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<p>Dois historiadores ingleses, Hobsbawm e Terence Ranger, contribuem com seus textos e coordenam os de alguns outros a invenção das historiadores, empenhados todos em fazer strip-tease do Rei e mostrá-lo a com tudo, ou quase tudo, de fora. Pou- invenção cas vezes objeto de um livro foi mais perfeitamente descrito no título: trata-se das de mostrar como a venerável "tradição", tradições em que se baseia nacionalismo e que tradições prova e comprova uma espécie de antiga e inatacável superioridade dos povos, é ERIC HOBSBAWM uma coisa inventada. Pelos dois artigos TERENCE RANGER que li a respeito, um no Times Literary Supplement, de Londres, e outro no The New Yorker, ambos os lados do oceano anglo-saxônico estão impressionados com livro. Quando historiadores de pe- PAZ E TERRA so usam grande erudição e pesquisa e, mesmo assim, produzem um texto flu- ente e alegre, que cai diretamente no gosto dos leitores, é que estão dizendo verdades esperadas, que estavam no à espera de quem as pegasse e des- crevesse. Antonio Callado PAZ E TERRA ISBN 978-85-7753-060-1 9788577530601</p><p>A INVENÇÃO DAS TRADIÇÕES ERIC HOBSBAWN E TERENCE RANGER (Organizadores) Tradução de CELINA CARDIM CAVALCANTE Edição PAZ E TERRA</p><p>©Cambridge University Press Titulo do original: The invention of tradition Tradução: Celina Cardim Cavalcanti Produção Gráfica: Katia Halbe Capa: Claudio Rosas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) A invenção das tradições organização de Eric Hobsbawn e Terence Ranger Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. (Coleção Pensamento Critico; V. 55) DAVID CANNADINE é pesquisador do Christ's College e professor de História da Universidade de Autor de Lords and Lan- 149 dlords The Aristocracy and The Towns 1774-1967 dedica-se 84-0176 CDD-398.042 atualmente a pesquisas sobre as cerimônias públicas e sua CDU-398.1 BERNARD S. COHN é professor de Antropologia da Universidade de Chicago. Autor de muitos artigos sobre as interações da história e da antropologia e sobre o estudo da sociedade. Índices para catálogo sistemático 1. Tradições inventadas - Finalidades e objetivos ERIC HOBSBAWM è professor de História Econômica e Social do I. Hobsbawn, Eric, org Birkbeck College, Universidade de e membro do corpo de II. Ranger, Terence, org. editores do Past & III. Série PRYS MORGAN é professor de História no University College. em País de Gales. Já teve publicadas várias obras em galês e co- laborou com alguns para vários livros sobre a história do Pais de Gales. Recentemente escreveu A New History of Wales: The Eighteen- Century Renaissance (1981). EDITORA PAZ E TERRA S.A. Rua do Triunfo, 177 TERENCE RANGER é professor de História Moderna da Universi- Santa Efigênia, São Paulo, SP CEP: 01212-010 dade de Manchester, tendo já lecionado em Zimbabwe (Rodésia) e na Tel.: (11) 3337-8399 Entre seus livros sobre os protestos, a história cultural e re- ligiosa e as transformações agrárias na África contam-se The Histori- cal Study of African Religion (1972), Dance and Society in Eastern Afri- www.pazeterra.com.br ca (1975) e Witchcraft Belief in the History of Three Continents (a ser publicado). 2008 HUGH TREVOR-ROPER é agora Mestre de (Saint Pe- Impresso no Brasil / Printed in Brazil ter College). em sob o título de "Lord Dacre of Foi professor da cátedra régia de História na Universidade de</p><p>7 ÍNDICE Introdução: A Invenção das Tradições - Eric Hobsbawm 9 2. A Invenção das Tradições: a Tradição das Terras Altas (Highlands) da - Hugh Trevor-Roper 25 3. Da Morte a uma Perspectiva: a Busca do Passado no Periodo - Prys Morgan 53 4. Contexto, Execução e Significado do Ritual: a Monarquia Britânica e a "Invenção da c. 1820 a 1977 - David Cannadine 111 5. A Representação da Autoridade na India Vitoriana - Bernard S. Cohn 175 6. A Invenção da Tradição na África Colonial -Terence Ranger 219 7. A Produção em Massa de Tradições: 1879 a 1914 - Eric Hobsbawm 271</p><p>9 1. Introdução: A Invenção das Tradições ERIC HOBSBAWM Nada parece mais antigo e ligado a um passado imemorial do que a pompa que cerca a realeza britânica em quaisquer cerimônias públi- cas de que ela participe. Todavia, segundo um dos capítulos deste li- este aparato, em sua forma atual, data dos séculos XIX e Muitas vezes, "tradições" que parecem ou são consideradas antigas são bastante recentes, quando não são inventadas. Quem conhece os "colleges" das velhas universidades britânicas poderá ter uma idéia da instituição destas "tradições" (a nivel local, embora algumas delas como o Festival of Nine Lessons and Carols (Festa das Nove Leituras e Cânticos), realizada anualmente, na capela do King's College em na véspera de Natal possam tornar-se conhecidas do grande público através de um meio moderno de comunicação de mas- sa, o rádio. Partindo desta o Past & especializado em assuntos organizou uma conferência em que se baseou. por sua vez a presente obra. termo "tradição inventada" é utilizado num sentido amplo, mas nunca Inclui tanto as "tradições" realmente inventa- das, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que sur- giram de maneira mais de localizar num período limitado e de- terminado de tempo às vezes coisa de poucos anos apenas e se esta- beleceram com enorme rapidez. A transmissão radiofônica real reali- zada no Natal na (instituida em 1932) é um exemplo do primeiro como exemplo do segundo, podemos citar o apareci- mento e evolução das práticas associadas final do campeonato nico de futebol. óbvio que nem todas essas tradições perduram; nos- so objetivo primordial, não é estudar suas chances de sobrevi- mas sim o modo como elas surgiram e se estabeleceram. Por "tradição inventada" entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, auto- uma continuidade em relação ao passado. sem- pre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado. Exemplo notável é a escolha deliberada de um estilo gótico quando da reconstrução da sede do Parlamento britânico no século XIX, assim como a decisão igualmente deliberada, após a II Guerra, de reconstruir o prédio da Câmara partindo exatamente do mesmo plano básico anterior. passado histórico no qual a nova tra-</p><p>10 11 dição é inserida não precisa ser remoto, perdido nas brumas do tempo. te, entre a "tradição" no sentido a que nos referimos e a convenção ou Até as revoluções e os "movimentos que por definição rotina, que não possui nenhuma função simbolica nem ritual impor- rompem com o passado, têm seu passado relevante, embora eles termi- tante, embora possa adquiri-las eventualmente. É natural que qual- nem abruptamente em uma data determinada, tal como 1789. Contu- quer prática social que tenha de ser muito repetida tenda, por conve- do, na medida em que há referência a um passado histórico, as tradi- niência e para maior eficiência, a gerar um certo número de conven- ções "inventadas" caracterizam-se por estabelecer com ele uma conti- ções e rotinas, formalizadas de direito ou de fato, com o fim de facili- nuidade bastante artificial. Em poucas palavras, elas são reações a si- tar a transmissão do costume. Isto é válido tanto para práticas sem tuações novas que ou assumem a forma de referência a situações ante- precedente (como o trabalho de um piloto de avião) como para as prá- riores, ou estabelecem seu próprio passado da repetição quase ticas já bastante conhecidas. As sociedades que se desenvolveram a que É o contraste entre as constantes mudanças e inova- partir da Revolução Industrial foram naturalmente obrigadas a inven- ções do mundo moderno e a tentativa de estruturar de maneira tar, instituir ou desenvolver novas redes de convenções e rotinas com vel e invariável ao menos alguns aspectos da vida social que torna a uma maior do que antes. Na medida em que essas rotinas "invenção da tradição" um assunto tão interessante para os estudiosos funcionam melhor quando transformadas em hábito, em procedimen- da história tos automáticos ou até mesmo em reflexos, elas necessitam ser imutá- A "tradição" neste sentido deve ser nitidamente diferenciada do veis, o que pode afetar a outra exigência necessária da prática, a capa- vigente nas sociedades ditas objetivo e a cidade de lidar com situações imprevistas ou originais. Esta é uma fa- caracteristica das "tradições", inclusive das inventadas, é a invariabili- bastante conhecida da automatização ou da burocratização, espe- dade. o passado real ou forjado a que elas se referem impõe práticas cialmente a niveis subalternos, onde o procedimento fixo geralmente è fixas (normalmente formalizadas), tais como a repetição. "costu- considerado como o mais eficiente. nas sociedades tradicionais, tem a dupla função de motor e Tais redes de convenção e rotina não são "tradições Não impede as inovações e pode mudar até certo ponto, embora pois suas funções e, portanto, suas justificativas são não ideo- evidentemente seja tolhido pela exigência de que deve parecer com- lógicas (em termos marxistas, dizem respeito à infra-estrutura, não à pativel ou idêntico ao precedente. Sua função é dar a qualquer mudan- superestrutura). As redes são criadas para facilitar operações práticas desejada (ou resistência à inovação) a sanção do precedente, imediatamente definíveis e podem ser prontamente modificadas ou nuidade e direitos naturais conforme o expresso na história. abandonadas de acordo com as transformações das necessidades Os estudiosos dos movimentos camponeses sabem que quando numa ticas, permitindo sempre que existam a inércia, que qualquer costume aldeia se reivindicam terras ou direitos comuns "com base em costu- adquire com o tempo, e a resistência ás inovações por parte das pes- mes de tempos imemoriais" o que expressa não é um fato histórico, soas que adotaram esse costume. o mesmo acontece com as "regras" mas o equilíbrio de forças na luta constante da aldeia contra os senho- reconhecidas dos jogos ou de outros padrões de interação social, ou res de terra ou contra outras aldeias. Os estudiosos do movimento com qualquer outra norma de origem Pode-se perceber de operário sabem que o "costume da classe" ou da profissão pode imediato a diferença entre elas e a "tradição". O uso de bones prote- representar não uma tradição antiga, mas qualquer direito, mesmo re- tores quando se monta a cavalo tem um sentido prático, assim como o cente, adquirido pelos operários na que eles agora procuram uso de capacetes protetores quando se anda de moto ou de capacetes ampliar ou defender da sanção da perenidade. o de aço quando se è um soldado. Mas o uso de um certo tipo de boné não pode se dar ao luxo de ser invariável, porque a vida não è assim em conjunto com um casaco vermelho de caça tem um sentido com- nem mesmo nas sociedades direito comum ou consue- pletamente diferente. Senão, seria tão modificar o costume tudinário ainda exibe esta combinação de flexibilidade e dos caçadores de raposa como mudar o formato dos capace- comprometimento formal com o passado. Nesse aspecto, a dife- tes do instituição relativamente conservadora caso o novo rença entre "tradição" e "costume" fica bem clara. "Costume" è o que formato garantisse maior proteção. Aliás, as "tradições" ocupam um fazem os juizes; "tradição" (no caso, tradição inventada) è a peruca, a lugar diametralmente oposto às convenções ou rotinas pragmáticas. A toga e outros acessórios e rituais formais que cercam a substância, que "tradição" mostra sua fraqueza quando, como no caso dos judeus li- a ação do magistrado. A decadência do "costume" inevitavelmente berais, as restrições na dieta são justificadas de um ponto de vista modifica a "tradição" qual ele geralmente está associado. pragmático, por exemplo. alegando-se que os antigos hebreus não co- É necessário estabelecer uma segunda diferença, menos importan- miam carne de porco por motivos de higiene. Do mesmo modo, os ob-</p><p>12 13 jetos e práticas só são liberados para uma plena utilização simbólica e manda quanto da oferta. Durante os últimos 200 anos, tem havido ritual quando se libertam do uso prático. As esporas que fazem parte transformações especialmente importantes, sendo razoável esperar do uniforme de gala dos oficiais de cavalaria são mais importantes que estas formalizações imediatas de novas tradições se agrupem neste para a "tradição" quando os cavalos não estão os guarda- período. A propósito, isto implica, ao contrário da concepção veicula- chuvas dos oficiais da Guarda Real, quando eles estão paisana, per- da pelo liberalismo do século XIX e a teoria da que é dem a importância se não forem trazidos bem enrolados (isto mais recente, a idéia de que tais formalizações não se cingem às cha- as perucas brancas dos advogados dificilmente poderiam ter ad- madas sociedades mas que também ocorrem, sob as quirido sua importância atual antes que as outras pessoas deixassem mais diversas formas, nas sociedades De maneira geral, é de usar perucas. isso que acontece, mas é preciso que se evite pensar que formas mais Consideramos que a invenção de tradições é essencialmente um antigas de estrutura de comunidade e autoridade e, conseqüentemente, processo de formalização e ritualização, caracterizado por referir-se as tradições a elas associadas, eram rígidas e se tornaram rapidamente ao passado, mesmo que apenas pela imposição da Os histo- e também que as "novas" tradições surgiram simplesmente, riadores ainda não estudaram adequadamente o processo exato pelo por causa da incapacidade de utilizar ou adaptar as tradições velhas. qual tais complexos simbólicos e rituais são Ele é ainda em Houve adaptação quando foi necessário conservar velhos costu- grande parte relativamente desconhecido. Presume-se que se manifeste mes em condições novas ou usar velhos modelos para novos fins. Insti- de maneira mais nítida quando uma "tradição" é deliberadamente in- tuições antigas, com funções estabelecidas, referências ao passado e ventada e estruturada por um único iniciador, como é o caso do esco- linguagens e práticas rituais podem sentir necessidade de fazer tal tismo, criado por Baden Powell. Talvez seja mais fácil determinar a adaptação: a Igreja frente aos novos desafios políticos e origem do processo no caso de cerimoniais oficialmente instituídos e ideológicos e mudanças substanciais na composição do corpo de planejados, uma vez que provavelmente eles estarão bem documenta- fiéis (tais como o aumento considerável do número de mulheres tanto dos, como, por exemplo, a construção do simbolismo nazista e os entre os devotos leigos quanto nas ordens religiosas); os exércitos comícios do partido em Nuremberg. É mais dificil descobrir essa ori- mercenários frente ao alistamento compulsório; as instituições anti- gem quando as tradições tenham sido em parte inventadas, em parte gas, como os tribunais, que funcionam agora num outro contexto e às desenvolvidas em grupos fechados (onde é menos provável que o pro- vezes com funções modificadas em novos contextos. Também foi o cesso tenha sido registrado em documentos) ou de maneira informal caso das instituições que gozavam de uma continuidade nominal, mas durante um certo período, como acontece com as tradições parlamen- que no fundo estavam sofrendo profundas transformações, como as tares e juridicas. A dificuldade encontra-se não só nas fontes, como universidades. segundo a tradicional evasão estu- também nas técnicas, embora estejam à disposição dos estudiosos tan- dantil em massa das universidades (por motivos de conflito ou to disciplinas esotéricas especializadas em rituais e simbolismos, tais de protesto) cessou subitamente após 1848 devido às mudanças no ca- como a heráldica e o estudo das liturgias, quanto disciplinas históricas rater acadêmico das universidades, ao aumento da idade da população warburguianas para o estudo das disciplinas citadas acima. Infeliz- estudantil, ao aburguesamento dos estudantes, que diminuiu as ten- mente, nenhuma dessas técnicas é comumente conhecida dos historia- sões entre eles e a cidade assim como a turbulência estudantil, à nova dores da era industrial. instituição da franca mobilidade entre universidades, conseqüente Provavelmente, não há lugar nem tempo investigados pelos histo- mudança nas associações estudantis e a outros fatores. Em todos esses riadores onde não haja ocorrido a "invenção" de tradições neste senti- casos, a inovação não se torna menos nova por ser capaz de revestir-se do. Contudo, espera-se que ela ocorra com mais quando facilmente de um caráter de antiguidade. uma transformação rápida da sociedade debilita ou destrói os padrões sociais para os quais as "velhas" tradições foram feitas, produzindo novos padrões com os quais essas tradições são incompatíveis; quando Veja. por exemplo, G. "Les religieuses en Belgique du XVIIIe au XXe as velhas tradições, juntamente com seus promotores divulgadores Approche Belgisch Tijdschrift Niewste Geschiedenis Revue Belge d' institucionais, dão mostras de haver perdido grande parte da capaci- toire Contemporaine vii (1976). pp. dade de adaptação da flexibilidade; ou quando são eliminadas de ou- 2. Karsten Akademische aus deutschen Universitäts und Hochschu- lorten (Saarbrücken, 1973). tras Em suma, inventam-se novas tradições quando ocorrem 3. Registraram-se dezessete desses exodos no século no periodo de transformações suficientemente amplas e rápidas tanto do lado da de- 1800 a mas apenas seis de 1848 a</p><p>14 15 Mais interessante, do nosso ponto de vista, é a utilização de ele- morações barrocas o Estado e a Igreja mesclavam-se num plano mais surge tambem um amalgama de elementos religiosos patrióticos nes- mentos antigos na elaboração de novas tradições inventadas para fins tas novas formas de atividade musical e bastante originais. Sempre se pode encontrar, no passado de qualquer sociedade, um amplo repertório destes elementos; e sempre há uma Não nos cabe analisar aqui até que ponto as novas tradições po- linguagem elaborada, composta de práticas e comunicações simbóli- dem lançar mão de velhos elementos, que ponto elas podem ser Às vezes, as novas tradições podiam ser prontamente enxertadas forçadas a inventar novos acessórios ou linguagens, ou a ampliar o ve- nas velhas; outras vezes, podiam ser inventadas com empréstimos for- lho vocabulário simbólico. Naturalmente, muitas instituições pollti- necidos pelos depósitos bem supridos do ritual, simbolismo e princi- cas. movimentos e grupos inclusive o nacionalismo sem pios morais oficiais religião e pompa principesca, folclore e maçona- antecessores tornaram necessária a invenção de uma continuidade his- ria por sua vez, é uma tradição inventada mais antiga, de grande tórica, por exemplo, através da criação de um passado antigo que ex- poder simbólico). o desenvolvimento do nacionalismo trapole a continuidade histórica real seja pela lenda (Boadicéia, Ver- concomitante formação do Estado federal moderno no século XIX, Armínio, o Querusco) ou pela invenção (Ossian, manuscri- tos medievais tchecos). Também é obvio que e acessórios in- foi brilhantemente analisado por Rudolf Braun,4 estudioso que tem a teiramente novos foram criados como parte de movimentos e Estados vantagem de ser versado numa disciplina ("Volkskunde" folclore) nacionais, tais como o hino nacional (dos quais o britânico, feito em que se presta a esse tipo de análise, e especializado num país onde sua modernização não foi embargada pela com a violência na- 1740, parece ser o mais antigo), a bandeira nacional (ainda bastante influenciada pela bandeira tricolor da Revolução Francesa, criada no zista. As práticas tradicionais existentes canções folclóricas, campeo- natos de ginástica e de tiro ao alvo foram modificadas, ritualizadas e período de 1790 a ou a personificação da "Nação" por meio de para servir a novos propósitos Às can- símbolos ou imagens oficiais, como Marianne ou Germânia, ou não- ções folclóricas tradicionais acrescentaram-se novas canções na mes- oficiais, como os estereótipos de cartum John Bull, o magro Tio Sam ianque, ou o "Michel" ma língua, muitas vezes compostas por mestres-escola e transferidas para um repertório coral de conteúdo patriótico-progressista ("Na- não devemos esquecer a ruptura da continuidade que es- tion, Nation, wie voll klingt der embora incorporando também tà às vezes bem visivel, mesmo nos topoi da genuína. De da hinologia religiosa elementos poderosos sob o aspecto ritual (vale a acordo com os cânticos populares de Natal pararam de ser pena estudar a formação destes repertórios de novas canções, especial- produzidos na Inglaterra no século XVII, sendo substituidos por hi- mente os escolares). Segundo os o objetivo do Festival Fede- como os compostos por Watts e pelos irmãos Wesley, embora ral da Canção isso não lembra os congressos anuais de bardos gale- haja versões populares desses hinos em religiões preponderantemente ses? è "desenvolver e aprimorar a canção popular, despertar senti- como o Metodismo Primitivo. Ainda assim, os natali- mentos mais clevados por Deus, Liberdade e pela promo- nos foram o primeiro tipo de canção folclórica a ser restaurada pelos ver a união e a confraternização entre amantes da Arte e da colecionadores de classe média para "nas novas cercanias (A palavra "aprimorar" indica a nota de progresso caracteristica do das igrejas, corporações e ligas e se propagarem num século novo ambiente popular urbano "através dos cantores de esquina ou Desenvolveu-se um conjunto de rituais bastante eficaz em torno dos grupos de meninos roufenhos que entoavam hinos de porta em destas ocasiões: pavilhões para os festivais, mastros para as bandeiras, porta, na ancestral esperança de uma Neste sentido, hi- templos para oferendas, procissões, toque de sinetas, painéis, salvas de nos como "God rest ye merry, Gentleman" (O Senhor vos dê paz e tiros de canhão, envio de delegações do Governo aos festivais, janta- alegria) são novos, não antigos. Tal ruptura è visivel mesmo em movi- res, brindes e discursos. Houve adaptações de outros elementos anti- mentos que deliberadamente denominam e que gos: atraem grupos considerados por unanimidade repositórios da conti- nuidade e da tradição, tais como os camponeses. o Nesta nova arquitetura dos festivais são inconfundíveis os das formas barrocas de comemoração, exibição e pompa. E como nas come- 5. up pp. 6. A. Folk Song in England (Londres, ed. 1969). 4. Rudolf Braun. Socialer und kultureller Wandel in einem lädlichen im 7. preciso fazer uma distinção entre esse caso e o da restauração da tradição por 19. und cap. 6 1965). motivos que. no lundo, revelavam declinio dela. "A por parte dos</p><p>16 17 próprio aparecimento de movimentos que defendem a restauração das virtude da hostilidade geral contra o irracionalismo, as superstições e sejam eles ou não, indica essa ruptura. as práticas de costume reminiscentes das trevas do passado, e possivel- Tais comuns entre os intelectuais desde a românti- mente provenientes deles, aqueles que acreditavam fervorosamente ca. nunca poderão desenvolver, nem preservar um passado vivo (a não nas verdades do Iluminismo, tais como liberais, socialistas e omunis- ser. criando naturais humanos para aspectos isolados tas, abominavam tanto as velhas tradições quanto as novas. Os socia- na vida estão destinados a se transformarem em "tradições listas, como veremos adiante, ganharam um 1° de Maio anual sem sa- inventadas". Por outro lado, a força e a adaptabilidade das tradições berem bem como; os nacional-socialistas exploravam tais ocasiões genuinas não deve ser confundida com a "invenção de tradições". Não com um zelo e sofisticação litúrgicos e uma manipulação consciente necessário recuperar nem inventar tradições quando os velhos usos dos Durante a era liberal na Inglaterra tais práticas foram ainda se conservam. quando muito toleradas, na medida em que nem a ideologia, nem a Ainda pode ser que muitas vezes se inventem tradições não produção econômica estavam em jogo, considerando-se isso uma con- porque os velhos costumes não estejam mais disponiveis nem sejam cessão relutante ao irracionalismo das ordens inferiores. As atividades viáveis, mas porque eles deliberadamente não são usados, nem adapta- e rituais das sociedades de ajuda mútua eram encaradas ao dos. Assim, ao colocar-se conscientemente contra a tradição e a favor mesmo tempo com hostilidade ("despesas tais como das inovações radicais, a ideologia liberal da transformação social, no "gastos com festas de aniversário, desfiles, fanfarras e adereços", eram século passado, deixou de fornecer os vínculos sociais e hierárquicos proibidas por lei) e com tolerância pelos liberais no que dizia respeito aceitos nas sociedades precedentes, gerando vácuos que puderam ser aos banquetes anuais, pelo fato de que importância desta preenchidos com tradições inventadas. alcançado pelos donos especialmente em relação à população não pode ser negada". de fábricas Tories em Lancashire (ao contrário do que aconteceu com Entretanto vigorava um rigoroso racionalismo individualista, não os depois de terem utilizado esses velhos vínculos em seu como base de cálculos mas também como ideal social. proveito, mostra que eles ainda existiam e podiam ser ativados mes- No Capitulo 7 estudaremos o que aconteceu no periodo em que as li- mo num ambiente sem precedentes do distrito industrial. Não se pode mitações deste racionalismo foram se tornando cada vez mais eviden- negar que os costumes pré-industriais não são adaptáveis a longo pra- tes. zo a uma sociedade que tenha passado por um determinado grau de Podemos concluir esta introdução com algumas observações ge- revolução. Mas esta inadaptabilidade não pode ser confundida com os rais sobre as tradições inventadas desde a Revolução Industrial. problemas resultantes da rejeição dos velhos costumes a curto prazo Elas parecem classificar-se em três categorias superpostas: a) por parte daqueles que os encaram como obstáculos ao progresso ou, aquelas que estabelecem ou simbolizam a coesão social ou as condi- o que ainda é como inimigos ativos. ções de admissão de um grupo ou de comunidades reais ou artificiais; Isto não impediu que os inovadores inventassem suas próprias b) aquelas que estabelecem ou legitimam instituições, status ou rela- tradições por exemplo, as práticas da maçonaria. No entanto, em ções de autoridade, e c) aquelas cujo proposito principal é a socializa- ção, a inculcação de sistemas de valores e padrões de comporta- mento. Embora as tradições dos tipos b) e c) tenham sido certamente inventadas (como as que simbolizam a submissão à autoridade na In- deiros (na virada do século) dos antigos trajes danças e rituais se- dia britânica), pode-se partir do pressuposto de que o tipo a) è que pre- melhantes para ocasiões festivas pode ser considerada um indicio de aburguesamen- valeceu, sendo as outras funções tomadas como implicitas ou deriva- 10. nem de Parecia ser superficialmente uma de recupe- das de um sentido de identificação com uma "comunidade" rar a cultura de que estava desapurecendo tão depressa. mas, no fundo, era uma demonstração de identidade de classe através da qual os fazendeiros prósperos po- instituições que a representam, expressam ou simbolizam, tais como a diam estabelecer uma distinção horizontal em relação aos habitantes da cidade e uma distinção vertical em relação aos agregados. artesãos e Palle Over sen. "Peasant Adaptation to Burgeois Culture? Class Formation and Cultural Redefini- lion in the Danish Ethnologia Scandinavica p. 128. Veja G. "The Rural Change and Conservative Agrarianism: Lower Austria 9. Helmut "Plaketten zum Mai Aesthetik und the Turn of the Past & n° 81 (1978), pp. vii. n° 26 (1976). pp. 8. Patrick "The Factory Politics of Lancashire in the Later Nineteenth Centu. 10. P.H.J.H. Gosden, The Friendly Societies in England. ry". Historical XVIII (1965). pp. 1961). pp. 123. 119.