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Programa Mais Médicos para o Brasil 2ª edição EIXO 2 | FERRAMENTAS DA MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE Ferramentas de abordagem clínica MÓDULO 04 Programa Mais Médicos para o Brasil EIXO 2 | FERRAMENTAS DA MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) 2023 Ferramentas de abordagem clínica MÓDULO 04 2ª edição Instituições patrocinadoras: Ministério da Saúde Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) Secretaria-Executiva da Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS) Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Núcleo de Educação em Saúde Coletiva (Nescon) Universidade Aberta do SUS da Universidade Federal de Minas Gerais (UNA-SUS/UFMG) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B823f Brasil. Ministério da Saúde. Ferramentas de abordagem clínica [módulo 4] / Ministério da Saúde, Universidade Federal de Minas Gerais. - 2. ed. - Brasília : Fundação Oswaldo Cruz, 2023. Inclui referências. 211 p. : il., tabs. (Projeto Mais Médicos para o Brasil. Ferramentas da medicina da família e comunidade ; 2). ISBN: 978-65-84901-56-8 1. Atenção básica. 2. Medicina de família. 3. Atendimento clínico 4. Sistema Único de Saúde. 5. UNA-SUS. I. Título II. Universidade Federal de Minas Gerais. III. Série. CDU 610 Bibliotecário: Fhillipe de Freitas Campos | CRB1 3282 Ficha Técnica © 2023. Ministério da Saúde. Sistema Universidade Aberta do SUS. Fundação Oswaldo Cruz. Universidade Federal de São Paulo. Alguns direitos reservados. É permitida a reprodução, disseminação e utilização dessa obra, em parte ou em sua totalidade, nos termos da licença para usuário final do Acervo de Recursos Educacionais em Saúde (ARES). Deve ser citada a fonte e é vedada a sua utilização comercial. Referência bibliográfica MINISTÉRIO DA SAÚDE. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Ferramentas de abordagem clínica [módulo 4]. 2. ed. In: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Projeto Mais Médicos para o Brasil. Eixo 2: ferramentas da medicina de família e comunidade. Brasília: Ministério da saúde, 2023. 211 p. Ministério da Saúde Nísia Trindade Lima | Ministra Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) Nésio Fernandes de Medeiros Junior| Secretário Departamento de Saúde da Família (DESF) Ana Luiza Ferreira Rodrigues Caldas| Diretora Coordenação Geral de Provimento Profissional (CGPROP) Wellington Mendes Carvalho | Coordenador Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Mario Moreira | Presidente Secretaria-executiva da Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS) Maria Fabiana Damásio Passos | Secretária-executiva Coordenação de Monitoramento e Avaliação de Projetos e Programas (UNA-SUS) Alysson Feliciano Lemos | Coordenador Assessoria de Planejamento (UNA-SUS) Aline Santos Jacob Assessoria Pedagógica (UNA-SUS) Márcia Regina Luz Sara Shirley Belo Lança Revisor Técnico-Científico UNA-SUS Paula Zeni Miessa Lawall Rodrigo Luciano Bandeira de Lima Rodrigo Pastor Alves Pereira Universidade Federal de Minas Gerais Sandra Goulart Almeida | Reitora Alessandro Fernandes Moreira | Vice - Reitor Faculdade de Medicina Humberto José Alves | Diretor Alamanda Kfoury Pereira | Vice – Diretora Núcleo de Educação em Saúde Coletiva – Nescon/UFMG Francisco Eduardo de Campos| Diretor Edison José Correa | Vice – Diretor Coordenação da UNA-SUS/Universidade Federal de Minas Gerais (EAD-UFMG) Edison José Correa | Coordenador Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Secretaria editorial / Núcleo de Educação em Saúde Coletiva Nescon / UNA-SUS/UFMG: (http://www.nescon.medicina.ufmg.br) Faculdade de Medicina /Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Av. Alfredo Balena, 190 – 7º andar CEP 30.130-100 Belo Horizonte – MG – Brasil Tel.: (55 31) 3409-9673 Fax: (55 31) 3409-9675 Site: www.nescon.medicina.ufmg.br Créditos Revisor Técnico-Científico UNA-SUS André Luis Andrade Justino Paula Zeni Miessa Lawall Rodrigo Luciano Bandeira de Lima Rodrigo Pastor Alves Pereira Designer Gráfico UNA-SUS Claudia Schirmbeck Apoio Técnico UNA-SUS Acervo de Recursos Educacionais em Saúde (ARES) – UNA-SUS Fhillipe de Freitas Campos Juliana Araujo Gomes de Sousa Tainá Batista de Assis Engenheiro de Software UNA-SUS José Rodrigo Balzan Onivaldo Rosa Júnior Desenvolvedor de Moodle UNA-SUS Claudio Monteiro Jaqueline de Carvalho Queiroz Josué de Lacerda Luciana Dantas Soares Alves Lino Vaz Moniz Márcio Batista da Silva Rodrigo Mady da Silva Coordenador Geral da UNA-SUS/UFMG Edison José Correa Coordenador Acadêmico UNA-SUS/UFMG Raphael Augusto Teixeira de Aguiar Coordenador de Produção Pedagógica UNA-SUS/UFMG Marcelo Pellizzaro Dias Afonso Coordenadora Administrativa e Financeira UNA-SUS/UFMG Mariana Aparecida de Lélis Coordenadora de Design Educacional UNA-SUS/UFMG Sara Shirley Belo Lança Gerente de Tecnologias da Informação UNA-SUS/UFMG Gustavo Storck Gestora Acadêmica UNA-SUS/UFMG Roberta de Paula Santos Conteudistas UNA-SUS/UFMG Gregório Victor Rodrigues Mírian Santana Barbosa Nathan Souza Airton Tetelbom Stein Fábio Araujo Gomes de Castro Luara Brandão Viveiros Avaliador de Pertinência UNA-SUS/UFMG Gustavo Valadares Labanca Reis Leandro David Wenceslau Luis Guilherme de Mendonça Marcelo Pellizzaro Dias Afonso Rosa Gouvea de Sousa Editoração UNA-SUS/UFMG Soraya Falqueiro Revisão Bibliográfica e Normalização UNA-SUS/UFMG Gabriel Henrique Silva Teixeira Soraya Falqueiro Designer Gráfico UNA-SUS/UFMG Giselle Belo Lança Antenor Barbosa Designer Instrucional UNA-SUS/UFMG Angela Moreira Weder Hovadich Gonçalves Ilustrador UNA-SUS/UFMG Isabel Rodriguez Leonardo Ribeiro Moore Matheus Manso Web Designer UNA-SUS/UFMG Felipe Thadeu do Carmo Parreira Desenvolvedor Moodle UNA-SUS/UFMG Daniel Lopes Miranda Junior Simone Myrrha Apoio Técnico UNA-SUS/UFMG Leonardo Aquim de Queiroz Michel Bruno Pereira Guimarães Roteirista de Audiovisual UNA-SUS/UFMG Gregório Victor Rodrigues Mírian Santana Barbosa Fábio Araujo Gomes de Castro Edgard Antônio Alves de Paiva Produtor de Audiovisual UNA-SUS/UFMG Edgard Antônio Alves de Paiva Objetivo geral de aprendizagem do módulo Aplicar ferramentas de abordagem clínica em Habilidade de Comunicação, Prática em Saú- de Baseada em Evidências e Raciocínio Clínico na atuação médica da Atenção Primária à Saúde. Objetivo de ensino do módulo Apresentar as ferramentas de abordagem clínica mais relevantes para a atuação da Aten- ção Primária à Saúde em Habilidade de Comunicação, Prática em Saúde Baseada em Evi- dências e Raciocínio Clínico. Carga horária de estudo recomendada para este módulo Para estudar e apreender todas as informações e conceitos abordados, bem como trilhar todo o processo ativo de aprendizagem, estabelecemos uma carga horária de 30 horas para este módulo. Sumário Apresentação do módulo 13 Unidade 01. Fundamentos das Habilidades de Comunicação e o Método Clínico Centrado na Pessoa 15 Introdução 16 1.1 Consulta médica e o modelo biomédico 16 1.2 Método Clínico Centrado na Pessoa 20 1.3 Estrutura de consulta 44 Encerramento da unidade 50 Unidade 02. Aplicação das Habilidades de Comunicação 51 Introdução 51 2.1 A comunicação como uma competência 52 2.2 Técnicas para iniciar a consulta 58 2.3 Técnicas para exploração de problemas e aquisição de informações 62 2.4 Técnicas de comunicação e educação diagnóstica 70 2.5 Técnicas para estabelecimento e implementação de um plano conjunto de manejo de problemas 77 2.6 Comunicação no processo de trabalho da APS 80 2.7 Utilização de mídias 87 Encerramento da unidade 92 Unidade 03. Prática em Saúde Baseada em Evidência (PSBE) 93 Introdução 93 3.1 Por que uma prática diferente? 94 3.2 Como aplicar a PSBE na prática clínica 96 Encerramento da unidade 122 Unidade 04. Prevençãoquaternária (P4) 123 Introdução 123 4.1 Exames de rotina na APS 124 4.2 Níveis de prevenção 128 4.3 O conceito relacional de prevenção quaternária 129 4.4 A prevenção quaternária em rastreamentos 131 4.5 A medicalização da vida e disease mongering 135 4.6 Condutas baseadas em evidência e Choosing Wisely 138 4.7 Antecipação de crítica 141 Encerramento da unidade 143 Unidade 05. Raciocínio clínico e RESOAP 144 Introdução 144 5.1 Como os médicos pensam? 145 5.2 Como médicos de família e comunidade pensam? 163 5.3 Registro clínico na APS 173 5.4 A Classificação Internacional de Atenção Primária (CIAP) 185 Encerramento da unidade 188 Encerramento do módulo 189 Referências 190 Biografia dos conteudistas 208 Lista de figuras Figura 01 O indivíduo e seus contextos próximo e amplo. 27 Figura 02 Método Clínico Centrado na Pessoa: quatro componentes interativos. 42 Figura 03 Roda do currículo de comunicação. 53 Figura 04 Teoria da comunicação de Jakobson. 54 Figura 05 Frases típicas para continuar a comunicação. 60 Figura 06 Proporção de comunicação verbal e não verbal no contexto de interação. 67 Figura 07 Quinze expressões faciais decorrentes de emoções combinadas. 68 Figura 08 Modelo conceitual de diagnóstico centrado na pessoa. 79 Figura 09 Modelo de decisão compartilhada para aplicação sequencial. 80 Figura 10 Tempo do cuidado profissional na vida de um portador de condição crônica. 88 Figura 11 Os três pilares que compõe o tripé da PSBE. 95 Figura 12 Tripé da PSBE para a tomada de decisão clínica e decisão compartilhada com o paciente. 95 Figura 13 Utilidade da informação na busca de evidências. 107 Figura 14 A pirâmide 6S das fontes de evidências. 107 Figura 15 Pirâmides tradicional e revisada de evidências. 111 Figura 16 A pirâmide revisada de evidências. 111 Figura 17 Ciclo da avaliação crítica da evidência. 113 Figura 17 Ciclo da avaliação crítica da evidência. 116 Figura 18 Graduação dos níveis de evidência de acordo com o sistema GRADE. 118 Figura 19 História natural da doença e os respectivos níveis de prevenção por Leavell e Clark. 128 Figura 20 Conceito relacional dos níveis de prevenção segundo Jamoulle (1986). 129 Figura 21 Exemplo de cascata iatrogênica. 131 Figura 22 Conceitos relacionados ao rastreamento. 132 Figura 23 Velocidade de evolução da doença e probabilidade de morte por outras causas. 133 Figura 24 Evolução de novos diagnósticos e de mortalidade de alguns cânceres ao longo de três décadas. 134 Figura 25 Medicalização da vida e sobrediagnóstico. 136 Figura 26 Componentes do Método Clínico Centrado na Pessoa. 140 Figura 27 Raciocínio clínico. 145 Figura 28 Processo cognitivo. 146 Figura 29 Caso clínico com representação esquemática do processo de transdução para terminologia médica. 149 Figura 30 Teoria do processamento dual. 150 Figura 31 Acurácia diagnóstica e acúmulo de dados entre o profissional novato e o experiente. 151 Figura 32 Organização mental do script de adoecimento. 152 Figura 33 Modificações e ajustes dos scritps, da teoria e da prática. 152 Figura 34 Diagnóstico diferencial de dor abdominal segundo localização anatômica. 154 Figura 35 Diagnóstico diferencial de fadiga segundo sistemas orgânicos. 154 Figura 36 Múltiplas apresentações clínicas de quadros vasculares. 155 Figura 37 Sobreposição de múltiplos diagnósticos diferenciais para quadros clínicos semelhantes. 157 Figura 38 Probabilidades de diagnóstico após cada etapa da consulta. 159 Figura 39 Modelo dos limiares diagnóstico e terapêutico. 160 Figura 40 Cálculo dos limiares de teste e de tratamento. 161 Figura 41 Estágios e estratégias de raciocínio clínico. 162 Figura 42 Espaço amostral e eventos. 163 Figura 43 Padrões de evolução de doenças a partir da atenção primária à saúde. 164 Figura 44 Frequência de sintomas sem explicação médica. 165 Figura 45 Paradigmas da Atenção Primária à Saúde e do Hospital Universitário. 166 Figura 46 Ecologia do cuidado médico revisitado. 166 Figura 47 Variedade de diagnósticos feitos pelo médico de família e comunidade. 167 Figura 48 Exemplo de prevalência das doenças na população geral, na população sob cuidado do generalista e na população referenciada para o cuidado especializado. 169 Figura 49 Critérios de Wilson e Jungner para implantação de programas de rastreamento. 172 Figura 50 Evolução dos problemas ao longo de uma sequência de encontros. 177 Figura 51 Episódio de cuidado e encontro clínico. 178 Apresentação do módulo Olá, caro profissional! Boas-vindas ao módulo Ferramentas de Abordagem Clínica. Abordaremos ao lon- go deste módulo conceitos fundamentais para a prática da Medicina de Família e Comunidade. Serão apresentadas a você algumas das mais importantes ferra- mentas do médico de família e comunidade para o seu trabalho diário, sem as quais a própria identidade da especialidade pode se perder. Devido à enorme importância dessas ferramentas, este módulo está dividido em cinco unidades. Nas duas primeiras, vamos conhecer a teoria e a aplicação das ha- bilidades de comunicação e, em especial, o Método Clínico Centrado na Pessoa. Se o Médico de Família e Comunidade é um especialista em pessoas, é fácil concluir que a comunicação é uma das mais importantes ferramentas de trabalho. Por outro lado, talvez não seja tão intuitivo reconhecer que as habilidades de comuni- cação podem (e devem) ser estudadas e treinadas para alcançarmos os melhores resultados. Na terceira unidade, será apresentada a Prática em Saúde Baseada em Evidências. Veremos que essa teoria nunca se propôs a ser uma “ditadura das evidências” – muito pelo contrário – e, no nosso contexto atual de grande volume de evidências científicas disponíveis, torna-se essencial uma prática realmente qualificada e efi- ciente nesse sentido. Na quarta unidade, estudaremos a Prevenção Quaternária, conceito estreitamen- te relacionado ao princípio hipocrático de primum non nocere (primeiro não causar dano). Se uma das mais importantes funções da Atenção Primária à Saúde (APS) é evitar a ocorrência da iatrogenia, a Prevenção Quaternária torna-se essencial para uma adequada prática da Medicina de Família e Comunidade. Por fim, na quinta unidade abordaremos os temas de Raciocínio Clínico e Registro Orientado por Problemas (ReSOAP). Reconhecer as diferentes formas de raciocí- nio clínico, suas vantagens e desvantagens bem como os vieses cognitivos mais comuns pode ajudar a reduzir erros e incertezas, inerentes à prática médica. Um registro bem adaptado à realidade daprática em atenção primária à saúde vai além de um simples instrumento de caráter legal, mas torna-se um importante promotor da longitudinalidade e até mesmo do raciocínio clínico. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 14 Nesta breve descrição das unidades, você já deve ter percebido a importância e a riqueza dos temas. Esperamos que você esteja entusiasmado como nós para conhecer todas essas ferramentas, que tanto nos contam da alma da Medicina de Família e Comunidade! Desejamos a você bons estudos! Fundamentos das Habilidades de Comunicação e o Método Clínico Centrado na Pessoa UNIDADE 01 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 16 INTRODUÇÃO São frequentes os relatos de dificuldades e problemas de comunicação no contex- to do cuidado de saúde. Se a comunicação entre pacientes e profissionais da saúde não funciona efetivamente, os resultados podem não chegar ao esperado. Veremos que parte do problema comunicacional se origina no método clínico dominante na área da saúde, ainda frequentemente ensinado nas escolas médicas, conhecido como modelo biomédico ou método clínico tradicional. Como alternativa a esse modelo, insuficiente para as necessidades atuais, foram propostas algumas abor- dagens centradas na pessoa, em contraposição à centralidade na doença e no pro- fissional de saúde do modelo anterior. Dentre essas abordagens, o Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP) foi o mais difundido na realidade brasileira, o qual nos debruçaremos ao longo desta unidade. Ao final da unidade, é esperado que você seja capaz de: 1. Aplicar os quatro componentes do MCCP na prática clínica, incluindo os aspetos éticos. 2. Identificar uma estrutura sistematizada de entrevista clínica centrada na pessoa a partir das demandas de comunicação clínica mais comuns e das ferramentas apropriadas para essas demandas. 3. Aplicar a abordagem centrada na pessoa incluindo aspectos éticos. 1.1 A CONSULTA MÉDICA E O MODELO BIOMÉDICO O trabalho médico é diverso, abrangendo vários níveis de complexidade. O momento da consulta é o seu ápice, quando tudo acontece. Uma consulta médica, seja reali- zada em um consultório, à beira do leito ou à distância, geralmente tem os elemen- tos necessários para avaliar e manejar qualquer problema médico. São reconhecidas três funções da consulta médica (COLE; BIRD, 2013): 1 – Entender e avaliar os problemas da pessoa. 2 – Gerar um plano de manejo dos problemas. 3 – Construir uma efetiva relação médico–pessoa. Quando consideramos esses três elementos como funções de uma consulta, podemos entendê-los como objetivos, ou seja, enquanto médicos devemos nos comprometer em desempenhar satisfatoriamente esses aspectos em cada consulta conduzida. Podemos dizer que a consulta é o momento mais importante da prática médica, é o encontro entre médico e pessoa que busca cuidado, a materialização do método clínico com a intenção de compreender um problema e buscar soluções para ele. Para começar, vamos entender um pouco mais o que seria esse “método clínico”? 17 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica É interessante compreender o Método Clínico Centrado na Pessoa a partir de uma ótica histórica. No Brasil e em muitos outros países do mundo, o modelo ainda he- gemônico na prática médica é chamado de “modelo médico convencional”, ou “modelo biomédico”. Provavelmente você foi ensinado na sua graduação a utilizar esse modelo e talvez a maioria dos médicos que você conhece também o utilizem. Sabe aquela estrutura de consul- ta em o médico deve iniciar com perguntas de identificação do pa- ciente (nome, data de nascimen- to, ocupação, estado civil, ende- reço, etc.), prosseguir com a verificação da “queixa principal”, coleta das características desse sintoma ou doença (etapa deno- minada por alguns autores como “história da doença atual”), explo- rar informações complementares (história pregressa de saúde, psi- cossocial, familiar, etc.), finalizan- do com a determinação de hipóteses diagnósticas e condutas, que são comuni- cadas ao paciente? Pois é, é desse modelo que estamos falando. Ele tem suas origens no pós Iluminismo e representa uma visão de mundo própria da época. Foram séculos de grandes pensadores com reflexos significativos na medicina. Fonte: Freepik.com Após a Revolução Francesa, passou-se a praticar uma medicina de fatos observados, com a classificação de padrões repetidos em categorias denominadas doenças, passo importante para a organização do que hoje é conhecido sobre trabalho médico. Dá pra entendermos seu sucesso se pensarmos no que acontecia no mundo naquele momento– infecções eram um grande problema, ainda não havia antibiótico, con- dições de higiene eram precárias, não existiam equipamentos que auxiliavam no exame físico e muito menos exames complementares. O olhar mais objetivo do método clínico proposto respondia bem ao que a medicina precisava naquele momento: a investigação dos motivos pelos quais as pessoas padeciam, sem muitos recursos para isso. Um dos pontos altos principais que ainda herdamos desse modelo é a identificação ou descarte de patologias seguindo critérios objetivos, bem seme- lhante ao que fazemos hoje no raciocínio clínico. Seus pontos fracos, porém, só foram constatados algum tempo depois, principalmente no que diz respeito à distância que há entre as abstrações patológicas da vivência real de quem padece delas. Esse modelo perdurou como “método clínico” por quase 200 anos, até que começou a ser questionado sobre sua capacidade de responder às necessidades atuais tanto dos médicos quanto das pessoas a quem se cuida. Podemos dizer que ele é em EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 18 alguns aspectos “centrado na doença” e em outros “centrado no médico”. E essas duas perspectivas geram muitos problemas para a prática. Vamos entender por quê? Esse modelo é considerado “centrado na doença” porque o foco da consulta caminha para o entendimento da moléstia, desde a identificação de uma “queixa” – palavra que remete a um sintoma ou doença, passando pela exploração das suas caracte- rísticas fisiopatológicas (como início, duração, intensidade, fatores de influência, evo- lução) –, culminando com um “diagnóstico” e a proposta de um tratamento. Obser- va-se que não há claramente oportunidades para que sejam abordados aspectos subjetivos da experiência da pessoa em relação àquele problema, simplificando muito as repercussões da condição de se estar doente, e também não abre espaço para quando o motivo da consulta seja outro, não necessariamente uma doença. Tanta coisa mudou desde o surgimento desse método clínico, não é? Desenvolvi- mento de pesquisas de qualidade, contribuições da medicina baseada em evidên- cias, facilidade de acesso a antibióticos e tantos outros medicamentos, democrati- zação do acesso à informação, tecnologias de equipamentos e métodos que nos auxiliam nos diagnósticos que vão muito além dos nossos olhos e mãos. Observa- mos o maior domínio das enfermidades agudas, o aumento da expectativa de vida das pessoas, e com isso a alta prevalência de doenças crônicas. Notamos que essa ênfase em uma medicina muito objetiva foi perdendo sua capa- cidade de avaliar as subjetividades dos indivíduos. Isso se torna um grande proble- ma porque hoje em dia vivemos uma outra realidade. As doenças que encontramos diante de nós são outras: depressão, dores crônicas, diabetes, alcoolismo, câncer, infarto. Os problemas que chegam são mais complexos e exigem mais do que clas- sificar sintomas, exige a habilidade de avaliação de um pano de fundo relacionado à violência, desamparo, desigualdade, frustração. E se a humanidade mudou o modo de adoecer, nós enquanto médicos também temos que mudar o modo de cuidar. E porque esse método clínico convencional também é considerado “centrado no médico”? Saímos de um lugar onde o médico era uma figura socialmente reconhecida como detentora do saber, e por se tratarde um saber no campo da saúde-do- ença ou vida-morte – julgadas socialmente como de muita relevância –, teve-se então a construção de uma autoridade muito respeitada. Até hoje esse “respeito” é algo procurado pelos profissionais que buscam uma posição de certo status perante a so- ciedade. Esse autoritarismo reflete no método clínico, por muitas vezes de maneira até difícil de perceber. Fonte: MARINHO, 2008a | Acervo Fundação Oswaldo Cruz 19 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Podemos observar que as coisas vêm mudando em relação a isso também. Atual- mente, estamos caminhando para o reconhecimento da necessidade de autono- mia das pessoas no seu autocuidado e, somado à facilidade de acesso à informa- ção, à mudança das necessidades em saúde e das expectativas em relação às consultas, a consequência é uma modificação de paradigma na relação médico- -pessoa. Esse entendimento é fundamental para que sejamos bons médicos, aos olhos da ciência e aos olhos das pessoas. A partir do momento que as demandas de quem exige cuidado não são respondidas, os problemas não são solucionados, tanto as pessoas quanto os médicos ficam frustrados. Essa angústia levou vários médicos e pesquisadores a repensar o modelo de consulta, o que culminou com a consolidação do Método Clínico Centrado na Pessoa, na década de 1980. Vamos ler a seguir um trecho do livro “Medicina Centrada na Pessoa: transforman- do o método clínico”, de Moira Stewart, que é a referência base desta unidade: Para ser centrado na pessoa, o médico precisa ser capaz de dar poder a ela, compartilhar o poder na relação, o que significa renunciar ao controle que tradicionalmente fica nas mãos dele. Esse é o impera- tivo moral da prática centrada na pessoa. Ao concretizar essa mudança de valores, o médico experimentará os novos direciona- mentos que a relação pode assumir quando o poder é compartilha- do. Em segundo lugar, manter uma posição sempre objetiva em relação às pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento humano que é inaceitável. Ser centrado na pessoa requer o equilí- brio entre o subjetivo e o objetivo, em um encontro entre mente e corpo (STEWART et al., 2017, p. 31). O trecho destaca que é preciso repensar a relação de poder e hierarquia histori- camente construída entre médicos e pessoas assistidas, e também reconhece a importância da subjetividade no cuidado em saúde, pois é ela que nos levará a en- tender as particularidades de cada sujeito. Respeitar essas particularidades signi- fica centrar na pessoa. Mas analisando a estrutura de uma consulta é possível constatar como ela se desenvolve de maneira hierárquica, sendo o médico, ocupando uma superio- ridade, a figura que julga quais perguntas devem ser feitas, no momento que escolhe, informa um diagnóstico e sugere uma conduta a partir dos seus co- nhecimentos; e o paciente, em uma posição mais passiva, responde ao que é questionado, e ao final deve acatar aos conselhos dados pelo médico sobre como deve resolver seu problema. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 20 1.2 MÉTODO CLÍNICO CENTRADO NA PESSOA Atualmente, existem vários autores que propõem um modelo de consulta ou estru- tura de entrevista para coloca- rem prática a Medicina Centra- da na Pessoa, e ainda não existe um modelo único, mun- dialmente consolidado e pra- ticado. Nesse curso, optamos por trazer o arcabouço teórico por meio do estudo do Método Clínico Centrado na Pessoa, proposto pelo grupo de pes- quisa de Moira Stewart; mas também vamos apresentar o modelo de estrutura de consulta sugerido em “A consulta em 7 passos”, de Vitor Ramos, que é entendido hoje como o melhor modelo para ser utilizado na APS brasileira (CAMPOS; RIOS, 2018). Você também poderá conferir uma sugestão de roteiro de entrevista ao final desta unidade. Fonte: Freepik.com REFLEXÃO Vamos começar este tema com um convite para um exercício: tente se lembrar das últimas vezes que você precisou ir ao médico para consultar a si próprio ou acompanhar alguém, ou então ouviu o relato de uma consulta de algum amigo ou parente. Se essas expe- riências foram positivas, quais características da consulta o fizeram chegar a esta conclusão? E se, ao contrário, foram negativas, por que assim foram? 21 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Você já parou para pensar o que as pessoas pensam sobre as suas consultas? Já recebeu algum retorno delas? Como isso chegou para você? - Acho que o médico não entendeu o que eu realmente tenho. - Queria que ele me passasse um remédio pra resolver isso logo, não consigo adotar essas mudanças que ele indicou na minha vida atual. - Não entendi direito o que o médico acha que eu tenho e nem de onde tirou essa conclusão. - Será que o remédio que ele receitou é realmente necessário? - Ele nem olhou direito pra mim, queria ter falado várias coisas que acabei não tendo espaço... - O meu amigo teve um problema parecido com o meu e era câncer. O médico nem pensou nessa possibilidade e nem pediu um exame, terei que ir em outro. - O que ele me disse não tem nada a ver com o que eu tinha lido na internet, será que ele é confiável? Talvez as respostas para aquelas perguntas estejam em algumas dessas situações. Elas chamam a atenção sobre a falta de conexão na comunicação e a necessidade de voltar o olhar para o que é particular em cada pessoa atendida. A análise das próprias consultas e a avaliação dos aspectos de concordância em compreensão sobre os problemas, a satisfação, a adesão terapêutica, a resolutividade, entre outros, pode direcionar sobre o quão centrado na pessoa foi o momento da consulta. Então, afinal, o que é ser centrado na pessoa? Podemos definir que: ser centrado na pessoa significa trazê-la ao protagonismo do cuidado – o médico deve entender as suas prioridades, o que os problemas trazidos significam para ela, quais são suas aspi- rações e modo de viver, além de dar a ela espaço para dizer o que sente vontade, ser compreendida, levar em consideração o desejo dela de informação e de participar da tomada de decisão. 1.2.1. OS QUATRO COMPONENTES DO MÉTODO CLÍNICO CENTRADO NA PESSOA O Método Clínico Centrado na Pessoa propõe quatro componentes interativos, que se complementam e devem estar presentes em todas as consultas. O médico deve transite entre eles de forma fluida, sendo esse movimento um processo que se apri- mora com o tempo, o treinamento e a experiência. No quadro a seguir podemos ver um resumo desses componentes, e mais adiante vamos aprofundar cada um deles. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 22 a) Primeiro Componente – Explorando a saúde, a doença e a experiência da doença O primeiro componente aborda os motivos pelos quais nós médicos falhamos na aborda- gem dos problemas das pessoas que assisti- mos ao propor que lancemos um olhar mais amplo para além da doença, de forma a incluir também a exploração da saúde e da experi- ência da doença. A seguir confira as descrições de alguns desses conceitos. Fonte: MARINHO, 2009a | Acervo Fundação Oswaldo Cruz O conceito de saúde evoluiu ao longo da história. Tinha o signi- ficado de “ausência de doenças” ou “um estado em que as funções orgânicas encontram-se em padrão normal”, até que na década de 1940 a Organização Mundial de Saúde (OMS) trouxe a com- preensão de que saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social”, o que ampliou o olhar para além do corpo físico, porém trouxe reflexões e críticas pelo reconhecimento de que essa completude é inatingível. Posteriormente, em 1986, a própria OMS sugeriu uma nova definição, que é a mais aceita atualmente, propondo que a saúde seja entendida como “a ca- pacidade do indivíduo de realizar as aspirações e os propósitos importantes para sua vida”, ou ainda “um estado de razoável harmonia entre o sujeito e sua própria realidade” (OMS, 1986). O que é saúde Esse novo conceito nos aproxima das ideias de autonomia, subjetividadee indivi- dualidade, nos levando à conclusão de que as percepções de saúde são únicas. Para uma pessoa, ter saúde pode significar estar capaz de correr três maratonas por ano, 23 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Saúde e doença são parâmetros subjetivos, nem sempre excludentes e podem co- existir. Em algumas vezes há concordância entre médico e paciente sobre o “estar saudável” ou o “estar doente”, em outras não. Pessoas com doenças assintomáti- cas podem se considerar saudáveis, enquanto outras em sofrimento podem se sentir extremamente doentes, sem ter objetivamente alguma “doença”. “Explorar a doença” nesse componente do MCCP significa entender as dimensões dos problemas trazidos pela pessoa nos aspectos da anatomia, fisiologia, patolo- gia. Alguns autores a chamariam de investigação da história da moléstia atual, in- cluindo a pesquisa dos atributos do sintoma, como: localização, início, duração, fre- quência, evolução, intensidade, caráter ou qualidade, fatores de melhora e piora, sintomas associados, etc. O cuidado do médico na coleta desses dados biomédi- cos detalhados é evidentemente fundamental para a boa qualidade do raciocínio clínico e entendimento dos problemas. No entanto, apenas o entendimento da “doença” é incompleto se não houver um entendimento igualmente detalhado da pessoa que está a sentindo. A doença é uma construção teórica e abstrata. Agrupamos padrões sintomáticos que se repetem e fogem do que se espera de um organismo normal e a eles damos o nome de uma doença (FERREIRA et al., 2014; STERWART et al., 2017). Se considerarmos apenas essa maneira de fundamentar diagnósticos, excluímos toda a variedade do processo individual do adoecer. Ora, en- quanto seres humanos, temos uma estrutura semelhante, porém somos todos formados por corpos diferentes, com suas pecu- liaridades anatômicas e fisiológicas, inseridos em contextos únicos de condições e histórias de vida. Não podemos esperar que o que chamamos de doença se apresente do mesmo jeito para todos e, ainda, seja abordado de maneira igual. O que é doença enquanto para outra saúde é não ter insônia por conta de sua enxaqueca. Ao per- guntar à pessoa numa consulta o que a palavra saúde significa para ela, podemos identificar sua percepção de suscetibilidade e seu senso de bem-estar, e o grau que julga sua capacidade de promover a própria saúde, o que frequentemente é chamado de “autoeficácia” (STEWART et al., 2017). A ampliação desse conhecimen- to do médico sobre a pessoa pode contribuir, por exemplo, para ajustar metas no plano terapêutico, balizar se as expectativas são de cura ou apenas alívio sintomá- tico, entender até onde é importante para cada um o envolvimento do profissional. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 24 O que é experiência da doença “Explorar a experiência da doença” significa entender o que aquela doença repre- senta para aquela pessoa. “Não há duas experiências de doença exatamente iguais, pessoas podem ter doenças em comum, mas são únicas quanto à forma como res- pondem a elas” (STEWART et al., 2017). Existem várias maneiras de o médico buscar entender a experiência da doença – as vezes basta ter o interesse em saber o que o problema significa para a pessoa e o caminho se dará automaticamente. Com a prática vemos que isso vai ficando cada vez mais espontâneo e natural. No MCCP é proposta a exploração de quatro dimensões da experiência da doença, que num primeiro momento, referidas com o mnemônico SIFE, podem facilitar para o médico a incorporação dessa investigação nas suas consultas: (S) Sentimentos da pessoa, especialmente as preocupações sobre seus problemas; (I) suas Ideias sobre o que está errado ou o que o está causando; (F) o efeito da doença na sua rotina, ou seja, na sua Funcionalidade; e (E) suas Expectativas em relação ao seu problema e ao médico. (STEWART et al., 2017) Sentimentos Medo, tristeza, preocupação podem ser os sentimentos mais associados às doenças. Por vezes, culpa, raiva, impotência, negação ou aquela sensação de paralisação, parecendo que a ficha ainda não caiu, também. Talvez até uma felicidade porque pode significar o recebimento de algum auxílio financeiro ou então “estando doente vou receber mais carinho dos filhos, por que não?”. Os sentimentos são muitos e o fato é que muitas vezes não sabemos nem nomeá-los, apesar de sempre estarem ali. Saber o que cada um sente diante do problema trazido nos conecta, aprimora a relação e nos traz elementos para entender melhor aquela pessoa. Como médicos não nos cabe supor o que o outro está sentindo, a partir da nossa própria experiência, nem tampouco julgar o que o paciente deve ou não sentir. É algo que deve ser abordado na consulta, verbalizado. Em outras palavras, devemos perguntar sobre os sentimentos em relação a uma dor, assim como perguntamos “onde está doendo”. Ideias Imediatamente após a percepção de algo no nosso corpo que está fora da sua nor- malidade iniciamos uma incessante busca por uma causa que a explique, como uma maneira de entender o que está acontecendo – diante de uma dor de cabeça, nos perguntamos: “será que é porque dormi mal hoje, ou porque não tomei café, 25 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica ou preciso verificar o grau dos meus óculos?”, por exemplo. Cada indivíduo tem uma percepção única sobre o próprio corpo e modelos mentais que explicam seu funcionamento, que refletem também nas palavras escolhidas por ele para ex- pressar essas ideias e contar essa narrativa. No campo das ideias, as doenças e sintomas podem ter significados diversos, alguns bem subjetivos, que podem se misturar com a religiosidade/espiritualida- de, como um sangramento uterino anormal como consequência de uma punição por pecados em outras vidas, ou um diabetes como uma maldição; outros mais objetivos, como dores musculares associadas à ingestão de carne de porco, ou uma doença renal crônica resultado de toxinas adquiridas no ar, ou mesmo uma convicção de que possui uma síndrome rara após digitar seus sintomas em uma plataforma de busca na internet. Na correria do dia a dia e na rapidez com que se caminha no raciocínio clínico, co- mumente são desfeitas muito facilmente as ideias trazidas pela pessoa e, mesmo questionando sobre elas na exploração dos problemas, são desconsideradas no fechamento da consulta. Perguntar as ideias sobre o problema proporciona ao médico a possibilidade de conhecer melhor a pessoa que assiste, e vai além disso: cria a oportunidade de desmistificar convicções equivocadas, de obter elementos importantes na decisão terapêutica e, ainda, de que a própria pessoa traga a res- posta sobre seu problema ou elucide um diagnóstico que talvez não seja muito fácil. Alguns autores acenam para a consulta como um encontro de especialistas: o médico especialista nos aspectos biomédicos do problema, e a pessoa especialis- ta de si, do seu corpo, da sua vida, do que está sentindo, da sua experiência de doença – e ninguém melhor do que a própria pessoa para entender o que se passa com ela. Há um aforismo de Osler que diz: “Escute o que a pessoa está lhe dizendo, ela está lhe dando o diagnóstico.” (OSLER apud ROTER; HALL, 1987, p. 325). Funcionalidade Esse aspecto da experiência da doença diz o quanto aquele problema afeta a vida da pessoa, suas tarefas diárias, seu trabalho, as funções que se propõe a desem- penhar. Nesse contexto, é importante se propor a entender como e o quanto aquele sintoma causa incômodo à pessoa. É um parâmetro fundamental para o raciocínio clínico e a decisão terapêutica, como balizador para a importância dada aos problemas, e também porque para uma boa parte deles nós só optamos por tratar quando há comprometimento de funcionalidade. Expectativas Todas as pessoas que vão se consultar já têm uma agenda pré-formada para aquela consulta, ou seja, mentalizam o que desejam que o médico aborde naquele dia: EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentasde Abordagem Clínica 26 “quero que ele olhe essa mancha que apareceu na pele, e vou pedir pra ele também medir minha pressão para ver se é preciso fazer algum ajuste de dose dos remé- dios...”. Ao elencar os motivos da consulta, automaticamente a pessoa desenvolve expectativas sobre o que espera daquele momento, sejam conscientes ou não. Elas podem estar relacionadas sobre o que é o seu problema ou ao desfecho dele, às explicações ou condutas que o médico poderá sugerir. Às vezes o que a pessoa deseja é somente ser tranquilizada e ouvir que não precisa se preocupar com aquilo, às vezes ela acredita que para melhorar seja extremamente necessário o uso de um medicamento, e agendou a consulta para pegar uma receita. Aqui também estamos diante de um elemento da experiência da doença que só vamos conhecer se perguntarmos. Para muitos médicos isso pode soar estranho, e alguns têm receio de perguntar sobre as expectativas da pessoa, com medo de transparecer uma insegurança ou de receber uma resposta semelhante a “pensei que fosse o senhor que iria me dizer”. Porém, podemos voltar à pergunta –e com- plementar com uma frase como: “sim, eu irei dizer minha impressão, mas também estou muito interessado em saber o que você pensa” – e ao fazer isso é possível observar na prática que as pessoas ficam muito satisfeitas por terem espaço de falar sobre o que esperam. A abordagem da “experiência da doença” é uma das maneiras mais significativas de sermos centrados na pessoa. Essa ação nos convida para um lugar de expres- sar o interesse genuíno pela pessoa, pelo seu problema e pelo que a motivou a nos procurar. E ela nos chama a atenção para a importância da escuta como ferramen- ta de entendimento verdadeiro desses elementos. Para terminar o primeiro componente do MCCP, é interessante trazer a seguinte consideração: nem sempre as pessoas procuram o médico por um sintoma ou doença. Na APS, é frequente a busca por pedidos de relatório, avaliação de pres- crição ou mesmo um cuidado de rotina (como rastreamento, pré-natal e puericul- tura). Sendo assim, é necessário pensar no termo “explorar a doença e a experiên- cia da doença” de maneira mais ampla, substituindo por “explorar o motivo de consulta e a experiência do motivo de consulta”. b) Segundo Componente – Entendendo a pessoa como um todo O segundo componente do Método Clínico Centrado na Pessoa amplia o entendi- mento da saúde, da doença e da experiência da doença da pessoa atendida ao re- lacioná-los ao seu contexto de vida. “Entender a pessoa como um todo” inclui os aspectos individual, familiar e comunitário, sendo que a abordagem dessas três esferas é competência do médico da APS. Entende-se por contexto próximo os as- pectos relacionados a família, emprego, educação, lazer, apoio social, e contexto amplo questões referentes a comunidade, cultura, economia, geografia, sistema de saúde. 