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Teorias da Demanda Efetiva: Keynes, Kalecki e algumas implicações *
 
 
 
 
Marcos Vinicius Chiliatto-Leite 
**
 
 
 
III Encontro Internacional da AKB - São Paulo, 2010. 
Área: Macroeconomia e Política Econômica. 
 
 
 
 
Resumo 
A demanda efetiva foi postulada contemporânea e independentemente por Keynes e 
Kalecki e consolida um princípio fundamental da teoria econômica heterodoxa, a qual entende 
que o produto é resultado da demanda. As formulações de Keynes e de Kalecki têm diferentes 
especificidades e seu próprio foco analítico. Por exemplo: no primeiro há o destaque à 
determinação do emprego, com estoque de capital dado; no segundo se destaca a 
determinação dos lucros e as implicações de longo prazo da demanda efetiva. Independente 
dessas, e outras, diferenças entre Keynes e Kalecki, o princípio da demanda efetiva está 
presente e as abordagens são plenamente compatíveis. O artigo apresenta a demanda efetiva 
segundo Keynes e keynesianos, bem como segundo Kalecki e kaleckianos. Ademais, são 
discutidas implicações fundamentais, tais como: a derrocada da “Lei de Say”; a 
desmistificação da poupança; a determinação do emprego e da renda; e uma implicação para a 
dinâmica do capitalismo. 
Palavras-chave: Demanda efetiva; Keynes; Kalecki. 
 
Abstract 
The effective demand was postulated contemporarily and independently by Keynes 
and Kalecki and consolidates a fundamental principle of the heterodox economics theory, 
which considers that the product is a result of demand. The formulations of Keynes and 
Kalecki have different characteristics and its own analytical focus. For example: the first 
emphasizes the determination of employment, with a given capital stock; the latter 
emphasizes the determination of profits and the long-term implications of effective 
demand. Regardless of these, and other differences between Keynes and Kalecki, the principle 
of effective demand is present and the approaches are fully compatible. The paper presents the 
effective demand by Keynes and Keynesians, as well as by Kalecki and 
Kaleckians. Furthermore, we discuss basic implications such as: the fall of the "Say's Law"; 
the demystification of savings; the determination of employment and income; and an 
implication for the dynamics of capitalism. 
Keywords: Effective demand; Keynes; Kalecki. 
 
*
 O presente artigo é uma versão adaptada do capítulo II da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em Economia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), 
com o título “A teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado: uma discussão à luz da questão do papel do 
consumo e da controvérsia do estagnacionismo” (CHILIATTO-LEITE, 2010). O autor agradece, eximindo-os de 
culpa por eventuais imprecisões do texto, a André Modenesi, Camila Ferraz, Félix Manhiça, Lucas Teixeira e 
Salvador Werneck Vianna pelas discussões e comentários durante os anos de colaboração no IPEA-RJ; bem 
como às discussões com Fábio Freitas. 
**
 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Economia do Instituto de Economia da Universidade Estadual 
de Campinas (IE/Unicamp). Contato: chiliatto@eco.unicamp.br . 
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
De 11 a 13 de agosto de 2010
mailto:chiliatto@eco.unicamp.br
2 
 
1. Introdução 
O presente trabalho – a ser apresentado em uma Associação Keynesiana – tem como 
pano de fundo a contigüidade das teorias de Keynes e Kalecki. Isso não significa 
desconsiderar diferenças nas abordagens, mas significa focar nos pontos em comum, nas 
convergências teóricas e nas complementaridades entre Keynes e Kalecki. O que contribui 
para se discutir e compreender, no campo heterodoxo, a essência e a dinâmica de economias 
capitalistas. 
Este artigo apresenta uma discussão teórica a respeito do ponto nodal na 
macroeconomia heterodoxa, qual seja, a demanda efetiva. Formulada por Keynes e Kalecki, 
este princípio fundamental é a âncora da teoria econômica proposta por esses autores e tem 
implicações importantes, tais como: a derrocada da “lei de Say”; a desmistificação da 
poupança; a determinação do emprego e da renda; e a compreensão da dinâmica cíclica do 
capitalismo. 
A Lei de Say postula que a demanda, em termos agregados, é conseqüência da criação 
de oferta. Antiteticamente, o Princípio da Demanda Efetiva (doravante PDE) formula 
fundamentalmente o oposto, pois a demanda, em geral (ou o gasto, qualquer que seja), passa a 
ser a variável independente. 
O presente artigo buscará apresentar o PDE, discutindo duas diferentes (porém 
compatíveis) formulações. Então, com o arcabouço das teorias de Keynes e Kalecki, discutir-
se-ão os determinantes do nível de emprego, renda e o comportamento dinâmico de uma 
economia capitalista de modo geral.
1
 
Para contextualizar a discussão, vale destacar que Keynes e Kalecki, apesar de 
procedências teóricas distintas, formularam o que ficou conhecido na literatura como o 
Princípio da Demanda Efetiva. Keynes fora um autor da Escola de Cambridge, que em sua 
época estava sob forte influência de Alfred Marshall. Kalecki, por sua vez, foi um polonês de 
formação marxista que, contemporaneamente a Keynes, deu contribuições à compreensão de 
princípios básicos da economia heterodoxa. Nesse sentido, como propõe Macedo e Silva 
(1995a; 1995b), o PDE devidamente formulado pode ser considerado como um dos elementos 
centrais e ponto de partida de uma teoria econômica heterodoxa. 
A primeira parte deste artigo buscará mostrar que a demanda efetiva em Keynes 
(1992) é tratada na esfera das decisões de produção (curto prazo), em que a estrutura 
produtiva e as expectativas de longo prazo são dadas. O princípio é explicitado como um 
“ponto” de intersecção de funções de demanda e oferta agregadas, em termos de renda 
esperada, que determina o nível de emprego e conforma um “equilíbrio”, i.e., sem tendência 
de ajuste automático ao pleno emprego. Ao longo da seção sobre a formulação keynesiana, o 
leitor perceberá que a dissertação faz uso da contribuição de diferentes economistas, tais 
como Paul Davidson, Smolensky, Minsky, Sidney Weintraub, Fernando Cardim, Macedo e 
Silva, Luiz Gonzaga Belluzo e Júlio Gomes de Almeida, que ajudam a esclarecer (ou até 
mesmo adicionam elementos novos) pontos importantes da teoria de Keynes. 
A segunda parte do trabalho discutirá a exposição de Kalecki (1983a), na qual o PDE 
baseia-se em uma “determinação unilateral das receitas (rendas) pelo gasto” (POSSAS, 1999: 
p. 19). Implicitamente, o princípio aparece por meio dos gastos agregados, separados em 
classes: consumo capitalista, investimento e mais os salários (em princípio sendo 
integralmente consumidos pelos trabalhadores). Na esquemática do autor, será visto como os 
lucros (e, conseqüentemente, as rendas) são determinados pelos dispêndios capitalistas em 
consumo e investimento (considerando governo com orçamento equilibrado e setor externo 
com saldo nulo). Assim como na seção dedicada a Keynes, o entendimento da teoria de 
 
1
 O termo geral aqui utilizado busca explicitar a abordagem generalizada das relações econômicas capitalistas, 
sem contemplar especificidades importantes para o entendimento de uma economia segundo seu momento 
histórico e especificidades estruturais. 
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
De 11 a 13 de agosto de 2010
3 
 
Kalecki é apresentado a partir do original, mas também com o auxílio das obras de Jorge 
Miglioli, Mário Possas e Paulo Baltar. 
Com fins introdutórios, deve-se apreender que o princípio que inverte a Lei de Say, o 
PDE, é geral e trata da compreensão do gasto, qualquer que seja, como a variável 
independente. Belluzzo e Almeida (2002) resumem a demanda efetiva com a compreensão de 
que“o conjunto das decisões de gasto determina em cada momento qual será o nível de renda 
da comunidade” (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002: p. 65). 
Adicionalmente, a formulação de Possas (1987) é simples, direta e elucidativa. O PDE 
pode ser sistematizado em forma geral partindo-se de uma economia mercantil simples e 
monetária (analogamente à construção lógica de Marx, na qual a circulação de mercadorias 
segue a lógica M–D–M). Assim, sem a necessidade de se definir o PDE em uma economia 
capitalista plenamente constituída, ou ainda, sem qualquer “roupagem” de agregação, 
distribuição de renda, componentes ex ante etc. Basta uma economia de trocas com o dinheiro 
cumprindo suas funções básicas
2
. O PDE acusa que, nas transações econômicas, existe apenas 
uma única decisão autônoma: gastar. Implica que cada gasto, qualquer, gera uma renda de 
igual magnitude. Agregando em um período contábil definido: o somatório dos gastos 
determina e é idêntico ao somatório de receitas (POSSAS, 1987). 
 
