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Indaial – 2023 dos TexTos aos signos Prof.ª Jeice Campregher 2a Edição MulTileTraMenTos Elaboração: Prof.ª Jeice Campregher Copyright © UNIASSELVI 2023 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI Impresso por: C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI. Núcleo de Educação a Distância. CAMPREGHER, Jeice. Multiletramentos dos textos aos signos. Jeice Campregher. Indaial - SC: Arqué, 2023. 254p. ISBN 978-65-5646-579-1 ISBN Digital 978-65-5646-574-6 “Graduação - EaD”. 1. Multiletramentos 2. Textos 3. Signos CDD 401.4 Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Caro acadêmico! Este livro pretende se colocar como um hall de entrada às discussões referentes aos letramentos ou multiletramentos. Da mesma forma, pretende demonstrar a vinculação que esses conceitos têm com a formação de leitores e cidadãos. As discussões que aqui serão desenvolvidas poderão servir de norte para práticas educacionais. Serão estas que ganham consistência a partir de dois elementos: fundamentação teórica e experiência. Docentes bem fundamentados são capazes de realizar uma prática pedagógica significativa, promotora de subjetividades atuantes no mundo contemporâneo. Conforme poderá ver ao longo das unidades, trabalhar leitura – de textos verbais e não verbais – requer do docente um olhar atento às práticas sociais de leitura (e escrita) da sociedade atual. Sem que se tenha esse olhar sensível, seguiremos replicando práticas que realizaram conosco. As discussões aqui provocarão e desestabilizarão. Muitas vezes, interrogam mais que respondem. Algumas vezes, são as perguntas que movem mais que as respostas. Nesse sentido, as duas perguntas elementares que orientam esses escritos são: (1) se o mundo atual está em constante movimento e transformação, quais práticas devemos convidar à sala de aula? (2) Quais habilidades de leitura são fundamentais no mundo atual? Este livro didático é produzido com base na proposta de currículo em espiral – a partir da concepção de Bruner (1960). A partir dele, compreende-se que os conteúdos precisam ser reencontrados pelo aluno – sempre em níveis mais complexos, exigindo representações mais elaboradas. Assim, este livro vai ao encontro de outros em sua caminhada formativa – da mesma forma em que, nele mesmo, há uma progressão, verticalizando e aprofundando os conceitos, unidade a unidade. A organização deste livro se dá em três partes. Na Unidade 1 serão explorados os seguintes conceitos/conceitos: letramento(s), leitura no mundo atual/contemporâneo, formas de entender a leitura. Na Unidade 2 serão abordados os seguintes pontos: letramentos (no plural), multiletramentos, letramento crítico e letramento visual, leitura de imagens, leitura em documentos oficiais. Na Unidade 3 serão abordados os seguintes aspectos: signos, semiótica, textos publicitários e suas estratégias, habilidades como norte na leitura, diferentes abordagens úteis à leitura de imagens e textos híbridos. Boa leitura e bons estudos! Professora Jeice Campregher APRESENTAÇÃO Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. GIO QR CODE Olá, eu sou a Gio! No livro didático, você encontrará blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que você poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresentamos também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confi ra, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! SUMÁRIO UNIDADE 1 - LEITURA E SOCIEDADE LÍQUIDA .................................................................... 1 TÓPICO 1 - LER NO MUNDO CONTEMPORÂNEO ...................................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3 2 PREÂMBULO TEÓRICO .......................................................................................................6 3 LER NO MUNDO CONTEMPORÂNEO ..................................................................................9 4 CONCEITOS-CHAVE PARA TRABALHAR O TEXTO ........................................................ 30 RESUMO DO TÓPICO 1 .........................................................................................................37 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 38 TÓPICO 2 -OLHARES PARA A LEITURA .............................................................................. 41 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 41 2 LER: PROCESSO COMPLEXO........................................................................................... 42 2.1 FORMAS DE ENTENDER A LEITURA ...............................................................................................46 2.2 LEITURA NA ESCOLA .........................................................................................................................52RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................................ 55 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 56 TÓPICO 3 -LETRAMENTO ....................................................................................................59 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................59 2 CONCEITUANDO LETRAMENTO .......................................................................................59 3 ESCOLA E AS PRÁTICAS SOCIAIS ................................................................................... 61 4 UM OLHAR PARA A SALA DE AULA ................................................................................. 65 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................ 69 RESUMO DO TÓPICO 3 .........................................................................................................72 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................73 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................76 UNIDADE 2 —DOCUMENTOS E TEORIAS RELEVANTES ....................................................79 TÓPICO 1 —LETRAMENTOS E MULTIMODALIDADE ...........................................................81 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................81 2 POR QUE PLURAL? ...........................................................................................................81 3 OS MULTILETRAMENTOS EM SALA ................................................................................ 90 3.1 LETRAMENTO CRÍTICO .......................................................................................................................92 3.2 LETRAMENTO VISUAL .......................................................................................................................98 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................... 112 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 113 TÓPICO 2 -LER IMAGENS .................................................................................................. 115 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 115 2 APROFUNDANDO A LEITURA DE IMAGENS .................................................................. 116 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................129 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................130 TÓPICO 3 - LEITURA EM DOCUMENTOS OFICIAIS ..........................................................135 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................135 2 LEITURA EM DOCUMENTOS OFICIAIS .......................................................................... 137 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................158 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................... 161 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................162 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................164 UNIDADE 3 — DIDÁTICA: CONCEITOS, POSSIBILIDADES E PRÁTICAS ..........................169 TÓPICO 1 — ELEMENTOS DA SEMIÓTICA ...........................................................................171 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................171 2 CONCEITOS CAROS À SEMIÓTICA ................................................................................. 172 2.1 ÍCONE, ÍNDICE E SÍMBOLO .............................................................................................................186 3 HABILIDADES COMO NORTE DA LEITURA ....................................................................189 RESUMO DO TÓPICO 1 ...................................................................................................... 200 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................201 TÓPICO 2 - PUBLICIDADE: JOGOS E ESTRATÉGIAS ...................................................... 203 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 203 2 IMAGEM NA PUBLICIDADE ............................................................................................ 205 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................219 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................221 TÓPICO 3 - POSSIBILIDADES DIDÁTICAS ....................................................................... 223 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 223 2 PROFESSOR: CODINOME EXPLORADOR ...................................................................... 223 3 DIFERENTES LEITURAS: EXPLORANDO POSSIBILIDADES ........................................ 226 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................. 248 RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................251 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................... 252 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 253 1 UNIDADE 1 - LEITURA E SOCIEDADE LÍQUIDA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • analisar conceito(s) de letramento(s); • analisar a leitura no mundo atual; • compreender a relevância da leitura na contemporaneidade; • diferenciar formas de entender a leitura. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – LER NO MUNDO CONTEMPORÂNEO TÓPICO 2 – OLHARES PARA LEITURA TÓPICO 3 – LETRAMENTO Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 LER NO MUNDO CONTEMPORÂNEO TÓPICO 1 -UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Vivemos em um mundo dinâmico, múltiplo, líquido (BAUMAN, 2001). Assim, ensinamos a ler e a escrever neste mundo, do jeito como ele é. Por esse motivo, torna-se, antes de tudo, necessária a compreensão desse universo existencial do qual fazemos parte ativamente. As atividades de leitura e escrita ocorrem dentro desse modo de organização da sociedade. Esta, sendo dinâmica e produzida por uma rede de práticas, não pode ser limitada e definida em papéis prontos e findados. Esses papéis são produzidos em ação, no ato de comunicação. No momento em que se dá, o escritor é artista, mas o leitor também é. O papel de leitor/ouvinte, por muito tempo, acreditava-se ser passivo.Era definido e entendido como o papel de receber a mensagem enviada pelo autor da mensagem (falada, escrita ou não verbal). Essa concepção ignorava as nuances, os detalhes e a riqueza de elementos que compõem o processo de interação por meio da língua/linguagem/linguagens. Assim, formar leitores começa, antes de tudo, por essa percepção: a de que esses processos precisam ser observados. Assim, saímos da leitura rasa, da decodificação, do ler para reconhecer informações que o professor solicitou para ganhar nota em alguma atividade de sala de aula. Sem uma leitura proficiente, a escrita também fica comprometida – apesar de serem processos independentes, eles se relacionam. Em outras palavras: aprende-se a escrever escrevendo. Não é possível também colocar toda a responsabilidade sobre a leitura. Não é possível imaginar que, lendo, automaticamente será possível escrever. No entanto, ler não é exercer a mesma atividade repetidas vezes; essa se altera conforme motivos e objetivos. Algumas leituras, dependendo do propósito, necessitam de atenção ao todo, às partes, ao contexto, aos participantes do ato comunicativo – ou tudo isso ao mesmo tempo. Além disso, alguns atos de leitura possuem diferentes ênfases: ler para ver a nuance e aquilo que está subentendido, ler para entender o momento de comunicação, os elementos e, por vezes, paradigmas da sociedade. Esses exercícios acabam por exigir um olhar mais complexo e analítico, sendo que, de um jeito ou de outro, seus ganhos acabam “respingando” na escrita. Isso posto, esta unidade verticalizará alguns conceitos para entendermos desse importante componente dos currículos de nossas disciplinas: a leitura. Esses conceitos, na visão do senso comum, de nada são úteis. Alguns podem, logo de início, desenvolver esse tipo de desejo: “diga-me logo como faço”, “dê-me logo a fórmula”, “pule essa parte teórica e diga-me logo o que e como fazer”. Esse tipo de raciocínio nos amarra a fórmulas 4 que são falsas ou inférteis. Os motivos são variados. O primeiro deles é o de que toda turma, todo aluno é diferente e precisa ser observado em suas características únicas. Esse, por si só, já é motivo suficiente para entendermos que fórmulas é uma busca sem sentido. O que existe são: caminhos, caminhos possíveis, caminhos explorados e caminhos ainda não explorados. A teoria, portanto, oferece reflexões que ajudarão o professor a escolher e a criar melhores caminhos de acordo com as realidades vividas. Da mesma forma, não significa que ao longo desse material não serão oferecidas sugestões de cunho prático. No entanto, essa introdução deseja, antes de tudo, fazer essa ressalva: a prática dos professores pode ir muito além de tudo o que for apresentado aqui como sugestões. Pode ir muito além, desde que amparada em uma teoria consistente, em estudos da área. A prática rebelde, sem fundamentação, é que deixa de levar os alunos a saltos que eles podem e têm o direito de alcançar. Utilizou-se a palavra “direito”, uma vez que, de fato, a Educação é um direito de todo cidadão (assegurado na Constituição Brasileira). Independentemente disso, os alunos têm direito de ter acesso e de dominar ferramentas para o exercício da cidadania. A leitura, de fato, é uma das maiores ferramentas para esse exercício (tal qual a escrita e outros). Assim, nós professores precisamos ter de forma bem clara o fato de que não estamos fazendo um favor ao ensinar os conhecimentos x ou y a nossos alunos. Estamos dando acesso ao aluno a algo que é direito dele e, portanto, dever nosso como educadores. É o mesmo senso de responsabilidade que deve ter um médico ao se importar com seu paciente, o policial com os civis, os engenheiros com as obras – que pessoas desfrutarão. Ainda que nossos salários sejam pagos por instituições (públicas ou particulares), precisamos ter ciência de que trabalhamos por pessoas e para pessoas – aquelas que estão na nossa frente, ouvindo-nos e esperando pelo melhor de nós. Esse senso de responsabilidade, ter a visão da relevância da nossa disciplina e de que, presente no currículo, ela é capaz de trazer importantes contribuições aos nossos estudantes, é, de fato, o fundamento que nos impulsionará a querer ir além, querer mais conhecimento para poder criar aulas e atividades que desenvolvam habilidades e competências. Essas que serão ferramentas para o exercício de cidadania, para a participação social, para que esses sujeitos em formação possam se movimentar, ter independência. A independência pressupõe o domínio de um conjunto (mínimo ou máximo) de habilidades que serão postas em ação (competências). Ter esse senso de responsabilidade fará com que nossa prática não seja moldada ou nosso desejo de (bem) formar não seja enfraquecido perante pessoas desinteressadas ou escolas/instituições que não nos apoiarem, pois nem sempre seremos compreendidos por querer fazer mais, mais do que o mínimo, mais do que o básico. Lembre-se: tendo de fato estudado autores e teorias da sua área – com dedicação e afinco –, você é uma pessoa gabaritada para saber o que é importante, o que deve fazer parte da formação dos alunos. Isso nos tirará da teimosia pela teimosia. Também nos levará a outro patamar: ao de pessoas comprometidas com o conhecimento 5 e a formação de cidadãos. Por esse motivo, espera-se que esta e as outras unidades contribuam muito no sentido de dar subsídio para a prática e, ainda, para os professores terem fundamentação para as suas práticas. A prática pela prática é cópia. É fazer como todos fizeram e repetir o que nos ensinaram. A prática fundamentada altera vidas – a nossa e a dos que estão sentados à nossa frente, à espera do que estamos lá para fazer: formar pessoas; levar cada um além do estágio em que chegou; ampliar a visão de mundo; ampliar possibilidades de participação no mundo; gerar mudança; abrir portas. Sim, em tudo isso, ler é essencial. Ler no sentido que aqui será trabalhado. A partir dessa provocação inicial da unidade, você é agora convidado a refletir sobre si a partir de algumas perguntas: • Você é daqueles que têm indisposição ou até preguiça de mergulhar nos estudos teóricos da sua área de estudos? • Você é daqueles que pensam que teoria é uma coisa e prática é outra? • Você é daqueles que esperam pelo momento em que virá alguma prática pronta, alguma fórmula perfeita e que resolverá todos os seus problemas? • Você é daqueles que sabem que estudar e entender conceitos é o começo – e fundamento – de uma prática pedagógica bem desenvolvida e que gere ganhos aos alunos/futuros cidadãos? Você pode usar esse espaço para fazer algumas anotações a partir das reflexões aqui levantadas. Essa percepção gera terreno fértil para que todo o mais possa ser mais bem recebido. O bom solo é segredo de uma boa plantação! Essa parte está nas mãos de cada um que agora lê este livro! Refletir e gerar autoconhecimento é arar a terra e preparar para que muito mais possa germinar! __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Muito bem! Agora podemos seguir com a Unidade 1. 6 2 PREÂMBULO TEÓRICO “A única constante é a mudança” (Heráclito de Éfeso). Quando lemos algo como “mundo atual”ou “mundo contemporâneo”, antes de tudo, precisamos reconhecer que este é vislumbrado por variadas áreas. Dentro de uma mesma área, há perspectivas que se completam ou até mesmo se chocam. Em outras palavras, o mundo atual e a forma de organização da sociedade moderna podem ser explicados de variadas maneiras ou, ainda, tendo um ponto como foco da discussão que passe despercebido em outra corrente teórica. Com isso, deseja-se demonstrar que o que aqui for exposto não é uma forma única de entender o mundo e nem mesmo é uma tentativa de findar/encerrar o diálogo. Muito pelo contrário. Trata-se de explorar alguns conceitos que contribuam para a discussão aqui realizada – não toda a explicação possível do mundo e da organização social. Antes de passarmos aos conceitos, anote no espaço a seguir algumas palavras que vierem a sua cabeça sobre as características da sociedade globalizada em que vivemos. Isso fará com que seus conhecimentos prévios aflorem antes de seguirmos adiante. Muito bem! A partir dessas suas anotações, você poderá ir adiante e, com base nesta e nas unidades seguintes, realizar uma comparação com o que aqui anotou. Agora podemos retomar a discussão teórica. Antes de abordarmos conceitos que pretendem descrever o mundo atual e a(s) forma(s) de organização, é necessário falar de uma mudança no campo das ciências humanas. É comum as ciências humanas, atualmente, pesquisarem coletando e analisando material linguístico, ou seja, para entender algum tópico selecionado, elas coletam dados cuja materialidade é a linguagem. Em outras palavras, quando alguma pesquisa das ciências humanas quer buscar entendimento sobre algum aspecto da sociedade, analisa a linguagem, coleta registros escritos, entrevista pessoas, entrega questionários a serem preenchidos, analisa dizeres e imagens (linguagem não verbal) a partir de filmes e livros clássicos, entre outras possibilidades. Nem sempre houve esse entendimento – de que podemos entender o mundo analisando linguagem/linguagens. Isso só foi possível a partir de um movimento que foi intitulado de Virada Linguística. Esse movimento aconteceu conforme descrito a seguir. 7 A Saussure – conhecido como o “pai” da Linguística – é atribuído o gesto fundador do estruturalismo, apresentado em seu Curso de Linguística Geral, de 1916 (GREGOLIN, 2004). A partir de um encontro entre Jakobson e Lévi-Strauss, as ideias estruturalistas chegam à França. Strauss é responsável por transferir os modelos linguísticos para o estudo da antropologia. Com isso, iniciou-se o processo de “transformação das ideias desenvolvidas no interior da Linguística em modelo para outros campos das ciências humanas” (GREGOLIN, 2004, p. 21). A partir dessa transposição dos modelos da linguística à antropologia, outras áreas começaram a se interessar por linguagem e, mais adiante, pelo discurso – como Foucault, Pêcheux, Bakhtin. Além disso, a partir da chamada Virada Linguística, ocorre a ascensão da Linguística como um campo de estudos. Veja a importância dessa mudança para a forma de investigar e entender o mundo: passa-se a entender que, por meio da análise da linguagem, pode-se compreender o funcionamento, a estrutura, a organização da sociedade. Essa compreensão, antes, referia-se somente ao campo da linguística. Assim, muito do que hoje é estudado, e até a forma de estudar, coroa a linguagem (verbal e não verbal) como uma forma de entender o que nos cerca, o homem no mundo, as relações humanas, as práticas sociais – em outras palavras, leva a leitura (do verbal e não verbal) a outro patamar; eleva a sua relevância. Portanto, muito do que hoje existe de teorias sobre o mundo atual é construído sobre a herança da Virada Linguística. Conhecimentos e visões são produzidos a partir da análise dessas materialidades linguísticas (do verbal e do visual). Essa mudança alterou nossa forma de pesquisar e, ainda, sensibilizou a forma de enxergar que os materiais que circulam na sociedade (orais, escritos, não verbais) são dotados de signos, carregados de sentidos e passíveis de provocar outros sentidos (a partir da leitura, de quem lê, quando lê, onde lê, em que circunstâncias lê). Como dito, isso oportunizou que conceitos relevantes surgissem. Hoje, rapidamente, em qualquer caminhada acadêmica – não só na formação da área de Letras –, acadêmicos estudam algum autor que traga a noção do signo, dos sentidos presentes naquilo que se escreve, diz e, também, na linguagem não verbal/visual. Alguns exemplos podem ser o curso de Design, o de Moda, Arquitetura, Jornalismo, Serviço Social, Ciências Sociais, Psicologia, entre outros. Esses e outros cursos, em algum momento, estudam a característica metafórica da linguagem – coisas (aparentes/visíveis) significam outras (não presentes); por isso devem ser analisadas. Na Unidade 3, essas compreensões de representação (presente) de algo (não presente) farão mais sentido. Para isso, nesta etapa vindoura, abordaremos o conceito de signo. NOTAS 8 Com toda essa abrangência, a concepção de fato permeia as formações, os currículos universitários, os documentos oficiais brasileiros (Diretrizes, Propostas Curriculares de Estados e diretrizes de municípios). Assim, com o império dessa concepção, os exames, as provas e os vestibulares acabam por absorver essa concepção, exigindo de nossos alunos o reconhecimento de sentidos em textos (excertos de fala, textos variados e não verbais). As aulas de Língua Portuguesa não podem ignorar essa realidade: a conceitual (o império dos signos, sentidos, discurso) e a factual (a de que os exames e o mundo irão exigir dos cidadãos a compreensão de que as coisas significam e que necessitam ser lidas, analisadas, interpretadas). O ensino de Língua Portuguesa, a partir disso, não pode manter o aluno no nível raso de leitura, da superfície, do reconhecimento de informações básicas que não exijam, concomitantemente, a compreensão do mundo, da intertextualidade, da rede de discursos, das relações, dos papéis, dos signos, dos jogos de palavras e de poder, de figuras de linguagem. Ao longo de todo este livro, você estudará variadas formas de leitura – para além da decodificação. A seguir, um exemplo disso. Observe a imagem. Procure realizar uma leitura. Depois disso, leia o que segue. Figura 1 – Pawel Kuczynski Fonte: https://www.pictorem.com/2189/PawelKuczynski63.html. Acesso em: 30 mar. 2023. 9 Análises possíveis (entre outras): • Podemos ver uma mão, um guarda, uma tesoura e um sol no formato de “a” com um círculo à volta. • Podemos ver uma mão, uma fronteira e um “a” iluminado, em destaque no horizonte. • Podemos ver um mouse na mão, a tesoura (controlando alguma coisa) e o @ (arroba) simbolizando a internet. • Podemos ver uma pessoa com o mouse em mãos (a autonomia), o @ (arroba) como uma fonte de informações, uma fronteira com um guarda e uma tesoura – demonstrando controle entre o homem e a(s) informação(ões) ou notícia(s). É possível associar essa imagem a vários países que realizam esse tipo de controle de suas populações. De leis regulamentadoras de seu próprio país. De fatos conhecidos – do presente ou do passado; histórias, notícias – a partir dos quais já reconheceu a censura (algum site ou blog já retirado do ar, alguma revista ou TV que já perdeu financiamento estatal). Enfim, a partir da imagem, se associa a variados eventos, acontecimentos, a outras histórias, a fatos, entre outros. Para sintetizar A diferença entre o primeiro (decodificação) e o último (interpretação) nível está em alguns fatores: • Experiência de vida. • Leitura de mundo já realizada ou que é realizada dia a dia. • A quantidade de vezes que já se inseriu em práticas de leitura. • A quantidade de vezes que já se embrenhou na análise de textos visuais. • O quanto procura fontes variadas de informação (documentários, jornais, sites, aplicativos, redes sociais, entre outros). • A quantidade de vezes que foi instigado (convidado)a realizar leituras e aceitou tais convites (de variados textos: músicas, imagens, campanhas, desenhos, propagandas, entre outros). Ao longo das três unidades deste livro, esses aspectos ficarão mais claros. Vamos adiante! 3 LER NO MUNDO CONTEMPORÂNEO Se ler no mundo contemporâneo é muito mais que decodificar, quais conceitos podem nos ajudar a entender a sociedade atual? Afinal, se estamos ensinando a ler no tempo presente, precisamos, de fato, de uma base teórica que nos ajude a entender este tempo. Alguns conceitos que iremos utilizar são: sociedade líquida, discurso, enunciação, esferas, gêneros. 10 Bauman (2001) utiliza o conceito de modernidade líquida. Este conceito também é chamado por outros autores de pós-modernidade, contemporaneidade, modernidade tardia, hipermodernidade etc. O que mais interessa é que tudo se passa (e nos passa) como se a modernidade – não só um tempo, mas uma forma (ou formas) de estar no mundo; maneiras de ser e pensar – esteja sendo deixada para trás. Para Bauman (2001, p. 8), há uma acelerada liquefação do mundo contemporâneo. Como explica o sociólogo, os fluidos “não fixam o espaço nem prendem o tempo”. O autor ainda completa: “não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la” (BAUMAN, 2001, p. 8). Assim, demonstra a substância do tempo presente: fluir, mudar, descartar, gerar o novo, usar, alterar, assim por diante. Segue uma citação um pouco mais densa, porém, necessária – leia calmamente, quantas vezes precisar. Da mesma maneira, a flexibilidade – uma propriedade hoje tida como importante e desejável por si mesma – decorre do caráter líquido da pós-modernidade. Isso também podemos dizer sobre a volatilidade e do correlato fenômeno de descarte, ambos cruciais para a prática do hiperconsumo (consumismo). Palavras como essas – liquefação, aceleração, apagamento de fronteiras, flexibilidade, volatilidade –, tão comuns nos discursos contemporâneos, apontam para a irreversível impermanência e instabilidade do mundo pós-moderno e para o fim do mito do sujeito moderno como uma singularidade estável e indivisível. São, também, palavras que servem para descrever as novas subjetividades contemporâneas, em termos éticos, políticos, econômicos, culturais, de convivência, de suas relações com a Natureza e assim por diante (VEIGA- NETO, 2008, p. 44). IMPORTANTE Mesmo que em palavras mais complexas, a citação revela o caráter do tempo atual: a natureza líquida, flexível, acelerada dos movimentos sociais e subjetivos. As próprias mídias e redes sociais movem-se, hibridizam, atualizam-se e, com algum tempo, são substituídas por novas, mais excêntricas – assim seguem em movimento. No sujeito, as subjetividades são convidadas e impelidas a se seguirem em movimento: indo além de si, atualizando-se, formando-se para não se tornarem obsoletos. Esse processo ocorre tanto no mercado de trabalho ou, quiçá, em relacionamentos interpessoais – neste último, as redes sociais que promovem o “show do eu” (SIBILIA, 2008) contribuem para esse sentimento de insatisfação para consigo, com aquilo que se é e se tem. 11 Aqui se encontra a grande sacada: a insatisfação do momento presente é elemento crucial para que as subjetividades sigam se movimentando, indo além, gerando, permanecendo ativas, consumindo (saberes, objetos e modos de ser). Gerando essa insatisfação, gerando essa necessidade de permanecer em movimento que o momento presente gera quem somos. Estamos inseridos nisso. Estamos dentro dessas forças centrífugas que nos impelem e agem sobre nós – mesmo que não percebamos isso. O termo “show do eu”, supracitado, é uma obra da autora brasileira Sibilia. Essa autora analisou a forma com que as redes sociais nos impulsionam a mostrar a nós mesmos. A expor publicamente intimidades que antes não faríamos. A partir disso, ela percebeu quanto essas ferramentas têm poder de nos alterar. Expondo o eu, acabamos por produzir-nos a partir dos olhos dos outros – uma espécie de regulação externa. Chegamos ao nível de que se tivermos algo e não pudermos mostrar, o nível de satisfação parece diminuir. Um exemplo da importância atual do “show do eu” é o fato de muitas pessoas hoje terem seu sustento vindo de ferramentas como YouTube (canais de variedades, blogger ou YouTuber), Instagram (páginas dedicadas a um assunto específico, como saúde, moda ou alimentação). Há pessoas que da noite para o dia se tornam famosas, passam a ser seguidas por milhares de pessoas (chamadas de “seguidores”) tendo seu “eu” como fonte de inspiração; de estilo de vida, opiniões, entre outros. A relevância dessas ferramentas se vê por esses exemplos e, também, pelas falas cotidianas: “agora somos amigos na rede tal”, “me segue lá”, “compartilhei você”, “tal famoso me segue”, “sou seguida por x pessoas”, “minha última foto tem x curtidas”. São comentários costumeiros que materializam comportamentos e modos de estar no mundo atuais. Na Unidade 3, serão retomadas as práticas de linguagem atuais e o show do eu. NOTA 12 Veja, caro acadêmico! Aqui se encontra a importância de estudarmos e entendermos o mundo atual e como ele nos altera – como somos transformados por ele. Essa percepção das ferramentas atuais (que nos circundam, que nos afetam e que, também, produzem o ser daqueles que chamamos de alunos) possibilitará que promovamos uma prática pedagógica promotora de reflexão, análise. Como professores, estar cientes de que nossos alunos são parte integrante desse mundo atual e que, portanto, precisam ser levados a enxergar as nuances, os detalhes, as estratégias, os jogos. Isso oportunizará com que nós e eles saiamos da inocência, ou seja, de usar por usar, sem refletir sobre as causas e as consequências. Como isso será feito em sala, como já dito, não há uma fórmula pronta e acabada. Contudo, ao analisar ferramentas – como alguma rede social, por exemplo –, os professores devem levantar reflexões que oportunizem ao aluno refletir aspectos envolvidos. Da mesma forma, podem ajudar seus alunos no “cuidado de si” – não que devam deixar de usar algumas ferramentas, mas que as usem de forma mais consciente. Em tempo: nós trabalhamos leitura e escrita no mundo atual, práticas relativas ao mundo contemporâneo. Assim, precisamos olhar essas práticas (as de leitura e escrita) compreendendo que elas são localizadas no tempo (quando?) e no espaço (onde?) e são produzidas por subjetividades (por quem e para quem?). Na posição de professores que lecionam dentro do tempo aqui chamado de “modernidade líquida”, precisamos ter essa ciência de que nós também precisamos acompanhar esse fluir, ou seja, os nossos alunos têm contato com as mais variadas ferramentas. Eles são, o tempo todo, convidados a fluírem, a mudarem, a serem outros, a aderirem a novas ferramentas, a abandonar as obsoletas. Assim sendo, quer tenhamos consciência disso ou não, está acontecendo o tempo todo. Tendo ciência, poderemos possibilitar momentos de reflexão, selecionar melhor os nossos materiais e, também, desenvolver atividades significativas de leitura e/ou escrita. Observação: apesar de este livro dar ênfase à leitura, como o título e os capítulos seguintes demonstram, não é possível deixar de fazer referência à escrita em alguns momentos. Leitura e escrita fazem parte das práticas sociais inseridas no mundo contemporâneo e ambas fazem parte das nossas aulas. Ambas devem considerar os aspectos aqui apontados. IMPORTANTE Outro conceito que nos ajuda a entender o mundo atual – e as práticas de leitura, escrita e, não menos importantes, o texto oral e o texto não verbal – é o conceito de discurso e de poder. O próprio termo discurso é abordado em diferentes teorizações, ganhando, também, tônicas diferentes. Neste livro, o discurso é abordado, prioritariamente, a partir da teoria do filósofo Michel Foucault. Ainda, algumas aproximações são feitas a partir da autora brasileira Orlandi – esta, por sua vez,utiliza Foucault e análise do discurso francesa (oriunda da teoria de Michel Pecheux). 13 Afinal, o que é discurso e por que esse conceito nos ajuda a entender o mundo atual? O conceito de discurso nos leva a algumas compreensões importantes. A começar pela compreensão de que tudo o que é dito, escrito (ou até que é materializado em algum desenho, pintura ou peça de publicidade) não vem de um nada, fruto de um gesto inaugural, oriundo da inteligência de um artista, de uma mente desconexa (como uma ilha). O conceito de discurso nos leva a perceber o aspecto interligado de tudo o que nos circunda. Interligado com o quê? A começar, pela própria história. Tudo o que dizemos no presente, e que é socialmente aceito como uma verdade, foi produzido na história para que viesse, hoje, a ser considerado uma verdade. É efeito, é produto. O conceito de discurso é polissêmico e necessita de certos cuidados. É preciso definir a partir de quem – de qual autor – se apoia para definir o termo “discurso”. Delimitações são necessárias. Este cuidado tem uma razão: manter o rigor e a coerência teórica – seguir uma linha. Podem ocorrer fragilidades analíticas caso muitos autores sejam abordados ao mesmo tempo. O que é discurso? Depende da base teórica, respostas diferentes podem surgir. Assim, este livro vai ao encontro da proposta foucaultiana. NOTA Somente aqui já nos bastaria, afinal, com essa percepção, já poderemos levantar problematizações com nossos alunos na leitura de textos (orais, escritos e não verbais – sim, a imagem é um texto que também precisa ser lido: é costurada por discursos). NOTA Vamos a um exemplo mais prático. Quando algum texto, por exemplo, definir o que é ser uma boa mulher – em detrimento de todas as outras que não são como esta –, esse texto tem suas bases na história, em outros textos, fontes variadas (na literatura, na música, na ciência – mesmo que em textos não mais aceitos pela própria ciência –, em documentos oficiais anteriormente válidos, em apostilas escolares já utilizadas), enfim, nada é isolado. 14 Figura 2 – Pintura The Birth of Vênus, de Bougue- reau Figura 3 – Anúncio Itaipava Fonte: http://arthistoryproject.com/artists/ william-adolphe-bouguereau/the-birth-of- venus/. Acesso em: 30 mar. 2023. Fonte: http://wp.clicrbs.com.br/ napontadalingua/2015/06/20/conar- recomenta-retirada-de-propaganda-com- aline-riscado-sensual-demais/?topo=5. Acesso em: 30 mar. 2023. Apesar de esses temas de aprendizagem – aqui abordados de forma abstrata – ganharem materialidade (serem visualizados) na Unidade 3 (por meio de exemplos de análises/leituras), aqui é válido um exemplo para entendermos mais concretamente. Vamos ilustrar a representação da mulher. Esta, em músicas antigas ou atuais, pode receber representações complemente distintas (basta compararmos os clássicos da MPB e bossa-nova com os estilos que sejam atuais: o funk, pop, reggae). Não só na música, mas nas artes de forma geral, nos gêneros da esfera publicitária (anúncios em revista, anúncios veiculados na televisão, outdoors, capas de revista, rótulos de produtos, entre outras possibilidades). IMPORTANTE 15 Figura 4 – Pintura Charity, de Bouguereau Figura 5 – Anúncio Dolce & Gabbana Fonte: http://arthistoryproject.com/artists/ william-adolphe-bouguereau/the-birth-of- venus/. Acesso em: 30 mar. 2023. Fonte: http://ego.globo.com/moda/ noticia/2015/03/apos-polemica-com- elton-john-dolce-gabbana-volta-ser- criticada.html. Acesso em: 30 mar. 2023. Figura 6 – Pintura Mona Lisa ou A Gioconda, de Leonardo Da Vinci Figura 7 – Desenho Office, de Pawel Kuczynski Fonte: http://www.infoescola.com/pintura/ mona-lisa/. Acesso em: 30 mar. 2023. Fonte: https://www.pictorem.com/2214/ office.html. Acesso em: 31 mar. 2023. http://arthistoryproject.com/artists/william-adolphe-bouguereau/the-birth-of-venus/ http://arthistoryproject.com/artists/william-adolphe-bouguereau/the-birth-of-venus/ http://arthistoryproject.com/artists/william-adolphe-bouguereau/the-birth-of-venus/ 16 Figura 8 – Gênero híbrido (verbal e visual) – tirinha Fonte: http://www.satirinhas.com/2014/02/quem-entende-as-mulheres/. Acesso em: 30 mar. 2023. Figura 9 – Gênero híbrido (verbal e visual) – tirinha Fonte: http://www.willtirando.com.br/. Acesso em: 30 mar. 2023. 17 Linguagem verbal – Letra de música Linguagem verbal – Letra de música Maria, Maria Milton Nascimento Maria, Maria É um dom, uma certa magia Uma força que nos alerta Uma mulher que merece Viver e amar Como outra qualquer Do planeta Maria, Maria É o som, é a cor, é o suor É a dose mais forte e lenta De uma gente que ri Quando deve chorar E não vive, apenas aguenta Mas é preciso ter força É preciso ter raça É preciso ter gana sempre Quem traz no corpo a marca Maria, Maria Mistura a dor e a alegria Mas é preciso ter manha É preciso ter graça É preciso ter sonho sempre Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania De ter fé na vida Fonte: https://www.letras.mus.br/milton- nascimento/47431/. Acesso em: 31 mar. 2023. Amiga da Minha Mulher Seu Jorge Ela é amiga da minha mulher. Pois é, pois é. Mas vive dando em cima de mim. Enfim, enfim... Ainda por cima é uma tremenda gata, pra piorar minha situação. Se fosse mulher feia tava tudo certo, mulher bonita mexe com meu coração. Se fosse mulher feia tava tudo certo, mulher bonita mexe com meu coração. [refrão] Não pego, eu pego, não pego, eu pego, eu não pego não. Não pego, eu pego, não pego, eu pego, eu não pego não. Minha mulher me perguntou até: qual é, qual é? Eu respondi que não tô nem aí. Menti, menti. De vez em quando eu fico admirando, é muita areia pro meu caminhão. Se fosse mulher feia tava tudo certo, mulher bonita mexe com meu coração. Se fosse mulher feia tava tudo certo, mulher bonita mexe com meu coração. [refrão] Fonte: https://www.letras.mus.br/seu- jorge/1927506/. Acesso em: 31 mar. 2023. 18 Comentários sobre os textos apresentados: 1. Há imagens que remetem ao clássico, ao romântico, à mulher idealizada (que pode ser encontrada em movimentos da literatura; não só a brasileira); há a mulher adorada, delicada, corpo com os chamados “padrões de época”, remetendo às ideias românicas (intertexto apresentado pelo título da obra que faz referência à Vênus). 2. Há mulheres com muita roupa e pouca roupa; falantes ou quietas; com uma postura x ou y em relação aos homens. 3. Há mulheres estabelecendo uma relação com outros na imagem (anjos, adoradores, copo, garrafa de cerveja, crianças); há imagens compostas por elementos como mar, céu, escada, celular, bolsa, maleta, óculos, entre outros. 4. O corpo está em uma posição que é socialmente reconhecida como discreta e comedida, posição de sensualidade (quadris, curvas e postura). 5. Corpos que acolhem (recebem, abraçam), corpos ao chão, corpo segurado ao chão, mão que serve de apoio para que um objeto receba destaque no topo, mãos que são levadas ao cabelo, mãos repousadas, mão que segura pastas. 6. Olhares que observam com ternura, com admiração; olhares que observam de cima para baixo, com olhares mais sérios, remetendo aos “bad boys”. Observações: 1. Quanto mais contrastantes os textos (verbais e visuais), mais gritantes ficarão os elementos que os compõem e os sentidos neles explorados – o que contribuirá com a interpretação e a crítica. 2. Esses são somente alguns gêneros possíveis com algumas posições possíveis (entre várias outras) a serem exploradas em materiais que circulam em sociedade. A variedade é imensa: textos visuais (imagens, desenhos), verbais (letras de música) e híbridos (constituídos por texto verbal e não verbal). As imagens poderiam ser outras. Os elementos a serem percebidos: muitos outros. Isso fará ainda mais sentido quando chegar à Unidade 3 deste livro. Ao chegar no conceito de letramento visual e letramento crítico, sugere-se o retorno aos textos apresentados. 3. Os anúncios apresentados (à direita) não foram bem recebidos – tanto pelos consumidoresquanto por órgãos de fiscalização. Apresentar anúncios criticados ou censurados – sem dizer aos alunos, imediatamente, que se tratam de anúncios mal recebidos – contribui com a leitura crítica. É válido que antes construam suas análises e, somente ao final da exploração do texto (a partir de variadas estratégias), saibam desses fatos e conheçam os órgãos de regulação das propagandas. Retomando a linha. É possível perceber inter-relações (contradições, ideias contrárias, posições diferentes) em gêneros de uma mesma esfera (apenas publicitária, por exemplo) ou de esferas diferentes (publicitária, jornalística, literária, científica, entre outras) ou, ainda, textos de naturezas distintas (comercial veiculado na tv, documentários, pintura clássica, música gospel, poema modernista, desenhos com ênfase em crítica social, caricaturas, tirinhas, cenas de teatro, entre outras). 19 Uma pesquisa mais bem elaborada (em graduação ou pós-graduação, por exemplo) pode buscar essas referências (esse Arquivo, conforme intitula Foucault) para compreender essa interdependência entre textos e, também, entre história e o presente. Claro que, com nossos alunos, isso seria complicado por alguns quesitos – a começar pelo fator tempo. Para realizar pesquisas de forma vertical (aprofundada) é necessário tempo, dedicação – para que o interesse por pesquisar e questionar o mundo comece a brotar. Neste momento do diálogo, sugere-se que não se perca de vista o seguinte: o presente é efeito, produto da história, das lutas discursivas anteriormente realizadas, de que os sentidos das coisas – que parecem óbvios no presente – são possibilitados pelo Arquivo (um campo de possibilidades e conhecimentos/saberes socialmente aceitos). Se estamos formando leitores, portanto, devemos levar nossas turmas a ter essas percepções elementares: (1) a de que o conhecimento é produto e é construção coletiva e (2) a de que tudo está interligado – estabelece alguma relação com algo do passado, do presente ou, ainda, contribui para a construção daquilo que começa a surgir (futuro). Sugere-se o bom senso na seleção das imagens de acordo com a faixa etária dos envolvidos. A imagem em que a mulher se coloca “em frente a uma escada” necessita de maturidade. Selecionar bem seus materiais – frente aos estágios de vida dos sujeitos – e adequação à idade também é parte do crescimento docente no trato com os textos (e imagens) em sala de aula. ATENÇÃO Essas compreensões vão aparecer em nossas práticas – quer percebamos ou não. Quando elaboramos um exercício. Quando lançamos perguntas aos alunos querendo levá-los além da leitura que, no momento, conseguiram empreender. Bem conduzir as atividades, portanto, requer domínio desses conceitos. IMPORTANTE 20 A partir de tais compreensões, poderemos, por exemplo, trabalhar a noção de intertextualidade. A partir de Fiorin (2002 apud COVALESKI, 2016), compreendemos que a intertextualidade é a incorporação de um texto em outro. Essa pode ser: (1) citação (uma referência literal a algum texto anterior), (2) alusão (reprodução de construções com algumas substituições) ou (3) estilização (reprodução do estilo – tanto em se tratando da forma de expressão quanto do conteúdo). O mesmo autor ainda compreende que ao estabelecer essa relação intertextual é possível remeter a outro texto de duas outras formas: (1) polêmica (propõe uma oposição) – um exemplo comum é a paródia – e (2) contratual (quando reforça ou enaltece) – um exemplo comum é a paráfrase. A partir disso, pode-se perceber a infi nidade de possibilidades de explorar um texto – ou mais – de forma comparativa, com abordagem intertextual. O conceito de intertextualidade já está propagado no ensino de língua/linguagem. Esse conceito vai ao encontro de outros: dialogismo (Bakhtin), discurso (Foucault), enunciado (Bakhtin), entre outros. ATENÇÃO Todos eles compreendem que, ainda que o tempo e o espaço sejam diferentes, aquilo que é dito, escrito ou produzido/visto (objetos simbólicos e artefatos culturais) estabelece, de alguma maneira, relação com o já dito (ORLANDI, 2005). Coloca-se em uma esteira, encaixa, vai ao encontro, fundamenta-se em concepções, visões e conceitos anteriormente produzidos. Estabelecer essas relações é ler para além do momento presente – é investigar o momento presente e aquilo que nele emerge, ganha visibilidade à nossa volta. Fonte: https://www.pictorem.com/52539/ice- berg.html. Acesso em: 31 mar. 2023. Figura 10 – Iceberg 21 Exemplo de citação: muito comum em textos verbais. Em meio ao texto, algum trecho de livro de algum médico, especialista, cientista, algum fato histórico, entre outros elementos. Utilizado como argumento de autoridade – para reforçar um ponto de vista ou defender uma linha de raciocínio. Exemplo de estilização: quando o estilo de algum autor é reproduzido em suas obras. Por exemplo: estilo de José Saramago sendo utilizado por outro autor. Os traços utilizados por Van Gogh em suas pinturas serem reutilizados por outro pintor. Algum outro autor passar a utilizar o nome Helena em suas personagens – como Manuel Carlos em suas novelas. Esse estilo é o que leva autores a serem eternizados por terem características únicas. Exemplo de alusão: comum em textos verbais e em textos visuais. A alusão pode ser discreta (velada) ou clara/explícita. Essa alusão (referir-se a algo ou alguém) costuma ser feita a partir de algo conhecido ou não pelo leitor/espectador. A publicidade e as artes utilizam muitas alusões. Reaproveitam aquilo que já é conhecido, famoso ou benquisto (de outros autores ou de outros tempos) para o interior de suas produções. Algumas vezes, deixando claras as intenções, outras, deixando a responsabilidade de entender por parte do leitor, ou seja, caso o leitor tenha conhecimento, irá reconhecer a alusão e, assim, irá compreender mais profundamente os sentidos pretendidos por aquele texto. A seguir, dois exemplos de alusão: Figura 11 – Alusão no desenho A alusão feita no desenho é a cena “ser ou não ser” de Hamlet (peça escrita por Shakespeare). Alusão que ajuda a dar sentido ao desenho. Sem a percepção da alusão, o leitor não alcança o mais profundo do texto. Não alcança os sentidos implícitos. Fonte: https://www.pictorem.com/2164/PawelKuczynski38.html. Acesso em: 31 mar. 2023. 