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Capitulo 4
Sexualidade, intimidade e afeição
ra canitulos anteriores abordamos a noção de impulso amoroso
primitivo - amor instintivo, indissociável da agressividade e da
destrutividade. Trata-se de um amor em que não se distingue o apetite
é da excitação, e cujo paradigma é a voracidade. O amor primitivo
rimpiedoso e cruel pelo qual o bebê ataca brutalmente a
é um amor impiedoso e
mãe, amando-a e d devorando-a. Na inter-relação com a mãe, vai se
desenvolver a sexualidade infantil, partindo da tensão instintual.
A instintualidade, conjuntamente com todas as funções corpóreas,
será elaborada imaginativamente pelo bebê, desenvolvendo-se as
mais variadas fantasias sexuais infantis. Winnicott considera que a
fantasia sexual total apresenta riqueza e variedade quase infinitas,
combinando aspectos que dizem respeito a excitação e satisfação
sexuais, com outros relacionados a destrutividadee agressividade
inerentes ao impulso erótico.
Entretanto, Winnicott teoriza também sobre as necessidades
emocionais do bebê e seus estados tranquilos, que se alternam
Com os estados excitados. Além do mais, nos primórdios da vida
psíquica os instintos não são necessariamente sentidos como internos
ou próprios, podendo ser vivenciados como estímulos ambientais, já que o bebê não possui uma mínima integração egoica nem um sentimento de si-mesmo. Nas suas palavras:
Deve-se ressaltar que ao me referir a satisfazer as necessidades
do lactente não estou me referindo à satisfação de instintos.
99
Na área que estou examinando os instintos não est¯o ainda
claramente definidos como internos ao lactente. Os instintos
podem ser tão externos como o tro¡r de um trOvão ou uma
pancada (Winnicott, 1965m, p. 129).
As necessidades do bebê não podem ser reduzidas às urgências instintivas sexuais, jå que se trata de imperiosas necessidades de cuidados incondicionais e contato afetivo com outro humano que, quando no s«o satisfeitas, provocam severos danos ao Se essas necessidades não forem atendidas, ou seja, se a máe fracassasse na sua funcão de bolk.
desenvolvimento emocional. Se
produzir-se-iam. as agonias impensáveis de não ser e não se relacionar com o mundo. Nesse sentido, na carta dirigida à psicanalista Lili E. Peller, enm 1966, Winnicott diz:
Em várias ocasiões, chamei a atenção para o fato de que os oradores estavarm se referindo à primeira infância como se o
início fosse uma questão de satisfação do instinto. [.] Em
meus textos mais recentes, noto que venho tentando enumerar
as angústias de tipo psicótico que agrupo ao redor da palavra
necessidade. Estas nada têm a ver com instintos. Têm a ver
com coisas tais comno desintegração, despersonalizaç�o, o
oposto do progresso no desenvolvimento emocional, isto �, 0
aniquilamento, o desmoronar para sempre, a falta de contato com
objetos "não eu", etc. (Winnicott, 1987b, carta de 15/04/1960,
p. 188-189).
Surgem várias interrogações: Qual é o papel l do impulso amoroso
primitivo na primeira inf�ncia, e por que Winnicott insiste em dizer
que, no início, não se trata apenas da satisfação instintiva? Qual éa
relação, além da alternância, entre os estados excitados e os e
estados
tranquilos do bebÇ? Em outros termos, qual é a relação entre a
instintualidade e outras experiências fundamentais nos
primórdios da
vida, como a experiência da mutualidade e o início dos
sentiment0s
afetuosos? Para responder estas questões, vamos
desenvoler,
100
primeiramente, a concepção winnicottiana sobre a vida instintiva e a
sexualidade infantil, abordando as noções de elementos masculinos
intimidade,
desenvolvendo o conceito de afeição � ou sentimentos e
femininos puros. Posteriormente vamos articular sexualidade e
fotuosos -e suas relaçoes com a sexualidade
1, Instintos sexuais. elaboração imaginativa e fantasia
Para o leitor pouco familiarizado com a obra winnicottiana, o
do tero "instinto", em Vez de pulsão", pode soar estranho
rkora ås vezes nas traduçoes de Sua obra para o português
encontremos o termo "pulsáo, Winnicott só utiliza 0s termos
instinct (instinto) e drive (imnpulso). Na realidade, Winnicott
nnnanha, como toda a escola inglesa, a versão de Strachey
do alemão para o inglês, que traduz Trieb e Instinkt, por um
inico termo: instinct, já que não existe, na língua inglesa, uma
palavra equivalente a pulsão. Isto não significa que Winnicott
esteia entendendo o instinto como um comportamento herdado,
com objetos e objetivos pré-fixados, próprio dos animais, ou que
tenha optado por utilizar o termo instinto" em vez de pulsão". Contudo, existem diferenças entre a vis�ão freudiana da pulsão e a visão winnicottiana do instinto, especialmnente no que diz respeito a0 trabalho psíquico que se origina a partir do impulso corporal. Abordaremos, assim, a concepção de Winnicott sobre os instintos sexuais, respeitando sua terminologia. Segundo o autor,
Instinto é o termo pelo qual se denominam poderosas forças biológicas que vêm e voltam na vida do bebê ou da criança, e que exigem ação. A excitação do instinto leva a criança, assim como qualquer animal, a preparar-se para a satisfação, quandoo mesmo alcança seu a seu estágio de máxima exigência. Se a satisfação encontrada no momento culminante da exigência, surge a reCompensa do prazer e também o alívio temporário do instinto (Winnicot, 1988, p. 57).
101
Winnicott não considera relevante classificar os instintos em
diferentes tipos, afirmando que �com o termo instintivo quer-se
significaro que Freud chamou sexual, isto é, o conjunto de excitações
locais e gerais que são um aspecto da vida animal; na experiência
destas há um período de preparação, um ato com um clímax, e um
pós-clímax" (Id., 1965h, p. 119). O autor considera que não h£ munite
diferença entre seres humanos e animais em relação à demando
instintiva, mas enfatiza que o "animal humano (ld., 1988, p,. 25)
diferentemente de outros animais, elabora imaginativamente
excitações instintivas e as funções corpóreas em geral, integranda
essas excitações e funções na pessoa total. Entretanto, Winnicott nos
adverte que nuncaé seguro transportar um argumento da psicologia
animal para o âmbito humano", visto que a "psicologia animal é
enganosa" (ld., ibid., p. 58. Itálico do autor).
As excitações instintivas sexuais podem ser locais ou gerais.
atingindo-se alguma espécie de clímax em qualquer região corporal.
embora geralmente ocorra em zonas corporais específicas - as zonas
erógenas -como boca, ânus, uretra ou órgãos genitais. O clímax pode
ser alcançado pela masturbação, mas também pela comida, urinação
ou evacuação excitadas, explosões de temperamento, etc. A excitação
instintiva, de acordo com os diferentes estágios do amadurecimento,
torna-se dominante em diferentes regiões corporais, e as fantasias
acompanham esses instintos dominantes. Assim, quando a excitação
se torna generalizada, abrangendo a totalidade do corpo intantil,
contribui para queo bebê se sinta um ser total.
A excitação instintiva, conjuntamente com todas as funções
corporeas - como mover-se, respirar, digerir, evacuar, he
repouso, etc - será elaborada imaginativamente. O que se
elabora
imaginativamente não é o corpo como máquina fisiológica,
mas o
corpo vivo e singular, com suas excitações e diversas Seigdk
que abrange não somente os impulsos instintivos como a loe
das funções corpóreas.
Que significa a expressão elaboração
imaginativa "?
