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574 Fundamentos da Biologia Celular Por que os microtúbulos precisam de sítios de nucleação, como os forne- cidos pelos anéis de γ-tubulina no centrossomo? A resposta é que é muito mais difícil iniciar um novo microtúbulo a partir do zero, associando inicialmente um anel de dímeros de αβ-tubulina, do que adicionar dímeros a um complexo de anel de γ-tubulina preexistente. Embora dímeros puros de αβ-tubulina em uma concentração elevada sejam capazes de polimerizar espontaneamente em mi- crotúbulos in vitro, em uma célula viva, a concentração de αβ-tubulina livre é demasiadamente baixa para permitir a execução deste difícil passo de associa- ção do anel inicial de um novo microtúbulo. Ao fornecer centros organizadores em locais específicos, e mantendo uma baixa concentração de dímeros livres de αβ-tubulina, as células podem controlar o local de formação dos microtúbulos. Os microtúbulos em crescimento apresentam instabilidade dinâmica Após a nucleação de um microtúbulo, ele costuma crescer em direção ao exterior a partir do centro organizador durante vários minutos pela adição de dímeros αβ- tubulina à sua extremidade mais (+). Então, sem aviso prévio, o microtúbulo pode repentinamente sofrer uma transição que provoca seu rápido encolhimento pela perda de dímeros de tubulina de sua extremidade mais (+) livre (Animação 17.2). Ele pode encurtar parcialmente e, não menos abruptamente, recomeçar a crescer, ou pode desaparecer completamente, para ser substituído por um novo microtú- bulo que cresce a partir do mesmo complexo do anel de γ-tubulina (Figura 17-13). Este incrível comportamento de alternância entre polimerização e despoli- merização é conhecido como instabilidade dinâmica. Ele permite que os mi- crotúbulos sofram uma rápida remodelação e é essencial para a função dessas estruturas. Em uma célula normal, o centrossomo (ou outro centro organizador) está continuamente emitindo novos microtúbulos em diferentes direções, de for- ma exploratória, muitos dos quais se retrairão. Um microtúbulo em crescimento a partir de um centrossomo pode, no entanto, ser impedido de sofrer dissociação se sua extremidade mais (+) estiver estabilizada pela ligação a outra molécula ou estrutura celular que bloqueie a sua despolimerização. Se houver uma estabiliza- ção pela ligação a outra estrutura existente em uma região mais distante da célu- la, o microtúbulo estabelecerá uma ponte relativamente estável, conectando essa estrutura ao centrossomo (Figura 17-14). O centrossomo pode ser comparado a um pescador que lança sua linha: se a isca não é fisgada, o pescador rapidamen- te recolhe a linha e torna a lançá-la; contudo, se um peixe morder a isca, a linha permanecerá estendida, unindo o pescador e sua presa. A estratégia simples de exploração aleatória e de estabilização seletiva permite que o centrossomo e outros centros nucleadores estabeleçam um sistema altamente organizado de microtúbulos em regiões específicas da célula. A mesma estratégia é utilizada para posicionar as organelas umas em relação às outras. A instabilidade dinâmica é controlada por hidrólise de GTP A instabilidade dinâmica dos microtúbulos deriva da capacidade intrínseca dos dímeros de tubulina de hidrolisar GTP. Cada dímero de tubulina livre contém uma molécula de GTP firmemente ligada à β-tubulina, que hidrolisa o GTP em GDP (A) (B) (C) (D) Núcleo Centrossomo Proteína de capeamento de microtúbulo Microtúbulo em crescimento Microtúbulos estáveis Microtúbulos instáveis Figura 17-13 Cada microtúbulo cresce e encurta de forma independente dos microtúbulos adjacentes. O arranjo de mi- crotúbulos ancorado em um centrossomo está em constante alteração, conforme no- vos microtúbulos crescem (setas vermelhas) e microtúbulos antigos sofrem encurtamen- to (setas azuis). Figura 17-14 A estabilização seletiva de microtúbulos pode polarizar uma célula. Um microtúbulo recém-formado so- mente persistirá se suas duas extremidades estiverem protegidas contra a despolimeri- zação. Nas células, as extremidades menos (-) dos microtúbulos costumam estar prote- gidas pelos centros organizadores a partir dos quais esses microtúbulos crescem. As extremidades mais (+) estão inicialmente livres, mas podem ser estabilizadas por liga- ção a proteínas específicas. Aqui, por exem- plo, uma célula não polarizada é ilustrada em (A), com novos microtúbulos crescendo a partir de um centrossomo em diferentes direções antes de sofrerem encurtamento aleatoriamente. Se uma extremidade mais (+) encontrar uma proteína (proteína de capeamento) em uma região específica do córtex celular, ela será estabilizada (B). A es- tabilização seletiva em uma extremidade da célula irá polarizar a orientação do arranjo de microtúbulos (C) e, em última instância, irá converter a célula a uma forma forte- mente polarizada (D). Alberts_17.indd 574Alberts_17.indd 574 16/01/2017 11:16:2716/01/2017 11:16:27 Capítulo 17 • O citoesqueleto 575 logo após a adição do dímero a um microtúbulo em crescimento. Esse GDP per- manece firmemente ligado à β-tubulina. Quando a polimerização está ocorrendo rapidamente, os dímeros da tubulina são adicionados à extremidade do micro- túbulo de maneira mais rápida do que a hidrólise do GTP a que estão ligados. Em consequência, a extremidade de um microtúbulo em rápido crescimento é composta inteiramente de dímeros de tubulina-GTP, que formam uma “capa de GTP”. Dímeros associados ao GTP ligam-se mais fortemente a seus vizinhos no microtúbulo do que dímeros ligados ao GDP, e eles formam feixes de um modo mais eficiente. Assim, o microtúbulo continuará a crescer (Figura 17-15A). Devido à aleatoriedade dos processos químicos, no entanto, ocasionalmente os dímeros de tubulina na extremidade livre do microtúbulo hidrolisarão seu GTP antes da adição dos dímeros seguintes, de tal forma que as extremidades livres dos protofilamentos estarão então compostas por tubulina-GDP. Esses dímeros com GDP associam-se mais fracamente, desequilibrando a balança a favor da despolimerização (Figura 17-15B). Considerando-se que o restante do microtú- bulo é composto por tubulina-GDP, uma vez iniciada a despolimerização, esta tenderá a ter continuidade. O microtúbulo começará a encurtar rápida e conti- nuamente, podendo, inclusive, desaparecer. A tubulina-GDP que é liberada durante a despolimerização dos microtúbulos é incorporada ao conjunto de tubulinas não polimerizadas já presente no citosol. Em um fibroblasto típico, por exemplo, em um momento qualquer, aproximada- mente metade da tubulina celular se encontra nos microtúbulos, ao passo que a outra metade se encontra livre no citosol, formando o conjunto de dímeros da tubulina disponíveis para o crescimento de microtúbulos. Os dímeros de tubulina incorporados ao conjunto de moléculas do citosol rapidamente substituem o GDP ligado por GTP, tornando-se, desse modo, novamente passíveis de serem adicio- nados a outro microtúbulo que se encontre em fase de crescimento. A dinâmica dos microtúbulos pode ser modificada por fármacos Fármacos que impedem a polimerização ou a despolimerização dos dímeros de tubulina podem ter um grande e rápido efeito sobre a organização dos microtú- bulos e, como consequência, sobre o comportamento da célula. Considere o fuso mitótico, a maquinaria baseada em microtúbulos que orienta os cromossomos durante a mitose (ver Figura 17-10C). Se uma célula em mitose é exposta ao fár- maco colchicina, que se liga fortemente a dímeros de tubulina livre e impede a sua polimerização nos microtúbulos, o fuso mitótico desaparece rapidamente, e as células ficam bloqueadas no meio da mitose, incapazes de dividir os cromos- somos em dois grupos. Essa descoberta, e outras semelhantes, mostraram que o fuso mitótico é normalmente mantido por um balanço entre a adição e a perda de subunidades de tubulina: quando a adição de tubulina é bloqueada pela colchici- na, a perda de tubulina continua até que o fuso desapareça. O fármaco paclitaxelprovoca o efeito oposto. Ele se liga fortemente aos mi- crotúbulos, impedindo que estes percam subunidades. Visto que novas subuni- dades ainda podem ser adicionadas, os microtúbulos podem crescer, mas não Dímero de tubulina com GTP ligado (tubulina-GTP) Dímeros de tubulina-GTP adicionados à extremidade em crescimento do microtúbulo A adição ocorre mais rapidamente do que a hidrólise de GTP pelos dímeros Protofilamentos contendo tubulina-GDP soltam-se da parede do microtúbulo A tubulina-GDP é liberada no citosol Capa de GTP MICROTÚBULO EM CRESCIMENTO(A) MICROTÚBULO ENCURTANDO(B) Tubulina-GDP Figura 17-15 A hidrólise de GTP controla a instabilidade dinâmica dos microtúbulos. (A) Dímeros de tubulina ligados a GTP (vermelho) se ligam mais fortemente uns aos outros do que dímeros de tubulina ligados a GDP (verde- -escuro). Portanto, as extremidades mais (+) dos microtúbulos, com rápido crescimento, e que contêm dímeros de tubulina com GTP ligado recém-adi- cionados, tendem a continuar crescendo. (B) De vez em quando, no entanto, sobretudo se o crescimento dos microtúbulos for lento, os dímeros nesta capa protetora de GTP hidrolisarão o GTP em GDP antes que novos dímeros ligados ao GTP tenham sido adicionados. A capa de GTP será, então, perdida. Visto que os dímeros ligados ao GDP ligam-se menos firmemente ao polímero, os protofilamentos “desfiam” na extremidade mais (+), e os dímeros são libera- dos, provocando o encurtamento do microtúbulo (Animação 17.3). QUESTÃO 17-2 Por que você acha que é muito mais fácil adicionar tubulina a microtúbu- los preexistentes do que dar início a um microtúbulo inteiramente novo a partir do zero? Explique como a γ-tubulina no centrossomo ajuda a superar essa dificuldade. Alberts_17.indd 575Alberts_17.indd 575 16/01/2017 11:16:2716/01/2017 11:16:27 576 Fundamentos da Biologia Celular podem sofrer encurtamento. Entretanto, apesar dessa diferença no mecanismo de ação, o paclitaxel tem o mesmo efeito da colchicina, bloqueando a divisão das células em mitose. Tais experimentos mostram que, para o funcionamento do fuso mitótico, os microtúbulos devem ser capazes de fazer a associação e a dissociação de suas subunidades. Discutimos o comportamento do fuso em mais detalhes no Capítulo 18, ao estudarmos a mitose. A inativação ou a destruição do fuso mitótico leva à morte da célula em divisão. Como as células cancerosas se dividem de forma menos controlada do que as células normais do corpo, elas podem às vezes ser mortas preferencial- mente por fármacos antimitóticos estabilizadores ou desestabilizadores de mi- crotúbulos. Entre esses fármacos estão a colchicina, o paclitaxel, a vincristina e a vimblastina – todos utilizados no tratamento do câncer em humanos (Tabela 17-1). Como discutimos em breve, também existem fármacos estabilizadores ou desestabilizadores dos filamentos de actina. Os microtúbulos organizam o interior das células As células são capazes de modificar a instabilidade dinâmica de seus microtúbu- los para alcançar objetivos específicos. Quando uma célula entra em mitose, por exemplo, os microtúbulos se tornam inicialmente mais dinâmicos, intercalando crescimento e encurtamento com mais frequência do que normalmente o fariam os microtúbulos citoplasmáticos. Essa mudança permite que os microtúbulos se dissociem rapidamente e então se reassociem para a formação do fuso mitótico. Por outro lado, quando a célula se diferencia em um tipo celular especializado, a instabilidade dinâmica dos seus microtúbulos costuma ser suprimida por proteí- nas que se ligam a qualquer das extremidades, ou lateralmente aos microtúbu- los, estabilizando-os contra a dissociação. Os microtúbulos assim estabilizados mantêm a organização da célula diferenciada. A maioria das células animais diferenciadas apresenta polarização; ou seja, uma extremidade da célula é estrutural ou funcionalmente diferente da outra. As células nervosas, por exemplo, estendem um axônio a partir de uma extremidade da célula e dendritos a partir da outra (ver Figura 12-29). Células especializadas para secreção têm o seu aparelho de Golgi posicionado em direção ao local de secreção, e assim por diante. A polaridade da célula é um reflexo dos sistemas polarizados de microtúbulos em seu interior, que ajudam a posicionar as organe- las nas regiões onde elas são necessárias e a orientar as vias de trânsito vesicu- + +– – Corpo celular neuronal Microtúbulo Axônio Terminal do axônio Transporte inverso (em direção ao corpo celular) Transporte rumo ao terminal do axônio TABELA 17-1 Fármacos que afetam os microtúbulos Fármacos específicos para microtúbulos Ação Paclitaxel Liga-se aos microtúbulos e os estabiliza Colchicina, colcemida Liga-se a dímeros de tubulina e impede sua polimerização Vimblastina, vincristina Liga-se a dímeros de tubulina e impede sua polimerização Figura 17-16 Os microtúbulos orientam o transporte de organelas, vesículas e macromoléculas em ambos os sentidos ao longo de um axônio neuronal. Todos os microtúbulos de um axônio estão orien- tados na mesma direção, com suas extremi- dades mais (+) direcionadas para o terminal do axônio. Os microtúbulos orientados fun- cionam como uma via para o transporte di- recionado de materiais sintetizados no cor- po celular, porém necessários no terminal do axônio. No caso de um axônio que vai da medula espinal para, por exemplo, um músculo do ombro, a duração do percurso é de aproximadamente dois dias. Além des- se transporte para o exterior (círculos ver- melhos), que é promovido por um conjunto de proteínas motoras, existe um transporte no sentido inverso (círculos azuis), dirigido por outro conjunto de proteínas motoras. O transporte inverso carregará mitocôn- drias que apresentam desgastes e materiais ingeridos pelo terminal do axônio. Alberts_17.indd 576Alberts_17.indd 576 16/01/2017 11:16:2716/01/2017 11:16:27 Capítulo 17 • O citoesqueleto 577 lar e macromolecular que existem entre os diferentes compartimentos da célu- la. No neurônio, por exemplo, todos os microtúbulos no axônio apontam para a mesma direção, com as suas extremidades mais (+) rumo ao terminal do axônio; ao longo dessas rotas orientadas, a célula é capaz de transportar organelas, vesí- culas delimitadas por membrana e macromoléculas, seja a partir do corpo celular rumo ao terminal do axônio ou na direção oposta (Figura 17-16). Parte do tráfego ao longo dos axônios ocorre em velocidades que excedem 10 cm por dia (Figura 17-17), ou seja, ainda é necessária uma semana ou mais para que certos materiais alcancem a extremidade de um longo axônio em gran- des animais. No entanto, o movimento orientado por microtúbulos é incomen- suravelmente mais rápido e mais eficiente do que o movimento dependente da difusão livre. Uma molécula proteica se movimentando por difusão livre poderia levar anos para alcançar a extremidade de um longo axônio, isso considerando que ela completasse o percurso (ver Questão 17-12). Os microtúbulos nas células vivas não atuam isoladamente. O seu funcio- namento, assim como o de outros filamentos do citoesqueleto, depende de uma ampla variedade de proteínas acessórias, as quais se ligam a eles. Algumas des- sas proteínas associadas aos microtúbulos, por exemplo, estabilizam tais es- truturas contra a dissociação, ao passo que outras conectam os microtúbulos a outros componentes celulares, incluindo-se aqui outros filamentos do citoesque- leto (ver Figura 17-7). Outras ainda são proteínas motoras que transportam ativa- mente organelas, vesículas e outras macromoléculas ao longo dos microtúbulos. Proteínas motoras direcionam o transporte intracelular Se uma célula viva é observada sob microscopia óptica, seu citoplasma se apre- senta em constante movimento. As mitocôndrias e as pequenas vesículas e or- ganelas delimitadas por membranas movimentam-se em passos pequenos e ir- regulares – movendo-se por um curto período de tempo, parando e, em seguida, movendo-senovamente. Esse movimento saltatório é muito mais sustentado e direcional do que os pequenos e contínuos movimentos brownianos causados por alterações térmicas aleatórias. Os movimentos saltatórios podem ocorrer tanto nos microtúbulos como nos filamentos de actina. Em ambos os casos, os movimentos são direcionados por proteínas motoras, que usam a energia deri- vada de ciclos repetidos de hidrólise de ATP para viajar continuamente ao longo do microtúbulo ou dos filamentos de actina em um sentido determinado (ver Figura 4-46). Uma vez que as proteínas motoras também se ligam a outros com- ponentes celulares, elas podem transportar essa carga ao longo dos filamentos. Existem dezenas de proteínas motoras diferentes; elas diferem em relação ao tipo de filamento ao qual se ligam, à direção na qual se movimentam ao longo do filamento e à carga transportada. As proteínas motoras que se movem ao longo dos microtúbulos citoplasmá- ticos, como os de um axônio de uma célula nervosa, pertencem a duas famílias: as cinesinas em geral se movem rumo à extremidade mais (+) de um microtú- 5 μm Mitocôndria QUESTÃO 17-3 A instabilidade dinâmica faz os microtúbulos crescerem ou encur- tarem rapidamente. Considere um microtúbulo individual que está em sua fase de encurtamento. A. O que deve acontecer na extre- midade do microtúbulo para que ele pare de encurtar e dê início ao crescimento? B. Como uma alteração nas concen- trações de tubulina afetaria essa mudança? C. O que aconteceria se apenas o GDP estivesse presente na solu- ção, estando o GTP ausente? D. O que aconteceria se a solução contivesse um análogo de GTP que não pudesse ser hidrolisado? Figura 17-17 As organelas podem mover-se rápida e unidirecionalmente no axônio de uma célula nervosa. Nesta série de imagens de vídeo feitas a partir de uma região aplainada de um axônio neu- ronal de um invertebrado, numerosas vesí- culas delimitadas por membranas e mito- côndrias estão presentes, muitas das quais podem ser vistas em movimento. O círculo branco fornece uma referência fixa. Essas imagens foram realizadas em intervalos de 400 milissegundos. As duas vesículas no círculo estão se movendo para fora, com os microtúbulos, em direção ao terminal do axônio. (Cortesia de P. Forscher.) Alberts_17.indd 577Alberts_17.indd 577 16/01/2017 11:16:2716/01/2017 11:16:27 578 Fundamentos da Biologia Celular bulo (rumo à periferia da célula na Figura 17-16); e as dineínas se movem em direção à extremidade menos (-) (rumo ao corpo celular na Figura 17-16). Tan- to as cinesinas como as dineínas são geralmente dímeros que têm duas cabe- ças globulares de ligação a ATP e uma cauda única (Figura 17-18A). As cabeças interagem com os microtúbulos de maneira estereoespecífica, de modo que a proteína motora se conecte a um microtúbulo em um único sentido. A cauda de uma proteína motora costuma ligar-se de modo estável a algum componente celular, como uma vesícula ou uma organela, e, assim, determina o tipo de carga que a proteína motora pode transportar (Figura 17-19). As cabeças globulares das cinesinas e dineínas são enzimas com atividade de hidrólise de ATP (ATPa- se). Essa reação fornece a energia para a condução de uma série controlada de alterações conformacionais na cabeça, que permitem que ela se mova ao longo do microtúbulo por ciclos de ligação, liberação e religação a essa estrutura (ver Figura 17-18B e Figura 4-46). Para uma discussão sobre a descoberta e o estudo das proteínas motoras, ver Como Sabemos, p. 580-581. Microtúbulos e proteínas motoras posicionam as organelas no citoplasma Os microtúbulos e as proteínas motoras desempenham um papel importante no posicionamento das organelas no interior de uma célula eucariótica. Na maioria das células animais, por exemplo, os túbulos do retículo endoplasmático (RE) praticamente atingem os limites da célula (Animação 17.4), enquanto o apare- lho de Golgi está localizado no interior da célula, perto do centrossomo (Figura 17-20A). O RE se estende a partir dos seus pontos de conexão com o envelope nuclear ao longo dos microtúbulos, que avançam do centrossomo, posicionado centralmente, até a membrana plasmática. Conforme uma célula cresce, cinesi- (A) Dineína CinesinaCabeça globular Cauda 10 nm Microtúbulo Extremidade menos (-) Extremidade mais (+) (B) Extremidade menos (-) Extremidade mais (+) CINESINAS DINEÍNAS Carga Microtúbulo Cauda Cabeça globular Cabeça globular Cauda Carga Figura 17-18 Tanto as cinesinas como as dineínas movem-se sobre os microtú- bulos usando suas cabeças globulares. (A) Cinesinas e dineínas citoplasmáticas são proteínas motoras de microtúbulos que geralmente se movem em sentidos opostos sobre esse suporte. Cada uma des- sas proteínas (aqui desenhadas em escala aproximada) é um dímero composto por duas subunidades idênticas. Cada dímero possui duas cabeças globulares em uma extremidade, que se ligam e hidrolisam ATP e interagem com os microtúbulos, e uma cauda única, na outra extremidade, a qual interage com a carga (não representada). (B) Diagrama esquemático de uma proteína motora genérica “caminhando” ao longo de um filamento; essas proteínas utilizam a energia da hidrólise do ATP para se mover unidirecionalmente ao longo do filamento, como ilustrado na Figura 4-46. (Ver também Figura 17-22B.) Figura 17-19 Diferentes proteínas moto- ras transportam diferentes tipos de car- gas ao longo dos microtúbulos. A maior parte das cinesinas se move em direção à extremidade mais (+) de um microtúbulo, ao passo que as dineínas se movem rumo à extremidade menos (-) (Animação 17.5). Ambos os tipos de proteínas motoras de microtúbulos ocorrem sob diferentes for- mas, que supostamente são responsáveis pelo transporte de diferentes tipos de cargas. A cauda de uma proteína motora determina a carga que será transportada. Alberts_17.indd 578Alberts_17.indd 578 16/01/2017 11:16:2716/01/2017 11:16:27 Capítulo 17 • O citoesqueleto 579 nas ligadas à face externa da membrana do RE (via proteínas receptoras) impul- sionam o RE para fora, ao longo dos microtúbulos, esticando-o como uma rede (Figura 17-20B). Dineínas citoplasmáticas ligadas às membranas do Golgi puxam o aparelho de Golgi sobre os microtúbulos na direção oposta, rumo ao núcleo (Figura 17-20C). Desse modo, são criadas e mantidas diferenças regionais – es- senciais para suas funções específicas – nestas membranas internas. Quando as células são tratadas com colchicina, um fármaco que provoca a dissociação dos microtúbulos, tanto o RE quanto o aparelho de Golgi têm a sua localização drasticamente