27 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Conteúdo Próximo Conteúdo Amplo Indivíduo LEGENDA Fonte: Elaborada pelos autores. Figura 01 - O indivíduo e seus contextos próximo e amplo. É importante o entendimento de que o conhecimento do con- texto pessoal pelo médico acontece de forma progressiva, ao longo do tempo em que acompanha aquela pessoa. Diferente- mente do método clínico convencional, em que há a sugestão de investigação desse contexto em todas as consultas ou pelo menos na primeira (por meio da “história pessoal pregressa, história psi- cossocial e história familiar”), o MCCP entende que essa atitude não é centrada na pessoa, uma vez que se trata de uma postura ativa do médico para buscar informações que ele julga impor- tante, sem o paciente necessariamente ter trazido à tona ou de- monstrado interesse em falar sobre elas. O MCCP presume que o médico seja capaz de identificar as informações do con- texto da pessoa que sejam importantes de serem coletadas naquele momento e que não apareceram espontaneamente durante a consulta, e confia que o conhe- cimento da pessoa como um todo se dá ao longo do tempo, e não em um único encontro. Na APS isso se torna mais factíveldevido à longitudinalidade, que garante o compartilhamento duradouro das experiências de vida, tornando esse entendi- mento cada vez mais rico e detalhado. O indivíduo e seu contexto próximo Para entender melhor a pessoa é possível buscar os seguintes elementos: (1) seu passado de vida; (2) aspectos da sua personalidade; EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 28 (3) em qual fase se encontra atualmente no ciclo de vida e no ciclo familiar, incluindo o entendimento amplo da família; (4) seu cotidiano e funções desempenhadas, incluindo a ocupação; (5) aspirações futuras, espiritualidade e valores. Vamos aprofundar em cada um deles. A vida de cada pessoa é influenciada profundamente pelos seus acontecimentos, sejam eles positivos ou negativos. É interessante encontrar os marcos que tiveram mais impacto, como diagnósticos, rupturas, perdas, lutos, fracassos ou conquistas, sucessos, curas, superações, rituais e comemorações. Na investigação do passado, inclui-se também as doenças agudas e crônicas, cirurgias, internações, alergias, gestações, medicações que já fez uso, entre outras intervenções médicas. Também pode ser de grande valia o conhecimento das doenças ou condições de saúde dos familiares, principalmente doenças cardiovasculares, cânceres e doenças genéticas presentes nos parentes de primeiro grau, isto é, pais, irmãos e filhos. É possível contar com o auxílio de uma ferramenta que consiste na construção da linha do tempo (que pode ser individual ou da família), sinalizando cronologica- mente os marcos positivos juntamente com observações de resiliência acima da linha, e os negativos somados às fragilidades, abaixo (GUSSO; LOPES, 2019). Co- nhecer o passado de vida de alguém nos aproxima do entendimento da sua cons- trução de identidade enquanto sujeito. Fonte: Elaborada pelos autores. Linha do tempo familiar com marcos positivos e negativos. 29 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica O conhecimento da formação da identidade e da estrutura da personalidade da pessoa permite ao médico o melhor entendimento das respostas dadas por ela diante dos problemas ou das doenças. As pessoas frequentemente manifestam comportamentos que são reflexos de mecanismos de defesa inconscientes, como a negação, projeção ou sublimação, que podem representar uma função de pro- teção para lidar com os problemas. Nós podemos, então, procurar entender como aquela pessoa enxerga a vida. Algumas pessoas mais positivas ou com maior equi- líbrio emocional podem passar por situações de adversidades mais facilmente do que aquelas que se veem com desesperança ou que reagem com menos resiliên- cia. A construção do desenvolvimento individual saudável passa pelo autoconhe- cimento dos recursos psíquicos positivos, a aceitação das fragilidades e a ocupa- ção de uma posição de independência e autonomia. Todos nós passamos por estágios de desenvolvimento inerentes ao ser humano. O movimento de independência na adolescência, o aprofundamento nas parcerias para o adulto e a ressignificação dos papéis na idade avançada são exemplos de mudanças esperadas nas etapas do ciclo da vida, cada uma representando pecu- liaridades e desafios. A localização de onde a pessoa se encontra no ciclo ajuda o médico a entender as crises já previstas e os múltiplos fatores que podem afetar problemas e doenças. O lugar em que a pessoa está no ciclo da família também diz muito para gente sobre as responsabilidades e capacidade de apoio. É de grande valia saber a conformação familiar (“quem mora com você?”), como é a dinâmica da família (as funções que cada um desempenha nesse meio), as possíveis vulnerabilidades (relações de dependência, doenças graves, violências, abuso de substân- cias, instabilidade financeira, relações conflituosas) e possíveis re- cursos de resiliência (apoio emocional, divisão de tarefas, interes-se em ajuda mútua no cuidado). A família, seja qual conformação tiver, ocupa um papel de importância muito grande para qualquer pessoa. Um diagnóstico de uma doença tem repercussão em todo sistema familiar, podendo necessitar uma reorganização estrutu- ral, ao mesmo tempo que tem um grande poder de modificação da experiência de doença do indivíduo. Para centrar na pessoa é interessante saber como está o seu contexto de vida atual. Grau de escolaridade, onde mora e quais as condições de moradia, ocupa- ção, atividades cotidianas, funções sociais que desempenha, relações interpesso- ais, como é sua alimentação, se pratica atividade física, quais opções e preferên- cias de lazer, qualidade da rede de apoio social, possíveis vícios de álcool, tabaco EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 30 ou drogas ilícitas. Uma pergunta interessante de se fazer é: “me conte como é um dia corriqueiro seu?”. Essa resposta pode trazer a você uma ideia interessante sobre quem é aquela pessoa que está cuidando. Deve haver uma atenção especial ao trabalho, não só pelas horas dedicadas durante o dia, mas pelo peso que representa também na cultura atual. Pode ser apropria- da a investigação sobre a exata função realizada, carga horária, turno, condições de segurança, possíveis riscos de exposição, tipo de vínculo empregatício e remu- neração, grau de cobrança e estresse, além do retorno e da satisfação pessoal que o trabalho oferece à pessoa. A relação direta entre bem-estar e espiritualidade já é ampla- mente conhecida. Porém, por motivos que passam pela falta de treinamento ou o equívoco de que questões espirituais ul- trapassam as fronteiras do tra- balho médico-científico, o tema raramente é abordado. Há que se reconhecer o quanto crenças e não-crenças têm de importan- te para cada indivíduo e, inde- pendente de quais sejam, devem ser consideradas e respeitadas na abordagem dos problemas e nas condutas indicadas. Fonte: Freepik.com O contexto amplo Fatores do contexto amplo incluem a comunidade, a cultura, a economia, a comu- nicação social, o sistema de saúde, a geografia e o meio ambiente. De forma cres- cente, fatores globais afetam a saúde e a assistência à saúde dos indivíduos, como pudemos vivenciar recentemente com a deflagração da pandemia de Covid-19 em 2020. Já está bem estabelecida a relação inversa entre renda e mortalidade por qualquer causa (KITAGAWA; HAUSER, 1973; PAPPAS et al., 1993; KAPLAN; NEIL, 1993) e muitos determinantes amplos de saúde, como violência infantil, desigualdade e nível de instrução populacional estão relacionados à saúde física, psíquica e cognitiva, in- cluindo o desenvolvimento de doenças crônicas e a diminuição da capacidade de recuperação aos processos de adoecimento (EGAN et al., 2008; OTTAWA... 1986; WILKINSON; TARGONSKI, 2003; ALONZO, 2000). 31 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Você pode perguntar: “Do que essas pessoas morrem, do que elas mais adoecem, como elas vivem, como elas pensam, o que fazem no seu dia a dia, com o que trabalham, como estão estabelecidas as relações de poder e influência, quais as aspirações e como elas se organizam para atingir essas metas?”. O CONTATO COM AS CARACTERÍSTICAS DA COMUNIDADE ASSISTIDA INFORMA OS ASPECTOS RELEVANTES TAMBÉM AO CUIDADO INDIVIDUAL. Ou ainda mais especificamente: “Há alguma característica geográfica que impede às pessoas o acesso ao serviço de saúde? Como são as condições gerais de moradia e urbanismo? Como são os índices de violência, isso é algo limitante? Os alimentos que indico para uma dieta saudável estão disponíveis e a preços acessíveis? Como as pessoas transitam e se comunicam?”. Fonte: Elaborada pelos autores. Perguntas que podem ser feitas para conhecer a comunidade assistida. Também é válido o aprofundamento dos aspectos culturais nas quais a pessoa está inserida. As regras e valores culturais influenciam a maneira como cada um viven- cia a saúde e experencia a doença, como busca e aceita as intervenções propostas. Com a expansão da acessibilidade à internet e a disponibilidade mais democráti- ca à ciência, as pessoas têm muito mais consciência de sua saúde e das opções possíveis para o manejo das doenças. É cada vez mais raro a pessoa ir se consul- tar com o profissional de saúde sem antes ter pesquisado sobre seu problema. Os meios de comunicação em massa – incluindo os aplicativos de mensagens – in- fluenciam pensamentos e atitudes sobre a saúde, podendo melhorar ou prejudi- car seu potencial. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 32 Abrindo um pouco mais o plano, vale o entendimento do contexto macro político e econômico em que as pessoas estão inseridas, incluin- do mais pragmaticamente o direcio- namento das políticas públicas e os impactos diretos e indiretos delas. Além de identificar os equipamentos e serviços da rede de saúde que estão dis- poníveis, é oportuno reconhecer o acesso à emprego, educação, transpor- te e moradia. Fonte: ILICCIEV, 2004 | Acervo Fiocruz Imagens Antes de encerrar esse componente do MCCP vamos refletir sobre um preceito im- portante introduzido por Michael Balint, médico e psicanalista húngaro que escre- veu o famoso livro “O médico, seu paciente e a doença”. Balint (2005) chama a atenção para a potência do encontro clínico entre médico e pessoa e enfatiza que ele por si só, por meio de uma escuta intencional e qualificada, é terapêutico. Ao dar espaço para que a pessoa fale sobre seu passado, suas crenças, sua história e como vive, é oferecida a ela a oportunidade de trazer à consciência a origem dos seus conflitos ou sofrimentos, o que ajuda a dar sentido a eles. O simbolismo por meio da fala permite a elaboração de percepções que por sua vez é fundamental para o autoconhecimento genuíno e potencialmente transformador. Essa escuta também traz benefícios para os médicos: a busca pelo entendimento da pessoa como um todo aprofunda o conhecimento sobre a condição humana, especialmen- te sobre a natureza do sofrimento e das respostas das pessoas que se traduzem nas experiências de doença. c) Terceiro Componente – Encontrando um plano conjunto de manejo dos problemas O método clínico convencional sugere que, após a entrevista e o exame físico, o médico deve realizar o raciocínio clínico, elaborar as hipóteses diagnósticas e co- municar ao paciente as condutas deliberadas a partir delas. A participação do pa- Fonte: ILICCIEV, 2007b | Acervo Fiocruz Imagens 33 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica REFLEXÃO Cabe a reflexão sobre aqueles que julgamos como “o paciente que tem má adesão”. O que há por trás disso? Não concordância com o diagnóstico, a medida indicada exige uma mudança muito significa- tiva, não é possível implementar a prática no cotidiano, há discor- dância com as metas estabelecidas, é financeiramente inviável, a pessoa não se encontra suficiente motivada, são algumas das inú- meras justificativas para isso. ciente fica restrita a apenas confirmar se entendeu as explicações dadas. O médico pode ter as melhores intenções com aquela pessoa e estar realmente interessado e empenhado em oferecer o melhor cuidado possível, porém, a grande maioria coloca isso em prática de maneira muito vertical, ao entender que aquele momento a voz da medicina deve ser a prioridade. Geralmente, a maneira com que a con- sulta é encerrada, informando diagnósticos e explicando como devem ser os tra- tamentos, é automática e nem sempre é percebido o quanto isso pode ser autori- tário, e o problema consiste em não enxergar que isso também pode ser motivo de não estar sendo eficiente. Atualmente existem vários estudos de qualidade que mostram a relação direta entre centralidade na pessoa e adesão terapêutica (DOWELL; JONES; SNADDEN, 2002). Centrar na pessoa ao elaborar um plano é colocá-la no protagonismo dessa construção. Uma das metas principais do método clínico centrado na pessoa é en- contrar um consenso queao mesmo tempo seja fundamentado em evidências científicas e reflita necessidades e valores da pessoa assistida. No fim das contas é a pessoa quem vai seguir uma orientação, tomar um remédio, fazer um exame, mudar um hábito de vida. Somente ela é capaz de dizer sobre suas preferências, o que acredita que vai trazer benefícios, qual é o foco e o que é viável ou não de ser colocado em prática. Podemos entender nosso papel como alguém que informa as indicações e diretrizes à luz da ciência, as opções disponíveis e vantagens e des- vantagens de cada uma, além de dar apoio nas decisões. Mas o plano deve ter con- cordância conjunta e ser gerado a partir da perspectiva da pessoa. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 34 Destaca-se aqui que pode ser que o médico não concorde sempre com as soluções apontadas, e nesse caso há que se dispor a dialogar e nego- ciar para que se chegue a um terreno comum con- sistente com o ponto de vista da pessoa, que faça sentido para ela. Para isso é fundamental entrar em consonância com as per- cepções de saúde e expe- riência da doença trazidas pela pessoa. O método clínico centrado na pessoa sugere que esse terceiro componente não é o passo final da consulta, e sim vem sendo construído desde a abordagem inicial dos motivos da consulta sob a perspectiva indivi- dual, tratando as pessoas como parceiras na exploração dos problemas, bem como na definição de suas resoluções. Se o médico adota uma postura inicial de preocupação apenas com a tarefa biomédica, colocando a pessoa como uma fonte passiva de informações, será difícil esperar que na definição do tratamento ela participe ativamente expressando seus valores e opiniões. Fonte: Freepik.com Para encontrar esse terreno comum o médico deve atentar-se a utilizar uma lin- guagem adequada e condizente com a realidade de cada um, explicar sobre o pro- blema de acordo com o quanto a pessoa deseja saber, ser capaz de captar pistas verbais e não verbais de entendimento, dar oportunidades para a pessoa fazer per- guntas e trazer sugestões, discutir alternativas, definir metas a curto e longo prazo, negociar prioridades caso haja percepções divergentes, questionar sobre dúvidas ou preocupações, relatar as incertezas, avaliar a concordância, checar a viabilida- de do plano, definir os papéis de cada um no cuidado, refletindo uma responsabi- lidade mútua pelas ações acordadas. Temos que reconhecer também que o momento de elaboração do plano da con- sulta é uma boa oportunidade de praticar a promoção e prevenção de saúde. Vale avaliar a recomendação de alguma vacina, a prática de atividade física, a indicação de algum rastreamento ou medidas que possam reduzir riscos ou a necessidade de fazer alguma abordagem de educação em saúde. É interessante também enfa- 35 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica tizar a autonomia e incentivar o poder da pessoa sendo sujeito do seu próprio cuidado. Ao educar os pacientes em relação à sua saúde e aos seus comportamen- tos de saúde, é importante que os médicos evitem dar conselhos não solicitados; em vez disso, devem escutar atentamente as ideias que vêm das pessoas sobre como podem melhorar sua saúde e explorar com elas como poderiam levar essas ideias adiante. É preciso perguntar sobre barreiras, como poderiam superá-las e quais os possíveis recursos que poderiam ajudar. Se a pessoa não consegue achar respostas, é possível perguntar se gostaria de ouvir alguns exemplos do que outras pessoas fizeram em situações semelhantes. Essa abordagem de educação é con- sistente com o método centrado no aprendiz (STEWART et al., 2017). Ter a informação do que se pode fazer para melhorar sua saúde nem sempre é su- ficiente para que a pessoa coloque em prática a recomendação. Para mudar um comportamento além de saber que é preciso mudar, é necessário querer mudar, saber como fazer, ter os recursos e apoios adequados. Nesse sentido é apropria- do entender em qual estágio motivacional se encontra aquela pessoa. Quadro 01 - Estágios Motivacionais. Pré-contemplação Ainda não entende o porquê da mudança, não pensa sobre mudar Contemplação Pensa sobre a mudança, entende a necessidade, mas ainda valoriza mais as vantagens de continuar como está Preparação Já decidiu pela mudança e precisa entender como pode fazê-la Ação Já tomou a iniciativa, está no estágio inicial do novo comportamento Manutenção Precisa se esforçar para manter a mudança e lidar com possíveis lapsos Fonte: Adaptado de Prochaska e DiClemente (1983). Após identificar em qual estágio motivacional está a pessoa assistida, deve-se con- centrar os esforços no objetivo de fazer com que ela passe para o estágio seguinte. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 36 Quando se está no estágio pré-con- templativo, devemos oferecer ao paciente informações sobre sua condição e verificar se ele aceita que falemos sobre algumas razões de preocupação sobre seu compor- tamento, principalmente sobre os riscos relacionados. No estágio con- templativo podemos adotar técni- cas que explicitem a ambivalência, ou seja, que apontam também para as desvantagens e pontos negati- vos de se continuar do jeito que está e trazendo a tona os benefícios da mudança. Apenas quando a pessoa já se convenceu e decidiu sobre a mudança (estágio preparação), faz sentido dis- cutirmos com ela as estratégias disponíveis para tornar essa mudança factível. Depois que a pessoa já adotou o novo comportamento (estágio ação) devemos orientar sobre os possíveis obstáculos e maneiras de contorná-los, parabenizar e fazer reforço positivo das suas ações, e oferecer o apoio adequado para evitar lapsos ou recaídas (estágio manutenção). Fonte: Freepik.com Para finalizar esse componente, devemos lembrar um conceito importante: em algumas situações de incerteza, em que não há claramente um único caminho a ser orientado, devemos propor a chamada Tomada de Decisão Compartilhada, que é a exposição à pessoa sobre a situação de ambiguidade nas recomendações. A partir de suas preferências, é possível decidir conjuntamente a conduta a ser tomada. A abordagem mais aprofundada desse tema será feita na próxima unidade deste curso. d) Quarto componente – Intensificando a relação entre a pessoa e o médico Tanto se fala da relação médico-paciente, não é mesmo? O quarto componente do MCCP traz o reforço do quanto é necessário estar empenhado em aprimorar as relações com as pessoas que assistidas, em uma chamada “aliança de trabalho”, e também no quanto isso demanda dedicação e desenvolvimento de habilidades empáticas e técnicas (CASSELL, 2013, p. 19). Como qualquer relação existem dois atores, com diferentes visões, bagagens, expectativas. 37 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Você já deve ter ouvido o conselho de que, como médico, “não deve se envol- ver”. Por gerações, os estudantes de me- dicina foram ensinados que devem fazer o seu trabalho sem se envolver com os pacientes, como uma maneira de se res- guardar dos sofrimentos e assim preser- var sua vida particular. Muitos ainda adotam essa postura, ocupando um papel de médico observador distante, que pergunta os sintomas, os traduz em diagnósticos e prescreve tratamentos. Já vimos o porquê dessa postura centrada na doença não resultar em uma prática médica de qualidade, mas, além disso, ela tem um preço pessoal para o médico, que muitas vezes é invisível. Não é pos- sível ignorar os sentimentos que vemos e vivenciamos, e ao fazer o movimento de negá-los, evitá-los, fingir que não existem, estamos os colocando num espaço do inconsciente, apesar da im- pressão de que os eliminamos. Fonte: Freepik.com Como resultado, podemos ter problemas que se manifestam de diversas manei- ras – alguns podem começar a ter dificuldades de lidar com a morte, outros podem se sentir em exaustão ou ficando muito reativos, há quem manifesta com um quadro de insônia ou ansiedade ou até mesmo dificuldadenos relacionamentos no núcleo familiar. Não há como não ser afetado de alguma forma pelo encontro com o sofrimento, e uma maneira saudável de lidar com ele é abordá-lo, trazê-lo à tona durante a consulta, verbalizar sobre aquilo e permitir que ele seja elabora- do, tanto pela pessoa, quanto por nós médicos. E essa é também uma estratégia adequada para evitarmos de nos envolver demais, pois o envolvimento emocional exacerbado também pode ser prejudicial para a relação e para o profissional. Aqui, vamos abordar algumas ideias importantes para que possamos caminhar na construção de uma relação médico-pessoa adequada. No começo desta unidade vimos a teoria das três funções da consulta, sendo que na ausência de alguma delas, a consulta perde seu propósito, está lembrado? Uma dessas três funções é o aprimoramento da relação entre médico e pessoa assisti- da. O entendimento desse elemento como uma função nos chama a atenção para a sua relevância, e nos instiga a avaliar se estamos dando a devida importância. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 38 Muito antes de o MCCP ser consolidado, muitos autores já estudavam a relação médico-pessoa. Um deles, também já citado aqui ao final do segundo componen- te, foi Balint (2005). Ele introduz a ideia de que o encontro clínico, assim como uma boa relação médico-pessoa, por si só são terapêuticos. Quando oferecida de forma emocionalmente vinculada, a entrevista clínica é vivenciada pela pessoa como um conforto, que pode ressignificar suas preocupações, tornar o sofrimento mais su- portável, marcar a transição da existência do problema para as mudanças neces- sárias para lidar com ele. Em muitas vezes o que a pessoa quer é apenas nossa presença em um momento de necessidade. Moira Stewart, ao escrever sobre o quarto componente do MCCP, faz uma metá- fora da relação médico-pessoa como um rio, que flui por baixo das consultas ao longo do tempo. Mesmo sem ser o foco, a relação está ali presente, em curso, sendo consolidada a cada encontro em diferentes dimensões, como confiança, empatia, compartilhamento de poder, continuidade e propósito (STEWART, 2004). Vamos pensar sobre algumas dessas dimensões, acompanhe. Sobre confiança... Muito importante e desejada em uma relação médico-pessoa, a confiança poten- cializa as possibilidades de repercussões positivas. Ocorre quando, no âmbito in- dividual e ao longo do tempo, a própria pessoa constata por suas próprias experi- ências que aquele médico é alguém em quem confia. Na concepção da pessoa cuidada, pode ainda implicar uma transferência de poder, ao confiar que o profissional aja em seu nome em algumas situações em que re- conhece sua importância nas definições diagnósticas e decisões terapêuticas. Con- fiança é a crença de um indivíduo que pode acreditar na sinceridade, na autentici- dade e nas boas intenções do outro. Muitos médicos pensam que para garantir a confiança da pessoa, não devem ex- ternalizar algumas incertezas comuns na profissão. No entanto, ao ser transparen- te em suas dúvidas e ao mesmo tempo demonstrar preocupação em saná-las, há a contribuição para uma aproximação – as pessoas estimam a honestidade e re- conhecem o imenso valor que existe no interesse do médico na busca por uma resposta que naquele momento ele não tem. Comunicando incertezas, além de se mostrar humano e franco, o médico também demonstra interesse no cuidado daquela pessoa. Estamos indo ao encontro da consolidação da confiança quando estamos dispo- níveis nos momentos em que a pessoa precisa de nós, quando explicamos ade- quadamente uma avaliação, quando somos honestos em relação aos planos pro- postos e quando somos sinceros em relação às nossas inseguranças. 39 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Sobre empatia... É conhecido o conceito de empatia como “se colocar no lugar do outro”, exercício bastante válido. Porém, é interessante pensar em algumas ressalvas, afinal, nós nunca conseguiremos nos colocar no lugar de outra pessoa, sempre iremos inter- pretar esse lugar a partir da nossa perspectiva. O lugar do outro é único, carregado de uma história particular, e ao tentar ocupar esse lugar, criamos uma situação ima- ginária, que pode nos trazer sim elementos importantes para o entendimento do contexto numa nova ótica, mas devemos saber que nunca conseguiremos sentir exa- tamente como o outro sente ou pensar exatamente como o outro pensa. Mais recentemente a empatia foi definida como “o entendimento da situação da pessoa, a comunicação a ela desse entendimento, e uma ação com propósito de aju- dá-la” (MERCER; REYNOLDS, 2002; RUDEBECK, 2002), ou “é um sentimento de mão dupla, de estar junto com o outro, compartilhando o momento vivido” (CERON, 2014), que ampliam o conceito, trazendo uma intenção de não só tentar entender o que o outro está passando, mas também de ativamente se colocar presente e disponível. Numa consulta médica, estamos sendo empáticos quando escutamos a pessoa com atenção, quando legitimamos seus sentimentos, quando verbalizamos que estamos interessados em dar o apoio que precisa e movimentamos ações nesse sentido. Sobre tempo... Como qualquer relação, os sentimentos vão sendo construídos e o vínculo vai sendo consolidado com o tempo. Nesse aspecto, enquanto médicos que atuam na APS, somos privilegiados pelo princípio da longitudinalidade. O acompanhamento contí- nuo das pessoas ao longo de suas vidas oferece a oportunidade de criar relações mais fortes e potentes. Devemos ter em mente essa questão temporal e confiar, sem ansiedade, que as re- lações vão sendo construídas positivamente e fortalecidas quando se faz um bom trabalho, nos âmbitos individual, familiar e também comunitário. Quem está aten- dendo num mesmo lugar há muito tempo sabe bem que força é essa. Sobre horizontalidade... Para centrar na pessoa precisamos mudar o paradigma historicamente construído na relação médico-pessoa principalmente em dois aspectos: reconhecendo a impor- tância da subjetividade única de cada sujeito no cuidado, e substituindo o modelo de relação hierárquica por uma relação horizontal, de corresponsabilidade e com- partilhamento de poder. A partir do momento que percebemos as consequências dessa mudança, temos uma grande motivação para fazê-la. Não há como negar a presença de um egocentrismo médico, talvez resultado incons- ciente da combinação entre a posição de vulnerabilidade da pessoa, a suposição de que ela precise de um cuidador poderoso e, também,uma arrogância profissional EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 40 muitas vezes culturalmente construída – esse egocentrismo, além de distanciar re- lações, contribui negativamente no processo de adoecimento, pois tira a pessoa do protagonismo do cuidado, a destitui de poder sobre si. Olhar para o paciente de maneira horizontal e não vertical é a chave para fortalecer a relação e a condi- ção essencial para praticar a medicina centrada na pessoa. Nesse contexto, dois conceitos se fazem importantes: a transferência e a contra- transferência, processos cuja origem se encontra na teoria psicanalítica – as rela- ções terapêuticas são muito influenciadas por esses fenômenos e é fundamental que o médico tenha percepção deles. A transferência é “um processo no qual a pessoa inconscientemente projeta, em indivíduos de sua vida atual, pensamentos, comportamentos e reações emocionais que se originam em outros relacionamen- tos significativos da sua vida” (STEWART et al., 2017, p. 202). Isso pode se manifes- tar por sentimentos de raiva, amor, dependência, ambivalência, inveja, excitação. Analogamente, a contratransferência corresponde ao processo inconsciente de nós médicos quando respondemos às pessoas influenciados pelas experiências das nossas relações passadas – pessoais ou com outros pacientes. Se não tornarmos essas atitudes conscientes, corremos o risco de cair na repro- dução de padrões prejudiciais para a relação e, mais do que isso, para o processode cuidado que estamos nos dispondo a realizar. Exemplos desses comportamen- tos são: não escutar com atenção, fazer interpretações muito cedo, fazer julgamen- tos sobre conflitos de valores, dar conselhos muito ativamente, atrasar ou demorar demais, engajar em lutas de poder com a pessoa. É aconselhado um exercício fre- quente de se perguntar: “Esse paciente me causou algum sentimento?” ou “Tive algum comportamento na consulta que pode ser uma resposta reativa a alguma emoção mal resolvida em mim?”. Devemos sempre aprimorar a capacidade de auto-observação. Sobre autoconhecimento... É a partir do trabalho diário e contínuo de autoconhecimento que nos permitimos melhorar enquanto profissionais e evoluir enquanto pessoas. Conhecer a si próprio oferece a oportunidade de ora aceitar e entender suas características identitárias e consequentemente criar recursos internos para lidar melhor com elas, ora reco- nhecer o desejo de transformar algo e buscar estratégias para ir ao encontro a essa mudança. REFLEXÃO Uma reflexão que ajuda na autoconsciência é: o que levou você a escolher ser médico? 41 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica É importante estar em constante conexão com essa resposta. Muitos escolhem a profissão tomados por um sentimento de compaixão com o próximo, outros por achar que teriam um reconhecimento social do seu trabalho. Por vezes busca-se a satisfação de fazer o que gosta e tem afinidade, outras vezes parte-se pela busca de um sentido para a vida, uma maneira de contribuir para o mundo. Fato é que são muitas expectativas criadas, e consequentemente muitas frustrações também. Estar atento ao que tudo isso causa é um movimento de autocuidado necessário. Veja um trecho de uma citação de William Osler, tido por muitos como o Pai da me- dicina moderna, do início do século XX: “a melhor maneira é manter um espelho em seu coração, e, quanto mais você observar suas próprias fraquezas, mais cui- dadoso será com seus semelhantes” (CUSHING, 1925, p. 489-490). Sobre a abordagem de emoções... Há uma ferramenta de comunicação frequentemente utilizada para a abordagem de emoções expressadas pelas pessoas na consulta, lembrada pelo seu mnemô- nico “NURS”. Essas letras representam as iniciais das palavras em inglês nomming, understanding, respecting e supporting. A sugestão de como se fazer essa abordagem é nomear, legitimar, acolher e ver- balizar sua disponibilidade em conversar sobre aquela emoção, à medida que o paciente assim desejar. Seu autor, Robert Smith, chama a atenção, em primeiro lugar, para a importância de se falar sobre as emoções que são percebidas pelos médicos – como tristeza, preocupação, irritabilidade, ansiedade, incômodo, des- confiança, euforia, pressa, etc. Devemos trazê-las à tona na consulta, mesmo se não forem ditas pelas pessoas. Simbolizar os sentimentos e emoções também é uma maneira de estreitar a relação médico-pessoa. Para finalizar, deixamos a sugestão de uma ferramenta muito potente e transformadora chamada de “Grupo Balint”. Muito utilizada por médicos de família e comunidade, seu objetivo principal é o aprimoramento das relações médico-pessoa por meio da análise reflexiva em grupo. Com ar- cabouço teórico psicanalítico, histórias trazidas pelos participantes do grupo são trabalhadas pelos próprios membros a cada encontro. Essa me- todologia contribui muito também para a autoconsciência e o autoconhe- cimento médico, pois gera reflexões-espelho para sua realidade individu- al. Para saber mais sobre esse assunto acesse: https://www.balint.org.br/ Confira, também, os quatro componentes interativos do MCCP e como esses estão relacionados, expostos na figura a seguir. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 42 4 .Intensificando a Relação entre Pessoas e o Médico 1 .Explorando a Saúde, a Doença e a Experiência da Doença Sinais e indicações Doença Experiên- cia da Doença Saúde Doença Experiên- cia da Doença CONTEXTO PRÓXIMO CONTEXTO AMPLO Saúde ENTEDIMENTO INTEGRADO 2 .Entendendo a Pessoa como um Todo • Problemas • Metas • Papéis DECISÕES CONJUNTAS 3 .Elaborando um Plano Conjunto de Manejo dos Problemas PES SO A Fonte: Extraído e adaptado de Stewart et al. (2017). Figura 02 – Método Clínico Centrado na Pessoa: quatro componen- tes interativos. Mitos e evidências sobre o MCCP É comum que, ao primeiro contato com esse novo modelo de abordagem da con- sulta centrado na pessoa, os médicos tenham uma impressão equivocada sobre sua utilização. Vamos refletir sobre algumas delas? “Realizar uma consulta centrada na pessoa demora mais tempo” Ao aplicar o MCCP, as consultas ganham dinamismo, foco ao que realmente importa e, consequentemente, com isso ganha-se tempo. É só imaginar que não precisa, por exemplo, resolver todos os problemas que a pessoa traz como motivo de con- sulta, em um único encontro – é possível acordar com ela como pode ser feita essa abordagem, levando em consideração as prioridades do momento e pactuar uma agenda. Também não há a obrigatoriedade de investigar a história de vida inteira da pessoa de uma só vez, como é sugerido no modelo convencional com a coleta das histórias de saúde pregressa, psicossocial, familiar, etc. Ao centrar na pessoa, o objetivo é entender muito bem os problemas trazidos e, para isso, explorar o que importa para o momento, entendendo que outras informações serão acessadas ao longo do tempo, à medida que a relação vai sendo construída. 43 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica “O método clínico centrado na pessoa prioriza questões psicossociais” Também é um engano pensar que o MCCP prioriza questões psicossociais, visto que na verdade preconiza a abordagem integral considerando a subjetividade do sujeito, ou seja, buscando compreender o que a “doença” significa para a pessoa atendida na sua particularidade e individualidade. O equívoco pode existir se for interpretado que as doenças as quais ele se refere são não-orgânicas, frutos do campo psíquico-emocional. E o que o modelo sugere é que diante de qualquer pro- blema, doença, sintoma, deve-se procurar o entendimento de como aquela pessoa específica se comporta diante daquele processo, a sua “experiência da doença”. “Para aplicar o modelo temos que ser rígidos no cumprimento de tarefas” A MCCP propõe componentes indispensáveis numa consulta, que são interativos e permitem ao médico transitar por eles. Alguns autores, pautados no MCCP, propõem modelos com o cumprimento de tarefas, outros não. Fato é que o en- contro clínico é dinâmico e diverso, uma consulta nunca é igual à outra e nem se pode desejar que sejam. Mas também é preciso ter a consciência de que uma con- sulta bem estruturada, seguindo um padrão organizacional contribui para a efeti- vidade – torna o raciocínio clínico mais claro, melhora o entendimento dos proble- mas pelo médico e da avaliação médica pelo paciente. “Centrar na pessoa significa que todas as demandas de pessoa sejam atendidas” O MCCP aponta para um olhar de cuidado para o que a pessoa espera e deseja. Faz parte desse processo a escuta atenta, a busca pelo real entendimento do que está acontecendo e a elaboração de um plano-resposta para as demandas. Não é necessariamente incorporar o papel de “resolvedor de problemas a qualquer custo”, mas, sim, dar uma resposta– nem que ela seja “para essa questão não tenho go- vernabilidade” ou “infelizmente para esse seu problema eu não consigo ajudar mais do que já estou fazendo”. O que o modelo sugere é que essa resposta tem que ser dada, seja ela no sentido de atender a demanda ou não. “O MCCP é antagônico à Medicina Baseada em Evidências” Essa é uma premissa falsa. Ao centrar na pessoa, devemos considerar o que a ciência oferece de melhor para ela e articular esse conhecimento com as suas par- ticularidades. A própria medicina baseada em evidências descreve a tomada de decisões clínicas como sendo a confluência de três elementos: as evidências cien- tíficas,as impressões médico-clínicas e as preferências da pessoa. E, hoje em dia, o que a ciência diz para nós sobre a utilização do MCCP? Muitas pesquisas de qualidade – numerosas metanálises e revisões sistemáticas – já apontam para vantagens e benefícios da utilização do cuidado e da comunica- EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 44 Quadro 02– Evidências sobre o uso do MCCP. 1. Resulta em autorrela- tos de saúde positivos 2. Aumenta a adesão ao tratamento 3. Melhora a saúde fisio- lógica 4. Melhora a saúde global da pessoa 5. Melhora a interação entre profissional e pessoa 6. Desfecho positivo no comportamento do profissional de saúde com melhora do nível de empatia e atenção 7. Aumenta a satisfação do médico 8. Diminuem reclamações por negligência ou má prática 9. Reduz custos de cuidados em saúde Fonte: Stewart et al. (2017). 1.3 ESTRUTURA DE CONSULTA Pode-se pensar que modelos de entrevista clínica são como uma “receita de bolo”, no qual se dispõe de uma lista de tarefas a serem cumpridas em ordem, passo a passo. Atualmente, o guia de comunicação avaliado como o melhor para ser utili- zado na APS é baseado no livro “A consulta em 7 passos”, do médico de família por- tuguês Vitor Ramos, que pode ser aplicado em todas as consultas, das mais simples às mais complexas. Ao utilizar esse modelo, seguindo os passos em sequência, os médicos obtêm consultas mais bem estruturadas e organizadas e o resultado disso é um melhor entendimento e resolução dos pro- blemas, ou seja, uma comunicação mais efetiva. Para entender isso basta pensarmos naquelas consul- tas que nos sentimos perdidos, de- sorientados. O senso de desorgani- zação numa consulta não é só negativo para o paciente, interfere também no nosso raciocínio, na nossa capacidade de julgamento e bom senso nas decisões.Fonte: MARINHO, 2008b | Acervo Fundação Oswaldo Cruz ção centrados na pessoa, com desfechos positivos tanto para os médicos quanto para as pessoas atendidas. Veja no quadro a seguir algumas delas. 45 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 1 – Preparação Antes de começar uma consulta o médico deve observar três aspectos: (a) verificar se o ambiente está adequado para receber o paciente – número su- ficiente de cadeira, se os impressos estão disponíveis (receituário, pedidos de exames), os equipamentos e materiais que irá precisar (como estetoscópio, sonar, maca, papel toalha), se desligou o celular e preveniu interrupções; (b) dados da pessoa a ser atendida – verificar seu nome e idade, relembrar sua lista de problemas, checar os combinados da última consulta. Essa etapa é opcional, o médico pode escolher começar a consulta sem influências da leitura do prontuário, se julgar que podem o direcionar no raciocínio; e (c) por último se perguntar: “como eu estou?” – refletir sobre seu estado emocio- nal identificando algum sentimento que possa interferir na sua condução da consulta (ansiedade, irritação, pressa), se está confortável ou há sono exces- sivo, fome, alguma dor ou vontade de ir ao banheiro. Ao identificar alguma questão, é importante se preparar melhor antes de iniciar a consulta. 2 – Primeiros minutos É quando o médico chama pelo paciente, estabelece um contato e inicia a consul- ta identificando os motivos que levaram a pessoa a buscá-lo. Este momento é tido por muitos autores como um dos principais momentos da consulta. Sem a identi- ficação adequada e correta dos motivos da consulta, tudo o que for conduzido pos- teriormente não fará sentido. Isso pode parecer óbvio, porém muitas pesquisas já mostraram que a não concordância entre médico e paciente sobre as reais razões que motivaram as pessoas a buscarem por consultas chega a 50%. O final desse passo é a pactuação da “agenda” da consulta e, a partir desse momento, tanto médico quanto paciente já têm uma previsão do que se tratará esse encontro. 3 – Exploração Nesse passo são colhidas as informações sobre os motivos da consulta que serão base para o raciocínio clínico: (a) a exploração dos problemas trazidos; (b) as percepções do paciente sobre eles, ou seja, a “experiência da doença”; (c) a exploração do contexto pessoal que forem relevantes, como comorbidades, elementos da história familiar ou psicossocial; (d) a realização de exame físico, se necessário; e (e) a avaliação de exames complementares, se houver. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 46 4 – Avaliação A partir dos elementos coletados no passo anterior o médico realiza o raciocínio clínico e elabora sua lista de problemas. Agora é o momento de comunicá-la. Esse passo é frequentemente negligenciado nas consultas, sendo muito comum o pro- fissional já partir para a explicação do “que vamos fazer”, pulando essa etapa. É aqui que vamos explicar o que identificamos na entrevista, os achados do exame físico e os resultados dos exames complementares, bem como dar nome aos pro- blemas, explicar o que eles significam, quais as suas repercussões e prognósticos, e avaliar a concordância do paciente sobre eles. 5 – Plano É quando será pactuado um plano conjunto de manejo dos problemas. Serão co- municadas as possibilidades terapêuticas, acordadas as metas, negociadas as ações a curto, médio e longo prazo, discutidas as condutas de promoção e prevenção em saúde e definidos os papéis do médico e do paciente nesse plano. Destaca-se o lugar que o paciente ocupa sendo o agente do seu próprio cuidado. 