Sabendo
que tudo0 que o bebê vivencia nos primórdios é, necessa
uma vivência corporal, a elaboração imaginativa será o trabalho
pelo qual o corpo os impulsos instintivos, as sensações, os movimentos, etc � será personalizado e integrado, adquirindo sentido. A elaboração imaginativa das funções corpóreas é a tarefa inicial da psique. Assim, falar de elaboração imaginativa é falar
de psique, coincidindo praticamente ambos os termos, ainda que
Winnicott se refira também à psique como resultado dessa elaboração
(cf.Loparic, 2000, p. 362).
Winnicott entende que a realidade psíquica é, no início, uma
elaboração da função corpórea, que permite estabelecer a unidade
psicossomática, integrando psiquicamente o corpo. O autor afirma:
a psique começa como uma elaboração imaginativa das funções
somáticas, tendo como sua tarefa mais importante a interligação
das experiências passadas com as potencialidades, a consciência
do momento presente e as expectativas para o futuro" (Winnicot,
1988, p. 37), existindo como condição, logicamente, um cérebro
em funcionamento. Desse modo, a realidade psíquica não pode
ser separada da realidade corpórea, constituindo uma unidade
psicossomática?9 - embora, como adverte Loparic, exista uma
"diferença operacional entre as funções corpóreas e as funções
psíquicas" (Loparic, 2000, p. 360. Itálico no original).
Cabe ressaltar que a elaboração imaginativa das funções
corpóreas, como todas as tarefas do bebê no curso do amadurecimento,
dcpende, para sua realização, de cuidados maternos suficientemente
bons. Alfredo Naffah Neto esclarece que o processo de elaboração
lImaginativa é realizado pela criatividade primária do bebê, embora
necessite ser sustentado pelos cuidados maternos", acrescentando
que "não cabe à mãe, nesse tal qual a concebe Bion, na atividade de reverie'" (Naffah Neto, 2011, p. 11. Itálico do autor). Assim, embora o bebê só elabore
nesse processo, o papel de intérprete principal,
29Loparic questiona at tradução brasileira de "psyche-soma" por "psicossoma", já que "esse lemo, sem o hífen, perde o poder de expressar o caráter propriamente relacional da 'existência Psicossomática', podendo inclusive induzir à conclusão errônea de que Winnicott esteja postulando aexistência de uma entidade sui generis, o 'psicossoma"" (Loparic, 2000, p. 360).
103
imaginativamente sustentado pelo holding materno, trata-se de uma tarefa própria do bebê, que consiste numa forma
rudimentar Entretanto, a elaboração imaginativa não se reduz a
uma
de imaginar, integrar e dar sentido às funções corpóreas.
elaboração das funções corpóreas, desenvolvendo tarefas
mais complexas ao longo do amadurecimento. Desse modo, a elaboração imaginativa vai desenvolver a
temporalização, e potencialidades futuras, correlacionando experiências passadas
construindo uma história pessoal, e vai desenvolver a organização egoica e o sentimento do si-mesmo, criando um mundo interno e um externo, etc. Em suma, a elaboraçao imaginativa correspon4
vida, podendo também incluir,
s psiquicas
às tarefas psíquicas desenvolvidas em diferentes momentos da entre elas, as sofisticadas operações intelectuais30
um trabalho de dação de sentido (Loparic, 2000, p. 370), embora
Loparic entende que a elaboração imaginativa �!fundamentalmente esse sentido não remeta às operações mentais de
representação ou verbalização. Nas suas palavras: �Mesmo sem se inscrever na dimensão representacional ou simbólica da natureza humana, a elaboração imaginativa originária é essencialmente relacionada an sentido (loc. cit.).
Winnicott expressa isto numa nota de esclarecimento sobre a palavra "fantasia", utilizada no texto como sinônimo de elaboracão imaginativa:
Ocorre-me que possa estar usando a palavra fantasia" de uma maneira que não é familiar a alguns de vocês. Não estou falando sobre o fantasiar, ou sobre a fantasia imaginada, mas sim pensando na totalidade da realidade psíquica ou pessoal da criança, certa parte dela consciente, mas a maior parte, inconsciente e, ainda, incluindo aquilo que não é verbalizado,
funcionamento da existência psicossomática: seu "ponto culminante" (Winnicott, 1988,
30 As operações do intelecto, que Winnicott chama de "mente", constituem um modo de
p. 44)� devendo o funcionamento da psique ser diferenciado do funcionamento da mente.
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de maneira estrutural, por ser primitivo e imaginado ou ouvido de
nrkximo das raízes quase fisiológicas das quais brota (Winnicott.
1989vl, p. 56).
no
O autor se
nem
imaginada, ou seja, que não remete a imagens ou representações
mentais, já que é muito próxima de suas raízes quase fisiológicas,
possuindo, contudo, algum: sentido. Como exemplo, podemos pensar
refere, assim, à fantasia que não é verbalizada
surgimento da gestualidade no bebê, quando os movimentos se
tornam gestos porque são dotados de sentido, sem que esse sentido
derive de imagens ou representações mentais (cf. Loparic, 2000,
p. 371).
Elaboração imaginativa e fantasia, contudo, não são sinônimos.
Embora muitas vezes utilize esses termos indistintamente, Winnicott
reserva a noção de fantasia para um momento posterior no processo
de amadurecimento. A fantasia �propriamente dita" surge quando a
criança é capaz de distinguir fato e fantasia, pressupondo, portanto, a
construção do mundo interno ea capacidade de usar objetos. Quando
o objeto subjetivo (a mãæ) é destruído e sobrevive, podendo ser
Usado, surge uma coisa nova, a fantasia, já que a criançaé capaz de
discriminar entre fato (sobrevivência do objeto) e fantasia (destruir
o Objeto). Conquista-se, assim, a capacidade para a fantasia" que,
Oo diz Winnicott, permite ao bebê encontrar um novo significado
Para a palavra amor" (Winnicott, 1969b, p. 20).
Desse modo, "a elaboração imaginativa do funcionamento
corporal organiza-se em fantasias'" (Id., 1988, p. 69), que tornam
0 mundo interno da criança "infinitamente rico" (Id., ibid., p.
103). Winnicott se refere tanto às fantasias como a uma forma
ter destruído o Corpo materno pelo ataque instintivo, no estágio de "imaginação" rudimentar, como, por exemplo, a fantasia de
do c concernimento, ou
31 Essa capacidade para a fantasia deve ser distinguida do que Winnicott denom inafantasying,
ou "devaneio", termo
quando alude a fantasias sexuais mais
Winnicott., 1971h). fenômeno patológico em que o indivíduo dissocia a fantasia do sonhar e do viver real (cf. que às vezes é traduzido por "fantasiar", e que corresponde a um
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complexas, como as que ocorrem no complexo de Édino
longo da vida.
instintivo, e existe tanto
como uma "fantasia quase fisica" (Id.. ibid., p. 69) - equivalente
à elaboração imaginativa próxima do funcionamento fisiológico -
quanto na forma das mais sofisticadas fantasias sexuais adultas. A
e
vida instintiva não pode ser separada da realidade psíqujca e ds
fantasias que lhe são inerentes, já que, desde o início da vida, ocorre
a atividade da elaboração imaginativa de todas as funções corpóreas
A fantasia é inseparável do impulso
Em suma, temos que os instintos - sexuais - são forcas
biológicas que vão e vêm na vida infantil, exigindo ação para atingir
a satisfação. A psique elabora imaginativamente todas as funções
corpóreas; instintivas, motoras e sensórias, o que pode ser entendido
como "dar sentido" ao corpo, integrando-o na totalidade da pessoa.