alterada. O RE, que está conectado ao envelope nuclear, colapsa em torno do núcleo; o aparelho de Golgi, que não está ligado a qualquer outra organela, sofre fragmentação em pequenas vesículas que se dispersam por todo o citoplasma. Quando a colchicina é removida, as organelas retornam às suas posições originais, impulsionadas por proteínas motoras que se movem ao longo dos microtúbulos reorganizados. Os cílios e os flagelos contêm microtúbulos estáveis movimentados pela dineína Mencionamos antes que diversos microtúbulos celulares estão estabilizados por meio de sua associação a outras proteínas e, consequentemente, não apresen- tam instabilidade dinâmica. As células usam esses microtúbulos estáveis como suportes rígidos na construção de uma ampla variedade de estruturas polariza- das, incluindo cílios e flagelos móveis. Os cílios são estruturas semelhantes a pelos, com cerca de 0,25 μm de diâmetro, cobertos por membrana plasmática, que se estendem a partir da superfície de diversos tipos de células eucarióticas; cada cílio contém um núcleo de microtúbulos estáveis dispostos em um feixe, que crescem a partir de um corpo basal citoplasmático, que atua como um centro organizador (ver Figura 17-10D). (A) (B) 10 μm (C) Figura 17-20 Os microtúbulos ajudam a posicionar as organelas em uma célula eucariótica. (A) Diagramaesquemático de uma célula mostrando o arranjo típico de microtúbulos citoplasmáticos (verde-escuro), o retículo endoplasmático (azul) e o apare- lho de Golgi (amarelo). O núcleo está ilustrado em marrom, e o centrossomo, em verde-claro. (B) Uma porção de uma célula em cultura corada com anticorpos dirigidos contra o retículo endoplasmático (azul, painel superior) e contra os microtúbulos (verde, painel inferior). Proteínas motoras cinesinas impulsionam o retículo endoplasmático para fora ao longo dos microtúbulos. (C) Uma célula diferente em cultura, corada com anticorpos contra o aparelho de Golgi (amarelo, painel superior) e contra os microtúbulos (verde, painel inferior). Neste caso, dineínas citoplasmáticas empurram o aparelho de Golgi para o interior da célula, ao longo dos microtúbulos, rumo à sua posição perto do centrossomo, que não está visível mas se localiza, em relação ao núcleo, no mesmo lado do Golgi. (B, cortesia de Mark Terasaki, Lan Bo Chen e Keigi Fujiwara; C, cortesia de Viki Allan e Thomas Kreis.) Alberts_17.indd 579Alberts_17.indd 579 16/01/2017 11:16:2716/01/2017 11:16:27 580 COMO SABEMOS PERSEGUINDO PROTEÍNAS MOTORAS ASSOCIADAS AO MICROTÚBULO O movimento das organelas ao longo do citoplasma de uma célula tem sido observado e medido e tem fornecido material para especulações desde a metade do século XIX. No entanto, apenas na metade da década de 1980 é que os biólogos foram capazes de identificar as moléculas que direcionam esse movi- mento de organelas e vesículas de uma região para outra den- tro da célula. Qual o motivo desse intervalo entre a observação e a com- preensão? O problema estava nas proteínas – ou, mais precisa- mente, na dificuldade de estudá-las isoladamente fora das cé- lulas. Para investigar a atividade de uma enzima, por exemplo, os bioquímicos em primeiro lugar purificam o polipeptídeo: eles rompem as células ou tecidos e separam a proteína de interesse dos demais componentes moleculares (ver Painéis 4-4 e 4-5, p. 166-167). Eles podem, em seguida, estudar a proteína em um tubo de ensaio (in vitro), controlando a sua exposição a subs- tratos, inibidores, ATP, e assim por diante. Infelizmente, essa abordagem não parece funcionar para estudos que envolvem a maquinaria de motilidade associada ao transporte intracelular. Não é possível romper uma célula e recuperar um sistema de transporte intacto completamente ativo, livre de materiais con- taminantes, que mantenha a capacidade de transportar mito- côndrias e vesículas de um lugar a outro. Esse problema foi resolvido por avanços técnicos em duas áreas distintas. No início, melhorias na microscopia permiti- ram aos biólogos compreender que um sistema de transpor- te operacional (com material extrínseco ainda ligado a ele) poderia ser obtido a partir do material espremido de um tipo adequado de célula viva. Simultaneamente, os bioquímicos perceberam que poderiam formar um sistema de transporte funcional começando do zero – usando filamentos do cito- esqueleto, motores e cargas purificados – fora da célula. Tais descobertas tiveram início com uma lula. Um citoplasma borbulhante Neurocientistas interessados nas propriedades elétricas das membranas de células nervosas estudaram amplamente o axônio gigante de lula (ver Como Sabemos, p. 406-407). Em razão do seu grande tamanho, os pesquisadores observaram que era possível espremer o citoplasma de um axônio como se fosse um tubo de pasta de dentes e então estudar como os íons se moviam para dentro e para fora pelos diversos canais da membrana plasmática vazia que se assemelhava a um tubo (ver Figura 12-33). Os fisiologistas simplesmente descartavam o citoplasma gelatinoso, tendo em vista sua aparência inerte (e, como consequência, sem interesse) quando examinado sob microscopia óptica padrão. Então surgiu a videomicroscopia. Este tipo de microsco- pia, desenvolvido por Shinya Inoué, Robert Allen e outros, per- mite detectar estruturas de tamanho inferior ao poder de reso- lução de microscópios ópticos padrão, que é apenas de cerca de 0,2 μm, ou 200 nm (ver Painel 1-1, p. 10-11). Imagens amos- trais são capturadas por uma câmera de vídeo e depois au- mentadas por processamento computadorizado para redução da interferência e realce do contraste. Quando os pesquisado- res, no início da década de 1980, aplicaram essa nova técnica a preparações de citoplasma de axônio de lula (axoplasma), eles observaram, pela primeira vez, o movimento de vesículas e outras organelas ao longo de filamentos do citoesqueleto. Sob a videomicroscopia, o axoplasma que sofreu extrusão parece borbulhar com minúsculas partículas – de vesículas de 30 a 50 nm de diâmetro a mitocôndrias com cerca de 5.000 nm de comprimento, movendo-se em todas as direções ao longo do citoesqueleto a velocidades de até 5 μm por segundo. Se o axoplasma for espalhado em uma espessura suficientemente fina, os filamentos individuais podem ser observados. O movimento permanece por horas, permitindo que os pesquisadores manipulem a preparação e estudem os efei- tos dessas manipulações. Ray Lasek e Scott Brady descobri- ram, por exemplo, que o movimento de organelas requer ATP. A substituição por análogos de ATP, como AMP-PNP, que se assemelham ao ATP, mas não podem ser hidrolisados (e, por- tanto, não fornecem energia), inibe a translocação. Tubos serpenteantes Foi necessário mais trabalho para a identificação dos compo- nentes individuais que controlam o sistema de transporte nos axônios de lula. Que tipo de filamentos daria suporte a este movimento? Quais são os motores moleculares que transpor- tam as vesículas e as organelas ao longo desses filamentos? A identificação dos filamentos foi relativamente fácil: o uso de anticorpos contra a tubulina revelou que eles são microtú- bulos. E em relação às proteínas motoras? Com o objetivo de identificá-las, Ron Vale, Thomas Reese e Michael Sheetz de- senvolveram um sistema por meio do qual seria possível “pes- car” as proteínas que impulsionam o movimento de organelas. Sua estratégia era simples, mas elegante: colocar em um mesmo local microtúbulos e organelas e então procurar por moléculas que induzissem movimento. Eles usaram microtú- bulos purificados de encéfalo de lula, acrescentaram organe- las isoladas de axônios de lula e mostraram que poderia ser desencadeado o movimento das organelas pela adição de um extrato de axoplasma de lula. Nessa preparação, os pesqui- sadores puderam tanto observar as organelas transitando ao longo dos microtúbulos como assistir ao serpentear de micro- túbulos deslizando sobre a superfície de uma lamínula de vi- dro previamente revestida com um extrato de axoplasma (ver Questão 17-18). Seu desafio era isolar a proteína responsável pelo movimento nesse sistema reconstituído. Para isso, Vale e seus colegas aproveitaram o trabalho an- terior com o análogo de ATP, AMP-PNP. Embora esse análogo iniba o movimento de vesículas ao longo dos microtúbulos, ele ainda permite que as organelas se liguem aos filamentos dos microtúbulos. Assim, os pesquisadores incubaram o extrato de axoplasma com microtúbulos e organelas na presença de AMP-PNP; a seguir, purificaram os microtúbulos associados a Alberts_17.indd 580Alberts_17.indd 580 16/01/2017 11:16:2716/01/2017 11:16:27 Capítulo 17 • O citoesqueleto 581 1 μm 0 1 2 Tempo (s) (A) (B) 1 2 3 1 μm 16 nm Extre- midade menos (-) Microtúbulo Extremidade mais (+) 1 2 3 4 5 Cauda da cinesina Cabeças da cinesina moléculas que talvez fossem as proteínas motoras esperadas. Em seguida, Vale e sua equipe adicionaram ATP para liberar as proteínas ligadas e encontraram um polipeptídeo de 110 quilo- dáltons que podia estimular o deslizamento de microtúbulos sobre uma lamínula de vidro (Figura 17-21). Eles denominaram essa molécula cinesina (do grego kinein, “mover”). Ensaios de motilidade in vitro similares foram funda- mentais para o estudo de outras proteínas motoras, como as miosinas, quese movem ao longo de filamentos de actina, como discutimos adiante. Estudos subsequentes mostraram que as cinesinas se movem ao longo dos microtúbulos a par- tir da extremidade menos (-) rumo à extremidade mais (+); eles também identificaram muitas outras proteínas motoras da família da cinesina. Luzes, câmera, ação Combinando esses ensaios com técnicas de microscopia cada vez mais refinadas, os pesquisadores podem, atualmente, mo- nitorar o movimento de proteínas motoras individuais ao lon- go de um microtúbulo isolado, mesmo em células vivas. A observação de moléculas de cinesina acopladas à pro- teína verde fluorescente (GFP) revelou que essa proteína motora move-se de forma processiva ao longo dos microtúbulos, isto é, cada molécula dá vários “passos” ao longo do filamento (100 ou mais) antes de desconectar-se. O comprimento de cada passo equivale a 8 nm, o que corresponde ao espaçamento dos díme- ros de tubulina individuais ao longo do microtúbulo. A com- binação dessas observações com ensaios de hidrólise de ATP permitiu aos investigadores confirmarem que uma molécula de ATP é hidrolisada a cada passo. A cinesina pode mover-se de modo processivo porque possui duas cabeças. Isso lhe permite caminhar rumo à extremidade mais (+) dos microtúbulos em um sistema “pé ante pé”, cada cabeça repetidamente ligando-se ao filamento e sendo liberada do filamento conforme ultrapas- sa a cabeça ligada à sua frente (Figura 17-22). Tais estudos ago- ra nos permitem seguir os passos dessas proteínas fascinantes e trabalhadoras – um passo molecular de cada vez. Figura 17-21 A cinesina provoca o deslizamento dos micro- túbulos in vitro. Em um ensaio de motilidade in vitro, cinesina purificada é misturada com microtúbulos na presença de ATP. Quando uma gota dessa mistura é colocada sobre uma lâmina de vidro e observada por videomicroscopia, microtúbulos indivi- duais podem ser vistos deslizando sobre a lâmina. Eles são movi- dos por moléculas de cinesina, que se ligam à lamínula de vidro pelas suas caudas. As imagens foram obtidas em intervalos de 1 segundo. Os microtúbulos artificialmente corados moveram-se a cerca de 1 a 2 μm/s. (Cortesia de Nick Carter e Rob Cross.) Figura 17-22 Uma molécula indi- vidual de cinesina que se move ao longo de um microtúbulo. (A) Três quadros, separados por intervalos de 1 segundo, mostram o movimento de uma molécula individual de cinesina- -GFP (vermelho) ao longo de um dos microtúbulos (verde); a cinesina mar- cada move-se a uma velocidade de 0,3 μm/s. (B) Uma série de modelos moleculares das duas cabeças de uma molécula de cinesina, mostrando como se acredita que elas caminhem progres- sivamente ao longo de um microtúbulo, em uma série de passos de 8 nm, com as cabeças ultrapassando uma à outra (Animação 17.6). (A e B, cortesia de Ron Vale.) Alberts_17.indd 581Alberts_17.indd 581 16/01/2017 11:16:2716/01/2017 11:16:27 582 Fundamentos da Biologia Celular Os cílios batem como chicotes, impulsionando líquidos sobre a superfície de uma célula ou impelindo células individuais por meio de um líquido. Alguns pro- tozoários, por exemplo, utilizam cílios para a coleta de partículas de alimento, e outros os utilizam para a locomoção. Nas células epiteliais que revestem o trato respiratório humano (Figura 17-23), um grande número de cílios motores (mais de um bilhão por centímetro quadrado) varre camadas de muco contendo partículas de poeira e células mortas em direção à garganta, para que esse muco seja engoli- do e, por fim, eliminado do corpo. Da mesma forma, cílios motores nas células da parede do oviduto criam uma corrente que ajuda a transportar os óvulos ao longo do oviduto. Cada cílio atua como um pequeno remo, batendo em um ciclo repetido que gera o movimento do líquido sobre a superfície celular (Figura 17-24). Os flagelos que impulsionam os espermatozoides e diversos tipos de proto- zoários são bastante semelhantes aos cílios no que diz respeito à sua estrutura interna, mas, em geral, são muito mais longos. Eles foram concebidos para mover toda a célula, em vez de movimentar líquidos sobre a superfície da célula. Os fla- gelos propagam ondas regulares ao longo de seu comprimento, impulsionando a célula à qual estão conectados (Figura 17-25). Os microtúbulos dos cílios e flagelos são ligeiramente diferentes daqueles encontrados no citoplasma; eles estão organizados em um padrão distinto e curioso, o qual foi uma das mais impressionantes revelações à época do surgi- mento da microscopia eletrônica. A secção transversal de um cílio mostra nove pares de microtúbulos organizados em anel, em torno de um único par de micro- túbulos isolados (Figura 17-26A). Este arranjo “9 + 2” é característico de pratica- mente todos os cílios e flagelos eucarióticos – de protozoários a humanos. O movimento de um cílio ou um flagelo é produzido pela flexão de sua região central, conforme os microtúbulos deslizam uns sobre os outros. Os microtúbulos estão associados a diversas proteínas acessórias (Figura 17-26B), que se projetam a intervalos regulares ao longo do comprimento do feixe de microtúbulos. Algu- mas dessas proteínas atuam como interligadoras para a manutenção da estrutura do feixe de microtúbulos, e outras geram a força que provoca a flexão do cílio. A mais importante das proteínas acessórias é a proteína motora dineína ci- liar, que gera o movimento de flexão na região central. Ela está intimamente re- lacionada à dineína citoplasmática e atua de modo muito semelhante. A dineína ciliar está conectada por sua cauda a um microtúbulo, ao mesmo tempo em que suas duas cabeças interagem com um microtúbulo adjacente para gerar a força de deslizamento entre esses dois microtúbulos. Devido às múltiplas ligações que mantêm unidos os pares de microtúbulos adjacentes, a força de deslizamento entre microtúbulos adjacentes é convertida em um movimento de flexão no cílio (Figura 17-27). Em humanos, defeitos hereditários na dineína ciliar provocam a síndrome de Kartagener. Os homens com essa doença não são férteis em razão 5 μm Figura 17-23 Muitos cílios semelhantes a pelos projetam-se da superfície das células epiteliais que revestem o trato respiratório humano. Nesta micrografia eletrônica de varredura, tufos espessos de cílios podem ser vistos nestas células cilia- das, que estão intercaladas a células epite- liais não ciliadas com superfícies em forma de cúpula. (Reproduzida de R.G. Kessel e R.H. Karden, Tissues and Organs. San Fran- cisco: W.H. Freeman & Co., 1979.) Movimento de potência Figura 17-24 Um cílio bate efetuando ciclos repetitivos de movimentos que consistem em um movimento de potência seguido por um movimento de recupera- ção. No rápido movimento de potência, o cílio se encontra totalmente distendido, e o líquido é direcionado sobre a superfície da célula. No movimento de recuperação, mais lento, o cílio se recurva em uma posição que provoca o menor distúrbio possível no líquido adjacente. Cada ciclo requer em geral 0,1 a 0,2 segundos e gera uma força paralela à superfície da célula. Alberts_17.indd 582Alberts_17.indd 582 16/01/2017 11:16:2816/01/2017 11:16:28 Capítulo 17 • O citoesqueleto 583 da ausência de motilidade dos espermatozoides, e eles apresentam aumento na suscetibilidade a infecções brônquicas, pois os cílios que revestem seu trato res- piratório se encontram inativos e, portanto, incapazes de eliminar bactérias ou outros resíduos dos pulmões. Muitas células animais que não possuem cílios motores contêm um único cílio primário não móvel. Tal apêndice é muito mais curto do que um cílio motor e funciona como uma antena para a detecção de determinadas moléculas de sinalização extracelular. FILAMENTOS DE ACTINA Os filamentos de actina, os polímeros da proteína actina, estão presentes em todas as células eucarióticas e são essenciais para vários movimentos celulares, especialmente aqueles que envolvem a superfície da célula. Sem os filamentos de actina,por exemplo, uma célula animal não poderia migrar (ou deslizar) sobre uma superfície, englobar uma partícula grande por fagocitose ou dividir-se em duas. Assim como os microtúbulos, diversos filamentos de actina apresentam instabilidade, mas, associando-se a outras proteínas, eles também podem for- mar estruturas estáveis nas células, como os complexos contráteis nas células musculares. Os filamentos de actina interagem com uma grande quantidade de proteínas de ligação à actina, o que permite que desempenhem uma ampla gama de atividades nas células. Dependendo das proteínas associadas, os filamentos de actina podem formar estruturas rígidas e estáveis, como as microvilosidades nas células epiteliais que revestem o intestino (Figura 17-28A) ou os pequenos feixes contráteis que podem contrair e atuar como pequenos músculos na maio- ria das células animais (Figura 17-28B). Eles também podem formar estruturas temporárias, como as protrusões dinâmicas formadas na borda anterior de uma Figura 17-25 Os flagelos impulsionam uma célula ao longo de líquidos utilizando um movimento ondulatório repetitivo. O movimento de um úni- co flagelo em um espermatozoide de um invertebrado é visto em uma série de imagens captadas por iluminação estroboscópica com velocidade de 400 disparos por segundo. (Cortesia de Charles J. Brokaw.) (A) 100 nm Camada interna Microtúbulo central único Raio radial Braço externo de dineína Nexina Membrana plasmática Braço interno de dineína Microtúbulo A Par de microtúbulos externos (B) Microtúbulo B Figura 17-26 Os microtúbulos em um cílio ou flagelo estão organizados em um arranjo “9 + 2”. (A) Micrografia eletrônica de um flagelo da alga unicelular Chlamydomonas mostrado em secção transversal, ilustrando a organização 9 + 2 característica dos mi- crotúbulos. (B) Diagrama do corte transversal de um flagelo. Os nove microtúbulos externos (cada um deles uma estrutura pareada especial) apresentam duas colunas de moléculas de dineína. As cabeças de cada molécula de dineína aparecem nesta fotografia como braços que avançam em direção ao par de microtúbulos adjacente. Em cílios in vivo, essas cabeças de dineína fazem contato periodicamente com o par de microtúbulos adjacente e se movem ao longo dele, produzindo, assim, a força para o batimento ciliar. As diversas outras ligações e projeções ilustradas representam proteínas que servem para manter unido o feixe de microtúbulos e para converter a força de deslizamento produzida pelas dineínas em flexão, como ilustrado na Figura 17-27. (A, cortesia de Lewis Tilney.) Alberts_17.indd 583Alberts_17.indd 583 16/01/2017 11:16:2816/01/2017 11:16:28 584 Fundamentos da Biologia Celular célula que desliza (Figura 17-28C) ou o anel contrátil, que comprime o citoplasma separando-o em dois quando há divisão de uma célula animal (Figura 17-28D). Movimentos dependentes de actina em geral requerem a associação da actina a uma proteína motora denominada miosina. Nesta seção, consideramos como os arranjos de filamentos de actina em uma célula dependem dos diferentes tipos de proteínas de ligação à actina pre- sentes. Ainda que os filamentos de actina e microtúbulos sejam formados a partir de tipos não relacionados de subunidades proteicas, vamos ver que os princí- pios que ditam sua associação e dissociação, o controle da estrutura celular e o trabalho conjunto com proteínas motoras para a produção de movimento são incrivelmente semelhantes. Os filamentos de actina são finos e flexíveis Os filamentos de actina são visualizados sob microscopia eletrônica como fitas de cerca de 7 nm de diâmetro. Cada filamento é composto por uma cadeia es- piralada de monômeros idênticos de actina globular, todos “apontando” para a mesma direção em relação ao eixo da cadeia. Assim, do mesmo modo que um microtúbulo, um filamento de actina apresenta uma polaridade estrutural, com uma extremidade mais (+) e uma extremidade menos (-) (Figura 17-29). Os filamentos de actina são mais delgados e flexíveis e, em geral, mais curtos do que os microtúbulos. No entanto, existem muito mais filamentos individuais de actina do que microtúbulos em uma célula, de modo que o comprimento total dos filamentos de actina de uma célula é muitas vezes superior ao comprimento total dos microtúbulos. Diferentemente dos filamentos intermediários e dos microtúbu- los, os filamentos de actina raramente ocorrem de forma isolada nas células: eles costumam ser encontrados em feixes interligados e em redes – estruturas que apre- sentam uma resistência muito superior se comparadas a filamentos individuais. + + + + + + – – – – – – +ATP FLEXÃO Proteínas de ligação EM UM FLAGELO NORMAL: A DINEÍNA PROVOCA A FLEXÃO DOS MICROTÚBULOS (B)EM PARES ISOLADOS DE MICROTÚBULOS: A DINEÍNA PROVOCA O DESLIZAMENTO DOS MICROTÚBULOS (A) + + – – DESLIZA- MENTO (A) (B) (C) (D) Figura 17-27 O movimento da dineína provoca a flexão do flagelo. (A) Se os pares externos de microtúbulos e suas mo- léculas associadas de dineína são liberados dos outros componentes em um flagelo de um espermatozoide e a seguir são expostos ao ATP, ocorre o deslizamento linear de um par de microtúbulos sobre o outro, devido à ação repetida das dineínas a eles associa- das. (B) Em um flagelo intacto, no entanto, os pares de microtúbulos estão conectados