22 Figura 12 – Alusão na publicidade Fonte: https://blogs.oglobo.globo.com/rebimboca/post/new-beetle-beatles-o- velho-fusca-170663.html. Acesso em: 31 mar. 2023. A alusão é feita à foto clássica dos Beatles (a capa do Abbey Road da banda, em que os quatro integrantes estão atravessando a rua na faixa). Na propaganda, os quatro carros (chamados New Beetle) também atravessam a rua na faixa. Ao fazer alusão cria-se, também, a intertextualidade. Além de um trabalho a partir da intertextualidade, pode-se, ainda, selecionar textos de épocas completamente diferentes (um muito antigo e um atual) para que possam observar que um texto cujo propósito seja dizer a verdade sobre algo (um assunto) pode, de fato, estar retomando um discurso; além de poder ser observado circulando em vários lugares e por variados meios (orais, escritos e não verbais). Em outras palavras: reproduz algo que já foi dito antes ou mostrado antes (em músicas, em imagens, em propagandas, entre outros). Assim, trabalharemos a partir da compreensão do discurso sem que nem precisemos abordar o termo (discurso) em sala. O que importa é a compreensão e a visualização dessas conexões e redes – que fazem parte do mundo contemporâneo, ou melhor, que constituem a essência do mundo atual. É válido, ainda, observar outros elementos na produção dos textos (verbais ou visuais). Neste momento, voltamos a lançar um olhar a partir da teoria foucaultiana. De acordo com Foucault (1987, p. 8-9, grifos nossos), “em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos”. A seguirvamos observar cada termo selecionado. 23 Controlada: pois nem todo mundo pode falar tudo (exemplo: verdades médicas precisam ser proferidas por médicos ou alguém gabaritado pela área da saúde). Selecionada: o que se diz também é selecionado, tendo em vista seu posicionamento, crenças, valores, posição assumida. Organizada: a organização textual tem em vista os efeitos pretendidos (conquistar, convencer, descrever, esclarecer, entre outros objetivos). Redistribuída: dá a ideia de conexões e redes, conforme já dito anteriormente. Vamos adiante, já chegaremos no ponto crucial do diálogo. A seguir, uma citação complexa, porém essencial: Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar também, é a interdição. Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfi m, não pode falar de qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala: temos aí o jogo de três tipos de interdições que se cruzam, se reforçam ou se compensam, formando uma grade complexa que não cessa de se modifi car (FOUCAULT, 1987, p. 9, grifos nossos). ATENÇÃO Aqui encontramos mais uma discussão que pode ser levantada com nossos alunos: sentidos presentes nos textos (orais, escritos e não verbais) que promulgam e reforçam o socialmente aceito, aquilo que é almejado, o que recebe o status de “adequado” e “mais elevado” entre todas as possibilidades. Esses sentidos estão por todos os lados, convidando-nos a ser, a adentrar, a encaixar, a ser como os modelos são, a ser como a forma é – para sermos aceitos, para sermos referência, para produzirmos o tão desejado “show do eu”. DICAS Vamos entender essa citação por partes. A começar pelo “não se tem o direito de dizer tudo”, há certa limitação, variando de cultura para cultura, daquilo que não se pode dizer (separação do certo e do errado), e a maioria de nós, portanto, procura escrever ou produzir dentro daquilo que é aceito socialmente, politicamente correto, mesmo que sequer acreditemos naquilo. 24 Continuando a abordar o excerto de Foucault apresentado, “não se pode falar tudo em qualquer circunstância”. Os sujeitos, ao se posicionarem, ao produzirem textos, ao falarem, ao escreverem, ao produzirem alguma peça de arte ou publicitária, analisam e passam suas produções pela peneira das circunstâncias – mesmo que de forma não consciente. Seja como for, esse é um aspecto que pode fazer parte de nossas provocações ao lermos com nossos alunos. Ler também é entender esses mecanismos que são postos em funcionamento. Por fim, ainda sobre a citação, “qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa”. Nesse momento, é a posição sujeito assumida pelo autor. Qual é a posição assumida e o que se pode dizer a partir dela? É o exemplo já dado do médico ou dos profissionais da saúde. Assim, ao ler um texto, para a análise dos sentidos, também é relevante analisar a posição assumida por quem diz, escreve ou produz determinado texto não verbal. Essa posição assumida também contribui para o entendimento do que se diz, como se diz e, algumas vezes, por que diz. Esses aspectos podem levar nossos leitores a outros patamares, a um nível mais proficiente de leitura. Vamos entender pensando na prática! 1) O texto “Não se aproxime” é um texto que pode ter diferentes sentidos. “Não se aproxime” no portão de uma casa pode gerar medo (mistério sobre algo que oferece perigo – animal, eletricidade, entre outros). O “não se aproxime” de uma mulher que chora ao brigar com o namorado tem outra conotação. O “não se aproxime” em uma propaganda – ao lado de uma mulher de vermelho, segurando um perfume, em uma posição sensual – provoca outros sentidos nos leitores. O “não se aproxime” ao lado de uma campanha social – acima de uma imagem com uma pessoa gripada – produz outro sentido. A frase “não se aproxime” dita por um médico durante uma cirurgia tem outra conotação. Assim por diante. 2) Podem ser dadas imagens para que os alunos criem outros elementos (parte verbal), produzindo diferentes gêneros. 3) Podem ser entregues textos (poemas, cartas, bilhetes, músicas, carta do leitor, artigo de opinião, crônica, tirinha, carta de apresentação, diário, cartaz de uma campanha social, outdoors) e os alunos devem pensar nos elementos: quem produziu, para quem produziu, quais os objetivos, quais os sentimentos presentes, a quais leitores pode interessar e não interessar, entre outros. 25 4) Podem ser trabalhadas frases genéricas (abstratas) e ser solicitado que os alunos (com uso de imagens e diferentes gêneros textuais) produzam sentido àquela frase – dentro de contextos, gêneros, definindo quem diz, para quem diz e as circunstâncias. A seleção de imagens ajuda a definir e a fixar sentidos que estejam abstratos ou sejam genéricos. Exemplos de frases genéricas: “isto é para você”, “vim aqui para falar algo importante a você”, “quero dar a você uma boa notícia”, “há uma experiência única à sua espera”, “Um acontecimento chamou a atenção de uma cidade do interior de São Paulo”, “Aqui está a maior alegria da vida”. “Amiga, você é insubstituível”. Esses dizeres podem passar a fazer parte de gêneros da esfera jornalística, literária, publicitária, interpessoal (entre outros). Por vezes, a produção de materiais com os alunos contribui não só com a produção de gêneros. Essas atividades contribuem, inclusive, com a leitura sensível e aprofundada proposta neste livro. As habilidades solicitadas na produção solidificam habilidades úteis à leitura. Portanto, retomando: direito de dizer, circunstância e posição assumida fazem parte de todo texto a que nos dispomos a ler. O termo “circunstância”, a partir de Orlandi, é chamado de condições de produção (ORLANDI, 2005). A partir da autora, as condições de produção interferem em aspectos como estilo e, também, em quais saberes (discurso) serão evocados por parte dos sujeitos. É necessário assumir uma posição que tenha direito e credibilidade para falar de alguma coisa (objeto): como é o caso de o professor falar do desempenho do aluno; como é o caso do médico falando de seu paciente; como é o caso do psicólogo discorrendo sobre a personalidade do seu paciente; entre outras formas de poder falar sobre algo ou alguém. Assumir um lugar não significa ser sempre estável. Um professor não é sempre professor quando deixa sua sala de aula (não veste o papel para sempre). Um médico não é sempre médico quando está em momentos informais com amigos ou famíl ia. Um mesmo sujeito se alterna, muda, flui, de acordo com as condições de produção, intenções, posição assumida. A Figura 13 pretende demonst ra r essa ide ia de movimento e flexibilidade de um mesmo sujeito ao produzir textos (orais, escritos e não verbais). Figura 13 – Curl-up Fonte: https://www.wikiart.org/en/m-c-escher/ curl-up. Acesso em: 31 mar. 2023. 26 A posição não é única e nem mesmo é levada o tempo todo. Ela é assumida. Assim como uma mesma pessoa pode assumir variadas posições ao produzir textos. “Um único e mesmo indivíduo pode ocupar [...] diferentes posições e assumir o papel de diferentes sujeitos” (FOUCAULT, 2002, p. 107). Assim, ainda que possamos encontrar o currículo do autor x ou dados sobre ele, como idade e afins, ainda assim é preciso verificar naquele texto qual é a posição por ele assumida, os jogos, as argumentações, as defesas, o que critica e o que defende. Assim é possível observar, com mais clareza, a posição ou posições por ele assumida(s). Observações sobre as posições assumidas Posições são assumidas em todos os gêneros discursivos. Em uma notícia, o jeito com que uma história é narrada pode ser a visão do jornalista discretamente defendida. Um romance produz (por variados elementos) a visão do autor sobre cada personagem (ainda que não seja algo propriamente dito – é dito de outros modos,por meio das ações dos personagens ou, ainda, sobre a opinião de um personagem sobre outro). Um poeta, ainda que não sinta aquilo que o “eu lírico” está sentindo, assume uma posição frente àquilo que o poema aborda (a vida, algum fato, ou uma visão sobre uma pedra, como Drummond bem o fez). Um exemplo na literatura (poemas) é Fernando Pessoa e seus heterônimos e pseudônimos. Fernando é a mesma pessoa, contudo, por vezes, escrevia como Álvaro de Campos – intenso, pessimista, sem energia para a mudança, entre outros –, outras como Alberto Caeiro – adepto ao bucolismo, não pensar – e outras, ainda, como Ricardo Reis – carpe diem, viver o presente, contra emoções e sentimentos exagerados. Em cada uma, há uma posição diferente no mundo. Assim, na produção de um mesmo jornalista, de um mesmo publicitário, de um mesmo blogueiro podem aparecer posições diferentes – ao produzir materiais sobre um mesmo assunto, inclusive. Ainda, pode não coincidir com a opinião que daria caso não estivesse na posição de jornalista, publicitário ou blogueiro – opinião essa que apenas vem à tona quando junto a parentes e/ou amigos íntimos. Assim, uma mesma pessoa pode assumir diferentes posições. Nas imagens, desenhos ou textos híbridos, os posicionamentos também podem ser analisados. A seguir temos exemplos de algumas obras de Pawel Kuczynski. Nelas – e em outras obras do autor – pode-se visualizar o posicionamento dele com relação aos livros e aos celulares. 27 Figura 14 – Islands (ilhas) Figura 15 – Harpa Fonte: https://www.pictorem.com/15258/ Islands.html. Acesso em: 31 mar. 2023. Fonte: https://www.pictorem. com/8107/harp.html. Acesso em: 31 mar. 2023. Figura 16 – Dinner Figura 17 – Journey Fonte: https://www.pictorem.com/527253/ dinner.html. Acesso em: 31 mar. 2023. Fonte: https://www.pictorem. com/101427/Journey%20with%20 sharks.html. Acesso em: 31 mar. 2023. 28 As escolhas, as composições, os contextos aos quais celulares (ilhas, solidão, mesa de jantar, oração sobre o celular, roteador no centro da mesa, um jantar sem comida, cabeças inclinadas, ambiente ao fundo escurecido; fora a mesa, não há outros objetos na composição; além do azul da tela, só há o branco e tons pastel) e livros (barco, vela, navegar e imaginação são associados, harpa, música, arte, papel ativo do leitor junto ao livro) não são aleatórios. Remetem às vivências, aos comportamentos e ao simbólico (livro/viagem/barco e celular/comida/sagrado). Todos esses elementos contribuem para a produção da posição no texto – neste caso, com relação a dois assuntos. As posições precisam ser analisadas em um texto específico (seja ele verbal ou visual) – não um fato dado, uma opinião eterna do autor. As posições são assumidas ao serem produzidos os textos, as falas/a oralidade, os desenhos, os documentários, os textos dissertativos argumentativos, assim por diante. Conforme anunciado há algumas páginas, os dois conceitos baseados em Foucault que seriam abordados eram o de discurso e de poder. Durante muito tempo e em algumas teorias, o poder foi compreendido de uma forma bipartidarizada: (1) os que têm e (2) os que não têm. A partir de Foucault – e outros autores que se colocaram nessa esteira teórica –, o poder passou a ser visto muito mais como rede e, também, como posições a serem assumidas. Assim, o docente que assume uma posição de poder em relação à turma também está em uma posição de responsabilidade em relação a instâncias superiores ou instituições, ou seja, ele também está sendo acompanhado por outros (pessoas, instituições, questões burocráticas) que estão acima dele. No texto, também, esse poder é assumido. Todo ato de escrita (ou, claro, a produção de alguma obra de arte – texto não verbal) é um ato de assumir uma posição, marcar posição no mundo, participar, firmar uma visão, externar uma crença, utilizar um espaço de ação e, quiçá, criticar o mundo. Assim, pode-se compreender que assumir um lugar é assumir um local de poder, é firmar-se no mundo e em relação aos outros, é exercer influência, é sair do silêncio. Sair do silêncio já é posicionar-se e posicionar-se já é assumir um lugar em relação ao outro. Quando alguém se apropria de um discurso, há também o poder atrelado a ele. Ocorre “uma apropriação do discurso com seus poderes e saberes” (FOUCAULT, 1987, p. 44-45). Assim sendo, em vários textos que leremos em sala, existe a possibilidade de analisarmos esse poder assumido: o de alguém que se posiciona e revela um poder de dizer algo sobre alguém ou alguma coisa – seja numa posição de crítica ou de manutenção das verdades aceitas, defendendo-as e reforçando-as. 29 O poder também é considerado em rede, uma vez que ele é exercido em relação a algo ou alguém num dado momento – não somos professores 24 horas; somos docentes no exercício da docência; depois disso somos filhos, pais, amigos, jogadores de vôlei, cozinheiros; são variadas as posições assumidas em um dia ou ao longo de nossa vida. Não há um só papel fixo para uma pessoa. Esta também, de um jeito ou de outro, acaba por regular a si e/ou submeter-se ao poder. “Ao mesmo tempo se submetem ao poder, são capazes de exercê-lo. E se os indivíduos são capazes de exercer o poder é porque o poder os atravessa” (VEIGA-NETO, 2006, p. 24). Exemplo: o profissional x que atualmente escreve em uma revista conceituada já teve que se submeter a uma instituição que o formou e deu a ele um diploma, uma certificação. Da mesma forma, os sujeitos seguem se adequando à emissora para a qual trabalhem, ao partido ao qual sejam filiados, à revista para a qual escrevam, entre outros. A visão de mundo e dos acontecimentos da Veja é completamente diferente da Carta Capital – as pessoas que produzirem textos para uma ou outra revista, portanto, irão ao encontro do conselho editorial da revista e dos mantenedores. O mesmo acontece em cargos que ocupem em instituições – sem contar que, por vezes, essas instituições se submetem a seus clientes. O mesmo acontece no uso da linguagem (oral, escrita e visual). Na Unidade 3 veremos exemplos de imagens presentes em livros didáticos – o que nos possibilita compreender a relevância de sermos nós sensíveis ao que chega à escola (pronto a ser aplicado e utilizado). Para contribuirmos com o senso crítico, precisamos antes dominar conceitos específicos para a análise de materiais diversos (em nossa vida diária e no exercício da docência). Há imagens que reforçam verdades aceitas, reforçando-as. Voltemos à discussão teórica. NOTA Caso o leitor desse livro aprecie mergulhos filosóficos, sugere-se a busca pelos conceitos de público e privado na visão de Kant. Mais especificamente, no texto “O que é o esclarecimento?”. A esfera privada e a pública exercem influências sobre nós, ainda que de formas diferentes. NOTA 30 Analisar um texto é entender que, ao mesmo tempo em que se assume uma posição, há uma escolha que tanto reflete um exercício de liberdade e, ao mesmo tempo, há também regulações que caem sobre aquele que produz textos ou obras – alguns mecanismos sutis, outros mais visíveis. Entender esses processos também faz parte da leitura dos textos que circulam na contemporaneidade. Eles também fazem parte da rede de saber-poder. 4 CONCEITOS-CHAVE PARA TRABALHAR O TEXTO As licenciaturas devem fazer esse movimento de estudar áreas variadas e correntes teóricas – assim como fizemos até aqui, emprestando conceitos da filosofia, sociologia e da análise do discurso. Afinal, nosso objeto de trabalho é o conhecimento e nosso maior interesse é formar pessoas da melhor forma que formos capazes. Para isso, a nossa formação deve ser um processo de construção do senso de responsabilidade e da ampliação da visão sobre a relevância do nosso trabalho. É um eterno movimento de ir além, de não parar, de estudar mais, de analisar, de selecionar outros materiais com os quais ainda não trabalhamos – esse movimento que é próprio do mundo em que vivemos, sendo que não há comovivermos em uma caixinha, isolados de todo o mais. Outro autor que nos é caro nos estudos da linguagem e dos textos que circulam em sociedade – pelos mais variados meios – é Bakhtin. Tal autor, assim como sua própria teoria apregoa, não produziu sozinho. Junto a ele, houve uma multiplicidade de vozes que formou o que hoje chamamos de Círculo de Bakhtin. Tal pluralidade já pode ser observada na própria constituição do círculo. Os membros são de variadas partes da Rússia: Nevel, Vilnius, São Pertersburgo, Vitebsk e Orel. Além do fato de que esses exerceram múltiplas atividades profissionais – jornalistas, filósofos, historiadores, filólogos, musicistas, poetas, professores (de Filosofia, História, Literatura) e escultores (SZUNDY, 2014). Essa multiplicidade possibilitou a vivência do pluralismo linguístico e cultural que verteu na teoria. Bakhtin, em seu círculo de estudos, trouxe importantes contribuições à forma de ver a circulação de materiais em nossa sociedade e, assim sendo, poderemos ter práticas pedagógicas mais significativas. Vamos a alguns conceitos que nos ajudarão a entender os processos de leitura e escrita no mundo atual. Um dos conceitos que está na base da construção teórica é a heterogeneidade. Esse conceito vai ao encontro daquele visto anteriormente (discurso). A partir da noção de heterogeneidade, pode ser percebido que aquilo que circula, as verdades, os enunciados, as afirmações, os textos, não são desconexos. Não existe enunciado único, que nasça totalmente novo, sem elos com toda uma rede de significação construída nas/a partir das relações humanas e a história. Como dito anteriormente, as teorias acabam por se entrecruzar, explicando aspectos semelhantes de formas diferentes. 31 Figura 18 – Lithograph Fonte: https://www.wikiart.org/en/m-c-escher/predestination/. Disponível em: 31 mar. 2023. Se enunciados se colocam em redes, o que é um enunciado para Bakhtin? As pessoas não falam, escrevem ou externam por gestos ou arte, apenas palavras ou frases. Elas externam enunciados. O enunciado precisa ser analisado dentro do contexto. “Cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados” (BAKHTIN, 2003, p. 272). Detalhe: Bakhtin chegou a essa compreensão – junto a outros intelectuais – em sua época. Atualmente, vivemos em um mundo globalizado, em redes (de internet, de TVs a cabo repletas de canais internacionais, redes sociais constantemente aparecendo e sendo substituídas, sites de bate-papo – incluindo entre países, para praticar idiomas). Redes antes sutis, discretas, são hoje muito mais visíveis e palpáveis. Neste momento, não se torna tão relevante entrarmos em aspectos da teoria bakhtiniana, que é vasta e complexa. Trata- se de selecionar elementos essenciais que abordem o mundo atual – claro, para procurar visualizar os processos de produção de sentidos, de circulação de textos e, a partir disso, para melhor fundamentarmos e organizarmos nossas aulas. Reforçando: a partir disso, o docente pode se tornar mais autônomo. A riqueza de conhecer o mundo vai elevar o trabalho pedagógico a novos patamares. NOTA 32 Em tempo: por esses meios, ferramentas e redes passam, circulam os enunciados. Estes agrupados são organizados em gêneros. Esses gêneros circulam em sociedade pela TV, pela internet, livros, revistas, jornais, aplicativos de celular, sites de bate-papo, entre inúmeras possibilidades. Assim, como estudantes de linguagem, devemos ter ciência de que esses gêneros circulam e são carregados de enunciados, sentidos – que devem ser analisados dentro do contexto. Aqui chegamos a outro conceito-chave para o ensino de leitura e escrita na contemporaneidade: gêneros do discurso. Nas palavras do autor, gêneros são “tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 2003, p. 261-262). É importante a palavra “relativamente”, afinal, a partir do estilo do autor, da circunstância, dos objetivos, das intenções, dos jogos de poder, das ferramentas linguísticas de que cada um dispõe, esse gênero é plástico e flexível – além de muitos serem híbridos (misturam-se). Antes dos estudos bakhtinianos, no Brasil, a nomenclatura utilizada era somente a de “tipologia textual”, ou seja, interessava saber qual o tipo do texto: narração, descrição, dissertação. A partir disso, procurava-se verificar qual a tipologia do texto. Esses termos ainda são usados, mas com uma percepção diferente: dentro de um mesmo gênero pode haver uma ou mais tipologias. Exemplo: quando o autor descreve o contexto de um homicídio, ele faz uma descrição. Contudo, não deixa de continuar a ser uma narração (do fato). Assim como em textos cujo objetivo primordial seja dissertar, pode haver a descrição ou quiçá a narração. Um exemplo ajuda a compreender melhor essa visibilidade. Algum tempo atrás, você tinha uma ideia e a divulgava em alguma roda de conversa, recebia aprovação ou reprovação dos outros “filósofos” (amigos ou familiares) que a ouviam. Muitos dos ouvintes sequer precisavam opinar ou demonstrar contentamento ou desgosto. Às vezes, aquela ideia se propagava e acabava virando uma gíria ou algum jargão; caso tivessem gostado da sua ideia ou opinião, aquilo era passado adiante, formando opiniões de outras e outras pessoas. Atualmente, é possível inclusive medir quanto que o pensamento recebeu aprovação ou reprovação. Hoje existem ferramentas como twitter ou facebook. A medida dessas aprovações são as vezes que a mensagem é “replicada”, compartilhada ou curtida. Ou, ainda, a mensagem pode receber um bombardeamento de “dislikes” (para traduzir, podemos fazer uso de um neologismo: “descurtidas”), em se tratando de vídeos do YouTube. Hoje, essas redes estão mais visíveis. Ganham visibilidade por meio dessas ferramentas de interação. NOTA 33 Voltemos aos gêneros. Bakhtin (2003) descreveu gêneros em duas categorias: os primários e os secundários. Os primários são aqueles que vão chegando a nós no convívio social desde a infância – no contato, vão sendo “apreendidos” e por nós incorporados em nossas práticas. Esses são ainda aqueles espontâneos, menos ensaiados – aqueles da linguagem cotidiana, de comunicação verbal espontânea, caracterizados, muitas vezes, pela oralidade. Exemplos desses gêneros são: recados, conversações espontâneas, fofocas, piadas, entre outros. São os gêneros apreendidos, absorvidos pelo convívio. Os secundários são aqueles mais complexos, que necessitam de intervenção – esses precisam ser aprendidos. Os secundários absorvem os primários, indo além, intensificando os protocolos, os elementos que os compõem, o vocabulário, as construções frasais e as formatações. Exemplos são os textos escritos ou orais que começam a seguir certos protocolos; dos mais simples (cartas pessoais, telefonemas, apresentação pessoal) aos mais complexos (carta de apresentação, currículo, artigo de opinião, artigo científico, entre outros). Se gêneros são relativamente estáveis, pode-se imaginar que eles tenham nomes, certo? Que todo gênero do discurso possa receber um nome para identificá- lo, correto? Vale dizer que o círculo de Bakhtin não se debruçou tanto nesse sentido. Esse trabalho foi sendo feito pelos que se colocaram na esteira teórica de Bakhtin – inclusive autores brasileiros. Além disso, muito se caminhou na discussão sobre esferas – outro conceito que surgiu a partir dos estudos do círculo de Bakhtin. Os textos científicos/ acadêmicos circulam, prioritariamente, na esfera acadêmica. Os textos jornalísticos, por sua vez, na esfera jornalística. Os artísticos, na esfera artística. A escolha do gênero, portanto, não é aleatória. Ela é feita a partir das condições reais e sociais da enunciação (esfera). Em alguns momentos, gêneros próprios de uma esfera podem passear por outra (os religiosos, por exemplo, podem circular na esfera acadêmica com alguma finalidade específica, como realizar alguma análise em alguma pesquisa em andamento; alguns gêneros literários podem ser inseridosem alguma abertura de capítulo de algum gênero acadêmico, como uma dissertação, por exemplo). Assim sendo, essas migrações são raras, mas ocorrem – geralmente o gênero x costuma circular dentro da esfera dentro da qual ele desempenha alguma função. Para Marcuschi (2008), os domínios discursivos vão ao encontro do termo “esferas”, no sentido bakhtiniano (esfera da atividade humana). Não abrangem um gênero em particular, mas, a partir do domínio, surgem vários gêneros – institucionalmente marcados e multifuncionais. Marcuschi (2008) alinhou as esferas e gêneros nelas produzidos de uma forma bastante organizada. Neste momento se apresentará de uma forma sintética, resumida, mas na Unidade 2 ela é retomada. Esse autor prefere utilizar o termo domínio em vez de esferas. A seguir um quadro resumido (MARCUSCHI, 2008, p. 194-196): 34 Quadro 1 – Domínios e gêneros Domínios dis- cursivos Gêneros (exemplos) Instrucional (científico, acadêmico e educacional) Artigos científicos, glossário, biografias, ata de reunião, sumário, confe- rências, debates, entre outros. Jornalístico Editoriais, carta do leitor, boletim do tempo, notícias, reportagens, entre- vistas jornalísticas, entre outros. Religioso Orações, rezas, catecismo, confissões, cânticos, entre outros. Saúde Receita médica, receitas caseiras, consulta, entre outros. Comercial Rótulo, nota de venda, carta comercial, bilhete de ônibus, logomarca, entre outros. Industrial Instruções de montagem, descrição de obras, controle de estoque, or- dens, entre outros. Jurídico Contratos, leis, regimentos, documentos pessoais, tomada de depoimen- to, entre outros. Publicitário Propagandas, anúncios, cartazes, folhetos, entre outros. Lazer Piadas, adivinhas, jogos teatrais, entre outros. Interpessoal Cartas pessoais, bilhetes, recados, entre outros. Militar Ordem do dia, lista de tarefas, entre outros. Ficcional Peça de teatro, romances, dramas, crônicas, fábulas, contos, entre outros. Fonte: adaptado de Marcuschi (2008) Ainda a partir de Marcuschi (2008), é válido acrescentar que os gêneros não são formas canônicas e determinadas – integralmente – a priori. As características apresentadas pelos gêneros – tais como recursos textuais e marcas linguísticas –, segundo a linha do autor, devem ser analisadas à luz do domínio no qual o gênero é produzido e exercem uma função. 35 Essa organização é do autor supracitado – não é a única forma de visualizar as esferas (domínios) e os gêneros. Nem mesmo pode-se afirmar que todos os gêneros e todas as esferas estejam apresentados no quadro. Trata-se de uma tentativa, do autor, de organizar tais elementos. Há esferas que são mais acessíveis a todos, como a interpessoal, por exemplo. Os gêneros que brotam a partir dela circulam tanto em espaços formais quanto em informais. Há esferas mais fechadas, amarradas a instituições, hierarquizadas, com protocolos e documentos reguladores. Inserir-se nela, ler e produzir textos nela/a partir dela é algo de acesso mais restrito; direcionada a um público extremamente eleito – como é o caso da esfera acadêmica. Retomando o início de toda a discussão: sim, esses aspectos nos ajudam a entender a organização de nossa sociedade. Vivemos em uma sociedade, e papéis, língua, linguagem, valores, crenças, saberes historicamente construídos, saberes cientificamente burilados, tudo isso flui por meio de gêneros (orais, escritos e não verbais – que receberão ênfase adiante). A partir dos estudos do círculo de Bakhtin, percebemos que “o ser humano e sua consciência só se constituem como tal no fluxo da interação verbal, ou seja, nos diálogos e atitudes responsivas que estabelecemos com os enunciados de outrem no mundo social” (SZUNDY, 2014, p. 18). Em outras palavras, só nos constituímos a partir do contato com o outro; ainda que esse “outro” seja a interação com o texto de alguém, ou com algum pensamento diferente do nosso, ou alguma imagem que esteja em algum cartaz ou rede social – aí surge o conceito de dialogismo. Este é um dos conceitos fundamentais do círculo de Bakhtin. Adiante veremos que não somente a interação verbal produz o que dizemos e somos. Veremos que somos produzidos a cada prática social, a cada convite que aceitamos e posição que assumimos. Contudo, o que – nessa citação apresentada – mais interessa é o fato de constituirmos a nós mesmos a partir dos diálogos que estabelecemos. Assim, mais uma vez reconhecemos a relevância de conduzirmos alunos a estabelecer esse diálogo com aquilo que circula em sociedade. Ler é muito mais que uma atitude passiva, é aceitar um convite, aceitar uma provocação e colocar-se como interlocutor. Nisso, sentidos são evocados e produzidos, assim como autor e leitor produzem a si mesmos. Nós nos constituímos com/a partir da linguagem. Ler é dar de si, entregar-se, aventurar-se, produzir-se. É se precipitar/jogar em direção ao novo ou de se reconhecer ao encontrar o semelhante (como em um espelho). 36 Figura 19 – Pawelkuczynski41 Fonte: https://www.pictorem.com/2167/PawelKuczynski41.html. Acesso em: 31 mar. 2023. Exercer a docência, trabalhar com o material chamado “linguagem” e ignorar processos significativos como esse é perder de vista o que dá sentido à nossa profissão e produz mudança na vida das pessoas. É ignorar a riqueza da leitura – em sala e no mundo contemporâneo. 37 Neste tópico, você aprendeu: • O conceito de modernidade líquida a partir de Bauman (2001). A sociedade contemporânea flui em velocidade acelerada, criando, tornando obsoletos objetos e formas de ser e agir. Estamos inseridos, fazemos parte dessa sociedade. Um dos movimentos que ela nos oferece é a de nos expormos – realizando aquilo que Sibilia chama de show do eu. • A relevância do movimento intitulado Virada Linguística – que alterou nossa forma de compreender o mundo e analisarmos a nós mesmos. A linguagem e a análise dela – para entendermos a nós mesmos – ganharam centralidade. • O conceito de discurso, poder e as interdependências dos enunciados – estes formando redes. Vimos também que, ao enunciar, o sujeito assume um lugar, uma posição em relação ao outro, a um assunto, em uma determinada instância de enunciação. • Os conceitos de intertextualidade, heterogeneidade, enunciado, esferas (também chamadas de domínios) e gêneros. Estes todos de forma sucinta, dando suporte ao docente. • Que ler é exercício – para muito além de atitude de decodificar – de se colocar no mundo; exercer cidadania. RESUMO DO TÓPICO 1 38 Analise o texto verbal a seguir (1) e os desenhos seguintes (2, 3, 4, 5, 6, 7). Fonte: https://in.pinterest.com/ pin/594264113309498899/. Acesso em: 31 mar. 2023. Fonte: https://www.pictorem.com/. Acesso em: 30 mar. 2023. AUTOATIVIDADE 1 2 3 A partir do conceito de show do eu, pode-se perceber uma exposição das intimidades e das tarefas realizadas. Muitas dessas atividades dão visibilidade e senso de importância a quem se expõe. Muitas pessoas medem a si pelo número de curtidas recebidas e de amigos ou seguidores em redes sociais específicas. Da mesma forma, se frustram ao se comparar com “a vida” e com o número de curtidas/seguidores dos outros – por esse motivo, chegam a blefar uma vida distante da realidade. https://www.pictorem.com/ 39 Fonte: https://www. designerd.com.br/as- inteligentes-e-reflexivas- ilustracoes-de-marco- melgrati/. Acesso em: 31 mar. 2023. Tradução livre: “você, eu e meus seguidores”. Fonte: https://www. itsnicethat.com/news/ jean-jullien-modern-life- book-teneues-110117. Acesso em: 31 mar. 2023. 4 5 40 Sobre o exposto, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) Os textos 1, 5 e 6 são aqueles que têm algo em comum: a linguagem verbal; os outros não apresentam qualquer relação com os demais. ( ) Do texto 1 ao 6, pode-se perceber ligação entre eles. As linguagens são diferentes, mas apontam para discussões semelhantes. ( ) O texto 7 remete a um outro contexto e uso diferenteem relação aos outros textos (1 ao 6). ( ) O texto 3, acima de tudo, remete à relação do homem com Deus (por meio do confessionário) – por isso, este texto não estabelece relação com os demais. ( ) O texto 1 não estabelece relação com os demais. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a. ( ) F – F – V – V – F. b. ( ) F – V – V – F – F. c. ( ) V – V – F – F – V. d. ( ) V – V – F – V – V. Fonte: https://laparola.com.br/as-criticas- acidas-e-realistas-de-john-holcroft. Acesso em: 31 mar. 2023. Fonte: https://bit.ly/3zovHKG. Acesso em: 31 mar. 2023. 6 7 41 1 INTRODUÇÃO “Se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve”. William Shakespeare Este tema de aprendizagem discutirá concepções de leitura que fundamentam o trabalho com o texto – ainda que os professores não tenham clareza de sua própria concepção. A partir dessa afirmação inicial, pode-se chegar a uma conclusão: como é possível que apliquemos uma concepção sem que nos demos conta disso? A epígrafe desta introdução, de Shakespeare, inspira-nos a iniciar esta discussão. Sem embasamento, muitas vezes, a prática pedagógica cai na reprodução. Copia modelos com os quais conviveu – muitas vezes, em início de caminhada ou enquanto aprendia a ler. Antes de irmos a essas formas de entender a leitura, observe o desenho a seguir: Figura 20 – Pawel Art Fonte: https://www.listasliterarias.com/2019/11/10-fantasticas-ilustracao-e-importan- cia.html. Acesso em: 31 mar. 2023. OLHARES PARA A LEITURA UNIDADE 1 TÓPICO 2 - 42 Podemos observar na imagem um livro no formato de escada e uma TV ao lado direito – a qual está sendo assistida por três telespectadores. Você consegue perceber alguma concepção de leitura no desenho? Dependendo do seu conhecimento prévio, alguns elementos você já deve ter percebido. O conhecimento prévio – como será visto adiante – permite que façamos conexões entre aquilo que já conhecemos mais aquilo que está diante de nós. Estudos sobre memória e cognição, muitos advindos da Neurociência, apontam que essas conexões são fundamentais para a produção dos sentidos (consolidação de memórias). Por esse motivo, essa estratégia pode ser usada em sala ao se trabalhar leitura (textos verbais e visuais). Isso posto, anote no quadro a seguir aquilo que surgir – mesmo que sejam somente palavras-chave. Essas suas anotações serão relevantes em outro momento da discussão. Você poderá comparar suas anotações com o que virá. Agora, poderemos seguir adiante! 2 LER: PROCESSO COMPLEXO Se quisermos formar leitores, precisamos, portanto, refletir, antes de tudo, sobre: o que é ler? Para que serve? Quais são os objetivos de ler? Como vimos anteriormente, ler é uma atividade, uma prática social, ou melhor, práticas – afinal, existem várias portas de participação que ler possibilita. Das mais simples às mais complexas: desde pegar um ônibus, consultar algum catálogo de promoções de um mercado, reconhecer informações em um mapa, ler placas, ler bilhetes na geladeira, reconhecer signos em pintura ou desenho, compreender a crítica presente em alguma charge, reconhecer figuras de linguagem em textos verbais e não verbais, entre inúmeras possibilidades. A leitura, portanto, pode ser feita somente reconhecendo a superfície ou indo muito além, mergulhando, sorvendo, deglutindo os sentidos, transpondo-os, fazendo pontes, gerando desdobramentos – em (re)leituras, em ação, em construção, em debates, em produção de outros gêneros; assim por diante. Seja como for, neste livro há um conceito bastante caro: a compreensão de que ler é mais do que decodificar. Ler é também ler o mundo. 43 Se Freire (1988) afirmou que a leitura de mundo precede a leitura da palavra, aqui afirma-se: não somente precede, como é concomitante, essencial e são processos interdependentes. Leio o mundo, leio melhor a palavra (os signos, os sentidos). Leio melhor a palavra (os signos, os sentidos), leio melhor o mundo. Leio e entendo mais do mundo. Leio o mundo e mais entendo os materiais que leio. Caro acadêmico! Há algumas compreensões que – antes de virarem teoria por meio de algum intelectual – emergem por meio da literatura (prosa e/ou verso). Isso se dá uma vez que a literatura é sensibilização da percepção – bem por isso, reconhece antes alguns fenômenos. Assim, correntes teóricas infindáveis chegam, por vezes, muito mais tarde para dizer aquilo que já foi dito na literatura. Nesta, por vezes, já brotaram enunciados simples, sintéticos e pontuais. A literatura é mais livre, sem tantos compromissos com produções conceituais, experimentos, coleta de dados, entre outros. Por isso, nela vemos surgir de forma vanguardista aquilo que vira produção científica anos ou décadas depois – ou concomitantemente. Isso vai ao encontro da teoria que foi vista até o momento: não há enunciados que não se coloquem em uma rede de enunciados. A seguir, alguns versos ou excertos retirados de alguma obra da esfera literária sobre o que aqui é discutido: a leitura. • “O mundo é um belo livro, mas é pouco útil a quem não sabe ler” (Carlo Goldoni). • “Ler é sonhar pela mão de outrem” (Fernando Pessoa). • “Ler é beber e comer. O espírito que não lê emagrece como o corpo que não come” (Víctor Hugo). • “Muitos não sabem quanto tempo e fadiga custa a aprender a ler. Trabalhei nisso 80 anos e não posso dizer que tenha conseguido!” (Johann Goethe). Em tempo: quando estivermos fundamentando alguma discussão acadêmica – produzindo algum artigo ou TCC, por exemplo – devemos usar conceitos de autores que estudam a leitura e teorizam sobre ela. Em outras palavras, utilizamos conhecimentos que passaram pelo crivo do meio científico/ acadêmico. Produz-se ciência a partir da ciência. Ao citar literatura, deve-se fazer apenas como uma forma de reforçar a linha teórica empregada ou, ainda, demonstrar que há outras fontes. Afinal, se entendemos que o conhecimento forma redes, poderemos observar que enunciados se assemelham, encontram-se em fontes diferentes em tempos diferentes. Entendemos isso não apenas a partir de Bakhtin, mas também a partir de outros filósofos, como Foucault (1987). NOTA Retornando à linha – iniciada a partir de Freire –, ler melhor, aqui, corresponde a sutilizar a percepção. Enxergar as nuances. Poder ver e ser provocado pelo autor de algum texto verbal (falado ou escrito) e não verbal (desenho, pintura, peça publicitária, charge, tirinha, fotografia, entre outros). É aceitar o convite. 44 A leitura verbal exige o domínio de algumas ferramentas. A leitura de textos orais (escuta atenciosa, observação do turno, seleção da modalidade, dos vocábulos, da entonação) exige outras. A leitura de materiais não verbais ou multimodais (compostos tanto por elementos verbais quanto não verbais) convoca outras habilidades. Para que elas aflorem no momento da interação, precisam existir. Não é possível evocar algo que já não esteja presente ou consolidado. Por esse motivo, a leitura em sala é preparação para vida (atual e futura): estamos lidando com habilidades e competências que irão para além de nós professores. Nosso tempo com os alunos é limitado. Eles seguirão sem nós. Iniciamos esta etapa do livro pelo essencial: a compreensão de que ler (materiais que circulam) e ler o mundo estão imbricados. São indissociáveis. Há outro autor que corrobora a mesma perspectiva aqui abordada. Para Leffa (1996, p. 10), ler é “reconhecer o mundo através de espelhos. Como esses espelhos oferecem imagens fragmentadas do mundo, a verdadeira leitura só é possível quando se tem um conhecimento prévio desse mundo”. Ainda partindo da metáfora do espelho, essa relação estabelecida entre o leitor e a imagem (no espelho) não é padronizada, não segue receitas e nem pode ser prevista em sua totalidade. “A imagem que o espelho reflete pode ser compreendida como informação, ou conteúdo, grosso modo. O conjunto de informações contidas no reflexo constitui um todo organizado capaz de transmitir sentidose significados” (LEFFA, 1996 apud DURAN, 2009, p. 3). Veja, aqui vale destacar a palavra “capaz” – não quer dizer que irá. Afinal, a partir disso, o que deve existir é o papel ativo do sujeito leitor, que aceita esse convite de dialogar com o texto ou imagem. Vale ressaltar que há esferas em que os sentidos são mais amarrados pelo leitor – a ambiguidade é perigosa –, enquanto há outras em que a pluralidade de sentidos (entrelinhas) é bem-vinda e desejada. Difícil é dizer em que medida todos os gêneros de uma mesma esfera respeitarão a regras como esta – muitos deles se hibridizam. Contudo, há duas esferas que, postas lado a lado, nos ajudam a visualizar diferenças significativas. A esfera científica e a literária. 45 Quadro – Esfera científica e esfera literária Textos da esfera científica Textos da esfera literária Uma das características do texto científico deve ser a linguagem referencial – clara, objetiva, despojada dos torneiros literários que caracterizam a linguagem poética. A f inalidade do texto científico é transmitir informações e ensinamentos e, por esse motivo, não deve conter elementos que desviem o leitor de seu objetivo ou que tornem difícil a compreensão do conteúdo (ANDRADE, 2008, p. 8). Na literatura, principalmente a função poética da linguagem e a função emotiva ou expressiva estão muito próximas. Ambas podem se valer do mesmo tipo de linguagem – a poética – e o que as diferencia é o chamado foco narrativo. Quando predomina a função emotiva, o foco narrativo recai sobre a 1ª pessoa, o emissor ou enunciador é que sobressai no texto. Além das memórias, confissões e autobiografias, muitas vezes encontram-se reflexões ou exposições de fatos realizados pelo narrador, em 1ª pessoa (ANDRADE, 2011, p. 10). Fonte: Andrade (2011, p. 8-10) Algumas observações são necessárias: • Nessas esferas predominam essas linguagens acima definidas. Contudo, cada gênero passa pelas mãos criativas do autor e, ainda, alteram-se conforme as circunstâncias. Assim, precisam ser analisados em sua materialidade, naquilo que apresentam, um a um – ou seja, é um erro padronizar sem lançarmos um olhar, sem nos debruçarmos sobre os elementos que apresentarem. Em outras palavras: olhar para ele de fato, não somente olhar apressadamente e afirmar “este é científico, portanto...” – findando a análise neste ponto. • Cada gênero é rico, cheio de possibilidades analíticas. A esfera confere ao gênero certa estabilidade – estilística e de funções possíveis –, mas ainda assim cada texto é um texto que necessita ser, de fato, lido em sua singularidade. • O docente pode realizar essa análise antes de apresentar o material ao auditório que é a sua sala e, ainda assim, deve estar aberto a novos olhares que os alunos possam construir. Por isso, caro acadêmico, trabalhar leitura é diferente de trabalhar fórmulas matemáticas. Se em leitura uma só cabeça entende de A a T, 10 cabeças irão muito além, e isso é a própria natureza das aulas de língua/linguagem. • As esferas foram postas em paralelo apenas para que consigam visualizar diferenças – cada uma delas possui características. A jornalística tem suas próprias, assim como, por vezes, possibilita a circulação de gêneros próprios de outras esferas – quem nunca ouviu uma citação poética em alguma matéria jornalística (TV ou jornal impresso)? Sim, é viável – atendendo a motivações específicas. Nas mãos de um autor experiente, essa hibridização é bastante comum, afinal, autores experientes produzem efeitos de sentido fazendo uso de estratégias variadas. Por meio do domínio de variadas ferramentas e competências comunicativas, brincam com as palavras, constroem cenários, reinventam, contextualizam, retiram do contexto para provocar e desconstruir – entre outras inúmeras possibilidades na/a partir da língua/linguagem. 