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DIREITO ADMINISTRATIVO: TEORIA GERAL VIVIANE DE ARRUDA PESSOA OLIVEIRA 1 UNIDADE 2 DIREITO ADMINISTRATIVO: CONCEITOS ELEMENTARES C O M PE TÊ N C IA S 01. Conhecer o Regime Jurídico do Direito Administrativo para identificar os funda- mentos e princípios da Supremacia do Interesse Público e da Indisponibilidade do interesse público. 1. REGIME JURÍDICO DO DIREITO ADMINISTRATIVO Para satisfação do interesse público a Administração possui prerrogativas (privilégios e poderes) bem como limites (restrições/sujeições) na sua esfera de atuação. Esse con- junto de regras e princípios que sistematizam a atuação da Administração Pública con- ferindo-lhe prerrogativas e limites para assegurar a promoção e satisfação do interesse público constitui o chamado regime jurídico do Direito Administrativo. Di Pietro (2021, p. 104) entende que a expressão abrange o conjunto de traços, de conotações que se submete o Direito Administrativo, trazendo para a Administração Pública uma posição privilegiada, vertical, face aos seus administrados e ao mesmo tempo restrições na sua atuação. Essa condição de verticalidade da Administração face aos particulares é sempre basea- da na ideia de submissão ao princípio da legalidade e todas as normas constitucionais, daí porque a Administração exercerá as prerrogativas dentro da esfera da legalidade e sempre com o intuito de assegurar os interesses da coletividade e a satisfações dos direitos e garantias fundamentais. O Regime Jurídico do Direito Administrativo está sustentando em dois valores/princípios bases: ` Supremacia do Interesse Público ` Indisponibilidade do Interesse Público Embora a supremacia do interesse público e a indisponibilidade do interesse público se- jam princípios basilares e constitucionais do Direito Administrativo, é importante enten- der que esses princípios não aparecem de forma escrita e expressa no texto da nossa Constituição Federal, são assim considerados princípios constitucionais implícitos ou reconhecidos que norteiam o Direito Administrativo. 2 Direito administrativo: Teoria Geral U2 Direito Administrativo: conceitos elementares 2. PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO Se pudéssemos imaginar o Direito Administrativo como uma grande construção, os seus pilares de sustentação seriam esses dois macro princípios, a saber: o princípio da Supre- macia do Interesse Públicos e a indisponibilidade do interesse público. Ambos trazem o equilibro necessário para toda atividade realizada dentro da Administração Pública. 2.1. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO O interesse público está acima do interesse dos indivíduos. A Administração, sob a ótica da legalidade, desse modo sujeitará os seus administrados a determinadas condições para garantia e satisfação do interesse da coletividade. Nesse sentindo, o Princípio da Supremacia do Interesse Público consiste na visão de CARVALHO (2022, p. 68) uma pedra fundamental na noção de Estado organizado, sendo esse interesse sempre su- premo sobre o interesse particular. Observe que para o gestor da coisa pública, entidades ou órgãos da Administração seria impossível agir em posição vertical garantindo a essa supremacia e sujeitando a vontade coletiva aos interesses privados, se a esses não lhes fossem dados certos privilégios e poderes para agir dessa maneira. O fato é que com a Construção do Estado de Direito, cuja base traz o princípio da legalidade, o próprio sistema vai garantir que para assegurar a garantia dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e o interesse da própria coletividade à Adminis- tração seja conferido amplos poderes, privilégios colocando os particulares em posição de sujeição ao interesse coletivo nas atividades elaboradas pela Administração Pública. Assim, a Administração tem uma série de privilégios, poderes conferidos para asse- gurar que os interesses coletivos sejam sempre preponderantes. Vejamos quais são essas prerrogativas conferidas: a. Prerrogativas que a Administração Pública possui Quadro 01. Prerrogativas da Administração Pública A Administração Pública pode desapropriar a propriedade do particular, mediante indenização, para atender a utilidade e/ou necessidade pública (ex. construir escolas, hospitais, estradas) ou interesse social (ex. pro- mover a reforma agrária, garantir produtividade, realizar programas sociais de habitação), não adiantando ao particular alegar qualquer interesse particular para impedir tal ação (art. 5º, XXIV, 182, § 4º, III, 184 e 243, da CF/88). – Desapropriação. A administração pode requisitar bens particulares para atender necessidade emergencial, indenizando o particular se houver dano, de forma ulterior. -Requisição Administrativa. Pagar créditos aos particulares por precatórios (Art. 100, CF/88). A Administração Pública não sofre os efeitos principais da revelia (Art. 344/345, CPC). U2 3Direito administrativo: Teoria Geral Direito Administrativo: conceitos elementares Possui o poder de convocar que determinado particular execute um serviço público. Ex. ser mesário em uma eleição. A Administração Pública tem privilégios processuais, como contestação e recursos em dobro (art. 183, CPC). Em algumas situações ainda se aplica para a Fazenda o instituto da remessa necessária, a depen- der do valor da causa (art. 188, CPC). Os procuradores têm