uns aos outros por meio de ligações pro- teicas flexíveis, de tal modo que a ação do sistema provoca um movimento de flexão, em vez de deslizamento. QUESTÃO 17-4 Os braços de dineína em um cílio estão arranjados de tal modo que, quando ativados, suas cabeças im- pulsionam os pares vizinhos exter- nos para fora, em direção à extremi- dade do cílio. Considere uma secção transversal de um cílio (ver Figura 17-26). Por que não haveria forma- ção de movimento de flexão no cílio se todas as moléculas de dineína fossem ativadas simultaneamente? Que padrão de atividade de dineína pode ser responsável pela flexão de um cílio em uma direção? Figura 17-28 Os filamentos de actina permitem que as células animais ado- tem uma grande variedade de formas e desempenhem diferentes funções. Os filamentos de actina de quatro estrutu- ras diferentes são mostrados em vermelho: (A) microvilosidades; (B) feixes contráteis no citoplasma; (C) filopódios semelhantes a dedos que se projetam na borda anterior de uma célula em movimento; e (D) anel con- trátil durante a divisão celular. Alberts_17.indd 584Alberts_17.indd 584 16/01/2017 11:16:2816/01/2017 11:16:28 Capítulo 17 • O citoesqueleto 585 A actina e a tubulina polimerizam por mecanismos semelhantes Embora os filamentos de actina possam crescer pela adição de monômeros de actina em ambas as extremidades, assim como ocorre com os microtúbulos, a sua taxa de crescimento é mais rápida na extremidade mais (+) do que na extremidade menos (-). Um filamento de actina nu, da mesma forma que um microtúbulo sem suas proteínas associadas, é inerentemente instável e pode sofrer dissociação em ambas as extremidades. Em células vivas, monômeros de actina livre estão firmemente ligados a um nucleosídeo-trifosfato, neste caso o ATP. O monômero de actina hidrolisa o ATP ligado gerando ADP logo após ter sido incorporado ao filamento. Tal como acontece com a hidrólise de GTP em GDP no microtúbulo, a hidrólise de ATP em ADP em um filamento de actina reduz a força de ligação entre os monômeros, diminuindo assim a estabilidade do polímero. Desse modo, em ambos os casos, a hidrólise de nucleotídeos promove despolimerização, ajudando a célula a dissociar seus microtúbulos e filamentos de actina quando necessário. Se a concentração de monômeros livres de actina for muito elevada, um fi- lamento de actina vai crescer rapidamente, adicionando monômeros em ambas as extremidades. Em concentrações intermediárias de actina livre, no entanto, algo interessante acontece. Monômeros de actina são adicionados à extremida- de mais (+) a uma taxa mais rápida do que o ATP ligadopode ser hidrolisado, de modo que a extremidade mais (+) cresce. Já na extremidade menos (-), o ATP é hidrolisado mais rapidamente do que os monômeros podem ser adicionados; vis- to que a actina-ADP desestabiliza a estrutura, o filamento perde subunidades da sua extremidade menos (-) ao mesmo tempo em que adiciona subunidades à sua extremidade mais (+) (Figura 17-30). Pelo fato de monômeros individuais poderem ser acompanhados, movendo-se pelo filamento, da sua extremidade mais (+) até sua extremidade menos (-), esse comportamento é chamado treadmilling*. Tanto o treadmilling dos filamentos de actina como a instabilidade dinâmica dos microtúbulos baseiam-se na hidrólise de um nucleosídeo-trifosfato ligado para regular o comprimento do polímero. Todavia, o resultado costuma ser diferente. *N. de T. Em uma analogia ao contínuo movimento de uma roda d’água em um moinho. 25 nm Extremidade menos (-) Extremidade mais (+) (A) (B) (C) (D) 37 nm Extremidade mais (+) Extremidade menos (-) Filamento de actina Monômero de actina Figura 17-29 Os filamentos de actina são fibras proteicas finas e flexíveis. (A) A subunidade de cada um dos filamen- tos de actina é um monômero de actina. Uma fenda no monômero gera um sítio de ligação para ATP ou ADP. (B) Arranjo de monômeros de actina em um filamento. Cada filamento pode ser imaginado como uma hélice de fita dupla cuja volta com- pleta se repete a cada 37 nm. Múltiplas interações laterais entre as duas fitas evitam que elas se separem. (C) As subunidades idênticas de um filamento de actina em cores diferentes para enfatizar as interações íntimas entre cada molécula de actina e suas quatro vizinhas mais próximas. (D) Micrografia eletrônica de um filamento de actina em coloração negativa. (C, de K.C. Holmes et al., Nature 347:44–49, 1990. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd; D, cortesia de Roger Craig.) Alberts_17.indd 585Alberts_17.indd 585 16/01/2017 11:16:2816/01/2017 11:16:28 586 Fundamentos da Biologia Celular O treadmilling envolve um ganho de monômeros na extremidade mais (+) de um fi- lamento de actina e a perda simultânea na extremidade menos (-): quando as taxas de adição e de perda são iguais, o filamento permanece do mesmo tamanho (Figura 17-31A). A instabilidade dinâmica, por outro lado, envolve uma rápida transição de crescimento para encurtamento (ou de encurtamento para crescimento) apenas na extremidade mais (+) do microtúbulo. Consequentemente, os microtúbulos tendem a sofrer mudanças mais drásticas no comprimento do que os filamentos de actina, ora crescendo rapidamente, ora sofrendo um rápido colapso (Figura 17-31B). Os filamentos de actina podem ser afetados experimentalmente por certas toxinas produzidas por fungos ou esponjas marinhas. Algumas, como a citocala- sina e a latrunculina, impedem a polimerização da actina; outras, como a faloidi- na, estabilizam os filamentos de actina, tornando mais difícil a despolimerização (Tabela 17-2). A adição dessas toxinas ao meio de lavagem de células ou tecidos, mesmo sob concentrações reduzidas, bloqueia instantaneamente movimentos celulares, como a locomoção celular. Portanto, do mesmo modo que os microtú- bulos, muitas das funções dos filamentos de actina dependem da capacidade de associação e dissociação do filamento, e a velocidade desses processos depende do equilíbrio dinâmico entre filamentos de actina, do conjunto de monômeros de actina e das várias proteínas de ligação à actina. Diversas proteínas se ligam à actina e modificam suas propriedades A actina corresponde a aproximadamente 5% da proteína total em uma célu- la animal típica; cerca de metade dessa actina está associada em filamentos, e a outra metade permanece sob a forma de monômeros de actina no citosol. Assim, distintamente da situação dos dímeros de tubulina, a concentração de monômeros de actina é alta – muito maior do que a concentração necessária para que monômeros de actina purificada polimerizem espontaneamente em um Actina com ADP ligado Actina com ATP ligado ATPADP Pi Extremidade menos (-) Extremidade menos (-) Extremidade mais (+) Extremidade mais (+) Filamento de actina Monômero de actina (A) TREADMILLING (B) INSTABILIDADE DINÂMICA RÁPIDO CRESCIMENTO PERDA DA CAPA DE GTP ENCURTAMENTO CATASTRÓFICO CAPA DE GTP RESTABELECIDA Capa de GTP Tubulina-GDP Tubulina-GTP 123 123 123 QUESTÃO 17-5 A formação de filamentos de actina no citosol é controlada por proteí- nas de ligação à actina. Algumas proteínas de ligação à actina aumen- tam significativamente a taxa de ini- ciação da formação de um filamento de actina. Proponha um mecanismo pelo qual isso possa ocorrer. Figura 17-30 A hidrólise de ATP di- minui a estabilidade do polímero de actina. Monômeros de actina no citosol carreiam ATP, o qual é hidrolisado em ADP logo após a sua inserção no filamento em crescimento. As moléculas de ADP ficam presas no filamento de actina, incapazes de serem trocadas por ATP, a menos que o monômero que as carreia seja dissociado do filamento. Figura 17-31 O treadmilling dos fi- lamentos de actina e a instabilidade dinâmica dos microtúbulos regulam o comprimento do polímero de diferentes maneiras. (A) O treadmilling ocorre quan- do ATP-actina é adicionada à extremidade mais (+) de um filamento de actina ao mes- mo tempo em que ADP-actina é perdida na extremidade menos (-). Quando as taxas de adição e perda são equivalentes, o compri- mento do filamento permanece constante – embora monômeros de actina individuais (três dos quais estão numerados) se movam ao longo do filamento da extremidade mais (+) para a extremidade menos (-). (B) Na instabilidade dinâmica, GTP-tubulina é adicionada à extremidade mais (+) de um microtúbulo em crescimento. Como discuti- do antes, quando a adição de GTP-tubulina é mais rápida do que a hidrólise de GTP, forma-se uma capa de GTP nessa extremi- dade; quando a taxa de adição diminui, a capa de GTP é perdida e o filamento sofre encurtamento catastrófico devido à perda de GDP-tubulina nessa extremidade. O mi- crotúbulo encurtará até que a capa de GTP seja reposta – ou até o desaparecimento do microtúbulo (ver Figura 17-15). Alberts_17.indd 586Alberts_17.indd 586 16/01/2017 11:16:2816/01/2017 11:16:28 Capítulo 17 • O citoesqueleto 587 tubo de ensaio. O que, então, evita a completa polimerização dos monômeros de actina em filamentos nas células? A resposta é que as células contêm pequenas proteínas, como a timosina e a profilina, que se ligam aos monômeros de actina do citosol, impedindo que estes sejam adicionados às extremidades dos filamen- tos de actina. Essas proteínas desempenham um papel central na regulação da polimerização da actina, mantendo uma reserva de monômeros de actina até o momento necessário. Quando são necessários filamentos de actina, outras proteínas de ligação à actina, como a formina e proteínas relacionadas à actina (ARPs), promovem a polimerização da actina. Existe uma ampla gama de proteínas de ligação à actina nas células. A maioria dessas proteínas se liga a filamentos organizados de actina, em vez de se ligar aos monômeros de actina, e regula o comportamento de filamentos in- tactos (Figura 17-32). Proteínas de enfeixamento de actina, por exemplo, mantêm os filamentos de actina unidos em feixes paralelos nas microvilosidades; outras proteínas interligam os filamentos de actina em uma rede semelhante a um gel no interior do córtex celular – a camada especializada do citoplasma rica em fila- Monômeros de actina Proteína de sequestro de monômeros Proteína de nucleação Filamentos de actina Proteína de enfeixamento (em filopódios) Proteína motora de miosina Proteína de ligação lateral Proteína de capeamento (bloqueio das extremidades mais [+]) Proteína de interligação (no córtex celular) Proteína de quebra TABELA 17-2 Fármacos que afetam os filamentos de actina Fármacos específicos para actina Faloidina Liga-se aos filamentose os estabiliza Citocalasina Promove o capeamento das extremidades mais (+) do filamento, im- pedindo que ali ocorra polimerização Latrunculina Liga-se a monômeros de actina e impede sua polimerização Figura 17-32 Proteínas de ligação à acti- na controlam o comportamento dos fila- mentos de actina em células de vertebra- dos. A actina está ilustrada em vermelho, e as proteínas de ligação à actina, em verde. Alberts_17.indd 587Alberts_17.indd 587 16/01/2017 11:16:2816/01/2017 11:16:28 588 Fundamentos da Biologia Celular mentos de actina, subjacente à membrana plasmática. As proteínas de quebra dos filamentos de actina ( filament-severing proteins) fragmentam esses filamentos e, portanto, podem converter um gel de actina a um estado mais líquido. Os filamen- tos de actina podem também associar-se a proteínas motoras de miosina para formar feixes contráteis, como ocorre em células musculares. Além disso, muitas vezes eles formam caminhos ao longo dos quais as proteínas motoras de miosina transportam organelas, uma função especialmente evidente nas células vegetais. No restante deste capítulo, abordamos algumas estruturas características que os filamentos de actina podem formar e discutimos como diferentes tipos de proteínas de ligação à actina estão envolvidos em sua associação. Começamos com o córtex celular e seu papel na locomoção celular e concluímos com o apa- rato contrátil das células musculares. Um córtex rico em filamentos de actina está subjacente à membrana plasmática da maioria das células eucarióticas Apesar de a actina ser encontrada em todo o citoplasma de uma célula eucari- ótica, na maioria das células ela está concentrada em uma camada que existe exatamente abaixo da membrana plasmática. Nessa região, denominada córtex celular, filamentos de actina estão conectados por intermédio de proteínas de li- gação à actina, formando uma trama que sustenta e confere resistência mecânica à membrana plasmática. Nos eritrócitos humanos, uma rede simples e regular de proteínas fibrosas, incluindo filamentos de actina e espectrina, conecta-se à membrana plasmática, fornecendo o suporte necessário para que as células man- tenham sua forma discoide simples (ver Figura 11-29). O córtex celular de outras células animais, no entanto, é mais espesso e complexo, sendo capaz de propor- cionar um conjunto muito mais rico de formas celulares e movimentos à superfí- cie celular. Assim como o córtex no eritrócito, o córtex em outras células contém espectrina; entretanto, nele também existe uma rede muito mais densa de fila- mentos de actina. Tais filamentos interligam-se em uma rede tridimensional que controla a forma da célula e as propriedades mecânicas da membrana plasmática: os rearranjos dos filamentos de actina no córtex fornecem a base molecular tanto para mudanças da forma da célula quanto para a sua locomoção. A migração celular depende da actina cortical Muitas células eucarióticas movem-se rastejando (ou deslizando) sobre superfí- cies, em vez de utilizarem movimento natatório derivado do batimento de cílios ou flagelos. Amebas carnívoras deslizam continuamente em busca de alimento. A região frontal de um axônio em desenvolvimento migra em resposta a fatores de crescimento, seguindo uma trilha de sinais químicos, rumo à célula-alvo de sua sinapse. Os leucócitos (glóbulos brancos) conhecidos como neutrófilos mi- gram do sangue para tecidos infectados quando “farejam” pequenas moléculas oriundas de bactérias. Os neutrófilos, seguindo essas moléculas, são capazes de encontrar as bactérias para destruí-las. Para esses caçadores, tal ligação de moléculas quimiotáxicas aos receptores existentes na superfície celular induz alterações na organização dos filamentos de actina que ajudam a direcionar as células rumo às suas presas (ver Animação 17.7). Os mecanismos moleculares dessas e de outras formas de migração celular envolvem alterações coordenadas de diversas moléculas em diferentes regiões da célula, e nenhuma única organela locomotora facilmente identificável, como acontece no caso de flagelos, é responsável por essas alterações. Em termos ge- rais, no entanto, sabe-se que três processos inter-relacionados são essenciais: (1) a célula emite protrusões em sua região “frontal”, ou borda anterior; (2) essas protrusões aderem à superfície sobre a qual a célula se locomove; e (3) a porção remanescente da célula é impulsionada para frente pela tração sobre esses pon- tos de ancoragem (Figura 17-33). Alberts_17.indd 588Alberts_17.indd 588 16/01/2017 11:16:2816/01/2017 11:16:28 Capítulo 17 • O citoesqueleto 589 Todos esses processos envolvem a actina, mas de diferentes maneiras. O pri- meiro passo, a impulsão da superfície celular para frente, é promovido pela po- limerização da actina. A borda anterior de um fibroblasto em movimento, em uma cultura de células, estende constantemente finos lamelipódios laminares, os quais contêm uma densa rede de filamentos de actina, orientados de tal modo que a maioria dos filamentos apresenta suas extremidades mais (+) próximo à membrana plasmática. Diversas células também desenvolvem protrusões finas e rígidas denominadas filopódios, tanto na região da borda anterior quanto ao longo de toda sua superfície (Figura 17-34). Essas estruturas apresentam em tor- no de 0,1 μm de largura e 5 a 10 μm de comprimento, contendo um feixe frouxo de 10 a 20 filamentos de actina (ver Figura 17-28C), também orientados com suas extremidades mais (+) apontando para o exterior. A região da célula que está avançando (o cone de crescimento) de um axônio neuronal em desenvolvimento estende filopódios ainda mais longos, que alcançam até 50 μm, os quais a au- xiliam a sondar o ambiente e a encontrar o caminho correto que a levará à sua célula-alvo. Tanto os lamelipódios quanto os filopódios são estruturas móveis e exploratórias formadas e retraídas a grandes velocidades, movendo-se a aproxi- madamente 1 μm por segundo. Acredita-se que ambas as estruturas se originem pelo crescimento rápido e localizado de filamentos de actina, os quais se asso- ciam junto à membrana plasmática e se alongam pela adição de monômeros de Substrato Córtex sob tensão A POLIMERIZAÇÃO DE ACTINA NA EXTREMIDADE MAIS (+) EMPURRA O LAMELIPÓDIO Movimento de actina não polimerizada CONTRAÇÃO AVANÇO DA PROTRUSÃO Contatos focais (contêm integrinas) Proteínas motoras de miosina deslizam sobre os filamentos de actina Córtex de actina Lamelipódio ADESÃO (B) (A) 5 µm Filopódio LamelipódioLamelipódio Filopódio Figura 17-33 Forças geradas no cór- tex celular rico em filamentos de actina ajudam a impulsionar uma célula para frente. A polimerização de actina na borda anterior da célula impulsiona a membrana plasmática para frente (protrusão) e forma novas regiões de córtex de actina, ilustra- das aqui em vermelho. Novos pontos de ancoragem são estabelecidos entre a parte inferior da célula e a superfície (substra- to) sobre a qual a célula está deslizando (adesão). A seguir, uma contração na parte posterior da célula, mediada por proteínas motoras de miosina deslocando-se ao lon- go de filamentos de actina, puxa o corpo da célula para frente. Conforme a célula avança, novos pontos de ancoragem são estabelecidos na região anterior, sendo dissociados os pontos de ancoragem anti- gos, na região posterior. Esse mesmo ciclo é repetido várias vezes, fazendo a célula avançar passo a passo. Figura 17-34 Os filamentos de actina permitem a migração de uma célula animal. (A) Desenho esquemático de um fibroblasto em movimento ilustrando lamelipódios achatados e filopódios finos se projetando de sua superfície, principal- mente na região da borda anterior. (B) Mi- crografia eletrônica de varredura mostrando lamelipódios e filopódios da borda anterior de um fibroblasto humano migrando em uma cultura; a seta mostra a direção do mo- vimento celular. À medida que a célula se move, os lamelipódios que não conseguem se ancorar aosubstrato são arrastados para trás por sobre a superfície superior da célu- la – um movimento designado como ondu- lação. (B, cortesia de Julian Heath.) Alberts_17.indd 589Alberts_17.indd 589 22/02/2017 17:05:2222/02/2017 17:05:22 590 Fundamentos da Biologia Celular actina em suas extremidades mais (+). Dessa maneira, os filamentos empurram a membrana para frente sem rasgá-la. A formação e o crescimento de filamentos de actina na borda anterior de uma célula são auxiliados por diferentes proteínas de ligação à actina. As proteínas re- lacionadas à actina – ou ARPs – mencionadas antes promovem a formação de uma rede de filamentos de actina ramificados em lamelipódios. As ARPs formam com- plexos que se ligam às laterais de filamentos de actina preexistentes e promovem a nucleação e a formação de novos filamentos, que crescem angularmente, produ- zindo ramificações laterais. Com o auxílio de proteínas de ligação à actina adicio- nais, essa rede apresentará uma contínua associação na borda anterior e dissocia- ção na região posterior, impulsionando o lamelipódio para frente (Figura 17-35). O outro tipo de protrusão celular, o filopódio, depende da formina, uma pro- teína de nucleação que se liga às extremidades mais (+) em crescimento dos fila- mentos de actina e promove a adição de novos monômeros para a formação de filamentos lineares, não ramificados. As forminas também são usadas em outros locais para associar filamentos não ramificados, como no anel contrátil, que se- para em duas as células animais em divisão. Quando os lamelipódios e os filopódios fazem contato com uma superfície favorável, eles aderem: proteínas transmembrânicas de suas membranas plas- máticas, conhecidas como integrinas (discutidas no Capítulo 20), aderem a mo- léculas da matriz extracelular ou que estejam presentes na superfície de uma célula adjacente sobre a qual a célula em movimento esteja rastejando. Enquanto isso, na face intracelular da membrana plasmática da célula rastejante, as inte- grinas capturam filamentos de actina no córtex, criando, portanto, uma ancora- gem robusta para a célula em movimento (ver Figuras 17-33 e 20-15C). Para usar este sistema de ancoragem para puxar o seu corpo para frente, a célula solicita a ajuda de proteínas motoras de miosina, conforme apresentado a seguir. QUESTÃO 17-6 Suponha que as moléculas de acti- na em uma célula de epiderme em cultura tenham sido aleatoriamente marcadas de tal modo que 1 em cada 10.000 moléculas carreia um marcador fluorescente. O que você esperaria ver se examinasse o lame- lipódio (borda anterior) dessa célula usando microscopia de fluorescên- cia? Assuma que seu microscópio apresenta sensibilidade suficiente para a detecção de até mesmo uma única molécula fluorescente. (A) (B) 0,5 μm Complexo ARP Proteína de capeamento Monômero de actina Limite da borda anterior da célula Filamento de actina recém-polimerizado Membrana plasmática Figura 17-35 Uma rede de filamentos de actina em polimerização impulsiona a borda anterior de um lamelipódio para frente. (A) Um queratinócito de alta motilidade derivado de pele de rã foi fixado, seco e corado com platina para exame em microscopia eletrônica. Os filamentos de actina formam uma densa rede contendo filamentos com extremidades mais (+) de rá- pido crescimento que terminam na borda anterior do lamelipódio (parte superior da figura). (B) Desenho ilustrando como a nu- cleação de novos filamentos de actina (vermelho) é mediada pelos complexos ARP (marrom) ligados lateralmente a filamentos de actina preexistentes. As estruturas ramificadas resultantes impulsionam a membrana plasmática para frente. As extremida- des mais (+) dos filamentos de actina são protegidas contra a despolimerização por proteínas de capeamento (azul), enquanto as extremidades menos (-) dos filamentos de actina mais próximas ao centro da célula sofrem dissociação continuada a partir da ação de proteínas despolimerizadoras (não ilustradas). Assim, a rede de actina, como um todo, apresenta um movimento contí- nuo para