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Prévia do material em texto

CERÂMICA 
 
 
 
 
 
 
 
NTRODUÇÃO 
 
Prezado aluno, 
 
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala 
de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, 
interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja 
esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em 
voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. 
Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento 
que serão respondidas em tempo hábil. 
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa 
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das 
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe 
convier para isso. 
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e 
prazos definidos para as atividades. 
 
Bons estudos! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 
NO PRINCÍPIO ERA A CERÂMICA: A VOLTA ÀS ORIGENS 
 
 
Nossos ancestrais pré-históricos 
 
“Há milênios, sob todas as suas formas – barro esmaltado ou não, faiança, porcelana – a cerâ- 
mica está presente em todos os lares, humildes ou aristocráticos. Tanto que os antigos egípcios 
diziam “meu pote” para dizer “meu bem”, e nós mesmos, quando falamos em reparar danos de 
qualquer espécie, ainda dizemos ‘pagar os vasos quebrados’ [payer les pots cusses].” 
Claude Lévi-Strauss 
 
No início era o barro – e não somente o verbo ou o Caos.1 Num tempo em que os seres 
humanos estavam mais próximos da natu- reza, ela era venerada e temida como uma divindade 
poderosa e respeitada como sendo algo sagrado e misterioso. Um dos modosde refletir sobre 
a história das civilizações ancestrais é através da cerâmica. Por ser um dos poucos materiais 
que sobreviveram ao tempo,2 os arqueólogos puderam ter subsídios consideráveis para 
identificar e explicar o modus vivendi dos nossos antepassados. A cerâmica era feita com 
finalidades objetivas e simples, sendo de uso cotidiano (recipientes usados para alimentar o corpo) 
ou ritualístico (recipientes usados para alimentar a alma). Lévi-Strauss, no livro A oleira ciumenta, 
relata diversos rituais de preparo da cerâmica, um deles chamado “ligadura dos potes” da aldeia 
de Awaxawi, era feito para obter-se chuva e consistia em preparar ritualisticamente dois potes 
decorados representando o homem e a mulher. Ambos per- maneciam boa parte do ano enterrados 
e quando retirados deveriam ser protegidos do sol e levados para uma cabana revestida de terra 
para que o ritual pudesse acontecer (Lévi-Strauss, 1985, p.43). 
Em muitos dos artefatos arqueológicos encontrados em várias partes do mundo podemos 
observar um fio condutor, uma busca pela beleza e perfeição.3 Na sua maioria eram artefatos 
adornados com diversos tipos de representações gráficas que ilustravam o co- tidiano real ou 
mitológico das pessoas daquela localidade e período (animais, caça, plantio, colheita, datas 
comemorativas etc.), assim como, também, grafismos abstratos e hieróglifos. No caso de urnas 
funerárias, não é raro encontrarmos nesses recipientes4 cerâmicos uma alusão direta ao corpo 
humano. As urnas eram bojudas na par- te inferior; e na parte superior, próxima à abertura, tinham 
feições estilizadas de um rosto. Lembravam cabeças e ventres maternos, pois essas urnas 
simbolizavam um “retorno ao útero materno”, à barriga da Mãe Terra, a Grande Deusa, e faziam 
parte dos rituais de sepultamento dos nossos antepassados. De acordo com Adele Getty (1997, 
p.8), há na região de Le Roc5 lajes de pedra com rele- vos de figuras femininas apoiadas na terra. 
Estas imagens poderiam indicar o culto à Mãe Terra, pois é possível acreditar que as grutas 
fossem relacionadas simbolicamente a um útero ou mesmo tumbas da humanidade, logo, eram 
considerados locais sagrados. 
 
 
 
 
 
 
Neste mesmo ponto, a autora ainda afirma que a experiência de adentrar numa gruta, seria 
equivalente a sentir múltiplas emoções simul- taneamente, como certo receio devido ao fato de 
compararmos o silêncio e a escuridão com nossa ancestralidade e com a sensação imemorial 
de estarmos dentro de outro corpo. 
Existe uma curiosidade acerca do manuseio e feitio da cerâmica em toda a América: o fato de 
ser esta uma atividade especialmente fei- ta por mulheres. Segundo Lévi-Strauss somente em 
algumas poucas comunidades tribais, a cerâmica era feita por homens. Ao descrever um mito dos 
Hidatsa, índios do alto do Missouri, de língua soiux, o autor mostra como o ato de fazer a 
cerâmica era uma ocupação sa- grada, misteriosa e ligada ao universo feminino. Apenas as 
mulheres que haviam herdado o direito de poder praticá-la através de outras mulheres, suas 
próprias ancestrais, até que se chegasse à ancestra- lidade mais longínqua que teria recebido das 
Serpentes esse direito, já que o mito dizia que unicamente as Serpentes podiam fazer cerâ- mica. 
Além disso, havia uma série de restrições durante a feitura da cerâmica: ninguém poderia se 
aproximar da ceramista enquanto ela celebrava os cânticos religiosos e nem tão pouco ter acesso a 
sua casa. 
Conhecida também como Mãe Terra, Avó da argila, Senhora da argila e dos potes de barro, 
a padroeira da cerâmica era consi- derada uma benfeitora já que a humanidade lhe devia não 
apenas a matéria-prima, mas as técnicas e a arte de decorar potes. Alguns mitos considerados 
por Lévis-Strauss, em contrapartida revelavam uma faceta temperamental ciumenta e rabugenta 
(Lévi-Strauss, 1985, p.40). A cerâmica era, portanto, uma atividade quase que restrita às 
mulheres, na maioria das vezes de caráter sagrado e envolta em uma série de especificidades, 
cuidados e proibições. Paralelo a tudo isso havia sempre inúmeros mitos que remetiam às expli- 
cações sobre a origem e a função da argila entre os humanos. Para ilustrar esse fato, Lévi-Strauss 
nos mostra uma das diversas origens mitológicas da argila na terra e a sua clara ligação com as 
mulheres através de um mito Jivaro.6 Para esse povo, a palavra nui significa argila e, no mito da 
origem da cerâmica, que ocorre junto ao mito da criação do mundo “[...] a abóboda celeste é 
uma grande tigela azul de cerâmica. Foi com barro que o Criador fez Nantu, a Lua, que irá 
se casar com Sol, e é com argila que ela modela um filho, em seguida destruído pelo 
Engolevento.” Esse filho recebe o nome de Nuhi (cf. nui, “argila”) e após sua morte, seu corpo 
transformou-se na terra em que hoje vivemos. O autor continua a descrição deste mesmo mito, 
afirmando que Sol e Lua tiveram como descendentes o Preguiça, o Boto, o Caititu e a Mandioca, 
uma filha e depois disso ficaram estéreis. A mãe de ambos lhes entregou dois ovos: um se 
perdeu e do outro nasceu Mika, uma menina. Mais tarde Mika se casaria com Unushi, seu 
irmão Preguiça. Mika além de ser a padroeira da cerâmica, é também o nome ritualístico dos 
grandes vasos cerâmicos em que se coloca a chicha7 a ser consumida nas cerimônias. 
 
1 Le Roc é uma comuna francesa na região administrativa de Midi-Pyrénées, no departamento de Lot. 8. “Caso raro, mas não único na 
América do Sul, entre os Urubu, Tupi do Maranhão, a cerâmica é uma tarefa masculina. [...] Sem pretender remontar às origens, o fato 
é que, na América, o mais frequente é a cerâmica ser uma tarefa feminina.” (Lévi-Strauss, 1985, p.38). 
 
2 Os Jivaro são uma tribo localizada na fronteira entre o Equador e o Peru, nas encostas orientais dos Andes e em seu sopé. São conhecidos 
pela antiga arte de “encolher cabeças”, arte atualmente não mais praticada (Lévi-Strauss, 1985, p.23). 
3 Chicha. S.f.1. bebida alcoólica, geralmente feita com mandioca, mel e água, mas também com milho ou frutas fermentados.[...] 
‘espécie de cerveja da América do Sul e da América Centralfeita principalmente de milho fermen- tado’, em muitos países da América 
Latina; no México, ‘aguardente de cana’, prov. de chichah (co-pah) [...] (Cf. Houaiss, 2001. p.699). 
 