A noção winnicottiana de instinto difere da noção freudiana de
a como se concebe a relação entre
pulsão, devido, principalmente,
o corpo eo psiquismo. Para Freud, a pulsão, �conceito limite entre
o psíquico e o somático" (Freud, 1915/1988, p. 117), "está ligada
à noção de 'representante, pela qual ele entende uma espécie de
delegação enviada pelo somático ao psiquismo" (Laplanche, 1979,p.
508). Winnicott concebe essa inter-relação em termos da elaboração
imaginativa das funções corpóreas e da integração do psiquessoma,
e ao
o que coloca várias diferenças com a teoria freudiana. Por um lado,
elaborar imaginativamente não é representar, mas, como vimos, dar
Sentido; por outro, o que se elabora não são somente as excitaçóesS
sexuais, mas a totalidade das funções corpóreas; e, finalmente, a
elaboração imaginativa é um processo que não pode ser concebido
só do ponto de vista intrapsíquico, devendo ser entendido a partir
da inter-relação do bebê com o ambiente.
2. Sexualidade infantil e complexo de Edipo
A sexualidade genital adulta se desenvolve num longo
percurso
que temsuas raízes na sexualidade infantil, partindo das fases pré-
genitais e atingindo seu momento de máxima intensidade, em ternmos
106
tanto da excitação instintiva quanto das
edipica. Winnicott nos lembra a que "os estágios inicias jamais serão verdadeiramente
das fantasias, na triangulação abandonados, de modo que ao estudarmos um indivíduo de qualquer idade, poderemos encontrar todos os tipos de necessidades ambientais. das mais primitivas às mais tardias" (Winnicott, 1988, p. 179.
que essa ideia se aplica também ao desenvolvimento da sexualidade, e que as excitações e fantasias sexuais oriundas da primeira infäncia também não serão jamais verdadeiramente abandonadas, perpassando de
Itálico no original). Entendemos que
algum modo a sexualidade adulta.
Winnicott concorda, de uma forma geral, com as ideias freudianas sobre sexualidade infantil, mas concebe esse desenvolvimento no marco mais amplo do processo do amadurecimento. Assim, a sexualidade é parte do desenvolvimento emocional e se entrelaça com outros processos não menos essenciais, como a integração egoica, a constituição do si-mesmo, o brincar infantil, o desenvolvimento da capacidade de concernimento, entre outros. Abordaremos, brevemente, o amplo tema da sexualidade infantil, focando as contribuições pessoais winnicottianas. O desenvolvimento instintivo se apoia, numa primeira fase, no funcionamento alimentar. Baseado no aparelho responsável pela ingestão, desenvolve-se o potencial erótico oral, tanto em termos
da excitação quanto no sentido das fantasias próprias da oralidade.
Winnicott não concorda em dividir a fase oral em oral erótica e oral
Sadica, como propõe Abraham já que, na sua visão, a destrutividade
e a agressividade são inerentes ao impulso amoroso primitivo,
apresentando-se desde o início. Isto não significa, como vimos,
que exista ambivalência no momento inicial, já que, por um lado, a
agressividade e a destruição não se opõem ao impulso erótico, sendo
inerentes ao mesmo e, por outro. o bebê ainda não integrou, nesses
primórdios da vida psíquica, um eu que possa sentir ambivalencia.
bivalência não decore especialmente dos instintos envolvidos,
mas do amadurecimento egoico do bebê. O autor entende que seria
mais correto dizer que é o bebê-enão o instinto -que se transtorma,
107
passando de ser um bebê impiedoso para se tornar um bebê cana
de concernimento.
O erotismo oral se desenvolve em torno da orgia d.
amamentação" (Winnicott, 1957e, p. 56), estabelecendo-se
vínculo poderosamente intenso entre o bebëe sua mãe, que inclut
tanto "a excitação da expectativa, a experiência da atividade, durante
a amamentação, bem como a sensação de gratificaçao, com o repouSA
ou acalmia da tensão instintiva resultante da satistação" (Loc. cit)
Vimos, no capítulo dois, como o bebê ataca e devora a mãe com
voracidade, impulsionado pelo amor instintivo primitivo.
Toda a experiência da amamentação será elaborada
imaginativamente em termos de ataques implacáveis ao seio matermo
e, posteriormente, quando o bebê se apercebe de que o seio é parte
integrante da mãe, as fantasias serão fantasias agressivas de ter
atacado, devorado, esvaziado e destruído a própria mãe.
No contexto da sexualidade pré-genital, a analidade, segundo
Winnicott, não teria um �status equivalente àquele das fases oral
e genital" (Winnicott, 1988. p. 60), já que há tremendas variações
nos bebês, tanto nas diferentes formas de excitação erótica anal
quanto na diversidade de fantasias. A experiência anal, da mesma
forma que a uretral, consiste na ideia da excreção de alguma "coisa"
(loc. cit.), coisa que já esteve dentro do bebê, sendo precedida, e
relacionando-se, portanto, com a experiência de incorporação da
oralidade. Embora a oralidade anteceda o erotismo anal eo uretral,
estes últimos não decorrem naturalmente do desenvolvimento
instintivo, dependendo principalmente das experiências pessoais de
cada bebê na sua inter-relação com o ambiente. Nas fases pré-genitais
(erotismo oral, anal e uretral) não existem diferenças significativas
entre meninos e meninas.
Na fase fálica, em que se distinguem bebês de sexo masculino
e feminino, Winnicott observa as diferenças, no menino, enre a
fantasias fálicas e genitais. Na fase fálica, a sensibilização do pênis e
a ereção são os elementos fundamentais, e o desempenho infantil, que
Consiste na exibiç�o, é coerente com a fantasia fálica, Entretanto, Iha
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fase genital, o desempenho é frustrante e deficiente, já que o menino
tem que esperar até a puberdade para poder realizar a fantasia da
penetração e da união sexual com o objeto de amor. Assim, �o medo
da castração pelo genitor rival torna-se uma alternativa bem-vinda
para a angústia da impotência" (Winnicot, 1988, p. 62).
Nas meninas, a fase fålica consiste num �fenômeno negativo"
(ld., ibid., p. 59), desenvolvendo-se a inveja do pênis, que Winnicott
nomeia como o menino-dentro-da-menina" ou o macho dentro da
fêmea" (d., ibid., p. 62). A inveja do pênis, fase de curta duração, leva as meninas a buscar um pênis por procuração, encontrando uma
saída para essa inferioridade" na complementaridade dos sexos. As
meninas também poderiam usar todo seu corpo - ou suas bonecas
-como falo. Segundo Winnicott, nos meninos aconteceria também, na fase fálica, a correspondente inveja da fêmea.
O funcionamento genital feminino, embora a menina possa ter excitações genitais localizadas desde muito cedo, tende a
permanecer oculto e desconhecido. Nesse sentido, normalmente
as fantasias infantis femininas consistem em recolher, esconder
ou guardar em segredo. Segundo o autor, o jogo 'sabe guardar
um segredo? pertence tipicamente ao lado feminino da natureza
humana, assim como o lutar e o enfiar coisas em buracos pertencem
ao lado masculino (Id., ibid., p. 64). Desse modo, para entender
a sexualidade feminina é fundamental conhecer as fantasias das
meninas sobre o interior do próprio corpo e do corpo materno. No
estágio genital, as fantasias giram em torno dos atos masculinos e
femininos que só se tornarão possíveis na puberdade, como penetrar
e ser penetrado(a) e fecundar e ser fecundado(a). Winnicott afrma
O papel da bissexualidade, particularnmente no que se refere às
fantasias e às identificações, existindo sempre elementos masculinos
e femininos em ambos os sexos.
O autor enfatiza o peso, nas fantasias e no funcionamento da
Sexualidade feminina - bem mais do que na masculina - das raízes
Pre-genitais, existindo sempre uma menininha na categoria chamada
de "mulher", Assim, enguanto a sexualidade masculina centra-se
109
principalmente na excitação
integra mais intensamente excitações e fantasias pré-genitais, tendendo
aretornar
fälico-genital, a feminina
a momentos iniciais do amadurecimento.