46 2.1 FORMAS DE ENTENDER A LEITURA As concepções que serão apresentadas nesta etapa do livro não pretendem encerrar todas as formas possíveis de compreender a leitura. Trata-se de oferecer algumas abordagens à apreciação e à reflexão do leitor deste livro. Em outras palavras, aqui não se pretende encerrar a discussão. Ao contrário, trata-se de alguns componentes a partir dos quais todos podem ir adiante; sempre há mais a se descobrir. Além do que, sobre o tópico leitura, há fontes variadas, perspectivas variadas. Lançar um olhar a elas nos ajuda a refinar nossa percepção (inclusive, ou principalmente, de nós mesmos e de nossas práticas). Vamos a elas! TEORIA “Esses sentidos e significados se irmanam na imagem do espelho, deixando algumas lacunas que deverão ser preenchidas pela mesma bagagem de conhecimento prévio que permitiu ao leitor a identificação dos detalhes da imagem. Esse processo de preenchimento de lacunas, quando ocorre, ilustra o momento em que o leitor lança seu olhar sobre o texto e usa suas referências de mundo para identificar aquelas contidas na imagem refletida. Agora, com algumas das lacunas já completas, o leitor é capaz de fazer deduções que vão preencher outras lacunas” (DURAN, 2009, p. 3). PRÁTICA A citação ao lado de fato pode ser claramente vivenciada por qualquer professor que se proponha realizar atividades de leitura/ interpretação em sala. Acima de tudo, quando a realiza de uma forma dialogada, no grande grupo (deixando a turma ir lendo, erguendo a mão, refutando, corroborando as ideias uns dos outros). Esse fluir interpretativo é difícil descrever sem vivenciar. Contudo, caso você tenha a oportunidade de realizar em alguma etapa da sua caminhada pedagógica, sem dúvida irá lembrar deste livro e desses escritos. É momento significativo e de construção de sentidos – é a pura construção, consolidação e evocação de habilidades e competências. IMPORTANTE 47 Duran (2009) apresenta três formas de compreender a leitura: bottom up, top down e interacionista. Comecemos pela bottom up. Nessa concepção, o papel do leitor é visto como algo passivo; não precisa desempenhar alguma atividade a não ser a de decodificar. Há uma inércia por parte de quem lê. “Trata-se de uma maneira de descrever justamente o percurso que faz a informação, ou seja, de baixo para cima, do texto para o leitor” (DURAN, 2009, p. 4). Nessa concepção, o leitor é conduzido pelo texto – o texto sabe, o leitor não sabe. O texto o direciona e o papel do leitor é ser capaz de seguir essa condução: deixar-se levar. A soberania é, portanto, do texto sobre o leitor (conforme a imagem procura ilustrar). Figura 21 – Unknow Fonte: https://therongolianstar. com/2012/05/20/awesome-artworks-by- -pawel-kuczynski/. Acesso em: 31 mar. 2023. A partir da metáfora do espelho supracitada, seria como se o espelho já tivesse uma imagem fixa, estática, limitada pela moldura – independente das características individuais daquilo que é refletido e do observador. A partir dessa concepção, aquilo que pode ampliar a possibilidade de leitura é o domínio gramatical. Acredita-se, também, que as palavras, por si só, são capazes de transmitir seus significados. 48 A segunda concepção trazida por Duran (2009) é a top-down. Nessa concepção, o caminho é entendido como sendo inverso daquele anteriormente apresentado. Aqui, o processo de leitura é visto nesta direção: do leitor para o texto (de cima para baixo). A partir dessa perspectiva, “o leitor é responsável pelo sentido, uma vez que a leitura é permeada por sua bagagem adquirida previamente, pois é acessando essa bagagem que ele atribui significado ao texto” (DURAN, 2009, p. 6). Assim, a soberania é do leitor sobre o próprio texto – a capacidade de atribuir sentidos está nas mãos de quem lê (conforme a imagem procura ilustrar). Figura 22 - Portrait of G.A. Fonte: https://www.wikiart.org/en/m-c-es- cher/portrait-of-g-a-escher. Acesso em: 31 mar. 2023. A partir dessa perspectiva, pode-se dizer que o leitor é aquele que ocupa o centro do espelho e o textorecebe papel secundário no processo de significação. Assim sendo, sua leitura não pode ser influenciada por mais ninguém – professor, orientador etc. Além do leitor, ninguém pode questionar aquilo que está sendo visto. O leitor ganha papel ativo e os sentidos são produto da ação do leitor. Pode-se enxergar aquilo que deseja dentro da moldura. O leitor possui esquemas mentais e, a partir deles, realiza sua atitude de inferir. Nas palavras de Duran (2009, p. 7), “o cérebro organiza e armazena as informações e, com a aquisição de novos conteúdos, reformula e expande os esquemas existentes”. Em outras palavras, aquilo que está na mente impera sobre o objeto. Como terceira concepção, o autor aponta a teoria interacionista. Nela, como o nome já diz, compreende-se a interação estabelecida: leitor e texto. O produto dessa interação é o sentido da leitura. Isso quer dizer, portanto, que há uma interação entre esses elementos: • dados e informações contidas no texto; • a bagagem cognitiva do leitor. 49 A partir disso, é possível haver o trânsito do signifi cado (DURAN, 2009) – conforme a imagem procura ilustrar. Figura 23 – Trânsito do signifi cado Fonte: http://www.economiacomportamental.org/nacionais/aspectos-socio-afeti- vos-infl uenciam-decisao/. Acesso em: 31 mar. 2023. Para que esse signifi cado ocorra, portanto, o conhecimento prévio – chamado de bagagem – é parte constituinte do processo de construção de signifi cados. Para ir além, é possível dizer que “uma leitura a respeito de um universo do qual o leitor não tem conhecimento pode resultar em menores quantidades de inferências, o que implica negativa e diretamente a compreensão da leitura” (DURAN, 2009, p. 9). Pode-se compreender, a partir disso, que há textos mais desafi adores – dependendo de quem lê – do que outros. Enquanto há textos que sequer motivam o leitor por, de fato, estarem longe dele, ou seja, o estudante não consegue ver sentido na leitura. Para que haja produção de sentidos e, também, para que o leitor vá além de sua condição atual, é preciso haver o trânsito, o processo de interação de fato – que o leitor reconheça o convite e o aceite, embrenhando-se no universo de descobertas. A leitura nessa concepção interacionista ocorre, portanto, de forma equilibrada: tanto o próprio texto (verbal ou não verbal), deixando lacunas em aberto para que o leitor realize inferências, como o leitor realiza a construção de pontes entre o que já sabe e aquilo que consegue perceber no texto. Essa interação corre conforme a necessidade e o convite feito pela situação de leitura – em que medida o texto oferece ou o leitor precisa realizar inferência não há como prever com antecedência. GIO IMPORTANTE 50 Nessa última perspectiva, vale ainda ressaltar que não se pode entender qualquer coisa, ou seja, algo completamente desconexo com o texto. O texto impõe limites (DURAN, 2009). Outros autores, quando abordam as formas de enxergar a leitura, utilizam-se de outros termos ou descrições. Vão ao encontro do que foi abordado até aqui, de outra forma, com outras palavras. Vamos a algumas delas. Colello (2010) sugere que existem algumas formas de entender leitura. Nas palavras da autora, há (1) a forma clássica de enxergar a leitura – decifração de um código que, termo a termo, possibilita a transposição de grafemas (letras) em fonemas (sons). Há, ainda, (2) uma concepção de que o texto possui centralidade, ou seja, ler é apreender a informação que o autor materializou no texto (há apenas uma leitura possível, aquela registrada pelo autor). Nessas duas, segundo Colello (2010, p. 48), pode ser percebido algo: ocorre uma exclusão “de um envolvimento mais ativo do sujeito que, de fato, permanece à margem do processo comunicativo”. PRÁTICA Muitas vezes o docente se surpreende com o andar das atividades. Muitas vezes, textos complexos, nas mãos dos alunos, viram simples – eles enxergam até o que não havia sido previamente imaginado pelo professor. Da mesma forma, algumas atividades de interpretação (construção de significados – individualmente, duplas, grupos menores ou o grande grupo), que aparentemente eram simples, tornam-se momentos de desafio em que os alunos demonstram ter que ir muito além e fazer conexões que eles mesmos dizem nunca terem feito. O papel do professor não é somente oportunizar tudo isso em sala. Também é parte de sua postura observar essas dinâmicas que ocorrem, observando o quanto que esse movimento é vivo e cheio de possibilidades educativas. Muitas vezes, brecando esse fluir é que se quebra momentos de construção da capacidade analítica e da independência leitora. É necessária, ainda, uma sensibilidade para perceber que alguns textos deixam mais lacunas, como textos não verbais e textos do domínio (esfera) literário. Esses textos abrem muito espaço para ambiguidades, polissemia, intertextualidade, provocação das visões de mundo, assim por diante. Assim sendo, não há como realizar apressadamente uma leitura que, em essência, pede pelo mergulho, pela entrega, pelo deixar-se levar. Por vezes, o próprio texto é um convite para ir além do que se é e do que se vê. IMPORTANTE 51 A mesma autora, adiante, apresenta a terceira forma de compreender a leitura. Nesta concepção, a leitura é vista como um processo complexo. O leitor precisa convidar conhecimentos prévios, experiências, reconhecer vozes sociais, preencher lacunas, buscar respostas a partir de entrelinhas, reconhecer motivações, entre tantos outros processos. Nas palavras de Colello (2010, p. 48), a partir dos postulados de Bakhtin, inaugura-se outra concepção de leitura que, superando a dimensão monológica da escrita, tem o mérito de recuperar a natureza essencialmente linguística da leitura, isto é, um processo interativo instituído pelo encontro de pessoas (o autor, o leitor e as múltiplas vozes que eles representam), que incide sobre a construção e reconstrução de significados. Trata-se de uma operação ativa que não só constitui as pessoas, como dá vida à própria linguagem. A partir dessa visão, entendemos que o texto não será o mesmo para todos os leitores e, ainda, nem o mesmo leitor irá ler o mesmo texto em todos os momentos. Ler sobre um assunto familiar é completamente diferente do que ler sobre algum conteúdo desconhecido. Assim, não há como trabalhar leitura sem convidar os estudantes a evocar ou ampliar o conhecimento de mundo (COLELLO, 2010). Assim, um texto que pode parecer óbvio ao professor – todos os componentes evidentes e o contexto –, para o aluno, faltando alguma informação/contextualização, pode ser um momento sem sentido, sem produção de sentidos, sem que ele se sinta sequer convidado a se debruçar atentamente na/para a leitura. Assim, pode-se dizer que não há um texto autônomo e autoevidente, mas há uma “situação relacional que se coloca no encontro entre autor e leitor: o texto necessariamente como um convite à construção de sentidos, tomando como base o aporte de outros discursos, textos e conhecimentos (COLELLO, 2010, p. 50). Silva (1999) traz algumas abordagens reducionistas. Ler é traduzir a escrita em fala, ler é decodificar mensagens, ler é dar respostas a sinais gráficos, ler é extrair a ideia central, ler é seguir os passos da lição do livro didático, ler é apreciar os clássicos. Depois disso, o autor apresenta o que, na visão dele, é o que devemos buscar em nossas salas: ler é interagir – o que vai ao encontro do que, até o momento, foi discutido a partir de outros autores. Válido é dizer que esses tópicos “reducionistas” podem fazer parte de nossas aulas. A questão é: que eles não sejam os únicos objetivos na/a partir da leitura. Pois bem, neste momento poderemos retornar à Figura 20, apresentada na introdução deste tema de aprendizagem. Analise novamente a figura e procure observar os sentidos. Depois do que foi discutido ao longo dessas páginas, aquilo que se vê é outro universo, não é mesmo? Você pode, inclusive,retornar as suas anotações nas páginas anteriores – quando a imagem apareceu pela primeira vez. O olhar é outro, pois a percepção foi apurada pela discussão teórica. Eis um exemplo do que acontece o tempo todo em se tratando de leitura. Discutir um tópico amplia a visão sobre o assunto. 52 Caso não tenha visto nada de diferente, olhe novamente, tente mais um pouco (só siga lendo o texto a seguir caso tenha se deixado levar pelo convite do autor do desenho). Tente novamente antes de ler o parágrafo seguinte. No desenho há uma gama de compreensões possíveis. A começar pelos sujeitos que são lá definidos. Um deles está subindo os degraus dos livros: leitura pressupõe, portanto, papel ativo de quem lê – passo a passo, um caminhar (algo não pronto e fácil). Já os três sujeitos que ficam abaixo do livro permanecem parados, “recebendo” conteúdo pronto que vem pela TV. O homem que sobe tem uma bengala (velhice associada à sabedoria), enquanto os outros estão de boné (item mais utilizado por pessoas jovens; idade associada à falta de sabedoria ou, ainda, representando uma geração desinteressada por estudar e ir além – a partir daqui, trata-se de inferência: depende muito da visão de mundo de quem lê). Não se pretende definir o desenho em sua integralidade – seria inocência crer que uma só pessoa é capaz de findar as leituras possíveis. Saber silenciar também tem um fim pedagógico. Na primeira vez que o desenho (Figura 20) foi apresentado, o título original foi ocultado. O autor o intitulou “Disable” (tradução livre: incapacitar). O título foi ocultado para não orientar a leitura. Aqui está uma atividade possível junto aos alunos: imagens sem título e imagens com o título. Sem título, a leitura fica muito mais desafiadora. Após a apresentação do título, é possível compreender tal delimitação deixada pelo autor das obras. Caso os desenhos/obras/pinturas tenham títulos em inglês, hoje existem formas muito práticas (on-line inclusive) de tradução de tais títulos. É possível que você tenha visto outros detalhes que sequer tenham sido previstos neste livro. O texto não verbal pode ter provocado você de forma diferente – desde que não fujam completamente daquilo que o texto deixa como pistas. 2.2 LEITURA NA ESCOLA Conforme o que foi apresentado no início da seção anterior, as concepções apresentadas não pretendem encerrar todas as formas possíveis de compreender a leitura. Sempre há mais a se descobrir. Sempre há mais a ser discutido. Essas concepções, por serem socialmente construídas e transformadas, chegam a nós, afetam-nos. Muitos de nós as temos como verdades e, por consequência, as temos em nossas práticas cotidianas – ainda que não notemos esse fato. Estudar essas concepções nos ajudam a lançar um olhar sobre nós e sobre as funções da escola, principalmente, no que compete à nossa área de atuação. No que tange à leitura, a escola tem um papel relevante nesse processo. Como afirma Klebis (2008, p. 37): 53 A importância da instituição escolar no processo de formação de leitores e na constituição de práticas de letramento mais significativas no interior das escolas, apesar de largamente discutida, além disso permanece distante de encontrar seu verdadeiro lugar e, ainda que a escola não seja a única instância responsável pela dinamização das relações entre os sujeitos e os objetos culturais, seu papel na construção dessas relações é primordial, de modo que não podemos pensar a leitura sem considerar o papel da escola. A partir disso, podemos compreender que ignorar esse papel da escola é deixar de aproveitá-lo, instrumentalizando os sujeitos com ferramentas essenciais. Podemos entender como objetos culturais tudo aquilo que chega a nós por variados meios (TV, computador, jornais, celulares, entre outros). Visualizando o trabalho de leitura, ela se amarra ao próprio sentido de haver educação. Nas palavras de Lima (2014, p. 65), a educação tem uma finalidade maior, que é: a de elevar o homem à categoria de sujeito de sua própria história em construção, mediatizada pela compreensão, interpretação e crítica (essas sempre em processo) de sua realidade (envolvendo aqui toda a valoração do homem em sua totalidade: social, política, econômica, mas acima de tudo do homem como homem, propriamente dito). A partir da leitura na/a partir da escola, poderemos contribuir com o próprio sentido de haver educação. Não é uma atividade isolada, é um componente curricular que cria um diferencial para com todos os outros. Estudar diferentes concepções enriquece, portanto, nossa prática e, por sua vez, promove avanço constante aos alunos quanto à leitura. Por ser um processo, nunca está encerrado, é uma constante. Sempre é possível ir além. Ainda, sobre a leitura na escola, Grotta (2001, p. 148) afirma que “a figura do professor como leitor e modelo de leitor para seus alunos é uma das experiências escolares mais significativas no processo de formação destes como leitores”. Lajolo (2005, p. 28) corrobora a mesma ideia: “assim como, falando conosco em uma determinada língua quando éramos pequenos, adultos e crianças mais velhas nos ensinaram a falar essa língua, é em situações coletivas de leitura que nos tornamos leitores”. Segundo esses autores, ler em voz alta também é uma estratégia relevante na sala de aula. Por meio dela, o professor demonstra domínio do que se lê, envolvimento e, certamente, prazer ao realizar tal empreendimento. A partir disso, pode-se verificar a relevância de os alunos terem modelos de leitores que mostrem entusiasmo ao ler. Assim, os docentes, ao realizarem as atividades com os alunos, demonstrando entusiasmo, ampliam a possibilidade de formar sujeitos que irão ler para além da escola. Em tempo: esta é uma das estratégias e, além disso, o ideal é não terminar por aí – é um momento no processo de produção do gosto pela leitura e na produção dos sentidos a partir do texto. 54 Como docentes, conduzimos o encontro dos sujeitos com os textos verbais e/ ou não verbais. Sim, o professor também participará, entusiasmadamente, da leitura do texto não verbal – ainda que saiba a hora de aguardar o aluno se expor. Nessa condução, independente da natureza do texto, é necessária uma postura pedagógica que contribua com o processo. Vamos observar um erro comum dos professores: querer impor um caminho em vez de partilhar as possibilidades. É justamente nisso que consiste o exercício de desenvolvimento da leitura – verificar em que medida a leitura do outro é uma possibilidade que se vem agregar à minha leitura, que, por sua vez, completa uma terceira, e assim por diante. Ao abrir, para o aluno, o caminho para a partilha de leituras múltiplas, desenvolve-se sua habilidade de leitura plena e, a reboque, pode-se conquistá-lo como leitor. Em vez de torcer o nariz para os livros porque “eu nunca acerto o que o professor pergunta do texto”, nosso aluno passa a ter confiança em seu poder de compreensão e vai avançando cada vez mais (CAPELLO, 2009, p. 183-184). Isso não quer dizer que professores não podem ou nunca irão errar. Essa sensibilização é produzida ao longo da caminhada, aos poucos. Contudo, é necessário desejar e reconhecer a relevância de promover esses espaços de produção de sentidos em sala. Sabendo – com base na teoria – que se trata de algo relevante, os professores poderão, portanto, ir caminhando nessa direção e ir burilando a si mesmos e a sua didática. Como dito anteriormente, não há fórmulas: há objetivos e, rumo a eles, desenvolvemos estratégias, abordagens, aulas, planos e atividades. Se os alunos seguem para sempre em desenvolvimento das habilidades de leitura, os professores também seguem, sem cessar, lapidando suas formas de trabalhar leitura em sala. Esse processo também segue em constante evolução – a começar pelo fato anteriormente discutido: o mundo não para de gerar discursos, enunciados, ferramentas, novos aplicativos, novas redes e gêneros textuais variados.É possível que, em algum momento, tenha pensado que leitura em voz alta deve ser uma prática voltada somente a crianças em início de alfabetização ou recém-alfabetizadas. Isso não é correto. Inclusive em Educação de Jovens e Adultos é possível perceber quanto a leitura em voz alta oferece estímulos à formação de leitores. Muitos alunos adolescentes e adultos relatam que ouvir um texto os leva a perceber quanto pode ser envolvente visualizar a riqueza de expressões e entonações em uma leitura bem desenvolvida. O texto – segundo eles –, quando no papel, parece frio e sem vida. Perceber essa vida pode ser um salto na formação de leitores. Essa vida pode ser na expressividade possível, na carga sentimental que pode ser empregada na leitura e, ainda, na riqueza de sentidos a serem explorados por meio de atividades de interpretação. NOTA 55 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu: • A relevância de o docente ter uma fundamentação, uma prática iluminada pela teoria. • A complexidade da atividade de leitura. A começar pela leitura de mundo – a relação estreita existente entre ler e ler o mundo. Uma leitura ampliando a outra. • Que ler na escola tem o objetivo de desenvolver habilidades e competências que serão úteis na vida dos alunos. Não perdendo de vista o propósito da educação que é levar os sujeitos além das circunstâncias nas quais se encontram. • A relevância de o docente se debruçar sobre o estudo da sociedade e de formas de enxergá-la – para que, a partir disso, possa desenvolver abordagens significativas. • Um breve paralelo entre a linguagem científica e literária, visualizando as diferenças. Ressaltando que cada gênero não pode ser previsto em sua integralidade – é necessário lançar um olhar para a materialidade. • Três concepções de leitura: bottom up (centralidade no texto), top down (centro da significação é o leitor) e a concepção interacionista (construção de sentidos a partir da relação leitor/texto). • Outras três formas de realizar a leitura: ler as linhas (literal), ler as entrelinhas (inferências) e ler por trás das linhas (compreender posicionamento, crenças, pontos de vista). 56 1 Alguns conceitos apresentados ao longo da unidade serão convocados para a análise das imagens. Principalmente os conceitos de intertextualidade e as concepções de leitura. Analise os desenhos e responda ao que se pede. AUTOATIVIDADE 1 2 Fonte: https://bit.ly/3lQKoTD. Acesso em: 31 mar. 2023. Fonte: https://bit.ly/3lUpva5. Acesso em: 31 mar. 2023. 57 A partir das imagens e dos conceitos estudados, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas. ( ) Os desenhos (linguagem visual/não verbal) devem ser lidos (analisados, interpretados) tanto quanto qualquer texto verbal – sem a análise, os elementos que compõem as obras e os sentidos por elas provocados podem passar despercebidos. ( ) Os desenhos possuem em si mesmos tudo aquilo que é necessário para realizar a leitura – assim, basta que o leitor seja hábil em perceber os detalhes, decodificando a linguagem; chegando, assim, ao que o artista quis dizer (concepção bottom up da leitura). 3 4 Fonte: https://bit. ly/3ZBrI82. Acesso em: 30 mar. 2023. Fonte: https://bit.ly/40NQxyA. Acesso em: 30 mar. 2023. 58 ( ) Se o leitor for hábil e tiver um vasto conhecimento de mundo é fato que conseguirá produzir uma leitura apropriada de cada um dos desenhos (concepção top down da leitura). ( ) Os sentidos são produzidos a partir dos elementos que compõem as obras e o leitor que irá se debruçar sobre elas. Por esse motivo, dependendo de quem lê, vai chegar a um nível de leitura ou irá perceber outros elementos não evidentes – como críticas sociais, intertextualidade, crítica à política ou a sistemas político-econômicos, comparação da literatura com o estilo de vida moderno, formas de explicar a origem do homem, entre outros. Nessa relação entre leitor e texto se produz a compreensão (concepção interacionista da leitura). ( ) Somente os desenhos 1, 2 e 3 apresentam relação com outros textos (intertextualidade). Nessas três, estabelece relação com a literatura (Shakespeare, Chapeuzinho Vermelho e Pinóquio). Em se tratando do desenho 4, não se pode apontar relação de intertextualidade, uma vez que se pode perceber associação do desenho com algo fora da literatura: a Bíblia (os mandamentos marcados na lápide de Moisés) e a teoria da evolução das espécies criada por Darwin. ( ) Todos os desenhos possuem uma característica em comum: estabelecem relação com algo anterior, já produzido – um texto literário, bíblico ou uma teoria científica. Por esse motivo, em todos eles pode-se ver a presença da intertextualidade. Dependendo do conhecimento prévio – da literatura, da Bíblia e da teoria de Darwin –, a intertextualidade será ou não percebida – ainda que o artista tenha desejado estabelecer relação com textos anteriores. ( ) A intertextualidade se apropria de narrativas, histórias e teorias anteriormente produzidas para construir algo pretendido: uma crítica, oportunizar uma reflexão, materializar algum comportamento humano, entre outras funções. O sentido é deslocado, ou seja, algo é retirado de seu contexto (como Hamlet, Pinóquio, Chapeuzinho Vermelho, os macacos e a lápide) para fazer parte (compor um desenho) e produzir um efeito desejado – almejando provocar o leitor de alguma maneira. ( ) Uma cena de Hamlet é evocada (o “ser ou não ser”) – a caveira sai de cena e, em lugar disso, o homem moderno hoje tem suas questões voltadas ao dinheiro (representado pelo porquinho). A Chapeuzinho é evocada em um momento da narrativa em que está sozinha na floresta, à mercê do lobo. Este é trazido nas bengalas seguradas por mãos masculinas (que, no contato com o chão, evocam as árvores da floresta). Quem ronda a Chapeuzinho não mais é o lobo – este é lembrado de forma simbólica (o que ele significa). O Pinóquio é convidado no desenho 3 – o nariz do personagem crescia sempre que mentia (o nariz é um monumento). No desenho 4, há a presença de duas formas de o homem ver a si no mundo – ambas evocadas para produzir efeitos variados. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) V – F – F – V – V – V – F – F. b) V – F – F – V – F – V – V – V. c) F – F – V – V – V – F – F – V. d) F – V – V – F – F – F – V – F. 59 1 INTRODUÇÃO O termo letramento – devido a sua importância – aparecerá inúmeras vezes ao longo da caminhada acadêmica: em disciplinas, na leitura de artigo, em vídeos e outros materiais pedagógicos. Em se tratando de escrita ou leitura, de um jeito ou de outro, haverá a vinculação do conceito de letramento. Neste livro, não será diferente. Trata-se de um conceito relevante para formar o quebra-cabeças teórico-prático aqui apresentado/proposto. 2 CONCEITUANDO LETRAMENTO Em todos os aspectos da área de Letras ou da prática pedagógica, pesquisar, buscar conhecer e compreender as bases teóricas é, sem dúvida, minimizar o caos. Sem teoria, sem norte, o sujeito apenas caminha sem direção. Segue sem saber ao certo para onde vai ou onde está. Sai-se do “vou seguindo como consigo”. Figura 24 – Relativity Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/ru/a/a3/Escher’s_Relativity.jpg. Acesso em: 30 mar. 2023. TÓPICO 3 - LETRAMENTO UNIDADE 1 60 Começa-se a visualizar um todo mais coerente – ainda há a presença do movimento, do fluir, afinal, como já dialogamos, não há fórmulas acabadas. Contudo, forma-se um todo mais organizado – o quadro teórico se torna mais harmonioso e as direções e possibilidades passam a ser vistas com mais clareza. Figura 25 – Day and night Fonte: http://www.mcescher.com/. Acesso em: 30 mar. 2023. Essas práticas são influenciadas pelas instituições sociais que as propõem e exigem, e cada instituição possui suas próprias práticas sociais específicas com objetivos distintos. Por exemplo, em hospitais é comum encontrar documentos como bulas, receitas médicas, termos de responsabilidade e atestados, enquantoem igrejas é comum encontrar folhetos, músicas, livros e livros de cânticos. Nos livros em que se pode encontrar o tema, há três crenças principais envolvendo o letramento: (1) todas as pessoas são letradas, (2) alfabetização e letramento desenvolvem-se ao mesmo tempo e (3) primeiro ocorre a alfabetização, depois o letramento. Muitos autores divergem nas suas posições a respeito dessas três formas de compreender o letramento. Este livro vincula-se à ideia de que o letramento pode começar antes da alfabetização e seguir desenvolvendo-se com ela, como também pode começar na alfabetização e seguir depois que uma pessoa é considerada alfabetizada. Quando um adulto envolve uma criança em alguma atividade de leitura, esta está participando de uma prática social de leitura – mesmo que não seja alfabetizada. Não acreditamos em termos extremistas (carimbos), como pessoas letradas ou pessoas iletradas, mas acreditamos em níveis de letramento. Há pessoas que participam de algumas práticas enquanto permanecem alheias a outras. 61 Se considerarmos letramento apenas como uso cultural da escrita, teremos que considerar como não letradas todas as pessoas que, por serem analfabetas, não a utilizam de maneira independente. Entretanto, essas pessoas podem apresentar uma relação diferente com a escrita, por exemplo, por conhecer algumas de suas funções. É o caso dos analfabetos que ditam cartas aos escribas. Embora não saibam redigir as cartas, eles conhecem sua função e, muitas vezes, sua estrutura textual. Aqueles que residem em grandes centros urbanos, embora não saibam ler, conhecem a função da escrita presente nos veículos de transporte coletivo, a função das placas identificativas e orientadoras de locais. Não leem e não escrevem, mas já têm algum conhecimento da função social da escrita e, por isso, não podem ser considerados basicamente não letrados (TERZI; PONTE, 2006, p. 667). Há esferas/domínios em que o sujeito é hábil na interação e outras em que não. Se o sujeito não tiver “mergulhado” em diversas esferas e tendo contato com os textos orais e escritos que circulam, ele não poderá desenvolver a competência linguística nelas. A escola, criando situações fictícias a partir das situações/práticas reais, nas quais o aluno tenha que escrever alguns gêneros que circulam nessas esferas, contribui para que, quando ele tiver de ter autonomia, consiga ter bom desempenho linguístico. Logo, ele pode ser considerado letrado naquele contexto – não será uma consequência dominar todos os outros contextos e respectivos gêneros. Aprende-se a ler o gênero x, lendo o gênero x. Aprende-se a escrever o gênero y, escrevendo o gênero y. Aprende-se a ler fábulas, lendo fábulas. Aprende-se a ler contos, lendo contos. Aprende-se a escrever contos, primeiro lendo contos e, depois, escrevendo contos. 3 ESCOLA E AS PRÁTICAS SOCIAIS Dependendo dos anseios do sujeito e das práticas sociais com as quais ele se envolve, um ou outro gênero (oral ou escrito) tornam-se desnecessário e outros essenciais. Contudo, como a escola pode prever quais serão os gêneros essenciais na vida de cada um? Exatamente por não ser possível prever, mesmo que consiga conhecer anseios e desejos dos alunos, é que a escola faz circular nela gêneros variados. Dessa forma, a escola oferece o convite aos sujeitos a migrarem pelos contextos, a participarem, a serem hábeis em diferentes contextos, na leitura e na produção de gêneros (orais, escritos e não verbais). Imagine quão inocente é a postura de um docente caso acredite que é capaz de eleger um segmento em detrimento de outros. Há sim gêneros que exigem mais tempo, atividades sistemáticas, abordagens diferenciadas – tendo em vista a complexidade e os componentes que ele precisa dominar para realizar uma leitura proveitosa. Contudo, ainda assim a riqueza dos materiais que circulam não pode ser ignorada. 62 A escola deve reconhecer que o texto, as funções, as motivações, o contexto de produção, quem produz e para quem produz são todos elementos indissociáveis e promotores de uma compreensão mais ampla daquilo que se lê. Podemos compreender que cada texto. É uma invenção social e histórica de um grupo humano e adota formas diferentes em cada momento e lugar. Essas também evoluem ao mesmo tempo em que a comunidade. Aprendemos a usar um texto [ler, escrever, falar] participando dos contextos em que ele é usado (CASSANY, 2006, p. 3, tradução livre). A partir de Cassany (2006), podemos compreender que se a escola perder de vista os usos sociais – as práticas que existem em sociedade –, perde de vista o sentido de letramento. Da mesma forma, perde a oportunidade de contribuir com a fluidez do sujeito em sociedade. Quanto mais ele puder visitar, participar e se produzir em diferentes contextos, mais ele pode ser e agir no mundo. Magda Soares (1998, p. 20) compreende que “não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente – daí o recente surgimento do termo letramento”. Quanto maior for o número de práticas sociais ou usos da língua que o sujeito dominar, maior será sua facilidade de interagir socialmente. É possível diferenciar ao menos três maneiras de abordar o ensino dos gêneros (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004). Vamos a elas! Desaparecimento da comunicação: não há uma relação com uma situação de comunicação legítima, ou seja, os gêneros são utilizados como instrumentos para desenvolver e avaliar as habilidades de escrita dos alunos. A escola como lugar de comunicação: situações são criadas onde a escrita é mesmo necessária – um aluno escreve para o outro, classes escrevem umas para as outras, enfim, as situações são criadas de forma fictícia. A negação da escola como lugar específico de comunicação: sai-se, nessa concepção, da visão de que há uma distinção entre o que é externo e interno à escola. Dessa forma, procura-se fazer com que as práticas sociais entrem, como tais, na escola. IMPORTANTE 63 Figura 26 – Cycle Fonte: https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRJLKtX9C3nGvn- txm3dtMgmsy9ryXAknW2Bx5UJUGOZ8fBZBtl1. Acesso em: 30 mar. 2023. Com base nessa diferenciação entre as três formas, este livro corrobora com a terceira forma de se trabalhar o gênero – a negação da escola como lugar específico de comunicação. Assim, oferece contribuição com relação ao letramento. A preocupação quanto ao letramento vai muito além da alfabetização, importa-se com os usos sociais da leitura e escrita. Anteriormente, a escola entendia que precisava formar o cidadão para ocupar (um) lugar, encaixar-se em locais socialmente constituídos. Atualmente, ainda há a compreensão de que lugares existem (posições a serem assumidas). Contudo, numa perspectiva de modernidade líquida, os sujeitos precisam fluir muito mais em vários espaços, dominando linguagens e ferramentas variadas. 64 Figura 27 – Drawing Hands Fonte: http://s2.glbimg.com/BhW8chE1YUm889p1Kqkz7XAFiNs=/491x425/top/i.glbimg. com/og/ig/infoglobo1/f/original/2015/08/31/511938-escher.jpg. Acesso em: 30 mar. 2023. Atualmente, há uma visão mais ampla do sujeito em sociedade. Da mesma forma que ele se insere em práticas (essas em que ele assume posições e lugares), ele é produzido por elas. Essa é a atuação do homem no mundo e do mundo (das práticas) sobre o homem. Assim, a leitura e a escrita estão intimamente ligadas à produção de quem somos e das ferramentas comunicativas (habilidades e competências) de que dispomos. Seguindo a discussão das práticas e o papel da escola, Geraldi (1997) faz uma distinção entre produção de texto e redação. Produção de texto, no entendimento do autor, é um escrever na escola, ou seja, a escrita não perde seu sentido público. Redação é um escrever para a escola, que pode ser entendida como uma simulação. Em tempo: não quer dizer que, por vezes, a simulação não vá existir – afinal, práticasda sociedade são convidadas a circular no espaço chamado “escola”. Contudo, é possível procurar não isolar a escola desse todo social. Ela é uma instituição que é parte da sociedade. Essa sociedade contemporânea é vislumbrada a cada prática de leitura e escrita. NOTA 65 Da mesma forma que os sujeitos devem fluir, os sentidos também não são predefinidos. Trabalhar leitura e escrita, no mundo contemporâneo, precisa da compreensão de que “os significados são desestabilizados e transformados em processos sempre históricos de transformação social, cabe à escola questionar a estabilidade dos significados para transformá-los” (SZUNDY, 2014, p. 20). Como já apresentado anteriormente, na concepção de leitura como interação, os sentidos não precisam ser descobertos apenas como se integralmente estivessem expostos, bastando serem capturados, os sentidos são produzidos a partir da leitura, da imersão e da bagagem do leitor. Essa percepção leva o docente a ter uma postura que instiga sempre outras leituras, interrogando, instigando, problematizando, associando a outros sentidos, outros textos, outros assuntos, assim por diante. 4 UM OLHAR PARA A SALA DE AULA Ainda, na mesma esteira caminham as teorizações de Kleiman (2014). A autora observou práticas de leitura e escrita em salas de aula da EJA e, a partir disso, conseguiu chegar a alguns apontamentos (em seguida sumarizados). Essa postura da autora também pode ser desenvolvida por todos nós. A caminhada acadêmica também contribui para essa formação, devemos ser professores-pesquisadores. Estes permanecem em movimento, com uma postura analítica – posição relevante tendo em vista a modernidade líquida, já abordada. Quadro 2 – teorizações de Kleiman (2014) Análise da autora Comentários Nas três aulas a que assisti recentemente, todas as atividades desenvolvidas – leitura e interpretação de textos utilizando diversas linguagens – eram, em princípio, relevantes para o letramento do aluno e as estratégias utilizadas pelo professor para atingir os objetivos eram adequadas: uso dos conhecimentos prévios para realizar hipóteses de leitura, uso do dicionário para descobrir significados de palavras desconhecidas no texto escrito e produção de um parágrafo por escrito, interpretando uma declaração do protagonista do filme assistido. Não houve, como no passado, tentativas desesperadas de dar alguma resposta, qualquer resposta às perguntas dos estudantes; sem dúvida, o professor hoje não acha que deve ser onisciente A autora, neste excerto, demonstra: 1) Uma postura investigativa que muito contribui com as discussões de nossa área. Realizar observação em salas possibilita que haja uma melhor compreensão daquilo que é práxis cotidiana. Dá-nos uma possibilidade de discutir a partir do real e repensar caminhos, possibilidades e estratégias. 2) Uma sensibilidade com a didática. 3) Um domínio teórico que sensibiliza o olhar para a prática. Análise da autora Comentários 66 Interromper um envolvente debate entre os adolescentes da turma sobre um filme, para voltar ao modelo de responder a perguntas por escrito (uma ação que pode estar baseada em alguma concepção sobre a escrita na qual a oralidade e a interação oral não são relevantes para aprender a ler e escrever) pode ser muito frustrante para o aluno, além de ignorar especificidades da linguagem cinematográfica susceptíveis de exploração. Aqui se encontra mais uma percepção relevante de Kleiman (2014). Há um currículo a ser cumprido, um conjunto de conteúdos a ser abordado no prazo x. Por esse motivo – e muitas vezes por falta de organização –, o docente acaba por atropelar momentos em que a leitura flui em sala. Acaba por sintetizar, a limitar (dentro de perguntas e respostas previstas), afinal, não há tempo hábil para que os alunos possam exercer essa atitude frente aos textos (orais, escritos, não verbais e híbridos). Análise da autora Comentários [...] a concepção da escrita é ainda a de uma prática independente do sujeito, da história, não situada no tempo e no espaço, em oposição aos usos da língua oral. A ‘modernidade científica’ não conseguiu suplantar as práticas escolares de letramento no início do século e parece também estar perdendo a batalha hoje, pois as funções sociais da leitura não estão orientando as práticas de ensino. Dois tópicos: 1) Na fala, costuma-se lembrar que aquele dado momento refere-se a uma situação concreta que precisa ser levada em consideração (para entender e para colocar-se ativamente no processo). Contudo, esses aspectos são esquecidos ao serem lidos materiais escritos (verbais e não verbais). 2) As funções sociais da leitura seguem sem serem consideradas durante as aulas. Fonte: Kleiman (2014, p. 74-75) As funções sociais da leitura não estão orientando as práticas de ensino, que não levam em conta as finalidades do uso da língua escrita. Além de minimizarem as possibilidades de leitura: um só jeito de ver e compreender –, muitas vezes amarrado ao livro didático e respostas lá esperadas. Em vez disso, Szundy (2014) sugere a relevância do embate e da desestabilização. Nas palavras da autora, esses dois processos são fundamentais para a transformação; fundamentando “uma educação responsivo-responsável [que] esteja aberta às contradições e à alteridade” (SZUNDY, 2014, p. 22). Ainda, vê-se em muitas práticas o ato de ignorar comentários e apreciações de alunos que não estejam dentro do esperado – muitas vezes por insegurança –, enquanto esse comentário poderia ser aproveitado e amarrado ao que está sendo abordado ou, pelo menos, servir de ponte para outros tópicos (ainda que não sejam verticalizados naquele dado momento). 67 Se a maioria dos professores não entende a linguagem como um processo de interação e não compreende o que é letramento (ainda que o próprio conceito seja múltiplo e amplo), dificilmente ele poderá ter uma prática pedagógica focada no desenvolvimento da competência comunicativa nas diversas práticas sociais. Quanto maior for a demanda social, maior será a exclusão dos que não possuem instrumentos para responder a ela. Seria ingenuidade imaginar que a educação é igual para todos. A organização da sociedade, como se mantém, é elitista, funciona como um funil. Os professores, tendo consciência desses processos podem contribuir muito na educação de seus alunos. Estudarmos o que autores e pesquisadores discutem sobre a nossa área é de grande valia. Contudo, por vezes, o que a teoria pode trazer de mais valioso são as provocações e as interrogações. A partir delas, somos provocados a ir além, a investigar, a ler mais (sim, como poderemos formar leitores se nem nós mesmos pesquisamos lemos – sobre nossa área e os variados gêneros que circulam nas mais variadas esferas?). Um exemplo dessa provocação é encontrado em Kleiman (2014, p. 75): Quais são as finalidades contemporâneas da leitura e da escrita no mundo atual? Quais as práticas mobilizadas e as atividades realizadas na escola para atingir essas finalidades? O que significa ser letrado na contemporaneidade? Quais modalidades sociais de leitura não podem ser ignoradas em instituições do mundo contemporâneo? Essas perguntas fazem com que retornemos ao que foi apresentado no início desta unidade. Para ensinar a ler e a escrever é preciso compreender a contemporaneidade, as práticas e, inclusive, as habilidades que esta disciplina pode ajudar a desenvolver. Assim sendo, os escritos desta unidade não pretendem dar conta de tudo. Muito pelo contrário, esses escritos têm o objetivo de provocar um olhar mais sensível ao social, às realidades dos estudantes, às práticas de que participam, que participarão, que são significativas e que, ainda que não gostem, contribuem para o desenvolvimento de habilidades linguísticas e pragmáticas essenciais. Sim, afinal, apesar de conseguirmos dar uma abordagem, o mais interessante que formos capazes, por vezes, os alunos não demonstrarãointeresse. Até aqui você já deve compreender como tudo se encaixa. Conhecer o mundo atual, as práticas e trabalhar que a leitura e a escrita são indissociáveis. Anote, aqui, com suas palavras, um pequeno parágrafo sobre: Por que ler na escola necessita ter em vista contextos reais de comunicação? ATENÇÃO 68 Procurar utilizar de criatividade – envolvendo os alunos em atividades significativas – não quer dizer que sempre gostarão. Caso o docente se molde pelo que o aluno gosta ou não, acreditará que este tem a capacidade de decidir aquilo que lhe é e será útil. Ouvir, estar atento ao que eles dizem, querem, desejam é relevante, claro. Contudo, há uma linha tênue entre ser dialógico e moldar o caminhar escolar pelo que eles querem. Esse saber é do professor e da instituição, com base naquilo que vem sendo frisado a todo momento nesta unidade: fundamentação teórica. Onde há fundamentação há, consequentemente, uma prática que de fato é significativa, construtora de subjetividades e formação de leitores – de mundo e de textos. 69 LER O MUNDO Affonso Romano de Sant’Anna Tudo é leitura. Tudo é decifração. Ou não. Ou não, porque nem sempre deciframos os sinais à nossa frente. Ainda agora os jornais estão repetindo, a propósito das recentes eleições, “que é preciso entender o recado das urnas”, ou seja, as urnas falam, emitem mensagens. Cartola – o sambista – dizia “as rosas não falam, as rosas apenas exalam o perfume que roubam de ti”. Perfumes falam. As urnas exalaram um cheiro estranho. O presidente diz que seu partido precisa tomar banho de “cheiro de povo”. Enquanto repousava nesses feriados e tomava banho em nossas águas, ele tirou várias fotos com cheiro de povo. Paixão de ler. Ler a paixão [...] O corpo é um texto. Há que saber interpretá-lo. Alguns corpos, no entanto, vêm em forma de hieróglifo, dificílimos, ou a incompetência é nossa, iletrados diante deles? Quantas são as letras do alfabeto do corpo amado? Como soletrá-lo? Como sabê-lo na ponta da língua? Tem 24 letras? Quantas letras estranhas, estrangeiras nesse corpo? Como achar o ponto G na cartilha de um corpo? Quantas novas letras podem ser incorporadas nesta interminável e amorosa alfabetização? Movido pelo amor, pela paixão pode o corpo falar idiomas que antes desconhecia. O médico até que se parece com o amante. Ele também lê o corpo. Vem daí a semiologia. Ciência da leitura dos sinais. Dos sintomas. Daí partiu Freud, para ler o interior, o invisível texto estampado no inconsciente. Então, os lacanianos todos se deliciaram jogando com as letras – a letra do corpo, o corpo da letra. [...] Não é só quem lê um livro que lê. Um paisagista lê a vida de maneira florida e sombreada. Fazer um jardim é reler o mundo, reordenar o texto natural. A paisagem, digamos, pode ter “sotaque”, assim como tem sabor e cheiro. Por isto se fala de um jardim italiano, de um jardim francês, de um jardim inglês. Quando os jardineiros barrocos instalavam assombrosas grutas e jorros d’água entre seus canteiros, estavam saudando as elipses do mistério nos extremos que são a pedra e a água, o movimento e a eternidade. LEITURA COMPLEMENTAR 70 O urbanista e o arquiteto igualmente escrevem, melhor dito, inscrevem, um texto na prancheta da realidade. Traçados de avenidas podem ser absolutistas, militaristas, e o risco das ruas pode ser democrático dando expressividade às comunidades. Tudo é texto. Tudo é narração. O astrônomo lê o céu, lê a epopeia das estrelas. Ora, direis, ouvir e ler estrelas. Que histórias sublimes, suculentas, na Via Láctea. O físico lê o caos. Que epopeias o geógrafo lê nas camadas acumuladas num simples terreno. Um desfile de carnaval, por exemplo, é um texto. Por isto se fala de “samba enredo”. Enredo além da história pátria referida. A disposição das alas, as fantasias, a bateria, a comissão de frente são formas narrativas. Uma partida de futebol é uma forma narrativa. Saber ler uma partida – este o mérito do locutor esportivo, na verdade, um leitor esportivo. Ele, como o técnico, vê coisas no texto em jogo, que só depois de lidas por ele, por nós, são percebidas. Ler, então, é um jogo. Uma disputa, uma conquista de significados entre o texto e o leitor. Paulinho da Viola dizia: “As coisas estão no mundo eu é que preciso aprender”. Um arqueólogo lê nas ruínas a história antiga. Não é só Sheherazade que conta histórias. Um espetáculo de dança é narração. Uma exposição de artes plásticas é narração. Tudo é narração. Até o quadro “Branco sobre o branco” de Malevich conta uma história. Aparentemente ler jornal é coisa simples. Não é. A forma como o jornal é feito, a diagramação, a escolha dos títulos, das fotos e ilustrações são já um discurso. Sobre isto se poderia aplicar o que Umberto Eco disse sobre o “Finnegans Wake” de James Joyce: “o primeiro discurso que uma obra faz o faz através da forma como é feita”. Estamos com vários problemas de leitura hoje. Construímos sofisticadíssimos aparelhos que sabem ler. Eles nos leem. Nos leem, às vezes, melhor que nós mesmos. E mais: nós é que não os sabemos ler. Isto se dá não apenas com os objetos eletrônicos em casa ou com os aparelhos capazes de dizer há quantos milhões de anos viveu certa bactéria. Situação paradoxal: não sabemos ler os aparelhos que nos leem. Analfabetismo tecnológico. A gente vive falando mal do analfabeto, mas o analfabeto também lê o mundo. Às vezes, sabiamente. Em nossa arrogância o desclassificamos. Levi-Strauss ousou dizer que algumas sociedades iletradas eram ética e esteticamente muito sofisticadas. Penso que analfabeto é também aquele que a sociedade letrada refugou. De resto, hoje na sociedade eletrônica, quem não é de algum modo analfabeto? 