frente, mediado pela associação de filamentos na região anterior e pela dissociação na região posterior. Essa rede de actina está representada em uma escala diferente da rede ilustrada em (A). (A, cortesia de Tatyana Svitkina e Gary Borisy.) Alberts_17.indd 590Alberts_17.indd 590 16/01/2017 11:16:2816/01/2017 11:16:28 Capítulo 17 • O citoesqueleto 591 A actina se associa à miosina para a formação de estruturas contráteis Todas as proteínas motoras dependentes de actina pertencem à família da mio- sina. Elas se ligam ao ATP, hidrolisando-o, o que fornece energia para seu mo- vimento ao longo dos filamentos de actina em direção à extremidade mais (+). A miosina, assim como a actina, foi inicialmente identificada em músculo es- quelético, e muitas das informações a respeito das interações que ocorrem en- tre essas duas proteínas provêm de estudos em células musculares. Existem vá- rios tipos diferentes de miosina nas células, sendo as subfamílias da miosina-I e da miosina-II as mais abundantes. A miosina-I está presente em todos os tipos de células, ao passo que a miosina-II é uma forma especializada utilizada pelas células musculares. Por apresentar estrutura e mecanismo de ação mais simples, a miosina-I é o foco de nossa discussão inicial. As moléculas de miosina-I possuem um domínio de cabeça e uma cauda (Figura 17-36A). O domínio da cabeça se liga a um filamento de actina e possui a atividade motora de hidrólise de ATP, que permite que ela se mova ao longo do filamento por ciclos repetitivos de ligação, dissociação e religação (Animação 17.8). A cauda varia entre os diferentes tipos de miosina-I e determina o tipo de carga que será transportado pela miosina. Por exemplo, a cauda pode ligar-se a um tipo particular de vesícula e propeli-la pela célula ao longo dos trilhos de filamentos de actina (Figura 17-36B), ou pode ligar-se à membrana plasmática e impulsioná-la modificando a sua forma (Figura 17-36C). Os sinais extracelulares podem alterar a organização dos filamentos de actina Vimos que a miosina e outras proteínas de ligação à actina podem regular o posicionamento, a organização e o comportamento dos filamentos de actina. No entanto, as atividades dessas proteínas são, por sua vez, controladas por sinais extracelulares, permitindo que a célula reorganize seu citoesqueleto de actina em resposta ao ambiente. As moléculas de sinalização extracelular que regulam o citoesqueleto de actina ativam uma ampla variedade de proteínas receptoras da superfície celu- lar, que por sua vez ativam diversas vias de sinalização intracelular. Essas vias muitas vezes convergem em um grupo de proteínas GTPase monoméricas inti- mamente relacionadas denominadas família proteica Rho. Como discutido no + + Membrana plasmática Miosina-I Vesícula Miosina-I (B) (C) (A) Miosina-I 70 nm Domínio da cabeça Cauda Membrana plasmática – – Figura 17-36 A miosina-I é a mais sim- ples das miosinas. (A) A miosina-I possui uma cabeça globular única que se liga a um filamento de actina, e uma cauda que se liga a outra molécula ou organela na célula. (B) Este arranjo permite que o domínio da cabeça mova uma vesícula em relação a um filamento de actina, que neste caso está an- corado à membrana plasmática. (C) A mio- sina-I também pode ligar-se a um filamento de actina no córtex celular, o que resulta, em última análise, na modificação da forma da membrana plasmática. Observe que o grupo da cabeça sempre se movimenta em direção à extremidade mais (+) do filamen- to de actina. Alberts_17.indd 591Alberts_17.indd 591 16/01/2017 11:16:2816/01/2017 11:16:28 592 Fundamentos da Biologia Celular Capítulo 16, as GTPases monoméricas comportam-se como interruptores mole- culares que controlam processos intracelulares pela alternância entre um estado ativo ligado a GTP e um estado inativo ligado a GDP (ver Figura 16-15B). No caso do citoesqueleto de actinas,a ativação de diferentes membros da família Rho afeta a organização dos filamentos de actina de diversas maneiras. Por exemplo, a ativação de um membro da família Rho desencadeia a polimerização da acti- na e o enfeixamento dos filamentos para formar filopódios; a ativação de outro membro promove a formação de lamelipódios e o ondulamento da membrana; e a ativação da própria Rho dirige a associação de filamentos de actina com a miosina-II e a agregação de integrinas da superfície celular, promovendo assim a locomoção da célula por deslizamento (Figura 17-37). Essas alterações estruturais complexas e drásticas ocorrem porque as proteínas de ligação ao GTP da família Rho, em conjunto a proteínas-cinase e proteínas acessórias que interagem com elas, atuam como uma rede de compu- tadores para controlar a organização e a dinâmica da actina. Essa rede recebe sinais externos de nutrientes, fatores de crescimento e de contatos com as célu- las adjacentes e com a matriz extracelular, junto com informações intracelulares a respeito do estado metabólico da célula e da necessidade ou não de divisão. A rede Rho, em seguida, processa essas entradas e ativa as vias de sinalização intracelular que moldam o citoesqueleto de actina, por exemplo, pela ativação das proteínas forminas que promovem a formação de filopódios ou pelo estímulo a complexos ARP na borda anterior da célula para gerar grandes lamelipódios. Um dos mais rápidos rearranjos de elementos do citoesqueleto ocorre quan- do uma fibra muscular contrai em resposta a um sinal derivado de um nervo motor, como discutimos a seguir. CONTRAÇÃO MUSCULAR A contração muscular é o mais familiar e mais bem compreendido dos movimen- tos das células animais. Em vertebrados, correr, caminhar, nadar ou voar são ati- vidades que dependem da capacidade da musculatura esquelética de contrair-se fortemente e movimentar os diversos ossos. Movimentos involuntários, como os (A) CÉLULAS NÃO ESTIMULADAS (C) ATIVAÇÃO POR Rac (B) ATIVAÇÃO POR Rho (D) ATIVAÇÃO POR Cdc42 20 μm QUESTÃO 17-7 Na borda anterior de uma célula em migração, as extremidades mais (+) dos filamentos de actina estão posicionadas próximo à membrana plasmática, e os monômeros de ac- tina são adicionados a essas extre- midades e empurram a membrana para fora, formando os lamelipódios ou os filopódios. O que você acha que mantém os filamentos nas extremidades opostas à de adição de monômeros e evita que eles se- jam empurrados para o interior da célula? Figura 17-37 A ativação de GTPases da família Rho pode ter um efeito drástico sobre a organização dos filamentos de actina em fibroblastos. Nestas microgra- fias, a actina foi corada com faloidina, uma molécula que se liga especificamente a filamentos de actina, anteriormente mar- cada com fluorescência (ver Tabela 17-2, p. 587). (A) Fibroblastos não estimulados possuem filamentos de actina predomi- nantemente no córtex. (B) A microinjeção de uma forma ativada de Rho promove a rápida associação de feixes de filamentos de actina longos e não ramificados; eles são contráteis, pois há miosina associada a es- ses feixes. (C) A microinjeção de uma forma ativada da proteína Rac, uma proteína de ligação a GTP semelhante a Rho, provoca a formação de um enorme lamelipódio que abrange toda a circunferência da célula. (D) A microinjeção de uma forma ativada de Cdc42, outro membro da família Rho, estimula a protrusão de diversos filopódios longos na periferia da célula. (De A. Hall, Science 279:509–514, 1998. Com permissão de AAAS.) Alberts_17.indd 592Alberts_17.indd 592 16/01/2017 11:16:2916/01/2017 11:16:29 Capítulo 17 • O citoesqueleto 593 batimentos cardíacos ou o peristaltismo do intestino, dependem da musculatura cardíaca e da musculatura lisa, respectivamente, as quais são formadas a partir de células musculares que diferem em relação à estrutura quando comparadas à musculatura esquelética, mas que também utilizam a actina e a miosina em mecanismos similares de contração. Apesar de as células musculares serem al- tamente especializadas, diversos movimentos celulares – da locomoção de célu- las como um todo até a movimentação de alguns componentes no interior das células – também dependem de interações entre a actina e a miosina. Grande parte de nosso conhecimento referente aos mecanismos do movimento celular é proveniente de estudos sobre a contração de células musculares. Nesta seção, discutimos como a actina e a miosina interagem para produzir essa contração. A contração muscular depende da interação entre filamentos de actina e miosina A miosina do músculo pertence à subfamília da miosina-II, na qual todos os membros são dímeros, com duas cabeças globulares ATPase em uma extremida- de e uma cauda única supertorcida na outra (Figura 17-38A). Grupos de molécu- las de miosina-II se ligam uns aos outros por meio das suas caudas supertorcidas formando um filamento de miosina bipolar a partir do qual emergem as cabe- ças (Figura 17-38B). O filamento de miosina é como uma flecha com duas pontas, onde os dois conjuntos de cabeças da miosina estão posicionados em sentidos opostos, a partir do centro da flecha. Um conjunto liga-se a filamentos de actina sob uma orientação e move os filamentos para um lado; o outro conjunto liga-se a outros filamentos de actina na orientação oposta e, como consequência, move os fila- mentos na direção oposta. Como resultado, um filamento de miosina desliza os conjuntos de filamentos de actina opostamente orientados uns sobre os outros (Figura 17-39). Podemos então compreender como os filamentos de actina e os filamentos de miosina, conjuntamente organizados em um feixe, fazem esse fei- xe ser capaz de gerar uma grande força de contração. Tal fenômeno é mais ni- tidamente observado na contração muscular, mas ele também ocorre nos feixes contráteis de filamentos de actina, que são bem menores, e nos filamentos de miosina II (ver Figura 17-28B) que se associam transitoriamente em células não musculares e no anel contrátil, fazendo uma célula se dividir em duas ao contrair- -se e puxar a membrana plasmática para o interior (ver Figura 17-28D). Filamento de miosina-II 1 μm (A) Cabeça Cauda Molécula de miosina-II 150 nm Porção lisa Cabeças de miosina(B) QUESTÃO 17-8 Se tanto os filamentos de actina quanto os filamentos de miosina do músculo são constituídos a partir de subunidades unidas entre elas por li- gações não covalentes fracas, como é possível que um ser humano seja capaz de erguer objetos pesados? Figura 17-38 Moléculas de miosina-II podem associar-se umas com as outras para a formação de filamentos de miosina. (A) Uma molécula de miosina-II contém duas cadeias pesadas idênticas, cada uma com uma cabeça globular e uma cauda estendida. (Além disso, ela contém duas cadeias leves ligadas a cada uma das ca- beças, mas estas não estão representadas aqui.) As caudas das duas cadeias pesadas produzem uma cauda única supertorcida. (B) As caudas supertorcidas das moléculas de miosina-II associam-se para formar um filamento de miosina bipolar, no qual as cabeças projetam-se da região central em sentidos opostos. A porção lisa na região central dos filamentos é composta unica- mente pelas caudas. Figura 17-39 Um pequeno filamento bi- polar de miosina-II pode deslizar dois fi- lamentos de actina de orientação oposta mútua. Este movimento de deslizamento medeia a contração dos filamentos de acti- na e miosina-II tanto em células musculares quanto em células não musculares. Como acontece com a miosina-I, as cabeças de miosina-II caminham em direção à extremi- dade mais (+) do filamento de actina com o qual interagem. + + Membrana plasmática Miosina-II – – Alberts_17.indd 593Alberts_17.indd 593 16/01/2017 11:16:2916/01/2017 11:16:29 594 Fundamentos da Biologia Celular Filamentos de actina deslizam sobre filamentos de miosina durante a contração muscular As fibras musculares esqueléticas são enormes célulasmultinucleadas individuais formadas pela fusão de muitas pequenas células individuais. Os núcleos das cé- lulas que contribuíram para sua formação permanecem retidos na fibra muscular e se posicionam exatamente abaixo da membrana plasmática. A maior parte do citoplasma é composta de miofibrilas, os elementos contráteis da célula muscu- lar. Essas estruturas cilíndricas possuem um diâmetro de 1 a 2 μm e podem ser tão longas quanto a própria célula muscular (Figura 17-40A). Uma miofibrila consiste em uma cadeia de minúsculas unidades contrá- teis idênticas, ou sarcômeros. Cada sarcômero possui em torno de 2,5 μm de comprimento, e o padrão relativo à repetição de sarcômeros dá à miofibrila de vertebrados sua aparência listrada (Figura 17-40B). Os sarcômeros são arranjos altamente organizados de dois tipos de filamentos – filamentos de actina e fila- mentos de miosina compostos de uma forma músculo-específica de miosina-II. Os filamentos de miosina ( filamentos espessos) se posicionam na região central do sarcômero, ao passo que os filamentos de actina, mais finos ( filamentos del- gados), estendem-se para o interior a partir de cada uma das extremidades do sarcômero, onde estão ancorados pelas suas extremidades mais (+) a uma estru- tura denominada disco Z. As extremidades menos (-) dos filamentos de actina se sobrepõem às extremidades dos filamentos de miosina (Figura 17-41). (A) (B) Sarcômero Núcleo Miofibrila Sarcômero Miofibrila (A) (B) Filamento espesso (miosina-II) Filamento delgado (actina) Disco Z Disco Z Disco Z M io fi b ri la s Sarcômero ~2,2 μm Região de sobreposição Figura 17-40 Uma célula muscular esquelética está preenchida com miofibrilas. (A) Em um humano adulto, estas grandes células multinucleadas (também denominadas fibras musculares) possuem em geral 50 μm de diâmetro e podem apresentar um comprimen- to de vários centímetros. Elas contêm numerosas miofibrilas, nas quais os filamentos de actina e os filamentos de miosina-II estão dispostos em uma estrutura altamente organizada, dando a cada miofibrila – e a cada célula muscular esquelética – uma aparência estriada ou listrada; por essa razão, o músculo esquelético é tam- bém chamado de músculo estriado. (B) Micrografia eletrônica de baixa magnitude de uma secção longitudinal de uma célula de músculo esquelético de coelho, mostrando que cada miofibrila consiste em uma sequência repetitiva de sarcômeros, as unidades contráteis das miofibrilas. (B, cortesia de Roger Craig.) Figura 17-41 Os sarcômeros são as unidades contráteis do músculo. (A) Detalhe da micrografia eletrônica da Figura 17-40 mostrando duas miofi- brilas; o comprimento de um sarcômero e a região de sobreposição entre os filamentos de actina e miosina estão indicados. (B) Diagrama esquemático de um sarcômero isolado mostrando a origem das bandas claras e escuras vistas no microscópio. Discos Z em cada extremidade do sarcômero atuam como pontos de fixação para as extremidades mais (+) dos filamentos de actina. Os filamentos espessos localizados centralmente (verde) são compostos por muitas moléculas de miosina-II. A linha vertical fina, que ocorre de cima para baixo no centro do feixe de filamentos espessos em (A), corresponde às re- giões lisas dos filamentos de miosina, como pode ser visto na Figura 17-38B. (A, cortesia de Roger Craig.) Alberts_17.indd 594Alberts_17.indd 594 16/01/2017 11:16:2916/01/2017 11:16:29 Capítulo 17 • O citoesqueleto 595 A contração de uma célula muscular é causada por um encurtamento si- multâneo de todos os sarcômeros da célula, provocado pelo deslizamento dos filamentos de actina em relação aos filamentos de miosina, sem que haja alte- ração no comprimento de qualquer um dos tipos de filamentos (Figura 17-42). O movimento de deslizamento é gerado pelas cabeças da miosina que se proje- tam lateralmente a partir do filamento de miosina e interagem com os filamentos adjacentes de actina (ver Figura 17-39). Quando um músculo é estimulado para a contração, as cabeças de miosina começam uma caminhada ao longo do fila- mento de actina por meio de ciclos repetidos de ligação e liberação. Durante cada ciclo, uma cabeça de miosina liga e hidrolisa uma molécula de ATP. Isso provoca uma série de alterações conformacionais que movem a ponta da cabeça cerca de 5 nm ao longo do filamento de actina em direção à extremidade mais (+). Esse movimento, repetido a cada ciclo de hidrólise de ATP, impulsiona a molécula de miosina unidirecionalmente sobre o filamento de actina (Figura 17-43). Assim, as cabeças de miosina tensionam o filamento de actina, fazendo-o deslizar ao longo do filamento de miosina. A ação conjunta de muitas cabeças de miosina tensionando os filamentos de actina e de miosina uns contra os outros leva à contração do sarcômero. Após a completa contração, todas as cabeças de mio- sina perdem contato com o filamento de actina, e o músculo sofre relaxamento. Cada filamento de miosina possui cerca de 300 cabeças de miosina. Cada cabeça de miosina pode ligar-se e desconectar-se da actina aproximadamente cinco vezes por segundo, permitindo que os filamentos de actina e de miosina sofram um deslizamento a uma velocidade de até 15 μm por segundo. Essa ve- locidade é suficiente para levar um sarcômero de um estado de total extensão (3 μm) a um estado de contração total (2 μm) em menos de um décimo de segun- do. Todos os sarcômeros de um músculo são acoplados juntos e são disparados de maneira simultânea pelo sistema de sinalização que descrevemos a seguir, de modo que o músculo como um todo se contrai quase instantaneamente. A contração muscular é induzida por um aumento súbito de Ca2+ citosólico A interação molecular geradora de força que ocorre entre os filamentos de actina e miosina só é desencadeada quando a musculatura esquelética recebe um sinal proveniente de um nervo motor. O neurotransmissor liberado pela terminação nervosa induz um potencial de ação (discutido no Capítulo 12) na membrana plasmática da célula muscular. Essa excitação elétrica se espalha em questão Filamento de miosina Filamento de actina Disco ZDisco Z Sarcômero CONTRAÇÃO RELAXAMENTO(A) (B) Figura 17-42 Os músculos se contraem por um mecanismo de deslizamento de filamentos. (A) Os filamentos de miosina e actina de um sarcômero se sobrepõem com a mesma polaridade relativa em ambos os lados de uma linha mediana. Lembre-se de que os filamentos de actina estão ancorados por suas extremidades mais (+) ao disco Z e os filamentos de mio- sina são bipolares. (B) Durante a contração, os filamentos de actina e miosina deslizam uns sobre os outros sem que eles próprios sofram encurtamento. O movimento de deslizamento é conduzido pela caminhada das cabeças de miosina rumo à extremida- de mais (+) dos filamentos de actina adja- centes (Animação 17.9). Alberts_17.indd 595Alberts_17.indd 595 16/01/2017 11:16:2916/01/2017 11:16:29 596 Fundamentos da Biologia Celular de milissegundos por uma série de tubos de membrana, denominados túbulos transversos (ou túbulos T), que se estendem para a região mais interna, a partir da membrana plasmática, em torno de cada miofibrila. A seguir, o sinal elétrico é enviado para o retículo sarcoplasmático – uma camada adjacente de vesículas achatadas e interconectadas que envolvem cada miofibrila como se fossem uma grande meia tipo arrastão (Figura 17-44). O retículo sarcoplasmático é uma região especializada do retículo endoplas- mático nas células musculares. Ele contém uma concentração extremamente alta de Ca2+, e, em resposta à excitação elétrica recebida, uma quantidade signifi- Extremidade mais (+) Extremidade menos (-) Extremidade mais (+) Extremidade menos (-) Filamento de actina Cabeça de miosina Filamento espesso de miosina HIDRÓLISE DE ATP MOVIMENTO DE POTÊNCIA CONECTADA No começo do ciclo apresentado nesta figura, uma cabeça de miosina sem ligação a ATP ou ADP está firmemente presa a um filamento de actinaem uma configuração de rigor (assim denominada por ser responsável pelo rigor mortis, a rigidez cadavérica). Em um músculo em contração ativa, esse estado é de duração extremamente curta, sendo rapidamente terminado pela ligação de uma molécula de ATP à cabeça de miosina. LIBERADA Uma molécula de ATP se liga a uma grande fenda existente na “parte posterior” da cabeça da miosina (i.e., no lado mais distante do filamento de actina) e imediatamente provoca uma leve modificação na conformação dos domínios que compõem o sítio de ligação à actina, o que reduz a afinidade da cabeça pela actina e permite seu deslizamento sobre o filamento. (O espaço representado no desenho entre a cabeça e a actina enfatiza tal mudança, embora seja provável que, na realidade, a cabeça permaneça muito mais próxima à actina.) ENGATILHADA A fenda se fecha, como as valvas de uma concha, sobre a molécula de ATP, desencadeando uma grande mudança conformacional que, por sua vez, faz a cabeça se deslocar sobre o filamento de actina por uma distância de aproximadamente 5 nm. Ocorre hidrólise de ATP, mas o ADP e o fosfato inorgânico (Pi) produzidos permanecem firmemente ligados à cabeça de miosina. GERADORA DE FORÇA Uma ligação fraca da cabeça de miosina a um novo sítio do filamento de actina provoca a liberação do fosfato inorgânico produzido pela hidrólise de ATP, concomitante à forte ligação da cabeça com a actina. Essa liberação desencadeia o movimento de potência – a modificação conformacional geradora de força durante a qual a cabeça retorna à sua conformação original. Durante o movimento de potência, a cabeça perde o ADP ligado, retornando, portanto, ao ponto de início de um novo ciclo. CONECTADA Ao final de um ciclo, a cabeça de miosina está mais uma vez firmemente presa ao filamento de actina em uma configuração de rigor. Observe que a cabeça se deslocou para uma nova posição sobre o filamento de actina, que deslizou para a esquerda ao longo do filamento de miosina. ATP ATP ADP ADP ADP Pi Pi Figura 17-43 A cabeça de uma molécula de miosina-II caminha ao longo de um filamento de actina por meio de um ciclo de mudanças conformacionais dependentes de ATP. Dois monômeros de actina estão destacados para melhor visualização do movimento do filamento de actina. A Animação 17.10 mostra a actina e a miosina em ação. (Baseada em I. Rayment et al., Science 261:50–58, 1993.Com permissão de AAAS.) Alberts_17.indd 596Alberts_17.indd 596 16/01/2017 11:16:2916/01/2017 11:16:29 Capítulo 17 • O citoesqueleto 597 cativa desse Ca2+ é liberada no interior do citosol por um conjunto especializado de canais iônicos que se abrem na membrana do retículo sarcoplasmático em razão da alteração de voltagem na membrana plasmática e nos túbulos T (Figu- ra 17-45). Como discutido no Capítulo 