</p><p>18 19 Uma das dificuldades foi que estas entidades sociais maiores sim- ceu com aqueles criados para pseudocomunidades globalizantes (co- plesmente não eram Gemeinschaften, nem sistemas de Em vir- mo as nações e os países), provavelmente porque estas comunidades tude da mobilidade social, dos conflitos de classe e da ideologia domi- enfatizavam seu caráter eterno e imutável pelo menos, desde a fun- nante, tornou-se dificil aplicar universalmente as tradições que uniam dação da comunidade. No entanto, os novos regimes políticos e movi- comunidades e desigualdades visiveis em hierarquias formais (como è mentos inovadores podiam encontrar equivalentes seus para os ritos o caso do Isto não afetou muito as tradições do tipo c), uma tradicionais de passagem associados à religião (casamento civil e fune- vez que a socialização geral inculcava os mesmos valores em todos os rais). cidadãos, membros da nação e súditos da Coroa, e as socializações Pode-se observar uma nítida diferença entre as práticas antigas e funcionalmente específicas dos diferentes grupos sociais (tais como a as inventadas. As primeiras eram práticas sociais específicas e alta- dos alunos de escolas particulares, em contraste com a dos outros) ge- mente coercivas, enquanto as últimas tendiam a ser bastante gerais e ralmente não sofriam interferências Por outro lado, na medi- vagas quanto à natureza dos valores, direitos e obrigações que procu- da em que as tradições inventadas como que reintroduziam o status no ravam inculcar nos membros de um determinado grupo: "patriotis- mundo do contrato social, o superior e o inferior num mundo de mo". "dever", "as regras do jogo", espirito e iguais perante a lei, não poderiam agir abertamente. Poderiam ser in- assim por diante. Porèm, embora o conteúdo do patriotismo britânico troduzidas clandestinamente por meio de uma aquiescência formal e ou norte-americano fosse evidentemente mal definido, mesmo que ge- simbolica a uma organização social que era desigual de fato, como no ralmente especificado em comentários associados a ocasiões rituais, as caso da reconstituição da cerimônia de coroação (veja. que o simbolizavam eram praticamente como, adiante, p. 290). Era mais comum que elas incentivassem o sentido co- por o para cantar o hino nacional na letivo de superioridade das elites especialmente quando estas precisa- o hasteamento da bandeira nas escolas norte-americanas vam ser recrutadas entre aqueles que não possuíam este sentido por Parece que elemento crucial foi a invenção de sinais de associação a nascimento ou por atribuição ao invès de inculcarem um sentido de uma agremiação que continham toda uma carga simbolica e emocio- obediência nos inferiores. Encorajavam-se alguns a se sentirem mais nal, ao invès da criação de estatutos e do estabelecimento de objetivos iguais do que outros, o que podia ser feito igualando-se as elites a gru- da associação. A importância destes sinais residia justamente em sua pos dominantes ou autoridades pré-burguesas, seja no modelo milita- universalidade indefinida: rista/burocrático caracteristico da Alemanha (caso dos grêmios estu- dantis rivais), seja em modelos não militarizados, tipo "aristocracia A Bandeira Nacional, o Hino Nacional e as Armas Nacionais são os très como o vigente nas escolas secundárias particulares bri- simbolos atravès dos quais um pais independente proclama sua identida- tânicas. Por outro lado, talvez, o espirito de a auto-confiança e de e soberania. Por isso, eles fazem jus a um respeito e a uma lealdade a liderança das elites podiam ser desenvolvidos por meio de imediata. Em si jà revelam todo o passado, pensamento e toda a cultura mais que manifestassem a coesão de um mandarina- de uma do superior oficial (como ocorreu na França ou nas comunidades brancas nas colônias). Neste sentido, conforme escreveu um observador em 1880, solda- Uma vez estabelecida a preponderância das tradições inventadas dos e policiais agora usam emblemas por embora ele não previs- resta-nos investigar qual seria sua natureza. Com o se sua restauração como complemento de cidadãos individuais na era da antropologia, poderemos elucidar as diferenças que porven- dos movimentos de massa, que estava prestes a tura existam entre as práticas inventadas e os velhos costumes tradi- Podemos tambèm observar que, obviamente, apesar de todas as Aqui poderemos observar que, embora os ritos de passa- invenções, as novas tradições não preencheram mais do que uma pe- gem sejam normalmente marcados nas tradições de grupos isolados quena parte do espaço cedido pela decadência secular das velhas tradi- (iniciação, promoção, afastamento e morte), isso nem sempre aconte- 12. Comentário oficial do governo indiano. citado in R. Public and 11. J.E.C. Bodley, The Coronation of Edward the a Chapter of European and Private p. 341. perial History (Londres, 201. 13. Frederick Curiosities of Ceremonials Decorations and Forms of International Vanities 1880). p. 20.</p><p>20 21 ções e antigos costumes; aliás, isso já poderia ser esperado em socieda- mo liberal alemão assumiu sua nova forma imperialista-expansionista des nas quais o passado torna-se cada vez menos importante como observando-se a rápida substituição das antigas cores preta, branca e modelo ou precedente para a maioria das formas de comportamento dourada pelas novas cores preta, branca e vermelha (principalmente Mesmo as tradições inventadas dos séculos XIX e XX ocu- na década de 1890) no movimento da ginástica do que estudan- pavam ou ocupam um espaço muito menor nas vidas particulares da do-se as declarações oficiais de autoridades ou porta-vozes. Pela maioria das pessoas e nas vidas autônomas de pequenos grupos sub- ria das finais do campeonato britânico de futebol podem-se obter da- culturais do que as velhas tradições ocupam na vida das sociedades dos sobre o desenvolvimento de uma cultura urbana operária que não agrárias, por "Aquilo que se deve fazer" determina os se conseguiram através de fontes mais convencionais. Por sinal, o estu- as estações, os ciclos biológicos dos homens e mulheres do século XX do das tradições inventadas não pode ser separado do contexto mais muito menos do que determinava as fases correspondentes para seus da história da sociedade, e só avançará além da simples desco- ancestrais, e muito menos do que os impulsos externos da economia, berta destas práticas se estiver integrado a um estudo mais amplo. tecnologia, do aparelho burocrático estatal, das decisões políticas e de Em segundo lugar, o estudo dessas tradições esclarece bastante as outras forças que não dependem da tradição a que nos referimos, nem relações humanas com o passado e, por conseguinte, o próprio assun- a desenvolvem. to oficio do historiador. Isso porque toda tradição inventada, na me- Contudo, tal generalização não se aplica ao campo do que pode- dida do possível, utiliza a história como legitimadora das ações e como ria ser denominado a vida pública dos cidadãos (incluindo até certo cimento da coesão grupal. Muitas vezes, ela se torna o próprio símbo- ponto formas públicas de socialização, tais como as escolas, em oposi- lo de conflito, como no caso das lutas por causa dos monumentos em ção às formas particulares, como os meios de comunicação). Não há honra a Walther von der Vogelweide e a Dante, no sul do Tirol, em nenhum sinal real de enfraquecimento nas práticas neotradicionais 1889 e mesmo os movimentos revolucionários baseavam associadas ou com corporações de serviço público (Forças Armadas, a suas inovações em referências ao "passado de um povo" (saxões con- justiça, talvez até o funcionalismo público) ou com a cidadania. tra normandos, "nos ancêtres les Gaulois" contra os francos, Espárta- Aliás, a maioria das ocasiões em que as pessoas tomam consciência da co), a tradições de revolução ("O povo alemão tem suas tra- cidadania como tal permanecem associadas a símbolos e práticas dições revolucionárias". afirma Engels no inicio de seu livro A guerra semi-rituais (por exemplo, as eleições), que em sua maior parte são his- dos camponeses e a seus próprios heróis e No livro toricamente originais e livremente inventadas: bandeiras, imagens, ce- de James Connolly, Labour in Irish History (O operariado na história rimônias e Na medida em que as tradições inventadas da era da Irlanda), há excelentes exemplos desta conjugação de temas. o ele- que sucedeu às revoluções Francesa e industrial preencheram uma la- mento de invenção é particularmente nítido neste caso, já que a histó- cuna permanente pelo menos, até hoje parece que isso ocorreu nes- ria que se tornou parte do cabedal de conhecimento ou ideologia da te campo. nação, Estado ou movimento não corresponde ao que foi realmente Ora, pode-se afinal perguntar, será que os historiadores devem conservado na memória popular, mas áquilo que foi selecionado, es- dedicar-se a estudar estes fenômenos? A pergunta de certo modo, crito, descrito, popularizado e institucionalizado por quem estava en- desnecessária, que cada vez mais estudiosos claramente se ocupam carregado de fazê-lo. Os historiadores que trabalham com informa- deles, como se pode comprovar pelo conteúdo deste volume e pelas re- ções orais observaram que a Greve Geral de 1926 teve ferências nele melhor refazer a o que os historia- nas memórias das pessoas idosas um efeito mais modesto e menos im- dores ganham com o estudo da invenção das tradições? pressionante do que o esperado pelos Analisou-se a Antes de mais nada, pode-se dizer que as tradições inventadas são sintomas importantes e, portanto, indicadores de problemas que de outra forma poderiam não ser detectados nem localizados no tempo. Elas são indícios. Pode-se elucidar melhor como o antigo nacionalis- 15. John W. Cole e Eric The Hidden Ecology and Ethnicity in an Alpine (Nova lorque e p. 55. 16. Sobre a popularidade dos livros que tratam deste e de outros militantes bibliotecas operárias veja H.J. Steinberg. Sozialismus und deutsche Sozialde- 14. Sem falar na transformação de rituais duradouros e sinais de uniformidade coe- Zur ideologie der partei dem ersten Weltkrieg 1967). pp. são em modismos no na linguagem. nas sociais etc., como 17. Existem razões bastante lógicas para que os participantes das bases geralmente não nas culturas jovens dos paises industrializados. vejam os acontecimentos por eles vividos como os da classe dominante e os</p><p>22 23 formação de uma imagem semelhante da Revolução Francesa durante incluir um componente construido ou E exatamente a Terceira Todavia, todos os historiadores, sejam quais porque grande parte dos constituintes subjetivos da "nação" moderna forem seus objetivos, estão envolvidos neste processo, uma vez que consiste de tais estando associada a simbolos adequados eles contribuem, conscientemente ou não, para a criação, demolição e e, em geral. bastante recentes ou a um discurso elaborado a propósito reestruturação de imagens do passado que pertencem não só ao mun- como da "história nacional"), que o fenômeno nacional não do da investigação especializada, mas à esfera pública onde o pode ser adequadamente investigado sem dar-se a atenção devida à homem atua como ser político. Eles devem estar atentos a esta dimen- "invenção das são de suas Finalmente, estudo da invenção das tradições é interdisciplinar. A propósito. deve-se destacar um interesse específico que as "tra- E um campo comum a historiadores, antropólogos sociais e vários ou- dições podem ter, de um modo ou de outro, para os estu- tros estudiosos das humanas, e que não pode ser adequada- diosos da história moderna e Elas são altamente apli- mente investigado sem tal A presente obra reúne, funda- cáveis no caso de uma inovação histórica comparativamente recente, a mentalmente, contribuições de historiadores. Espera-se que outros ve- e seus fenômenos associados: o nacionalismo, o Estado na- nham também a útil. cional, os simbolos nacionais, as interpretações históricas, e daí por diante. Todos estes elementos baseiam-se em exercícios de engenharia social muitas vezes deliberados e sempre inovadores, pelo menos por- que a originalidade histórica implica inovação. nacionalismo e as nações israelita e palestina devem ser novos. seja qual for a continui- dade histórica dos judeus ou dos do Oriente Médio, uma vez que naquela região há um século atrás não se cogitava nem no con- ceito de Estado territorial do tipo padronizado atual, que só veio a tor- nar-se uma probabilidade séria após a I Guerra. As nacionais, que devem ser aprendidas nas escolas e utilizadas na quanto mais na fala, por uma elite de dimensões irrisórias, são, em grande parte, construções relativamente recentes. Conforme observou um historiador francês especializado no idioma o flamengo ensinado hoje na Bélgica não é a lingua com que as mães e de Flandres se dirigiam crianças: em suma, é uma "lingua materna" apenas metaforicamente, não no sentido Não nos devemos dei- xar enganar por um paradoxo curioso, embora compreensível: as na- ções modernas, com toda a sua geralmente afirmam ser o oposto do novo, ou seja estar enraizadas na mais remota e o oposto do construido, ou seja. ser comunidades humanas, rais" o bastante para não necessitarem de definições que não a defesa dos próprios interesses. Sejam quais forem as continuidades históricas ou não envolvidas no conceito moderno da "França" e dos "france- que ninguém procuraria negar estes mesmos conceitos devem historiadores os Pode-se chamar este fenómeno de "sindrome de Fabricio" (alu- ao protagonista do livro A Cartuxa de Parma, de Stendhal). 18. Por Alice La Révolution et Interpretations 1970).</p><p>25 2. A Invenção das Tradições: a Tradição das Terras Altas (Highlands) da Escócia HUGH TREVOR-ROPER Hoje em dia, onde quer que os escoceses se reúnam para celebrar sua identidade nacional, eles a afirmam abertamente através da para- fernália nacionalista característica. Usam o sajote (kilt), feito de um tecido de lä axadrezado (tartan) cuja cor e padrão indicam o a que pertencem. e quando se entregam ao prazer da musica, o instru- mento utilizado é a gaita de foles. Tal parafernália, que eles reputam muito antiga, é, na verdade, bem moderna. Foi desenvolvida depois, e, em alguns casos, muito depois da União com a Inglaterra, evento con- tra o qual constitui, de certo modo, um protesto. Antes da União, es- ses acessórios realmente já existiam sob uma forma rudimentar; na- quele tempo, porém, eram vistos pela grande maioria dos escoceses como um indicio de barbarismo: o distintivo de montanheses velha- cos, indolentes, rapaces e chantagistas, que representavam para a Es- cócia civilizada e histórica mais um inconveniente do que uma amea- Até mesmo nas Terras Altas (Highlands), ainda naquela forma ru- dimentar, aquela parafernália era relativamente nova: não constituia caracteristica original, nem distintiva da sociedade montanhesa. Aliás, até a de que existe uma cultura e uma tradição espect- fica das Terras Altas não passa de uma invenção retrospectiva. Os montanheses (highlanders) da Escócia não um povo sepa- rado antes dos últimos anos do século XVII. Eram simplesmente emi- grados irlandeses, vindos para a Escócia devido a pressões populacio- nais. Naquela costa recortada e naquele arquipélago compos- to de grandes e pequenas ilhas, o mar funciona mais como via de co- municação do que como divisor; e desde fins do século V, quando os Scots do norte da Irlanda desembarcaram em Argyll, até meados do século XVIII, quando foi "aberto", após as revoltas dos jacobitas, o Oeste escocês, isolado do Leste pelas montanhas, sempre esteve mais ligado à Irlanda do que às Terras Baixas (Lowlands) Tanto sob o aspecto cultural quanto social, aquela região era uma colônia da Estas duas sociedades a da Irlanda e a das Terras Altas de Oeste, mesclavam-se até mesmo sob o aspecto político. Os Scots de Dalriada dominaram Ulster, no norte da Irlanda, durante um século.</p><p>26 27 Os dinamarqueses governaram ao mesmo tempo as Hébridas, as cos- etapa houve um processo pelo qual tais tradições foram oferecidas às tas da Irlanda e a Ilha de Man. E em fins da Idade Média os Macdo- Terras Baixas escocesas a Escócia Ocidental dos Picts, sa- nalds das Ilhas exerciam sobre o Oeste da Escócia e o Norte da Irlanda e normandos, e por elas adotadas. um domínio mais próximo e mais efetivo do que os soberanos de direi- A primeira etapa cumpriu-se no século XVIII. A afirmação de to, os reis da Escócia e Inglaterra. Sob o domínio dos Macdonalds, a que os escoceses das Terras Altas de lingua irlandesa não eram cultura hebridense era puramente irlandesa. Vinham da Irlanda os tra- apenas invasores vindos da Irlanda no século V D.C., mas já estavam dicionais bardos, curandeiros e harpistas (pois o instrumento tradicio- na Escócia há muito tempo, correspondendo aos caledônios que ha- nal dos hebridenses era a harpa, não a gaita de foles). Os Macdonalds viam combatido os romanos, constitui, naturalmente, uma continuaram a exercer forte influência nos dois países, mesmo depois antiga lenda, muito útil no passado. Foi refutada com sucesso em 1729 da extinção do seu poderio. Esta unidade política em potencial só foi pelo primeiro e maior escocês, o padre jacobita refugiado rompida em meados do século XVII, quando foi estabelecida a Colô- Thomas Innes, sendo, porém reabilitada em 1738 por David nia inglesa em Ulster (Irlanda do Norte) e quando se iniciou a hege- e, de maneira mais efetiva, na de 1760, por dois escritores de monia dos Campbells nas Terras Altas de Oeste. A unidade cultural, sobrenome idêntico: James Macpherson, o "tradutor" de Ossian, e o apesar de debilitada, perdurou. No século XVIII, as Hébridas Reverendo John Macpherson, ministro de Sleat, na ilha de Skye. Em- eram ainda basicamente uma área de povoação irlandesa, sendo o bora não fossem parentes, estes dois Macphersons se conheciam; Ja- idioma gaélico que lá se falava normalmente classificado, no século mes Macpherson ficou na casa do ministro quando visitou Skye, pes- XVIII, como quisando sobre "Ossian", em 1760, e o filho do ministro, que mais tar- Culturalmente dependentes da Irlanda, sob o dominio "estrangei- de veio a ser Sir John Macpherson. governador geral da India, tor- ro" e relativamente ineficiente da coroa escocesa, as Terras Altas e as nou-se depois amigo intimo e cúmplice de James - os dois agiram de Ilhas da Escócia não tinham cultura própria. A literatura era um páli- comum acordo. Criaram sozinhos, de dois atos isolados e falsi- do reflexo da literatura irlandesa. Os menestreis dos chefes de esco- ficação deslavada, uma literatura nativa da Escócia céltica e, para fun- ceses ou vinham da Irlanda ou para lá viajavam a fim de aprender o damentá-la, uma nova história. Tanto esta literatura quanto esta his- oficio. Aliás, segundo um autor do inicio do XVIII (por sinal, pelas ligações que apresentavam com a realidade, haviam sido irlandês), os escoceses eram a escória da Irlanda, que volta roubadas da Irlanda, e meia era removida e despejada naquele monturo providencial. Mes- absoluto descaramento dos Macphersons acaba por suscitar mo sob o poderio repressor da Inglaterra, nos séculos XVII e XVIII, a admiração. James Macpherson recolheu baladas irlandesas na Escócia, Irlanda céltica permaneceu, do ponto de vista cultural, uma nação his- escreveu um poema no qual o cenário já não era o irlandês, tórica, ao passo que a Escócia celtica era no máximo sua irmã mais mas o e depois descartou as baladas genuínas como composi- pobre. Não tinha, nem podia ter, uma tradição independente. ções posteriores, cópias de "Ossian" - e também a literatura irlandesa A criação de uma tradição das Terras Altas independente e a im- real, a que elas pertenciam, como se fosse um simples reflexo. Depois, posição da nova tradição e de seus símbolos externos em toda a nação o ministro de Sleat escreveu um Ensaio Crítico que fornecia o contexto escocesa foi obra de fins do século XVIII e início do século XIX. Rea- necessário ao "Homero "descoberto" pelo seu homônimo: lizou-se em três etapas. Primeiro, houve um rebelião cultural contra a declarou que existiam celtas de lingua irlandesa na Escócia quatro sé- Irlanda: usurpou-se a cultura irlandesa e se reescreveu a primi- culos antes da data em que a história afirma que eles chegaram, e ex- tiva da Escócia, chegando-se ao cúmulo de declarar, na maior insolên- plicou que a literatura genuína e nativa da Irlanda havia sido roubada cia, que a Escócia - a Escócia céltica - é que era a sendo dos inocentes escoceses pelos inescrupulosos irlandeses durante a alta a Irlanda a nação culturalmente dependente. Depois, houve a elabora- Idade Média. Para arrematar, o próprio James Macpherson, baseado ção artificial de novas tradições das Terras Altas, que foram apresenta- no trabalho do ministro, escreveu uma Introdução história da Grà- das como antigas, originais e características da região. E na terceira Bretanha e da Irlanda (1771) como se fosse uma obra reafirmando as idéias do ministro. sucesso dos Macphersons foi tan- to que eles convenceram até Edward Gibbon, historiador dos mais Veja J. "The Lordship of the in Jennifer Brown (org.). Scottish Society in the Century (1977). 2. A Collection of Several Pieces by Mr. John Toland (1726). pp. 25-9. 3. David Malcolm. Dissertations on the Celtic Languages (1738).</p><p>28 29 críticos e cuidadosos, que reconheceu como orientadores em matéria prio Macpherson: seu Ossian sempre fora representado vestido com de história escocesa aqueles "dois sábios das Altas Terras uma túnica esvoaçante e, a propósito, o instrumento que tocava não James Macpherson e o Rev. Macpherson, perpetuando assim o que já era a gaita de foles, mas a harpa. E Macpherson também era oriundo foi corretamente denominado de "uma sucessão de equivocos na his- das Terras Altas, por sinal de uma geração anterior à de Scott. No tória caso em questão, isso fazia uma diferença Limpar a história escocesa das mentiras inter-relacionadas e des- Em que época o de o kilt moderno, começou a virtuadoras tramadas pelos Macphersons se é que se conseguiu re- ser usado pelos habitantes das Terras Altas? Não há dúvidas profun- movê-las inteiramente - foi trabalho para um século Entre- das a respeito, especialmente desde a publicação da excelente obra do mentes, estes dois insolentes embusteiros conseguiram uma vitória du- Sr. J. Telfer Dunbar. Enquanto o tartan - tecido com um padrão co- radoura: colocar os habitantes das Terras Altas da Escócia em evidên- lorido e geométrico - já era conhecido na Escócia no século XVI (vin- cia. Antes desprezados tanto pelos habitantes das Terras Baixas, que do, ao que parece, de Flandres e chegando às Terras Altas depois de os consideravam selvagens desordeiros, quanto pelos irlandeses, que atravessar as Terras Baixas), o sajote (philibeg) tanto o termo como a os tinham como parentes pobres e ignorantes, eles agora eram exalta- peça só surgiram no século XVIII. Longe de ser uma vestimenta tra- dos pela Europa inteira como um Kulturvolk que, enquanto a Inglater- dicional montanhesa, foi inventado por um inglês após a União, em ra e a Irlanda jaziam imersas num barbarismo havia produ- 1707; os "tartans dos por sua vez, são uma invenção ainda mais zido um poeta épico de uma sensibilidade e um requinte primoroso, nova, cuja forma atual se deve a outro mais jovem do que Sir que se equiparava (segundo Mme. de ou até superava (segundo Walter Scott. F. A. Wolf) o próprio E não foi apenas na literatura que eles Já que os montanheses da Escócia eram no inicio apenas irlande- chamaram a atenção da Europa. Pois uma vez cortados os vinculos ses emigrados de uma ilha para outra, é de se supor que a princípio com a Irlanda e adquirida - embora por meios fraudulentos - uma eles se vestissem exatamente como os De fato, é o que se cultura antiga independente, os habitantes das Terras Altas da Escócia pode constatar. Até o século XVI, nenhum autor registrou qualquer estavam livres para demonstrar esta independência através de tradi- peculiaridade nos trajes das Terras todos os relatos do período ções peculiares. próximo passo em matéria de tradição foi estabele- estão de acordo nesse ponto. Segundo eles, a indumentária comum cer um traje caracteristico. dos montanheses constava de uma longa camisa "irlandesa" (leine, em Em 1895 Sir Walter Scott escreveu, para ser publicado na Edin- gaélico) que as classes altas - como na Irlanda - traziam tingida de burgh Review, um ensaio sobre o Ossian de Macpherson. Demonstrou açafrão uma túnica, ou failuin; e uma capa ou manto, na exposição a sólida erudição e o bom senso que lhe eram caracterís- usada pelas pessoas de classe alta era toda colorida ou lis- ticos. Rejeitou resolutamente a autenticidade do poeta épico que a eli- trada, só que de um tom castanho-avermelhado ou marrom, para ser- te literária escocesa em geral e os montanheses em particular insistiam vir de camuflagem entre as urzes. Além disso, os montanheses usavam em defender. Todavia, no mesmo ensaio afirmou, entre parênteses, calçados de sola fina (as classes altas possivelmente usavam borze- que sem dúvida o antigo caledônio do século III D.C. usava guins) e boinas achatadas e moles, geralmente azuis. Nas batalhas, os te (philibeg) de xadrez". É surpreendente encontrar esta afirmação lideres usavam uma cota de malha e os homens de classes baixas, uma feita de maneira tão segura num ensaio tão racional e crítico. Ao que camisa de linho acolchoada, pintada ou besuntada de breu, e coberta me consta tal declaração jamais havia sido feita, nem mesmo pelo pró- de peles de veado. Além dessas roupas normais, os chefes e dignitários que entravam em contato com os habitantes mais sofisticados das Ter- ras Baixas talvez usassem calças justas de pano axadrezado, os trews, uma combinação de calções com meias. Nas Terras Altas, os trews só 4. E. Gibbon, Decline and Fall of the Roman edição da Everyman. ii. p. 496: M. V. A Chain of Error in Scottish History (1927). podiam ser usados na rua por homens que tivessem ajudantes que os 5. Assim - conforme ressaltou o estudioso mais informado sobre o assunto, Ludwig protegessem ou transportassem; eram, portanto, um sinal de distinção em seu importante ensaio "Die Ossianischen cuja tradução para o social. Tantos os mantos quanto os trews provavelmente eram feitos se encontra em Transactions of the of (1897.8) - de tigo sobre Macpherson no Dictionary of National Biography "homologa as opiniões de defensores mal e os lexicografos prejudicaram seu lho retirando parte de seu material do "defeituoso e antigaélico de Macpher- 6. J. Telfer History of the Highland Dress (1962). son, ou da versão dos poemas de Ossian, publicada em 1807. 