2. Formulação keynesiana 
A década de 1930 trouxe recessão profunda, desemprego involuntário persistente
3
 e 
explicitou a incapacidade de auto-ajuste das economias capitalistas. Foi um período em que o 
colapso econômico e social trazia o “risco” de colapso político, e setores mais conservadores 
temiam as idéias de planificação da produção, contra a economia de mercado. A Teoria Geral 
do Emprego, do Juro e da Moeda
4
 (doravante Teoria Geral) foi publicada nesse contexto e 
proveio de Cambridge, um meio em que Marshall e seus discípulos postulavam teorias cujas 
conclusões eram mais otimistas com relação a forças imanentes do mercado. Ainda que 
admitissem imperfeições e falhas nos mecanismos de mercado que justificariam intervenções 
do Estado, havia uma tendência dos desequilíbrios se ajustarem automaticamente. 
Foi nesse ambiente, cultivado em Cambridge, onde Keynes publicou sua obra e o 
termo “revolução” keynesiana é compreensível. A Teoria Geral, alternativamente e em 
oposição às idéias anteriores, conclui, basicamente, que a economia pode sofrer com 
insuficiência de demanda, o que implica em desemprego involuntário; diante de tais situações 
de baixa demanda e desemprego persistente, Keynes argumentava que não há motivos 
teóricos, nem indícios na realidade, para crer que a economia seja, por si só, auto-ajustável. 
Segundo Keynes (1992), a ênfase no termo “geral” se justifica por ser uma teoria que 
se aplica não só ao caso especial do pleno emprego, como ocorria na abordagem ortodoxa, 
mas também aos casos que coadunam com a realidade observada nas economias capitalistas. 
Essa primeira parte do artigo busca contribuir para compreender que se inverte o 
postulado de Say ao definir que a renda e o emprego, em cada instante, são determinados pela 
demanda agregada. Para isso, a próxima seção do texto discute o princípio da demanda efetiva 
inspirado em Keynes. Seguida por apresentação sintética da teoria de determinação da renda e 
do emprego de Keynes (1992) e keynesianos (seção 2.2). 
 
 
2 Quais sejam, a de reserva de valor, unidade de conta e meio de troca. 
3
 No caso da Inglaterra o desemprego persistente caracterizou todo o pós-primeira guerra. Isso certamente teve 
influência na reflexão dos economistas ingleses a respeito do tema do desemprego, que já estava em evidência 
por mais de uma década quando teve início a grande depressão. 
4
 Keynes (1992). 
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
De 11 a 13 de agosto de 2010
4 
 
2.1. Demanda efetiva em Keynes e keynesianos 
A demanda efetiva na Teoria Geral é apresentada por meio de um “ponto” formado 
pela intersecção de curvas (diferentes das tradicionais curvas neoclássicas): uma de “oferta 
agregada” e a outra de “demanda agregada”, ambas em termos de renda esperada. O esquema 
sistematiza o arcabouço teórico de Keynes (1992) de determinação do emprego, discutido na 
seção posterior. 
Os gráficos da presente seção são construídos a partir das leituras de Weintraub 
(1966), Davidson e Smolensky (1964) e contribuem para a visualização do que Keynes 
denominou de “ponto de demanda efetiva”. Para cumprir com esse objetivo, primeiramente 
analisam-se a função de oferta (Z) e posteriormente a de demanda (D). 
Os valores de Z representam a quantia monetária (em termos esperados) necessária 
(custos dos fatores) e compensadora (lucros mínimos desejados) das vendas para os diferentes 
níveis de mão-de-obra ocupada pelos empresários (N). Em outras palavras, para entender a 
essência da idéia representada pela função, pode-se afirmar que a curva de oferta expressa 
aquilo que os empresários esperam (em cada patamar de emprego de uma dada estrutura de 
capital) receber somando despesas de salários (W=w.N, onde w representa o salário médio); 
custos fixos e variáveis (F), de modo que os custos marginais podem ser supostos constantes 
até o ponto em que elevada ocupação da capacidade faz o custo marginal se tornar crescente;
5
 
e um montante de lucro mínimo bruto (R), que além de incluir depreciação, abarca impostos e 
despesas financeiras. Z representa os valores a partir dos quais passa a ser viável, na ótica dos 
empresários, o emprego de mais trabalho. Nesse sentido, entende-se o lucro como função 
crescente do emprego em R=R(N) na medida em que: “the one axiom that embodies is that 
entrepreneurs will ordinarily give more employment, and produce more output, only if they 
expect higher levels of sales proceeds (WEINTRAUB, 1966, p. 15, destaque no original). 
Com esses elementos, a função Z se expressa na equação 1 e 1‟, também representada 
no gráfico 1: 
);( wNZRFWZ 
 (1) 
);( wNZZ 
 (1’) 
Gráfico 1: Curva de oferta agregada (Z) e componentes 
 
 
A partir de Weintraub (1966), supõe-se que na função Z i) os salários são constantes e 
 
5
 Weintraub (1966, p. 21) faz a curva de custo F com taxa de crescimento constante em todos os períodos. Aqui, 
optou-se por acrescentar os custos marginais crescentes, como supõe Keynes na Teoria Geral, mas não em todos 
os pontos da curva, apenas a partir de alto nível de ocupação da capacidade. 
Z
 (
$
)
N
Z W F R
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
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5 
 
o trabalho é homogêneo; ii) o estoque de capital não varia, portanto a análise empreendida é 
de curto prazo; iii) a função de produção está dada; e, por fim, iv) há um determinado estado 
de competitividade, que não precisa ser de concorrência perfeita
6
. Para os fins da presente 
discussão, essas suposições não interferem decisivamente nos argumentos. Ademais, 
poderiam deslocar a função Z, por exemplo, variações no salário, mudanças no volume de 
equipamento instalado, novas técnicas produtivas, grau de concorrência, ou nova variedade de 
bens produzidos. 
É interessante destacar que a função de oferta na concepção keynesiana, aqui 
discutida, permite observar que com o salário médio constante
7
, ainda que os custos marginais 
fossem constantes ao longo de toda a curva, a decisão de produção (e emprego) apenas se 
justifica por lucros crescentes, o que garante, por si só, que a curva Z além de ser crescente 
seja, também, a taxas crescentes. 
Portanto, para condições técnicas e de custo do trabalho dados, trata-se de uma função 
crescente em relação ao emprego 





 0
dN
dZ
 e supõe-se também que os custos podem ser 
constantes ou a taxas crescentes (a partir de certo nível de ocupação da capacidade) com 
crescente participação dos lucros em relação aos salários, em termos de distribuição 
funcional, o que garante que 0
²
²

Nd
Zd
. Ilustrativamente, poder-se-ia supor Z apenas como 
uma reta crescente, ou ainda traçar a curva de requintadas maneiras que contemplassem outras 
especificidades da estrutura de oferta;mas essa questão em nada afeta o que se quer 
demonstrar neste texto. Sobre esses detalhes vale consultar Davidson e Smolensky (1964). 
Por sua vez, a curva D expressa a quantia monetária esperada das vendas provenientes 
do consumo e investimento de cada nível de emprego (N). Weintraub (1966) decompõe a 
curva em três componentes principais, quais sejam, o consumo (Dc), o investimento (Di) e a 
despesa do governo (Dg), assim, a função D fica como: 
gic DDDD 
 (2) 
O componente do consumo (Dc) pode ser decomposto segundo múltiplas propensões a 
consumir, multiplicadas por cada uma das rendas das diferentes categorias da sociedade: 
assalariados, funcionários públicos, altos executivos, rentistas e aqueles que obtêm lucros e 
dividendos. Apenas por simplificação, sem prejuízo aos objetivos da presente seção, pode-se 
apresentar uma propensão média a consumir multiplicada pela renda dos assalariados e outra 
aos que obtêm renda de alugueis, juros, lucros e dividendos (L) – essa última também como 
função do nível de emprego (N): 
ALcwNcD lwc 
 (3) 
Nas vezes em que se vê c, as variáveis representam as propensões a consumir daqueles 
cuja renda provém de salários e de lucros somados a rendas não-assalariadas listadas 
anteriormente.
8
 Por fim, o componente A compõe todo o consumo “autônomo” proveniente de 
 
6
 Embora para Keynes (1992) seja o caso. 
7
 Os salários podem até ser pensados como crescentes, desde que a expectativa de receitas seja crescente a ponto 
de garantir crescimento absoluto dos lucros de modo satisfatório aos empresários. Ademais, o resultado de 
variação dos salários torna-se ainda mais incerto quando se considera a função de demanda, que se desloca com 
mudanças no salário. 
8
 Vale destacar que Keynes (1992) apresenta uma única propensão a consumir para toda a sociedade. 
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
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variadas formas de poder de compra como acumulação de lucros passados, diversos ativos, 
crédito, aposentadorias, heranças etc. 
O componente do investimento (Di) engloba as características determinantes dessa 
variável, como se discutirá na seção ulterior. Basicamente, Di depende: i) do estoque de 
capital (K), bem como dos preços dos equipamentos; ii) lucros do passado imediato (R-1); iii) 
lucros esperados (R*); iv) taxa de juros (r); assim como os salários monetários futuros 
(WEINTRAUB, 1966). Assim, tem-se: 
),,*,,;( 1 KrwRRNDD ii 
 (4) 
Por fim, o componente do governo pode ser pró-cíclico, ou anticíclico em relação ao 
emprego e renda, mas por ser determinado por questões eminentemente políticas ou exógenas, 
define-se simplesmente como um item dado na demanda: 
gg DD 
 (5) 
Desse modo, agregando os três elementos, destacando as variáveis fundamentais e, 
como faz Weintraub (1966), omitindo parâmetros exógenos define-se: 
gic DrwNDAwNDD  ),;();(
 (6) 
ArwNDD  ),;(
 (6’) 
Analisando a curva de demanda em conjunto com a oferta e as implicações em termos 
de uma teoria do emprego, tal qual Keynes se preocupa na Teoria Geral, D implica que é em 
função dos gastos agregados esperados que os empresários tomam a decisão, ex ante, de 
produzir (de acordo com uma dada estrutura produtiva e tecnológica) e de empregar 
determinada quantia de mão-de-obra. Isso quer dizer que há uma relação positiva entre as 
variáveis emprego e demanda 





 0
dN
dD
 (num dado quadro expectacional). Admitir 
mudanças, por qualquer motivo, nas expectativas implica em instabilidade das curvas, afinal, 
as mesmas dependem da variável “expectativa”. 
Ademais, supõe-se que apesar de a curva D ter inclinação positiva, as taxas são 
decrescentes 





 0
²
²
Nd
Dd
 como conseqüência da propensão marginal a consumir diminuir com 
o crescimento da renda.Vale destacar que é suficiente que a propensão marginal a consumir 
seja menor que 1, isso garantiria que a curva de demanda seja crescente, mas com inclinação 
inferior a curva de oferta e, então, necessariamente haveria um ponto de encontro entre as 
curvas. Analogamente à ressalva feita com a curva Z, poder-se-ia supor D como uma reta 
simplesmente crescente, ou com outro formato (desde que mais horizontal que Z, para 
permitir a existência de solução), mas aquilo que este texto discute independe dessas 
diferentes possibilidades teóricas. 
O que Keynes (1992) chamou de ponto de demanda efetiva (p, no gráfico 2) determina 
o nível de emprego (também a renda e produto da economia) e forma um “equilíbrio” 
independente do nível de pleno emprego. Desse modo, de acordo com as expectativas, os 
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
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empresários tomam suas decisões de produção; o grau de incerteza e confiança definem o 
comportamento dos agentes com relação à demanda por moeda como ativo e empregam os 
fatores de produção de acordo com a demanda efetiva. Caso este ponto esteja abaixo do pleno 
emprego, trabalhadores involuntariamente ficam desocupados e não há mecanismos auto-
ajustáveis. Sendo assim, o ponto de demanda efetiva conforma-se como um “equilíbrio” que 
apenas eventualmente se dá com pleno emprego da força de trabalho. 
 