16, o Ca2+ é amplamente utilizado como um pequeno sinal intracelular para transmitir uma mensagem proveniente do exterior para o interior das células. No músculo, o aumento na concentração de Ca2+ citosólico ativa um interruptor molecular constituído por proteínas aces- sórias especializadas intimamente associadas aos filamentos de actina (Figura 17-46A). Uma dessas proteínas é a tropomiosina, uma molécula rígida, em forma de haste, que se liga na fenda da hélice de actina, impedindo que as cabeças de miosina se associem ao filamento de actina. Outra, a troponina, é um complexo proteico que inclui uma proteína sensível ao Ca2+ que está associada à extremi- dade de uma molécula de tropomiosina. Quando a concentração de Ca2+ se eleva no citosol, o Ca2+ se liga à troponina, induzindo uma alteração conformacional no complexo da troponina. Essa alteração, por sua vez, causa uma leve modificação das posições das moléculas de tropomiosina, permitindo que as cabeças da mio- sina se liguem aos filamentos de actina, iniciando a contração (Figura 17-46B). Visto que o sinal proveniente da membrana plasmática é transmitido em milissegundos (via túbulos transversos e retículo sarcoplasmático) para cada um dos sarcômeros da célula, todas as miofibrilas dessa célula sofrerão contração simultaneamente. O aumento de Ca2+ no citosol é transitório, porque, quando o sinal do nervo é interrompido, o Ca2+ é rapidamente bombeado de volta para 35 nm Ca2+ CONTRAÇÃO DA MIOFIBRILA Canal de liberação de Ca2+ Canal de Ca2+ controlado por voltagem Membrana do túbulo T inativa Membrana do retículo sarcoplasmático CITOSOL LÚMEN DO TÚBULO T (ESPAÇO EXTRACELULAR) LÚMEN DO RETÍCULO SARCOPLASMÁTICO Membrana do túbulo T ativada POTENCIAL DE AÇÃO QUESTÃO 17-9 Compare a estrutura de filamentos intermediários com a de filamentos de miosina-II das células musculares esqueléticas. Quais são suas princi- pais semelhanças? Quais são suas principais diferenças? Como essas diferenças estruturais se relacionam às suas funções? Figura 17-45 A contração do músculo esquelético é de- sencadeada pela liberação de Ca2+ do retículo sarcoplasmá- tico no citosol. Este diagrama esquemático ilustra como se acredita que um canal de libe- ração de Ca2+ na membrana do retículo sarcoplasmático seja aberto pela ativação de um canal de Ca2+ controlado por volta- gem presente na membrana do túbulo T. Figura 17-44 Os túbulos T e o retículo sarcoplasmático envolvem cada miofibri- la. (A) Representação dos dois sistemas de membrana que transmitem o sinal de contração da membrana plasmática da célula muscular para todas as miofibrilas da célula muscular. (B) Micrografia eletrônica mostrando uma secção transversal de dois túbulos T e dos compartimentos do retículo sarcoplasmático adjacente. (B, cortesia de Clara Franzini-Armstrong.) (B) 0,5 μm Membrana plasmática Miofibrila Túbulos transversos (T) formados a partir de invaginações da membrana plasmática Retículo sarcoplasmático (A) Alberts_17.indd 597Alberts_17.indd 597 16/01/2017 11:16:2916/01/2017 11:16:29 598 Fundamentos da Biologia Celular o retículo sarcoplasmático por bombas de Ca2+, abundantes na sua membrana (discutido no Capítulo 12). Assim que a concentração de Ca2+ retorna ao nível de repouso, as moléculas de troponina e de tropomiosina retornam às suas posições originais. Essa reconfiguração novamente bloqueia a ligação da miosina aos fila- mentos de actina, provocando, portanto, o fim da contração. Tipos distintos de células musculares desempenham funções diferentes É provável que a maquinaria contrátil altamente especializada das células mus- culares tenha evoluído a partir dos feixes contráteis de filamentos de actina e miosina, bem mais simples, encontrados em todas as células eucarióticas. A mio- sina-II de células não musculares também é ativada por um aumento do Ca2+ cito- sólico, mas o mecanismo de ativação é diferente daquele que atua na miosina-II músculo-específica. Um aumento de Ca2+ induz a fosforilação da miosina-II não muscular, o que altera a conformação da miosina, permitindo que ela interaja com a actina. Um mecanismo de ativação semelhante opera no músculo liso presente nas paredes do estômago, intestino, útero e artérias, e em outras estruturas que realizam contrações involuntárias lentas e continuadas. Esse modo de ativação da miosina é relativamente lento, pois é necessário certo tempo para que molécu- las de enzima se difundam para as cabeças da miosina e realizem a fosforilação e a subsequente desfosforilação. No entanto, tal mecanismo tem a vantagem de, ao contrário do mecanismo utilizado pelas células do músculo esquelético, poder ser ativado por uma ampla gama de sinais extracelulares. Assim, na musculatura lisa, por exemplo, uma contração pode ser desencadeada por adrenalina, serotonina, prostaglandinas e diversas outras moléculas de sinalização. Além das musculaturas esquelética e lisa, existem outras formas de muscula- tura, cada uma desempenhando uma função mecânica específica. A musculatura do coração – ou cardíaca –, por exemplo, controla a circulação do sangue. Oco- ração se contrai de forma autônoma durante toda a vida do organismo – ou seja, cerca de 3 bilhões (3 × 109) de vezes em uma vida humana média. Mesmo anorma- lidades sutis na actina ou na miosina do músculo cardíaco podem levar a doenças graves. Por exemplo, mutações nos genes que codificam a miosina-II cardíaca ou outras proteínas do sarcômero causam miocardiopatia hipertrófica familiar, uma doença hereditária responsável pela morte súbita em atletas jovens. A contração das células musculares constitui uma função especializada dos componentes básicos do citoesqueleto eucariótico. No próximo capítulo, discu- timos os papéis cruciais do citoesqueleto naquele que talvez seja considerado o mais fundamental de todos os movimentos celulares: a segregação dos cromos- somos recém-duplicados e a formação das duas células-filhas durante o proces- so de divisão celular. QUESTÃO 17-10 A. Observe que na Figura 17-46 as moléculas de troponina estão re- gularmente espaçadas ao longo de um filamento de actina, sendo uma molécula de troponina en- contrada a cada sete moléculas de actina. Como as moléculas de troponina podem ser posiciona- das de forma tão regular? O que isso nos ensina sobre a ligação da troponina aos filamentos de actina? B. O que aconteceria se você mis- turasse filamentos de actina com (i) troponina isolada, (ii) tropo- miosina isolada ou (iii) troponina mais tropomiosina, e a seguir adicionasse miosina? Os efeitos observados seriam dependentes de Ca2+? 10 nm Actina Complexo da troponina I C T Tropomiosina Tropomiosina bloqueando o sítio de ligação à miosina Monômero de actina + Ca2+ _ Ca2+ Sítio de ligação à miosina exposto pelo movimento da tropomiosina mediado pelo Ca2+, dependente do complexo da troponina (A) (B) Figura 17-46 A contração do músculo esquelético é controlada pelos complexos da tropomiosina e da troponina. (A) Um filamento de actina, no músculo, ilustrando as posições dos complexos da tropomiosina e da troponina ao longo do filamento. Cada molécula de tropomiosina possui sete regiões uniformemente espaçadas de sequências similares de aminoá- cidos, cada uma das quais potencialmente capaz de se ligar a um monômero de actina no filamento. (B) Quando Ca2+ se liga a um complexo de troponina, o complexo move a tropomiosina, que na forma anterior bloqueava a interação da actina com as cabeças de miosina. Aqui, o filamento de actina de (A) é ilustrado em corte. Alberts_17.indd 598Alberts_17.indd 598 16/01/2017 11:16:2916/01/2017 11:16:29 Capítulo 17 • O citoesqueleto 599 CONCEITOS ESSENCIAIS • O citoplasma de uma célula eucariótica é sustentado e organizado pelo ci- toesqueleto composto por filamentos intermediários, microtúbulos e fila- mentos de actina. • Filamentos intermediários são polímeros estáveis, semelhantes a cordas, construídos a partir de subunidades proteicas fibrosas, que dão resistência mecânica às células. Alguns filamentos intermediários formam a lâmina nuclear que sustenta e fortalece o envelope nuclear; outros estão distribuí- dos por todo o citoplasma. • Os microtúbulos são tubos rígidos e ocos, formados por dímeros de tubuli- na globular. Eles são estruturas polarizadas que contêm uma extremidade menos (-) de crescimento mais lento e uma extremidade mais (+) de cresci- mento rápido. • Os microtúbulos crescem a partir de centros organizadores, como o cen- trossomo, no qual as extremidades menos (-) permanecem inseridas. • Vários microtúbulos exibem instabilidade dinâmica, alternando rapidamen- te entre crescimento e encurtamento. O encurtamento é promovido pela hidrólise do GTP que está fortemente ligado aos dímeros de tubulina, redu- zindo a afinidade dos dímeros com seus vizinhos, e promovendo, portanto, a dissociação dos microtúbulos. • Os microtúbulos podem ser estabilizados por proteínas localizadas que capturam as extremidades mais (+), contribuindo assim para posicionar os microtúbulos, vinculando-os a funções específicas. • As cinesinas e as dineínas são proteínas motoras associadas ao microtú- bulo que usam a energia da hidrólise de ATP para se movimentarem uni- direcionalmente ao longo dos microtúbulos. Elas transportam organelas específicas, vesículas e outros tipos de carga para localizações específicas na célula. • Os cílios e os flagelos de eucariotos contêm um feixe de microtúbulos está- veis. Seu batimento ritmado é causado pela flexão dos microtúbulos, sendo tal flexão dirigida pela proteína motora dineína ciliar. • Os filamentos de actina são polímeros helicoidais de monômeros de actina globular. Eles são mais flexíveis do que os microtúbulos e frequentemente são encontrados em feixes ou redes. • Como os microtúbulos, os filamentos de actina também são polarizados, com uma extremidade mais (+) de crescimento rápido e uma extremidade menos (-) de crescimento lento. A sua associação e dissociação é contro- lada pela hidrólise do ATP fortemente ligado a cada um dos monômeros de actina e por diversas proteínas de ligação à actina. • Os diversos arranjos e funções dos filamentos de actina nas células resul- tam da diversidade de proteínas de ligação à actina, as quais podem con- trolar a polimerização da actina, interligar os filamentos de actina em redes frouxas ou feixes rígidos, conectar os filamentos de actina a membranas, ou mover dois filamentos adjacentes um em relação ao outro. • Uma rede concentrada de filamentos de actina subjacente à membrana plasmática forma a principal parte do córtex celular, o qual é responsável pela definição da forma e do movimento da superfície da célula, incluindo os movimentos necessários para que uma célula deslize sobre uma super- fície. • As miosinas são proteínas motoras que utilizam a energia da hidrólise de ATP para se mover ao longo dos filamentos de actina. Em células não mus- culares, a miosina-I pode transportar organelas ou vesículas ao longo das trilhas de filamentos de actina, e a miosina-II pode fazer os filamentos de actina adjacentes deslizarem uns sobre os outros nos feixes contráteis. • Em células do músculo esquelético, arranjos repetidos e sobrepostos de filamentos de actina e miosina-II formam miofibrilas altamente ordenadas, que contraem quando esses filamentos deslizam uns sobre os outros. • A contração muscular é iniciada por um súbito aumento de Ca2+ citosólico, que sinaliza para as miofibrilas via proteínas de ligação ao Ca2+ associadas aos filamentos de actina. Alberts_17.indd 599Alberts_17.indd 599 16/01/2017 11:16:2916/01/2017 11:16:29 600 Fundamentos da Biologia Celular TERMOS-CHAVE centrossomo centríolo cinesina citoesqueleto cílio córtex celular dineína família proteica Rho filamento de actina filamento de miosina filamento de queratina filamento intermediário filopódio flagelo instabilidade dinâmica lamelipódio lâmina nuclear microtúbulo miofibrila miosina polaridade proteína associada ao microtúbulo proteína de ligação à actina proteína motora sarcômero tubulina TESTE SEU CONHECIMENTO QUESTÃO 17-11 Quais das seguintes afirmativas estão corretas? Explique sua resposta. A. As cinesinas movimentam membranas do retículo endo- plasmático ao longo dos microtúbulos de tal maneira que uma rede de túbulos do RE é estendida por toda a célula. B. Sem actina, as células podem formar um fuso mitótico funcional e separar seus cromossomos, mas não podem sofrer divisão. C. Lamelipódios e filopódios são “órgãos sensoriais” que uma célula estende com o objetivo de localizar pontos de ancoragem no substrato sobre o qual a célula está se movendo. D. O GTP é hidrolisado pela tubulina para provocar a flexão dos flagelos. E. As células que têm uma rede de filamentos intermediá- rios que não pode sofrer despolimerização irão morrer. F. As extremidades mais (+) dos microtúbulos crescem mais rapidamente, pois possuem uma capa de GTP maior. G. Os túbulos transversos em células musculares são uma extensão da membrana plasmática, com a qual eles apre- sentamcontinuidade, e, de modo semelhante, o retículo sarcoplasmático é uma extensão do retículo endoplas- mático. H. A ativação do movimento da miosina sobre os filamentos de actina é mediada pela fosforilação da troponina em algumas situações e pela ligação de Ca2+ à troponina em outras. QUESTÃO 17-12 O tempo médio necessário para uma molécula ou uma orga- nela se difundir a uma distância x em cm é dado pela fórmula t = x2/2D onde t equivale ao tempo em segundos, e D é uma constante denominada coeficiente de difusão para a molécula ou partí- cula. Usando a fórmula anterior, calcule o tempo necessário para que uma molécula pequena, uma proteína e uma vesícula de membrana se difundam de um lado para o extremo oposto de uma célula que apresenta 10 μm de diâmetro. Os coefi- cientes de difusão típicos, em unidades de cm2/s, são, para uma molécula pequena, 5 × 10–6; para uma molécula proteica, 5 × 10–7; e para uma vesícula, 5 × 10–8. Quanto tempo será necessário para que a vesícula de membrana consiga chegar à extremidade de um axônio de 10 cm de comprimento se mo- vendo por difusão livre? Quanto tempo será necessário caso ela seja transportada sobre microtúbulos a uma velocidade de 1 μm/segundo? QUESTÃO 17-13 Por que as células eucarióticas, e especialmente as células animais, possuem citoesqueletos tão grandes e complexos? Relacione as diferenças entre células animais e células bacte- rianas devidas ao citoesqueleto eucariótico. QUESTÃO 17-14 Examine a estrutura de um filamento intermediário apresen- tada na Figura 17-4. O filamento apresenta uma polaridade característica, ou seja, podemos distinguir uma extremidade da outra em função de alguma característica química ou outra qualquer? Justifique sua resposta. QUESTÃO 17-15 Não existem proteínas motoras conhecidas que se movam ao longo dos filamentos intermediários. Sugira uma explicação para isso. QUESTÃO 17-16 Quando uma célula entra em mitose, seu arranjo preexistente de microtúbulos citoplasmáticos deve ser rapidamente disso- ciado e substituído pelo fuso mitótico que se forma para se- parar os cromossomos entre as duas células-filhas. A enzima catanina, que recebeu seu nome em homenagem às espadas dos samurais japoneses, é ativada no início da mitose e frag- menta os microtúbulos em pequenos pedaços. Após terem sido gerados pela catanina, o que acontece aos fragmentos de microtúbulos? Justifique sua resposta. Alberts_17.indd 600Alberts_17.indd 600 16/01/2017 11:16:2916/01/2017 11:16:29 Capítulo 17 • O citoesqueleto 601 QUESTÃO 17-17 O fármaco paclitaxel, extraído da casca de uma conífera, apre- senta efeito oposto ao do fármaco colchicina, um alcaloide extraído do açafrão-do-prado. O paclitaxel se liga fortemente aos microtúbulos e os estabiliza; quando adicionado a células, ele faz grande parte da tubulina livre se associar formando microtúbulos. Já a colchicina impede a formação de micro- túbulos. O paclitaxel é tão prejudicial às células em divisão quanto a colchicina, e ambos são utilizados como fármacos anticancerígenos. Com base em seu conhecimento a respeito da dinâmica dos microtúbulos, como você explica que ambos os fármacos sejam tóxicos para as células em divisão apesar de exercerem ações opostas? QUESTÃO 17-18 Uma técnica bastante útil para o estudo de motores de micro- túbulos é conectá-los pelas suas caudas a lamínulas de vidro (o que pode ser realizado de forma bastante simples, pois as caudas apresentam grande avidez por uma superfície de vidro limpa) e, a seguir, permitir que os microtúbulos se assentem sobre elas. Os microtúbulos podem então ser observados sob microscopia óptica, conforme são propelidos sobre a superfí- cie da lamínula, movidos pelas cabeças das proteínas motoras. Considerando que as proteínas motoras se ligam sob orienta- ção aleatória à lamínula, como elas podem gerar o movimento coordenado de microtúbulos isolados, em vez de dar início a um cabo de guerra? Em que direção os microtúbulos migrarão sobre uma “cama” de moléculas de cinesina (i.e., os microtúbu- los se moverão primeiro para a extremidade mais [+] ou para a extremidade menos [-])? QUESTÃO 17-19 Na Figura Q17-19, pode ser observado um típico gráfico de tempo de polimerização e formação de microtúbulos a partir de tubulina purificada. A. Explique as diferentes partes da curva (indicadas como A, B e C). Desenhe um diagrama que ilustre o comporta- mento das moléculas de tubulina em cada uma das três fases. B. O que aconteceria com a curva da figura se fossem adi- cionados centrossomos à reação? Po rc en ta g em d e m o lé cu la s d e tu b u lin a n o s m ic ro tú b u lo s A B C Tempo a 37°C Figura Q17-19 QUESTÃO 17-20 As micrografias eletrônicas mostradas na Figura Q17- -20A foram obtidas de uma população de microtúbulos que estavam em rápido crescimento. A Figura Q17-20B foi ob- tida de microtúbulos que estavam sofrendo encurtamento “catastrófico”. Comente todas as diferenças existentes entre as imagens A e B e sugira explicações possíveis para as dife- renças observadas. (A) (B) (M ic ro g ra fi as c o rt es ia d e Ev a M an d el ko w .) Figura Q17-20 QUESTÃO 17-21 A locomoção de fibroblastos em cultura é impedida imedia- tamente pela adição de citocalasina, ao passo que a adição de colchicina faz os fibroblastos pararem de se movimentar de forma direcionada e começarem a estender lamelipódios de modo aparentemente aleatório. A injeção de fibroblas- tos com anticorpos antivimentina não resulta em efeitos discerníveis relativos à sua capacidade de migração. O que os dados lhe sugerem em relação ao envolvimento dos três filamentos citoesqueléticos diferentes na locomoção de fi- broblastos? QUESTÃO 17-22 Complete a afirmação a seguir de forma exata, explicando a razão de haver escolhido ou refutado cada um dos quatro complementos (mais de um pode estar correto). A função do cálcio na contração muscular é: A. Desligar as cabeças de miosina do filamento de actina. B. Transmitir o potencial de ação da membrana plasmática para a maquinaria contrátil. C. Ligar-se à troponina, fazendo-a mover a tropomiosina e, consequentemente, expor os filamentos de actina para as cabeças de miosina. D. Manter a estrutura do filamento de miosina. QUESTÃO 17-23 Qual das seguintes alterações ocorre na contração do múscu- lo esquelético? A. Os discos Z se distanciam. B. Há contração dos filamentos de actina. C. Há contração dos filamentos de miosina. D. Há encurtamento dos sarcômeros. Alberts_17.indd 601Alberts_17.indd 601 16/01/2017 11:16:2916/01/2017 11:16:29 Alberts_17.indd 602Alberts_17.indd 602 16/01/2017 11:16:2916/01/2017 11:16:29 Esta página foi deixada em branco intencionalmente. “Onde surge uma célula, existia uma célula anteriormente, assim como os ani- mais só podem surgir de animais, e as plantas, de plantas”. Essa afirmação que aparece em um livro escrito pelo patologista alemão Rudolf Virchow em 1858 carrega consigo uma mensagem profunda para a continuidade da vida. Se cada célula se origina a partir de uma célula anterior, todos os organismos vivos – desde bactérias unicelulares a mamíferos multicelulares – são produtos de repetidos ciclos de crescimento e divisão celular que ocorrem desde o início da vida há mais de 3 bilhões de anos. Uma célula se reproduz realizando uma sequência ordenada de eventos nos quais ela duplica seu conteúdo e então se divide em duas. Esse ciclo de dupli- cação e divisão, conhecido como ciclo celular, é o principal mecanismo pelo qual todos os seres vivos se reproduzem. Os detalhes do ciclo celular variam de organismo para organismo e ocorrem em diferentes momentos na vida de um determinado organismo. Nos organismos unicelulares, como bactérias e levedu- ras, cada divisão celular produz um organismo novo completo, ao passo que vá- rios ciclos de divisão celular são necessários para produzir um novo organismo multicelular a partir de um óvulo fertilizado.Entretanto, certas características do ciclo celular são universais, uma vez que permitem que cada célula realize a tarefa fundamental de copiar e passar sua informação genética para a próxima geração de células. Para explicar como as células se reproduzem, devemos considerar três questões principais: (1) Como as células duplicam seu conteúdo – incluindo os cromossomos, que carregam a informação genética? (2) Como elas repartem o conteúdo duplicado e se separam em duas? (3) Como elas coordenam todas as etapas e a maquinaria necessária para esses dois processos? O primeiro proble- ma é discutido em outros capítulos deste livro: no Capítulo 6, discutimos como o DNA é replicado, e nos Capítulos 7, 11, 15 e 17, descrevemos como a célula eucariótica produz outros componentes, como as proteínas, as membranas, as organelas e os filamentos do citoesqueleto. Neste capítulo, lidamos com a segun- da e a terceira questões: como uma célula eucariótica distribui – ou segrega – seu conteúdo duplicado para produzir duas células-filhas geneticamente idênticas, e como ela coordena as várias etapas desse ciclo reprodutivo. Começamos com uma visão geral sobre os eventos que ocorrem durante o ciclo celular típico. Então, descrevemos o complexo sistema de proteínas regu- ladoras, chamado de sistema de controle do ciclo celular, que ordena e coordena esses eventos para assegurar que ocorram na sequência correta. Depois, dis- cutimos em mais detalhes os principais estágios do ciclo celular, nos quais os cromossomos são duplicados e então segregados para as duas células-filhas. No final do capítulo, consideramos