mais distante dos usos prestigiados, mais “erros” esse falante será acusado de cometer. Essa crença ainda existe, embora já esteja “mais do que comprovado que, do ponto de vista exclusivamente científico, não existe erro em língua, o que existe é variação e mudança”, ambas constitutivas da língua. Dessa forma, ao invés de o professor mostrar para o aluno o que está “certo” e o que está “errado” em termos de uso linguístico, poderá [...] discutir os valores sociais atribuídos a cada variante linguística, enfatizando a carga de discriminação que pesa sobre determinados usos da língua, de modo a conscientizar o aluno de que sua produção linguística, oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação social, positiva ou negativa (BAGNO, 2002, p. 75). Scherre (2005, p. 66) aponta que, para a discussão do preconceito linguístico, pode-se usar resultados de pesquisas sociolinguísticas, [...] apresentando fatos interessantes, que evidenciam que os políticos e as autoridades brasileiras – falantes nativos do português brasileiro – não estão simplesmente “nocauteando a concordância”, “tropeçando” ou cometendo “gafes”, mas, sim, deixando seu vernáculo emergir [...]. Scherre apresenta uma discussão a respeito do conceito do certo e do errado em português, afirmando que não são conceitos absolutos, pois não há usos linguísticos melhores ou superiores a outros, “[...] existem, sim, línguas e dialetos diferentes, igualmente complexos e sistemáticos, bem como culturas diferentes [...]. A ideia [...] da superioridade linguística ou [...] cultural não resiste a qualquer análise científica” (SCHERRE, 2005, p. 128). Ainda sobre a noção de certo e errado, ela evidencia que tendemos a “[...] rotular de erradas predominantemente as formas que fazem correlação estreita com classe social, mesmo que, consciente ou inconscientemente, façamos uso destas mesmas formas na fala espontânea e na escrita revisada” (SCHERRE, 2005, p. 117). Bortoni-Ricardo (2004, p. 34), assim como Bagno e Scherre, aponta como compromisso de a escola trabalhar a língua de forma a desfazer qualquer tipo de preconceito linguístico, advindo da noção científica do erro. Evidência que as variedades linguísticas ganham prestígio em função de fatores históricos, políticos ou econômicos, já que “[...] nada têm de intrinsecamente superior às demais”. Ela salienta que a escola deverá estar atenta às diferenças entre a cultura que os alunos trazem para a escola e a cultura da escola, conscientizando-os dessas diferenças. Ressaltamos, no entanto, que Bortoni-Ricardo reconhece a dificuldade que os professores Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Análise Linguística e Ensino de Gramática www.cenes.com.br | 77 apresentam em relação a essa questão, pois não sabem se devem corrigir os alunos ou não, que “erros” devem corrigir ou até mesmo se podem falar em erros (Bortoni- Ricardo, 2004, p. 38). Dessa forma, a autora sugere que “[...] diante da realização de uma regra não-padrão pelo aluno, a estratégia do professor deve incluir dois componentes: a identificação da diferença e a conscientização da diferença” (BortoniRicardo, 2004, p. 42). A conscientização implica que o aluno passe a monitorar seu próprio estilo, para adequá-lo às situações exigidas. Bortoni-Ricardo ressalta que, ainda que cheguem à escola competentes em Língua Portuguesa, os alunos irão entrar em contato com novos domínios de interação social, por isso terão de “[...] ampliar a gama de seus recursos comunicativos para poder atender às convenções sociais, que definem o uso linguístico adequado a cada gênero textual, a cada tarefa comunicativa, a cada tipo de interação” (2004, p. 75). Essa ampliação de recursos comunicativos, de acordo com a autora, deve encontrar lugar privilegiado na escola. Silva (2004, p. 27-28) atenta para dois fatos essenciais no ensino de língua: o de que as línguas naturais são fenômenos históricos, por isso estão em contínuo processo de fazer-se e refazer-se e o de que “[...] o ensino-aprendizagem de língua materna se define em um processo mútuo de intercâmbio linguístico entre senhores da matéria”, ou seja, o aluno também é detentor dos conhecimentos a serem trabalhados na disciplina de Língua Portuguesa. Ela salienta que a escola desconsidera o saber linguístico diferenciado que os alunos possuem no intuito de levá-los a dominar o padrão culto idealizado, “[...] o que só alcançam, havendo exceções, claro, alguns daqueles que já vêm das camadas socioculturais em que esse padrão é a base da comunicação cotidiana, apenas com diferenças próprias aos registros de formalidade” (SILVA, 2004, p. 29). A proposta de Silva é a de que o ensino leve em consideração o todo da língua e não apenas algumas de suas formas, socialmente privilegiadas. Só assim, conforme a autora, o indivíduo desde que começa a refletir sobre a língua terá consciência de que “[...] sabe falar a língua que fala todo dia, mas que precisa saber mais sobre ela e que esse saber pode crescer com ele por toda a sua vida” (SILVA, 2004, p. 35). Para que o aluno perceba que, mesmo antes de iniciar o processo de escolarização, já domina sua língua materna, a autora sugere que o ensino-aprendizagem tenha como ponto de partida a oralidade, “[...] a introdução da escrita e da leitura será integrada ao currículo escolar, mais tarde ou mais cedo, a depender do tipo de população que a escola atenda” (SILVA, 2004, p. 76). Em relação “[...] ao aperfeiçoamento da língua materna para novos usos, a escola deverá ter uma organização curricular diferenciada Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Análise Linguística e Ensino de Gramática www.cenes.com.br | 78 para melhor atender à diversidade sociocultural e sociolinguística da população a que serve” (SILVA, 2004, p. 76). Para ela, no momento em que o professor trabalhar com as variantes que ocorrem na fala brasileira, distinguindo as “[...] mais salientes e socialmente estigmatizadas, para, sem desprestigiar as segundas, selecionar ambas, a fim de treinar o uso formal falado e os usos escritos de seus alunos” (SILVA, 2004, p. 115), estará contribuindo para “[...] uma efetiva virada no ensino da Língua Portuguesa no Brasil” (SILVA, 2004, p. 115). Bakhtin também discute a questão da variação linguística. Em “O Discurso no Romance”, tendo como foco a linguagem literária, o autor assume que a língua como meio vivo é plural tanto na perspectiva ideológica quanto na social. Admite que há estratificação na língua, determinada pelos gêneros, quando afirma que “[...] estes ou outros elementos da língua adquirem o perfume específico dosgêneros dados: eles se adéquam aos pontos de vista específicos, às atitudes, às formas de pensamento, às nuanças e às entonações desses gêneros” (BAKHTIN, 1990 [1920-1924], p. 96). Os gêneros fazem usos característicos da língua, sendo assim, apresentam estilos diferentes. Para Bakhtin, a variação linguística está ligada às diferentes esferas da atividade humana. Os usos da língua serão tão variados quanto as possibilidades de interações humanas. O autor evidencia a questão da adequação do modo de dizer do falante ao modo de dizer da situação de interação, ou seja, o gênero condicionando as escolhas linguísticas. Bakhtin salienta a influência que a história, a idade, o estrato social, a escolaridade, entre outros fatores, exercem sobre a língua. Nessa perspectiva, cada época histórica da vida ideológica e verbal, cada geração, em cada uma de suas camadas sociais, tem sua linguagem: ademais, cada idade tem a sua linguagem, seu vocabulário, seu sistema de acentos específicos, os quais, por sua vez, variam em função da camada social, do estabelecimento de ensino (a linguagem do cadete, do ginasiano, do realista, são linguagens diferentes) e de outros fatores de estratificação (BAKHTIN, 1990 [1920-1924], p. 97-98). Bakhtin ressalta também a importância dos fatores externos na análise do discurso. Segundo ele, “estudar o discurso em si mesmo, ignorar a sua orientação externa, é algo tão absurdo como estudar o sofrimento psíquico fora da realidade a que está dirigido e pela qual ele é determinado” (BAKHTIN, 1990 [1920-1924], p. 99). Dentre os fatores externos, o autor destaca profissão, gênero, geração, idade, intenção, como podemos constatar quando afirma o seguinte: Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Análise Linguística e Ensino de Gramática www.cenes.com.br | 79 Todas as palavras evocam uma profissão, um gênero, uma tendência, um partido, uma obra determinada, uma pessoa definida, uma geração, uma idade, um dia, uma hora. Cada palavra evoca um contexto ou contextos, nos quais ela viveu sua vida socialmente tensa; todas as palavras e formas são povoadas de intenções (BAKHTIN, 1990 [1920-1924], p. 100). Ao longo das discussões de Bakhtin, fica evidente a ênfase dada à variação estilística da língua: de acordo com a situação de interação o mesmo indivíduo vai se utilizar de uma determinada variedade da língua. O trecho a seguir parece evidenciar a visão do autor: o camponês analfabeto, que vivia em uma existência considerada imóvel e inabalável, convivia com vários sistemas linguísticos. Ele usava diferentes línguas para rezar, cantar, falar em família e escrever petições. Cada uma dessas línguas tinha um lugar definido e não podia ser questionado. Mobilizar as capacidades e os conhecimentos da língua que o aluno já possui torna-se imprescindível para que ele se sinta encorajado a novas descobertas e a querer aprender não somente aquilo que é imediatamente necessário e importante, mas também o que pode ser útil e importante em outras situações sociais de uso da língua. 