Gráfico 2: Ponto de demanda efetiva e determinação do emprego 
 
Com o esquema do ponto de demanda efetiva, Keynes explicita que a determinação do 
nível de emprego em uma economia capitalista não é dada na esfera do mercado de trabalho. 
Segundo a teoria do emprego de Keynes – discutida a seguir – a ocupação da força de 
trabalho é resultado das decisões de produção dos empresários, o que está ancorado nas 
condições esperadas da demanda agregada. Assim, caso exista desemprego involuntário em 
uma economia, em primeiro lugar, não há mecanismos de ajuste automático; em segundo, 
mudanças no âmbito do mercado de trabalho (como, por exemplo, reduções salariais), 
coeteris paribus, não devem afetar o nível de emprego. 
Note-se, adicionalmente, que o pleno emprego em Keynes não significa plena 
ocupação de capacidade, mas se refere à ocupação de toda oferta de trabalhadores no mercado 
de trabalho. Isso explica o porquê de a linha pontilhada que indica o pleno emprego no 
gráfico 2 não ser assintótica com a curva Z. 
 
2.2. Teoria do emprego e da renda em Keynes e keynesianos 
Em artigo de 1937, Keynes, ao debater com críticos da recém publicada Teoria Geral, 
reforça contribuições fundamentais de sua obra, como o tratamento da incerteza e sua relação 
com a moeda. Segundo Keynes (1937), a incerteza
9
 é um conceito fundamental, pois, diante 
do desconhecimento sobre o futuro os agentes podem preferir, no presente, reservar sua 
riqueza na forma mais líquida possível. Uma vez que a moeda é socialmente aceita como 
forma de liquidar contratos, também serve como unidade de conta, meio de troca e reserva de 
valor. Essas funções exercidas pela moeda em uma economia monetária justificam sua posse 
num ambiente cujo futuro é necessariamente incerto (mesmo que sua propriedade não 
implique rentabilidade, ou juros). Do contrário aplicar-se-ia a indagação de Keynes (1937: 
p.115 e 116): “Why should anyone outside a lunatic asylum wish to use money as a store of 
wealth?”. Assim, supondo que as propriedades da moeda não estejam sendo afetadas por 
complicações quaisquer, como situações hiperinflacionárias, a moeda é capaz de oferecer, ao 
 
9
 Maiores detalhes sobre incerteza, ver Davidson (1972). 
N
Z
, 
D
 (
$
)
Z D
Emprego 
segundo DE
Pleno 
emprego
p
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longo do tempo, defesa para a riqueza dos agentes, por isso, denominada de “liquidity time-
machine” (Davidson, 1994). 
No capítulo 18da Teoria Geral, Keynes organiza a argumentação sob a forma de um 
modelo sintético em três equações, com três variáveis endógenas, as quais seguem em ordem 
causal e seqüencial
10
: i) o esquema da preferência pela liquidez (PL), o qual, com dada oferta 
de moeda, define “a”
11
 taxa de juros; ii) determinado os juros, diante do esquema da 
Eficiência Marginal do Capital (EMgC) define-se o investimento; iii) dado o investimento, a 
partir da propensão a consumir e do multiplicador determinam-se a renda agregada e o nível 
de emprego. 
Vejamos esses pontos em síntese. No capítulo 13 da Teoria Geral, Keynes supõe um 
dado nível de oferta de moeda, ao qual se associa um estado da PL que é resultado do grau de 
incerteza dos agentes, de modo que quanto mais incerteza e insegurança, maior a preferência 
pela moeda. Esses fatores determinam o nível dos juros, o qual é concebido no modelo da 
Teoria Geral como uma recompensa por abrir mão da liquidez.
12
 Conjugada à teoria da PL, 
Keynes (1992) desenvolve uma teoria do investimento, a qual se fundamenta na EMgC
13
 em 
comparação com a alternativa dos ativos que rendem a taxa de juros vigente, que, então, 
define o nível de investimento de uma economia monetária empresarial. 
Determinado o nível de investimento, por meio das teorias da PL e do investimento, 
Keynes (1992) conclui a seqüência de determinação da renda e do emprego com um 
mecanismo de propagação denominado “multiplicador”, que resulta da propensão a consumir 
da sociedade – que o autor também destacou no artigo de 1937. Então, dado o investimento, 
há a multiplicação do gasto, segundo uma propensão a consumir, que determina o nível de 
renda agregada e o nível de emprego. 
No capítulo 17, Keynes (1992) aponta que a moeda possui qualidades especiais, quais 
sejam: a elasticidade nula (ou negligenciável) da substituição e da oferta (produção) da moeda 
em resposta a demanda; e seu “prêmio de liquidez” (máximo) é muito maior que seu “custo 
de carregamento” (negligenciável ou nulo). Com apoio da leitura de Minsky (2008: cap.4 e 
5), o capítulo 17 pode ser compreendido como um “modelo geral de escolha de ativos”, em 
que cada um dos ativos possui sua “taxa própria de juros” e seus preços relativos medem as 
diferenças de seus retornos esperados. Todos eles têm que compensar, em remuneração 
monetária, seu risco em relação ao “ativo de referência” (moeda), de modo que, em equilíbrio, 
cada ativo oferece retornos monetários proporcionais ao seu risco de iliquidez (CARVALHO, 
1996). Dado o fato de que aplicar capital em moeda (ou bens não-reprodutíveis quaisquer) em 
busca de seu prêmio de liquidez (para se proteger do risco e incerteza de alocar riqueza em 
 
10
 Como propõe Carvalho (1992). 
11
 Lembrando que Keynes (1992) apresenta “uma” taxa de juros no capítulo 15, no qual ele organiza a 
argumentação sob a abstração de dois ativos: a moeda (líquido) e títulos (ilíquidos). No controverso capítulo 17, 
Keynes (1992) muda o enfoque e considera n classes de ativos e, portanto, n taxas de juros. Dentre os ativos está 
a moeda, cuja taxa de juros está relacionada com o prêmio de liquidez. 
12
 Não é o foco deste artigo a discussão sobre a exogeneidade ou endogeneidade da oferta da moeda. Para 
detalhes, ver a discussão do verticalismo e horizontalismo em Kaldor (1970, 1982, 1985), Davidson (1977), 
Weintraub (1978a; 1978b), Minsky (1982) e Moore (1979; 1985; 1988; 1989). Parte da literatura interpreta que 
Moore está entre os principais autores da teoria da moeda endógena (Fontana, 2001; 2002) – pedra fundamental 
da abordagem pós-keynesiana –, considera a moeda endogenamente determinada pela preferência pela liquidez 
dos agentes econômicos (Lavoie, 1984; 1985; 1996; 2005; Chick e Dow, 2002; Monvoisin e Pastoret, 2003; 
Fontana e Palacio-Vera, 2003; Palley, 2003; Rochon, 2003). Outra frente de discussão importante, mas não em 
foco neste trabalho, aborda a taxa de juros como exógena, sobre o tema, ver Lavoie (1992) e Pivetti (1991). 
13
 Sinteticamente, Keynes determina a EMgC pela abundância (ou escassez) de bens de capital e, mais 
importante do que isso, pelas expectativas correntes dos rendimentos futuros, dos mesmos bens de capital, vis-à-
vis seus custos. Tais expectativas estão fundadas, como demonstra Keynes na Teoria Geral, em fracos indícios 
incertos e sujeitos a grandes variações repentinas, capazes de fazer o investimento flutuar rápida e intensamente 
como resultado da flutuação da EMgC. (Keynes, 1992: capítulo 11 e outros). 
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
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ativos reais) é uma decisão possível (e provável dependendo das circunstâncias); a maior 
preferência por liquidez (ou, se quiser, propensão a entesourar) afeta o valor da taxa de juros; 
caso isso implique em baixa efetivação de demanda, por sua vez afetaria o nível de ocupação 
da força de trabalho. Portanto, explicita-se a possibilidade de insuficiência de demanda efetiva 
e, por conseqüência, baixa renda agregada e desemprego involuntário. 
Neste caso, a abordagem keynesiana edifica uma importante preocupação do ponto de 
vista da renda e ocupação da força de trabalho. Caso se conforme uma situação de 
desemprego, no arcabouço keynesiano não há mecanismos automáticos que fariam a demanda 
se reativar e, então, constituir uma tendência ao pleno emprego. Assim, o desemprego 
involuntário pode persistir e ser um ponto estável de “equilíbrio”. O nível de renda e emprego 
são vulneráveis aos estados das expectativas e da incerteza, variáveis essas que não 
apresentam comportamentos auto-ajustáveis e são determinadas por múltiplos motivos, cujos 
determinantes são pouco objetivos e comumente os agentes optam por simplesmente adotar o 
comportamento da maioria diante do receio das perdas. 
Vale comentar que na Teoria Geral, Keynes apresenta-se mais preocupado com os 
impulsos do que com a propagação, ciclos e a dinâmica. O foco parece ser discutir que a partir 
de expectativas que configuram baixo nível de demanda efetiva, o desemprego pode ser um 
“equilíbrio final”; e não um momento passageiro que, per se, rumará para o pleno emprego. 
Ou seja, Keynes se concentra em demonstrar que o capitalismo não tem “mecanismos 
endógenos de promoção e manutenção do pleno emprego”. (CARVALHO, 1988: p. 757). Os 
ciclos econômicos estão na Teoria Geral, mas em “segundo plano”, considerados no capítulo 
22 como “uma variação cíclica da eficiência marginal do capital” (Keynes, 1992: p. 243). Do 
ponto de vista de Carvalho (1988), a propagação e flutuações se tornam um problema de 
adaptação, certamente interessante, mas compreensivelmente “secundário” na Teoria Geral.
14
 