 Lévi-Strauss cita que o antropólogo Karsten destacou a proximidade fonética das palavras 
mulher “nua” e cerâmica “nui”. “Já apontei alhures” – diz ele – “para a interessante conexão 
entre a mulher, de quem a cerâmica é uma das atribuições, e a terra ou argila que ela utiliza. No 
pensamento dos índios, o vaso de argila é uma mulher.” O autor ainda ressalta que é tarefa 
da mulher fabricar e utilizar os recipientes cerâmicos, “[...] pois a argila de que são feitos é fêmea, 
como a terra – em outras palavras, tem alma de mulher.” (Lévi-Strauss, 1985, p.32 e 33) 
Para o povo Jivaro e para muitas outras sociedades tribais, a rela- ção entre a matéria argilosa e 
a mulher era evidente e facilmente ex- plicada através dos mitos. Entre as possíveis explicações 
para enten- dermos essa relação mítica entre a mulher e a cerâmica, uma delas seria o fato de 
ambas passarem por transformações: a mulher todos os meses transforma-se ao menstruar e, 
principalmente, ao engravi- dar; a cerâmica tem sua matéria transformada através do fogo e, de 
maleável e moldável, torna-se rígida e resistente até mesmo ao pró- prio fogo. Assim como no 
ventre das mulheres há uma espécie de recipiente gerador e mantenedor de vidas, os recipientes 
cerâmicos são usados para manter e preparar os alimentos. Ambas as formas são 
essencialmente semelhantes por serem convexas ou côncavas: os recipientes cerâmicos eram 
essencialmente feitos em formato de receptáculo, assim como o órgão reprodutor feminino. Ao 
redor da mitologia sobre a origem da cerâmica, também existiam rigorosos métodos de colheita 
e preparo do barro pelas mulheres. “Em todas as informações relativas à arte da cerâmica na 
América do Sul, fica evidente que ela é objeto de cuidados, preceitos e proibições múlti- plas.” 
Lévis-Strauss continua dizendo que os Yucararé, uma tribo que vive a beira sul dos Andes, 
também rodeavam as práticas da cerâmica com uma série de precauções rigorosas. “As 
mulheres, que são as únicas a praticar essa arte, iam solenemente buscar a argila durante o 
período do ano que não era dedicado às colheitas.” Elas es- condiam-se num lugar afastado para 
construir seu abrigo e celebrar seus ritos, um lugar em que ninguém as visse e que as protegesse 
dos trovões, pois elas acreditavam piamente que qualquer ruído pudes- se rachar os potes durante 
a queima (Lévi-Strauss, 1985, p.34 e 35) 
Desta forma as mulheres, apesar de serem as únicas a manipular a argila, eram submetidas à 
ela, simultaneamente. Mitos do povo Tacana, na Bolívia, ao sopé do Andes, reafirmam esse fato 
ao contar “que a avó da argila ensinou as mulheres a modelar vasos de terra, co- zê-los e torná-los 
resistentes.” O mito continua descrevendo como a divindade era exigente, pois “insistia para que 
as mulheres lhe fizes-sem companhia, convidava-as para vir à sua casa, e, para prendê-las junto 
a si provocava o deslizamento da terra que cobria os leitos de argila, enterrando-as.” Na 
Colômbia, “os Tainimuka ou Ofaina acreditam que a Terra Namatu, a mulher primordial, instituiu 
a arte da cerâmica. Ela é a senhora dos potes, que não podem ser fa- bricados sem sua 
permissão.” Para o feitio de determinadas panelas de barro (as de fazer beiju) existe uma série de 
precauções: o prepa- ro é feito em um local especifico da aldeia; as mulheres menstruadas e grávidas 
são proibidas de se aproximarem da argila, por serem “quentes demais”; as crianças são 
afastadas da queima se ela ocor- rer de dia; ninguém pode entrar molhado na aldeia e nem a 
ceramis- ta pode tomar banho, pois as panelas são sensíveis ao frio. 
 
 
 
Cabe à ceramista fazer abstinência sexual e manter o cabelo arrumado para que não caia nenhum 
fio em sua obra. Para se coser as panelas, eram feitos três suportes de barro (que representam os 
três pilares cósmi- cos) bem ao centro da casa coletiva. O centro da casa para eles é o centro do 
mundo e, se por acaso esse pilares “forem abalados pela cobra enrolada em torno deles, a 
estabilidade do mundo em que vivem os humanos, e também dos outros mundos, corre perigo.” 
 
(Lévi-Strauss, 1985, p.39 e 40) 
Lévi-Strauss, ainda no livro A oleira ciumenta, nos conta que as mulheres da tribo Jivaro não 
deveriam apenas saber fazer cerâmica, mas saber fazê-la de modo satisfatório: “Para merecer um 
marido bom caçador, uma mulher tem de saber fabricar uma louça de qua- lidade, para cozinhar 
e servir a caça. Mulheres incapazes de fazer cerâmica seriam, realmente, criaturas malditas.” 
(Lévi-Strauss, 1985, p.37) Também nesta citação fica evidente a relação dos papéis femininos e 
masculinos na aldeia: cabia à mulher o poder de gerar os frutos humanos, alimentícios (plantio e 
colheita) e cerâmicos. Eram as mulheres as responsáveis pelo plantio e colheita da lavoura, pela 
coleta, feitura e queima do barro, assim como pela gestação e o cuidado para com os filhos. Aos 
homens cabiam todos os esforços que exigissem a locomoção para fora da aldeia, seja a caça, 
a pesca, as lutas, as armas e tudo o que despendesse da força física. 
A diferenciação física entre homens e mulheres era evidente para os nossos ancestrais e este 
era, até então, o único modo de se explicar a dicotomia entre ambos. Capazes de gerar e manter 
novas vidas, as mulheres detinham certa magia e poder sobre os homens: o mistério da 
procriação as envolvia. Essa capacidade criadora era algo não só inexplicável, como também de 
extrema importância, por ser o modo de perpetuar a espécie. 
E essas primeiras sociedades estruturadas e mais estáveis, pelo fato de estarem aprendendo 
a dominar técnicas da agricultura e pastoreio, tinham em comum o culto à Grande Deusa, 
também conhecida por Mãe Terra ou Pachamama.8 A esse respeito a pro- fessora Lalada 
Dalglish explana, em poucas palavra, essa relação: 
 
Os vários povos primitivos que deixaram de ser nômades e pas- saram a praticar a 
agricultura desenvolveram técnicas artesanais com fins utilitários e ritualísticos. A terra, de 
onde brota a água e alimento, passou a ser associada a fertilidade da mulher, que, por sua 
vez, também podia gerar filhos; nasce aí o culto às “deusas da fertilidade”, associado ao ciclo 
das colheitas. Em todas as culturas por onde apareceram, estas deusas votivas adquiriram 
diferentes nomes, mas possuíam as mesmas intenções votivas associadas à fertilidade. 
(Dalglish, 2006, p.22) 
 
As comunidades tribais dependiam sobremaneira deste papel reprodutor, gerador, agregador, 
mantenedor das mulheres, para continuarem vivos. Essa capacidade criadora era algo não só 
inex- plicável, como também de extrema importância, visto que este era o único modo de 
perpetuar a espécie. Diz Joseph Campbell que até recentemente, papel social da mulher era o 
de garantir a preservação da nossa espécie – a relação do homem com essa função era qua- se 
inexistente. 
 
 
 
“E, à maneira dos homens primitivos, a função do macho nessa sociedade é preparar e 
preservar um ambiente no qual a fêmea possa gerar os espécimes futuros.” Fica evidente a 
diferen- ciação dos papéis de cada um. “E seus corpos são distintamente adequados para 
desempenhá-los.” (Campbell, 1990b, p.8-9) A im- portância da mulher nas sociedades ancestrais 
era também ressalta- da pela idéia de associação do nascimento dos frutos (na agricultu- ra) com 
o nascimento dos filhos (na procriação). Essas sociedades mais estruturadas e estáveis, pelo 
fato de estarem aprendendo a dominar técnicas de agricultura e pastoreio, tinham em comum o 
culto à Grande Deusa. 
 
Campbell compara o poder de procriação da mulher na era pagã, ao mesmo poder gerador 
existente no reino vegetal: “A mulher dá a luz, assim, como na terra se originam as plantas. A 
mãe alimenta como o fazem as plantas. Assim, a magia da mãe e a magiada terra são a 
mesma coisa. Relacionam-se.” O autor afirma que a “personificação da energia que dá origem 
às formas e as alimenta é essencialmente feminina. A Deusa é o próprio universo. Tudo quanto 
você vê, tudo aquilo em que possa pensar, é produto da Deusa.” (Campbell, 1990b, p.177) 
As mulheres não eram responsabilizadas por sua gravidez empovos que mantinham tais 
crenças, ou seja, de que a gravidez não dependia da relação sexual humana. Simone de Beauvoir 
(1987) afir- ma que nesse período era desconhecida a participação do pai na pro- criação, pois apenas 
a mãe gerava em seu ventre a criança e, depois de parida, era ela quem amamentava e nutria os 
filhos, garantindo assim, a perpetuação do clã. 
“Com, efeito, os povos primitivos não acreditam que o homem tenha alguma importância na 
reprodução” alguns, inclusive, acreditavam que o papel do homem na relação sexual era apenas 
o de romper o hímen para dilatar a passagem ao verdadeiro agente semeador: os raios lunares 
(Beauvoir, 1987, apud Santos). 
Se a mulher engravidasse era sempre por um motivo exter- no a ela, talvez pela ação da lua, por 
ter ingerido determinado ali- mento, ou mesmo por algo místico. Em sociedades ancestrais como 
essas que estamos considerando, não existia nenhuma restrição àrelação sexual, de maneira 
que a conexão entre a gravidez e o sexo poderia nem ser relacionada. 
E como a duração exata da gravidez foi conhecida apenas em um estágio de cultura mais recente, 
era plausí- vel que nossos antecessores não relacionassem esses fatos. Para Get- ty (1997) “não 
existiam filhos ilegítimos nem mulheres ‘marcadas’, porque não se atribuía valor nenhum à 
paternidade. ‘O filho de um é filho de todos’, como dizem os Ibos da África em certos cânticos.” 
Deste modo, não é difícil entender como e porque as culturas ancestrais valorizavam e 
cultuavam amplamente o universo femi- nino. 
Eram desconhecidos tanto os processos de germinação da semente quanto a gestação na 
mulher, logo, não seria estranho que se atribuíssem às mulheres poderes místicos e sagrados, 
também ligados a terra. 
 