como os animais utilizam sinais extracelulares para controlar a sobrevivência, o crescimento e a divisão de suas células. Esses 18 O ciclo de divisão celular VISÃO GERAL DO CICLO CELULAR O SISTEMA DE CONTROLE DO CICLO CELULAR FASE G1 FASE S FASE M MITOSE CITOCINESE CONTROLE DO NÚMERO E DO TAMANHO DAS CÉLULAS QUESTÃO 18-1 Considere a seguinte afirmação: “Todas as células de hoje se origi- naram de uma série ininterrupta de divisões celulares, desde a primeira divisão celular”. Isso é rigorosamen- te verdadeiro? Alberts_18.indd 603Alberts_18.indd 603 16/01/2017 11:29:3316/01/2017 11:29:33 604 Fundamentos da Biologia Celular sistemas de sinalização permitem ao animal regular o tamanho e o número de suas células – e, por fim, o tamanho e a forma do próprio organismo. VISÃO GERAL DO CICLO CELULAR A função mais básica do ciclo celular é duplicar de maneira acurada a grande quantidade de DNA nos cromossomos e então segregar o DNA para as células- -filhas geneticamente idênticas, de modo que cada célula receba uma cópia completa de todo o genoma (Figura 18-1). Na maioria dos casos, a célula tam- bém duplica suas outras macromoléculas e organelas e duplica seu tamanho antes de se dividir; caso contrário, a cada vez que a célula se dividisse ela ficaria cada vez menor. Assim, para manter o seu tamanho, as células em divisão coor- denam o seu crescimento com a sua divisão. Retornamos a esse tópico sobre o controle do tamanho celular adiante no capítulo; aqui, nosso enfoque é a divisão celular. A duração do ciclo celular varia muito de um tipo de célula para outro. Em um embrião jovem de rã, as células se dividem a cada 30 minutos, enquanto um fibroblasto de mamífero em cultura se divide em torno de uma vez ao dia (Tabela 18-1). Nesta seção, descrevemos brevemente a sequência de eventos que aconte- cem em células de mamíferos em divisão bastante rápida (proliferação). Fazemos uma introdução ao sistema de controle do ciclo celular que assegura que os vá- rios eventos do ciclo ocorram na sequência e no momento corretos. O ciclo celular eucariótico normalmente inclui quatro fases Visto sob um microscópio, os dois eventos mais marcantes no ciclo celular são quando o núcleo se divide, um processo chamado de mitose, e quando a célula se divide em duas, um processo chamado de citocinese. Esses dois processos juntos constituem a fase M do ciclo. Em uma célula de mamífero típica, toda a fase M dura cerca de uma hora, que é apenas uma pequena fração do tempo total do ciclo celular (ver Tabela 18-1). O período entre uma fase M e a próxima fase é chamado de interfase. Sob o microscópio, parece, ilusoriamente, um intervalo sem ocorrências especiais du- rante o qual a célula simplesmente aumenta em tamanho. Entretanto, a interfase é um momento muito atarefado para uma célula proliferativa e compreende as Figura 18-1 As células se reproduzem pela duplicação do seu conteúdo e pela divisão em duas, um processo chamado de ciclo celular. Para simplificar, usamos uma célula eucariótica hipotética – cada uma com apenas uma cópia de dois cro- mossomos diferentes – para ilustrar como cada ciclo celular produz duas células-filhas geneticamente idênticas. Cada célula-filha pode se dividir mais uma vez ao passar por outro ciclo celular, e assim por diante, de geração em geração. CRESCIMENTO CELULAR E DUPLICAÇÃO DOS CROMOSSOMOS 1 DIVISÃO CELULAR 3 SEGREGAÇÃO DOS CROMOSSOMOS 2 Células-filhas CICLO CELULAR Alberts_18.indd 604Alberts_18.indd 604 16/01/2017 11:29:3316/01/2017 11:29:33 Capítulo 18 • O ciclo de divisão celular 605 três fases restantes do ciclo celular. Durante a fase S (S = síntese), a célula replica seu DNA. A fase S é precedida e sucedida por duas fases de intervalo – G1 e G2 (do inglês gap) – durante as quais a célula continua a crescer (Figura 18-2). Durante as fases de intervalo, a célula monitora tanto seu estado interno como o meio externo. Esse monitoramento assegura que as condições estejam adequadas para reprodução e que os preparativos estejam completos antes de a célula se compro- meter com a principal revolução da fase S (após G1) e a mitose (depois de G2). Em determinados pontos em G1 e G2, a célula decide se vai prosseguir para a próxima fase ou interromper o processo para permitir mais tempo para se preparar. Durante toda a interfase, uma célula em geral continua a transcrever genes, sintetizar proteínas e aumentar a massa. Junto com a fase S, G1 e G2 fornecem o tempo necessário para a célula crescer e duplicar suas organelas citoplasmáti- cas. Se a interfase durasse apenas o tempo suficiente para a replicação do DNA, a célula não teria tempo para duplicar sua massa antes de se dividir e consequen- temente iria encolher a cada divisão celular. Em algumas circunstâncias espe- ciais, é isso que ocorre. Por exemplo, em um embrião jovem de rã, as primeiras divisões celulares após a fertilização (chamadas de divisões por clivagem) servem para subdividir o óvulo gigante em várias células menores, o mais rapidamente possível (ver Tabela 18-1). Nesses ciclos celulares, as fases G1 e G2 são encurtadas drasticamente, e as células não crescem antes de se dividir. G2 G1 Mitose (divisão nuclear) Citocinese (divisão citoplasmática) FASE M FASE G2 FASE G1FASE S (replicação do DNA) INTERFASE S M Figura 18-2 O ciclo celular eucariótico costuma ocorrer em quatro fases. A célula cresce continuamente na interfase, que consiste em três fases: G1, S e G2. A replicação do DNA está limitada à fase S. G1 é o intervalo entre a fase M e a fase S, e G2 é o intervalo entre a fase S e a fase M. Durante a fase M, o núcleo se divide em um processo denominado mitose; então o citoplasma se divide, em um processo chamado de citocinese. Nesta figura – e em figuras subsequentes no capítulo –, os comprimentos das várias fases não estão desenhados em escala: a fase M, por exem- plo, em geral é muito mais curta e G1 é muito mais longa do que o mostrado. TABELA 18-1 Tempo de duração de ciclos celulares de alguns eucariotos Tipo celular Duração do ciclo celular Células jovens de embrião de rã 30 minutos Células de leveduras 1,5 hora Células epiteliais do intestino de mamíferos ~12 horas Fibroblastos de mamíferos em cultura ~20 horas Alberts_18.indd 605Alberts_18.indd 605 16/01/2017 11:29:3316/01/2017 11:29:33606 Fundamentos da Biologia Celular Um sistema de controle do ciclo celular aciona os principais processos do ciclo celular Para assegurar que replicarão todo o seu DNA e organelas e se dividirão de ma- neira ordenada, as células eucarióticas possuem uma rede complexa de proteí- nas reguladoras conhecidas como sistema de controle do ciclo celular. Esse siste- ma garante que os eventos do ciclo celular – replicação do DNA, mitose e assim por diante – ocorram na sequência estabelecida e que cada processo tenha sido completado antes que o próximo se inicie. Para realizar isso, o próprio sistema de controle é regulado em determinados pontos críticos do ciclo mediante retro- alimentação a partir dos processos que estão sendo realizados. Sem essa retro- alimentação, uma interrupção ou um atraso em qualquer dos processos poderia ser desastroso. Todo o DNA nuclear, por exemplo, deve ser replicado antes que o núcleo comece a se dividir, ou seja, uma fase S completa deve preceder à fase M. Se a síntese de DNA é desacelerada ou interrompida, a mitose e a divisão celular também devem ser atrasadas. De maneira semelhante, se o DNA é danificado, o ciclo deve interromper em G1, S ou G2, de modo que a célula possa reparar o dano antes que a replicação do DNA tenha sido iniciada ou completada, ou antes que a célula entre na fase M. O sistema de controle do ciclo celular consegue tudo isso empregando mecanismos moleculares, muitas vezes chamados de pontos de verificação, para pausar o ciclo em determinados pontos de transição. Assim, o sistema de controle não aciona a próxima etapa no ciclo, a não ser que a célula esteja preparada apropriadamente. O sistema de controle do ciclo celular regula a progressão pelo ciclo celular em três pontos principais (Figura 18-3). Na transição de G1 para a fase S, o sis- tema de controle confirma que o meio é favorável para a proliferação antes de prosseguir para a replicação do DNA. A proliferação celular em animais requer tanto nutrientes suficientes quanto moléculas-sinal específicas no meio extrace- lular; caso tais condições extracelulares sejam desfavoráveis, as células podem atrasar seu progresso por G1 e até mesmo entrar em um estado especializado de repouso conhecido como G0 (G zero). Na transição de G2 para a fase M, o sistema de controle confirma que o DNA não apresenta danos e está totalmente repli- cado, assegurando que a célula não entre em mitose, a menos que o seu DNA esteja intacto. Por fim, durante a mitose, a maquinaria de controle do ciclo celular assegura que os cromossomos duplicados estão apropriadamente ligados a uma máquina citoesquelética, chamada de fuso mitótico, antes que o fuso separe os cromossomos e os segregue para as duas células-filhas. Figura 18-3 O sistema de controle do ci- clo celular assegura que processos-chave no ciclo ocorram na sequência apropria- da. O sistema de controle do ciclo celular é mostrado como um braço controlador que gira no sentido horário, acionando proces- sos essenciais quando alcança determina- dos pontos de transição no disco externo. Esses processos incluem a replicação do DNA na fase S e a segregação dos cromos- somos duplicados na mitose. O sistema de controle pode interromper tempora- riamente o ciclo em pontos de transição específicos – em G1, G2 e fase M – caso as condições extracelulares e intracelulares sejam desfavoráveis. G2 M S G1 CONTROLADOR ENTRADA NA MITOSE SEPARAÇÃO DOS CROMOSSOMOS DUPLICADOS ENTRADA NA FASE S O meio é favorável? Todos os cromossomos estão ligados de forma apropriada ao fuso mitótico? Todos os danos no DNA estão reparados? Todo o DNA está replicado? QUESTÃO 18-2 Uma população de células em pro- liferação é corada com um agente corante que se torna fluorescente quando o agente se liga ao DNA, de modo que a quantidade de fluores- cência é diretamente proporcional à quantidade de DNA em cada célula. Para medir a quantidade de DNA em cada célula, as células são passa- das por um citômetro de fluxo, um instrumento que mede a quantidade de fluorescência em células indivi- duais. O número de células com um dado conteúdo de DNA é colocado no gráfico a seguir. Quantidade relativa de DNA por célula N ú m er o d e cé lu la s 0 A B Indique no gráfico onde você espe- raria encontrar células que estão em G1, S, G2 e mitose. Qual é a fase mais longa do ciclo celular nessa popula- ção de células? Alberts_18.indd 606Alberts_18.indd 606 16/01/2017 11:29:3416/01/2017 11:29:34 Capítulo 18 • O ciclo de divisão celular 607 Nos animais, a transição de G1 para a fase S é especialmente importante como um ponto no ciclo celular onde o sistema de controle é regulado. Sinais oriundos de outras células estimulam a proliferação celular quando mais células são necessárias – e bloqueiam quando não o são. Dessa forma, o sistema de controle do ciclo celular possui um papel central na regulação do número de cé- lulas nos tecidos do corpo. Caso o sistema de controle não funcione de maneira correta de modo que a divisão celular seja excessiva, pode ocorrer câncer. Dis- cutimos adiante como os sinais extracelulares influenciam nas decisões tomadas na transição de G1 para S. O controle do ciclo celular é semelhante em todos os eucariotos Algumas características do ciclo celular, incluindo o tempo necessário para completar certos eventos, variam muito de um tipo de célula para outro, mesmo dentro de um mesmo organismo. Entretanto, a organização básica do ciclo é essencialmente a mesma em todas as células eucarióticas, e todos os eucariotos parecem usar maquinarias e mecanismos de controle semelhantes para ativar e regular os eventos do ciclo celular. As proteínas do sistema de controle do ciclo celular surgiram pela primeira vez há mais de um bilhão de anos, e elas foram tão bem conservadas durante o curso da evolução que várias delas funcionam perfeitamente quando são transferidas de uma célula humana para uma de leve- dura (ver Como Sabemos, p. 609-610). Por causa dessa similaridade, os biólogos podem estudar o ciclo celular e sua regulação em uma variedade de organismos, e usar os achados de todos eles para montar um esquema unificado de como o ciclo funciona. Muitas des- cobertas sobre o ciclo celular vieram de uma procura sistemática por mutações que inativam componentes essenciais do sistema de controle do ciclo celular nas leveduras. Da mesma forma, estudos tanto de células de mamíferos em cultivo quanto de embriões de rãs e ouriços-do-mar têm sido críticos para examinar os mecanismos moleculares fundamentais do ciclo e seu controle nos organismos multicelulares, como os humanos, por exemplo. O SISTEMA DE CONTROLE DO CICLO CELULAR Dois tipos de maquinaria estão envolvidos na divisão celular: um produz os no- vos componentes da célula em crescimento, e o outro atrai os componentes para os seus locais corretos e os reparte apropriadamente quando a célula se divide em duas. O sistema de controle do ciclo celular ativa e inibe toda essa maqui- naria nos momentos corretos e coordena as várias etapas do ciclo. O cerne do sistema de controle do ciclo celular é uma série de interruptores moleculares que operam em uma sequência definida e orquestram os eventos principais do ciclo, incluindo a replicação do DNA e a segregação de cromossomos duplicados. Nesta seção, revisamos os componentes proteicos do sistema de controle e discutimos como eles funcionam juntos para acionar as diferentes fases do ciclo. O sistema de controle do ciclo celular depende de proteínas-cinase ativadas ciclicamente chamadas de Cdks O sistema de controle do ciclo celular regula a maquinaria do ciclo celular pela ativação e pela inibição cíclicas das proteínas-chave e dos complexos proteicos que iniciam ou regulam a replicação de DNA, mitose e citocinese. Tal regulação é realizada em grande parte pela fosforilação e desfosforilação de proteínas envol- vidas nesses processos essenciais. Alberts_18.indd 607Alberts_18.indd 60716/01/2017 11:29:3416/01/2017 11:29:34 608 Fundamentos da Biologia Celular Como discutido no Capítulo 4, a fosforilação seguida de desfosforilação é uma das maneiras mais comuns utilizadas pelas células para ativar e depois ini- bir a atividade de uma proteína (ver Figura 4-42), e o sistema de controle do ciclo celular emprega esse mecanismo extensa e repetidamente. As reações de fosfo- rilação que controlam o ciclo celular são realizadas por um grupo específico de proteínas-cinase, ao passo que a desfosforilação é realizada por um grupo de proteínas-fosfatase. As proteínas-cinase essenciais ao sistema de controle do ciclo celular estão presentes nas células em proliferação durante todo o ciclo celular. Contudo, elas são ativadas apenas em momentos apropriados no ciclo, após o qual elas são rapidamente inibidas. Assim, a atividade de cada uma dessas cinases aumenta e diminui de maneira cíclica. Algumas das proteínas-cinase, por exemplo, tornam- -se ativas no final da fase G1 e são responsáveis pela transição da célula para a fase S; outra cinase se torna ativa logo antes da fase M e promove o início do processo de mitose. A ativação e a inibição das cinases no momento apropriado são de respon- sabilidade, em parte, de outro grupo de proteínas no sistema de controle – as ciclinas. As ciclinas não têm atividade enzimática por si mesmas, elas preci- sam ligar-se às cinases do ciclo celular antes que as cinases possam tornar-se enzimaticamente ativas. As cinases do sistema de controle do ciclo celular são, por isso, conhecidas como proteínas-cinase dependentes de ciclina, ou Cdks (Figura 18-4). As ciclinas são assim chamadas porque, diferentemente das Cdks, as suas concentrações variam de maneira cíclica durante o ciclo celular. As al- terações cíclicas nas concentrações de ciclina ajudam a promover a formação cíclica e a ativação dos complexos ciclina-Cdk. Uma vez ativados, os complexos ciclina-Cdk desencadeiam vários eventos do ciclo celular, como a entrada na fase S ou na fase M (Figura 18-5). Discutimos como essas moléculas foram descober- tas em Como Sabemos, p. 609-610. Diferentes complexos ciclina-Cdk desencadeiam diferentes etapas do ciclo celular Existem vários tipos de ciclinas e, na maioria dos eucariotos, diversos tipos de Cdks envolvidos no controle do ciclo celular. Diferentes complexos ciclina-Cdk promovem o início de diferentes etapas do ciclo celular. Conforme mostrado na Figura 18-5, a ciclina que atua em G2 promovendo o início da fase M é chamada ciclina M, e o complexo ativo que ela forma com sua Cdk é chamado M-Cdk. Outras ciclinas, chamadas de ciclinas S e ciclinas G1/S, ligam-se a proteínas Cdk distintas no final de G1 para formar S-Cdk e G1/S-Cdk, respectivamente; esses complexos ciclina-Cdk ajudam a progressão pela fase S. As ações de S-Cdk e M-Cdk estão indicadas na Figura 18-8. Outro grupo de ciclinas, denominadas ciclinas G1, atua antes em G1 e se liga a outras proteínas Cdk para formar G1- -Cdks, que promovem a transição da célula de G1 à fase S. Observamos adiante que a formação dos complexos G1-Cdks nas células animais em geral depende de moléculas de sinalização extracelular que estimulam as células a se dividirem. As principais ciclinas e suas Cdks estão listadas na Tabela 18-2. Cinase dependente de ciclina (Cdk) Ciclina Figura 18-4 A progressão pelo ciclo celular depende de proteínas-cinase de- pendentes de ciclinas (Cdks). Uma Cdk deve ligar-se a uma proteína reguladora denominada ciclina antes de se tornar en- zimaticamente ativa. Essa ativação também requer a ativação por fosforilação da Cdk (não mostrado, mas ver Animação 18.1). Quando ativado, o complexo ciclina-Cdk fosforila proteínas-chave na célula que são necessárias para iniciar uma determinada etapa no ciclo celular. A ciclina também aju- da a direcionar a Cdk para suas proteínas- -alvo que a Cdk fosforila. Figura 18-5 O acúmulo de ciclinas ajuda a regular a atividade das Cdks. A formação dos complexos ciclina-Cdk ativos desencadeia vários eventos do ciclo celular, incluindo a entrada na fase S ou na fase M. A figura mostra as alterações na concentração de ciclina e na atividade da proteína-cinase Cdk, responsável pelo con- trole da entrada na fase M. O aumento da concentração da ciclina relevante (chamada de ciclina M) ajuda a promover a formação do complexo ciclina-Cdk ativo (M-Cdk) que desencadeia o início da fase M. Embora a atividade enzimática de cada tipo de complexo ciclina-Cdk aumente e diminua durante o curso do ciclo celular, a con- centração do componente Cdk não flutua (não mostrado). Mitose Interfase InterfaseMitose Atividade de M-Cdk Concentração de ciclina M Alberts_18.indd 608Alberts_18.indd 608 16/01/2017 11:29:3416/01/2017 11:29:34 COMO SABEMOS 609 Durante vários anos, os biólogos celulares observaram o es- petáculo da síntese de DNA, da mitose e da citocinese, mas não tinham ideia dos mecanismos de controle desses even- tos. O sistema de controle do ciclo celular era simplesmente uma “caixa-preta” na célula. Não estava claro, até mesmo, se existia um sistema de controle separado ou se a maquina- ria do ciclo celular se autocontrolava de alguma forma. Um avanço veio com a identificação das proteínas-chave do sis- tema de controle e a descoberta de que elas são distintas dos componentes da maquinaria do ciclo celular – as enzimas e outras proteínas que realizam os principais processos de re- plicação de DNA, segregação de cromossomos e assim por diante. Os primeiros componentes do sistema de controle do ci- clo celular a serem descobertos foram as ciclinas e as cinases dependentes de ciclinas (Cdks) que promovem a transição das células para a fase M. Eles foram encontrados nos estu- dos de divisão celular realizados em óvulos de animais. De volta ao óvulo Os óvulos fertilizados de vários animais são especialmente adequados para estudos bioquímicos do ciclo celular, pois são excepcionalmente grandes e se dividem de forma rápi- da. Um óvulo da rã Xenopus, por exemplo, tem apenas 1 mm de diâmetro (Figura 18-6). Após a fertilização, ele se divide rapidamente, para partir o óvulo em várias células menores. Esses ciclos celulares rápidos consistem principalmente em fases S e M repetidas, com fases G1 ou G2 muito curtas, ou mesmo ausentes, entre eles. Não existe nova transcrição de genes: todas as moléculas de mRNA e a maioria das proteínas necessárias para esse estágio inicial do desenvolvimento em- brionário já estão presentes no interior do óvulo muito grande durante o seu desenvolvimento, como um oócito no ovário da mãe. Nos ciclos de divisão iniciais (divisões por clivagem), não ocorre crescimento da célula, e todas as células do em- brião se dividem em sincronia, diminuindo progressivamente a cada divisão (ver Animação 18.2). Devido à sincronia, é possível obter um extrato dos óvu- los de rã que representa o estágio do ciclo celular no qual o extrato foi preparado. A atividade biológica de um extrato como esse pode então ser testada pela sua injeção em um oócito de Xenopus (o precursor imaturo do óvulo não fertili- zado) e pela observação, microscopicamente, dos seus efei- tos no comportamento do ciclo celular. O oócito de Xenopus é um sistema-teste especialmente conveniente para detectar uma atividade que conduza as células para a fase M, por cau- sa do seu tamanho grande, e porque ele completou a repli- cação do DNA e se encontra no estágio de meiose do ciclo celular (discutido no Capítulo 19), que é equivalente à fase G2 do ciclo celular mitótico. Dê-nos um M Em experimentos como este, Kazuo Matsui e colegas obser- varam que um extrato de óvulo na fase M promove instan- taneamente a transição do oócito para a fase M, ao passo que o citoplasma de um óvulo em divisão em outras fases do ciclo não o faz. Quando fizeram tal descoberta, eles não co- nheciam as moléculas ou o mecanismo responsável, então se referiram ao agente não identificado como fator promotor damaturação, ou MPF (do inglês, maturation promoting factor) (Figura 18-7). Ao testar o citoplasma de diferentes estágios do ciclo celular, Matsui e colegas observaram que a atividade de MPF oscila drasticamente durante o curso de cada ciclo celular: ela aumenta rapidamente um pouco antes do início da mitose e cai rapidamente a zero até o final da mitose (ver Figura 18-5). Essa oscilação fez do MPF um forte candidato a um componente envolvido no controle do ciclo celular. Quando o MPF foi finalmente purificado, observou-se que ele continha uma proteína-cinase que era necessária para a sua atividade. A porção MPF da cinase não atuava so- zinha. Ela necessitava de uma proteína específica (agora sa- bidamente uma ciclina M) ligada a ela para que funcionasse. A ciclina M foi descoberta em um tipo diferente de experi- mento, envolvendo óvulos de molusco. 