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<p>Aprofundando alguns conceitos:</p><p>* Os valores de P são uma medida da probabilidade relacionada ao acaso. Mais precisamente, é a probabilidade de se encontrar um resultado de magnitude igual ou mais ampla considerando que não haja diferença real entre os grupos estudados. Se o valor de P for baixo (em geral menor do que 0,05), significa que essa probabilidade, relacionada ao acaso, é baixa (menos do que 5%). Isto é, sendo improvável que o resultado seja influenciado pelo acaso, acreditamos em uma diferença real, lembrando que esse resultado ainda pode ter sido alterado devido a algum viés e, por isso, sempre precisamos avaliar criticamente o estudo antes de olhar o resultado do valor de P. Um efeito com um valor de P baixo é chamado de resultado “estatisticamente significativo”, que não devemos confundir com um resultado clinicamente importante.</p><p>* Os intervalos de confiança (ICs) costumam ser mais informativos do que os valores de P, pois avaliam a imprecisão. Eles são uma estimativa da faixa de valores que provavelmente inclui o valor real. Em geral, os ICs são colocados em 95%, que significa a faixa de valores que tem uma probabilidade de 95% de incluir novos resultados em caso de repetição do estudo com mesma metodologia. Se o IC 95% para a diferença entre os grupos de tratamento e controle é pequeno e não se sobrepõe ao ponto de “não efeito” (0 para uma diferença ou 1 para uma razão), acreditamos que o resultado é real (isto é, com um valor de P menor do que 0,05).</p><p>Aplicando a evidência na prática clínica</p><p>Vamos voltar ao caso exemplo desta unidade. Sr. Varonil retorna uma semana após a prescrição das medicações para mostrar os resultados de exames e diz que não iniciou a espironolactona.</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>Estudo de caso</p><p>· – Dra. Ana, esse remédio aqui (mostra caixa da espironolactona fechada) que você mandou eu tomar eu nem comecei. O Juca meu vizinho falou que esse remédio faz crescer os peitos. É verdade?</p><p>· – Então, Sr. Varonil, em 10% dos pacientes pode acontecer isso sim. Mas vale a pena tomar, ela reduz mortalidade e hospitalização.</p><p>· – Tudo bem, doutora. Se você está dizendo, eu acredito em você.</p><p>Ao chegar em casa Ana Cristina entra em contato o seu tutor do Programa Mais Médicos para discutir o caso do Sr. Varonil e tirar algumas dúvidas que teve. “Igor, semana passada usei pela primeira vez as fontes secundárias para uma dúvida que tive e me ajudou muito. Em poucos minutos resolvi minha dúvida.</p><p>Contudo, queria entender melhor o conceito de ‘Recomendação forte’ e ‘Recomendação fraca’ que apareceu (print da tela do Dynamed). Ah, também tive muita dificuldade na hora de falar com ele da importância de usar a espironolactona. Você poderia sugerir alguma leitura?”. O médico explica sobre os níveis de evidência e grau de recomendação, conversa sobre decisão compartilhada e indica alguns textos sobre os assuntos. Sugere que Ana Cristina faça uma pesquisa sobre GRADE. Sugere também que Ana inicie a conversa sobre cuidados paliativos com o Sr. Varonil e a família.</p><p>E você entende o significado da classificação GRADE?</p><p>O sistema GRADE (Grading of Recommendation, Assessment, Development and Evaluation – Graus de Recomendação, Avaliação, Desenvolvimento e Avaliações) surgiu em 2000, por meio de uma colaboração de pesquisadores, epidemiologistas e estatísticos que tinham como objetivo desenvolver um sistema ideal de classificação da qualidade das evidências e determinação da força das recomendações para as diretrizes de prática clínica. A intenção era criar um sistema transparente e sensível para graduar as evidências e recomendações que fosse universal, na tentativa de que um mesmo modelo de classificação fosse seguido pelo maior número de organizações.</p><p>O GRADE classifica a qualidade da evidência em quatro níveis: alto, moderado, baixo e muito baixo, conforme pode ser visto na figura a seguir. A evidência baseada em ensaios clínicos randomizados e controlados é classificada inicialmente como alta qualidade, estudos observacionais são classificados como de baixa qualidade. O estudo pode ter uma melhora ou piora da sua classificação a depender da presença de vieses, tamanho do efeito e dose-resposta, inconsistência e imprecisão.</p><p>Figura 17 – Graduação dos níveis de evidência de acordo com o sistema GRADE.</p><p>Fonte: Brasil (2014).</p><p>Nível de evidência representa a confiança na informação utilizada em apoio a uma determinada recomendação. No sistema GRADE, a avaliação da qualidade da evidência é realizada para cada desfecho analisado para uma dada tecnologia, utilizando o conjunto disponível de evidência. Os níveis de evidência podem ser considerados como: alto, moderado, baixo ou muito baixo, conforme descrito no quadro.</p><p>Cinco são os fatores que podem diminuir a qualidade da evidência nos ensaios clínicos: limitação do estudo, inconsistência, imprecisão, direcionamento e viés de publicação. Em relação aos estudos observacionais, o GRADE considera-os como baixo nível, podendo aumentar se houver:</p><p>· 1) grande magnitude de efeito do tratamento;</p><p>· 2) evidência de uma gradiente dose-resposta;</p><p>· 3) viés de seleção contrário (pacientes em piores condições recebem a intervenção e mesmo assim têm efeito melhor que o grupo não tão grave).</p><p>Graduação do nível de evidência e suas respectivas descrições.</p><p>· Alto</p><p>· Moderado</p><p>· Baixo</p><p>· Muito Baixo</p><p>Fonte: Brasil (2014).</p><p>A força da recomendação expressa a ênfase para que seja adotada ou rejeitada uma determinada conduta, considerando potenciais vantagens e desvantagens. São consideradas vantagens os efeitos benéficos na melhoria na qualidade de vida, aumento da sobrevida e redução dos custos. São consideradas desvantagens os riscos de efeitos adversos, a carga psicológica para o paciente e seus familiares e os custos para a sociedade. O balanço na relação entre vantagens e desvantagens determina a força da recomendação. A força da recomendação (forte ou fraca) pode ser a favor ou contra a conduta proposta.</p><p>Você viu o que significa GRADE, os graus de recomendação, os níveis de evidência e como são classificados.</p><p>Contudo, por mais que se busque uma objetividade na classificação das evidências, pode-se observar diferenças. Isso pode explicar o motivo pelo qual diferentes instituições apresentam classificações e recomendações distintas, como mostrado no quadro abaixo.</p><p>Quadro 16 – Recomendação para o uso de anticoagulação oral em pacientes com fibrilação atrial e doença reumática valvar mitral.</p><p>Instituição</p><p>Nível de evidência</p><p>Grau de recomendação</p><p>American Heart Association</p><p>B</p><p>Class I</p><p>American College of Clinical Pharmacy</p><p>A</p><p>I</p><p>Scottish Intercollegiate Guidelines Network</p><p>IV</p><p>C</p><p>Fonte: elaborado pelos autores.</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>Essa situação reforça a necessidade de um sistema que unifique a forma de classificar, para facilitar a compreensão. Recomendamos que você use o GRADE para avaliar as evidências e que procure entender os sistemas de avaliação usados por outras instituições ao ler suas recomendações. Você encontrará descrito na publicação qual foi a padronização usada para classificar as evidências e graduar as recomendações, fique atento!</p><p>Depois de entender o que significam recomendações fortes e fracas, Ana Cristina resolve ler sobre decisão compartilhada, conforme Igor orientou. Lembra-se de ter estudado esse tema na unidade sobre habilidades de comunicação da especialização, e volta no material para rever.</p><p>Relacionando seus estudos de PSBE com a unidade de habilidades de comunicação, Ana Cristina volta ao tripé da PSBE e analisa que um dos três princípios são os valores e as preferências do paciente. Fazendo uma reflexão ela percebe que ao estudar o caso do Sr. Varonil e encontrar uma recomendação forte para uso da Espironolactona, ela imediatamente prescreveu e apenas informou ao paciente a necessidade do uso. Não se lembrou de explicar os riscos e benefícios nem compartilhou a decisão. Após refletir o fato, Ana Cristina sente-se mais preparada para os próximos casos, nos quais pretende sempre considerar valores e preferências do paciente na tomada</p><p>à queixa; história social relacionada à queixa; história pregressa relacionada à queixa. Tais informações devem ser subdivididas para cada motivo de consulta, criando índices como S1, S2, S3, etc. Os motivos de consulta podem ser gerados tanto pelo paciente (agenda do paciente), como pelo profissional de saúde (agenda do profissional)</p><p>· Exemplo</p><p>S1: Comparece, com queixa de odinofagia acompanhada e febre não termometrada. Alega ter tomado analgésicos comuns sem melhora. Alega tosse. Nega prostração. Solicita antibiótico.</p><p>· S2: Controle de doenças crônicas. Traz resultado de exames de acompanhamento. Alega dificuldade de aplicação de insulina. Mostra temor em relação a complicações da doença. Mantém tabagismo, 1 maço por dia.</p><p>· S3: Em tempo, revela que está desempregado há 3 meses e que isso tem “mexido com seu orgulho, por não conseguir botar dinheiro em casa”.</p><p>· Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>4.OBJETIVO</p><p>Descrição</p><p>Nesse campo, devem ser registradas informações objetivas proporcionadas pelo profissional. Nesse sentido, são incluídas as seguintes informações: observações do profissional, achados do exame físico, exames complementares. Tais informações devem ser subdivididas para cada problema, criando índices O1, O2, O3, etc., que correspondem aos índices subjetivos. Entretanto, cada haja alguma redundância, em que um mesmo dado objetivo se aplica a mais de uma queixa, é valido agrupar todos em apenas um objetivo</p><p>Exemplo</p><p>· O1: Tax 36,5. Oroscopia com placas amigdalianas. Presença de linfadenomegalia cervical dolorosa.</p><p>· O2: Resultados de exames (10/11/2018): HBA1C 9,8%. PA 150/90 mmHg. Fagerstrom 7.</p><p>· O3: Rastreio de depressão negativo.</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>5. AVALIAÇÃO</p><p>Descrição</p><p>Nesse campo, devem ser registradas as conclusões momentâneas acerca de cada queixa que motivou a presente consulta. Nesse sentido, diferentemente da lista de problemas, esse campo permite a inclusão de hipótese de diagnóstico (“suspeita de...”), interrogações (“abuso de álcool?”) e negações (“ausência de febre”). Isso ocorre porque é a partir da avaliação que, havendo convicção suficiente e importância relevante, evolui um problema para a lista de problemas. Mas, de novo, tais informações devem ser subdivididas para cada problema, criando índices A1, A2, A3, etc., que correspondem aos índices subjetivos.