 
8 FLAVIA LEME DE ALMEIDA 
 
 
 
 
A Grande Mãe, Pachamama: um símbolo da fertilidade 
 
 
“Santa deusa Tellus, 
Mãe da Natureza Viva, alimento da vida; 
Tu dás em eterna lealdade e, quando a vida nos deixa, encontramos 
refúgio em Ti. Tudo quanto repartires a teu ventre retorna. 
Justamente Te chamam Mãe dos Deuses, porque com Tua lealdade 
conquistaste o poder dos Deuses. Na verdade és também Mãe dos povos 
e dos Deuses Ninguém pode florescer nem existir sem Ti; Tu és 
poderosa; dos Deuses 
Rainha e Deusa. 
A Ti e ao Teu poder invoco, oh, Deusa; Tu podes conceder-me tudo 
quanto pedir, e em troca prestar- Te-ei, oh, Deusa, os meus mais 
sinceros agradeci- mentos.” 
Loa, século II 
 
Hoje podemos saber, através das incontáveis estatuetas e ima- gens sagradas com 
formas femininas, como nossos antepassados veneravam a vida, focando particularmente 
o poder da Grande Mãe. Apesar de a Deusa ser apresentada sob diversas maneiras, 
diferindo-se no formato, nomenclatura ou materiais, sua conotação simbólica era sempre 
mantida: a responsabilidade pela vida no mundo. A Deusa era quem criava, nutria, 
sustentava e restabelecia a vida. As chamadas “vênus esteatopígicas”9 foram encontradas 
em diversas civilizações e épocas distintas,10 juntamente com ou- tros tantos artefatos dos 
períodos Paleolítico e Neolítico.11 Essas imagens podem ser consideradas a 
representação dos nossos mais antigos impulsos criadores dos mitos. 
Na América Latina, especialmente no Peru, Bolívia e norte da Argentina, a Deusa ou 
Grande Mãe era chamada por Pachamama, literalmente, Terra Mãe. Iconograficamente, a 
Pachamama, assim como a Grande Deusa no continente europeu, aparece de diversas 
formas: como grávida, é a deusa da fertilidade; como uma velha índia acompanhada de um 
cão feroz, é a Senhora da Terra. De tão forte que era a crença nesta divindade, mesmo 
após a colonização 
 
 
9 “Estatuetas femininas dotadas de grandes seios e nádegas, a sugerir, provavel- mente, 
o culto à fertilidade.[...] Todas elas seguem um esquema semelhante – o de um losango, 
em que a cabeça e os pés, trabalhados sumariamente, ocupam as extremidades; no centro 
, os seios, a bacia e o ventre aparecem hipertrofia- dos” (Cunha, 2003. p. 71). 
10 Estes artefatos foram encontrados em toda Europa e nas Américas, no período 
denominado de “pré-colombiano”, ou seja, antes da chegada de Colombo (idem, 
ibidem) . 
11 A chamada Idade da Pedra da pré-história compreende os períodos Paleo- lítico, 
Mesolítico, Neolítico e Calcolítico. O período Paleolítico Superior se estendeu até 
10.000 aC e foi a época que o chamado Homo sapiens começou a manipular e 
modificar objetos, especialmente as pedras. Cada tribo ou co- munidade criou ‘estilos’ 
na confecção de utensílios diferenciando-se. Graças à essas peculiaridades de 
manufatura, foi possível distinguir quatro eras: a Auri- naciana (30.000), a Gravetiana 
(25.000-20.000), a Solutriana (20.000-15.000) e a Magdaleniana (15.000-10.000). O 
período Neolítico é caracterizado pelo surgimento das primeiras edificações 
arquitetônicas monumentais com uma função religiosa, especialmente em Eridu ou 
Çatal Hüyük, na Turquia. Esse período também é caracterizado pela expansão da 
agricultura sedentária, do- mesticação de animais e criação de gado na Europa (ibidem, 
p. 71- 72) 
MULHERES RECIPIENTES 9 
 
européia nas Américas, não apenas a representação, como, tam- bém, todo seu caráter 
simbólico, foi incorporado à imagem da Vir- gem Maria, mãe de Deus. 
O poder que a Deusa Mãe exercia em nossos ancestrais era imenso; refletia a ordem 
social e o papel privilegiado da mulher como procriadora, já que a reprodução era um 
grande mistério. Esse período foi denominado por alguns especialistas como ma- triarcado, 
pois a importância da mulher era tamanha que o núcleo familiar e social girava em torno 
dela. O mistério da gestação estava diretamente ligado ao poder misterioso do feminino. 
Assim como uma consequência da observação dos ciclos da natureza e de toda a magia 
que envolvia a criação das espécies, nossos antepassados co- meçaram a cultuar a Deusa 
Mãe que era geradora de vida, a Grande Mãe de todos os seres viventes. “São-lhe 
prestadas honras pela sua qualidade de dar e manter a vida: do seu ventre surge o 
grande mistério, e tudo volta a ela [...]” (Getty,1997, p.5) 
Foi através dos infindáveis mitos das mais diversas culturas que pudemos constatar o poder 
e o papel do feminino na estruturação do mundo. De acordo com Senna (2007), a 
veneração à Deusa co- briu amplo território e período da história da humanidade, cerca de 
50.000 anos. Estudos antropológicos constatam esta veneração des- de o Paleolítico Superior 
europeu, o Neolítico no Oriente Médio, a idade do bronze nos vales dos grandes rios – Nilo, 
Eufrates, Tigre, Ganges – também ocorrendo no período formativo da América pré-
colombiana. É interessante notar que, mesmo em comunidades tão distantes e em períodos 
tão longínquos, havia um fio condutor, um “cordão umbilical” que ligava a Grande Deusa 
Mãe com todos os seus filhos. As representações celebrando o corpo fértil da mu- lher 
apareciam não apenas nas pinturas e estatuetas, mas também em baixo relevos, amuletos 
ou possíveis objetos de veneração. Eram caracterizadas, principalmente, pela robustez de 
um estágio avançado de gravidez, com “caracteres sexuais, nádegas, ventre e seios, com 
excesso de volume e polidez, proclamando a admiração e o respeito dos primitivos diante 
dessas figuras portadoras do bem mais precioso – a vida.” (Senna, 2007, p.56). 
Segundo estudos de W. K. Gregory encontra-se entre 40.000 e 
30.000 a.C., pela Europa e parte do Sudeste da Ásia e em alguns outros lugares, o 
homo sapiens tardio (o homem de Cro-Magnon), que é tido como o responsável pela criação 
destas estatuetas peque- nas – com cercade 3 a 22 cm – denominadas, pelos 
pesquisadores do século XIX, Vênus (Campbell, 1990a). Conforme o historiador Siegfried 
Giedion, a denominação poderia indicar um suposto sig- nificado erótico, uma vez que a 
deusa seria a versão latina da deusa grega Afrodite – que simboliza o amor e a beleza. 
Giedion também chegou a citar que alguns pesquisadores defenderam a idéia de que tais 
figuras não eram de modo algum imagens que representassem sensualidade, mas sim que 
essas estatuetas de mulheres maduras de seios pesados, ventre protuberante e nádegas 
exageradas eram representações simbólicas da fertilidade (Giedion, 1999); o que não 
anula, a nosso ver, suposição de que poderiam ser também um estímulo erótico, 
principalmente, se considerarmos o sentido de erotismo como voltado para a vida, como 
o conceito freudiano de libido. 
 
A partir de 35.000 a.C., desde a cultura aurinhacense do Pale- olítico até ao 
Neolítico agrícola, começaram a ser modeladas pe- quenas estátuas da Deusa com 
barro e cinza e depois cozidas, ou talhadas em osso, chifre ou marfim, na Espanha, 
França, Europa oriental, Rússia, Mediterrâneo e Oriente Médio. O arqueólogos têm 
vindo a descobrir numerosos amuletos que representam certos aspectos da Deusa, os 
peitos ou a vulva. Estas estátuas, juntamente com as imagens esteatopígicas e as figuras 
alargadas com cabeça de ave não constituem de modo nenhum uma forma de 
pornografia, como sugeriam muitos estudiosos. (Getty, 1997, p.7 e 8) 
 
De acordo com Getty, estas representações foram encontradas numa vasta região, que 
ia da França à Sibéria, e mantinham uma repetição quanto ao formato e ao tema: 
“representam a capacidade corporal da mulher para dar a luz, sangrar e curar-se em cada 
lua, para nutrir e amamentar e finalmente morrer e renascer.” 
 
A autora ainda afirma que essas oferendas votivas eram como uma ajuda mágica 
a todos os “indivíduos e à comunidade para garantir bom parto, leite e alimento 
abundantes, ou possivelmente fizessem parte de um ritual de trânsito para a 
feminilidade.” (Getty, 1997, p.8) 
Muitos dos locais que foram descobertos por estudiosos, como as cavernas ou em 
volumosas rochas, os vestígios destes “homens das cavernas” se apresentaram sob 
forma de grandiosas pinturas na parede ou mesmo objetos calcários. Essas imagens, 
por se localiza- rem nas partes mais profundas das cavernas, faziam parte de uma 
espécie de ritual mágico cujo propósito, muito provavelmente, era o de assegurar uma 
boa caça. “Aparentemente, para os homens do Paleolítico não havia uma distinção 
muito nítida entre imagem e realidade” (Janson, 1996, p.14-15). 
 