71 Vi na fazenda de um amigo aparelhos eletrônicos que, ao tirarem leite da vaca, são capazes de ler tudo sobre a qualidade do leite, da vaca, e até (imagino) lerem o pensamento de quem está assistindo à cena. Aparelhos sofisticadíssimos leem o mundo e nos dão recados. A camada de ozônio está berrando um S.O.S., mas os chefes de governo, acovardados, tapam (economicamente) o ouvido. A natureza está dizendo que a água, além de infecta, está acabando. Lemos a notícia e postergamos a tragédia para nossos netos. [...] Tudo é leitura. Tudo é decifração. Ler é uma forma de escrever com mão alheia. Minha vida daria um romance? Daria, se bem contado. Bem escrevê-lo são artes da narração. Mas só escreve bem quem, ao escrever sobre si mesmo, lê o mundo também. Fonte: adaptada de SANT’ANNA, A. R. Ler o mundo. São Paulo: Global, 2011. 72 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu: • Letramento como um termo sintetizador das práticas sociais de leitura e escrita (STREET, 1984) • Que este livro se vincula à ideia de que o letramento pode iniciar antes da alfabetização. • Que os termos generalistas “letrado” e “iletrado” ignoram que os sujeitos dominam alguns gêneros (algumas práticas), enquanto outras permanecem alheias. Dominar o gênero x não pressupõe que dominará a leitura de todos os outros – muito menos a escrita segue essa regra. • A relevância de a escola ter em vista as práticas de leitura e escrita que circulam em sociedade. Assim, por consequência, terá objetivos claros e, ainda, irá atentar- se para a relevância de fazer circular gêneros variados – afinal, esta variedade é própria da sociedade contemporânea. A partir disso, a escola observa que o texto, as funções, as motivações, o contexto de produção, quem produz e para quem produz são elementos promotores de uma compreensão mais ampla daquilo que se lê – para além do superficial. • Que a fluidez dos textos na escola contribui para a fluidez dos sujeitos em sociedade – ele vai poder ser e agir no mundo. Para ensinar a ler e a escrever na contemporaneidade, é relevante que, antes, conheça-se a sociedade contemporânea. Em tempo: há muito o que estudar, para além deste livro – há muito mais o que você, caro acadêmico, pode seguir por si mesmo. Um livro abreo leque, provoca, instiga, mas não finda a discussão em si. • A produção de textos tendo em vista o social. Essa postura permite com que saiamos daquilo que Geraldi (1997) chama de redação: escrever para a escola. • Que ler, a partir de Szundy (2004), é não só perceber sentidos – é questionar a estabilidade dos significados e transformá-los. • Que, a partir de Kleiman (2014), lançamos um olhar para a sala de aula. Lançar esse olhar desenvolve uma sensibilidade no professor, transformando-o em professor- pesquisador – condição essencial para que este jamais permaneça o mesmo, com a mesma prática, em um mundo que segue se alterando. • A relevância de a sala de aula oferecer espaço para o embate e a alteridade – que todos construam os sentidos e, juntos, uns aos outros. 73 1 Com nossa caminhada até aqui, já é possível ter um vislumbre sobre o que é ler no mundo atual – algo muito mais complexo do que juntar sílabas e palavras, entender frases. A partir dos fundamentos teóricos, podemos observar que nosso trabalho, ler e ensinar a ler, é muito mais complexo. Leia o texto a seguir: São variados os materiais, gêneros, enunciados (que produzem efeitos de sentido) em nossa sociedade. Esses materiais merecem uma leitura dedicada. A seguir, há textos variados (verbal, visual e híbrido – compostos por elementos verbais e não verbais). Neles é possível observar características únicas e um tópico em comum (ainda que tenham formas diferentes de abordá-los). AUTOATIVIDADE Desenho (texto visual) Fonte: https://bit.ly/40QsKy5. Acesso em: 30 mar. 2023. Desenho (texto visual) Fonte: https://encrypted-tbn3.gstatic.com/ images?q=tbn:ANd9GcRUBZXMUSHId- qh7o9V0f7dEmYuYIcprgNeNnKMFxL_FSio- 4nUNy. Acesso em: 30 mar. 2023. 74 Tirinha (texto híbrido) Fonte: https://humornainformatica.blogspot.com/2013/05/internet-mudando-as-re- lacoes-humanas.html. Acesso em: 30 mar. 2023. Tirinha (texto híbrido) Fonte: https://bichinhosdejardim.com/wp-content/uploads/2011/02/bdj-110225-web. jpg. Acesso em: 30 mar. 2023. Notícia (texto verbal) Estudo diz que usar muito redes sociais aumenta a solidão Estudo feito por pesquisadores americanos foi publicado em revista científica. Algumas pessoas têm mais riscos de se sentir isoladas socialmente. Um estudo feito por pesquisadores americanos e publicado em uma revista científica concluiu que algumas pessoas correm mais risco de se sentir solitárias do que outras. O estudo mostrou que usar muito a rede social aumenta a sensação de solidão. Os psicólogos americanos dizem que ficar mais de duas horas nos aplicativos de fotos e vídeos dobra os riscos de isolamento. A pesquisa feita com quase duas mil pessoas entre 19 e 32 anos diz que quanto mais on-line, menos tempo sobra para viver situações do dia a dia. 75 O estudo mostra ainda que a exposição de uma vida ideal nas redes sociais pode causar inveja, além de provocar sentimento de rejeição quando a pessoa vê amigos em um evento para o qual não foi convidada. O psicólogo especialista em doenças digitais, Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas da USP, explica que a rede social veio mesmo para ficar, mas tem que ter bom senso: “Quando que a gente percebe que cruzou a linha do bom senso? Exatamente quando você perde o controle da quantidade de vezes que você abre para ver tuas redes sociais. Eu canso de ver pessoas que estão guiando vendo rede social, no meio do cinema. Então, é como se as pessoas na verdade começassem a progressivamente perder o bom senso, colocando em risco não só sua saúde psicológica, mas também a vida de outros”. Fonte: adaptado de http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2017/03/estudo-diz-que- -usar-muito-redes-sociais-aumenta-solidao.html. Acesso em: 30 mar. 2023. A partir dos textos, analise as sentenças a seguir: I- Os gêneros são: desenho (visual), tirinha (híbrido) e notícia (verbal). II- O termo híbrido remete a um texto (gênero) composto por diferentes linguagens. III- Os textos visuais (desenhos) têm como assunto fundamental a relação dos homens com os animais. IV- A notícia, por ser composta somente por elementos verbais, dá a certeza de que as informações presentes nela são corretas e correspondem a fatos. V- Cada um dos textos tem suas particularidades e usos/funções sociais, por isso não se pode dizer que um é mais correto que outro. VI- Uma comparação é possível: os desenhos, por abrirem para algumas leituras (nuances), flertam mais com a literatura do que com a ciência. VII- Nas tirinhas, caso as informações verbais fossem as únicas, nada alteraria no teor e nos efeitos de sentido pretendidos. VIII- O texto verbal contradiz o que aparece nos desenhos (textos visuais). IX- A tecnologia é o tema dos textos/gêneros – para ser mais preciso, o uso do computador na vida moderna de jovens e adultos. X- O apego ao uso da tecnologia e da internet e, ainda, o isolamento social, podem ser percebidos como efeitos de sentido nos textos. Assinale a alternativa CORRETA: a) As sentenças I, II, VI, VII e IX estão corretas. b) As sentenças I, II, V, VI e X estão corretas. c) As sentenças II, III, IV, VII e IX estão corretas. d) As sentenças I, II e VIII estão corretas. 76 ANDRADE, M. M. Guia prático de redação: exemplos e exercícios. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. BRUNER, J. S. The process of education. Cambridge: Harvard University Press, 1960. CAPELLO, C. Para além do espelho d`água: língua e leitura na escola. In: COELHO, L. M. (org.). Língua materna nas séries iniciais do ensino fundamental: de concepções e de suas práticas. Petrópolis: Vozes, 2009. CASSANY, D. Tras las líneas: Sobre la lectura contemporânea. Rio de janeiro: Editorial Anagrama, 2006. COLELLO, S. M. G. Concepções de leitura e implicações pedagógicas. Porto: In- ternational Studies on Law and Education, 2010. 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Trajetórias e processos de ensinar e aprender: sujeitos, currículos e culturas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. 78 79 DOCUMENTOS E TEORIAS RELEVANTES UNIDADE 2 — OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • distinguir os conceitos de letramento e de multiletramentos; • compreender letramentos; • discutir dois letramentos: crítico e visual;; • analisar conceitos e silenciamentos sobre leitura em documentos ofi ciais. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – LETRAMENTOS E MULTIMODALIDADE TÓPICO 2 – LEITURA DE IMAGENS TÓPICO 3 – LEITURA (DE IMAGENS) EM DOCUMENTOS OFICIAIS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 80 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 2! Acesse o QR Code abaixo: 81 TÓPICO 1 — LETRAMENTOS E MULTIMODALIDADE UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO A sociedade atual é múltipla, variada e heterogênea. Convida-nos a múltiplas tarefas, práticas e formas de interação. Convida-nos a assumirmos diferentes papéis, a dominarmos diferentes linguagens, a ter os últimos aparelhos eletrônicos, a baixarmos os últimos aplicativos, a fazermos uma conta na rede social do momento; aquela que os artistas em alta andam utilizando para divulgar seus pensamentos e estilo de vida. Aos estudiosos da linguagem, essas ferramentas interessam na medida em que materializam práticas de letramento. Há também a aplicação do conceito no plural, letramentos. Ainda, na literatura, também se pode encontrar diferentes letramentos – sendo teorizados e conceituados um a um. Alguns exemplos: letramento crítico, digital, visual, multissemiótico, matemático, científico, entre outros. O Tema de Aprendizagem 1 aborda conceitos sobre multiletramentos, esferas, gêneros e os multiletramentos em sala. Ele também dá ênfase a dois letramentos: o crítico e o visual. 2 POR QUE PLURAL? Essa pluralidade de conceitos tem, por trás, em sua fundamental estrutura, o conceito de globalização. Sobre esse conceito, é válido retornar a Bauman (1999, p. 7): A “globalização” está na ordem do dia; uma palavra da moda que se transforma rapidamente em um lema, uma encantação mágica, uma senha capaz de abrir as portas de todos os mistérios presentes e futuros. Para alguns, “globalização” é o que devemos fazer se quisermos ser felizes; para outros, é a causa da nossa infelicidade. Para todos, porém, “globalização” é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível; é também um processo que nos afeta. Desse modo, pode-se observar que a globalização não diz respeito somente ao sentido comunicacional. Em vez disso, engloba várias áreas do conhecimento e é consolidada por naturezas variadas – como política, econômica, tecnológica e cultural. Da mesma maneira, pode-se, erroneamente, imaginar que, em uma cultura global, todos têm livre acesso a tudo. O livre fluir por esse mundo global depende das ferramentas de que cada um dispõe. Quanto mais ferramentas, habilidades, conhecimento, capacidade de colocar em ação as habilidades (competências), mais o sujeito poderá se inserir e participar desse mundo. 82 Alguns de nós tornam-se plena e verdadeiramente “globais”; alguns se fixam na sua “localidade” [...] [esta prisão na localidade] não é nem agradável nem suportável num mundo em que os “globais” dão o tom e fazem as regras do jogo da vida. Ser local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação social (BAUMAN, 1999, p. 8). Caro acadêmico! Neste momento, sugere-se que a citação anterior seja lida e relida quantas vezes for necessário, dada a sua relevância. Esse é o âmago da relevância da leitura em sociedade – razão de existir desta disciplina e deste livro didático. A incapacidade de se mover, fluir no social, é sinal de privação para os sujeitos. Vamos lá, releia com esse olhar, pensando na leitura e as possibilidades que surgem a partir dela. Somente depois de ler, reler e refletir siga adiante. Pausar, refletir e analisar são habilidades de um leitor proficiente. Se quisermos formar leitores, primeiro precisamos sair, nós mesmos, dos nossos níveis de leitura atuais. Uma maneira de fazer isso é ler textos que exijam mais de nós. Que nos obriguem a dar um passo além, a ampliar o vocabulário. NOTAS A partir disso, podemos entender – conforme já citado na Unidade 1 – que os sujeitos podem circular bem (ler e escrever) em certos contextos (esferas), enquanto podem permanecer sem acesso (por não ter as habilidades necessárias) em outros. Vamos observar o quadro proposto por Marcuschi (2008). Nele, em vez de esfera, o autor propõe o termo “domínio discursivo”. Além disso, na proposta do autor, os gêneros escritos ele separa de um lado e os orais de outro. Isso nos ajuda a visualizar que sim: linguagem oral também é texto que deve ser lido, analisado e interpretado. 83 Quadro 1 – Gêneros escritos e gêneros orais D O M ÍN IO S D IS C U R S IV O S ESCRITA ORALIDADE In st ru c io n a l ( c ie n tí fi c o , a c a d ê m ic o e e d u c a c io n a l) Artigos científicos; verbetes de enciclopédias; relatórios científicos; notas de aula; nota de rodapé; diários de campo; teses; dissertações; monografias; glossário; artigos de divulgação científica; tabelas; mapas; gráficos; resumos de artigos de livros; resumos de livros; resumos de conferências; resenhas; comentários; biografias; projetos; solicitação de bolsa; cronograma de trabalho; organograma de atividade; monografia de curso; monografia de disciplina; definição; autobiografias; manuais de ensino; bibliografia; ficha catalográfica; memorial; curriculum vitae; parecer técnico; verbete; parecer sobre tese; parecer sobre artigo; parecer sobre projeto; carta de apresentação; carta de recomendação; ata de reunião; sumário; índice remissivo; diploma; índice onomástico; dicionário; prova de língua; prova de vestibular; prova de múltipla escolha; diploma; certificado de especialização; certificado de proficiência; atestado de participação; epígrafe. Conferências; debates; discussões; exposições; comunicações; aulas participativas; aulas expositivas; entrevistas de campo; exames orais; exames finais; seminários de iniciantes; seminários avançados; seminários temáticos; colóquios; prova oral; arguição de tese; arguição de dissertação; entrevistas de seleção de curso; aula de concurso; aulas em vídeo; aulas pelo rádio; aconselhamentos. J o rn a lí st ic o Editoriais; notícias; reportagens; nota social; artigos de opinião; comentário; jogos; histórias em quadrinhos; palavras cruzadas; crônica policial; crônica esportiva; entrevistas jornalísticas; anúncios classificados; anúncios fúnebres; cartas do leitor; carta ao leitor; resumo de novelas; reclamações; capa de revista; expediente; boletim do tempo; sinopse de novela;resumo de filme; cartoon; caricatura; enquete; roteiros; errata; charge; programação semanal; agenda de viagem. Entrevistas jornalísticas; entrevistas televisivas; entrevistas radiofônicas; entrevista coletiva; notícias de rádio; notícia de TV; reportagens ao vivo; comentários; discussões; debates; apresentações; programa radiofônico; boletim do tempo. R e li g io so Orações; rezas; catecismo; homilias; hagiografias; cânticos religiosos; missal; bulas papais; jaculatórias; penitências; encíclicas papais. Sermões; confissão; rezas; cantorias; orações; lamentações; benzeções; cantos medicinais. 84 D O M ÍN IO S D IS C U R S IV O S ESCRITA ORALIDADE S a ú d e Receita médica; bula de remédio; parecer médico; receitas caseiras; receitas culinárias. Consulta; entrevista médica; conselho médico. C o m e rc ia l Rótulo; nota de venda; fatura; nota de compra; classificados; publicidade; comprovante de pagamento; nota promissória; nota fiscal; boleto; boletim de preços; logomarca; comprovante de renda; carta comercial; parecer de consultoria; formulário de compra; carta-resposta; comercial; memorando; nota de serviço; controle de estoque; controle de venda; bilhete de avião; bilhete de ônibus; carta de representação; certificado de garantia; atestado de qualidade; lista de espera; balanço comercial; instruções de montagem; descrição de obras; ordens. Publicidade de feira; publicidade de TV; publicidade de rádio; refrão de feira; refrão de carro de venda de rua. In d u st ri a l Instruções de montagem; descrição de obras; código de obras; avisos; controle de estoque; atestado de validade; manuais de instrução. Ordens. J u rí d ic o Contratos; leis; regimentos; estatutos: certidão de batismo; certidão de casamento; certidão de óbito; certidão de bons antecedentes; certidão negativa; atestados; certificados; diplomas; normas; regras; pareceres; boletim de ocorrência; edital de convocação; edital de concurso; aviso de licitação; auto de penhora; auto de avaliação; documentos pessoais; requerimento; autorização de funcionamento; alvará de licença; alvará de soltura; alvará de prisão; sentença de condenação; citação criminal; mandado de busca; decreto-lei; medida provisória; desmentido; editais; regulamentos; contratos; advertência. Tomada de depoimento; arguição; declarações; exortações depoimento; inquérito judicial; inquérito policial; ordem de prisão. 85 D O M ÍN IO S D IS C U R S IV O S ESCRITA ORALIDADE P u b li c it á ri o Propagandas; publicidades; anúncios; cartazes; folhetos; logomarcas; avisos; necrológios; outdoors; inscrições em muros; inscrições em banheiros; placas; endereço postal; endereço eletrônico; endereço de internet. Publicidade na TV; publicidade no rádio. L a ze r Piadas; jogos; adivinhas; histórias em quadrinhos; palavras cruzadas; horóscopo. Fofocas; piadas; adivinhas; jogos teatrais. In te rp e ss o a l Cartas pessoais; cartas comerciais; cartas abertas; cartas do leitor; cartas oficiais; carta-convite; cartão de visita; e-mail; bilhetes; atas; telegramas; memorandos; boletins; relatos; agradecimentos; convites; advertências; informes; diário pessoal; aviso fúnebre; volantes; lista de compras; endereço postal; endereço eletrônico; autobiografia; formulários; placa; mapa; catálogo; papel timbrado. Recados; conversações espontâneas; telefonemas; bate-papo virtual; convites; agradecimentos; advertências: avisos; ameaças; provérbios. M il it a r Ordem do dia; roteiro de cerimônia oficial; roteiro de formatura; lista de tarefas. Ordem do dia. F ic c io n a l Épica – lírica – dramática; poemas; diários; contos; mito; peça de teatro; lenda; parlendas: fábulas; histórias em quadrinhos; romances; dramas; crônicas; roteiro de filme. Fábulas; contos; lendas; poemas; declamações; encenação. Fonte: Marcuschi (2008, p. 194-196) O quadro anterior oferece uma riqueza a partir da capacidade de sintetizar e organizar do autor. Por meio da visualização dos gêneros em domínios, é possível utilizar a criatividade em sala, explorando-os. Não a subjugue. Quanto mais se familiarizar com ela, mais vai visualizar possibilidades de práticas pedagógicas – que explorem e levem os alunos a transitarem por gêneros e domínios (também chamados de esferas). 86 Além disso, pode-se dizer que o sujeito se insere e participa de algumas práticas de letramento, enquanto não consegue se incluir em outras. Pode ter desenvolvido habilidades de leitura em um sentido, enquanto pode ter dificuldades de análise e interpretação em textos (orais, escritos, não verbais) de outra natureza, referentes à outra esfera, na terminologia de Marcuschi (2008), domínio discursivo. A partir disso, surge o conceito de letramentos (no plural), multiletramentos ou, ainda, letramentos múltiplos. Vamos fazer uma comparação. Há esferas do cujo universo que temos manejo, dominamos seus recursos e nos sentimos seguros nelas. Contudo, há outras práticas pertencentes a outros universos, esferas, outras realidades interativas, outras formas de ser e estar no mundo, outras formas de agir, de participar e de se relacionar. Nessas, outras ferramentas são necessárias. Há textos que são familiares e há outros que correspondem a um universo novo, um campo ainda não dominado de atuação e participação. A educação é um convite a ir além dos muros daqui e agora. É conduzir o aluno a novos patamares. A pular o muro. É fazer uso de novas habilidades e competências. É adentrar no novo. As atividades de leitura e escrita que somente reproduzirem aquilo que já é dominado perdem a própria essência da educação. Há práticas que solidificam, cristalizam aquilo que já se é e já se sabe; há outras que provocam, desestabilizam, fazem ver além. Essas provocam, convocam a visão global, aquela participação não só local – como foi trabalhado na unidade anterior. Há textos que são um convite a pular o muro do imediato. A sair do conforto da atual circunstância, do entendimento do presente e daquilo que hoje é conhecido e confortável. O texto é (deve ser) uma escada para um mundo novo, para isso, deve ser explorado com esse olhar. Tanto desafiador, desafiar o texto a dizer mais, a imaginar se ele não poderia ter sido melhor escrito, elaborado ou desenhado, no caso de textos não verbais, quanto desafiante, daquele que o lê, daquilo que já se sabe. O texto é uma comunicação consigo, autopercepção, reconhecimento de si – do que se é e do que pode vir a ser. Faça uma lista com os gêneros citados que você desconhece. Pesquise sobre eles. Observe as características e leia pelo menos um exemplo desse gênero. _________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ Faça uma lista dos gêneros que também utilizam imagem, ou seja, anote os gêneros que também façam uso de texto não verbal em sua composição. _________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ AUTOATIVIDADE 87 Figura 1 – Pawel Kuczynski Para não correr o risco de não ser legível o suficiente, na Figura 1, o rapaz usou o serrote para cortar os degraus da escada para aquecer-se. A escada é um convite para pular o muro. Contudo, ele não aceita, não vê/percebe o convite ou se amedronta diante dele, preferindo ficar no seguro, no confiável, no estado presente,no confortável. Algo semelhante acontece com os convites à leitura – textos verbais e não verbais – e, também, à escrita, à participação, à fala, à opinião, à escuta ativa, entre outros tantos convites diários nas mais variadas instâncias e esferas. NOTA Fonte: https://www.pictorem.com/2163/PawelKuczynski37.html. Acesso em: 4 abr. 2023. 88 Retornando às esferas, caso os sujeitos interajam somente com gêneros primários (aqueles relativos à esfera familiar, informais, de natureza oralizada), só conseguirão se inscrever em práticas sociais que ocorram por meio desses gêneros, o que diminui a possibilidade de atuação e a mobilidade social. Um exemplo, aqueles que apenas leram e se relacionaram pelo gênero textual “bilhete”, poderão vir a desenvolver habilidades a partir desse gênero, geralmente menos estruturado, menos formal, por motivo de ser direcionado a amigos íntimos, familiares ou pessoas de convívio próximo. Esses bilhetes podem ser usados em contextos variados, entre eles: bilhete de geladeira, post it (aqueles bilhetes amarelos, que podem ser colados em objetos pela casa e/ou escritório), bilhetes sobre a mesa de jantar ou cômoda (lembrando algum familiar ou a si mesmo sobre algum item a ser comprado ou “lembrar de levar a gatinha ao veterinário”, entre outros. Acadêmico, como você pode perceber, há termos que são interligados: letramento(s), gêneros, esferas. Esses termos são usados constantemente de forma interconexa – um aponta para o outro, na direção do outro. Um resumo, grosso modo, pode ser: quanto mais gêneros eu ler e produzir (das mais variadas esferas de interação humana), pode-se dizer que em mais práticas de letramento(s) eu estou me inserindo. Em mais práticas estou (1) fazendo uso e consolidando habilidades, (2) apropriando-me desses gêneros e (3) tendo participação social – ao bem ler, ou bem escrever ou falar com propriedade em determinado contexto. NOTA Antes disso, um adendo. Se escolas forem interessadas no – ou tiverem como foco o – letramento (como motor propulsor de todas as atividades realizadas com os alunos), este conceito, portanto, leva em conta todas as práticas de leitura e escrita em sociedade. Por esse motivo, é necessária a sensibilização de que, em aulas de leitura, não somente o texto verbal deve ser analisado. Em nossa sociedade atual, a imagem está ganhando destaque – uma análise breve em redes como Facebook, Instagram, Snapchat e afins pode nos levar a perceber esse papel de destaque recebido pela imagem. IMPORTANTE As nomenclaturas que seguem não são consenso entre os estudiosos de língua/ linguagem. Há alguns que utilizam somente o termo “letramento”, outros “letramentos”, outros “multiletramentos” e, ainda, há os que fazem as discriminações que serão vistas a seguir, dando nome aos letramentos. 89 Nossos alunos, por meio de computadores, tablets e celulares tornam-se consumidores compulsivos de imagem, são convidados a admirá-las, apreciá-las, a analisá-las e – não menos importante – têm suas subjetividades expostas e produzidas por essas imagens (as que consomem e as que produzem de si e de seu estilo de vida – como já discutido na unidade anterior, por meio da expressão show do eu). Figura 2 – Confessional A Figura 2 foi selecionada por alguns motivos. O primeiro é por ser uma imagem, uma visão sobre (uma leitura, uma forma de ver) a rede social Facebook. Entre outras leituras possíveis, há uma delas que aqui será explorada. Anteriormente, o ato de confessar (dizer algo íntimo) era realizado de forma discreta – na imagem, representado pelo confessionário –, atualmente, a intimidade é confessada publicamente no Facebook. Isso pode abrir a discussão sobre nossas intimidades, sobre aquilo que é público e o que é privado, sobre os perigos de expor a vida e, ainda, sobre aquilo que a autora Sibilia (2008) chama de show do eu. NOTA Fonte: https://bit.ly/3ZQxItI. Acesso em: 4 abr. 2023. 90 3 OS MULTILETRAMENTOS EM SALA Os autores que preferem falar em letramentos ou multiletramentos (como o The New London Group) sugerem que o termo letramento (no singular) é tradicionalmente associado à leitura e à escrita aos contextos formais, monolíngue e monocultural. Por esse motivo, o termo multiletramentos surge procurando dar conta das diversas formas de construir sentido(s) em nossa sociedade, mais plural e globalizada. Esse conceito, portanto, leva em conta dois processos simultaneamente: (1) a multiplicidade de mídias e canais de comunicação e (2) a pluralidade linguística e cultural. A partir desse conceito de multiletramentos, compreende-se que existe uma combinação de letramentos necessários que possibilita a leitura em um mundo multimodal como é o nosso. Oliveira (2006) compreende que a representação visual – de coadjuvante em relação aos textos escritos – começa a tomar o papel principal. De somente um adendo, atualmente, passa a ser explorado em sala a partir de práticas tão eficazes quanto o texto linear, possuindo parâmetros específicos e de capacidade de representar. Por muito tempo, textos foram entendidos como somente os escritos. Estes se tornaram material a ser analisado em salas, enquanto outros, cujos componentes vão além do texto, foram deixados de lado, muito pela insegurança dos próprios professores ou, ainda, por estes não considerarem elementos visuais passíveis de serem lidos. Ao contrário desse pensamento, Lemke (1998) afirma que as tecnologias estão nos movendo do império da escrita para o da autoria multimidiática. Nela as imagens, o som e o texto (verbal) são elementos de uma composição mais ampla, promotora/produtora/propulsora do(s) sentido(s). Em se tratando de multimodalidade, a partir de Callow (2013), entendemos que se trata de uma perspectiva teórica, apoiada pelos estudos linguísticos e pela semiótica social. Esta entende que os significados são construídos e compartilhados por meio dos vários “modos” (multimodal). Callow (2013) cita alguns desses “modos”: fala, escrita, som, imagem, gestos, tipografia e imagens em movimento. A partir disso, na condição de acadêmicos e professores da área da linguagem, devemos convidar os alunos a imergir nesse universo multimodal. Seguem dois desenhos que demonstram duas posturas diferentes com relação ao universo da leitura: (1) Leitura como obrigação e (2) leitura como viagem, como convite, como uma navegação. 91 Figura 3 – Book Fonte: https://www.pictorem.com/5143/Book.html. Acesso em: 4 abr. 2023. Figura 4 – Ocean Fonte: https://www.pictorem.com/4669/Ocean.html. Acesso: 4 abr. 2023. 92 Ao encontro disso, há a afirmação de Pinheiro (2016, p. 3): “considerando o fato de que os textos são multimodais, para entendê-los, parece ser necessário que as pessoas tenham habilidades que ultrapassem as competências comunicativas de ler e escrever, mas também devem englobar a habilidade de ler imagens”. Aqui conseguimos perceber a aproximação dos conceitos de “letramentos” ou “multiletramentos” com o de “letramento visual”. Ambos nos levam a ampliar nossa visão sobre letramento e enxergar as práticas sociais para além do texto escrito – além de vermos que há outras habilidades que precisam ser convocadas a partir da leitura de textos variados, multimodais. Conforme já citado, quando falamos em letramentos (no plural) ou multiletramentos, há a compreensão de que há mais que um único letramento. A seguir, dois serão verticalizados – letramento crítico e letramento visual. Esses são, muitas vezes, pontos cegos na prática dos docentes – apesar de serem essenciais à formação de leitores no mundo multimodal e globalizado de hoje. Além disso, dão suporte aos objetivos pretendidos neste livro e nesta unidade. Como toda área, não há total concordância entre os autores. Em se tratando das práticas sociais de leitura e escrita, há autores que utilizam os termos letramento crítico e letramento visual (entre outros letramentos). Ao contrário disso, há outros que afirmam que letramentojá dá conta de que é necessário ler imagens e ler criticamente o mundo e os textos que chegam a nós – e que tudo isso precisa ser parte das nossas salas. Nesse aspecto, caro acadêmico, não há um consenso. Ainda assim, neste livro, daremos atenção aos dois letramentos citados (crítico e visual) por um motivo em especial. Quanto mais verticalizarmos, aprofundarmos as discussões, sensibilizarmos o nosso olhar, ainda que entendamos que tudo faz parte de um só conceito que serve como guarda-chuva para todos os outros, ainda assim, tal conhecimento teórico dá bagagem para que possamos construir nossas concepções. Essas muito mais amplas, desde que partam de um estudo – sem ele, ficamos no senso comum, no raso, no “eu acho”. 3.1 LETRAMENTO CRÍTICO Outra forma de intitular um dos letramentos é letramento crítico. Nesta etapa, vamos estudar alguns conceitos sobre este letramento. Lankshear (2002, p. 44) aponta que o letramento crítico pode envolver: O conhecimento de letramento em geral, ou especificidades de letramento, criticamente; que é ter uma perspectiva crítica de letramentos ou letramentos per se; ter uma perspectiva crítica acerca de textos específicos; ter uma perspectiva crítica e estar hábil a fazer uma “leitura crítica” de práticas sociais, classificações, relações, apontamentos, procedimentos etc., e que são mediados, e se faz possível, e se sustenta parcialmente através da leitura, da escrita, da visão, da transmissão etc. de textos. 93 Assim, pode-se compreender que letramento crítico começa pela perspectiva crítica do conceito de letramento ou letramentos. Depois disso, passa pela compreensão crítica dos textos e, ainda, em realizar uma leitura crítica daquilo que chega por meio dos textos – as práticas sociais. A partir do conceito de letramento crítico, os leitores são considerados participantes ativos do processo de leitura – isso vai ao encontro do que foi apontado e discutido na Unidade 1. “Assim, ao trabalhar textos nessa perspectiva, aquele que faz a mediação irá convidar o leitor a examinar, questionar ou contestar aquilo que se lê e as relações de poder estabelecidas entre quem escreve e quem lê” (MCLAUGHLIN; DEVOOGD, 2004, p. 15). Neste ato, o leitor convocará a cultura para validar suas leituras. Assim, a leitura “é vista aqui como um processo de interação, embora não apenas entre leitor, autor e texto, mas envolvendo também a sociedade em seus diferentes contextos, textos, discursos, significados possíveis, relações de poder” (JORDÃO; FOGAÇA, 2007, p. 90). Em nossa sociedade contemporânea, recebemos muitas informações que nos convocam, provocam e ativam nossos sentidos de variadas maneiras. Ler uma informação e produzir sentidos a partir dela é parte do processo de viver uma cidadania ativa – a partir da qual se pode produzir efeitos benéficos ao sujeito (JORDÃO; FOGAÇA, 2007). Portanto, tudo à volta realiza tal convite. Abster-se dele ou, ainda, de uma forma que apenas reconhece e valida toda a informação que chega, coloca o leitor em uma posição inferior ao que pode vir a ser. Em vez de se colocar como leitor, permanece na posição de recebedor (aqui está um neologismo que dá o sentido desejado). O conceito tradicional de crítica referia-se a um processo em que o leitor desvelava os sentidos – subjacentes e mascarados – do texto (estes todos tinham como origem única o contexto social de produção). Segundo Cassany (2012), em uma posição que migrou para a chamada “pós-crítica”, compreendeu-se que tanto a escrita quanto a leitura são atos produtores de textos, estes como unidades de significação. Assim, pode-se concluir que leitor e autor são produtores e construtores de significação. Esses sentidos e valores têm como origem as comunidades (coletividade) em que vivemos (CASSANY, 2012). Com o letramento crítico, o ensino passa a propor a “problematização dos textos como forma de refletir sobre os sentidos construídos e de (re)conhecer e (re)elaborar as construções discursivas de si e dos outros no processo de leitura” (EDMUNDO, 2010, p. 34-35). Assim, problematizamos os textos que circulam em sociedade e, ainda, os textos que chegam às escolas por meio dos livros didáticos ou, ainda, por aplicativos e redes sociais de que os alunos fazem uso diário. Na Unidade 3, visualizaremos melhor o que é realizar problematizações, incluindo a partir de imagens presentes em livros didáticos. 94 A leitura está atrelada à interpretação e a língua é indissociável do conceito de discurso (EDMUNDO, 2010). Ao reconhecer a língua como discurso, ela não é tomada como evidente. Nada nela é tomada como evidente – nem mesmo o que é texto (verbal – oral ou escrito) nem o que é visual (imagem). Os elementos estão postos, disponíveis à interpretação, sem o aceite desse convite, não há processo de interação. É o autor do texto, com seu texto e os elementos selecionados e só. Se o texto (este composto por enunciado, discurso, signos, sentidos, jogos, posições assumidas) não é recebido, acolhido, interpretado, analisado – produzindo em nós uma atitude, uma resposta (ainda que somente mental) –, o processo não foi finalizado. É como um telefonema não atendido: houve o chamado, mas não houve a recepção e o diálogo. A palavra, portanto, recebe o significado no momento de interação – mediada pela linguagem – com o outro. Assim, pode-se dizer que essa construção (dos sentidos e do conhecimento) é alcançada por meio do diálogo entre interlocutores (MATUSOV, 2009). A citação anterior, Edmundo (2010), é uma daquelas que necessita ser lida e relida – além de necessitar de conhecimento teórico suficiente para que ela ganhe luz e visibilidade. Na Unidade 1, abordamos o conceito de discurso – sempre social e historicamente produzido, inclusive por lutas de poder. Aqui, aparecem “construções discursivas de si”, sugerindo que devem ser (re)conhecidas e (re)elaboradas. Se há construções discursivas (discurso) sobre o que é ser um bom pai, sobre o que é ser uma boa mulher, sobre o que é ser professor, sobre o que é ser feliz, sobre o que é ser bem-sucedido, sobre o que é educação, da mesma forma existem construções discursivas sobre as pessoas que chegam até elas, que as produzem, que as elaboram, que dizem quem elas são (ou como devem ser). Essas construções discursivas aparecem em todos os gêneros (orais, escritos e nos artefatos culturais) que circulam em sociedade. Ler, portanto, também é um exercício de cuidado de si (conceito foucaultiano), na medida em que precisamos analisar isso que chega até nós (FOUCAULT, 1984) – para que possamos ver aquilo que nos edifica e que contribui com a formação daquilo que somos ou que consideramos importante ser. Ler tudo tem a ver com a formação de si e de quem desejamos vir a ser – indo além do momento presente. IMPORTANTE 95 Figura 5 – Encounter Fonte: http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2015/02/ escher_encounter.jpg. Acesso em: 4 abr. 2023. A imagem anterior é utilizada como uma forma de representação do encontro de interlocutores por meio dos textos (visuais, verbais ou orais). Na gravura de Escher, dois sujeitos (produzidos socialmente) saem do plano de fundo, representando essas construções sociais, caminham um em direção ao outro para um aperto de mão – uma situação de comunicação específica (sem perceber que muito daquela situação tem seus fundamentos na sociedade nos papéis sociais por eles desempenhados). Quanto mais formais (protocolos, regulamentos e hierarquia) houver nesses encontros, mais aspectos sociais são evocados, trazidos, para o encontro. Sugestão de leitura Há uma prosa poética que faz sentido neste momento. O texto Tempo que foge, de Ricardo Gondim. Nele, esses lugares sociais predeterminados são rechaçados. O eu do texto (eu poético, eu lírico) demonstra não querer viver se enquadrando nesses lugares – esses que sejam muito amarrados, demarcados, predeterminados. NOTA 96 Para Terzi e Ponte (2006), lere escrever – a partir do letramento crítico – é compreender que a significação é dependente dos contextos. Em outras palavras, pode- se compreender que há sentidos que se materializam em textos. Esses, construídos a partir de fenômenos, atitudes, comportamentos dentro de uma comunidade. A compreensão dos textos, portanto, dá-se a partir desses padrões de significação da comunidade, do grupo, da sociedade. Letramento crítico, portanto, tem implicação direta na prática pedagógica. Jordão e Fogaça (2007, p. 91) compreendem que O professor deve dar oportunidades aos alunos de construir e negociar significados de forma coletiva, de rever suas crenças e de questionar as implicações de suas visões de mundo. A criação de tais oportunidades em sala de aula está diretamente relacionada à forma como o professor conduz sua aula e a suas atitudes em relação ao que ocorre dentro e fora da escola: dependendo da postura do professor na sala de aula, os alunos podem ter mais ou menos espaço para questionar e transformar significados, criando outros ou aceitando os sentidos construídos por outras pessoas na tentativa de reler o mundo. Essa abordagem educacional é conhecida, de forma ampla, como letramento crítico. Há discursos que compõem a imagem. Cortam-na. Transpassam-na. Fazem parte dela. Esses discursos também precisam ser analisados. Aqui, a teoria apresentada na Unidade 1, a partir do conceito de discurso e enunciados em rede, é amarrada às teorias do letramento crítico e da leitura de imagens. Seguem dois exemplos de imagens nas quais é necessário analisar as relações de poder e os sentidos compartilhados por comunidades e sociedade para chegar a uma leitura (ou leituras) delas (ao lado direito, algumas palavras-chave que podem ter coincidido com a sua interpretação). Figura 6 – Unknow Palavras-chave: Contrastes, miséria, necessidades básicas, fartura, fome, egoísmo, entre outras. Fonte: https://encryp- ted-tbn1.gstatic.com/ images?q=tbn:ANd9Gc- TDwe660ixRXPmlezf1o- x3YCUGnFOAeSsphK-n- J4C0SX0ddvued. Acesso em: 4 abr. 2023. 97 Palavras-chave: Controle, manipulação, abuso de poder, discrição do poder ou de quem tem poder, isca, diferentes posições sociais, relações hierárquicas, simbologia da magreza (rato magro) e da gordura (rato robusto). Figura 7 – Fat mouse Fonte: https://www. pictorem.com/7761/ fat%20mouse.html. Acesso em: 4 abr. 2023. Figura 8 – Donation Fonte: https://www. pictorem.com/2201/ Donation.html. Aces- so em 4 abr. 2023. Palavras-chave: Manipulação dos sonhos alheios, sonhos que servem a outros, contraste, fartura x pobreza, uns sonham com o que os outros têm, entre outros. 98 O leitor dessas imagens precisa viver, conviver ou conhecer aquilo que nelas é representado. Caso não conviva com situações de contraste, de desigualdade, de hierarquia, de fome ou miséria, a leitura da imagem é prejudicada. Depende do conhecimento prévio e de mundo de cada um. Não só do que vive, mas quanto lê criticamente as realidades – ainda que elas existam, há níveis de envolvimento e interesse em tais assuntos. Em síntese, é esse conhecimento prévio e a posição-sujeito assumida – em relação ao mundo e àquilo que o cerca – que contribuirá com essa ou aquela leitura das imagens apresentadas. Não há como prever ou fixar de que forma as imagens irão provocar e/ou mover cada leitor. Nem mesmo se elas parecerão “sem sentido” algum – o que também pode acontecer. O professor, ao trabalhar com imagens, perceberá que nem tudo provoca a todos da mesma maneira – nisso ganha experiência em trabalhar com tais materiais. Vamos adiante! 3.2 LETRAMENTO VISUAL De acordo com Bamford (2003), o termo letramento visual foi usado pela primeira vez pelo escritor John Debes, em 1968. Depois disso, outros autores passaram a teorizar o letramento visual e sua importância para a formação do cidadão que se insere nas práticas sociais atuais. A partir de agora, analisaremos conceitos que nos ajudam a compreender esse letramento. Para Newfield (2011, p. 82), o letramento visual pode ser entendido como uma forma de educação que melhora “a compreensão do papel e da função das imagens na representação e na comunicação; promove o engajamento com textos visuais de vários tipos e a compreensão de como as formas visuais constroem sentido”. Lembre-se sempre de pausar e refletir sobre as citações. Newfield (2011) nos ajuda a verificar três facetas importantes sobre o letramento visual. No mesmo excerto, há a indicação de que o letramento visual pode contribuir com: (1) uma compreensão sobre as imagens (sua natureza, papel, função de representar e para comunicar), (2) amplia a resposta, a aderência às leituras (é visível como os alunos passam a responder e a querer participar cada vez mais de atividades de leitura/interpretação de imagens variadas) e (3) a compreensão de que as formas visuais constroem sentido de jeitos variados. NOTA 99 Wileman (1993) entende que letramento visual é uma habilidade, a de ler e interpretar a informação apresentada, seja em forma de imagens gráficas ou pictóricas. “Nesse sentido, ler imagens gráficas pode ser a leitura de uma tabela, de um gráfico com percentagens e símbolos, dentre outros, enquanto ler imagens pictóricas pode ser ler/ ver e interpretar uma foto numa capa de revista, por exemplo” (PINHEIRO, 2016, p. 5). Assim, ambas as leituras podem fazer parte da sala de aula: tanto de imagens gráficas quanto de imagens pictóricas – ambas possuindo seus elementos constituintes e suas características próprias que, por sua vez, convidam-nos a lançar um olhar diferente para realizar uma leitura competente. Fernandes e Almeida (2008, p. 11) apontam que “as imagens produzem e reproduzem relações sociais, comunicam fatos, divulgam eventos e interagem com seus leitores com a força semelhante à de um texto formado por palavras”. Fonte: FERNANDES, J. D. C.; ALMEIDA, D. B. L. de. Revisitando a gramática visual nos cartazes de guerra. In: ALMEIDA, D. B. L. de (org.). Perspectivas em análise visual: do fotojornalismo ao blog. João Pessoa: UFPB, 2008. IMPORTANTE A partir de Fernandes e Almeida (2008), compreendemos que as imagens são usadas para diferentes finalidades. Todas essas perspectivas podem ser abordadas em sala por meio de perguntas, atividades que sigam sequências, que tenham desdobramentos em atividades outras – oralidade, escrita, teatralização, mímica. Uma única imagem pode estar a serviço de variados propósitos; assim como pode aparecer em variadas situações e ter diferentes sentidos a diferentes pessoas (STURKEN; CARTWRIGHT, 2001). A partir dessa afirmação, ao trabalharmos imagem, reconhecer a multiplicidade de sentidos possíveis é parte do cuidado a se tomar em sala de aula. Para Stokes (2002), as habilidades envolvidas com o letramento visual são: ler, interpretar e entender a informação apresentada em imagens (pictóricas ou gráficas). Junto a isso, ele acrescenta que letramento visual também está relacionado a transformar aquilo que se lê – em (outras) imagens, gráficos ou formas que ajudem a comunicação. Letramento visual, para Rocha (2008), é a leitura competente de imagens nas práticas sociais, é ver, compreender, interpretar e, ainda, ser capaz de comunicar o que foi interpretado. Trabalhar letramento visual é reforçar a habilidade de olhar uma imagem cuidadosamente e tentar perceber as intenções dela. Esse olhar é lançado para textos verbais, orais, não verbais (só imagem) e textos compostos por vários aspectos modais (visual, escrita e som). 