É importante destacar que Keynes divide a decisão do empresário entre o curto prazo e 
o longo, cada qual com suas especificidades na formação de expectativas, como se pode ver 
em Keynes (1992, cap. 5 e 12). O curto prazo se refere às decisões de ocupação da capacidade 
já instalada. Desse modo, o empresário decide colocar seu capital em ação com base nas 
previsões de venda que, no caso do curto prazo, são muito influenciadas pelos dados correntes 
e pelo passado mais recente. Quanto ao longo prazo, este trata das decisões sobre criação de 
capacidade produtiva, na qual as peculiaridades da formação de expectativas e a tomada de 
decisões são mais complexas. Afinal, uma vez que se opta pela criação de capacidade, não é 
mais possível rever tal tipo de decisão a cada instante, como ocorre com o curto prazo. A 
instalação de um equipamento implica em imobilização de capital por longos períodos, que 
caso precisem ser revistos, levaria a perdas substanciais. 
Com isso em mente, é possível concluir que as expectativas de longo prazo são 
cruciais para Keynes (1992). As decisões de investimento são tomadas com base no “retorno” 
esperado para muitosperíodos subseqüentes; em outras palavras, o estado das expectativas e a 
confiança na mesma orientam planos de investimento (ou em caso de optar pelo não-
investimento: a precaução), que então geram diferentes resultados macroeconômicos. Isso 
significa que na Teoria Geral, as informações correntes e passadas não compõem toda a base 
para a tomada de decisões (nem mesmo no caso das expectativas de curto prazo). Algo que 
 
14
 Apesar de o ciclo econômico ser tratado em “segundo plano” na Teoria Geral é possível que a obra seja 
interpretada com destaque à perspectiva cíclica. Minsky (2008: cap. 3) aponta o caráter cíclico como uma das 
“perspectivas fundamentais” que permitem uma leitura da Teoria Geral alternativa à síntese neoclássica e 
adequada à teoria de Keynes. Talvez, o mais importante seja destacar que Keynes (1992) afirma (cap. 18) que as 
flutuações podem ocorrer não em torno de uma tendência de pleno emprego, mas, sim, em torno de um nível de 
produto abaixo do pleno emprego. 
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10 
 
anteriormente o próprio autor sugeria no Tratado sobre a Moeda
15
, obra essa que enfatiza a 
importância do lucro (ou perda) corrente nas decisões futuras.
16
 Assim, a partir da Teoria 
Geral, o autor compreende que a compra de um ativo – cujo objetivo é gerar retornos ao 
longo de anos – não pode ser uma decisão ligada meramente aos dados correntes e passados. 
Esses últimos não se afirmam irrelevantes, mas insuficientes. A decisão empresarial depende 
das expectativas e do grau de confiança dos agentes sobre suas próprias previsões, o que não 
significa que o tão conhecido animal spirits seja um “impulso” injustificado que faz o 
investimento ser uma decisão meramente “irracional”, mas admite-se que as deliberações que 
afetam o futuro estão sujeitas às questões de ordem política, econômica, subjetivas, aos 
diferentes interesses ou hábitos. Destarte, não se conformando como um fenômeno 
meramente probabilístico e matemático. 
Sendo assim, no modelo da Teoria Geral, seja o receio (ou o otimismo) em ocupar 
capacidade instalada diante da possibilidade de não efetivação de demanda (ou esgotamento 
de estoques), sejam as expectativas de longo prazo, são maneiras pelas quais o futuro traz 
resultados reais ao presente. Dessa forma, as decisões de investimento são afetadas e a 
“expectativa sobre o futuro influencia o presente” (Keynes apud Carvalho, 1988: p. 757) em 
termos da renda e do emprego. 
Com a compreensão do esquema Keynesiano, conclui-se a seção com a possibilidade 
teórica de desemprego involuntário persistente. O nível de emprego e renda são resultados da 
demanda e dos dispêndios da economia, a possibilidade dos empresários aplicarem seus 
capitais em ativos não reprodutíveis (como a própria moeda) abre a possibilidade de haver 
insuficiência de demanda por bens e serviços. Tornando o pleno emprego, no bojo da teoria 
keynesiana, uma mera eventualidade. 
 
3. Formulação kaleckiana 
Michal Kalecki, segundo a apresentação de Miglioli (1983), foi um autodidata em sua 
formação como economista, que esteve sob forte influência das obras de Marx e de autores 
marxistas. Kalecki iniciou sua graduação na Escola Politécnica de Varsóvia, mas não chegou 
a concluir o curso. Em 1927 ingressou em emprego no Instituto de Pesquisa de Conjuntura e 
Preços, de Varsóvia. No ano de 1935, quando já publicara inovadoras idéias em artigos sobre 
teoria dos ciclos econômicos em 1933 e 1935,
17
 foi à Suécia com bolsa de estudos. Também 
foi à Inglaterra e esteve na Universidade de Cambridge de 1937 a 1939, posteriormente em 
Oxford de 1940 a 1945. Somente aos 57 anos obteve título acadêmico, quando, já 
reconhecido internacionalmente, foi nomeado professor universitário pelo governo polonês. 
Em seguida, no ano de 1964, recebeu da Universidade de Varsóvia o título de Doutor honoris 
causa. 
Ao longo da discussão sobre a determinação dos lucros e da renda na teoria de 
Kalecki, buscar-se-á deixar claro que sua formulação não representa uma quebra, ou uma 
“revolução” teórica como fora Keynes em Cambridge. Kalecki parte da obra de Marx e das 
discussões de marxistas como Rosa Luxemburgo e Tugan-Baranowski para, então, avançar no 
entendimento da demanda efetiva. A formulação do PDE permitiu a conformação de uma 
teoria capaz de explicar a produção a partir da demanda, fato que – apesar de conformar um 
 
15
 Nesse ponto, Keynes mudou bastante de idéia entre o Tratado sobre a Moeda (Keynes, 1971) e a Teoria 
Geral. Ademais, o desequilíbrio de curto prazo (variação indesejada de estoques e/ou preços diferentes do preço 
normal de oferta) não é de maneira nenhuma necessário para as suas principais conclusões, em particular aquela 
referente à possibilidade de uma situação permanente de produto e emprego abaixo dos seus níveis de plenos. 
16
 Ou ainda em Kalecki, como será discutido a seguir, que propõe um “acelerador” do investimento do tipo 
backward looking. 
17
 Respectivamente Kalecki (1983e; 1983d). 
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11 
 
desenvolvimento de grandes proporções – não rompeu (tal qual fora com Keynes, que negava 
a teoria neoclássica) com o passado da tradição marxista. 
Esta segunda parte do texto buscará apresentar que na teoria de Kalecki, o autor parte 
do entendimento que a única decisão autônoma numa economia capitalista é a de gastar. Na 
seguinte seção, a partir de Kalecki (1983a; 1983b), será discutido o esquema de 
departamentos kaleckiano, a partir do qual a lógica do PDE fica explícita e, então, a 
sistemática da determinação da renda. Posteriormente discute-se o porquê da poupança não 
financiar o investimento (seção 3.2) e, por fim, o comportamento dinâmico em economias 
capitalistas é brevemente abordado (seção 3.3). 
 
3.1. Determinação dos lucros, da renda e a demanda efetiva em Kalecki 
Com fins de entendimento teórico, Kalecki (1983a; 1983b) propõe uma divisão da 
economia inspirada na departamentalização proposta por Marx (1985),
18
 mas com 
importantes diferenças. Marx havia traçado a divisão entre a categoria de “produtor de bens 
de produção” e a de “produtor de bens de consumo”, respectivamente departamento I e II. 
Segundo Kalecki, a reformulação dos departamentos de Marx foi feita com o fim de 
simplificar a argumentação e se concentrar no “problema básico dos esquemas de 
reprodução” (KALECKI, 1983b, p. 1). O autor se refere a focalizar as atenções na 
compreensão da demanda efetiva, cujas idéias seminais (na interpretação do próprio Kalecki) 
já estavam presentes em Marx, mas sem a devida atenção e investigação. Desse modo, em 
Kalecki a demanda efetiva se consolida como uma teoria que “continua”
19
 a trajetória da 
tradição marxista e, portanto, não foi uma cisão teórica, tal qual ocorrera com a Teoria Geral 
em Cambridge. Nesse sentido, deve-se retomar brevemente o esquema de circulação de Marx 
que permite fundamentar sua crítica à Lei de Say. 
Para refutar a Lei de Say, Marx (1985) o faz antes de chegar na fórmula do capital,
20
 
i.e., por meio da forma de circulação de mercadorias (M – D – M), o motivo é que a mera 
existência do dinheiro com suas funções básicas, em uma economia mercantil simples, é 
suficiente para concluir que não necessariamente todo o produto gerado, convertido em 
dinheiro, será então convertido em demanda. Portanto, para compreender a inadequação do 
postulado de Say é suficiente o esquema simples de circulação M – D – M, que se apresenta a 
seguir. 
 