7 Tais nos são fornecidas por John Major in Historia</p><p>30 31 Durante o século XVII no qual se rompeu o vínculo entre a Ir- parecendo até mulheres pobres de Londres quando cobrem a cabeça com landa e as Terras Altas - o vestuário montanhês foi se transformando. o vestido para se protegerem da chuva. As mudanças ocorreram de maneira irregular ao longo do século, Pri- meiro, a camisa longa caju em desuso, sendo substituída nas ilhas no Esse acrescenta Burt, era normalmente usado "tão curto que, início do século pelo capote, colete e calções típicos das Terras Baixas. num dia de ventania, ou quando é necessário subir um morro ou incli- Por outro lado, um pastor muito tempo depois, lembrou-se de nar-se, prontamente se percebe a sua indecência". Pela descrição nota- que os indômitos escoceses do exército jacobita, ao passarem por sua se que ele não está se referindo ao kilt moderno, mas ao manto com paróquia, em 1715, "não usavam manto, nem saiote"; apenas uma tú- cinto. nica justa, de cor lisa, de confecção que ia até abaixo do joe- Burt foi explícito com respeito à indumentária das Terras Altas lho, com Que eu saiba, esta é a última prova da permanência do porque já naquele tempo ela era objeto de controvérsia pós leine na Escócia. a rebelião jacobita de 1715, o Parlamento britânico havia considerado Durante todo o século XVII, os exércitos das Terras Altas susten- a idéia de proibir tais trajes por lei, assim como Henrique VIII proibi- taram uma guerra civil contra os ingleses; segundo todas as descrições ra os trajes irlandeses: pensava-se que esta proibição ajudaria a desin- dos exércitos montanheses, os oficiais usavam trews, enquanto os sol- tegrar o estilo de vida das Terras Altas e a integrar os montanheses na dados tinham as pernas e coxas nuas, Tanto os oficiais quanto os sol- sociedade moderna. Contudo, a lei acabou não sendo aprovada. Reco- dados usavam um manto, os oficiais para cobrir a parte superior do nheceu-se que a indumentária montanhesa era conveniente e necessá- ria num pais onde o viandante precisa estar "saltando de pedra em pe- corpo e os soldados para envolver o corpo inteiro, preso na cintura por um cinto, de modo que a parte inferior, abaixo do cinto, formasse dra, vadeando brejos e dormindo ao relento, nos uma espécie de saia; este traje era conhecido como breacan, ou "manto era necessário aos pobres, por ser bastante barato: "qualquer monta- com o que é importante frisar é que até aquela época nem se nhês pode adquirir estes trajes por apenas alguns que não falava no kilt conforme o Ou se usavam os trews aristo- comprariam nem mesmo o mais ordinário "traje das Terras cráticos, ou os "mantos" dos Ironicamente, se a indumentária das Terras Altas tivesse sido termo "kilt" só surge vinte anos depois da União, Edward proibida depois do "1715", em vez de após os "idos de o kilt, hoje Burt, oficial inglês designado para servir na como supervisor em dia considerado uma das antigas tradições escocesas, provavel- chefe sob as ordens do General Wade, escreveu então uma série de car- mente jamais teria existido. Ele surgiu alguns anos depois que Burt es- creveu suas cartas. num lugar bem próximo a Inverness. Apareceu de tas, na maior parte de Inverness, descrevendo as peculiaridades e os repente, alguns anos depois de 1726. quando ainda era desconhecido. costumes da região. Nestas cartas, ele fornece uma cuídadosa descri- Já em 1746 havia se firmado o suficiente para ser explicitamente citado ção do "quelt", que, segundo ele, não é uma peça isolada do vestuário, na lei parlamentar que naquele ano proibiu os trajes montanheses. mas apenas uma maneira especial de usar-se o manto, Quem o inventou foi um quaker de Lancashire, Thomas Rawlin- todo pregueado e cingido na cintura de modo a formar um curto sajote son. que vai só até o meio das coxas, sendo a outra parte do manto colocada Os Rawlinsons eram uma familia quaker tradicional de manufa- sobre os ombros e presa na frente e, de maneira que os homens ficam tores de ferro, que residia em Furness. No início do século XVIII, jun- tamente com outras famílias quakers de peso - Fords, Crosfields, Backhouses eles controlavam vasta rede de fornos de fundição (1521): James Leslie, in De Moribus et Gestis Scotorum (1570); Lindsay of Pitscottie, in e forjas" em Lancashire. Só que, estando com falta de carvão vegetal, Chronicle (1573); G. Buchanan, in Rerum Scoticarum Historia (1583); Nicolay d'Arfe- La Navigation du Roy d'Escosse (1583). Os indicios estão reunidos em D.W. Ste- eles precisaram usar madeira como Felizmente, após a Old and Rare Scottish Tartans (Edimburgo, 1893), Introdução. repressão da revolta, as Terras Altas estavam sendo franqueadas, e as 8. M. A Description of the Western Islands of Scotland (1703). florestas do norte poderiam ser exploradas pela indústria do As- 9. John Literary Correspondence (1830), i, p. 230. o ministro cra pai do fi- sim, em 1727, Thomas Rawlinson fez um acordo com MacDonell, lósofo Adam Ferguson. chefe dos MacDonells de Glengarry, perto de arrendando 10. Isto se demonstra pelos inddicios apresentados por op. cit., p. 21. exemplificado da forma mais gráfica possível nas figuras que as armas de por trinta e um anos uma área de florestas em Invergarry. Construiu Skene, do lugar do mesmo nome - dois montanheses, um (que porta uma espada) vesti- ali um forno onde era refinado o minério de ferro enviado especial- do com e o outro em "trajes servis" ou seja, um com cinto (e não um kilt, mente de Lancashire. A empresa não foi bem sucedida em termos eco- como pensa Stewart: sobre esse aspecto, veja Dunbar, op. cit., pp. 34-5). nômicos; entrou em liquidação depois de sete anos, durante os quais,</p><p>32 33 porém, Rawlinson acabou conhecendo toda a região, estabelecendo que, neste retrato, não è o chefe que de kilt, mas sim seu criado o relações constantes com os MacDonells de Glengarry e, naturalmente, que reforça novamente o seu status As melhores autoridades contratando "uma turba de para trabalhar no corte das modernas atestam a veracidade da história com base nas provas aci- e no forno." Podemos, portanto, concluir que o kilt è uma vestimenta absolu- Durante sua estada em Glengarry, Rawlinson interessou-se pela tamente moderna, idealizada e vestida pela primeira vez por um indus- indumentária das Terras Altas, percebendo ao mesmo tempo seus in- trial quaker que não o impôs aos montanheses para preservar o convenientes. o manto com cinto podia ser adequado para a vida modo de vida tradicional deles, mas para facilitar a transformação des- ociosa dos montanheses para dormir nos montes ou esconder-se em te mesmo modo de vida: para das urzes para a fabrica. meio às urzes. Era oportunamente barato, uma vez que todos Mas sendo esta a origem do kilt, uma outra dúvida imediatamen- concordavam que a classe baixa não tinha condições de adquirir um te nos ocorre: qual era o tartan utilizado pelo quakers nos sajotes? Se- par de nem Entretanto, para homens que tinham de ria um ou disposição de cores, diferente, especialmente criado derrubar árvores e trabalhar nos fornos, aquele era "um traje um tan- para um Rawlinson de Lancashire, ou que Rawlinson se tornou to quanto incômodo e Sendo, portanto, um homem "en- membro honorário do dos MacDonells? Será que esses setts real- genhoso e bem dotado", Rawlinson mandou chamar o do re- mente já existiam no século XVIII? Quando começou a diferenciação gimento estacionado em Inverness e com ele pôs-se a "simplificar as entre os padrões usados pelos vários vestimentas, de modo que elas se tornassem práticas e convenientes Para os autores do século XVI que primeiro descreveram clara- para serem usadas por seus resultado foi o felie beg. phi- mente a indumentária montanhesa, tal diferenciação não existia. Se- libeg, ou "saiote obtido pela separação entre saia e manto, e gundo eles, os mantos dos chefes eram coloridos e os dos seus seguido- convertido numa peça separada, com pregas costuradas. Este novo res, castanhos, de maneira que a diferenciação de cores era feita, na- traje foi usado pelo próprio Rawlinson, cujo exemplo foi seguido pelo quele tempo. de acordo com o status social, não com os A pro- sócio, MacDonell de Glengarry. Os membros do como sem- va mais antiga apresentada em favor da diferenciação por è pre, não tardaram a imitar seu chefe, e a novidade "foi considerada uma declaração de Martin Martin, que esteve nas Hébridas em fins do tão e conveniente que num instante o seu uso alastrou-se por século XVII. Martin, simplesmente indica as localidades a que todas as regiões montanhesas e também por muitas áreas das Terras correspondem os vários padrões: não os diferencia com base nos Baixas são fortes os indícios contrários à diferenciação por Assim, Este relato das origens do kilt foi inicialmente feito em 1768 por uma série de retratos cuidadosamente elaborados por Richard Waitt um fidalgo que havia conhecido Rawlinson pessoalmente. no século XVIII, mostra os membros da família Grant vestidos com Foi publicado em 1785, sem levantar qualquer Foi con- trajes de padrões os mais variados; nos retratos dos Macdonalds de firmado pelas duas maiores autoridades em costumes escoceses da é- Armadale podem-se observar "pelo menos seis padrões diferentes de e por depoimentos isolados feitos pela família Du- e indícios contemporâneos relativos à rebelião de 1745 se- rante quarenta anos não foi contestado, nem jamais foi refutado. Con- jam eles do tipo indumentário, pictórico ou literário não revelam corda com todos os dados colhidos desde aquela época, inclusive com qualquer diferenciação de nem nenhuma continuidade de pa- as provas constituidas por ilustrações, pois a primeira pessoa a ser re- A única maneira de comprovar a lealdade de um montanhês era tratada vestida visivelmente com um kilt moderno, não com um manto olhar, não para o padrão de suas vestimentas, mas para o penacho que com cinto, surge num retrato de Alexander MacDonell de Glengarry, trazia na boina. Os padrões eram apenas uma questão de gosto pessoal filho do chefe que era amigo de Rawlinson. É interessante observar ou de Aliás, em outubro de 1745, quando o Jovem Ca- valeiro esteve em Edimburgo com seu exército, o Caledonian 11. Sobre o empreendimento escocès de ver Alfred Felk The Early Iron dustry of Furness and District 1908). pp. 346 e seg.: Arthur Qua- kers in Science and Industry (1950). pp. 15. Sobre o retrato, veja Dunbar. op cit., pp. Ao que parece. foi pintado por 12. relato è de autoria de Ivan Baillie de Abereachen, e foi publicado no Edinburgh de mar. 1785 (vol. p. 235). 16. 13. Refiro-me a Sir John Sinclair e John Veja adiante p. 37 17. apresentadas provas conclusivas sobre esse aspecto por H. Old 14. Refiro-me aos indicios dos Sobieski Veja 36. Highland Drew and Tartans, ed. 1940) e cit.</p><p>34 35 Mercury anunciava "um grande sortimento de tartans, os mais recen- mo as vestes que os usuários tradicionais haviam Durante tes padrões". Conforme admite D. W. Stewart, com relutância: os anos em que durou it proibição, alguns nobres das Terras Altas gosta- vam de vestir aquelas roupas tradicionais e de serem retratados assim, eis um para aqueles que defendem a tese de que os na segurança de seus lares. Depois que a lei foi abolida, a moda se padrões são antigos; pois è estranho que, estando a cidade de alastrou. Nobres escoceses membros prósperos da pe- montanheses de todos os níveis sociais e de vários não lhes quena nobreza, juristas bem educados de Edimburgo e prudentes mer- oferecidos seus antigos mas "um grande sortimento dos mais recen- cadores de Aberdeen homens que não estavam beira da miséria e tes que nunca teriam de saltar sobre as rochas e os brejos, nem de dormir Dessa quando irrompeu a grande rebelião de o kilt por ao relento nos montes exibiam-se publicamente não nos históricos conhecido uma invenção inglesa recente, e não existiam tar- trews, vestimenta tradicional de suas respectivas classes, nem nos incô- tans diferenciados de acordo com os Contudo, a rebelião deter- modos mantos com cinto, mas numa versão sofisticada e dispendiosa minou na história indumentária quanto na his- da tal novidade, o philibeg, ou sajote social e econômica da Escócia. Após ter sido sufocada a rebelião, Duas são as causas desta mudança notável. Uma delas è geral, da 0 governo britânico decidiu afinal fazer o que havia pretendido em Europa toda, e pode ser rapidamente resumida. Era o movimento ro- 1715 (aliás, antes), destruindo de uma vez por todas o estilo de vida mântico, o culto ao bom selvagem que a civilização ameaçava destruir. independente dos montanheses. Por intermédio das várias leis parla- Antes de os habitantes das Terras Altas tinham sido despreza- mentares subseqüentes vitória de Culloden, os montanheses foram dos, por serem considerados bárbaros indolentes e rapaces. Em 1745, desarmados, seus chefes, privados de suas jurisdições e, tinham sido temidos por serem considerados rebeldes perigosos. Mas disso, o uso dos trajes montanheses "manto, trews, após 1746, tendo-se esfacelado sua sociedade com tanta facilidade, eles tartans ou mantos e acessórios multicoloridos" foi proibi- apresentavam o romantismo de um povo primitivo combinado ao do sob pena de prisão sem direito a fiança até seis meses e, na reinci- das espécies em perigo de extinção. Foi nestas circunstâncias dência, deportação por sete Esta lei draconiana permaneceu em que Ossian saboreou uma A segunda causa era mais vigor por trinta cinco anos: trinta e cinco anos durante os quais todo específica, e merece um exame mais detido. Foi a formação dos regi- o modo de vida das Terras Altas se esfacelou rapidamente. Em 1773, mentos das Terras Altas pelo governo ao fazerem sua famosa viagem, Johnson e Boswell descobriram que Ela havia começado antes de 1745 aliás, o primeiro regimento não haviam chegado a tempo de ver aquilo que esperavam, povo deste tipo, a Black Watch (Guarda Negra), depois do 43° e do 42° regi- de aparência peculiar e um sistema de vida arcaico". Durante a viagem mentos de fileira, havia lutado em Fontenoy, em 1740. foi nos inteira, segundo lembra Johnson, não viram vestido com o anos de 1757 a 1760 que o presbitero Pitt procurou sistematicamente A lei (da qual discordava) havia sido imposta em toda a desviar o espirito marcial das Terras Altas da aventura jacobita para a parte. Até a gaita de foles, observou ele, "começa a ser esquecida". guerra imperial. Conforme ele diria mais tarde: em 1780 os trajes montanheses pareciam ter-se extinguido por comple- to, e nenhum homem racional teria tido a idéia de restaurá-los. Busquei o mèrito onde ele devia ser encontrado; orgulho-me de ter sido o primeiro ministro que o procurou, e o encontrou nas montanhas do nor- A contudo, não è racional: ou, pelo menos, racional te. Eu o chamei e trouxe para servir-vos uma raça de homens intrépidos e apenas em parte. Aqueles que costumavam usar os trajes montanheses audaciosos. realmente deixaram de Depois de uma geração usando calças, o campesinato humilde das Highlands não via mais sentido em voltar Logo estes regimentos montanheses de na a vestir o manto ou as roupas axadrezadas que antes consideravam tão dia e na Também estabeleceram uma nova tradição indu- haratas Não adotaram nem mesmo o e kilt, que era novidade. Em compensação, as classes médias e altas, que antes faziam pouco daqueles trajes adotaram com entusias- 19. Assim John Hay Allan (veja adiante 32). em seu Bridal of pp. que. de casamento montanhesas "pouco ou nada se do velho Isto for publicado 1822 o em que a visita do Rei Jorge IV fez com que os membros da alta classe de Edimburgo envolvessem os membros com tecido 19 Geo. II 20 Geo. II 51: 21 Geo. 34.</p><p>36 37 mentária, pois através da "Lei Conciliatória" de 1747, foram explicita- A Sociedade tinha como segundo e não menos importante objeti- mente eximidos da proibição que pesava sobre os trajes montanheses; vo o de assegurar a revogação da lei que proibia o uso dos trajes mon- portanto, durante os trinta e cinco anos em que o campesinato céltico tanheses na Escócia. Para isso, os membros da Sociedade comprome- adotou em definitivo as saxônicas e o Homero dos celtas foi teram-se por iniciativa se encontrarem (conforme per- retratado vestido com uma bárdica, foram apenas os regimen- mitido em ondres) tos montanheses que mantiveram a indústria do tartan em funciona- vestidos com aqueles trajes tão famosos por terem sido a vestimenta de mento e estabeleceram a novidade mais recente de todas, o kilt de Lan- seus ancestrais e, nas reuniões, pelo menos, falar a linguagem en- cashire. ouvir a deliciosa recitar a antiga poesia e observar os cos- A princípio, o uniforme dos regimentos era o manto com cinto; especificos de sua mas após a invenção do kilt, que se tornou popular devido à sua con- Pode-se observar, não obstante, que a indumentária montanhesa, mes- veniência, os regimentos o adotaram. Além do mais, provavelmente foi esta adoção que deu origem à de distinguir os padrões de mo então ainda não incluía o kilt: pelas regras da Sociedade, consistia nos trews e no manto com cinto ("manto e sajote numa acordo com os Quanto mais os regimentos montanheses se multi- plicavam para atender às necessidades ditadas pela guerra, mais se di- Tal objetivo foi alcançado em 1782, quando o Marquês de Graham, a ferenciavam seus uniformes; de modo que quando os civis voltaram a pedido de um comitê da Sociedade das Terras Altas, propôs com usar o tartan e o movimento romântico incentivou o culto dos to, na Câmara dos Comuns, a revogação da lei. Isso causou grande esse mesmo princípio de diferenciação foi prontamente transferido do alegria na Escócia, e os poetas gaélicos celebraram a vitória do manto com cinto céltico sobre as calças Dali por diante, pode-se regimento para o Mas isso aconteceu bem mais tarde. Por enquan- to, nos restringiremos apenas ao kilt, que, tendo sido inventado por dizer que os trajes montanheses recentemente remodelados ganharam um industrial quaker foi salvo da extinção por um estadista im- popularidade. Mas houve obstáculos. Pelo menos um escocês, desde o perialista passo seguinte foi a invenção de uma linhagem es- cocesa. Pelo menos este estágio foi levado a cabo pelos escoceses. inicio, a todo o processo pelo qual os montanheses há Começou com um passo importante, dado em 1778; a fundação, pouco tempo desprezados como bárbaros alienigenas, passavam a ser em Londres, da Sociedade das Terras Altas (Highland Society), cuja os únicos representantes da história e da cultura escocesas. Este ho- principal função era incentivar as velhas virtudes das Terras Altas e mem foi John Pinkerton, que, apesar de ser visivelmente excêntrico e preservar as antigas tradições das Terras Altas. Constituía-se princi- alimentar fortes preconceitos, não pode deixar de ser considerado, palmente de nobres e oficiais montanheses, mas seu secretário, "a conforme ele mesmo dizia, o maior arqueólogo escocês desde Thomas quem a sociedade parece estar especialmente agradecida pelo zelo com Innes. Pinkerton foi o primeiro estudioso a descobrir indicios da ver- que se empenhou para que ela tivesse era John Mackenzie, dadeira história medieval escocesa. Era inimigo implacável das falsifi- advogado do "Temple", "o mais íntimo amigo e cum- cações históricas e dos Macphersons. Foi o primeiro estudioso a documentar a história da indumentária montanhesa. Só plice, braço direito e, mais tarde, testamenteiro de James Macpherson. Tanto James Macpherson quanto Sir John Macpherson foram sócios cometeu um grave erro: acreditar que os picts pertenciam a uma raça diferente da dos que os picts (por ele admirados) não eram fundadores da Sociedade, de cujos objetivos explícitos um era o da preservação da antiga literatura gaélica, e cujo maior êxito, aos olhos celtas (por ele desprezados), mas godos. Tal engano, não inva- de seu historiador, Sir John Sinclair, foi a publicação do texto "origi- lidou suas conclusões, quais sejam, que os primeiros caledônios distin- nal" em gaélico de Ossian, em 1807. Este texto foi fornecido por Mac- guiam-se por não usarem kilts, nem mantos com cinto, mas calças; que o tartan havia sido importado relativamente pouco tempo; e que o kenzie, a partir dos trabalhos de Macpherson, tendo sido editorado kilt era mais recente ainda. pelo próprio Sinclair e acompanhado de um ensaio também dele que visava provar sua autenticidade facilmente contestável). Consi- O próprio Sir John Sinclair logo aderiu às idéias de Pinkerton. derando a dupla função de Mackenzie e a preocupação demonstrada Em 1794 Sinclair havia reunido uma força militar local os Milicianos pela Sociedade em relação à literatura gaélica (quase toda inspirada ou de Rothesay e Caithness para servir na guerra contra a França; e, produzida por Macpherson), todo este empreendimento pode ser con- siderado como mais uma das operações da máfia dos Macphersons em Londres. 20. Sir J. Account of the Highland of London (1813).</p><p>38 39 detidos estudos, resolveu uniformizar as tropas não com o kilt (pois sabia tudo sobre o quaker Rawlinson), mas com trews de tecido jes regionais e nos enfiar em arlequinais calças de Diante deste espirituoso ataque, o Ministério recuou, e foram montanheses No ano seguinte, resolveu aparecer na corte em trajes vestidos de sajote que, a vitória final de 1815, conquistaram a montanheses, que incluíam calças confeccionadas num tecido de pa- drão criado especialmente por ele Mas antes de comprometer- imaginação e despertaram a curiosidade de Paris. Nos anos seguintes, a série de romances iniciada com Waverley, escrita por Sir Walter se, consultou Pinkerton, que se mostrou encantado com a sua decisão Scott, combinada com os regimentos montanheses, contribuiu para di- de substituir o por porque o supostamente anti- fundir a moda dos kilts e tartans pela Europa go, segundo Pinkerton na verdade, bem moderno, e podia ser Entrementes, outro militar dedicava-se a impor o mito de que es- aperfeiçoado sem restrições, pois isso não constituiria violação da tra- ses trajes eram realmente antigos. Coronel David Stewart de Garth, dição. Além do que, as são muito mais antigas do que o Aliás, nem o manto, nem o tecido multicolorido eram antigos, acres- que se alistara no regimento montanhês aos dezesseis anos, pas- sara a vida de adulto inteira no Exército, principalmente no estrangei- centa ele. Tendo, desta forma, negado inteiramente a antiguidade do ro. Depois de 1815, como oficial a meio soldo, dedicou-se primeiro ao traje que fora atribuído "a nossos ancestrais Pinkerton pôs- estudo dos regimentos montanheses, depois da vida e tradições das se a dissertar sobre seu valor intrinseco. Declarou que o não Terras Altas, tradições que havia descoberto quase sempre, talvez, no flagrantemente indecente, como também anti-higiênico, pois permi- refeitório dos oficiais, em vez de nos vales estreitos ou extensos da Es- te que o pó adira pele e exala o fedor da transpiração"; é fora de pro- cócia. Tais tradições, naquela época, incluíam o kilt e os padrões dos pósito, porque o tórax è duplamente envolvido por uma túnica e por ambos aceitos sem questionamentos pelo coronel. De fato, ele ti- um manto, ao passo que "as partes ocultas por toda as outras nações vera conhecimento da versão de que o kilt havia sido inventado por são precariamente è também uma vestimenta afeminada, um mas recusou-se a levá-la em consideração porque ela era, miserável e pois pode reabilitar a regularidade deselegante e segundo ele, refutada "pela crença geral de que o sajote fazia parte da o brilho vulgar do tartan aos olhos da moda; todas as tentativas de in- indumentária escocesa desde a aurora das tradições". Ele também de- troduzi-lo no mercado Mas o tartan exclusivo de Sir John, clarou, com igual certeza, que os tecidos axadrezados sempre haviam conforme Pinkerton apressou-se em observar, havia "contornado to- sido confeccionados "com padrões diferentes (ou setts diferentes, como das estas e, por ter apenas duas cores suaves, havia assegura- eram de acordo com os vários tribos, famílias e distri- do "um efeito geral bastante tos". Não forneceu dados concretos para sustentar nenhuma dessas Assim escreveu famoso Sr. que es- afirmações, que foram publicadas em 1822, num livro intitulado Sket- creveu em vão, pois por aquela epoca os regimentos montanheses jà ches of the Manners and Present State of the Highlanders of haviam adotado o sajote curto, e seus oficiais facilmente se convence- Scotland (Esboço do caráter, hábitos e estado atual dos montanheses ram de que este pequeno hill era o traje nacional da Escócia desde da Sabemos que este livro veio a ser a "base de todas as tempos imemoriais. Que pode a mera e trêmula da erudição contra obras posteriores sobre os uma enérgica ordem militar? As contestações nem sequer seriam leva- Não foi apenas através da literatura que Stewart defendeu a nova das em consideração. Em o da Guerra influenciado, causa Em janeiro de 1820, fundou a Sociedade de talvez, por Sir John Sinclair considerou a possibilidade de substituir Edimburgo, composta por jovens civis cujo principal objetivo era o de o kilt pelos trews, e sondou os oficiais de serviço, como o uso generalizado dos antigos trajes montanheses entre os Coronel Cameron, do 79° regimento, ficou indignado. Será que o Alto habitantes das Terras e fazer isto usando os ditos trajes em Comando estava realmente propondo que "cessasse aquela livre circu- Edimburgo. O presidente da Sociedade era Sir Walter Scott, nativo das lação de ar puro e saudável" sob o que "tão singularmente pre- Terras Baixas, Os sócios jantavam juntos regularmente, "vestidos com parava o montanhês para entrar em ação?" "Espero, sinceramente". kilts e boinas, à antiga, e armados atè os dentes". Nessas protestou o galante coronel, "que Sua Alteza Real nunca aceda a pedi- Scott mesmo preferia usar mas declarava ficar "bastante con- do tão doloroso e degradante. como o de despojar-nos de nossos tra- tente com o entusiasmo que demonstravam os montanheses 21. Literary Correspondence p. 404: Sir John Correspondence (1831). Dunbar, up pp. 23. Dictionary of National S. Stewart,</p><p>40 41 quando libertados da escravidão dos "Jamais se escre- histórica. Em quando se começou a falar sobre a visitareal, a fir- veu ele, um jantar, "pulação, alvoroço e gritaria Tal ma preparou um "Catálogo de Padrões" e enviou amostras dos vários era o efeito, mesmo na recatada Edimburgo, da livre circulação de ar tartans para Londres, onde foram devidamente "autenticados" pela puro e saudável sob o sajote montanhês. Sociedade como pertencentes a este ou aquele Entretanto, quando Assim, em 1822, graças principalmente ao trabalho de Sir Walter a visita foi confirmada, deixou de haver tempo para tais requintes de Scott e do Coronel Stewart, a ofensiva das Terras Altas já havia come- organização. Houve tal abundância de encomendas que "cada peça de cado. Recebeu uma tremenda publicidade naquele ano por causa da tecido era vendida assim que pronta do Em tais circunstân- visita oficial do Rei Jorge IV a Edimburgo. Era a primeira vez que um cias, o dever primordial da firma era manter a oferta e assegurar que monarca hanoveriano vinha à capital escocesa, e tudo foi cuidadosa- os chefes montanheses pudessem comprar aquilo de que necessitas- mente preparado para garantir o sucesso do evento. O que nos interes- sem. Assim, Cluny Macpherson, herdeiro do chefe do descobridor de sa são as pessoas que se encarregaram desses preparativos. Pois o mes- recebeu um tartan existente, que passou a chamar-se para tre de cerimônias incumbido de todos eles foi Sir Walter Scott, que de- ele "Macpherson": só que antes, tendo sido vendido a atacado a um signou como seu assistente seu "ditador" em de cerimonial e certo Sr. Kidd, que o usou para vestir seus escravos das Antilhas, o pa- vestuário o Coronel Stewart de e os guardas de honra aponta- se chamava tendo sido anteriormente conhecido apenas dos por Scott e Stewart para proteger o rei, os funcionários do gover- como "No Graças a essa versatilidade comercial, os chefes con- no insignias da Escócia foram escolhidos dentre aqueles "aficiona- seguiram atender instâncias de Sir e os cidadãos de Edin- dos do os membros da Sociedade Celtica, "vestidos com tra- burgo puderam admirar Sir Evan Macgregor de Macgregor "vestido jes O resultado foi uma caricatura da com seu próprio tartan montanhês. acompanhado de seu séquito. e da realidade Preso a seus fanáticos amigos celtas, bandeira e Coronel MacDonell de Glengarry. herdeiro arrebatado por suas próprias fantasias românticas célticas, Scott esta- através de Rawlinson - do mais antigo da agora sem va determinado a esquecer completamente a Escócia sua Es- dúvida sofisticado especialmente para a ocasião. cócia das Terras Baixas. A visita real, segundo ele, devia ser "uma reu- Assim foi a capital da Escócia para receber seu rei, nião dos montanheses". Assim, ele instou com os chefes montanheses que também veio com o mesmo tipo de traje, desempenhou seu papel para que com seu "séquito" prestar homenagem a seu rei. na pantomima e, no climax da visita, convidou os dignitários "Vinde e trazei meia dúzia ou uma dezena de membros do escre- presentes a fazerem um brinde não à elite verdadeira e mas veu ele a um desses chefes, "de modo a parecer um chefe como "aos chefes e da Escócia". Até mesmo o dedicado genro e biógra- o que ele mais apreciará ver serão os fo de J. G. Lockhart, ficou desapontado com esta "alucinação" Os habitantes das Terras Altas atenderam ao pedido. Mas que pa- na qual, segundo ele, "as e surpresas da Es- drão trariam nas roupas? A de criar padrões de tecido diferentes cócia foram atribuídas tribos célticas que "sempre constituiram de acordo com os divulgada na época por Stewart, parece ter-se uma parte pequena e quase sempre sem importância da população es- originado com os engenhosos fabricantes que, por trinta e cinco anos, Lord que era montanhês de origem, foi mais tiveram como únicos clientes os regimentos montanheses, mas que franco. Tendo escrito na década de 1850, não duvidava de que a indu- desde a revogação de 1782, previam uma grande expansão do montanhesa fosse antiga. mas achava revoltante que raças ci- A maior destas firmas era a William Wilson e Filho, de Ban- vilizadas da Escócia se vestissem com aqueles riscados, por- nocknoburn, cuja abundância de registros representa uma fonte inesti- que aquilo contrariava o próprio sentido de evolução histórica. No mável para os historiadores. Os Srs. Wilson e Filho, percebendo a van- segundo ele, esta absurda moda moderna havia tagem de criar um repertório de padrões de diferentes, o que esti- atingido um ponto além do qual não se poderia mais ir. último rei bri- mulava a competição entre as tribos, entraram, com esse objetivo, em que manteve uma corte em Holyrood julgou que não poderia dar acordo com a Sociedade das Terras Altas de Londres, que cobriu prova mais definitiva de seu respeito pelos costumes que prevalecem na aquele projeto comercial com uma capa, ou manto de respeitabilidade Escócia desde a União do que fantasiar-se com um traje que, antes da União, era considerado por nove entre dez escoceses como roupa de la- drão. 24. Letters of Sir Scott. org. H. C. Grierson vi. pp. Lockhart. Life of Scott (1850). pp. Letters of Sir Scott. vii, p. 213. 26. History of England. cap. XIII.</p><p>42 43 do qual não se poderia ir" Macaulay subestimou a força montanheses toda de penduricalhos, condecorações falsas e de uma "alucinação" apoiada por um interesse econômico. Scott po- Foram vistos por um aristocrata russo, que estava de vi- deria readquirir o juizo perdido - como logo aconteceu - mas a farsa sita, em Altyre, residência da Gordon Cuming, em todo o es- de 1822 havia dado novo impulso à indústria do e inspirado plendor de suas condecorações e insígnias de Haviam dado uma nova fantasia a ser aproveitada por essa indústria. E então, che- a seu nome um toque escocês, mudando-o primeiro para Allan e, de- gamos ao último estágio da criação do mito a reconstru- pois, para Hay Allan, e por último, para Hay, alimentando a versão de ção e difusão, sob forma espiritual e daquele sistema de que seriam descendentes do último Hay, conde de Como ele ha- que de fato havia sido destruido após 1745. As principais figuras via morrido solteiro, eles inventaram-lhe um casamento secreto; mas deste episódio foram dois dos personagens mais esquivos e sedutores nunca afirmaram isso explicitamente, para não tornar vulneráveis suas que já montaram nos cavalos-de-pau ou nas vassouras voadoras da alegações. Sir Walter Scott lembrava-se de ter visto o mais velho dos cultura os irmãos Allen. irmãos com a insígnia do Condestável da Escócia posto hereditário Os irmãos Allen vinham de uma família da Marinha, muito bem da casa dos Errols - "que ele não podia ter mais direito de usar do que relacionada. o avô deles, John Carter Allen, havia sido Almirante da tinha de ostentar a Não podia ter mais, replicaria o critica- Esquadra Branca da Marinha filho dele, pai dos Allen, do, e nem havia servido na Marinha durante um breve período; a mãe era filha Os irmãos costumavam passar muito tempo no extremo norte, de culto ministro da Igreja de Surrey. O pai dos Allen é uma vez que o Duque de Moray lhes concedera livre acesso à Floresta uma figura bastante confusa, de vida bastante misteriosa. Ao que pa- Darnaway, e eles tornaram-se caçadores de Nunca rece. passou a parte da vida no exterior, principalmente na lhes faltaram protetores Até os práticos "empresários" lia. A infäncia dos dois filhos não está Tudo que se sabe das Terras Baixas deixavam-se cativar por eles. Foi o que aconteceu é que cram ambos artistas bem dotados em vários campos. Escreviam com Sir Thomas Dick Lauder, cuja esposa tinha uma propriedade em poemas à moda de sabiam várias linguas, embora as Elgin. Foi para ele que, em 1829, os irmãos revelaram possuir um im- tenham sem dúvida, por conta própria; eram hábeis proje- portante documento histórico. Era um manuscrito que (segundo eles) tistas, entalhadores de madeira, carpinteiros. Seu jeito persuasivo e en- havia pertencido a John Leslie, bispo de Ross, o confidente da Rainha canto social proporcionava-lhes ampla liberdade na melhor das socie- Maria da Escócia, e que fora entregue a seu pai por nada mais, nada dades. Tudo faziam com perfeição e tino. Não se sabe exatamente menos que o Jovem Cavaleiro, Principe Charlie, o manuscrito quando eles surgiram pela primeira vez na Escócia, mas evidentemente intitulava-se Vestiarium Scoticum ou Guarda-Roupa e era eles estavam com o pai durante a visita real de 1822, e uma descrição dos tartans tribais das famílias escocesas, em que cons- estavam desde 1819. 