</p><p>Exemplo</p><p>· A1: Amigdalite Centor 3.</p><p>· A2: DM descontrolada. Medida de PA elevada (HAS?). Alta dependência de nicotina.</p><p>· A3: Paciente.</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>6. PLANO</p><p>Descrição</p><p>Por último, nesse campo, devem ser registradas as condutas elencadas para cada avaliação feita. São incluídas as seguintes informações: as medidas terapêuticas, os exames solicitados e os encaminhamentos realizados. Para lembrar todas essas dimensões de plano, importante dividir o plano em Plano Diagnóstico (propedêutica clínica ou complementar a ser realizada), Plano Terapêutico (proposta de tratamento farmacológico e não farmacológico) e Plano de Acompanhamento (proposta de próximos passos a serem realizados). Também podem ser elencados Plano Educativos (proposta de educação em saúde para o paciente), assim como Plano de Estudo (proposta de educação continuada para o profissional).</p><p>Exemplo</p><p>· P1: Prescrevo Amoxicilina 500mg TID por 10 dias. Oriento sobre sinais de alarme. Confiro atestado em saúde.</p><p>· P2: Oriento sobre MEV. Encaminho para orientação para enfermagem para reforço de orientações sobre uso da insulina. Solicito diário pressórico. Solicito rastreio de LOA. Programo avaliar nível de motivação para cessação de tabagismo em próxima consulta.</p><p>· P3: Acolho paciente. Ofereço suporte da Assistente Social da UBS, para qual foi marcada avaliação. Em próxima consulta, verificar se paciente conversou com Assistente Social.</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>Como existem peculiaridades da atenção primária no raciocínio clínico e consequente na sua impressão como registro clínico, é natural que haja também peculiaridades na codificação, como expressão sumária do registro. É o tema que acompanharemos a seguir, confira.</p><p>Necessidade de uma codificação adequado para a APS</p><p>Tradicionalmente, o sistema de codificação dos problemas em saúde tem seguido a estrutura da Classificação Internacional das Doenças, o CID. Tal sistema centra-se no conceito da doença, em sua expressão máxima, etiológica. No entanto, como vimos, na atenção primária, muitos problemas não são redutíveis à doença. Em muitos encontros clínicos, trabalharemos com sintomas indiferenciados e também com condições não relacionadas à doença.</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>Devido a essa incompatibilidade, necessário foi criar um sistema de classificação adequado à realidade da atenção primária. Foi nesse sentido que a WONCA, Organização Mundial dos Médicos de Família, derivou, em 1987, a primeira versão da Classificação Internacional de Assistência Primária (CIAP), atualizada em 1993 em sua segunda versão (WONCA, 2009).</p><p>Dessa forma, para além da codificação diagnóstica, médico centrada, constante na CID, torna-se possível com o CIAP-2 a codificação do:</p><p>1. Motivo de consulta, não necessariamente um sintoma;</p><p>2. Avaliação diagnóstica, não necessariamente um diagnóstico etiológico;</p><p>3. Conduta tomada, não necessariamente uma conduta médica.</p><p>Essa nova proposição de classificação, entretanto, não invalida a utilização da CID, que continua útil para dados de morbimortalidade.</p><p>Existe inclusive um tesauro que faz uma correspondência de rubricas da CIAP com rubricas da CID.</p><p>Confira, está disponível no seguinte link: https://www.sbmfc.org.br/ciap-2/</p><p>A CIAP tem uma estrutura biaxial, organizada em 17 capítulos e sete componentes. Os capítulos estão organizados por sistemas, enquanto os componentes, cada um representado por uma cor para maior facilidade de identificação no dia a dia, se repetem em todos os capítulos, conforme a figura abaixo.</p><p>Figura 51 – Componentes da CIAP-2 com suas respectivas cores de identificação.</p><p>· PROCEDIMENTOS</p><p>· SINAIS/SINTOMAS</p><p>· INFECÇÕES</p><p>· NEOPLASIAS</p><p>· TRAUMATISMOS</p><p>· ANOMALIAS CONGÊNITAS</p><p>· OUTROS DIAGNÓSTICOS</p><p>Fonte: WONCA (2009).</p><p>Desse modo, todas as condições mais prevalentes no cenário da atenção primária ficam dispostas resumidamente em apenas duas folhas, o que é bastante útil para uma codificação eficiente.</p><p>EX:</p><p>Caso clínico em vídeo (ou narração): Maria, 25 anos, vem apresentando quadros de cefaleia recorrentes nos últimos 6 meses, de leve a moderada intensidade. Episódios na maioria das vezes bilateral, ora em pulsação, ora em pressão, acompanhada de náuseas ocasionalmente. Duração habitual de algumas horas, normalmente com início no final da tarde. Nega foto ou fonofobia. Apresenta intenso medo de aneurisma cerebral, um tio distante faleceu há cerca de 3 meses após um AVE. Usa dipirona com frequência, cerca de 3 a 4 vezes por semana, não só para as dores de cabeça, mas também para as lombalgias também frequentes, relacionadas a sua ocupação de secretária. Refere ausência de doenças prévias relevantes ou uso regular de outros medicamentos. Mora com o marido e o filho de 6 meses. Quando perguntada sobre a relação familiar, hesita em responder claramente à pergunta. Marido está desempregado, refere-se a ele como um “ótimo marido quando não exagera na bebida”. Exame físico geral, cardiovascular, respiratório e neurológico (pares cranianos, força e sensibilidade de membros) sem alterações. O médico, diante da pressão da paciente, solicita um exame de ressonância nuclear magnética do encéfalo e prescreve novos analgésicos, orientando retorno após realização do exame.</p><p>Os DSS são associados ao conceito de equidade em saúde porque impactam de forma diferente, e muitas vezes injusta, a saúde de pessoas, grupos sociais e comunidades e suas possibilidades de acesso à proteção e ao cuidado à vida.</p><p>Na América Latina, a temática dos determinantes sociais emerge na década de 1970, em um contexto de revisão crítica dos paradigmas vigentes nos campos da medicina preventiva e comunitária e da saúde pública, em que a compreensão dos limites das tecnologias médicas na resposta aos problemas</p><p>de saúde levou a que se desse maior atenção aos fatores sociais e econômicos relacionados com a produção do processo saúde-doença e o sistema de cuidados.</p><p>No Brasil, vários estudos buscaram compreender os fenômenos saúde-doença como processos socialmente determinados no contexto das relações entre Estado, economia, sociedade e saúde. Assim, os DSS passaram a ser analisados pela Epidemiologia, pelo Planejamento e pelas Ciências Sociais em Saúde.</p><p>image5.jpeg</p><p>image6.jpeg</p><p>image7.jpeg</p><p>image8.jpeg</p><p>image9.jpeg</p><p>image10.jpeg</p><p>image11.jpeg</p><p>image12.jpeg</p><p>image13.jpeg</p><p>image14.jpeg</p><p>image15.jpeg</p><p>image16.jpeg</p><p>image1.tmp</p><p>image2.jpeg</p><p>image3.jpeg</p><p>image4.jpeg</p><p>de decisão.</p><p>No processo de aplicação de PSBE e decisão compartilhada, há na literatura alguns materiais que ajudam a empoderar o paciente para tomar decisões mais conscientes.</p><p>Clique no link a seguir e veja um exemplo de infográfico que auxilia a comunicação sobre riscos e benefícios do rastreamento do câncer de próstata</p><p>Avaliando o seu desempenho</p><p>O último passo do mnemônico dos 5As é a avaliação da sua performance em relação à aplicação das evidências na prática clínica. Trata-se de um passo fundamental no sentido de identificar os aspectos da PSBE que você está aplicando apropriadamente e aqueles que demandam melhoria. São instrumentos importantes nessa etapa as auditorias clínicas, os ciclos de melhorias pelo aprendizado, a avaliação formativa e o feedback.</p><p>Prevenção Quaternária (P4)</p><p>Vamos, agora, acompanhar um estudo de caso. Confira.</p><p>Exames de rotina na APS</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>Estudo de caso</p><p>Maria Teresa, médica da equipe de Saúde da Família Girassol, está terminando o trabalho ao final do turno da tarde, depois de um dia cheio, quando é abordada pela paciente Marly, ao abrir a porta.</p><p>· – Doutora, preciso dar uma palavrinha com a senhora, é só um minutinho! É que meu pai, de 75 anos, veio do interior para morar aqui em casa. Homem da roça mesmo, não gosta de médico, toma os mesmos remédios há 20 anos. Chegou essa semana, e nós filhos estamos muito preocupados em saber como ele está. Ele não reclama de nada, mas você sabe, melhor prevenir que remediar. Vim pedir à senhora para fazer exame de tudo que puder, quanto mais melhor, né? Tem mais de 10 anos que ele não faz exame nenhum, precisa daquele check-up bem completo mesmo.</p><p>· – Boa tarde, Marly! Entendo que fique preocupada com a saúde de seu pai e vejo que amanhã no início da tarde tenho como vê-lo. Vamos marcar uma consulta, assim ele vem pra fazermos uma avaliação e então conversamos melhor sobre os exames.</p><p>· – Ótimo, doutora, muito obrigada!</p><p>Provavelmente você já vivenciou uma situação parecida com a que a Dra. Maria Teresa enfrentou. É comum na prática do médico de família e comunidade pacientes que desejam exames de rotina sem indicações de serem realizados. Como você lida com a situação?</p><p>Maria Teresa vai dirigindo para casa pensando sobre a conversa com Marly, e a ideia de que “quanto mais exames melhor” para o seu pai.</p><p>Algumas reflexões da médica:</p><p>1. Quais exames estariam indicado para um senhor de 75 anos, com as características do Sr. Camilo?</p><p>2. Será que o Sr. Camilo é ativo? Será que ele precisa de cuidador?</p><p>3. Por que a Marly está preocupada em fazer esses exames?</p><p>4. Se eu pedir muitos exames para não desagradar a Marly, qual a probabilidade de alguma alteração?</p><p>Confira, agora, as respostas para tais reflexões da médica.</p><p>1) Quais exames estariam indicados para um senhor de 75 anos, com as características do Sr. Camilo?</p><p>Perguntas motivadoras:</p><p>· – Você costuma compartilhar a decisão com seus pacientes?</p><p>· – O que você acha dessa prática?</p><p>E os seus pacientes, eles gostam de ser incluídos dessa forma?</p><p>O quanto seu paciente deseja o compartilhamento de informação?</p><p>É fundamental salientar que as recomendações da USPTSF e da CTFPHC são feitas para as populações dos Estados Unidos e do Canadá. Não devem definir condutas engessadas, trata-se de um direcionamento para nossa avaliação. É essencial analisar criticamente as orientações, e adequar a proposta de rastreio à realidade de nosso local de trabalho, de forma centrada na pessoa e no perfil da nossa população.</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>2) Será que o Sr. Camilo é ativo? Será que ele precisa de cuidador?