6 – Encerramento É o momento de finalizar a consulta, verificar se existem dúvidas, se disponibilizar caso seja necessário e encerrar com um cumprimento verbal. 7 – Reflexão final Após despedir-se do paciente o médico deve tomar um tempo para refletir sobre a consulta: “Eu entendi bem os problemas desse paciente e apresentei boas solu- ções? Eu fiz um bom trabalho ou há algo que possa melhorar? Algum elemento dessa consulta me trouxe alguma dúvida que seja motivo de estudo? Esse pacien- te me causou quais tipos de sentimentos – satisfação, irritabilidade, cansaço...?”. A partir desses questionamentos permite-se o autoconhecimento, o aprimoramen- to das relações médico-paciente e a melhoria do desempenho profissional. 1.3.1 ROTEIRO DE ENTREVISTA CENTRADO NA PESSOA Para finalizar esta unidade, sugerimos um roteiro de entrevista. Não existe hoje em dia um roteiro centrado na pessoa bem estabelecido e consagrado mundial- mente, como é o caso do modelo convencional. Nossa proposta aqui foi mesclar várias referências, adaptando-as com o que julgamos mais adequado para a rea- lidade da nossa assistência na APS. Nossa sugestão é que você estude o roteiro e tente colocá-lo em prática. 47 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica ROTEIRO DE ENTREVISTA CENTRADA NA PESSOA Identificação do paciente: - Confirmar nome e idade Contato inicial: - Cumprimentar o paciente e se apresentar (Atentar-se para: ir ao encontro do paciente e chamá-lo pelo nome, contato visual obrigatório, evitar o uso de perguntas como “tudo bem com você?”, preferir “bom dia, boa tarde ou boa noite”, o contato físico como aperto de mão é opcional, não se esquecer de apresentar outras pessoas que estiverem com você na sala) Identificar o motivo da consulta: - Pergunta inicial aberta: “Qual o motivo da consulta?”, “Em que eu posso te ajudar hoje?”, “O que te trouxe aqui hoje?” (Atentar-se para: contato visual obrigatório, postura adequada na cadeira, não interromper a fala do paciente, não fazer anotações) - Utilizar estimulantes da fala – encorajadores mínimos (“hum”, “amrram”), aceno de cabeça, mímica facial, sustentação de silêncio, confirmação de escuta (“entendi”), parafraseamento - Ao final da fala do paciente, identificar possíveis outros motivos de consulta: “Tem mais alguma coisa que você queira olhar hoje?” - Fazer uma sumarização do que foi trazido pelo paciente - Pactuar a agenda da consulta, ou seja, os motivos que serão abordados nessa consulta (Atentar-se para:não fazer perguntas para aprofundar os motivos de consulta, apenas identificá-los nesse primeiro momento) (continua) EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 48 ROTEIRO DE ENTREVISTA CENTRADA NA PESSOA Explorar os motivos da consulta: - Iniciar com uma pergunta aberta “Me fale mais sobre essa dor...”, “Me conta como é essa falta de ar...” - Complementar com perguntas focadas para esclarecer dados importantes que não apareceram na fala livre do paciente e que contemplem: história da “doença”/motivo da consulta + experiência da “doença”/motivo da consulta - Se forem mais de um motivo de consulta, fazer a exploração de cada motivo separadamente (Atenção: a exploração da “história da doença” consiste no entendimento do motivo da consulta, incluindo os atributos do sintoma – localização, irradiação, início, duração, frequência, evolução, intensidade, horário do dia, caráter ou tipo, fatores de melhora e piora, relação com posição ou alimentação, tratamentos anteriores, sinais de alarme. A exploração da “experiência da doença” consiste no entendimento do que isso representa para o paciente, incluindo seus sentimentos, ideias, funcionalidade e expectativas) - Antes de passar para o próximo passo, dar oportunidade para aparecimento de motivo oculto de consulta: “Tem alguma coisa que você gostaria de me dizer e que não disse até agora?” Explorar o contexto: - Fazer a transição com um conector de discurso: “Eu gostaria agora de fazer umas perguntas mais específicas pra eu entender isso um pouco melhor, ok?” - Avaliar se é importante investigar algum elemento do contexto de vida da pessoa, incluindo história de saúde pregressa (comorbidades, medicamentos em uso, internações, cirurgias, alergias, tabagismo, etilismo, uso de drogas ilícitas, atividade física, alimentação, sono, realização de rastreamentos, etc.), história psicossocial (rotina, ocupação, dinâmica familiar, lazer, grau de escolaridade), história familiar (presença de doenças entre os familiares, principalmente doenças genéticas, cardiovasculares e neoplasias, em parentes de primeiro grau) Realizar exame físico/Avaliar exames complementares: - Sinalizar a transição para o exame físico: “Agora você pode se sentar ali, por favor, pra eu te examinar?” - Explicar quais manobras de exame físico serão realizadas: “Eu gostaria de avaliar sua pressão e também ver como está o pulmão, tudo bem?” (continua) 49 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica ROTEIRO DE ENTREVISTA CENTRADA NA PESSOA Avaliação - Fazer uma avaliação dos achados e elaborar a lista de problemas: - Explicar sua avaliação para o paciente com clareza, justificando de acordo com seus achados na consulta e com respaldo científico - Verificar os conhecimentos prévios do paciente sobre o problema: “Você já ouviu falar disso?” - Fazer sumarização e avaliar a concordância do paciente sobre os problemas (Pode-se utilizar ferramentas visuais ou metáforas, pedir reiteração pelo paciente: “vamos ver se ficou bem entendido? explique pra mim o que você entendeu até aqui”) Plano - Elaborar e pactuar o plano: - Explicar sua proposta de plano para o paciente com clareza, justificando com respaldo científico - Apresentar alternativas ao plano principal proposto, explicando prós e contras de cada opção - Avaliar a concordância do paciente sobre o plano proposto e, se necessário, negociar metas e prioridades, incluindo os próximos passos a curto, médio e longo prazo: “O que você acha disso?”, “Você acha que isso é algo que você vai fazer?” - Fazer uma sumarização do plano acordado (Atentar-se para: evitar conselhos e tranquilizações prematuros, avaliar a real viabilidade do plano, pode-se utilizar de reiteração pelo paciente) Finalizar a consulta: - Verificar o entendimento do paciente sobre a consulta: “Tem alguma dúvida sobre alguma coisa que conversamos?” - Mostrar-se disponível e despedir-se: “Se precisar de alguma coisa, pode me procurar, tudo bem?” (Atentar-se para: acompanhar o paciente até a porta, e novamente o contato visual é obrigatório) EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 50 Encerramento da unidade Chegamos ao final desta unidade! Ao longo dos estudos, você pôde conhecer mais da importância da consulta médica e do Método Clínico Centrado na Pessoa, um poderoso instrumento para maior satisfação e melhores resultados no cuidado em saúde. Estruturado em quatro componentes (1. Explorando a saúde, a doença e a expe- riência da doença, 2. Entendendo a pessoa como um todo, 3. Elaborando um plano conjunto de manejo dos problemas, e 4. Intensificando a relação entre a pessoa e o médico), entendemos melhor as diferenças desse método em relação ao modelo biomédico. Por fim, propusemos uma estrutura de roteiro para a entrevista centrada na pessoa, como alternativa à entrevista médica convencional geralmente ensinada nas facul- dades de medicina, influenciadas pelo modelo biomédico de cuidado. Agora, você precisa colocar a mão na massa! Aplique tudo que aprendeu nesta unidade na sua prática e analise o resultado! Vemo-nos em breve! 51 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Aplicação das habilidades de comunicação INTRODUÇÃO O Método Clínico Centrado na Pessoa é uma peça chave para a melhora da comunicação entre médico e paciente, mas a sua aplicação desacom- panhada de outras técnicas de comunicação pode não surtir o efeito de- sejado em uma consulta na APS. Além disso, a comunicação em saúde não se restringe à interação com os pacientes, incluindo também a ne- cessidade de troca de informações e cooperação entre os profissionais de saúde, tornando fundamental o desenvolvimento da habilidade em fazer e receber feedbacks. Assim, conheceremos ao longo desta unidade diversas técnicas de co- municação úteis para cada situação e momento da consulta, essenciais para a prevenção ou manejo das situações-problemas mais comuns na prática da Medicina de Família e Comunidade. Ao final desta unidade, é esperado que você seja capaz de: 1. Aplicar um roteiro estruturado em situações-problema. 2. Elencar as técnicas de comunicação apropriadas em algumas situações especiais e para cada etapa da consulta. 3. Demonstrar a transferência de cuidado. 4. Reconhecer os aspectos mais relevantes em como dar feedbacks. UNIDADE 02 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 52 2.1 A COMUNICAÇÃO COMO UMA COMPETÊNCIA A comunicação efetiva é uma competência fundamental para a prática médica. Todo encontro clínico é, na verdade, o encontro de duas pessoas no qual uma boa comu- nicação pode ajudar de várias formas: encorajando um relato, ajudando na identifi- cação de um problema, prestando suporte motivacional, compartilhando decisões importantes, dando explicações claras sobre condições de saúde, entre outros. No entanto, a literatura médica tem demonstrado que os profissionais de saúde, em geral, não se comunicam tão bem quanto seria desejável (CAMPBELL et al., 2018). A seguir são apresentados alguns dados que ilustram essas dificuldades: Segundo o Institute of Medicine (IOM), a deficiência comunica- cional dos profissionais de saúde pode estar associada ao fato de que, ao contrário de outras disciplinas conteudistas, a comu- nicação é uma habilidade cujo enfoque não é reforçado na for- mação (IOM, 2003). • 69% dos médicos interrompem o paciente dentro de 18 segundos (BARRY, 2000; BECKMAN, 1984). • 77% dos pacientes não chegam a expressar o seu motivo de consulta (BARRY, 2000; BECKMAN, 1984). • 50% dos pacientes saem de suas consultas sem que tenham entendido adequadamente o que foi dito pelos seus médicos (ROTER; HALL, 1989). Os pacientes podem se sentir desamparados ou frustrados, minando resultados clínicos e a experi- ência do paciente em cuidado. As situações em que as falhas de comunicação comprometem o cuidado são as mais diversas.Fonte: MARINHO, 2008c | Acervo Fundação Oswaldo Cruz Diantedesta lacuna, von Fragstein e colaboradores (2008) construíramuma pro- posta para inserção no currículo dos cursos de graduação em medicina no Reino Unido, sintetizada pelo esquema abaixo, no qual os temas e as necessidades de desenvolvimento são apresentadas em círculos concêntricos a partir do princípio “respeito pelos outros”, e limitados por quatro pilares principais (profissionalismo, princípios éticos e legais, prática baseada em evidências e prática reflexiva). 53 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Profissionalismo Prática baseada em evidência Respeito pelos outros Fa milia res Interpretes advogados Te or ia e evidência Es cu ta Apresentações Com putadoresEs tr ut ura ndo / Construindo a relação / Início Inter profissional Comunicado além do paciente In tra pro fis sio na l Fase a fase Mídia Te le fo ne Fechamento / Explicações e planejam ento / Tarefas da comunicação clín ica / O bt en do in fo rm aç õe s e ti ra ndo a história Princípios éticos e legais Prática reflexiva Com unicação de Danos / Assuntos Específicos / Lidando com incerte za / L id an do co m e m oç õe s Especifi cid ad es po r i da de / Di ve rs id ad e c ul tu ra l e so cia l / A plicação e explicação específicas / Assuntos sensitivos / Contextos clínicos especifícos Fonte: Von Fragstein et al. (2008), traduzido e adaptado por Marcela Dohms. Figura 03 – Roda do currículo de comunicação. Em geral, a abordagem utilizada na graduação envolve apenas o aprendizado da abordagem médico-centrada, a qual utiliza a habilidade comunicativa para adqui- rir dados biomédicos, com questionários fechados dirigidos com o propósito de auxiliar o diagnóstico. Entretanto, essa abordagem é insuficiente para captar a com- plexidade da pessoa como um todo, de forma que partes significativas de sua nar- rativa, as quais seriam sensíveis para o cuidado, ficam omitidas ou incompletas (BARRY, 2000). Sobre isso, inclusive, é atribuído a George Bernard Shaw (1856-1950) a frase “o maior problema da comunicação é a ilusão de que ela ocorreu” (BOHEN, 1998). Dessa forma, com semelhantes problemas na comunicação médico-pessoa, os des- fechos podem não ser os esperados. Estudos associam a má comunicação não só à insatisfação do paciente, mas com a diminuição da adesão ao tratamento e uso ineficiente dos recursos (VERMEIR et al., 2015). Por outro lado, a comunicação efetiva, centrada na pessoa, confere resultados melhores, desde a diminuição de proces- EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 54 De uma forma geral e simplificada, a comunicação interpesso- al é o ato mútuo e interdependente, entre duas ou mais pessoas, de transmitir ou propagar informações (MATOS, 2009). 2.1.1 MAS, AFINAL, O QUE É COMUNICAÇÃO? Nesse sentido, a comunicação é um processo dinâmico que, teoricamente, segundo Jakobson (1987), envolve elementos descritos a seguir. Referente/Contexto: assunto, situação Mensagem: texto Canal: meio de veiculação Receptor: destinatário (leitor, ouvinte...) Emissor: produtor (escritor, falante...) Código: língua DIAGNÓSTICO BIOMÉDICO • Doença arterial coronariana pós-IAM CRM • Sintomas de depressão • Obesidade • Colesterol elevado Fonte: Traduzido e adaptado de Jakobson (1987). Figura 04 – Teoria da comunicação de Jakobson. Dessa forma, para que uma boa comunicação se estabeleça é preciso que todos esses elementos estejam alinhados. Nesse sentido, o emissor deve adequar sua mensagem à capacidade de entendimento do seu receptor, ao contexto que estão inseridos, ao canal que vai utilizar e ao código compartilhado com o receptor. Trazendo para o contexto da consulta, que tem o propósito de cuidado, uma boa comunicação existe quando (POPA-VELEA; PURCĂREA, 2014): sos legais, até a melhora da mortalidade de pacientes criticamente doentes, pas- sando pela otimização do controle das condições de saúde e o aumento da satis- fação dos pacientes (LEVINSON, 1997; LILLY et al., 2003; KAPLAN; GREENFIELD; WARE, 1989; HALL; ROTER; KATZ, 1988). 55 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Do contrário, quando ocorrem descompassos entre os elementos da comunica- ção, a intencionalidade do emissor e o entendimento do receptor podem ficar pre- judicados, colocando a comunicação terapêutica a perder. O descompasso pode ocorrer devido a barreiras na comunicação, vamos aprofundar o tema a seguir, acompanhe. 2.1.2 BARREIRAS DE COMUNICAÇÃO As barreiras na comunicação são um conjunto de fatores que impedem ou dificul- tam a recepção da mensagem no processo comunicacional. São restrições ou limi- tações que ocorrem dentro ou entre as etapas do processo de comunicação, fazendo com que nem todo sinal emitido pela fonte percorra livremente o processo de modo a chegar incólume ao seu destino. O sinal pode sofrer perdas, mutilações, distorções, como também ruídos, interferências, vazamentos e, ainda, ampliações ou desvios (CHIAVENATO, 2010). No quadro abaixo há alguns exemplos de barreiras de comunicação no contexto da clínica (MABBOTT, 2010). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 56 Quadro 03 – Exemplos de má comunicação clínica. Exemplo Descrição Repreensão ou moralização Inferindo que os comportamentos dos pacientes estão errados ou “não estão bem”. Isso tende a inibir a expressão e causar transtornos aos pacientes. Julgamento, crítica ou rótulo Semelhantes à moralização são as tendências de julgar e criticar os comportamentos dos pacientes, que também impedem a compreensão e a confiança. Falsa segurança Afirmar que os pacientes se sentirão melhor logo quando, na verdade, isso não ocorrerá. Esse é um exemplo de falsa segurança. Pode ser confuso e tende a interromper as explorações de preocupações dos pacientes. Questionamento fechado persistente Fazer apenas perguntas que possam ser respondidas em uma ou três palavras limita a capacidade de explorar os pensamentos dos pacientes sobre o que eles dizem ou fazem. Resumo precoce Resumir o que os pacientes disseram pode ser útil, mas quando feito muito cedo pode ter o efeito de limitar a discussão dos pacientes sobre tópicos importantes, assim como o uso apenas de perguntas fechadas. Uso de respostas estereotipadas O uso de frases como “beleza” para expressar entendimento ou impressionar os pacientes. O uso de algumas respostas estereotipadas pode não ser entendido por todos os pacientes e pode parecer falso e deslocado. Respostas depreciativas ou defensivas Respostas dessa natureza diminuem o significado da experiência dos pacientes e podem levar à raiva. Os pacientes experimentam muitos medos e preocupações, e alguns deles podem diferir das opiniões dos profissionais de saúde. Explicar a um paciente que prefere morrer em vez de enfrentar a dor: “Ah, esses são sentimentos comuns das pessoas em sua posição... você superará isso”, é menosprezo, porque pode implicar fraqueza do paciente. (continua) 57 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Exemplo Descrição Respostas interrompidas Interromper os pacientes, e principalmente se for seguido por introduzir um tópico não relacionado, descontinua o fluxo da conversa dos pacientes antes que eles possam concluir pensamentos ou ideias, o que pode impedir a exploração de tópicos importantes. Falta de apreciação dos problemas dos pacientes A negação da importância dos problemas dos pacientes pode ser percebida como um tratamento descuidado de suas preocupações. Aprovação ou desaprovação Comunicar a aprovação ou desaprovação limita explícita ou implicitamente os sentimentos de liberdade dos pacientes em se comunicar sem temer julgamento. Discordânciaaberta Responder discordando abertamente dos pacientes coloca os profissionais em oposição aos pacientes. Isso pode resultar em pacientes que não divulgam informações relacionadas importantes, por exemplo, descontinuando um medicamento sem notificar seu médico ou desejar um tratamento menos agressivo. Aconselhamento Embora os profissionais geralmente aconselhem os pacientes sobre um curso de ação, o aconselhamento nem sempre é útil. Em certos casos, pode fazer com que os pacientes se sintam incapazes de serem autodirigidos e competentes no autogerenciamento de suas condições de saúde. Perguntas ou declarações de sondagem É importante dirigir uma linha de investigação, mas quando isso se torna excessivo pode propiciar a experiência de sondagens desnecessárias. Perguntas ou declarações desafiadoras Desafiar é um perigo claro e presente para a expressão dos pacientes. Isso tende a fazer com que os pacientes sintam que precisam provar o que dizem, e geralmente ficam na defensiva. Socializar aspectos pessoais Envolver-se em bate-papo ou revelar dados pessoais enquanto “quebra o gelo” não é terapêutico. Nos diálogos sociais, os participantes compartilham o tempo de conversação igualmente. Quando usado em conversas com o paciente, o mesmo pode acontecer, o que diminui o tempo dos pacientes se auto-divulgarem. Fonte: Traduzido e adaptado de Mabbott (2010). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 58 Devido aos desalinhamentos no processo comunicativo, como os descritos, é que os problemas e conflitos podem surgir. Mesmo que exista uma intencionalidade por parte do locutor da mensagem, se a forma de comunicar essa intencionalida- de não for bem elaborada, se ela não for condizente com o contexto, se não utili- zar um código inteligível ao interlocutor e se não for veiculada no melhor canal, a intencionalidade pode se perder e o interlocutor acabar entendendo uma coisa to- talmente diferente da pretendida. Por isso, é importante desenvolver competências comunicacionais conhecendo algumas técnicas aplicáveis ao contexto clínico. Fundamentalmente, esse é o pro- pósito desta unidade. 2.2 TÉCNICAS PARA INICIAR A CONSULTA A primeira impressão é real- mente importante. Estudos mostram que esta imagem de outra pessoa é formada em poucos minutos e, uma vez formada, é difícil de ser des- feita (BAR; NETA; LINZ, 2006; MABBOTT, 2010). Aqui comentaremos sobre os aspectos verbais dessa inicia- ção. Embora não sejam sepa- ráveis, a discussão a respeito dos aspectos não verbais será feita em tópico à parte. Fonte: MARINHO, 2011a | Acervo Fundação Oswaldo Cruz Dessa forma, pensemos como a consulta começa. Muito inadequadamente, alguns profissionais têm o hábito de chamar (ou gritar) de dentro das suas salas o nome do paciente. Às vezes, nem o nome citam, chamando simplesmente pelo “próximo”. Outros profissionais, que dispõem desse recurso e têm combinado esse fluxo de trabalho, preferem deixar que o profissional recepcionista conduza o paciente até suas salas. Ou, ainda, uma sinalização automática, dada por uma senha, mostra para o paciente que ele deve se dirigir sozinho para a sala indicada. No entanto, mesmo no instante que antecede a consulta propriamente dita, as im- pressões já estão sendo formadas pelo paciente. É o que se denomina de experi- ência do paciente, sua percepção do cuidado que recebe e que é influenciada por vários fatores. Esses fatores podem ser didaticamente classificados em fatores pes- soais, fatores relacionados ao profissional/funcionário e fatores técnicos, confor- me apresentado a seguir. 59 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quadro 04 – Fatores pessoais e técnicos relacionados a profissio- nais e funcionários. Fatores pessoais Fatores relacionados aos profissionais e funcionários Fatores técnicos Experiências prévias Postura ética dos profissionais e funcionários Propedêutica clínica Personalidade Gentileza dos profissionais e funcionários Propedêutica complementar Cultura Empatia dos profissionais e funcionários Diagnóstico Idade Cortesia dos profissionais e funcionários Tratamento Fonte: Adaptado de Hospital Albert Einstein (2020). É importante também ressaltar que a experiência do paciente pode mudar ao longo do tempo. Há uma tendência de mudança atual de perfil de comportamento dos pacientes, que mudam sua relação e expectativa com os serviços de saúde, cujos principais aspectos estão sumarizados a seguir. Comportamento dos pacientes no passado Comportamento dos pacientes no presente Postura passiva Maior acesso à informação Alto grau de confiança no profissional de saúde Busca de envolvimento de participação nas decisões de tratamento Entendimento limitado de sua condição e opções de tratamento Compara tratamento, procedimentos, resultados e preços Grato pelos serviços de saúde oferecidos Tem alta expectativa sobre os profissionais e instituições Raramente reclama ou expõe suas necessidades e solicitações Verbaliza, expõe suas preocupações, disseminam informações e reputação nas redes sociais Fonte: Adaptado de Hospital Albert Einstein (2020). Quadro 05 – Mudança de perfil de comportamento dos pacientes. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 60 Portanto, como sugere o célebre livro “The naked consultation: a pratical guide to primary care consultations skill” (BRECKMAN, 2007), se possível, não deixe de ir ao encontro do seu paciente na sala de espera. Use essa oportunidade para já criar relacionamento e, inclusive, iniciar seu raciocínio clínico, pela observação da maneira como o paciente se apresenta e deambula até o consultório. Já se o paciente estiver acompanhado de outra pessoa, cumprimente-a também. Pergunte como eles estão relacionados e confirme se o paciente deseja que essa pessoa permaneça presente na consulta. Aliás, sempre que possível, pergunte sobre isso antecipadamente, de preferência em particular e não na frente da outra pessoa, de maneira que não gere constrangimentos. Além disso, se houver outras pessoas presentes com você no consultório, por exemplo, estudantes ou outros colegas, não deixe de explicar ao paciente quem são esses profissionais e o porquê de estarem ali. Depois das apresentações, fica a expectativa de que algo deve ser dito. Em geral, segundo Chester, Robinson e Roberts (2014), os médicos e médicas têm formas típicas de quebrar essa expectativa com frases feitas, como as descritas a seguir. Como você está? Como você está se sentindo? Como posso te ajudar? O que eu posso fazer por você? O que você precisa hoje? O que te trouxe aqui hoje? Fonte: Adaptado de Chester, Robinson e Roberts (2014). Figura 05 – Frases típicas para continuar a comunicação. A princípio, essas frases não têm nada de errado – na verdade, acabam tendo uma intenção mais de permissão para o paciente começar a falar do que qualquer outra coisa. Entretanto, alguns pacientes podem entender essas frases literalmente e, ao invés de dizerem espontaneamente o que estavam preparados e tinham ensaia- do para dizer, acabam cortando sua linha de raciocínio, com potenciais perdas de relatos importantes, sobretudo em termos de sentimento, ideias, funcionalidade e expectativa (BRECKMAN, 2007). Exemplo disso são, da parte do paciente, as se- guintes respostas: 61 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Fonte: Freepik.com Além do mais, estudos relacionam a abertura das entrevistas com pergunta sobre sintomas (por exemplo: “Como você está se sentindo?”) com fenômenos de soma- tização (TONGUE; EPPS; FORESE, 2005). Ao invés de iniciar laconicamente a consulta, algumas literaturas sugerem um início diferente. Breckman (2007) afirma que, se queremos realmente focar na pessoa, desde o início da consulta devemos dar o protagonismo da consulta para ela. Assim, podemos iniciar dizendo praticamente nada, a fim de dar a liberdade para o pa- ciente, como, por exemplo: Fonte:Freepik.com É claro que essa forma de abertura não parecerá adequada para o paciente que foi chamado a uma consulta por uma busca ativa ou de seguimento do cuidado, agendado por parte do profissional. Nesses casos, traga o motivo pelo qual você o chamou. Médico: - “O que te trouxe aqui hoje?”. Pessoa: - “Eu vim caminhando, já que moro aqui perto”. Médico: – Olá, prazer em vê-lo. Entre por favor – após se sentarem. – Fique à vontade – seguido por uma disposição em ouvir. Caso o paciente ainda não se dê essa permissão, tente esti- mular dizendo algo como: “Começar às vezes é difícil, mas fique à vontade...”. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 62 Uma vez dada abertura para falar ao paciente e ele a tenha aceitado, muitas informações importantes estão prestes a serem ditas. Breckman (2007) sugere que os primeiros minutos de uma consulta são preciosos, “minutos de ouro”, em suas palavras. Fonte: MARINHO, 2008d | Acervo Fundação Oswaldo Cruz 2.3 TÉCNICAS PARA EXPLORAÇÃO DE PROBLEMAS E AQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES Não por acaso, é nesse momento que os pacientes, em geral, emitem a maior parte das informações que serão importantes para a definição do seu problema. Em média, os pacientes levam cerca de dois minutos para isso (LANGEWITZ et al., 2002). a) Técnicas de perguntas abertas não focais: Existe uma forte tendência de interrompermos o paciente. Essa interrupção ocorre geralmente com o propósito insistente de captar aspectos biomédicos do relato: Intensidade? Frequência? Duração? Recorrência? Fatores de melhora? Fatores de piora? Ocorre que, geralmente, quando o paciente é interrompido, ele assume um modo passivo e passa a responder apenas às perguntas do médico. É assim que a entre- vista, idealmente centrada na pessoa, transforma-se rapidamente em um interro- gatório mecânico com um entrevistador indiferente lendo um questionário impessoal. Ao contrário disso, para aproveitar o momento, no início da consulta, evite fazer outras tarefas, repouse a caneta, deixe de lado o computador e apenas se concen- tre no paciente e no que ele tem a dizer. E, para estimular seu relato, algumas téc- nicas abertas não focais são úteis. 63 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quadro 06 – Técnicas abertas não focais para estímulo do relato pelo paciente. Técnica Descrição Exemplo Encorajamento não verbal Usar técnicas não verbais como linguagem corporal (por exemplo, o balançar de cabeça, se endireitar na cadeira posicionando-se com o corpo para frente) para estimular relato. - Pessoa: Nesse momento eu comecei com uma dor forte no peito... (Médico: Balança a cabeça.) - Pessoa: Eu pensei que era um infarte. Facilitação Usar sons ou pequenas frases para estimular relato. - Pessoa: Minha mãe não me entende... - Médico: Un-hun. - Pessoa: Ela acha que eu sou criança, ainda... Silêncio Manter silêncio enquanto continua atento e responsivo ao paciente. No entanto, não prolongue essa técnica por muito tempo, já que pode ficar um silêncio desconfortável. - Pessoa: Então eu pensei em me matar… (Médico: Atento, mas em silêncio.) - Pessoa: Mas, neste momento, eu me lembrei dos meus filhos... Fonte: Traduzido e adaptado de Fortin et al. (2018). b) Técnicas de perguntas abertas focais: Com as técnicas abertas não-focais é possível que o paciente tenha revelado, de alguma forma, seu motivo ou seus motivos de consulta. No entanto, não deixe de verificar se eles foram todos revelados. Na atenção primária, a maioria dos pacien- tes trazem mais de um motivo (BJØRLAND; BREKKE, 2015). Você pode fazer essa verificação com a técnica de prevenção de demandas aditi- vas, que consiste em perguntar, de forma aberta, se existe algo a mais, no sentido de “esvaziar” alguma demanda oculta. Por exemplo: EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 64 Fonte: Freepik.com É claro que essa forma de abertura não parecerá adequada para o paciente que foi chamado a uma consulta por uma busca ativa, da parte do profissional. Nesses casos, traga o motivo pelo qual você o chamou. Fonte: Freepik.com Tal técnica é especialmente importante para organizar o direcionamento da con- sulta e evitar o que é chamado de “queixa de maçaneta”. Esse fenômeno remete àquela situação em que a pessoa, que já estava para deixar o consultório e expres- sa novas queixas ou preocupações, às vezes até mais importantes que as referidas anteriormente (MODESTO; COUTO, 2016). Médico: -Olá, como posso ajudá-lo hoje? Fique à vontade para me contar. Pessoa: -Pois, então, doutor, eu estou bastante ruim da gripe. Tentei me tratar em casa com alguns remédios para febre, mas nada... Médico: -Certo. Mais alguma coisa que devemos conversar hoje? Pessoa: -Ah, sim, eu preciso renovar minha receita. Meus medicamen- tos estão prestes a acabar, então pensei em já aproveitar para renovar. Médico: -E, além disso, algo mais? Pessoa: -Não, acho que é isso mesmo, doutor. Médico: – Então, se entendi bem, hoje iremos conversar sobre a gripe e sua receita, certo? Pessoa: – Isso. 65 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Fonte: Freepik.com Feita a técnica de prevenção de demandas aditivas, passamos à exploração de cada motivo em separado. Para essa exploração, você pode utilizar algumas técnicas abertas focais, que procuram expandir o conteúdo da história do paciente. Algumas vezes, os pacientes apenas mencionam determinado tópico que merece avaliação mais aprofundada. Com as técnicas abertas focais esse aprofundamento é feito sem que uma interrupção maior da parte do médico influencie o conteúdo das pa- lavras do paciente. No quadro a seguir são apresentadas as principais técnicas com esse objetivo. Quadro 07 – Técnicas abertas focais para expansão do conteúdo da história do paciente. Técnica Descrição Exemplo Eco ou repetição Encorajar o paciente a falar mais sobre determinado assunto, repetindo uma frase ou palavra. - Pessoa: Tenha andado muito triste. - Médico: Muito triste... Solicitação aberta Convite direto para a pessoa prestar mais informações. - Pessoa: Eu estou com uma dor muito esquisita na barriga. - Médico: Me fale mais sobre essa dor esquisita. Esclarecimento Verificar fatos, informações ou sentimentos expressos. - Pessoa: Eu acho que estou com a espinhela caída. - Médico: Tente me explicar como é isso. Médico: -Então, é isso, até logo. Pessoa: -Ah, doutor, antes de ir embora, eu devo te contar... (continua) EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 66 Fonte: Traduzido e adaptado de Fortin et al. (2018). Técnica Descrição Exemplo Reiteração Dizer a mesma coisa que o paciente, mas usando palavras ligeiramente diferentes para enfatizar um ponto ou checar com o paciente. - Médico: Pelo que entendi, então, você está com uma dor de cabeça há trêsdias que é diferente de outras dores de cabeça que você já sentiu. Certo? Sumarização ou paráfrase Extrair elementos-chave da história do paciente ligando- os de forma concisa. - Médico: Entendo. Então temos aqui um problema familiar que está atrapalhando você no seu trabalho. Reflexão Colocação de pergunta retórica promotora de reflexão. - Pessoa: Eu acho que meu pai está me pressionando, ele não me entende. - Médico: O seu pai então não te entende? - Pessoa: Não, ele quer que eu faça algo que eu não dou conta. Eu não sou capaz de passar no vestibular. - Médico: Você não é capaz? c) Técnicas de perguntas fechadas: Com o prosseguir da consulta, várias informações trazidas pelo paciente já terão emergido, até de forma espontânea. Inclusive, é muito possível que aquelas mesmas perguntas fechadas que faríamos ao início, na ânsia de captar aspectos biomédi- cos do relato, tenham sido colocadas sem que precisemos perguntar sobre a in- tensidade, a frequência, a duração, a recorrência, os fatores de melhora e os fatores de piora que o levaram até a consulta. No entanto,se ainda restou alguma informação que precisa ser confirmada, para o propósito de raciocínio clínico, este é o momento de utilizar técnicas de pergun- tas fechadas. Elas são mais apropriadas para serem utilizadas no meio da consul- ta do que ao início, como foi discutido. No quadro a seguir são apresentadas as principais técnicas com esse intuito. 67 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quadro 08 – Técnicas de perguntas fechadas para confirmação e complementação do raciocínio clínico. Técnica Descrição Exemplo Pergunta para respostas breves Exploração dos atributos do sintoma e da experiência de adoecimento. - Médico: Você me falou sobre várias coisas a respeito da sua dor. Mas têm algumas outras que eu preciso saber. Fale-me sobre como isso tem impactado a sua vida e como você acredita que podemos te ajudar. Pergunta para sim/não Averiguar rapidamente um ponto. - Pessoa: Minha dor nas costas. - Médico: E ela caminha para as pernas? - Pessoa: Sim. Pergunta para múltiplas escolhas Determinar um padrão específico. - Médico: Eu não entendi direito um ponto sobre o qual você falou: a dor no estômago então começa antes ou depois de comer? - Pessoa: Vem antes. Fonte: Traduzido e adaptado de Fortin et al. (2018). d) Aspectos não verbais da comunicação Apesar de termos discutido até então as técnicas verbais de comunicação, a ex- pressão da fala, na verdade, não abarca toda a comunicação e nem é a parte mais importante. Ao contrário do que podemos pensar, a comunicação não-verbal abrange mais possibilidades de expressão em um contexto de interação social, conforme demonstrado na figura a seguir. Verbal · Mensagem Verbal · Discurso · Tom de Voz e Inflexão na Voz · Sequência, rítmo e cadência de palavras Não verbal · Expressão facial · Postura · Movimentos e gestos · Posição corporal · Dimensões espaciais Fonte: Traduzido e adaptado de Mabbott (2010). Figura 06 – Proporção de comunicação verbal e não verbal no con- texto de interação social. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 68 A comunicação não verbal inclui o ritmo e o tom de voz, as ex- pressões faciais, a gesticulação e a postura corporal. E, de modo muito especial, a comunicação nãoverbal exprime sentimentos, emoções e qualidades. Além disso, compostos de diferentes sen- timentos e emoções combinados podem trazer um desafio adi- cional na interpretação desses sinais comunicativos. Para ilus- trar essa situação, são apresentadas a seguir algumas expressões faciais compostas por emoções combinadas. Fonte: Traduzido e adaptado de Du, Tao e Martinez (2015). Figura 07 – Quinze expressões faciais decorrentes de emoções combinadas. Os sinais não verbais podem ser utilizados para complementar, substituir ou até contradizer a comunicação verbal. Mesmo o silêncio é significativo e pode trans- mitir inúmeras mensagens em determinado contexto, ou seja, de um modo ou de outro, sempre estamos nos comunicando (TAYLOR, 1969). Exemplo disso são algumas pistas que acabam por transparecer nas expressões faciais, expressão corporal e voz, mesmo quando nada foi dito em voz alta. É dessa forma que o paciente consegue captar certa indisposição, da parte do profissional, quando ele, pensando “lá vem esse paciente de novo”, faz uma expressão facial de desânimo. Ou quando, pensando “esse paciente não segue nada do que eu digo”, o médico faz uma expressão facial de desaprovação. Isso, por si só, já afeta o en- contro clínico. Felizmente surpreso Felizmente enojado Tristemente com medo Tristemente zangado Tristemente surpreso Tristemente enojado Terrivelmente bravo Terrivelmente com medo Terrivelmente enojado Surpreso com raiva Enojado com raiva Enojadamente surpreso Chocado: enojado com raiva Ódio: enojado com raiva Admirado: surpreso com medo 69 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Sabendo disso, é necessário manter deliberadamente a atenção também sobre a própria comunicação não verbal, a fim de que seja condizente com a intencionali- dade do cuidado. Em consultas médicas, isso ocorre pelo interesse genuíno do pro- fissional, expresso de diferentes maneiras a depender da sua intenção, como in- dicado no quadro a seguir (DUGGAN, 2001). Quadro 09 – Métodos e exemplos de contato não verbal. Método Exemplos Atenção Contato visual criterioso Responsividade Expressões faciais como sorrir, morder os lábios, olhar preocupado Atenção Segurando o queixo, mantendo o dedo indicador na têmpora Abertura Palmas das mãos expostas, evitando braços ou pernas cruzados Interesse Inclinando-se para frente Escuta ativa Balançando a cabeça Foco Afastar-se propositadamente do computador ou do registro e fazer pausas silenciosas com cuidado, evitando interromper Fonte: Traduzido e adaptado de Duggan (2001). e) Integrando habilidades exploratórias abertas e fechadas Até este ponto, você pode pensar que as técnicas sobre as quais discorremos são muito simples, singelas de mais para fazer alguma diferença significativa no encon- tro clínico. Com esse pensamento, você pode acabar tendo certa resistência ao executá-las e fazê-las de modo passivo. No entanto, lembre-se de que o efeito depende de um processo ativo e muito cons- ciente da sua parte. Assim, conscientemente, ora você utilizará perguntas abertas não focais, ora perguntas abertas focais e perguntas fechadas, todas sempre acom- panhadas de aspectos não verbais correspondentes. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 70 2.4 TÉCNICAS DE COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO DIAGNÓSTICA Como vimos no início deste módulo, comunicação é sobre o entendimento entre duas ou mais pessoas. Se a intencionalidade é compreender e ser compreendido, uma condição sine qua non é que os interlocutores estejam falando a mesma língua. O médico às vezes pode não se dar conta disso, mas seu pensamento racional, lin- guagem técnica e atitude científica podem estar distantes da realidade do paciente – tão distante que médico e paciente, por vezes, não se entendem. Além do estudo que mostra que metade dos pacientes saem de suas consultas sem que tenham entendido adequadamente o que foi dito (ROTER; HALL, 1989), há também outro estudo que mostra que os pacientes nem se dão conta de que não entenderam (ENGEL et al., 2009). Um terceiro estudo mostra ainda que, para complicar, os médicos não estavam cientes do nível de entendimento que seus pacientes alcançaram das explicações (OLSON, 2010).Isso pode acontecer por uma série de motivos que não necessariamente tem a ver com o grau de escolaridade. Vamos examinar um importante fator que ocorre da parte dos pacientes e um que ocorre da parte dos médicos. Primeiramente, sobre os pacientes, é preciso reco- nhecer que, de fato, os pacientes têm, em geral, baixa capacidade de entender as informações em saúde. Abaixo é apresentada uma história verídica para ilustrar como as falhas de comu- nicação podem ocorrer em situações inesperadas e resultar em graves consequên- cias para a pessoa em cuidado: Fonte: Freepik.com O Instituto de Medicina define literacia em saúde (ou alfabetização em saúde) como “o grau em que os indivíduos têm acerca da capacidade de obter, processar e en- tender informações e serviços básicos de saúde necessários para tomar decisões de saúde apropriadas” (INSTITUTE OF MEDICINE, 2014, p.32). Enfermeira: -“Jill, vejo que você está tomando pílulas anticoncepcionais. Diga-me como você os está tomando.” Jill: - “Bem, alguns dias eu tomo três; alguns dias eu não tomo nenhum. Nos fins de semana, geralmente tomo mais.” Enfermeira: -“Como seu médico disse para você tomá-los?” Jill: -“Ele disse que essas pílulas deveriam me impedir de engravi- dar quando faço sexo, então tomo-as sempre que faço sexo.” (GRAHAM; BROOKEY, 2008, p.67) 71 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quadro 10 – Alternativas a jargões médicos. Trauma Corte, machucado, quebra Deformado Forma diferente do esperadoExaminar Olhar, sentir, ouvir Lesão Marca, mancha Crônico Persistente, duradouro Cardíaco Do coração Insuficiência Não está funcionando normalmente Autolimitado Irá melhorar por conta própria Prognóstico O que é mais provável que irá ocorrer Fonte: Traduzido e adaptado de Breckman (2007). Além disso, estudos (GRAHAM; BROOKEY, 2008) sugerem que, ao transmitir informações verbalmente, médicos e outras equipes médicas devem: - Ter uma comunicação aberta com os pacientes, inclusive in- centivando-os a fazer perguntas. - Comunicar apenas os principais pontos, evitando informações excessivas. - Falar devagar. - Usar analogias com as quais os pacientes possam se relacionar. Por outro lado, é comum que médicos usem jargões que pertencem à linguagem especializada de uma dada área. Do ponto de vista médico, o jargão utilizado parece não ser complicado. Os médicos podem inclusive estar se esforçando para reduzir o nível de profundidade da linguagem, mas podem não perceber que ainda assim sua linguagem é de difícil entendimento para quem não é da área da saúde. Por isso, a todo custo, os médicos precisam evitar jargões. Veja na tabela abaixo algumas mudanças de palavras que podem ser feitas. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 72 a)Técnica básica de comunicação diagnóstica centrada no paciente (acrôni- mo eTACCT): Perguntas motivadoras: - Você acha fácil explicar um diagnós- tico para o paciente? - Como você costuma fazer isso? - Você acredita que seus pacientes en- tendem o que você fala? Fonte: Freepik.com Explicar em linguajar leigo os conceitos médicos não é fácil. Como explicar a fisio- patologia complexa de uma doença sem os termos próprios? Mas, antes de tentar insistir nisso, é preciso saber que não é essa informação que os pacientes desejam. Explicações excessivas sobre assuntos como fisiopatologia das doenças e meca- nismo de ação dos medicamentos são geralmente apenas distratores (SHOEMAKER; WOLF; BRACH, 2014; FUJIMORI; UCHITOMI, 2009). Em todo o caso, as informações que interessam aos pacientes são as que importam para sua vida: o que é o pro- blema, o que pode ser feito e se ou com que rapidez será resolvido. Eles querem um resumo simples que faça sentido (SHAUGHNESSY, 1997). Para guiar essa tarefa, o livro “The medical interview: the three function approach” (COLE; BIRD, 2013) traz a seguinte sugestão, cujo acrônimo é eTACCT: 73 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quadro 11 – Acrônimo eTACCT para comunicação com o paciente. Etapa Descrição Exemplo Elicit (Estimule) Estimula a compreensão básica do paciente sobre o problema. Médico: Qual é sua maior preocupação sobre seu problema? Tell (Informe) Informe ao paciente a mensagem principal. Médico: Realmente você tem diabetes. Ask (Pergunte) Peça ao paciente que expresse sua compreensão da condição e sua reação. Médico: O que você sabe sobre o diabetes? Care (Tome cuidado) Cuidado ao responder ao impacto emocional. Médico: Vejo que você está bastante desconfortável com essa notícia. Eu quero que você saiba que estaremos juntos. Counsel (Aconselhe) Aconselhe o paciente sobre os detalhes da mensagem educacional. Para passar uma mensagem educacional prefira utilizar gráficos, desenhos e esquemas que comuniquem mais facilmente. Tell-back (Solicite que o paciente diga novamente) Peça ao paciente para “responder”os detalhes principais da mensagem. Médico: Eu gostaria de ver o quanto eu consegui te passar as mensagens. Você poderia me contar o que você entendeu da nossa conversa? Fonte: Traduzido e adaptado de Cole e Bird (2013). Ao final, não deixe de pedir para que o paciente conte quais as dúvidas ele tem. Ao invés de perguntar se ele tem alguma dúvida, com uma pergunta fechada, prefira deixar a pergunta aberta, supondo que alguma dúvida tenha ficado, como é muito prová- vel. Do contrário, as pessoas costumam ficar envergonhadas em admitir que têm uma dúvida. Lembre-se! EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 74 O que é, então, uma má notícia? Como médico, várias serão as situações em que você será o portador de uma notícia ruim. A constatação do diagnóstico de um câncer ou a revelação do falecimento de um familiar são exemplos típicos dessas situações. Mas não necessariamente uma má notícia será autoevidente. Por exemplo, a indi- cação do uso de óculos pode ser uma má notícia para uma criança que acredita que isso possa prejudicar sua aceitação no ambiente escolar. É por isso que a de- finição de uma má notícia é dada não pelo pré-julgamento do profissional que atende, mas pelos sentimentos, ideias, funcionalidades e expectativas da pessoa que é atendida. b) Comunicação de más notícias: Perguntas motivadoras: – Você já teve de dar alguma má notícia? – Como você se sentiu ao dar essa má notícia? – Como você percebeu que o paciente e seus familiares se sentiram? – Você acredita que conseguiu cumprir bem essa tarefa? – O que você hoje entende que poderia ter feito diferente? Dessa forma, para compreender em qual medida a notícia impactará seu pa- ciente, é preciso que você explore a experiência de doença e entenda a pessoa como um todo, conforme o Método Clínico Centrado na Pessoa. Em todo caso, segundo Buckman (1984), a princípio, uma má notícia pode ser con- siderada como qualquer notícia que altere drasticamente e negativamente a visão do paciente sobre o futuro. Segundo essa perspectiva, o espectro de más notícias pode variar desde notícias consideradas catastróficas (“Você tem uma doença terminal.”) ou graves (“Você terá de ser internado.”) até algo incon- veniente (“Devido a essa infecção, é pre- ferível que você adie sua viagem.”). Fonte: Freepik.com 75 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quais são as dificuldades comuns? A abordagem de uma potencial má notícia em uma consulta é geralmente uma tarefa desafiadora para o profissional. Essa dificuldade pode tem a ver com três aspectos principais. Primeiramente, fato é que, para a maioria dos profissionais, o treino específico da arte de compartilhar más notícias raramente foi feito ao longo da sua formação. Sem supervisão e sem um método estruturado, as oportunidades de comunicação de uma má notícia são feitas geralmente sem uma preparação adequada. Assim, apesar da importância da tarefa, os médicos costumam tratá-la sem reconhecer a dificuldade da tarefa e sem autoavaliarem sua falta de capacidade para desempe- nhá-la bem. Essa falta de autoanálise também é reflexo de outro motivo dificultador. Segundo a American Academy on Communication in Healthcare, “para participar efetiva- mente nas conversas sobre más notícias, os médicos deveriam rever e explorar suas preocupações pessoais típicas destas situações”. Sendo o encontro clínico um encontro entre duas pessoas, os próprios sentimentos, ideias, funcionalidades e expectativas da pessoa na posição de terapeuta afetará significativamente a maneira com que a notícia será contada. Isso significa que o autoconhecimento aprimora a habilidade de contação de más notícias em específico, assim como as habilida- des de comunicação como um todo. Sobre isso, lembre-se do primeiro passo da consulta, que é um momento de preparação para ela. Por fim, uma última dificuldade, bastante relatada, diz respeito ao temor e à pre- ocupação sobre o modo com que a notícia afetará o paciente (GONÇALVES et al., 2017). Para médicos que, pela sua formação, se veem e agem de modo paternal/ maternal, a contação de uma má notícia pode ser vista como uma falha do cum- primento desse papel. Como dar uma má notícia? Não existe uma “receita de bolo” pronta para ser utilizada em toda e qualquer si- tuação. Mesmo porque a personalização e a individualização da transmissão da mensagem, baseada na necessidade, nos valores e nas preferências do paciente, são fatores importantes para evitar efeitos colaterais de palavras mal colocadas. Noentanto, apesar de suas limitações, existem vários protocolos estruturados que se propõem a servir de guia didático para a tarefa de dar uma notícia. Tais guias podem ser úteis para frisar os pontos principais para transmissão com maior assertividade. A seguir, apresentamos o protocolo SPIKES que é, dentre todos, o mais frequente- mente utilizado e o que tem mais estudos de validação aplicados (GIRGIS; SANSON- -FISHER, 1998). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 76 Quadro 12 – Protocolo SPIKES para comunicação de más notícias. Etapa Descrição Planejando a entrevista (S – setting up the interview): Ensaio mental é uma maneira útil. O médico planeja como contar a má notícia ao paciente e como responder às reações emocionais dele. O local da entrevista também precisa ser planejado. Deve-se buscar privacidade e evitar interrupções, como ligações telefônicas. Muitos pacientes preferem ter a conversa na presença de algum familiar. Avaliando a percepção do paciente (P – perception): Por meio de perguntas, o médico tenta perceber o quanto o paciente compreende seu estado atual. A partir das respostas dadas, pode-se corrigir desinformações e moldar a má notícia para o entendimento do paciente, além de notar a possível existência de negação da doença ou expectativas não realistas do tratamento. Obtendo o convite do paciente (I – invitation): Enquanto muitos pacientes mostram desejo de obter informações detalhadas sobre sua doença, seu tratamento e sua evolução, alguns preferem esquivar-se, um mecanismo psicológico válido e mais comum em indivíduos com doença progressivamente mais grave. Se o paciente, num primeiro momento, optar por não saber detalhes, o médico deve se colocar à disposição para esclarecer dúvidas futuras ou para conversar com um familiar, se for a vontade do paciente. Dando conhecimento e informação ao paciente (K – knowledge): É importante o uso de linguajar de fácil compreensão por parte de leigos, evitando-se expressões duras e frias. Pacientes candidatos a cuidados paliativos não devem ouvir frases como “Não há mais nada que possamos fazer por você.”. Tais indivíduos frequentemente têm outros objetivos terapêuticos que podem ser alcançados, como controle de dor ou outros sintomas. A informação deve ser passada aos poucos, certificando-se periodicamente de que o paciente está entendendo o que está sendo dito. (continua) 77 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Fonte: Traduzido e adaptado de Baile et al. (2000). Etapa Descrição Abordar as emoções dos pacientes com respostas afetivas (E – emotions): Os pacientes podem reagir de diferentes formas, como silêncio, choro e raiva, e saber lidar com tais reações é uma das etapas mais difíceis na transmissão da má notícia. O médico deve oferecer apoio e solidariedade por meio de um gesto ou uma frase de afetividade. Até que a emoção passe e o paciente se recomponha, é complicado prosseguir para a discussão de outras questões. É fundamental dar ao indivíduo o tempo necessário para ele se acalmar. Isso reduz o isolamento do paciente, expressa solidariedade e valida os sentimentos ou pensamentos do paciente como normais e esperados. Estratégia e resumo (S – strategy and summary): Antes de discutir os planos terapêuticos (curativos ou paliativos), recomenda-se perguntar ao paciente se ele está pronto para prosseguir a discussão e se aquele é o momento. Quando as medidas são paliativas, é de fundamental importância o entendimento do paciente, para evitar que ele não compreenda o propósito do manejo e superestime sua eficácia. 2.5 TÉCNICAS PARA ESTABELECIMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DE UM PLANO CONJUNTO DE MANEJO DE PROBLEMAS a) Decisão compartilhada Perguntas motivadoras: - Você costuma compartilhar a decisão com seus pacientes? - O que você acha dessa prática? E os seus pacientes, eles gostam de ser incluídos dessa forma? O quanto seu paciente deseja o compartilhamento de informação? EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 78 De fato, alguns pacientes podem não querer ou não estarem prontos para par- ticipar de uma decisão, embora essa escolha, conscientemente tomada, não deixa também de ser uma decisão, que deve ser respeitada. No entanto, o que provavelmente deve ocorrer é que muitos pacientes nem sequer estão cientes de que podem, ou melhor, que devem participar da decisão (LÉGARÉ; THOMPSON-LE- DUC, 2014). Além disso, no incons- ciente coletivo dos pacientes ainda reside a crença na certeza da medi- cina e na autoridade dos seus arautos, os médicos.Fonte: MARINHO, 2011b | Acervo Fundação Oswaldo Cruz Mas isso está mudando. Pesquisas consistentes mostram que a maioria das pessoas quer ser informada e envolvida nas decisões sobre seus cuidados médicos. Em uma revisão sistemática de 115 estudos sobre preferências de decisão para trata- mento e triagem, 71% dos entrevistados preferiu ter papéis de decisão a partir de do ano 2000, em comparação com 50% dos estudos anteriores a 2000 (CHEWNING et al., 2012). Isso reflete uma mudança de comportamento geral da população. Tanto que os pacientes cujos médicos os escutam, provocam objetivos e preocupações e expli- cam todas as opções, entre outras coisas, são três a cinco vezes mais satisfeitos com seus médicos (SUH; LEE, 2010). Então, quando o compartilhamento de decisão é importante? Apesar do desejo aumentado por parte dos pacientes, o benefício do compartilha- mento não é sempre certo. Pelo contrário, em algumas ocasiões o compartilha- mento pode ser prejudicial. A depender do nível de confiança nas evidências que sustentam determinada tomada de decisão, tanto mais ou menos compartilha- mento é desejável. Como compartilhar a decisão? Você já sabe quando e por que compartilhar decisões, mas como executar essa tarefa? Primeiramente, é preciso dizer que a tomada de decisão vai além de uma simples prestação de informação. Esse ato traz o paciente para o centro do cuidado, enfatizando a colaboração médico-paciente. A figura abaixo ilustra o modelo con- ceitual de diagnóstico centrado na pessoa, em que a participação esperada do pro- fissional e do paciente são explicitados. 79 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Contexto clínico Evidência Risco de testes Viés de teste Preferências Tolerância de riscos Viabilidade de teste Tomada de decisão compartilhada Plano de trabalho colaborativo para diagnóstico através de conversa e diálogo Metas do paciente Fonte: Traduzido e adaptado de Berger et al. (2017). Figura 08 – Modelo conceitual de diagnóstico centrado na pessoa. Nesse sentido, os principais componentes da tomada de decisão compartilhada foram descritos por Elwyn e Charles (2009) como: - Identificar e esclarecer o problema. - Identificar soluções potenciais. - Discutir opções e incertezas. - Fornecer informações sobre possíveis benefícios, malefícios e incertezas de cada opção. - Verificar se pacientes e profissionais têm um entendimento conjunto. - Obter feedback e reações. - Concordar em um curso de ação. - Implementar o tratamento escolhido. - Organizar o acompanhamento. - Avaliar os resultados e avaliar os próximos passos. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 80 Esses componentes foram organizados de forma prática para servir de modelo de decisão compartilhada para uma aplicação sequencial, conforme representado no esquema abaixo (ELWYN et al., 2012). D E L I B E R A Ç Ã O Preferências iniciais Preferências informadas CONVERSA DE ESCOLHA CONVERSA DE OPÇÃO SUPORTE DE DECISÃO Breve bem como Extenso CONVERSA DECISIVA DECISÃO Fonte: Traduzido e adaptado de Elwyn et al. (2012). Figura 09 – Modelo de decisão compartilhada para aplicação sequencial. 2.6 COMUNICAÇÃO NO PROCESSO DE TRABALHO DA APS Exploramos várias técnicas de comunicação para a relação médico-pessoa. No entanto, não é só com o paciente que interagimos no ambiente detrabalho. Também dialogamos com nossos colegas. Na atenção primária, isso assume um valor espe- cial, já que trabalhamos em equipe e é da sinergia dos membros dessa equipe que dependem várias ações no processo de trabalho. Mas, será que estamos realmente trabalhando em equipe? Embora as palavras “equipe” e “grupo” sejam frequentemente usadas de forma indistinta, elas não são sinônimas. Segundo Katzenbatch e Smith (1994, p.16), “uma equipe é um conjunto de pessoas com habilidades complementares que estão comprometidas com um propósito comum, metas de desempenho e abordagem para a qual elas são mutu- amente responsáveis”. Por outro lado, segundo Peduzzi (2001), em grupos as pessoas podem trabalhar independentemente uma das outras para a conclusão de uma tarefa, com prioridades, metas e/ou responsabilidades desassociadas. Como geralmente resolvemos conflitos? No início deste módulo, comentamos sobre como algumas barreiras comunicacio- nais interferem na relação médico-pessoa. Na relação com os colegas de equipe, não é diferente. Confira também as barreiras que dificultam uma boa comunicação descritas por Clancy e Tornberg (2007): 81 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Por conta dessas barreiras, conflitos surgem e, diante disso, formas convencionais de resolução tendem a falhar. No quadro a seguir são apresentadas algumas formas ineficazes de resolução de divergências no ambiente de trabalho. Quadro 13 – Formas ineficazes de resolução de conflitos e suas con- sequências no ambiente de trabalho. Formas ineficazes Consequência comum Contentamento As partes abdicam do seu ponto de vista para não levar o conflito adiante. Prevenção Com esse método, os problemas são temporariamente ignorados ou evitados. Os sentimentos das pessoas ficam reprimidos e acabam surgindo de alguma forma posteriormente. Acomodação Com esse método, o foco está em preservar relacionamentos. Esta não é uma boa opção porque o foco deve estar na segurança e no atendimento ao paciente. Dominação Com esse método, os conflitos são gerenciados por meio de diretrizes hierárquicas. Esta opção não promove uma cultura de comunicação. Fonte: Traduzido e adaptado de Clancy e Tornberg (2007). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 82 Para obter resultados diferentes, é preciso promover novas estratégias de resolu- ção de conflitos ou, antes disso, de prevenção de conflitos e potencialização da fun- cionalidade da equipe. Existem várias estratégias e ferramentas desenvolvidas para otimizar o trabalho em equipe, e abordaremos duas em especial: primeiramente o feedback e depois o método ISBAR de transferência de cuidados. a) Comunicação com a equipe (feedbacks) Antes de avançarmos, reflita sobre as seguintes perguntas: - Como você costuma dar um feedback para um colega? - E receber um feedback, como é para você receber uma devolutiva? Feedback, o que é? Como vimos, a comunicação tem duas vias. Para cada mensagem enviada pelo emissor, o receptor não fica passivo, ele responde às mensagens. Quando essa resposta é oferecida ao emissor como uma forma de avaliação, essa resposta é um feedback. O feedback pode ser positivo, quando quer reforçar uma atitude ou comportamen- to que, aos olhos do receptor, teve um impacto positivo, que é desejável que se repita; ou pode ser negativo, quando quer desestimular uma atitude e comporta- mento cuja repetição quer ser evitada. Em todo caso, para que cumpra esses objetivos, é preciso que o feedback seja efetivo. Isso significa que deve conseguir endereçar para a outra pessoa os elementos su- ficientes para que ela possa compreender de fato o que pode ser aprimorado ou mantido, ao contrário de apenas ensurdecer a outra pessoa com críticas vazias ou elogios soltos. Então, como dar um feedback efetivo? Existem métodos diferentes de dar feedback efetivos às pessoas, mas todos são compostos por alguns critérios preciosos, que são apresentados no quadro a seguir. 83 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quadro 14 – Critérios para um feedback efetivo. Cuidado A intenção daquele que faz a crítica deve sempre ser de ajuda e suporte, com o máximo de cuidado. Atenção Quem critica também deve ser, acima de tudo, um bom ouvin- te, mostrar-se preocupado com a pessoa e estar atento às suas respostas verbais e não verbais ao receber as críticas. Solicitação O retorno é mais efetivo quando o avaliado o solicitar. Quem se mostra interessado em ouvir críticas estará provavelmente mais aberto a identificar as áreas que requerem atenção. Especificidade O bom retorno é específico e concreto. Conceitos vagos não permitem identificar no que o desempenho foi bom e como melhorar o que está inadequado. A crítica precisa apontar como um desempenho pode ser reforçado ou mudado. Afetividade O bom retorno deve ser mais do que uma simples constatação de fatos. Aquele que faz uma crítica deve expressar seus sen- timentos para que o outro possa perceber o impacto de seu desempenho. Objetividade O retorno composto de julgamentos exclusivamente subjetivos ou avaliações com tom acusador ou repressor provavelmente colocará as pessoas em posição defensiva. Deve ser realizado segundo bases claras, com coerência de critérios, descrevendo a situação tal como foi compreendida. Dessa forma é possível que cada um chegue a suas próprias conclusões. Oportunidade O retorno mais útil é aquele oferecido na oportunidade que encontre a pessoa mais receptiva e que o desempenho ainda está em sua mente, com oportunidade de possibilitar a corre- ção ou melhoria do desempenho. O retorno não será útil se os pontos negativos forem sendo anotados e apenas comentados ao final do trabalho quando não há mais nada a ser feito. Direção O retorno deve ser dirigido aos comportamentos que podem ser mudados. A crítica efetiva deve focalizar as áreas de com- petência que podem ser melhoradas e sugestões de como fazê-la podem ser apontadas aos envolvidos. O retorno que abordar questões além do controle da pessoa são menos úteis. (continua) EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 84 Fonte: Traduzido e adaptado de Young e Francis (1992). Confirmação Deve-se buscar em outras fontes a confirmação da percepção sobre um determinado desempenho. O entendimento de uma determinada situação pode ser diverso, uma vez que todo julgamento incorpora juízos de valor e, neste sentido, outras perspectivas podem confirmar ou alterar uma determinada percepção. Compreensão Ao fazer críticas, deve-se assegurar que a pessoa compreen- deu o retorno que foi feito. Deve-se buscar identificar qual foi o entendimento a respeito do retorno oferecido. Considerando esses critérios, alguns métodos tentam formular uma sequência ideal para agregar tais valores. Um desses métodos é o método sanduíche. Nesse modelo, uma crítica é ladeada de dois elogios, como um sanduíche, de onde vem o nome. Por exemplo: Frase 1: Foi isso que você fez bem. Frase 2: Acho que foi menos bem ou poderia ser feito de maneira diferente. Frase 3: É assim que isso pode ser alcançado, dados seus pontos fortes e com- portamentos positivos. Assim, com uma estrutura simples, fácil de ser lembrada, essa forma de feedback pode deixar o colega a quem o feedback é endereçado menos defensivo e mais re- ceptivo à devolutiva. Como receber um feedback? Mais do que dar um feedback, receber um pode ser ainda mais difícil. Mas, quando o feedback é efetivamente cons- trutivo, estudos apontam o quanto essa ferramenta pode ser poderosa para o desenvolvimento(HATTIE; TIMPERLEY, 2007). Para conseguir aproveitar esse valor, mesmo quando o feedback não é tão efetivo quanto poderia ser, algumas sugestões segundo Breckman (2007): Fonte: Freepik.com 85 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica - Verifique se a hora, data e local estão corretos. - Acolha feedbacks de pessoas cuja opinião você respeita. - Você tem que querer um feedback, se você realmentenão quer feedback, diga-o, já que o feedback não solicitado pode ser indesejável e até prejudicial. - Pense se você concorda com o que foi dito ou não. Caso contrário, declare isso e verifique sua própria opinião com o doador do feedback. - Seja receptivo. O que você pode aprender com esse feedback sobre como seu comportamento é percebido pelos outros? b) Compartilhamento do cuidado Falaremos agora sobre o compartilhamento do cuidado. Mas antes de entrarmos nesse conteúdo, reflita sobre as seguintes perguntas: - Você já teve de transferir um paciente para uma unidade de urgência/emer- gência ou encaminhar para um ambulatório especializado? - Como você fez a comunicação de transferência? - Você acredita que conseguiu comunicar todas as informações importantes? - O que você faria de diferente? Por que a forma de compartilhar o cuidado é importante? Dentre os fatores que propiciam erros na prestação de cuidados, muitas vezes com graves consequên- cias, está a comunicação inadequada na transferência de cuidados. Dados da literatura indicam que aproxima- damente 37% das comunicações de transferência tiveram problemas, como atrasos, desatenção ou falta de informação (SCOTT et al., 2017; JACKSON et al., 2016). Fonte: Freepik.com Como compartilhar casos clínicos de forma efetiva? Pode parecer muito simples relatar o caso clínico para um colega. Tão fácil que algumas vezes os profissionais o fazem com displicência. É dessa forma que alguns elementos importantes da história não são registrados, são mal direcionados, nunca são recebidos, nunca recuperados ou são completamente ignorados. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 86 Quadro 15 – Exemplo da utilização do ISBAR na prática clínica da APS. Fase da comunicação O que deve ser feito Exemplo Identificação Sobre quem você está falando? Olá, Doutor Marcus (Médico Regulador do Telessaúde). Meu nome é Lorena, médica da Unidade Básica de Saúde. Estou atendendo o paciente Antônio Marcos. Ele tem 50 anos. Situação O que mais te preocupa de imediato nesse caso? Solicitamos há 20 dias um hemograma para pesquisar o cansaço e a fraqueza que ele estava reclamando. O exame mostrou leucocitose acentuada, com anemia e plaquetopenia. A contagem de leucócitos é 50.000. Hemoglobina de 11 e plaquetas de 70.000. Backgroud Quais informações clínicas importantes da história desse paciente que te levam a essa preocupação? Ele é previamente hígido, não toma medicamentos regularmente. Para driblar essa tendência, uma forma de otimizar a transferência de cuidados é a padronização de um método. Existem evidências consistentes de que ferramentas padrão contribuem nesse sentido (SCOTT et al., 2017; JACKSON et al., 2016; STARMER et al., 2014; JEFFS, 2017). Dentre esses instrumentos, um em especial merece destaque por sua simplicidade e aplicação generalizada. O ISBAR e suas variações (ISBARR, ISOBAR, SBAR-R) prova- ram ser uma maneira eficiente e eficaz para transferência de cuidados (MÜLLER et al., 2018). O método pode ser usado com qualidade tanto em transferências presen- ciais quanto à distância, por telefone ou por mensagem. É útil para comunicação, tanto intraprofissional quanto interprofissionalmente (RIESENBERG; LEITZSCH; LITTLE, 2009). Além disso, outro benefício do ISBAR é que, de certa forma, ele reduz as ini- bições, que geralmente ocorrem em contextos de hierarquia, ao estimular, como um dos seus passos, o fornecimento de recomendações do remetente (DONAHUE et al., 2011). Veja um exemplo da utilização desse método no quadro abaixo. (continua) 87 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Avaliação O que eu acho que está acontecendo e o que eu já fiz relacionado a esse caso que é importante que se saiba? Está estável, afebril, sem sinais de sangramento. Também não encontrei adenomegalia ou esplenomegalia. Recomendação O que acho que precisa ser feito e o que eu acho que deve ser feito para dar continuidade ao caso? Eu estou considerando que ele esteja com leucemia. Acredito que ele precisa de uma consulta com hematologista com rapidez, por isso gostaria de pedir regulação para o caso dele. Fonte: Elaborado pelos autores. 2.7 UTILIZAÇÃO DE MÍDIAS Ao longo deste módulo, acompanhamos uma série de técnicas de comunicação face a face com seu paciente. Mas não é apenas por meio da fala e dos gestos que você pode estabelecer uma comunicação. Você ainda pode usar mídias como recursos para educação em saúde. Você já tinha pensado sobre isso? Já chegou a utilizar alguma dessas mídias? Pois saiba que são muito úteis e têm se tornado cada vez mais comuns e dese- jáveis por parte dos pacientes. Tanto é assim que os próprios pacientes, por eles mesmos, têm buscado por essas mídias. Por exemplo, segundo um relatório, 86% das pessoas buscam informações na internet para tomar decisões em saúde no Brasil (MCDAID; PARK, 2010). Tal hábito, ao contrário do que alguns profissionais considera- dos mais autoritários advogam, é desejável porque significa que as pessoas têm se atentado mais em relação a sua saúde. De certa forma, isso favorece o autocui- dado. Na APS, grande parte do trabalho é justamente apoiar e estimular o protagonismo da pessoa em seu autocuidado. Fonte: Freepik.com EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 88 Diferentemente da paciente internado, que é observado e reavaliado constante- mente dentro do hospital, o paciente da atenção primária está inserido em sua co- munidade e os momentos de contato com os profissionais de saúde são mais es- parsos. A representação abaixo mostra, por exemplo, que a atenção profissional mesmo aos portadores de condições crônicas consome poucas horas durante um ano, de forma que o tempo de exposição ao apoio presencial do profissional é in- finitesimalmente pequeno frente ao tempo que o paciente convive com seus pro- blemas (ou seja, o tempo todo). TEMPO DO CUIDADO PROFISSIONAL NA VIDA DE UM PORTADOR DE CONDIÇÃO CRÔNICA Fonte: Mendes (2014). Figura 10 –Tempo do cuidado profissional na vida de um portador de condição crônica. Por isso, é interessante aprender a utilizar as mídias a favor do propósito terapêu- tico, a fim de utilizá-las também como recurso extra consultório. Para tanto, é pos- sível recomendar fontes confiáveis de materiais para educação em saúde ou também criar materiais próprios. Ao selecionar as fontes, seja criterioso. Verifique todos os materiais que planeja usar antes de compartilhá-los com o paciente. De fato, quando avaliadas as fontes de busca que os pacientes optam, em geral elas são ruins. Por exemplo, a Escola Nacional de Saúde fez, em 2015, uma avaliação de sites nacionais sobre saúde e concluiu que nenhum dos sites obteve mais de 60% de conformidade com o selo do Laboratório Internet, Saúde e Sociedade – LaiSS (Ensp/Fiocruz) (PAOLUCCI; PEREIRA NETO; LUZIA, 2017). Dessa forma, converse com seu paciente sobre as fontes que ele tem buscado e oriente sites confiáveis. 89 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Em todo o caso, para selecionar mídias para educação em saúde, é preciso ter em mente as seguintes premissas: - As preferências do seu paciente é que devem orientar sua escolha de mate- riais e métodos educacionais. Por isso, descubra como seu paciente gosta de aprender. - Seja realista. Concentre-se no que seu paciente precisa saber, não no que é bom saber. - Preste atenção às preocupações do paciente. A pessoa pode ter que superar um medo antes de estar aberta ao ensino. - Respeite os limites do paciente. Ofereça ao paciente apenas a quantidade de informações que ele pode manipular ao mesmo tempo. - Perceba a organização da informação para facilitar a compreensão. - Esteja ciente de que pode ser necessário ajustar seu plano educacional com base no estado de saúde do paciente e em fatores ambientais. No entanto, em alguns casos pode não ser possível obter um material pronto que atenda as necessidadesde seus pacientes. Por exemplo, pode ser difícil encontrar materiais em português ou sobre tópicos sensíveis específicos. Nesse caso, você pode tentar criar suas próprias ferramentas de educação em saúde, primando pela compressibilidade e praticidade. Os materiais de educação são compreensíveis quando os pacientes de origens diversas e níveis variados de alfabetização em saúde podem processar e entender as mensagens. E os mate- riais de educação em saúde são práticos quando os pacientes de diversos antece- dentes e níveis variados de conhecimento em saúde podem identificar o que podem fazer com base nas informações apresentadas. Em linhas gerais, as recomendações para maximizar o entendimento de materiais escritos, segundo Graham e Brookey (2008), são: - Incluir apenas palavras simples, sem jargão médico. - Incluir diagramas e figuras simples, conforme apropriado. - Usar frases curtas. - Enfatizar o que o paciente precisa fazer. - Não incluir informações desnecessárias. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 90 O uso das novas tecnologias de co- municação não se restringe apenas a estratégias de promoção à saúde. A Telemedicina representa hoje uma importante alternativa para amplia- ção do acesso ao cuidado das pessoas. Com o advento da pandemia da COVID-19, o Conselho Federal de Me- dicina, por meio do Ofício CFM nº 1.756, de 19 de março de 2020, esta- belece que:Fonte: Freepik.com Este Conselho Federal de Medicina (CFM) [...]EM CARÁTER DE EXCEPCIO- NALIDADEE ENQUANTO DURAR A BATALHA DE COMBATE AO CONTÁGIO DA COVID-19, reconhece[r] a possibilidade e a eticidade da utilização da telemedicina, além do disposto na Resolução CFM nº 1.643, de 26 de agosto de 2002, nos estritos e seguintes termos: Teleorientação: para que profissionais da medicina realizem à distância a orientação e o encaminhamento de pacientes em isolamento; Telemonitoramento: ato realizado sob orientação e supervisão médica para monitoramento ou vigência à distância de parâmetros de saúde e/ou doença. Teleinterconsulta: exclusivamente para troca de informações e opiniões entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico (CFM, 2020). A Portaria MS/GM nº 467, de 20 de março de 2020, ratifica a autorização excepcio- nal e temporária das ações em Telemedicina, enquanto perdurar a pandemia da COVID-19. Nela, define-se que: Art. 2º As ações de Telemedicina de interação à distância podem contem- plar o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico, por meio de tecnologia da informação e comunicação, no âmbito do SUS, bem como na saúde suplementar e privada. Parágrafo único. O atendimento de que trata o caput deverá ser efetuado diretamente entre médicos e pacientes, por meio de tecnologia da infor- mação e comunicação que garanta a integridade, segurança e o sigilo das informações (BRASIL, 2020). Atenção deve ser dada à exigência da integridade, segurança e sigilo das informa- ções. Apesar de as plataformas de mensagens instantâneas, como WhatsApp, serem de ampla utilização, não é reconhecida a sua segurança para realização de tele- consultas, sendo recomendada apenas para situações de teleorientação, em con- formidade com o Parecer CFM nº 14/2017. Fortemente catalisada pela pandemia da COVID-19, a Telemedicina está cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, dos serviços e dos profissionais de saúde. 91 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Apesar das dúvidas sobre a continuidade dessa autorização após o controle da pandemia da COVID-19, a tendência observada atualmente é da incorporação progressiva das novas tecnologias no cuidado e no contato entre médicos e pa- cientes. Antes mesmo do início da pandemia da COVID-19, já havia intenso debate sobre a regulamentação da Telemedicina em definitivo no país. Você deve lembrar que a Resolução CFM 1.643/2002, marco legal atual da Telemedicina no Brasil, chegou a ser anulada pela Resolução CFM 2.227/2018, que autorizava consultas médicas remotas, incluindo diagnósticos e até mesmo cirurgias à distância. No entanto, a pressão de alguns Conselhos Regionais de Medicina e de parte da co- munidade médica à época fez com que o CFM retrocedesse, revogando a mesma por meio da Resolução CFM 2.228/2019. É importante que você acompanhe de perto as mudanças na legislação sobre este tópico que poderão acontecer no futuro próximo! Para aprofundar seus conhecimentos sobre as normas vigentes que autori- zam o exercício atual da Telemedicina no país, acesse os links a seguir: Ofício CFM nº 1.756, de 19 de março de 2020: https://portal.cfm.org.br/images/ PDF/2020_oficio_telemedicina.pdf Parecer CFM nº 14/2017: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pare- ceres/BR/2017/14 Portaria MS/GM nº 467, de 20 de março de 2020: https://www.in.gov.br/en/ web/dou/-/portaria-n-467-de-20-de-marco-de-2020-249312996 Para conhecer mais as resoluções, acesse os links a seguir: Resolução CFM 1.643/2002. https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2002/1643 Resolução CFM 2.227/2018. https://portal.cfm.org.br/images/PDF/resolucao222718.pdf Resolução CFM 2.228/2019. https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2019/2228 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 92 Encerramento da unidade Chegamos ao final de mais uma unidade.Abordamos até aqui diferentes e impor- tantes orientações para a melhoria da comunicação, desde o cenário do encontro clínico entre médico e paciente até a comunicação entre profissionais de saúde para passagem de informações ou simplesmente para a realização de feedback para potencialização do trabalho em equipe. É essencial que você aplique esses conhecimentos no seu dia a dia, de modo a se- dimentá-los e tornar a sua aplicação natural na sua prática. Boa sorte! 93 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Prática em Saúde Baseada em Evidência (PSBE) INTRODUÇÃO Nesta unidade, vamos apresentar e discutir conceitos essenciais sobre a Prática de Saúde Baseada em Evidências (PSBE), desde elaboração de perguntas clínicas, ferramentas de busca e análise da qualidade de evi- dências. Visitaremos tópicos rotineiros de sua prática no trabalho, com o foco em refletir sobre nossas condutas e aprimorar o cuidado. Ao final desta unidade, é esperado que você seja capaz de: • Descrever as medidas epidemiológicas essenciais para avaliar cri- ticamente artigos científicos. • Descrever as diferentes formas de evidência e a sua aplicação para responder perguntas clínicas para o desenvolvimento da PSBE. • Descrever as etapas envolvidas na PSBE. Vamos começar! UNIDADE 03 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 94 3.1 POR QUE UMA PRÁTICA DIFERENTE? Os médicos estão cada vez mais sobrecarregados com o volume de informa- ções científicas publicadas todos os dias. Ainda que se esforce, é impossível que um médico consiga ler todos os artigos lançados semanalmente. Mesmo quando há tempo para ler alguns, não é uma tarefa simples identificar quais têm mais relevância para a prática clínica. Contudo, os médicos que atuam na APS, ambiente com grande grau de incertezas, se deparam diariamente com várias dúvidas que precisam ser respondidas para tomar as decisões durante os atendimentos. Fonte: SANTANA, 2008 | Acervo Fundação Oswaldo Cruz REFLEXÃO Reflita sobre situações na sua prática em que teve dúvida sobre alguma conduta e o que decidiu fazer com ela. Tente apontar fatores que facilitaram o estudo imediato e fatores que dificultaram ou im- pediram o estudo imediato. Em resposta a essas limitações no entendimento e no uso das evidências científi- cas teve origem o movimento conhecido com Medicina Baseada em Evidências (MBE) (DJULBEGOVIC; GUYATT, 2017), atualmente chamado de Prática de Saúde Baseada em Evidências (PSBE), já que não está restrita à área médica. Sackett e colaboradores (1996, p. 71) definiu PSBE como o “uso consciencioso, ex- plícitoe criterioso da melhor evidência disponível durante a tomada de decisões nos cuidados individuais dos pacientes”. Ele ressaltou a importância da integração dessas evidências com a experiência clínica individual considerando de maneira compassiva dilemas, direitos e preferências individuais dos pacientes. A prática de saúde baseada em evidências é representada por três pilares, conhecidos como tripé da PSBE, apresentado na figura a seguir. 