1819-1822 foi o periodo de preparação para a tava como autor um certo cavaleiro chamado Richard Urquhart. visita. Foi também o periodo em que a firma Wilson e Filho de Ban- Bispo Leslie havia acrescentado sua data 1571 - mas naturalmente o nocknoburn estava estudando um plano de produção de manuscrito podia ser muito mais antigo. Os irmãos explicaram que o para os montanheses, e a Sociedade das Terras Altas de documento original estava com o pai deles, em Londres, mas mostra- Londres, sem dúvida em com eles, estava considerando a ram a Dick Lauder uma "cópia grosseira" que haviam adquirido e publicação de um livro fartamente ilustrado sobre os tartans dos clâs que, sem dúvida, vinha, finalmente, da família Urquhart de Cromarty. Acredita-se que a família Allen tenha estado em con- Sir Thomas ficou muito entusiasmado com a descoberta. Não só o do- tacto com a Wilson e Filho nesta época. Nos anos os irmãos provavelmente viajaram para o exterior, aparecendo, porém, ocasionalmente em grandes casas escoce- sas ou comparecendo a festas elegantemente vestidos (conforme um 28. Letters and Journals of Lady Eastlake i, pp. 54-5. observador inglês) "com toda a extravagância permitida pelos trajes 29. É correto dizer-se que não foram os irmãos que deram origem à sua pretensão de serem herdeiros Duques de Erroll. Quando da morte de seu John Carter em 1800, quem redigiu seu necrológio escreveu que "ele era não só aparen- lado com a Marquesa de Salisbury e o Marquês de Devonshire (recte Downshire), mas, Parte da proposta entre os manuscritos da Sociedade Montanhesa de segundo opinião expressa por Lord o título de Erroll por Biblioteca Nacional da Depósito 268. Caixa 15. Sem com marca descender ele do velho Conde Hay por parte de (Gentleman's Magazine (1800), p. de 1021). A Marquesa de Salisbury, o Lord Downshire e o Lord Hillsborough eram todos membros da familia Hill.</p><p>44 45 cumento era importante em si, como constituía uma autêntica e seu manuscrito. Arranjaram um novo protetor, Lord Lovat, chefe fonte autorizada antiga a favor da existência de tartans próprios de católico da familia Fraser, cujo ancestral havia sido executado no pati- cada e, disso, mostrava que esses padrões de tecido eram usa- bulo em 1747. Adotaram também uma nova declarando-se católi- dos tanto pelos montanheses quanto pelos habitantes das Terras Bai- cos romanos, e uma identidade nova e ainda mais ilustre. Eliminaram xas, fato que muito alegrou às famílias das Terras Baixas que estavam o sobrenome Hay e adotaram o nome real dos Stuart. irmão mais ansiosas para meter-se na Assim, Sir Thomas preparou uma velho passou a chamar-se John Sobieski Stuart (John Sobieski, herói- transcrição do texto, que o irmão mais jovem cortesmente ilustrou CO rei da Polônia, era o bisavô materno do Jovem Cavaleiro); o caçula para ele. Depois escreveu para Sir Walter Scott, que era o oráculo no adotou o próprio nome do Jovem Cavaleiro, Charles Edward Stuart. que dizia respeito a esses assuntos, insistindo que o documento fosse De Lord Lovat eles conseguiram a concessão de Eilean Aigas, uma ro- publicado, para corrigir os inúmeros "tartans insólitos e espúrios que mântica casa de campo localizada numa ilhota do Rio Beauly, em In- são confeccionados todos os dias, batizados com nomes particulares e verness, e ali montaram uma corte em miniatura. Eram conhecidos vestidos como se fossem genuínos". como "os sentavam-se em tronos, mantinham uma etique- Só que o espirito clássico de Scott havia retornado, e ele não se ta rigorosa e recebiam honras reais dos visitantes, a quem mostravam deixou A história e o do manuscrito e o dos suas relíquias dos Stuarts e faziam referências a documentos misterio- dois irmãos lhe pareciam muito suspeitos. Ele não acreditava que os sos, guardados num cofre de aluguel. Penduraram o brasão habitantes das Terras Baixas tivessem chegado a usar tartans de acor- real sobre a entrada da casa; quando subiam o rio até a igreja do com os e desconfiava que aquilo fosse vigarice de algum fabri- em Eskadale, o pendão real drapejava-lhes acima da embarcação; seu cante. Insistiu que o manuscrito fosse no mínimo submetido ao exame sinete tinha o formato de uma coroa. de especialistas do Museu Sir Thomas aceitou a sugestão, e Foi em Eilean Aigas, em que os irmãos finalmente publica- o irmão mais velho concordou prontamente; mas este caminho de ram o famoso manuscrito, o Vestiarium Scoticum. Ele surgiu numa lu- pesquisa foi interrompido quando ele apresentou uma carta do pai, as- xuosa edição, de apenas cinqüenta Foi a primeira sèrie de ilus- sinada por "J. T. Stuart Hay", admoestando-o severamente só pelo trações coloridas de tartans a ser publicada, e representou uma vitória fato de ter mostrado o documento, porque (segundo ele) - além de ser sobre as dificuldades Tais ilustrações eram reproduzidas tentar recuperar um mundo irremediavelmente - o do- através de um novo processo de "impressão mecânica" e, nas palavras cumento nunca poderia ser examinado por olhos profanos, devido a de um estudioso, escritas anos depois, foram suplanta- certas "anotações particulares feitas nas páginas em branco". "Quan- das por nenhum outro de impressão a cores posteriormente to à opinião de Sir Walter continuava o autor da carta, "visto inventado, tanto em matéria de beleza da execução quanto de exatidão que jamais a vi ser respeitada nem considerada do menor valor pelos do Na qualidade de John Stuart acres- antiquários, pouco se me Isso colocou o de Abbotsford centou um comentário abalizado e novas provas da autenticidade do no seu devido lugar. manuscrito: uma "cópia do autografo do Bispo Leslie e Derrotados pela autoridade de Scott, os irmãos recolheram-se no- uma do recibo dele pelo documento. manuscrito em vamente ao norte e gradativamente aperfeiçoaram sua imagem, perícia si, segundo ele, havia sido "cuidadosamente cotejado" com um outro documento recentemente descoberto por um monge não iden- tificado, num mosteiro espanhol, que agora infelizmente se encontrava 30. Assim de por volta de 1800, requereu que a Sociedade em ruinas. E era mencionado um outro manuscrito, que esti- nhesa de Londres descobrisse se sua família possuia "algum lipo de em especial" vera em posse de Lord Lovat recentemente, mas havia sido levado Reconhecia que "faz tempo que eles não usam tartans que agora deve ser custoso para a e extraviado por As buscas, porém, estavam em an- mas ele tinha esperança. (manuscritos da Sociedade Montanhesa de Lon- damento... dres, Caixa 1. n° 10). 31. A trocada entre Dick Lauder e Scotl. assim como a transcrição Sendo reduzida a sua distribuição, a publicação do Vestiarium do Vestiarium feita por Lauder, estão agora nos Arquivos Reais, em Windsor, Scoticum não foi muito notada. Agora Scott havia morrido, e Dick sido ofertados à Rainha Maria pela sua proprietária, Srta. Greta de Lauder, embora tivesse continuado a guardou silêncio. Se Dick em 1936. Foi parcialmente publicada no Journal of Sir Walter Scott. D. 2. ed. pp. depois sairam mais partes in Stewart, Old and tivesse escrutinado os impressos, talvez percebesse, surpreso, que Rare Scottish Estes e os mencionados na p. 40, são citados com a haviam sofrido uma quantidade considerável de emendas desde que o permissão de Sua a irmão elaborara sua reprodução. Contudo, logo se constatou</p><p>46 47 que o Vestiarium publicado era apenas uma pièce justificative prelimi- trajes típicos das Terras Altas eram os do vestuário comum da nar para uma obra original muito mais vasta. Dois anos mais tarde, os Idade Média, que havia sido substituído no resto da Europa no século dois irmãos publicaram um volume ainda mais luxuoso, obviamente XVI, mas havia subsistido, adulterado, porém ainda reconhecível, na- resultado de anos de estudo. Este fólio estupendo, fartamente ilustra- quele cantão esquecido do mundo. Pois na Idade Média (de acordo do pelos autores, era dedicado a Ludovico I, rei da Bavária, por ser ele com estes autores), a Escócia céltica fora uma região próspera na Eu- restaurador das artes católicas na Europa" e continha uma dedica- ropa católica cosmopolita: uma sociedade rica e refinada, na qual as pretensiosa. escrita em gaélico e em "aos esplêndidas cortes dos chefes tribais eram abastecidas - graças às Na folha de rosto lia-se que o volume fora publicado em Edimburgo, avançadas manufaturas hebridenses pela suntuosidade e pelo escla- Londres, Paris e Praga. Intitulava-se The Costume of the Clans (Indu- recimento do continente. Lamentavelmente, esta brilhante civilização mentária dos não perdurou: já no final da Idade Média, aqueles agitados teares The Costume of the Clans é uma obra Sob o aspec- hebridenses, aquelas esplendorosas cortes das ilhas, aquela "alta sofis- 10 puramente erudito, faz todos os trabalhos anteriores sobre o assun- ticação intelectual" de Mull, Islay e Skye entrou em decadência; as to parecerem falhos e comuns. Menciona as fontes mais arcaicas, tan- Highlands haviam sido isoladas do resto do mundo; sua sociedade em- to escocesas quanto européias, escritas e orais, manuscritas e impres- pobreceu-se e introverteu-se, e a indumentária tornou-se triste e sas. Recorre à arte e à arqueologia, assim como à literatura. Um ar- mediocre. Apenas o Vestiarium aquela grande descoberta dos dois ir- queólogo escocès erudito e meticuloso meio século depois, descreveu mãos - revelando o esplendor dos setts originais, permitiu entrever o volume como "uma perfeita joia tanto em matéria de elaboração aquela cultura esplêndida, agora extinta para sempre. Sim, porque os quanto de talento" e () melhor autor moderno na área o classifica autores não manifestavam nenhum interesse em tentar restaurar ape- como "uma obra monumental uma das pedras fundamentais sobre a nas a indumentária, desligada da cultura céltica católica da qual ela fa- qual se constrói toda e qualquer história do vestuário das Terras Al- zia parte. Seria o mesmo que transformar os trajes em meras fantasias. tas livro inteligente e critico. Os autores reconhecem que o A verdadeira restauração seria aquela em que todo o passado fosse re- é uma invenção moderna (afinal de contas, eles haviam estado com os vivido como faziam os irmãos Stuart, compondo poemas, caçando MacDonells de Glengarry). Não se pode desprezar de imediato nada veados, mantendo uma corte tribal própria numa ilha do Rio Beauly. do que dizem. Mas, em compensação, nada pode ser levado muito a Como Pugin, que procurou restaurar não só a arquitetura gótica, mas sério. livro baseia-se em pura fantasia e em falsificações descaradas. toda uma civilização da qual o gótico fazia parte, os "So- em evidência fantasmas literários, na qualidade de fontes au- bieski (como eram chamados por buscavam restaurar torizadas. Usam-se os poemas de Ossian como fonte, e citam-se ma- não só a indumentária montanhesa, mas toda uma civilização das Ter- nuscritos escusos. Entre estes, inclui-se "um grosso volume contendo ras Altas imaginária; e o faziam através da ficção descarada e da abo- os poemas originais de Ossian, e vários outros manuscritos gaélicos minável retrospectiva fornecida pelo "Ossian". valiosos", recebidos de Douay pelo finado cavaleiro Watson, agora, É uma pena que o The Costume of the Clans nunca tenha recebido infelizmente, extraviados; um manuscrito em latim do século XIV, en- criticas, nem atenção dos entendidos. Antes que tal acontecesse, os au- contrado, junto com outros documentos, no mosteiro espanhol que tores cometeram um grave erro tático. Em 1846, quase chegaram a de- mais infelizmente ainda, não existe mais; e, naturalmente, o clarar explicitamente que sangue real. Fizeram-no por meio próprio Vestiarium Scoticum, já definitivamente datado, de uma sèrie de contos nos quais, sob pseudônimos românticos mas indicios internos", do século XV. As ilustrações coloridas à mão re- evidentes, declaravam estar revelando fatos A obra intitula- produziam e retratos antigos. Um retrato do Jovem Cavaleiro va-se Tales of a Century (Histórias de um século), o século que ia de vestido com trajes montanheses foi reproduzido "a partir do original, 1745 a 1845. A idéja central era a de que a dinastia dos Stuart não esta- em posse dos autores". va extinta; a esposa do Jovem Cavaleiro havia dado à luz um filho legí- The Costume of the Clans não era apenas um trabalho de erudição timo em Florença; esta criança, correndo risco de ser assassinada por antiquária; tinha um ponto de vista a defender. Era a idéia de que os enviados da casa de Hanover, teria sido confiada a um almirante in- que o criara como se fosse seu próprio filho. No devido tempo, esse rapaz veio a ter dois filhos legítimos que, tendo lutado por Napo- 32. Old and Rare Scottish Tartans. leão em Dresden, Leipzig e Waterloo, haviam sido pessoalmente con- 33. Dunbar, History of the Highland pp. decorados pelo imperador por bravura, e depois se haviam retirado</p><p>48 49 para sua pátria, a fim de aguardarem lá o fim de seus dias, estando o que ele classificou como "um ferimento pavoroso", quando assistia agora empenhados em restaurar a antiga sociedade, os velhos costu- aos jogos montanheses. Na hora do lançamento do martelo, o projétil, mes e trajes da terra natal. Para corroborar a história, havia no livro pesando 17 libras (aproxim adamente sete quilos e meio), atingiu-lhe a notas de bastante eruditas, mencionando os documentos ainda fazendo com que, conforme ele explicou depois (com o fim de não catalogados dos Stuarts, documentos alemães e poloneses que não atenuar alguma falta não especificada), "o meu crânio literalmente se podiam ser examinados, e "manuscritos em nosso poder". esfacelasse", sendo que quatro polegadas quadradas de osso tiveram Foi nesta altura que um inimigo oculto Sob o disfarce de de ser substituídas por uma placa de Apesar deste contratem- uma critica extemporânea ao um escritor anônimo publi- po. Logan tornou-se um entusiasta das tradições montanhesas e, em cou na Quarterly Review uma devastadora denúncia das pretensões 1831, após uma longa jornada através da Escócia, publicou um livro dos dois irmãos com relação à o irmão mais velho tentou a intitulado The Scottish Gael (O Celta que dedicou ao Rei Gui- que, apesar do tom majestoso, não tinha muito A lherme IV. Nesta obra, repetiu toda a mitologia montanhesa a obra erudita dos dois irmãos estava agora fatalmente desacreditada; a autenticidade dos poemas de Ossian, a do kilt, a diferen- rotina doméstica de Eilean Aigas cessou como que por encanto; e pe- ciação dos tartans tribais; e além disso declarou que ele mesmo estava los vinte anos seguintes, os dois sustentaram no estrangeiro, em Praga um trabalho que tratava expressamente dos tartans e e em Pressburgo, as pretensões à realeza que na terra natal corriam emblemas, com Nessa época, Logan já se estabelecera em grave risco. No mesmo ano, a Rainha Vitória adquiriu Balmoral, e a Londres, e a Sociedade das Terras Altas, em reconhecimento pelo seu corte real de Hanover substituiu a corte jacobita ilusória e desapareci- imediatamente o elegeu presidente e encarregou-se de patrocinar da nas montanhas da Escócia. o livro anunciado sobre Esta obra surgiu afinal em 1843 no Na história econômica observa-se o fracasso dos ano seguinte à publicação do Vestiarium. Chamava-se Clans of the pioneiros audaciosos, sonhadores e por vezes fantásticos, cujas reali- Scottish sendo fartamente ilustrado por R. R. Maclan, com zações são encampadas e levadas ao sucesso por um empreendedor setenta e duas pinturas que retratavam membros dos cläs vestidos com mais terra-a-terra. Os Sobieski Stuarts jamais se recuperaram das de- seus respectivos núncias de 1847. Embora devido a seu encanto pessoal, seu bom gênio É improvável que houvesse qualquer relação direta entre os So- e seu comportamento nobre e inofensivo não faltasse quem neles acre- bieski Stuarts, com sua erudição e seus ares aristocráticos não inteira- ditasse, aquele artigo fatal na Quarterly Review sempre era menciona- mente falsos, e James Logan, que era plebeu e pouco exigente. Mas os do contra eles. Mas seu trabalho não foi perdido. Yestiarium podia Sobieski Stuarts sem dúvida estavam em contacto com os fabricantes ter sido desacreditado, e o The Costume of the Clans, ignorado, mas os de tartan e eram consultores deles e dos chefes de clãs sobre os tartans, espúrios tartans idealizados por eles foram adotados, sem os seus no- talvez desde 1819. Sabemos também que o maior fabricante, Srs. Wil- mes manchados, pela Sociedade das Terras Altas de Londres, tornan- son e Filho, tiveram contacto com Logan, que tratavam como um sim- do-se um fator de contínua prosperidade para a indústria escocesa de ples agente, ás vezes corrigindo seu trabalho a partir de seu maior co- fabricação de tartan. o sucessor terra-a-terra dos etéreos Sobieski deduz-se que eles obviamente tinham à disposição o que Stuarts, que obteve este mais duradouro, foi James Logan. consideravam melhor autoridade. Portanto, parece provável que o tra- James Logan foi um nativo de Aberdeen que, na juventude, sofreu balho de Logan era inteiramente alimentado, por via direta ou indire- ta, pelas fantasias dos Sobieski Stuarts. De qualquer modo, o Vestia- rium foi publicado primeiro. Em seu livro, Logan rendeu tributo à "re- cente obra magnifica de John Sobieski Stuart", na qual o Clans of the 34. "The Heirs of the Quarterly (1847). o artigo foi atribuido Scottish Highlands nitidamente se baseava embora com diferenças na quase sempre sem qualquer a J. G. Lockhart, a J. W. a Lord ocasionais de detalhes, suficientes para justificar uma publicação sepa- e a James Dennistoun: e outros. Na verdade, ele foi escrito por Geor- rada. Na verdade, conforme escreveu um estudioso mais recente, mui- ge Skene, professor da Universidade de Glasgow. irmão mais velho do estudioso W. F. 35. A réplica foi publicada por Blackwood e filhos 1848). Tanto a critica quanto a réplica foram posteriormente republicadas sem por Lorimer e Gillies, volume foi impresso em naturalmente pelos Sobieski 36. Manuscritos da Sociedade Montanhesa de Londres, Caixa 5, de Logan ao Stuarts ou para alender a seus interesses. diretor da (s. d.)</p><p>50 51 tos dos tartans de Logan eram "reproduções inconfessas dos padrões se nos Sobieski Stuarts; seus amigos os defenderam até o fim; e após a do Vestiarium 37 morte deles, Sir Lovat enterrar em Eskadale, ao lado da igreja Logan teve sorte na escolha da época de publicação. As que frequentavam enquanto moravam na romântica casa da ilha, em Ei- sobre as pretensões reais dos Sobieski Stuarts - os verdadeiros inven- lean Aigas. Seus pertences foram postos à venda, e a Rainha Vitória tores dos tartans de cläs destruíram o crédito dos rivais exatamente no mostrou-se interessada, mas entre eles não se encontraram quaisquer momento em que a Rainha Vitória, com seu culto às Terras Altas, in- relíquias, pinturas, miniaturas, títulos de propriedade ou manuscritos centivava a produção e o uso dos tartans, assim como o cenário mon- dos Stuarts. E ninguém jamais teve notícia do texto original do Vestia- tanhês, o gado montanhês, Sir Edward Landseer e o ghillie John rium Scoticum, com comentários do Bispo Leslie e os interessantes Brown. Em 1850 foram publicadas nada menos que três obras sobre lembretes particulares supostamente feitos por seu dono anterior, o os tribais, todas visivel, silenciosamente inspiradas no Jovem Cavaleiro, ao entregá-lo a seu filho "J. J. Stuart Hay", também desacreditado Vestiarium, cujos "organizadores" haviam em vão ten- conhecido como "James Stuart, comte d'Albanie", o ainda mais es- tado publicar uma edição barata. Um desses novos livros History of quivo progenitor de nossos já esquivos the Highlands and the Highland Clans (História das Highlands e dos Este artigo começou com uma referência a James Macpherson. montanheses), de autoria do Gen. James Browne, que veio a ser Termina com os Sobieski Stuarts. Existem várias semelhanças entre uma espécie de modelo continha 22 litografias coloridas de tartans, estes inventores da tradição montanhesa. Ambos idealizaram uma retiradas sem qualquer menção do Vestiarium." No restante do século, Idade de Ouro no passado das Terras Altas Ambos declara- foram publicados regularmente inúmeros de tartans monta- ram que possuíam provas documentais. Ambos criaram fantasmas li- nheses. todos copiados direta ou indiretamente do Vestiarium. terários, forjaram textos e falsificaram a historia para sustentar suas Os Sobieski Stuarts, que retornaram à Inglaterra em 1868, devem idéias. Ambos iniciaram uma indústria que prosperaria na Escócia du- ter ficado mortificados com isso. Apesar de estarem agora quase na rante muito tempo após a morte deles. Ambos foram logo denuncia- miséria, continuaram como sempre a desempenhar o papel que ha- dos, mas não tomaram conhecimento das acusações e voltaram-se viam escolhido. Moravam em Londres, a sociedade os- tranqüilamente para outros objetivos: Macpherson dedicou-se à poll- tentando suas condecorações e suspeitas, e eram bastante co- tica indiana, e os Sobieski Stuarts, a uma vida irreal no estrangeiro. no Salão de Leitura do Museu Britânico, onde tinham uma havia, entretanto, grandes diferenças. Macpherson era mesa reservada, sendo que "suas canetas, corta-papéis, pesos de papel um fanfarrão ganancioso, cujo objetivo, seja na literatura ou na etc. eram encimados por coroas abertas em miniatura, feitas de ou- era o de adquirir fortuna e poder, e dedicou-se a alcançar esse obje- Em 1872 foi feito um apelo à Rainha Vitória para que se ameni- tivo com uma determinação impiedosa, sendo, no final, bem sucedido. zasse a miséria de seus supostos parentes, mas a critica da Quarterly Os Sobieski Stuarts eram homens amigáveis, eruditos, que ganhavam foi lembrada, e o pedido não foi Em 1877, o irmão caçula, discípulos em virtude da inocência que manifestavam; não eram falsá- agora sozinho, fez uma tentativa anônima de reivindicar os títulos, rios, e sim fantaisistes. Eram também autênticos na medida em que vi- mas foi novamente reduzido ao silêncio por uma menção sobre a viam suas próprias fantasias. Morreram pobres, ao contrário de Pode-se dizer que eles, assim como John Keats, foram li- Macpherson. A riqueza por eles gerada foi para os fabricantes dos tar- quidados pela Quarterly: aliás, muitos pensam que foram as mesmas tans diferenciados segundo os que agora são usados, com entu- mãos que liquidaram os Contudo, nunca faltou quem acreditas- siasmo tribal, por escoceses e supostos escoceses desde o Texas até a cidade de Tóquio. 37. op. 38 op. cit. Não parece possivel descobrir nada sobre Thomas Allen, tenente aposentado da 39. Dictionary of National Biography. art. cit. Real Marinha pai dos Sobieski Stuarts. Os sobrenomes e titulos posteriores 40. Manuscritos do Castelo de porte pago 1/79. dele estão registrados apenas nos escritos e falsificações feitas por seus filhos, que neces- 41. Notes and Queries (jul. - dez. 1877), pp. 92, 158, 351, As cartas assinadas sitavam deles para fins genealógicos. Não se sabe se o pai tomou parte. de algum "RIP" e "Requiescat in Pace" foram sem dúvida escritas por Charles Edward Stuart. no embuste. Era obviamente um ermitão. Morreu em Clenkerwell em 1839 (e não em 42. J. G. Lockhart. autor da famosa crítica a Keats, era tido por alguns embora erro- 1852. como se afirma no Dictionary of National depois do que o filho mais neamente como autor da contra os Sobieski Stuarts. velho (e. após a morte deste, o adotou o de Comte</p><p>53 3. Da Morte a uma Perspectiva: a Busca do Passado Galês no Período Romântico PRYS MORGAN A MORTE DO ALEGRE PAÍS DE GALES Quando se examina a vida cultural do País de Gales no século XVIII e inicios do século XIX, percebe-se um paradoxo surpreenden- te: por um lado, a decadência ou extinção de um antigo modo de vida e, por outro, o irromper sem precedentes do interesse pelas coisas gale- sas, acompanhado de tentativas extremamente conscientes de preser- vá-las ou historiador galês Peter Roberts escreveu um relatório sobre o velho estilo de vida, em 1815, no qual Quando, por causas politicas ou de outra natureza, os hábitos e costumes de uma nação sofrem, em geral, uma grande transformação, torna-se in- teressante pesquisar como eram antigamente esses hábitos e costumes. Quase todos os costumes pitorescos do País de Gales tinham sido "completamente abandonados". sendo que não restava nenhum traço de certas crenças Hon. John Byng visitou a cidade de Bala em 1784, lá voltando em 1793, e queixou-se de que "em dez anos, os hábitos dessa gente parecem ter-se modificado". As manifestações da alegria galesa haviam desaparecido, os galeses estavam ficando iguais aos e a viagem perdeu toda a graça. A e a restau- ração entremeiam-se de maneira curiosa, porque via de regra aqueles que deploravam a decadência foram os mesmos que deram inicio à restauração. Segundo R.T. Jenkins, o século XVIII não foi apenas o século da Restauração Metodista, mas acima de tudo o século das res- taurações: educacionais. agrárias, industriais e culturais. A Renascen- ça Galesa, ou a restauração da antiguidade, se não foi a mais foi certamente a mais Neste período os patriotas e estudiosos A biografia da das pessoas mencionadas neste capitulo está no Dictionary of Biography down to 1940 (Londres, 1959). mas a de Peter Roberts encontra-se no suplemento galés do (Londres, 1970). 2. Peter Roberts, Cambrian Popular Antiquities (Londres, 1815). introd. 3. Bruvn Andrews The Torrington Diaries 1936). pp. 254-5 4. R. T. Jenkins, Hanes in Ganrif (História de Gales no século XVIII) 1928). pp. 2. E. A History of Wales (Car- 1976). pp.</p><p>54 55 galeses redescobriram as velhas tradições históricas, e lite- E assim o Todo-Poderoso se compraz em lidar conosco, os rárias e criaram um passado que jamais existiu para substituir as tradi- pois estas várias idades eclipsaram nosso poder, corromperam nossa ções inadequadas. A mitificação romântica atingiu níveis fantásticos lingua e quase nos riscaram das páginas da no País de Gales, marcando para sempre a história recente da A última frase era fundamental, pois no cerne da perda da auto- fato de que os estudiosos que perceberam a decadência foram confiança estava a perda do sentido de história. Em Esopo (aprox. os autores da recriação do passado não representa grave obstáculo. 