Quando o desenvolvimento da sexualidade atinge o estágio "primeiro relacionamento triangular onde a criança é impulsionada
genital, no período entre os dois e os cinco anos, estabelece-se o
pelos instintos de natureza genital recém-surgidos" (Id., ibid., p. 67). No complexo de Edipo, cada um dos integrantes do triânguloé uma pessoa total, "consciente de si mesma e consciente da existência de outros" (Id., ibid., p. 56). Desse modo, Winnicott não concorda em conceber um complexo de Edip0 em etapas anteriores co
na perspectiva kleiniana, já que os pais não seriam percebidos pela criança como pessoas totais, não passando de objetos parcjais
Na fantasia edípica do menino, o alvo é a união sexual l entre filho e mãe, o que implica a morte do rival. Ocorre doloroso conflito pela ambivalência, já que o menino se percebe temendo e desejando a morte do pai que é, ao mesmo tempo, uma pessoa amada e confável Diz Winnicott: Na relação triangular entre pessoas, a criança é apanhada de surpresa pelo instinto e pelo amnor. Este amor envolve mudanças no corpo e na fantasia eé violeento" (Winnicott, 1988, p. 72). O amor instintivo edípico é violento porque é um amor que leva ao ódio,já que a criança atingiu a capacidade de odiar e de sentir ambivalência. Ela teme que a pessoa amada seja destruída: porém, essa pessoa amada e odiada é alguém capaz de se defender, de sobreviver a seu ódio infantil2 e de perdoar.
Quando existe estabilidade ambiental, e os pais toleram os violentos amores e ódios infantis, a criança pode suportar sua própria
32 Segundo Rodulfo, "se um menino chega verdadeiramente a odiar seu pai, temos que pensar numa perturbação severa" (2009, p. 139), comentando que a dualidade que consiste em amar a mae e, portanto, odiar o pai, não se sustenta. Na sua perspectiva, a psicanálise - especialmenie Melanie Klein- tendeu a simplificar a oposição amor-ódio como forças simétricas, derivando o od10 e a agressão da pulsão de mote, que se opõe ao Eros. Rodulfo propõe outra Tota de conceber a ambivalência, opondo o amor não só ao ódio, mas também ao desanot indiferença (cf. Rodulfo, 2009, p. 140). Entendemos que o ódio infantil no conflito edipico
deve ser pensado como um ódio passageiro. momentâneo gue. como nos advertia Balmt, au teria o mesmo status que o amor (cf. Balint, 1951).
110
ambivalência sem construir defesas excessivamente rígidas frente ds angústias edípicas", Assim, O menino pode perder, em parte, sua
cenacidade instintiva potencial e, ate certo ponto, deslocar seu obieto
de amor, substituindo a mãe por outras figuras do entorno, mais distantes do pai. Estabelecendo um "pacto homossexual com o pai" 1d. ibid., p. 73), o menino abre mào parcialmente de sua prÑpria
notência, que passa a ser expressao da potëncia do pai. Assim, $por
identificação com o pai ou com a ngura paterna, o menino obtém
uma potência por procuraçao e uma potència adiada, mas própria.
que poderá ser recuperada na puberdade" (loc. cit.).
A experiência instintiva edípica, com toda a intensidade dos
deseios ambivalentes, angústias, amores e ódios, encontra expressão nos sonhos e fantasias infantis. A solução desses violentos confl itos
decore da distinção entre realidade e fantasia. Por exemplo, ver
os pais juntos, na realidade, torna suportáveis as fantasias de
separação ou morte de um deles. Nesse sentido, a cena primária � pais sexualmente juntos - possibilita a fantasia de ocupar o lugar de um dos pais, mas só na fantasia, que se distingue dos fatos reais. Winnicott teoriza sobre o valor e o possível perigo da cena primária, já que ela constitui �a base da estabilidade do indivíduo (Winnicott, 1988, p. 77), mas se acontecer a visão real do intercurso dos pais, a cena pode se tornar traumática, pois entraria em choque com as necessidades emocionais da criança (de fantasiar essa cena, mas não de testemunhá-la).
Winnicott enfatiza a importância de os pais serem suficientemente amadurecidos para acompanhar o conflito edípico infantil sobrevivendo e perdoando - até que a criança, aos poucos, se torne
capaz de distinguir fatos e fantasia, tolerando a violência de suas próprias fantasias. Afirma Winnicott:
A solução para os problemas da ambivalência inerente surge através da elaboração imaginativa de todas as funções; sem a
negligenciar o rrecalque como principal defesa na resolução do Edipo.
33 Winnicott aborda outras defesas que se desenvolvem ao longo do conflito edípico, sem
111
fantasia, as expressões de apetite, sexualidade e ódio em sua forna bruta seriam a regra. A fantasia prova, desse modo e
a característica do humano, a matéria-prima da socializaç�o, e da própria civilização (Id., ibid., p. 78).
Assim. Winnicott ressalta o valor da fantasia, inseparável d
impulso instintivo e aspecto essencial da civilização. Le Lembrando que as fantasias dos primórdios jamais são completamente abandonadas
que
A fantasia sexual total, consciente e inconsciente, tem varjedade
quase infinita e importância vital. E conveniente compreender. entre outras coisas, o sentido de concernimento ou culpa aue
advém dos elementos destrutivos (muitos deles inconscientes)
que acompanham a expressão fisica do impulso amoroso (1d.
1961b, p. 62).
Vemos, em suma, que a vida instintiva sexual se desenvolve no contexto da inter-relação da criança com seu ambiente., inseparável das fantasias que cada criança constrói, segundo a
experiência pessoal, e das identificações que acontecem desde o início da vida. A sexualidade infantil constitui um aspecto essencial no desenvolvimento emocional, mas, como diz Winnicott "os
momentos instintivos não s�ão tudo" (Id., 1957e, p. 57), já que a
criança deve conjugar a tremenda tarefa de integrar e elaborar seus
impulsos instintivos, mas também se relacionar com a m·e nos
momentos calmos, desenvolvendo e integrando outras capacidades. Assim, a sexualidade deve ser concebida como parte da teoria do
amadurecimento, em relação a outros processOs de fundamental importância. Nesse sentido, pensamos que as tormulaçvo winnicottianas sobre elementos masculinos e femininos, no le da teoria da sexualidade, contribuem para situar melhor o papel d
instintualidade nos primórdios da vida.
112
Winnicott se refere à riqueza e multiplicidade das fantasias
integram o impulso erótico adulto:
3.
Elementos masculino e feminino puros noção psicanalítica da �bissexualidade", Winnicott
Partindo da
considera que existem, tanto em homens como em mulheres, elementos masculinos
Winnicott utiliza as denominações "elemento feminino puro e elemento masculino puro", já que embora esses elementos se apresentem misturados, poderiam se dissociar, sendo necessário, para efeitos da descrição teórica, apresentá-los de forma "pura" ou �destilada" (Winnicott, 1971g.
teórica sobre a masculinidade e a feminilidade, no seio da teoria da
p. 113). O que se apresenta, inicialmente, como uma reflexão
sexualidade, acaba se tornando uma formulação sobre a criatividade
e femininos.
mum a ambos oS seXOS e sobre o confiito básico da existéncia
humana entre O ser e o fazer34
Winnicott aborda os elementos masculino e feminino puros
contrastados no marco do relacionamento objetal. Segundo ele. *o
estudo do elemento feminino, puro, destilado e não contaminado.
nos conduz ao SER, e constitui a única base para a autodescoberta
e para o sentimento de existir" (d., ibid., p. 117. Maiúsculas do
autor). O elemento feminino puro corresponde à identificação
primária, em que o bebê "e o seio da m«æ, o que precede o "estar
em-união-com" (1d., ibid., p. 114), já que o bebê e o objeto são um.