9.2 O Ensino da Gramática Primeiro é preciso ter clareza sobre o que se entende por gramática. Um conceito simples e que tem dado conta do que entendemos por gramática é o que a considera um conjunto de regras que especifica o funcionamento de uma língua. Isso significa dizer que toda língua tem uma gramática e que os falantes, de algum modo, dominam as regras da língua que falam. Caso contrário, não haveria entendimento entre as pessoas por meio da linguagem verbal. Possenti (1996), no entanto, propõe três definições para gramática, a partir desse conceito básico, no sentido de encaminhar uma opção de ensino que contemple o conhecimento que possibilite ao falante, produtor de textos orais e escritos, usar a linguagem verbal nas diferentes esferas sociais de modo desejável e adequado. Esse primeiro conhecimento de regras da língua de que falamos, aquele que torna as pessoas capazes de se comunicarem com seus pares e se fazerem entender Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Análise Linguística e Ensino de Gramática www.cenes.com.br | 80 e serem entendidas, ainda que não tenham frequentado a escola, Possenti (1996, p.69) denomina de gramática internalizada: “[...] refere-se à hipótese sobre os conhecimentos que habilitam o falante a produzir frases ou sequências de palavras de maneira tal que essas frases e sequências são compreensíveis e reconhecidas como pertencendo a uma língua”. Uma segunda definição de gramática apresentada pelo autor, nós a conhecemos bem, é a de gramática normativa. Ela é comum aos livros didáticos e às gramáticas pedagógicas. Trata-se do “conjunto de regras que devem ser seguidas” (POSSENTI, 1996, p. 64, grifos do autor) cujo objetivo é fazer com que os usuários da língua falem e escrevam corretamente. A tradição escolar tem privilegiado esse ensino sem, no entanto, ter alcançado o êxito desejado, como já discutimos em unidade anterior. E uma terceira definição diz respeito ao “conjunto de regras que são seguidas” (POSSENTI, 1996, p. 65, grifos do autor), que é a gramática que orienta o trabalho de linguistas – descrição e explicitação das línguas como elas são faladas –, gramática descritiva. Essas definições de gramática são importantes para orientar o ensino que se deseja desenvolver. Antunes (2003) salienta outras questões que são igualmente importantes. Partindo do princípio de que todo falante tem domínio de regras de funcionamento de sua língua e de que, ao usá-la, ele faz uso de enunciados aos quais subjazem conhecimentos de organização das estruturas linguísticas que são compartilhados pelos interlocutores, a autora afirma que todos têm uma gramática internalizada. Ela reforça sua posição considerando que são múltiplas as situações de uso da linguagem verbal e que cada uma delas requer “tipos relativamente estáveis de enunciados”, o que a faz reafirmar: não existe falante sem conhecimento de gramática (ANTUNES, 2003, p. 86, grifo da autora). Isso não significa, porém, que os falantes saibam o que são complementos nominais, quais são as desinências verbais e assim por diante. Eles sabem as regras de uso de modo a tornar inteligíveis os textos que produzem. Por isso, diz Antunes, o necessário é ter clareza sobre o que são regras gramaticais e o que não são regras gramaticais. As regras gramaticais são as orientações de “[...] como usar as unidades da língua, de como combiná-las, para que se produzam determinados efeitos, em enunciados funcionalmente inteligíveis, contextualmente interpretáveis e adequados aos fins pretendidos na interação” (ANTUNES, 2003, p. 86, grifos da autora). São regras gramaticais aquelas referentes às concordâncias nominais e verbais, ao uso e emprego dos pronomes, ao uso das flexões verbais para indicar diferenças de modo e de tempo de ocorrência das ações, ao emprego adequado de palavras que indicam relações semânticas entre partes do texto (relações de causa, de tempo, de oposição, etc.), Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Análise Linguística e Ensino de Gramática www.cenes.com.br | 81 enfim, são os saberes que garantem, como já enfatizado, que seja dito o que se deseja de forma adequada, considerando a situação de interlocução dada àquela comunicação. Em contraposição à regra gramatical, têm-se as “questões metalinguísticas de definição e classificação das unidades da língua” que “não são regras de uso” (ANTUNES, 2003, p. 87, grifos nossos), tais como o nome das conjunções e sua classificação, as denominações para os diferentes tipos de oração; a função sintática das classes de palavras e toda a nomenclatura constante dos compêndios de gramática. Os conhecimentos que não são regras de uso são aqueles que rotulam, dão “nome às coisas da língua” (ANTUNES, 2003, p. 87). A autora ressalta ainda que a questão não é “[...] ‘ensinarou não ensinar gramática’ [...] é discernir sobre o objeto de ensino: as regras (mais precisamente as regularidades) de como se usa a língua nos mais variados gêneros de textos orais e escritos” (ANTUNES, 2003, p. 88, grifos da autora). Coloca-se, então, ao professor a tarefa de decidir quais regras ensinar e em que perspectiva esse ensino dar-se-á para que os objetivos de ensino da língua sejam atingidos, na perspectiva da formação de um leitor e produtor de textos, consciente da importância de ampliar sempre mais sua competência discursiva, ampliando suas experiências de letramento. E, se necessário, questões metalinguísticas também serão ensinadas, desde que relevantes, contextualizadas e de algum interesse para os alunos. Considerada a gramática internalizada do aluno, seu conhecimento implícito pode ser ampliado e enriquecido por um ensino que explicite o funcionamento desse saber internalizado, referente ao léxico, à sintaxe, à pragmática, à gramática, ao contexto de uso da língua. Como mencionado em seção anterior, a atividade de análise linguística possibilitará o desenvolvimento do ensino referente a essas questões. Assim: [...] pode-se dizer que a [análise linguística] é parte das práticas de letramento escolar, consistindo numa reflexão explícita e sistemática sobre a constituição e o funcionamento da linguagem nas dimensões sistêmica (ou gramatical), textual, discursiva e normativa, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de habilidades de leitura/escuta, de produção de textos orais e escritos e de análise e sistematização dos fenômenos linguísticos. (MENDONÇA, 2006, p. 208). Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Referências www.cenes.com.br | 82 Ressaltamos, portanto, que se advoga um ensino de gramática em que o professor selecione conteúdos que sejam relevantes ao desenvolvimento da leitura e da produção textual em curso; deve fazer uso, inclusive, da metalinguagem que se fizer necessária ao saber dizer, pois a “[...] escola valoriza não apenas o ‘saber’, mas o ‘saber dizer’, [resultado] de uma prática discursiva privilegiada” cuja consequência é “[...] a maior capacidade para verbalizar o conhecimento e os processos envolvidos em uma tarefa” (KLEIMAN, 1995, p. 27). Proposta de didática: Propomos, para o fechamento desta unidade, uma reflexão sobre como foi o ensino de gramática vivenciado por você ao longo de sua vida escolar. Discuta com seus colegas se ele foi produtivo e em que medida se relacionou com as atividades de leitura e escritura que eram realizadas em sala de aula e fora dela. 10 Referências AGUIAR, Maria Aparecida Lapa de. 