1697), Sir John Vanbrugh faz com que Esopo entre em contato com Edward Jones (1752-1824), harpista de Jorge IV, lamentou no seu li- um mensageiro galês, que a propósito se chamava Quaint (exótico), vro sobre a música galesa, The Bardic Museum (O Museu dos Bardos): que explica seu ofício dizendo que naturalmente sua mãe era "galesa". A súbita decadência dos bardos e dos costumes do País de Gales pode ser Esopo: Galesa? Por de que país era ela? atribuida em grande parie aos impostores fanáticos, ou pregadores ple- Quaint: Senhor, de um pais que fica nos confins do mundo, onde todo ho- beus que apesar de infestarem o interior foram muitas vezes mem já nasce fidalgo e tolerados, desviando a maior parte do povo do caminho da Igreja ma; e convencendo-os a abandonarem seus divertimentos inocentes, Segundo esta imagem, o País de Gales é um exótico fim de mundo quais sejam, o canio, a dança c outras distrações c jogos rurais, que esta- onde aristocratas que mal tinham o que vestir desfiavam intermináveis vam acostumados a apreciar até aquela data, desde o início dos tem- árvores genealógicas que partiam do Enéias de Tróia, uma região irre- pos... Em o Pais de Gales, antes um dos paises mais ani- mados e alegres do mundo, transformou-se num dos mais mediavelmente atrasada, cujos habitantes tinham ancestrais a valer, mas não dispunham de uma história nacional. Devido aos diversos livros sobre música galesa publicados entre 1784 e Nos séculos anteriores, isso não era problema. Simplificando, a 1820, Edward Jones foi um daqueles que trouxe a cultura galesa da de- velha visão galesa da história englobava três aspectos: a origem da na- cadência e sobrevivência inconsciente à restauração consciente, e o re- ção, a conversão ao cristianismo e as vidas dos nativos. A sultado, embora às vezes falso, jamais foi melancólico. parte mais antiga compreendia um conjunto de mitos ou se- Um número bastante restrito de estudiosos galeses já havia perce- gundo as quais os galeses foram o povo mais antigo, o primeiro das bido há muito o desaparecimento de um estilo de vida peculiar dos ga- Ilhas Britânicas os "britânicos" de Thomas Jones). Os galeses de- leses. No século XVI, a cultura nativa ligada ao catolicismo desapare- coravam os fatos que diziam respeito a seus heróis antigos, sua luta ceu em grande parte, sem que uma cultura galesa especificamente pro- para expulsar as hordas de invasores, suas derrotas e contra-ataques, testante viesse a ocupar-lhe inteiramente o lugar; o sistema jurídico lo- em periodos compostos de três orações, as "triades da cal foi extinto, o sistema bárdico sofreu atrofia, a língua antiga foi ba- A segunda parte desta visão dizia respeito à cristandade nida do âmbito administrativo e, embora as classes do funcionalismo britânica, introduzida na época do domínio romano, e defendída dos ainda falassem galês, ou adotavam atitudes anglicizadas, ou compor- saxões pagãos pelos galeses com heróis como Ambrósio Aureliano e o tavam-se relativamente de acordo com os padrões da Europa Ociden- Rei Em todas as localidades a igreja ou a fonte sagrada eram li- tal. A decadência continuou através dos séculos XVII e XVIII, mas a gadas a este tema central por intermédio de santos como S. Davi ou fase só foi atingida no século XVIII, pois até então os estudio- outros santos célticos. A terceira parte da visão era mais convencional sos podiam consolar-se com a idéia de que o povo guardava muitas e relacionava-se à genealogia dos nativos que descendiam de das velhas tradições. A fase foi marcada a princípio por uma tribais ou aliados dos romanos como Cunedda, chefe galês do perda de autoconfiança. Thomas Jones, escritor de almanaques e lexi- séc. X d.C., ou de Cadwaladr, o Bem-Aventurado, o último rei galês a cógrafo galês, disse em 1688: reivindicar o domínio da Grä-Bretanha, no século VII, até a morte de Existe um tempo delimitado para as linguagens quanto para os im- Llywelyn II, em 1282. Em meados do século XVIII, os habitantes de périos; ambos tiveram sua infância, fundamentos e início, seu crescimen- to e tanto no sentido de pureza e perfeição quanto no aspecto do e propagação; seu periodo de estabilidade; e sua velhice, de- finhamento e decadência. 6. Thomas Jones, The British Language in its Lustre (Londres, 1688), 7. B. e G. Webb The Works of Sir John Vanbrugh (Londres, II, p. 33. 8. Rachel Bromwich, Trioedd Ynys Prydein, the Triads of the Isle of Britain (Cardiff, 5. Edward Jones, The Bardic Museum (Londres, 1802), introd. p. XVI. e Trioedd Prydein in Welsh Literature and Scholarship (Cardiff, 1969).</p><p>56 57 Builth eram injustamente chamados de "traidores de Builth", porque Geoffrey Monmouth, por fantástico demais. Depois, o Llywelyn fora assassinado nas proximidades. que restou dessas criticas e adaptações foi apropriado por estudiosos Durante a última parte da Idade Média, estas três partes diferen- ingleses como se fosse a história primitiva anglo-britânica, uma vez tes confundiram-se e transformaram-se. No século XII, Geoffrey de que desejavam relacionar a Inglaterra antiguidade Ob- Monmouth adaptou os mitos antigos e inventou uma tradição galesa; viamente, là pelo fim do século XVII, fragmentos e partes isoladas de deu ênfase ás origens troianas dos britânicos, sendo que a Bretanha as- uma tradição bastante antiga foram decorados pelo povo sob forma sim se chamou por causa de Brutus, e o nome Gales (Cymru) veio de de histórias domésticas, histórias de Emrys Merlin, Ar- Câmbria; enfatizou também o papel do Rei Artur. Esta ver- tur, Taliesin e outros, segundo os correspondentes de Edward Lhuyd são da história galesa era ainda teimosamente defendida pelos histo- na década de Esses fragmentos não faziam parte de um todo riadores galeses em meados do século XVIII, e um dos principais obje- coerente, eram antes como pérolas soltas de um colar arrebentado. Em tivos dos patriotas era encontrar epublicar o original que, segun- alguns casos, fragmentos arcaicos de história galesa foram guardados do eles, fundamentava a história de Geoffrey. Estudiosos galeses da é- sob a forma de baladas, como "Hanes y Cymru" (História dos gale- poca também estavam conscientes da outra dimensão da tradição ga- ses), de Matthew Owen, segundo a qual os galeses ficaram indiferentes lesa, a profética e messiânica, que projetava o passado no futuro. às antigas Evan Evans, por exemplo, de certo modo faz isso em sua análise da A perda da história galesa exerceu prejudicial em ou- tradição bárdica galesa, em Na sociedade céltica primitiva, os tros aspectos da cultura. É verdade que o acervo hoje existente de tex- ou videntes, prediziam o futuro, função muitas vezes assumida tos literários relacionados ao saber e cultura galesa data de aproxi- pelos bardos, e assim, após a perda da independência, em 1282, a lite- madamente 1550 a 1700; G.J. Williams observou que tal acontece por- ratura do brud, ou da profecia, adquiriu grande que os escribas e arqueólogos perceberam que seu mundo conhecido A tradição histórica nativa tripartida transformou-se gradativa- estava próximo do fim, e que era necessário um ato de salva- mente no século XVI. elemento profético entrou em decadência, mento, pois a situação tornava-se cada vez mais G.J. embora a tradição fosse astutamente manipulada por Henrique Tu- Williams observou um gradativo na compreensão da dor, com o fim de aliciar os galeses; Henrique fez-se passar pela figura cultura tradicional, de seus simbolos, linguagem, por parte messiânica do "Segundo e usou sua descendência de Cad- dos literatos galeses, e muitos dos possuidores de manuscritos confes- waladr para legitimar as pretensões dos Tudor com relação à suserania saram que, embora falassem galês, não entendiam nenhum dos docu- da Para outros, Henrique parecia simbolizar a tão es- mentos que possuíam, exceto que eram documentos valiosos. Thomas perada volta do Rei Artur. Um pouco mais tarde, a Igreja Anglicana Hearne considerava impossivel persuadir os galeses a imprimir antigas apoderou-se dos mitos galeses segundo os quais a Igreja britânica ha- crônicas manuscritas: "todos se e estão inteiramente a favor via sido fundada por José de Arimatéia, e assim a culpa por sua perda do desencorajamento de sua própria As formas liricas in- de independência poderia ser facilmente atribuída não aos ingleses, glesas (se bem que utilizando a aliteração consonantal, ou cynghanedd) mas aos normandos e ao restante da tradição galesa foi mais passaram a dominar na poesia. e a teologia protestante substituiu o desdenhado como mito sem fundamento do que absorvido, porque simbolismo e as alusões tradicionais nos remanescentes da poesia tra- Polidoro Vergílio desacreditou grande parte do relato histórico de dicional. No principio do século XVIII um bom estudioso John 9. Evan Evans, Some Specimens of Early Welsh Poetry 1764), principalmen- 12. T. D. British 1950). pp. te o seu de bardis" 13. "A New Account of Snowdonia 1693 Written for Edward 10. M. M. Griffiths, Early Vaticination in Welsh with English Parallels (Cardiff, National Library of Wales Journal. (1974). pp. c Glanmor Williams, "Prophecy Poetry and Politics in Medieval and Tudor in (Shrewsbury, 1759). p. e T. H. Parry H. Hearder e H. R. Loyn (orgs.). British Government and Administration (Cardiff, 1974), Williams (org.). Richard Gerddi (Cardiff. 1931). p. 125. pp. 15. Sobre aspector da cultura intelectual galesa. principalmente em 11. Sydney Anglo, "The British History in early Tudor Bulletin of the G.J. Williams A. Hanes Gvm raed (Aspectos da John Rylands Library, xliv (1961), pp. 17-48 Glanmor Williams, "Some Protestant ria da Galesa) 1969). mas neste caso principalmente nas pp. Views of Early Brilish Church History". History, xxxviii (1953), reimpresso nos ensaios do mesmo autor, Welsh Reformation Essays (Cardiff, 1967), 16. Citado J. a Gwait Moses Williams (Vida e Obra de Moses Williams) 1937).</p><p>58 59 Morgan de escreveu ao assistente de Edward Lhuyd, Moses o grande trabalho dos líderes protestantes galeses isabelinos não illiams (que fora durante algum tempo da Real Socieda- foi inteiramente acompanhado de uma cultura secular galesa moder- de). dizendo que assim como não se podiam ler os clássicos gregos e por exemplo, uma literatura secular moderna. As letras galesas romanos sem um dicionário que informasse sobre as alusões clássicas, eram ainda dominadas pelos bardos retrógrados (que haviam tomado necessário haver um dicionário de cultura galesa. sem o o lugar dos historiadores, copistas, bibliotecários, arautos, qual literatura galesas seriam como uma fechadura sem etc.), sendo que esta modalidade de manifestação artística ia pouco a pouco fenecendo, à medida que a cultura dos menestréis parecia ser Thomas Jones que não foi o único comentou em 1688 que o cada vez menos significativa em relação à época vivida. A arte dos me- Todo-Poderoso havia "adulterado nossa e cada vez mais ga- nestréis, ao que parece, entrou em decadência em comunidades meta- leses a chamar o galês de a "lingua como de galesas ou inteiramente galesas aproximadamente ao mesmo tem- se ela tivesse sido internada num asilo. o poeta e tropeiro Edward Mo- po; havia poucos menestréis profissionais em Glamorgan após 1660, rus elogiou o bispo Lloyd de Sto. Asaph (um dos sete Bispos de 1688) poucos em Montgomeryshire após 1640, e, mesmo na longínqua penin- por estar aprendendo e disse em galês que era uma língua sula de Lleyn, se nos guiarmos pelo livro Cynfeirdd Lleyn (Primeiros tante gasta. que já tivera seus dias de glória" e que era "um delicado Poetas de Lleyn), de Myrddin Fardd, houve um considerável intervalo entre o último bardo. em 1640, e um amador embarcado pavão, agora Os satiristas ingleses, tais como W.R., em sua Wallography (Londres, 1681), esperavam que a língua morresse logo; num vaso de guerra, surgido em Em Merioneth, o último me- chamavam-na de de falada apenas pelas nestrel doméstico que conservou os hábitos antigos foi Sion Dafydd classes mais Henrique Rowlands de Llanidan, em sua história Las de Nannau deve-se lembrar, que a aristocracia de de queixou-se: Nannau e dos arredores ainda estava escrevendo poesia em galês (para si e para publicação) até o inicio do século por diletantismo. Os E recentemente, tendo o inglês circunvizinho praticamente usurpado seu bardos que não conseguiram mais encontrar emprego, ou que agora lugar como linguagem polida e corrente entre restam-nos muitas pa- não mais queixaram-se amargamente da mudança lavras obsoletas e que outrora talvez fossem as flores e os adornos recente durante os primeiros anos do sendo que de nossa língua. como Sion Prichard Prys, em seu livro Difyrrwch Crefyddol, manifes- taram uma impotente contra o modo pelo qual colunas ha- Assim como todas as outras coisas galesas, a língua não tinha status, viam sido Os grandes da Gália não davam mais apoio à era "desprezível" (termo usado por Thomas Jones, em 1688). Por vol- cultura nativa, de modo que a "Arte debilitou-se, a Lingua envelhe- ta de 1730, o poeta e squireen Huw Hughes escreveu ao grande estu- ceu, tudo por fraqueza, e ora erram por caminhos incertos, à beira de dioso Lewis Morris, dizendo que todos os defensores da linguagem ha- sua própria Não interessava que ainda houvesse poetas viam o galês sobreviveu e foi preservado da fragmentação amadores entre os membros da baixa aristocracia ou no meio do povo, em dialetos pela liturgia anglicana e pela galesa e literatura apo- que ainda se publicassem livros de poesia. Os bardos só tinham olhos protestante. Só que não havia na lingua quase nenhum meca- para um passado recente em que cantavam para a sociedade inteira, nismo de modernização ou de desenvolvimento, e parecia não haver desde os grandes os camponeses, em que todos participavam de nenhuma dinâmica real subjacente a ela. Assemelhava-se, uma vida alegre e prazenteira, em que o estilo de vida era harmonioso conforme se na pitoresca folha de rosto do dicionário de James Ho- como um todo. o impiedoso satirista Ellis Wynne, clérigo originário well (1659), a uma guerreira amedrontada das florestas, quando com- parada às damas da corte inglesas ou francesas, ricamente 21. G. Traddodias Morgannwg (Tradição de Glamor- gan) 1948): Enid Pierce Roberts, Braslun Hanes Powys (Esboço da His- 17. M. Edwards (org.). Gwaith Edward Morus 1904). pp. tória de Powyss) e Myrddin Fardd, Cynfeirdd Lleyn (Poetas 18. Henry Rowlands. Mona Restaurata (Dublin, 1723). p. 38. Antigos de 1.leyn) 1905). 19. Hugh Owen (org.). Additional Letters of the Morrises of Anglesey 2 vols. (Londres, 22. Gwyn Thomas, "A Study of Change in Tradition in Welsh Poetry in North Wales in 1947.9). i. p. 13. the Seventeenth Century" lese de 1966). 20. James Howell, Lexicon Tetraglotton (Londres. 1659). uma parte dedicada 23. Sion Prichard Prys. Difyrrwch Crefyddol (Recreação religiosa) 1721). aos provèrbios</p><p>60 61 da baixa aristocracia, não gostava dos bardos, mas também detestava conseguido encontrar que entendesse a música galesa antiga, os elementos modernos da sociedade, e, como Sion Prichard Prys, de- embora as listas de canções e as instruções para afinação e manejo dos tectava nela uma espécie de vácuo: ele descreve a "imensa casa senho- instrumentos antigos constassem de muitos manuscritos galeses. Anos rial cujos donos haviam partido para a Inglaterra ou a os irmãos Morris e seu circulo de amigos encontravam por França "em busca do que poderiam encontrar com muito mais facili- acaso um enorme álbum de música galesa antiga, escrito com estra- dade em sua deixando a mansão entregue às aos cor- nhos caracteres. autor era Robert ap Huw, o harpista do Rei Jaime vos e ás gralhas: a data era 1613. Robert vinha da mesma região da linha de Angle- sey que os irmãos Morris, e faleceu em apenas uma geração de- Havia um grande número desses solares abandonados, que poderiam ter sido, se não fosse o o fantasma que persegue os melhores ho- pois do nascimento dos Morris. A família Morris apreciava muito a mens desde os tempos de outrora, um abrigo para os fracos, até uma es- música: reuniam-se redor da harpa para cantar, sabiam afinar a cola de paz e de bondade, e uma para as centenas de casas que as crwth ou crota (antigo instrumento musical seus empregados, enquanto iam reunir o rebanho, tocavam velhas árias no pibgorn (uma charamela primitiva), adoravam Vivaldi e Corelli e julgavam-se verda- Mesmo que tivessem ficado em casa, os nobres mais ilustres e a peque- deiras autoridades em matéria de música galesa. um exame na nobreza nunca se veriam como parte de uma pequena comunidade mais minucioso do caderno do jovem Richard Morris, repleto de me- local unificada e harmoniosa. A casa-grande tradicional galesa estava lodias para rabeca, revela que quatro quintos das músicas vêm com agora em extinção: a aristocracia não vivia mais numa mansão cheia títulos em O grande álbum de Robert ap Huw (que represen- de agregados. criados, amigos e Levavam vidas tava uma seleção de música medieval) era inteiramente incompreensi- ao replanejarem suas casas, adotaram os estilos londrinos, acabando vel. para eles e para qualquer outro galês do século XVIII. Na com os estilos regionais em os galeses estavam viven- maior parte do pais, a antiga música tinha sido associada aos ritos e ri- do de acordo com os hábitos londrinos do século anterior, ou mais an- tuais da vida cotidiana, e evoluía juntamente com eles. Em fins do tigos. culo XVII, um dos correspondentes de Edward Lhuyd escreveu-lhe A ruptura cultural foi nitidamente constatada no mundo da quanto ele se encontrava no Museu Ashmolean, em Oxford, descre- ca. No fim do século XVIII um colecionador de danças folclóricas ga- vendo-lhe como era a vida antigamente em Llandrillo, uma aldeia lesas, William Jones de Llangadfan, admirou-se de ver que uma tradi- longínqua próxima cidade de Bala: ção de tantos séculos tinha desaparecido num período tão curto. Lewis Todo domingo de Páscoa Dafydd Rowland, velho tocador de crota, cos- Morris enviou um poema anexado a umas cordas de harpa, para o dia- tumava subir à acompanhado pelos jovens da até o alto rista William Bukeley, squire de Brynddu, em em 1726; a de Craig Dhinan. para dividir os bois brancos. Depois. locava uma melo- quadrinha dizia mais ou menos o seguinte: dia chamada Ychen Bannog e as outras músicas antigas, que morre- ram com Que hoje em Gales não haver Nem música, nem ou prazer Outrora, no em cada lar Se estes bois fossem como os de Glamorgan, eram adornados com flo- Havia sempre uma harpa, a res e cercados de dançarinos coloridos, formando um quadro digno de ser incluido na "Urna Grega" de Keats. Ychen Bannog eram os avan- John Roderick, escritor de almanaques e gramático, já velho e pessi- tajados bois de chifres longos da Europa primitiva. Quando o velho mista, escreveu a Lewis Morris, em 1729, lamentando o fato de não ter músico morreu, extinguiu-se uma tradição que já vinha de muito lon- ge. A crota mal era conhecida no Sul de Gales, e Daines Barrington in- formou Sociedade de Arqueólogos em 1770 que o último dos toca- 24. Ellis Gweledigaetheu Bardd Cwsc (Visões do Bardo Adormecido) (Lon- dores de crota galeses ainda vivia em Angelsey, embora sem sucesso- 1703). p. 13. Cf. Gwyn Thomas. y Bardd Cwsg a'i Gefndir (O Bardo Adormecido e seu Contexto) (Cardiff. 1971). 25. Peter Houses of the Welsh Countryside (Londres, 1975). 26. Mark Life in the English Country House (Londres, 1978). pp. 138. 28. op. 27. Hugh Owen (org.). Life and Works of Lewis Morris (Anglesey Antiquarian Society 29. Edward Lhuyd R. H. Morris). Parochialia (Archaeologia ii. and Field Club p. 162. 1909.11) 59.</p><p>62 63 res. Até mesmo a velha harpa simples galesa havia sido substituída no A descrição feita por Pennant do squire montanhês Lloyd of Cwm By- século XVII por uma harpa tripla maior. Após 1660 houve uma inva- chan em Merioneth, isolado dos modismos modernos, enclausurado são de canções e baladas no estilo acompanhadas por um exér- em refúgios na montanha, vivendo de maneira quase medieval, ali- cito de melodias inglesas. dos Morris sabia que estava che- mentando-se de papa de aveia e de cabrito assado, bebendo tragos de gando ao fim o costume de cantar versos ao som da harpa, pratica- cerveja caseira num escroto de e desfiando sua genealó- mente confinado, por volta de 1738, a localidades como os gica desde os principes era o retrato de um sobrevivente condados de Caernarfon e Henry Lloyd of Cwm Bychan, parente de Lloyd, estava naquela Na de 1690, Edward Lhuyd e seus correspondentes jà ha- época percorrendo a Europa na qualidade de estrategista, escrevendo viam percebido que uma enfadonha uniformidade estava começando a livros sobre que viriam a influenciar Napoleão. insinuar-se na vida galesa. Por exemplo, eles compilaram com todo o Os irmãos Morris, Lewis, Richard e William, eram amigos de carinho os raros nomes de batismo nativos, tais como Llywarch, Go- Thomas Pennant, e as muitas cartas que trocaram entre si dão uma leubryd, Tegwared, Tangwystl e dai por diante, substituidos por no- boa de um mundo que cada vez se tornava mais sóbrio e grave. mes estereotipados como John e William. sobrenome fixo, em vez Os Morrises não eram nada puritanos, e os seus editores sempre foram de uma sèrie de patronímicos ligados pela ap (filho de), tor- obrigados a suprimir trechos das cartas por motivos de decência, mas nara-se geral durante os sèculos XVI e XVII nas classes mais altas, e o sis- sabiam que as coisas estavam mudando. Seu amigo Thomas Ellis, vi- tema antigo, que dava ênfase à genealogia das pessoas e à inter-relação gário de Holyhead, liderou um movimento de reforma moral em An- entre os membros da comunidade que descendiam de um ancestral co- glesey, transformando velhos rituais, expulsando da ilha todos os adi- mum, resistiu apenas nas regiões mais distantes e entre as camadas hu- vinhos, acabando com as vigilias e impedindo o povo de ir aos mildes da população. Havia uma tendência geral ao comportamento dios. Ao que parece, ele logrou exito com relativa facilidade, como se elegante e polido, que via de regra espelhava-se não nos costumes gale- o velho estilo de vida jà estivesse em extinção. William Bulkeley de ses, mas nos usos da Inglaterra e da França. A Sociedade dos Sargen- Brynddu anotou em seu diário no dia 31 de outubro de "Hoje à tos da Marinha, acusada de ter tendências jacobitas, era um clube noite vi coelcerths e fogueiras, o que talvez indique que fechado, no Oeste de Gales, que admitia mulheres como os velhos rituais supersticiosos estão a ponto de Esta membros e tinha regras contra a linguagem de baixo calão e mau com- mudança è confirmada por duas autobiografias camponesas remanes- portamento. Surpreendentemente, muitos senhores de terras interessa- centes da Anglesey do século XVIII: a de Rhys e a de Matthew vam-se pelos estudos arqueológicos ou pela tradução de obras religio- Owen, primo do beberrão e gênio poético Goronwy sas para o e certos membros da alta aristocracia eram devotos Estes textos revelam uma ilha apaixonada pelos esportes vio- fervorosos, como Sir John Philipps de Picton, sócio fundador da So- lentos, onde se disputavam partidas de futebol terriveis que hoje em ciedade para Promoção dos Conhecimentos Cristãos. William Bulke- dia envergonhariam qualquer torcida, uma ilha que se tornaria, contu- ley de Brynddu, que, como sabemos, tinha uma harpa e adorava cole- do, grave e recuperada em inícios do sèculo XIX. É este o qua- cionar poemas galeses, eram abstêmio, metódico e devoto, completa- dro que obtemos de Edmund Hyde Hall, na descrição que ele faz por mente oposto ao incapaz e beberrão squire Bulkeley de Dronwy, do sé- volta de 1810, do condado de Caernarfon, lugar onde a vida do povo culo XVII, autor de um relato que existe até hoje. Thomas Pennant, estava sendo mudada em parte pelos fanáticos, e em parte pelo "espiri- uma das figuras de proa da restauração histórica do século XVIII, to ganancioso da que não proporcionava aos homens lazer su- costumava tomar seu de tarde na residência de verão onde seus an- ficiente. A vida alegre do povo galês havia chegado ao fim; ele sentia cestrais promoviam orgias regadas a Como outros observadores que: da sociedade galesa, ele percebeu que o velho costume do "terming", ou seja, das peregrinações violentas de bar em bar, estava em extinção. A maior parte destes folguedos e passatempos jazem agora no fundo das covas para eles cavadas talvez em parte pelo desenvolvimento do racioci- 30. Sobre os Morrises e seu circulo, veja J. H. Davies The Morris 2 vols. (Aberystwyth. The Letters of Goronwy Owen e Ad. 32. Thomas Pennant, Tours in Journey to Snowdon (Londres, 1781). ii, pp. ditional 16. Sobre Henry Lloyd. veja Dictionary of National S. n. 31. Hugh Owen (org.). The of William of Brynddu (Anglesey Antiqua- 33. Impresso in Lleuad Oes 1827), pp. 374-6. rian Society and Field Club 1931). pp. 34. Impresso in Cymru (Caernarfon, 1908). pp.</p><p>64 65 nio do povo, mas certamente de maneira mais direta pelo espirito acre do tavam virando reuniões de pregação, a partida de futebol entre times de duas cidades do condado de Cardigan chamada Y Bél Ddu (A Bola Preta) fora transformada por um pastor matreiro num O metodismo jà era (embora não admitisse) produto de um com- de devido à forte revolta contra as mortes causadas pela plexo movimento de moralização e evangelização do povo galês, partida. O grande folclorista Eliss Owen, em seu fascinante livro sobre organizado por anglicanos dissidentes e evangélicos, mais ou menos as antigas cruzes de pedra do Vale do conta que a restauração no periodo de 1660 a 1730, conforme foi recentemente demonstrado eclesiástica vitoriana retirou as escadarias que ligavam o coro das igre- sem sombra de dúvida pela volumosa obra de G.H. Jenkins. o meto- jas às tavernas locais, eliminou os nichos existentes nas igrejas, reser- dismo era certamente um movimento promovido por cons- vados para a cerveja que o dava como prèmio aos vencedores cientes que pretendiam salvar almas, tendo, porém, herdado muitas dos jogos dominicais, proibiu os campos de futebol nos adros das igre- das preocupações do movimento moralista anterior, no sentido de jas. e enormes tumbas de mármore nos adros onde antes promover a de pregar e divulgar o evangelho e de modi- havia os bailes e encontros esportivos. Tudo isso interessaria aos fol- ficar os hábitos antigos. A cultura metodista, por ser extremamente jo- cloristas, se não fosse pelo fato de que o povo cuja vida agora se havia vial e vigorosa, ajudou a preencher a lacuna que surgira na vida do po- modificado por completo era também o último das tradi- Robert Jones de Rhos-lan, em sua crônica altamente popular da do conhecimento da poesia e da linguagem sobre os do metodismo no Norte de sempre classifi- galesas. As transformações na vida do povo tiveram capi- ca o velho estilo de vida de "relaxado" e mas ao destruir a tal aos olhos dos estudiosos e patriotas, que perceberam que, para po- cultura antiga os metodistas e outros dissidentes criaram um novo esti- der o Pais de Gales necessitaria de alguns novos reforços lo de vida galês que rompeu os vinculos do povo com o passado. À artificiais. medida que o sèculo passava, os almanaques galeses (que existiam em Os lideres metodistas não eram filisteus sem cultura. Thomas Jo- abundância) passaram a trazer cada vez menos dias santos, datas de nes de Denbigh compunha poemas excelentes usando os metros gale- festas e feiras de padroeiros. Os rituais e costumes desapareceram gra- ses: seu Thomas Charles de Bala, conhecia os manuscritos gale- dativamente: por exemplo, a dança do mastro deixou de existir em Ca- ses, amigo do William Owen (Pughe), e interessa- pel Hendre (condado de Carmarthen) em 1725, continuou em Aberda- do pela lenda de Madoc (veja p. 93 e seguintes). Opunha-se veemente- re (Glamorgan) atè 1798, e resistiu até meados do século XIX em Pen- mente à velha cultura comunitária. Escreveu o seguinte a um amigo deryn. nas charnecas acima de que estava em Bala em 1791: No principio do sèculo XVIII havia no Pais de Gales uma biblio- muitos meses que não se na vizinhança harpas que não sejam grafia contra o apego dos galeses aos adivinhos as harpas douradas que menciona São João. instrumento não corre ape- e bruxarias, quando estas coisas muito jà vinham definhando na In- nas risco: já foi inteiramente destruido e Mesmo assim, em 1767, Edmund Jones, Velho Profeta" E no mesmo ano escreveu a outro amigo: criticava a descrença generalizada em relação à magia em Gales e o crescente saduceismo que ela representava." Os velórios estavam sen- Esta restauração religiosa terminou com todas as reuniões alegres que se do transformados em encontros de oração, as festas dos padroeiros es- faziam para dançar, cantar ao som da harpa, e cair em toda sorte de fol- ganças pecaminosas, que eram entre os jovens A última feira realizada tinha sido a mais e recatada que ele ja- 35. Edmund Hyde Hall (org. E. G. .4 Description of in 1809-11 mais No século XVI, Camden havia indicado Llanrwst, em Den- pp. bighshire. como centro de manufatura de harpas. Samuel Lewis, em 36. Geraint H. Jenkins, Literature. Religion and Society in Wales 1660-1730 (Cardiff, 1978). Robert Jones (org. G. Ashton). 17 (Espelho das Eras) p. 46. A edição original é de 40. Elias Owen. Old Stone Crosses of the Vale of (Londres. 1886). Owen era mi- 38. H. Jenkins, "Popular Beliefs in Wales from the Restoration to Metho- nistro e famoso estudioso do folclore na vitoriana. Bulletin of the Board of Celtic xxvii (1977). pp. 41. Hughes. Life and Letters of Thomas Charles of Bala (Rhyl, 1881). p. 182. 39. Edmund Jones, A Relation of Apparitions of Spirits... in Wates 1767). 42. D. H. Jenkins, Life of Thontas Charles of Bala. 3 vols. 1908). ii, pp. 88- Edgar the Old Prophet 1959). 91.