100 Letramento visual, portanto, envolve habilidades para interpretar o conteúdo visual da imagem, ter também a capacidade de examinar o impacto social das imagens e, não menos importante, discutir o propósito, a audiência e a propriedade (BAMFORD, 2003. O propósito, este livro preferem usar no plural: propósitos – sempre levando em conta que o autor, uma vez que seja inacessível, não pode ser interrogado diretamente sobre suas intenções.Assim é possível evitar expressões como “o autor quis dizer”. Em vez disso, aplica- se esse tipo de análise: “a partir da obra, podemos visualizar ou reconhecer alguns efeitos de sentido [...]” ou, ainda, “a partir das pistas x, y e z, podemos observar que [...]”, entre outros. Bamford (2003) ainda fala em audiência e propriedade. Audiência remete também aos estudos bakhtinianos. Podemos analisar o termo audiência com dois sentidos: audiência social – aspectos mais amplos da sociedade em que o material foi produzido – e audiência específica – aquela que por vezes conseguimos definir de uma forma mais clara; ou seja, por vezes conseguimos perceber que o material foi produzido fazendo referência a um público mais específico. Na publicidade, por exemplo, a expressão que resume esta audiência é público-alvo. Ao construir uma peça publicitária ou até uma campanha publicitária, – formada por um conjunto de peças voltadas para rádio, TV, outdoors, revistas, os publicitários direcionam ao público que desejam atingir. Geralmente este é o comprador ideal, ou seja, aquele que teria interesse em sua mercadoria. Se o produto é uma boneca, logo, toda a linguagem e aspectos gráficos são selecionados tendo em vista esse público. O autor aborda ainda o termo propriedade, ele abre a discussão sobre o termo propriedade, visualizando que nem sempre foi como é hoje. Atualmente, o autor tem direito legal sobre sua produção – cópias e alterações chegam a ser crime. A partir disso, discussões podem ser conduzidas nesse sentido e em outros. Da mesma forma, a responsabilidade que um autor tem com aquilo que produz: uma vez produzida, pode gerar efeitos de sentido que nem sequer havia previsto. Há uma discussão bastante delicada a ser feita em sala: a tragédia do Charlie Hebdo. Cartunistas foram assassinados por terem realizado charges com a fé alheia. A partir disso, podem-se discutir conceitos como o de liberdade de expressão. Sugestão: esse tema gera muitas opiniões diferentes. Por isso, é um terreno delicado aos docentes que ainda não se sentem seguros nas práticas aqui descritas. Esse diferente (opiniões diversas) aparecerá, e como ele será tratado, manuseado pela apreciação do professor será um divisor de águas. Professores, em discussões como essa, deverão ter jogo de cintura. Adolescentes de escolas regulares e, também, em Ensino de Jovens e Adultos (EJA) não se eximem de opinar – e isso é rico e deve ser bem-vindo. Assim, caso selecionemos uma imagem e uma discussão polêmica, teremos que ter capacidade de lidar com os comentários e opiniões que chegarem, não só acolhendo, mas também, em alguns casos, devolvendo os comentários em formato de pergunta. NOTA 101 Para ser visualmente letrado, de acordo com Bamford (2003, p. 1), o indivíduo precisa: Ter algum conhecimento do assunto da imagem; analisar e interpretar as imagens para apropriar-se do significado dentro do contexto cultural em que a imagem foi criada e existe; analisar as técnicas utilizadas para produzir a imagem; avaliar o mérito da imagem com relação ao seu propósito e a sua audiência e compreender a sinergia, a interação e o teor afetivo da imagem. A citação anterior reforça o que já está sendo discutido até aqui e, ainda, apresenta dois elementos novos. Um deles é avaliar o mérito da imagem tendo em vista o propósito e a audiência. Essa afirmação é bastante útil ao se trabalhar letramento visual em sala. Os alunos são levados a crer que podem julgar o mérito da imagem (não em termos do senso comum, caindo em achismos). Em vez disso, tendo em vista os propósitos e o público: o que ela quer? Ela conseguiu alcançar o que deseja? Se quer vender, consegue atrair o público-alvo? Se quer chocar, alcançou seu propósito? Se quer instruir, alcança isso em relação ao público o qual deseja instruir? Ainda com relação à citação de Bamford (2003), há mais um tópico a ser destacado. Ele sugere que a sinergia, a interação e o teor afetivo da imagem sejam analisados em relação a sua audiência. Ao procurarmos em dicionários os sentidos da palavra sinergia, encontraremos definições como: (1) ação ou esforço simultâneos, cooperação, coesão; trabalho ou operação associados. Assim, ao analisar uma imagem, pode-se observar quanto o próprio leitor precisa participar, envolver-se, cooperar para a produção do(s) sentido(s). Os alunos devem perceber, inclusive, essa necessidade de haver a sinergia. Há outros dois sentidos para sinergia que nos são caros neste momento. Um deles vem da área química: (2) ampliação do efeito ou potencialização da ação de uma ou mais substâncias químicas ou farmacológicas pela associação de diferentes princípios ativos. Além disso, temos a partir da sociologia: (3) coesão dos membros de um grupo ou coletividade em prol de um objetivo comum. Recorrendo à etimologia, sinergia vem do grego, “sunergía”, que significa cooperação, ajuda, assistência. O sentido 2, portanto, ajuda-nos a visualizar que a obra do autor – e tudo o que ele pode ter desejado representar, descrever, simbolizar ou provocar – é potencializado a partir dos olhos do leitor. O sentido 3 nos ajuda a observar que é necessária a coesão para haver comunicação, ou seja, sem que os sentidos sejam compartilhados não há como haver interação, se há emissor, mas não toca, não provoca o receptor, o processo não se completou. Segue uma imagem que pode servir de exemplo. 102 Figura 9 – Facebook Fonte: https://www.pictorem.com/2184/PawelKuczynski58.html. Acesso em: 4 abr. 2023. Ao olhar a imagem, dependendo de quem é que está lendo, vai ter uma leitura bastante rápida ou, para outras pessoas, não fará sentido algum. É preciso que o leitor saiba o que é a rede social Facebook, a partir disso, pode reconhecer que aquele “f” remete a essa ferramenta (rede social). A partir do conhecimento dessa ferramenta, não só de ouvir falar, mas de utilizar, de estar imerso nela, é que outra operação ainda mais sensível pode ocorrer: o leitor pode perceber que há uma crítica nessa imagem, uma provocação aos usuários do Facebook – que este serve como um visor, uma ferramenta para olhar para o mundo e para o “mar de pessoas”. 103 Além disso, as ferramentas de comunicação/interação modernas, as chamadas redes sociais ou aplicativos, podem ser também uma ferramenta de participação social. Uma ferramenta de defesa de pontos de vista. Figura 10 – Pawel Kuczynsk i52 Fonte: https://www.pictorem.com/2178/PawelKuczynski52.html. Acesso em: 4 abr. 2023. Quantas questões são problematizadas ou ainda denunciadas por essas vias? Para além disso, essas ferramentas têm sido estratégias de organização social. São os chamados “eventos”, em que as pessoas agendam data e horário para se encontrar e realizar uma manifestação. A história recente do nosso país mostra essa movimentação oportunizada pelas redes sociais. Sugere-se uma busca sobre o Facebook como uma empresa – como criadores com uma história (tanto da sua criação, narrada inclusive em filme, quanto ao seu crescimento). Essa história pode ser amarrada, associada ao conceito de globalização, formação de redes e diminuição das fronteiras (como já discutido anteriormente). Assim, essas ferramentas encaixam muito bem com a forma de organização da sociedade atual, um motivo essencial para seu sucesso (entre outros aspectos). NOTA 104 Além disso, essas páginas e aplicativos funcionam como canal. Por eles transitam signos (linguísticos e visuais), ou seja, palavras e imagens carregadas de sentidos. Por esse motivo, utilizar tais ferramentas é uma forma de se relacionar não só com pessoas, mas com signifi cados, visões, compreensões, comportamentos, formas de ser, estar e agir no mundo. Neste ponto, é possível notar como os letramentos são amarrados, como as práticas são híbridas e como inserir-se em práticas variadas – de variadas esferas/domínios – amplia o universo daquele que nelas lê/escreve/fala/ouve. Neste momento, é possível perceber que o conceitode letramento que agora é discutido – letramento visual – se amarra ao de letramento digital. Conceito esse que, não vai ser verticalizado. É possível ir além, conhecer mais sobre o tema, perceber como esses conceitos se colocam em rede, ampliam nossa visão dos textos, das práticas existentes em sociedade. ATENÇÃO Anteriormente chegamos a um ponto: que a comunicação precisa ser completa, precisa chegar, de fato, ao leitor, tocá-lo. Os sentidos foram construídos/ percebidos. A partir disso, uma dúvida pode surgir: quer dizer que o autor vai fi car amarrado a isso? Só vai produzir uma vez que saiba que seu leitor entenderá? Isso depende dos propósitos da obra (seja ela imagem, desenho, fotografi a, entre outros). Se o objetivo é chamar a atenção para um produto e, adiante, vendê-lo, a obra terá que ter esse objetivo de tocar o leitor exatamente dessa forma, em sentido restrito. Agora, em se tratando da arte como espaço de liberdade, espaço para ser, espaço para exercitar a liberdade de ler e criar o mundo a partir do seu olhar como autor, nesse sentido, pouco importa caso seja entendido ou não. O autor não está preocupado com isso. Ele quer exercer essa liberdade que a arte oferece, sua obra já é leitura de mundo, portanto, por ser sua leitura de mundo, não irá amarrar aquilo que deseja demonstrar por pensamentos do tipo: será que irão me entender? Nesse sentido, a imagem se aproxima muito da literatura. Assim como a literatura está a serviço da criatividade e dos objetivos do autor, da mesma forma, as artes visuais também estão – a pintura, o desenho, a escultura – e os gêneros híbridos também – como a charge, os quadrinhos e as tirinhas. Essa liberdade que a literatura dá ao autor é chamada de licença poética. Quem nunca se questionou ou ouviu o seguinte questionamento: por que José Saramago pode escrever sem a pontuação adequada? A única resposta possível é: ele faz uso da licença poética, da liberdade que é possível ao se fazer arte. 105 Trecho do livro Ensaio sobre a cegueira O médico perguntou-lhe, Nunca lhe tinha acontecido antes, quero dizer, o mesmo de agora, ou parecido, Nunca, senhor doutor, eu nem sequer uso óculos, E diz-me que foi de repente, Sim, senhor doutor, Como uma luz que se apaga, Mais como uma luz que se acende, Nestes últimos dias tinha sentido alguma diferença na vista, Não, senhor doutor, Há, ou houve, algum caso de cegueira na sua família, Nos parentes que conheci ou de quem ouvi falar, nenhum, Sofre de diabetes, Não, senhor doutor, De sífilis, Não, senhor doutor, De hipertensão arterial ou intracraniana, Da intracraniana não sei, do mais sei que não sofro, lá na empresa fazem-nos inspecções, Deu alguma pancada violenta na cabeça, hoje ou ontem, Não, senhor doutor, Quantos anos tem, Trinta e oito, Bom, vamos lá então observar esses olhos [...]. Fonte: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2010/06/leia-trechos-de-algumas- -das-principais-obras-de-jose-saramago.html. Acesso em: 4 abr. 2023. Você conseguiu observar um estilo próprio, que foge às convenções da linguagem científica, por exemplo? Da mesma forma, as imagens, por vezes, estão mais para a literatura (arte) que para a ciência. As linguagens verbal e não verbal podem ser ferramentas nas mãos do artista – assim como podem estar a serviço dos gêneros produzidos no domínio científico, publicitário, entre outros. Por isso, podem ser alteradas, dobradas, transformadas, transfiguradas, hibridizadas, reinauguradas, entre outros movimentos artísticos. A partir disso, podemos perceber que analisar o domínio ou esfera discursiva nos ajuda a ler/interpretar os gêneros e os artefatos culturais. Os elementos que os compõem são observados a partir da prática social e das intencionalidades. Esses elementos estão a serviço do texto e do autor. Assim como linguagem verbal e não verbal também podem estar a serviço uma da outra. Para Buzato (2008), o verbal e o visual se unem para criar sentido: quando nem o verbal nem o visual conseguiriam criar isoladamente. Fonte: BUZATO, M. E. K. Inclusão digital como invenção do quotidiano. Revista Brasileira de Educação, v. 13, n. 38, maio/ ago. 2008. IMPORTANTE Retornando à citação de Bamford (2003), há ainda os termos interação e teor afetivo. Quanto à palavra interação, ela já vem sendo abordada desde a Unidade 1 – com a concepção interacionista da leitura; ler é interação, necessita de interação. Quanto ao teor afetivo, vale fazermos uma costura com o conceito apresentado na Unidade 1 – a diferença entre a linguagem científica e literária. 106 Quadro 2 – Diferença entre a linguagem científica e literária Textos da esfera científica Textos da esfera literária Uma das características do texto científico deve ser a linguagem referencial – clara, objetiva, despojada dos torneios literários que caracterizam a linguagem poética. A f inalidade do texto científico é transmitir informações e ensinamentos e, por esse motivo, não deve conter elementos que desviem o leitor de seu objetivo ou que tornem difícil a compreensão do conteúdo (ANDRADE, 2011, p. 8). Na literatura, principalmente a função poética da linguagem e a função emotiva ou expressiva estão muito próximas. Ambas podem se valer do mesmo tipo de linguagem – a poética – e o que as diferencia é o chamado foco narrativo. Quando predomina a função emotiva, o foco narrativo recai sobre a 1ª pessoa, o emissor ou enunciador é que sobressai no texto. Além das memórias, confissões e autobiografias, muitas vezes encontram-se reflexões ou exposições de fatos realizados pelo narrador, em 1ª pessoa (ANDRADE, 2011, p. 10). Fonte: Andrade (2011, p. 8-10) Como já citado anteriormente, é possível fazer um paralelo entre a leitura de imagens e a leitura das linguagens científica e literária. As imagens podem estar mais para uma linguagem que para outra. Há aquelas que querem representar algo, diretamente, sem dar tanto trabalho ao leitor – não quer correr o risco de tantas interpretações possíveis. Tal objetivo vai ao encontro da linguagem científica. Já há outras que estão mais para a literatura: há um foco narrativo (a visão daquele autor ou um ponto de vista) e, ainda, recorrem à função emotiva, o que vai ao encontro do que Bamford (2003) chamou de teor afetivo. As imagens também possuem carga emotiva, mexem com os sentimentos e as emoções dos seus leitores. Esse é um aspecto que também pode ser analisado com os alunos ao se ter o letramento visual como norte. Ainda que algumas imagens estejam mais para a ciência – linguagem “direta” – que para a literatura – ou o inverso. Vejamos os exemplos das imagens que seguem: 1) Figura 11 – Dólar em mãos Fonte: https://conteudo.imguol.com.br/c/noticias/2014/06/27/empresario-homem-segu- ra-muito-dinheiro-dolar-1403906694061_615x300.jpg.webp. Acesso em: 4 abr. 2023. 107 Figura 12– Dollar 2) Fonte: https://www.pictorem.com/2109/Dollar.html. Acesso em: 4 abr. 2023. Nas duas figuras anteriores, o elemento principal, central é a nota de dólar. Contudo, em uma, ela remete àquilo que é habitual, conhecido pelo grupo (na Figura 11) – dinheiro, alegria de tê-lo em mãos. Já na Figura 12, o objeto foi deslocado; remete a um tapete. Associa a nota a um tapete o qual, quando “batido”, caem armas e outros itens usados em guerra. No primeiro caso, a imagem é usada no sentido convencional, pois esse é o propósito de quem a utilizou. No segundo caso, o deslocamento tem propósito: uma comparação com um fim de construção de sentido. Sai-se do objetivo e entra-se no figurado, do conotativo (neste caso, uma crítica social). 108 Ainda com relação às Figuras 11 e 12, em sala de aula poderia ser feita uma análise dos contextos e meios de veiculação. A Figura 11 era uma imagem junto ao gênero notícia (Fonte: Uol). Uma análise, portanto, é verificar como o site e o gênero notícia ajudam a definir o teor da imagem – ou vice-versa: como a imagem ajuda a construir os sentidos pretendidos ou a esclarecer a informação.A Figura 12, por sua vez, trata-se de um desenho encontrado em variadas páginas de internet. Uma busca rápida demonstra como as obras do artista são compartilhadas em fontes variadas, atendendo, por consequência, a propósitos variados. Além da Pictorem, essa e outras também são encontradas no site Pinterest – uma rede de entretenimento cujo foco é o compartilhamento de imagens variadas. Nessa fonte, o objetivo fundamental é entretenimento – tanto que o nome do artista nem chega a receber destaque. Em síntese: onde e em qual contexto a imagem é veiculada também é componente fundamental de nossas discussões em sala de aula. Esses elementos contribuem para a compreensão dos usos sociais, alguns já percebidos na produção em si (na obra ou imagem em si), outros, ao entendermos onde e de que forma essas obras e imagens são apresentadas/exploradas. Ainda é necessário ter certa cautela ao considerar alguma imagem clara, em si, evidente por si mesma. Hall (1997, p. 19) assevera que “[...] signos visuais e imagens, mesmo quando eles carregam uma semelhança para as coisas a que se quer referir, são ainda signos: eles carregam significados e têm que ser interpretados”. Assim como a própria ciência, que faz muito uso da linguagem verbal em seus relatórios, em seus artigos, dissertações e teses, até mesmo ela pode e deve ser analisada. A ciência é aparentemente neutra, ela também é uma leitura da realidade, por meio de estratégias e ferramentas diferentes, mas também é uma forma de explicar os fenômenos. As várias linguagens precisam ser lidas. De acordo com Manguel (2006, p. 19): Ler as letras de uma página é apenas um dos muitos disfarces da leitura. O astrônomo lendo um mapa de estrelas que não existem mais; o arquiteto japonês lendo a terra sobre a qual será erguida uma casa, de modo a protegê-la das forças malignas; o zoólogo lendo os rastros de animais na floresta; o jogador lendo os gestos do parceiro antes de jogar a carta vencedora; a dançarina lendo as anotações do coreógrafo e o público lendo os movimentos da dançarina no palco; o tecelão lendo o desenho intrincado de um tapete sendo tecido; o organista lendo várias linhas musicais simultâneas orquestradas na página; os pais lendo no rosto do bebê sinais de alegria, medo ou admiração; o adivinho chinês lendo as marcas antigas na carapaça de uma tartaruga; o amante lendo cegamente o corpo amado à noite, sob os lençóis; o psiquiatra ajudando os pacientes a ler seus sonhos perturbadores; o pescador havaiano lendo as correntes do oceano ao mergulhar a mão na água; o agricultor lendo o tempo no céu – todos eles compartilham com os leitores de livros a arte de decifrar e traduzir signos. O artista lê a natureza, talvez o maior e mais completo de todos os textos; o observador das telas lê a obra do artista, ou seja, a leitura que o artista fez e essa leitura também constitui um texto. 109 Essa citação retoma o que foi discutido na Unidade 1 – expandindo o conceito de leitura. Em leitura de imagens, esse conceito deve permanecer expandido. Ler, nessa perspectiva, é ir muito além do nível de decodificar. Esse paralelo com a ciência e com a literatura foi para demonstrar que aquilo que nos circunda, por vezes, está mais para uma que para outra. Para Cervantes (apud MAZZAROTTO; LEDO; CAMARGO, 2002, p. 449), escrever como um poeta é diferente de escrever como historiador, segundo o autor, “o poeta pode contar ou cantar coisas, não como foram, mas como poderiam ter sido, enquanto o historiador deve relatá-las não como poderiam ter sido, mas como foram, sem acrescentar ou subtrair o que quer que seja”. Da mesma forma, utilizar uma imagem em uma peça publicitária é totalmente diferente de usar, ainda que a mesma imagem, como ilustração de um poema ou expô-la em uma sala de estar de uma casa. Por vezes, os propósitos de uma imagem ou texto multimodal são mais ligados aos da ciência – tais como informar, instruir, esclarecer, descrever, relatar, apontar, desvelar – da forma mais objetiva que puder. Outras vezes, quando mais próximos à literatura, os propósitos das imagens – ou textos multimodais – exploram os sentidos (socialmente aceitos ou os expandem, vendo além do olhar habitual), abusam das figuras de linguagem, aplicam as ambiguidades intencionais, criam deslocamentos, brincam com a visão e usam os conhecimentos prévios dos leitores para impactá-los, mexem com as emoções, deixam lacunas intencionais, assim como a literatura também o faz. Paralelo feito, vamos adiante. De acordo com Bamford (2003), ao se trabalhar a partir do letramento visual, há alguns tópicos que podem ser desenvolvidos: a habilidade crítica de ler imagens, esta, segundo ele, precisa ser exercitada; falar sobre imagens amplia o léxico, o autor defende que falar sobre imagens melhora as habilidades orais e escritas; todas as áreas devem trabalhar de forma transversal com a leitura de imagem; os jovens podem ser estimulados a olhar aquilo que está como suposições nas imagens e que circulam no universo jovem; as imagens devem ser investigadas junto aos alunos, investigando e discutindo aquilo que elas trazem; entre outras possibilidades. A partir desses tópicos, podemos levar nossas aulas a outros patamares, ampliando as possibilidades, levando os nossos alunos à sensibilidade na percepção dos objetos simbólicos e dos artefatos culturais que estão à nossa volta. IMPORTANTE Callow (1999, p. 2) afirma que o termo “visual” foi se tornando mais comum, inclusive em salas de aula o termo “leitura” foi ampliado, englobando textos escritos e imagens. Ambos têm semelhanças. Ambos são dinâmicos, envolvem o texto (este escrito e/ou visual) e a pessoa que lê/vê, os autores e a cultura; além de experiências de vida e conhecimento prévio. Segundo o autor supracitado, algumas estruturas das imagens passam inexploradas por muitos leitores, sejam esses experientes, jovens e velhos. 110 Callow faz tal afirmação em 1999 – a de que o letramento visual começou a ser discutido. Tal autor não é brasileiro. Aqui, isso demorou muito a começar a ser percebido e a fazer parte dos nossos exames nacionais (Enade, Enem, Prova Brasil). Se analisarmos as habilidades pretendidas em cada uma delas, veremos que muito pouco é explorado das imagens ou dos gêneros multimodais. Neste momento, surge a possibilidade de o professor exercitar seu olhar de pesquisador. A partir disso que aqui é discutido, os docentes podem lançar um olhar, inclusive, para os livros didáticos eleitos por suas escolas. É possível realizar uma investigação de como as imagens são exploradas neles: 1. se de fato os livros nos ajudam a trabalhar com leitura de imagem em nossas salas; 2. as imagens ainda recebem pouca relevância; 3. ainda, se as imagens são analisadas somente como ilustrações do texto verbal; mantendo somente um nível raso de análise de imagens, como estamos estudando até aqui, é possível ir muito além. NOTA Silvino (2012, p. 4) sugere duas perguntas para aquele que deseja trabalhar com imagens em sala: “Qual o impacto que o letramento visual tem no processo de aprendizagem do aluno[?]; como o professor pode desenvolver as habilidades necessárias para essa leitura multimodal?” Esse último termo, multimodal, remete-nos tanto a textos que sejam somente imagem, pois temos que ler textos dos mais variados com nossos alunos, como também a um único texto que seja formado por aspectos multimodais, informações verbais, visuais e, para além, aqueles compostos por som e movimento. Procópio e Souza (2009) afirmam que o letramento visual deve fazer parte do currículo de ensino. O motivo é que as habilidades a serem desenvolvidas convocam por parte dos docentes dois elementos: tempo e ampla exposição. Os saltos dos alunos não acontecem do nada; somente podem surgir a partir de intervenções educacionais variadas; são consequência de trabalhos recorrentes e sequenciados, além de intervenções educacionais de vários tipos. O letramento visualsurge como mais um objetivo a ser alcançado na formação de nossos alunos. A multimodalidade está presente à nossa volta e não pode ser ignorada. Está na sociedade, nas mídias, nos livros didáticos; necessita ser compreendida em todas as suas manifestações as quais desempenham diferentes funções a partir de diferentes objetivos. Para Messaris (1994), letramento visual é a experiência e o conhecimento oriundos a partir do manejo de trabalhos visuais, aliado a uma elevada consciência ao se realizar esse manuseio. 111 Kress e Van Leeuwen (2006) salientam que a linguagem visual é aprendida, assim como a linguagem verbal e, portanto, deveria ser ensinada nas escolas. A partir disso, podemos entender que só é possível ler imagens realizando, de forma constante e progressiva, a leitura de imagens. A escola e os professores de Língua Portuguesa, ao ignorarem esses aspectos, deixam de encaminhar seus alunos a outros patamares de leitura e interpretação. 112 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu: • Que a partir do conceito de globalização e da vida (múltipla e dinâmica) moderna, o conceito de letramento é melhor conceituado no plural: letramentos. • A necessidade de o sujeito ter mobilidade nessa sociedade múltipla. • O aspecto desafiador que a leitura pode ter – levar o leitor a “pular o muro” da realidade imediata. • O advento da imagem – que antes considerada coadjuvante, servindo para complementar o texto verbal. Atualmente, é compreendida como um texto com vida própria, cuja leitura se faz necessária para a compreensão das representações (ou desconstruções/provocações) da realidade. • Que, segundo autores, para ler textos multimodais, comuns em nossa sociedade, é preciso desenvolver a habilidade de ler imagens. • O conceito de letramento crítico. Este compreendido, entre outros aspectos, como a habilidade de ler analiticamente aquilo que chega a nós. Nesta análise, compreendendo aspectos não só textuais, mas também extratextuais: quem fala, quando fala, de que forma, quais as relações de poder, entre outros elementos. • O próximo letramento visual. A partir dele foi possível fazer algumas ponderações. Observamos que esse letramento é considerado uma forma de educação; esta, sensível ao fato de que as imagens têm papéis e funções na comunicação. Compreendemos que há várias naturezas de imagens, duas delas: pictóricas e as gráficas. Ler a partir do letramento visual é, portanto, analisar e interpretar imagens, de múltiplos aspectos, estes estudados ao longo do tópico. • Que tanto a linguagem verbal quanto a visual deve ser estudada nas escolas. É na leitura que, progressivamente, os alunos passam a ter mais facilidade de realizar tal análise. 113 RESUMO DO TÓPICO 1 1 O universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido e, talvez, infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas. [...] A Biblioteca existe ab aeterno. Dessa verdade, cujo corolário imediato é a eternidade futura do mundo, nenhuma mente razoável pode duvidar. [...] Em alguma estante de algum hexágono (raciocinaram os homens) deve existir um livro que seja a cifra e o compêndio perfeito de todos os demais: algum bibliotecário o consultou e é análogo a um deus. Associe a figura a seguir ao texto da Questão 1: Figura – Relativity Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/ru/a/a3/Escher’s_Relativity.jpg. Acesso em: 6 abr. 2023. O espaço descrito no texto e o espaço representado na gravura têm em comum: Fonte: adaptada de BORGES, J. L. A biblioteca de Babel. In: Ficções. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1944. a) ( ) A emotividade e a negação da simetria. b) ( ) O efeito de claro-escuro e o sentimento da natureza. c) ( ) A vida idealizada e o sentimento do provisório. d) ( ) A fantasia intelectual e a composição geométrica. AUTOATIVIDADE 114 115 1 INTRODUÇÃO Se o conceito de letramento visual – e até o crítico – nos move a convidar as imagens a fazerem parte do universo explorado em sala de aula, vamos observar mais de perto o que a teoria nos orienta quanto a essa leitura específica. Para isso, o primeiro tópico a nos debruçarmos é sobre a tentativa de dilatar/ampliar o próprio conceito de leitura. O que é ser leitor? Durante muito tempo, acreditou-se na ideia de que leitor é apenas aquele que lê livros. Atualmente, compreende-se que é preciso ir além dessa visão; entendendo que os que leem imagem também são leitores. As cidades contemporâneas são repletas de sinais e signos: “os sinais de trânsito, as luzes dos semáforos, as placas de orientação, os nomes das ruas, as placas dos estabelecimentos comerciais etc.” (SANTAELLA, 2012, p. 10). Realizamos essas atividades de forma rotineira, sem que nos tornemos conscientes desse hábito. Nas palavras de Santaella (2012, p. 11), realizamos tal atividade de diversas formas: ao lermos “embalagens de produtos que compramos, nos cartazes, nos pontos de ônibus, nas estações de metrô, enfim, em um grande número de situações em que praticamos o ato de ler de modo tão automático que nem chegamos a nos dar conta disso”. A partir disso, o ato de ler foi expandindo seu escopo, abarcando todos os tipos de linguagens. Há o leitor da imagem no desenho, na pintura, na gravura e na fotografia. Há o leitor de jornal, revistas. Há o leitor de gráficos, mapas, sistemas de notações. Há o leitor da cidade, leitor da miríade de signos, símbolos e sinais em que se converteu a cidade moderna, uma verdadeira floresta de signos. Há o leitor-espectador da imagem em movimento, no cinema, televisão e vídeo. A essa multiplicidade, recentemente veio a se somar o leitor das imagens evanescentes do grafismo computadorizado e o leitor do texto escrito, do papel, saltou para a superfície das telas eletrônicas. Na mesma linha de continuidade, mas em nível de complexidade ainda maior, hoje, esse leitor das telas eletrônicas está viajando pelas informações nas redes dos computadores, um novo tipo de leitor que tenho chamado de “leitor imersivo” (SANTAELLA, 2012, p. 11-12). A partir dessa multiplicidade de leituras, surge a multiplicidade de leitores. Por esse motivo, não poderemos perder de vista todas essas – e outras – possibilidades. Perder de vista esses elementos é formar leitores locais, sem mobilidade e fluidez social, esta convocada pela modernidade líquida. LER IMAGENS UNIDADE 2 TÓPICO 2 - 116 Ainda sobre o leitor, Walty, Fonseca e Cury (2001) apontam algumas distinções: (1) há o leitor empírico, de carne e osso, que se debruça sobre o texto; (2) há o leitor previsto ou representado pelo texto, aquele imaginado pelo autor; e (3) há ainda o autor como leitor, antes mesmo ele é um leitor; este apresenta sua leitura sobre algo, um fato, algum assunto ou alguém. Em outras palavras, há diferentes leitores, tanto do verbal quanto do não verbal. Aquele que está se colocando diante do texto, frente a ele, lendo-o, explorando-o, usando-o. Sim, o texto também se presta a escolhas, pode se oferecer a diferentes propósitos – um autor nunca pode imaginar que seu texto será lido em um casamento, que seu poema será parte de uma carta de amor, que seu desenho será usado dentro de um informativo interno de alguma empresa, que sua pintura será reproduzida em um muro de escola, entre outros usos possíveis e não antecipados. Dificilmente será possível, uma vez que tenha ido para o papel e tenha se tornado público, definir “quero que meu texto sirva somente para isso”. Os usos sociais têm diversas formas de serem criados, recebidos e compartilhados. Por isso, é importante prestarmos atenção neles e estudá-los para entender suas possibilidades. Antes disso, devemos saber como estudá-los adequadamente. Vamos adiante! 2 APROFUNDANDO A LEITURA DE IMAGENS A leitura de imagens não é um terreno homogêneo, de visões apenas convergentes. É um terreno de produção, de construção. Há visões e diferentes contribuiçõessobre o tema. O meio acadêmico, os documentos oficiais e as práticas cotidianas mantêm essa produção conceitual efervescente, produtiva e produtora. Para Santaella (2012), há duas perspectivas possíveis. Em uma delas, a linguagem verbal não pode ser usada para explicar imagens; somente imagens podem descrever imagens. Na outra, é totalmente possível utilizar linguagem verbal para compreender imagens. A autora concorda com a segunda compreensão. Para ela, é como se decifrássemos um código ou, ainda, traduzíssemos de uma língua para outra. 117 De acordo com Santaella (2012, p. 13), não há nada que impeça que “as imagens sejam traduzidas na linguagem que utilizamos para nos comunicar, a saber, a linguagem verbal”. A autora acrescenta que ler imagens passa por saber como as imagens “se apresentam, como indicam o que querem indicar, qual é o seu contexto de referência, como as imagens significam, como elas pensam, quais são seus modos específicos de representar a realidade” (SANTAELLA, 2012, p. 12). Santaella (2012) recorre à obra A república, de Platão, para elaborar o caráter duplo das imagens. Em outras palavras, ela reproduz características reconhecíveis de algo visível. Assim, as imagens são consideradas um artefato – bidimensional (no caso do desenho, pintura, gravura, fotografia) ou tridimensional (como em uma escultura) – que tem uma aparência similar a algo que está fora da obra (objetos, pessoas, situações). De alguma forma, as imagens tornam esse algo reconhecível, graças a alguma relação de semelhança com aquilo que representam, ainda que seja com o objetivo de problematizar ou desconstruir. A autora dá ênfase na discussão realizada a essas imagens como representações, pois elas são criadas e produzidas por humanos. Para Santaella (2012, p. 18), “as representações visuais são artificialmente criadas, necessitando para isso da mediação de habilidades, instrumentos, suportes, técnicas e mesmo tecnologias”. Além de podermos observar a existência de leitores variados, ainda podemos observar finalidades diferentes para a existência e circulação de imagens em nossa sociedade. Elas podem ter por finalidade aguçar e ampliar nossa capacidade perceptiva, regenerar nossa sensibilidade visual – uma das razões da arte, entre outras. Embora o fator documental seja preponderante na fotografia, ela também pode preencher outras funções (artísticas, produção de sensações, produção de impacto, entre outros exemplos possíveis). Essas funções, e outras que você perceberá ao longo deste livro, podem servir de norte para a seleção de imagens ou textos híbridos (compostos por textos e imagens). Analisar as funções das imagens, junto aos alunos, é um momento relevante em se tratando de letramento visual. Selecionar imagens requer tempo, dedicação e sensibilidade por parte do professor. Da mesma forma, os alunos podem ser estimulados a selecionar imagens de acordo com funções, exemplos: imagens que geram emoção e alegria, que estimulam a sensação de fome, que geram angústia, que emocionam por serem poéticas, que emocionam por serem trágicas, que chocam – entre outros tantos exemplos possíveis. NOTA 118 Figura 13 – Exemplo de fotografia impactante Fonte: https://www.nasserdemelo.com.br/wp-content/uploads/2016/11/codigo-flo- restal-min-300x196.jpg. Acesso em: 4 abr. 2023. Algumas ONGs (voltadas a causas específicas) são mestres em utilização da fotografia como forma de impactar ou provocar emoções desejadas, ainda que muitas dessas fotografias sejam alteradas com o uso de algum programa de edição. A figura anterior fala muito – ainda que sem palavras. Associa a mata aos pulmões humanos – e o desmatamento a um pulmão não saudável (o da direita, que está desmatado, cor de terra). Há apenas um comentário quase ilegível à direita: Before it’s too late (antes que seja tarde) e o site da organização. As imagens também podem servir à captura do desejo por adquirir novos produtos veiculados pela publicidade (como poderá ser visto na Unidade 3), para a qual as imagens são imprescindíveis. Finalidade distinta é aquela a que muitas ilustrações de livros se prestam, sobretudo a de cumprir a tarefa de ilustrar as informações transmitidas pelo texto verbal. Já as imagens do design devem ser indicadoras do modo como os produtos servirão ao uso e a que se destinam. Esses são alguns exemplos possíveis de funções desempenhadas pelas imagens; embora haja outras formas de manifestação das imagens. Quando se vai trabalhar alguma imagem, ou texto multimodal, em sala, válido é discutir a ou as possíveis funções das imagens e dos textos. Assim, não perdemos de vista o caráter de prática social daquele material. Em outras palavras, ele 119 foi produzido por alguém, em uma circunstância, com um objetivo, em um contexto, tendo em vista um público, contendo uma representação de algo ou alguém; entre outras possibilidades analíticas. Lançar um olhar somente para o conteúdo é esquecer os conceitos de letramento, letramentos ou multiletramentos. Há elementos internos e externos a serem percebidos – a imagem e o texto são um meio de comunicação dotado de variados elementos em sua composição. As funções anteriormente apresentadas são algumas em um campo imenso de possibilidades – em mãos habilidosas de autores, elas são ilimitadas –, não há como definir a priori. Essas funções apresentadas por Santaella (2012) podem ser somadas a outras três funções apresentadas por Kress e Van Leuween (2006). Segundo Halliday (1985), existem três funções essenciais nos usos que fazemos da linguagem: a função ideacional (as pessoas constroem representações do mundo), a função interpessoal (expressa as relações sociais entre os envolvidos no evento comunicativo) e a função textual (organização dos elementos que compõem os significados). De acordo com Kress e Van Leuween (2006), algo semelhante acontece com o texto verbal, ou seja, essas três funções também podem ser percebidas ao analisarmos linguagem verbal. Esses apenas renomearam tais funções da seguinte forma: (1) função representacional, (2) função interacional e (3) função composicional – afirmam que essas funções são presentes nas imagens construídas/idealizadas/materializadas em nossa sociedade. Estamos acostumados a analisar funções em textos verbais. Contudo, aqui podemos observar que os textos visuais (imagens, textos híbridos) também possuem diferentes funções. Os textos visuais também são representação; são produzidos por alguém para alguém e, também, há elementos internos que contribuem com a construção dos sentidos (detalhes que foram selecionados para a construção do sentido – detalhes são escolhas e desempenham um papel naquele texto). NOTA Segundo Kress e Van Leuween (2006), essas três funções, em se tratando de imagens, podem ser assim descritas. Por meio das imagens, estamos (1) representando as ideias, as experiências que temos do mundo (função representacional); (2) estabelecendo relações sociais com os que observam e, ainda, com a própria imagem (função interacional) e, como terceira função, (3) organizando os elementos – no interior da imagem – de forma intencional (função composicional). Assim como há uma gramática verbal, regida pelas mãos do autor, a partir de escolhas semântico-lexicais, na linguagem não verbal, também há uma gramática em atuação, esta firmada em escolhas semântico-funcionais (função semântica). 120 Quando analisarmos imagens, podemos analisar esses três elementos que as compõem: (1) analisando as representações (fi cará mais claro na Unidade 3); (2) analisando as relações estabelecidas entre produtor e leitor (em um texto específi co, em um uso específi co) e (3) analisando os elementos no interior da imagem (objetos, cores, formas, planos, fundo, centro da imagem, expressões faciais, objetos em mãos, roupas usadas, roupas não usadas, posição assumida, entre outros aspectos – já explorados neste livro e que receberão mais delineamentos na Unidade 3).Figura 14 – Representação, interação e componentes Fonte: https://lithoralnews.com.br/images/a29/cigarro21.jpg. Acesso em: 4 abr. 2023. Neste momento, válido é retomar o sentido de semântica. Semântica interessa-se pelo estudo dos sentidos. Assim, quem lê imagem também necessita lançar um olhar para as escolhas feitas pelos artistas, pintores, gravuristas, fotógrafos, publicitários, desenhistas, tendo em vista a produção do(s) sentido(s) desejados – as lacunas que estes deixam em aberto, as provocações que fazem, a heterogeneidade, a ambiguidade desejada, os jogos, a comunicação com outros textos (intertextualidade); enfi m, os jogos de sentidos a partir dos elementos selecionados para compor aquilo que nos dedicamos a ler. Assim como ao ler um texto verbal devemos analisar as funções dos elementos que compõem os textos (incluindo os léxicos selecionados das classes de palavras), em se tratando de imagens, também devemos lançar esse olhar analítico: por que tal elemento (como cor, forma, estereótipo, roupas, espaços, objetos nas mãos de um ou outro sujeito representado, quem interage com quem) é assim representado? Qual é a função pretendida? Qual é a provocação desejada? Assim por diante. Portanto, os letrados visualmente devem ter a habilidade de (re) construir os sentidos presentes nas imagens, observando, analisando e comparando a forma e a estrutura que são produzidas culturalmente. ATENÇÃO 121 Algumas questões para analisar os três elementos: 1. Representação: de acordo com o texto híbrido (verbal e visual), o que é viver bem e com saúde? Quais pessoas são usadas para representar “viver bem e com saúde”? Por que elas foram escolhidas para representar esse ideal? Onde elas estão? Como elas são? O que estão fazendo? 2. Interação: de que gênero é este texto? (campanha social). Ela é feita por quem e para quem? O que ela pretende provocar no seu leitor? A mensagem tem carga emocional positiva ou negativa? Quais emoções ou anseios promove no leitor? 3. Componentes: quais são os elementos da imagem (os verbais e os visuais)? Há algum símbolo? Quais são as cores utilizadas? Qual é a cor do objeto que representa “proibido fumar”? Qual é o elemento do gênero que (proporcionalmente) é aquele que mais ocupa o todo? (O céu aberto, com poucas nuvens) A parte verbal principal está posta onde? (Sobre o céu). O cigarro está posto onde? (Na linha do horizonte – separação, divisão entre o “céu” e a “terra”). Simbolicamente, o que o céu pode querer representar? Por que as pessoas estão sorrindo? Elas estão correndo ou andando vagarosamente? Por que estão correndo? De que forma correr, sorrir estabelece uma relação com aquilo que a campanha defende? Qual é a ordem dos elementos verbais (primeiro uma frase – positiva – de efeito e, depois, a frase no imperativo – uma ordem)? E se a ordem fosse invertida? Mudaria os sentidos? A parte verbal e a visual estão em equilíbrio ou alguma recebe centralidade (é mais importante) do que a outra? Se não tivesse a parte visual, os sentidos seriam preservados? Se não houvesse a parte verbal, os sentidos seriam preservados? Se as quatro pessoas fossem retiradas, a campanha produziria os mesmos sentidos e provocaria as mesmas emoções? Se substituíssemos as quatro pessoas, poderíamos imaginar o que no lugar (sem perder o sentido)? Se substituíssemos as quatro pessoas com o objetivo de corromper, subverter, provocar um erro ou até ironia, quais imagens poderíamos colocar no lugar? Da mesma forma ainda, o letramento visual reconhece a necessidade de estudar, também, textos em que linguagem verbal e não verbal estejam presentes. Barthes (1977) oferece algumas ferramentas interessantes. Ele foi um dos primeiros teóricos a pesquisar e teorizar sobre as relações entre texto e imagem. Para ele, há três formas de a imagem se relacionar ao texto. A primeira delas é a ancoragem: nela, o texto serve de apoio à imagem; conota e direciona a leitura. Para Barthes (1977, p. 39), todas as imagens possuem um caráter polissêmico, pois “em uma cadeia flutuante de significados, o leitor pode escolher uns e ignorar outros [...]. Assim, cada sociedade desenvolve várias técnicas para fixar a cadeia flutuante de significados”. De acordo com o autor, para limitar e diminuir o terror dos signos incertos, os componentes verbais podem servir como técnica para exercer essa limitação de sentidos. Ajuda o leitor a se mover pela construção das leituras desejadas pelo autor – sugerindo que o observador escolha algumas e evite outras. 