18
 Analisando a acumulação de capital no conjunto econômico, Marx (1985) dividiu a economia em dois 
departamentos, quais sejam, o produtor de bensde produção e o produtor de bens de consumo, respectivamente 
departamento I e II, os quais subdividem-se entre os três elementos apresentados (capital constante, variável e 
mais-valia): 
I=C1+V1+M1 
II=C2+V2+M2 
Na situação de reprodução simples, isto é, na qual não há investimento líquido positivo, a produção, ou o valor 
criado no departamento I compreende exatamente à reposição de capital de ambos os departamentos. Não há, 
portanto, acumulação, pois a conversão de mais-valia em capital não é suficiente para extrapolar a reposição do 
capital. No caso da acumulação de capital – a reprodução ampliada – parte da mais-valia deve ser consumida 
pelos capitalistas ( ), e o restante aplicado em capital constante e variável (respectivamente Mc e Mv), segundo 
o esquema: 
I=C1+V1+
1+M1c+M1v 
II=C2+V2+
2+M2c+M2v 
19
 Adicionalmente, destaca-se que na tradição marxista, alguns autores haviam se preocupado em investigar a 
problemática, também de modo seminal, e Kalecki (1983c) se empenha em analisar e discutir a produção desses 
autores, os quais são representados por Rosa Luxemburgo e Tugan-Baranowski. 
20
 A fórmula do capital surge, analiticamente, quando dinheiro se converte em capital, ou consolida-se na 
fórmula: Dinheiro (D) – Mercadoria (M) – Dinheiro adicinal (D‟). Desenvolver esse tema não é objetivo do 
artigo, o que pode ser visto em Marx (1985, Vol. I, cap. 1, 2 e 3). 
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12 
 
O movimento de intercâmbio de mercadorias M – M se conforma em dois processos 
distintos – separados temporal, espacial e logicamente – que Marx (1985) denominou de 
“metamorfoses da mercadoria”, quais sejam: M – D, a venda; e D – M, a compra. 
Primeiramente, analisa-se a metamorfose M – D (venda), que foi também considerada 
pelo autor como o “salto mortal da mercadoria”. Com a divisão social do trabalho, qualquer 
pessoa que produza uma mercadoria – que a seu possuidor não há atribuição de valor de uso, 
mas, sim, valor de troca – deve encontrar outrem que possua dinheiro e atribua a esse produto 
do trabalho um valor de uso. Dessa maneira, o trabalho despendido na gestação de tal 
mercadoria se conforma como socialmente aceito, realiza-se, e permite à mercadoria dar o 
“salto mortal” transformando-se em dinheiro. Caso a mercadoria não se converta em dinheiro, 
afirma Marx (1985, Vol. I, p. 95): “não é a mercadoria que é depenada, mas sim o possuidor 
dela”. Com a divisão social do trabalho, as diversas necessidades devem ser obtidas com 
mercadorias de outros, o que se viabiliza somente por meio da posse do dinheiro, assim quem 
não tem dinheiro é “depenado”. Se certa pessoa não é capaz de cumprir com o “salto mortal”, 
é, portanto, incapaz de fazer com que o próprio trabalho garanta atender suas “multilaterais 
necessidades”. 
A segunda, ou final, metamorfose da mercadoria é D – M (compra). Com a capacidade 
que o dinheiro tem de expressar o valor de qualquer outra mercadoria e nela se 
metamorfosear, a metamorfose se completa na conformação de uma compra, que só pode ser 
decidida pelo possuidor de dinheiro, que ao fazer, garante simultaneamente o “salto mortal” 
de outrem. Afinal, por óbvio, um ato de compra é também um ato de venda. Assim, a última 
etapa da metamorfose da mercadoria é também o princípio de outra. Destaca-se, novamente, 
que aquele que possui o dinheiro é o único que tem o “poder”, ou a capacidade, de garantir 
que um produto do trabalho seja convertido em dinheiro (renda). 
Marx (1985) insiste que a realização de uma venda, um salto mortal M – D, é a 
recíproca de uma compra de outrem, em estágio D – M. A divisão do trabalho garante que os 
indivíduos precisem intercambiar mercadorias e assim a produção está separada das vendas 
em termos de indivíduos, mas também em espaço e tempo. Produz-se em locais e períodos 
distintos de suas vendas. Ademais, a separação lógica entre os processos evidencia que não 
necessariamente a posse de dinheiro (obtida em M – D, que ao mesmo tempo a outro foi um 
D – M) implicará em realização de outra compra. 
Destaca-se, por fim, o que já deve estar claro. O que se apresentou acima acerca das 
funções da moeda (em especial a sua capacidade de reservar valor) e a explícita separação de 
metamorfoses, feita por Marx, em dois processos autônomos, quais sejam, a produção de uma 
mercadoria aliada a sua realização dissociada da compra de outra mercadoria, permite 
compreender que existe a possibilidade de nem todo o dinheiro obtido em M – D ser efetivado 
em demanda, D – M. 
Com essa formulação em mente, na qual se discutiu que na circulação de mercadorias 
a separação lógica feita por Marx, entre a produção e a realização, abria a possibilidade de 
não efetivação de demanda e crise, tal compreensão orientaria os rumos do entendimento da 
demanda efetiva nos estudos de Kalecki, que afirma: 
“Que Marx estava profundamente consciente do impacto da demanda 
efetiva sobre a dinâmica do sistema capitalista pode-se ver claramente no 
seguinte trecho do terceiro volume de O Capital: „As condições da 
exploração direta [(entenda-se produção)] e as condições da realização da 
mais-valia não são idênticas. Elas estão separadas não apenas pelo tempo e 
espaço mas também logicamente. As primeiras estão limitadas meramente 
pela capacidade produtiva da sociedade, e as segundas pelas proporções dos 
diversos ramos de produção e pelo poder de consumo da sociedade.‟ 
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13 
 
Marx, contudo, não investigou sistematicamente o processo descrito por 
seus esquemas de reprodução, do ponto de vista das contradições inerentes 
ao capitalismo resultantes do problema da demanda efetiva” (KALECKI, 
1983b, p. 8). 
 
Portanto, Marx tratou da possibilidade de não efetivação da demanda, mas a 
formulação de uma teoria e uma esquemática de determinação do produto pela demanda, que 
explicita tal variável como independente, como a que causa a renda e o emprego, e 
determinante para a dinâmica econômica também no longo prazo, só viria a se consolidar com 
Keynes e Kalecki. 
A formulação keynesiana já foi discutida, então, a compreensão da kaleckiana 
principia-se pela “nova” divisão da economia, na qual o departamento I deve ser 
compreendido como aquele que compõe o investimento bruto, também incluindo todas as 
matérias-primas e insumos ligados ao investimento. Esta composição é uma abstração que 
compreende toda a cadeia produtiva relacionada exclusivamente com os bens correspondentes 
aos investimentos brutos realizados na economia. 
Os departamentos II e III passam a ser referentes aos bens de consumo da classe 
capitalista e da classe trabalhadora, respectivamente. Assim como na primeira subdivisão, 
vale a mesma abstração que funde toda a cadeia produtiva com a exclusividade de 
fornecimento de insumos e matérias-primas para cada departamento, desse modo, no setor de 
consumo capitalista (ou de trabalhadores) estão inclusas as etapas produtivas que antecedem e 
compõem o produto final. 
Sem embargo, os departamentos Kaleckianos são didaticamente representados na 
tabela 1, na qual P1, P2 e P3 são os lucros brutos de cada um dos departamentos; W1, W2 e W3 
são os salários agregados nas respectivas subdivisões; Cc e Cw são, nessa ordem, as despesas 
em consumo por parte dos capitalistas e trabalhadores, por fim, I e Y, como de praxe, são o 
agregado do investimento e da renda bruta. Nesta forma geral e simplificada, abstrai-se o 
comércio exterior e as contas governamentais. 
 
Tabela 1: Departamentos kaleckianos da renda nacional 
I II III Total 
P1 P2 P3 P 
W1 W2 W3 W 
I Cc Cw Y 
Fonte: Kalecki (1983b, p. 1). 
 