</p><p>66 67 seu Dicionário Topográfico de Gales, escreveu: "Antigamente, galês que ele não deveria apoiar mais uma sociedade assim tão velha e Llanrwst era famosa pela fabricação de atualmente, as princi- que seria necessário envidar esforços sobre-humanos para pais atividades comerciais são a fiação de là e a fabricação de ganhar esse apoio. Dai a importância da invenção deliberada da tradi- Autores do início do século XIX, tais como Peter Roberts ou ção em Gales. William Howells descrevem um estilo de vida galês já Mesmo as novidades relativamente recentes (datadas provavelmente do EISTEDDFOD século XVII), tais como as peças populares, o (anterliwt) ou eisteddfod, ou seja, congresso anual de bardos, não foi absolu- as baladas líricas extinguiam-se rapidamente. As espirituosas e licen- tamente uma invenção deliberada; a primeira reunião de que se tem ciosas peças populares - no dizer de Thomas notícia foi realizada em Cardigan pelo Lorde Rhys (um dos últimos Ellis de Holyhead - foram sendo pouco a pouco substituidas por inter- principes do Sul de Gales) em 1176. A palavra eisteddfod significa ape- lúdios de fundo moral ou social, à medida que passava o século, du- nas e referia-se a um conjunto de concursos de música e rante a vida do maior ator e dramaturgo Thomas Edwards poesia anunciados com um ano de antecedência, e nos quais eram fei- "Twm o'r As peças sairam de moda antes mesmo da morte de tos julgamentos para atribuição de prêmios. Na Idade Média, o eis- Twm, em 1810. As baladas liricas, mesmo as que versavam sobre te- reddfod era a ocasião em que os bardos (organizados numa es- mas moralistas, eram consideradas asneiras imorais na de pécie de ordem ou corporação) arrumavam a casa, examinando e u- 1820, e não tardaram a torizando os intérpretes dignos. e eliminando os maus. Assim como os Aos olhos dos estudiosos e patriotas, o novo estilo de vida sóbrio legisladores galeses alegavam que seus códigos legais nativos se de- parecia estranho, uma importação inglesa, que não provinha nem da viam ao antigo genuino) Rei o Bom, os bardos tam- aristocracia nem do gwerin. ou povo galês. William Jones de Llangad- afirmavam que se reuniam de acordo com o "Estatuto de Gruf- fan era um médico de aldeia anglicano. bastante influenciado por Vol- fydd ap Cynan``. que teria supostamente estabelecido um sistema de taire, que pouco tinha em comum com as idéias politicas realistas e le- regras eficiente para a ordem dos bardos em No eisteddfod de galistas do grande harpista Edward Jones. Para William, Edward esta- Carmarthen. em 1450, os testes para os bardos foram mais elaborados va recolhendo música e folclore na última hora, e Edward pensava o e dificeis; por exemplo, eles tiveram que fazer composições utilizando mesmo a respeito das danças antigas que William recolhia e descre- uma combinação de vinte e quatro metros diferentes e elaborados, to- Edward Jones e seus iguais pertenciam às fileiras da baixa aristo- dos com aliteração controlada complexa. No século XVI houve dois cracia e dos pequenos proprietários; alguns, como Pennant, eram da eisteddfodau importantes, realizando-se ambos em Caerwys, cidade si- alta aristocracia eram todos bastante conscientes, esta- tuada no condado de Flint (1523 e 1567), mas estes dois festivais foram vam um pouco afastados da ralé, e perceberam que era necessário pro- apenas um as tentativas de rememorar os esplendores do curar, encontrar e preservar, assim como recriar o passado galês para passado esvaneceram-se quando do planejamento de um novo eistedd- o povo sob novas circunstâncias, levando-se em conta a cultura dos li- fod, na década de 1590. A ordem bárdica logo entrou em fase de extin- vros impressos, o moralismo sóbrio, os transportes e comunicações ção, por inúmeras razões, mas principalmente porque os bardos esta- mais eficientes, e o desejo de criar clubes e sociedades que vam ligados a um estilo de vida antigo que, por sua vez, tambèm esta- sem a velha e abrangente comunidade. Entretanto, tantos eram os fa- va tores racionais, inspirados pelo senso comum, que indicavam ao povo Já durante o declinio e a desintegração do velho estilo de vida, po- demos observar os primeiros indicios de restauração. Os congressos de bardos chamados eisteddfodau foram restaurados por volta de 43. Samuel Topographical Dictionary of Wales 1883). no verbete por iniciativa de um e escritor de almanaques, John Rode- 44. William Howells, Cambrian Superstitions 1831). 45. Thomas Parry, Baledi'r Ddeunawfed Ganrif (Baladas do século XVIII) 1935). pp. A. "Popular Literature of Wales in the Eighteenth Cen- 47. Gwyn Thomas. Eisteddfodau (Cardiff. 1967) uma obra uma tury". Bulletin of the Board of Celtic Studies iii (1926). pp. e "The Interludes of avaliação do eisteddfod da década de 1450 à de 1700. Helen Ramage. Wales in the Eighteenth Century". iv (1928). pp. Ddeunawfed Ganrif do século XVIII). in Idris Foster (org.) 46. A biografia padrão de Edward Jones é Tecwyn Ellis, Edward Bardd Brenin (Palácio do Eisteddfod. 1968). H. Teifi Yr Eisteddfod (Palácio (Cardiff. 1957). do 1976) è uma avaliação geral. em</p><p>68 69 como ele divulgou os congressos pelos eles passa- atè a década de 1780, a partir da qual passou a ocorrer uma grande ram a chamar-se Eisteddfodau dos O leitor havia transformação na natureza da instituição restaurada, por estar ela vin- aumentado bastante desde 1660, e existia pelo menos um pequeno culada a uma nova força do sèculo XVIII, as "sociedades galesas". mero de amadores letrados ansiosos por entrar em contacto com um seriam inconcebíveis as sociedades dedicadas a promover as tipo de cultura que não se constituisse apenas de morais ele- coisas mas elas surgiram do século XVIII e proliferaram nos vadas, e por desfrutar das belezas e da arte nativa. Afinal, exis- sèculos XIX e XX. As primeiras foram criadas por galeses londrinos, te uma diferença entre o melhor dos sanatórios e a nossa própria casa. que auxiliavam os galeses que vinham a Londres, organizavam festas Como o último bardo profissional tinha praticamente parado de com- no dia de S. Davi (1° de março) e providenciavam ajuda para os gale- por na de 1690, os poetas que compareceram aos novos eis- ses necessitados. A primeira sociedade foi a dos Ancient Britons (anti- teddfodau eram amadores, sendo que as reuniões provavelmente não gos bretões), criada em 1715, que deu origem, em 1751, à Honoràvel passavam de encontros entre pequenos e que, Sociedade de mais famosa do que a primeira (a pala- sentados às mesas cobertas de queijo e cerveja, em tavernas enfumaça- vra Cymmrodorion significa e refere-se tanto aos galeses das, trocavam poemas ou então apenas lançavam uns aos outros ver- quanto aos povos que primeiro habitaram a Grä-Bretanha). Esta se- de pè quebrado. criando uma de rhyfel tafod De gunda agremiação tinha os mesmos objetivos sociais e de ajuda que a vez em quando, eles se em equipes segundo os condados dos Ancient Britons, mas disso procurava recolher toda espècie Lewis Morris destacou-se num torneio entre poetas dos condados de de documentos interessando-se pela por Anglesey e Caernarvon. Não obstante, havia um elemento tradiciona- des e por problemas atuais. A Sociedade de Cymmrodorion ganhou lista: os poetas procuravam às normas medievais, e co- uma quantidade enorme de membros, muitos deles e uma nheciam tanto os eisteddfodau dos Tudor quanto o Estatuto de Gruf- vez que o povo queria algo mais informal, fundou-se em 1770 Gwy- fydd ap Cynan. O livro de que John Roderick publicou em neddigion (ou seja, dos nativos do Norte de Gales), que dava ao 1728 era muito mais do que uma simples Destinava-se aos convivio social entre os membros, cujos principais passatempos eram bardos de taverna e continha uma quantidade de tradi- a poesia. a critica as canções e a executada na harpa. ções bárdicas; visava ajudar os a redigir composições me- Estas sociedades e clubes que se encontravam nas cervejarias de Lon- lhores para os pequenos eisteddfodau. a corrigir os camgynghanedd (a- dres tinham seus respectivos membros também em Gales, e os galeses literações incorretas) e mencionava, o Eisteddfod de da terra mostravam-se bastante interessados nas atividades das asso- de 1567, e tambèm Gruffydd ap Cynan. Dafydd Lewis, co- ciações Ao final da de 1780, literatos do Nor- de Edward e reitor de nas proximidades de te de Gales perguntaram ao Gwvneddigion de Londres se com seu di- Neath (Glamorgan) publicara em 1710 uma antologia mais antiga de nheiro e organização eles não poderiam promover eisteddfodau em epigramas selecionados da poesia galesa medieval que, por custar ape- Gales, em grande escala. A capacidade de organização devia-se, no nas quatro pence. devia destinar-se às camadas populares. Rhys Mor- fundo, a alguns profissionais galeses que residiam na terra natal, tais gan. da fazenda de vizinho de Dafydd Lewis, embora como Thomas Jones, fiscal do imposto de consumo de Corwen e Bala, fosse havia entrado em contacto com John Roderick atravès e muitos outros. Foram eles que realmente estabeleceram o padrão e dos almanaques ou dos primeiros eisteddfodau, e Roderick resolveu criaram a tradição, pois passou a haver divulgação com bastante ante- imprimir em 1728 uma awdl (ode) de Rhys Morgan, como modelo, preparação de estalagens e pensões para receber os visitan- para mostrar como escrever usando os 24 metros determinados para tes, cartazes anunciando as comparecimento de verda- os bardos em 1450. Morgan era um homem da nova era, membro de deiras multidões para assistir ao evento durante vários dias, um grupo de dissidentes literàrios que formaria a espinha dorsal do ra- dios de autoria de Twm o'r Nant à noitinha, bancas de livreiros por dicalismo politico inicial nas montanhas de Glamorgan, durante a dé- toda vendendo livros galeses, prêmios de valor para poesia. pro- cada de 1770. sa e música, medalhas ricamente trabalhadas, impressos dando conta Os chamados eisteddfodau de almanaque continuaram com algu- dos julgamentos e dos vencedores. Em matéria de organização profis- ma dose de porém sem nunca causar grande impacto público, Sion Rhvdderch (John Grammadeg (Gramatica galesa) 49. R. Jenkins Helen Ramage. History of the Honourable Society of Cymmrodo- 1728). (Londres. 1951)</p><p>70 71 sional, foi um absoluto sucesso, e foi uma adaptação perfeita que adotou o pseudônimo poètico de lolo Morganwg (Neddy de uma instituição bastante arcaica às circunstâncias modernas. Os li- de Glamorgan). Certamente precisaremos referir-nos a ele com fre- teratos e músicos amadores aguardavam visivelmente um imenso pois ele não só foi um literato e arqueólogo público. Existia agora um grupo de profissionais que sabia organizar como um mitólogo romântico que reuniu num só muitos so- as coisas. Por causa do turismo, abriram-se algumas estradas nhos e modismos, manias e fantasias. lolo tinha verdadeira obsessão veis no Norte de Gales, e havia uma associação de galeses londrinos pelos mitos e pela história, e a partir do interesse pelo druidismo no sé- abastados (tais como Owen Jones, ou "Owain Myfyr". o incansável culo XVIII ele inventou a idéia de que os bardos galeses eram os her- curtidor de couro londrino, pai do projetista vitoriano Owen Jones), deiros dos antigos druidas, haviam herdado deles os rituais e ritos, a que desejava empregar seu dinheiro em favor do Pais de Gales. religião e a mitologia (religião que era uma mistura do unitarismo de padrão estabelecido em 1789 foi seguido até 1798, quando se lolo e do culto à natureza típico do XVIII). Parece que ele criou tornou promover grandes ajuntamentos de público. Depois da este neodruidismo em Londres. em 1790 ou em 1791. e. convencido de guerra, em 1815, tudo voltou ao que era antes e assim continuou, salvo que ele e seu amigo Edward Evan (ministro harpista e poeta algumas modificações. As competições musicais, inovação que não fi- de Aberdare) eram os últimos bardos que restavam dessa linha de su- gurava nos eisteddfodau de almanaque, passaram a ter uma influência cessão promoveu um debate em Primrose cada vez maior nos festivais. Em 1791, em St. o concurso entre Hill, Londres, em 21 de junho de 1792. Esta vigarice divertida encan- cantores de pennilion (estrofes acompanhadas por harpa) durou 13 ho- tou muitos dos galeses londrinos (como seu Dr. David Sam- ras, sem que o público demonstrasse o minimo sinal de cansaço. As es- well, o médico do Cap. e muitos literatos galeses na terra natal. medalhas foram desenhadas por que se tornou, na- Ao voltar para Gales. lolo organizou vários núcleos de bardos deno- quela o principal escultor oficial da República minados por todo o forneceu-lhes uma de ri- e o Gwyneddigion (que se interessava um pouco pelo radi- uma um cerimonial e tratou de criar para eles um corpo calismo politico) tentou fazer com que os bardos caseiros escrevessem druidico de tradições, até sua morte, em 1826. Justiça seja feita: lolo sobre as liberdades sem grande Monsieur Dupré foi o não estava simplesmente pensando no aspecto carnavalesco do Gor- ponto mais próximo da Revolução a que os bardos conseguiram che- sedd: esses grupos destinavam-se a restaurar a ordem bárdica, a tor- gar. As vezes atribuiam-se prêmios a poemas ou a textos em prosa nar-se uma instituição cultural nacional em Gales, uma espécie de clu- sobre temas legalistas, tais como a recuperação sanitária empreendida be de torcedores da linguagem. literatura e história galesas. por Jorge III ou a derrota das forças de invasão francesas em Gales em Após 1815 o clima era propicio para que as invenções impetuosas 1797 (o clima em Gales tornou-se bastante o de lolo surtissem efeito, numa atmosfera bem mais afinada com a ima- mais interessante, é que esses prêmios quase sempre eram da- ginação lolo não teve muito trabalho para convencer seu dos a textos com temas históricos: Gales desde Cadwalard, o Bem- público (inclusive seu Dr. Thomas inventor da Aventurado, Llwelyn, o Último, o massacre dos bardos galeses em de que estava dizendo a verdade. De 1819 em dian- 1282 feito por Eduardo e dai por diante, o que exerceu uma influên- os eisteddfodau convocaram o auxilio do Gorsedd dos Bardos, e os cia bastante forte na criação de um interesse popular pelas tradições cerimoniais destes foram incorporados à divulgação e promoção dos galesas (às vezes até bastante espúrias). Alguns Gorseddau de Bardos provincianos. tais como os Após 1815, os novos promovidos estiveram sob os de Anglesey e Powys, existem até vinculados aos eisteddfodau do auspicios das sociedades cambrianas de Gales, sendo que a iniciativa interior. Outros, tais como o que funcionava em Pontypridd, na parte passou dos velhos clubes sociais londrinos para grupos de industrial de Glamorgan, no tinham atividades com- na sua maior parte aristocratas e no próprio País de Gales. pletamente desvinculadas dos eisteddfodau. Durante o século Houve outro momento de decisão, no eisteddfod provinciano promo- realizaram-se cerca de 500 eisteddfodau cerimoniais importantes no vido em 1819 em Carmarthen sob os auspicios do Bispo Burgess. de S. Pais de Gales, e deve ter havido milhares de congressos menores em Foi neste festival que o Gorsedd dos Bardos da Grä-Bretanha capelas ou em corporações de que nunca foram levados em introduziu-se pela primeira vez no que até então havia sido simples- consideração. A introdução do Gorsedd em 1819 tendeu a aumentar o mente um conjunto de e musicais. Gorsedd interesse do eisteddfod pelos mitos e lendas e, às vezes, pela exclusão (que significa trono) tinha sido inventado por um dos mais espetacula- quase que completa da literatura referente à vida moderna. Os eistedd- res galeses da Edward Williams (1747-1826). pedreiro de Gla- fodau nacionais (que foram se tornando cada vez mais à</p><p>72 73 medida que passava o XIX) por um lado, geraram um eles e encantado em encontrar amuletos de pedra de cobra (glain neidr interesse pela e mitica) entre os galeses, e, por outro, ou maen magl) nas Terras Altas da na Cornualha e em deveram muito do seu sucesso popular ao mito do seu colori- porque eles pareciam com as ova anguina (ovos de cobra) que Plinio do cerimonial e suas imponentes pantomimas. Foi o primeiro a atribuiu aos druidas. em 1698, Lhuyd classificou-as de "pedras encarar o Gorsedd como algo que iria incorporar as competições e druidicas``. Foi na de Lhuyd, por volta de 1700, que os estu- transformá-las em uma coisa muito mais durável do que meros con- diosos a relacionar mais os druidas aos galeses, conforme cursos localizados e especificos, em parte de um todo mais amplo, uma se pode constatar a partir da obra do deista da Irlanda, instituição nacional, E claro que lolo foi um louco sonhador, viciado John Toland, ou da historia de Anglesey escrita pelo amigo de Lhuyd. crônico e uma droga que causava alucinações: era im- Henry Rowlands, que chegou a dizer que certas ruinas prè- pulsionado pelos mitos usando-os, por sua para criar históricas situadas em Anglesey eram e altares de sacrifícios novas tradições que tiveram efeitos profundos e abrangentes. Assim, o usadas pelos druidas, e coisas do gênero. No início do sèculo XVIII, o eisteddfod moderno surgiu depois que havia desaparecido o último druida sofreu uma fantástica passando a ser visto não bardo profissional, e adquiriu sua colorida personalidade num mo- mais como o obscurantista arcano, que se entregava à de sa- mento em que os velhos e costumes tinham morrido e a vida se crifícios humanos, mas como o ou intelectual que defende a e tornara (no dizer de Edward Jones) insuportavelmente a honra de seu e os galeses começaram a perceber que manti- os DRUIDAS ANTIGOS E MODERNOS nham com ele uma relação diferente da relação que os ingleses manti- nham com o druidismo. Em Gales, respirava-se druidismo; quando o Uma vez que os colegiais da Renascença na Inglaterra e na Fran- vizinho de William Gambold de Puncheston (condado de Pembroke). haviam sido empanturrados das Guerras Gálicas de Júlio e do o Sr. Meredith. quis pela publicação de seu livro sobre a Agricola de Tácito, os druidas sem dúvida acabariam sendo redesco- galesa em 1727, ele considerou adequado encarar Gambold bertos, pois foram eles que comandaram a dos povos nati- como sucessor dos antigos druidas. O circulo dos Morris era fascinado vos da e da Gália aos invasores romanos. Os pelos druidas, embora de maneira vaga e imprecisa, e quando Lewis gos ingleses Leland e Bale levantaram no sèculo XVI a de que Morris desenhou uma bandeira para o Cymmrodorion em 1715, colo- os bardos galeses pudessem ser sucessores dos druidas, primeiro por- cou um Druida Antigo para sustentar o brasão. estudioso mais pre- que o druídico ficava na ilha de Anglesey, e depois porque ciso do circulo dos Morris, Evan Evans, os bardos, assim com os druidas, eram figuras de autoridade e tinham quase sempre se referia aos druidas e obviamente os igualava aos bar- uma função Milton, em sua elegia Lycidas, igualou os bar- dos galeses a poesia galesa segundo ele. era difícil de ser dos galeses aos druidas, e o professor de história de Leyden. M.Z. compreendida porque provavelmente tinha sido composta na "Cabala Boxhorn, ao publicar um livro sobre as origens da em 1654, não dos Num longo poema. The Love of Our Country (O Amor incluju uma reprodução do dicionário galês de Davies de Mallwyd. ao nosso pais). composto em 1772, ele coloca os druidas como os pri- como também sua coleção de provèrbios galeses traduzidos meiros numa longa linha de defensores da nação galesa, diante de Ca- para o latim, com o título de "Sabedoria dos Antigos Su- o Bom Chegou a considerar sucessores dos punha-se que os druidas haviam construido monumentos misteriosos, druidas os estudiosos renascentistas do sèculo XVI, Gruffydd Robert tais como Stonehenge, e assim a redescoberta deles gerou um novo in- e Sion Dafydd Rhys (que eram não-conformistas e haviam produzido teresse pelos monumentos e pelo avanço da ciência da arqueologia. sua obra na Edward Lhuyd, grande cientista e volta e meia des- confiava dos druidas, por serem arcanos e obscurantistas, e oferece- Grande amor à Pátria eruditos rem sacrifícios humanos; outras vezes, porèm, ficava fascinado por Que o saber primeiro dos bardos revelastes, Roberts e Rhys douto, que as regras ensinastes da arcaica poesia pelos druidas planejada. " 50. T. D. Kendrick The The Druids (Har- 1974). Aneurin Lloyd The Famous Druids 1962). R. T. The Life and Letters of Edward Lhwrd (sic) 1945). and the Siudia viii (1973.4). 376 D Silvan (org.) Evan Evans 1876). pp. 129</p><p>74 75 Se um estudioso tão atento cauteloso quanto Evan Evans (já teres em misteriosas varetas que se fazia girar entre QS dedos numa te experiente, pela necessidade de mostrar que a tradição galesa era ge- moldura de madeira, semelhante a um chamada de "peithy- ao das vigarices de Macpherson e seu Ossian) era tão nen". a morte de Taliesin ab lolo, foram publicados mais traba- encantado pelo druidismo, não surpreende que pessoas menos escru- lhos de lolo sobre o bardismo por obra de um dos seus mais zelosos pulosas o transformassem num culto da moda e Afirma-se discipulos, um clérigo do Norte de Gales, chamado John Williams, com que Edward Williams, criou este "Ab A teologia druidica de lolo lembrava bastante o seu unita- culto no Pais de Gales, e não se pode negar que foi ele que o elevou ao rismo. acrescentando-se uma boa dose de pacifismo. As cerimônias ápice ao fundar o Gorsedd dos Bardos, mas ele estava apenas impri- druidicas de lolo eram complexas, mas privadas de sacrifícios huma- mindo sua marca pessoal naquilo em que todos acreditavam e que era nos. lolo disse aos bardos reunidos em seu Gorsedd no alto da monta- comumente aceito em nha Garth, próximo a Cardiff, em 1797, que ele pretendia fazer com Morganwg interessava-se ao extremo por Stukeley e pelos que o povo apoiasse a linguagem deles (deve-se acrescentar que lolo primeiros ingleses, e adorava ruinas megaliticas. Em suas havia sido educado falando mas pregava o uso do galês com o visitas a Londres, ele deparou com a "Antiga Ordem dos Druidas" in- fervor de um com que conhecessem sua através deixou-se influenciar pelo deismo de seu amigo David Williams das canções e com que se chegasse a uma religião moral sem necessida- de Caerphilly (cuja Theophilanthropia havia impressionado Voltaire e de de rixas entre os Os pequenos de Glamorgan Frederico o Grande) e ficou encantado com o quadro idilico que lhe suspenderam essas druidicas, temendo que pudessem foi pintado da vida dos nativos da Polinésia por David Sam- atrair a atenção da frota francesa revolucionária, ancorada no Canal well, "Dafydd Ddu Feddyg". um bardo que era também médico de do Capitão Cook, cuja morte lolo acreditava que ele e Não eram apenas os soldados os inimigos de lolo: vários estudio- seu amigo Edward eram os únicos sobreviventes da ordem sos principalmente aqueles arqueologos e historiadores que es- ca. e que era tempo de revelar ao público os segredos arcanos, recebidos tavam silenciosamente recuperando o passado galês de maneira cienti- pelos discipulos sucessores dos Grande parte das tradições e fica, desconfiavam demais dele, como tambèm alguns dos bardos que invenções druidicas de lolo foi divulgada em revistas e manuscritos ele havia admitido em sua ordem. Edward Davies de Bishopston - durante sua vida, e sua morte em 1826 seu filho, Taliesin ab lolo "Celtic para os intimos era um clèrigo que criticava (um mestre-escola decente e integro da cidade industrial de Mesthyr deve-se lembrar que Davies publicou vários trabalhos que ma- Tydfil). publicou alguns dos textos de seu por exemplo. o trabalho nifestavam uma profunda fè no druidismo. O problema è que ele dis- Cyfrinach Beirdd (O Segredo dos bardos), e seu maravilhoso cordava da versão de lolo. Nenhum dos contemporâneos de lolo foi Coelbren Beirdd (O Alfabeto dos que alegava ter sido regis- capaz de desmascarar suas invenções e falsificações. e naquela época trado por bardos druidas de Glamorgan no sèculo XVI. O Coelbren era tão generalizado o gosto pelo mito e pelas lendas que poucos pare- era um alfabeto parecido com o que se prestava à gravação em cem ter manifestado algum desejo de acabar com o ioloismo. Os unita- pedra ou madeira, e como os conquistadores ingleses proibiram os ristas achavam que o druidismo era uma religião altamente razoável; bardos galeses de usarem pena e tinta, eles foram obrigados a se comu- os dissidentes criaram a versão que lhes os ministros anglica- nicarem entre si riscando mensagens redigidas com os estranhos carac- nos adaptavam-no a seus Em meados do o círculo dos Morris adotou num estilo descontraido e brincalhão William Morris, como recolhia conchas para seu bom segs. impresso na integra livreto de Evan Evans. Sobre a prolongada correspon- amigo Thomas Pennant, foi batizado de "Gwilym entre Evanse Thomas Percy. veja A. Lewis (org.). The Correspondence of Thomas (William das Conchas). lolo levava esses nomes bárdicos profunda- and Evan Evans 1957). 54. Elijah Waring. Recollections and of Edward Williams (Londres, 1850). mente a sério, e seus bardos tinham de manter a mesma atitude. G. Williams. (Cardiff. 1956) uma biografia em ga- William Owen por exemplo, escolheu o nome "Idrison", alu- magnifica. incompleta. Prvs late Marganwe 1975) consti- são a Cader Idris. Foi nessa em que os nomes de batismo em tui um breve sobre em Gales haviam se tornado os mais possiveis, existindo mi- 55. E. G. Bowen. David Dafydd Du Feddyg. 1751.98 1974) um es- lhares e milhares de John Jones e dai por diante, que surgiu entre um (Um Bardo sua Formação) (Cardiff. 1949) è um número bastante grande de personalidades literárias galesas a moda de estado em sobre Evan de adotar nomes bárdicos sedutores e tais como Eryron</p><p>76 77 Gwyllt Walia (O homem-águia das florestas de Gales). conhecia importância considerável, no geral, porque envolveu mitos que de- os jardins do século XVIII, com grutas (os que havia em monstraram ser a tradição cultural de Gales mais antiga do que qual- Piercefield perto de Chepstow, ou na casa de seu amigo Richard quer outra na Europa Ocidental, e transformou o estudioso, poeta ou Colt Hoare, em Stourhead). lolo adaptou esse ideal de jardim, com professor em centro dessa mesma cultura. Até certo recuperou sua sublime intensidade, e fez com que o Gorsedd, e, mais tarde, o eis- o lugar original do bardo na vida galesa. construíssem Stonehenges em miniatura por todo o País de Gales para a promoção de cerimônias druídicas ao ar livre, Existe um A REDESCOBERTA DOS CELTAS desses altares, muito bem feito, nos Gorsedd Gardens, em frente ao Museu Nacional de Cardiff, por exemplo. É que o que havia sido con- Os durante a Idade Média, estavam vagamente conscien- tes de sua ligação com os e os bretões; e alguns estudiosos, siderado uma brincadeira no do século XVIII foi transformado pela visão romántica em algo extremamente sério. Os bardos e neo- como Buchanan, no século XVI, chegaram a supor que havia alguma relação entre os galeses modernos e os antigos gauleses. Durante o sé- druidas que tinham estômago para isso interessaram-se pela constru- ção de e os dólmens eram, segundo supunham, utilizados para os culo XVII, predominou a de que os galeses tinham alguma espé- sacrifícios. De fato, alguns pensavam que esta era uma prova de que os cie de ligação com os o que combinava com o mito de que os galeses descendiam de um dos netos de Nas décadas de 1680 e antigos sempre cremavam os cadáveres. Um dos seguidores de lolo que levavam esta sério era William Price de Llantrisant (1800- 1690. vários estudiosos começaram a buscar um enfoque novo 93). médico livre-pensador. que se opunha ao casamento, tinha mui- para a questão. Em Oxford, Edward que a princípio notabili- tas das hipocondrias de lolo estava convicto do seu druidismo e zou-se como estudioso de e passou a interessar-se por sua natal e a compará-la de maneira detida e racional com o do perigo que havia em se enterrarem cadáveres de pessoas mortas por que cremou o corpo de seu próprio Sua ação foi de- idioma córnico (em fase de extinção) e com o bretão coisa que era cabo de um processo judicial bastante divulgado, em conse- ainda mais original. com o irlandês e com o gaélico Lhuyd queria entrar em contato com um abade bretão, Paul-Yves do qual iniciou-se a moderna prática da cremação. Portanto, o mito do sacrifício druidico influenciou a vida moderna (ou melhor, a mais conhecido na França como cronologista. porque pensava-se que Pezron estivesse um livro sobre as origens comuns de galeses morte moderna). I conseguin encontrar-se com Pezron quando es- A extensa literatura neodruídica publicada pelos galeses no teve na e livro de Pezron foi publicado em Lhuyd período romântico, em e nunca foi estudada adequada- esperava que ele logo fosse traduzido para o galês, pois faria com que mente, mas sim descartada com o sorriso indulgente com que os histo- aristocracia rural se interessasse mais pela língua e passado No riadores costumam tratar as primeiras crenças modernas na magia e final, livro foi traduzido para o inglês em 1706 por um historiador de na bruxaria. Contudo, arqueólogos e historiadores responsáveis do aluguel de nome David Jones. Pezron comparava os galeses aos fim do século VIII e começos do XIX levaram essa literatura a sério, levantando origens através de fontes e localizan- homens como Samuel Rush Meyrick ou Richard Colt Hoare, e muitos do-as nos ou mencionados pelos escritores um outros. Jonathan Williams escreveu, em cerca de 1818, uma história de povo bárbaro cujos domínios no passado estendiam-se da Gália Ga- muito interessante, cuidadosa e detalhada, embora criti- lácia e que haviam sido o flagelo dos gregos e romanos. casse intensamente o povo por abandonar a lingua galesa. Cinco anos Perzon for longe. investigando os celtas desde os epó- depois, publicou um pequeno livro sobre educação chamado nimos mais antigos até os tempos patriarcais. O método de Pezron era Druopaedia, onde se confundem os druidas da com os dos completamente mas história era interessante, cativa- sonhos de lolo." A restauração do druidismo foi um movimento de va a imaginação, e o livro transformou os celtas numa moda que por vezes chegava a ser mania. A tradução inglesa do livro ainda era reim- pressa no início do século XIX. Henry Rowlands de Llanidan obser- Price de I Denning "Druidism in habilmente enquanto Edward Lhuyd levantou a hipótese de Williams Historian (Barry, 1963). i. A Druopaedia de Williams publicada em I Sobre alguns aspectos do Moore. "Cumbrian Antiquity" in Boon e J.M. Lewis "The and the Celts". Transactions of the 1976). pp. 193.222 (1965).