122 Figura 15 – Exemplo de ancoragem Fonte: https://mandatogoura.com.br/wp-content/uploads/2018/08/32.jpg. Acesso em: 4 abr. 2023. O texto recebe mais clareza pela imagem. “Quebre o ciclo” fi ca ambíguo. Não se sabe de qual ciclo se fala. A imagem ajuda a fi xar o sentido. Ciclo de silêncio, ciclo de con- trole e medo. A segunda forma de relação imagem/texto é chamada de ilustração: é a imagem que dá suporte ao texto. Nesse sentido, o texto é a parte principal e a imagem o interpreta, dá visibilidade e materialidade a algum ponto desejado pelo autor. Figura 16 – Exemplo de ilustração Fonte: Campregher (2017, p. 114) 123 O texto forma uma linha ascendente com a seguinte afirmação: “A evolução de um país passa pela evolução da educação. E nunca a educação pública evoluiu tanto no Brasil como em 2009”. O texto forma uma espécie de gráfico, quando a leitura é realizada (indo da esquerda à direita) os olhos vão subindo. As pessoas presentes na imagem ajudam a representar marcos (quanto mais o texto “sobe”, há um marco – uma pessoa de estatura diferente). Portanto, o visual dá materialidade à ideia de que a educação pública evoluiu. A imagem sem o texto perde a essência – o inverso não acontece. A parte verbal está completa e direta. Os componentes visuais ajudam a dar visibilidade à ideia de crescimento, evolução. A terceira forma de relação é chamada de relay. Nesse sentido, um modo apoia o outro, como é o caso das revistas em quadrinho, das tirinhas e charges, um depende do outro para a construção dos sentidos. Figura 17 – Exemplo de relay Fonte: https://www.tediado.com.br/wp-content/uploads/2012/08/tirinhas061.jpg. webp. Acesso em: 4 abr. 2023. Na tirinha anterior, sem a parte visual, o texto perderia sentido, basta imaginar apenas o texto, sem a imagem. A expressão facial da garota, por exemplo, acres- centa em muito na produção dos sentidos. Da mesma forma, só os elementos visuais perderiam também o sentido – não se conheceria a expectativa (ser adi- cionada por algum gatinho) e, a seguir, a quebra de expectativa (ser adicionada na rede social pela tia Jurema). Como destaca Russel (2000), todos os textos são posicionados e são posicionamentos. Em se tratando de imagem, não é diferente. Isso nos leva à formação de um jeito de olhar que pode ser resumido em letramento visual crítico. A partir dela, compreendemos que as escolhas feitas pelo autor são motivadas pelos efeitos pretendidos pelo autor. Os elementos são orquestrados para criar a(s) realidade(s) pretendida(s) pelos autores. Estes levam às imagens suas pretensões, suas visões de mundo e seus propósitos composicionais. 124 A partir de tais perguntas, os alunos estão sendo conduzidos a perceber que aquilo representa parte de uma perspectiva, de uma visão de mundo. Assim, eles são conduzidos a separar fatos das visões sobre os fatos. Começam a perceber que são coisas distintas. Deixa-se para trás, assim, a posição ingênua de leitura: tudo o que é lido corresponde a uma verdade, uma descoberta que revela a natureza em si de algo, um fato ou alguém. A produção da imagem já é uma leitura por parte do autor, uma leitura entre outras possíveis daquele objeto, fato, pessoa ou grupo. A partir disso, letramento visual e letramento crítico se aproximam. A neutralidade, portanto, é ilusória, tanto por parte daquele que produz quanto daquele que a lê. Essa compreensão vai ao encontro do que já foi discutido na Unidade1 – a partir da teoria da análise do discurso (foucaultiana) e da teoria da enunciação (bakhtiniana). Os discursos e os enunciados estabelecem relação com a história e com as construções de cada época. Produzir um texto (verbal, visual ou híbrido) já é se colocar no mundo em relação a algum assunto ou em relação a um leitor ou leitores. Ainda, a partir de Kress e Van Leeuwen (1996, 2006), é muito forte a visão de que a linguagem visual serve somente para acrescentar à linguagem verbal. Segundo tais autores, em vez disso, as imagens se confi guram fortes veículos de comunicação e de informação e não podem ser subestimadas, muitas vezes sendo tomadas como óbvias e evidentes. Newfi eld (1993) sugere a relevância de ler, inclusive, as entrelinhas, sugerindo, ainda, algumas perguntas. 1. Quem construiu a imagem? 2. Onde a imagem apareceu? 3. A quem é endereçada? 4. O que está sendo mostrado e o que está sendo omitido? 5. De que outras formas o mesmo evento poderia ser mostrado? IMPORTANTE Em um mesmo fato, ao receber uma análise comparativa, a partir de diferentes jornais (impressos ou televisionados), a partir de blogs ou redes sociais, podem ser observadas nuances ou discrepâncias nas diferentes abordagens dos fatos. Esses, sendo produzidos por diferentes imagens. Ainda que seja um fato, a abordagem pode variar de acordo com a perspectiva de quem (qual jornal/jornalista) conta o fato e por quais meios. Essa análise comparativa contribui demasiadamente com a produção de uma leitura mais sensível por parte de nossos alunos. ATENÇÃO 125 Para Almeida (2009), o professor que se amparar em compreensões e práticas oportunizadas pelo conceito de letramento visual amplia suas possibilidades pedagógicas e, a partir disso, contribui para que seus alunos façam uma melhor crítica da realidade. Sendo assim, as imagens deixam de servir somente para entretenimento; são vistas como carregadas de sentidos políticos e sociais. Assim como o código semiótico da linguagem, “o código das imagens também representa o mundo (de maneira concreta ou abstrata), constrói relações sociointeracionais e constitui relações de significados a partir do papel desempenhado por seus elementos internos” (ALMEIDA, 2009, p. 178). Santaella (2012, p. 22) faz uma distinção entre percepção e interpretação, “interpretar uma imagem é um processo que se acrescenta ao mero reconhecimento”. A autora ainda destaca que além de haver a tentativa de representar algum objeto, há imagens que se utilizam de convenções – uma vez que são representações visuais também dependem das convenções construídas pelas pessoas. Essas convenções, portanto, também precisam ser analisadas, ou seja, aquilo que é aceito socialmente como uma forma de se representar o objeto x. Quando falamos em convenções, podemos pensar que os sentidos são socialmente construídos. O que é um homem vestindo gravata? O que simboliza? Que sentimentos produz? Qual é a carga emocional ao vermos uma pessoa com cara de sono, cabeça apoiada em sala de aula? Qual é o sentimento estimulado por uma pessoa com roupas de banho tomando sol e bebendo água de coco? Qual é a conotação de um personagem em quadrinhos que usa óculos e carrega livros para todos os lados? Quais são os sentidos provocados por uma mulher de vermelho, salto alto, passando batom em frente a um espelho? O que representa uma pessoa sentada na calçada com a mão em posição de pedinte? Essas convenções são exploradas – em seus contextos e fora deles, pelos autores de textos visuais ou híbridos (tanto em materiais impressos quanto na cinematografia ou publicidade). NOTA 126 Figura 18 – Imagem composta por convenções Fonte: https://www.hypeness. com.br/1/2015/12/tecnologia2. jpg. Acesso em: 4 abr. 2023. Há imagens compostas por ícones, índices e símbolos – para o reconhecimento desses com- ponentes, é preciso ter conhecimento prévio. Na Unidade 3, esses conceitos serão explorados. Na imagem ao lado, por exemplo, faz-se neces- sário: 1) conhecer o idioma para ler “bem-vindo à praia” e, ainda, (2) reconhecer o símbolo que significa “proibido” e; (3) reconhecer cada um dos ícones referentes aos objetos que são proibidos. Figura 19 – Exemplo de convenção invertida Fonte: https://www.dobleclic.com/wp-content/uploads/publicidad-impactante-26. jpg. Acesso em: 4 abr. 2023. Na imagem anterior, o homem não caça. Ele está sendo caçado. Essa inversão pro- duz um efeito: impacta o leitor ao imaginar a si (sua espécie) sendo caçado em uma floresta. Este é um exemplo do termo “subversão” – subverter algo é o ato de trans- formar ou destruir a ordem estabelecida. Há imagens, portanto, que estabelecem seu caráter subversivo da convenção, daquilo com o qual estamos acostumados. A parte verbal (pequena, em inglês) leva à reflexão, além de questionar: How does it feel? (Como isso lhe parece? Como se sente sobre isso?). 127 Ainda, ao se realizar uma leitura de imagem e o fizermos de forma verbal (oral ou escrita), já estaremos realizando uma prática social de leitura e escrita. Colocar- se como interlocutor, aceitar o convite do autor é realizar uma prática. Assume-se um lugar, habilidades são desenvolvidas e, outras, evocadas ou consolidadas. Esses momentos, portanto, constroem desdobramentos que, por vezes, nem sequer o autor pôde imaginar – que sua obra seria lida, analisada em sala de aula. É preciso ter esse olhar: de que realizar tal análise é realizar uma prática social única em que se vai, por meio de estratégias variadas, torcendo a imagem a ponto de tirar cada gota de sentido possível, sentido esse que é produzido apenas no contato com os interlocutores. Assim, a sala de aula se torna passível de levar leitores além daquilo que hoje seriam capazes de perceber caso lessem isolados em seus quartos. Trinta leitores leem melhor do que um e, nesse compartilhamento, cada qual irá avançar com o grupo. Por esse motivo, não há uma só fórmula, um só jeito. O docente irá, a partir de uma fundamentação, ampliar suas possiblidades de práticas pedagógicas, além de desenvolver diferentes estratégias. Caso, por exemplo, apenas desenvolva atividades individuais, perde a dinâmica do grande grupo. Caso só realize oralmente com toda a sala, perde aquele aluno que é tímido e jamais se apresentaria. Caso só realize em grupos menores, perde a possibilidade de consolidar a coragem de se expor. Caso realize apenas de forma oral, perde a capacidade de sintetizar – objetivamente – uma informação mais ampla. Por esses motivos, investir em apenas uma estratégia empobrece o exercício da leitura em sala e, por consequência, tudo aquilo que poderia vir a se consolidar em sala. IMPORTANTE Ainda sobre a concepção de que, em sala, as atividades se desdobram em outras, poderemos realizar práticas que nunca imaginaríamos se tratar de uma atividade de leitura. Um exemplo citado por Walty, Fonseca e Cury (2001, p. 8): “o pintor que cria a partir de um texto, ou um escritor que escreve sobre um quadro visto participam do processo de interação promovido por leituras”. Aqui se encontram dois desdobramentos entre tantos possíveis. Estes surgem, muitas vezes, da tentativa e erro por parte do professor. Este vai tateando um universo e ganhando confiança, observando os resultados daquilo que empreende em sala. “Muitas vezes, a escola é o único lugar em que a criança tem acesso ao livro e a outros textos [...] a escola não pode prescindir de seu papel de divulgação dos bens simbólicos que circulam fora dela” (WALTY; FONSECA; CURY, 2001, p. 8). 128 Se desejarmos desenvolver habilidades de leitura em sala – dos mais variados materiais –, teremos que ter uma meta, um objetivo, um norte, um porto, um farol a seguir. Em outras palavras, qual leitor desejamos formar? Para isso, recorremos a alguns autores que nos ajudam a delinear esse farol. Assim, contribuímos com a formação daquele leitor que “não abre mão de refletir e de estabelecer relações, mesmo as que não sãopropostas pelos textos lidos, relaciona o que lê agora com o que já leu antes, viveu ou está vivendo, fazendo dialogar com os textos que o cercam” (WALTY; FONSECA; CURY, 2001, p. 8). NOTA 129 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu: • Que a partir da mudança de visão sobre o que é ser leitor, hoje entende-se que ler imagens também é parte constituinte dessa postura frente ao mundo contemporâneo. • Que é possível utilizar linguagem verbal para descrever a linguagem visual, e que não há nenhum problema quanto a isso (SANTAELLA, 2012). De acordo com a mesma autora, observamos que há diferentes finalidades para a circulação das imagens em sociedade, além de leitores variados. • Que, segundo autores, há três funções básicas para as imagens em nossa sociedade: representar ideias, estabelecer relação com outros ou com a imagem e, ainda, estamos organizando elementos internamente à própria imagem. • Que Barthes (1977) acrescenta, apontando outras funções para as imagens em relação ao texto verbal: ancoragem, ilustração e relay – esta é de dependência entre os dois. • Que assim como no texto verbal, no visual, a neutralidade é ilusória. Os autores fazem escolhas a partir de efeitos pretendidos. • Que Newfield (1993) destaca algumas questões possíveis: (1) Quem construiu a imagem? (2) Onde a imagem apareceu? (3) A quem é endereçada? (4) O que está sendo mostrado e o que está sendo omitido? (5) De que outras formas o mesmo evento poderia ser mostrado? • Que Para Almeida (2009), as imagens representam o mundo de forma concreta ou abstrata. • Que a imagem abre possibilidades para desdobramentos, é possível que a imagem abra caminho para outras atividades realizadas com os alunos. 130 1 Como foi discutido ao longo do tema de aprendizagem, os textos – verbais ou não verbais – podem servir a variados propósitos em situações variadas, inclusive não esperados pelo próprio autor/pintor/desenhista. A partir dessa afirmação, analise as imagens a seguir: Figura – Soccer Fonte: https://www.pictorem.com/2105/Soccer%20.html. Acesso em: 4 abr. 2023. Figura – Pawel Kuczyinski 34 Fonte: https://www.pictorem.com/2160/PawelKuczynski34.html. Acesso em: 4 abr. 2023. AUTOATIVIDADE 131 Figura – Drink Fonte: https://www.pictorem.com/2086/Drink.html. Acesso em: 4 abr. 2023. Figura – Sun Fonte: https://www.pictorem.com/7065/Sun.html. Acesso em: 4 abr. 2023. 132 Poema em linha reta Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que tenho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. Fonte: PESSOA, F. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática. 1944. https://pensador.uol.com.br/autor/fernando_pessoa/ 133 A partir da leitura dos textos anteriores, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente o poema de Fernando Pessoa é considerado um texto – os outros são somente imagens. b) ( ) Todos apresentam uma mesma linguagem e a utilizam para expressar os mesmos propósitos e sentidos. c) ( ) Ao analisar os textos, pode-se perceber algo em comum: eles apresentam uma crítica (uma análise) sobre algo ou alguém. d) ( ) Pode-se dizer que essas imagens contradizem o que o texto verbal apresenta – todas as informações não verbais são criativas e o texto não. 134 135 1 INTRODUÇÃO Quando nos aprofundamos nos estudos sobre leitura (verbal e não verbal), devemos conhecer os documentos oficiais que orientam a prática pedagógica. Documentos oficiais são aqueles organizados por órgãos ligados à nação. No nosso caso, como educadores, o Ministério da Educação. Isso não quer dizer, claro, que precisamos ser pessoas que não analisam e não pesam aquilo que vem de cima. Muito pelo contrário. Devemos sim, à luz das teorias que conhecemos, analisar todos os materiais que chegam a nós. Assim, sairemos de posições passivas – de aplicadores – para posições ativas – sujeitos capazes de analisar, selecionar, testar, comparar fontes e analisar resultados. Esse tipo de postura é essencial para uma prática pedagógica rica e proveitosa a todos os envolvidos. Assim, aquilo que nos é sugerido/definido em documentos oficiais necessita ser posto em paralelo com as bases teóricas de que dispomos em nossa área; todas as que levamos anos estudando em graduações e pós-graduações. A partir desses documentos são elaborados os exames nacionais. Esse não é o único, mas é um bom motivo para nos debruçarmos sobre as orientações que vêm de cima. Queiramos ou não, nossos alunos serão avaliados por esses exames, que se fundamentam nessas teorias apresentadas em documentos oficiais. Nossa prática pedagógica não é desvinculada do mundo atual. Esses exames existem, são um fato e nossos alunos, cedo ou tarde, participarão dessas práticas sociais (sim, um exame é uma prática social existente; daquelas que testam e descrevem sujeitos em termos de “apto” e “não apto”). Se elas existem, precisamos, como professores de língua/linguagem, conhecê-las e reconhecer as habilidades que pretendem testar em nossos alunos. Contudo, há uma grande diferença nessas duas posturas. 1. Saber que os exames existem, estudá-los e preparar os alunos para eles. Considerar tais exames como uma das práticas existentes em sociedade. 2. Estudar os exames para que seja possível levar os alunos a tirarem boas notas– ratificando/confirmando que, nessas provas, é que poderei saber se meu aluno é ou não capaz/apto linguisticamente; além de eu provar, por meio desses resultados, que eu sou um bom professor. Há uma linha bastante tênue entre esses dois tópicos. Em uma postura (2), foca-se a prática em dois objetivos: considerar que os alunos precisam se sair bem nos exames para que o professor também se sinta validado, visto, reconhecido. Tira-se o olhar das variadas práticas sociais de leitura e escrita existentes e foca-se somente TÓPICO 3 - LEITURA EM DOCUMENTOS OFICIAIS UNIDADE 2 136 naquelas que se referem a avaliações; desenvolver a capacidade dos alunos se saírem bem nesses exames. Perdemos de vista, inclusive, as habilidades que esses exames estão sugerindo que sejam relevantes para a vida do aluno; muitas dessas sinalizações são válidas e podem trazer boas ideias ou inspirar práticas. Fazemos dos alunos sujeitos bons em responderem questões avaliações. Não refinamoso olhar para enxergar como aquelas habilidades lá examinadas produzem um diferencial na vida dos estudantes (e se realmente produzem esse diferencial, qual diferencial, qual impacto etc.). Por meio dessa análise, construímos motivo mais sólido, vinculado ao impacto na vida do estudante. A partir dessa motivação e dessas habilidades pretendidas é que construímos cada prática de leitura e escrita que desenvolvemos. Na outra postura (1), conhecem-se os documentos oficiais e os exames, reconhece-se aquilo que eles orientam e verifica-se, analiticamente, aquilo que eles trazem de contribuição para a vida e o que o exame traz de benefícios. Não se ignora, não se fecha os olhos para a existência deles e das possibilidades que esses exames trazem. Contudo, o olhar do docente não se finda no exame, vê através dele: as habilidades que o docente enxerga vão além de formar pessoas para serem boas em exames. Se assim pensássemos, estaríamos formando pessoas boas em fazer avaliações; nada mais. Contudo, a vida em sociedade é muito mais que isso. Essa é uma das práticas existentes. É possível notar em alguns professores uma terceira postura: a de rebeldia. Algo que vai ao encontro de afirmações semelhantes a esta: — Não gosto de exames, não curto esse tipo de atividade social... avaliar pessoas? Quem “eles” pensam que são para avaliar as pessoas dessa forma? Quem o MEC é para dizer o que meu aluno deve saber? Eu sei o que meu aluno deve saber. Eu sei o que é ensinar, eu sou formado, eu estudei para isso. Essa postura desconhece que aquele que é mais prejudicado é o aluno. O professor, por meio dessa postura, fecha-se, não analisa os materiais, as matrizes de referência dos exames, as habilidades, a relevância social dessas habilidades, assim por diante. Essa postura é tão fechada que deixa o docente numa posição confortável: — eu sou o centro, eu sei, total e completamente, o que meu aluno deve saber. O conforto é, portanto, perigoso: se o mundo segue se modificando, como é possível não analisar novas habilidades que o mundo segue consolidando e, por meio delas, abrindo portas e/ou as fechando? Ainda que o professor tenha completado sua graduação em 2, 4, 7, 10 anos... ainda assim, os textos e as interações humanas não param de se dar por diferentes formas e meios. A partir desses temas, você é chamado a refletir sobre o tema e sobre sua postura. Ainda que você esteja a caminho de se formar, essa interrogação também é válida. Questione-se, analise-se. Suas crenças aparecerão em sua prática; quer você perceba esse fato ou não. 137 Aqui, mais um adendo é necessário. Aquilo que foi estudado até aqui sensibilizou o nosso olhar para dois conceitos fundamentais: leitura e leitura de imagens. As teorias até aqui exploradas nos ajudam a olhar para os documentos oficiais com um olhar mais cuidadoso. A partir da apropriação de teorias, é possível fazer uma crítica – dar opinião – contundente para além de “gosto e não gosto”. É possível perceber aquilo que contribui, aquilo que avança as discussões e as práticas; da mesma forma, os estudos amparam o olhar analítico para apontar o que estiver (se estiver) frágil ou que for pouco explorado. É a partir de aportes teóricos que teremos base para analisar o que chega a nós, seja em documentos oficiais ou não. Vamos adiante! 2 LEITURA EM DOCUMENTOS OFICIAIS Nesta etapa do livro, analisaremos documentos oficiais, as sugestões quanto ao trabalho com leitura. Vamos realizar uma análise crítica daquilo que chega a nós como documentos – o leitor é convidado a não confiar somente no que aqui é apontado. Aquilo que for apresentado a seguir, tanto os documentos com peso de lei quanto aqueles que sejam somente orientações. Sugere-se que vá além, investigue, debruce-se sobre os materiais, realizando suas próprias leituras. Os documentos que serão citados são: Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Plano Nacional de Educação (PNE) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Há, ainda, um breve comentário a respeito dos PCNs, no sentido de valorizar algumas contribuições deixadas por tal documento. Esses documentos estão propagando, sugerindo, reforçando práticas desejáveis em nossas escolas. Assim, merecem atenção de nós (futuros) professores; especialmente aos que compreendem a relevância de se trabalhar leitura em sala. Ainda que nada sobre leitura fosse apontado em documentos que surgem de iniciativas do Estado, ainda assim, como educadores e estudantes da área das Letras e apoiados em aportes teóricos, sabemos a relevância da leitura em sala e fora dela. Portanto, já estamos, até aqui, equipados de conhecimentos suficientes para sabermos que, de forma alguma, leitura, interpretação de textos – verbais, não verbais e híbridos – de forma alguma poderiam deixar de fazer parte de nossas práticas pedagógicas, ainda que esse importante componente estivesse sido “esquecido” em algum documento oficial. Não se trata, portanto, de um olhar no sentido de confirmar que é algo importante, isso já temos certeza. Trata-se de observar se está sendo abordado, de que forma, com qual ênfase e se algo, ainda, a partir da teoria poderia ter sido destacado e não foi – para isso, o conhecimento teórico nos dá suporte, para esse tipo de análise. Trata-se, em suma, de um olhar investigativo. Um olhar de professores-pesquisadores que não apenas recebem, mas analisam tudo aquilo que é oferecido a nós. NOTA 138 Iniciamos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). No Art. 32, afirma- se que a Educação Básica visa “[a]o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo” (BRASIL, 1996). No Art. 22, afirma-se que a educação básica tem como finalidade “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 1996). Para o Ensino Médio, aponta-se como objetivo o aprofundamento dos saberes do Ensino Fundamental e, ainda, o desenvolvimento do pensamento crítico e da autonomia intelectual. Certamente, levando em consideração o que foi estudado até aqui a respeito da leitura crítica, da interpretação, da análise de mundo, a leitura de gêneros multissemióticos podem contribuir em muito com os objetivos e finalidades apresentados no documento NOTA Outro documento que orienta a educação brasileira é o Plano Nacional de Educação (PNE). Tal documento, que apresenta metas voltadas à educação, não dá tanta ênfase a componentes de disciplinas específicas. São metas gerais. Entre as metas, dá ênfase à alfabetização. Na quinta (meta), aponta: “alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do terceiro ano do Ensino Fundamental” (BRASIL, 2014, p. 10). Ao citar a meta 7: “fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem” (BRASIL, 2014, p. 61), como estratégia aponta a leitura nas seguintes palavras: “promover [...] formação de leitores e leitoras e a capacitação de professores e professoras, bibliotecários e bibliotecárias e agentes da comunidade para atuar como mediadores” (BRASIL, 2014, p. 66-67). Há um documento, apesar de “obsoleto”, que merece ser citado neste livro: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). A razão de não podermos negligenciá-lo é o entendimento de que os parâmetros contribuíram com saltos quânticos para as práticas em salas de aula, especialmente em se tratando de práticas de leitura e escrita. Tal documento trouxe para a discussão conceitos que antes ficavam somente direcionados à academia. Por meio dele, as discussões puderam deixar os muros universitários, podendo se tornar mais acessíveis ao universo das escolas. Tal acesso contribuía muito com o ensino-aprendizagem, possibilitando trazer importantes reflexões aos docentes já formados e que poderiam estar distantes de tais discussões teórico-metodológicas.Os PCNs correspondem a um documento de oferta de um parâmetro; trazia conceitos e discussões que pudessem servir de fundamentação às práticas educacionais. Ainda assim, o documento não teve peso de lei; permaneciam mais no campo das sugestões e recomendações – não normas. 139 Devido às memoráveis contribuições ao campo da prática docente em Língua Portuguesa, alguns pontos dos PCNs serão aqui relembrados. Apesar de a BNCC ter, hoje, ocupado, legalmente, o lugar que antes era ocupado pelos PCNs, os parâmetros ainda podem servir de base de estudos individuais do professor, especialmente como base teórica, construção de argumentos para suas práticas pedagógicas. As discussões lá presentes continuam sendo significativas e relevantes ao campo dos estudos de língua e linguagem. Atenção: os PCNs não devem ser citados ou considerados como documento oficial em vigor, nem como referência atual do currículo educacional de nosso país. Faz necessário citar, em trabalhos acadêmicos, planejamentos escolares (plano de ensino, plano de aula, projetos etc.), trabalhos de conclusão de curso, ou outros – o documento que estiver em vigor no momento da escrita do trabalho ou do planejamento. No momento de escrita deste livro, está em vigor a BNCC. Sempre pesquisar, conversar com a direção escolar, professores das disciplinas ou com orientadores pedagógicos dos trabalhos em desenvolvimento. Ainda, para retomar brevemente alguns itens dos PCNs, assim como há PCNs voltados ao Ensino Fundamental, há outro documento voltado ao Ensino Médio. Aqui uma síntese de algumas contribuições. O documento aponta que a linguagem é entendida como capacidade humana de organizar significados em sistemas arbitrários. Esses significados, uma vez articulados, são partilhados por meio de sistemas de representação – de acordo com as necessidades da vida em sociedade. O documento resume que a principal finalidade de qualquer ato comunicativo – ato de linguagem – é a produção de sentido (BRASIL, 2000). Ao discutir o Ensino Médio, as linguagens verbal e não verbal são citadas: “no campo dos sistemas de linguagem, podemos delimitar a linguagem verbal e não verbal e seus cruzamentos verbo-visuais, audiovisuais, áudio-verbo- visuais etc.” (BRASIL, 2000, p. 6). Acrescenta o caráter arbitrário das linguagens: “a estrutura simbólica da comunicação visual e/ou gestual como da verbal constitui sistemas arbitrários de sentido e comunicação” (BRASIL, 2000, p. 6). O documento acrescenta que os costumes e os comportamentos influenciam e são influenciados na e pela linguagem – esta é produto e produtora da cultura. O documento sugere o confronto entre diferentes pontos de vista sobre aquilo que se lê, materializado em variadas linguagens. Acrescenta que o interesse deve ser formar pessoas capazes de saber colocar-se como protagonista no processo de produção/recepção” (BRASIL, 2000, p. 10). Adiante, aponta que saber ler é saber fazer conexões, ir além: “a metáfora do hipertexto servirá como exemplo. A partir de uma ideia, podem-se abrir muitas ‘janelas’” (BRASIL, 2000, p.10). 140 A seguir, algumas competências e habilidades apresentadas no documento – selecionadas, para este livro, por irem ao encontro do que é aqui discutido: Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas [...]; analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção/recepção (intenção, época, local, interlocutores, participantes da criação e propagação de ideias e escolhas, tecnologias disponíveis etc.). [...]; articular as redes de diferenças e semelhanças entre linguagens e seus códigos [...]; compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de: organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação (BRASIL, 2000, p. 14). Adiante, o mesmo documento conceitua as linguagens verbal e não verbal: “no campo dos sistemas de linguagem, podemos delimitar a linguagem verbal e a não verbal e seus cruzamentos verbo-visuais, audiovisuais, áudio- verbo-visuais etc.” (BRASIL, 2000, p. 126). A partir disso, vemos que ambas as linguagens estão sendo consideradas. Anteriormente, a linguagem não verbal era colocada em um patamar de acréscimo, de ilustração daquilo que se diz por meio de palavras (linguagem verbal). Contudo, apesar de dar nessa citação essa impressão de igualdade de relevância e que, por vezes, elas se cruzarão (verbo-visuais), não dá ênfase em alguma etapa do documento, tratando de interpretação ou análise de texto não verbal. Assim, introduz a ideia, mas não a verticaliza, discutindo letramento visual, ou ainda o império da imagem ou a relevância de ler texto não verbal em relação ao exercício da cidadania, entre outras possibilidades. Apesar de ser perceptível que a discussão poderia ir além, logo mais adiante, explora alguns conceitos que são úteis na compreensão das imagens. A partir das páginas 40 e 41, o documento aborda os conceitos de signo, símbolo, índice e ícone – conceitos que, aqui neste livro, serão explorados na Unidade 3. Neste momento, é válido observar que tais elementos não são ignorados – estes que são relevantes na leitura de imagens (assim como tantos outros elementos apontados nesta unidade e que vão ao encontro do conceito guarda-chuva chamado letramento visual). Com isso, pode-se perceber que os PCN+ correspondem ao documento que mais verticaliza e mais aprofunda a leitura de imagem – ainda que em apenas uma seção de uma página e meia. Outra definição que é dada no texto e que merece destaque é a de texto. Para o documento, o texto é “um todo significativo e articulado, verbal ou não verbal” (BRASIL, 2000, p. 60) e que todo texto dialoga com outros textos. Novamente, aqui, se vê o não verbal recebendo destaque. Além de essa linguagem ser considerada parte do que o documento chama de “leitura plena”, conforme citado a seguir: 141 A leitura plena e produção de todos os significativos, implicando: caracterização dos diversos gêneros e seus mecanismos de articulação; leitura de imagens; percepção das sequências e dos tipos no interior dos gêneros; paráfrase oral, com substituição de elementos coesivos, mantendo-se o sentido original do texto (BRASIL, 2000, p. 62). Além disso, ao se dedicar à conceituação de leitura e interpretação, define que: “ser leitor, no sentido pleno da palavra, pressupõe uma série de domínios: do código (verbal ou não) e suas convenções; dos mecanismos de articulação que constituem o todo significativo; do contexto em que se insere esse todo” (BRASIL, 2000, p. 62). Fonte: BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio. Brasília: MEC; SEMTEC, 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ setec/arquivos/pdf/Linguagens.pdf. Acesso em: 5 abr. 2023. Pronto, após darmos os créditos a alguns saltos importantes na discussão com os gêneros textuais em documentos oficiais, retorna-se ao que está em vigor, no presente. Assim que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi publicada, tornou- se o documento oficial de orientação das práticas pedagógicas escolares na Educação Básica. A partir dele, inclusive, foram elaboradas as diretrizes de formação de professores, as quais foram publicadas no Diário Oficial em 2020. Documentos esses que, assim como a BNCC, apontam para a centralidade em determinadas competências – estando as competências do professor estreitamente relacionadas àquelas que são esperadas aos estudantes. Tanto que, ao longo do texto da Base, são apresentadas competências em diferentes aspectos, sejam elas as chamadas Competências Gerais, que apontam para algo necessário a todos os componentes curriculares e itinerários formativos ou, ainda, competências vinculadas aos componentes (Ensino Fundamental) ou às áreas doconhecimento; no caso do Ensino Médio. Antes de visualizarmos e refletirmos sobre as competências trazidas no documento da Base, é válido pensarmos na forma com que os gêneros são apresentados. Ao longo do documento, é possível encontrar, em vários trechos, citações com gêneros textuais multissemióticos. A seguir, um exemplo: Não são somente novos gêneros que surgem ou se transformam (como post, tweet, meme, mashup, playlist comentada, reportagem multimidiática, relato multimidiático, vlog, videominuto, political remix, tutoriais em vídeo, entre outros), mas novas ações, procedimentos e atividades (curtir, comentar, redistribuir, compartilhar, taguear, seguir/ser seguido, remidiar, remixar, curar, colecionar/descolecionar, colaborar etc.) que supõem o desenvolvimento de outras habilidades (BRASIL, 2018, p. 487) Faz-se necessário ler todo o documento para ir anotando – durante seus estudos para planejamentos de aulas – os gêneros textuais que são citados. Certamente, nem 142 todos serão citados aqui – afinal, são inúmeros. Esses escritos têm o objetivo de apresentar alguns pontos, algumas rotas de leitura/estudos etc., nada que substitua a dedicação e autonomia do professor em buscar, anotar, resumir, planejar, entre outras ações. A primeira pergunta: o que o documento da BNCC traz a respeito dos multiletramentos? Essa consideração dos novos e multiletramentos; e das práticas da cultura digital no currículo não contribui somente para que uma participação mais efetiva e crítica nas práticas contemporâneas de linguagem por parte dos estudantes possa ter lugar, mas permite também que se possa ter em mente mais do que um “usuário da língua/ das linguagens”, na direção do que alguns autores vão denominar de designer: alguém que toma algo que já existe (inclusive textos escritos), mescla, remixa, transforma, redistribui, produzindo novos sentidos, processo que alguns autores associam à criatividade. Parte do sentido de criatividade em circulação atualmente (“economias criativas”, “cidades criativas” etc.) tem algum tipo de relação com esses fenômenos de reciclagem, mistura, apropriação e redistribuição (BRASIL, 2018, p. 70). Como pode ser observado na citação, a compreensão de leitor e escritor é muito mais ampla na atualidade, a relação com os textos é, hoje, completamente diferente do que há 10 ou 20 anos. As relações humanas mudam, as tecnologias, as ferramentas, assim, a forma de ler, escrever, falar e ouvir também vão mudando. Para isso, são necessárias novas competências e habilidades – para que os sujeitos possam fluir e circular nesses variados espaços sociais, sejam presenciais ou on-line. A seguir, são apresentadas as competências destacadas pela BNCC que vão de encontro ao livro didático. Quadro 3 – Competências destacadas pela BNCC Competências gerais da educação básica Comentários 1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. Por esse motivo, analisar textos utilizando conhecimentos das áreas, conhecimentos das mais variadas culturas e do universo digital para analisar a realidade. 143 Competências gerais da educação básica Comentários 2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas. Ao realizar a leitura e análise de diferentes gêneros textuais, esses procedimentos podem ser realizados: formular, testar hipóteses, realizar a imaginação, entre outros. 3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e participar de práticas diversificadas da produção artístico- cultural. Lembrar de selecionar diferentes textos de autores/artistas de dentro e fora do país. 4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. Essa, sem dúvida, é a síntese dos multiletramentos. Especialmente ao utilizar diferentes linguagens. 5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. Explorar diversos gêneros e situações comunicativas variadas, tanto na vida pessoal (explorando gostos e experiências próprias da faixa etária), quanto na vida coletiva (imagens, notícias, fotos, charges, entre outros). 6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. Aqui, novamente, um reforço a valorizar a diversidade de saberes, experiências e culturas. Também lembrar de relações e saberes próprios do mundo do trabalho – dialogar sobre por meio de textos, leituras, pesquisas, entre outros. 144 Competências gerais da educação básica Comentários 7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. Utilizar-se de textos (verbais, visuais ou híbridos) que tratem de questões sensíveis e que envolvam direitos humanos, consumo responsável, questões éticas, cuidado consigo, saúde física e mental, entre outras temáticas possíveis. 8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas. Utilizar-se de textos variados e produzidos em sala, ou selecionados pelos colegas, com temáticas específicas ou a partir de acontecimentos atuais etc. 9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo- se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. Realizar atividades de interpretação no grande grupo (diante de toda a turma). Trabalhar de forma ética, que todas as opiniões tentem ser aproveitadas. Quando for algo muito “fora do adequado”, utilizar-se de estratégia de suavização, ou um confronto suave, para não perder o foco do texto analisado. Em caso de necessidade, conversar em particular sobre algum ponto mais complicado (ex.: alguma opinião que agrida os direitos básicos do indivíduo, à vida, à integridade etc.). 145 Competências gerais da educação básica Comentários 10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. Aqui, novamente, no sentido de analisar textos de forma respeitosa, um acréscimo pode ser o trabalhoem equipe, construção de um gênero a partir de outro. Por exemplo, de um grafite, a produção de um texto crítico. Ou a partir de um texto crítico, um poema visual. De um ou mais textos, a construção de algo novo, intertextual, criativo, desafiador, utilizando-se de diferentes linguagens para passar a mesma informação ou uma conclusão do grupo sobre a temática. Fonte: Brasil (2018, p. 9-10) Quadro 4 – Competências específicas de Linguagens para o Ensino Fundamental Competências específicas de Linguagens para o Ensino Fundamental Comentários 1. Compreender as linguagens como construção humana, histórica, social e cultural, de natureza dinâmica, reconhecendo-as e va- lorizando-as como formas de sig- nificação da realidade e expressão de subjetividades e identidades sociais e culturais. Pode-se observar a necessidade de re- conhecer as mais variadas linguagens. Entender que são formas de constru- ção de significação da realidade; além da expressão de identidades. 2. Conhecer e explorar diversas práticas de linguagem (artísti- cas, corporais e linguísticas) em diferentes campos da atividade humana para continuar apren- dendo, ampliar suas possibilida- des de participação na vida social e colaborar para a construção de uma sociedade mais justa, demo- crática e inclusiva. Nesta competência, compreende-se a síntese dos multiletramentos, a rele- vância de ler e produzir textos os mais variados possíveis, visando a participa- ção social e o autodesenvolvimento. 146 Competências específicas de Linguagens para o Ensino Fundamental Comentários 3. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimen- tos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao diálogo, à resolução de conflitos e à cooperação. Nesta, é possível também observar o reforço das diversas linguagens, espe- cialmente no partilhar de informações, experiências, sentimentos, colaboran- do com o diálogo e a cooperação. 4. Utilizar diferentes linguagens para defender pontos de vista que respeitem o outro e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo res- ponsável em âmbito local, regio- nal e global, atuando criticamente frente a questões do mundo contemporâneo. Aqui podemos observar a questão da opinião; expor a própria, respeitar a do outro. Reforça-se alguns elementos que possam fundamentar a escolha dos textos, as temáticas; essas rela- cionadas a questões regionais, globais, atuais etc. 5. Desenvolver o senso estético para reconhecer, fruir e respeitar as di- versas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, inclusive aquelas pertencentes ao patrimônio cultural da huma- nidade, bem como participar de práticas diversificadas, individuais e coletivas, da produção artístico- -cultural, com respeito à diver- sidade de saberes, identidades e culturas. Aqui, novamente, fala-se em patrimô- nio cultural da humanidade e, ainda, relembra a participação nas diversas práticas – o que certamente faz parte do que chamamos de multiletramen- tos. 6. Compreender e utilizar tecnologias digitais de informação e comuni- cação de forma crítica, significa- tiva, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares), para se comunicar por meio das diferentes linguagens e mídias, produzir conhecimentos, resolver problemas e desenvolver projetos autorais e coletivos. Aqui, reforça a utilização das tecnolo- gias digitais, o que pode ser explorado nos multiletramentos na seleção dos materiais – inclusive, por parte dos estudantes; há também o reforço de utilizar a comunicação em diferentes linguagens. Fonte: Brasil (2018, p. 65) 147 Quadro 5 – Competências específicas de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental Competências específicas de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental Comentários 1. Compreender a língua como fenôme- no cultural, histórico, social, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo-a como meio de construção de identidades de seus usuários e da comunidade a que per- tencem. A partir desta competência, com- preende-se analisar o contexto de uso/de produção dos textos; no caso de artista, a época, o país de origem, o contexto social em curso, entre outros. 2. Apropriar-se da linguagem escrita, reco- nhecendo-a como forma de interação nos diferentes campos de atuação da vida social e utilizando-a para ampliar suas possibilidades de participar da cul- tura letrada, de construir conhecimentos (inclusive escolares) e de se envolver com maior autonomia e protagonismo na vida social. Nesta competência, destaca-se a questão da interação e os campos de atuação; também a possibi- lidade de participar da cultura letrada como uma forma de cons- truir conhecimentos. 3. Ler, escutar e produzir textos orais, es- critos e multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão, autono- mia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo. Aqui, a questão dos textos multis- semióticos – as aulas de Língua Portuguesa podem ir além da palavra (textos verbais). 148 Competências específicas de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental Comentários 4. Compreender o fenômeno da varia- ção linguística, demonstrando atitu- de respeitosa diante de variedades linguísticas e rejeitando preconceitos linguísticos. Nesse ponto, destaca-se a questão da variação. Existem inúmeras tirinhas que trabalham a ques- tão da variação e do preconceito linguístico. É possível apresentar textos e poemas com linguagem não padrão (variação linguística) procurando refletir se, ainda assim, podem ser considerados arte; sim, sabemos que sim; há poemas e letras de música que não seguem o padrão e são expressões artísti- cas de grande valor. 5. Empregar, nas interações sociais, a variedade e o estilo de linguagem ade- quados à situação comunicativa, ao(s) interlocutor(es) e ao gênero do discur- so/gênero textual. A partir desta competência, analisar o impacto do texto analisado na audiência em diferentes contex- tos – se estivesse em um mural de escola, ou um outdoor, ou em uma revista, jornal, se fosse trocado entre amigos, se fosse em um contexto de trabalho etc. 6. Analisar informações, argumentos e opiniões manifestados em interações sociais e nos meios de comunicação, posicionando-se ética e criticamente em relação a conteúdos discrimina- tórios que ferem direitos humanos e ambientais. Aqui, há a possibilidade de analisar o conteúdo presente, tendo em vis- ta, sempre, o contexto, o receptor, os efeitos pretendidos, os efeitos possíveis (não pretendidos), entre outros. 7. Reconhecer o texto como lugar de ma- nifestação e negociação de sentidos, valores e ideologias. Todos os gêneros a serem abordados (verbais, visuais ou híbridos) podem ser analisados nessas perspectivas (de valores e de ideologias pre- sentes, ainda que sutis, por pistas linguísticas ou visuais). 149 Competências específicas de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental Comentários 8. Selecionar textos e livros para leitu- ra integral, de acordo com objetivos, interesses e projetos pessoais (estudo, formação pessoal, entretenimento, pesquisa, trabalho etc.). Aqui, sempre levar em conta gêneros variados, não somente os verbais (escritos). 9. Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o desenvol- vimento do senso estético para frui- ção, valorizando a literatura e outras manifestações artístico-culturais como formas de acesso às dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial transforma- dor e humanizador da experiência com a literatura. Nessa competência, pode-se comparar como um personagem é descrito em livro e, adiante,comparar com a abordagem dele no cinema. Podem ser realizadas tentativas de encenar (teatro) algumas partes de obras literárias, contos, ou outras possibilidades. 10. Mobilizar práticas da cultura digital, diferentes linguagens, mídias e fer- ramentas digitais para expandir as formas de produzir sentidos (nos pro- cessos de compreensão e produção), aprender e refletir sobre o mundo e realizar diferentes projetos autorais. Neste trecho, é possível observar o reforço da cultura digital, de que deve fazer parte de nossas práticas pedagógicas. Da mes- ma forma, de que forma podem ser exploradas para análise de mundo, das relações, dos fatos, daquilo que viraliza, que vira meme, das redes, da cultura do cancelamento, de notícias envol- vendo fatos motivados pela vida digital (consequências nem sem- pre agradáveis ou, algumas vezes, trágicas), assim por diante. Fonte: Brasil (2018, p. 87) O Ensino Médio é organizado por áreas. A disciplina de Língua Portuguesa passa a fazer parte da área Linguagens e suas Tecnologias. 