0,5 mm Figura 18-6 Um óvulo maduro de Xenopus fornece um sis- tema conveniente para estudar o ciclo celular. (Cortesia de Tony Mills.) A DESCOBERTA DAS CICLINAS E DAS Cdks Alberts_18.indd 609Alberts_18.indd 609 16/01/2017 11:29:3416/01/2017 11:29:34 Estudos em moluscos Inicialmente, a ciclina M foi identificada por Tim Hunt como uma proteína cuja concentração aumentava de forma gradual durante a interfase e, então, diminuía rapidamente até zero à medida que os óvulos de moluscos em divisão passavam pela fase M (ver Figura 18-5). A proteína repetia essa atuação em cada ciclo celular. Entretanto, seu papel no controle do ciclo ce- lular era obscuro inicialmente. A descoberta ocorreu quando se observou que a ciclina era um componente do MPF e necessária para a atividade do MPF. Assim, o MPF, que agora chamamos de M-Cdk, é um complexo proteico contendo duas subunidades – uma subunidade reguladora, a ciclina M, e uma subunidade catalítica, a Cdk mitótica. Depois que os componentes de M- -Cdk foram identificados, outros tipos de ciclinas e Cdks foram isolados, cujas concentrações ou atividades, respectivamente, aumentavam e diminuíam em outros estágios do ciclo celular. Todos na família Enquanto os bioquímicos estavam identificando as proteínas que regulam os ciclos celulares dos embriões de rãs e molus- cos, os geneticistas de leveduras – liderados por Lee Hartwell, estudando a levedura do pão (S. cerevisiae), e Paul Nurse, es- tudando as leveduras de fissão (S. pombe) – estavam usando uma abordagem genética para dissecar o sistema de controle do ciclo celular. Com base no estudo de mutantes que pa- ram ou que se portam mal em pontos específicos no ciclo celular, esses pesquisadores foram capazes de identificar vários genes responsáveis pelo controle do ciclo celular. Al- guns desses genes codificam proteínas como ciclina ou Cdk, que são, de maneira clara, similares – tanto na sequência de aminoácidos como na função – às suas homólogas em rãs e moluscos. Genes semelhantes logo foram identificados em células humanas. Vários dos genes de controle do ciclo celular se altera- ram tão pouco durante a evolução, que a versão humana do gene funcionará perfeitamente em uma célula de levedura. Por exemplo, Nurse e colaboradores foram os primeiros a mostrar que uma levedura com uma cópia defeituosa do gene que co- difica sua única Cdk não é capaz de se dividir, mas se divide normalmente se uma cópia do gene humano apropriado for introduzida artificialmente na célula defeituosa. Até mesmo Darwin ficaria atônito com uma evidência dessas, de que hu- manos e leveduras são primos. Apesar de bilhões de anos de evolução divergente, todas as células eucarióticas – no meio de leveduras, animais ou vegetais – usam essencialmente as mes- mas moléculas para controlar os eventos do seu ciclo celular. INJEÇÃO DE CITOPLASMA OBTIDO DE CÉLULAS NA FASE M INJEÇÃO DE CITOPLASMA OBTIDO DE CÉLULAS NA INTERFASE (A) (B) Oócito Núcleo Fuso facilmente detectado O OÓCITO INICIA A FASE M O OÓCITO NÃO ENTRA NA FASE M Figura 18-7 A atividade de MPF foi descoberta pela injeção de citoplasma de óvulos de Xenopus em oócitos de Xenopus. (A) Um oócito de Xenopus é injetado com o citoplasma coletado de um óvulo de Xenopus na fase M. O extrato celular promove a transição do oócito para a fase M da primeira divisão meiótica (um processo chamado de maturação), causando a degradação do grande núcleo e a formação de um fuso. (B) Quando o citoplasma injetado é coletado de um óvulo em clivagem na interfase, o oócito não entra na fase M. Portanto, o extrato em (A) deve conter alguma atividade – um fator promotor da maturação (MPF) – que promova o início da fase M. 610 Fundamentos da Biologia Celular Alberts_18.indd 610Alberts_18.indd 610 16/01/2017 11:29:3416/01/2017 11:29:34 Capítulo 18 • O ciclo de divisão celular 611 Cada um desses complexos ciclina-Cdk fosforila um grupo diferente de pro- teínas-alvo na célula. G1-Cdks, por exemplo, fosforilam proteínas reguladoras que ativam a transcrição de genes necessários para a replicação do DNA. Por meio da ativação de diferentes conjuntos de proteínas-alvo, cada tipo de complexo pro- move o início de uma etapa de transição diferente no ciclo. As concentrações de ciclina são reguladas pela transcrição e pela proteólise Como discutido no Capítulo 7, a concentração de uma dada proteína na célula é determinada pela taxa na qual a proteína é sintetizada e pela taxa na qual ela é degradada. Durante o curso do ciclo celular, a concentração de cada tipo de ciclina aumenta gradualmente e então decai de maneira abrupta (ver Figura 18- 8). O aumento gradual na concentração de ciclina é o resultado da transcrição aumentada dos genes de ciclina, enquanto o decaimento rápido na concentração de ciclina se deve à degradação específica da proteína. A degradação abrupta das ciclinas M e S durante a fase M depende de um grande complexo enzimático denominado – por motivos que se tornarão claros adiante – complexo promotor de anáfase (APC, do inglês anaphase-promoting complex). Esse complexo marca essas ciclinas com uma cadeia de ubiquitina. Conforme discutido no Capítulo 7, as proteínas marcadas dessa forma são dire- cionadas aos proteassomos, onde são rapidamente degradadas (ver Figura 7-40). A ubiquitinação e a degradação da ciclina alteram a Cdk ao seu estado inativo (Figura 18-9). A degradação da ciclina pode ajudar a promover a transição de uma fase do ciclo celular para a próxima. Por exemplo, a degradação da ciclina M e a inativação resultante da M-Cdk levam aos eventos moleculares que finalizam o processo de mitose. Ciclina S G2 MSG1 Ciclina S Ciclina M Ciclina M G1 S-Cdk ativa M-Cdk ativa Figura 18-8 Cdks distintas se associam a diferentes ciclinas para acionar os diferen- tes eventos do ciclo celular. Para simplificar, apenas dois tipos de complexos ciclina- -Cdk são mostrados – um que desencadeia a fase S e outro que desencadeia a fase M. TABELA 18-2 As principais ciclinas e Cdks de vertebrados Complexo ciclina-Cdk Ciclina Componente Cdk G1-Cdk Ciclina D* Cdk4, Cdk6 G1/S-Cdk Ciclina E Cdk2 S-Cdk Ciclina A Cdk2 M-Cdk Ciclina B Cdk1 *Existem três ciclinas D em mamíferos (ciclinas D1, D2 e D3). Alberts_18.indd 611Alberts_18.indd 611 16/01/2017 11:29:3416/01/2017 11:29:34 612 Fundamentos da Biologia Celular A atividade dos complexos ciclina-Cdk depende de fosforilação e desfosforilação O aumento e a diminuição da concentração de proteínas ciclina têm um papel importante na regulação da atividade de Cdk durante o ciclo celular, mas deve haver mais nessa história: embora as concentrações de ciclina aumentem de forma gradual, a atividade dos complexos ciclina-Cdk associados tende a ser iniciada abruptamente no momento apropriado do ciclo celular (ver Figura 18- 5). O que poderia acionar tal ativação abrupta desses complexos? Descobriu- -se que o complexo ciclina-Cdk contém fosfatos inibidores, e que, para se tor- nar ativa, a Cdk deve ser desfosforilada por uma proteína-fosfatase específica (Figura 18-10). Portanto, as proteínas-cinase eas fosfatases regulam a ativi- dade de complexos ciclina-Cdk específicos e ajudam a controlar a progressão pelo ciclo celular. A atividade de Cdk pode ser bloqueada por proteínas inibidoras de Cdk Além da fosforilação e da desfosforilação, a atividade das Cdks também pode ser modulada pela ligação de proteínas inibidoras de Cdk. O sistema de controle do ciclo celular utiliza esses inibidores para bloquear a formação ou a atividade de certos complexos ciclina-Cdk. Algumas proteínas inibidoras de Cdk, por exem- plo, ajudam a manter as Cdks em um estado inativo durante a fase G1 do ciclo, retardando, assim, a progressão para a fase S (Figura 18-11). A pausa nesse ponto de verificação dá à célula mais tempo para crescer, ou permite que ela espere até que as condições extracelulares sejam favoráveis para a divisão. O sistema de controle do ciclo celular pode pausar o ciclo de várias formas Como mencionado antes, o sistema de controle do ciclo celular pode atrasar transitoriamente o progresso pelo ciclo em vários pontos de transição para as- segurar que os principais eventos do ciclo ocorram em uma ordem específica. Nessas transições, o sistema de controle monitora o estado interno da célula e as condições no seu ambiente, antes de permitir que a célula inicie a próxima etapa Figura 18-9 A atividade de algumas Cdks é regulada pela degradação da cicli- na. A ubiquitinação da ciclina S ou ciclina M pelo APC marca a proteína para degra- dação nos proteassomos (como discutido no Capítulo 7). A perda de ciclina torna inativa sua Cdk parceira. UBIQUITINAÇÃO DA CICLINA POR APC DESTRUIÇÃO DA CICLINA NO PROTEASSOMO + Cdk inativaComplexo ciclina- -Cdk ativo Cdk ativa Ciclina Cadeia de ubiquitina Figura 18-10 Para que o complexo M-Cdk seja ativo, os fosfatos inibidores devem ser removidos. Logo que o com- plexo ciclina M-Cdk é formado, ele é fos- forilado em dois locais adjacentes por uma proteína-cinase inibidora chamada Wee1. (Para simplificar, apenas um fosfato inibidor é mostrado). Essa modificação mantém M-Cdk em um estado inativo até que esses fosfatos sejam removidos por uma proteína- -fosfatase ativadora chamada Cdc25. Ainda não está claro como o momento crítico da etapa de ativação da fosfatase Cdc25, mos- trado aqui, é controlado. Cdk mitótica Ciclina M M-Cdk inativa Cinase inibidora (Wee1) M-Cdk ativaFosfatase ativadora (Cdc25) Fosfatase inibidora P Pi Alberts_18.indd 612Alberts_18.indd 612 16/01/2017 11:29:3416/01/2017 11:29:34 Capítulo 18 • O ciclo de divisão celular 613 do ciclo. Por exemplo, ele somente permite o início da fase S se as condições do meio forem apropriadas; somente inicia a mitose depois que o DNA foi comple- tamente replicado; e somente inicia a segregação dos cromossomos depois que os cromossomos duplicados estiverem corretamente alinhados no fuso mitótico. Para realizar essa verficação, o sistema de controle utiliza uma combinação dos mecanismos que descrevemos. Na transição G1-para-S, inibidores de Cdk são usados para impedir que as células entrem na fase S e repliquem seu DNA (ver Figura 18-11). Na transição G2-para-M, o sistema reprime a ativação de M-Cdk por meio da inibição de fosfatases necessárias para ativar a Cdk (ver Figura 18-10). E ele pode atrasar a finalização da mitose pela inibição da ativação de APC, evitan- do assim a degradação da ciclina M (ver Figura 18-9). Esses mecanismos, resumidos na Figura 18-12, permitem que a célula tome “decisões” sobre progredir ou não no ciclo celular. Na próxima seção, analisamos em mais detalhes como o sistema de controle do ciclo celular decide se uma cé- lula em G1 deve se comprometer com o processo de divisão celular. FASE G1 Além de ser um período de elevada atividade metabólica, crescimento celular e reparo, G1 é um ponto importante de tomada de decisões para a célula. Com base nos sinais intracelulares que fornecem informação sobre o tamanho da célula, e nos sinais extracelulares que refletem o meio, a maquinaria de controle do ciclo celular pode pausar a célula de forma transitória em G1 (ou em um estado não proliferativo prolongado, G0), ou permitir que ela se prepare para entrar na fase S de outro ciclo celular. Uma vez passada essa transição crítica G1-para-S, a célula costuma prosseguir por todo o resto do ciclo celular rapidamente – em geral den- tro de 12 a 24 horas nos mamíferos. Portanto, nas leveduras, a transição G1-para-S às vezes é chamada de Start (Início), pois a passagem por ela representa um com- prometimento para completar um ciclo celular inteiro (Figura 18-13). Figura 18-11 A atividade de uma Cdk pode ser bloqueada pela ligação de uma inibidora de Cdk. Neste exemplo, a pro- teína inibidora (chamada p27) se liga a um complexo ciclina-Cdk ativado. A sua ligação impede que a Cdk fosforile proteínas-alvo necessárias para a progressão de G1 para a fase S. Cdk Ciclina Complexo ciclina-Cdk ativo Complexo p27-ciclina-Cdk inativop27 Figura 18-12 O sistema de controle do ciclo celular utiliza vários mecanismos para pausar o ciclo em pontos espe- cíficos. G2 M S G1 CONTROLADOR A INIBIÇÃO DA FOSFATASE ATIVADORA (Cdc25) BLOQUEIA O INÍCIO DA MITOSE A INIBIÇÃO DA ATIVAÇÃO DE APC RETARDA A FINALIZAÇÃO DA MITOSE INIBIDORES DE Cdk BLOQUEIAM O INÍCIO DA FASE S Alberts_18.indd 613Alberts_18.indd 613 16/01/2017 11:29:3416/01/2017 11:29:34 614 Fundamentos da Biologia Celular Nesta seção, consideramos como o sistema de controle do ciclo celular deci- de entre essas opções – e o que ele faz uma vez que a decisão foi tomada. Os me- canismos moleculares envolvidos são especialmente importantes, já que defeitos podem levar à proliferação celular não controlada e câncer. Cdks são inativadas de forma estável em G1 Durante a fase M, quando as células estão se dividindo ativamente, a célula está repleta de complexos ciclina-Cdk ativos. Se S-Cdks e M-Cdks não forem desa- tivados no final da fase M, a célula imediatamente replicará seu DNA e iniciará outro ciclo de divisão, sem perder qualquer tempo significativo nas fases G1 ou G2. Essa rápida passagem pelo ciclo costuma ser observada em alguns embriões jovens, onde as células diminuem de tamanho a cada divisão celular, tendo pou- co tempo para crescer nos intervalos. Para conduzir a célula a partir da agitação da fase M para a tranquilidade re- lativa de G1, a maquinaria de controle do ciclo celular deve inativar seu inventário de S-Cdk e M-Cdk. Isso ocorre pela eliminação de todas as ciclinas existentes, pelo bloqueio da síntese de novas ciclinas e pela atividade de proteínas inibidoras de Cdk para inibir a atividade de qualquer complexo ciclina-Cdk remanescente. O uso de mecanismos múltiplos torna esse sistema de repressão robusto, as- segurando que essencialmente toda atividade de Cdk seja suprimida. Tal inati- vação maciça reajusta o sistema de controle do ciclo celular e gera uma fase G1 estável, durante a qual a célula pode crescer e monitorar seu meio antes de se comprometer com um novo ciclo de divisão. Os mitógenos promovem a produção de ciclinas que estimulam a divisão celular Como regra, as células de mamíferos apenas irão se multiplicar se forem estimu- ladas por sinais extracelulares, chamados de mitógenos, produzidos por outras células. Se privadas de tais sinais, o ciclo celular permanece em G1; se a célula é privada de mitógenos por tempo suficiente, ela interrompe o ciclo celular e en- trará em um estado não proliferativo, no qual a célula pode permanecer por dias ou semanas, meses ou mesmo pelo tempo de vida do organismo, como descre- vemos em breve. A reversão da interrupção do ciclo celular – ou de certos estados não pro- liferativos – exige o acúmulo de ciclinas. Os mitógenos agem ativando vias de sinalização celular que estimulam a síntese de ciclinas G1, ciclinas G1/S e outras proteínas envolvidas na síntese de DNA e duplicação dos cromossomos. O acú- mulo dessas ciclinas aciona uma onda de atividade de G1/S-Cdk, que por fimremove os controles negativos que, caso contrário, bloqueiam a progressão de G1 para a fase S. Um controle negativo crucial é mediado pela proteína Retinoblastoma (Rb). Rb foi primeiramente identificada a partir de estudos de um raro tumor ocular da infância denominado retinoblastoma, no qual a proteína Rb está ausente ou é defeituosa. Rb é abundante no núcleo de todas as células de vertebrados, onde se liga a determinados reguladores de transcrição, impedindo que ativem os ge- nes necessários para a proliferação celular. Os mitógenos revertem a inibição mediada por Rb, acionando a ativação de G1-Cdks e G1/S-Cdks. Esses complexos fosforilam a proteína Rb, alterando a sua conformação de modo que ela se dis- socie dos reguladores da transcrição, que então estão livres para ativar os genes necessários para a proliferação celular (Figura 18-14). O dano ao DNA pode pausar temporariamente a progressão por G1 O sistema de controle do ciclo celular utiliza vários mecanismos distintos para pausar o progresso pelo ciclo celular caso o DNA esteja danificado. Isso pode ocorrer em vários pontos de transição de uma fase do ciclo celular para a próxi- Diferenciação terminal Prosseguir para a fase S? Pausar? Permanecer em G0? Não mais se dividir e diferenciar terminalmente? PARE!Ponto deverificação G1 Figura 18-13 A transição de G1 para a fase S oferece à célula uma encru- zilhada. A célula pode prosseguir para completar outro ciclo celular, pausar tran- sitoriamente até que as condições estejam adequadas ou interromper o ciclo celular – temporariamente em G0, ou permanen- temente no caso de células terminalmente diferenciadas. QUESTÃO 18-3 Por que você acha que as células desenvolveram uma fase especial G0 para sair do ciclo celular, em vez de apenas parar em G1 e não iniciar para a fase S? Alberts_18.indd 614Alberts_18.indd 614 16/01/2017 11:29:3416/01/2017 11:29:34 Capítulo 18 • O ciclo de divisão celular 615 ma. O mecanismo que opera na transição G1-para-S, que impede que a célula re- plique o DNA danificado, é especialmente bem compreendido. Os danos ao DNA em G1 causam um aumento tanto na concentração como na atividade de uma proteína, chamada de p53, um regulador da transcrição que ativa a transcrição de um gene que codifica uma proteína inibidora de Cdk chamada de p21. A pro- teína p21 se liga aos complexos G1/S-Cdk e S-Cdk, impedindo que eles conduzam a célula para a fase S (Figura 18-15). O aprisionamento do ciclo celular em G1 per- mite que a célula tenha tempo para reparar o DNA danificado antes de replicá-lo. Se o dano ao DNA for muito severo para ser reparado, p53 pode induzir a célula a iniciar o processo de morte celular programada, chamado de apoptose, que dis- cutimos adiante. Caso p53 não esteja presente ou esteja defeituosa, a replicação do DNA danificado conduz a uma alta taxa de mutações e à produção de células que tendem a se tornar cancerosas. Mutações no gene p53 são encontradas em cerca da metade de todos os cânceres humanos (Animação 18.3). As células podem retardar a divisão por períodos prolongados, entrando em estados especializados de não divisão Como mencionado anteriormente, as células podem retardar a progressão do ciclo celular em pontos específicos de transição, para esperar por condições ade- quadas ou para reparar DNA danificado. Elas também podem interromper o ciclo celular por períodos prolongados – de maneira temporária ou permanentemente. A decisão mais radical que um sistema de controle do ciclo celular pode to- mar é interromper o ciclo celular permanentemente. Tal decisão tem especial im- portância em organismos multicelulares. Muitas células no corpo humano param de se dividir permanentemente quando se diferenciam. Nessas células com dife- renciação terminal, como células nervosas ou musculares, o sistema de controle do ciclo celular é totalmente desmantelado, e os genes que codificam ciclinas e Cdks relevantes são inativados de modo irreversível. Figura 18-14 Um modo pelo qual os mi- tógenos estimulam a proliferação celular é mediante inibição da proteína Rb. Na ausência dos mitógenos, a proteína Rb desfosforilada mantém reguladores especí- ficos da transcrição em um estado inativo; esses reguladores da transcrição são ne- cessários para estimular a transcrição de genes-alvo que codificam proteínas neces- sárias à proliferação celular. A ligação dos mitógenos a receptores da superfície celu- lar ativa as vias de sinalização intracelular que levam à formação e ativação dos com- plexos G1-Cdk e G1/S-Cdk. Esses comple- xos fosforilam, e assim inativam, a proteína Rb, liberando os reguladores de transcrição que ativam a transcrição de genes necessá- rios à proliferação celular. Via de sinalização intracelular Regulador da transcrição ativo Regulador da transcrição inativado Proteína Rb ativa Receptor ativado do mitógeno Mitógeno G1-Cdk e G1/S-Cdk ativados Proteína Rb inativada FOSFORILAÇÃO DE Rb TRANSCRIÇÃO TRADUÇÃO PROLIFERAÇÃO CELULAR P P Alberts_18.indd 615Alberts_18.indd 615 16/01/2017 11:29:3416/01/2017 11:29:34 616 Fundamentos da Biologia Celular Na ausência de sinais apropriados, outros tipos celulares interrompem o do ciclo celular apenas temporariamente, entrando em um estado de repouso cha- mado G0. Eles mantêm a capacidade de reativar rapidamente o controle do ciclo celular e se dividir outra vez. A maioria das células hepáticas, por exemplo, está em G0, mas pode ser estimulada para proliferar se o fígado sofrer algum dano. A maior parte da diversidade nas taxas de divisão celular no corpo adulto depende da variação no tempo que a célula permanece em G0 ou em G1. Alguns tipos de células, incluindo as hepáticas, em geral se dividem apenas uma ou duas vezes por ano, enquanto certas células epiteliais no intestino se dividem mais do que duas vezes por dia para renovar o revestimento do intestino continuamente. Muitas das nossas células estão entre esses dois pontos: elas podem se dividir caso surja a necessidade, mas isso em geral não é frequente. FASE S Antes que a célula se divida, ela deve replicar seu DNA. Como discutimos no Capítulo 6, essa replicação deve ocorrer com extrema acuidade para minimizar o risco de mutações na próxima geração de células. De igual importância, cada nucleotídeo no genoma deve ser copiado uma vez – e somente uma vez – para evitar os efeitos danosos da multiplicação gênica. Nesta seção, consideramos os elegantes mecanismos moleculares pelos quais o sistema de controle do ciclo celular inicia a replicação do DNA e, ao mesmo tempo, impede que a replicação ocorra mais de uma vez por ciclo celular. Figura 18-15 O dano ao DNA pode interromper o ciclo celular em G1. Quan- do o DNA é danificado, proteínas-cinase específicas respondem ativando a proteína p53 e impedindo a sua rápida degradação. Desse modo, a proteína p53 ativada se acu- mula e estimula a transcrição do gene que codifica a proteína p21 inibidora de Cdk. A proteína p21 se liga a G1/S-Cdk e a S-Cdk e os inativa, de forma que o ciclo celular é interrompido em G1. p53 