</p><p>78 79 que a lingua galesa vinha de uma língua-mãe denominada aos antigos celtas, enviando a Mallet um exemplar do livro de Lhuyd Pezron tinha absoluta certeza para provar seu ponto de vista. Mallet simplesmente não conseguiu exame empírico das linguas que Edward Lhuyd acreditava se- entender o texto de Lhuyd, e recaiu nos mesmos erros ao escrever sua rem aparentadas com o galês (a grande Archaeologia Britannica) sur- história da Suiça, publicada em giu em F oi um trabalho rudimentar que, no entanto, lançou mão Na verdade, os celtas jamais tiveram seu nome ligado às Ilhas Bri- de um método comparativo detalhado de raciocinio muito dificil para mas isso não importava, porque eles eram uma magnifica raça que as pessoas o por exigir que acreditassem em mudan- de conquistadores que havia assolado a Europa Os mitos célti- ças gradativas ocorridas em periodos de milhares de Um dos que cos muito para despertar nos franceses o interesse pela compreendeu de imediato o objetivo de Lhuyd foi o grande filósofo antiga e pela arqueologia de seu pais. Os celtas eram o reflexo Leibniz. jà se interessava pelo antes de entrar em conta- das fantasias da e no Pais de Gales forneceram a uma nação to com a obra de Lhuyd, e atravès de seus escritos etimológicos ajudou oprimida e desesperadamente pequena, que pouco tinha de que se or- a estabelecer linhas de pesquisa sobre estudos cèlticos na Alemanha gulhar na um passado magnifico, como A restauração muito mais profundas que qualquer pesquisa feita na Grä-Bretanha e da antiguidade promovida no século XVIII baseou-se mais no entu- no teriam profundas repercussões em Gales. Pode ser que os siasmo que Lhuyd demonstrava sentir pelos antigos celtas do que no galeses tenham achado impossivel a parte comparativa da obra de seu mètodo preciso. Textos de eisteddfods datados do inicio do sèculo Lhuyd, mas poderiam pelo menos levar em consideração uma única XIX, escritos por artesãos ou sacerdotes, professores ou alfaiates, pa- conclusão: a de que os galeses descendiam dos britânicos, que descen- recem transbordar de entusiasmo mal fundamentado por aquilo que diam dos celtas, e que os antigos celtas tiveram um passado glorioso. os livros franceses chamam de "nos ancêtres les Gaulois" e os Os leitores monoglotas de galês tiveram uma vaga da perspectiva de "nossos ancestrais, os celtas". No centro da redescoberta dos celtas de Lhuyd pelo Drych y Prif Oesoedd (Espelho das Eras Primitivas), encontra-se uma questão sendo que celtismo teve con- uma antiga de Gales de autoria de Theophilus Evans, escrita importantes. É da linguagem que se tratarà a em 1716. Evans tentou subordinar seus dados aos objetivos e metas seguir. anglicanos, como convinha a um sacerdote jovem e mas os galeses mais perspicazes logo perceberam que pela primeira vez em du- DA ALGARAVIA DE TAPHYDOM" DO PARAÍSO" zentos anos eles tinham uma visão de sua história que era au- tônoma e separada da Inglaterra. O próprio Lhuyd era um ardente pa- Para os humoristas e satiristas ingleses que eram, em sua maioria, triota apesar da racionalidade cuidadosa e da precaução carac- os únicos que escreviam sobre no sèculo esta era uma teristicas de seu mètodo acadêmico, e parece que os estudiosos galeses lingua de uma feiura ainda falada em toda parte do inicio do sèculo XVIII, embora não se aproximassem de sua indis- como um porèm sem possuir status nenhum e provavelmente cutivel genialidade, captaram fagulhas daquela Tal foi o caso próxima da Jà vimos como os eruditos e patriotas lamenta- de seus amigos William Gambold e Moses Williams, assim como o do vam esta falta de consideração com algo que estava se transformando circulo dos Morris. Lewis Morris passou a vida preparando um catà- na antiga``. Os estudiosos do sèculo XVIII alimentavam uma logo de antigos nomes célticos na Grä-Bretanha e no continente euro- verdadeira aversão pelo mas tendiam a corresponder-se em in- peu, denominado Celtic remains (Resquicios célticos), para ampliar al- glès porque toda a sua cultura e educação lhes havia sido transmitida guns aspectos da obra de Lhuyd. Thomas Pennant e a maioria dos naquela língua. Até mesmo os irmãos Morris tinham tendência a es- pomposos historiadores do final do século XVIII leu ou copiou as no- crever em quando em sua correspondência volumosa desejavam tas de Lhuyd. Thomas Percy, grande erudito inglês, ten- discorrer sobre assuntos academicos e intelectuais, mesmo que para tou demover o cavaleiro Mallet, historiógrafo real da Dinamarca, da tratar de outros assuntos utilizassem o galês mais puro e vigoroso. (comum naquela de que os antigos teutões correspondiam galês era reflexo do paradoxo que a cultura galesa vivia neste periodo, pois embora a lingua não tivesse nenhum status (salvo o que lhe fora emprestado pela liturgia anglicana), constatou-se que no perío- 59. Victor Esquisse d'une Historie des Celtiques 1905). pp. A. Rivoallan. des Cettes (Paris, pp. e Piggott. Saxons and the Early Antiquaries 1967). 60. Correspondence of Thomas Percy and Evan Evans, p. 106n.</p><p>80 81 do de 1660 a 1730 aumentou consideravelmente o número de livros tempo) irromper dos túmulos dos hábeis bardos em toda a pureza de seu publicados em os editores de livros galeses mudaram-se para lu- gares mais próximos ao Pais de Gales, e já em 1718 publicavam-se os o squire Jones certamente não falava a de Taphy- livros no País de Durante o século XVIII, essa tendência con- Acreditava piamente que sua lingua era a mais antiga da Euro- tinuou, e aumentou bastante a gama de assuntos abordados por livros pa, talvez do mundo, que não era mestiça, como o que era ri- impressos em Lewis Morris chegou a publicar um livro em galês e que podia ser defendida contra todos os seus Um para explicar aos artesãos como fazer um polimento perfeito, verre dos da mudança gradual que havia tomado conta da lingua era eglomisé e outras técnicas e métodos sofisticados. Em fins do século o tamanho cada dos só para mencionar alguns XVII o galés pelo menos no Sul de Gales (conforme se exemplos, o dicionário de Thomas de 1688, é prático e compac pode constatar pelo galés do infatigável tradutor e editor de livros puri- to: o de Thomas Richards de Coychurch, de 1753, já é bem o tanos Stephen Hughes de Meidrim e Swansea), achava apreen- de John Walters de Llandlough (publicado em partes de 1770 a 1795) é der sua própria e suas próprias regras de estilo. Como disse e impressionante dicionário de William Owen (Pughe) o Sr. Meredith a William Gambold em 1727, antes de ler a gramática (publicado de 1795 a 1803) é Entrementes, os estudiosos ha- ele simplesmente aprendia de "como tocam os rabequistas viam começado o galês como um bem nacional, até como do interior" Lá pela metade do século XVIII existia, além de uma vas- um monumento nacional. Os autores que escreviam em galés emocio- la literatura impressa em constituída de brochuras referentes a muito com idéia de que o estava diretamente ligado assuntos de ordem moral ou religiosa, um número pequeno de textos aos primórdios da história e era, de certa forma, uma lingua pura e algumas obras históricas (que alcançaram uma enorme po- Thomas Richards chamou seu dicionário de Thesaurus. ga- pularidade). e algumas gramáticas e O papel do gales na bando-se no prefácio: vida da igreja que diminuiu após 1714, mas esse declinio foi devidamente contrabalançado pela tremenda intensidade Nosso nome ainda não foi expulso do Paraíso: por não só os- da literatura metodista e dissidente em Ao final do século tentamos o verdadeiro nome de nossos ancestrais, como também XVIII, o número de gramáticas e dicionários aumentou, demonstran- vamos da maneira mais integra e impoluta possível (sem qualquer altera- ção sem mistura com qualquer outra lingua) aquela do essas obras maior segurança e orgulho, e um pouco menos do der- GUA PRIMITIVA, falada tanto pelos antigos gauleses quanto pelos bre- rotismo lamurioso de antes. O squire Rice Johes de Blaenau, próximo há alguns milhares de anos a Dolgellau, publicou uma esplêndida coleção de poesias galesas me- dievais em 1773, Gorchestion Beirdd Cymru (Triunfos dos bardos gale- John Walters, outro sacerdote de Glamorgan, vizinho de Thomas Ri- ses). Como seria de se esperar de um proprietário de terras, sua poesia chards, não só começou seu grande dicionário em 1770, como também é repleta de chiste e bonomia, e o tem um quê de arrogante e em- publicou em Cowbridge no mesmo ano um manifesto dos literatos ga- pertigado. está repleto de otimismo, porque a linguagem fi- leses, chamado A Dissertation on the Welsh Language (Dissertação nalmente atingiu uma fase de após tantos desapontamen- sobre a língua galesa), que acredita nos mesmos mitos e lendas que Ri- tos, perdas derrotas no passado. Ele gostava de pensar que no que di- chards, transformando todas as deficiências da pobre língua galesa em respeito galés "Parnaso é o "Hélicon é virtudes. Como sinal de sua superioridade, este idioma puro e imacu- terminava seu prefácio da seguinte maneira (segundo a tradu- lado não era usado para escrever contos sensuais, nem peças ordiná- do Autor): sua pronúncia áspera era máscula e simples, ao contrário da in- glesa, que era afetada e balbuciante. Pois agora percebo o grande amor que a aristocracia e a plebe sentem galês foi submetido a uma mitologização muito mais absurda e pela lingua britânica, e pelas obras dos bardos desta for- fantástica do que esta. o circulo dos Morris, Lewis, que era funcioná- ma, não tardaremos a ver a Musa (se Deus dentro de muito pouco 62. Rice Jones, Gorchestion Beirdd Cumru (Shrewsbury, prefácio. As composi- de autoria de Jones foram publicadas por Rice Jones Owen em 1818. 63. Thomas Antiquae Linguae Britannicae Thesaurus (Bristol, 1753), prefá- 61. W. Rowlands D.S. Evans). Cambrian Cymry cio. T. J. Morgan. y Ddeunawfed (Lexicógrafos do século 1869); Religion and Society in XVIII) in xi (1966). pp.</p><p>82 83 rio real, William, que era funcionário da alfândega em Holyhead e Ri- por lolo a incluir suas fantasias bárdicas, como uma longa introdução chard, que estava no da Marinha, em Whitehall, tinham in- aos poemas. Em 1800, Pughe, em colaboração com publicou veja de um de seus amigos, um causidico chamado Rowland Jones, uma enorme coleção de todo tipo de obras da literatura galesa medie- porque ele havia se casado com a herdeira da Mansão Broom, em val, a Myvyrian Archaiology of Wales, em cujas partes finais lolo intro- Lleyn, e assim podia, com sua renda, pagar a publicação de qualquer duziu um outro tanto de suas falsificações. Pughe era incapaz de resis- coisa que Em 1764 o seu Origin of Language and Na- tir aos encantos dos como Rowland Jones, tão devoradora tions (Origem da linguagem e das nações), seguido, alguns anos de- era a chama de sua paixão pelas coisas galesas, e estava certo de que o pois, por efusões como The Circles of Gomer (Os círculos de Gomer) e se analisado. revelaria os segredos da linguagem primitiva da hu- The Ten Triads (As Dez Tríades), Gomer sendo o fundador epônimo manidade. Além disso, dissecando-se ou seccionando-se os vocábulos de Cymru (Gales). Tais livros iam do que fizeram Pezron e os cel- galeses, seria possível reconstruir a em termos racionais, e am- tomaniacos, dissecando indiscretamente e sem qualquer as pa- pliar infinitamente a utilização e o âmbito da língua. Pughe atacava o lavras galesas com o objetivo de mostrar que o galês era a raiz de todas galês (idioma anguloso, cheio de irregularidades e singularidades sin- as linguas. De certa maneira, era muito importante compreender táticas) com o extremo zelo racional de um déspota esclarecido, tal como as linguagens deviam ser analisadas: através do conhecimento como o Rei José II. Reduziu a língua a segmentos e remontou-a de de sua constituição e evolução que homens como John Walters (auxi- maneira ordenada em seu grande dicionário e suas gramáticas, assim liado por seu vizinho, o jovem lolo Morganwg) ampliaram o vocabulário como em suas várias composições Desse modo, encontrou galês de modo a inventar palavras galesas que designassem novas coi- uma palavra galesa para todas as nuances possíveis em qualquer idio- sas ou criando assim a palavra geiriadur (dicionário) e tanysgri- ma: inventou o termo gogoelgrevyddusedd para traduzir a expressão fio dois termos ainda em uso corrente. Rowland Jones "uma certa dose de cyngrabad para corresponder a "a- usou os mesmos de maneira aleatória e desregrada, como fi- geral". cynghron para significar de manei- zeram tamhém muitos outros. Um foi o John Cleland, que ra que o dicionário publicado de 1795 a 1803 è bastante conglobante deixou de lado as aventuras de Fanny Hill em favor das profundezas com uma abundância geral de pelo menos cem mil ou seja, mais somhrias da lexicografia céltica, redigindo alguns folhetos onde 40 mil a mais do que o dicionário de de Samuel Johnson. Dese- relacionava as particulas do galês a muitas outras línguas. Como era jando recuperar no galês moderno a linguagem original dos Cleland pertencia à periferia não-céltica, ao contrário de um Pughe consiruiu uma lingua tão sólida e sublime quanto um dos maiores e mais competentes da língua, William Owen Entre os amigos de Pughe encontrava-se o pastor meto- (Pughe). dista Thomas Charles, que distrihuiu a galesa de Pughe O nome de batismo de Pughe era William Owen. Nasceu no Nor- como livro pelas escolas dominicais de todo o Pais de Ga- te de Gales em 1759, mas de 1776 em diante foi mestre-escola em Lon- em 1808. É interessante observar, entretanto, que a edição publica- dres, retornando a Gales em 1806, depois de herdar uma propriedade da em Bala utilizava a ortografia galesa convencional, enquanto a edi- no interior, onde morou até sua morte, em 1835. Adotou o nome de ção publicada em Londres vinha na ortografia do próprio Pughe, uma Pughe ao herdar tal propriedade; porém seu filho, editor de manuscri- vez que ele (como tantos entusiastas do século XVIII) emen- tos galeses, Aneurin Owen, manteve o nome antigo. Pughe estava no dava a ortografia para mais fazendo com que a cada centro da vida galesa londrina, e era amigo de muitos literatos ingle- letra correspondesse um único som. Nesta lolo Morganwg an- ses, tais como William Blake e Robert Southey. Homem muito talen- dava brigado com Pughe e, embora tivesse publicado o toso, profundamente culto e dedicado, era também muito bondoso e Coelbren ainda tinha a audácia de classificar as idéias de caprichoso e excêntrico em matéria de religião, terminando Pughe de "simples passatempos". A nova gramatica de Pughe exerceu por tornar-se, em 1802, presbitero da profetisa Joanna Southscott. influência considerável (e lamentável) sobre muitos escritores galeses Pughe era quem planejava as publicações dos galeses de Londres, mas do XIX: deve-se lembrar que ele foi apenas um dos muitos que em 1789, quando lançou a espetacular edição dos poemas de Dafydd brincaram com a ortografia das linguas secundárias européias. Até ap Gwilym, poeta do século Iolo Morganwg convenceu-o a mesmo o grande Edward Lhuyd, que até agora foi apresentado como publicar vários pastichos de sua autoria como se fossem poemas do modelo de racionalidade e probidade intelectual, embaralhou tanto a mestre. Em 1792, quando Pughe publicou uma edição de poemas gale- ortografia do que fez do seu prefácio à Archaeologia Britannica ses antigos atribuídos a Llywarch, o Velho, foi novamente convencido uma coisa quase que ilegivel. Felizmente os ministros anglicanos le-</p><p>84 85 vantaram uma ferrenha resistência a qualquer desvio do galês utiliza- dades com o objetivo de promover a música Erasmus Saun- do na Biblia de 1588, e os pughismos limitaram-se à gramática e à es- ders, ao expressar a opinião da Diocese de S. Davi em 1721, observou Naturalmente, Pughe, de outras maneiras, fez nascer entre os que os galeses tinham uma obsessão natural pela poesia: mas galeses um interesse tremendo por sua lingua, pois eles simpatizaram Morganwg, escreveu mais tarde, neste mesmo século, que os galeses com aquela da pureza, da tradição patriarcal e da "infinita rique- eram viciados tanto em música como em poesia, e que esta era uma za" do galês. Pughe mostrou-lhes que o galês era uma "lingua do Pa- opinião geral. raiso", herdada dos patriarcas, existente até hoje. Se não hou- vessem como Pughes, poucos seriam os que se dariam ao Os estudiosos do inicio do sèculo admiravam as estrofes trabalho de conhecer a algaravia desprestigiada de Gales. De certa simples cantadas pelo povo nas regiões mais distantes, ao som da har- maneira, Pughe e os outros eram como restauradores vitorianos de pa. Tais estrofes (penillion telyn) eram epigramas expressivos, que da- igrejas, construtores de muitos templos sem os quais, po- tavam do sèculo XVI ou XVII. Alguns camponeses conheciam cente- rèm, os edificios antigos se teriam esfacelado. nas destes poemas, e eram capazes de a qualquer melodia de harpa familiar. Os irmãos Morris suspeitavam que as estrofes ti- TERRA DAS nham um proverbial e talvez encerrassem fragmentos de sabe- No principio do sèculo XVIII, os estudiosos galeses ficaram pro- doria Este costume de vários cantores apresentarem um fundamente perplexos por não serem capazes de ler o grande códice após o outro várias estrofes de improviso acompanhados por um har- musical de Robert ap Huw, embora o autor tivesse morrido pouco pista era considerado tipicamente galês; porém, o que levou à restau- tempo. em Nas antologias poèticas galesas que surgiram em ração da música galesa no sèculo XVIII não foi tanto a canção, mas a meados do sèculo XVIII, os organizadores colocavam acima das letras harpa. As primeiras árias galesas a serem publicadas surgiram por as melodias com as quais elas geralmente eram cantadas pelo povo. Os ta de 1726, como parte de uma coleção denominada Aria di Camera, patriotas galeses ficavam envergonhados porque muitas das melodias mas a coleção que marcou época foi a de Blind John Parry, publicada eram inglesas, e os ingleses zombavam dos galeses, por sua falta de ini- em 1742, sob o titulo Ancient British Music (Música britânica antiga). ciativa. Em alguns casos, os galeses deformavam completamente as Parry era o harpista de Frederico, o Principe de Gales, amigo de Han- melodias, para tornà-las irreconheciveis, e "agalesavam" tambèm o del e compositor de música handeliana para harpa. Inspirou bastante titulo, Alguns eruditos achavam que os titulos das canções inglesas de- Thomas Gray a completar seu poema The Bard (O Bardo) em 1757, ao veriam ser traduzidos, mas William Wynne, poeta e squarson (ao tocar para o povo de Cambridge melodias que ele dizia serem milena- mesmo tempo squire - - e parson - pastor), considerou cujos titulos, segundo Gray, "continham tantas palavras que a que isso seria simplesmente desonesto. Williams de Pantycelyn, grande gente perdia o fôlego". Blind Parry investigou a tradição musical ga- lider metodista e criador da moderna hinologia galesa, praticamente lesa atravès dos concursos de música dos bardos, e descobriu que era deu inicio à segunda restauração metodista, em 1762, com seu herdada dos Contudo, as melodias, conforme estavam escri- contudo, queixava-se de que poderia publicar mais hinos quando tas, pareciam bastante recentes. O circulo dos Morris mantinha rela- chegassem novas melodias da Inglaterra. Suas melodias são quase ções de amizade com Parry e seu secretário Evan William, o qual redi- sempre versões dos sucessos populares da uma delas tem o titu- giu, em 1745, um enorme volume manuscrito (destinado à publicação) lo bastante tipico de "Lovely Peggy - Moraliz'd" (A Peggy - sobre a do penillion (improvisos acompanhados pela harpa). Moralizada). Um século depois, as posições estavam completamente invertidas, pois o Pais de Gales era considerado acima de qualquer outra coisa a 65. Sobre costume de locar harpas Griffith. Cerdd Dannau (O "Terra das onde a música havia fluído das harpas e bocas Harpa) 1913): sobre a música religiosa do periodo, R. do povo durante séculos. Existiam livros de canções, corais, grupos de D. Griffith. Hanex Canu do Congregacional no Pais de Gales (Cardiff. sobre detalhes das várias canções recorri ao harpas galesas, prêmios e medalhas para músicas, e uma rede de socie- Journal of the Folk Song e, para obler criticas a Osian Ellis, "Welsh Music: History and Fancy". Transactions of the Honourable Society of Cymmro- (1974). pp. 66. Arthur Thomas and the Bard 1966): F. "The 64. Manuscrito Anexo do Museu publicado em fac-simile pela Bard of Thomas and its Importance and Use by Painters". National Library of ca da Universidade do Pais de Gales 1936). Journal. (1965). pp.</p><p>86 87 Tendo estudado este manuscrito, o Prof. Osian Ellis crê que a música Thomas Pennant. No eisteddfod de 1791 houvera um concurso de pe- descrita por Evan é de um caráter bastante operistico e convencional, million muito bem sucedido, o que provava que os primeiros organiza- típico da época: o cantor canta qualquer estrofe que lhe apeteça (conti- dores de eisteddfodau conheciam aquela arte. que não conhecemos nuando até que lhe faltem as palavras), com o acompanhamento todo com no è a exata natureza musical do concurso. Sem ornamentado da hara. Nem se menciona aquilo que seria considerado dúvida, na época em que Owain Alaw publicou o livro Gems of Welsh a arte exclusivamente galesa de cantar o penillion, ou canu gyda'r tan- Melody (Jóias da melodia galesa), em 1860, a arte do penillion já es- nau, conforme o identificariam os músicos galeses desde a década de completamente amadurecida (embora fosse bem mais simples que 1830 até hoje. Essa arte incomparável, que o povo galês hoje acha tão a praticada no século XX), e ele retirou suas amostras de estribilho das emocionante, é extremamente peculiar; a harpa repete a mesma melo- canções de John Jones, "Talhearn", assistente de Paxton na constru- dia vezes sem conta, o cantor faz coro, com um estribilho ou descante das imensas mansões Rothschild na Inglaterra e na e tam- de sua própria autoria, como acompanhamento do instrumento musi- de um remendão de chamado Idris Vychan, intér- cal, sendo que as palavras, se possível, são escolhidas a partir de me- prete que vencia todos no improviso e na melodia nos tros aliterativos altamente elaborados, de origem medieval. Como grandes de meados do século XIX. Por essa natu- Parry e William pretendiam fornecer um quadro de tudo que havia de já se acreditava que a arte do penillion era mais em de música, eles certamente não poderiam deixar Na época em que Edward Jones lançava seus influentes livros, a de descrever o que hoje se denomina cantar de penillion. Mais mistifi- harpa tripla era considerada o instrumento nacional galês por excelên- cadora ainda, è a perspectiva de Edward Jones (1752-1824), harpista cia, sendo que os outros instrumentos galeses antigos, tais como o pib- real e grande propagandista da música e costumes nativos galeses, em gorn ou (crota). haviam caido de uso pouco tempo. Um minis- obras escritas entre 1784 e 1820. Edward Jones era de Merioneth, de tro e erudito patriota, Thomas Price. afirmava ter uma região onde os costumes locais ainda eram bem respeitados no aprendido em fins do XVIII no condado de Brecon a tocar uma culo XVIII, e onde hoje existem inúmeros solistas e grupos que prati- pequena harpa com uma só fileira de De acordo com lolo cam o penillion. Jones concentra-se no valor literário das estrofes ex- Morganwg, a primeira harpa tripla de Gales foi construída pelo har- e fornece uma vaga descrição do grupo de camponeses reu- pista da Rainha Ana, Elis Sion Siamas. Entretanto, em 1800 os patrio- nido ao redor do harpista, cada qual com sua bateria de epigramas, tas estavam convencidos de que a harpa tripla (assim chamada por para cantar ao som da harpa. Thomas Pennant, em seu Tours (Via- possuir três fileiras de sendo que a fileira central continha os descreve uma cena semelhante, os camponeses reunin- sustenidos e era o instrumento nacional antigo, e em nome da do-se nos montes ao redor de uma harpa, com um repertório imenso honra nacional devia ser defendido contra as novas harpas com pedal de estrofes, apostando uns com os outros quem cantaria o maior introduzidas por Sebastien Hérard, de Paris. A harpa tripla havia sido mero de estrofes, até que as montanhas vibrassem ao som da música. adotada na Inglaterra no século XVII, sendo uma versão da harpa Edward Jones não encontrou nenhuma peculiaridade digna de nota no barroca italiana. Parece ter adquirido imensa popularidade em Gales aspecto musical desta arte; apenas as estrofes extemporâneas merece- Setentrional por volta das décadas de 1690 e 1700, penetrando. ram algum tipo de comentário. apenas gradativamente em Gales Meridional. No sul, só ganhou po- A partir desta ausência, no século XVIII, de uma boa descrição pularidade ao ser tocada pelo talentoso Thomas Blayney, com o incen- da arte conforme a conhecemos hoje, o Prof. Osian Ellis deduziu que tivo de um squire excêntrico de (Carmarthen). Sackville ela não existia, a não ser sob forma extremamente Con- Gwynne No princípio do século XIX, a harpa tripla era protegida cluiu que como a arte que hoje conhecemos já existia em meados do pelo dinheiro e patrocinio de aristocratas como Lady Llanover, cria- século ela teria sido desenvolvida por músicos galeses no começo dora de associações de harpistas e de concursos de que chegava do século XIX, provavelmente por John Parry, "Bardd Alaw" (1775- a distribuir harpas triplas como brindes. Ela jamais teria feito isso se diretor musical de Vauxhall Gardens, compositor e grande or- soubesse que a harpa tripla era um instrumento barroco italiano. Ape- ganizador de músicos galeses em concertos e eisteddfodau. Pouco sar de todo esse incentivo, a harpa tripla foi se tornando o instrumento de 1809, George Thomson, editor de músicas de Edimburgo, veio ao tipico dos ciganos, sendo que muitos dos melhores intérpretes descen- País de Gales para recolher melodias galesas autênticas cujos arranjos diam de família ou tribo de Abram Wood, falantes do romani. seriam feitos por Haydn (foram publicadas em 1809); Thomson relata Pela década de 1780, já havia ocorrido uma outra mudança im- que não conseguiu encontrar os improvisadores de que tanto falava portante; agora, os galeses estavam convencidos de que eram um povo</p><p>88 89 dono de uma inexaurível abundância de melodias nativas, quase sem- pre extremamente antigas. Os titulos ingleses das canções passaram a isto ocorreu antes que o Pais de Gales se tornasse a terra dos corais, ser traduzidos ou adaptados à vontade - a canção "Cebell", datada do em meados do século XIX. mito de que a música galesa era muito século XVII, virou "Yr Hen Sybil", referindo-se supostamente a uma antiga contribuiu bastante para este surto de atividade e para o senso antiga feiticeira; "General Monk's March" transformou-se em "Ym- de patriotismo que ele encerrava. daith y Mwngc", que pensavam tratar da fuga de um antigo monge Em 1848, Thomas Jones, "Glan Alun", bardo e jornalista, na re- medieval; a balada composta por Martin Parker em 1643, "When the vista Y Traethodydd reclamou que Gales, embora fosse um país muito King enjoys his own again", passou a chamar-se "Difyrrwch y Bre- musical, não tinha um hino nacional, uma canção entusiástica que nin", que supostamente falava da corte de um principe medieval galês. unificasse a nação, como os hinos da da Este dese- Uma canção mais recente, "Delight", de autoria de D'Urfey, virou jo. que era geral, logo foi satisfeito, pois em 1856, em Pontypridd, Gla- "Difyrrwch Gwyr Dyfi", que julgavam referir-se aos nativos do vale morgan, Evan e James James, pai e filho, compuseram a letra e a músi- de Dovey. Dizia-se que as melodias com titulos originais em galês pro- ca de Wlad Fy Nhadau" ("Terra de Meus Pais"). Era uma can- vinham de acontecimentos históricos bastante antigos: pensava-se que ção profundamente patriotica, popularizada em 1858 ao ser incluída a canção "Morfa Rhddlan", que apresenta caracteristicas óbvias da num grupo de canções patrióticas, no grande eisteddfod nacional de música de Purcell, era o lamento dos galeses pela derrota diante do Rei Llangollen, sendo aceita por unanimidade, depois de 1860, como hino em Rhuddlan. ocorrida em cerca de 750 d.C. Os turistas roman- nacional. majestoso hino "Tywysog Gwlad y Brynau" ("Deus Salve ticos e os editores ingleses incitaram os galeses a levarem adiante tais o Principe de Gales) surgiu em 1863, na do casamento do Princi- invenções. George Thomson e Haydn foram praticamente os primei- pe Eduardo, mas, embora fosse popular, jamais conseguiu alcançar o ros a adaptarem letras em inglês às velhas árias galesas, utilizando sucesso de of My O mais impressionante foi a rapi- muitas vezes temas históricos, auxiliados pela Sra. Hemans, Sir Walter dez com que se fortaleceu a tradição de cantar "Land of My Fathers' Scott e outros. poeta anglo-galês foi uma personagem em todos os eventos públicos. que surgiu na cena literária na década de 1800; Richard Llwyd, "O A DAMA DE GALES Bardo de foi um dos primeiros, encontrando nos livros de canções um excelente campo de atividades. Por sua vez, os poetas da de turistas que invadiu Gales no fim do século XVIII, língua galesa foram obrigados a compor baladas históricas galesas que por vezes acompanhado dos artistas de como John "War- se equiparassem às invenções inglesas. Um dos mais fecundos compo- wick" Smith ou J. C. Ibbetson, observou que os camponeses de lá usa- sitores de baladas históricas que se adaptassem às melodias galesas foi vam roupas que haviam saido de moda há sessenta anos e que eram John Hughes, As canções, interpretadas em inglês ou em confeccionadas nos mais diferentes tecidos e padrões. Os relatos não faziam um sucesso incrivel e eram um dos principais meios de mencionam nenhum traje tipico, como os sajotes das Terras Altas da divulgação dos mitos históricos junto ao grande público. Nem sempre, Como todo turista, eles tentaram encontrar algum atrativo porém, as músicas eram levadas a sério o teatro de começos do sécu- no meio da pobreza, e perceberam que as mulheres costumavam trajar lo XIX em Cardiff costumava parodiar "Ar Hyd y Nos" (a conhecida amplas capas azuis ou vermelhas de tweed e chapéus masculinos ne- "All Through the Night"), trocando-lhe o título para "Ah! Hide your gros. chapéu de copa alta e o manto faziam lembrar as feiticeiras, Nose!" (Ah! Esconda o A mudança resultante do trabalho de pela simples razão de que constituiam o traje característico das cam- homens como Blind Parry e Edward Jones foi que os galeses adquiri- ponesas inglesas na de 1620, tempo da caça às bruxas. As rou- ram autoconfiança. No XVIII, surgiram em Gales vários músi- pas usadas nas planícies da Inglaterra na década de 1620 continuaram cos de talento, que produziram uma grande quantidade de melodias a ser vestidas pelos pobres em algumas áreas montanhosas de Gales nativas para concertos, musicais e assim como excelentes músicas religiosas para os hinários que abundavam na época. Tudo 68. iv (1848). pp. Era a principal revista intelectual galesa, edita- da por Lewis Edwards. 