</p><p>A avaliação da funcionalidade do paciente é fundamental no processo de tomada de decisão clínica, individualização dos cuidados e abordagem centrada na pessoa.</p><p>Funcionalidade é a capacidade ou dependência que um indivíduo tem de desempenhar suas atividades de vida diária (AVD), as quais se referem àquelas tarefas fundamentais para a gestão da própria vida e do autocuidado.</p><p>3) Por que a Marly está preocupada em fazer esses exames?</p><p>Como abordar as preocupações ocultas, do paciente ou cuidador, por trás de um pedido por exames? É importante conhecer a "real demanda" do paciente. Podemos, por exemplo, perguntar: "O que você acha que você pode ter?", "O que lhe está preocupando?" e "Como você acha que esse exame/teste pode lhe ajudar?".</p><p>Relembrando o Método Clínico Centrado na Pessoa, devemos conhecer sentimentos, ideias e expectativas para melhor aconselhar e para desmistificar alguns conceitos. Aliar habilidades de comunicação ao conhecimento técnico-científico ajuda a "filtrar" casos que necessitam de avaliação específica dos que representam uma cultura inadequada de realizar check-up propagada pela mídia, instituições públicas e privadas e até profissionais de saúde (ZONTA et al., 2017).</p><p>4) Se eu pedir muitos exames para não desagradar a Marly, qual a probabilidade de alguma alteração?</p><p>A ênfase na prevenção levou à crescente popularidade do exame de saúde periódico, também chamado de check-up geral de saúde. Pacientes e médicos tendem a superestimar os benefícios e subestimar os danos das intervenções preventivas e curativas.</p><p>Qualquer exame diagnóstico tem sua avaliação influenciada pela prevalência da doença na população e pela probabilidade pré-teste. A probabilidade de encontrar resultados anormais aumenta à medida que mais exames são realizados.</p><p>Probabilidade de obter um resultado anormal quando são feitos múltiplos exames.</p><p>Fonte: Freeman (2018).</p><p>Epstein e colaboradores (2005) concluíram que os médicos menos centrados nas pessoas pediam mais exames diagnósticos em relação àqueles mais centrados nas pessoas, e esse efeito permaneceu mesmo após ter sido controlado o número de consultas curtas, que é característica dos médicos menos centrados nas pessoas.</p><p>Conceito de P4</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>O conceito de prevenção quaternária (P4) está intimamente relacionado ao princípio da não-maleficência. Segundo o médico de Família e Comunidade Belga Marc Jamoulle, idealizador do conceito, "A prevenção quaternária é um novo termo para um velho conceito: primum non nocere ou em primeiro lugar, não causar danos" (JAMOULLE, 2015, p.1).</p><p>Prevenção Quaternária pode ser definida como a "ação feita para identificar uma pessoa ou população em risco de supermedicalização, para protegê-los de uma intervenção médica invasiva e sugerir procedimentos científica e eticamente aceitáveis." (JAMOULLE; GUSSO, 2012, p.208).</p><p>Juan Gervas e Perez-Fernandez (2005), médicos de família espanhóis, entendem a prevenção quaternária como "ação que atenua ou evita as consequências do intervencionismo médico excessivo que implica atividades médicas desnecessárias" (GERVAS; PEREZ-FERNANDEZ, 2005).</p><p>Atente para ter o cuidado de não simplificar e reduzir o conceito de P4 à aplicação dos conceitos de PSBE. Apesar de a PSBE estar incluída, a P4 é mais ampla, pois o olhar sobre a pessoa necessita ser integral e individualizado.</p><p>Níveis de prevenção</p><p>Leavell e Clark, em 1965, propuseram o modelo da história natural da doença, composto por três níveis de prevenção: primária, secundária e terciária (LEAVELL; CLARK, 1976):</p><p>· - Prevenção primária: medidas aplicáveis a uma doença ou grupo de doenças em particular de forma a interceptar as causas da doença antes que estas envolvam o homem.</p><p>· - Prevenção secundária: conjunto de medidas utilizadas para a detecção precoce e imediata intervenção para o controle de um problema ou doença e a minimização de suas consequências.</p><p>· - Prevenção terciária: foca na redução de maiores complicações de uma doença ou problema existente por meio de tratamento e reabilitação.</p><p>No esquema a seguir identificamos os níveis de prevenção e o momento em que se aplicam na linha da história natural da doença.</p><p>Figura 18 – História natural da doença e os respectivos níveis de prevenção por Leavell e Clark.</p><p>Fonte: elaborado pelos autores.</p><p>Geoffrey Rose, um dos principais teóricos do campo da medicina preventiva, conceitua os termos prevenção primária e secundária de forma diferente de Leavell e Clark. Ele define prevenção primária</p><p>como ação realizada antes de um evento (por exemplo, infarto agudo do miocárdio), e prevenção secundária como realizada após o evento (ROSE, 2010). Devido às diferenças conceituais significativas, torna-se importante citar o referencial teórico quando se fala dos níveis de prevenção.</p><p>O conceito relacional de prevenção quaternária</p><p>Segundo a concepção de Marc Jamoulle, os conceitos de prevenção primária, secundária e terciária permanecem semelhantes aos descritos por Leavell e Clark. Porém, ao se confrontarem as visões dos pacientes e dos médicos (ou profissionais da saúde), aparece claramente uma lacuna, que é exatamente o conceito de prevenção quaternária. Ele propõe o gráfico abaixo.</p><p>Figura 19 – Conceito relacional dos níveis de prevenção segundo Jamoulle (1986).</p><p>Fonte: Jamoulle (1986).</p><p>Vamos, agora, à continuação do caso. Sr. Camilo chega à unidade, acompanhado de sua filha Marly, para a consulta agendada com a médica da equipe.</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>Estudo de caso</p><p>Ele tem 75 anos, é viúvo e aposentado, trabalhava como agricultor. Viveu toda a vida no interior, morava com a esposa que faleceu de IAM há 1 ano, desde então vivia sozinho. Neste período os filhos se preocuparam com a adesão às medicações de forma correta, por ser analfabeto, e optaram por trazê-lo para cidade. Questionado sobre problemas de saúde, o Sr. Camilo relata apenas "pressão alta" e "labirintite". Traz a receita.</p><p>Uso oral:</p><p>· 1. Hidroclorotiazida 25 mg - Tomar 1 comprimido de manhã</p><p>· 2. Sinvastatina 20 mg -Tomar 1 comprimido à noite</p><p>· 3. Ácido Acetilsalicílico 100 mg - Tomar 1 comprimido após o almoço</p><p>· 4. Cinarizina 75 mg - Tomar 1 comprimido à noite</p><p>Ex-tabagista, fumava fumo de rolo, mas parou aos 65 anos. Bebe socialmente, "só um copinho de cerveja em comemorações", diz. Acompanhe a continuação do diálogo:</p><p>· – Bom dia Sr. Camilo! Meu nome é Maria Tereza, sou a médica da equipe. Como posso te ajudar hoje?</p><p>· – Bom dia, doutora, o prazer é meu. Minha filha que me trouxe para falar de exames, comigo está tudo bem! Às vezes sinto uma bambeza e tontura, mas o médico já falou que é da minha labirintite mesmo.</p><p>A filha do paciente intervém:</p><p>– Agora vou cuidar do senhor, pai, vamos fazer todos os exames sim porque quero prevenir problemas.</p><p>No exame físico, alguns dados chamam atenção da Dra Maria Teresa: PA 110 x 60 mmHg (posição supina) e 90 x 50 mmHg (posição ortostática). Tremor de repouso, bradicinesia e rigidez e discreta instabilidade postural. Dix-Hallpike negativo. Cognição preservada. Sem outras alterações ao exame físico.</p><p>Após anamnese e exame físico, Maria Teresa faz os seguintes raciocínios, descritos abaixo.</p><p>· O Parkinsonismo pode ser secundário ao uso crônico de antivertiginoso?</p><p>· A tontura pode ser secundária à hipotensão?</p><p>· Sr. Camilo precisa continuar com o anti-hipertensivo?</p><p>· Há indicação de AAS e Sinvastatina para prevenção de evento cardiovascular?</p><p>Importante: a cascata de prescrição iatrogênica ocorre quando é prescrito um medicamento e, por efeitos colaterais, prescreve-se outro medicamento com a finalidade de corrigir ou minimizar esses efeitos. Essas ações podem levar a uma cadeia de outras reações indesejáveis.</p><p>Figura 20 – Exemplo de cascata iatrogênica.</p><p>Fonte: elaborada pelos autores.</p><p>Vemos na imagem da escada exemplos de iatrogenias ocorrendo em sequência. Iatrogenia é uma palavra que deriva do grego: o radical iatro ("iatrós") significa médico, remédio, medicina; geno ("gennáo"), aquele que gera, produz; e "ia", uma qualidade. A iatrogenia poderia, portanto, ser entendida como qualquer atitude do médico. Entretanto, o significado mais aceito é o de que iatrogenia consiste num resultado negativo da prática médica. Após as reflexões, Maria Teresa avaliou que desprescrever as medicações traria mais benefícios do que riscos.</p><p>Explicou para o Sr. Camilo e Marly e desprescreveu as medicações após compartilhar a decisão. Pactuou que ele faria mais aferições da pressão e traria em novo encontro para reavaliação. Explicou sobre a não necessidade de realizar muitos exames, e os riscos envolvidos em rastreios sem indicação. Colocou-se à disposição para coordenar o cuidado do Sr. Camilo.</p><p>A prevenção quaternária em rastreamentos</p><p>Durante a conversa sobre os exames, o que mais demandou explicações foi a demanda de Marly de "exames para avaliar a próstata". Maria Teresa explicou para o Sr. Camilo e Marly sobre os potenciais riscos e benefícios envolvidos, e juntos chegaram à decisão compartilhada de não rastrear. Vamos refletir sobre a indicação neste caso?</p><p>Tanto no Brasil, como na Austrália, Canadá e Reino Unido não se recomenda a organização de programas de rastreamento para o câncer de próstata (INCA, 2015). A revisão de ensaios clínicos com mais de dez anos de seguimento mostram que o rastreamento com PSA, com ou sem toque retal, não traz efeitos significativos na redução absoluta da mortalidade por essa doença ou na mortalidade em geral. As ações para controlar a doença devem focar em prevenção primária e diagnóstico oportuno. Os homens que buscam tal intervenção devem ser questionados quanto a alterações relacionadas à próstata, como noctúria, jato urinário fraco e gotejamento pós-miccional. Caso presentes, PSA e toque retal estariam indicados para "investigação", e não "rastreamento"; caso inexistentes, devem ser discutidos os riscos associados ao rastreio (INCA, 2015; BELL et al.,2014).</p><p>Percebemos que o rastreio de câncer de próstata poderia trazer riscos para o Sr. Camilo, e apresenta benefícios questionáveis, especialmente na faixa etária a partir de 75 anos. Vamos entender melhor alguns conceitos ligados ao rastreamento, acompanhe.</p><p>Figura 21 - Conceitos relacionados ao rastreamento.</p><p>Fonte: elaborada pelos autores.