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Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Referências www.cenes.com.br | 91 Sumário 1 Introdução 2 Aspectos Históricos da Disciplina e da Formação Docente 3 A Organização das Escolas e as Linhas de Pensamento Pedagógico no Contexto do Desenvolvimento das Políticas Educacionais Vigentes 3.1 Linhas do Pensamento Pedagógico no Contexto do Desenvolvimento das Políticas Educacionais Vigentes 4 Diretrizes Oficiais para o Ensino de Língua Portuguesa 5 Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa 5.1 A Avaliação 6 A Leitura na Escola 7 O Ensino da Literatura no Ensino Fundamental e Médio: Estratégias Metodológicas 8 O Processo da Escrita na Escola 9 Análise Linguística e Ensino de Gramática 9.1 Análise Linguística 9.2 O Ensino da Gramática 10 ReferênciasCurriculares Nacionais para a Educação Básica: essa legislação estabelece as diretrizes para a organização e o funcionamento da educação básica no Brasil. As diretrizes estabelecem que a formação de professores da Língua Portuguesa e Literatura deve contemplar não apenas o domínio dos conteúdos específicos da área, mas também o desenvolvimento de habilidades pedagógicas, como o planejamento de aulas e a utilização de estratégias pedagógicas adequadas ao desenvolvimento dos alunos. O processo de democratização da sociedade trouxe também a democratização do acesso à escola. O número de alunos dobrou no ensino primário e triplicou no ensino secundário (SOARES, 1997, p. IX apud BATISTA, 1997, p. IX). A Lei nº. 5692/1971 (Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional – LDB) estendeu o ensino obrigatório de quatro para oito anos e ampliou o Ensino Médio, criando os cursos médios profissionalizantes. Até o advento da Lei nº. 5692/1971, denominava-se ensino primário o correspondente aos primeiros quatro anos do ensino formal; ensino ginasial ou secundário, os quatro anos seguintes, do primeiro ao quarto ano ginasial, considerado ensino secundário. Atualmente, o ensino obrigatório é de nove anos, ampliado pela Lei 9394/1996 (nova LDB), que substituiu, entre outras, a Lei nº. 5692/1971. A escola, que até então servia quase que exclusivamente às camadas economicamente mais privilegiadas da sociedade, não consegue atender de forma adequada a esse novo contingente de alunos que a ela chega, pois, os professores não foram preparados para esse trabalho. Começasse a falar da crise da educação e do fracasso escolar. E os indicadores desse fracasso revelam-se principalmente no Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Aspectos Históricos da Disciplina e da Formação Docente www.cenes.com.br | 9 ensino de Português, pelo alto índice de repetência nos primeiros anos e a constatação de graves problemas de expressão escrita nas avaliações a que são submetidos os alunos concluintes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio nos exames vestibulares e em concursos, nas provas de Língua Portuguesa. Esse primeiro fenômeno, intitulado crise e fracasso no ensino de Português, impulsionou a produção intelectual dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, multiplicando-se os estudos, as pesquisas e reflexões sobre a falência desse ensino, que denunciam as deficiências das crianças e jovens na leitura e produção de textos escritos. Soares (1997) aponta, ainda, um segundo fenômeno que influenciou a produção intelectual sobre o ensino do Português: a reforma universitária do final dos anos de 1960. A reforma universitária do final dos anos 1960 foi um movimento político e social que teve como objetivo promover mudanças profundas no sistema de ensino superior brasileiro. A reforma foi motivada por uma série de questões, como a necessidade de democratizar o acesso à universidade, ampliar o debate acadêmico e científico, e aproximar a universidade das demandas sociais e dos problemas nacionais. Entre as principais propostas da reforma universitária, destacam-se a criação de novos cursos e de novas áreas de pesquisa, a ampliação do número de vagas nas universidades públicas, a valorização da pesquisa científica, a democratização da gestão universitária e a ampliação do acesso de estudantes de baixa renda ao ensino superior. Um dos marcos mais importantes da reforma universitária foi a Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, que estabeleceu as bases da reforma do ensino superior no Brasil. A lei previa, entre outras coisas, a criação de um sistema de universidades federais, a organização dos cursos em ciclos básico e profissional, e a adoção de critérios de avaliação da qualidade do ensino. A partir de então, inúmeras têm sido as publicações direcionadas a questões do ensino da Língua Portuguesa e com essas obras e outras que julgamos representativas deste momento atual é que vimos dialogando, no intuito de trazer à reflexão propostas e alternativas metodológicas sobre o que se ensina e quando se ensina Língua Portuguesa. A formação profissional do professor do modo como vem se estruturando – e se procurou sintetizar isso nos parágrafos anteriores – não tem conseguido fazer frente à questão da atribuição injusta de valores de desprestígio social à profissão. Como diz a professora Ângela B. Kleiman. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Organização das Escolas e as Linhas de Pensamento Pedagógico no Contexto do Desenvolvimento das Políticas Educacionais Vigentes www.cenes.com.br | 10 O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Pedagógicas (INEP/MEC) criou em 21/05/2010, por meio de portaria, o Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente. Esse exame estabelece padrões de referência para o ingresso de professores na Educação Básica. Diz o texto à página 3: “Esses padrões ressaltam a importância da valorização do professor como alguém que necessita de conhecimentos e habilidades específicas para seu exercício profissional, os quais não podem ser substituídos por mera boa vontade ou desejo de trabalhar com crianças” (BRASIL, 2010). [...] a representação que a imprensa faz das capacidades de ler e escrever das professoras, geralmente baseada em fatos anedóticos, mostra suas falhas tanto em relação a práticas cotidianas de leitura e escrita [...] quanto em relação a práticas especializadas [...]. Além disso, ela é representada como não- leitora, não porque não leia, mas porque não tem familiaridade com a apreciação da literatura legítima (em oposição à literatura para as massas). (KLEIMAN, 2001, p. 43). Tal crítica fundamenta-se em concepção de língua cuja norma-padrão, variedade linguística de prestígio social, é a única aceita e na qual a leitura que se considera é, unicamente, a de textos literários. Assim, toda a complexidade de que se reveste a história do ensino da Língua Portuguesa em nosso contexto educacional impõe, por conseguinte, que os professores estejam em constante formação. 3 A Organização das Escolas e as Linhas de Pensamento Pedagógico no Contexto do Desenvolvimento das Políticas Educacionais Vigentes A organização das escolas e as linhas de pensamento pedagógico estão intimamente ligadas ao desenvolvimento das políticas educacionais vigentes em um determinado contexto. As políticas educacionais refletem as escolhas políticas e Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Organização das Escolas e as Linhas de Pensamento Pedagógico no Contexto do Desenvolvimento das Políticas Educacionais Vigentes www.cenes.com.br | 11 ideológicas de uma sociedade e têm o objetivo de orientar e regulamentar a oferta de educação em um país ou região. No Brasil, as políticas educacionais passaram por diversas mudanças ao longo da história. Desde o período colonial, a educação era destinada a um grupo restrito de pessoas, geralmente ligadas à elite econômica e política do país. Com a Proclamação da República, em 1889, a educação foi vista como um meio de formação de uma sociedade democrática e livre, mas ainda era restrita a poucos. Na década de 1930, com a ascensão do Estado Novo, a educação passou a ser vista como um meio de formação de mão de obra para o mercado de trabalho, e a escola foi organizada de forma autoritária e centralizada. A partir dos anos 1950, com o início do processo de industrialização do país, a educação passou a ser vista como um meio de desenvolvimento econômico, e surgiram políticas educacionais que buscavam expandir a oferta de ensino básico e técnico. Nos anos 1960 e 1970, surgiram novas propostas pedagógicas, como o construtivismo e a pedagogia libertadora, que propunham uma educação mais crítica e participativa. Essas propostas influenciaram as políticas educacionais da época, que buscavam promover a participação dos estudantes na gestão escolar e valorizara diversidade cultural. Nos anos 1990, com a redemocratização do país e a promulgação da Constituição de 1988, a educação foi reconhecida como um direito social e a gestão da educação foi descentralizada, com a transferência de responsabilidades para os estados e municípios. Surgiram novas políticas educacionais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), que buscavam garantir a qualidade da educação básica e valorizar os professores. Atualmente, as políticas educacionais no Brasil buscam promover a educação integral, que integra o ensino formal com atividades culturais, esportivas e artísticas, e a formação cidadã, que busca formar indivíduos críticos e participativos na sociedade. A organização das escolas e as linhas de pensamento pedagógico têm se adaptado a essas políticas, buscando promover uma educação mais inclusiva, participativa