95 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Fonte: Elaborado pelos autores. Figura 11 – Os três pilares que compõe o tripé da PSBE. No trabalho do médico de família e comunidade, a PSBE é uma ferramenta essen- cial, mas que deve ser associada a outras habilidades e técnicas clínicas (como ra- ciocínio clínico, método clínico centrado na pessoa, habilidades de comunicação), para enfim resultar na melhor tomada de decisão clínica realizando a decisão com- partilhada com o paciente, conforme representado na figura abaixo. Melhor evidência disponível Valores e preferências do paciente Contexto e circunstâncias clínicas Habilidades e técnicas clínicas TOMADA DE DECISÃO CLÍNICA DECISÃO CLÍNICA COMPARTILHADA Fonte: Elaborado pelos autores. Figura 12 – Tripé da PSBE para a tomada de decisão clínica e decisão compartilhada com o paciente. Agora que já conhecemos o conceito de PSBE vamos entender como se aplica na prática clínica. Melhor evidência disponível Valores e preferências do paciente Contexto e circunstâncias clínicas PSBE MELHOR EVIDÊNCIA DE DISPONÍVEL Por melhor evidência disponível queremos dizer pesquisas clinicamente relevantes, às vezes de áreas básicas da medicina, mas especialmente pesquisas clínicas centradas no paciente. Normalmente, incluem pesquisas sobre acurácia e precisão diagnóstica (incluindo exame clínico), marcadores prognósticos e seu poder de predição, eficácia e segurança de um tratamento, reabilitação ou estratégias preventivas. CIRCUNSTÂNCIAS CLÍNICAS Por circunstâncias clínicas, queremos dizer a capacidade de usar nossas habilidades clínicas e experiência prévia para identificar em cada paciente o seu estado de saúde e diagnóstico. Avaliar seus riscos individuais e benefícios de potenciais intervenções, exposições ou testes diagnósticos, e os valores e expectativas pessoais do paciente. Além disso, experiência clínica é necessária para integrar a evidência com os valores do paciente e circunstâncias. Sobre contexto, precisamos considerar o ambiente no qual o paciente está inserido (ambulatorial, unidade de urgência, hospital), questões de disponibilidade e acesso a propedêutica e tratamentos, questões burocráticas/legais ou outras situações do cenário que possam afetar a tomada de decisão. VALORES E PREFERÊNCIAS DO PACIENTE Por valores e preferências do paciente, queremos dizer as preferências únicas, preocupações e expectativas que cada paciente traz para um encontro clínico e que devem ser integradas em decisões clínicas compartilhadas, tomadas em benefício do paciente. Inclui avaliar o contexto do paciente, seu estado de saúde e ambiente. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 96 3.2 COMO APLICAR A PSBE NA PRÁTICA CLÍNICA A estratégia para a PSBE foi resumida, inicialmente, nos 5As do inglês: Ask, Acquire, Appraise, Apply, Assess. Leia sobre eles no quadro abaixo. Quadro 16 – Os 5As da PSBE. Ask - Pergunta Transforme a necessidade de informação em uma per- gunta que possa ser respondida com a melhor evidência disponível. Acquire - Busca Busque a melhor evidência atual para responder a per- gunta que ajudará a tomada de decisão. Appraise - Análise crítica Analise criticamente o corpo de evidências encontradas no que diz respeito a: • Validade: O efeito demonstrado foi mesmo resultado da intervenção (verdade) OU pode ser atribuído a outras explicações (vieses)? Qual o riscode viés dos estudos incluídos? Frequentemente chamado de validadeinterna de um estudo. • Impacto: tamanho (importância) do efeito. Se um trata- mento, comparado a outro, parece melhor, qual o tama- nho da diferença em termos relativos em termos abso- lutos? Essa diferença é estatisticamente significativa ou oerro aleatório pode explicar os resultados? • Aplicabilidade: Esses resultados (desfechos) se referem a quais ganhos e a quais perdas? Qual o balanço final? Os resultados têm utilidade prática para opaciente? Apply - Aplicação Integração da análise crítica da evidência, nossa experiên- cia clínica e o paciente, um indivíduo na sua biologia, nos seus valores, expectativas, dilemas, consideradas as cir- cunstâncias e prioridades. Essência da PSBE, tradução do conhecimento em ação. Assess - Desem- penho Avaliação da performance na tradução das evidências em ação. Esta avaliação se aplica a cada profissional, à unida- de em que atua, à rede ou ao sistema em que está inse- rido. Assim, auditorias clínicas, ciclos de melhorias pelo aprendizado, avaliação formativa e feedback são conceitos essenciais à PSBE. Fonte: Adaptado de Grupo Mais Evidências [2021]. 97 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Vamos entender na prática como utilizar esse recurso a partir de um caso. Ana Cristina é médica do programa Mais Médicos para o Brasil e atua em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) rural. O primeiro paciente do dia é o Sr. Varonil. Homem de 67 anos, que entra no consultório acompanhado da esposa, Dona Lucinda. Ao final do atendimento Ana Cristina percebeu que a consulta durou aproximada- mente 60 minutos, sendo mais de 15 minutos para realizar o exame físico do pa- ciente. No momento, havia outros pacientes aguardando, e ela acabou terminan- do os atendimentos após o horário previsto em função do tempo em que esteve com o Sr. Varonil. Lembrou que Igor, o tutor do curso da especialização do Mais Médicos para o Brasil, havia recomendado um livro de exame clínico racional baseado em evidências e decidiu consultá-lo a fim de conhecer os sinais, sintomas e exames mais úteis para auxiliar no diagnóstico da insuficiência cardíaca em um paciente que se apresen- ta com dispneia, otimizar o encontro clínico e reduzir o tempo da consulta. Ana Cristina encontrou a seguinte tabela no livro, mas teve algumas dúvidas na in- terpretação, pois não lembrava alguns dos conceitos como sensibilidade, especi- Fonte: Freepik.com Inicia a consulta contando que é hipertenso e já sofreu um in- fartoagudo do miocárdio (IAM) há três anos. Fazia uso de Lo- sartana 50mg BID, AAS 100 mg, Sinvastatina 40mg e Carvedi- lol 3,125mg BID, mas há cinco meses não estava usando as medicações. “Minha receita está vencida”. Conta que decidiu procurar atendimento hoje por “insistência da esposa”. Relata uma falta de ar quando realiza esforços como caminhadas ou subir escadas. Conta que já sentia falta de ar “bem levinha” há muito tempo, mas notou que está piorando nos últimos meses. Nega dispneia em repouso ou para atividades básicas como tomar banho e se vestir. Negou edema de membros inferio- res e falta de ar ao deitar. Dona Lucinda conta que está pre- ocupada que essa falta de ar seja pneumonia ou risco de outro infarto, “tenho muito medo que ele morra do coração e também que piore a falta de ar a ponto de não conseguir fazer o que gosta, como cuidar das galinhas e da horta”. O pacien- te conta que não deixou de fazer nenhuma das suas ativida- des, mas precisa ir mais devagar e parar algumas vezes durante suas caminhadas. O Sr. Varonil se despede dizendo: “Doutora, tenho fé em Deus e na senhora que vou ficar bom desse cansaço”. Achados do exame físico: Pressão arterial: 150X100 mmHg, ritmo cardíaco regular, sem sopros, presença de terceira bulha (B3). Membros inferiores sem edema. Após realizar anamnese e um exame físico completo, Ana Cris- tina elencou a insuficiência cardíaca como o diagnóstico mais provável para o Sr. Varonil. Renovou a receita e orientou retomar as medicações, solici- tou exames laboratoriais (sangue e urina), radiografiade tórax, eletrocardiograma (ECG), ecocardiograma e orientou alguns sinais de alerta. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 98 Quadro 17 – Valores de sensibilidade, especificidade, RP positivo e negativo de sintomas e achados de exame físico para o diagnóstico de insuficiência cardíaca. Achado Sensibilidade Especificidade RP Positivo* RP Negativo* SINTOMAS Dispneia paroxística noturna 0,41 0,84 2,6 (1,5-4,5) 0,70 (0,54/0,91) Ortopneia 0,50 0,77 2,2 (1,2-3,9) 0,65 (0,45-0,92) Edema 0,51 0,76 2,1 (0,92-5,0) 0,64 (0,39-1,1) Dispneia aos esforços 0,84 0,34 1,2 (1,2-1,4) 0,48 (0,35-0,67) EXAME FÍSICO Terceira bulha 0,13 0,99 11 (4,9-25) 0,88 (0,83-0,94) Refluxo abdo- minojugular 0,24 0,96 6,4 (0,81-51) 0,70 (0,62-1,0) Edema membros inferiores 0,50 0,78 2,3 (1,5-3,7) 0,64 (0,47-0,87) Estertores 0,60 0,78 2,8 (1,9-4,1) 0,51 (0,37-0,70) *Essas RPs não são independentes umas das outras, e não devem ser multiplicadas em série quando múltiplos achados são encontrados. Fonte: Adaptado de Simel, Rennie e Keitz (2009, p. 200). Os testes diagnósticos devem ser capazes de influenciar o nosso raciocínio, au- mentando ou diminuindo a probabilidade pré-teste de uma possível doença. A sen- sibilidade e a especificidade, características intrínsecas de um teste, nunca devem ser utilizadas isoladamente na prática clínica. A partir dos dados descritos abaixo, podemos compreender alguns pontos essenciais da interpretação de testes diagnósticos. ficidade e razão de probabilidades (RP). Vamos relembrar esses conceitos? Para isso vamos estudar um pouco sobre os testes diagnósticos e como podem auxiliar na tomada de decisões clínicas. 99 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Q u a d r o 1 8 – C o n c e i t o s e f ó r m u l a s n a a v a l i a ç ã o d e t e s t e s diagnósticos. Sensibilidade Proporção de indivíduos que têm teste positivo entre to- dos os doentes. (Indivíduos doentes com teste positivo) / (total de doentes) = a / (a + C) Especificidade Proporção de indivíduos com teste negativo entre os não doentes. (Indivíduos não doentes com teste negativo) / (total de não doentes) = d / (b + d) Valor Preditivo Positivo Proporção de indivíduos doentes entre os com teste posi- tivo. (Indivíduos doentes com teste positivo) / (total com teste positivo) = a / (a + b) Valor Preditivo Negativo Proporção de indivíduos não doentes entre os com teste negativo. (Indivíduos não doentes com teste negativo) / (total com teste negativo) d / (c + d) Probabilidade Pré-teste A probabilidade de que uma doença exista, antes do teste ser realizado. É igual à prevalência da doença em uma população. Probabilidade pré-teste + razão de probabilidades = pro- babilidade pós-teste Razão de Probabi- lidades O quanto é mais provável o indivíduo ter a doença, caso o teste seja positivo. Ou quantas vezes é mais provável o indivíduo ter a doença com o teste negativo. Sinônimos: Razão de verossi- milhança / Like- lihood Ratio Probabilidade para teste positivo: Sensibilidade / (1 — Es- pecificidade) Probabilidade para teste negativo: (1 — Sensibilidade) / (Especificidade) Considerado o parâmetro mais relevante do ponto de vis- ta clínico para expressarmos o desempenho de um teste diagnóstico. Fonte: Elaborado pelos autores. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 100 Quadro 19 – Tabela 2x2 de avaliação de testes diagnósticos. Doentes Não doentes Teste Positivo Verdadeiros positivos A Falsos positivos B Teste Negativo Falsos negativos C Verdadeiros negativos D Total Total de doentes = A + C Total de não doentes = B + D Fonte: Elaborado pelos autores. REFLEXÃO Risco de viés nos estudos sobre diagnóstico: • Os pacientes participantes apresentavam um dilema diagnóstico? • Os investigadores compararam o teste com uma referência padrão apropriada independente? • A interpretação dos resultados do teste e do padrão foi feita de modo cego? • A referência padrão foi feita em todos os pacientes independen- temente do resultado do teste? Estamos acompanhando o caso do Sr. Varonil, com um diagnóstico sugestivo de insuficiência cardíaca. Para treinarmos um pouco dos conceitos apresentados, vamos tentar entender quais achados podem nos ajudar mais nesse diagnóstico. Qual desses achados você acha que mais aumenta a probabilidade de confir- mar o diagnóstico de uma insuficiência cardíaca em um paciente com queixa de dispneia? Presença de ausculta de B3, presença de dispneia paroxística noturna, presença de edema de membros inferiores, presença de estertores pulmonares ou presen- ça de refluxo abdominojugular. 101 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Vimos que as análises envolvem muitos cálculos, o que, às vezes, pode dificultar uma análise mais minuciosa do quanto um achado clínico encontrado aumenta ou diminui a probabilidade do diagnóstico. 3.2.1 FAZENDO A PERGUNTA Imagine que você realizou a consulta do Sr. Varonil. Ao fim do atendimento, é natural que surjam dúvidas sobre o caso. Quais dúvidas você teria no lugar da médica Ana Cristina? Ao final da consulta, a médica Ana Cristina teve duas dúvidas em relação ao caso: 1) Pensando no diagnóstico de in- suficiência cardíaca como o mais provável, como estratificar segundo a classe funcional da New York Heart Association (NYHA)? 2) O uso de diurético está indicado para o Sr. Varonil? Fonte: Freepik.com É muito comum o surgimento de dúvidas durante os atendimentos, assim como aconteceu com a médica Ana Cristina. As dúvidas que surgem na prática cotidiana são um importante ponto de partida para a aprendizagem e o desenvolvimen- to profissional. Vale ressaltar que elas são diferentes quanto ao que buscam responder, podendo ser di- vididas em dois grupos: Fonte: Freepik.com EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 102 1. Dúvidas básicas: relacionadas a conceitos consolidados, ao conhecimento geral esperado do profissional sobre uma dada condição. São questões rela- cionadas à etiologia, etiopatogenia, fisiopatologia, epidemiologia e não envol- vem o manuseio dos pacientes. Geralmente começam com “o que”, “qual”, “como”. Exemplos: qual a causa da pneumonia comunitária? Por que ocorre o derrame pleural na pneumonia? 2. Dúvidas clínicas: enfocam o conhecimento a respeito do cuidado aos pacien- tes com uma determinada doença, podem ser respondidas com evidências para orientar decisões tomadas no encontro clínico entre um paciente e um profissional, porque foram utilizadas pelos pesquisadores para delinear as pesquisas clínicas. Ela deve deixar explícito o problema que queremos abordar, as opções para a decisão e os ganhos e perdas de cada opção. Exemplo: os achados clínicos são suficientes para fazer diagnóstico de pneumonia ou a ra- diografia de tórax é sempre necessária? Com o passar dos anos de exercício profissional, as dúvidas básicas tendem a reduzir e as dúvidas clínicas tendem a aumentar. E você, como você classificaria as dúvidas da Dra. Ana Cristina? 103 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quadro 20 – Classificação funcional, segundo a New York Heart Association. Classificação funcional, segundo a New York Heart Association Classe Definição Descrição geral I Ausência de sintomas Assintomático II Atividades físicas habituais causam sintomas. Limitação leve Sintomas leves III Atividades intensas menos intensas que as habituais causam sintomas. Limitação importante, porém confortável no repouso Sintomas moderados IV Incapacidade para realizar qualquer atividade sem apresentar desconforto. Sintomas no repouso Sintomas graves Fonte: Comitê Coordenador da Diretriz de Insuficiência Cardíaca (2018, p. 444). Agora que já entendemos os tipos de dúvidas, vamos descobrir como organizá-las para a busca? O processo de encontrar uma resposta apropriada à dúvida surgida no atendimen- to depende da forma como estruturamos a pergunta – essa é a primeiracondição básica para que a busca possa ser bem sucedida. Questões costumam ser apenas parcialmente formuladas, o que transforma a procura de respostas na literatura médica um desafio. Dissecar a questão em partes e reestruturá-lá de maneira que seja mais fácil encontrar as respostas é um primeiro passo essencial. A forma pre- conizada é conhecida pela sigla PICO, descrita no quadro abaixo. Percebemos então que a médica Ana Cristina teve uma dúvida clínica e uma dúvida básica. Para responder a dúvida básica basta uma pesquisa simples da Classifica- ção Funcional de NYHA, e ela saberá como estratificar o paciente. Essa pesquisa pode ser feita em um livro texto ou qualquer buscador na internet. Ela resolve então pesquisar na internet durante a consulta de forma rápida, e digitando Clas- sificação Funcional de NYHA, ela encontrou a seguinte figura, na revista da Socie- dade Brasileira de Cardiologia: EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 104 Quadro 21 – Componentes da pergunta PICO. P Paciente / População / Problema Descrição de um grupo de pacientes parecidos com o paciente em questão, deve ser clara, concisa e precisa. I Intervenção / Indicador A principal intervenção que estou considerando indicar ou prescrever. Abrange desde opções de tratamento, procedimentos, testes diagnósticos até fatores de risco e prognóstico. C Controle / Comparação Definida como uma intervenção padrão, a intervenção utilizada como comparação nas pesquisas clínicas ou nenhuma intervenção. O Outcome (Desfecho) Demonstra o que você está mais preocupado que aconteça (ou pare de acontecer) e/ou o que o paciente está preocupado (exemplo: risco de morrer, reinternar, infectar, perder uma função, sofrer com um sintoma). Fonte: Elaborado pelos autores. Os desfechos de uma pergunta PICO podem ser classificados como clínicos ou substitutos. Desfecho clínico é o verdadeiro impacto do problema de saúde na vida do pacien- te. Estão incluídos mortalidade e qualquer tipo de sofrimento ou morbidade, como episódios ou intensidade da dor, gravidade dos sintomas depressivos, necessida- de de terapia intensiva ou de hemodiálise, incapacidade funcional. Eles orientam decisões sobre tratamentos ou cursos de ação que resultam em melhores desfe- chos de interesse para o paciente. Já os desfechos substitutos são variáveis laboratoriais ou fisiológicas que são utili- zadas em estudos que não têm poder estatístico para avaliar desfechos clínicos. Eles são apenas informações obtidas em um exame complementar, as quais o pa- ciente não sente. Desfechos substitutos podem ser úteis por serem mais fáceis de serem estudados na pesquisa clínica, mas devem ser vistos com cautela. Os desfechos também podem ser classificados como objetivos ou subjetivos. Quando subjetivos, algum instrumento padronizado deve permitir que seja medido, como acontece com as escalas para avaliação da intensidade da dor ou da dispneia. O desfecho objetivo maior, por definição, é a mortalidade total. A mortalidade por uma causa específica (mortalidade cardiovascular, por exemplo) está sujeita a algum grau de julgamento e possível discordância de avaliação, sendo menos objetiva. 105 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Tendo a possibilidade de diferentes tipos de desfechos como citados anteriormen- te, as evidências que levaram em conta cada tipo também foram divididas em dois tipos, conhecidos pelas siglas em inglês POEM e DOE. Veja abaixo os significados. POEM (Patient Oriented Evidencethat Matters) Estas evidências analisam as condições como: mortalidade, morbidade e qualida- de de vida. Encontradas em um número pequeno de estudos, mas mais relevan- tes. Interessam muito ao médico de família e comunidade por serem melhores para situações comuns do cotidiano de atendimento. Portanto, são evidências que medem desfechos clínicos importantes para os pacientes. DOE (Disease Oriented Evidence) Estas evidências analisam condições em termos da fisiopatologia, patologia clínica, farmacologia e etiologia. Encontradas em um maior número de estudos, mas menos relevantes. São melhores para doenças raras e incomuns. Portanto, são evidências que medem desfechos intermediários que avaliam melhor o comportamento da doença em si, mas que podem não impactar em desfechos perceptíveis pelos pacientes. Veja exemplos no quadro abaixo. Quadro 22 – Exemplos de POEMs e DOEs em diferentes situações clínicas. POEM Orientado ao paciente DOE Orientado à doença Terapia de reposição hormonal para mulheres na menopausa Diminui a mortalidade e melhora a qualidade de vida Aumenta a densidade óssea Droga “X” utilizada para o tratamento da hipertensão arterial Diminui a taxa de AVC, IAM e insuficiência renal Diminui a pressão arterial Intervenções educativas em saúde bucal para grávidas Diminui a taxa de cáries em pré-escolares Diminui a colonização da boca por bactérias Bandagens oclusivas para úlceras de estasis (úlceras venosas) Acelera a recuperação do paciente e a volta às atividades normais Melhora o retorno venoso no membro acometido pela úlcera Fonte: Abdala (2007, p. 22). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 106 3.2.2 BUSCANDO A RESPOSTA DA DÚVIDA NA LITERATURA Agora que já vimos a melhor forma de elaborar uma pergunta, os tipos de desfe- cho e que tipo de evidências geram, o próximo passo é saber onde realizar nossa pesquisa para respondê-las. Ao procurar uma resposta, podemos fazer a busca em uma fonte primária ou secundária. Entenda a diferença abaixo: 1. Fontes primárias: são aquelas relacionadas com os produtos originados pela pesquisa científica – artigos científicos, teses, ensaios, documentos monográ- ficos, governamentais ou de organismos internacionais, anais de congressos, legislação e documentos não-convencionais – como os relatórios de pesqui- sa que conformam a literatura cinzenta – publicados em texto completo em meio eletrônico. Inclui ainda as bases de dados numéricas de pesquisas e censos estatísticos. Exemplos: coleções SciELO e repositórios institucionais de textos completos. Uma pesquisa em fonte primária encontra um número maior de resultados e demanda mais tempo, por isso deve ser a opção quando a pergunta não pode ser respondida pelas fontes secundárias. Atenção: apesar do nome “primária”, não são a primeira opção quando há uma dúvida clínica. 2. Fontes secundárias: incluem todos os índices, bases de dados e diretórios, cujos registros fazem referência a fontes primárias, entidades e eventos na área de saúde. Incluem-se também os serviços de informação associados a essas fontes. Como são um serviço de resumo e indexação da literatura pri- mária, torna a pesquisa de uma dúvida mais rápida, possível de resolver muitas vezes dentro da própria consulta. Pode-se citar como exemplos os sumários (UptoDate, Dynamed e BMJ, por exemplo), diretrizes com recomendações, si- nopses (evidências pré analisadas). Atenção: na prática clínica a busca inicial por evidências deve começar pelas fontes secundárias, pois geralmente envolvem menos esforço e tempo, além de propor- cionar maior relevância e acurácia. Caso a dúvida não seja resolvida nas fontes se- cundárias, devemos fazer a busca nas fontes primárias. A figura a seguir ilustra como a utilidade de uma informação buscada é diretamente proporcional à sua relevância e acurácia, e inversamente proporcional ao esforço demandado para encontrá-la. 107 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quanto tempo vou levar para buscar, armazenar ou implementar as informações? A fonte é disponível? É paga? Se encaixa com a situação do meu paciente ou da minha dúvida A informação do local que procuro tem grande probabilidade de estar correta e atualizada Utilidade = Relevância + Acurácia Esforço A aplicação de evidências de alta qualidade à decisão clínica requer que saibamos como acessar essa evidência. Antigamente, isso significava conhecimento de pes-quisa de literatura e aplicação de habilidades de avaliação crítica para separar os estudos clínicos de qualidade inferior dos de boa qualidade. No entanto, nas últimas décadas, muitos recursos práticos foram criados para facilitar acesso a pesquisas de alta qualidade. Chamamos esses recursos de “pré-avaliados” porque passaram por um processo de filtragem para incluir apenas os estudos de alta qualidade e são atualizados re- gularmente para que as evidências acessadas sejam as mais recentes possíveis. Para facilitar a busca, as publicações são organizadas de forma hierarquizada em formato de pirâmide, e devemos iniciar nossa busca sempre no nível mais alto pos- sível para cada situação (DICENSO; BAYLEY; HAYNES, 2009). Figura 13 – Utilidade da informação na busca de evidências. Fonte: Adaptado de Geyman (1998, p. 52). SISTEMAS SUMÁRIOS SINOPSES DE SÍNTESES SÍNTESES ESTUDOS INDIVIDUAIS SINOPSES DE ESTUDOS INDIVIDUAIS Figura 14 – A pirâmide 6S das fontes de evidências. Fonte: Adaptado de Dicenso, Bayley e Haynes (2009). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 108 Agora já sabemos a importância da dúvida clínica, sua caracterização e estratégias para respondê-las. Dra. Ana Cristina irá seguir o cuidado do Sr. Varonil, vamos acompanhar o que irá acontecer. Quadro 23 – Seção de Manejo do tópico “Antagonistas de Aldostero- na para Insuficiência Cardíaca”, do sumário Dynamed. Manejo: • Use espironolactona nos seguintes pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida: - Insuficiência cardíaca classe III e IV da New York Heart Association (NYHA) e fração de ejeção do ventrículo esquerdo (LVEF) ≤ 35% (recomendação forte) - Insuficiência cardíaca classe II da NYHA e história de hospitalização cardiovascular anterior ou níveis elevados de peptídeo natriurético plasmático e FEVE ≤ 35% (recomendação forte) - Após infarto agudo do miocárdio com insuficiência cardíaca sintomática ou diabetes mellitus e FEVE ≤ 40% (recomendação forte) Fonte: Freepik.com Após dois meses, Sr. Varonil retorna à UBS com o resulta- do de alguns exames, incluindo o ecocardiograma. Ana Cristina nota, ao chamá-lo, que está com olhar cabisbaixo, esboça um discreto sorriso ao cumprimentá-la, mas de- monstra tensão no olhar. Já entra no consultório dizendo que está muito ansioso em saber o resultado do exame. Está mais preocupado que no primeiro encontro porque a falta de ar continuou piorando, agora só se sente bem em repouso. Sente falta de ar durante a noite quando está deitado e pernas inchadas. As caminhadas tornaram-se mais desconfortáveis, agora só anda quando precisa muito, e para chegar à UBS hoje parou várias vezes no caminho. Continua cuidando da horta e das galinhas, mas precisa fazer o serviço devagar, e a esposa Lucinda notou que volta ofegante do quintal. Pensando em estratégias de enfren- tamento da doença, a médica Ana Cristina aborda os medos e preocupações do Sr. Varonil. Ecocardiograma evidenciou: Fração de ejeção do ventrí- culo esquerdo reduzida - 35% e hipertrofia de ventrículo esquerdo. Durante este atendimento, a Dra. Ana Cristina apresenta outra dúvida clínica, e decide formular uma pergunta PICO. A Dra. Ana Cristina pensando: “Lembro que no internato de clínica médica da faculdade um professor falou que a espironolactona diminuía a mortalidade em paciente com IC. Será que o Sr. Varonil se beneficiaria dessa medicação?”. Ela lembrou que deveria buscar inicialmente em fontes se- cundárias e encontrou as seguintes informações em um sumário, o Dynamed. (continua) 109 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Após ler as recomendações da fonte secundária, a Dra. Ana Cristina faz a receita de furosemida, espironolactona e comunica a indicação de usar as medicações. Também segue a recomendação dos sumários para monitorar efeitos adversos da medicação e solicita creatinina e potássio. Chegando em casa, Dra. Ana Cristina querendo estudar o assunto e desenvolver mais habilidades na PSBE, decidiu fazer a busca em uma fonte primária e encon- trou o mesmo artigo referenciado na fonte secundária. Optou por usar o buscador federado ACCESSSS, que classifica os estudos de acordo com a pirâmide de evidências. Você pode acessar o buscador ACCESSSS pelo link: https://www.accessss.org/ Você conhece a pirâmide de evidências? O primeiro e mais antigo princípio da medicina baseada em evidências indica que existe uma hierarquia de evidências, e para representação dessa hierarquia em uma base lógica foi criado o modelo de pirâmide. A pirâmide apresenta níveis, estando os desenhos de estudos mais fracos na parte inferior (série de casos), se- guidos por estudos de caso-controle e coorte no meio, e então ensaios clínicos ran- domizados (ECR) e, no topo, revisões sistemáticas e meta-análises. Manejo: • Considere antagonistas do receptor de aldosterona para diminuir as hospitalizações em pacientes selecionados com fração de ejeção ≥ 45%, níveis elevados de peptídeo natriurético cerebral ou admissão por insuficiência cardíaca em 1 ano, taxa de filtração glomerular estimada > 30 mL/minuto, creatinina sérica < 2,5 mg/dL (ou < 2 mg/dL em mulheres) e potássio < 5 mEq/L (recomendação fraca) Fonte: Traduzido e adaptado de Dynamed [2020]. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 110 No início dos anos 2000, o Grupo de Trabalho de Avaliação, Desenvolvimento e Avaliação da Classificação de Recomendações (Grading of Recommendations, As- sessment, Development and Evaluations – Graus de Recomendação, Avaliação, De- senvolvimento e Avaliações - GRADE) desenvolveu uma estrutura na qual a certeza em evidência era baseada em vários fatores e não apenas no desenho do estudo, o que desafia o conceito da pirâmide. O desenho do estudo de forma isolada mostrou ser insuficiente por si só como um substituto para o risco de viés. Certas limitações metodológicas de um estudo, imprecisão, inconsistência e direcionamen- to, foram fatores independentes do desenho do estudo e podem afetar a qua- lidade da evidência. Foram propostas então modificações no desenho da pirâmide para que representassem a hierarquia dos estudos de maneira mais fiel.Fonte: Freepik.com Portanto, a primeira modificação na pirâmide é substituir as linhas retas que separam os projetos de estudo por linhas onduladas (indo para cima e para baixo) para refletir a abordagem GRADE classificando em pontos mais altos ou mais baixos na hierarquia, com base nos vários domínios da qualidade da evidência. A segunda modificação da pirâmide é remover as revisões sistemáticas do topo da pi- râmide e usá-las como uma lente por meio da qual outros tipos de estudos devem ser vistos (isto é, avaliados e aplicados). A revisão sistemática (o processo de seleção dos estudos) e a meta-análise (a agregação estatística que produz um único tamanho de efeito) são ferramentas para consumir e aplicar as evidências pelas partes interessa- das, elas não produzem evidências novas. Vemos na figura abaixo a pirâmide tradicional e o processo de transformação, com os níveis se tornando ondulados e o topo constituindo a lupa que avalia os demais níveis. 111 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica A pirâmide tradicional A pirâmide revisada (1) As linhas que separam os desenhos de estudo ficaram onduladas (2) Revisões sistemáticas foram cortadas da pirâmide Revisões sistemáticas/ Meta-análises Ensaios clínicos randomizados Estudos de corte Estudos caso-controles Série de casos e relatos de casos Revisões sistemáticas/ Meta-análises Ensaios clínicos randomizados Estudos de corte Estudos caso-controles Série de casos e relatos de casos Figura 15 – Pirâmides tradicional e revisada de evidências. Fonte: Traduzido e adaptado de Murad et al. (2016). Estudos de corte Estudos caso-controles Série de casos e relatos de casos Ensaios clínicos randomizados Figura 16 – A pirâmide revisada de evidências. Fonte: Traduzidoe adaptado de Murad et al. (2016). Os tipos de estudo que fornecem a melhor evidência são diferentes para os diver- sos tipos de questões. A tabela a seguir exibe uma hierarquia de evidências que foi desenvolvida para cada tipo de questão clínica. Note que a tabela é um guia para a pesquisa e fornece apenas uma avaliação inicial aproximada da evidência, que pode precisar ser ajustada após a qualidade do estudo ter sido avaliada em detalhes. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 112 Quadro 24 – Designação dos níveis de evidência de acordo com o tipo de questão para pesquisa. Designação dos níveis de evidência de acordo com o tipo de questão para pesquisa Nível Intervenção 1 Diagnóstico 1 Prognóstico 2 Etiologia 1,3 Menos viés I Revisão sistemática de estudos de nível II Revisão sistemática de estudos de nível II Revisão sistemática de estudos de nível II Revisão sistemática de estudos de nível II II Ensaio controlado randomizado Estudo transversal entre pacientes de apresentação consecutiva Estudo coorte de inserção Estudo de coorte prospectivo III Um dos seguintes: •estudo experimental não randomizado (por exemplo, estudo de intervenção com controle pré e pós-teste) •estudo comparativo (observacional) com um grupo controle concomitante (por exemplo, estudo de coorte, estudo de caso-controle) Um dos seguintes: • estudo transversal entre pacientes não consecutivos • estudo diagnóstico de caso-controle Um dos seguintes: •pacientes-controle não tratados em um ensaio controlado randomizado • estudo de coorte agrupado retrospectivamente Um dos seguintes: •estudo de coorte retrospectivo •estudo de caso-controle (Nota: esses são os tipos de estudo mais comuns para etiologia, mas veja os escudos de nível III em intervenção para outras opções) Mais viés IV Séries de casos Séries de casos Séries de casos ou um estudo de coorte de pacientes em diferentes estágios de doença Estudo transversal 113 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Fonte: Abdala (2007, p. 22). 1 Em raras instâncias, podem estar disponíveis evidências do tipo “tudo ou nada” para esses tipos de questões e, dependendo das circunstâncias, estas podem fornecer confirmação de efetividade ou causação. 2 Esses níveis de evidência se aplicam apenas a estudos de acurácia diagnóstica. Para avaliar a efetividade de um teste diagnóstico, também deve haver uma consideração do impacto do teste no manejo do paciente e em desfechos de saúde. 3 Se for possível e/ou ético determinar urna relação causal usando-se evidência experimental, então pode-se usar a hierarquia de evidência “intervenção”. Se apenas for possível e/ou ético determinar uma relação causal usando-se evidência observacional (por exemplo, por não ser possível alocar grupos para uma exposição potencialmente prejudicial, como radiação nuclear), então pode-se usar a hierarquia de evidência “etiologia”. 3.2.3 ANALISANDO CRITICAMENTE A EVIDÊNCIA Já aprendemos como formular questões clínicas, identificar quais os melhores de- lineamentos de estudos de acordo com a questão de pesquisa e como procurar evidências. O próximo passo consiste em analisar o estudo encontrado e verificar o quanto são bons para responder à dúvida clínica. Podemos representar a avaliação crítica da evidência como um ciclo, representa- do na figura a seguir. Figura 17 – Ciclo da avaliação crítica da evidência. Fonte: Glasziou, Mar e Salisbury (2010, p. 82). Quão bem o estudo foi feito? O que os resultados significam? ESTUDO Avaliação críticaSua dúvida (PICO) A questão do estudo é a mesma que a sua? EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 114 Por exemplo, o ECR é o delineamento de estudo mais adequado para uma questão de intervenção, porém não se pode concluir que apenas por isso é capaz de garan- tir um alto grau de confiança daquela evidência. Assim, mesmo que tenhamos o melhor delineamento de estudo para responder uma questão clínica ainda sim é recomendado reunir outras informações desse estudo para checar sua validade. Esse processo é chamado de avaliação crítica. Várias ferramentas podem ser usadas para realizar a avaliação crítica de risco de viés. Apresentaremos agora, de forma breve, uma metodologia para essa avaliação. Quadro 25 – Mnemônico “RAMBO”. Recrutamento: Os indivíduos do estudo foram representativos da população-alvo? Alocação ou ajustamento: A alocação do tratamento foi ocultada antes da randomização e os grupos eram comparáveis no início do ensaio? Manutenção: A comparabilidade entre os grupos do estudo foi mantida por manejo igual e acompanhamento adequado? Blind (cegamento): Os desfechos foram medidos com indivíduos e avaliadores cegados? Objetivo: Os desfechos eram objetivos? Fonte: Elaborado pelos autores. Durante suas leituras, Ana Cristina percebeu a necessidade de aprofundar conhe- cimentos na interpretação das medidas de risco. Qual seria a diferença entre redução de risco relativo e redução de risco absoluto? E para que servia a medida do número necessário para tratar (NNT)? O quadro abaixo sumariza os conceitos e as explicações de cada uma dessas medidas. 115 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quadro 26 – Medidas de risco. Conceitos Significados Risco relativo (RR): risco do evento no grupo experimento dividido pelo risco do evento no grupo controle Quantas vezes é mais provável que um evento ocorrerá no grupo experimento em relação ao grupo de controle. RR = 1 (não há diferença entre os dois grupos) RR <1 (o tratamento reduziu o risco do evento) RR> 1 (o tratamento aumentou o risco do evento) Redução absoluta do risco (RAR): risco do evento no grupo controle menos o risco do evento no grupo do experimento RAR representa a diferença absoluta nas taxas de eventos entre os dois grupos. Se RAR = 0 significa que não há diferença entre os dois grupos (portanto, o tratamento não teve efeito) Redução relativa do risco (RRR)= 1-RR ou RAA/ risco do evento no grupo controle RRR nos diz a redução na taxa de evento no grupo experimento em relação ao grupo de controle. Número necessário para tratar (NNT) = 1/RAR O NNT representa o número de pacientes que precisamos tratar para evitar um desfecho negativo. Fontes: KING; HARPER; YOUNG, 2012. A redução absoluta de risco (RAR) é a medida mais adequada na análise de relevância de um tratamento. Como visto, é usada para calcular o NNT. Já as medidas relativas podem gerar falsa impressão, uma impressão mais favorável ao tratamento do que é a realidade. As indústrias farmacêuticas em grande parte das vezes apresentam a RRR em detrimento da RAR para tornar o efeito do medicamento mais atrativo. Atenção! EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 116 Esses conceitos que acabamos de estudar fazem parte de um importante passo durante a leitura de um estudo primário. Após a análise crítica da estruturação do estudo encontrado é importante avaliar o que os resultados significam, interpre- tando a magnitude dos achados do estudo para o paciente, conforme indicado no ciclo da avaliação crítica da evidência apresentado novamente. Se os resultados de um estudo parecem mostrar um efeito, teremos que descobrir se esse efeito é real ou devido ao acaso. Quão bem o estudo foi feito? O que os resultados significam? ESTUDO Avaliação críticaSua dúvida (PICO) A questão do estudo é a mesma que a sua? Figura 17 – Ciclo da avaliação crítica da evidência. Fonte: Glasziou, Mar e Salisbury (2010, p. 82). Aprofundando alguns conceitos: • Os valores de P são uma medida da probabilidade relacionada ao acaso. Mais precisamente, é a probabilidade de se encontrar um resultado de mag- nitude igual ou mais ampla considerando que não haja diferença real entre os grupos estudados. Se o valor de P for baixo (em geral menor do que 0,05), significa que essa probabilidade, relacionada ao acaso,é baixa (menos do que 5%). Isto é, sendo improvável que o resultado seja influenciado pelo acaso, acreditamos em uma diferença real, lembrando que esse resultado ainda pode ter sido alterado devido a algum viés e, por isso, sempre precisamos avaliar criticamente o estudo antes de olhar o resultado do valor de P. Um efeito com um valor de P baixo é chamado de resultado “estatisticamente significativo”, que não devemos confundir com um resultado clinicamente importante. • Os intervalos de confiança (ICs) costumam ser mais informativos do que os valores de P, pois avaliam a imprecisão. Eles são uma estimativa da faixa de valores que provavelmente inclui o valor real. Em geral, os ICs são coloca- dos em 95%, que significa a faixa de valores que tem uma probabilidade de 117 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 95% de incluir novos resultados em caso de repetição do estudo com mesma metodologia. Se o IC 95% para a diferença entre os grupos de tratamento e controle é pequeno e não se sobrepõe ao ponto de “não efeito” (0 para uma diferença ou 1 para uma razão), acreditamos que o resultado é real (isto é, com um valor de P menor do que 0,05). 3.2.4 APLICANDO A EVIDÊNCIA NA PRÁTICA CLÍNICA Vamos voltar ao caso exemplo desta unidade. Sr. Varonil retorna uma semana após a prescrição das medicações para mostrar os resultados de exames e diz que não iniciou a espironolactona. E você entende o significado da classificação GRADE? Vamos conhecer melhor. O sistema GRADE (Grading of Recommendation, Assessment, Development and Evalua- tion) surgiu em 2000, por meio de uma colaboração de pesquisadores, epidemio- logistas e estatísticos que tinham como objetivo desenvolver um sistema ideal de classificação da qualidade das evidências e determinação da força das recomen- dações para as diretrizes de prática clínica. A intenção era criar um sistema trans- parente e sensível para graduar as evidências e recomendações que fosse univer- sal, na tentativa de que um mesmo modelo de classificação fosse seguido pelo maior número de organizações. Fonte: Freepik.com –Dra. Ana, esse remédio aqui (mostra caixa da espironolac- tona fechada) que você mandou eu tomar eu nem comecei. O Juca meu vizinho falou que esse remédio faz crescer os peitos. É verdade? – Então, Sr. Varonil, em 10% dos pacientes pode acontecer isso sim. Mas vale a pena tomar, ela reduz mortalidade e hospitalização. – Tudo bem,doutora. Se você está dizendo, eu acredito em você. Ao chegar em casa Ana Cristina entra em contato o seu tutor do Programa Mais Médicos para o Brasil para discutir o caso do Sr. Varonil e tirar algumas dúvidas que teve. “Igor, semana passada usei pela primeira vez as fontes se- cundárias para uma dúvida que tive e me ajudou muito. Em poucos minutos resolvi minha dúvida. Contudo, queria en- tender melhor o conceito de ‘Recomendação forte’ e ‘Reco- mendação fraca’ que apareceu (print da tela do Dynamed). Ah, também tive muita dificuldade na hora de falar com ele da importância de usar a espironolactona. Você poderia sugerir alguma leitura?”