 
A mulher e a lua: representações e evocações 
 
“São seus atributos: a lua, indicando o ciclo menstrual e as 
estações do ano, a cornucópia re- pleta de flores, frutos e 
sementes, símbolo da fe- cundidade do solo, a serpente que 
sinaliza a liga- ção entre os dois mundos opostos, a espiral como 
símbolo da vida que se renova, que é cíclica, a concha e o 
triângulo, em alusão direta à vagina.” 
Nádia da Cruz Senna 
 
Amuletos ou estatuetas representavam a Grande Mãe, ou então, poderiam ser 
consideradas como a própria Deusa em si. O que se pode confabular é que, por sua 
pequenez e portabilidade, essas estatuetas fossem carregadas junto com as pessoas 
para que, as- sim, o poder da Deusa pudesse ser evocado em qualquer momento ou 
situação. As vênus portáteis da era paleolítica tinham apenas algumas polegadas de 
altura e, segundo Campbell (1990a, p.17- 18), foram encontradas, pelo menos 
duzentas, ao longo da costa atlântica, contudo este sítio arqueológico vai da França à 
Espanha, até a fronteira com a China. Na França, em uma prateleira rochosa, 
denominada Laussel, foi encontrada uma figura importante e sugestiva, uma pequena 
vênus que segura, na mão direita erguida, um chifre de bisão com treze traços verticais, 
que correspondem ao número de noites entre o primeiro crescente e a lua cheia. De acordo 
com o mitólogo seria o reconhecimento da equivalência dos ciclos menstrual e lunar. 
A Mãe da Vida não tem rosto, só quadris e seios volumosos, só dádiva maternal. 
Guardadas no que foram moradas, e não em grandes cavernas, com as pernas 
terminando em volume cônico, essas pequenas vênus foram feitas para adaptar-se aos 
locais de culto, apoiadas em buracos no chão. A outra mão sobre a barriga seria um 
indício das correlações entre os ritmos celestial e terreno da vida. No baixo relevo em 
pedra da Vênus de Laussel, é possível per- ceber, pelo modo como ela foi esculpida, a 
afirmação de Campbell sobre a ligação do ciclo menstrual da mulher com o ciclo ou 
fases da lua.12 “No mundo inteiro a Lua é associada ao eterno feminino, pois o ciclo 
mensal do nosso satélite lembra os ritmos da feminilidade” (Getty, 1997, p.11). 
 
 
 
 
MULHERES RECIPIENTES 11 
No livro The once and future goddess: a symbol for our time, a escritora e 
pesquisadora Elinor Gadon nos conta, também, sobre essa relação do sangue 
menstrual com o ciclo lunar: “O sangue pe- riódico das mulheres era um evento 
cósmico, como os ciclos da lua e das marés baixas e altas. Nós esquecemos que as 
mulheres eram as condutoras do sagrado mistério da vida e da morte” (Gadon, 1989, 
p.2, tradução nossa). 
 
Deste modo, para esses povos, as mulheres e a lua eram originá- rias da mesma 
natureza, na medida em que ambas tinham a capa- cidade de ‘intumescer-se’ e de 
seus ciclos terem a mesma duração, ou seja, uma evidência direta da sintonia entre o 
corpo das mulheres e o corpo celeste. “A palavra para designar menstruação e a 
palavra para designar lua são iguais ou intimamente ligadas em várias línguas, fato 
que mostra a estreita conexão que é sentida entre as mulheres e a lua” (Harding, 
1985, p.52). 
 
 
Como Senhora das mulheres, a lua era possuidora do poder divino da fertilidade, 
diretamente ligada às mulheres. Nesse modo de pensar, a lua tinha um poder benéfico 
e indispensável no cres- cimento e formação das coisas, desde a germinação das 
sementes na terra, como na concepção dos seres humanos e na procriação animal. 
Todo o mistério desta força geradora estava diretamente ligado à lua, aos ciclos 
lunares e, consequentemente à noite, em contraposição com o calor e a luminosidade 
do sol durante o dia. 
Para muitos povos ancestrais, o sol se configurava como uma força hostil ao 
desenvolvimento da vegetação e também à reprodu- ção das espécies. A luz da lua 
faria, então, um contraponto com a luz hostil do sol. Cabe ressaltar que este poder 
atribuído à lua é uma representação simbólica da fertilidade, já que, muito provavelmen- 
te, para esses povos ancestrais, o mito e sua simbologia explicavam a própria 
realidade. A lua para eles era possuidora e doadora da fertilidade, ou seja, os seres 
vivos apenas poderiam ser gerados e se desenvolverem sob a influência da energia 
lunar, conforme explica a autora Harding (1985). Esse modo de conceituar a fertilidade, 
pode nos soar um tanto absurdo, uma vez que, atualmente, sabe- mos exatamente 
como os seres vivos são gerados: as funções dos órgãos reprodutores, os processos 
de fecundação e desenvolvimen- to do feto, o tempo real da gestação e como se evita 
uma gestação.13 Assim, a lua em seu estágio crescente estaria diretamente ligada ao 
desenvolvimento e à fartura de bens e ao aumento e desenvolvi- mento da prole. Sua 
força, muito provavelmente, era invocada para o crescimento e expansão das 
plantações, rebanhos e da própria família. Vale lembrar que uma família grande, com 
muitos filhos e filhas, representava, aos que cultivavam a terra e dela dependiam,a 
garantia de segurança contra a falta de alimento e o amparo na velhice. No sul da 
Itália, a lua até hoje é usada como amuleto na hora do parto. “As mulheres católicas 
da Itália diziam que a Mãe que é a ‘Lua-da-nossa-Igreja’ é a ‘Mãe Maria’. Ao 
dizerem isso, elas podem ou não olhar a lua no céu e fazer reverência” (Harding,1985, p.53) 
 
 
 
A Vênus de Lespugue, estatueta encontrada próxima a Lespu- gue, mede 
 
aproximadamente 15 cm. Apesar de estar danificada, seu acabamento é mais 
elaborado nas formas e nos detalhes. Como de costume, essa Vênus não possuía traços 
no rosto, apenas as for- mas exageradamente enfatizadas dos seios, ventre, quadris e 
náde- gas. Os membros inferiores são delgados e finalizam em uma pon- ta. Por não 
terem uma base para se equilibrar em um plano reto, ou seja, seus pés e pernas eram 
juntos e pontiagudos, acredita-se que eram feitas para serem fincadas no solo ou 
mesmo colocadas em re- licários de pequenos altares domésticos (Câmara, 1999). 
Campbell ao descrever a Vênus de Lespugue, nos revela detalhes singelos, porém 
deveras interessantes, sobre o formato de seu corpo e o seu encantamento: “Toda a 
magia da mulher está contida dentro de um círculo. Os seios e os quadris são puxados 
para baixo; temos então o elegante movimento ascendente do tórax para a cabeça, e 
depois os pés os quais a colocaram num pequeno relicário”. 
 
 
A pequena peça se eleva na parte de cima em um “elegante movimento 
ascendente”, tornando-se mais reduzida e afunilada na parte inferior (Campbell, 1990a, 
p.19). Nela, podemos perceber traços extremamente esti- lizados na representação do 
corpo feminino. Seu formato faz uma alusão ao círculo, ao curvilíneo, possivelmente, 
por ser uma re- presentação simbólica da fertilidade: os seios, ventre (útero), glú- teos 
arredondados – ou seja, “toda a magia da mulher está contida no círculo” como afirmou 
Campbell. É possível que esses objetos não tendessem a um realismo simplista, 
apenas demonstrariam e destacariam alguns valores atrelados a uma realidade 
cotidiana: a gestação. Portanto, o corpo curvilíneo da mulher, especialmente, no caso 
da mulher grávida. Talvez porque as mulheres deste perío- do engravidavam 
ininterruptamente, tendo um filho após o outro.A Vênus de Willendorf é uma das mais 
conhecidas estatuetas deste período. Suas formas arredondadas e sinuosas foram 
escul- pidas em calcário colorido, numa cor aproximada ao ocre averme- lhado. Nela, 
podemos notar, claramente, características essenciais de uma gestação: as formas 
dos seios, coxas, ventre e nádegas bem proeminentes. 
 
Vemos também como é proeminente o umbigo e o púbis, os braços dobram-se 
sobre os seios, aparecendo como uma estreita linha, as feições do rosto estão 
completamente suprimidas e a cabeça foi adornada por uma série de pequenas 
protuberâncias que podem sugerir penteado trançado ou cabelo muito encaraco- lado. 
Seus pés não foram esculpidos, assim como não existe refe- rência de suporte ou 
pedestal que sustentasse a figura na vertical. Pressupõe-se que a estatueta era 
provavelmente usada como um amuleto de âmbito familiar, justamente pela facilidade 
de carregar uma peça tão pequena (Senna, 2007). 
 