O elemento feminino puro, "ser o seio", estabelece o que talvez
seja a mais simples de todas as experiências: a experiência de ser.
Winnicott insiste em afirmar "que a relação de objeto em termos
desse elemento feminino påro nada tem a ver com o impulso (ou
instinto)" (Id., ibid., p. 117. Itálico do autor).
O elemento masculino puro desenvolve um relacionamento de
ogeto, ativo ou passivo, respaldado no impulso instintivo. Afima
34 Embora inicijalmente essas categorias estejam mais prÓx imas da identidade sexual,
posteriormente Winnicott desenvolve novos sentidos para esses termos, heterogencos a
sexualidade. Nesse sentido, as denominações "elementos fenminino e masculino pur0s` dcabam
resultando, a noSsO ver, um tanto arbitrários. Sobre isso o próprio Winnicott comenta "Nào
posso evitá-lo, mas Cxatamente neste estágio pareço ter abandonado a escada (elenentos
masculinos e femininos) pela qual subi até o lugar onde experienciei esta
visåo(WinnicoU.
1972c, p. 150).
113
Winnicott: "O elemento masculino faz, ao passo que o elemento feminino (em homens e mulheres) é" (ld., ibid., p. 115. Itálico do
autor). A psicanálise, comenta, teorizou sobre o aspecto impulsivo
a experiência inicial de ser do bebê. A relação de objeto baseada
da relação de objeto, sobre o elemento masculino, negligenciando
no elemento masculino pressupõe certa separação do objeto, tendo como condição unma o bebê
minima oganização egoica, podendo o behè
experienciar satisfações instintivas ou frustrações.
A relação de objeto baseada no elemento feminino, que nãoé 1ma identidade,permite ao beb�a
Á
propriamente uma relação, mas uma
experiência de ser, base do futuro sentimento do si-mesmo. Essa identificação primária será fonte de posteriores identificações projetivas e introjetivas, que permitirão à criança relacionar-se cn
o mundo. O fracasso na busca de satisfações instintivas provoca frustrações, mas não cabe falar de frustração em relação ao elemento feminino puro. O fracasso da mãe na sua função de oferecer um seio que e, para que o bebê possa também ser re constituir uma identidade incipiente, provoca um dano mais severo: a mutilação do ser (cf
Winnicott, 197lg).
Para queo fazer tenha sentido para o indivídu0, é necessário que, antes do fazer, se experiencie o ser. Winnicott diz: �ApÓs ser fazer e deixar-se fazer. Mas ser, antes de tudo (Winnicott, 197lg, p. 120). Embora Winnicott enfatize a ordem cronológica do ser e do fazer, entendemos que se trata fundamentalmente de uma ordem lógica: o fazer, para que seja significativo e enriquecedor, deve estar ancorado na experiência do ser.
A criatividade requer uma adequada integração dos elementos femininos e masculinos, já que para que o fazer seja criativo e
pessoal, deve partir do ser, e estar misturado ao ser. Isto remete is categorias de verdadeiro e falso si-mesmo, porque o fazer, sSelt s Constitui um fazer adaptativo, impessoal e estranho ao si-mesiu Dando noVo sentido ao confronto entre Os elementos femininos e
masculinos puros, Winnicott entende que a questão do ser e do fazer
remete para um �dilema básico no relacionamento" (ld., 1972c, p.
114
150), que consiste no conflito o objeto. Diz Winnicott: "No arcabouço deste conceito, que lida com um problema humano universal, pode-se ver que bebê=seio é uma
encontro do bebÇe do seio envolve o fazer" (Loc. cit.). Entendemos
questão de ser, n�o de fazer, enquanto, em termos de confrontação, o
que esse dilema leva a pensar num salto na continuidade existencial,
entre ser o objetoe confrontar-se com
já que O bebe terá que passar de ser o seio para se confrontar a eies de estar relacionado a um obieto 100%% subietivo, a reconhecer sua objetividade e diferença. Assim, esse dilema sugere que a passagem entre ser igual, no estado fusional, e confrontar a diferença, no fazer, constituiria uma quebra traumáica na continuidade de ser. Retornando a nossa questão, vemos gue o fazer - apoiado nos instintos sexuais deve estar firmemente respaldado numa experiência de ser do bebê, para que o fazer possa ser criativo e permita o enriquecimento da experiência do si-mesmo. Desse modo, a experiência instintiva sexual deve ter como condição a identidade incipiente do bebê, para ser vivida de forma saudável.
Com base nas categorias de elementos feminino e masculino
puros, entendemos que a sexualidade não é o fundamento do início da
vida psíquica, já que os impulsos sexuais não se tornam experiências
pessoais do bebê se não tiverem como base uma experiência de ser
do lactente. Nesse sentido, Winnicott afirma que
nossos pacientes psicóticos nos forçam a conceder atençào a
essa espécie de problema básico [sobre o que versa a vida).
Percebemos agora que não é a satisfação instintual que faz um
bebë começar a ser, sentir que a vida é real, achar a vida digna
de ser vivida (Winnicot, 1967b, p. 137).
O trabalho desenvolvido durante anos com pacientes psicóticos
e borderline, que vivem à beira do colapso psiquico, oscilando entre à
Ser e não ser, levou Winnicott a 1 se perguntar sobre os fundamentos
da existência humana, sobre o que" versa a vida. Formulando
cruamente a questão "0 que é a vida?", ele responde: "Não preciso saber a resposta, é
mas podemos chegar a umn acordo: ela está mais
115
próxima do SER do que do sexo" (Id., 1971f, p. 18. Maiúsculas no
original).
4. Sexualidade e intimidade
Perguntamos, no início deste capítulo, qual era a relação entre
a vida instintiva sexual e outras experiências de fundamental
importância, como a intimidade que se desenvolve entre o bebê
e sua mãe. Quando Winnicott formula que o ser deve preceder e
Conter o fazer, que se apoia no impulso instintivo, o termo "ser
elemento feminino puro - remete à identificação primária do bebê
com a mãæ. Essa identificação primária, que possibilita a experiência
de ser do bebê, só pode acontecer no seio do contato inicial entre
o bebêea mãe.
No capítulo 1 abordamos esse contato íntimo do bebê e da
mãe nos primórdios, nomeada por Winnicott de experiência
da mutualidade. Como vimos, a mutualidade abrange tanto a
comunicação direta inicial entre mãe e bebê, que pode ser descrita
como sintonia dos corpos vivos, quanto uma forma de intimidade
mais sofisticada, quando se inicia a experiência compartilhada do
brincar.
A psicanálise freudiana só teoriza a relação do bebê com a mãe
objeto nos seus estados excitados, negligenciando a mãe-ambiente
e os estados tranquilos do bebê. Contudo, como diz Winnicott,
"Estas experiências excitadas são realizadas contra um fundo de
tranquilidade, no qual existe um outro tipo de relacionamento entre
o bebê e a mãe" (Winnicott, 1988, p. 122). Na vida do bebë os
estados excitados se alternam com os tranquilos, o que corresponde
às funções de mãe-objeto e mãe-ambiente. Entretanto, as funções
de mãe-objeto e mãe-ambiente, mais que se alternar, recobrem-se,
já que quando está em ação o impulso instintivo infantil, a mãe não
deixa de ser uma ambiência para o bebê. Winnicott diz que a m«e
ambiente é humana, e a mãe-objeto é uma coisa, embora também
seja a mãe ou parte dela (1965j, p. 166), o que aponta para a idea d
que a mãe-objeto - coisa para o bebê- é parte da m«e queé humana
116
e mãe-ambiente são duas mães do o holding. Mãe-objeto
e reata do bebê, mas da perspectiva da mãe, essa distinção
náo é tão
esquemática. A mãe pode se oferecer como objeto para
da ou comida pelo bebe, mas sua identificação com ele Jhe
permite continuar sustentando a situação global.