</p><p>Com o advento das tecnologias em saúde há cada vez mais testes para tentar encontrar doenças o mais cedo possível. Todo ano vivemos os "meses coloridos", incentivando rastreios de câncer e mobilizando muita publicidade para alertar a população de sua importância. Nesse cenário, pouco se fala do sobrediagnóstico e os seus riscos.</p><p>Clique no infográfico e aprofunde mais em como o sobrediagnóstico acontece.</p><p>Sobre o sobrediagnóstico</p><p>Três formas de apresentação</p><p>Evidência epidemiológica</p><p>Três consequências</p><p>A medicalização da vida e disease mongering</p><p>Seguimos com a continuação do caso, acompanhe.</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>Estudo de caso</p><p>Sr. Camilo retorna, acompanhado por Marly, trazendo suas medidas de pressão arterial aferidas após suspensão da Hidroclorotiazida. Novamente vem animado, diz estar ótimo, “A pressão tá beleza pra minha idade Doutora!”. (imagem de folha com medidas)</p><p>Medidas de PA: 130x80 - 130x80 - 130x70 - 130x90 - 130x80</p><p>Maria Teresa avalia as medidas e se lembra da última diretriz de hipertensão da American Heart Association, que reduz o limiar para definição de hipertensão arterial.</p><p>Lembre-se!</p><p>Essa definição de hipertensão com PAS ≥ 130 e PAD ≥ 80 é muito sensível!</p><p>A redução do ponto de corte traz muitas pessoas para o grupo de hipertensos, será que todos precisariam mesmo ser tratados?</p><p>Figura 24 - Medicalização da vida e sobrediagnóstico.</p><p>Fonte: elaborado pelos autores.</p><p>REFLEXÃO</p><p>Reflita sobre o que diz Jamoulle (2011) sobre os serviços de saúde, a distinção entre enfermidade e doença e outros temas relacionados:</p><p>O serviço de saúde vem sendo poluído por forças impulsionadas pelo mercado, e o conhecimento científico foi transferido dos cuidados para a avaliação de riscos. (...). As classificações de doenças são adaptadas às necessidades da indústria enquanto conflitos de interesse enfraquecem a confiança dos pacientes em órgãos de saúde e nos chamados "especialistas" em medicina ou saúde mental. A distinção tradicional entre enfermidade e doença, embora profundamente arraigada na cultura ocidental, está desaparecendo. Em nossa sociedade, não há espaço para uma pessoa enferma que não tenha uma doença, enquanto aquele que tem uma doença e não está enfermo é visto como alguém tentando evitar a medicina. A distinção entre normal e patológico se esvazia, à medida que empresas e psiquiatras prendem</p><p>as emoções humanas e vendem doenças ao medicar comportamentos como a timidez. Os gastos com saúde continuam a crescer, impulsionados por tratamentos em excesso e medicina defensiva. E por toda parte, as "necessidades humanas" estão sendo transformadas em "perfis de usuário". (JAMOULLE, 2011, p.205)</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>Com a transição epidemiológica e o aumento da expectativa de vida da população, vivemos um aumento da carga global de doenças, especialmente o que se refere às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), essas doenças são responsáveis por 70% das mortes no mundo, o que preocupa a população que passa a temer esses desfechos. Esse temor cria um ambiente propício para rastreamentos não indicados, sobrediagnósticos e sobretratamentos, e fortalece o disease mongering, que veremos o conceito a seguir.</p><p>- Disease mongering (tráfico ou marketing de doenças e riscos): fenômeno de fomentação de uma preocupação generalizada, indiscriminada e inadequada entre as pessoas da população geral, não doentes, sobre o eventual surgimento de uma doença que coloque em risco suas vidas ou sua qualidade de vida. Transforma sadios em doentes – pessoas que se consideram doentes e são assim tratadas pelos profissionais –, transformando-os em consumidores crônicos de intervenções preventivas. Isso ocorre por meio do rebaixamento dos pontos de corte para alto risco e flexibilização dos critérios diagnósticos de doenças/transtornos, além da propaganda de tecnologias preventivas. Tal processo interfere na cultura e na produção do saber clínico e preventivo, aumentando a medicalização da prevenção e seus danos (TESSER; NORMAN, 2019; MOYNIHAN; DOUST; HENRY, 2012).</p><p>Exemplos de disease mongering.</p><p>Ao refletir sobre disease mongering, e temendo o sobretratamento, Maria Teresa avalia que pode não ser benéfico ao Sr. Camilo retomar o uso de anti-hipertensivo, mesmo que ele se enquadre no critério diagnóstico para hipertensão. Diante dessa avaliação, ela conversa com o Sr. Camilo e Marly sobre os riscos e benefícios em manter a PA abaixo de 130 x 80, e compartilha a decisão. Os três decidem então por não reiniciar o tratamento, e caso a PA passe a ficar mais alta com o passar do tempo eles conversarão novamente sobre o tema.</p><p>Condutas baseadas em evidência e Choosing Wisely</p><p>Confira a continuação do caso.</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>Estudo de caso</p><p>Sr. Camilo volta à consulta com resultados de seus exames, vem caminhando para o consultório sorridente, diz se sentir muito melhor depois da retirada dos remédios. Marly vem ao lado andando devagar e com fácies de dor:</p><p>– Dra, hoje eu também preciso consultar, me ajuda. Travei a coluna semana passada mexendo na horta, e está doendo até hoje. Já tomei remédio de dor e não melhora. Queria um pedido de exame e um encaminhamento para o ortopedista.</p><p>Após anamnese e exame físico, Dra. Maria Teresa conclui que não há presença de red flags para a dor lombar e se lembra de uma recomendação do Choosing Wisely (AAFP, 2017).</p><p>Confira a seguir: Quando os exames de imagem são uma boa ideia?</p><p>Fonte: AAFP (2017).</p><p>Algumas ferramentas da Medicina de Família e Comunidade que podem ajudar na condução do caso.</p><p>1) Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP): aplicando o método, e especialmente o componente "explorando a saúde, a doença e a experiência da doença", conseguimos entender melhor o adoecimento de Marly. Compreendendo seus sentimentos, ideias, funcionalidade e expectativa, somando a exploração da doença e da saúde, temos um entendimento integrado, que auxilia na abordagem ao paciente. Relembramos o primeiro passo do método na figura a seguir.</p><p>Para aprofundar no tema, você pode retornar à unidade sobre MCCP.</p><p>Figura 25 – Componentes do Método Clínico Centrado na Pessoa.</p><p>Fonte: Stewart et al. (2017, p. 37).</p><p>2) Demora permitida: segundo Kloetzel (2004), demora permitida é a utilização do tempo como instrumento de trabalho desde que o médico esteja convencido de que não está diante de uma urgência, e desde que tenha ideia formada sobre o tempo que lhe é permitido esperar, sem incorrer em risco para o paciente.</p><p>3) Watchful waiting (observação ativa): trata-se de uma gestão de cuidado expectante oferecida ao paciente. É baseada na observação próxima e atenta da condição de um paciente, mas sem iniciar tratamento. É pactuado um retorno para reavaliação caso sintomas apareçam, mudem ou não melhorem. É muito usado em situações em que os riscos do tratamento são maiores do que os possíveis benefícios.</p><p>Antecipação de crítica</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>É um desafio diário ser médico em uma sociedade "hipermedicalizante" como a que vivemos. Aplicar a prevenção quaternária é um movimento de "nadar contra a maré" na maior parte do tempo, neste cenário em que o paciente demanda muitos testes e intervenções e vive imerso nessa cultura, impulsionada pela mídia e por pressões sociais, que apoiam o sobrediagnóstico e o sobretratamento. Fortalecemos nossa abordagem colocando em prática os passos do MCCP, aprimorando habilidades de comunicação e raciocínio clínico e nos munindo da Prática de Saúde Baseada em Evidências neste processo. Ainda assim, é importante lembrar o papel do medo no incremento do sobrediagnóstico e sobretratamento. Segundo Heath (2014), o paciente adentra o consultório com seus medos de adoecer e morrer, e o médico do outro lado reflete esses medos, temendo ignorar um diagnóstico sério que traga danos.</p><p>O medo do paciente reforça o medo do médico e vice-versa, especialmente num sistema de saúde fragmentado, que não favoreça a continuidade do cuidado. Em uma sociedade que vive a busca desenfreada por certezas para se livrar do temor, aceitar a incerteza e a imprevisibilidade que permeiam a vida pode ser um ato de liberdade e resistência. (HEATH, 2014).</p><p>Midiateca</p><p>Você deve ter reparado que a Dra. Maria Teresa usou recomendações da iniciativa choosing wisely.</p><p>Gostaríamos de apontar iniciativas que vêm surgindo globalmente para reforçar a P4 e combater o sobrediagnóstico e o sobretratamento. Você encontrará na midiateca do módulo uma lista de materiais informativos e que ajudam na tomada de decisão compartilhada.</p><p>Acesse a midiateca e confira!</p><p>Raciocínio clínico</p><p>Como os médicos pensam?</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>Como médicos, o raciocínio clínico nos é algo extremamente natural. Basta iniciar uma consulta, logo começamos a pensar ou nos pomos a pensar em todos os meandros e possibilidades diagnósticas, de forma quase automática. No entanto, embora nos valemos do raciocínio clínico a todo o momento, é raro que paremos para tentar compreendê-lo mais explicitamente.</p><p>Mas, então, o que é raciocínio clínico, afinal?</p><p>Confira algumas definições.</p><p>Figura 26 – Raciocínio clínico.</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>Disso podemos dizer, portanto, que raciocínio clínico é justamente um processo intelectual cujo objetivo é o encontro da solução clínica adequada (ao paciente). Esse processo, que deve ser buscado persistente e ativamente, inicia-se com a obtenção dos dados clínicos, o que dispara um processamento mental, até culminar com as soluções – ou mesmo a falta delas.</p><p>Esmiuçaremos esse processo para tentarmos entender o que ocorre com os médicos quando estão realizando o diagnóstico. O conhecimento obtido por influência da ciência cognitiva, teoria de decisão e ciência da computação tem possibilitado uma visão do processo cognitivo, que se constitui na base das decisões diagnósticas e terapêuticas em medicina (CROSKERRY, 2009).</p><p>Figura 27 – Processo cognitivo.</p><p>Fonte:Traduzido e adaptado de Croskerry (2009).</p><p>O primeiro passo que ocorre no raciocínio clínico é o que chamamos de seleção de dados elementares (qualquer informação que, por sua significância relevante e discriminatória, serve de base para a resolução de problemas). Dentre a série de informações dispersas na consulta, até então destituídas de significado clínico apreciável, o médico experiente consegue discriminar aquelas dotadas de significância.