e cidadã. Aprofundando o tema sobre a organização das escolas atualmente, mantêm-se a organização que apresentavam desde o início de sua existência. Os alunos são Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Organização das Escolas e as Linhas de Pensamento Pedagógico no Contexto do Desenvolvimento das Políticas Educacionais Vigentes www.cenes.com.br | 12 agrupados, em geral, por faixa etária, distribuídos em turmas ou séries que por um período, em média quatro horas, ocupam as denominadas salas de aula, espaços físicos retangulares e com características idênticas (principalmente nas escolas públicas), mesmo tratando-se de comunidades culturais diversas. Os prédios escolares são construídos dentro de um mesmo padrão: salas de administração e corredores que dão acesso às salas de aula, as quais se distribuem uma após a outra. Nas salas de aula, os alunos sentam-se em carteiras, enfileiradas uma atrás da outra. O professor posiciona-se, em geral, à frente dos alunos, dirigindo-se a todos ao mesmo tempo, e em algumas situações faz perguntas a alunos em particular e os demais, quando desejam manifestar-se, levantam o braço – sinal de pedir licença para fazer uso da palavra. São poucos os momentos em que se mudam os padrões de interação, o que faz com que a cultura escolar perpetue formas de comunicação bastante diferentes daquelas usadas fora da escola. São modos de uso da língua empregados apenas no ambiente escolar. O desenvolvimento dos meios de comunicação e as mudanças por que passa a sociedade tornam-na cada vez mais “grafocêntrica” - aquela que dá uma grande importância à escrita e à sua capacidade de representar a linguagem de forma precisa e definitiva -, e o avanço dos recursos tecnológicos de comunicação (web, internet) impõem novos modos de uso da linguagem verbal, o que constitui desafio ao trabalho docente no sentido de possibilitar que os alunos tenham acesso a esse conhecimento e possam assim participar das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita. Embora continuem persistindo modos de ensinar como aqueles que Paulo Freire denominava de educação bancária, em que o professor se julga o único conhecedor do assunto e o transmite/entrega aos alunos como se o saber fosse uma mercadoria, há outros em que os professores ousam mudar tal condição, como aqueles em cujas interações em sala de aula o professor se coloca como mediador, no processo de aprendizagem, entre o conhecimento que os alunos já possuem e o que precisa ser ensinado. Vygotsky fala da passagem necessária de conceitos cotidianos a conceitos científicos, aqueles que a escola necessariamente tem de ensinar, aumentando assim as experiências de linguagem dos alunos, promovendo sempre mais a inclusão social e provocando aprendizagem e desenvolvimento. Com isso, diferentes turmas de alunos terão diferentes modos de reagir a cada uma das formas de interação, o que aumenta a importância de se compreender na Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Organização das Escolas e as Linhas de Pensamento Pedagógico no Contexto do Desenvolvimento das Políticas Educacionais Vigentes www.cenes.com.br | 13 formação docente não apenas aspectos do domínio de conteúdos e habilidades específicas, mas também a constituição das interlocuções na sala de aula, da organização socioespacial do ambiente educativo. 3.1 Linhas do Pensamento Pedagógico no Contexto do Desenvolvimento das Políticas Educacionais Vigentes As linhas de pensamento pedagógico são diferentes abordagens e teorias que orientam a prática educativa, ou seja, a maneira como os professores e educadores organizam e conduzem o processo de ensino-aprendizagem. A década de 1960 foi marcada por uma educação de perspectiva tecnicista, como já mencionamos. Posteriormente, foi influenciada por correntes teóricas de cunho comportamentalista e comunicacional, época em que prevaleceu a concepção de linguagem como instrumento de comunicação no ensino da Língua Portuguesa. A partir da década de 1970, as discussões e análises da educação brasileira, realizadas por intelectuais de campos do conhecimento como a Filosofia, a Sociologia, a História e a Educação, passaram a incorporar aspectos políticos, econômicos, sociais e pedagógicos, com orientação da teoria sociológica dialético-marxista. No bojo dessas discussões, as ideias de Paulo Freire foram também de grande importância para as mudanças ocorridas na educação brasileira e de outros países. Além disso, reafirmando o que dissemos no capítulo anterior, outras perspectivas teóricas têm sido consideradas no ensino. São elas: o construtivismo piagetiano e a psicogênese da linguagem escrita, desenvolvida por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1986); a teoria sócio-histórica de Vygotsky e o desenvolvimento da escrita na criança, segundo estudos de Vygotsky, Luria e Leontiev (2001), dentre outros autores; as metodologias de ensino da língua segundo a pedagogia de Celestin Freinet (1997); e outros modos de ensinar, motivados também pelo conjunto de iniciativas estaduais e municipais, tais como a Constituição Brasileira de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9394/96), os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e, em seguida, para o Ensino Médio, documentos relacionados com estudos e pesquisas acadêmicas sobre educação, alfabetização e ensino da Língua Portuguesa. Tecidas essas considerações, apresentamos, a seguir, algumas das principais linhas de pensamento pedagógico existentes: Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Organização das Escolas e as Linhas de Pensamento Pedagógico no Contexto do Desenvolvimento das Políticas Educacionais Vigentes www.cenes.com.br | 14 • Tradicionalismo: essa linha de pensamento valoriza a transmissão de conhecimentos, a disciplina e a autoridade do professor. A ênfase está na memorização e na repetição de conteúdos. • Escolanovismo: essa linha de pensamento pedagógico surgiu no início do século XX e propõe uma educação mais centrada no aluno, com ênfase na participação ativa e na experimentação. Busca-se uma educação mais flexível, que leve em conta os interesses e necessidades individuais dos alunos. • Construtivismo: essa linha de pensamento pedagógico enfatiza a construção do conhecimento pelos alunos, a partir da sua interação com o ambiente e com os outros. O professor é visto como um facilitador do processo de aprendizagem, que estimula a curiosidade e o pensamento crítico dos alunos. • Pedagogia crítica: essa linha de pensamento pedagógico tem uma abordagem política e social, enfatizando a conscientização e a transformação da realidade social por meio da educação. O objetivo é formar indivíduos críticos e reflexivos, capazes de agir para mudar a sociedade. • Montessori: essa linha de pensamento pedagógico é baseada na metodologia desenvolvida por Maria Montessori,que enfatiza a importância do ambiente e do material didático na aprendizagem. A ênfase está na autonomia e na liberdade do aluno, que pode escolher o que e como quer aprender. • Waldorf: essa linha de pensamento pedagógico é baseada na filosofia de Rudolf Steiner e enfatiza a educação integral do ser humano, com ênfase no desenvolvimento artístico, social e emocional, além do cognitivo. A educação é adaptada às diferentes fases de desenvolvimento da criança. Havemos de considerar, ainda, na história do desenvolvimento do processo educacional brasileiro, que a crescente urbanização da população brasileira tem trazido à escola número crescente de crianças de classes sociais desprivilegiadas e com cultura e variedades linguísticas distintas daquelas praticadas até então no ambiente escolar. Ademais, a ampliação da obrigatoriedade do ensino para nove anos tem reforçado essa situação. Esses fatores, aliados à divulgação pela mídia dos Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | A Organização das Escolas e as Linhas de Pensamento Pedagógico no Contexto do Desenvolvimento das Políticas Educacionais Vigentes www.cenes.com.br | 15 resultados das avaliações nacionais de alunos e cursos, sem uma análise das variáveis que interferem nesses dados, continuam perpetuando o fracasso da escola. Assim como diferentes teorias filosófico-educacionais, as mudanças na sociedade têm repercussão na esfera educativa. Isso, evidentemente, requer dos professores posicionamentos e reflexões diante do que se está atualizando ou mudando. Há sempre uma cobrança de trabalho de qualidade, por parte da sociedade, e as políticas públicas, como já dissemos, ainda não chegaram em nível de resgatar a valorização do profissional da educação. Os salários continuam aquém do piso salarial de outras profissões e não tem havido estímulos à construção de ambientes de trabalho que favoreçam o desenvolvimento de projetos pedagógicos com continuidade, capazes de promover mudanças significativas na formação dos