69. Percy "Hen Wlad Fy Nhadau National Library of Wales iii 67. Cecil The English Theatre in Wales (Cardiff, 1948). p. 114. muitas (1943). pp. 1-10. informações sobre a difusão da cultura inglesa pelo Pais de Gales no final do 70. F. Payne. Welsh Peasant Costume 1964): M. Welsh Costumes and XVIII. Customs 1951): K. Etheridge. Welsh Costume 1958 e reim- pressões posteriores).</p><p>90 91 até a década de 1790, ou mais. Foram conservadas de maneira comple- era uma poetisa de nome Gwenynen Gwent, a Abelha do Condado de tamente inconsciente. Não eram um traje típico, mas foram delibera- Monmouth). o traje não tardou a ser adotado, por exemplo, nas tiras damente transformadas em traje típico feminino na década de 1830 humorísticas dos jornais, como caricatura do País de Gales; foi repro- por obra de pessoas, lideradas por Augusta Waddington (1802- duzido nos cartões postais vitorianos; vendiam-se milhares de estatue- esposa de Benjamin Hall, poderoso proprietário de terras e in- tas que reproduziam uma mulher galesa vestida com sua vestimenta dustrial do condado de Monmouth, e ministro do governo Palmers- típica; os colegiais de todo o país de Gales ainda a vestem no dia de ton, responsável pela conclusão das obras do Palácio de Westminster, março. Simbolizava o bem e o lar. Aparecia, por exemplo, nos pacotes tendo dado seu nome ao Big Ben. Benjamin foi agraciado com um de farinha de trigo "Dame Wales" (Dama de Gales) e em muitos ou- titulo de nobreza, e sua esposa conhecida como Lady Foi tros produtos galeses. Entrementes, os velhos trajes nativos, em todas uma das lideres da ala pitoresca romântica da restauração galesa, no as suas variações locais (incluindo até, vez por outra, uma cartola alta inicio e em meados do século XIX, tendo patrocinado inúmeras causas e uma grande capa). desapareciam à medida que Gales transformava- galesas. Estudou e desenhou trajes femininos galeses e, em 1834, no se num dos paises mais industrializados do mundo. Eisteddfod Real de Cardiff venceu o concurso de dissertações sobre a conveniência de se falar o galês e vestir roupas galesas. Sua intenção, o NOVO VALHALLA CAMBRIANO em principio, era convencer as galesas a prestigiarem o produto nacio- Uma das mais interessantes características desse perlodo é o apa- a usarem os tweeds nacionais em vez dos algodões e morins, tendo, recimento de heróis nacionais, e destes nenhum è mais característico juntamente com algumas amigas, ofertado prêmios a coleções de dese- do que Owain Glyndwr. o Glendower de Shakespeare, que se rebelou nhos e padrões galeses para tweed. Em 1834, nem especificou o que contra Henrique IV e governou Gales de 1400 até o seu misterioso de- fosse um traje típico, mas estava certa de que devia haver uma vesti- saparecimento, em Glyndwr era geralmente tido como usurpa- menta que fosse distintiva e pitoresca, para ser admirada pelos artistas dor ou um rebelde equivocado na literatura, e embora Ben Jonson te- e turistas. Num instante ela e suas amigas criaram um traje nacional ú- nha dito em 1618 que amigos galeses o haviam informado de que em nico a partir dos vários trajes camponeses de Gales, cujas Gales Glyndwr não era considerado um rebelde, e sim um grande he- cas mais peculiares eram uma enorme capa vermelha vestida sobre um rói, parece não haver muitas provas disso. No inlcio do século XVIII, elegante conjunto de anágua e camisola (pais a betgwn), e uma cartola o circulo dos Morris mal parece ter tomado conhecimento dele, consi- preta bem alta, no estilo da Mamãe Gansa. Tais roupas destinavam-se derando-se que só o mencionaram uma vez, classificando-o de traidor. a ser usadas nas "festas nacionais", no Dia de S. Davi, em concertos Segundo parece, Glyndwr estourou como herói nacional na década de de música nativa, principalmente pelas cantoras e harpistas, ou nas Aparece em 1772 integrando a procissão de defensores do país procissões que abriam e encerravam os coloridos eisteddfodau de Lady no poema de Evan Evans, The Love of Our Country, e, em 1775, recebe Llanover, em Abergavenny. Ela inventou uma vestimenta para ser bastante destaque na História da de Anglesey, atribuída a John usada pelos criados de Llanover Court; o harpista, por exemplo, teria Thomas de Beaumaris, aparentemente baseada numa biografia ma- de usar um traje estranho, de menestrel misturado com montanhês da nuscrita de Glyndwr, composta em meados do século XVII. Em 1778, Como Lord Llanover não estava disposto a andar fantasiado, Glyndwr recebeu um tratamento dos mais favoráveis por parte de os homens de Gales foram poupados. Em 1862, Lady Llanover ofer- Thomas Pennant no livro Tours in Wales (Viagens em Gales). tou um retrato seu, vestida com os trajes nacionais, à escola que havia Gilbert White enviou suas famosas cartas sobre a história natural ajudado a fundar com o objetivo de promover o galês entre as classes de Selborne a Thomas Pennant e Daines Barrington, ambos líderes da altas em Llandovery College. No retrato, ela traz uma jóia represen- restauração histórica galesa, na década de 1770. Pennant, natural de tando um maço de na aba do chapéu de copa alta, nas Downing, condado de Flint, era um aristocrata anglicizado, apaixona- mãos, um ramo de visco, para mostrar sua ligação com os druidas (ela do por tudo que fosse Referia-se ao Castelo de Caernavon como símbolo mais grandioso de nossa escravidão"; seu retrato de é dos mais favoráveis, percebendo com perspicácia a tragédia 71. nome de Lady Llanover consta do Dictionary of Welsh Biography "Benja- min para obtenção de vários pormenores sobre o Lorde e Lady Lla- nover, veja divesos artigos sobre eles, escritos por Maxwell Fraser, no National Library 72. Loyd. Owen Glyndwr (Oxford. 1931): D. Rhys Philips. A Select Bibliography of Wales xii-xiv of Owen 1915).</p><p>92 93 que foi a decadência e desaparecimento do herói, que causaram uma ganwg levou ao extremo esta idolatria da figura do bardo, em parte segunda invasão inglesa em Gales. É possível que Pennant estivesse re- devido à influência de Gorowyn Owen e de Evan Evans, em parte produzindo as opiniões de seu companheiro de viagem, John Lloyd de porque sofria de uma terrivel mania de perseguição e queria virar o fei- Caerwys, filho do squire de Bodidris, que fica bem próximo do quar- tiço contra os contra aqueles que menosprezavam os poetas tel-general de Glyndwr em seu país. Provavelmente, foi Pennant que ou os estudiosos. Iolo fez do bardo a figura principal do préstito lançou Glyndwr como herói nacional, e a quantidade de livros sobre rico galês, embora, em algumas épocas, o bardo fosse um druida, e, em ele, comparável a princípio com um filete, engrossou as dimensões outras, um historiador ou literato; e sua imaginação jamais se incen- de um córrego, tornando-se depois uma inundação. Primeiro pinta- diava tanto como quando ele falava das perseguições aos ram-no como um personagem trágico; depois, passaram a bardo de Gray foi um personagem famoso durante as décadas lo como o homem que previu a necessidade da existência de institui- ções nacionais galesas (tais como uma igreja nacional e uma universi- de 1770 e de sendo naquela época um tema comum na pintura. dade); e, finalmente, encararam-no como o pioneiro do nacionalismo Paul Sandby foi um dos primeiros a seguido por Philip De Louthergourg, Fuseli e John Martin. Um dos melhores retratos é o de Em 1770, Dames Barrington publicou o manuscrito da história autoria do aluno de Richard Wilson, Thomas Jones de da familia Gwedir, de princípios do século XVII, escrito por Sir John quadro foi exposto em 1774, e nele se vê o último dos bardos agarrado Wynne. Este documento foi utilizado alguns anos antes como fonte à sua harpa. a fugir dos exercitos invasores, que se aproximam de seu para a história da Inglaterra escrita por que dele retirou o relato templo, uma espécie de Stonehenge em miniatura, o sol se pondo no do massacre de bardos promovido por Eduardo I, em 1282. Thomas oeste, ainda acima do de Snowdon, um vento gelado soprando do leste, das bandas da Inglaterra. Esta cena o confronto Gray apropriou-se da de Carte e inspirou-se na interpretação de Blind Parry para completar seu famoso poema, The Bard (O Bar- entre o poeta e o poder do Estado, iria repetir-se muitas vezes. Logo em Gray não acreditou inteiramente na história - não exis- foi adotada como tema para poemas e dissertações de eisteddfod, re- tiam ainda bardos galeses, prova de que os bardos de 1282 tinham dei- contada em vários livros ingleses e galeses, entrando até no famoso xado descendência? O relato de Carte baseava-se, de certo modo, nas poema hungaro Os Bardos Galeses, de Janos no qual Eduardo lendas galesas segundo as quais houvera uma queima de todos os ve- I è visto como um cruel imperador da dinastia dos Habsburgos a inva- lhos livros galeses em Londres, e de algum modo todos os bardos ha- dir os Escusado dizer que tudo não passa de fábula ou mito. viam sido banidos. Pouco depois de 1757, os próprios galeses começa- No isso poderia ser interpretado como-uma intensificação ram a acreditar na descrição de Gray, como se pode comprovar con- grosseira do fato de que, de tempos em tempos, os reis medievais ingle- sultando-se um estudioso preciso, como Evan Evans, que citou muitas ses autorizavam e fiscalizavam os bardos galeses devido às passagens de Gray na década de 1760. Antes, o círculo dos Morris causadas em das profecias que considerava o bardo galês acima de tudo como um artista profissional. Um dos mais extraordinários desses novos heróis foi Madoc, fi- Para a poesia era um divertido passatempo social, o que os levou lho do Principe Owain Gwynedd, que, decepcionado com as disputas a romper relações com Gorowyn Owen, para quem a poesia era o tipo em sua terra natal, o Norte de Gales, partiu em seu navio Gwennan mais sublime e épico de literatura. Evan Evans pertencia a uma gera- Gorn em direção a mares ocidentais inexplorados, por volta de 1170, e ção para a qual o bardo era um ser quase sempre revoltado descobriu a América. Retornando ao País de Gales, reuniu alguns contra o mundo circundante. Evans admirava profundamente os pri- companheiros, fez-se ao mar novamente com eles, e nunca mais vol- meiros poetas galeses que haviam sido guerreiros genuínos. Iolo Mor- tou. Supunha-se que seus descendentes se tivessem miscigenado com os índios e ainda sobrevivessem, no Oeste A lenda não surgira no século XVIII, tendo sido utilizada pela primeira vez pelos Tudors, para intimidar a Espanha, que reivindicava o dominio sobre a 73. Silvan Gwaith Parchedig Evan p. 142: Morris p. 432: Thomas i pp. 302-69. 74. P. Toyabee L. Whibley, Correspondence of Thomas 1935). ii. pp. Sobre interação dos literatos galeses e ingleses neste periodo veja Saunders wis. A School of Welsh Augustans (Londres, W. Wales and the Welsh in 75. "The Bard of Thomas Gray": e introdução de Ralph Edwards ao English Literature from Shakespeare to Scott (Londres e Wrexham. 1924): e E. D. Sny- logo da exposição das obras de Thomas Jones: Thomas Jones (Londres, 1970). der. The Revival in English Literature 1923). 76. David John Evans and the Legend of Madoc 1963).</p><p>94 95 America do Norte. Permaneceu conhecida e adormecida no País de uma sociedade mais pura e livre, que guardava certa semelhança com Gales, vindo a despertar somente na década de 1770, quando o interes- os mitos dos Saxões Livres e do Jugo Normando entre os operários in- se galês pela foi excitado pela Guerra da Independência Ame- gleses ricana. Houve não só um interesse pela Revolução como tal, como lolo Morganwg foi responsável pela transformação de muitos também um forte movimento a favor da emigração galesa para a Amé- personagens desconhecidos em herois nacionais. Basta um exemplo. rica, com o fim de fundar uma colônia de língua galesa na nova re- Na década de 1780, fazia criação de gado nos pântanos entre Car- pública. mito de Madoc só conquistou a imaginação do público em diff e Newport, onde veio a conhecer Evan Evans, naquela época um 1790, quando o Dr. John Williams, ministro e historiador londrino, e cura de Bassaleg, beberrão e esfarrapado. Ambos visitaram juntos as bibliotecário da biblioteca do Dr. Williams, publicou um relato das ruinas da residência de Hael o Generoso), o qual, segundo peripécias de Madoc. Os galeses londrinos ficaram ansiosos. Iolo determinava a tradição, embora de maneira um tanto vaga e incerta, Morganwg (que estava em Londres na época) forjou toda sorte de do- havia sido patrono do grande poeta Dafydd ap Gwilym, do século cumentos, provando que ainda existiam descendentes de Madoc, fa~ XIV. Evans escreveu um belo poema romântico sobre as ruinas reco- lantes de galês, em algum ponto do Meio-Oeste norte-americano, de bertas de hera, e lolo empreendeu suas primeiras falsificações impor- modo que o Dr. Williams foi obrigado a publicar um segundo volume, tantes, a imitação dos poemas amorosos de Dafydd ap Gwilym, que William Owen (Pughe) fundou uma associação "madoquiana" com o continham breves e sutis referências a Glamorgan e a Ifor Hael. Nos propósito de organizar uma expedição, que lolo pediu para chefiar. escritos que se seguiram, lolo procurou por todos os meios transfor- Ficou desconcertado quando um jovem sério, John Evans de Waun mar Ifor no maior patrono da literatura Ivor tornou-se um Fawr (1770-99). pronto para partir. lolo desculpou-se e nome popular em Gales, um chavão que significa generosidade. Vem ficou, enquanto John Evans ia para a chegando por fim ao do seu o nome da mais galesa das sociedades beneficentes, a Ordem Oeste Selvagem. Tornou-se explorador a serviço do rei da Espanha, dos as estalagens onde se reuniam muitos de seus Depois de passar por uma série de aventuras horripilantes, chegou às chamavam-se Arms, muitas das quais existem até hoje. Nas déca- terras dos indios mandan (que julgou serem madoquianos); porém, das de 1820 e encontravam-se em Gales muitos outros criadores descobriu que eles não falavam Morreu no palácio do governa- de Um deles, que escrevia populares para os falantes dor espanhol, em Nova Orleans, após ter vivido outras aventuras. O de era um tipografo de Caernarfon, de nome William Owen, mapa de sua jornada ás terras dos mandans veio a ser a base para as ex- também conhecido como "Pab" (Papa) por simpatizar com plorações de Lewis e Clark. O fato de não ter sido encontrado nenhum a Igreja Católica Romana. Escreveu sobre Glyndwr, Eduardo I e os índio galês não destruiu a fé de lolo Morganwg, nem de seus amigos bardos galeses, a "Traição das Facas e muitos outros acon- londrinos, muito pelo contrário, Iolo até persuadiu Robert Southey a tecimentos da história galesa. Um personagem bastante escrever uma epopéia denominada Madoc. O movimento madoquiano parecido, mas que escrevia em era T. J. Llewelyn Pritchard, fez com que um grande número de galeses emigrasse para a América; ator e jornalista preocupado em criar uma ilusão de "galesidade" para um de seus principais líderes foi o jornalista radical Morgan John a aristocracia e as classes médias que não falavam mais galês, e para o Rhys, que antes militara em Paris, tentando vender bíblias protestan- mercado Não inventou, mas foi o principal promotor de ou- tes para evangelizar os revolucionários franceses. Gwyn A. Williams, tro curioso heroi galês, Twm Sion Catti, sobre o qual escreveu um ro- depois de ter estudado o trabalho de Morgan John Rhys e o movimen- mance em O verdadeiro Twm Sion Catti era um certo Thomas to madoquiano, enfatiza que essa agitação em relação a Madoc fazia Jones, respeitável squire e genealogista de Fountain Gate, nas proximi- parte de uma crise de modernização que estava atingindo grande par- dades de Tregaron, no condado de Cardigan, surgido em fins do cela da sociedade galesa naquele período; o sonho de redescobrir os XVI; com o passar dos anos, haviam surgido várias histórias locais índios galeses perdidos tinha muito em comum com o desejo de recriar o druidismo ou a linguagem dos patriarcas. Era o desejo de alcançar Review. iii (1967). os dois livros recentes de Gwyn A. Williams: Ma. The Making of a Mith ondres. 1979) e In Search of Beulah Land (Londres, 1980). 77. Gwyn A. "John Evan's Mission to the Madogwys, Bulletin 78. David Makers and Forgers 1975): e Morgan. lolo Morganwg. pp. of the Board of Celtic xxvii (1978). pp. Sobre Morgan John Rhys emi- sobre as gração. veja Gwyn A. "Morgan John Rhees and his Welsh History 79. T. J. Welsh (London and 1825), e The Ad. ventures and Vagaries of Sion (Aberystwyth. 1828).</p><p>96 97 onde ele se confundia com outros bandidos e salteadores desconheci- foram francamente inventadas para os turistas; exemplo excelente è o dos do distrito. Pritchard transformou esta figura desconhecida num do túmulo de Gelert em Beddgelert, no condado de Caernarvon. Era Till Eulenspiegel que pregava peças e fazia brincadeiras, e numa espé- um dos locais mais visitados pelos turistas no final do século XVIII, e cie de Robin Hood, que promovia a justiça com as próprias mãos, entre os anos de 1784 e 1794 um hoteleiro de Gales Meridional, pro- roubando dos ricos para dar aos pobres. A obra de Pritchard popula- prietário do Royal Goat Hotel, em Beddgelert, inventou a lenda de rizou-se, foi traduzida para o galês, e não tardou que os galeses come- que a aldeia assim se chamava devido a um marco (que o au- cassem a acreditar nessas lendas. Hoje em dia (não tendo Twm perdi- dacioso hoteleiro construiu ás feito pelo Principe Llywe- do a popularidade como ou anti-herói), o personagem promovi- lyn. o Grande, em memória de seu galgo predileto, morto in- do por Pritchard parece ter-se originado de lendas autênti- justamente por ele Principe saira para deixando Ge- cas. um ótimo exemplo do modo pelo qual os heróis dos contos vêm lert tomando conta de seu herdeiro, e, ao voltar, encontrou o co- substituir o ultrapassado e debilitado de contar histórias ao pé berto de sangue, e nem sinal do filho. Depois de matar o animal, des- da lareira. cobriu o bebê num canto escuro, e então entendeu que Gelert havia matado um lobo que atacara o berço real. o marco era um DO LUGAR A PAISAGEM E os MITOS sinal do remorso do A comoveu os turistas que gos- tavam de o W. Spencer um poema famoso Pritchard, na verdade, fazia parte de um amplo movimen- sobre o que Joseph Haydn adaptou à melodia de Eryri Wen, to que visava fazer com que os galeses entendessem que deviam tratar e dentro de alguns anos a lenda voltou, sob a forma de versões galesas, com carinho sua paisagem: para mostrar isso de maneira clara ao po- à boca dos galeses monoglotas que habitavam a Snowdônia. Natural- Pritchard emprestava a cada pau ou pedra um interesse humano e trata-se de mera mais de uma adapta- Um de seus poemas intitulava-se The Land Beneath the Sea ção bastante astuta de um conto conhecido internacional- (A Terra e falava sobre Cantre'r Gwaelod, ou Lowland mente. É um bom exemplo do tipo de elaboração complexa de mitos Hundred que havia submergido na Baia de Cardigan, uma espècie de que ocorreu em milhares de localidades, ajudando, pouco a pouco, a Lyonesse galesa que afundara no início da Alta Idade Média por des- fazer com que os galeses apreciassem a paisagem rude na qual labuta- cuido dos servos do dissoluto e libertino Rei Seithennyn. Lendas anti- vam para sobreviver. gas autênticas relacionavam a do Lowland Hundred com a Ao final do sèculo XVIII, os turistas consideravam Gales como saga do poeta e profeta Taliesin. Escritores como Pritchard propala- um pais de grande beleza natural. Em meados do sèculo os ram esta lenda por todo o Pais de Gales, e a canção "The prios galeses começaram a reconhecer os encantos de sua terra. A se- Bells of Aberdovey` (Os Sinos de Aberdovey) foi adaptada a fim de gunda estrofe do Hino Nacional diz o seguinte (tradução nossa): provar que era uma música do tipo "Catedral que se refe- Velho Gales montanhoso, dos bardos paraiso ria aos sinos das torres submersas ao largo de Aberdovey, embora fos- Que belos os vales e penhascos se uma melodia bastante recente, de autoria de A era Quão mágico è o som bastante útil, pois poderia ser transformada numa moral para Dos arroios e rios de minha combater o alcoolismo ou os monarcas irresponsáveis. Thomas Love Peacock soube das tentativas empreendidas por William Maddox com Tais sentimentos seriam inconcebíveis no sèculo XVIII. Neste periodo o objetivo de recuperar grandes àreas de terra submersa próximo à sua não houve quase nenhuma descrição de e as que restam, por exemplo os versos de Dafydd Thomas sobre todos os condados de cidade, No romance Headlong Hall, ele satirizou os squi- Gales, escritos por volta de falam apenas de atividades, produtos res galeses e seus visitantes ingleses por romantizarem a paisagem gale- e habilidades humanas, não exaltando nunca a beleza da sa e por traçar tantos planos de "aprimoramento". Num romance pos- terior, The Misfortunes of Elphin (Os Azares de Elphin), incluiu uma versão em prosa bastante espirituosa da lenda de Taliesin e da destrui- ção do Lowland Hundred. Algumas das lendas referentes à paisagem 81. D. Jenkins, Bedd its Fairies and Folklore pp. 82. Os poemas de Dafydd Thomas foram impressos por S. Williams, em Aberystwyth em mas eu recorri a uma versão impressa in Plant (O Tesouro das 80. F. J. Sunken Cities (Cardiff, principalmente pp. 147 e segs. para obter dados sobre</p><p>98 99 patriotico dos Morris achava as montanhas feias, sombrias e to custo, começaram a encarar suas montanhas não como um castigo consideravam-nas no como um castigo enviado do que os havia expulsado das exuberantes planícies pelo Todo-Poderoso para purgar as culpas passadas dos galeses. Os inglesas, mas como uma fortaleza ou defesa para a nação. A expressão galeses nativos custaram muito a deixar-se contagiar pelo interesse de- (Terra das Montanhas) logo se tornou lugar-comum monstrado pelas hordas de turistas ingleses que vinham admirar aque- em Gales, mesmo para aqueles que viviam na baixada. Esta imagem la paisagem agreste. Segundo o Reverendo William Bingley, os galeses manteve-se firme, embora, na realidade, as melhorias nas estradas de lhe perguntaram se na terra dele não existiam rochas nem cachoeiras. Talford e outras tivessem permitido que se atingissem as partes mais A de William Gambold, de 1727, foi reimpressa repetidas inacessiveis da embora turistas como William Words- vezes no início do sèculo XIX, e a edição de 1833 levava em conta as worth tivessem escalado o pico de Snowdon sem maiores dificuldades; necessidades dos turistas que iam até "as românticas serras do Princi- e embora a população estivesse migrando das charnecas e montanhas tendo sido acrescida de frases como "Não há uma cachoeira para os vales e industriais. À medida que os galeses se tornavam nesta região?" e "Eu gostaria de visitar o Vou alugar um mais industrializados, iam se apegando à imagem do galés resoluto e cabriole que me leve apetite dos turistas tinha sido aguçado inflexível das montanhas, livre como o ar das pelas gravuras que reproduziam o galés, vendidas nas lojas. John Byng sugeriu. enquanto estava em que os gravadores DA CULTURA vendessem mapas junto com as estampas, para ajudar as pessoas a O alegre Pais de Gales, com seus ritos e costumes variados. esta- chegarem ao local retratado. Contudo, a moda da paisagem galesa foi va em extinção, ou já extinto. Contudo, neste período surgiu um com- criada não por um mas por um galês chamado Richard Wil- plexo conjunto de emblemas que não só deram brilho à vida, como son. também ajudaram os hahitantes dos diferentes vales ou os membros Richard Wilson (1714-82) era parente de Thomas Pennant, e em- das várias seitas a entenderem que faziam parte de uma mesma nação. bora grande parte de seu trabalho fosse feito na Itália e na Inglaterra, Tais emblemas apareciam com mais entre os galeses que vi- ele parece ter feito uma descoberta original e independente da paisa- viam no exterior, em Londres, na ou nas colônias mas não gem galesa nas de 1750 e de Antes, o cenário galés era sempre. Os emblemas da nacionalidade surgiram nas complicadas ce- simplesmente um registro A paisagem galesa obrigou rimônias de comemoração ao Dia de S. Davi, montadas por galeses Wilson (original de Penegoes, próximo a Machynlleth) a adotar dois londrinos depois de Os galeses atravessavam Londres em pro- estilos anacrônicos, o primeiro ao ar livre, em que a natureza parece cissão atè uma trazendo alho-poro nos ouviam ser- dominar a humanidade, e o segundo, um estilo mais romántico, em pregados em reuniam-se para banquetes imensos (para que as montanhas e ruinas de castelos galeses transformam-se em algo centenas de erguiam brindes de lealdade ao Pais fantasticamente Vendeu poucas obras para o público elegante, e de Gales e à dinastia governante, faziam coletas para obras de carida- morreu à beira do fracasso, perto de Mold, em 1782. Logo após sua de galesas, e depois iam fazer suas farras particulares. morte, suas paisagens foram reproduzidas e imitadas aos milhares. Na verdade, no século XVIII, o simbolo mais comum do Pais de Quando Cornelius Varley visitou Cader Idris, em 1803, identificou a Gales não era o alho-poro. mas as três plumas de avestruz do Princi- Llyn y Cau nas anotações de viagem como "Lagoa de Wilson", tão fa- pe de Gales, que originalmente pertenceram (assim como o lema Ich moso havia se tornado o retrato que Wilson fizera Naturalmente, Dien "Eu sirvo") a Ostrevant de Hainault, tendo sido adotadas pelo esta nova tendéncia a apreciar as paisagens montanhosas agrestes se Principe Negro. que era filho da Rainha Philippa de Uma deu na Europa inteira, mas afetou principalmente os pequenos povos "plumagem por excelência. Os galeses de Londres exi- montanheses, como os galeses ou os Os galeses, depois de mui- biam-nas, como nas cerimônias dos Ancient Britons, com o propósito de mostrar aos hanoverianos que os galeses eram leais, ao contrário dos perigosos irlandeses e escoceses. As plumas e o lema foram adota- 83. lolo A. "Notes on Paul Sandby and his Predecessors in Tran- dos em 1751 pelo Cymmrodorion para encimar seu brasão, e naquela sactions of the Honourable Society of (1961). pp. 16-33: A. D. Fraser Jen- kins. "The Romantic Traveller in vi pp. D. Moore, "The Discovery of the Welsh in D. Moore (org.). Wales in the Eighteenth Century pp. A obra padrão sobre Wilson è Encontra-se em Davies, Morris i. 3. uma descrição dos convescotes da Richard Wilson (Londres, 1953). Sociedade dos Bretões</p>

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