</p><p>Essa primeira parte é importante porque existem vários ruídos na comunicação com o paciente,</p><p>que, naturalmente, ao procurar a assistência médica motivado pelo incômodo dos sintomas, queixa-se realmente por meio da expressão de sua própria linguagem, veículo de sua cultura e da sua experiência de doença.</p><p>Nesse ponto, é importante comentar que, ao contrário do que se pode pensar, esses ruídos não são descartáveis. Escutá-los ativamente faz parte da construção de vínculo com o paciente, que favorece inclusive a contação de informação, sem a qual você, como profissional, não teria acesso para fazer seu raciocínio clínico.</p><p>Junto da anamnese, outras fontes de dados elementares são o exame físico, os exames complementares, a observação evolutiva, o prontuário e os relatórios médicos. Nessas fontes, você encontra sinais, sintomas, comportamentos, contextos que podem ser dados elementares, se presentes, ou mesmo se ausentes (um achado negativo também pode ser relevante e discriminatório).</p><p>Observação: embora o exame clínico (anamnese + exame físico) figure histórica e tradicionalmente como símbolo da prática médica, atualmente a supervalorização tecnológica tem dado a entender que os exames complementares são o componente mais importante para obtenção de dados elementares. Estudos, no entanto, mostram que a maior contribuição advém realmente da anamnese.</p><p>Quadro 17 – Contribuição percentual de anamneses, exame físico e exames complementares para o diagnóstico segundo literatura médica.</p><p>Hampton e colaboradores</p><p>Sandler</p><p>Peterson e colaboradores</p><p>Roshan e Rao</p><p>Benseñor</p><p>Anamnese</p><p>82,5</p><p>56</p><p>76</p><p>78,6</p><p>77,8</p><p>Exame físico</p><p>8,75</p><p>17</p><p>12</p><p>8,2</p><p>10</p><p>Exames complementares</p><p>8,75</p><p>23</p><p>11</p><p>13,2</p><p>10</p><p>Total</p><p>100</p><p>96</p><p>99</p><p>100</p><p>97,8</p><p>Fonte: Adaptado de Benseñor (2003), Hampton et al. (1975), Lotufo, Benseñor e Olmos (2019), Peterson et al. (1992), Roshan e Rao (2000), Sandler (1980).</p><p>Como você pôde perceber, o raciocínio clínico é um processo intelectual cujo objetivo é encontrar uma solução clínica, neste contexto, junto da anamnese, outras fontes de dados elementares são o exame físico, os exames complementares, a observação evolutiva, o prontuário e os relatórios médicos.</p><p>Veremos agora o caso clínico de José Augusto, de 33 anos de idade, que apresenta-se ao consultório com relato de náusea e diarreia, para contextualizar este assunto.</p><p>A título de exemplo, veja como a seleção de dados elementares pode acontecer.</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>Estudo de caso</p><p>Caso clínico 1: José Augusto, 33 anos, apresenta-se ao consultório com relato de náusea e diarreia que teve durante a semana passada. Ao longo com esses sintomas, teve uma febre baixa, com dor abdominal. Ele não tem histórico médico significativo e não toma medicamentos regularmente. Trabalha como pastor em uma igreja local que foi em uma missão para construir uma clínica médica em uma área rural da Amazônia há cerca de cinco semanas. Ele teve um caso leve de diarreia quando esteve lá. No exame, parece estar moderadamente doente. Sua temperatura é de 37,6°C, sua pressão arterial é 110/80 mmHg, seu pulso é de 90 batimentos por minuto e sua frequência respiratória é de 14 respirações por minuto. Ele tem uma cor amarela proeminente em sua esclera e debaixo de sua língua. As membranas mucosas são úmidas. Exames pulmonares e cardíacos são normais. Seu abdômen tem sons intestinais normais, mas apresenta uma sensibilidade à direita, em quadrante superior. Exames laboratoriais colhidos com urgência mostram hemograma e PCR sem alterações.</p><p>Quadro 18 – Dados elementares.</p><p>Advindos da anamnese</p><p>Advindos do exame físico</p><p>Advindos do exame complementar</p><p>Idade de 33 anos</p><p>Tax 37,6 graus</p><p>Hemograma sem alterações</p><p>Relato de náusea</p><p>PA 110/80 mmHg</p><p>PCR sem alterações</p><p>Relato de diarreia</p><p>FC 90 bpm</p><p>Relato de febre</p><p>FR 14 irpm</p><p>Relato de dor abdominal</p><p>Ausculta cardíaca normal</p><p>Previamente hígido</p><p>Ausculta pulmonar normal</p><p>Viagem recente para Amazônia</p><p>Dor em hipocôndrio direito</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>Uma vez selecionados esses dados, sejam eles os sintomas queixados, os sinais examinados ou os resultados dos exames solicitados, eles são então transluzidos em qualificadores semânticos próprios da terminologia médica.</p><p>Figura 28 – Caso clínico com representação esquemática do processo de transdução para terminologia médica.</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>Por exemplo, veja o caso do Sr. João ao dizer da “fisgada” que sente na perna sempre que pressente uma chuva que está por vir. O profissional de saúde capta a informação e encontra para ela correlatos na linguagem médica. Para esse caso, por exemplo, poderia entender o médico que trata-se de uma ciatalgia agravada pelo hábito de apanhar apressadamente, e de maneira nada ergonômica, as roupas do varal, antes que a chuva caia.</p><p>Perceba que essa segunda etapa, denominada de transdução semiótica, não é simplesmente uma tradução. Mais do que isso, atribui valor clínico inteligível, tornando, representativamente, a situação problemática do paciente em um problema. E aqui chegamos a um conceito importante: o problema.</p><p>Problema é um conceito amplo que se refere ao que o examinador encontra de “errado” em referência à saúde do paciente. É um construto que relaciona os dados elementares encontrados, agrupando-os de forma organizada em um resumo. É, portanto, a representação que o médico faz da situação do paciente (JENSEN, 1992), embora ainda não seja o diagnóstico em si.</p><p>A título de exemplo, veja como a definição de um problema pode surgir, a partir da situação descrita a seguir.</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>Paciente:</p><p>“Bom dia, doutor. Sabe, meu joelho doeu tanto a noite passada que eu acordei do meu sono. Ele estava bem quando fui para cama. Agora está inchado. Essa é a pior dor que senti. Mas ela se parece muito com uma dor que senti no mesmo joelho, nove meses atrás. E é estranho que, desde essa época até ontem, não tinha tido nenhuma dor”.</p><p>Para esse caso, um médico experiente levantaria o seguinte problema: paciente homem, 54 anos, com gonartrite aguda, de início súbito, duração contínua e de forte intensidade. Quadro é reincidente, embora assintomático no período intercrítico. Está afebril e nega trauma.</p><p>Figura 29 – Teoria do processamento dual.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Evans (2007), Evans e Stanovich (2013)., 2007; EVANS; STANOVICH, 2013.</p><p>O sistema tipo 1 é uma maneira de conjugar informação que é caracterizadamente rápida, automática, reflexa e intuitiva. Já o sistema tipo 2, por outro lado, é uma maneira de conjugar que é caracterizadamente lenta, elaborada, dedutiva e metódica.</p><p>O pensamento humano usualmente tenta entrar no sistema tipo 1, isso porque é biologicamente econômico pensar assim. Se, entretanto, por algum motivo, o sistema 1 não consegue dar conta da resolução do problema, ou seja, não hé um padrão identificado, o sistema 2 pode substituir o sistema 1. E, mais do que isso, a repetida ativação do sistema 2 pode desenvolver o sistema 1.</p><p>O sistema tipo 1</p><p>Para profissionais de saúde mais experientes, o que ocorre na maioria das vezes é que, de modo subconsciente, implícito e não analítico, o raciocínio deles atalha por regras práticas intuitivas que o levam diretamente a conclusões premeditadas (BOSHUIZEN; SCHMIDT, 1992; ZEITZ, 1994).</p><p>Figura 30 – Acurácia diagnóstica e acúmulo de dados entre o profissional novato e o experiente.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Bordage e Lemieux (1991).</p><p>Essas regras práticas são conhecidas como heurística, e correspondem a processos simplificadores construídos mentalmente a partir da constatação dedutiva do resultado da experimentação de um fenômeno repetitivo.</p><p>Aplicada ao raciocínio, a heurística ocorre pelo diagnóstico imediato ou instantâneo realizado por meio do reconhecimento de um conjunto de dados padrão, denotador de determinada condição. Por exemplo, é o caso da marcha em bloco do paciente com parkinsonismo, do hálito cetônico.</p><p>A esses padrões damos o nome de script de adoecimento ou illness script. São modelos ou protótipos mentais armazenados na memória para facilitar a rememoração para o processo de comparação da apresentação do paciente. Eles são</p><p>ricos em informação clinicamente relevante, estudada nos livros e reconhecida na exposição repetida aos pacientes. Seu conteúdo congrega o modelo conceitual de determinada entidade nosológica, com características clínicas definidoras e discriminatórias, conforme representado na figura abaixo.</p><p>Figura 31 – Organização mental do script de adoecimento.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Lucey (1997).</p><p>Ao longo da formação médica (que nunca se encerra), os scripts vão se formando, e também sofrendo ajustes e modificações contínuas decorrentes da dinâmica entre teoria e prática, conforme representado no esquema a seguir.</p><p>Figura 32 – Organização mental do script de adoecimento.</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>Que tal testarmos os scripts mentais que você já tem formado? Responda rapidamente às seguintes questões com a primeira hipótese que vem a sua cabeça:</p><p>· - Paciente com tosse, febre e dispneia (pneumonia).</p><p>· - Paciente com hemiparesia e desvio da comissura labial (acidente vascular encefálico).</p><p>· - Paciente com cefaleia febre e rigidez nucal (meningite).</p><p>· - Paciente com disúria e febre (pielonefrite).</p><p>Se você “acertou” os diagnósticos do nosso exercício, você usou a heurística, e o protótipo de comparação é, como dissemos anteriormente, o seu “illness-script”. Entretanto, apesar de essas hipóteses terem, a priori, alguma probabilidade de estarem corretas, isso não necessariamente é verdade. Algumas vezes, nossos hábitos cognitivos poderão nos pregar algumas peças por meio do que se chama de vieses cognitivos.</p><p>Vieses cognitivos são tendências a pensar de certas maneiras que podem levar a desvios sistemáticos de lógica e a decisões irracionais.</p><p>Essas tendências ocorrem mais frequentemente com relação ao raciocínio tipo 1. Devido à sua natureza irrefletida, esse tipo de processamento é naturalmente mais sujeito a erros cognitivos, sobretudo quando se faz um uso excessivo, descontextualizado e inflexível desse valioso atalho.