alunos. Por outro lado, há larga produção de material bibliográfico, tanto para professores como para alunos, e a maioria das escolas dispõe de internet, o que possibilita acessar a vasta produção de bibliografia digital. O ambiente virtual oferece ainda sites educativos, destinados exclusivamente a professores, portais institucionais, os quais possibilitam a atualização constante. Pensar no ensino de Língua Portuguesa implica, portanto, considerar todas as questões mencionadas, levando em conta, sobremaneira, o avanço tecnológico que vem propiciando novos modos de sentir, de ver e de pensar as realidades vivenciadas. A internet chegou às escolas e temos outro desafio: incorporá-la como ferramenta imprescindível de acesso à informação e à produção de conhecimento. Afinal, nesse meio encontram-se instrumentos básicos de trabalho, de desenvolvimento social, de participação política, além de possibilitar o domínio de competências capazes de proporcionar práticas de letramento contínuo, entendidas como atividades estruturantes do “pensamento-linguagem” e da cultura (SILVA, 2003, p. 13). O contexto cultural, econômico, científico e educacional impõe, por conseguinte, que a prática pedagógica incorpore, principalmente no que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa, outros conceitos, tais como os de letramento e de gêneros do discurso. Como explicitado anteriormente, entendemos por letramento “[...] o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita” (SOARES, 1998, p. 47); e por gêneros do discurso, os tipos relativamente estáveis de enunciados (BAKHTIN, 2003, p. 262), ou seja, os enunciados orais e escritos, concretos e únicos proferidos pelos falantes de acordo com as condições específicas e as finalidades de cada atividade humana. Esses conceitos reafirmam, então, a palavra em uso, em sua condição concreta de existência. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Diretrizes Oficiais para o Ensino de Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 16 4 Diretrizes Oficiais para o Ensino de Língua Portuguesa Neste capítulo vamos tratar dos documentos que têm sido referência para o ensino de Língua Portuguesa em nossas escolas. Eles visam a orientar gestores escolares e professores no planejamento das ações educacionais e atividades de sala de aula. O ensino público no Brasil, como já vimos, é regido por leis específicas. A lei mais importante, atualmente, é a Lei No 9.394, de 20 de dezembro de 1996, denominada de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que estabelece da educação em todos os níveis. Ela institui os dois níveis de educação que temos hoje: a educação básica, formada pela educação infantil e pelo Ensino Fundamental e Médio; e a educação superior. Para atender aos princípios e objetivos estabelecidos nesta lei, o artigo 9º estabelece que a União, os Estados e os Municípios devem elaborar, em cooperação, o Plano Nacional de Educação (PNE), para um período de 10 anos, estabelecendo metas para a década em questão. O PNE em vigor foi elaborado em 2001, com prazo até 2010. Destacamos que duas metas do PNE foram alcançadas nesse período: a implantação do Ensino Fundamental de 9 anos e o aprimoramento dos sistemas de informação e avaliação. Para poder avaliar a qualidade do ensino no Brasil, foram criados a Prova Brasil e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que são exames complementares. Essas avaliações são diagnósticas e visam a orientar o ensino para que se tenha educação de mais qualidade, por meio de possíveis mudanças das políticas públicas e de paradigmas utilizados nas escolas de Ensino Fundamental e Médio. A Prova Brasil é aplicada a cada dois anos, para quase todas as crianças e jovens matriculados na quarta e na oitava séries (quinto e nono ano). A primeira aplicação ocorreu em 2005, depois em 2007, e a última foi em 2009. Ela visa a medir as competências relacionadas à leitura e aos conhecimentos de matemática. Por serem instrumentos de avaliação de amplitude nacional, tanto a Prova Brasil quanto o Saeb exigem a construção de uma matriz de referência, para a elaboração e avaliação dos testes que lhes confiram transparência e legitimidade, informando aos envolvidos, professores e alunos, o que e como o ensino e a aprendizagem serão avaliados. Essas matrizes têm por referência os Parâmetros Curriculares Nacionais e, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Diretrizes Oficiais para o Ensino de Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 17 (Inep), também foram consultados professores regentes de classe de diferentes redes de ensino municipal, estadual e privado. Hoje, portanto, são documentos de referência para o ensino da Língua Portuguesa o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), a Prova Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e os documentos dos estados e municípios, que são as Propostas Curriculares Estaduais e Municipais. Dentre as Propostas Curriculares de interesse para esta disciplina de Metodologia do Ensino de Português, destacamos aquelas cujos estados e municípios estão envolvidos no curso de EaD, Letras/Português: Proposta Curricular de Santa Catarina, Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná e Proposta Curricular – CBC (Conteúdo Básico Comum) de Minas Gerais. Além das propostas estaduais, alguns municípios e a federação elaboraram seu Plano Municipal de Educação, e Pato Branco, no Paraná, é um deles. No caso dos documentos que orientam o ensino de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental e Médio, vamos destacar, de modo genérico, o que estabelecem os documentos com relação a objetivos, conteúdos, metodologias e formas de avaliação. Com relação aos objetivos de ensino, os Parâmetros CurricularesNacionais para os anos finais do Ensino Fundamental estabelecem o seguinte: No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas, a escola dever organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso público da linguagem, levando em conta a situação de produção social e material do texto (lugar social do locutor em relação ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção do texto, operando sobre as dimensões pragmática, semântica e gramatical. (BRASIL, 1998, p. 49). Esse objetivo mais amplo orienta, então, o estabelecimento dos objetivos específicos quanto às diferentes modalidades da língua: oralidade, escuta e leitura, produção oral e escrita de textos e análise linguística, todas considerando a linguagem em uso, ou seja, os diferentes gêneros discursivos que circulam nos diferentes campos da atividade humana. Esses objetivos sustentam-se na concepção de linguagem como forma de interação humana e a de aprendizagem, na perspectiva vygotskyana. Assim, ao organizar o ensino, é fundamental que o professor tenha instrumentos para descrever Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Diretrizes Oficiais para o Ensino de Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 18 a competência discursiva de seus alunos, no que diz respeito a: escuta, leitura e produção de textos, de tal forma que não planeje o trabalho em função de um aluno ideal para o ciclo, muitas vezes padronizado pelos manuais didáticos, sob pena de ensinar o que os alunos já sabem ou apresentar situações muito aquém de suas possibilidades e, dessa forma, não contribuir para o avanço necessário. Nessa perspectiva, pode-se dizer que a boa situação de aprendizagem é aquela que apresenta conteúdos novos ou possibilidades de aprofundamento de conteúdos já tematizados, estando ancorada em conteúdos já constituídos. Organizá-la requer que o professor tenha clareza das finalidades colocadas para o ensino e dos conhecimentos que precisam ser construídos para alcançá-las. (BRASIL, 1998, p. 48). Vejamos o que diz a Proposta Curricular de Santa Catarina. A orientação teórica da Proposta Curricular de Santa Catarina tem por fundamento a psicologia histórico- cultural de Vygotsky e a concepção de linguagem de Bakhtin. A linguagem – sob o ponto de vista de suas múltiplas funções – é considerada uma prática social, ou seja, é acontecimento social, uma forma de interação. (BAKHTIN, 1990). Da mesma forma que os PCNs, essa proposta orienta-se com base na concepção interacionista da linguagem, portanto, pela teoria do dialogismo – Bakhtin (1990). As Diretrizes da Educação Básica do Paraná seguem a mesma orientação teórica da Proposta Curricular de Santa Catarina; vejamos: “O ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa visa aprimorar os conhecimentos linguísticos e discursivos dos alunos, para que eles possam compreender os discursos que os cercam e terem condições de interagir com esses discursos” (PARANÁ, 2009, p. 50). Os documentos, de modo geral, consideram a escola um espaço de promoção do letramento do aluno. Nela, as práticas de uso da língua se dão por meio de diferentes