. O médico explica sobre os níveis de evidência e grau de re- comendação, conversa sobre decisão compartilhada e indica alguns textos sobre os assuntos. Sugere que Ana Cristina faça uma pesquisa sobre GRADE. Sugere também que Ana inicie a conversa sobre cuidados paliativos com o Sr. Varonil e a família. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 118 Nível de evidência representa a confiança na informação utilizada em apoio a uma determinada recomendação. No sistema GRADE, a avaliação da qualidade da evi- dência é realizada para cada desfecho analisado para uma dada tecnologia, utilizan- do o conjunto disponível de evidência. Os níveis de evidência podem ser considera- dos como: alto, moderado, baixo ou muito baixo, conforme descrito na tabela. Cinco são os fatores que podem diminuir a qualidade da evidência nos ensaios clí- nicos: limitação do estudo, inconsistência, imprecisão, direcionamento e viés de pu- blicação. Em relação aos estudos observacionais, o GRADE considera-os como baixo nível, podendo aumentar se houver: 1) grande magnitude de efeito do tratamento; 2) evidência de uma gradiente dose-resposta; 3) viés de seleção contrário (pacientes em piores condições recebem a intervenção e mesmo assim têm efeito melhor que o grupo não tão grave). Alta Moderada Baixa Muita Baixa Delineamento Fatores que diminuem a confiança nos resultados Vieses dos estudos; Inconsistência; Imprecisão; Evidência indireta: Viés de Publicação. Fatores que aumentam a confiança nos resultados Confiaça (nível de evidência) Ensaios Clínicos Randomizados 100% 0% Estudos ObservacionaisCo nfi an ça n a es ti m at iv a Tamanho grande de efeito; Gradiente dose-resposta; Vieses conservadores. Figura 18 – Graduação dos níveis de evidência de acordo com o sistema GRADE. Fonte: Brasil (2014). O GRADE classifica a qualidade da evidência em quatro níveis: alto, moderado, baixo e muito baixo, conforme pode ser visto na figura a seguir. A evidência baseada em ensaios clínicos randomizados e controlados é classificada inicialmente como alta qualidade, estudos observacionais são classificados como de baixa qualidade. O estudo pode ter uma melhora ou piora da sua classificação a depender da presen- ça de vieses, tamanho do efeito e dose-resposta, inconsistência e imprecisão, con- forme apresentado figura. 119 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quadro 27 – Graduação do nível de evidência e suas respectivas descrições. Fonte: Brasil (2014). Nível Definição Implicações Fonte de informação Alto Há forte confiança de que o verdadeiro efeito esteja próximo daquele estimado. É improvável que trabalhos adicionais irão modificar a confiança na estimativa do efeito. - Ensaios clínicos bem delineados, com amostra representativa. - Em alguns casos, estudos observacionais bem delineados, com achados consistentes. Moderado Há confiança moderada no efeito estimado. Trabalhos futuros poderão modificar a confiança na estimativa de efeito, podendo, inclusive, modificar a estimativa. - Ensaios clínicos com limitações leves. - Estudos observacionais bem delineados, com achados consistentes*. Baixo A confiança no efeito é limitada. Trabalhos futuros provavelmente terão um impacto importante na confiança na estimativa de efeito. - Ensaios clínicos com limitações moderadas. - Estudos observacionais comparativos: coorte e caso-controle. Muito baixo A confiança na estimativa de efeito é muito limitada. Há importante grau de incerteza nos achados. Qualquer estimativa de efeito é incerta. - Ensaios clínicos com limitações graves. - Estudos observacionais comparativos na presença de limitações. - Estudos observacionais não comparados. - Opinião de especialistas. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 120 Quadro 28 – Recomendação para o uso de anticoagulação oral em pacientes com fibrilação atrial e doença reumática valvar mitral. Recomendação para o uso de anticoagulação oral em pacientes com fibrilação atrial e doença reumática valvar mitral Instituição Nível de evidência Grau de recomendação American Heart Association B Class I American College of Clinical Pharmacy A I Scottish Intercollegiate Guidelines Network IV C Fonte: Brasil (2014). A força da recomendação expressa a ênfase para que seja adotada ou rejeitada uma determinada conduta, considerando potenciais vantagens e desvantagens. São con- sideradas vantagens os efeitos benéficos na melhoria na qualidade de vida, aumento da sobrevida e redução dos custos. São consideradas desvantagens os riscos de efeitos adversos, a carga psicológica para o paciente e seus familiares e os custos para a sociedade. O balanço na relação entre vantagens e desvantagens determina a força da recomendação. A força da recomendação (forte ou fraca) pode ser a favorou contra a conduta proposta. Você viu o que significa GRADE, os graus de recomendação, os níveis de evidência e como são classificados. Contudo, por mais que se busque uma objetividade na clas- sificação das evidências, pode-se observar diferenças. Isso pode explicar o motivo pelo qual diferentes instituições apresentam classificações e recomendações distin- tas, como mostrado no quadro abaixo. Essa situação reforça a necessidade de um sistema que unifique a forma de classificar, para facilitar a compreensão. Recomendamos que você use o GRADE para avaliar as evidências e que procure entender os sistemas de avaliação usados por outras instituições ao ler suas recomendações. Você encontrará descrito na publicação qual foi a padronização usada para clas- sificar as evidências e graduar as recomendações, fique atento! 121 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Depois de entender o que significam recomendações fortes e fracas, Ana Cristina resolve ler sobre decisão compartilhada, conforme Igor orientou. Lembra-se de ter estudado esse tema na unidade sobre habilidades de comunicação da especia- lização, e volta no material para rever. Fonte: Freepik.com Relacionando seus estudos de PSBE com a unidade de habilidades de comunicação, Ana Cristina volta ao tripé da PSBE e analisa que um dos três princípios são os valores e as preferências do paciente. Fazendo uma reflexão ela percebe que ao estudar o caso do Sr. Varonil e encontrar uma recomendação forte para uso da Espironolac- tona, ela imediatamente prescreveu e apenas informou ao paciente a necessidade do uso. Não se lembrou de explicar os riscos e benefícios nem compartilhou a decisão. Após refletir o fato, Ana Cristina sente-se mais preparada para os próximos casos, nos quais pretende sempre considerar valores e preferências do paciente na tomada de decisão. No processo de aplicação de PSBE e decisão compartilhada, há na literatura alguns materiais que ajudam a empoderar o paciente para tomar decisões mais conscientes. Clique no link a seguir e veja um exemplo de infográfico que auxilia a co- municação sobre riscos e benefícios do rastreamento do câncer de próstata: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document/apoio_ decisao_cancer_prostata_2019_0.pdf 3.2.5 AVALIANDO O SEU DESEMPENHO O último passo do mnemônico dos 5As é a avaliação da sua performance em relação à aplicação das evidências na prática clínica. Trata-se de um passo fundamental no sentido de identificar os aspectos da PSBE que você está aplicando apropriada- mente e aqueles que demandam melhoria. São instrumentos importantes nessa etapa as auditorias clínicas, os ciclos de melhorias pelo aprendizado, a avaliação formativa e o feedback. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 122 Encerramento da unidade Muito bem, você chegou ao final da unidade de PSBE! Nesta etapa, reforçamos que o desenvolvimento de competências para prática de saúde baseada em evidências demanda praticar a elaboração de perguntas, busca de evidências e análise das evidências encontradas. Lembre-se sempre do tripé da PSBE ede que as melhores evidências disponíveis precisam ser associadas ao contexto e àscircunstâncias clínicas, considerando os valores e as preferências do paciente. Os conhecimentos adquiridos aqui serão essenciais para sua trajetória na unidade seguinte sobre prevenção quaternária e em toda prática clínica. Bons estudos! 123 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Prevenção Quaternária (P4) INTRODUÇÃO Esta unidade foi elaborada especialmente para você, pensando nas difi- culdades encontradas no seu cotidiano de trabalho no que diz respeito à implementação de medidas preventivas e possíveis danos associados. Vamos apresentar e discutir conceitos essenciais sobre os níveis de pre- venção, indicação de rastreamentos, avaliação de benefícios versus riscos de condutas e ferramentas de auxílio para decisão compartilhada. Con- versaremos sobre diversos aspectos da prevenção quaternária, comen- tando as definições de detecção precoce, diagnóstico oportuno, sobre- diagnóstico, sobretratamento e Disease Mongering. Também com o foco em refletir sobre nossas condutas e aprimorar o cuidado, visitaremos tópicos rotineiros de sua prática no trabalho. Ao final desta unidade, é esperado que você seja capaz de: • Compreender o conceito de prevenção quaternária e as suas impli- cações éticas. • Aplicar a P4 no manejo de situações clínicas complexas que incluem determinantes sociais e multimorbidade com incertezas que levam à solicitação de exames sem benefício claro. Vamos começar. UNIDADE 04 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 124 4.1 EXAMES DE ROTINA NA APS Vamos, agora, acompanhar um estudo de caso. Confira. Fonte: Freepik.com Devemos realizar um conjunto de exames quando esses tenham potencial de melho- rar os resultados de morbimortalidade e de qualidade de vida do paciente e poucos danos associados. Mas, como saber quais testes indicados em cada situação? Existem algumas ferramentas que podem auxiliar no dia a dia, por exemplo temos as descri- tas a seguir. Fonte: Freepik.com Confira, agora, as respostas para tais reflexões da médica. 1) Quais exames estariam indicados para um senhor de 75 anos, com as ca- racterísticas do Sr. Camilo? Maria Teresa, médica da equipe de Saúde da Família Girassol, está terminando o trabalho ao final do turno da tarde, depois de um dia cheio, quando é abordada pela paciente Marly, ao abrir a porta. – Doutora, preciso dar uma palavrinha com a senhora, é só um mi- nutinho! É que meu pai, de 75 anos, veio do interior para morar aqui em casa. Homem da roça mesmo, não gosta de médico, toma os mesmos remédios há 20 anos. Chegou essa semana, e nós filhos estamos muito preocupados em saber como ele está. Ele não reclama de nada, mas você sabe, melhor prevenir que remediar. Vim pedir à senhora para fazer exame de tudo que puder, quanto mais melhor, né? Tem mais de 10 anos que ele não faz exame nenhum, precisa daquele check-up bem completo mesmo. – Boa tarde, Marly! Entendo que fique preocupada com a saúde de seu pai e vejo que amanhã no início da tarde tenho como vê-lo. Vamos marcar uma consulta, assim ele vem pra fazermos uma ava- liação e então conversamos melhor sobre os exames. – Ótimo, doutora, muito obrigada! Provavelmente você já vivenciou uma situação parecida com a que a Dra. Maria Teresa enfrentou. É comum na prática do médico de família e comunidade pacientes que desejam exames de rotina sem indicações de serem realizados. Como você lida com a situação? Maria Teresa vai dirigindo para casa pensando sobre a conversa com Marly, e a ideia de que “quanto mais exames melhor” para o seu pai. Algumas reflexões da médica: 1) Quais exames estariam indicados para um senhor de 75 anos, com as características do Sr. Camilo? 2) Será que o Sr. Camilo é ativo? Será que ele precisa de cuidador? 3) Por que a Marly está preocupada em fazer esses exames? 4) Se eu pedir muitos exames para não desagradar a Marly, qual a probabilidade de alguma alteração? 125 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica U.S. Preventive Task Force (USPSTF): a Força Tarefa de Serviços Pre- ventivos dos EUA é uma organização independente, sem fins lucrativos, que revisa sistematicamente as evidências de eficácia e desenvolve re- comendações para serviços preventivos clínicos. Você pode acessar o site ou usar o aplicativo para smartphone e conferir os exames indicados para cada paciente. O endereço é: https://www.uspreventiveservices- taskforce.org/uspstf/ Canadian Task Force on Preventive Health Care (CTFPHC): a Força- Tarefa Canadense em Atenção à Saúde Preventiva foi estabelecida pela Agência de Saúde Pública do Canadá para desenvolver diretrizes de prática clínica que apoiam os provedores de atenção primária na prestação de atenção à saúde preventiva. Você pode acessar asdiretrizes pelo site: https://canadiantaskforce.ca/ É fundamental salientar que as recomendações da USPTSF e da CTFPHC são feitas para as populações dos Estados Unidos e do Canadá. Não devem definir condutas engessadas, trata-se de um direcionamento para nossa avaliação. É essencial analisar criticamente as orientações, e adequar a proposta de rastreio à realidade de nosso local de trabalho, de forma centrada na pessoa e no perfil da nossa população. Importante! 2) Será que o Sr. Camilo é ativo? Será que ele precisa de cuidador? A avaliação da funcionalidade do paciente é fundamental no processo de tomada de decisão clínica, individualização dos cuidados e abordagem centrada na pessoa. Funcionalidade é a capacidade ou dependência que um indivíduo tem de desem- penhar suas atividades de vida diária (AVD), as quais se referem àquelas tarefas fundamentais para a gestão da própria vida e do autocuidado. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 126 3) Por que a Marly está preocupada em fazer esses exames? Como abordar as preocupações ocultas, do paciente ou cuidador, por trás de um pedido por exames? É importante conhecer a “real demanda” do paciente. Podemos, por exemplo, perguntar: “O que você acha que você pode ter?”, “O que lhe está preocupando?” e ‘Como você acha que esse exame/teste pode lhe ajudar?”. Relem- brando o Método Clínico Centrado na Pessoa, devemos conhecer sentimentos, ideias e expectativas para melhor aconselhar e para desmistificar alguns concei- tos. Aliar habilidades de comunicação ao conhecimento técnico-científico ajuda a “filtrar” casos que necessitam de avaliação específica dos que representam uma cultura inadequada de realizar check-up propagada pela mídia, instituições públi- cas e privadas e até profissionais de saúde (ZONTA et al., 2017). 4) Se eu pedir muitos exames para não desagradar a Marly, qual a probabili- dade de alguma alteração? A ênfase na prevenção levou à crescente popularidade do exame de saúde perió- dico, também chamado de check-up geral de saúde. Pacientes e médicos tendem a superestimar os benefícios e subestimar os danos das intervenções preventivas e curativas. No capítulo de PSBE, vimos que qualquer exame diagnóstico tem sua avaliação in- fluenciada pela prevalência da doença na população e pela probabilidade pré-tes- te. A probabilidade de encontrar resultados anormais aumenta à medida que mais exames são realizados. 127 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quadro 29 – Probabilidade de obter um resultado anormal quando são feitos múltiplos exames. Probabilidade de obter um resultado anormal quando são feitos múltiplos exames Nº exames independentes Porcentagem de vezes em que um resultado anormal é encontrado 1 5 2 10 4 19 6 26 10 40 20 64 50 92 90 99 Fonte: Freeman (2018). Epstein e colaboradores (2005) concluíram que os médicos menos centrados nas pessoas pediam mais exames diagnósticos em relação àqueles mais centrados nas pessoas, e esse efeito permaneceu mesmo após ter sido controlado o número de consultas curtas, que é característica dos médicos menos centrados nas pessoas. Conceito de P4 O conceito de prevenção quaternária (P4) está intimamente relacionado ao princí- pio da não-maleficência. Segundo o médico de Família e Comunidade Belga Marc Jamoulle, idealizador do conceito, “A prevenção quaternária é um novo termo para um velho conceito: primum non nocere ou “em primeiro lugar, não causar danos” (JAMOULLE, 2015, p.1).” Prevenção Quaternária pode ser definida como a “ação feita para identificar uma pessoa ou população em risco de supermedicalização, para protegê-los de uma intervenção médica invasiva e sugerir procedimentos científica e eti- camente aceitáveis.” (JAMOULLE; GUSSO, 2012, p.208) EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 128 Juan Gervas e Perez-Fernandez (2005), médicos de família espanhóis, entendem a prevenção quater- nária como “ação que atenua ou evita as conse- quências do intervencionismo médico excessivo que implica atividades médicas desnecessárias” (GERVAS; PEREZ-FERNANDEZ, 2005). Fonte: Freepik.com Atente para ter o cuidado de não simplificar e reduzir o conceito de P4 à aplicação dos conceitos de PSBE. Apesar de a PSBE estar incluída, a P4 é mais ampla, pois o olhar sobre a pessoa necessita ser integral e individualizado. 4.2 NÍVEIS DE PREVENÇÃO Leavell e Clark, em 1965, propuseram o modelo da história natural da doença, com- posto por três níveis de prevenção: primária, secundária e terciária (LEAVELL; CLARK, 1976): - Prevenção primária: medidas aplicáveis a uma doença ou grupo de doenças em particular de forma a interceptar as causas da doença antes que estas en- volvam o homem. - Prevenção secundária: conjunto de medidas utilizadas para a detecção precoce e imediata intervenção para o controle de um problema ou doença e a mini- mização de suas consequências. - Prevenção terciária: foca na redução de maiores complicações de uma doença ou problema existente por meio de tratamento e reabilitação. No esquema a seguir identificamos os níveis de prevenção e o momento em que se aplicam na linha da história natural da doença. Primária Marco inicial Doença Sintoma Sequelas e morte Secundária Terciária Figura 19 – História natural da doença e os respectivos níveis de prevenção por Leavell eClark. Fonte: Elaborado pelos autores. 129 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Geoffrey Rose, um dos principais teóricos do campo da medicina preventiva, con- ceitua os termos prevenção primária e secundária de forma diferente de Leavell e Clark. Ele define prevenção primária como ação realizada antes de um evento (por exemplo, infarto agudo do miocárdio), e prevenção secundária como realizada após o evento (ROSE, 2010). Devido às diferenças conceituais significativas, torna- -se importante citar o referencial teórico quando se fala dos níveis de prevenção. 4.3 O CONCEITO RELACIONAL DE PREVENÇÃO QUATERNÁRIA Segundo a concepção de Marc Jamoulle, os conceitos de prevenção primária, se- cundária e terciária permanecem semelhantes aos descritos por Leavell e Clark. Porém, ao se confrontarem as visões dos pacientes e dos médicos (ou profissio- nais da saúde), aparece claramente uma lacuna, que é exatamente o conceito de prevenção quaternária. Ele propõe o gráfico abaixo. Ponto de vista do médico Ausente (Dicotomia) Presente Doença Prevenção primária Enfermidade ausente Doença ausente Prevenção quartenária Enfermidade presente Doença ausente Prevenção secundária Enfermidade ausente Doença presente Prevenção terciária Enfermidade presente Doença presentePr es en ça ( Gr ad aç ão ) Au sê nc ia En fe rm id ad e Po nt o de v is ta d o pa ci en te Figura 20 – Conceito relacional dos níveis de prevenção segundo Ja- moulle (1986). Fonte: Jamoulle (1986). Vamos, agora, à continuação do caso. Sr. Camilo chega à unidade, acompanhado de sua filha Marly, para a consulta agendada com a médica da equipe. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 130 Fonte: Freepik.com A cascata de prescrição iatrogênica ocorre quando é prescrito um medicamento e, por efeitos colaterais, prescreve-se outro medicamento com a finalidade de corrigir ou minimizar esses efeitos. Essas ações podem levar a uma cadeia de outras reações indesejáveis. Importante! Ele tem 75 anos, é viúvo e aposentado, trabalhava como agricultor. Viveu toda a vida no interior, morava com a esposa que faleceu de IAM há 1 ano, desde então vivia sozinho. Neste período os filhos se preocuparam com a adesão às medicações de forma correta, por ser analfabeto, e optaram por trazê-lo para cidade. Questionado sobre problemas de saúde, o Sr. Camilo relata apenas “pressão alta” e “labirintite”. Traz a receita. Uso oral 1) Hidroclorotiazida 25 mg - Tomar 1 comprimido de manhã 2)Sinvastatina 20 mg -Tomar 1 comprimido à noite 3) Ácido Acetilsalicílico 100 mg - Tomar 1 comprimido após o almoço 4) Cinarizina 75 mg - Tomar 1 comprimido à noite Ex-tabagista, fumava fumo de rolo, mas parou aos 65 anos. Bebe socialmente, “só um copinho de cerveja em comemorações”, diz. Acompanhe a continuação do diálogo: – Bom dia, Sr. Camilo! Meu nome é Maria Tereza, sou a médica da equipe. Como posso te ajudar hoje? – Bom dia, doutora, o prazer é meu. Minha filha que me trouxe para falar de exames, comigo está tudo bem! Às vezes sinto uma bambeza e tontura, mas o médico já falou que é da minha labirintite mesmo. A filha do paciente intervém: – Agora vou cuidar do senhor, pai, vamos fazer todos os exames sim porque quero prevenir problemas. No exame físico, alguns dados chamam atenção da Dra. Maria Teresa: PA 110x60mmHg (posição supina) e 90x50mmHg (posição ortostá- tica). Tremor de repouso, bradicinesia e rigidez e discreta instabili- dade postural. Dix-Hallpike negativo. Cognição preservada. Sem outras alterações ao exame físico. Após anamnese e exame físico, Maria Teresa faz os seguintes racio- cínios, descritos abaixo. • O Parkinsonismo pode ser secundário ao uso crônico de antivertiginoso? • A tontura pode ser secundária à hipotensão? • Sr. Camilo precisa continuar com o anti-hipertensivo? • Há indicação de AAS e Sinvastatina para prevenção de evento cardiovascular? 131 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Hipertensão leve Captopril Tontura Antivertiginoso Parkinsonismo Levodopa Confusão mental Queda Fratura de fêmur Morte Figura 21 – Exemplo de cascata iatrogênica. Fonte: Elaborada pelos autores. Vemos na imagem da escada exemplos de iatrogenias ocorrendo em sequência. Iatrogenia é uma palavra que deriva do grego: o radical iatro (“iatrós”) significa médico, remédio, medicina; geno (“gennáo”), aquele que gera, produz; e “ia”, uma qualidade. A iatrogenia poderia, portanto, ser entendida como qualquer atitude do médico. Entretanto, o significado mais aceito é o de que iatrogenia consiste num resultado negativo da prática médica. Após as reflexões, Maria Teresa avaliou que desprescreveras medicações traria mais benefícios do que riscos. Explicou para o Sr. Camilo e Marly e desprescreveu as medicações após compartilhar a decisão. Pactuou que ele faria mais aferições da pressão e traria em novo encontro para reavaliação. Explicou sobre a não ne- cessidade de realizar muitos exames, e os riscos envolvidos em rastreios sem in- dicação. Colocou-se à disposição para coordenar o cuidado do Sr. Camilo. 4.4 A PREVENÇÃO QUATERNÁRIA EM RASTREAMENTOS Durante a conversa sobre os exames, o que mais demandou explicações foi a demanda de Marly de “exames para avaliar a próstata”. Maria Teresa explicou para o Sr. Camilo e Marly sobre os potenciais riscos e benefícios envolvidos, e juntos chegaram à decisão compartilhada de não rastrear. Vamos refletir sobre a indica- ção neste caso? Tanto no Brasil, como na Austrália, Canadá e Reino Unido não se recomenda a or- ganização de programas de rastreamento para o câncer de próstata (INCA, 2015). A revisão de ensaios clínicos com mais de dez anos de seguimento mostram que o rastreamento com PSA, com ou sem toque retal, não traz efeitos significativos na redução absoluta da mortalidade por essa doença ou na mortalidade em geral. As ações para controlar a doença devem focar em prevenção primária e diagnós- tico oportuno. Os homens que buscam tal intervenção devem ser questionados quanto a alterações relacionadas à próstata, como noctúria, jato urinário fraco e EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 132 gotejamento pós-miccional. Caso presentes, PSA e toque retal estariam indicados para “investigação”, e não “rastreamento”; caso inexistentes, devem ser discutidos os riscos associados ao rastreio (INCA, 2015; BELL et al., 2014). Percebemos que o rastreio de câncer de próstata poderia trazer riscos para o Sr. Camilo, e apresenta benefícios questionáveis, especialmente na faixa etária a partir de 75 anos. Vamos entender melhor alguns conceitos ligados ao rastreamento, acompanhe. Figura 22 - Conceitos relacionados ao rastreamento. Fonte: Elaborada pelos autores. 133 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Com o advento das tecnologias em saúde há cada vez mais testes para tentar en- contrar doenças o mais cedo possível. Todo ano vivemos os “meses coloridos”, in- centivando rastreios de câncer e mobilizando muita publicidade para alertar a po- pulação de sua importância. Nesse cenário, pouco se fala do sobrediagnóstico e os seus riscos. Sobre o sobrediagnóstico Comumente ouvimos as pessoas replicando as seguintes frases: “Prevenir é sempre melhor que remediar.” ou “Quanto mais cedo um diagnóstico, maiores as chances de cura.”. Hoje sabemos que não se tratam de verdades absolutas, e conhecendo o concei- to de sobrediagnóstico você consegue entender o porquê. O sobrediagnóstico ocorre graças aos testes cada vez mais sensíveis, com o achado de “incidentalomas”, ou seja, alterações sem relevância de morbimortalidade para o paciente. Outra causa é a ampliação da definição de doenças, com a redução dos limiares diagnósticos, que rotulam como doentes indivíduos que não teriam nenhuma repercussão do quadro. No gráfico a seguir temos uma mesma doença com três formas de apresentação diferentes. Note que os indivíduos com a evolução rápida apresentam alto risco de morte pela doença, enquanto os demais viverão com a doença e provavelmen- te morrerão por outras causas. Caso seja instituído um programa de rastreamen- to, diagnosticaríamos muitos pacientes que jamais teriam problemas devido à doença e morreriam por outras causas. Esse é o sobrediagnóstico. G RA VI D AD E INÍCIO RÁPIDA INTERMEDIÁRIA MORTE PELA DOENÇA Morte por outras causas LENTA Figura 23 – Velocidade de evolução da doença e probabilidade de morte por outras causas. Fonte: Adaptado de Welch e Black (2010). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 134 Uma evidência epidemiológica forte de que o sobrediagnóstico ocorre é a obser- vação que o aumento expressivo do diagnóstico das doenças com o passar dos anos não foi acompanhado pelo aumento da morbidade e mortalidade. Observe nos gráficos abaixo como a linha verde, que representa os novos diagnósticos sobe, enquanto a mortalidade se mantém aproximadamente constante. Será que a po- pulação está realmente adoecendo mais ou estamos apenas diagnosticando mais? Câncer de próstataCâncer de tireoide Melanoma Câncer de mama Câncer de renal AnosTa xa p or 1 00 .0 00 p es so as Novos diagnósticos Mortes 15 12 9 6 3 0 25 20 15 10 5 0 250 200 150 100 50 0 12 19 6 3 0 200 150 100 50 0 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 Figura 24 – Evolução de novos diagnósticos e de mortalidade de alguns cânceres ao longo de três décadas. Fonte: Moynihan, Doust e Henry (2012). 135 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Essa definição de hipertensão com PAS >=130 e PAD>=80 é muito sensível! A redução do ponto de corte traz muitas pessoas para o grupo de hipertensos, será que todos precisariam mesmo ser tratados? Fonte: Freepik.com Agora que você entendeu as causas do sobrediagnóstico e como acontece, vamos refletir sobre seus efeitos. Podemos listar três consequências principais: 1. Rotulação desnecessária – medicalização da saúde: é a consequência ime- diata, o indivíduo ganha o rótulo de doente e recebe o sobretratamento. 2. Exames e procedimentos invasivos e desnecessários – aumento da mor- bidade e mortalidade: essa é a consequência mais grave para o indivíduo, graças ao sobrediagnóstico ele se expõe a riscos e pode sofrer danos. Voltan- do ao exemplo do câncer de próstata: o paciente faz o rastreio, encontra um PSA elevado que não traria prejuízos, é encaminhado para biópsia e após o procedimentopermanece com incontinência urinária. 3. Desvio de recursos em saúde – um grande problema a nível populacional, o sobrediagnóstico traz um desafio para sustentabilidade de um sistema de saúde, seja público ou privado. 4.5 A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA E DISEASE MONGERING Seguimos com a continuação do caso, acompanhe. -Sr. Camilo retorna, acompanhado por Marly, trazendo suas medidas de pressão arterial aferidas após suspensão da Hi- droclorotiazida. Novamente vem animado, diz estar ótimo, “A pressão tá beleza pra minha idade Doutora!”. (imagem de folha com medidas) Medidas de PA: 130x80 - 130x80 - 130x70 - 130x90 - 130x80 Maria Teresa avalia as medidas e se lembra da última diretriz de hipertensão da American Heart Association, que reduz o limiar para definição de hipertensão arterial. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 136 CULTURA SISTEMA DE SAÚDE INDÚSTRIA E TECNOLOGIA PROFISSIONAIS PACIENTES E PÚBLICO ∙ Crenças: "Mais é melhor" ∙ Fé no diagnóstico precoce ∙ Viés midiático sobre a medicalização ∙ Combate à intolerância à incerteza ∙ Incentivos financeiros ∙ Definições de doenças abrangentes ∙ Indicadores de qualidade ∙ Cuidado complexo ∙ Protocolos não baseados na PSBE/PCP ∙ Rastreamentos em massa ∙ Promoção da Indústria ∙ Senilidade do teste diagnóstico ∙ Saúde e medicina como negócio ∙ Indústria criando novos mercados ∙ Medo de processo/judicialização ∙ Medo de errar ou perder o diagnóstico ∙ Falhas no treinamento ∙ Falta de confiança ou conhecimento ∙ Confiança exagerada em testes/exames ∙ Confiança exagerada em testes/exames ∙ Falta de confiança ou conhecimento ∙ Expectativa exagerada que os médicos "façam alguma coisa" Possíveis causas ∙ Campanhas de conscientização ∙ Ceticismo saudável sobe diagnóstico precoce ∙ Combate a intolerância à incerteza ∙ Uso da mídia para mostrar dados corretos ∙ Mostrar a falta de resposta de remédios ∙ Reforma incentivos de qualidade e quantidade ∙ Reforma definição de doenças ∙ Reforma indicadores de qualidade ∙ Reforma protocolos ∙ Reforma rastreamentos em massa ∙ Mais pesquisa em sobrediagnóstico ∙ Melhor regulação da indústria ∙ Melhores avaliações de testes ∙ Aceitar a incerteza no processo produtivo ∙ Interesses econômicos declarados ∙ Melhor avaliação das definições de doenças ∙ Reduzir os fatores para judicialização ∙ Aprender a lidar com a incerteza ∙ Educar e informar ∙ Intervenções para operadoras de saúde ∙ Reduzir a confiança exagerada em exames ∙ Tomada de decisão compartilhada ∙ Campanhas educativas e de informação ∙ Promover "fazer nada" como opção segura 1 2 3 4 5 Possíveis soluções Figura 25 – Medicalização da vida e sobrediagnóstico. Fonte: Elaborado pelos autores. 137 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica REFLEXÃO Reflita sobre o que diz Jamoulle (2011) sobre os serviços de saúde, a distinção entre enfermidade e doença e outros temas relacionados: O serviço de saúde vem sendo poluído por forças impulsionadas pelo mercado, e o conhecimento científico foi transferido dos cuidados para a avaliação de riscos. (...). As classificações de doenças são adap- tadas às necessidades da indústria enquanto conflitos de interesse enfraquecem a confiança dos pacientes em órgãos de saúde e nos chamados ‘especialistas’ em medicina ou saúde mental. A distinção tradicional entre enfermidade e doença, embora profundamente ar- raigada na cultura ocidental, está desaparecendo. Em nossa socie- dade, não há espaço para uma pessoa enferma que não tenha uma doença, enquanto aquele que tem uma doença e não está enfermo é visto como alguém tentando evitar a medicina. A distinção entre normal e patológico se esvazia, à medida que empresas e psiquia- tras prendem as emoções humanas e vendem doenças ao medicar comportamentos como a timidez. Os gastos com saúde continuam a crescer, impulsionados por tratamentos em excesso e medicina defensiva. E por toda parte, as ‘necessidades humanas’ estão sendo transformadas em ‘perfis de usuário’. (JAMOULLE, 2011, p. 205) Com a transição epidemiológica e o aumento da expectativa de vida da popu- lação, vivemos um aumento da carga global de doenças, especialmente o que se refere às doenças crônicas não trans- missíveis (DCNT). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), essas doenças são responsáveis por 70% das mortes no mundo, o que preocupa a população que passa a temer esses desfechos. Fonte: Freepik.com Esse temor cria um ambiente propício para rastreamentos não indicados, sobre- diagnósticos e sobretratamentos, e fortalece o disease mongering, que veremos o conceito a seguir. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 138 -Disease mongering (tráfico ou marketing de doenças e riscos): fenômeno de fo- mentação de uma preocupação generalizada, indiscriminada e inadequada entre as pessoas da população geral, não doentes, sobre o eventual surgimento de uma doença que coloque em risco suas vidas ou sua qualidade de vida. Transforma sadios em doentes – pessoas que se consideram doentes e são assim tratadas pelos profissionais –, transformando-os em consumidores crônicos de interven- ções preventivas. Isso ocorre por meio do rebaixamento dos pontos de corte para alto risco e flexibilização dos critérios diagnósticos de doenças/transtornos, além da propaganda de tecnologias preventivas. Tal processo interfere na cultura e na produção do saber clínico e preventivo, aumentando a medicalização da preven- ção e seus danos (TESSER; NORMAN, 2019; MOYNIHAN; DOUST; HENRY, 2012). Exemplos de disease mongering. Ao refletir sobre disease mongering, e temendo o sobretratamento, Maria Teresa avalia que pode não ser benéfico ao Sr. Camilo retomar o uso de anti-hipertensi- vo, mesmo que ele se enquadre no critério diagnóstico para hipertensão. Diante dessa avaliação, ela conversa com o Sr. Camilo e Marly sobre os riscos e benefícios em manter a PA abaixo de 130 x 80, e compartilha a decisão. Os três decidem então por não reiniciar o tratamento, e caso a PA passe a ficar mais alta com o passar do tempo eles conversarão novamente sobre o tema. 4.6 CONDUTAS BASEADAS EM EVIDÊNCIA E CHOOSING WISELY Confira a continuação do caso. 139 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Confira a seguir. Quando os exames de imagem são uma boa ideia? Fonte: AAFP (2017). Fonte: Freepik.com Sr. Camilo volta à consulta com resultados de seus exames, vem caminhando para o consultório sorridente, diz se sentir muito melhor depois da retirada dos remédios. Marly vem ao lado andando devagar e com fácies de dor: – Dra., hoje eu também preciso consultar, me ajuda. Travei a coluna semana passada mexendo na horta, e está doendo até hoje. Já tomei remédio de dor e não melhora. Queria um pedido de exame e um encaminhamento para o ortopedista. Após anamnese e exame físico, Dra. Maria Teresa conclui que não há presença de red flags para a dor lombar e se lembra de uma recomendação do ChoosingWisely (AAFP, 2017). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 140 Algumas ferramentas da Medicina de Família e Comunidade que podem ajudar na condução do caso. 1) Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP): aplicando o método, e espe- cialmente o componente “explorando a saúde, a doença e a experiência da doença”, conseguimos entender melhor o adoecimento de Marly. Compreen- dendo seus sentimentos, ideias, funcionalidade e expectativa, somando a ex- ploração da doença e da saúde, temos um entendimento integrado, que auxilia na abordagem ao paciente. Relembramos o primeiro passo do método na figura a seguir. Para aprofundar no tema, você pode retornar à unidade sobre MCCP. SINAIS E INDICAÇÕES Percepção e experiência da saúde, pessoais e únicas ENTENDIMENTO INTEGRADO O que está errado: • Sinais e sintomas • Exames alterados ▶Uma categoria Indo e vindo de um ponto a outro Experiência da doença pessoal e única • Sentimentos • Ideias • Funções • Expectativas ▶Entendimentopessoal Doença Experiência da doença Saúde Figura 26 – Componentes do Método Clínico Centrado na Pessoa. Fonte: Stewart et al. (2017, p. 37). 2) Demora permitida: segundo Kloetzel (2004), demora permitida é a utilização do tempo como instrumento de trabalho desde que o médico esteja conven- cido de que não está diante de uma urgência, e desde que tenha ideia formada sobre o tempo que lhe é permitido esperar, sem incorrer em risco para o paciente. 141 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 3) Watch fulwaiting (observação ativa): trata-se de uma gestão de cuidado expectante oferecida ao paciente. É baseada na observação próxima e atenta da condição de um paciente, mas sem iniciar tratamento. É pactuado um retorno para reavaliação caso sintomas apareçam, mudem ou não melhorem. É muito usado em situações em que os riscos do tratamento são maiores do que os possíveis benefícios. 4.7 ANTECIPAÇÃO DE CRÍTICA É um desafio diário ser médico em uma sociedade “hipermedicalizante” como a que vivemos. Aplicar a prevenção quaternária é um movimento de “nadar contra a maré” na maior parte do tempo, neste cenário em que o pacien- te demanda muitos testes e interven- ções e vive imerso nessa cultura, im- pulsionada pela mídia e por pressões sociais, que apoiam o sobrediagnósti- co e o sobretratamento. Fortalecemos nossa abordagem colocando em prática os passos do MCCP, aprimorando ha- bilidades de comunicação e raciocínio clínico e nos munindo da Prática de Saúde Baseada em Evidências neste processo. Fonte: Freepik.com Ainda assim, é importante lembrar o papel do medo no incremento do sobrediag- nóstico e sobretratamento. Segundo Heath (2014),o paciente adentra o consultó- rio com seus medos de adoecer e morrer, e o médico do outro lado reflete esses medos, temendo ignorar um diagnóstico sério que traga danos. O medo do pa- ciente reforça o medo do médico e vice-versa, especialmente num sistema de saúde fragmentado, que não favoreça a continuidade do cuidado. Em uma sociedade que vive a busca desenfreada por certezas para se livrar do temor, aceitar a incerteza e a imprevisibilidade que permeiam a vida pode ser um ato de liberdade e resis- tência. (HEATH, 2014). Você deve ter reparado que a Dra. Maria Teresa usou recomendações da iniciativa choosing wisely. Gostaríamos de apontar iniciativas que vêm surgindo globalmen- te para reforçar a P4 e combater o sobrediagnóstico e o sobretratamento. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 142 Você encontrará na lista abaixo materiais informativos e que ajudam na tomada de decisão compartilhada. Materiais educativos da campanha Choosing Wisely: https://www.choosingwisely.org/ Resumos rápidos da prática de saúde baseada em evidências (NNT e LR) http://www.thennt.com Mayo Clinic Shared Decision Making National Resource Center http://shareddecisions.mayoclinic.org/ Cochrane: http://www.cochrane.org/pt/evidence Harding Center https://www.hardingcenter.de/en/welcome-harding-center-risk-literacy Dartmouth Hitchcock Health System Decision Points https://www.dartmouth-hitchcock.org/patients-visitors/decision-making-help Patient.info https://patient.info/doctor/decision-aids 143 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Encerramento da unidade Muito bem! Chegamos ao final da unidade, na qual abordamos não somente os conceitos de prevenção quaternária, mas também diversas ferramentas que podem ser utilizadas no seu dia a dia. Você percebeu a importância da Prática em Saúde Baseada em Evidência e do Método Clínico Centrado na Pessoa para a aplicação da Prevenção Quaternária na prática diária, não é verdade? Esperamos que tenha gostado do conteúdo estudado e que as reflexões aqui com- partilhadas modifiquem para melhor a sua atuação! Continue se dedicando e evo- luindo nos seus estudos! EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 144 Raciocínio Clínico e RESOAP INTRODUÇÃO Chegamos à última unidade deste módulo. Tão importante quanto o Método Clínico Centrado na Pessoa, as habilidades de comunicação, a Prática em Saúde Baseada em Evidência e a Prevenção Quaternária são os temas do Raciocínio Clínico e do Registro em Saúde, sem os quais a resolutividade e a longitudinalidade ficariam seriamente comprometidos. Ao longo desta unidade, vamos discutir sobre os princípios e as diferen- tes formas de raciocínio clínico aplicáveis ao cuidado de saúde, de modo a possibilitar o uso consciente e adequado da melhor estratégia em cada situação de atendimento do médico de família e comunidade. Conhece- remos também o Registro Orientado por Problemas, também conheci- do como ReSOAP, fundamental para a continuidade do cuidado, sendo o modelo mais recomendado para registro na APS. Por fim, apresenta- remos a Classificação Internacional de Atenção Primária, em sua segunda edição revisada (CIAP-2), que juntamente com o ReSOAP propicia um re- gistro adequado e que apoia efetivamente o raciocínio clínico do profissional. UNIDADE 05 145 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Ao final desta unidade, é esperado que você seja capaz de: • Compreender as diferentes estratégias de raciocínio clínico e seu papel nas demandas clínicas mais comuns da APS. • Aplicar o raciocínio probabilístico em situações cotidianas da APS. • Reconhecer a incerteza como inerente ao processo de tomada de decisão. • Demonstrar como realizar o registro orientado por problemas. Bons estudos! 