Da mesma forma, tampouco se alternamo ser e o fazer do bebê.
diz Winnicott, a experiência de ser e, especialmente, que, como diz
continuidade de ser, deve preceder e conter o fazer do bebê.
Assim, vemos que a psicanálise clássica, privilegiando o estudo das
infantil, desconsiderou os fenômenos que neuroses e da sexualidade
escapavam à lógica da sexualidade: a função da mãæ-ambiente, a
comunicação íntima mãe-bebê, os estados tranquilos do bebé, sua
experiência de ser: diferentes aspectos, estreitamente interligados,
de um mesmo fenômeno. Para fins deste trabalho, interessa-nos
especialmente o outro tipo de relacionamento" que existe entre o
bebê e a mãe: a experiência da mutualidade ou intimidade$,
A comunicação íntima é a trama mais importante que devem
entretecer mãe e bebê, fonte do sentimento do si-mesmo e condição
para que vida se torne reale significativa. A intimidade mãe
bebê deve banhar e impregnar o desenvolvimento da sexualidade
infantil, já que "a relação com a mãe reduzida ao sexuável das
partes de seu corpo (os objetos parciais') seria como um filme
pornográfico" (Rodulfo, 2008, p. 55), em que o prazer de órgão
ocorreria sem qualquer dimensão de alteridade e de subjetivação%,
A sexualidade infantil se desenvolve, desde o primeiro impulso
amoroso instintivo, "ambientada" na experiência da mutualidade
mãe-bebê, na reciprocidade dos corpos e na comunicação intima
35 Embora saibamos que Winnicott não se refere explicitamente à "experiência da intimidade tomamos aliberdade de utilizar indistintamente essa expressåo e "experiência da nmutualidade"
Acompanhamos, por um lado, o texto de Rodulfo (2008), muito inspirador para nosso estudo,
e que utiliza a expressão "experiência da intimidade" em vez de mutualidade. Por outro lado, entendemos que o termo "intimidade" or ser uma palavra da linguagenm comum, pode tornar mais compreensivel a descrição de certos fenômenos. 36 Na pornografia nào há subjetivacão nem outro. não há intinidade, simplesmente ha excitaçáo sexual das partes corporais,de forma crua e sem metáfora (ct. Rodulfo, 2003).
117
entre eles. Nesse sentido, Rodulfo entende que o abraço m·e.hekA
mais que paradigma de todo gozo sexual ulterior"» (ld., ibid., p.
64), seria paradigma da intimidade, em cujo seio "pode despontar
o erotismo* (Loc. cit.).
Sem intimidade com a mãe, a sexxualidade infantil se torma
patológica, podendo se manifestar, como exemplo, numa
masturbação compulsiva que, mais que prazer erógeno, revela
angústias intoleráveis; ou na total supressão de qualquer satisfação
que possa provir do manuseio do corpo (cf. Winnicott, 1947a, p. 178).
Segundo Ricardo Rodulfo, no célebre trabalho freudiano sobre a
sexualidade infantil, os *Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade"
o grande termo ausente é a intimidade (cf. Rodulfo, 2008, p. 57).
condição do espaço do brincar e de outros desenvolvimentos
essenciais na infåncia.
A experiência da mutualidade é construída, como vimos, a
partir dos cuidados maternos confiáveis e das intermináveis trocas
e brincadeiras entre mãe e bebé, Na mutualidade se constitui a
transicionalidade entre mãe e bebê, estabelecendo um �entre" a partir
do qual se desenvolve e enriquece o sentimento do si-mesmo e todo
o brincar criativo posterior.
Winnicott insiste em afirmar, reiteradas vezes, que tanto a
experiência da mutualidade quanto o brincar infantil, de uma tormd
geral, não provêm de uma raiz instintiva sexual. Vimos, no capitulo
anterior, como a excitação do brincar não significa excitação erótica.
O brincaré uma experiência 'não culminante" (Winnicot, 1967b. p.
137) que se satisfaz por saturação, encontrando seu limite no cansaço
ou pelo surgimento de uma nova brincadeira. De modo diverso, 0
37 Cabe esclarecer que as brincadeiras e a transicionalidade se
desenvolvem no seio da
"relação" mâe-bebê, mas nåo existem desde o início, no estado fusional
originário. Como
reciprocidade dos corpos vivos, quanto em termos das brincadeiras que se
desenvolvem
Vimos, Winnicott tanto se refere à mutualidade em temos
simplesmente da
intimidade e
desde as doze semanas de vida do bebê, ou antes. Contudo, como
mutualdade taz alusão å
cOmunicação íntimae significativa que se estabelece entre o bebê e a m«e,
entendennos que
essa comunicação é um processo contínuo que se inicia como nascimento,
sendo
irelevante
para fins deste estudo, delimitar com mais precisão essa passagem.
118
despertar instintivo é "culminante, já que tende a um climax, que
pode ser atingido, frustrado ou substituído por um �clímax espúrio" (Winnicott, 1947a, p. 177), como são as crises de fúria, os vômitos
Ou outras manifestaçoes psICOSSOm áticas.
Podulfo nos faz notar que nao existe uma relação simétrica entre
o brincare a sexualidade, já que enquanto o brincar se interrompe ou se estraga pela excitação sexual, a sexualidade, pelo contrário, é
enriauecida com o brincar (cf. Rodulfo, 2008, p. 61), A sexualidade
infantil -e também a adulta quando não tem o ingrediente da
intimidade, ou do lúdico, empobrece-se ou se degrada. Além do
mais, o prazer erógeno se torna muito limitado quando não é
banhado pela magia e riqueza do brincar.O brincar deve envolver
a sexualidade na infância para que as práticas sexuais infantis sejam
realmente "brincadeiras sexuais". Desse modo, a sexualidade pode
ser integrada como uma experiência pessoal da criança. Nesse
sentido, Winnicott diz que
Na verdade, as gratificações instintuais começam como
funções parciais e tormam-se seduções, a menos que estejam
baseadas numa capacidade bem estabelecida, na pessoa ou
individualmente, para a experiência total, e para a experiência
na área dos fenômenos transicionais. Eo eu (self) que tem de
preceder o uso do instinto pelo eu (sel); o cavaleiro deve dirigir
O cavalo, e não se deixar levar (Winnicott, 1967b, p. 137).
Vuando as gratificações sexuais não se integram como uma
experiência na área dos fenômenos transicionais, Ou seja, quando
não têmo caráter lúdico do transicional, tornam-se seduçoes, no
O de não provir dos impulsos pessoais, de serem alhelas ao
SI-mesmo. O si-mesmo (self) deve preceder os instintos, para que
eles possam ser
pessoal da criança. äpropriados, enriquecendo a realidade psíquica
desenvolve a se:
Em síntese, vemos que a intimidade é o contexto em que se
do bebê e sua mãe não se estabelece como resultado da satisfação sexualidade infantil. Para Winnicott, o contato íntimo
119
instintiva, mas, pelo contrário, é essa intimidade mãe-bebê o continente que possibilita uma gratificação instintiva enriquecedora o bebê. Assim, a intimidade não deriva da satisfação sexual. mas, inversamente, ,éo desenvolvimento da sexualidade que depende da intimidade. A intimidade éo ponto de partida e, se concordamos
para
-0 estado tranquilo certamente é o primário, merecendo um estudo
por direito próprio"` (Winnicott, 1988, p. 134).