Além da arte das cavernas feita em grandes proporções, os homens do Paleolítico também criaram pequenas esculturas 
do tamanho de uma mão, utilizando-se de osso, chifre ou pedra cor- tados com talhadeiras rudimentares. Essas esculturas 
também pa- recem dever sua origem a semelhanças casuais. Num estágio mais primitivo, os homens do Paleolítico tinham 
se alegrado ao coleta- rem seixos em cujo formato natural viam uma qualidade represen- tacional “mágica”; as peças mais 
minuciosamente trabalhadas dos tempos posteriores ainda refletem essa atitude. Assim, a chamada Vênus de Willendorf na 
Áustria, uma das inúmeras estatuetas da fertilidade, tem uma forma arredondada e bulbiforme que pode sugerir um “seixo 
sagrado” oval. (Janson, 1996, p.16 e 17) 
 
 
 
A deusa entronada, famosa estatueta datada na metade do século VI a.C., é originaria 
da Turquia, Çatal Höyük. A figura feminina está sentada no trono, acompanhada de 
MULHERES RECIPIENTES 13 
dois felinos um de cada lado, dispostos a simularem os braços da poltrona. Pela 
robustez de seu corpo que enfatiza suas características sexuais, é provável que esta 
estátua esteja sugerindo uma gravidez. Por suas características 
formais, ela foi interpretada como um símbolo da fertilidade e fe- cundidade, 
direcionando uma leitura sobre os possíveis comporta- mentos religiosos do período 
Neolítico. 
Outro exemplo claro de culto ao feminino é a estatueta egípcia Deusa-Pássaro 
funerária, que data de 3500 a 3100 a.C. Com formas bem simplificadas, sugere quase 
uma abstração do corpo da mu- lher. Sua cabeça é pontiaguda, lembrando um bico de 
pássaro e seu pescoço é longo e proporcionalmente maior que a cabeça. 
 
Os braços estão levantados, formando uma delicada curvatura com as mãos – os 
dedos estão cuidadosamente entalhados em ambos os lados. Seu torso tem formato 
triangular e é ligeiramente inclinado para trás, os seios são pendentes e a cintura é 
estreita, formando uma sinuosa curva que segue pelos quadris e nádegas 
arredondados. Como na maioria das vezes, essas estatuetas não tinham pés 
modelados, esta parte do corpo (o que poderia ser considerado uma saia) foi pintada de 
branco. A figura inteira foi originalmente coberta com vermelho ocre. Sua postura 
sugere que a figura feminina esteja em uma espé- cie de dança ou em luto14 ou, até 
mesmo, que talvez esteja associada a algum um ritual de ressurreição (Phaidon, 2007, 
p.19 e 39). 
Qual seria a natureza dos ritos e símbolos pré-históricos? Al- guns autores pensam 
que essa função ultrapassaria uma mera ne- cessidade de manifestar a fertilidade.15 
Suas observações apontam para uma relação muito mais integradora com a natureza, 
com o mundo como totalidade, onde todos os seres vivos e inanimados eram 
sagrados.16 Para eles, a natureza é una, sem a distinção de superioridade do humano. 
E, sem a dicotomia entre espiritualidade e natureza, religiosidade e profano, a arte 
também estava inserida em um contexto cotidiano e era, portanto, um reflexo desta 
visão de mundo – visão diametralmente oposta a da cultura judaico-cristã. Era um 
modo de enxergar a vida, celebrando não apenas a sexua- lidade como fonte de 
prazer, como também divinizando a mulher como fonte de vida. Segundo esses 
autores, tais sociedades basea- vam-se muito mais em relações de parceria, do que 
de dominação, enfatizando o cálice – símbolo feminino – e não a espada – símbolo 
masculino (Senna, 2007, p.57) 
 
Parece coerente cogitar a possibilidade de que ao observarem os seus próprios 
ciclos e o crescimento estacional das plantas, “fossem as mulheres as primeiras a 
tomarem consciência do ca- ráter periódico da natureza e o registro destes ritmos, 
internos e externos.”(Getty, 1997, p.8). Talvez isso possa ter contribuído para que 
fossem desenvolvidos os primórdios da ciência e da religião. Foram descobertos restos 
mortais dos homens de Neanderthal e o de Cromagnon, dispostos de modo a sugerir 
um rito cerimonial – um outro indício d a crença de vida após a morte. 
 
 
 
O pigmento ocre vermelho foi encontrado em várias ornamentações de efígies da 
Deusa (como no caso da Vênus de Willendorf e da Deusa-Pássaro funerária) e outros 
 
objetos. Indubitavelmente a cor vermelha está ligada ao sangue e, simbolicamente, 
representa a vida ou a morte em um estágio primário. “O ocre vermelho representa as 
qualida- des reafirmadoras da vida do sangue, a prima matéria. As pessoas só 
sangram enquanto vivas e as mulheres sangram todos os meses e no parto [...]” (Getty, 
1997, 8). A relação entre sangue e vida era algo palpável, visível e presente em todos 
os animais de sangue quente.17 Assim, a cor vermelha representa a cor da vida, 
não só de modo simbólico (nas pinturas rupestres ou mesmo nas repre- sentações de 
divindades), mas principalmente de modo vívido: na menstruação feminina, no parto, 
em ferimentos ou em cortes que 
 
12 Todos os mamíferos e todas as aves (com algumas exceções) são considerados 
animais de sangue quente devido à necessidade de manterem o corpo em uma 
temperaturaconstante (gerando calor em ambientes frios ou esfriando-se quando 
em locais mais quentes). Os animais com sangue frio não necessitam manter a 
temperatura estável do seu corpo, variando-a conforme a temperatu- ra ambiente – 
répteis, insetos, aracnídeos, anfíbios e peixes. 
mostrem o interior de um corpo. O fato é que nossos ancestrais entendiam que a vida 
no planeta era formada por ciclos, por esta- ções, por fases, com começo, meio e 
fim. O entendimento desse ciclo, parte do princípio de que vida e morte são 
complementares. A compreensão do que deve ser o processo natural das coisas, o 
ciclo de renovação, onde uma geração é substituída por outra, enfatiza a questão da 
dualidade convergente. Para se ter vida é necessário que haja a morte. “Ó Deusa Mãe, 
assim como a lua renasceu, possa eu também, meu corpo mortal, ser devolvido à 
fonte” (Campbell, 1990, p.53). Muitos mitos procuram explicar, cada um a seu modo, 
as diferenças entre a vida e a morte, entre o dia e a noite, entre ho- mens e mulheres, 
entre os opostos complementares. 
Ao observar e interferir na natureza, os seres humanos começaram a mudar seu 
modus vivendi. Talvez tenha sido o desenvolvi- mento da agricultura que ocasionou 
transformações consideráveis na sociedade. “Sem dúvida, as consequências da 
agricultura primitiva sobre a comunidade humana merecem o título de ‘revo- lução 
neolítica’, e é opinião geralmente aceita de que foram as mulheres que iniciaram 
tal revolução.” (Getty, 1997, p.15) Ocorre que com este tipo de desenvolvimento, as 
comunidades nômades passaram a se estabelecer em locais fixos, começaram a 
crescer demasiadamente, necessitando de uma demanda maior de alimento. Com 
períodos de secas e enchentes, esgotamento do solo, pragas, a humanidade percebeu 
a necessidade de armazenar a produção excedente. Essa transformação lenta que a 
humanidade passou, saindo da caverna e construindo o que seriam as futuras aldeias, 
a crença na Senhora dos Animais, na Grande Mãe, também modificou-se. 
 
 
 
 
 
 
 
Também foi no Neolítico que a domesticação de animais teve seu princípio e, 
nesse momento, observou-se a importância da pa- ternidade na concepção. Através 
MULHERES RECIPIENTES 15 
da domesticação de animais, pas- samos a entender melhor o papel masculino no 
processo da criação da vida e gradualmente, a dominação dos animais derivou no 
impulso de ‘domesticação’ da terra (Getty, 1997, p.15). 
Evidente que, segundo essa autora, os animais passaram a ser os escravos e 
receber a carga que antes eram das pessoas. Os valores humanos começaram a 
mudar sob o exercício do poder. 
No momento em que se constatou a importância da semente e sua ligação com a 
fecundação da terra, os homens passam a ser valo- rizados no processo da fecundação e 
corresponsáveis pelo princípio da vida (Santos, 2006). 
Com a criação de técnicas mais avançadas de cultivo do solo (o arado), é que o 
homem assume o papel de cuidar da terra. Papel este executado inicialmente apenas 
pelas mulheres, pois elas eram consideradas possuidoras da mesma magia da terra: a 
de propiciar o nascimento e a de nutrir os novos seres. O homem assume a liderança 
e, segundo Campbell (1990 a), a analogia entre a simulação do coito e do arado 
penetrando a terra, torna-se a fi- guração mítica dominante deste período. Seu papel 
aos poucos se reduziu ao de procriadora e mantenedora da família – dos herdeiros do 
patriarca. A magia e o encantamento do poder de gerar uma nova vida vindo das 
entidades femininas deram lugar a crença que todos os seres vivos fossem advindos 
de uma entidade masculina, um único Deus. 
Paulatinamente, os homens começam a ministrar rituais sagra- dos que eram até 
então, prerrogativa das mulheres sacerdotisas. A deusa-Mãe foi aos poucos 
substituída por um deus-Pai, único, onipotente e onipresente, advindo originalmente 
da cultura ju- daica.18 O papel do feminino que outrora fora supremo e divino, foi 
aos poucos suprimido. Contudo, a despeito disso, a Deusa não desapareceu 
totalmente do subconsciente das pessoas. O culto à deusa-Mãe era tão forte e 
presente em povos de cultura agrária que o cristianismo, muito sabiamente, valorizou 
a imagem da Virgem Maria, a Madona, como uma transposição da Grande Mãe. “O 
ca- tolicismo vai suprimir a Deusa-mãe e criar o Deus-pai, mas devido à dificuldade de 
suprimir este culto, será criado o culto da Virgem Santíssima – a mãe de Deus e o 
Deus-filho.” (Santos, 2006). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
- A cerâmica 
 
 
 
 
 
 
Cerâmica é a argila (barro) que queimada em forno torna-se dura e pouco 
quebradiça. Os seus principais elementos constitutivos são a sílica e o alumínio. 
 