5.1 COMO OS MÉDICOS PENSAM? Como médicos, o raciocínio clínico nos é algo extremamente natural. Basta iniciar uma con- sulta, logo começamos a pensar ou nos pomos a pensar em todos os meandros e possibilida- des diagnósticas, de forma quase automática. No entanto, embora nos valemos do raciocí- nio clínico a todo o momento, é raro que paremos para tentar compreendê-lo mais explicitamente. Fonte: Freepik.com Mas, então, o que é raciocínio clínico, afinal? Confira algumas definições. “A variedade de estratégias que os médicos usam para gerar, testar e verificar diagnósticos, avaliar os benefícios e riscos dos exames e tratamentos e a julgar a significância prognóstica dos resultados dessas conquistas cognitivas é o que se pode chamar de raciocínio clínico” (PAUKER; KASSIRER, 1980). “Raciocínio clínico é a habilidade que os médicos usam para entender as queixas de um paciente e depois identificar uma lista de possíveis diagnósticos que podem explicar essa condição” (LUCEY, 1997). “O raciocínio clínico é ‘o processo de pensamento que norteia a prática’” (REED; CARPENTER; ROGERS, 1972). Figura 27 – Raciocínio clínico. Fonte: Elaborado pelos autores. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 146 Disso podemos dizer, portanto, que raciocínio clínico é justamente um processo intelectual cujo objetivo é o encontro da solução clínica adequada (ao paciente). Esse processo, que deve ser buscado persistente e ativamente, inicia-se com a ob- tenção dos dados clínicos, o que dispara um processamento mental, até culminar com as soluções – ou mesmo a falta delas. Esmiuçaremos esse processo para tentarmos entender o que ocorre com os médicos quando estão realizando o diagnóstico. O conhecimento obtido por influência da ciência cognitiva, teoria de decisão e ciência da computação tem possibilitado uma visão do processo cognitivo, que se constitui na base das decisões diagnósticas e terapêuticas em medicina (CROSKERRY, 2009). Só que não SIM Reconhecimento do padrão Construção do protótipo Propedêutica complementar Diagnóstico Hipótese-dedução Fisiopatológico Exaustão Arborização Analogia Probabilidade Sistema tipo 2NÃO Representação do problema Transdução Semiótica Apresentação clínica Sistema tipo 1 Vieses cognitivos Figura 28 – Processo cognitivo. Fonte: Traduzido e adaptado de Croskerry (2009). O primeiro passo que ocorre no raciocínio clínico é o que chamamos de seleção de dados elementares (qualquerinformação que, por sua significância relevante e discriminatória, serve de base para a resolução de problemas). Dentre a série de informações dispersas na consulta, até então destituídas de significado clínico apre- ciável, o médico experiente consegue discriminar aquelas dotadas de significância. Essa primeira parte é importante porque existem vários ruídos na comunicação com o paciente, que, naturalmente, ao procurar a assistência médica motivado pelo incômodo dos sintomas, queixa-se realmente por meio da expressão de sua própria linguagem, veículo de sua cultura e da sua experiência de doença. Nesse ponto, é importante comentar que, ao contrário do que se pode pensar, esses ruídos não são descartáveis. Escutá-los ativamente faz parte da construção 147 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica de vínculo com o paciente, que favorece inclusive a contação de informação, sem a qual você, como profissional, não teria acesso para fazer seu raciocínio clínico. Isso nos faz lembrar das primeiras unidades deste módulo, em que você aprendeu como se conectar com seu paciente por meio do Método Clínico Centrado na Pessoa, e como desenvolver técnicas de habilidade de comunicação para melhorar sua per- formance de entrevista, também com o objetivo de obter dados mais acurados à anamnese. Junto da anamnese, outras fontes de dados elementares são o exame físico, os exames complementares, a observação evolutiva, o prontuário e os relatórios médicos. Nessas fontes, você encontra sinais, sintomas, comportamentos, contex- tos que podem ser dados elementares, se presentes, ou mesmo se ausentes (um achado negativo também pode ser relevante e discriminatório). Observação: embora o exame clínico (anamnese + exame físico) figure histórica e tradicionalmente como símbolo da prática médica, atualmente a supervalorização tecnológica tem dado a entender que os exames complementares são o componente mais importante para obtenção de dados elementares. Estudos, no entanto, mostram que a maior contribuição advém realmen- te da anamnese. Quadro 30 – Contribuição percentual de anamneses, exame físico e exames complementares para o diagnóstico segundo literatura médica. Hampton e colaboradores Sandler Peterson e colaboradores Roshan e Rao Benseñor Anamnese 82,5 56 76 78,6 77,8 Exame físico 8,75 17 12 8,2 10 Exames complementares 8,75 23 11 13,2 10 Total 100 96 99 100 97,8 Fonte: Adaptado de Benseñor (2003), Hampton et al. (1975), Lotufo, Benseñor e Olmos (2019), Peterson et al. (1992), Roshan e Rao (2000), Sandler (1980). A título de exemplo, veja como a seleção de dados elementares pode acontecer. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 148 Quadro 31 – Dados elementares. Advindos da anamnese Advindos do exame físico Advindos do exame complementar Idade de 33 anos Tax 37,6 graus Hemograma sem alterações Relato de náusea PA 110/80 mmHg PCR sem alterações Relato de diarreia FC 90 bpm Relato de febre FR 14 irpm Relato de dor abdominal Ausculta cardíaca normal Previamente hígido Ausculta pulmonar normal Viagem recente para Amazônia Ausculta pulmonar normal Fonte: Elaborado pelos autores. Uma vez selecionados esses dados, sejam eles os sintomas queixados, os sinais examinados ou os resultados dos exames solicitados, eles são então transluzidos em qualificadores semânticos próprios da terminologia médica. Fonte: Freepik.com Caso clínico 1: José Augusto, 33 anos, apresenta-se ao consul- tório com relato de náusea e diarreia que teve durante a semana passada. Ao longo com esses sintomas, teve uma febre baixa, com dor abdominal. Ele não tem histórico médico sig- nificativo e não toma medicamentos regularmente. Trabalha como pastor em uma igreja local que foi em uma missão para construir uma clínica médica em uma área rural da Amazônia há cerca de cinco semanas. Ele teve um caso leve de diarreia quando esteve lá. No exame, parece estar moderadamente doente. Sua temperatura é de 37,6°C, sua pressão arterial é 110/80 mmHg, seu pulso é de 90 batimentos por minuto e sua frequência respiratória é de 14 respirações por minuto. Ele tem uma cor amarela proeminente em sua esclera e debaixo de sua língua. As membranas mucosas são úmidas. Exames pulmonares e cardíacos são normais. Seu abdômen tem sons intestinais normais, mas apresenta uma sensibilidade à direita, em quadrante superior. Exames laboratoriais colhidos com ur- gência mostram hemograma e PCR sem alterações. 149 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica CiatalgiaFisgada na perna Representação esquemática do processo que se passa na cabeça do médico ao relacionar a queixa do paciente em sua linguagem comum a um conceito descrito na terminologia médica. Figura 29 – Caso clínico com representação esquemática do pro- cesso de transdução para terminologia médica. Fonte: Elaborado pelos autores. Por exemplo, veja o caso do Sr. João ao dizer da “fisgada” que sente na perna sempre que pressente uma chuva que está por vir. O profissional de saúde capta a informa- ção e encontra para ela correlatos na linguagem médica. Para esse caso, por exemplo, poderia entender o médico que trata-se de uma ciatalgia agravada pelo hábito de apanhar apressadamente, e de maneira nada ergonômica, as roupas do varal, antes que a chuva caia. Perceba que essa segunda etapa, denominada de transdução semiótica, não é sim- plesmente uma tradução. Mais do que isso, atribui valor clínico inteligível, tornando, representativamente, a situação problemática do paciente em um problema. E aqui chegamos a um conceito importante: o problema. Problema é um conceito amplo que se refere ao que o exami- nador encontra de “errado” em referência à saúde do paciente. É um construto que relaciona os dados elementares encontra- dos, agrupando-os de forma organizada em um resumo. É, por- tanto, a representação que o médico faz da situação do pacien- te (JENSEN, 1992), embora ainda não seja o diagnóstico em si. A título de exemplo, veja como a definição de um problema pode surgir, a partir do caso descrito a seguir. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 150 Com esses conceitos em mente, então vamos seguir agora para a próxima etapa do processo de raciocínio clínico que trata da conjugação dos problemas. Estudos da ciência cognitiva têm sugerido ou apontado que essa conjugação pode ocorrer de duas formas esquemáticas, no que se tem denominado de teoria do processamen- to dual. Essas duas formas são chamadas de sistema tipo 1 e sistema tipo 2. Estilo Cognitivo Princípio Computativo Responsividade Capacidade Consciência e Controle Cognitivo Automaticidade Velocidade Confiança Erros Esforço Apego Emocional Rigor Científico Tipo 1 Heurístico, Intuitivo Associativo Passiva ↑ ↓ ↑ >>> ↓ + + + ↓ � ↑ � ↓ Tipo 2 Sistemático, Analítico Baseado em Regras Ativa Limitada ↓ ↑ ↓ > ↑ Raros + ↑ � ↓ ↑ Figura 30 – Teoria do processamento dual. Fonte: Traduzido e adaptado de Evans (2007), Evans e Stanovich (2013). Fonte: Freepik.com Paciente: - “Bom dia, doutor. Sabe, meu joelho doeu tanto a noite passada que eu acordei do meu sono. Ele estava bem quando fui para cama. Agora está inchado. Essa é a pior dor que senti. Mas ela se parece muito com uma dor que senti no mesmo joelho, nove meses atrás. E é estranho que, desde essa época até ontem, não tinha tido nenhuma dor.”. Para esse caso, um médico experiente levantaria o seguin- te problema: paciente homem, 54 anos, com gonartrite aguda, de início súbito, duração contínua e de forte intensidade. Quadro é reincidente, embora assintomático no período inter- crítico. Está afebril e nega trauma. 151 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica O sistema tipo 1 é uma maneira de conjugar informação que é caracterizadamente rápida, automática, reflexa e intuitiva. Já o sistema tipo 2, por outro lado, é uma maneira de conjugar que é caracterizadamente lenta, elaborada, dedutivae metódica. O pensamento humano usualmente tenta entrar no sistema tipo 1, isso porque é biologicamente econômico pensar assim. Se, entretanto, por algum motivo, o sistema 1 não consegue dar conta da resolução do problema, ou seja, não há um padrão identificado, o sistema 2 pode substituir o sistema 1. E, mais do que isso, a repetida ativação do sistema 2 pode desenvolver o sistema 1. O sistema tipo 1 Para profissionais de saúde mais experientes, o que ocorre na maioria das vezes é que, de modo subconsciente, implícito e não analítico, o raciocínio deles atalha por regras práticas intuitivas que o levam diretamente a conclusões premeditadas (BOSHUIZEN; SCHMIDT, 1992; ZEITZ, 1994). Novato Experiente Coleta de Dados Precisão de Diagnóstico Figura 31 – Acurácia diagnóstica e acúmulo de dados entre o pro- fissional novato e o experiente. Fonte: Traduzido e adaptado de Bordage e Lemieux (1991). Essas regras práticas são conhecidas como heurística, e correspondem a processos simplificadores construídos mentalmente a partir da constatação dedutiva do resul- tado da experimentação de um fenômeno repetitivo. Aplicada ao raciocínio, a heurística ocorre pelo diagnóstico imediato ou instantâneo realizado por meio do reconhecimento de um conjunto de dados padrão, denota- dor de determinada condição. Por exemplo, é o caso da marcha em bloco do pacien- te com parkinsonismo, do hálito cetônico. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 152 A esses padrões damos o nome de script de adoecimento ou illness script. São modelos ou protótipos mentais armazenados na memória para facilitar a rememoração para o processo de comparação da apresentação do paciente. Eles são ricos em informa- ção clinicamente relevante, estudada nos livros e reconhecida na exposição repeti- da aos pacientes. Seu conteúdo congrega o modelo conceitual de determinada en- tidade nosológica, com características clínicas definidoras e discriminatórias, conforme representado na figura abaixo. Imagem: Atendo-se aos detalhes mais importantes, esse construto mental resume-se aos termos da epidemiologia da doença (Quem contrai?), da evolução da doença (Qual é a história natural?), da apresentação clínica (Quase são os sinais e sintomas clássicos?) e do mecanismo fisiopatológico da doença (Como se dá a patogênese?) Hiperuricemia Alopurinol Etilismo Articular Sexo masculino Organização Esforço intelectual e tempo Epidemiologia Fisiopatologia Etiologia, Patogêneses Primeira escolha, Opções Prodrômicos, Clássicos, Incomuns, Graves Esforço Intelectual e Tempo, Fatores de risco, Fatores de proteção TratamentoSinais e sintomas Figura 32 – Organização mental do script de adoecimento. Fonte: Traduzido e adaptado de Lucey (1997). Ao longo da formação médica (que nunca se encerra), os scripts vão se formando, e também sofrendo ajustes e modificações contínuas decorrentes da dinâmica entre teoria e prática, conforme representado no esquema a seguir. OBS.: As interações vão além da construção do modelo Estudo (teoria) Modelo (script) Experiência (prática) Modifica Modifica Figura 33 – Modificações e ajustes dos scritps, da teoria e da prática. Fonte: Elaborada pelos autores. 153 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Que tal testarmos os scripts mentais que você já tem formado? Responda rapidamen- te às seguintes questões com a primeira hipótese que vem a sua cabeça: - Paciente com tosse, febre e dispneia (pneumonia). - Paciente com hemiparesia e desvio da comissura labial (acidente vascular encefálico). - Paciente com cefaleia febre e rigidez nucal (meningite). - Paciente com disúria e febre (pielonefrite). Se você “acertou” os diagnósticos do nosso exercício, você usou a heurística, e o pro- tótipo de comparação é, como dissemos anteriormente, o seu “illness-script”. Entre- tanto, apesar de essas hipóteses terem, a priori, alguma probabilidade de estarem corretas, isso não necessariamente é verdade. Algumas vezes, nossos hábitos cogni- tivos poderão nos pregar algumas peças por meio do que se chama de vieses cognitivos. Vieses cognitivos são tendências a pensar de certas maneiras que podem levar a desvios sistemáticos de lógica e a decisões irracionais. Essas tendências ocorrem mais frequentemente com relação ao raciocínio tipo 1. Devido à sua natureza irrefletida, esse tipo de processamento é naturalmente mais sujeito a erros cognitivos, sobretudo quando se faz um uso excessivo, descontextua- lizado e inflexível desse valioso atalho. O sistema tipo 2 Mas, como visto anteriormente, caso um padrão não seja prontamente reconhecido pelo sistema tipo 1, ou seja, caso comparativamente nenhum script de adoecimento que o profissional de saúde consiga trazer à memória rapidamente seja suficiente para justificar a apresentação do paciente, entra em cena o sistema tipo 2. Diagnóstico diferencial No sistema tipo 2, os recursos utilizados para levantar hipóteses são analogias, com- parações, arborização, exaustão e aproximações, procurando links, sejam por anato- mia, por sistema, por fisiopatologia ou por categorias contrastantes. • Abordagem anatômica: Abordagem útil para sintomas topográficos, como dor. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 154 Infarto agudo do miocárdio Doença ulcerosa péptica Pancreatite Doença biliar Doença inflamatória intestinal Obstrução intestinal ou Isquemia Apendicite Aneurisma de aorta abdominal Síndrome do intestino irritável Cetoacidose diabética Gastroenterite Doença biliar Hepatite Cólica renal Diverticulite Apendicite Doença ovariana Doença inflamatória pélvica Gravidez ectópica rompida Lesão esplênica Cólica renal Diveticulite Doença ovariana Doença inflamatória pélvica Gravidez ectópica rompida Figura 34 – Diagnóstico diferencial de dor abdominal segundo localização anatômica. Fonte: Traduzido e adaptado de Stern (2014). • Abordagem por sistemas: Abordagem útil para sintomas inespecíficos, como fadiga. Psicológico Depressão Ansiedade Abuso de substâncias Transtornos alimentares Cardíaco Insuficiência cardíaca Endócrina Doença de Addison Diabetes melitus Problemas de tireóide Sindrome de Cushing Hiperparatiroidismo Gastrointestinal Doença inflamatória intestinal Má absorção intestinal Cirrose Hematológico Anemia Leucemia ou linfoma Infeccioso Endocardite Mononocleose Tuberculose HIV Hepatite Neurológico Esclerose múltipla Miastenia Grave Oncológico Malignidade oculta Farmacológico Antidepressivos Anti-histamínico Benzodiazepina Hipnóticos Narcóticos Pulmonar DPOC Apnéia do sono Reumatológico Fibromialgia Doença de Lyme Artrite reumatoide Lupus eritematoso sistêmico Figura 35 – Diagnóstico diferencial de fadiga segundo sistemas orgânicos. Fonte: Traduzido e adaptado de Henderson, Tierney e Smetana (2012). 155 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica • Abordagem fisiopatológica: Abordagem útil para sintomas que têm mecanis- mos fisiopatológicos definidos, como vias bioquímicas ou endócrinas. Por exemplo: icterícia, anemia ou amenorreia. •Má absorção •Síndrome nefrótica •Insuficiência hepática •Má nutrição Angioedema Pressão oncótica plasmática Permeabilidade capilar Pressão hidrostática capilar •Obstrução venosa •Cirrose •Insuficiência cardíaca •Constrição •Doença renal crônica •Gravidez Pressão oncótica intersticial Esfíncter pré-capilar Pressão hidrostática capilar Veia Artéria Base Capilar Figura 36 – Múltiplas apresentações clínicas de quadros vasculares. Fonte: Traduzido e adaptado de Henderson, Tierney e Smetana (2012). • Categorias contrastantes: Talvez a forma mais útil de ser utilizado, porque já facilita a priorização de diagnósticos diferenciais. Exemplos incluem as oposi- ções: agudo versus crônico, generalizado versus localizado, unilateral versus bilateral, inflamatório versus mecânico, primário versus secundário,etc. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 156 Quadro 32 – Diagnóstico diferencial por categorias contrastantes. Monoartralgia ou Oligoartralgia Poliartralgia Inflamatório - Gota - Pseudogota - Artrite séptica - Artrite reativa - Artrite psoriásica - Espondilite anquilosante Agudo: - Febre reumática - Artrite gonocócica - Artrite viral - Artrite reativa Crônico: - Artrite reumatoide - Lúpus eritematoso sistêmico Não-inflamatório - Necrose avascular - Artrite tuberculosa -Osteoatrose - Anemia falciforme -Hemofilia - Leucemia Fonte: Elaborado pelos autores. No entanto, é frequente que, na tentativa de elencar hipóteses, poucas ou uma única hipótese é lembrada. Diante disso, inclusive, é comum a prática de tentar fazer de tudo para “encaixar” o paciente nessa hipótese, pois, se isso falhar, não existirão mais opções (como visto, isso é um viés). Contudo, para lidar com essa escassez de opções, podemos utilizar mnemônicos. Existem mnemônicos específicos e mnemônicos gerais. Como exemplo de mnemô- nico específico, temos o PALM-COEIN para as causas de sangramento uterino normal. PALM representa os termos “Pólipos”, “Adenomiose”, “Leiomioma” e “Malignidade e hiperplasia”, enquanto COEIN sinaliza “Coagulação”, “disfunção Ovariana”, “fator En- dometrial”, “Iatrogenia” e “causa Não especificada” (MUNRO et al., 2001). Dentre os mnemônicos gerais, o VINDICATE é um dos mais utilizados, cujos componentes são: “Vascular”, “Infeccioso”, “Neoplásico”, “Droga”, “Inflamatório”, “Congênito”, “Autoimu- ne”, “Trauma” e “Endócrino/Metabólico”. Priorização de diagnóstico Com isso, teremos, então, algumas hipóteses explicativas para cada problema de- tectado. Mas com qual dessas hipóteses devemos trabalhar? Qual delas é a hipóte- se certeira? 157 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Uma das maneiras mais simples de pensar sobre isso é considerar que todas as hi- póteses são, a priori, igualmente possíveis e considerar que a presença ou ausência de qualquer sinal remete definitivamente para a presença ou ausência de uma doença. Por exemplo, veja a tabela a seguir. A comparação entre a representação problemá- tica do paciente e o quadro típico das hipóteses foi assinalada quando houve uma coincidência. Assim, nessa lógica, quanto mais coincidências, mais certo é possível estar dessa hipótese. Quadro 33 – Hipóteses diagnósticas a partir de dados elementares. Hipóteses Dados elementares Representação do problema do paciente Dor de garganta Aguda Com placa Linfadenomegalia Faringite estreptocócica X X X X Faringite viral X X Fonte: Elaborado pelos autores. Mas, na verdade, os problemas clínicos são mais complexos. A lógica de um pensa- mento determinista, sim ou não, tudo ou nada, é incapaz de captar a real natureza dos problemas clínicos. Nem sempre as doenças terão manifestações clássicas como as descritas nos livros e também a maioria dos sinais não são patognomônicos das doenças (atribuíveis apenas a uma doença). HD 2 HD 1 mc 1 mc 3 HD = Hipótese diagnóstica mc= manifestação clínica mc 2 Figura 37 – Sobreposição de múltiplos diagnósticos diferenciais para quadros clínicos semelhantes. Fonte: Réa Neto (1994). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 158 O que ocorre, na verdade, as doenças compartilham sinais em comum, com maior ou menor frequência. Isso é representado pelas áreas de interseções da figura an- terior. Veja que a manifestação 2 é mais frequente para a doença 1, mas ainda assim a manifestação 2 pode ocorrer, com menor frequência, na doença 2. Esta é somente uma das razões pelas quais a incerteza diagnóstica é uma constante. Dessa forma, para conseguirmos navegar com maior segurança em meio às incertezas, precisa- remos passar de uma abordagem determinística para uma abordagem probabilística. É isso que nos traz o pensamento bayesiano, que se baseia em probabilidades a priori (probabilidades incondicionais atribuídas a um evento na ausência de conhe- cimento ou informação que suporte sua ocorrência ou ausência) e em probabilida- des a posteriori (probabilidades condicionais de um evento dada alguma evidência). Nesse sentido, primeiramente as hipóteses não são igualmente prováveis porque suas probabilidades pré-testes (probabilidade a priori) são diferentes. A probabilidade pré-teste é um termo equivalente à prevalência da doença, mas a prevalência é um termo usado para populações e probabilidade pré-teste é um termo usado para indivíduos em determinada população. Dessa forma, a probabilidade pré-teste é a probabilidade basal ou inicial que tem um indivíduo que pertence a uma determinada população com uma prevalência para determinada doença (PARIKH et al., 2009). A título de exemplo, veja a tabela abaixo que estabelece a probabilidade pré-teste para a hipótese de cardiopatia isquêmica de acordo com a idade, sexo e sintomas. Quadro 34 - Probabilidade pré-teste para a hipótese de cardiopatia isquêmica de acordo com a idade, sexo e sintomas. Dor torácica não anginosa Angina atípica Angina típica Idade Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres 30-39 4 2 34 12 76 26 40-49 13 3 51 22 87 55 50-59 20 7 65 31 93 73 60-69 27 14 72 51 94 86 Probabilidade pré-teste de cardiopatia isquêmica em pacientes sintomáticos de acordo com ida- de e sexo. Cada valor representa o percentual com doença coronariana significativa no cateteris- mo. Fonte: Traduzido e adaptado de Gibbons et al. (2003), Pryor et al. (1993), Weiner et al. (1979). 159 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Outra fonte de probabilidades pré-teste são as regras de predição clínica, as quais quantificam achados para predizer, com base em regressão logística, qual probabi- lidade uma hipótese tem, antes mesmo de outros exames. Um exemplo dessas regras é o famoso escore de Wells para Trombose Venosa Profunda (TVP). Caso esses recursos não estejam disponíveis, o uso da impressão clínica geral, por mais impreciso e influenciável que seja, é uma alternativa bem razoável. De acordo com estudos, clínicos experientes em geral têm boa capacidade de fazer essa predi- ção (SANDERS; DOUST; GLASZIOU, 2015). Dessa forma, de posse da probabilidade pré-teste ou de uma estimativa dela, os achados de qualquer sinal, seja à anamnese, ao exame físico ou aos exames com- plementares, vão sendo agregados, modificando a probabilidade pré-teste, afastan- do ou aproximando as hipóteses. Para compreender melhor, você pode entender que cada pergunta na anamnese ou cada manobra no exame físico, assim como cada solicitação de exame complementar, é um teste de hipóteses. Queixa Probabilidade a priori Probabilidade pós-história Dados advindos da anamnese Dados advindos do exame físico Dados advindos dos exames complementares Probabilidade pós-exame físico Probabilidade pós-exame com. Diagnóstico acurado Figura 38 – Probabilidades de diagnóstico após cada etapa da consulta. Fonte: Traduzido e adaptado de Summerton (2008). Um teste perfeito seria sempre positivo em pacientes com a doença e sempre nega- tivo em pacientes sem a doença – é isso que é possível entender quando se faz uma somatória simplificadora. Mas ocorre que infelizmente não existem testes perfeitos. Alguns pacientes com a doença terão testes negativos (falso-negativos) e alguns pa- cientes sem a doença terão testes positivos (falso-positivos). A relação entre os achados clínicos e a existência de uma dada doença são demons- trados em estudos de acurácia e podem ser expressos em uma tabela 2 x 2 como a apresentada na unidade de Prática em Saúde Baseada em Evidências. É a partir desse entendimento que os conceitos de sensibilidade e especificidade, valor preditivo po- sitivo e negativo e razão de probabilidades positiva e negativa são derivados. Para o raciocínio clínico, portanto, é importante se definir (ou ao menos se estimar mais ou menos precisamente) as probabilidades pré-teste e aplicar as razões de probabili-dade, podendo ou não utilizar para isso o nomograma de Fagan. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 160 Tomada de decisão Em todo caso, ainda resta uma pergunta: até quando temos de adicionar evidência? Qual é a mínima certeza que devemos ter para tomar uma conduta? Para responder a essa pergunta, precisaremos introduzir o modelo de limiares (DONNER-BANZHO- FF, 2018). Tempo Pr ob ab ili da de d e do en ça Teste 1 Teste 2 Teste 3 Teste 4 Limiar de diagnóstico Limiar terapêutico Figura 39 – Modelo dos limiares diagnóstico e terapêutico. Fonte: Traduzido e adaptado de Donner-Banzhoff (2018). Segundo esse modelo, existem dois limiares importantes a serem considerados no processo diagnósticos das decisões clínicas: - Limiar de teste (ou limiar de diagnóstico) é o ponto de probabilidade da doença a partir do qual a aplicação do teste, por mais risco que envolva, deveria ser feita para garantir maior nível de certeza, dado que a instituição do tratamen- to, sem tal certeza, seria temerária. - Limiar de tratamento é o ponto de probabilidade da doença a partir do qual o tratamento, ainda que não se tenha o diagnóstico de certeza, pode ser estabe- lecido como prova terapêutica, pela preponderância dos benefícios sobre os riscos, dado que também a conduta não mais mudará se houver uma confir- mação de um teste. Perceba que, abaixo do limiar de teste ou acima do limiar de tratamento, o teste não contribui para decisão e não deve ser realizado. Mas, acima do limiar de teste e abaixo do limiar de tratamento, o tratamento deve aguardar mais informações diagnósti- cas provindas de mais testes. Isso é muito interessante porque demonstra quando e porque um exame ou uma prova terapêutica devem ser usados como elemento dentro do processo de raciocínio clínico. 161 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Confira alguns outros conceitos importantes sobre o tema: - Benefício líquido do tratamento é a diferença na utilidade, para pacientes co- nhecidamente doentes, entre tratar e suspender inadequadamente a terapia. - Risco líquido de tratamento é a diferença na utilidade, para pacientes conhe- cidos por não ter a doença, entre a suspensão da terapia e tratá-los sem necessidade. - Risco líquido de teste é a diferença na utilidade entre alcançar um determi- nado resultado com e sem exposição do paciente aos riscos do teste. - Acurácia do teste é definida em termos da frequência dos resultados verda- deiro-positivos (VP) e falso-positivos (FP) e de resultados verdadeiro-negati- vos (VN) e falso-negativos (FN). Com esses termos definidos, podemos concluir que: - Quanto mais grave a doença, maior a propensão a tratá-la independente de resultado de teste. - Quanto mais arriscado o tratamento, mais certeza devo ter para instituí-lo. - Quanto maior a acurácia do teste, mais abrangente é sua utilidade diagnóstica. - Mas, se o risco do teste é grande, a região para testar se estreita. 5.1.1 O PROCESSO DIAGNÓSTICO COMO UM TODO Disso tudo, é importante considerar que a medicina envolve “pensamento em ação” (o pensamento é inseparável da ação). Na verdade, os médicos começam a pensar em diagnósticos no exato instante em que se veem em frente a um paciente e suas ideias sobre o que está acontecendo com o paciente continuam a evoluir enquan- to examinam. LIMIAR PARA TESTAR = [(1 - especificidade) x (risco de tratar)] + risco de testar [(1 - especificidade) x (risco de tratar)] + (sensibilidade x benefício de tratar) LIMIAR PARA TRATAR = (especificidade x risco de tratar) + risco de testar (especificidade) x (risco de tratar) + [(1-sensibilidade) x (benefício de tratar)] Figura 40 – Cálculo dos limiares de teste e de tratamento. Fonte: Pauker e Kassirer (1980). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 162 Assim, a maioria dos médicos chega rapidamente a dois ou três diagnósticos. Mas, de todo modo, todos formulam suas hipóteses a partir de um conjunto de informações muito incompleto. E, para isso, em princípio, a heurística é inegavelmente fundamental, sobretudo quando um médico precisa trabalhar rápido ou quando seus recur- sos tecnológicos são limitados. Quanto mais expertise tem um médico, mais poderoso são os seus recursos heurísticos. Seus modelos são robustos e as associações dos dados mais frequentes. Dessa forma, estes experts acionam em sua prática diária seus scripts, va- lendo-se dos atalhos ou padrões. Fonte: Freepik.com Mas, conforme progride a consulta, o médico vai testando os protótipos que auto- maticamente vêm à sua mente, e gradualmente outros processos intelectuais menos automáticos vão surgindo, à medida que não fica satisfeito e não encontra uma “solução”. Então, nesse momento, o profissional lança mão de outras estratégias como é mos- trado na figura. Diagnósticos para descartar (restricted rule-outs) Refinamento por passos (stepwise reasoning) Raciocínio probabilístico (probabilistic reasoning) Encaixe do reconhecimento de padrão (pattern recognition fit) Regra de predição clínica (clinical prediction rule) Iniciação do diagnóstico ESTÁGIO ESTRATÉGIA Refinamento Definição do diagnóstico final Diagnóstico instantâneo (spot diagnosis) Autoclassificação (self labelling) Queixa inicial (presenting complaint) Reconhecimento de padrão inicial (pattern recognition trigger) Diagnóstico final conhecido (known diagnosis) Exames adicionais (further tests ordered) Prova terapêutica (test of treatment) Observação clínica (test of time) Sem categorização (no label applied) Figura 41 – Estágios e estratégias de raciocínio clínico. Fonte: Lotufo, Benseñor e Olmos (2019). 163 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Dessa forma, é possível perceber que o processo de raciocínio não é dado apenas por uma estratégia única, do início ao fim da consulta. Na verdade, o processo é com- posto por diversos momentos intelectuais significativos relacionados e se desenvol- ve a partir da interação entre eles (HENEGHAN et al., 2009). 5.2 COMO MÉDICOS DE FAMÍLIA E COMUNIDADE PENSAM? Todas as técnicas sobre as quais conversamos são aplicáveis a todas as especialida- des. Mas, no que se refere à atenção primária, que é o objeto do nosso interesse, existem certas peculiaridades que a tornam especial do ponto de vista do raciocínio clínico. 5.2.1 A DIFERENÇA DO AMBIENTE DA APS A atenção primária é teoricamente a porta de entrada do sistema de saúde. Isso sig- nifica que seu contexto epidemiológico é semelhante ao da própria comunidade e que, portanto, a prevalência das afecções em geral será bastante diferente de outros serviços. Vejamos o exemplo da dor torácica. Aproximadamente 30% dos pacientes com essa condição na APS apresentam com causa de base uma condição musculo- esquelética, enquanto no pronto-socorro esse percentual é inferior a 10%. Por outro lado, a proporção de doença cardiovascular grave na APS nessa mesma situação é de aproximadamente 15%, contra mais de 50% no serviço de emergência (KLINKMAN; STEVENS; GORENFLO, 1994). Diferentemente dos ambulatórios de especialidade ou das enfermarias de especia- lidade, as quais teoricamente atendem apenas casos específicos e diferenciados de suas áreas e, por isso,têm uma nosologia restrita, o público que pode chegar aos serviços de atenção primária pode ter toda a sorte de problemas de saúde. Isso sig- nifica que o campo amostral de possibilidades de problemas na atenção primária é enorme, virtualmente igual ao conjunto universo (todos os problemas de saúde). Espaço Amostral, ou Conjunto Universo Evento Figura 42 – Espaço amostral e eventos. Fonte: Elaborado pelos autores. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 164 Como primeiro ponto de contato, os pacientes chegam à APS com problemas que podem estar ainda na fase inicial da sua história natural da doença. Nessa fase, ge- ralmente as manifestações não são clássicas e típicas, como as descritas nos livros.Além disso, as doenças ainda não foram acessadas por outros médicos, de forma que o processo diagnóstico parte do zero, e não conta com uma organização prévia. C A B Desfecho Tempo Óbito Invalidez Limiar clínico Recuperação da saúde E D In te ns id ad e do p ro ce ss o Padrões de evolução das doenças. Em (a), doença aguda que leva ao óbito; em (b), doença aguda recuperável; em (c), uma doença oligossintomático que não evolui além dos pródromos; em (d), uma doença crônica que se complica e leva ao óbito; e em (e), uma doença crônica que leva à morbidade Figura 43 – Padrões de evolução de doenças a partir da atenção primária à saúde. Fonte: Elaborado pelos autores. Como refletimos anteriormente, a dificuldade em classificar os quadros clínicos na APS pode se dever à sua precocidade na história natural da doença. No entanto, existem situações que, apesar de persistentes, ainda não são explicáveis. O nome dado a essas condições medicamente inexplicáveis são sintomas físicos persisten- tes na ausência de doença identificável (HUBLEY; UEBELACKER; EATON, 2016). Na atenção primária, estudos relatam que cerca de uma em cada cinco consultas envolve sintomas persistentes que os médicos não conseguem explicar usando critérios padrões de diagnóstico (PEVELER; KILKENNY; KINMONTH, 1997). 165 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Existem várias tentativas de explicação para tais situações, mas todas concordam que o conceito de experiência de doença, abordado na primeira unidade deste módulo, tem um papel fundamental (HUBLEY; UEBELACKER; EATON, 2016). 5.2.2 A NECESSIDADE DE UMA ABORDAGEM DE RACIOCÍNIO CLÍNICO DIFERENTE Pelo exposto, vê-se então que o ambiente da APS encerra desafios diferentes para o raciocínio clínico. Apesar do fascínio que pode gerar o diagnóstico de doenças raras, com utilização de tecnologias duras, em outros níveis de atenção, o proces- so diagnóstico na atenção primária é tão valoroso quanto, pois significa uma alta capacidade de separar doenças graves, que não podem ser perdidas, em meio a um universo de problemas comuns, ambos compartilhando apresentações con- fundidoras e com forte componente psicossocial também confundidor. Para desempenhar essa difícil tarefa, será preciso, portanto, ver de um ângulo di- ferente do que frequentemente são ensinados os médicos, cuja formação é pre- dominantemente hospitalar. 10 8 6 4 2 0 In ci dê nc ia d e 3 an os (% ) Dor n o pe ito Fa di ga To ntu ra Dor d e c ab eç a Ed em a Dor n as co st as Fa lta d e a r In sô nia Dor a bd om in al Dem ên cia Causa orgânica Figura 44 – Frequência de sintomas sem explicação médica. Fonte: Traduzido e adaptado de Japp (2017). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 166 População Atenção primária Hospital Universitário Figura 45 – Paradigmas da Atenção Primária à Saúde e do Hospital Universitário. Fonte: Traduzido e adaptado de Gofin e Gonfin (2011). Segundo White, Williams e Greenberg (1961), com revisão por Green e colaborado- res (2001), estima-se que de cada 1.000 pessoas, em média, 80% da população em geral relatam sentir algum sintoma em um mês. Confira mais informações na figura abaixo. 1000 pessoas 800 reportam sintomas 327 consideram procurar cuidados médicos 217 visitam o consultório médico (113 visitam o consultório médico de atenção primária) 21 visitam o ambulatório do hospital 14 recebem tratamento de saúde domiciliar 13 visitam a emergência 8 estão hospitalizados <1 está hospitalizado em centros médicos acadêmicos 65 visitam um provedor de cuidados médicos complementar ou alternativo Figura 46 – Ecologia do cuidado médico revisitado. Fonte: Traduzido e adaptado de Green et al. (2001). 167 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Dessa forma, para a maioria dos médicos, seu aprendizado se deu pela observação de 1/1000 da ecologia dos pacientes, sobre o que Kloetzel (2004) comenta: ...o ensino médico ainda tem como estandarte o aprendizado em hospital- -escola, fiel ao mito de que as doenças raras, as patologias exóticas merecem inteira prioridade. As consequências não se fazem tardar: estudantes ou jovens médicos, familiarizados com o doente horizontal, mas geralmente estranhos ao paciente vertical, sentem-se perplexos, desambientados, im- potentes quando de seus primeiros contatos com o mundo novo do ambu- latório. Isso influi de forma decisiva em seu desempenho futuro, salvo es- forços especiais de parte dos educadores. Neste sentido, é importante lembrar também que o diagnóstico não é um fim em si mesmo. A conclusão de um diagnóstico etiológico definitivo muitas vezes não será possível para os pacientes que se apresentam na APS. No entanto, isso não constitui um de- mérito. Uma definição sindrômica, uma definição de gravidade ou mesmo a ausên- cia de qualquer definição não deixa de ser útil e muitas vezes suficiente para tomar uma conduta adequada de cuidado da pessoa, que é, na verdade, finalidade mais importante do que a conferência de um rótulo diagnóstico. Além disso, mais do que definir uma causa explicativa para o problema de saúde do paciente, os médicos de família e comunidade também se preocupam em definir outros diagnósticos, como sugere McWhinney, considerado pai dessa especialidade (MCWHINNEY, 1979). PISTAS HIPÓTESES Por que o paciente veio Tipo de comunicação Categoria da doença Qual é o problema Sentimentos do paciente sobre o problema Figura 47 – Variedade de diagnósticos feitos pelo médico de família e comunidade. Fonte: Traduzido e adaptado de McWhinney (1979). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 168 Como vimos, o processo de raciocínio clínico se inicia com a seleção e transdução de dados elementares. Na atenção especializada, muitos desses dados são obtidos por meio de tecnologia dura, ou seja, de exames complementares específicos e muitas vezes caros, o que pode dar a entender um valor maior. Na atenção primária, por outro lado, a proveniência dos dados é em sua maioria absoluta advinda da conversa com o paciente. É aí que o vínculo e a contextualiza- ção, que são tecnologias leves, são importantes particularmente para o raciocínio clínico. Ter acesso à história do paciente de forma genuína exige vínculo e saber interpretar essa história exige contextualização. Ainda assim, muitas vezes, as questões mais sensíveis da sua história podem não ser ditas claramente pelo paciente. Isso pode ocorrer também porque o próprio paciente ainda não elaborou essas questões. Devemos estar atentos a algumas pistas que indicam um problema oculto: - Bandeiras amarelas: sinais ou comportamentos que sinalizam ou indicam bar- reiras para a recuperação. - Absenteísmo de consultas. - Não aderência ou recusa ao tratamento. - Somatização. - Absenteísmo do trabalho. - Negligência pessoal. Por detrás dessas situações podem estar problemas como: conflitos familiares, medo de doenças específicas, bullying, problemas financeiros, problemas sexuais, problemas relacionados ao uso de drogas, etc. Lembre-se, por exemplo, de que os sinais de alerta orientam uma função de filtro. “Sinais de alerta” ou “bandeiras vermelhas” são sinais e sintomas que predizem com maior chance (razão de verossimilhança) uma associação com doenças potencialmente graves. Tais sinais devem ser pesquisados ativamente e, na sua presença, devem alertar o profissional quanto à necessidade de avançar a propedêutica, a fim de surpreender oportunamente uma doença de natureza grave. Nesse sentido, para cada sintoma queixado pelo paciente, existem associações de sinais que fazem esse corte de gravidade potencial. 