150 Quadro 6 – Competências específicas de Linguagens e suas Tecnologias para o Ensino Médio Competências específicas de Linguagens e suas Tecnologias para o Ensino Médio Comentários da autora 1. Compreender o funcionamento das diferentes linguagens e práticas culturais (artísticas, corporais e verbais) e mobilizar esses conhecimentos na recepção e produção de discursos nos diferentes campos de atuação social e nas diversas mídias, para ampliar as formas de participação social, o entendimento e as possibilidades de explicação e interpretação crítica da realidade e para continuar aprendendo. A partir dessa competência, compreende-se que, novamente, a diversidade de textos/gêneros e linguagens pode e deve ser explorada. Tudo isso, sem perder de vista a questão das mídias e da participação social. Lembrando que o texto é mediação entre pessoas e entre pessoas e o mundo. Por meio texto, relacionam-se, compreendem-se. 2. Compreender os processos identitários, conflitos e relações de poder que permeiam as práticas sociais de linguagem, respeitando as diversidades e a pluralidade de ideias e posições e atuar socialmente com base em princípios e valores assentados na democracia, na igualdade e nos Direitos Humanos, exercitando o autoconhecimento, a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, e combatendo preconceitos de qualquer natureza. Nesta competência, destaca-se a questão das relações de poder e dos conflitos que fazem parte da sociedade global – entre nações, no interior de uma mesma, perspectivas de mundo diferentes, guerras, fome, proteção ao meio ambiente, direitos humanos. Enfim, é possível procurar trazer essas problemáticas, das mais variadas formas, partindo de gêneros para, adiante, gerar produções, debates, textos, apresentações, outros gêneros textuais, cartazes, sarais, entre outras possibilidades. 151 Competências específicas de Linguagens e suas Tecnologias para o Ensino Médio Comentários da autora 3. Utilizar diferentes linguagens (artísticas, corporais e verbais) para exercer, com autonomia e colaboração, protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva, de forma crítica, criativa, ética e solidária, defendendo pontos de vista que respeitem o outro e promovam os Direitos Humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável, em âmbito local, regional e global. As linguagens, novamente, são relembradas, sempre no plural, com destaque às artísticas, corporais e verbais – cada uma, por sua vez, abre outro leque de possibilidades. Portanto, nesse item, faz-se necessário não apenas ler, mas o verbo de ação é utilizar – fazer uso dessas linguagens considerando as diversas instâncias de interação humana. Em se tratando de multiletramentos, lembrar de incluir linguagem visual, sonora, movimento, cores, símbolos, entre outras possibilidades. 4. Compreender as línguas como fenômeno (geo)político, histórico, cultural, social, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo suas variedades e vivenciando-as como formas de expressões identitárias, pessoais e coletivas, bem como agindo no enfrentamento de preconceitos de qualquer natureza. Nesta competência, a questão da sensibilidade à variedade linguística – afinal, se uma pessoa se comunica de uma forma, isso está ligado ao contexto de onde ela vem, aos sons (fonemas) com os quais se acostumou desde a infância. Pensando nos multiletramentos, há muitas tirinhas, poemas e músicas que trabalham a riqueza da linguagem (mesmo fora da norma padrão da língua). Além de trabalhar as questões da identidade de povos, grupos e o respeito a essa diversidade. 5. Compreender os processos de produção e negociação de sentidos nas práticas corporais, reconhecendo-as e vivenciando- as como formas de expressão de valores e identidades, em uma perspectiva democrática e de respeito à diversidade. Aqui, há uma certa relação com a Educação Física, teatro, as várias danças (até mesmo as relações dessas com culturas), entre outros. 152 Competências específicas de Linguagens e suas Tecnologias para o Ensino Médio Comentários da autora 6. Apreciar esteticamente as mais diversas produções artísticas e culturais, considerando suas características locais, regionais e globais, e mobilizar seus conhecimentos sobre as linguagens artísticas para dar significado e (re)construir produções autorais individuais e coletivas, exercendo protagonismo de maneira crítica e criativa, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas. Nesta competência, aponta como a área de Linguagens pode também desenvolver a leitura buscando a apreciação, buscando reconhecer e valorizar questões estéticas nas artes, sendo elas locais, regionais e globais. 7. Mobilizar práticas de linguagem no universo digital, considerando as dimensões técnicas, críticas, criativas, éticas e estéticas, para expandir as formas de produzir sentidos, de engajar-se em práticas autorais e coletivas, e de aprender a aprender nos campos da ciência, cultura, trabalho, informação e vida pessoal e coletiva. Nesta competência, considerar as práticas e interações que ocorrem no mundo digital. A criatividade pode ser trabalhada em diversos sentidos. Alguns deles: partindo de um acontecimento político ou social, criar cartazes, memes, charges ou tirinhas para dar visibilidade ao fato. Certamente, algumas faixas etárias têm íntima relação com esses gêneros criativos, sintéticos e visuais a todo o momento. É possível e necessário criar espaços em sala para que eles possam nos surpreender. Nem mesmo imaginamos, muitas vezes, do que são capazes. Fonte: Brasil (2018, p. 87) Com relação às competências de Língua Portuguesa (Ensino Médio), a BNCC orienta que há uma progressão das aprendizagens e das habilidades, em relação ao que foi previsto para o Ensino Fundamental (BRASIL, 2018). Entre os itens que devem ser levados em conta nessa progressão, deve-se, portanto, revisitar as competências (anteriormente apresentadas para o componente no Ensino Fundamental) e, para além delas, buscar: 153 [1] a consolidação do domínio de gêneros do discurso/gêneros textuais já contemplados anteriormente e a ampliação do repertório de gêneros, sobretudo dos que supõem um grau maior de análise, síntese e reflexão; [2] o aumento da complexidade dos textos lidos e produzidos em termos de temática, estruturação sintática, vocabulário, recursos estilísticos, orquestração de vozes e semioses; [3] o foco maior nas habilidades envolvidas na reflexão sobre textos e práticas (análise, avaliação, apreciação ética, estética e política, valoração, validação crítica, demonstração etc.) [...]; [4] a atenção maior nas habilidades envolvidas na produção de textos multissemióticos mais analíticos, críticos, propositivos e criativos, abarcando sínteses mais complexas, produzidos emcontextos que suponham apuração de fatos, curadoria63, levantamentos e pesquisas e que possam ser vinculados de forma significativa aos contextos de estudo/construção de conhecimentos em diferentes áreas, a experiências estéticas e produções da cultura digital e à discussão e proposição de ações e projetos de relevância pessoal e para a comunidade; [5] a ampliação de repertório, considerando a diversidade cultural, de maneira a abranger produções e formas de expressão diversas – literatura juvenil, literatura periférico-marginal, o culto, o clássico, o popular, cultura de massa, cultura das mídias, culturas juvenis etc. – e em suas múltiplas repercussões e possibilidades de apreciação, em processos que envolvem adaptações, remidiações, estilizações, paródias, HQs, minisséries, filmes, videominuto, games etc.; [...] (BRASIL, 2018, p. 499-500). Além dessa ampliação, desse salto em relação ao Ensino Fundamental, a BNCC ainda recomenda que sejam observados os seguintes contextos de atuação social: Quadro 7 – Contextos de atuação social, conforme a BNCC ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO MÉDIO ANOS INICIAIS ANOS FINAIS Campo da vida cotidiana Campo da vida pessoal Campo artístico- literário Campo artístico- literário Campo artístico-literário Campo das práticas de estudo e pesquisa Campo das práticas de estudo e pesquisa Campo das práticas de estudo e pesquisa Campo da vida pública Campo jornalístico- midiático Campo jornalístico-midiático Campo de atuação na vida pública Campo de atuação na vida pública Fonte: Brasil (2018, p. 501) 154 Ao serem comparadas as etapas, pode-se observar que o Ensino Médio aponta para mais campos de atuação em comparação às etapas anteriores (anos iniciais e anos finais). Quadro 8 – Campos de atuação social O campo da vida pessoal organiza-se de modo a possibilitar uma reflexão sobre as condições que cercam a vida contemporânea e a condição juvenil no Brasil e no mundo e sobre temas e questões que afetam os jovens. As vivências, experiências, análises críticas e aprendizagens propostas nesse campo podem se constituir como suporte para os processos de construção de identidade e de projetos de vida, por meio do mapeamento e do resgate de trajetórias, interesses, afinidades, antipatias, angústias, temores etc. que possibilitam uma ampliação de referências e experiências culturais diversas e do conhecimento sobre si. No escopo aqui considerado, a construção de projetos de vida envolve reflexões/definições não só em termos de vida afetiva, família, estudo e trabalho, mas também de saúde, bem-estar, relação com o meio ambiente, espaços e tempos para lazer, práticas corporais, práticas culturais, experiências estéticas, participação social, atuação em âmbito local e global etc. O campo das práticas de estudo e pesquisa abrange a pesquisa, recepção, apreciação, análise, aplicação e produção de discursos/textos expositivos, analíticos e argumentativos, que circulam tanto na esfera escolar como na acadêmica e de pesquisa, assim como no jornalismo de divulgação científica. O domínio desse campo é fundamental para ampliar a reflexão sobre as linguagens, contribuir para a construção do conhecimento científico e para aprender a aprender. O campo jornalístico-midiático caracteriza-se pela circulação dos discursos/ textos da mídia informativa (impressa, televisiva, radiofônica e digital) e pelo discurso publicitário. Sua exploração permite construir uma consciência crítica e seletiva em relação à produção e circulação de informações, posicionamentos e induções ao consumo. O campo de atuação na vida pública contempla os discursos/textos normativos, legais e jurídicos que regulam a convivência em sociedade, assim como discursos/ textos propositivos e reivindicatórios (petições, manifestos etc.). Sua exploração permite aos estudantes refletir e participar na vida pública, pautando-se pela ética. O campo artístico é o espaço de circulação das manifestações artísticas em geral, contribuindo para a construção da apreciação estética, significativa para a constituição de identidades, a vivência de processos criativos, o reconhecimento da diversidade e da multiculturalidade e a expressão de sentimentos e emoções. Possibilita aos estudantes, portanto, reconhecer, valorizar, fruir e produzir tais manifestações, com base em critérios estéticos e no exercício da sensibilidade. Fonte: Brasil (2018, p. 488-489) Em cada um desses campos, o documento vai apresentando, a partir da página 505, habilidades que podem ser desenvolvidas – campo a campo. Veja o exemplo a seguir: 155 Quadro 9 – Campo jornalístico-midiático CAMPO JORNALÍSTICO-MIDIÁTICO PRÁTICAS Leitura, escrita, produção de textos (orais, escritos, multisemióticos_ e análise linguística/semiótica Habilidades Competências específicas (EM13LP42) Acompanhar, analisar e discutir a cobertura da mídia diante de acontecimentos e questões de relevância social, local e global, comparando diferentes enfoques e perspectivas, por meio do uso de ferramentas de curadoria (como agregadores de conteúdo) e da consulta a serviços e fontes de checagem e curadoria de informação, de forma a aprofundar o entedimento sobre um determinado fato ou questão, identificar o enfoque preponderante da mídia e manter-se implicado, de forma crítica, com os fatos e as questões que afetam a coletividade. 2 (EM13LP43) Atuar de forma fundamentada, ótica e crítica na produção e no compartilhamento de comentários, textos noticiosos e de opinião, memes, gifs, remixes variados etc. em redes social ou outros ambientes digitais. 7 (EM13LP44) Analisar formas contemporâneas de publicidade em contexto digital (advergame, anúncios em vídeos, social advertising, umboxing, narrativa mercadológica, entre outras.), e peças de campanhas publicitárias e políticas (cartazes, folhetos, anúncios, propagandas em diferentes mídias, spots, jingles etc.), identificando valores e representações de situações, grupos e configurações sociais veiculadas, desconstruindo estereótipos, destacando estratégias de engajamento e viralização e explicando os mecanismos de persuasão utilizadas e os efeitos de sentido provocados pelas escolhas feitas em termos de elementos o recursos linguístico-discursivo, imagéticos sonoros, gestuais e espaciais, entre-outros. 1,7 (EM13LP45) Analisar, discutir, produzir e socializar, tendo em vista temas e acontecimentos de interesse local ou global, notícias, fotodenúncias, fotorreportagens, reportagens multimidiáticas, documentários, infográficos, podcasts noticiosos, artigos de opinião, críticas da mídia, vlogs de opinião, textos de apresentação e apreciação de procuções culturais (resenhas, ensaios etc.) e outros gêneros próprios das formas de expressão das culturas juvenis (vlogs e podcasts culturais, gameplay etc.), em várias mídias, vivenciando de forma significativa o papel de repórter, analista, crítico, editorialista ou articulista, leitor, vlogueiro e booktuber, entre outros. 1,3 Fonte: Brasil (2018, p. 522) 156 Faz-se necessário ler todas as habilidades apresentadas no documento, a partir da página 505. Em cada uma delas, e seus respectivos campos de atuação, pode-se buscar inúmeras ideias de práticas e de gêneros textuais a serem estudados em sala. Uma delas, apresentada anteriormente, vai ser retomada, no sentido de chamar a atenção para a gama de gêneros multissemióticos que são citados em uma só habilidade. (EM13LP45) Analisar, discutir, produzir e socializar, tendo em vista temas e acontecimentos de interesse local ou global, notícias, fotodenúncias, fotorreportagens, reportagens multimidiáticas, documentários, infográficos, podcasts noticiosos, artigos de opinião, críticas da mídia, vlogs de opinião, textos de apresentação e apreciação de produções culturais (resenhas, ensaios etc.) e outros gêneros próprios das formas de expressão das culturas juvenis (vlogs e podcasts culturais, gameplay etc.), em várias mídias, vivenciandode forma significativa o papel de repórter, analista, crítico, editorialista ou articulista, leitor, vlogueiro e booktuber, entre outros (BRASIL, 2018, p. 522). É válido reforçar que, apesar de serem muitas possibilidades, não são e nunca serão todas. Relembrando a primeira unidade do livro, ao apontar que seguimos em constante movimento! Exatamente por isso, por seguimos em constante mudança, novas tecnologias, novas formas de interação, de troca, de compartilhamento, não há como delimitar todos os gêneros textuais em circulação. Por essa razão, nossa formação deverá ser constante: graduação, cursos, pós-graduação, formação continuada, assim por diante. Ao longo de todo o documento, é citado de forma direta ou indireta a discussão dos multiletramentos. Transformações corridas nos campos de atividades em função do desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação, do uso do hipertexto e da hipermídia e do surgimento da Web 2.0: novos gêneros do discurso e novas práticas de linguagem próprias da cultura digital, transmutação ou reelaboração dos gêneros em função das transformações pelas quais passam o texto (de formatação e em função da convergência de mídias e do funcionamento hipertextual), novas formas de interação e de compartilhamento de textos/conteúdos/informações, reconfiguração do papel de leitor, que passa a ser também produtor, dentre outros, como forma de ampliar as possibilidades de participação na cultura digital e contemplar os novos e os multiletramentos (BRASIL, 2018, p. 72). 157 Certo, e por onde começar? Se a referência da atividade pedagógica é a competência – ou melhor, as competências apresentadas tanto por área quanto por componente –, faz-se necessário analisar de quais formas tais competências podem ser desenvolvidas, sem, é claro, deixar de ter como foco o trabalho tendo em vista os gêneros textuais em sua pluralidade e diversidade. É possível, também, ter em vista os campos de atividade humana, já apresentados anteriormente, uma vez que se forem selecionados gêneros textuais de um só campo, outras habilidades de outros campos deixarão de ser priorizadas. As habilidades são desenvolvidas na leitura, análise, debate, produção, divulgação dos gêneros dos diferentes campos. Não apenas lendo, certo? Leitura é uma das atividades possíveis com textos. A BNCC (BRASIL, 2018) é um documento com peso de lei. Além disso, tem/ recebe a atenção de profissionais da educação devido à riqueza de elementos discutidos. Esses, sempre nos apontando a outros, constituindo um processo sem fim. Práticas que instigam outras práticas, ao uso, análise e produção de materiais, em outros contextos de interação humana. Além, é claro, de seguirmos com os estudos de outros autores capazes de enriquecer nossas análises e o ato da mediação da leitura com nossos alunos. Há outros documentos que poderiam fazer parte dessa breve análise. Um dos documentos que devem ser lidos e estudados é Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), disponível no site do MEC. Esse estudo corresponde a um fluxo contínuo e ininterrupto. Há sempre alterações, mudanças e, como docentes, precisamos estudar e analisar tais documentações – antigas e vigentes. Essa postura contribuirá para a nossa formação contínua e consolidação do perfil de professor-pesquisador – essencial na vida líquida vivida na atualidade. Esta vivida por nossos alunos, o que é motivo suficiente para a constante movimentação, atualização e análise das orientações/leis referentes à nossa área. Até aqui, já foi possível observar como os componentes desses documentos vão ao encontro da Unidade 1, ainda que, em muitos casos, não aprofundem tanto quanto os textos acadêmicos/científicos o fazem. Documentos e leis não surgem do nada, aleatoriamente. Sempre é papel do docente buscar nesses documentos as presenças, as ausências, os esquecimentos, enfim, aquilo que a base teórica diz ser relevante. Busca-se, portanto, se/como aparece aquele objeto do conhecimento no documento oficial – no caso desse livro, buscamos analisar aspectos dos multiletramentos. Esse é um papel ativo, de professor pesquisador; papel esse que não podemos renunciar ou ignorar de forma alguma. 158 [...] Novos estudos do letramento – inserção de novas linguagens Jossemar de Matos Theisen Vilson José Leffa Cândida Martins Pinto As primeiras definições de letramento focalizavam as habilidades de leitura e escrita. Atualmente, devido às mudanças provocadas pelo mundo contemporâneo, essa definição precisa ser mais complexa, porque letramento envolve mais do que o domínio de habilidades. Ser letrado hoje não é apenas chegar a determinado estágio de conhecimento, é vivenciar um processo contínuo de interação e aquisição de novas aprendizagens. Por isso, a linha dos Novos Estudos do Letramento (NLS) considera o letramento não como a aquisição de habilidades, mas como uma prática socialmente situada, construída, significada e negociada. O atributo “novo” está ligado à “virada social”, ou “virada sociocultural”, proposta por Gee (2001) e Lankshear (1999). Com a “virada social”, passou-se a considerar a leitura e a escrita dentro de contextos e práticas sociais e culturais (históricas, políticas e econômicas). Essa abordagem sociológica do letramento está baseada em estudos etnográficos, considerando o fato de que os efeitos do letramento mudam conforme variam os contextos sociais – o que acaba levando ao reconhecimento da ocorrência de múltiplos letramentos, que ocorrem dentro de diversas práticas letradas (STREET, 2003). Esses múltiplos letramentos podem ser descritos em termos de eventos e práticas. Entender um evento de letramento é significativo para perceber que este se constitui por várias atividades na sociedade, fazendo parte das práticas sociais de leitura e escrita. Por exemplo, discutir um anúncio publicitário postado no Facebook é um evento que envolve leitura e escrita. Os eventos fazem parte das atividades diárias das pessoas, ocupando tanto os espaços educacionais como os de trabalho e lazer. Além disso, é também válido destacar que existem os letramentos particulares, restritos a comunidades específicas, com seus valores e culturas. O conceito de prática de letramento tem relação com o modo cultural, com a identidade e com o discurso que utiliza a leitura e a escrita em um evento, como é definido pelos autores Barton (1993) e Street (2012). As práticas evidenciam os comportamentos dos sujeitos em um evento quanto a suas concepções sociais e culturais. Segundo Pahl e Rowsell (2005, p. 9): LEITURA COMPLEMENTAR 159 Um evento de letramento é facilmente identificável em sala de aula. Quando os estudantes escrevem e leem, eles estão engajados em um conjunto de eventos de letramento. Esses eventos são geralmente regulares e relacionados a práticas sociais de leitura e escrita. Um estudante lerá um livro (evento de letramento) como parte integrante da prática de leitura de livro na sala de aula (prática de letramento). A prática é considerada como uma ação mais abrangente: envolve valores, atitudes e relações sociais. Já um evento são acontecimentos, episódios que ocorrem dentro de determinada prática. Hamilton (2000), ao apresentar os conceitos de práticas e eventos de letramentos, aborda de modo mais global esses fenômenos, propondo uma análise de traços visuais em fotografias de jornais para observar práticas e eventos na sociedade contemporânea. Como resultado desse estudo, Hamilton (2000) destacou que as imagens apresentam quatro elementos visíveis dos eventos: participantes, ambientes, artefatos e atividades. Já as práticas incluem recursos invisíveis, como conhecimentos, valores e ideologias. Linguagem, texto, sujeitos e valores estão todos articulados entre si em determinado contexto. Nos eventos que ocorrem dentro das práticas, sejam estas escolares ou não, o texto é o meio de interação usado pelo sujeito no contexto comunicativo. Segundo Gee (1999), deve serconsiderado o contexto em que o sujeito está inserido, assim como as formas de falar, ouvir, ler, escrever, agir, interagir, acreditar, valorizar e sentir, que se tornam visíveis pelos Discursos, com D maiúsculo e no plural (GEE, 1999; FISCHER, 2007). Essas formas de ser no mundo, social e histórico, constituem o processo da linguagem. Os teóricos que enfatizam os NSL (GEE, 2004; DIONÍSIO, 2007; FISCHER, 2007) consideram a leitura e a escrita situadas em práticas sociais específicas e definem letramento como um conjunto de práticas sociais que envolvem o texto escrito. Gee (2004) destaca que, quando um sujeito aprende novas linguagens sociais e consegue se inserir em diferentes grupos, passa a utilizar um kit 1 de identidades, o qual está relacionado aos modos de se expressar, ouvir, escrever, ler, agir, interagir, valorizar e sentir. Para isso, e com o objetivo de estar integralmente situado nas práticas de determinado contexto social, usa diferentes ferramentas e suportes tecnológicos. Nesse contexto de estudos dos NLS, marcado por uma expansão das ferramentas tecnológicas, surge a necessidade de pensar outras formas de letramento. Uma das discussões iniciais foi proposta pelo The New London Group (1996), que designou o termo “multiletramentos” para nomear uma abordagem e suas implicações para a participação social na vida pública, econômica e comunitária (THE NEW LONDON GROUP, 1996). Esse grupo de pesquisadores defende a importância de uma pedagogia direcionada aos multiletramentos, devido às interações mediadas pelas tecnologias. As pesquisas desses teóricos direcionam-se para os estudos semióticos dos textos, os quais envolvem diversas formas de produzir, difundir e consumir textos. O New Londow Group (1996) usa o termo “multiletramentos” sociais para abordar a leitura e a escrita em uma perspectiva que vai além da linguagem verbal, por usar outros recursos semióticos, tais como imagens, sons, movimentos, animações. 160 Segundo Cope e Kalantzis (2000, p. 29), “em um profundo sentido, toda construção de significado é multimodal” e pode ser procedente da Internet em geral ou dos próprios textos que fazem parte do cotidiano das pessoas. Já para Rojo (2004, p. 31), multiletramento “significa que compreender e produzir textos não se restringe ao trato do verbal oral e escrito, mas à capacidade de colocar-se em relação às diversas modalidades de linguagens – oral, escrita e imagens”. Para Lemke (2010), todo letramento é multimidiático, na medida em que os signos não são construídos de forma isolada na língua; precisam do elemento visual ou sonoro para sua compreensão. A multimodalidade auxilia as práticas de leitura e escrita mediadas pelas tecnologias ao mostrar que o sentido é construído, interpretado e propagado não somente pela linguagem falada ou escrita, mas também por diferentes recursos disponíveis na composição dos textos, como imagens, sons, cores, movimentos, diagramação, entre outros. Apesar da profusão desses elementos em textos multimodais, como outdoors, panfletos, catálogos, revistas, jornais e vídeos, seu uso em ambientes educacionais ainda é embrionário. As imagens, quando utilizadas em textos didáticos, até mesmo na universidade, servem tipicamente de suporte ilustrativo do texto escrito, sem interpretação ou questionamentos. Segundo Canclini (2009), a inserção das novas tecnologias na sociedade criou um cenário. Em muitos espaços educacionais, essa realidade, permeada pelas tecnologias, ainda é desconhecida e sofre um tipo de censura. Leffa (2012) destaca que muitas escolas não permitem que os alunos acessem redes sociais, assistam a vídeos no YouTube ou participem de sessões de chat como opções para a aprendizagem de uma língua estrangeira. Ainda que esses eventos já estejam presentes nas práticas cotidianas dos alunos, a escola, que deveria preparar seus estudantes para atuarem de forma crítica nos contextos em que estão inseridos, perde essa oportunidade, quando barra a entrada dessas múltiplas linguagens nas práticas educativas [...] Fonte: adaptada de THEISEN, J. de M.; LEFFA, V. J.; PINTO. C. M. A leitura de imagens na perspectiva dos letramentos visuais. 2014. Disponível em: https://www.leffa. pro.br/textos/trabalhos/Leitura_imagens.pdf. Acesso em: 10 abr. 2023. 161 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu: • A relevância da teoria para a análise de materiais variados, inclusive aqueles que sejam elaborados por instâncias governamentais. Assim, saímos das posições de aplicadores e de “críticos pela crítica” (crítica rasa, sem embasamento) para virmos a assumir uma posição analítica, fundamentada. • Os seguintes documentos por meio de leituras: Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Plano Nacional de Educação (PNE) e Base Nacional Comum Curricular. • Que os Parâmetros Curriculares Nacionais foram citados no sentido de valorizar contribuições; foi um documento que trouxe discussões importantes ao campo do ensino de língua e linguagem. • Em todos os documentos, uma forte vinculação da disciplina – dos conteúdos vinculados à leitura e à escrita – ao exercício da cidadania. • A BNCC: a centralidade nas competências, o trabalho pedagógico considerando diferentes campos da atuação humana e, não menos importante, a variedade de gêneros textuais citados ao longo de todo documento. 162 Leia a afirmação de Grotta (2001, p. 150): “Cabe ao professor investigar o fio condutor (os caminhos que a formação de seus alunos tem trilhado) e enriquecê-lo com outras leituras, ampliando seus referenciais quanto aos gêneros literários e às temáticas abordadas, para possibilitar que a leitura participe da formação do aluno, transforme seu modo de ser e pensar sobre si mesmo e o mundo”. A partir dessa firmação, analise o texto a seguir: Figura – Tirinha Fonte: https://bit.ly/3ZTEwqv. Acesso em: 6 abr. 2023. A partir da tirinha e da afirmação de Grotta, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A tirinha anterior é composta por duas linguagens, verbal e visual. A temática presente no texto ironiza discórdias de rapazes por uma garota. A ironia se encontra no fato de o perdedor ter ganhado o “direito” sobre a moça. A tirinha é um gênero utilizado para entreter, distrair, envolver. O professor pode buscar saber em que medida o aluno conhece o gênero – levando-o a dominar ainda mais o gênero (leitura e produção). Corresponde a um gênero útil ao se trabalhar leitura de imagens (no caso, um texto híbrido – que mistura linguagem verbal e visual). b) ( ) A tirinha anterior é composta por duas linguagens, verbal e visual. O quadrinho é um gênero utilizado para entreter e envolver o leitor. Possui suas características específicas. A tirinha serve como forma de o professor levar o aluno a perceber que a mulher deve se valorizar. Da mesma forma, que o homem precisa demonstrar sua masculinidade ao conquistar alguma garota. A partir do texto em questão há uma moral da história: esta é a principal característica do gênero em questão. AUTOATIVIDADE 163 c) ( ) A tirinha em questão corresponde a uma crítica social poderosa e, ao mesmo tempo, discreta. Essa é uma técnica interessante ao se trabalhar conhecimentos relevantes sem que os alunos percebam. Há questões sociais que podem ser trabalhadas, por meio de textos, de formas sorrateiras. Neste caso, a contribuição da tirinha é reconhecer o caráter bélico das relações humanas – inclusive em atos de conquista. A tirinha (e o gênero em si), portanto, pode ser enquadrada a uma sátira. Corresponde a um gênero útil ao se trabalhar leitura de imagens (no caso, um texto híbrido – que mistura linguagem verbal e visual). d) ( ) A tirinha anterior é um exemplo da linguagem visual – a linguagem verbal é irrelevante. O quadrinho é um gênero utilizado para divertir e encantar o leitor. Possui suas características específicas. Dependendo da tirinha, pode também construir uma crítica e um aviso sobre algo, entre outras possibilidades. Corresponde a umgênero útil ao se analisar textos argumentativos. Nele, dois cães brigam e a fêmea parece feliz com o fato. Depois, um deles desiste e sai de cena – encerrando, assim, a breve história. 164 ALMEIDA, D. B. L. de. Do texto às imagens: as novas fronteiras do letramento visual. In: PEREIRA, R. C.; ROCA, P. (orgs.). Linguística aplicada: um caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contexto, 2009. p. 173-202. ANDRADE, M. M. Guia prático de redação: exemplos e exercícios. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. BAMFORD, A. 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Englewood Cliffs: Educational Technology Publications, 1993. 168 169 DIDÁTICA: CONCEITOS, POSSIBILIDADES E PRÁTICAS UNIDADE 3 — OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • reconhecer conceitos úteis à leitura de imagens a partir da Semiótica; • compreender as possibilidades de análise a partir de textos publicitários; • analisar habilidades que podem nortear o trabalho com imagens e textos híbridos; • conhecer diferentes abordagens ao realizar a leitura de imagens e textos híbridos. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TEMA DE APRENDIZAGEM 1 – ELEMENTOS DA SEMIÓTICA TEMA DE APRENDIZAGEM 2 – PUBLICIDADE: JOGOS E ESTRATÉGIAS TEMA DE APRENDIZAGEM 3 – POSSIBILIDADES DIDÁTICAS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambienteque facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 170 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 3! Acesse o QR Code abaixo: 171 TÓPICO 1 — ELEMENTOS DA SEMIÓTICA UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Na Unidade 2, analisamos conceitos que contribuem com a análise de imagens e gêneros híbridos em sala de aula. Esta unidade abordará conceitos que aprofundarão discussões, compreensões e conceitos sobre leitura (de textos, de imagens e textos híbridos). Esses textos poderão trazer outras contribuições à prática pedagógica. O Tema de Aprendizagem 1 tem como ponto de partida a Semiótica, que é muito utilizada na análise de imagens no meio acadêmico. Diversas áreas do conhecimento se apropriam dela para realizar análises, por exemplo, Publicidade e Propaganda, Design, Educação, Letras, Psicologia, entre outras. A Semiótica surgiu no final do século XIX. Os conceitos que são abordados na teoria de Peirce são alicerçados na fenomenologia (SANTAELLA, 2002). O interesse pelos signos já vem da Antiguidade Clássica – podem ser percebidos já em Platão e Aristóteles. Em Agostinho (conhecido como Santo Agostinho), o signo ganha mais materialidade, a partir dele, pode-se notar que signo é entendido como algo que faz outro elemento vir à mente. Apesar disso, quem veio de fato formalizar uma teoria sobre os signos foi Charles Sanders Peirce – sua fase inicial de pesquisa se deu em 1865 (BROSSO, 1999). Nesta etapa do livro, abordaremos alguns conceitos elementares à análise Semiótica. Algumas ponderações antes de irmos aos conceitos: 1. Não quer dizer que esses conceitos terão que ser dominados em sala de aula pelos alunos, ou seja, não se trata de fazer alunos dominarem os termos específicos dela. Trata-se, antes, de levá-los a reconhecer que vivemos em uma sociedade composta por signos. Esses estão presentes em todos os contextos de interação e exatamente pela interação humana é que os signos foram, são e serão produzidos (interagimos por meio de signos, de sentidos). Somos nós mesmos construídos por sentidos que existem em sociedade. 2. Ao reconhecer que vivemos em uma sociedade produzida por signos e produtora de signos, que os nossos alunos sejam capazes de reconhecer alguns signos nos materiais que são utilizados como base de análise em sala. Além disso, por meio desses estudos, eles próprios vão coletando materiais e dando exemplos com base no que veem a sua volta (na televisão, na internet, nos aplicativos de celular, nos outdoors, entre outros). 3. Nosso material de trabalho, portanto, não é somente o texto verbal – concepção arcaica e ultrapassada. A linguagem verbal é um dos símbolos (uma forma de signo) existentes em sociedade. Não é a única. Ao estudarmos os conceitos seguintes, isso 172 fi cará mais visível: os sentidos e a produção dos sentidos são elementos essenciais de nossas aulas (para isso, nossa sociedade faz uso de diversas ferramentas e linguagens diferentes; uma delas são as imagens e/ou textos híbridos). 4. Neste tema de aprendizagem, não pretendemos encerrar todo o conhecimento sobre Semiótica. Há muito mais sobre o assunto. Neste momento, será dada ênfase àquilo que nos ajuda a alcançar os propósitos desta unidade. A partir dessas ponderações, vamos aos conceitos de Semiótica. 2 CONCEITOS CAROS À SEMIÓTICA A Semiótica contribui para entendermos as imagens em suas mais variadas utilizações. Ela não por ela mesma, mas como um signo: algo que remete a outro algo, não presente. Vamos entender melhor essa relação. Figura 1 – Isto não é um cachimbo Fonte: https://bit.ly/3MZ2Zbj. Acesso em: 13 abr. 2023. Esta pintura de René Magritte de 1929 é um ótimo exemplo. Há uma imagem, uma representação de um cachimbo, enquanto a imagem, abaixo, afi rma “isto não é um cachimbo”. Essa contradição entre elementos verbais e visuais quebra a expectativa do leitor. Afi nal, ele vê um cachimbo. Somente a partir de uma análise teórica mais aprofundada é que podemos compreender que a parte verbal de fato revela a natureza da imagem: ela não é um cachimbo (o objeto em si), ela é uma representação do cachimbo. Esse olhar é aquele que devemos desenvolver ao contemplar qualquer imagem. Há uma aparência sendo exposta e há elementos que precisam ser analisados, ainda que mais sutis (bem por isso precisam ser mais analisados). Esse é o papel da teoria ao analisarmos imagens. 173 A Semiótica tem suas contribuições para a leitura daquilo que circula em sociedade, como percebemos na Unidade 2, quando foram apresentados conceitos relevantes à análise de imagem. Esta unidade traz outros – não excluindo os anteriores. Muito pelo contrário. Ter passado pela Unidade 2 ajudará na compreensão dos conceitos aqui discutidos. A seguir, veremos contribuições da Semiótica para a leitura de imagens. As imagens e os gêneros que as utilizam não somente põem em circulação saberes e visões, como também ajudam a criá-los. A seguir, a partir de Joly (1996, p. 21), alguns exemplos daquilo que o universo de imagens ajuda a propagar. Imagem da “mulher” ou “do médico” ou “da guerra” neste ou naquele cineasta, isto é, nas imagens. Da mesma maneira, é possível usar imagens (cartazes, fotografias) para construir a “imagem” de alguém: as campanhas eleitorais são um exemplo representativo desse tipo de procedimento. Todos compreendem que se trata de estudar ou provocar associações mentais sistemáticas (mais ou menos justificadas) que servem para identificar este ou aquele objeto, esta ou aquela pessoa, esta ou aquela profissão, atribuindo-lhes um certo número de qualidades socioculturalmente elaboradas. Assim, as imagens não apenas fazem circular visões e ideias sobre objetos, pessoas, comportamentos, mas ajudam a criá-las e a propagá-las. Quanto mais tratarem algo como natural, mais estão ajudando a produzir esse natural. Por esse motivo, as empresas gastam quanto podem em propaganda, assim como partidos políticos e campanhas políticas. Sabem que tudo isso não só propaga imagens, mas ajuda a construir imagens de acordo com seus propósitos. Para Joly (1996, p. 29), estudar os variados fenômenos sociais a partir do olhar da Semiótica é considerar o modo como o sentido é produzido: “a maneira como provocam significações, isto é, interpretações. De fato, um signo só é ‘signo’ se ‘exprimir ideias’ e se provocar na mente daquele ou daqueles que o percebem uma atitude interpretativa” (JOLY, 1996, p. 29). Assim, é preciso que aquele que lê, vê e ouve receba o signo e faça alguma conexão com algo conhecido – para que esteja produzindo algum efeito de sentido sobre ele. Sem sentidos compartilhados, não há interação. O leitor/espectador não se sente parte do processo. Afinal, aquilo não foi feito para ele. O que é um signo? Essa coisa que se percebe está no lugar de outra; esta é a particularidade essencial do signo: estar ali, presente, para designar ou significar outra, ausente, concreta ou abstrata. O rubor e a palidez podem ser signos de doença ou de emoção; os sons da língua que ouço são signos de conceitos que aprendi a associar a ela; o cheiro de fumaça é sinal de fogo; o cheiro de pão fresco, de uma padaria próxima; a cor cinza das nuvens é sinal de chuva; assim como um certo gesto com a mão, uma carta ou um telefonema podem ser sinais de amizade; também posso acreditar que ver um gato preto é sinal de azar; o farol vermelho em um cruzamento é sinal de proibição de atravessar com o carro, e assim por diante. Vê-se, portanto, que 174 tudo pode ser signo, a partir do momento em que dele deduzo uma significação que depende de minha cultura, assim como do contexto de significação do signo (JOLY, 1996, p. 33). Em síntese, é necessário analisar as convenções que existem para que o sentido seja produzido, ou seja, entendemos mensagens porque fazemos parte da mesma cultura na qual esse signo foi produzido e na qual esse signo circula. Ele só faz sentido na medida em que pode ser usado segundo propósitos comunicativos. De quevaleria um gênero textual que utilizasse um signo que ninguém fosse capaz de ler e ver algum sentido nele? Assim, pode-se dizer que uma imagem é, antes de tudo, algo que se assemelha à outra coisa. “Sua função é, portanto, evocar, querer dizer outra coisa que não ela própria, utilizando o processo de semelhança. Se a imagem é percebida como representação, isso quer dizer que a imagem é percebida como signo” (JOLY, 1996, p. 39). A imagem precisa evocar o mínimo de convenção social para poder produzir efeitos naquele que a vê/lê. Da mesma forma, uma imagem não tem um só sentido fixo que a acompanha a todo momento. O sentido não está pronto antecipadamente. Ele está de acordo com a situação, com o contexto e com aqueles que estejam envolvidos. O material visível (significante) retoma diferentes referentes (aquilo que se pretende descrever, o assunto), pode apresentar diferentes significados – somente quando forem analisados esses componentes é que se pode chegar a algumas percepções. “Uma fotografia (significante) que apresenta um grupo alegre de pessoas (referente) pode significar, de acordo com o contexto, ‘foto de família’ ou, em uma publicidade, ‘alegria’ ou ‘convívio’ (significados)” (JOLY, 1996, p. 34). Assim, sempre é necessário analisar uma imagem em seu contexto. O sentido naquilo que se lê e em todos os elementos que estão ajudando a construir o sentido. Em outras palavras, ler imagem não é entender o sentido fixo e preexistente. Esse ato de análise, aqui proposto, procura: Compreender o que essa mensagem, nessas circunstâncias, provoca de significações aqui e agora, ao mesmo tempo que se tenta separar o que é pessoal do que é coletivo [...] Buscar esses pontos de referência nos pontos comuns que minha análise pode ter com a de outros leitores comparáveis a mim (JOLY, 1996, p. 44). 175 O que são os memes? É um termo cunhado por Richard Dawkins no livro O gene egoísta, que dá a ideia de imitação, propagação de uma mensagem ou ideia de uma pessoa para a outra. Uma mensagem, notícia ou piada se torna “viral” quando ganha visibilidade em variadas fontes, páginas e aplicativos. Daí a expressão “viralizou” – dando a ideia de que algo se espalhou. Essas publicações e compartilhamentos virais são chamados de memes, que, em sua maioria, têm prazo de validade, depois que o fato já se tornou velho, os memes que surgiram a partir dele também se tornam obsoletos e passam a não mais serem produzidos e compartilhados. Fazer piada de fato perde o sentido em se tratando dos virais/memes. Um exemplo: Ler, portanto, é para além do ler para si. Uma vez que estamos ampliando o nosso olhar sobre imagens, é necessário ler de uma forma mais ampla, inclusive, analisando o impacto da imagem no coletivo, em grupos de leitores comparáveis a mim (ou diferentes de mim), separar aquilo que eu vejo daquilo que outros veem ou podem ver. Além disso, a imagem (ou gênero textual) pode ser imaginada em outros tempos e contextos – para entender quanto ela é dependente do contexto atual, pois em outros tempos, não teria o mesmo impacto que teve no presente. Muitas imagens estão intimamente ligadas a fatos da nossa e de outras sociedades. Por esse motivo, há imagens que não são compreendidas caso o fato não seja conhecido. Esse é o caso dos memes de internet. Quando surge alguma notícia, logo surgem imagens, montagens e frases que retomam o fato. Em grande parte, usando de ironia para fazer uma crítica sobre o fato. É necessário um conhecimento do ocorrido para entender aquilo que circula. INTERESSANTE IMPORTANTE 176 Fonte: https://bit.ly/3ogvCGo. Acesso em: 13 abr. 2023. Em se tratando dos memes, a fonte das imagens e montagens acaba se perdendo na maioria dos casos. Todos são donos e, ao mesmo tempo, ninguém é dono da informação. A piada ou a provocação é mais relevante que a autoria. Em alguns casos, o anonimato é forma de se proteger. A internet é uma ferramenta em que o autor nem sempre precisa se revelar (ainda que, em casos de crimes, a fonte é investigada). Sobre a imagem anterior, o contexto é produzido por uma notícia: a de que frigorífi cos vendiam carne além da validade que seria adequada; além de ter, misturada a sua composição, papelão. A partir dessa notícia, essa e outras imagens passaram a ser espalhadas (inclusive com imagens utilizadas em propagandas de carnes de marcas famosas). Assim, a propaganda, nesses casos, está sendo usada contra seus próprios idealizadores. A propaganda é levada ao patamar de “falsa propaganda”. O anúncio (veiculado na TV ou outro meio), uma vez produzido, chega ao telespectador como uma promessa. Ele vende o produto com uma determinada aparência. Uma vez tornada pública, a propaganda se torna material disponível aos telespectadores. É possível comparar o produto com a promessa (a imagem) feita/propagada. Essa imagem foi publicada em redes sociais com legendas variadas. Contudo, a maior parte delas não voltava a explicar o fato. Elas partiam da suposição de que o fato já era conhecido. Assim, somente quem acompanhou o caso compreendeu tais postagens. Podemos perceber nos memes a natureza jornalística (ligada à informação), literária/poética (ligada à criatividade e às fi guras de linguagem: hipérbole, eufemismo, ironia – usadas para criar humor). Podem fazer uso do gênero tirinha ou, ainda, podem ser simplesmente um entrelaçamento de alguma imagem com texto (híbridos), cuja natureza não tem nome por não ser uma forma fi xa (por isso são chamados memes ou virais). Figura 2 – Carne de papelão 177 Há memes que beiram à homenagem, a uma ode. Tomam um fato e dão destaque a ele não como uma forma de ironia, mas como forma de eternizar e chocar (entre outros objetivos, que muitas vezes só o autor conhece). A seguir, um exemplo de obras feitas com base naquela fotografi a que chocou o mundo: aquele menino sírio morto à beira do mar. Figura 3 – Aylan (Desenho 1) Fonte: https://bit.ly/41AYckR. Acesso em: 13 abr. 2023. Figura 4 – Aylan (Desenho 2) Fonte: http://glo.bo/3MVyGSM. Acesso em: 13 abr. 2023. Figura 5 – Aylan (Desenho 3) Fonte: https://l1nk.dev/q7HI2. Acesso em: 13 abr. 2023. 178 Figura 6 – Aylan (Desenho 4) Fonte: http://glo.bo/3KNtDRt. Acesso em: 13 abr. 2023. Neste nível, as tarefas requerem que o leitor localize um único fragmento de informação explícita em uma posição evidente em um texto curto sintaticamente simples, com contexto e tipo de texto, como uma narrativa ou uma lista simples. O texto normalmente fornece ajuda para o leitor, tal como a repetição da informação, apresentação de fi guras ou símbolos conhecidos. Há o mínimo de informação concorrente. Em tarefas que exigem interpretação, o leitor pode precisar fazer correlações simples entre fragmentos de informações adjacentes. Outros elementos que são usados na publicidade: os cruzamentos vocabulares, os empréstimos de signifi cados, correlações, oposição entre texto e imagem e as “fricções de signifi cado” fazem parte do discurso híbrido ou sincrético da publicidade. Em alguns casos, não há como mostrar o produto em si, mas pode-se construir sentidos sobre/para ele. Um exemplo: não é possível mostrar o produto oferecido por uma empresa de seguros “no caso de um acidente. Pode-se apenas descrever seus serviços com palavras de cunho genérico, as quais, por sua vez, são símbolos” (SANTAELLA; NÖRTH, 2010, p. 99). Esses desenhos feitos a partir do fato ocorrido com menino Aylan, morto na praia, são dependentes do conhecimento do fato. Quem não o conhece (ou não recorda do fato), pode olhar e não compreender – em outras palavras, são dependentes do contexto, do fato, da notícia. A cada ano que passa, mais difícil é recordar o fato e, proporcionalmente, as obras/pinturas/desenhos que se remeteram a ele. Entre esses desenhos, aquele que mais procura remeter ao menino (representando-o, ainda que de forma descontextualizada), enquanto há outras que representam se apropriando de menos elementos(inclusive alterando/substituindo o menino – que é central no fato). 