gêneros discursivos, com diferentes funções sociais. A Proposta Curricular de Minas Gerais, nas suas diretrizes pedagógicas para o Ensino Fundamental do 6o ao 9o ano, estrutura-se com base nos mesmos fundamentos teóricos das propostas curriculares de Santa Catarina e do Paraná. Desse conjunto de diretrizes, destacamos as razões para ensinarmos Língua Portuguesa na escola expostas na Proposta Curricular de Minas Gerais: [...] ensinamos linguagem, não para “descobrir” o verdadeiro significado das palavras ou dos textos, nem para conhecer estruturas abstratas e regras de gramática, mas para construir Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Diretrizes Oficiais para o Ensino de Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 19 sentidos, sempre negociados e compartilhados, em nossas interações. Nosso conceito de natureza e de sociedade, de realidade e de verdade, nossas teorias científicas e valores, enfim, a memória coletiva de nossa humanidade está depositada nos discursos que circulam na sociedade e nos textos que os materializam. Textos feitos de gestos, de formas, de cores, de sons e, sobretudo, de palavras de uma língua ou idioma particular. Assim, a primeira razão e sentido para aprender e ensinar a disciplina está no fato de considerarmos a linguagem como constitutiva de nossa identidade como seres humanos, e a língua portuguesa como constitutiva de nossa identidade sociocultural. (MINAS GERAIS, 2006, p. 12). A linguagem é compreendida, nas propostas curriculares desses Estados, como prática social, como atividade discursiva por meio da qual os usuários se constituem sujeitos do discurso, desenvolvendo habilidades sociocognitivas e apropriando-se de conhecimentos e de culturas necessárias à sua inserção no meio em que vivem. Consta na proposta de Minas Gerais: Ao se constituir e se realizar no espaço “eu-tu-nós”, sempre concreto e contextualizado, a linguagem nos constitui como sujeitos de discurso e nos posiciona, do ponto de vista político, social, cultural, ético e estético, frente aos discursos que circulam na sociedade. A língua não é um todo homogêneo, mas um conjunto heterogêneo, múltiplo e mutável de variedades, com marcas de classes e posições sociais, de gêneros e etnias, de ideologias, éticas e estéticas determinadas. Nesse sentido, ensinar e aprender linguagem significa defrontar-se com as marcas discursivas das diferentes identidades presentes nas variedades linguísticas. Significa tornar essas variedades objeto de compreensão e apreciação, numa visão despida de preconceitos e atenta ao jogo de poder que se manifesta na linguagem e pela linguagem. Não podemos deixar de lembrar aqui as razões que devem nortear nosso papel como mediadores das experiências dos alunos com a interlocução literária. O sentido do ensino e da aprendizagem impõe a ampliação de horizontes, de forma a reconhecer as dimensões estéticas e éticas da atividade humana de linguagem, só ela é capaz de tornar desejada a leitura de poemas e narrativas ficcionais. É essencial propiciar aos alunos a interlocução com o discurso literário que, confessando-se como ficção, nos dá o poder de experimentar o inusitado, de ver o Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Diretrizes Oficiais para o Ensino de Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 20 cotidiano com os olhos da imaginação, proporcionando-nos compreensões mais profundas de nós mesmos, dos outros e da vida. (MINAS GERAIS, 2006, p. 12). Os objetivos de ensino expressos nos diferentes documentos de referência definem como objeto do ensino da Língua Portuguesa aquele por nós já mencionado: a linguagem em uso, ou seja, os textos orais e escritos que nós mesmos produzimos, que são produzidos por outros na sociedade de modo geral, os que circulam em nosso meio, aqueles dos quais fazemos uso para nos informar, para formar e partilhar opiniões, para nos orientar, para lazer, para informar alguém, para emitir opinião, para registrar nossas memórias, para expressar ideias e sentimentos, para produzir cultura, enfim, todas as formas de linguagem verbal que constituem nossa humanidade. Em se tratando do ensino da linguagem em uso, os conteúdos serão trabalhados não em séries ordenadas por assuntos, mas sim, usando termos dos PCNs, de forma espiralada e progressiva. Podemos, portanto, sintetizar os objetivos do ensino de Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino Fundamental com o que dizem os PCNs (BRASIL, 1998, p.22): O objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem é o conhecimento linguístico e discursivocom o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas pela linguagem. Organizar situações de aprendizado, nessa perspectiva, supõe: planejar situações de interação nas quais esses conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados; organizar atividades que procurem recriar na sala de aula situações enunciativas de outros espaços que não o escolar, considerando-se sua especificidade e a inevitável transposição didática que o conteúdo sofrerá; saber que a escola é um espaço de interação social onde práticas sociais de linguagem acontecem e se circunstanciam, assumindo características bastante específicas em função de sua finalidade: o ensino. Nessa perspectiva de ensino, na qual o professor é o interlocutor privilegiado nas situações de uso da linguagem, os PCNs enfatizam que o aluno dos anos finais do Ensino Fundamental é o jovem adolescente cujo processo de desenvolvimento caracteriza-se, dentre outros fatores, pela ampliação das formas de raciocínio, Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Diretrizes Oficiais para o Ensino de Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 21 organização e representação, de expressão de observações e opiniões. Do mesmo modo, é característico o desenvolvimento da capacidade de investigação, levantamento de hipóteses, abstração, análise e síntese na direção de raciocínio cada vez mais formal, o que traz a possibilidade de constituição de conceitos mais próximos dos científicos. É característico ainda dessa fase de desenvolvimento um tipo de comportamento tomado de valores específicos dessa faixa de idade, os quais atuam como forma de identidade em relação ao lugar que esses jovens adolescentes ocupam na sociedade e nas relações que estabelecem com os adultos e seus pares. Tais valores se evidenciam, principalmente, no tipo de linguagem em que há a incorporação e criação de modismos, uso de vocabulário específico, formas de expressão adotadas em função da atividade exercida – é o caso dos surfistas, esqueitistas, funkeiros etc. –, caracterizadas como falas típicas de determinados grupos. Por essa razão, o trabalho com a linguagem, esta entendida como constitutiva e constituidora do sujeito, impõe que a reflexão seja uma constante, a fim de permitir o reconhecimento, pelo adolescente, da própria linguagem e de seu lugar no mundo, bem como a percepção das outras formas de organização do discurso, principalmente daquelas dos textos escritos. Em relação ao Ensino Médio, a LDB/5692/71 indicava que a língua portuguesa fosse ministrada em duas disciplinas assim nominadas: Língua Portuguesa, com ênfase na literatura brasileira. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio PCNEM, apoiados na LDB/9394/2006, em vigor, concebem a organização curricular deste nível de ensino dispostas em três grandes áreas: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias. O ensino da Língua Portuguesa e de Literatura insere- se, por conseguinte, na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (BRASIL, 2000, p. 17). A natureza social e interativa da linguagem é enfatizada nos PCNEMs e não mais se compreende a literatura separada da língua, pois ela é da mesma forma compreendida como representação simbólica das experiências humanas manifestas nas diferentes formas de sentir, pensar e agir na vida social. A LDB 9394/1996, no artigo 35, estabelece as seguintes finalidades para o Ensino Médio: Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Diretrizes Oficiais para o Ensino de Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 22 I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Este nível de ensino requer, então, prática pedagógica diferenciada daquela do Ensino Fundamental ao considerar também as competências que se espera sejam desenvolvidas na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, tais como: • Debater opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas formas específicas de manifestação; • Compreender e utilizar os sistemas simbólicos das diversas linguagens como meio de organizar a cognição da realidade por meio da criação de significados, expressão, comunicação e informação; • Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, levando em consideração a natureza, função, organização e estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção; • Compreender