169 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica É baseado nesses sinais que os médicos de família e comunidade devem exercer sua função de filtro, regulando a necessidade de encaminhamento dos pacientes para os níveis de atenção especializados. Com isso,a filtragem da atenção primá- ria significa um aumento da prevalência de determinada doença no consultório do especialista, aumentando a sua acurácia diagnóstica. É por isso que os créditos de um difícil diagnóstico feito na atenção secundária também pertencem aos profissionais da APS, porque foi um encaminhamento bem feito que possibilitou que testes diagnósticos mais específicos fossem mais asser- tivos pela maior prevalência gerada. População geral Prevalência câncer colorretal 0,1% 2,0% 36% Filtro pessoal Aumento de 20x Aumento de 18x População que procura o generalista Filtro da APS População Referenciada Figura 48 – Exemplo de prevalência das doenças na população geral, na população sob cuidado do generalista e na população referenciada para o cuidado especializado. Fonte: Gérvas e Fernandez (2006). Isso fica explícito na figura anterior com um típico exemplo dessa filtragem sequen- cial, em que a prevalência do câncer colorretal associado a sangramento retal passa de 1:1000 ou 0,1% na população geral para 20:1000 ou 2% na atenção primária e daí sobe, com o encaminhamento, para 360:1000 ou 36% no nível especializado (GÉRVAS; FERNÁNDEZ, 2005; GÉRVAS; FERNÁNDEZ, 2006). Por outro lado, na ausência de sinais de alerta, o médico de família e comunidade deve ponderar tal encaminhamento. Lembre-se, por exemplo, de que o tempo também pode ser um recurso diagnóstico. Uma vez tendo afastada alguma gravidade, em algumas situações podemos esperar que as condições evoluam em sua história natural, no que constitui a chamada demora permitida. Essa espera pode ser feita de duas formas: observando de longe, o que é chamado de watchfull waiting, ou observando de perto, com exames fre- quentes para surpreender a evolução da história natural, o que é chamado de active surveillance. Isso nada mais é do que usar do instrumento do tempo como recurso EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 170 Quadro 35 – Critérios das estratégias de watchfull waiting e active surveillance. Critério Watchful waiting Active survillance Objetivo Evitar tratamento Tratamento se necessário Processo Exames ocasionais Exames frequentes Timing de tratamento Mais demorado Menos demorado Fonte: Elaborado pelos autores. diagnóstico – e o tempo, com a longitudinalidade da atenção primária, é um recurso disponível. Por isso, a vigilância da demora permitida é mais uma peculiaridade do raciocínio clínico na APS. Nesse contexto, os exames devem ser racionalizados: como vimos, a utilidade de qualquer teste é determinada pelo contexto clínico, porque o valor preditivo é al- tamente influenciado pela prevalência. Em contextos de baixa prevalência, como é a APS, isso significa, a princípio, baixos valores preditivos positivos. Por esse motivo, o médico de família e comunidade deve considerar algumas per- guntas antes de solicitar um teste complementar: - Qual é o meu motivo para solicitar este teste? - O teste melhorará o atendimento ao paciente (ou em alguns casos, família ou parceiro)? - Esse é o teste ou a combinação correta de testes para a situação clínica? - Como o resultado do teste será interpretado? - Como o resultado do teste influenciará o gerenciamento do paciente? - Existem possíveis danos ao se fazer este teste? Do contrário, caso não tenha clareza das respostas para essas perguntas (respos- tas que inclusive podem e devem ser obtidas em compartilhamento de decisão, como ilustrado na segunda unidade deste módulo), poderá incorrer em achados incidentais, ou seja, descoberta de condições inativas ou variações da normalida- de que têm pouca ou nenhuma consequência a longo prazo para a saúde do paciente. 171 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quadro 36 - Probabilidade de uma pessoa saudável retornar um re- sultado anormal do teste bioquímico. Número de testes Probabilidade de pelo menos um teste anormal (%)* 1 5 6 26 12 46 20 64 100 99,4 *Supondo que cada resultado do teste seja independente Fonte: Traduzido e adaptado de Deyo (2002). No entanto, uma vez descobertos tais achados, pode ser difícil para o paciente entender e aceitar que o tratamento não é necessário, o que muitas vezes acaba desencadeando uma cascata de intervenções iatrogênicas, sobrediagnósticas e de sobretratamento, como discutido na quarta unidade deste módulo. É por isso que a prevenção quaternária é um princípio que deve perpassar por todas as condutas de investigação do médico de família e comunidade. Essa mesma lógica de parcimônia é aplicável igualmente à anamnese e ao exame físico, que, como vimos, devem ser considerados igualmente como testes. Em conjunto é o chamado exame clínico racional. O rastreamento, por exemplo, é diferente de diagnóstico precoce: uma diferenciação extremamente importante para a atenção primária é a diferença entre diagnóstico precoce e rastreamento, que é uma ação em geral feita ou que deveria ser feita no ambiente da APS. Diagnóstico precoce tem a ver com ações propedêuticas destinadas a identificar a doença em estágio inicial a partir de sintomas e/ou sinais clínicos precoces na história natural da doença. Por outro lado, rastreamento é a realização de testes ou exames diagnósticos em populações ou pessoas assintomáticas, com a finalidade de prevenção secundária, tendo como objetivo final reduzir a morbidade e mortalidade da doença, agravo ou risco rastreado. Ou seja, um diagnóstico precoce é feito no horizonte clínico da doença e o rastreamento é feito para surpreender a doença no seu estágio não clínico. Contudo, implementar ações de rastreamento significa submeter populações a exames que podem não ser úteis individualmente para cada pessoa. É o paradoxo da prevenção de Geofrey Rose (2010). Por isso, para a implantação de programas de rastreamento baseado em evidências, deve-se atender a critérios estritos, como os que foram descritos por Wilson e JUNGNER. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 172 ▶ 1. A doença deve representar um importante problema de saúde pública que seja relevante para a população, levando em consideração os conceitos de magnitude, transcendência e vulnerabilidade. ▶ 2. A história natural da doença ou do problema clínico deve ser bem conhecido. ▶ 3. Deve existir estágio pré-clínico (assintomático) bem definido durante o qual a doença possa ser diagnosticada. ▶ 4. O benefício da detecção e do tratamento precoce com o rastreamento deve ser maior do que se a condição fosse tratada no momento habitual de diagnóstico. ▶ 5. Os exames que detectam a condição clínica no estágio assintomático devem estar disponíveis, aceitáveis e confiáveis. ▶ 6. O custo do rastreamento e tratamento de uma condição clínica deve ser razoável e compatível com o orçamento destinado ao sistema de saúde como um todo. ▶ 7. O rastreamento deve ser um processo contínuo e sistemático. ▶ 8. A adesão ao programa deve ser voluntária e entendida como direito dos cidadãos e o participante deve receber orientação quanto ao significado, riscos e benefícios do rastreamento, bem como sobre as peculiaridades e rotinas do programa e dos procedimentos. PARA A IMPLANTAÇÃO DE PROGRAMAS DE RASTREAMENTO DEVE-SE ATENDER A CRITÉRIOS (WILSON E JUNGNER) Figura 49 – Critérios de Wilson e JUNGNER para implantação de programas de rastreamento. Fonte: Wilson e JUNGNER (1968). Por tudo isso, se vê que o raciocínio clínico na atenção primária é, na verdade, bastante complexo e bem diferente do raciocínio clínico feito em outros níveis de atenção. Em todo o caso, assim como para os outros níveis de atenção, é preciso que os médicos da atenção primária sejam clínicos de excelência. A ideia de uma atenção primária restrita, voltada apenas para ações de prevenção e promoção de saúde, em detrimento da resolutividade clínica, não é sustentável nem desejável, como alertam Gérvas e Fernandes (2006). 173 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica - Facilitaa assistência ao paciente, constituin- do-se em um meio de comunicação entre os diferentes profissionais da saúde. - É recurso indispensável para assegurar a con- tinuidade do atendimento. - Confere suporte para a área administrativa do serviço, em seus aspectos financeiros e legais. - É fonte de dados e conhecimentos, já que estudos retrospectivos realizados por meio de consulta a prontuários têm sido funda- mentais para o desenvolvimento da pesqui- sa médica (CONSELHO FEDERAL DE MEDICI- NA, 2009; STUMPF; FREITAS, 1997). Fonte: MARINHO, 2009b | Acervo Fundação Oswaldo Cruz Método de registro tradicional Um método tradicional que aprendemos para fazer as anotações médicas é denominado Registro Orientado por Dados (Source-Oriented Medical Records). Por esse método, convencionalmente utilizado, o médico coleta a história minuciosamente em cada consulta e a estrutura nos tópicos de queixa principal, história da doença atual, história patológica pregressa, história familiar e familial, história fisiológica, revisão de sistemas, além do exame físico descrito por órgãos e sistemas. Tais informações coletadas são dispostas em sequência cronológica de modo que os dados de mesma natureza (por exemplo, exames complementares) ficam em uma mesma seção, independentemente do problema a que estejam relacionados. Ao final, elabora-se uma lista de hipóteses diagnósticas e condutas, as quais também constituem seção em separado, sem relação com o problema a que se referem. Quando aplicado ao ambiente hospitalar, esse método de relato da história clínica é relativamente compatível, porque: 5.3 REGISTRO CLÍNICO NA APS Você agora já aprofundou conhecimentos sobre como médicos raciocinam e, mais especificamente, como os médicos de família e comunidade raciocinam. Mas não basta que esse pensamento cumpra função pontual e fugaz. É preciso, legal e eticamente, que o conteúdo da consulta esteja expresso de forma material como registro dentro do prontuário do paciente, que assim desempenha as seguintes funções: EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 174 Quadro 37 – Vantagens e desvantagens do modelo de Registro Orien- tado por Dados. Parâmetro de comparação Registro Orientado por Dados Vantagens Está em acordo com o hábito de registro dos médicos, de modo que não é necessária uma mudança de comportamen- to, que é difícil. É interessante para o trabalho individual de cada clínica es- pecialista em separado. Desvantagens Dificuldade de encontrar informação específica, pois da for- ma como está estruturada frequentemente torna-se neces- sário ler todo o registro. Possibilidade de induzir a repetição de condutas ou estudos diagnósticos, pois a forma como está estruturado dificulta o seguimento da evolução do cuidado. Dificuldade da coleta de dados decorrente da estrutura, o que a torna pouco útil para educação e investigação. Dificuldade para prestar cuidado preventivo à pessoa em vis- ta de ter foco diagnóstico dos motivos imediatos de consulta. Abordagem de cada profissional em separado, o que limita informação compartilhada e pode fragmentar o cuidado. Fonte: Adaptado de Hurst (1971). - o enfoque diagnóstico deve ser o mais preciso possível e a coleta de mais dados contribui para essa atribuição; - o cuidado é transversal e a disposição dos dados reflete preocupação maior com o momento pontual; - as necessidades em saúde são objetivas e coleta de dados reflete o binômio diagnóstico-conduta (STUMPF; FREITAS, 1997). Entretanto, mesmo para o ambiente hospitalar, esse estilo de registro apresenta deficiências, como as que são mostradas na tabela abaixo. 175 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Necessidade de um registro adequado para atenção primária Por outro lado, o ambiente da atenção primária é diferente e, por isso, o raciocínio clínico deve se guiar por outros princípios, como os que foram discutidos anteriormente. Como expressão desse raciocínio, o registro clínico consequentemente também deve ser estruturado de forma diferente. Para tanto, alguns conceitos são importantes, acompanhe. Motivo de consulta Quando as pessoas se consultam, elas têm um motivo para fazê-lo. Geralmente, a procura pelos serviços de saúde é desencadeada pela percepção de severidade, pela conveniência, por algum aconselhamento que recebem, suas crenças, o conhecimento acerca de alternativas e também pela capacidade de acesso. Influenciam esse processo fatores como idade, sexo, raça, educação, poder aquisitivo, ocupação, suporte social, personalidade, condição atual de saúde, experiências prévias no sistema de saúde, cultura e, por fim, normas sociais. É a motivação de consulta que irá guiar o prosseguimento desse encontro. Identificar o motivo de consulta, tanto do ponto de vista do paciente (agenda do paciente), quanto do ponto de vista do profissional (agenda do médico), é importante. Inclusive, em alguns momentos, será necessário priorizar qual motivo de consulta será abordado na presente consulta. Problema Na APS os pacientes chegam às consultas com problemas mais do que com doença diferenciada propriamente. Segundo Weed (1968), problema clínico é tudo aquilo que requeira um diagnóstico e manejo posterior, ou aquilo que interfira na qualidade de vida, de acordo com a percepção da própria pessoa. Isso significa que, para além de doenças, são expandidas as possibilidades para cobrir aspectos emocionais, comportamentais e sociais (WEED, 1968). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 176 Fonte: Adaptado de Cantale (2003, p. 7). Categoria Problema Diagnóstico/enfermidade Asma, diabetes Deficiência, incapacidade Paralisia cerebral, hemiparesia braquial direita Sintoma Dor torácica, náusea Sinal Medida da pressão arterial elevada Exame complementar anormal Glicemia de jejum alterada Alergia, efeito adverso de um fármaco Alergia a penicilina, tosse por inibidor da enzima de conversão da angiotensina (ECA) Intervenção cirúrgica Apendicectomia Síndrome Síndrome de Ménière, síndrome do túnel do carpo Efeitos de traumatismos Hematoma, fratura Fator de risco Risco ocupacional, polipose familial, sedentarismo, tabagismo Transtorno psicológico ou psiquiátrico Ansiedade, depressão, crise de pânico Alteração da dinâmica familiar, social ou laboral “Ninho vazio”, recém-nascido, desemprego, violência Quadro 38 – Exemplo de “lista de problemas” por categoria no Re- gistro Clínico Orientado por Problemas. 177 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Dessa forma, a denominação do problema fica consistente com o nível de conhecimento que se tem, até então, sobre ele. É possível anotar o problema com um nome genérico, em uma primeira consulta, mas que, em algum momento, pelo progresso do nível de conhecimento adquirido, sua rotulação conclui com uma denominação mais elaborada. Episódio de cuidado e encontro clínico Na APS, não é necessário que todas as ações sejam feitas em uma só consulta, nem apenas por um só profissional. Pelo contrário, são valores da atenção primária a longitudinalidade e a multiprofissionalidade. Para entendermos como a longitudi- nalidade opera favoravelmente, vejamos a imagem, que explica uma diferença im- portante entre episódio de cuidado e encontro clínico. Antes do primeiro encontro ENCONTRO ENCONTRO ENCONTRO 1° 2° 3° Motivo da consulta Fraqueza (A04) Resultado de exame laboratorial geral (A61) Resultado da ferritina sérica (B61) Anemia ferropriva (B80) Tratamento com sulfato ferroso (B50) Anemia inespecífica (B82) Ferritina sérica (B34) Fraqueza (A04) Exame de sangue (A34) Diagnóstico Intervenção Problema de saúde percebido Necessidade de cuidados sentida Figura 50 – Evolução dos problemas ao longo de uma sequência de encontros. Fonte: Adaptado de Okkes, Oskam e Lamberts (2005). EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 178 Episódio de cuidado é o período em que um problema de saúdeestá vigente. Pro- blemas de saúde agudos terão, naturalmente, vigência menor. Problemas crôni- cos, por outro lado, perduram por mais tempo, podendo permanecer durante a vida praticamente toda do paciente. Nos encontros clínicos, que são as consultas, os episódios de cuidado são aborda- dos pela motivação de consulta que geram. E, como a atenção primária é variável, em uma mesma consulta podem ser abordados vários motivos de consulta de vários episódios de cuidado. Isso significa que, na verdade, não se atende à pessoa com hipertensão arterial sis- têmica, como algumas programatizações insistem em fazer, mas atende-se à pessoa com o motivo de consulta que a hipertensão arterial sistêmica pode gerar, como a renovação de anti-hipertensivo, o retorno com exames de controle, a solicitação de retorno para reavaliar controle e assim por diante. Isso quer dizer que o episódio de cuidado de uma doença crônica como a hiper- tensão, em que terão de ser realizadas várias tarefas, será dividido em vários en- contros clínicos, cada um com sua motivação, dada pelo paciente, quando a demanda é dita externa ou espontânea, ou por nós, profissionais, quando a demanda é dita interna ou agendada. O registro orientado para problemas (ReSOAP) Uma estrutura que privilegie os problemas e a continuidade do cuidado é mais condizente para a finalidade do atendimento na APS. O registro médico orientado para problemas, conhecido como ReSOAP ou somente SOAP, criado por Lawran- ce Weed, atende melhor a esses requisitos (WEED, 1968). Notas de evolução Observações Prescrições Episódio Informação pediátrica Informação perinatal Episódio Problemas Evolução Redefinição Finalização Alergias Fatores de risco Contraindicações Antecedentes pessoais Antecedentes familiares Encontros Figura 51 – Episódio de cuidado e encontro clínico. Fonte: Elaborado pelos autores. 179 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Quadro 39 – Vantagens e desvantagens do modelo de Registro Orien- tado por Problemas. Parâmetro de comparação Registro Orientado por Problemas Vantagens Facilita o raciocínio clínico pois estrutura uma linha de raciocí- nio para cada problema em separado. Permite ter acesso ao raciocínio do médico que registrou de forma mais clara. Abandona a nomenclatura centrada no diagnóstico de doen- ças para permitir incluir problemas de todas naturezas. Não segmenta a história do paciente em partes que, no mo- delo tradicional, ficam apenas como apêndices desimportan- tes, como a história social. Permite maior agilidade na consulta, porque desmistifica o mito da consulta completa, dirigindo toda a consulta para o foco nos motivos de consulta, além de ser um registro mais topicalizado e, por isso, mais conciso. Facilita o compartilhamento de cuidado, porque coloca todos os prestadores lidando com os mesmo problemas sequen- cialmente. Desvantagens Redundância de dados, visto que uma parte da informação pode ser pertinente para vários problemas. As melhorias na continuidade do cuidado e na qualidade do cuidado, frequentemente relacionadas ao SOAP, são, na ver- dade, concretizadas apenas na associação com outros méri- tos, como um prontuário eletrônico construído em SOAP com campos organizadores para estruturar os dados. A etimologia do acrônimo S para subjetivo e O para objetivo mantém a dicotomia sintoma-sinal, porque ao nomear o que é trazido pelo paciente como subjetivo e o que é trazido pelo médico como objetivo pode minimizar, simbolicamente, a im- portância do primeiro e exagerar, simbolicamente, a certeza do segundo. A sugestão HOAP, com H para história e O para observações, pode contornar esse problema epistemológico. Fonte: Elaborado pelos autores. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 180 Como você pode ver, o registro médico orientado para problemas tem uma série de vantagens sobre a metodologia tradicional. Para a atenção primária, isso fica ainda mais evidente, já que o ReSOAP é especialmente benéfico para documentar doenças crônicas, que podem exigir vários métodos de tratamento e que devem ser ajustados ao longo do tempo, e também para casos complexos, que tem vários problemas conjugados. Para perceber essa potencialidade, veja o exemplo abaixo de um registro médico estruturado no formato SOAP. Quadro 40 – Exemplo de registro médico estruturado no modelo de Registro Orientado por Problemas. Partes do registro Descrição Exemplo Identificação Campo geral que segue como cabeçalho de cada evolução e inclui dados como: nome, data de nascimento, idade, sexo, estado civil, ocupação atu- al, etc. Nome: José Rodrigues Data de nascimento: 22/04/1974 Idade: 44 anos Logradouro: Rua Fernandes Tourinho, 22 Lista de problemas Um problema é um “fato clínico”, ou seja, uma des- crição do conteúdo dessa “preocupação” sob uma forma cujaveracidade o médico está convicto. A convicção do médico depende do seu grau de diferenciação, que vai des- de um sintoma, um sinal, uma síndrome, até um diagnóstico etiológico. Mas um problema não é uma hipótese de diagnóstico (“suspeitade...”), não é uma interrogação (“abuso de álcool?”) e não é uma nega- ção (“ausência de febre”). O interesse de não incluir- dúvidas, interrogações e negações na lista de pro- blemas é fomentar que o Lista de problema: - Problemas ativos: DM insulino- dependente tipo 2, tabagismo, alergia à dipirona - Problema inativos: Colecis- tite (Colecistectomia em 2012) (continua) 181 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Partes do registro Descrição Exemplo raciocínio clínico se centre nos dados seguros epositi- vos para avançar na inves- tigação e clarificação dos problemas. Sendo assim, é importante ter em mente que a lista deproblema é dinâmica. Pode haver mu- dança de ativo para pas- sivos e vice-versa. Podem surgir novos problemas, podem seresolver proble- mas ou podem agrupar-se problemas. Deve estar em locaisdedestaque no pron- tuário e visível em todas- consultas, a exemplo da Folha de Rosto. Subjetivo Nesse campo, devem ser registradas informações subjetivas proporcionadas pela pessoa em aten- dimento ou por seus acompanhantes, tanto as relatadas (ou seja, ditas espontaneamente), quan- to as referidas (ou seja, ditas como respostas a perguntas). Nesse sentido, são incluídas as seguintes informações: queixa atual; sentimentos, ideias, fun- cionalidade e expectativas das pessoas; história fami- liar relacionada à queixa; história social relacionada à queixa; história pregres- sa relacionada à queixa. Tais informações devem ser subdivididas para cada motivo de consulta, crian- do índices como S1, S2, S3, etc. S1: Comparece, com queixa de odinofagia acompanhada e febre não termometrada. Alega ter tomado analgési- cos comuns sem melhora. Alega tosse. Nega prostra- ção. Solicita antibiótico. S2: Controle de doenças crônicas. Traz resultado de exames de acompanhamen- to. Alega dificuldade de apli- cação de insulina. Mostra temor em relação a compli- cações da doença. Mantém tabagismo, 1 maço por dia. S3: Em tempo, revela que está desempregado há 3 meses e que isso tem “me- xido com seu orgulho, por não conseguir botar dinhei- ro em casa”. (continua) EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 182 Partes do registro Descrição Exemplo Os motivos de consulta podem ser gerados tanto pelo paciente (agenda do paciente), como pelo pro- fissional de saúde (agenda do profissional) Objetivo Nesse campo, devem ser registradas informações objetivas proporcionadas- pelo profissional. Nesse sentido, são incluídas as seguintes informações: ob- servações do profissional, achados do exame físico, exames complementares. Tais informações devem ser subdivididas para cada problema, criando índices O1, O2, O3, etc., que cor- respondem aos índices subjetivos. Entretanto, cada haja alguma redun- dância, em que um mesmo dado objetivose aplica a mais de uma queixa, é valido agrupar todos em apenas um objetivo O1: Tax 36,5. Oroscopia com placas amigdalianas. Pre- sença de linfadenomegalia cervical dolorosa. O2: Resultados de exames (10/11/2018): HBA1C 9,8%. PA 150/90 mmHg. Fagers- trom 7. O3: Rastreio de depressão negativo. Avaliação Nesse campo, devem ser registradas as conclusões momentâneas acerca de cada queixa que motivou a presente consulta. Nesse sentido, diferentemente da lista de problemas, esse campopermite a inclusão de hipótese de diagnóstico (“suspeita de...”), interro- gações (“abuso de álcool?”) e negações (“ausência de febre”). Isso ocorre porque é a partir da avaliação que, havendo convicção sufi- A1: Amigdalite Centor 3 A2: DM descontrolada. Me- dida de PA elevada (HAS?). Alta dependência de nicoti- na. A3: Paciente em situação de vulnerabilidade social? (continua) 183 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Fonte: Elaborado pelos autores. Partes do registro Descrição Exemplo ciente e importância rele- vante, evolui um problema para a lista de problemas. Mas, de novo, tais informa- ções devem ser subdividi- das para cada problema, criando índices A1, A2, A3, etc., que correspondem aos índices subjetivos. Plano Por último, nesse campo, devem ser registradas as condutas elencadas para cada avaliação feita. São incluídas as seguintes informações: as medidas terapêuticas, os exames solicitados e os encami- nhamentos realizados. Para lembrar todas essas dimensões de plano, im- portante dividir o plano em Plano Diagnóstico (propedêutica clínica ou complementar a ser rea- lizada), Plano Terapêutico (proposta de tratamento farmacológico e não farma- cológico) e Plano de Acom- panhamento (proposta de próximos passos a serem realizados). Também po- dem ser elencados Plano Educativos (proposta de educação em saúde para o paciente), assim como Pla- no de Estudo (proposta de educação continuada para o profissional). P1: Prescrevo Amoxicilina 500mg TID por 10 dias. Oriento sobre sinais de alarme. Confiro atestado em saúde. P2: Oriento sobre MEV. Encaminho para orientação para enfermagem para re- forço de orientações sobre uso da insulina. Solicito diário pressórico. Solicito rastreio de LOA. Programo avaliar nível de motivação para cessação de tabagismo em próxima consulta. P3: Acolho o paciente. Ofe- reço suporte da Assistente Social da UBS, para qual foi marcada avaliação. Em próxima consulta, verificar se paciente conversou com Assistente Social. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 184 E então, conseguiu perceber alguma diferença? Para que isso fique mais claro, a título de comparação, veja agora o mesmo caso clínico registrado de uma outra forma. Em sua leitura comparativa, procure perceber a relação e o paralelo entre as partes de ambos os registros. Quadro 41 – Comparação dos modelos de Registro Orientado por Dados e Registro Orientado por Problemas. Registro Orientado por Dados Registro Orientado por Problemas ID: Maria das Dores Rodrigues, 40 anos QP: Tosse HMA: Paciente hiperten- sa e diabética com queixa de tosse secretiva de início há 3 semanas, acompanhada de febre não termo- metrada. Nega perda ponderal. Nega contato com pacientes com diagnós- tico de TB. Traz exames solicitados para rastreio de LOA. Alega dificulda- de de adesão terapêutica. HP: Diabética e Hipertensa. Apen- dicite em 2013. Em uso de Insulina 20+0+10, Metformina 500mg BID, Enalapril 20mg BID HF: História familiar negativa para HAS, DM e Tuberculose. Irmã mais velha com diagnóstico de câncer aos 36 anos. HS: Reside em casa com relação mo- rador/cômodo maior que 1. Desem- pregada. ID: Maria das Dores Rodrigues, 40 anos LP: - Ativos: HAS, DM - Inativos: Apendicite (Apendicectomia em 2013), Ex-tabagista (40 maços-ano, cessou em 2010) - M: Insulina 20+0+10, Metformina 500mg BID, Enalapril 20mg BID S1: Queixa de tosse secretiva de início há 3 semanas, acompanhada de febre não termometrada. Preocupada com câncer de pulmão. S2: Controle de doenças crônicas. Traz resultado de exames de rastreio de LOA. Alega dificuldade de adesão tera- pêutica. S3: Relato de diagnóstico de câncer em irmã (Juceli) aos 36 anos. EF: - Antropometria: Peso 68. Altura 1,70. IMC 23,5. - Ectoscopia: Bom estado geral, anic- térica, acianótica, hidratada e hipoco- rada. O1: SRN sem RA. FR 18. Peso 68. Altura 1,70. IMC 23,5 O2: Resultado de exames (10/11/2018): HBA1C 9,2% // Cr 1,1 (TFG 76) // RAC (continua) 185 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Registro Orientado por Dados Registro Orientado por Problemas - ACV: RCR em 2T, sem sopros. PA 138x82. FC 87. SaO2 98. - AR: SRN sem RA. FR 18. - AGI: Abdome globoso, indolor à palpação, sem massas ou viscerome- galias. - AGU: Não realizado exame gineco- lógico. - SN: Não realizado exame neurológico. AE: - COONG: Nega otalgia, nega coriza, nega cefaleia, nega dor facial EC: Resultado de exames (10/11/2018): HBA1C 9,2% // Cr 1,1 (TFG 76) // RAC 102 // EAS com gli- cosúria // K 3,9 // Ácido úrico 5,6 102 // EAS com glicosúria // K 3,9 // Áci- do úrico 5,6. PA 138x82. FC 87. O3: Irmã não realizou teste de BRCA. HD: - Tosse crônica a esclarecer - DM descontrolada. - DRC II. - Risco aumentado para CA de mama? A1: Tosse crônica a esclarecer A2: DM descontrolada. DRC II. A3: Risco aumentado para CA de mama? CD: Solicito Radiografia de tórax e BAAR. Reforço orientação sobre MEV. Solicito diário glicêmico. Solicito re- latório sobre quadro da irmã. Pro- gramo avaliar risco e indicar início e periodicidade de rastreamento de CA de mama. P1: Solicito Radiografia de tórax e BAAR. Considerar carga tabágica. P2: Reforço orientação sobre MEV. Soli- cito diário glicêmico. P3: Solicito relatório sobre quadro da irmã. Programo avaliar risco e indicar início e periodicidade de rastreamento de CA de mama. Fonte: Elaborado pelos autores. 5.4 A CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE ATENÇÃO PRIMÁRIA (CIAP) Como existem peculiaridades da atenção primária no raciocínio clínico e conse- quente na sua impressão como registro clínico, é natural que haja também pecu- liaridades na codificação, como expressão sumária do registro. É o tema que acom- panharemos a seguir, confira. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 186 Necessidade de uma codificação adequado para a APS Tradicionalmente, o sistema de codificação dos problemas em saúde tem seguido a estrutura da Classificação Internacional das Doenças, o CID. Tal sistema centra-se no conceito da doença, em sua expressão máxima, etiológica. No entanto, como vimos, na atenção primária, muitos problemas não são redutíveis à doença. Em muitos encontros clínicos, trabalharemos com sintomas indiferenciados e também com condições não relacionadas à doença. Devido a essa incompatibilidade, neces- sário foi criar um sistema de classificação adequado à realidade da atenção primá- ria. Foi nesse sentido que a WONCA, Organização Mundial dos Médicos de Família, derivou, em 1987, a primeira versão da Classificação Internacional de Assistência Primária (CIAP), atualizada em 1993 em sua segunda versão (WONCA, 2009). Dessa forma, para além da codificação diag- nóstica, médico centrada, constante na CID, tor- na-se possível com o CIAP-2 a codificação do: 1. Motivo de consulta, não necessariamente um sintoma; 2. Avaliação diagnóstica, não necessariamente um diagnóstico etiológico; 3. Conduta tomada, não necessariamente uma conduta médica. Fonte: Freepik.com A CIAP tem uma estrutura biaxial, organizada em 17 capítulos e sete componen- tes. Os capítulos estão organizados por sistemas, enquanto os componentes, cada um representado por uma cor para maior facilidade de identificação no diaadia, se repetem em todos os capítulos, conforme o quadro abaixo. Existe inclusive um tesauro que faz uma correspondência de rubricasda CIAP com rubricas da CID. Confira, está disponível no seguinte link: https:// www.sbmfc.org.br/ciap-2/ Essa nova proposição de classificação, entretanto, não invalida a utilização da CID, que continua útil para dados de morbimortalidade. 187 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica PROCEDIMENTOS SINAIS/SINTOMAS INFECÇÕES NEOPLASIAS TRAUMATISMOS ANOMALIAS CONGÊNITAS OUTROS DIAGNÓSTICOS Componentes da CIAP-2 com suas respectivas cores de identificação. Fonte: WONCA (2009). Desse modo, todas as condições mais prevalentes no cenário da atenção primária ficam dispostas resumidamente em apenas duas folhas, o que é bastante útil para uma codificação eficiente. EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 188 Encerramento da unidade Chegamos ao final desta unidade! Ao longo dos estudos, foram discutidos vários tópicos que demonstram o quão importante é o raciocínio clínico para uma prática clínica de qualidade. Para além de raciocínio etiológico, médico-centrado, foram levantadas questões sobre como o raciocínio clínico relaciona-se com a prática centrada na pessoa e com a prática baseada em evidência. Sem semelhante criticidade, raciocinar como se faz no cenário hospitalar ou em um ambulatório de subespecialidades, será inefetivo, se o cenário é peculiar como é a atenção primária. Esperamos que você tenha se sensibilizado para continuar os seus estudos e prin- cipalmente praticar um raciocínio clínico e um registro em saúde cada vez mais de- senvolvido e eficiente! Desejamos muito sucesso a você! Até breve! 189 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Encerramento do módulo Parabéns! Você finalizou as atividades do “Ferramentas de Abordagem Clínica”! Durante importante parte do seu curso, discutimos desde habilidades de comuni- cação e Método Clínico Centrado na Pessoa, passando por Prática em Saúde Baseada em Evidências e Prevenção Quaternária, até chegarmos aos temas de Raciocínio Clínico e Registro em Saúde Orientado por Problemas (ReSOAP). Na apresentação deste módulo, dissemos que essas eram algumas das mais im- portantes ferramentas da Medicina de Família e Comunidade, que de algum modo indicam o próprio espírito da especialidade. Acreditamos que agora, após todos esses estudos, você compartilhe da mesma opinião e esteja apto a não só aplicar todos esses valiosos recursos para o cuidado clínico das pessoas, famílias e comu- nidades, mas também a reconhecer a interdependência entre esses temas para que sejam integralmente aplicados na prática. Ainda temos muitas novidades para você ao longo do seu curso! Vamos em frente e excelentes estudos! EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 190 Referências AAFP. Choosing Wisely. Imaging tests for lower-back pain: You probably don’t need an X-ray, CT scan, or MRI. AAFP, 2017. ABDALA, V. Acesso à informação de boa evidência em saúde - Portal Cochrane BVS. 2007. Disponível em: http://www.bvs.eportuguese.org/seminario/public/documents/ BVS_cochrane-161318.pdf. Acesso em: 21 fev. 2021. ALONZO, A. A. The experience of chronic illness and post-traumatic stress disorder: the consequences of cumulative adversity. SocSci Med, v. 50, n. 10, p. 1475-1484, 2000. BAILE, W. F. et al. SPIKES—a sixstep protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. The oncologist, v. 5, n. 4, p. 302-311, 2000. BALINT, MICHAEL. O médico, seu paciente e a doença. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2005. 291 p. BAR, M.; NETA, M.; LINZ, H. Very first impressions. Emotion, [S.L.], v. 6, n. 2, p. 269- 278, 2006. 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Mestre em Community Health For Developing Countries - London School Of Hygiene and Tropical Medicine (1990). Doutor em Medicina: Ciências Médicas pela Universidade Fe- deral do Rio Grande do Sul (1998). Exerceu a atividade de Pró-reitor de Pesquisa e Pós- -graduação da Ufcspa no período de Abril 2017 a Abril 2019, É bolsista de produtividade do CNPq. Atualmente é Assessor de Internacionalização e Professor Titular de Saúde Co- letiva da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Epidemiologia, atuando principalmente nos seguintes temas: epidemiologia de doenças crônicas, atenção primária à saúde, avalia- ção de serviço de saúde, medicina baseada em evidências e implementação de diretrizes clínicas. Realizou pós-doutorado no Grupo da Cochrane na Universidade de Oxford e na Norwegian Institute of Public Health, no período de Fevereiro a Julho de 2016, com bolsa do CNPq. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/2762761928704612 FÁBIO ARAUJO GOMES DE CASTRO Médico pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009-2015). Residência em Medicina de Família e Comunidade pelo Hospital Metropolitano Odilon Behrens (2016-2018). Espe- cialista em Preceptoria de Medicina de Família e Comunidade pelo Ministério da Saúde/ UNA-SUS UFCSPA (2016-2018). Preceptor do Programa de Residência de Medicina de Fa- mília e Comunidade do Hospital Odilon Behrens desde 10/2019 e da Universidade Fede- ral de Ouro Preto (UFOP) desde 03/2020. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/1035786233671974 GREGÓRIO VICTOR RODRIGUES Graduado em medicina pela UFMG. Médico de Família e Comunidade pelo Hospital Odi- lon Behrens-BH, Especializando em Gestão em Saúde pela FGV, Mestrando em Saúde Pública pela UFMG. Professor da graduação em Medicina da Uni-BH para as disciplinas de Prática em Saúde Baseada em Evidências e Habilidades Médicas. Professor convidado para graduação em medicina da UFMG para a Disciplina de Introdução à Atenção Primá- ria à Saúde. Membro do Núcleo Docente Estruturante da Santa Casa-BH. Coordenador 209 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica da Pós-Graduação em Saúde da Família pela Santa Casa-BH. Membro da Diretoria da Associação Mineira de MFC. COO e Co-Founder da Empresa Dexpertio Consultoria. Mem- bro do Centro de Inteligência Assistência do Projeto Eu Saúde. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/9682182211455556 LUARA BRANDÃO VIVEIROS Graduada em Medicina pela Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade no Hospital das Clíni- cas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC UFMG). Especialista em Preceptoria de Medicina de Família e Comunidade pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Atualmente preceptora do Programa de Residência Médica de Medicina de Família e Comunidade da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/2315766586720932 MÍRIAN SANTANA BARBOSA Graduada em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Promo- ção de Saúde e Prevenção de Violência pela Faculdade de Medicina da Universidade Fe- deral de Minas Gerais. Especialista em Medicina de Família e Comunidade pela Socieda- de Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Professora da Universidade Federal de Viçosa, UFV e supervisora do Programa Mais Médicos para o Brasil, do Ministério da Educação. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Medicina de Família e Comunidade, Medicina do Adolescente e Educação Médica. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/0676095902930453 NATHAN MENDES SOUZA Médico pela Universidade Federal de Minas Gerais (2002). Mestre em Educação Médica (Universidade Federal de Ouro Preto, 2014). Especialista em Economia e Gestão em Saúde pela Universidade Federal do Ceará (2006). Médico da Família e Comunidade (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, 2007). Diretor regional da Inspirali nima Educação e Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Colaborador do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde na Rede para Políticas Informadas por Evidências (EVIPNet Brasil). Revisor do British Medical Journal, Journal of Clinical Epidemiology, International Journal of Technology Assessment in Health Care, International Journal of Health Policy and Management, Interface, Arqui- vos de Ciências da Saúde, Ciência & Saúde Coletiva, Revista Brasileira de Medicina de Fa- mília e Comunidade, Revista Brasileira de Extensão Universitária e Clinics. Foi docente nos cursos de medicina da UFOP, Unifenas-BH, UFC e docente assistente no curso de Políticas EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica 210 e Sistemas de Saúde, assistente de pesquisa no Programa para Tomada de Decisões em Políticas de Saúde, na Unidade de Pesquisa em Informação em Saúde (McMaster) (2008- 2010) e no Departamento de Medicina de Família e Comunidade, Universidade de Toron- to (2010). Foi consultor técnico da Organização Mundial da Saúde (2007), colaborador da Unidade de Promoção a Pesquisa e ao Desenvolvimento da Organização Pan-America- na de Saúde, Washington-DC, EUA (2007-2008) e coordenador adjunto da Comissão de Acompanhamento e Monitoramento de Escolas Médicas, CAMEM (2019). Foi médico de família emSobral, Ceará (2002-2006). Áreas de interesse para pesquisa e docência: aten- ção primária a saúde e medicina de família e comunidade; educação médica, tradução de evidência científica para formulação de políticas e tomada de decisão em saúde. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/3667197759813675 211 EIXO 02 | MÓDULO 04 Ferramentas de Abordagem Clínica Programa Mais Médicos para o Brasil EIXO 2 | FERRAMENTAS DA MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE REALIZAÇÃO Ferramentas de abordagem clínica MÓDULO 04 2ª edição Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)