179 Existem outros elementos que funcionam no processo de conxtualizar diferentes gêneros. Alguns desses elementos podem ser: O timbre, o carimbo, a data, a assinatura [...] disposição na página, ilustrações, fotos, localização no jornal [...]. [Onde o texto está localizado interfere na produção da mensagem; por exemplo, um] texto situado no portal de esportes de um jornal. Se estivesse no caderno de variedades ou no suplemento cultural, a interpretação provavelmente seria diferente (KOCK; TRAVAGLIA, 2011, p. 82). Há, portanto, elementos contextualizadores – tanto na linguagem verbal quanto na visual. Os memes, em muitos casos, pegam parte da notícia ou de um fato e viralizam – alterando alguns de seus compontentes para construir o efeito pretendido (conforme exemplos anteriores). Trabalhar em sala com memes requer o reconhecimento da criatividade do autor – marcas autorais (ainda que o nome do autor não esteja presente). Marca autoral está na própria leitura, na forma de ver e representar aquele fato ou notícia. As possibilidades de abordagem das imagens são inúmeras. Pode-se trabalhar comparativamente o meme e as fontes variadas de notícias, como jornais, revistas e sites. Falando em jornais, as capas fornecem rico material para análise. Algumas possibilidades: interrogar e investigar como as imagens são apresentadas em diferentes jornais ou, ainda, como as notícias são trabalhadas em diferentes jornais – se estão na capa, se estão no interior, se utilizam imagem ou não, entre outras possibilidades. A posição da foto, o enquadramento, o zoom – enquanto outras mostram o fato de longe. Em que medida a imagem vai ao encontro ou reforça a manchete da notícia, assim por diante. Conforme já visto, a produção de imagens, desenhos e fotografias pode estar mais a serviço da poesia (como muitos memes, ao dar vazão à voz interna, subjetiva do poeta) do que da ciência (precisão, objetividade). Mário Quintana tem uma famosa frase: “Ser poeta não é apenas dizer grandes coisas, mas é ter uma voz reconhecível dentre todas as outras”. Em memes, vemos essa voz reconhecível – por ter seu caráter único, diferente, é que viraliza, é compartilhada. Um fato é um fato; mas nas mãos de um autor/poeta ganha nova roupagem, por meio de habilidades no manejo de diferentes linguagens. NOTA 180 Figura 7 – Exemplos de capas de jornais Fonte: https://bit.ly/43IrEGR. Acesso em: 13 abr. 2023. Quando trabalhamos com uma análise de imagem a partir da Semiótica, analisamos não só os sentidos, mas a forma com que os sentidos são produzidos – os meios, as estratégias, os elementos que compõem a imagem. Assim, também nos é possível fazer uma análise questionando se a imagem cumpriu seus possíveis propósitos (tendo em vista as pistas deixadas pelo gênero e pela própria esfera de circulação). 181 É possível analisar se a imagem contribui com o todo do gênero (charge, tirinha, anúncio, outdoor, entre outros). Assim, para Joly (1996, p. 48), “uma das funções da análise da imagem pode ser a busca ou a verifi cação das causas do bom ou do mau funcionamento de uma mensagem visual”. No caso de um bom funcionamento, analisam-se as estratégias. No caso do mau funcionamento, analisam-se os motivos, as ambiguidades, as incoerências e as memórias que a imagem pretendia evocar e não conseguiu. Ainda, outra análise que pode ser feita é sobre o auditório imaginário da imagem, ou seja, “para quem ela foi produzida” (JOLY, 1996, p. 55). A partir disso, também conseguimos reconhecer algumas escolhas feitas na composição da imagem e, em alguns casos, da combinação da imagem com o texto que a acompanha (o que pode incluir uma postagem em alguma rede social e sua legenda, alguma obra de arte e título dado por seu autor ou, ainda, alguma manchete de notícia disponibilizada na internet (hiperlink em alguma página) e a imagem utilizada para chamar a atenção para ela. Dependendo do público a que se destina, esses elementos não são selecionados à toa. A seguir, vamos a alguns exemplos de memes que colaboram na compreensão dessas questões – a começar, pelo destinatário, a quem se destina aquela imagem/ meme. A esfera jornalística e a científi ca têm certa semelhança. A principal delas: os gêneros que nelas circulam com o compromisso com a objetividade – com o fato, com os resultados da pesquisa, com a precisão e com a clareza. Ainda assim não se pode dizer que não utilizam de estratégias específi cas para ganhar a opinião dos seus leitores, o foco de uma imagem já é uma escolha. É uma forma escolhida de contar um fato. Assim, a ideia de neutralidade, a isenção total de opinião, não faz sentido (conforme tudo o que foi discutido ao longo do livro, em especial, a Unidade 1). NOTA 182 Figura 8 – Meme esporte/sala de aula Fonte: https://bit.ly/3oulVnN. Acesso em: 17 abr. 2023. No meme anterior, podemos reconhecer uma profi ssão e um estado (isso, se soubermos em qual campeonato o time do Cruzeiro joga). Isso retira o sentido do meme (caso o local não seja reconhecido)? Não, não retira. Apenas terá menos engajamento e circulação em outras partes do país. Os memes circulam por diferentes razões – uma delas é por identifi cação, pela sensação de já ter vivido aquela situação. Mais dois memes, envolvendo a sala de aula – verão sentido e considerarão engraçado alunos e/ou professores. Figura 9 – Meme sala de aula/inesperado Fonte: https://br.pinterest.com/pin/111182684531180635/. Acesso em: 17 abr. 2023. 183 Fonte: https://danielmcarlos.wordpress.com/tag/nietzsche/. Acesso em: 17 de abr. 2023. Outro meme que brinca com o contexto escolar. Neste caso, especialmente professores ou alunos que tenham cursado Filosofi a. Esses serão capazes de reconhecer o fi lósofo (Nietzsche) e, possivelmente, já viveram esta mesma difi culdade: de escrever o nome adequadamente. Assim como a autora deste livro precisou pesquisar antes de ousar escrever. Antes de seguirmos adiante nos conceitos, aproveitando o assunto (memes), analisar memes em sala é bastante rico – os elementos, o texto, a imagem, a ironia, o alcance, o público pretendido, o contexto de época (se importa ou não para que seja entendido), entre outros aspectos. Na parte de criação (após terem realizado análises), é possível partir de uma imagem e que todos criem memes a partir dela. Para ver as possibilidades criativas. Também é possível partir de uma imagem que virou meme, para que eles possam tentar explorar novas possibilidades. Veja um exemplo, de uma capa de álbum musical: Esse, do ponto de vista do professor, pode ser um meme irritante. Do ponto de vista dos alunos, é engraçado. Mexe com o imaginário. Especialmente porque eles amam conversar e difi cilmente falariam algo desse tipo. O humor vai além dos limites, realiza o que não temos ou teríamos coragem. Burla a linha, atravessa o politicamente correto (claro que com fi ns de gerar humor). Figura 10 – Meme Nietzsche 184 Figura 11 – Capa do disco Chico Buarque de Hollanda Fonte: https://bit.ly/3GXwAxI. Acesso em: 13 abr. 2023. Observem dois memes (dos inúmeros) que surgiram a partir dessa imagem. Figura 12 – Meme Chico/gasolina Fonte: https://bit.ly/3MSZpz9. Acesso em: 17 abr. 2023 Figura 13 – Meme Chico/feijão Fonte: https://www.terra.com.br/diversao/gente/veja-memes-de-chico-buarque-que-completa-70-anos,bc- 6de5a62dfa6410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html. Acesso em: 17 abr. 2023. 185 Certamente, memes assim podem ser ponto de partida para inúmeras outras produções. Os alunos surpreendem muito nessas atividades – especialmente quando já nasceram nessa sociedade carregada de imagens e gêneros textuais de apelo visual. Após esses exemplos de memes comentados, mais um, para que não haja dúvidas! Figura 14 – Meme/aula com meme Fonte: https://imgfl ip.com/i/5ygb9q. Acesso em: 17 abr. 2023. Compreendeu o ponto de vista dos alunos? Certeza que sim!Feitas tais exemplifi cações, retornamos aos conceitos de leitura de imagem a partir de Joly (1996). A autora nos apresenta o princípio da permutação. Por meio dele, é possível descobrir uma unidade substituindo outra (mental ou oralmente com a turma, refl etindo sobre os elementos substituíveis). Por meio da refl exão, pode-se analisar os elementos que são similares e que não estão presentes na imagem (isso contribui para que eu perceba cada um deles e seu papel na construção da mensagem): Assim, vejo o vermelho e não o verde, nem o azul, nem o amarelo etc. Vejo um círculo e não um triângulo, nem um quadrado, nem um retângulo etc. Vejo linhas curvas e não retas etc. Esse tipo de associação mental que permite descobrir os elementos que compõem a imagem (aqui signos plásticos: a cor, as formas) estende- se à distinção das diversas classes de elementos: vejo um homem e não uma mulher, uma criança, um animal, a ninguém...; ele está com roupa esporte e não esporte fi no ou de gala... (signos icônicos: motivos reconhecíveis); aqui há um texto escrito e não uma página em branco; ele é preto e não vermelho, e assim por diante... (signos linguísticos: textos) (JOLY, 1996, p. 52). 186 Signos icônicos serão vistos adiante (ao vermos exemplos de ícones). Os linguísticos são verbais. NOTA Ao realizar essas substituições ou, até mesmo, perguntas, por exemplo: por que este texto visual aplica a cor vermelha e não a azul?” Conseguem imaginar alguma razão para essa escolha em particular? Como nas obras de Paweł Kuczyński: por que um burrinho? Por que um porco? Por que um homem com essa vestimenta? Por que fumando charuto e de terno? Qual o efeito pretendido nessa escolha em particular? Ainda sobre a citação de Joly (1996), esse “flerte” – com aquilo que poderia ter sido selecionado e não foi – nos leva a valiosas percepções, assim como podem ser usados pedagogicamente esses questionamentos. Quando jogamos outros elementos que poderiam estar, mas não estão, observamos que nenhum desses componentes eleitos está presente à toa. O autor os seleciona, detalhe a detalhe, conforme propósitos. Salvaguardados os casos de desvios não intencionais (ou seja, aqueles efeitos de sentido que nem mesmo o autor pôde prever), quando se trata de um desvio não intencional causa um problema, algum ruído na compreensão da mensagem; é algo que não faz sentido, remete a algo que não fica coerente com o todo. Se é intencional ou não intencional – essas ambiguidades e sentidos dúbios –, trata-se de outra discussão relevante. Anteriormente, vimos o termo “icônico” (JOLY, 1996). Quando abordamos o conceito de signo, a partir da Semiótica de Peirce, temos que verificar a diferença entre três signos existentes: o ícone, o índice e o símbolo. Esses três são frequentes e abundantes na sociedade globalizada em que vivemos. Vamos a eles! 2.1 ÍCONE, ÍNDICE E SÍMBOLO O ícone estabelece uma relação de semelhança com o objeto que representa algumas qualidades em comum. Essas relações de semelhança podem ser em variados níveis. Alguns exemplos de ícones: placas em banheiro masculino e feminino (pela relação de semelhança, traços físicos ou vestes masculinas/femininas), o ícone da lixeira na área de trabalho do computador (procura, de fato, remeter a uma lixeira), placas que dizem respeito a ciclistas (representam pessoas pedalando) e assim por diante. Nas palavras de Joly (1996, p. 35): O ícone corresponde à classe de signos cujo significante mantém uma relação de analogia com o que representa, isto é, com seu referente. Um desenho figurativo, uma fotografia, uma imagem de síntese que represente uma árvore ou uma casa são ícones, na medida em que “pareçam” com uma árvore ou casa [...]. 187 Fonte: https://www.iconfi nder.com/search?q=Search. Acesso em: 13 abr. 2023. Já os índices são signos indicativos, possuem ligação direta e dependente do objeto que representam. Sua representação é decorrência do objeto, uma consequência, ou seja, o índice é um signo indicativo do seu objeto. Alguns exemplos possíveis: fumaça (indica fogo), rastros de pneu (indicam que algum automóvel passou por aquele lugar – dependendo do rastro, fi ca mais claro de qual tipo), céu com nuvens e raios (indica que irá chover), ruas alagadas (indica que choveu naquele lugar), assim por diante. Nas palavras de Joly (1996, p. 35): O índice corresponde à classe dos signos que mantêm uma relação causal de contiguidade física com o que representam. É o caso dos signos ditos “naturais”, como a palidez para o cansaço, a fumaça para o fogo, a nuvem para a chuva, e as pegadas deixadas pelo caminhante na areia ou as marcas deixadas pelo pneu de um carro na lama. Exemplos de índices (fumaça, pegadas, marcas de rodas e cansaço): Figura 16 – Exemplos de índices Figura 15 – Exemplos de ícones Fonte: https://www.diariodoaco.com.br/images/ noticias/82925/20201018155307_W4Z7d- V5lKO.jpg. Acesso em: 13 abr. 2023. Fonte: https://www.arautos.org/secoes/arti- gos/doutrina/espiritualidade/pegadas-na-a- reia-199364. Acesso em: 13 abr. 2023. 188 Fonte: https://www.bigtires.com.br/blog/post/ pneu-em-praia-precisa-de-um-especifi co. Acesso em: 13 abr. 2023. Fonte: https://vivasaudedigital.com.br/wp-content/ uploads/2020/09/bocejo-contagioso-saiba-por- que-bocejamos-quando-vemos-outra-pessoa-bo- cejar-364.jpg. Acesso em: 17 abr. 2023. A terceira forma dos signos – a partir de Peirce – é o símbolo. Este é um signo que representa o objeto por meio de convenções – também chamadas de pacto coletivo, ou seja, não há uma relação direta ou de semelhança entre o símbolo e o objeto representado. Por convenção, o símbolo foi se solidifi cando e passou a ser utilizado e reconhecido. Um exemplo na nossa cultura são as letras e as palavras. Outros exemplos são: a cruz (como símbolo do Cristo); dedos em V (símbolo de paz e amor), bandeira branca (indicando paz ou símbolo de desistir, estar vencido); um logotipo (símbolo de uma marca), entre outros exemplos. Para Joly (1996, p. 36): O símbolo corresponde à classe dos signos que mantêm uma relação de convenção com seu referente. Os símbolos clássicos, como a bandeira para o país ou a pomba para a paz, entram nessa categoria junto com a linguagem, aqui considerada como um sistema de signos convencionais. Exemplo de símbolos (reciclagem, infi nito, proibido transitar, luto): Figura 17 – Exemplos de símbolos Fonte: https://static.todamateria.com.br/uploa- d/57/0b/570bff 4864aa4-reciclagem.jpg. Acesso em: 13 abr. 2023. Fonte: https://static.signifi cados.com.br/foto/simbo- lo-do-infi nito-signifi cados-brasil.png. Acesso em: 13 abr. 2023. 189 Os ícones, os índices e os símbolos podem ser percebidos em imagens, gêneros híbridos – ainda que muitos deles não tenham sido lá colocados de forma totalmente consciente. Muitos de nós utilizamos signos sem compreender que os estamos utilizando. Eles estão, de fato, há muito tempo em nossa sociedade, a ponto de nos relacionarmos com eles e por meio deles sem nos darmos conta. Por esse motivo, a postura analítica (de leitores habilidosos) pode reconhecer esses signos existentes. Ler, portanto, não é só se aventurar frente a um texto verbal. As imagens, fotografi as, desenhos, textos híbridos são repletos de signos. Eles, muitas vezes, estão compondo uma mensagem – ajudam a construir os sentidos e alcançar os objetivos pretendidos. Os publicitários, como poderá ser visto adiante, neste livro, estudam a sociedade e os elementos que fazem parte dela, tanto os aspectos comportamentais como os elementos que são carregados de signifi cação (como os índices, ícones e símbolos). Esses aspectos fi carão mais claros quando chegarmos ao tópico que aborda a esfera publicitária. Da mesma forma, quando estamos falando em leitura, precisamos compreender que há habilidades referentes a leituras de textos verbais e visuais. Por vezes, somos tentados a lembrar somente das habilidades referentes aos textos verbais. Em muitaspráticas docentes, a linguagem visual fi ca esquecida ou é colocada em segunda categoria (apesar de vivermos em uma sociedade que dá muita importância à imagem). A seguir, aprofundaremos essas questões sobre ler tendo em vista habilidades. 3 HABILIDADES COMO NORTE DA LEITURA Assim como foi discutido nas unidades anteriores, ler por ler, ler sem objetivos – nem que seja desenvolver o deleite por parte do aluno – é perder de vista a consolidação de habilidades que serão solicitadas socialmente. Essas habilidades serão convocadas Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-Zc3vIR6k6nY/ UI7qqya7wgI/AAAAAAAAAfI/SSgsNzr38ys/ s1600/R-29.jpg. Acesso em: 13 abr. 2023. Fonte: https://ifce.edu.br/tiangua/noticias/nota-de- -pesar-falecimento/nota_de_pesar.jpg/@@images/ acb26f1c-345f-45ca-828c-fa8b66aa122e.jpeg. Acesso em: 13 abr. 2023. 190 em práticas, interpessoais, profi ssionais ou em exames, que também são práticas, ainda que partam de instâncias governamentais e instituições variadas. O aluno só terá ferramentas para responder a essas convocações caso tenha se envolvido em práticas anteriores que contribuíram com a consolidação dessas habilidades. Em se tratando de Letramento – Letramentos, multiletramentos –, há duas perspectivas que ainda merecem ser exploradas como abertura deste subtema. Há uma separação feita por Street (1984): modelo ideológico e autônomo. No modelo ideológico, as condições externas ao texto são consideradas determinantes no interior do texto. Essas condições não podem ser ignoradas. Isso vem sendo abordado ao longo de todo este livro. O outro modelo, autônomo, dá ênfase a aspectos internos ao texto e ao próprio indivíduo – às habilidades dele. A partir de Street (1984), passou-se a criticar o modelo autônomo, que desconsidera o social e as variadas instâncias de participação social dos sujeitos. Enquanto o modelo ideológico analisa as práticas, procurando entendê-las, o modelo autônomo centra seu olhar no indivíduo. Apesar de toda a fundamentação teórica sugerir que o modelo ideológico precisa ser mantido no campo de visão de todos os professores de língua/linguagem, não podemos deixar de encarar que os exames nacionais levam em consideração o individual. Afi nal, esses exames testam nossos alunos em termos de habilidoso ou inabilidoso, apto ou não apto, entre outros, dependendo do exame em questão. Caso nos centremos somente no modelo ideológico, desconsideraremos que esses exames também são práticas de leitura e escrita existentes em sociedade. Ignorá- las é escolhermos que nossos alunos não devem participar delas. Essa escolha tem que ser dos sujeitos. Em outras palavras, existem as práticas sociais que merecem nosso olhar – e que sejam compreendidas em todos os seus aspectos ideológicos; analisadas, estudadas – e que essas práticas se materializam por meio dos variados gêneros orais e escritos. Contudo, neste livro, os dois modelos não são considerados excludentes (ou foco nas práticas ou nas habilidades), mas sim complementares e necessários. As chamadas “habilidades”, cedo ou tarde, serão testadas na vida dos nossos alunos. Apesar de sabermos que exames (que medem as habilidades) não sejam o sufi ciente para dizer se uma pessoa é ou não capaz de algo. Ainda, a partir do modelo ideológico, compreendemos que as práticas da esfera interpessoal (bilhetes, cartas pessoais, listas Adiante, alguns exames serão comentados (entre outros possíveis). NOTA 191 de compras, leitura do letreiro do ônibus, comparação de preços em folders de mercado) também são práticas, ainda que não tenham prestígio. Ainda assim, esses exames existem – apesar de nossas compreensões sobre elas. Por esse motivo, além de toda a compreensão já apresentada ao longo desse livro, que os textos são sociais, escritos por alguém que assume uma posição para um “alguém” (um auditório real ou imaginado), que a “mensagem” (discurso) é carregada de visões de mundo, que os gêneros servem a usos sociais, entre outros variados aspectos a partir do modelo ideológico, é necessário compreender as habilidades que são solicitadas em exames. Esses exames estão aí, são um fato, por esse motivo, um olhar para eles se torna necessário. Essa perspectiva pode ser vista em um documento oficial: [...] uma atividade que depende de processamento individual, mas se insere num contexto social e envolve disposições atitudinais, capacidades relativas à decifração do código escrito e capacidades relativas à compreensão, à produção de sentido. A abordagem dada à leitura, aqui, abrange, portanto, desde capacidades necessárias ao processo de alfabetização até aquelas que habilitam o aluno à participação ativa nas práticas sociais letradas, ou seja, aquelas que contribuem para o letramento (BRASIL, 2008, p. 39, grifos nossos). Podemos observar que ambas as visões estão presentes nesse excerto. Tanto que existem práticas e capacidades necessárias para a realização dessas práticas, ou seja, para a inserção do sujeito nessas práticas. Por esse motivo, exames centram-se em habilidades, sejam exames voltados ao Ensino Fundamental (Prova Brasil), Ensino Médio (Enem) ou Ensino Superior (Enade). Antes de irmos a essas habilidades, vamos ver o que os PCN + Brasil (2002, p. 15-16, grifos nossos) abordam sobre habilidades e competências. O que é preciso compreender é que, precisamente por transcender cada disciplina, o exercício dessas competências e dessas habilidades está presente em todas elas, ainda que com diferentes ênfases e abrangências. Não há receita, nem definição única ou universal para as competências – qualificações humanas amplas, múltiplas que não se excluem entre si – ou para a relação e a distinção entre competências e habilidades. Por exemplo, os PCNEM explicitam três conjuntos de competências: comunicar e representar, investigar e compreender, assim como contextualizar social ou historicamente os conhecimentos. Por sua vez, de forma semelhante, mas não idêntica, o Enem aponta cinco competências gerais: dominar diferentes linguagens, desde idiomas até representações matemáticas e artísticas; compreender processos, sejam eles sociais, naturais, culturais ou tecnológicos; diagnosticar e enfrentar problemas reais; construir argumentações; e elaborar proposições solidárias. Tanto nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, como no Enem, relacionam- se as competências a um número bem maior de habilidades. Pode- se, de forma geral, conceber cada competência como um feixe ou uma articulação coerente de habilidades [...]. Algumas dessas 192 competências podem ter um apelo mais técnico-científi co, outras mais artístico-cultural, mas há um arco de qualidades humanas que, ainda que em doses distintas, tomarão parte nos fazeres de cada aprendizado específi co. Outras qualidades, como desenvolver apreço pela cultura, respeito pela diversidade e atitude de permanente aprendizado, questionamento e disponibilidade para a ação, são valores humanos amplos, sem qualquer especifi cidade disciplinar. Estas, portanto, devem estar integradas a todas as práticas educativas, o que só ocorre se a formação for concebida como um conjunto, em termos de objetivos e formas de aprendizado. Só aprende a comunicar quem se comunica; a argumentar quem argumenta; a resolver problemas reais quem os enfrenta e soluciona; a participar do convívio social quem tem esta oportunidade. Disciplina alguma desenvolve tudo isso isoladamente; a escola desenvolve tais competências e habilidades no ensino das diferentes disciplinas e nas práticas didáticas de cada classe e de cada professor. O documento, portanto, demonstra que as habilidades apresentadas nos documentos ofi ciais e as solicitadas em exames estão imbricadas, assim como todas elas estão ligadas umas às outras. As matrizes dos exames e os relatórios deles apontam para habilidades que são analisadas a cada questão, ou seja, cada questão elaborada nesses exames tem em vista uma ou mais habilidadesrelacionadas à leitura. Esse fato pode ser visto no Ensino Fundamental (na Matriz de referência da Prova Brasil – neste documento, afi rma-se que há habilidades mais e menos complexas), no Ensino Médio (por meio das habilidades e competências nos documentos desse exame), em exames internacionais (como o Pisa, que apresenta não só habilidades, como também chega a falar em níveis – compreendendo que há níveis de leitura menos e mais aprofundados) e no Ensino Superior (Enade – que investiga as habilidades relacionadas a cada uma das áreas que os acadêmicos estejam cursando). As estratégias e as atividades desenvolvidas em sala, portanto, podem ser orientadas a partir de qual habilidade se pretende desenvolver. O trabalho com imagens ou gêneros híbridos não é diferente. A leitura deve ser encaminhada, tendo em vista aspectos sociais do texto (refl exões e análise dos gêneros, aspectos internos e externos que conferem sentido ao texto – modelo ideológico) e elementos internos que produzem o todo e aquilo que o aluno deve dominar para vir a realizar uma leitura aprofundada com compreensão e interpretação (modelo autônomo). Em virtude do volume, apresentaremos apenas algumas habilidades que vão ao encontro do livro e da unidade. Para além dessas, há outras apresentadas e solicitadas pelos documentos ofi ciais. Sugere-se a leitura como um todo. Os materiais, matrizes, referências e relatórios estão disponíveis na internet. Os links de acesso serão apresentados adiante – próximo às habilidades de cada exame. NOTA 193 A seguir, algumas habilidades que, nesses exames, vão ao encontro do conteúdo deste livro: Quadro 1 – Exemplos de habilidades da Matriz de referência da Prova Brasil Fonte: adaptado de Brasil (2011) A partir da matriz de referência, é possível buscar vários termos que sejam desconhecidos, como a informação implícita e explícita (qual é a diferença?), as marcas linguísticas (o que são?), entre outros. Cada uma das habilidades – dessas apresentadas anteriormente e as outras – estão descritas no documento intitulado Matrizes da Prova Brasil e do Saeb. A seguir, algumas habilidades presentes na Matriz do Enem. Tópico I. Procedimentos de leitura Inferir uma informação implícita em um texto. Identificar o tema de um texto. Tópico II. Implicações do suporte, gênero e/ou enunciador na compreensão do texto Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros. Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, foto etc.). Tópico III. Relação entre textos Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido. Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao mesmo fato ou ao mesmo tema. Tópico IV. Coerência e coesão no processamento do texto Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade de um texto. Identificar a tese de um texto. Estabelecer relação entre a tese e os argumentos oferecidos para sustentá-la. Tópico V. Relações entre recursos expressivos e efeitos de sentido Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados. Tópico VI. Variação linguística Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto. 194 Quadro 2 – Exemplos das habilidades da Matriz de referência linguagens, códigos e suas tecnologias – Enem Fonte: adaptado de Brasil (2012a) Da mesma forma, há documentos que abordam cada uma das habilidades. Essas habilidades podem servir como norte para a elaboração de questões e análises de textos. Há outro exame passível de leitura. O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) é um exame internacional voltado a três áreas: Ciências, Leitura e Matemática. A cada edição, é dada ênfase a uma dessas áreas. Quanto à leitura, o exame a compreende a partir de quatro processos: Competência de Área 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida. H1 – Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação. Competência de Área 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade. H13 – Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos. H14 – Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos. Competência de Área 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. H17 – Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. Competência de Área 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação. H18 – Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos. H19 – Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução. Competência de área 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas. H21 – Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos. H22 – Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos. H23 – Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público-alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados. H24 – Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção, chantagem, entre outras. 195 Quadro 3 – Relatório Nacional Pisa 2012 Fonte: adaptado de Brasil (2012b) Além de compreender esses quatro processos como parte da leitura, os resultados do Pisa irão diagnosticar cada estudante como competente em um nível (letramento autônomo). A seguir, são descritos esses níveis de competência. Em termos de complexidade, parte do sexto (de maior complexidade) ao nível primeiro (de menor complexidade). Localização e recuperação de informações: enquanto recuperação envolve o processo de selecionar uma informação solicitada, localização envolve o processo de encontrar o espaço no qual a informação está localizada. A dificuldade pode estar relacionada a diversos fatores, como o número de parágrafos, páginas e links a serem utilizados, a quantidade de informação a ser processada em qualquer local, bem como a especificidade e o nível de evidência das diretrizes da atividade. Integração e interpretação: este aspecto requer que os leitores demonstrem uma compreensão mais completa e específica daquilo que leram. Integração envolve o estabelecimento de conexão das diversas partes de textos – ou diferentes textos – para que adquiram significado; e interpretação envolve o processo de construir significado a partir de algo que não está explícito no texto ou em parte dele. Para construir uma compreensão ampla do texto, esses dois aspectos devem coexistir. Reflexão e análise: este aspecto envolve a elaboração de conhecimentos, ideias ou atitudes que vão além do texto, visando relacionar informações contidas no texto com quadros de referências de conceitos e experiências do próprio leitor. A reflexão pode ser considerada a ação do leitor ao consultar suas próprias experiências para comparar, contrastarou traçar hipóteses. Por meio da análise, o leitor realiza julgamentos elaborados a partir de padrões que vão além do texto apresentado. Atividades de reflexão e análise podem solicitar que os estudantes conectem informações do texto a conhecimentos provenientes de outras fontes. Frequentemente, leitores podem ser chamados a defender seu próprio ponto de vista. Para tanto, devem estar aptos a compreender e desenvolver o conteúdo do texto e seu objetivo. Complexidade: como visto anteriormente, os itens da avaliação podem enfatizar um ou outro aspecto identificável. No entanto, algumas atividades de texto digital foram classificadas como complexas devido à maior liberdade que essa mídia permite e à possibilidade de suas atividades não serem facilmente definidas. Uma vez que a organização do texto é mais fluida que aquela que utiliza o papel como suporte, o leitor pode definir sua própria sequência para realizar a atividade disponibilizada, mobilizando os três diferentes aspectos indicados acima sem uma ordem lógica. 196 Quadro 4 – Níveis de leitura descritos e examinados pelo PISA 6 As tarefas neste nível normalmente requerem que o leitor faça múltiplas inferências, comparações e contrastes com precisão e detalhamento. Requerem a demonstração de compreensão completa e detalhada de um ou mais textos e podem envolver a integração de informações de mais de um texto. As tarefas podem exigir que o leitor lide com ideias desconhecidas na presença de informações concorrentes relevantes e produza categorias abstratas para interpretação. Tarefas de refletir e analisar podem exigir que o leitor levante hipóteses ou avalie criticamente um texto complexo sobre um assunto desconhecido, levando em consideração critérios ou perspectivas múltiplas e aplicando interpretações sofisticadas externas ao texto. Uma condição marcante para tarefas de localizar e recuperar neste nível é a precisão da análise e a atenção refinada a detalhes pouco perceptíveis nos textos. 5 Neste nível, tarefas que envolvem recuperação de informação requerem que o leitor localize e organize informações profundamente integradas, inferindo sobre quais informações no texto são relevantes. Tarefas destinadas à reflexão requerem avaliação crítica ou levantamento de hipóteses, com base em conhecimento especializado. Tanto tarefas interpretativas quanto reflexivas exigem uma compreensão total e detalhada de texto com conteúdo ou forma não familiar. Para todos os aspectos da leitura, as tarefas neste nível normalmente envolvem lidar com conceitos contrários às expectativas. 4 Neste nível, tarefas que envolvem recuperação de informação requerem que o leitor localize e organize diversos fragmentos de informação integrada. Algumas tarefas exigem interpretação do significado de nuances da linguagem em uma parte do texto, levando-se em consideração o texto como um todo. Outras tarefas interpretativas exigem que os leitores usem conhecimento público ou formal para levantar hipóteses ou analisar criticamente um texto. Os leitores devem demonstrar compreensão precisa de textos longos ou complexos cujo conteúdo ou forma podem não ser conhecidos. 3 Tarefas neste nível requerem que o leitor localize e, em alguns casos, reconheça a relação entre vários fragmentos de informação que devem satisfazer múltiplas condições. Tarefas interpretativas exigem que o leitor integre várias partes do texto, a fim de identificar a ideia principal, entender a relação ou construir o significado de uma palavra ou oração. O leitor deve considerar muitas características textuais ao fazer comparações, diferenciações e categorizações. Em geral, a informação exigida não é relevante, existe muita informação concorrente, ou o texto apresenta outros obstáculos, como ideias contrárias à expectativa ou formuladas de forma negativa. Tarefas reflexivas podem solicitar correlações, comparações, explicações, ou podem exigir que o leitor avalie uma característica do texto. Algumas tarefas reflexivas exigem que os leitores demonstrem uma compreensão refinada do texto em relação a conhecimentos do cotidiano. Outras tarefas não requerem uma compreensão detalhada do texto, mas requerem que o leitor elabore sobre um conhecimento menos comum. 197 Fonte: adaptado de Brasil (2012b) Depois de ler as Unidades 1 e 2 e refletirmos sobre os modelos de letramento (ideológico e autônomo), podemos compreender que enquadrar uma pessoa em um ou em outro nível é uma tarefa delicada. É difícil concluir que alguém está em um nível de leitura – sendo que cada texto é um texto e, da mesma forma, toca cada leitor de uma forma (depende do conhecimento prévio e de outras conexões que ele realizar). Dessa forma, caso o Pisa solicite conhecimentos sobre o gênero crônica, dependendo do tema da crônica, o aluno vai se identificar mais ou menos, assim como vai dominar mais ou menos o assunto (roupas, sentimentos, vivências, entre outros). Assim, um só componente pode fazer um aluno se sair melhor que outro – o que não prova que ele seja, de fato, mais habilidoso no gênero crônica que o outro. Estudar essas habilidades, portanto, não quer dizer que a partir de hoje o docente irá procurar enquadrar e qualificar seus alunos. Esses níveis de leitura podem nos ajudar à medida que nos dão ideias de práticas e atividades possíveis para os mais variados textos, imagens e gêneros híbridos. Amplia nosso horizonte de possibilidades – algumas 2 Neste nível, algumas tarefas requerem que o leitor localize um ou mais fragmentos de informação, que podem ter que ser inferidos ou podem satisfazer diversas condições. Outras requerem o reconhecimento da ideia principal em um texto, o entendimento de relações ou a construção de significado dentro de uma parte específica do texto, quando a informação não é proeminente e o leitor deve fazer inferências de nível baixo. Tarefas neste nível podem envolver comparação ou contraste com base em uma característica única do texto. Tarefas típicas de reflexão neste nível exigem que os leitores façam uma comparação ou diversas correlações entre o texto e o conhecimento externo, elaborando sobre sua experiência e atitudes pessoais. 1A Neste nível, as tarefas requerem que o leitor localize um ou mais fragmentos independentes de informação explícita, reconheça o assunto principal ou a finalidade do autor em um texto sobre assuntos conhecidos, ou faça uma correlação simples entre a informação no texto e um conhecimento do cotidiano. Normalmente, a informação exigida no texto é evidente, há pouca, ou nenhuma, informação concorrente. O leitor é explicitamente direcionado a considerar os fatores relevantes na tarefa e no texto. 1B Neste nível, as tarefas requerem que o leitor localize um único fragmento de informação explícita em uma posição evidente em um texto curto sintaticamente simples, com contexto e texto conhecidos, como uma narrativa ou uma lista simples. O texto normalmente fornece ajuda para o leitor, tal como a repetição da informação, apresentação de figuras ou símbolos conhecidos. Há o mínimo de informação concorrente. Em tarefas que exigem interpretação, o leitor pode precisar fazer correlações simples entre fragmentos de informações adjacentes. Abaixo de 1B Há alunos que não alcançam o nível 1B – as habilidades, neste caso, não são definidas pelo PISA. 198 sequer citadas neste livro. Esses estudos podem nos inspirar a administrar esses gêneros das mais variadas formas: comparando-os, analisando-os, verticalizando-os e explorando-os, tendo em vista as habilidades e os níveis sugeridos, entre outros. O próximo exame abordado é o Exame Nacional do Ensino Superior (ENADE), feito com os concluintes dos cursos de graduação. Neste exame, são exigidas determinadas habilidades esperadas daqueles que se formam em um determinado curso. No caso do curso de Letras, espera-se que esses futuros profissionais, em boa parte, sejam formadores de outros leitores. Portanto, as habilidadesque serão avaliadas no Enade não são só almejadas para acadêmicos de Letras, mas também são essenciais para a formação de leitores na Educação Básica. A seguir, apresentamos algumas habilidades convocadas pelo Enade – aquelas que forem ao encontro do que é discutido neste livro. Quadro 5 – Exemplos de habilidades convocadas pelo Enade Fonte: adaptado de Brasil (2014) Neste momento, pode-se perceber que o conhecimento relativo a imagens (texto não verbal) está presente em meio a essas habilidades. Da mesma forma, habilidades que foram pensadas a partir de textos verbais podem ser exploradas na leitura de imagens ou gêneros híbridos – com adaptações. Esse papel de adaptar e de explorar (habilidades, níveis, gêneros, abordagens, estratégias) é parte do fazer pedagógico, este aprimorado a partir da prática diária, ao longo do exercício da docência – dia a dia, mês a mês, ano a ano, ininterruptamente. Habilidades gerais I - competência intercultural crítica, evidenciada na capacidade de lidar com a diversidade em suas diferentes formas, especialmente nas linguagens (verbais e não verbais), tendo em vista a inserção do licenciando na sociedade e suas relações com os outros; V - percepção das linguagens (verbais e não verbais) como espaços de construção de sentidos em diferentes práticas sociais; Art. 6º - A prova do Enade 2014, no componente específico da área de Licenciatura em Letras-Português e Inglês, avaliará se o estudante desenvolveu criticamente, no processo de formação, as seguintes competências e habilidades: I - perceber as relações entre diferentes formas de construção de sentidos nas linguagens; II - abordar as diferentes culturas e formas de uso das linguagens nos diversos contextos e práticas culturais; III - compreender e analisar manifestações artísticas, inclusive as literárias; IV - ler e produzir textos em diversos contextos sócio-histórico-culturais e em diversas modalidades nas línguas portuguesa e inglesa; [...] VI - refletir sobre os processos de leitura, em diversas linguagens, e seus desdobramentos nas práticas cotidianas, especialmente em relação à prática docente; 199 Em tempo: em nenhum momento o termo “signos” é citado em meio a essas habilidades. Contudo, há outros termos que abarcam o signo. O principal deles é “linguagens”. Quando se fala em linguagens, no plural, compreende-se que a nossa sociedade se utiliza de variadas linguagens. Duas delas nos são caras: a verbal e a não verbal. Essas, como vimos, são compostas de signos – algo (presente) que faz referência a algo ausente (como a imagem do cachimbo que remete ao objeto cachimbo). Assim, ao explorar as linguagens, devemos analisar os signos em sala de aula – ainda que esses exames não nos sugiram esse termo. Nos termos a seguir, podemos perceber expressões que sugerem a exploração dos signos (visuais e/ou linguísticos), ainda que não utilizem claramente o termo: • “diferentes gêneros” (Prova Brasil); • “material gráfico diverso” (Prova Brasil); • “textos variados” (Prova Brasil); • “partes de um texto” (Prova Brasil); • “diferentes linguagens e seus recursos expressivos” (Enem); • “diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos” (Enem); • “reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional” (Enem); • “os sistemas simbólicos das diferentes linguagens” (Enem); • “recursos verbais e não verbais” (Enem); • “linguagens (verbais e não verbais)” (Enade); • “relações entre diferentes formas de construção de sentidos nas linguagens” (Enade); • “manifestações artísticas” (Enade); • “diversas linguagens” (Enade). Em todos esses termos, podemos ver os signos presentes, compondo os textos, imagens e gêneros híbridos. Os signos estão presentes nos atos, nos gestos, nas roupas, nas ações, nos textos, nas imagens, nos artefatos culturais, nas artes, nos desenhos, nas fotografias, nas propagandas, nos programas de televisão (signos esses podendo ser percebidos como símbolos, ícones e índices). Assim, apesar de essas habilidades propostas por exames não expressarem claramente a exploração dos signos, esses estão implícitos em outras terminologias. 200 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu: • Conceitos relevantes a partir da Semiótica de Peirce, como esses conceitos podem ser trabalhados em sala, sem que os alunos precisem dominá-los, como um instrumento norteador de práticas, discussões e da própria leitura (analítica, crítica, comparativa). • Como a obra de René Magritte (1929) contribui com a percepção na natureza dos signos – algo presente representando algo ausente. • Alguns conceitos relevantes ao estudo das imagens: Imagens apresentam papéis (como a imagem da mulher, do homem, do médico, do jogador de futebol, entre outros papéis) e são criadas, consolidadas, reforçadas e propagadas por meio dos gêneros e mídias. O signo precisa provocar uma atitude interpretativa (para ser um signo de fato) ele é algo perceptível e que está no lugar de outra coisa; os significados não estão fixados desde sempre, eles são criados com relação ao contexto (exemplo da foto de família); ler imagens também é ler procurando compreender o impacto das imagens no coletivo e em relação ao tempo presente (é o caso dos memes que circulam nas redes). Analisar imagens (texto visual) pela Semiótica não é só analisar a imagem em si ou os sentidos, mas também buscar compreender as estratégias, os meios e os elementos para a produção daqueles sentidos. Assim, compreendemos que tudo isso faz parte das escolhas na elaboração da imagem – e muitas delas surgem a partir do público que se pretende alcançar com a imagem. • Que o princípio da permutação contribui com a percepção dos elementos presentes na imagem – que não são feitos aleatoriamente. • Que há três signos diferentes: o ícone, o índice e o símbolo. O ícone estabelece uma relação de semelhança com o objeto que representa. O índice é indicativo, estabelece uma relação de consequência com o objeto representado. O símbolo representa o objeto por meio de convenções. • Algumas habilidades de exames (Prova Brasil, Pisa, Enem, Enade), que podem servir como norte para as práticas de leitura (de imagens e gêneros híbridos) em sala. Habilidades essas não tomadas como diagnósticos precisos daquilo que nossos alunos já sabem. Ao tomar habilidades como norte, não significa que iremos nos esquecer de analisar todos os elementos referentes aos gêneros (esferas, contextos, interlocutores) analisados nas unidades anteriores – esses componentes que servem para a compreensão das práticas sociais que envolvem leitura (e escrita). Além disso, estudar as práticas de leitura, fala e escrita como práticas sociais corresponde a considerar todas (das variadas esferas) como importantes e válidas – ainda que não tenham status. 201 AUTOATIVIDADE 1 Considerando, para além do aspecto temático, a associação entre a forma e o estilo de representação dos textos literários e dos quadros apresentados a seguir, assinale a alternativa CORRETA em que não se verifi ca uma inter-relação de semelhança entre literatura e pintura: A) Alucinação de mesas que se comportam como fantasmas reunidos solitários glaciais. Carlos Drummond de Andrade. Farewell. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1996, p. 33. B) A perfeição, a graça, o doce jeito, A Primavera cheia de frescura, Que sempre em vós gloresce; a que a ventura E a razão entregaram este peito. Luis de Camões. Obras. Porto: Lello & Irmãos, 1970, p. 50. Van Gogh. Café Noturno Sandro Botticelli. O nas- cimento de Vênus. 202 C) A luz de três sóis ilumina as três luas girando sobre a terra varrida de defuntos. Varrida de defuntos mas pesada de morte: como a água parada, a fruta madura. João Cabral de Melo Neto. Poesias completas. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968, p. 341 D) Cidade a fervilar cheia de sonhos, onde O aspecto, em pleno dia, agarra-se ao