</p><p>O sistema tipo 2</p><p>Mas, como visto anteriormente, caso um padrão não seja prontamente reconhecido pelo sistema tipo 1, ou seja, caso comparativamente nenhum script de adoecimento que o profissional de saúde consiga trazer à memória rapidamente seja suficiente para justificar a apresentação do paciente, entra em cena o sistema tipo 2.</p><p>Diagnóstico diferencial</p><p>No sistema tipo 2, os recursos utilizados para levantar hipóteses são analogias, comparações, arborização, exaustão e aproximações, procurando links, sejam por anatomia, por sistema, por fisiopatologia ou por categorias contrastantes.</p><p>* Abordagem anatômica: Abordagem útil para sintomas topográficos, como dor.</p><p>Figura 33 – Diagnóstico diferencial de dor abdominal segundo localização anatômica.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Stern (2014).</p><p>* Abordagem por sistemas: Abordagem útil para sintomas inespecíficos, como fadiga.</p><p>Figura 34 – Diagnóstico diferencial de fadiga segundo sistemas orgânicos.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Henderson, Tierney e Smetana (2012).</p><p>* Abordagem fisiopatológica: Abordagem útil para sintomas que têm mecanismos fisiopatológicos definidos, como vias bioquímicas ou endócrinas. Por exemplo: icterícia, anemia ou amenorreia.</p><p>Figura 35 – Múltiplas apresentações clínicas de quadros vasculares.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Henderson, Tierney e Smetana (2012).</p><p>* Categorias contrastantes: Talvez a forma mais útil de ser utilizado, porque já facilita a priorização de diagnósticos diferenciais. Exemplos incluem as oposições: agudo versus crônico, generalizado versus localizado, unilateral versus bilateral, inflamatório versus mecânico, primário versus secundário, etc.</p><p>Quadro 19 – Diagnóstico diferencial por categorias contrastantes.</p><p>Monoartralgia ou Oligoartralgia</p><p>Poliartralgia</p><p>Inflamatório</p><p>· Gota</p><p>· Pseudogota</p><p>· Artrite séptica</p><p>· Artrite reativa</p><p>· Artrite psoriásica</p><p>· Espondilite anquilosante</p><p>Agudo:</p><p>· Febre reumática</p><p>· Artrite gonocócica</p><p>· Artrite viral</p><p>· Artrite reativa</p><p>Crônico:</p><p>· Artrite reumatoide</p><p>· Lúpus eritematoso sistêmico</p><p>Não-inflamatório</p><p>· Necrose avascular</p><p>· Artrite tuberculosa</p><p>· Osteoatrose</p><p>· Anemia falciforme</p><p>· Hemofilia</p><p>· Leucemia</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>No entanto, é frequente que, na tentativa de elencar hipóteses, poucas ou uma única hipótese é lembrada. Diante disso, inclusive, é comum a prática de tentar fazer de tudo para “encaixar” o paciente nessa hipótese, pois, se isso falhar, não existirão mais opções (como visto, isso é um viés).</p><p>Contudo, para lidar com essa escassez de opções, podemos utilizar mnemônicos. Existem mnemônicos específicos e mnemônicos gerais. Como exemplo de mnemônico específico, temos o PALM-COEIN para as causas de sangramento uterino normal. PALM representa os termos “Pólipos”, "Adenomiose”,“Leiomioma” e “Malignidade e hiperplasia”, enquanto COEIN sinaliza “Coagulação”, “disfunção Ovariana”, “fator Endometrial”, “Iatrogenia” e “causa Não especificada” (MUNRO et al., 2001). Dentre os mnemônicos gerais, o VINDICATE é um dos mais utilizados, cujos componentes são: “Vascular”, “Infeccioso”, “Neoplásico”, “Droga”, “Inflamatório”, “Congênito”, “Autoimune”, “Trauma” e “Endócrino/Metabólico”.</p><p>Você pode perceber que nas etapas do processo de raciocínio clínico que trata da conjugação dos problemas pode ocorrer de duas formas esquemáticas, e que pode ser denominado de teoria do processamento dual. Essas duas formas são chamadas de sistema tipo 1 e sistema tipo 2.</p><p>Dando sequência ao contexto do raciocínio clínico, veremos agora conceitos relacionados à priorização de diagnóstico e a tomada de decisão.</p><p>Priorização de diagnóstico</p><p>Com isso, teremos, então, algumas hipóteses explicativas para cada problema detectado. Mas com qual dessas hipóteses devemos trabalhar? Qual delas é a hipótese certeira?</p><p>Uma das maneiras mais simples de pensar sobre isso é considerar que todas as hipóteses são, a priori, igualmente possíveis e considerar que a presença ou ausência de qualquer sinal remete definitivamente para a presença ou ausência de uma doença. Por exemplo, veja o quadro a seguir. A comparação entre a representação problemática do paciente e o quadro típico das hipóteses foi assinalada quando houve uma coincidência. Assim, nessa lógica, quanto mais coincidências, mais certo é possível estar dessa hipótese.</p><p>Quadro 20 – Hipóteses diagnósticas a partir de dados elementares.</p><p>Hipóteses</p><p>Dados elementares</p><p>Representação do problema do paciente</p><p>Dor de garganta</p><p>Aguda</p><p>Com placa</p><p>Linfadenomegalia</p><p>Faringite estreptocócica</p><p>X</p><p>x</p><p>x</p><p>x</p><p>Faringite viral</p><p>X</p><p>x</p><p>X</p><p>x</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>Mas, na verdade, os problemas clínicos são mais complexos. A lógica de um pensamento determinista, sim ou não, tudo ou nada, é incapaz de captar a real natureza dos problemas clínicos. Nem sempre as doenças terão manifestações clássicas como as descritas nos livros e também a maioria dos sinais não são patognomônicos das doenças (atribuíveis apenas a uma doença).</p><p>Figura 36 – Sobreposição de múltiplos diagnósticos diferenciais para quadros clínicos semelhantes.</p><p>Fonte: Réa Neto (1994).</p><p>O que ocorre, na verdade, as doenças compartilham sinais em comum, com maior ou menor frequência. Isso é representado pelas áreas de interseções da figura anterior. Veja que a manifestação 2 é mais frequente para a doença 1, mas ainda assim a manifestação 2 pode ocorrer, com menor frequência, na doença 2. Esta é somente uma das razões pelas quais a incerteza diagnóstica é uma constante. Dessa forma, para conseguirmos navegar com maior segurança em meio às incertezas, precisaremos passar de uma abordagem determinística para uma abordagem probabilística.</p><p>É isso que nos traz o pensamento bayesiano, que se baseia em probabilidades a priori (probabilidades incondicionais atribuídas a um evento na ausência de conhecimento ou informação que suporte sua ocorrência ou ausência) e em probabilidades a posteriori (probabilidades condicionais de um evento dada alguma evidência).</p><p>Nesse sentido, primeiramente as hipóteses não são igualmente prováveis porque suas probabilidades pré-testes (probabilidade a priori) são</p><p>diferentes.</p><p>A probabilidade pré-teste é um termo equivalente à prevalência da doença, mas a prevalência é um termo usado para populações e probabilidade pré-teste é um termo usado para indivíduos em determinada população. Dessa forma, a probabilidade pré-teste é a probabilidade basal ou inicial que tem um indivíduo que pertence a uma determinada população com uma prevalência para determinada doença (PARIKH et al., 2009).</p><p>A título de exemplo, veja a tabela abaixo que estabelece a probabilidade pré-teste para a hipótese de cardiopatia isquêmica de acordo com a idade, sexo e sintomas.</p><p>Quadro 21 - Probabilidade pré-teste para a hipótese de cardiopatia isquêmica de acordo com a idade, sexo e sintomas.</p><p>Dor torácica não anginosa</p><p>Angina atípica</p><p>Angina típica</p><p>Idade</p><p>Homens</p><p>Mulheres</p><p>Homens</p><p>Mulheres</p><p>Homens</p><p>Mulheres</p><p>30-39</p><p>4</p><p>2</p><p>34</p><p>12</p><p>76</p><p>26</p><p>40-49</p><p>13</p><p>3</p><p>51</p><p>22</p><p>87</p><p>55</p><p>50-59</p><p>20</p><p>7</p><p>65</p><p>31</p><p>93</p><p>73</p><p>60-69</p><p>27</p><p>14</p><p>72</p><p>51</p><p>94</p><p>86</p><p>Probabilidade pré-teste de cardiopatia isquêmica em pacientes sintomáticos de acordo com idade e sexo. Cada valor representa o percentual com doença coronariana significativa no cateterismo.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Gibbons et al. (2003), Pryor et al. (1993), Weiner et al. (1979).</p><p>Outra fonte de probabilidades pré-teste são as regras de predição clínica, as quais quantificam achados para predizer, com base em regressão logística, qual probabilidade uma hipótese tem, antes mesmo de outros exames. Um exemplo dessas regras é o famoso escore de Wells para Trombose Venosa Profunda (TVP).</p><p>Caso esses recursos não estejam disponíveis, o uso da impressão clínica geral, por mais impreciso e influenciável que seja, é uma alternativa bem razoável. De acordo com estudos, clínicos experientes em geral têm boa capacidade de fazer essa predição (SANDERS; DOUST; GLASZIOU, 2015).</p><p>Dessa forma, de posse da probabilidade pré-teste ou de uma estimativa dela, os achados de qualquer sinal, seja à anamnese, ao exame físico ou aos exames complementares, vão sendo agregados, modificando a probabilidade pré-teste, afastando ou aproximando as hipóteses. Para compreender melhor, você pode entender que cada pergunta na anamnese ou cada manobra no exame físico, assim como cada solicitação de exame complementar, é um teste de hipóteses.</p><p>Figura 37 – Probabilidades de diagnóstico após cada etapa da consulta.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Summerton (2008).</p><p>Um teste perfeito seria sempre positivo em pacientes com a doença e sempre negativo em pacientes sem a doença – é isso que é possível entender quando se faz uma somatória simplificadora. Mas ocorre que infelizmente não existem testes perfeitos. Alguns pacientes com a doença terão testes negativos (falso-negativos) e alguns pacientes sem a doença terão testes positivos (falso-positivos).</p><p>A relação entre os achados clínicos e a existência de uma dada doença são demonstrados em estudos de acurácia e podem ser expressos em uma tabela 2 x 2 como a apresentada na unidade de Prática em Saúde Baseada em Evidências. É a partir desse entendimento que os conceitos de sensibilidade e especificidade, valor preditivo positivo e negativo e razão de probabilidades positiva e negativa são derivados. Para o raciocínio clínico, portanto, é importante se definir (ou ao menos se estimar mais ou menos precisamente) as probabilidades pré-teste e aplicar as razões de probabilidade, podendo ou não utilizar para isso o Nomograma de Fagan.</p><p>Tomada de decisão</p><p>Em todo caso, ainda resta uma pergunta: até quando temos de adicionar evidência? Qual é a mínima certeza que devemos ter para tomar uma conduta? Para responder a essa pergunta, precisaremos introduzir o modelo de limiares (DONNER-BANZHOFF, 2018).</p><p>Figura 38 – Modelo dos limiares diagnóstico e terapêutico.