direito a intimação pessoal e não necessitam juntar procuração. A Administração Pública pode alterar ou rescindir unilateralmente um contrato Administrativo (sem anuência do particular), dentro dos limites legais da Nova Lei de Licitações. A Administração pode restringir nossa propriedade ou liberdade do indivíduo para proteção dos interesses coletivos, sem necessidade de ordem judicial. (Ex. – exercício do Poder de Polícia – inspetor da vigilância sanitária entra em seu estabelecimento para fazer inspeção e apreende mercadoria com prazo vencido) – autoexecutoriedade e coercibilidade. As pessoas jurídicas de Direito Público tem privilégios tributários e procedimento de execução fiscal. Fonte: elaborado pela autora, 2023. Como observa Carvalho (2022, p. 70) é claro que em qualquer hipótese de abuso des- ses poderes pela Administração Pública, caberá ao particular socorrer-se dos remédios constitucionais como Habeas Corpus, Habeas Data, Mandado de Segurança e Ação Popular, controlando e anulando esses atos com a intervenção do Poder Judiciário. Importante, por fim, na ótica da doutrina mais atual entender a supremacia do interesse público deve sempre ser interpretada à luz da sistemática constitucional, notadamente com base nos princípios constitucionais, especialmente garantido a aplicação da ra- zoabilidade, proporcionalidade e segurança juridica evitando arbitrariedades do Poder Público sobre o argumento de cumprimento da legalidade estrita. b. Indisponibilidade do interesse público Se por um lado a Administração Pública possui as prerrogativas acima levantadas, no cumprimento do exercício da função administrativa a Administração para atender aos interesses da coletividade deverá observar também os limites e restrições ao exercício da sua atividade, a fim de evitar os abusos e excessos cometidos pelos agentes públicos. Note que a expressão desse princípio implícito traz a ideia de que o interesse público é indisponível e no exercício da atuação de uma função administrativa qualquer entidade, órgão e agente público não poderá agir para satisfação de interesses que não aqueles que atenderão aos interesses da sociedade, na garantia e satisfação dos direitos e garantias fundamentais. Assim, a Constituição e legislação estabelece limites a atuação da Administração Públi- ca, garantido essa indisponibilidade. Nesse sentido, o agende público (seja agende político, servidor, empregado e até mes- mo particular em colaboração na Administração) não poderá agir buscando a satisfação dos interesses pessoais, ou atentar contra os princípios constitucionais dalegalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência. 4 Direito administrativo: Teoria Geral U2 Direito Administrativo: conceitos elementares Da mesma forma, a constituição traz regra geral a seleção de pessoal por ingresso em concurso público, bem como a sujeição da Administração, em regra, ao procedimento de licitação para compras de bens e aquisição de serviço, para evitar desvios do exer- cício da atividade administrativa para satisfação dos interesses privados. Traz ainda como limites da atuação da própria administração pública a indisponibilidade dos seus bens, o exercício do controle dos seus próprios atos como atuação restritiva da própria administração pública. 3. CONCEITO DE INTERESSE PÚBLICO A doutrina costuma classificar o interesse público, em interesse público primário e inte- resse público secundário. 3.1 INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO No primeiro caso, seria considerado interesse público primário todo interesse da cole- tividade, o interesse que o Estado visa a atingir no exercício da função administrativa. Note que esse é um conceito amplo, que com a incorporação do Estado de bem-estar- -social, passa a ser perseguido por meio da promoção de políticas públicas que visem assegurar aos administrados os direitos e garantias fundamentais, tendo como premis- sa basilar a dignidade da pessoa humana. Assim o interesse público primário seria a vontade da coletividade em geral, visando assegurar aos indivíduos um bem-estar social. É assim o interesse do Estado que se volta para os interesses da própria sociedade. 3.2 INTERESSE PÚBLICO SECUNDÁRIO Já o interesse público secundário seria a satisfação dos interesses do próprio Estado para consecução do interesse público primário, configura na visão da doutrina o interes- se patrimonial do Estado como pessoa Jurídica (MAZZA, 2021, p. 60). Assim, por exem- plo, a arrecadação do Estado para cumprimento dos seus objetivos constitucionais e promoção das políticas públicas, constituiria um interesse público secundário. Note que nunca o interesse público secundário poderá estar acima do interesse público primário, cabendo sim ao Estado sempre a situação de satisfação do interesse público primário no exercício da sua função arrecadatória, sob pena de desequilíbrio e manifes- ta ilegalidade. A questão do interesse público primário e interesse público secundário tem sido debatida pela doutrina e jurisprudência, sendo interessante observar os se- guintes julgados e conceitos destacados. 4. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO A partir do pós-guerra, na Europa, surge um movimento no Direito Constitucional, cha- mado Neoconstitucionalismo. Esse movimento traz algumas premissas basilares, quais sejam: U2 5Direito administrativo: Teoria Geral Direito Administrativo: conceitos elementares a. Superioridade da norma constitucional – CF como norma fundamental. b. Normatividade da Constituição Federal – a constituição tem eficácia normativa por ela mesmo, não é mera carta política, mas deve ser dotada de normatividade e aplicada dire- tamente de per si. Não precisa ser regulamentada por norma constitucional, salvo quando ela mesma requeira. c. Reaproximação do direito com a moral e consequentemente na implementação dos direi- tos e garantias fundamentais dos cidadãos, com forte aplicação dos princípios para sua consagração. Diversas constituições sofreram influência desse movimento, tais como a Constituição Italiana de 1947, Alemã (1949), Portugal (1976), Espanha (1978), trazendo em seu texto o reforço a democratização da legalidade, a jurisdição de uma Corte Constitucional e a valorização dos Direitos e Garantias fundamentais, consagrados por meio de aplicação dos princípios, garantindo a preservação dos direitos de minorias e de valores plurais. Decorre desse movimento, uma releitura do ordenamento jurídico a luz da constituição, o que a doutrina denominou de filtragem constitucional, ou seja, tudo aquilo que ofen- der aos valores e princípios fundamentais não pode prosperar. Mas o que isso tem a ver com Direito Administrativo? Ora, nesse sentido, o Administrador não pode ser um mero executor das leis. Ele deve aplicar a lei visando a consagração dos direitos fundamentais e bem como sobre a inci- dência dos princípios constitucionais na execução das suas normas. A inclusão do Direito Administrativo na Pauta da constituição traz uma nova interpreta- ção dos valores para administração. Assim é muito comum encontrarmos a expressão constitucionalização do Direito Administrativo. Di Pietro (2021, p. 57) aponta, citando Virgílio Afonso da Silva, que essa expressão pode ter dois sentindo: a) elevação a nível constitucional de matérias anteriormente tratadas pela legislação; e b) irradiação das normas constitucionais por todo sistema. Nesse sentindo, é imprescindível entendermos que desde a Constituição de 1934 institutos do Direito Administrativo sofreram a constitucionalização no Brasil. Entretanto, é especial- mente com advento a nossa Constituição Federal que se elenca uma série de princípios e regras aplicáveis a Administração dedicando especial atenção a essa a partir do seu artigo 37. Assim, a Carta Magna de 1988 consagra os famosos princípios expressos da Adminis- tração Pública, quais sejam, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publi- cidade e eficiência, bem como as normas diversas envolvendo matérias como servidores públicos, institutos de desapropriação, serviços públicos e concessões, licitações e contra- tos administrativo, além do mecanismo da responsabilidade civil extracontratual do Estado, dentre outros, anteriormente reguladas por legislação infraconstitucional. Di Pietro (2021, p. 57) observa que essa constitucionalização dos Princípios conferiu tanto ao poder judiciário e aos demais órgãos possibilidade de examinar aspectos do ato administrativo que antes lhes era vedado, especialmente com a aplicação dos prin- cípios da razoabilidade, proporcionalidade e segurança juridica, dentro da ideia de que a Administração deve obediência ao Direito e não apenas a lei. 6 Direito administrativo: Teoria Geral U2 Direito Administrativo: conceitos elementares Neste sentido, também Carvalho (2022, p. 54) entende essa constitucionalização do Direito Administrativo traz uma ampliação do controle judicial sobre os atos administra- tivos, intervindo no mérito e no exercício das políticas públicas, visando a satisfação e atenção aos princípios constitucionais as diretrizes de condutas impostas por eles. Assim, a constitucionalização do Direito Administrativo assim pode revelar a aplicação dos princípios constitucionais na atuação e satisfação pelo gestor da coisa pública no exercício da função Administrativa, refletindo na interpretação dos julgados pelos tribu- nais e da ampliação do princípio da legalidade, como no caso do AREsp n. 1.806.617/ DF, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 1/6/2021, DJe de 11/6/2021, analisado pelo STJ. Regime jurídico do Direito Administrativo: Para satisfação do interesse público a Administração possui prerrogativas e limites na sua atu- ação. Esse conjunto de regras e princípios que sistematizam a atuação da Administração Pú- blica, conferindo-lhe prerrogativas e limites constitui o regime jurídico do Direito Administrativo. Princípios Basilares do Regime Jurídico do Direito Administrativo: a. Supremacia do interesse público (prerrogativas) b. Indisponibilidade do interesse público (limites) Interesse público: Primário: interesses da coletividade; Secundário: interesse patrimonial do Estado para satisfação do interesse público. Constitucionalização do Direito Administrativo: em sentido amplo, aplicação do Direito Constitucional e controle dos atos administrativos pela aplicação dos princípios constitucio- nais, intervindo o poder judiciário na promoção da Constituição prática na gestão da coisa pública e na execução das políticas pública. Em resumo D IC A S Indicação de conteúdopara assistir: AGU Explica Princípio da Supremacia do Interesse Público. Disponível em:https://youtu.be/uveXNyPl_J8. Acesso em dezembro de 2022. https://youtu.be/uveXNyPl_J8 EDUCANDO PARA A PAZ