ativada, estável p53 Gene p21 mRNA de p21 p21 (proteína inibidora de Cdk) TRANSCRIÇÃO TRADUÇÃO ATIVA G1/S-Cdk e S-Cdk INATIVA G1/S-Cdk e S-Cdk complexadas a p21 p53 ATIVA SE LIGA À REGIÃO REGULADORA DO GENE p21 ATIVAÇÃO DE PROTEÍNAS-CINASE QUE FOSFORILAM p53, ESTABILIZANDO E ATIVANDO-A NA AUSÊNCIA DE DANO AO DNA, p53 É DEGRADADA NOS PROTEASSOMOS DNA Raios X causam dano ao DNA P P QUESTÃO 18-4 Quais podem ser as consequências caso uma célula replique seu DNA danificado antes de repará-lo? Alberts_18.indd 616Alberts_18.indd 616 16/01/2017 11:29:3416/01/2017 11:29:34 Capítulo 18 • O ciclo de divisão celular 617 S-Cdk inicia a replicação do DNA e impede a repetição do processo Como qualquer tarefa monumental, a configuração dos cromossomos para re- plicação requer certa preparação. Para as células eucarióticas, essa preparação inicia-se cedo em G1, quandoo DNA é preparado para a replicação por meio do recrutamento de proteínas para os locais ao longo de cada cromossomo onde a replicação terá início. Essas sequências nucleotídicas, chamadas de origens de replicação, servem como locais de ligação para as proteínas e os complexos pro- teicos que controlam e realizam a síntese de DNA. Um desses complexos proteicos, chamado de complexo de reconhecimento da origem (ORC, do inglês origin recognition complex), permanece ligado às ori- gens de replicação durante todo o ciclo celular. Na primeira etapa do início da replicação, ORC recruta uma proteína denominada Cdc6, cuja concentração au- menta nas etapas iniciais de G1. Juntas, essas proteínas ligam as DNA-helicases que abrirão a dupla-hélice e preparam a origem de replicação. Uma vez que este complexo pré-replicativo esteja no lugar, a origem de replicação está pronta para iniciar o processo. O sinal para iniciar a replicação vem a partir de S-Cdk, o complexo ciclina- -Cdk que ativa a fase S. O complexo S-Cdk é formado e ativado no final de G1. Du- rante a fase S, ele ativa as DNA-helicases no complexo pré-replicativo e promove a associação do restante das proteínas que formam a forquilha de replicação (ver Figura 6-19). Dessa forma, S-Cdk essencialmente ativa o início da replicação do DNA (Figura 18-16). O complexo S-Cdk não apenas desencadeia o início da síntese de DNA na origem de replicação; ele também ajuda a impedir a repetição desse processo. Isso é feito pela fosforilação de Cdc6, o que marca esta proteína para a degra- Cdc6 ORC (complexo de reconhecimento da origem ligado à origem) P P P P DNA-helicase Complexo pré-replicativo (pré-RC) S-Cdk HELICASE ATIVADA, MÁQUINA DE REPLICAÇÃO RECRUTADA REALIZAÇÃO DA REPLICAÇÃO DO DNA DNA LIGAÇÃO DA DNA-HELICASE, DISSOCIAÇÃO DE Cdc6 G1 S ORIGEM PRONTA PARA INICIAR A REPLICAÇÃO REPLICAÇÃO INICIADA A PARTIR DA ORIGEM DNA-polimerase Forquilha de replicação Figura 18-16 O início da replicação do DNA ocorre em duas etapas. Durante G1, Cdc6 se liga ao ORC, e juntas essas proteínas ligam um par de DNA-helicases para formar um complexo pré-replicativo. No início da fase S, S-Cdk desencadeia o início da replicação a partir da origem de replicação pronta, promovendo a formação do complexo da DNA-polimerase (verde) e a ligação de outras proteínas (não mos- trado) que iniciam a síntese de DNA na for- quilha de replicação (discutido no Capítulo 6). O complexo S-Cdk também bloqueia a repetição desse processo, pela fosforilação de Cdc6, o que marca essa proteína para degradação (não mostrado). Alberts_18.indd 617Alberts_18.indd 617 16/01/2017 11:29:3516/01/2017 11:29:35 618 Fundamentos da Biologia Celular dação. A eliminação de Cdc6 ajuda a assegurar que a replicação do DNA não possa iniciar novamente durante o mesmo ciclo celular. A replicação incompleta pode pausar o ciclo celular em G2 Na seção anterior, descrevemos como o dano ao DNA sinaliza ao sistema de con- trole do ciclo celular para atrasar o progresso ao longo da transição G1-para-S, impedindo que a célula replique DNA danificado. Mas e se erros ocorrerem duran- te a replicação do DNA – ou se a replicação não estiver completa? Como a célula impede sua divisão, com DNA que está incorreta ou incompletamente replicado? Para resolver esses problemas, o sistema de controle do ciclo celular utiliza um mecanismo que pode retardar o início da fase M. Como vimos na Figura 18-10, a atividade do complexo M-Cdk é inibida pela fosforilação em determina- dos sítios. Para que a célula progrida para a mitose, esses grupos fosfatos inibi- dores devem ser removidos por uma proteína-fosfatase ativadora denominada Cdc25. Quando o DNA é danificado ou replicado de forma incompleta, a própria Cdc25 é inibida, impedindo a remoção desses grupos fosfato inibidores. Em con- sequência, M-Cdk permanece inativo e a fase M não é iniciada até que a replica- ção do DNA esteja completa e qualquer dano ao DNA seja reparado. Uma vez que a célula tenha replicado seu DNA com sucesso na fase S e progredido por G2, ela está pronta para entrar na fase M. Durante esse período relativamente curto, a célula dividirá seu núcleo (mitose) e então seu citoplasma (citocinese; ver Figura 18-2). Nas próximas três seções, descrevemos os eventos que ocorrem durante a fase M. Primeiro, apresentamos uma breve visão geral da fase M como um todo e então discutimos, na sequência, a mecânica da mitose e da citocinese, com foco nas células animais. FASE M Embora a fase M (mitose mais citocinese) ocorra em um período relativamente curto de tempo – cerca de uma hora nas células de mamíferos que se dividem uma vez ao dia, ou mesmo uma vez ao ano –, ela é, de longe, a fase mais im- portante do ciclo celular. Durante esse breve período, a célula reorganiza prati- camente todos os seus componentes e os distribui de forma igual entre as duas células-filhas. As fases anteriores do ciclo celular, de fato, servem para estabele- cer as condições para a ocorreência da fase M. O problema central para a célula na fase M é segregar precisamente os cro- mossomos que foram duplicados na fase S anterior, de modo que cada célula- -filha receba uma cópia idêntica do genoma. Com pequenas variações, todos os eucariotos resolvem esse problema de maneira similar: eles reúnem duas ma- quinarias especializadas do citoesqueleto, uma que separa os cromossomos du- plicados (durante a mitose) e outra que divide o citoplasma em duas metades (citocinese). Iniciamos nossa discussão sobre a fase M com uma visão geral de como a célula coloca os processos da fase M em movimento. M-Cdk promove a entrada na fase M e na mitose Uma das características mais notáveis do sistema de controle do ciclo celular é que um único complexo proteico, M-Cdk, origina todos os diversos e intrincados rearranjos que ocorrem nos estágios iniciais da mitose. Entre suas várias respon- sabilidades, M-Cdk ajuda a preparar os cromossomos duplicados para a segre- gação e induzir a formação do fuso mitótico – a maquinaria que irá segregar os cromossomos duplicados. Os complexos M-Cdk se acumulam durante G2. Mas essa reserva não é ati- vada até o final de G2, quando a fosfatase Cdc25 ativadora remove os grupos fos- fatos inibidores, mantendo a atividade de M-Cdk sob controle (ver Figura 18-10). Tal ativação é autorreforçadora: uma vez ativado, cada complexo M-Cdk pode Alberts_18.indd 618Alberts_18.indd 618 16/01/2017 11:29:3516/01/2017 11:29:35 Capítulo 18 • O ciclo de divisão celular 619 ativar indiretamente complexos M-Cdk adicionais – fosforilando e ativando mais Cdc25 (Figura 18-17). M-Cdk ativado também inibe a cinase inibidora Wee1 (ver Figura 18-10), promovendo a produção adicional de M-Cdk ativado. A consequên- cia geral é que, uma vez que a ativação de M-Cdk se inicia, ela promove um aumento explosivo na atividade de M-Cdk, o que promove a transição da célula abruptamente de G2 para a fase M. As coesinas e condensinas ajudam a organizar os cromossomos duplicados para a separação Quando as células entram na fase M, os cromossomos duplicados se conden- sam, tornando-se visíveis sob o microscópio como estruturas semelhantes a fi- lamentos. Complexos proteicos, denominados condensinas, ajudam a realizar essa condensação dos cromossomos, que reduz os cromossomos mitóticos a corpos compactos que podem ser mais facilmente segregados no volume interno limitado da célula em divisão. A formação dos complexos de condensina sobre o DNA é acionada pela fosforilação das condensinas por M-Cdk. Mesmo antes da condensação dos cromossomos mitóticos, o DNA replicado é tratado de um modo que permite que as células possam manter sob controle as duas cópias de cada cromossomo. Logo depois que um cromossomo é duplicado durante a fase S, as duas cópias se mantêm fortemente unidas. Cada uma dessas cópias idênticas – chamadas de cromátides-irmãs – contém uma molécula de DNA de fita dupla, e suas proteínas associadas.As cromátides-irmãs são man- tidas juntas por complexos proteicos chamados de coesinas, que se formam ao longo do comprimento de cada cromátide à medida que o DNA é replicado. Essa coesão entre cromátides-irmãs é crucial para a segregação adequada dos cro- mossomos e é completamente rompida apenas no final da mitose para permitir que as cromátides-irmãs sejam separadas pelo fuso mitótico. Defeitos na coesão das cromátides-irmãs levam a erros grandes na segregação dos cromossomos. Nos humanos, tais erros na segregação levam a números anormais de cromos- somos, como em indivíduos com a síndrome de Down, que têm três cópias do cromossomo 21. As coesinas e condensinas estão relacionadas estruturalmente, e acredita- -se que ambas formem estruturas em anel ao redor do DNA cromossômico. Mas enquanto as coesinas ligam as duas cromátides-irmãs (Figura 18-18A), as conden- sinas se ligam a cada cromátide-irmã no início da fase M e ajudam cada uma das duplas-hélices a se enrolar em uma forma mais compacta (Figura 18-18B e C). Jun- tas, essas proteínas ajudam a organizar os cromossomos replicados para a mitose. Diferentes associações de estruturas do citoesqueleto realizam a mitose e a citocinese Depois que os cromossomos duplicados se condensaram, duas maquinarias cito- esqueléticas complexas se associam em sequência para realizar os dois proces- sos mecânicos que ocorrem na fase M. O fuso mitótico realiza a divisão nuclear (mitose), e, em células animais e vários eucariotos unicelulares, o anel contrátil realiza a divisão citoplasmática (citocinese) (Figura 18-19). Ambas as estruturas se dissociam rapidamente depois de terem realizado suas tarefas. O fuso mitótico é composto de microtúbulos e várias proteínas que inte- ragem com eles, incluindo as proteínas motoras associadas aos microtúbulos (discutidas no Capítulo 17). Em todas as células eucarióticas, o fuso mitótico é responsável por separar os cromossomos replicados e alocar uma cópia de cada cromossomo para cada célula-filha. O anel contrátil consiste principalmente em filamentos de actina e miosina, arranjados em um anel ao redor do equador da célula (ver Capítulo 17). Ele inicia sua formação ao final da mitose logo abaixo da membrana plasmática. Quando o anel se contrai, ele puxa a membrana para o interior, dividindo a célula em duas (ver Figura 18-19). Discutimos adiante como as células vegetais, que possuem parede celular, dividem seu citoplasma por um mecanismo bem diferente. M-Cdk ativa Fosfatase Cdc25 ativa Fosfatase Cdc25 inativa Fosfatos inibidores RETROALIMENTAÇÃO POSITIVA M-Cdk inativa P P P P 2 Figura 18-17 O complexo M-Cdk ati- vado indiretamente ativa mais M-Cdk, criando um ciclo de retroalimentação positiva. Uma vez ativado, M-Cdk fosforila e assim ativa mais a fosfatase ativadora de Cdk (Cdc25). Agora, essa fosfatase pode ativar mais M-Cdk pela remoção dos gru- pos fosfatos inibidores da subunidade Cdk. QUESTÃO 18-5 Uma pequena quantidade de cito- plasma isolada de uma célula em mitose é injetada em um oócito de rã não fertilizado, fazendo o oócito entrar na fase M (ver Figura 18-7A). Uma amostra do citoplasma do oócito injetado é então coletada e injetada em um segundo oócito, fa- zendo essa célula também entrar na fase M. O processo é repetido várias vezes até que, essencialmente, nada da amostra da proteína original per- maneça, e, mesmo assim, o citoplas- ma coletado do último em uma série de oócitos injetados ainda é capaz de promover o início da fase M sem diminuição da eficiência. Explique essa observação notável. Alberts_18.indd 619Alberts_18.indd 619 16/01/2017 11:29:3516/01/2017 11:29:35 620 Fundamentos da Biologia Celular Cromátides- -irmãs Anéis de coesina Anéis de condensina 1 µm (C) (A) (B) A fase M ocorre em estágios Embora a fase M ocorra como uma sequência contínua de eventos, ela é tradi- cionalmente dividida em uma série de seis estágios. Os primeiros cinco estágios da fase M – prófase, prometáfase, metáfase, anáfase e telófase – constituem a mitose, a qual é originalmente definida como o período no qual os cromosso- mos estão visíveis (pois estão condensados). A citocinese, que constitui o está- gio final da fase M, inicia-se antes que a mitose termine. Os estágios da fase M estão resumidos no Painel 18-1 (p. 622-623). Em conjunto, eles formam uma sequência dinâmica na qual vários ciclos independentes – envolvendo os cro- mossomos, o citoesqueleto e os centrossomos – são coordenados para produzir duas células-filhas geneticamente idênticas (Animação 18.4 e Animação 18.5). Figura 18-18 As coesinas e condensinas ajudam a orga- nizar os cromossomos duplicados para a segregação. (A) As coesinas ligam as duas cromátides-irmãs adjacentes em cada cromossomo duplicado. Acredita-se que elas for- mem grandes anéis proteicos que circundam as cromátides- -irmãs, impedindo que estas se separem, até que os anéis sejam desfeitos no final da mitose. (B) As condensinas ajudam a enrolar cada cromátide-irmã (em outras palavras, cada dupla-hélice de DNA) em uma estrutura menor mais compacta que pode ser mais facilmente segregada durante a mitose. (C) Uma micrografia eletrônica de varredura de um cromossomo mitótico replicado, que consiste em duas cromátides-irmãs ligadas em toda a sua extensão. A região de constrição (seta) é o centrômero, onde cada cromátide se ligará ao fuso mitótico, que separa as cromátides-irmãs ao final da mitose. (C, cortesia de Terry D. Allen.) Figura 18-19 Duas estruturas transitó- rias do citoesqueleto realizam a fase M nas células animais. O fuso mitótico é for- mado inicialmente para separar os cromos- somos duplicados. A seguir, ocorre a for- mação do anel contrátil para dividir a célula em duas. O fuso mitótico é composto por microtúbulos, ao passo que o anel contrátil é composto por filamentos de actina e mio- sina. As células vegetais usam mecanismos bastante distintos para dividir o citoplasma, como consideramos adiante. PROGRESSÃO DA FASE M Microtúbulos do fuso mitótico Filamentos de actina e miosina do anel contrátil Cromossomos Alberts_18.indd 620Alberts_18.indd 620 16/01/2017 11:29:3516/01/2017 11:29:35 Capítulo 18 • O ciclo de divisão celular 621 MITOSE Antes do início da divisão celular, ou mitose, cada cromossomo foi duplicado e consiste em duas cromátides-irmãs idênticas, mantidas unidas ao longo de seu comprimento pelas proteínas coesinas (ver Figura 18-18A). Durante a mitose, as proteínas coesinas são clivadas, as cromátides-irmãs se separam, e os cro- mossomos-filhos resultantes são puxados para os polos opostos da célula pelo fuso mitótico (Figura 18-20). Nesta seção, consideramos como o fuso mitótico é formado e como ele atua. Discutimos como a instabilidade dinâmica dos micro- túbulos e a atividade das proteínas motoras associadas aos microtúbulos con- tribuem tanto para a formação do fuso, como para a capacidade de segregar os cromossomos duplicados. Então consideramos o mecanismo que opera durante a mitose para assegurar a separação sincronizada desses cromossomos. Final- mente, discutimos como os núcleos-filhos se formam. Os centrossomos são duplicados para auxiliar a formação dos dois polos do fuso mitótico Antes do início da fase M, dois eventos críticos devem ser completados: o DNA deve ser totalmente replicado e, em células animais, o centrossomo deve ser duplicado. O centrossomo é o principal centro organizador de microtúbulos das células ani- mais. Ele se duplica de modo que possa promover a formação dos dois polos do fuso mitótico, de maneira que cada célula-filha possa receber seu próprio centrossomo. A duplicação do centrossomo inicia-se ao mesmo tempo em que a repli- cação do DNA. O processo é desencadeado pelas mesmas Cdks – G1/S-Cdk e S-Cdk – que iniciam a replicação do DNA. Inicialmente, quando o centrossomo se duplica, ambas as cópias permanecem unidas como um único complexo ao lado do núcleo. Entretanto, quando a mitose se inicia, os doiscentrossomos se separam, e cada um irradia um arranjo radial de microtúbulos chamado de áster. Os dois ásteres se movem para os polos opostos do núcleo para formar os dois polos do fuso mitótico (Figura 18-21). O processo de duplicação e separação dos centrossomos é conhecido como o ciclo do centrossomo. Figura 18-20 As cromátides-irmãs se se- param no início da anáfase. O fuso mitóti- co então puxa os cromossomos resultantes para os polos opostos da célula. Cromátides-irmãs Fuso mitótico Polo do fuso Ásteres Cromossomos-filhos Figura 18-21 O centrossomo nas células interfásicas se duplica para formar os dois polos do fuso mitótico. Na maioria das células animais em interfase (G1, S e G2), um par de centríolos (mostrado aqui como um par de barras verde-escuras) está associado com a matriz do centrossomo (verde- -claro), que promove a nucleação do crescimento do microtúbulo. (O volume da matriz do centrossomo está exagerado neste diagrama por questões de clareza.) A duplicação do centrossomo se inicia no começo da fase S e se completa no final da fase G2. No início, os dois centrossomos permanecem unidos, mas no princípio da fase M, eles se separam e cada um faz a nuclea- ção do seu próprio áster de microtúbulos. Os centrossomos então se deslo- cam e se distanciam, e os microtúbulos que interagem entre os dois ásteres, preferencialmente, alongam-se para formar o fuso mitótico bipolar com um áster em cada polo. Quando o envelope nuclear é desfeito, os microtúbulos do fuso são capazes de interagir com os cromossomos duplicados. S/G2 G1 Áster Fase M Cromossomo duplicado Envelope nuclear Fuso metafásico Fuso mitótico em formação Centrossomo Centrossomo replicado Alberts_18.indd 621Alberts_18.indd 621 16/01/2017 11:29:3516/01/2017 11:29:35 622 PAINEL 18-1 OS PRINCIPAIS ESTÁGIOS DA FASE M EM UMA CÉLULA ANIMAL DIVISÃO CELULAR E O CICLO CELULAR INTERFASE A divisão de uma célula em duas células-filhas ocorre na fase M do ciclo celular. A fase M consiste em divisão nuclear, ou mitose, e divisão citoplasmática, ou citocinese. Nesta figura, a fase M foi expandida para melhor entendimento. A mitose é dividida em cinco etapas, as quais, junto com a citocinese, estão descritas neste painel. Microtúbulos Citosol Membrana plasmática Centrossomo duplicado Envelope nuclear Cromossomos descondensados no núcleo Durante a interfase, a célula aumenta de tamanho. O DNA dos cromossomos é replicado, e o centrossomo é duplicado. Nas micrografias ópticas de células animais em divisão, mostradas neste painel, os cromossomos estão corados de laranja, e os microtúbulos, de verde. (Micrografias cortesia de Julie Canman e Ted Salmon; “Metáfase” da capa de J. Cell. Sci. 115(9), 2002, com permissão de The Company of Biologists Ltd; “Telófase” de J.C. Canman et al., Nature 424:1074-1078, 2003, com permissão de Macmillan Publishers Ltd.) PRÓFASE1 Tempo = 0 min Centrossomo Fuso mitótico em formação Cromossomos duplicados condensando-se, com as duas cromátides-irmãs mantidas unidas ao longo do seu comprimento Envelope nuclear intacto Cinetocoro Na prófase, os cromossomos replicados, cada um consistindo em duas cromátides-irmãs intimamente associadas, se condensam. Fora do núcleo, o fuso mitótico se forma entre os dois centrossomos, os quais começaram a se separar. Para simplificar, apenas três cromossomos estão desenhados. PROMETÁFASE2 Tempo = 79 min A prometáfase se inicia repentinamente com a fragmentação do envelope nuclear. Os cromossomos podem agora se ligar aos microtúbulos do fuso pelo cinetocoro, e sofrem movimentos ativos. Polo do fuso Microtúbulo do cinetocoro Cromossomo em movimento Fragmentos do envelope nuclear M IT O SE M IT O SE INTERFASE FASE M S CICLO CELULAR G 1 G 2 TELÓFASE CITOCINESE 5 ANÁFASE4 METÁFASE3 PRÓFASE PROMETÁFASE MITOSE 2 1 Alberts_18.indd 622Alberts_18.indd 622 16/01/2017 11:29:3516/01/2017 11:29:35 Capítulo 18 • O ciclo de divisão celular 623 METÁFASE3 Tempo = 250 min Na metáfase, os cromossomos estão alinhados no equador do fuso, exatamente na metade entre os dois polos. Os microtúbulos dos cinetocoros em cada cromátide-irmã se ligam aos polos opostos do fuso. ANÁFASE4 Tempo = 279 min Na anáfase, as cromátides-irmãs se separam sincronicamente, e cada uma delas é puxada lentamente para o polo do fuso ao qual está ligada. Os microtúbulos do cinetocoro encurtam, e os polos do fuso também se distanciam, contribuindo para a segregação dos cromossomos. TELÓFASE5 Tempo = 315 min Durante a telófase, os dois conjuntos de cromossomos chegam aos polos do fuso. Um novo envelope nuclear é formado em torno de cada conjunto, completando a formação dos dois núcleos e marcando o fim da mitose. A divisão do citoplasma começa com a formação do anel contrátil. CITOCINESE Tempo = 362 min Durante a citocinese de uma célula animal, o citoplasma é dividido em dois por um anel contrátil de filamentos de actina e miosina, o qual divide a célula em duas células-filhas, cada uma com um núcleo. Polo do fuso Microtúbulo do cinetocoro Polo do fuso Os cinetocoros de todos os cromossomos estão alinhados em um plano mediano entre os dois polos do fuso Encurtamento dos microtúbulos do cinetocoro Polo do fuso se movimentando para fora Conjunto de cromossomos no fuso mitótico Início da formação do anel contrátil Polo do fuso Microtúbulos interpolares Reconstituição do envelope nuclear ao redor dos cromossomos individuais Cromossomos O envelope nuclear completo circunda os cromossomos em descompactação Criação do sulco de clivagem pelo anel contrátil Regeneração do arranjo de microtúbulos interfásicos nucleados pelo centrossomo Microtúbulo astral M IT O SE M IT O SE M IT O SE C IT O C IN ES E Alberts_18.indd 623Alberts_18.indd 623 16/01/2017 11:29:3516/01/2017 11:29:35 Capítulo 18 - O ciclo de divisão celular