e utilizar a língua portuguesa como língua materna, que gera significados e integra a organização do mundo e da própria identidade. Em síntese, podemos dizer que no Ensino Médio, como indicam os documentos mencionados, objetiva-se o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Diretrizes Oficiais para o Ensino de Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 23 As propostas curriculares estaduais para o Ensino Médio seguem os princípios dos PCNEMs, enfatizando, no entanto, o cuidado em se continuar trabalhando a linguagem como construção de sentidos, negociados e compartilhados em nossas interações verbais. A Proposta Curricular de Minas Gerais representa o que está posto nas de Santa Catarina e do Paraná em outras palavras: Nosso conceito de natureza e de sociedade, de realidade e de verdade, nossas teorias científicas e valores, enfim, a memória coletiva de nossa humanidade está depositada nos discursos que circulam na sociedade e nos textos que os materializam. Textos feitos de gestos, de formas, de cores, de sons e, sobretudo, de palavras de uma língua ou idioma particular. Assim, a primeira razão e sentido para aprender e ensinar a disciplina está no fato de considerarmos a linguagem como constitutiva de nossa identidade como seres humanos, e a língua portuguesa como constitutiva de nossa identidade sociocultural. (MINAS GERAIS, 2006, p. 12). A leitura dos PCNs e das propostas curriculares de cada estado, acompanhada de discussões pelos profissionais da educação, é fundamental para que o exercício da docência se faça em consonância com os objetivos propostos nesses documentos. Para organizar o ensino que se pretende desenvolver faz-se necessário conhecer os documentos oficiais que são referência para esse ensino e ter clareza dos objetivos pedagógicos a serem atingidos. Os PCNs+, por exemplo, pressupondo que ao longo do Ensino Fundamental tenham sido aprendidos conhecimentos básicos sobre o funcionamento da língua portuguesa, estabelece que: [...] cabe ao ensino médio oferecer aos estudantes oportunidades de uma compreensão mais aguçada dos mecanismos que regulam nossa língua, tendo como ponto de apoio alguns dos produtos mais caros às culturas letradas: textos escritos, especialmente os literários. As competências e habilidades propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 24 Médio (PCNEM) permitem inferir que o ensino de Língua Portuguesa, hoje, busca desenvolver no aluno seu potencial crítico,sua percepção das múltiplas possibilidades de expressão linguística, sua capacitação como leitor efetivo dos mais diversos textos representativos de nossa cultura. Para além da memorização mecânica de regras gramaticais ou das características de determinado movimento literário, o aluno deve ter meios para ampliar e articular conhecimentos e competências que possam ser mobilizadas nas inúmeras situações de uso da língua com que se depara, na família, entre amigos, na escola, no mundo do trabalho. (BRASIL, 2002, p. 55). A ação pedagógica em sala de aula pressupõe, por conseguinte, a mediação do professor no sentido de trazer para a sala de aula textos que materializem os diferentes discursos que circulam socialmente, considerando sempre suas condições de produção e circulação, e estimular a produção oral e escrita observando os mesmos critérios. Como salienta Kleiman (2005), à medida que a escola se aproxima das práticas sociais adotadas em outras instituições ou das práticas de linguagem usadas pelos alunos fora da sala de aula, o aluno pode trazer consigo conhecimentos relevantes e tornar mais fácil a adaptação, adequação e transferência desses conhecimentos para outras situações da vida real. Quanto mais significativas forem as atividades de linguagem para os alunos, melhores serão os resultados do processo de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa. 5 Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa Os documentos de referência para o ensino de Língua Portuguesa nos anos iniciais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, ainda que apresentem alguma divergência na fundamentação teórica de suas proposições, apontam para o alcance de objetivo comum à educação oficial, segundo a Constituição Federal de 1988: "promover o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Isso significa que a educação tem como finalidade formar cidadãos críticos, capazes de pensar de forma autônoma, de participar da vida em sociedade e de contribuir para o desenvolvimento econômico, Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 25 político e social do país. A educação deve, portanto, proporcionar aos estudantes uma formação ampla, que contemple não apenas o conhecimento técnico, mas também a formação humanística, ética e cultural. Da mesma forma, os documentos propõem que os conteúdos não sejam ensinados como um fim em si mesmos, porém como “[...] meio para que os alunos desenvolvam capacidades que lhes propiciem produzir e usufruir os bens culturais, materiais e econômicos” (BRASIL, 1997a, p. 73). Assim, estarão “[...] ampliando o domínio ativo do discurso nas diferentes situações Agora, procuraremos traçar certos princípios que orientem a atividade da docência em Língua Portuguesa, indicando o que se considera adequado à consecução dos objetivos propostos, frente à produção acadêmico científica, pedagógica e aos documentos oficiais em circulação na nossa contemporaneidade. As mudanças na área da educação a partir da década de 1990, ocasionadas, dentre outros fatores, pelas teorias filosófico-educacionais e linguísticas que passam a sustentar os documentos orientadores do ensino, conforme já referido em capítulo precedente, vêm acompanhadas também de discussão, iniciada na Europa, mais precisamente na França, sobre os conceitos de transposição didática (CHEVALLARD, 1985; 1991) e de elaboração didática (HALTÈ, 1998). As mudanças no ensino de língua fazem-se sentir principalmente em virtude dos estudos de Bakhtin, que desenvolve a teoria dos gêneros do discurso, baseada em concepção de língua como interação verbal. No ensino da Língua Portuguesa, em nosso caso, tem-se alteração significativa, tanto no que se refere ao objeto de ensino, como mencionado anteriormente, como às metodologias, passando-se do ensino centrado na gramática para a inserção de atividades de oralidade, escuta e leitura e de produção textual, oral e escrita e análise linguística. Os professores necessitam, portanto, apropriarem-se desses saberes acadêmico- científicos para ensiná-los. Porém, ao convertê-los em objetos de ensino, precisam modificá-los, ou seja, convertê-los em conteúdos curriculares. Essa interface entre a produção acadêmico-científica sobre a língua e os conteúdos a serem “didatizados” é o que se denomina transposição didática – o saber se transforma em objeto de ensino “ensinável”, em condições de ser aprendido pelo aluno (CHEVALLARD, 1985). A esse conceito de transposição didática, Haltè (1998) contrapõe o conceito de elaboração didática. Esse autor, tomando como exemplo o ensino de francês, destaca a complexidade do objeto de ensino da língua, “que coloca em circulação Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 26 conhecimentos de categorias que se interpenetram, pois envolvem conhecimentos científicos, práticas de referência, conhecimentos especializados e conhecimentos gerais” (RODRIGUES, 2009, p. 135). Para Haltè (1998, p. 191 apud RODRIGUES, 2009, p. 135), “[...] a noção de transposição didática preconiza o aplicacionismo, a partir de um processo descendente do conhecimento científico para o conhecimento a ser ensinado, purificando os objetos de ensino e provocando uma perda de sentido para os aprendizes”. Já a elaboração didática dos conhecimentos a serem ensinados e aprendidos preconiza um ensino que o autor denomina implicacionista, operacional e reflexivo; uma didática praxiológica, fundada na pluralidade de saberes de referência e, por isso, na participação do professor e do aluno, pois é preciso selecionar, interagir, operacionalizar e solidarizar, “[...] mais do que transpor conhecimento científico para conhecimento a ser ensinado” (RODRIGUES, 2009, p. 137). Nesse sentido, o ensino de língua, ancorado em perspectiva histórico- interacionista, como indicam os currículos oficiais, encontra na elaboração didática suporte teórico-metodológico para o seu acontecimento. Segundo Rodrigues (2008, p. 172), “A opção teórico-metodológica é [...] sempre a construir no decurso da própria elaboração didática (HALTÈ, 1998), por meio das atividades de ensino aprendizagem de leitura-estudo do texto, produção textual, de produção textual e de análise linguística”. A autora apresenta proposta de elaboração didática, em seis passos, que sintetizaremos a seguir: Síntese das etapas de um processo de ELABORAÇÃO DIDÁTICA, segundo RODRIGUES, 2008. “1º. Busca de conhecimento de referência sobre o gênero do discurso: o objetivo é dar sustentação teórica ao professor. [Nesta etapa o professor procurará obter o maior número possível de conhecimentos sobre o gênero ou os gêneros de um determinado campo de atividade]. 