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Donner-Banzhoff (2018).</p><p>Segundo esse modelo, existem dois limiares importantes a serem considerados no processo diagnósticos das decisões clínicas:</p><p>* Limiar de teste (ou limiar de diagnóstico) é o ponto de probabilidade da doença a partir do qual a aplicação do teste, por mais risco que envolva, deveria ser feita para garantir maior nível de certeza, dado que a instituição do tratamento, sem tal certeza, seria temerária.</p><p>* Limiar de tratamento é o ponto de probabilidade da doença a partir do qual o tratamento, ainda que não se tenha o diagnóstico de certeza, pode ser estabelecido como prova terapêutica, pela preponderância dos benefícios sobre os riscos, dado que também a conduta não mais mudará se houver uma confirmação de um teste.</p><p>Perceba que, abaixo do limiar de teste ou acima do limiar de tratamento, o teste não contribui para decisão e não deve ser realizado. Mas, acima do limiar de teste e abaixo do limiar de tratamento, o tratamento deve aguardar mais informações diagnósticas provindas de mais testes. Isso é muito interessante porque demonstra quando e por que um exame ou uma prova terapêutica devem ser usados como elemento dentro do processo de raciocínio clínico.</p><p>Figura 39 – Cálculo dos limiares de teste e de tratamento.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Donner-Banzhoff (2018).</p><p>Confira alguns outros conceitos importantes sobre o tema:</p><p>· - Benefício líquido do tratamento é a diferença na utilidade, para pacientes conhecidamente doentes, entre tratar e suspender inadequadamente a terapia.</p><p>· - Risco líquido de tratamento é a diferença na utilidade, para pacientes conhecidos por não ter a doença, entre a suspensão da terapia e tratá-los sem necessidade.</p><p>· - Risco líquido de teste é a diferença na utilidade entre alcançar um determinado resultado com e sem exposição do paciente aos riscos do teste.</p><p>· - Acurácia do teste é definida em termos da frequência dos resultados verdadeiro-positivos (VP) e falso-positivos (FP) e de resultados verdadeiro-negativos (VN) e falso-negativos (FN).</p><p>Com esses termos definidos, podemos concluir que:</p><p>· - Quanto mais grave a doença, maior a propensão a tratá-la independente de resultado de teste.</p><p>· - Quanto mais arriscado o tratamento, mais certeza devo ter para instituí-lo.</p><p>· - Quanto maior a acurácia do teste, mais abrangente é sua utilidade diagnóstica.</p><p>· - Mas, se o risco do teste é grande, a região para testar se estreita.</p><p>O processo diagnóstico como um todo</p><p>Fonte: Freepik.com</p><p>Disso tudo, é importante considerar que a medicina envolve “pensamento em ação” (o pensamento é inseparável da ação). Na verdade, os médicos começam a pensar em diagnósticos no exato instante em que se veem em frente a um paciente e suas ideias sobre o que está acontecendo com o paciente continuam a evoluir enquanto examinam.</p><p>Assim, a maioria dos médicos chega rapidamente a dois ou três diagnósticos. Mas, de todo modo, todos formulam suas hipóteses a partir de um conjunto de informações muito incompleto. E, para isso, em princípio, a heurística é inegavelmente fundamental, sobretudo quando um médico precisa trabalhar rápido ou quando seus recursos tecnológicos são limitados.</p><p>Quanto mais expertise tem um médico, mais poderoso são os seus recursos heurísticos. Seus modelos são robustos e as associações dos dados mais frequentes. Dessa forma, estes experts acionam em sua prática diária seus scripts, valendo-se dos atalhos ou padrões.</p><p>Mas, conforme progride a consulta, o médico vai testando os protótipos que automaticamente vêm à sua mente, e gradualmente outros processos intelectuais menos automáticos vão surgindo, à medida que não fica satisfeito e não encontra uma “solução”.</p><p>Então, nesse momento, o profissional lança mão de outras estratégias como é mostrado na figura.</p><p>Figura 40 – Estágios e estratégias de raciocínio clínico.</p><p>Fonte: Lotufo, Benseñor e Olmos (2019).</p><p>Dessa forma, é possível perceber que o processo de raciocínio não é dado apenas por uma estratégia única, do início ao fim da consulta. Na verdade, o processo é composto por diversos momentos intelectuais significativos relacionados e se desenvolve a partir da interação entre eles (HENEGHAN et al., 2009).</p><p>Como médicos de família e comunidade pensam?</p><p>Todas as técnicas sobre as quais conversamos são aplicáveis</p><p>a todas as especialidades. Mas, no que se refere à atenção primária, que é o objeto do nosso interesse, existem certas peculiaridades que a tornam especial do ponto de vista do raciocínio clínico.</p><p>A diferença do ambiente da APS</p><p>A atenção primária é teoricamente a porta de entrada do sistema de saúde. Isso significa que seu contexto epidemiológico é semelhante ao da própria comunidade e que, portanto, a prevalência das afecções em geral será bastante diferente de outros serviços. Vejamos o exemplo da dor torácica. Aproximadamente 30% dos pacientes com essa condição na APS apresentam com causa de base uma condição musculoesquelética, enquanto no pronto-socorro esse percentual é inferior a 10%. Por outro lado, a proporção de doença cardiovascular grave na APS nessa mesma situação é de aproximadamente 15%, contra mais de 50% no serviço de emergência (KLINKMAN; STEVENS; GORENFLO, 1994).</p><p>Diferentemente dos ambulatórios de especialidade ou das enfermarias de especialidade, as quais teoricamente atendem apenas casos específicos e diferenciados de suas áreas e, por isso, têm uma nosologia restrita, o público que pode chegar aos serviços de atenção primária pode ter toda a sorte de problemas de saúde. Isso significa que o campo amostral de possibilidades de problemas na atenção primária é enorme, virtualmente igual ao conjunto universo (todos os problemas de saúde).</p><p>Figura 41 – Espaço amostral e eventos.</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>Como primeiro ponto de contato, os pacientes chegam à APS com problemas que podem estar ainda na fase inicial da sua história natural da doença. Nessa fase, geralmente as manifestações não são clássicas e típicas, como as descritas nos livros. Além disso, as doenças ainda não foram acessadas por outros médicos, de forma que o processo diagnóstico parte do zero, e não conta com uma organização prévia.</p><p>Figura 42 – Padrões de evolução de doenças a partir da atenção primária à saúde.</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>Como refletimos anteriormente, a dificuldade em classificar os quadros clínicos na APS pode se dever à sua precocidade na história natural da doença. No entanto, existem situações que, apesar de persistentes, ainda não são explicáveis. O nome dado a essas condições medicamente inexplicáveis são sintomas físicos persistentes na ausência de doença identificável (HUBLEY; UEBELACKER; EATON, 2016). Na atenção primária, estudos relatam que cerca de uma em cada cinco consultas envolve sintomas persistentes que os médicos não conseguem explicar usando critérios padrões de diagnóstico (PEVELER; KILKENNY; KINMONTH, 1997).</p><p>Figura 43 – Frequência de sintomas sem explicação médica.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Japp (2017).</p><p>Existem várias tentativas de explicação para tais situações, mas todas concordam que o conceito de experiência de doença, tem um papel fundamental (HUBLEY; UEBELACKER; EATON, 2016).</p><p>A necessidade de uma abordagem de raciocínio clínico diferente</p><p>Pelo exposto, vê-se então que o ambiente da APS encerra desafios diferentes para o raciocínio clínico. Apesar do fascínio que pode gerar o diagnóstico de doenças raras, com utilização de tecnologias duras, em outros níveis de atenção, o processo diagnóstico na atenção primária é tão valoroso quanto, pois significa uma alta capacidade de separar doenças graves, que não podem ser perdidas, em meio a um universo de problemas comuns, ambos compartilhando apresentações confundidoras e com forte componente psicossocial também confundidor.</p><p>Para desempenhar essa difícil tarefa, será preciso, portanto, ver de um ângulo diferente do que frequentemente são ensinados os médicos, cuja formação é predominantemente hospitalar.</p><p>Figura 44 – Paradigmas da Atenção Primária à Saúde e do Hospital Universitário.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Gofin e Gonfin (2011).</p><p>Segundo White, Williams e Greenberg (1961), com revisão por Green e colaboradores (2001), estima-se que de cada 1.000 pessoas, em média, 80% da população em geral relatam sentir algum sintoma em um mês. Confira mais informações na figura abaixo.</p><p>Figura 45 – Ecologia do cuidado médico revisitado.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Green et al. (2001).</p><p>Dessa forma, para a maioria dos médicos, seu aprendizado se deu pela observação de 1/1000 da ecologia dos pacientes, sobre o que Kloetzel (2004) comenta:</p><p>...o ensino médico ainda tem como estandarte o aprendizado em hospital-escola, fiel ao mito de que as doenças raras, as patologias exóticas merecem inteira prioridade. As consequências não se fazem tardar: estudantes ou jovens médicos, familiarizados com o doente horizontal, mas geralmente estranhos ao paciente vertical, sentem-se perplexos, desambientados, impotentes quando de seus primeiros contatos com o mundo novo do ambulatório. Isso influi de forma decisiva em seu desempenho futuro, salvo esforços especiais de parte dos educadores.</p><p>Neste sentido, é importante lembrar também que o diagnóstico não é um fim em si mesmo.</p><p>A conclusão de um diagnóstico etiológico definitivo muitas vezes não será possível para os pacientes que se apresentam na APS. No entanto, isso não constitui um demérito. Uma definição sindrômica, uma definição de gravidade ou mesmo a ausência de qualquer definição não deixa de ser útil e muitas vezes suficiente para tomar uma conduta adequada de cuidado da pessoa, que é, na verdade, finalidade mais importante do que a conferência de um rótulo diagnóstico.</p><p>Além disso, mais do que definir uma causa explicativa para o problema de saúde do paciente, os médicos de família e comunidade também se preocupam em definir outros diagnósticos, como sugere McWhinney, considerado pai dessa especialidade (MCWHINNEY, 1979).</p><p>Figura 46 – Variedade de diagnósticos feitos pelo médico de família e comunidade.</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de MCWHINNEY, 1979.</p><p>Como vimos, o processo de raciocínio clínico se inicia com a seleção e transdução de dados elementares. Na atenção especializada, muitos desses dados são obtidos por meio de tecnologia dura, ou seja, de exames complementares específicos e muitas vezes caros, o que pode dar a entender um valor maior.