Mais do que dividir a contabilidade nacional, o esquema de Kalecki permite elucidar 
relações de determinação entre as variáveis. O autor parte debásicas e óbvias identidades 
contábeis macroeconômicas, para, então, destacar a variável independente e o sentido de 
determinação causal. 
Supondo que os salários são consumidos integralmente, isto é, os trabalhadores não 
poupam, e também admitindo por hipótese que não há acumulação de estoques, Kalecki 
(1983b) evidencia (o que o autor se refere como “equação de troca de Marx”, não de si 
mesmo) a relação entre os departamentos. A primeira observação é feita nos lucros do 
departamento III, produtor de bens para consumo dos trabalhadores. Já foi dito que os salários 
são consumidos em sua totalidade, assim, a receita total dos capitalistas que produzem para 
consumo de trabalhadores corresponde ao somatório de salários da economia; representando-
se na equação 7: 
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14 
 
321III Receita WWW 
 (7) 
Como os departamentos constituem uma abstração em que cada subdivisão está 
totalmente integrada verticalmente, para obter o lucro dos capitalistas do departamento III, 
basta descontar de sua respectiva receita as despesas com os salários de seus trabalhadores, 
como se vê na equação 8 e chegar na equação 9 que está exposta em Kalecki (1983b): 
33 III Receita PW 
 (8) 
213 WWP 
 (9) 
Com dada distribuição entre lucros e salários, bem como se valendo das hipóteses 
acima aventadas, é possível partir da equação 9, a ela acrescentar P1 + P2 em ambos os lados 
da equação, e concluir que os lucros da economia são iguais aos dispêndios dos capitalistas 
em investimentos e consumo: 
2211321 WPWPPPP 
 (10) 
Como: 
PPPP  321 ; 
IWP  11 ; cCWP  22 (10’) 
cCIP 
 (11) 
A seta na equação 11 indica um elemento importante da teoria proposta por Kalecki, a 
qual parte do princípio que a única decisão logicamente possível seja a de quanto gastar, e 
não seja a decisão sobre o quanto ganhar. Assim, a identidade contábil que se forma entre o 
lucro bruto e os dispêndios capitalistas possui uma determinação causal, que enceta dos gastos 
e determina as rendas imediatamente. Toda decisão de gasto capitalista implica 
necessariamente numa renda equivalente. Como os capitalistas não decidem o quanto ganham 
diretamente, mas decidem o quanto gastam (claro que individualmente), então, no agregado, 
“ganham o que gastam”, ao passo que os trabalhadores “gastam o que ganham”. A 
independência dos gastos na determinação dos lucros, na lógica capitalista, é a maneira pela 
qual a demanda efetiva está presente na teoria de Kalecki, ainda que “implícita”. 
Denotando, como faz Kalecki (1983b), as participações dos salários no produto de 
cada um dos departamentos correspondentes, quais sejam, W1/I ; W2/Cc ; W3/Cw por w1, w2 e 
w3, respectivamente. A partir da equação 9 explicita-se o elemento da distribuição e obtém-se 
a equação 12, que, por sua vez, ao isolar Cw, alcança a equação do consumo dos trabalhadores 
na equação 13: 
cw CwIwCw 213)1( 
 (12) 
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15 
 
)1( 3
21
w
CwIw
C c
w



 (13) 
Por meio da equação 13, nota-se que o consumo dos trabalhadores é resultado dos 
gastos capitalistas em investimento e consumo próprio, mas também depende da participação 
dos trabalhadores nesses itens, então, o consumo dessa classe será tão maior (ou menor) 
quanto maior (ou menor) o dispêndio capitalista e quanto maior (ou menor) a parcela 
apropriada pelos trabalhadores em termos distributivos. 
Por fim, essas identidades contábeis básicas permitem a Kalecki (1983a; 1983b) 
compor a renda nacional agregada como: 
wc CCIY 
 (14) 
Ou, substituindo na equação 14 o Cw definido em 13 se obtém: 
)1( 3
21
w
CwIw
CIY c
c



 (14’) 
 
A equação 14‟ explicita a lógica de conformação do produto nacional segundo o 
entendimento de Kalecki, então, sistematizando logicamente a determinação da renda, tem-
se:
21
 i) dado o investimento e a decisão de consumir dos capitalistas, definem-se os lucros 
agregados; ii) em conseqüência, dada a distribuição de lucros e salários, determinam-se a 
massa de salários (integralmente consumidos, como simplificação) e a renda agregada. 
Por fim, podem ser relaxadas as hipóteses de orçamento governamental equilibrado e 
comércio exterior com saldo nulo. Basta acrescentar nas equações de determinação do lucro e 
da renda (enumeradas por 11 e 14‟) o saldo da balança comercial (X-M) e o déficit 
orçamentário – composto pela diferença entre os gastos públicos (G) e os impostos menos 
transferências (T). Ademais, é possível relaxar a hipótese de que os salários são integralmente 
consumidos, bastando subtrair a parcela dos salários poupada (Sw), como se vê a seguir, em 
que o P’ representa o lucro bruto que passa a ter impostos deduzidos: 
wc SMXTGCIP  )()('
 (11’) 
A renda nacional, por sua vez:
22
 
)( MXGCCIY wc 
 (14’’) 
Na equação de determinação da renda nacional mantém-se a seta de causalidade, 
portanto o produto de um determinado período de tempo é resultado de uma série de variáveis 
 
21
 Como propõe Possas (1987: p. 93). 
22
 Assim como em Possas (1999). 
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16 
 
de dispêndio agregadas, quais sejam, o investimento, o consumo dos capitalistas e 
trabalhadores, a despesa governamental e, ainda, a demanda internacional líquida. 
 
3.2. Relação poupança e investimento 
A sistematização do PDE discutida até o presente momento permite superar uma 
dificuldade comum na teoria econômica em geral, qual seja, o entendimento da “relação” 
entre poupança e investimento. Essa discussão poderia, tranquilamente, ser feita com base na 
Teoria Geral, em que Keynes (1992) expõe o tema nos capítulos 6 e 7. Apenas por uma 
questão de conveniência, o presente trabalho apresenta a relação investimento-poupança 
somente com base em Kalecki. A presente seção buscará discutir o porquê de a poupança não 
financiar o investimento, e que, portanto, tal implicação da Lei de Say é lógica e teoricamente 
inválida. 
Já se discutiu que o PDE garante que os gastos determinam a renda, parte-se, então, do 
desenvolvimento da seção anterior, que definiu a equação 14‟‟. Introduzindo-se nessa equação 
os impostos menos transferências e finalmente subtraindo-se da renda os consumos 
capitalistas e de trabalhadores, determina-se exatamente o que se denomina por poupança (S): 
)()( MXTGIS 
 (15) 
As equações 14‟‟ e 15 expõem que na perspectiva do PDE, a renda e a poupança, 
ambas, são determinadas unilateralmente pelos gastos. Portanto, logicamente, do mesmo 
modo como não é possível decidir o quanto ganhar (no agregado a renda Y), também não é 
possível decidir o quanto poupar (no agregado a poupança S, seria decidir o quanto ganhar 
além do quanto consumir, que corresponde a Y-T-Cc-Cw). A decisão conceitualmente possível 
é a de gastar, então, como conseqüência determinam-se as rendas e a poupança, 
residualmente. 
É importante ter claro que os gastos dependem de poder de compra (estoque), como 
demonstra Kalecki (1983d)
23
, o qual conceitualmente não se liga à noção de poupança, que é 
um mero fluxo resultado da diferença entre a renda e o consumo num instante econômico. O 
poder de compra está logicamente relacionado ao crédito, criado ex nihil pelo sistema 
bancário, ou a algum estoque de riqueza próprio, que por sua vez pode ser resultado de lucros 
acumulados, ou ainda resultar de poupança em períodos passados, o que é absolutamente 
irrelevante para o resultado seguinte. Ora, independente da fonte de geração de poder de 
compra, supor que a riqueza acumulada no período em análise é gasta seria incorrer em Lei de 
Say, ao passo que os postuladosda demanda efetiva já demonstraram a incoerência disso. 
Daquilo que se discutiu até aqui, está evidente que poupança e investimento, além de 
uma identidade contábil, trata-se de uma igualdade com determinação causal (com base no 
PDE), como explicitou a equação 15. A poupança, como foi discutida, é resultado residual das 
decisões de gasto e não financia o investimento. Desse modo, a poupança não é uma “oferta 
de recursos líquidos”, mas, sim, um fluxo decorrente e idêntico ao dispêndio em investimento. 
As teorias da demanda efetiva buscaram demonstrar que o investimento é resultado das 
decisões capitalistas e possível de ser executado a partir da criação de poder de compra por 
meio do sistema bancário.
24
 Portanto, afirmar que a poupança é uma “oferta de recursos 
líquidos” que se equilibra com sua demanda (investimento) viola o princípio da demanda 
 
23
 Mais detalhes em Possas e Baltar (1981) ou, ainda, em Possas (1999). 
24
 Kalecki (1983d: pp.23-24) deixou claro: “é possível estimular seus [(dos capitalistas)] investimentos, mesmo 
se os lucros não aumentaram (...) ou se seu consumo não foi diminuído ad hoc (...). O financiamento adicional 
do investimento é realizado pela assim chamada criação de poder de compra. Há um aumento da demanda por 
créditos bancários e estes são concedidos pelos bancos”. 
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
De 11 a 13 de agosto de 2010
17 
 
efetiva. A causalidade unilateral do PDE deixa claro que o investimento gerará poupança em 
idêntica magnitude; a poupança será tanto maior, ou menor, quanto for o investimento. 
Segundo Possas (1999: p.29): “pela determinação contábil e causal do PDE (...) a poupança 
permanecerá continuamente igual ao investimento”. 
Vale explicitar outra incoerência do tratamento convencional dado por economistas 
neoclássicos, ou mesmo clássicos, à poupança. Viu-se que o PDE deixa claro que a poupança 
não é “ato” voluntário, nem “esforço”, dos agentes econômicos. Pelo que foi discutido até 
aqui, é logicamente incorreto que haja decisão de poupar, ou que se poupe no presente para 
consumir e/ou investir no futuro, ou tampouco que níveis maiores de taxa de juros 
estimulariam positivamente a decisão de poupar. Além disso, é comum aos economistas 
convencionais converterem (T–G) e (M–X) em poupança do governo (Sg) e poupança externa 
(Sx), travestindo a equação 15 em: 
ISSS xgp 
 (15’) 
Note que a equação 15‟ explicita o tratamento convencional da “poupança privada”, 
“poupança do governo”, “poupança externa” e investimento. A equação perde a seta de 
determinação causal vista na equação 15. Supor que a equação 15‟ possui uma determinação 
causal da poupança ao investimento (comum na teoria ortodoxa), de modo que seja um 
“esforço” de poupanças interna e externa por maior investimento é equivocado; e já discutiu-
se a incoerência da idéia de que a poupança financia o investimento. Com base no PDE, o 
investimento sempre determina a poupança de seu período. 
Por fim, está claro que na identidade poupança-investimento a teoria deve preocupar-
se com o investimento. A poupança, como mero resíduo macroeconômico, é um conceito 
irrelevante à luz do PDE. “Simplesmente desaparece a „relação‟ poupança-investimento para 
qualquer efeito teórico ou prático relevante, em detrimento de toneladas de papel produzidas 
sobre ela”. (POSSAS, 1999: p.30). 
 