Existem inúmeros os tipos de argilas e elas são utilizadas para diversas 
finalidades como, por exemplo: 
 
✓ Para confeccionar telhas, tijolos, manilhas, vasos de plantas e 
✓ Para confeccionar pisos, azulejos, objetos. 
✓ Para confeccionar a chamada “louça branca” - usada 
principalmente em banheiros (pias, vasos sanitários, etc.) 
✓ Para confeccionar a cerâmica artística - artesanal onde são feitos 
objetos utilitários, objetos decorativos, esculturas etc. 
 
A Cerâmica compreende todos os materiais inorgânicos, não metálicos, 
obtidos geralmente após tratamento térmico em temperaturas elevadas. 
 
 
2 - A argila 
MULHERES RECIPIENTES 17 
 
 
 
 
 
A argila também é conhecida popularmente como “barro”, em geral, tem 
uma textura terrosa e pode ser facilmente moldado ou deformado quando é 
umedecido (ou molhado). 
Essa característica de ser moldado é chamada de plasticidade. Outro 
ponto que caracteriza as argilas é o fato de elas serem constituídas por 
partículas muito finas. 
Você reparou que está escrito “as argilas”, no plural? Isso acontece 
porque existem vários tipos de argilas. E esses vários tipos são formados por 
componentes diferentes. 
Existem argilas que são vermelhas, argilas que são brancas, argilas que 
servem para fazer piso e azulejo, argilas que servem para fazer telha e tijolo, 
etc. 
 
Da mesma forma, também existem realmente muitos tipos de argilas, 
inclusive o que se chama de “argila gorda” e “argila magra”. Argila gorda é aquela 
que é muito pura e fácil de ser moldada e muito plástica. A argila magra é o 
contrário, mais difícil de ser trabalhada. 
O resultado final das peças que vão ser feitas depende muito, entre outras 
coisas, do tipo da argila usada. E sobre isso vamos falar um pouco mais à frente. 
Mas uma coisa todas essas argilas têm em comum: geralmente, elas são 
constituídas pelo mesmo material. Em geral, toda argila é formada por restos 
de rochas ou pedras, areia, restos de folhas, troncos ou animais e água. Cada 
 
tipo de argila tem uma quantidade maior ou menor de cada um desses 
componentes. 
Há também os compostos de ferro, que dão a cor vermelha a algumas 
argilas. A quantidade desses componentes também influencia as 
características das peças que estão sendo feitas. 
Se a argila tem muita areia, por exemplo, a peça pode ficar mais porosa, 
ou seja, com mais espaços vazios. E assim quebra mais fácil. 
 
Principais tipos de argilas, cores e temperaturas para queima. 
 
CREME: Consiste numa massa plástica para queima entre 800 e 1300ºC 
podendo ser usada em torno, para moldagem e modelagem. A cor de 
queima vai do rosado aos 800º C, até creme com pintas pretas a 1300 º C, 
quando esta perfeitamente sinterizada. A retração varia entre 15 e 17% a 
1300 ºC. 
 
MARFIM: Massa plástica para queima entre 800 e 1300º C que pode ser 
usada em torno, moldagem e modelagem. A cor de queima vai do marfim 
claro a 800 º C até marfim a 1200 º C e cinza clara a 1300º C, quando esta 
totalmente sinterizada. A retração está entre 14 e 16% a 1300 ºC. 
 
BRANCA SHIRO: Massa plástica para queima entre 800 e 1300°C para 
uso em torno, modelagem e moldagem. A cor de queima vai do rosado a 
1000°C até branca a 1300°C, quando está sintetizada. 
A retração varia entre 13 e 15%a 1300°C. 
 
TABACO: Massa de grande plasticidade para queima entre 800°C e 
1200°C. Pode ser usada em torno ou para modelagem e moldagem. A 
cor de queima varia do bege a 800°C até marrom claro a 1200°C. 
A retração varia de 14 a 16% a 1200°C. 
 
FAIANÇA: Massa cálcica de queima branca, plástica para uso em torno, 
moldagem e modelagem, para queima a 980°C , ficando com uma 
porosidade em torno de 12%. A retração nesta temperatura está entre 13 
e 15%. 
 
TERRACOTA: Massa de alta plasticidade e cor de queima vermelho 
característico, para queima entre 800 e 1200°C . Próprio para uso em 
torno, moldagem e modelagem. A retração fica em torno de 14%. 
 
PRETA: - Massa de boa plasticidade que quando queimada a 100°C fica 
preta, a temperaturas mais baixas fica de coloração marrom. Pode ser 
usada em torno, modelagem e moldagem. 
 
O que acontece com as peças de cerâmicas quando estão sendo 
fabricadas? 
MULHERES RECIPIENTES 19 
Como já falamos, as argilas são compostas por diversos materiais, como 
areia, pedras, restos de folhas e animais (matéria orgânica), calcário, etc. 
Cada um desses componentes influencia de alguma forma na argila, e, 
conseqüentemente, na peça cerâmica. A matéria orgânica e a argila, 
propriamente dita, fazem com que o material seja mais plástico, mais fácil de 
modelar. Durante a queima, a matéria orgânica vira gás e tem que ser expulsa 
da peça. 
Quando o gás sai, podem-se formar espaços vazios e até mesmo trincas. 
Se houver muito espaço vazio, a peça vai quebrar facilmente. A areia, por outro 
lado, faz com que a argila fique menos plástica, mais difícil de moldar (é só 
lembrar que se você misturar apenas areia e água fica impossível moldar 
qualquer coisa). 
A areia, quando aquecida, aumenta de tamanho, e quando resfria volta ao 
seu tamanho normal. Isso também pode causar trincas. 
O calcário é outro tipo de material que solta gás durante a queima. Nesse 
caso, acontece o mesmo que com a matéria orgânica. Se o gás não consegue 
sair, a peça incha ou trinca. 
Por fim, as pedras, ou mesmo grandes “bolos de barro”, impedem que a 
peça fique bem lisinha, que a argila seja distribuída por igual. Isso, além de 
deixar a peça menos bem acabada, pode fazer com que ela se quebre 
facilmente. 
3 - A argila e seus segredos 
 
Seja uma estátua, vasinho, bandeja, etc., há alguns cuidados essenciais 
que, se não forem tomados, podem colocar a perder todo o trabalho. 
Imagine só: você faz uma peça com todo o carinho e trabalho, uma obra 
de arte; mas, ao secar, ela começa a rachar toda. Ou, ainda pior, depois de 
queimar no forno você descobre que ela quebrou! 
 
Uma frustração dessas pode tirar até a vontade de trabalhar com argila, e 
justamente para evitar uma coisa dessas vamos aprender hoje alguns cuidados 
essenciais. 
Amassar o barro ou “bater o barro” é a necessidade que argila tem de ser 
bem amassada, com as mãos, ou mecanicamente, para compactar e eliminar 
todas as bolhas de ar existentes em seu interior. Isso por que as bolhas 
poderão fazer com que a peça exploda dentro do forno durante a queima, 
como também podem provocar rachaduras em peças que estejam secando. 
Pode-se também amassar o barro, jogando-o sobre uma superfície lisa 
por repetidas vezes. 
Não se deve esquecer que “bater o barro” é uma etapa da preparação 
que não pode deixar de ser realizada. 
Atente que... 
 
✓ O segredo da cerâmica é uma massa de argila bem amassada. Ela não 
deve estar muito mole, mas sim maleável e ligeiramente firme, sem estar 
dura demais. 
✓ Se a sua argila estiver mole demais, coloque-a num saco plástico com 
algumas bolas de jornal: elas chupam a umidade. Troque o jornal de 
vez em quando, e não o deixe ficar muito tempo. 
✓ O processo de amassar argila é semelhante ao de amassar pão. Apóie 
a argila com uma das mãos e empurre para baixo com a outra. Estique 
a parte que foi pressionada e dobre-a por cima do resto da massa, 
depois volte a empurrar para baixo. 
 
 
 
MULHERES RECIPIENTES 21 
Repita várias vezes. Durante o processo, você vai ouvir as bolhas de ar 
estalando, com a pressão. 
 
4 - As rachaduras e bolhas de ar nas argilas 
 
Uma massa de argila bem trabalhada deve ser compacta e de sem 
bolhas, pois elas podem explodir durante a queima, estragando seu trabalho. 
 
Mesmo com a argila bem amassada, podem surgir bolhas de ar durante a 
confecção das peças de cerâmica. Bolhas superficiais são fáceis de perceber, 
pois formam saliências arredondadas sob a argila, e se abrem com a pressão 
do dedo. 
 
Faça sulcos com no buraco aberto pela bolha e preencha com barbotina* 
e argila, pressionando bem. As bolhas internas são tiradas ao “ocar” a peça, 
isso é, retirar o excesso de argila de seu interior. 
 
*Barbotina - É a argila misturada com água em estado pastoso. Usa-se para 
unir pedaços de argila, juntar duas placas, colocar alças, bicos ou aplicar 
decoração etc. 
 
Quando precisar acrescentar barro a uma peça, não o aperte 
simplesmente no local desejado: ele pode se soltar facilmente ou formar novas 
bolhas de ar. Depois, ponha a porção de barro desejada por cima. Repita várias 
vezes, se necessário. 
 
Às vezes, durante a secagem, uma peça pode rachar. Para consertar 
rachaduras, lixe a peça seca e recolha o pó que cair dela. Umedeça 
ligeiramente o local da rachadura com um pincel e risque-o com um palito ou 
 
um “esteco” de metal bem duro. Coloque numa vasilha o pó e faça uma pasta 
com alguns pingos de água. Aplique-a nas rachaduras com o palito. 
 