</p><p>Na atenção primária, por outro lado, a proveniência dos dados é em sua maioria absoluta advinda da conversa com o paciente. É aí que o vínculo e a contextualização, que são tecnologias leves, são importantes particularmente para o raciocínio clínico. Ter acesso à história do paciente de forma genuína exige vínculo e saber interpretar essa história exige contextualização.</p><p>Ainda assim, muitas vezes, as questões mais sensíveis da sua história podem não ser ditas claramente pelo paciente. Isso pode ocorrer também porque o próprio paciente ainda não elaborou essas questões. Devemos estar atentos a algumas pistas que indicam um problema oculto:</p><p>· - Bandeiras amarelas: sinais ou comportamentos que sinalizam ou indicam barreiras para a recuperação.</p><p>· - Absenteísmo de consultas.</p><p>· - Não aderência ou recusa ao tratamento.</p><p>· - Somatização.</p><p>· - Absenteísmo do trabalho.</p><p>· - Negligência pessoal.</p><p>Por detrás dessas situações podem estar problemas como: conflitos familiares, medo de doenças específicas, bullying, problemas financeiros, problemas sexuais, problemas relacionados ao uso de drogas, etc.</p><p>Lembre-se, por exemplo, de que os sinais de alerta orientam uma função de filtro. “Sinais de alerta” ou “bandeiras vermelhas” são sinais e sintomas que predizem com maior chance (razão de verossimilhança) uma associação com doenças potencialmente graves. Tais sinais devem ser pesquisados ativamente e, na sua presença, devem alertar o profissional quanto à necessidade de avançar a propedêutica, a fim de surpreender oportunamente uma doença de natureza grave. Nesse sentido, para cada sintoma queixado pelo paciente, existem associações de sinais que fazem esse corte de gravidade potencial.</p><p>É baseado nesses sinais que os médicos de família e comunidade devem exercer sua função de filtro, regulando a necessidade de encaminhamento dos pacientes para os níveis de atenção especializados. Com isso, a filtragem da atenção primária significa um aumento da prevalência</p><p>de determinada doença no consultório do especialista, aumentando a sua acurácia diagnóstica.</p><p>É por isso que os créditos de um difícil diagnóstico feito na atenção secundária também pertencem aos profissionais da APS, porque foi um encaminhamento bem feito que possibilitou que testes diagnósticos mais específicos fossem mais assertivos pela maior prevalência gerada.</p><p>Figura 47 – Exemplo de prevalência das doenças na população geral, na população sob cuidado do generalista e na população referenciada para o cuidado especializado.</p><p>Fonte: Gérvas e Fernandez (2006).</p><p>Isso fica explícito na figura anterior com um típico exemplo dessa filtragem sequencial, em que a prevalência do câncer colorretal associado a sangramento retal passa de 1:1000 ou 0,1% na população geral para 20:1000 ou 2% na atenção primária e daí sobe, com o encaminhamento, para 360:1000 ou 36% no nível especializado (GÉRVAS; FERNÁNDEZ, 2005; GÉRVAS; FERNÁNDEZ, 2006).</p><p>Por outro lado, na ausência de sinais de alerta, o médico de família e comunidade deve ponderar tal encaminhamento. Lembre-se, por exemplo, de que o tempo também pode ser um recurso diagnóstico.</p><p>Uma vez tendo afastada alguma gravidade, em algumas situações podemos esperar que as condições evoluam em sua história natural, no que constitui a chamada demora permitida. Essa espera pode ser feita de duas formas: observando de longe, o que é chamado de watchfull waiting, ou observando de perto, com exames frequentes para surpreender a evolução da história natural, o que é chamado de active surveillance. Isso nada mais é do que usar do instrumento do tempo como recurso diagnóstico – e o tempo, com a longitudinalidade da atenção primária, é um recurso disponível. Por isso, a vigilância da demora permitida é mais uma peculiaridade do raciocínio clínico na APS.</p><p>Quadro 22 – Critérios das estratégias de watchfull waiting e active surveillance.</p><p>Critério</p><p>Watchfull waiting</p><p>Active surveillance</p><p>Objetivo</p><p>Evitar tratamento</p><p>Tratamento se necessário</p><p>Processo</p><p>Exames ocasionais</p><p>Exames frequentes</p><p>Timing de tratamento</p><p>Mais demorado</p><p>Menos demorado</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>Nesse contexto, os exames devem ser racionalizados: como vimos, a utilidade de qualquer teste é determinada pelo contexto clínico, porque o valor preditivo é altamente influenciado pela prevalência. Em contextos de baixa prevalência, como é a APS, isso significa, a princípio, baixos valores preditivos positivos.</p><p>Por esse motivo, o médico de família e comunidade deve considerar algumas perguntas antes de solicitar um teste complementar:</p><p>* Qual é o meu motivo para solicitar este teste?</p><p>* O teste melhorará o atendimento ao paciente (ou em alguns casos, família ou parceiro)?</p><p>* Esse é o teste ou a combinação correta de testes para a situação clínica?</p><p>* Como o resultado do teste será interpretado?</p><p>* Como o resultado do teste influenciará o gerenciamento do paciente?</p><p>* Existem possíveis danos ao se fazer este teste?</p><p>Do contrário, caso não tenha clareza das respostas para essas perguntas (respostas que inclusive podem e devem ser obtidas em compartilhamento de decisão, poderá incorrer em achados incidentais, ou seja, descoberta de condições inativas ou variações da normalidade que têm pouca ou nenhuma consequência a longo prazo para a saúde do paciente.</p><p>Quadro 23 - Probabilidade de uma pessoa saudável retornar um resultado anormal do teste bioquímico.</p><p>Número de testes</p><p>Probabilidade de pelo menos um teste anormal (%)*</p><p>1</p><p>5</p><p>6</p><p>26</p><p>12</p><p>46</p><p>20</p><p>64</p><p>100</p><p>99,4</p><p>*Supondo que cada resultado do teste seja independente</p><p>Fonte: Traduzido e adaptado de Deyo (2002).</p><p>No entanto, uma vez descobertos tais achados, pode ser difícil para o paciente entender e aceitar que o tratamento não é necessário, o que muitas vezes acaba desencadeando uma cascata de intervenções iatrogênicas, sobrediagnósticas e de sobretratamento.</p><p>É por isso que a prevenção quaternária é um princípio que deve perpassar por todas as condutas de investigação do médico de família e comunidade. Essa mesma lógica de parcimônia é aplicável igualmente à anamnese e ao exame físico e devem ser considerados igualmente como testes. Em conjunto é o chamado exame clínico racional.</p><p>O rastreamento, por exemplo, é diferente de diagnóstico precoce: uma diferenciação extremamente importante para a atenção primária é a diferença entre diagnóstico precoce e rastreamento, que é uma ação em geral feita ou que deveria ser feita no ambiente da APS.</p><p>Diagnóstico precoce tem a ver com ações propedêuticas destinadas a identificar a doença em estágio inicial a partir de sintomas e/ou sinais clínicos precoces na história natural da doença. Por outro lado, rastreamento é a realização de testes ou exames diagnósticos em populações ou pessoas assintomáticas, com a finalidade de prevenção secundária, tendo como objetivo final reduzir a morbidade e mortalidade da doença, agravo ou risco rastreado. Ou seja, um diagnóstico precoce é feito no horizonte clínico da doença e o rastreamento é feito para surpreender a doença no seu estágio não clínico. Contudo, implementar ações de rastreamento significa submeter populações a exames que podem não ser úteis individualmente para cada pessoa. É o paradoxo da prevenção de Geofrey Rose (2010). Por isso, para a implantação de programas de rastreamento baseado em evidências, deve-se atender a critérios estritos, como os que foram descritos por Wilson e JUNGNER.</p><p>Figura 48 – Critérios de Wilson e JUNGNER para implantação de programas de rastreamento.</p><p>Fonte: Wilson e JUNGNER (1968).</p><p>Por tudo isso, se vê que o raciocínio clínico na atenção primária é, na verdade, bastante complexo e bem diferente do raciocínio clínico feito em outros níveis de atenção.</p><p>Em todo o caso, assim como para os outros níveis de atenção, é preciso que os médicos da atenção primária sejam clínicos de excelência. A ideia de uma atenção primária restrita, voltada apenas para ações de prevenção e promoção de saúde, em detrimento da resolutividade clínica, não é sustentável nem desejável, como alertam Gérvas e Fernandes (2006).</p><p>METODO RESOAP</p><p>1. IDENTIFICAÇÃO</p><p>Descrição</p><p>Campo geral que segue como cabeçalho de cada evolução e inclui dados como: nome, data de nascimento, idade, sexo, estado civil, ocupação atual, etc.</p><p>Exemplo</p><p>Nome: José Rodrigues Data de nascimento: 22/04/1974 Idade: 44 anos Logradouro: Rua Fernandes Tourinho, 22</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>2. LISTA DE PROBLEMAS</p><p>Descrição</p><p>Um problema é um “fato clínico”, ou seja, uma descrição do conteúdo dessa “preocupação” sob uma forma cuja veracidade o médico está convicto. A convicção do médico depende do seu grau de diferenciação, que vai desde um sintoma, um sinal, uma síndrome, até um diagnóstico etiológico. Mas um problema não é uma hipótese de diagnóstico (“suspeita de...”), não é uma interrogação (“abuso de álcool?”) e não é uma negação (“ausência de febre”). O interesse de não incluir dúvidas, interrogações e negações na lista de problemas é fomentar que o raciocínio clínico se centre nos dados seguros e positivos para avançar na investigação e clarificação dos problemas. Sendo assim, é importante ter em mente que a lista de problema é dinâmica. Pode haver mudança de ativo para passivos e vice-versa. Podem surgir novos problemas, podem se resolver problemas ou podem agrupar-se problemas. Deve estar em locais de destaque no prontuário e visível em todas consultas, a exemplo da Folha de Rosto.</p><p>Exemplo</p><p>Lista de problema:</p><p>· - Problemas ativos: DM insulino- dependente tipo 2, tabagismo, alergia à dipirona.</p><p>· - Problema inativos: Colecistite (Colecistectomia em 2012).</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores.</p><p>3. SUBJETIVO</p><p>· Descrição</p><p>Nesse campo, devem ser registradas informações subjetivas proporcionadas pela pessoa em atendimento ou por seus acompanhantes, tanto as relatadas (ou seja, ditas espontaneamente), quanto as referidas (ou seja, ditas como respostas a perguntas). Nesse sentido, são incluídas as seguintes informações: queixa atual; sentimentos, ideias, funcionalidade e expectativas das pessoas; história familiar relacionada</p>

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