3.3. Dinâmica capitalista: ciclo e tendência 
Por fim, outro importante elemento decorrente da forma proposta por Kalecki é sua 
implicação dinâmica, e de longo prazo, do princípio da demanda efetiva. A presente seção 
buscará apresentar brevemente de que maneira uma economia capitalista possui um 
comportamento cíclico, no qual a tendência não é pré-determinada. 
O modelo de investimento de Kalecki (1983a) permite construir uma dimensão 
dinâmica do PDE. Por meio de elementos característicos do investimento, o autor explicita o 
comportamento de uma economia capitalista ao longo de sucessivos períodos, no qual as 
flutuações do investimento, renda e estoque de capital são endógenas. A presente seção 
apresentará o modelo,
25
 suas intuições econômicas e as representações formais fundamentais, 
para, então, elucidar os elementos que fazem com que o modelo seja uma representação 
dinâmica da economia capitalista, cujas flutuações são desdobramento da atuação de um 
componente essencial: o investimento. 
O modelo teórico de investimento de Kalecki é enunciado em termos de “decisão” de 
investir (D), fato que remete a uma característica fundamental da variável investimento: o seu 
comportamento “dual”. Isso significa que por um lado o investimento, no momento da 
decisão (em t), é um gasto e, portanto, um estímulo à demanda agregada; mas, por outro lado, 
transcorrido um lapso de tempo (t+), o investimento conforma-se em aumento da capacidade 
produtiva, que desestimula investimentos futuros. Nesse sentido, a primeira equação da seção: 
 
25
 Tratar-se-á do modelo de Kalecki (1983a), também com o apoio das interpretações e reflexões de Possas e 
Baltar (1981) e Possas (1987, 1999). E, ainda, Kalecki (1973). 
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
De 11 a 13 de agosto de 2010
18 
 
tt DF  (16) 
Na equação 16, F representa o investimento agregado bruto em capital fixo, em que há 
um “retardo” entre as decisões de investir (em t) e a consolidação da capacidade produtiva 
(t+), considerando, portanto, um hiato temporal entre “encomendas” e “entregas”
26
; e Dt 
representa as decisões de investir em um dado período de tempo. Por sua vez, Kalecki define 
Dt , em termos de Ft+, como: 
d
t
K
c
t
P
baSF tt
tt 






 (17) 
Antes de definir os termos da equação, em se tratando da teoria dinâmica de Kalecki, é 
importante considerar uma premissa lógica central: a “estrutura econômica estável”, que 
significa ausência de mudanças tecnológicas, de mercados, de estruturas produtivas, ou de 
política econômica.
27
 
O componente aSt manifesta a influência do nível de atividade corrente. Trata-se da 
poupança bruta agregada como proxy
28
 de lucros acumulados, que reflete a capacidade de 
autofinanciamento, ou a aptidão de tomada de crédito.
29
 Quanto maior for a acumulação 
interna, maior o capital empresarial, maiores as capacidades de financiamento e de lidar com 
o “risco crescente”, como discute Miglioli (1981, pp.280-282). Kalecki introduz com esse 
componente um elemento inercial ao modelo de ciclos (que decorre da função de 
investimento parcialmente descrita aqui), pois supõe um grau de reinversão de lucros, o que 
contribui em impedir que a dinâmica tenha um comportamento “explosivo”.
30
 
Os componentes segundo e terceiro da equação devem ser discutidos em conjunto e 
representam variações no nível de atividade. Numa representação linear, na ótica de uma 
“estrutura econômica estável”, exprimem fatores “conjunturais” que afetam a taxa de lucro, 
em especial o grau de utilização da capacidade. O termo Pt (variação dos lucros) reflete o 
efeito positivo na decisão de investir decorrente de elevação do nível de atividade, ao passo 
que Kt (variação do estoque de capital) representa o impacto negativo de alta na capacidade 
instalada. Considerando esse “duplo” efeito do investimento, em conjunto e dinamicamente, 
refletem-se as rentabilidades esperadas do capital fixo aplicado, projetadas a partir do 
comportamento corrente. Conforma-se, então, num “acelerador” do investimento do tipo 
backward looking. 
Sobre esse acelerador, Kalecki deu destaque às variáveis correntes: “Pode-se supor 
que a taxa de lucros esperada seja função crescente dos lucros correntes „reais‟ e decrescente 
do estoque de capital em equipamento” (KALECKI, 1983a: p. 84). Possas (1987) sistematizauma crítica com base na contribuição de Keynes (1992) do conceito de “expectativas”, 
 
26
 Possas (1987: p. 124 e 125) explicita que nessa versão do modelo também está considerado, implicitamente, 
um tempo de reação dos empresários ao nível, ou variações, correntes de variáveis; juntamente ao tempo de 
produção e implantação dos bens de capital. 
27
 A respeito deste tema Possas (1999: p.32). 
28
 As dificuldades lógicas da utilização desse termo, ainda que como instrumento meramente estatístico, à luz do 
PDE constam em Possas (1987). 
29
 Seja pelos impactos que o volume de lucros retidos traz ao risco do credor, ou ao risco do próprio tomador. 
Em artigo, Kalecki (1937) aborda os riscos crescentes e os limites ao investimento. O tema do risco foi 
amplamente desenvolvido posteriormente por Hyman Minsky. 
30
 Vale comentar, criticamente, que o termo em discussão poderia ser especificado como uma restrição financeira 
ao investimento e, portanto, como um componente não-linear, o que evitaria o “automatismo” do reinvestimento. 
A respeito desse tema ver Possas (1987: p. 125-128) e Possas (1999: nota 36). 
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
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19 
 
argumentando que o acelerador não pode apenas se basear no passado. Acrescenta que as 
expectativas “keynesianas”, apesar de ausentes em Kalecki, são compatíveis ao modelo. Ou 
seja, um acelerador à lá Kalecki que contemple a noção de expectativas de Keynes parece a 
forma mais adequada: conformando um acelerador que além de “olhar” para o passado e 
presente é capaz, também, de “olhar” para frente. 
O componente d reflete um conjunto de elementos autônomos do investimento, dito 
“constante”
31
 e sujeito a alterações exógenas de longo prazo. É formado pelos gastos não 
induzidos endogenamente pelas variáveis do modelo, podendo abranger investimentos em 
inovações, relacionados às demandas finais exógenas, investimentos de longa maturação com 
pouca (ou nenhuma) relação com questões correntes. Ademais, deve abarcar reposições de 
capital uma vez que o termo induzido é líquido e F está em termos brutos. Na análise 
dinâmica do ciclo econômico, a ausência do componente autônomo (considerando apenas 
reposição da depreciação) fará com que as flutuações não sigam tendência de crescimento de 
longo prazo.
32
 
Do ponto de vista teórico, Kalecki, diferente de Keynes, não dá grande destaque aos 
juros na determinação do investimento. Em Kalecki o papel dos juros no processo de decisão 
capitalista é secundário. Como aponta Miglioli (1981), os juros de curto prazo tendem a se 
elevar no momento ascendente do ciclo (como conseqüência do maior volume de transações), 
porém os juros de longo prazo (relevantes ao investimento por seus efeitos em custos) 
ficariam pouco alterados ao longo do ciclo, segundo Kalecki (1983a). 
Voltando às equações de investimento e considerando-se K/t=F– (em que  
representa a depreciação do capital) e substituindo-se na equação 17; para depois isolar os 
termos Ft+ e cFt, dividir todos os termos da equação por 1+c e definindo-se b’=[b/(1+c)] e 
d’=[(c+d)/(1+c)], chega-se na equação 18: 
''
1
d
t
P
bS
c
a
F t
tt 





 (18) 
Na equação 18 o termo à esquerda representa uma média ponderada de Ft+ e cFt, 
como c é provavelmente uma “fração muito pequena”, t+ deve estar próximo da ordem de 
t+ . Adicionando à equação 18, de investimentos em capital fixo, um componente de 
investimentos em estoques (Jt+=e.O/t), no qual Kalecki (1983a) entende como 
relacionado à taxa de modificação da produção do setor privado com uma defasagem. Tal 
lapso temporal, segundo informações de Kalecki (1983a), são semelhantes a  , por isso (para 
simplificar) o autor aproxima de  . Então, define-se a fórmula do investimento total (I):
33
 
''
1
d
t
O
e
t
P
bS
c
a
I tt
tt 








 (19) 
Dado o que se discutiu até aqui e com auxílio da equação 19, nota-se: i) a relação, com 
hiato temporal, do investimento em capital fixo com o nível de atividade corrente 
(“poupança”) com a taxa de modificação do estoque de capital (pelo denominador 1+c); ii) a 
 