) fundamental para o bebê, no momento inicial, reside na
qualidade da comunicação com a mãe, o que depende dos cuidados
sensíveis da própria mãe. Quando essa comunicação é significativa e se desenvolve uma experiência de intimidade, o bebê funda as
bases de sua existência, sentindo-se vivo e real. O essencial na
infancia, na perspectiva de Winnicott, não é o desenvolvimento da
sexualidade infantil, mas a questão do ser, do sentido da vida. Trata
se do sentido em sua dimensão mais radical, núcleo da existência
humana, que é ameaçado ou inexistente na loucura. Entendemos
que a noção de sentido se refere ao existir criativo, já que tem
sentido o que permite usufruir a existência, quando se desenvolve
a capacidade de dar valor e significado ao mundo, e de sentir que a
Vida vale a pena. Quando uma experiência é significativa, ou seya.
quando tem sentido, produz um tipo de prazer que, acompanhando
a sugestão de Rodulfo, denominamos "alegria",
essa sensação gozosa do prazer sexual. A intimidade, desse modo,
deriva da satisfação
comunicaçào constitui uma experiência prazerosa em si mesma, cujo prazer nào
para diterenciar
instintual, mas do destrute da com
significativa e da consciência deliciosa de estar vivo" (Winnicot.
1970a, p. 76). Assim, em referência à comunicação
íntima entre o
bebê e sua mãe, Winnicott se refere às "grandes
sensações de prazer
(2008, cap. 3).
à
38 Abordamos o tema da alegria no capitulo anterior como sensação
prazerosà
oriunda Jao
experiências do espaço potencial. A proposta de denominar "alegria' a cssa
torna de prazet.
para diferenciá-lo do prazer erógeno derivado da satistaçào
Instintual. é de R
Roduilo
120
com que ela é correlativa dos monmentos de tranquilidade do bebë
encontramos, nas palavras de Winnicott, a corroboração dessa ideia:
que participam do íntimo vínculo fisico e espiritual, que pode existir
entre a mãe e seu bebe (ld., 1945c, p. 33).
5. Solidão, afeição e sexualidade
No comeco do capitulo levantamos várias questões, propondo
Sns a relacionar, para respondë-las, sexualidade e afeição.
Perseguindo este objetivo, vamos abordar a noção de afeição, que
equivale a "sentimentos afetuosos" também pode ser entendida
Como "afetividade", estudando suas raízes para, posteriormente,
articular esses sentimentos com a sexualidade.
e
No ensaio A capacidade para estar só, de 1958 (1958g),
Winnicott desenvolve a ideia da solidão como uma capacidade a ser
alcançada -ou não �no desenvolvimento emocional, estabelecendo
várias articulações com a questão da afetividade que nos interessa.
Em vez de abordar a solidão como medo ou angústia, Winnicott
pensa sobre a capacidade de estar ou ser só (to be alone), enfatizando
a ideia de capacidade a ser conquistada, índice de saúde psíquica.
Essa conquista pressupõe um grau considerável de integração egoica
e da constituição do si-mesmo, já que o bebê precisa ter atingido
o estágio do "eu sou"39 para desenvolver a capacidade de estar só.
Essa capacidade é um paradoxo, já que se origina pela experiência
dobebê de estar só na presença da mãe, de confiar na sua presença
continua. Assim, a experiência da solidão resulta de uma sólida
Tusão com a mãæ. Desenvolve-se a capacidade de estar só, estando
acompanhado, porque a criança introjeta a presença confiável e
protetora da mãe (cf. Winnicott, 1958g).
Posteriormente a criança vai se confrontar com a cena primária,
quando: a capacidade para estar só se torna amadurecimento erótico;
390 estágio do eu sou corresponde ao momento em que o bebè alcança o estatuto de ser um eu unitário, capaz. de distinguir um dentro e um fora, quando já é capaz de usar objetos e ja iniciou as experièncias transicionais. . Se o bebê soubesse falar, diria eu sou", porque já tem
"eu sou" � condiç�o para que se inicie o estágio do concerninmento e | para que se desenvolva a
uma consciência incipiente do si-mesmo, ,e da m«e como alguém separado dele. O estatuto do
121
Capac1dade de estar só. O"eu sou", como todas as conquistas do amadurecimento, é precário, muitos avanços e recuos v·o acontecer até que se integre o eu unitário de forma consistente.
desenvolvimento da potência genital e tolerância da ambivalência. A
criança terá que lidar com os sentimentos de excitação e raiva de ser a
terceira pessoa numa relação triangular - na cena primária imaginada
ou percebida � consolidando-se a capacidade para estar só. Contudo,
embora essa capacidade só se estabeleça consistentemente após a
cena primária, suas bases encontram-se na experiência paradoxal
de o bebê ter ficado só na presença da mãe.
A presença materna que permite ao bebê desenvolver essa
capacidade é muito peculiar, já que se trata de estar �não estando
A m«e deve ter a sensibilidade de permitir ao bebê brincar, sem ser
convocada e sem interferir, estando, ao mesmo tempo, disponível.
Assim, ela deve ser capaz de brincar que está ausente, estando
presente (cf. Rodulfo, 2009, p. 197). Acriança pode, com o tempo,
prescindir da presença da figura materna e, estando só, por períodos
limitados, desfrutar de momentos de tranquilidade e não integração,
similares ao estado relaxado da vida adulta. A capacidade para estar
só permite ao indivíduo descobrir uma vida pessoal própria, podendo
relaxar e usufruir o sentimento do si-mesmo, na intimidade consigo
mesmo. A pessoa que não conquistou essa capacidade, porque não
experienciou a solidão acompanhada, a "solidão com", vive o estar
Só como *solidão sem", caindo no vazio afetivo ou procurando a
interação permanente com outros.
Winnicott aborda a solidão compartilhada do casal após o coito.
em que "cada parceiro está só e contente de estar só" (Winnicot,
1958g. p. 33). Trata-se de um tipo especial de solidão em que os
�OIs parceiros, de alguma forma, vinculam-se, sem se isolar. Sem
eSSa capacidade, os integrantes do casal n�o poderiam, após m
coto satisfatório, compartilhar suas solidões, num momento
relaxamento e intimidade.
A capacidade para desfrutar da solidão, na vida adulta, guarda
estreita relação com a capacidade para estabelecer contato afetivo.
A pess0a que tem capacidade de estar só carrega dentro de si a
experiência de uma sólida relação íntima, relação com alguém que
foi presente, mas soube se ausentar estando presente. Assim, a pessoa
122
que é capaz de estar só, não precisa, para sustentar um laço afetivo
duradouro, da interação ininterrupta com o outro, podendo realizar
o vai e vem do contatoe do retorno à solid�ão compartilhada. Winnicott entende que a base da capacidade de estar só radica
é no estado fusional mãe-bebê dos primórdios, que é descrita.,
ensaio, pela expressão "relacionamento com o ego" [ego
loto dnessl, traduzida também como "afinidade egoica" (cf. Abram.
2000, p. 249). Essa expressão, pouco feliz", será posteriormente
substituída pelo termo relação de objeto", precursora do "uso do
objeto", e descrita novamente, vários anos depois, considerando a
comunicação que se estabelece entre mãæ e bebê desde os primórdios,
pela noção de experiência de mutualidade.
nesse
A expressão "relacionamento com o ego" destaca um tipo de
contato ou relacionamento" entre mãe e bebê que não é excitado,
que não diz respeito ao id. Winnicott coloca a ênfase no campo
do ego, e não do id, porque está se referindo a desenvolvimentos
e conquistas que independem dos instintos. Cabe destacar que o
terno "id' não corresponde exatamente à categoria freudiana, sendo
utilizado para se referir, de forma genérica, aos instintos sexuais.