2º. Seleção de textos (verbais orais e escritos ou em outro material semiótico): o objetivo é compor um pequeno banco de dados para o trabalho com leitura em sala de aula. [Organizando esse banco de dados, o professor poderá trabalhar com textos diferentes que representem a relativa estabilidade e a heterogeneidade do gênero em estudo]. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 27 3º. Prática de leitura do texto como enunciado: objetivo é colocar o aluno na posição de interlocutor do enunciado do gênero em foco. [A leitura, sempre que possível, será feita observando-se o espaço material de produção e a recepção desejável àquele gênero – para um texto de jornal, lê-se o texto no jornal em que se insere ou online; um capítulo de livro, lê-se no livro em que foi publicado]. 4º. Prática de leitura-estudo do texto e do gênero: essa prática analítica de leitura (prática de análise linguística 1[a autora denomina prática de análise linguística 1 a leitura-estudodo texto e do gênero para o levantamento das características do gênero]) é feita a partir dos textos do banco de dados, ou seja, de textos não redigidos pelo aluno. 5º. Prática de produção textual: nessa etapa, o objetivo é, na medida do possível, colocar o aluno em uma situação de interação o mais próxima possível do gênero em questão, isto é, o aluno é instado a assumir a autoria do gênero e a construir o seu projeto discursivo, levando em conta as condições do gênero e o interlocutor do seu enunciado. 6º. Prática de revisão e reescritura de textos: [nesta etapa é feita] a revisão, via prática de análise linguística 2 [a autora denomina prática de análise linguística 2 o momento em que no processo de reescritura dos textos dos alunos são exploradas as características do gênero já vistas nas atividades de leitura e de produção textual], [que] toma como parâmetro a prática de análise linguística 1 e a atividade de produção textual proposta”. (RODRIGUES, 2008, p. 172-173). Os princípios destacados para a opção por uma metodologia de ensino de elaboração didática reforçam o pressuposto de que “é preciso planejamento da atividade docente”. Um planejamento bem elaborado possibilita que o professor antecipe situações capazes de propiciar ao aluno a aprendizagem e o desenvolvimento do domínio de conhecimentos de linguagem e seus usos sociais, evitando principalmente a perda de tempo e de rumo na condução do processo de ensino e aprendizagem. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 28 Para o ensino da Língua Portuguesa nessa perspectiva, os PCNs dessa área propõem “organizações didáticas especiais” (BRASIL, 1998, p. 87), as quais certamente preveem formas de tratar os conteúdos diferenciadas daquelas que se costumava adotar em décadas passadas. Dentre as possibilidades para o trabalho da docência, há em circulação diferentes perspectivas de encaminhamento metodológico, tais como um ensino por meio de projeto, sequências didáticas, elaboração didática, transposição didática etc. Conclui-se, portanto, que a metodologia do ensino da Língua Portuguesa pode variar de acordo com o contexto, os objetivos e as necessidades dos estudantes. No entanto, algumas abordagens e estratégias pedagógicas têm se mostrado eficazes para o desenvolvimento da competência comunicativa e linguística dos alunos. Alguns exemplos são: • Abordagem comunicativa: esta abordagem tem como foco o desenvolvimento da habilidade de comunicação dos estudantes, levando em consideração as necessidades e interesses dos alunos e as situações comunicativas reais que eles podem enfrentar. O objetivo é desenvolver a capacidade de produzir e compreender textos autênticos em diferentes contextos. • Abordagem sociointeracionista: esta abordagem tem como base a teoria da interação social e a noção de que a linguagem é construída na interação entre as pessoas. A metodologia busca desenvolver a capacidade de produzir textos coerentes e coesos, considerando o contexto de produção e o objetivo comunicativo. • Aulas expositivas: aulas em que o professor explica os conteúdos linguísticos e literários, apresentando exemplos e exercícios para os alunos. Essa metodologia é importante para transmitir conceitos e informações, além de permitir que os alunos esclareçam dúvidas e recebam feedback imediato. • Trabalho em grupo: essa metodologia tem como objetivo estimular a interação entre os alunos e o desenvolvimento da capacidade de trabalhar em equipe. Os estudantes podem realizar atividades de produção de textos, análise de obras literárias, discussões em grupo, entre outras. • Uso de tecnologias: o uso de tecnologias digitais pode ser uma ferramenta importante no ensino da Língua Portuguesa, permitindo a Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 29 produção de textos em diferentes formatos, a análise de recursos expressivos em obras literárias, entre outras possibilidades. Essas são apenas algumas das metodologias que podem ser utilizadas no ensino da Língua Portuguesa, e é importante lembrar que o professor deve adaptar as estratégias pedagógicas às necessidades e características dos seus alunos. 5.1 A Avaliação [...] é recomendável que se amplie a noção de avaliação escolar, revendo a pertinência de se avaliar exclusivamente um momento específico, como o da prova bimestral, em função da necessidade de se avaliar todo o processo de aprendizagem vivido pelos alunos ao longo de uma proposta de trabalho. (BRASIL, 2002, p. 83-84). As concepções de língua e linguagem e de ensino e aprendizagem, com as quais vimos trabalhando, requerem um novo posicionamento frente às formas de avaliação praticadas em nossas escolas. Se trabalhamos na perspectiva histórico-cultural, ensinamos com base nos conhecimentos reais dos alunos, ou seja, em suas necessidades e possibilidades de aprendizagem. A avaliação se institui no processo do fazer pedagógico, portanto, ensino e avaliação caminham juntos, são processos formativos. Não cabe, no processo de ensino atual, uma avaliação apenas seletiva, ela necessariamente tem de se dar em função do processo de ensino e aprendizagem que se deseja desenvolver. Professor e alunos se avaliam e são avaliados. O professor realiza a avaliação formativa para saber quais são os saberes já apropriados pelos estudantes e que atitudes já têm internalizadas para que possa identificar as possibilidades de ensino e fazer a mediação entre aqueles e os novos conhecimentos (atuar na zona de desenvolvimento proximal). Ele realiza, no dizer de Antunes (2003, p. 158), “[...] uma busca dos indícios, dos sinais da trajetória que o aluno percorreu, o que, por outro lado, serve de sinal [...] de como ele tem de fazer e por onde tem que continuar”. Não há um momento específico para a avaliação; todos os momentos são, evidentemente, possíveis de serem avaliados. Uma concepção diferente de avaliação Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa www.cenes.com.br | 30 faz dela uma oportunidade de reflexão do próprio aluno sobre suas conquistas e dificuldades, as razões do sucesso e de seus fracassos. Antunes (2003) propõe, por exemplo, a avaliação como exercício de aprendizagem. Assim, o aluno aprende a revisar sua própria produção textual, quer oral ou escrita, ao tempo que vai desenvolvendo também certa autonomia e confiança no uso da linguagem. Os objetivos do ensino balizam os processos de avaliação. Vale lembrar que os PCNs indicam que a avaliação a avaliação no ensino da Língua Portuguesa serve tanto para que o professor possa fazer uma reflexão crítica sobre sua prática educativa, quanto para que o aluno possa ter conhecimento sobre seu próprio processo de aprendizagem, identificando avanços, dificuldades e possibilidades. Essa avaliação é essencial para a prática educativa, já que a análise das informações coletadas durante o processo de aprendizagem - o que os alunos sabem e como - permite que o professor organize sua ação de forma adequada e com maior qualidade. A avaliação é, portanto, dialógica, pois leva em conta quem ensina, aqueles para quem se ensina, as relações intrínsecas que se estabelecem entre todos os participantes do processo, as condições de desenvolvimento do trabalho pedagógico e a medida do alcance dos objetivos e de sua intencionalidade. Na contramão das práticas tradicionais – em que se buscava encontrar os “erros”, mais do que os “acertos” dos alunos –, o professor de Língua Portuguesa deve valorizar os ganhos que o estudante obteve ao longo de seu processo de aprendizagem, baseando-se nas matrizes de competências e habilidades, que exigem um outro olhar sobre o ensino. (BRASIL, 2002, p. 83-84). Nessa