31
 Provavelmente Kalecki descreve “constante” à luz da premissa de “estrutura econômica estável” e em busca 
de um modelo teórico linear, portanto simplificado, mas suficiente para explicar a essência do investimento. 
32
 “Se não houver investimento líquido „autônomo‟, a tendência subjacente ao ciclo se reduz aproximadamente 
às necessidades de reposição do capital” (Possas, 1987: p. 131). 
33
 Os passos das transformações brevemente apresentadas nos últimos parágrafos constam em Kalecki (1983a: 
p.84-88), com mais detalhes em Possas (1987: p.146-148). 
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
De 11 a 13 de agosto de 2010
20 
 
taxa de modificação dos lucros; iii) a relação do investimento em estoques com a taxa de 
variação da produção (O); e iv) o componente autônomo. 
Uma vez apresentado o modelo de investimento de Kalecki, é importante frisar os 
elementos básicos de sua teoria e destacar as bases para a dinâmica, que leva a flutuações 
endógenas. No capítulo 5, Kalecki (1983a) demonstra que o investimento determina o nível 
de atividade. Em seguida, Kalecki (1983a) explicitou, no capítulo 9, que o investimento é 
determinado, com certo hiato temporal, pelo nível de atividade econômica e pela taxa de 
variação desse nível. Ademais, o investimento tem um caráter “dual” de estimular a demanda 
efetiva, porém gerar capacidade – após hiato temporal – e prejudicar a rentabilidade. Essas 
características básicas, mais o progresso técnico e os componentes autônomos, são a essência 
do processo dinâmico de uma economia capitalista e, particularmente, permitiu a Kalecki 
demonstrar que essa dinâmica envolve fenômenos cíclicos do investimento, da renda e do 
estoque de capital. Para haver tendência, na dinâmica cíclica, os componentes autônomos do 
modelo, como inovações técnicas ou, ainda, podendo-se incluir ações “decididas” do Estado 
com o fim de criar uma tendência, possuem papel central. 
Neste momento é importante acrescentar os multiplicadores kaleckianos, no plural, 
pois, o autor não faz um único multiplicador para a economia toda, como faz Keynes, mas 
apresentam-se dois diferentes multiplicadores, quais sejam, o dos trabalhadores e o dos 
capitalistas. O multiplicador capitalista é composto pela propensão a consumir de capitalistas 
(1/1–q) e no caso dos trabalhadores pela participação dessa classe na renda (1/1–).
34
 
Ademais, entre uma despesa “inicial” e a efetivação (ou atuação) do multiplicador há um 
hiato temporal  (que poderia ser desprezado, como faz Possas (1987) em sua solução 
formal). 
Utilizando-se dos multiplicadores, com o que já se obteve, tem-se as equações que 
relacionam os lucros (P) – com hiato temporal – ao investimento; a relação do produto com os 
lucros
35
; e, conseqüentemente, a relação investimento e produto.
36
 Por fim, como S=I, 
substituindo-se as equações da nota 36 na equação 19 e fazendo remanejamentos: 
'
)'1)(1(11
d
t
I
q
e
t
I
q
b
I
c
a
I tt
tt 









 




 (20) 
Fica evidente que o investimento em t+ depende do investimento em t e da taxa de 
variação do investimento em t– . O componente a expressa o efeito da retenção de lucros; o 
componente (1+c) trata do efeito negativo do aumento dos equipamentos e garante a reversão 
para a formação do ciclo
37
; além da taxa de modificação dos lucros [b/(1–q)] e da 
produção[e/(1–q)(1–‟)]. 
Kalecki, analisando o “ciclo puro”, supõe ausência de investimento autônomo 
(tendência) e, então, investimento estável ao nível da depreciação. Representando por i o34
 Os multiplicadores estão descritos em Kalecki (1983a: cap. 5). Optou-se por não desenvolvê-los para manter o 
texto focado nos objetivos propostos, ademais eles seguem, basicamente, a idéia do multiplicador de Keynes, 
apesar de dividido em categorias distintas. 
35
 Relação definida em Kalecki (1983a: cap. 4 e 5). 
36
 O que significa que chegamos em: 











 
t
I
qt
P tt 
1
1
; e 












t
P
t
O tt
'1
1
 => 











 
t
I
qt
O tt 
 )'1)(1(
1
. 
37
 Kalecki (1983a: p.86) supõe (a/1+c)<1 e ibidem, p.91 estima em torno de 0,634. Destaca-se que ser menor que 
1 permite flutuações. 
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
De 11 a 13 de agosto de 2010
21 
 
desvio do investimento em relação à depreciação (investimento líquido), define-se a seguinte 
equação dinâmica: 
g
t
i
i
c
a
i t
tt 




 


 
1 (21) 
Onde  é função do multiplicador
38
 e g representa o componente autônomo, o qual, 
como dito anteriormente, é suposto nulo pelo autor. 
A equação 21 em diferenças, finita e linear, possui solução formal – apresentada por 
Possas (1987) – que elucida os ciclos com conclusões mais “gerais e rigorosas”. Kalecki 
apresenta intuitivamente como que em conseqüência do investimento (que estimula, porém, 
passado hiato temporal, desestimula) a dinâmica capitalista está sujeita a reversões 
endógenas. 
Pela intuição econômica, uma economia em depressão está com destruição de 
capacidade produtiva, a qual inicia a recuperação uma vez que a demanda passa a ser atendida 
por maior utilização da capacidade (restante), elevando sua rentabilidade. O que induz 
elevação do investimento (com criação de poder de compra), aumentando a produção e 
emprego de bens industriais, via consumo de trabalhadores e lucros (multiplicador) que 
afetam as indústrias restantes. A recuperação segue até o auge, em que as entregas (após hiato 
temporal do período de encomendas na recuperação) de equipamentos superam as 
necessidades a ponto de reduzir a rentabilidade e reverter o ciclo. 
Kalecki (1983a: cap.11) supõe (a/1+c)<1, o que permite a reversão dos componentes 
it e it+ ; expõe que a intensidade dos movimentos se liga a  e o sentido de alta, ou baixa, do 
ciclo se dão por meio do componente (it-/t). Assim, a esquemática formalizada aliada à 
intuição econômica permite melhor compreensão do tema e por isso contribui aos propósitos 
da presente seção. 
Com base no que foi brevemente exposto aqui, a dinâmica capitalista do PDE, 
induzida pelo investimento, apresenta um comportamento cíclico, no qual (em ausência de 
investimentos líquidos autônomos e progresso técnico) a economia deve flutuar em “estado 
estacionário” (POSSAS, 1999: p.40). O que significa que a economia capitalista não pode 
tender, por meio dos componentes endógenos discutidos, a uma dinâmica de crescimento de 
longo prazo. Portanto, a dinâmica capitalista garante trajetória cíclica, porém a tendência a 
crescer (ou contrair) não está garantida, pois a tendência será determinada por componentes 
exógenos como inovações técnicas, investimentos de longa maturação, ou a atividade 
planejadora do Estado com fins de garantir uma trajetória crescente de acumulação de capital. 
 
4. Considerações finais 
Por meio do esforço empreendido neste trabalho, a fim de apresentar o PDE segundo a 
formulação keynesiana e kaleckiana, espera-se colaborar para a compreensão de um elemento 
básico dessas teorias, e que marca diferença fundamental com as teorias convencionais que 
explícita ou implicitamente se fundamentam em Lei de Say. 
O PDE postula, em síntese, que o conjunto de decisões de gastos de uma comunidade, 
num determinado período contábil, determina a renda agregada. O que se sustenta 
logicamente, pois, como discutido, a decisão possível em economias mercantis monetárias é o 
quanto gastar, nunca o quanto ganhar. Uma vez que um gasto, qualquer que seja, implica em 
uma renda idêntica para outrem; no agregado, o conjunto de dispêndios é igual e determina a 
renda num período específico. 
 
38
 =[1/(1-q)] [b/(1+c)+e/(1-‟)]. 
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
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22 
 
Nesse sentido, apesar das diferentes abordagens de Keynes, Kalecki e seus discípulos, 
por meio do que foi aqui discutido é possível perceber a inadequação lógica e teórica da Lei 
de Say. Em decorrência, entende-se que não é correto supor que a poupança financia o 
investimento, mas, ao contrário, o investimento é sempre idêntico e determina a poupança. 
Mais do que isso, o PDE permite compreender que os níveis de lucros, renda agregada e 
emprego são, basicamente, resultado dos dispêndios da economia e oscilam de acordo com 
variações dos componentes da demanda. 
Em Keynes, destaque é dado para a decisão empresarial de produção – com estoque de 
capital dado (curto prazo) – sob incerteza e papel central é atribuído à moeda. O que se 
justifica pelo objetivo do autor de explicitar que a determinação do emprego é resultado da 
decisão, ex ante, de produção capitalista com base em sua expectativa de demanda e renda a 
ser auferida numa economia monetária. 
No caso da formulação kaleckiana, em específico, sua abordagem ilumina para uma 
dimensão dinâmica e de longo prazo do PDE, que descreve um comportamento econômico 
endogenamente cíclico e sem tendência autodeterminada. Kalecki permite a compreensão 
clara de que o conjunto de gastos (além de determinar a renda e o emprego num determinado 
período contábil) tem papel fundamental na formação do estoque de capital. Este fato é 
descrito no esquema do “acelerador”, em que o aquecimento da atividade corrente pressiona a 
utilização da capacidade instalada, o que induz os capitalistas a investirem e criarem nova 
capacidade. 
Concluindo, deve-se destacar a necessidade de se estudar as abordagens de Keynes e 
Kalecki em conjunto e em complementaridade. Isso significa, por exemplo, que é importante 
se entender, teoricamente, o comportamento dinâmico do capitalismo com sua essência 
cíclica, com elementos endógenos de reversão e que o investimento pode ser induzido pelo 
nível de atividade – da forma como sugere a leitura kaleckiana. Porém, é importante 
considerar elementos tipicamente keynesianos, como o efeito das expectativas e incerteza no 
acelerador, ou ainda, o efeito monetário e financeiro na atividade econômica – elemento que 
Kalecki coloca em seu modelo com certa passividade. 
 
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Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira 
De 11 a 13 de agosto de 2010

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