Detalhes muito finos e estreitos, como braços, folhas, etc., tendem a 
secar mais depressa que o resto da peça, e por isso tendem a rachar e cair. 
Para evitar que isso aconteça, aplique pequenos pedaços de pano úmido 
nesses locais. Umedeça-os ligeiramente quando estiverem secos, mas sem 
molhar demais. 
 
5 - Modelagem 
 Usando a placa - Fazer placa consiste em espalhar, com um 
rolo, uma porção de argila sobre uma superfície lisa, compactando-a. Usam-
se duas réguas de madeira sobre as quais se movimenta o rolo com as 
mãos. As réguas servem também para calibrar a espessura da placa. Deve-
se cobrir a argila, com um tecido ou plástico, para que não grude no rolo. 
Esta tarefa manual pode ser efetuada mecanicamente através de um 
abridor de placa, equipamento que permite espremer a argila através de 
dois rolos de borracha tracionados por uma manivela. 
Com placas pode-se construir a maioria das peças cerâmicas. 
 
 Beliscando - Cria-se a forma da peça amassando a argila com os dedos 
de uma das mãos. A palma da outra mão ajuda a dar a forma desejada. 
 Cobrinhas - São feita com tiras de argila que são roladas com as mãos 
sobre uma superfície lisa até que se tornem cilíndricas. 
Pode-se também produzi-las usando uma extrusora (equipamento que 
comprime o barro num tubo dando a forma que se quer na saída). Com as 
cobrinhas juntadas entre si, sobrepostas e trabalhadas, podem-se obter 
todas as formas que se queira, de acordo com a habilidade e técnica de 
cada um. 
MULHERES RECIPIENTES 23 
 
 
 
 
✓ Torno ou roda de oleiro - Usado para fazer peças torneadas como vasos, 
por exemplo. 
 
✓ Como “ocar” peças de argila - Sempre que for fazer trabalhos com argila 
existirá a necessidade de ocar, isso é, retirar o excesso de argila de dentro 
das peças de cerâmica antes de secar para a queima. 
 
Pode parecer exagero, mas essa etapa é muito importante, principalmente 
nas peças grandes, porque diminui seu peso e reduz o risco de bolhas de ar. 
Além, é claro, de reduzir o tempo necessário para a queima. 
 
A peça a ser ocada deve estar em ponto de couro, isso é, quando a argila 
está mais dura, porém não totalmente seca. 
Uma dica para reconhecer o ponto de couro é passar o dedo pela argila: ela 
fica lustrosa. 
 
Em figuras de apenas um lado, como máscaras ou placas, ou que tenham 
aberturas, como casinhas, é mais fácil o processo. 
Mas em figuras fechadas, não há outro jeito senão cortar. 
 
✓ Como cortar peças de argila - A peça deverser de preferência cortada 
em L, de modo a deixar a base intacta. 
 
Se cortar inteiramente a peça, fica mais difícil manter as duas metades na 
hora de costurá-las de volta. Dependendo da forma da peça a ser ocada, às 
vezes pode ser necessário fazer vários cortes. 
 
Para cortar argila maciça, deve-se usar um fio de náilon. Muitas vezes, 
amarram-se pedacinhos de madeira nas extremidades, para ajudar a segurar 
melhor o fio. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Marque com um esteco* onde vai cortar, escolhendo de preferência uma 
área que não tenham muitos detalhes. Estique o fio de náilon e passe pelo 
meio da peça com cuidado, conforme o esquema. 
 
*Esteco - Espécie de palheta, parecida com um palito de picolé. Pode ser de 
madeira, plástico ou metal. 
 
✓ Processo de “ocagem” - Depois de cortada a peça, segure um dos 
pedaços com uma das mãos enquanto retira a argila com uma colher de 
chá. Além do apoio, poderá sentir assim se está tirando argila demais. A 
camada que sobrar deve ter no mínimo 1 cm de largura. 
MULHERES RECIPIENTES 25 
 
 
 
 
 
 
 
Faça sulcos com o esteco nas beiradas dos cortes e coloque barbotina, 
antes de juntar os pedaços. Aplique barbotina por toda a extensão do corte de 
um dos pedaços. 
 
✓ A costura das peças 
 
Junte os dois pedaços e aperte bem. Selecione uma pequena área para a 
costura e, com um esteco de madeira, faça sulcos sobre o corte como aparece 
na ilustração, levando a argila de um pedaço a outro. 
 
Repita a operação no outro pedaço, de modo a cruzar os cortes anteriores, 
como aparece nas imagens. 
 
 
 
 
Nota: Você sabia que São denominados barros magros os que partem 
com facilidade quando trabalhados, e barros gordos os que possuem 
mais maleabilidade-plasticidade. 
Aplique barbotina sobre a costura e pressione-a, alisando a argila. Vá 
repetindo a operação, até o final. 
 
Se puder aperte os dois pedaços juntos com uma das mãos enquanto 
costura, para que não aconteça de uma parte já costurada abrir de novo. 
 
Alise a costura, cuidando para não deixar “cicatrizes”, e refaça os 
detalhes que possam ter sido danificados. 
 
Depois que a peça estiver totalmente fechada, não se esqueça de fazer um 
furo na base, para que os gases escapem durante a queima. 
 
Existe no mercado argilas que são colocadas à disposição dos consumidores 
na forma líquida, em pó e na mais usual - a forma plástica. Hoje em dia existe no 
mercado uma variedade enorme de argilas já prontas embaladas em blocos, 
pesando cerca de 10 quilos, algumas até trazidas do exterior, cada uma com 
características próprias de usos e aplicações. 
MULHERES RECIPIENTES 27 
 
 
 
✓ Vazar ou marcar peças cerâmicas 
 
Pode-se usar um simples palito de madeira e com ponta afiada para fazer 
essa etapa antes que a peça seja queimada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6 - Endurecimento da argila e sua reciclagem 
Argila para ser trabalhada tem que estar úmida e maleável. Se for 
acondicionada num invólucro de plástico grosso, hermeticamente fechado, sua 
conservação se dará por longo período de tempo. Aberta a embalagem, a argila 
deverá ser mantida envolta em plástico e armazenada em recipiente fechado e 
em lugar fresco. Se isto não ocorrer seu endurecimento se dará em pouco 
tempo, dificultando seu uso e manuseio. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Caso a argila endureça ela pode ser reciclada sem que perca suas 
características originais. Para tal deixa-se secar completamente e, em 
seguida, coloca-se o material, quebrado em pequenos pedaços, num 
recipiente, cobrindo-o com água. Após alguns dias, a massa resultante, já 
 
completamente amolecida, pode ser posta para secar sobre uma placa de 
gesso ou de madeira. No entanto precisa ser bem amassada para ficar 
novamente pronta para o uso. 
 
A reciclagem de grandes quantidades pode ser feita com um equipamento 
chamado “Maromba”. 
 
Aqueles que pretendem trabalhar com argilas devem saber que os 
trabalhos com argila não propiciam resultados imediatos. As etapas são 
sempre demoradas. Calma e paciência são qualidades que todo ceramista 
deve ter. 
 
7 - Mistura de argilas 
 
 
 
As peças cerâmicas também podem ser confeccionadas misturando duas 
ou mais argilas desde que sejam compatíveis entre si. 
Entenda como compatíveis as que encolhem do mesmo modo, e no 
mesmo tempo. Por terem as mesmas reações não racham, com facilidade, 
durante a secagem e a queima. A confecção de peças com argilas de cores 
diferentes pode dar bons resultados estéticos. 
Após a queima de biscoito (veja sobre queima de biscoito no tópico 
“Queima e Técnicas de forno”) pode-se só aplicar um esmalte transparente. 
Outra solução é esmaltar por dentro, tornando-a impermeável, deixando a face 
externa sem esmalte, só com o efeito da queima na argila. 
 
 
8 - Equipamentos utilizados por ceramistas 
MULHERES RECIPIENTES 29 
 
 
 
 
OBS.: Nem todos os equipamentos e ferramentas são imprescindíveis 
para o ceramista iniciante. A seguir estão relacionados a maioria deles: 
forno com mobiliário interno (prateleiras e suportes refratários); torno de 
modelagem e torno de mesa para acabamento; mesa de trabalho e local 
para bater o barro; recipiente com tampa para a armazenagem da argila; 
baldes com tampas para guardar os esmaltes; placas de madeira para a 
secagem de peças; ferramentas para cortar, riscar, alisar, 
lixar,furar,amassar, polir (etc.) a argila; balança de precisão, peneira, 
espátula, funil etc. para confeccionar os esmaltes etc; cones pirométricos; 
bacia; pincel; esponja; rolo, réguas, pedaços de pano e plástico; avental; 
luva; máscara, óculos e etc etc. 
 
 
✓ Ferramentas de acabamentos 
 
 
✓ Ferramentas de torno 
 
 
 
✓ Tornos (roda de oleiro)- Consiste num equipamento utilizado pelos 
oleiros* onde a argila é colocada em um prato giratório. A roda de oleiro 
foi inventada na Mesopotâmia no final do quarto milênio A C. Atualmente 
há no mercado inúmeros modelos de tornos, de variados tamanhos. A 
maioria é movida por motor elétrico e a regulagem da velocidade se dá 
por um pedal de acelerador, como nos carros. No passado era todas as 
rodas movimentadas com os pés e ajudadas com as mãos, caso 
necessário. Hoje em dia ainda existem regiões, bastante raras, que ainda 
usam este método tradicional. A atividade de um oleiro requer muita 
dedicação e prática. 
 