O termo "relacionamento com o ego` faz alusão ao processo
de integração egoica do bebê, que está em andamento, e que é
Sustentado pelo apoio egoico materno. A mãe, com seu holding.
funciona como ego auxiliar do bebë, compensando sua extrema
imaturidade egoica.
Como vimos anteriormente, Winnicott entende que os impulsos
instintivos do id só são significativos quando integrados e contidos
Pela organização egoica e pelo sentimento do si-mesmo. Dessa
forma, quando há um "relacionamento com o ego", os instintos
POaem fotalecer, em vez de perturbar, o imaturo e precario ego do
veDe (cf. VWinnicott. 1958o), Como nesse ensaio de 1958 ainda nào
40 A express�o é pouco feliz porque nåo existe verdadeiramente"relacionamento" entre beb�
e måe nos primórdios, já que o bebê não existe como ente separado da màe, e tanipouco possui
um ego que possa interagir com o ego materno. Assinm, não se trata de um relacionamento
entre egos, mas do apoio egoico da mãe à extrena imaturidade egoica do beb�.
tinha sido conceitualizado o si-mesmo, Winnicott só faz referência ao fortalecimento egoico, sen incluir. a dimensão do enriquecimento do si-mesmo que Ihe seria concomitante.
Enfatizando o contraste entre as duas modalidades de
relacionamentos entre bebe e mãe, o que é "ligado ao eooy
(ld.. ibid., p. 33) eo que está em conexão como id" (loc. cit.),
Winnicott compara a expressão *gostar" ((o be fond of), como
"sentimento caracteristico d0 ego" (lc. cit.), com o termo amar
((o love), que corresponderia a um "sentimento característico do
id (loc. cit.). Apesar da imprecisão dos termos, entendemos que
Winnicott está apontando para dois sentimentos" que devem ser
diferenciados: o sentimento de "gostar", que na expressão em
inglês não tem conotação sexual, e pode ser pensada como "gostar
de estar junto ou próximo, num contato humano não erótico" ou
*sentir afeição", e o sentimento de amar, instintivo, que se refere
ao desejo erótico.
Sugerindo outro desdobramento do �relacionamento com o ego",
e ressaltando ainda mais sua importância, Winnicott "considera que
ele éo substrato de que a amizade é feita" (Winnicott, 1958g, p. 35),
acrescentando que talvez seja também a matriz da transferência"
(loc. cit.). Assim, a raiz da amizade. da mesma forma que a raiz
da capacidade para estar só, encontra-se no contato íntimo inicial
da mae e do bebê, na experiência da mutualidade, afastando-se da
instintualidade.
Desse modo, Winnicott entende que a amizade, e pensamos que
a vida afetiva de uma forma geral, deriva da experiência fusional
do bebé, que permite sua identificação primárla,
de ser e, com o tempo, as primeiras brincadeiras ou
experiencias
transicionais. Nesse sentido, descrevendo a comunicaçáo inntima
mãæ-bebê, Winnicott nos lembra que "não se pode
esquecer das
onde nascem a afeição e o prazer pela
espericnca"
(ld., 1968d, p. 89. Itálico nosso). Pensamos que
podemos tazer
corresponder a afeição ao "sentimento
caracteristico do ego, 0
brincadeiras,
gostar", sentimento afetuoso inerente à amizade.
Sua experiência
124
Winnicott utiliza o termo "afeição", , em várias oportunidades. para se referir a um tipo de sentimento que se desenvolve no bebê relação ao uso de objeto transicionais. Assim, o autor diz que "o objeto é afetuosamente. acariciado, bem como excitadamente amado emutilado (Winnicott, 1953c, p. 18.Itálico nosso), acrescentando, em outro texto, que os fenômenos transicionais representam "o início da capacidadede afetuosos" (ld., 1989, p. 46).
sentimentos
Como entender melhor a noção de sentimentos afetuosos ou afeicão? Antes de tudo, devemos esclarecer que Winnicott considera semelhantes Os termos mos "afeição" e "ternura", preferindo o primeiro norgue a ternura, ao menos na lingua inglesa (tenderness) excluiria a aoressão e a ambivalência, tendo a afeição um sentido mais neutro. Em resposta ao tradutor, para o francês, do texto Objetos transicionais e fenómenos transicionais, ele afirma:
A palavra affectionate (afetuoso) em inglês significa algo bem
próximo da palavra tender (terno), mas não é usada exatamente
nas mesmas situações. (...) A palavra tender (terno) até que é
boa, mas enfatiza uma ausência de agressão e destruição, ao
passo que a palavra afectionate (afetuoso) não os enfatiza nem
os nega. Pode-se, por exemplo, imaginar um abraço que seja
afetuoso e esteja longe de ser terno (Id., 1987b, p. 147).
Como se origina, no bebê, o sentimento da afeição? Em nenhum
momento Winnicott faz referência a algum tipo de repressao ou
Inibição do impulso instintivo originário, como vemos na teorização
Ireudiana sobre a ternura, que é definida como uma puls£o sexual
miolda quanto ao alvo (cf. Freud, 192l, p. 130). A afeição, em
"inlcott, independe dos impulsos instintivos sexuais, constituindo
P dentihcação com os sentimentos maternos. Afirma Winnicot:
dando existem estas condições lexperiência de ser do bebe
C Capacidade de sentir-se reall. como em geral acontece, o
bebê pode desenvolver a capacidade de ter sentimerntos que,
e alguma forma, correspondem aos sentimentOs da màe que
se identifica com o seu bebê: ou, talvez eu devesse dizer, da
mãe que está profundamente envolvida com seu bebê e com OS
cuidados que Ihe dedica (Winnicott, 1987e, p. 5).
Dacse modo, a capacidade de ter sentimentos do bebê resule
da identificação com a mãe: identificação com os sentimentos de
afeicão e envolvimento que a mãe Ihe dedica.
Em um texto anterior, Winnicott descrevia uma m·e d
tranquilo* (1955c, p. 365)e uma mãe do amor excitadn
correspondentes às funções de mãe-ambiente e m«e-objeto. O termo
tamor tranquilo", como analisamos no capítulo l, não se refere a um2
característica do amor da mãe, mas ao amor tranquilo do bebê pela
mãe, assim comoo amor excitado corresponde ao amor instintivo
do lactente. Winnicott dizia que "a mãe vem sendo amada pelo
bebê como aquela que incorpora todos esses aspectos [holding da
mãe-ambiente]. O termo 'afeição' passa a ter lugar nesse contexto"
(ld., ibid., p. 360). Assim, os sentimentos de afeição do bebê por sua
mãe correspondem aos estados tranquilos do bebê, à experiência da
intimidade, tornando-se equivalentes as expressões "amor tranquilo"
ou "sentimentos de afeição".
amor
Recapitulando, iniciamos este item com a proposta de relacionar
sexualidade e afetividade. Para começar a responder, abordamos a
capacidade de estar só, que está intimamente ligadaà capacidade de
estabelecer relações afetivas. Winnicott entende que a experienela
de intimidade - o relacionamento com O ego -éo solo em que
se desenvolve a capacidade de estar só, e, também, a amizade.
Os sentimentos de afeição, inerentes à amizade,
desenvolvem-
se no contato íntimo com a m«e, quando se iniciam as
primeiras
os fenômenos transicionais. Esses
sentimentos
brincadeiras
ginam-se por identificacão com 0s sentimentos mat
correspondendo a um tipo de relacionamento" com a máe
que n·o
é determinado pelos impulsos instintivos.
Entendemos, assim, que
do ponto de vista de Winnicott,
própria e não
deriva dos instintos sexuais.
a afeição tem uma raiz pr
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