 
 
 
MULHERES RECIPIENTES 31 
 
 
O caminho que conduz à perfeição é muito longo. A tarefa de um oleiro é 
dar forma a uma porção de barro com as mãos e umas poucas 
ferramentas. A argila é colocada no centro de um prato giratório e com os 
dedos posicionados, externa e internamente, levantam-se as paredes da 
peça na forma e altura desejada. Simples é descrever o processo, mas só 
quem é bastante habilidoso e dedicado é que consegue executar 
eficientemente o trabalho. 
 
*Oleiro é quem trabalha com o torno (roda de oleiro) e fabrica peças 
torneadas. 
 
✓ Fornos - Os fornos usados nas queimas podem ser a lenha, elétricos ou 
a gás. Há inúmeros tipos e tamanhos para todas as necessidades. 
 
Encontram-se no mercado fornos elétricos cujo isolamento é feito com 
manta cerâmica, e por isto são menores, mais leves e ocupam menos 
espaço, facilitando enormemente uma futura mudança do local de 
instalação. 
 
Os fornos feitos com tijolos refratários são muito mais pesados e ocupam 
muito espaço físico, tornando bastante complexa uma possível mudança 
de local de instalação. 
 
OBS.: Há muitas opiniões contrárias ao emprego de mantas cerâmicas 
nos fornos, pois são sujeitas ao desgaste natural do uso, acarretando a 
conseqüente desagregação de partículas, que podem ser inaladas pelos 
usuários. Apesar deste ponto de vista contrário defendido por alguns, 
estes fornos são muito bem aceitos e vendidos em todo o mundo. 
 
 
 
 
 
 
 
✓ Pirômetro - Usa-se para medir a temperatura interna dos fornos. É um 
instrumento imprescindível para a atividade cerâmica, pois serve para 
controlar o processamentoda queima. Atualmente a maioria dos fornos 
é equipada com pirômetros digitais que são precisos e possuem 
inúmeros recursos de regulagem. 
 
 
MULHERES RECIPIENTES 33 
✓ Cone Pirométrico - Foi Hermann Seger quem criou o cone pirométrico 
que permite saber em qual temperatura o esmalte se funde durante a 
queima. É feito com material cerâmico e tem a forma de uma pirâmide 
triangular alongada, medindo aproximadamente 7 cm de altura. Seu 
funcionamento ocorre da seguinte forma: quando o forno atinge uma 
temperatura, prefixada, o cone inclina-se completamente tocando com a 
ponta na prateleira em que está localizado. Deve o cone ser colocado em 
uma determinada posição que permita ser observado pelo ceramista 
através de um visor, que normalmente situa-se na porta do forno. Tais 
peças possuem números que indicam a temperatura. Como por exemplo: 
Cone 013=869oC; Cone 7=1215oC e assim por diante. 
 
 
 
A dificuldade de se enxergar os cones pirométricos no final das queimas 
em alta temperatura pode ser resolvida. Basta pincelar, na face do cone 
voltada para o visor, uma fina risca com óxido de ferro. Deste modo a 
visualização se torna bem mais fácil. 
 
 
Obs.: Veja no final a tabela de cones pirométricos. 
 
✓ Moldes - Uma das maneiras de se confeccionar peças cerâmicas é 
usando moldes. Estes podem ser de gesso, de cerâmica 
(preferencialmente ainda em biscoito), de vidro, de plástico, de cimento, 
de silicone e outros materiais. O mais usual é o uso de moldes de gesso. 
Eles têm como principal vantagem o fato de absorverem 
 
rapidamente a umidade do barro. O processo é relativamente simples. 
Coloca-se uma placa de argila sobre o molde e pressiona-se para haver 
uma completa aderência à forma. A seguir espera-se secar até o ponto 
em que a peça saia facilmente, sem deformar. Um dos cuidados que 
deve ser observado é não deixar de passar na superfície interna do 
molde um desmoldante - talco, maisena ou sabão líquido fazem o mesmo 
efeito. Esta providência impedirá a adesão da argila ao molde 
dificultando sua retirada. 
Existem moldes especialmente concebidos para o uso de argila líquida. 
Neste caso derrama-se a argila, por um orifício, e espera-se secar. Uma 
parede, aos poucos, vai se formando internamente. Posteriormente abre-
se o molde e retira-se a peça já perfeitamente moldada. Os passos 
seguintes serão: dar acabamento, secar, queimar biscoito, esmaltar etc 
como se procede habitualmente. O método da argila líquida é empregado 
em grande escala na produção industrial. 
 
✓ Equipamentos de segurança - Deve-se usar sempre máscara quando 
se está lixando, formulando esmalte ou esmaltando, principalmente 
quando se aplica com pulverizador. Ao manusear os materiais cerâmicos 
use luvas e evite colocar as mãos na boca, nos olhos, e não fume, não 
beba e não coma enquanto estiver trabalhando, pois alguns dos materiais 
que se costumam usar são muito tóxicos. Deve-se proteger o corpo com 
roupas apropriadas e lavar bem as mãos no final do trabalho. 
 
MULHERES RECIPIENTES 35 
 
 
 
9 - Queima e técnicas de forno 
 
1ª Queima ou Biscoito - É a primeira queima. Serve para transformar a 
argila em cerâmica, tornando-a permanentemente dura. Geralmente eleva- 
se até 800/900o C. Esta queima deve ser bem lenta no seu início para que não 
haja risco das peças racharem ou empenarem, face a grande quantidade de 
água existente na argila até atingir 200o C. 
No final do cozimento constata-se uma diminuição, encolhimento, de mais 
ou menos 10% em seu tamanho e volume, ficando a peça porosa e não 
impermeável. 
Uma queima cuidadosa de biscoito dura cerca de oito horas e deve-se 
aguardar, pelo menos, outras oito horas para abrir totalmente a porta do forno, 
sob o risco das peças racharem em decorrência do choque térmico. 
 
Eliminação de água contida no barro durante a queima de biscoito 
 
O calor produzido pelo forno atua sobre a peça cerâmica de fora para 
dentro, ao contrário da evaporação da água que ocorre de dentro para fora. Já 
que a camada externa da peça seca mais rápido do que a interna ela se contrai 
primeiro, fechando os poros da argila. Isto dificulta a saída da água de seu 
interior, ocasionando uma tensão de sentido contrário: do interior para o exterior 
que pode ocasionar danos. 
 
Deve-se notar que se a temperatura do forno subir rapidamente, no início 
da queima, a camada externa irá se deformar (empenar) e rachar, em razão da 
argila conter muita água. Isto é que justifica a recomendação de que a queima 
de biscoito deva ser bastante lenta do seu período inicial - até atingir 200 graus 
aproximadamente. 
 
Existem artifícios para tornar o barro mais magro, com menos água na sua 
composição. Um deles é adicionar argila refratária à massa cerâmica. Com esta 
medida o barro vai se tornar mais poroso facilitando a saída da água durante o 
cozimento. 
 
Na indústria resolve-se este problema fazendo a secagem numa atmosfera 
úmida. A peça depois de aquecida é transferida do ambiente interior mais quente 
para o exterior mais frio. Isto induz a saída da água já que a camada exterior irá 
resfriar-se mais rápido do que a interior. 
 
2ª Queima ou queima de esmalte (vidrado) - É feita em temperatura mais 
alta do que a de biscoito. Ao contrário desta, seu final, deve ser lento para que 
haja tempo do esmalte fundir-se completamente. É o momento em que a peça 
obtém sua cor definitiva. Caso se utilize um esmalte transparente só será 
realçada a cor da argila. 
 
O vidrado torna a peça impermeável ficando a superfície bem lisa. Nesta 
queima podem-se usar esmaltes de alta (+ de 1200º C); média (até 1200º C) e 
baixa (até 1100º C). 
 
Monoqueima - É o método em que a peça ainda crua só vai uma vez ao 
forno, já com esmalte aplicado. Apesar do menor gasto com energia elétrica e 
da maior rapidez no resultado final, este tipo de queima envolve muitos riscos. 
As peças ficam mais quebradiças antes de enfornar porque a argila crua, 
quando esmaltada, assimila uma grande quantidade da água. Os esmaltes 
também costumam dar problemas no acabamento e na cor. O que se constata 
é que não são muitos os ceramistas que usam a queima única. 
 
Arrumação das peças no forno - Na queima de biscoito não há grande 
dificuldade quanto a isto. As peças podem ser colocadas em diversas posições 
e até empilhadas. O maior cuidado é não deixar de apoiá-las corretamente para 
que não empenem. Na queima de esmalte, deve-se ter o maior cuidado quanto 
à distância entre as peças. Uma boa medida é deixar cerca de 1 centímetro 
entre elas para que não grudem entre si, quando da fusão do esmalte. 
 
 
 
 
 
Uso da Vaselina - Passa-se vaselina na parte inferior da peça, local que fica 
em contato com a prateleira do forno, evitando que o esmalte ao se fundir 
MULHERES RECIPIENTES 37 
grude. Pode-se usar também vaselina, na decoração de peças, para fazer 
máscaras. 
 
Em todas as queimas a arrumação deve ser uniforme, quanto ao tamanho 
e altura, visando otimizar o uso do espaço disponível e permitir a repartição do 
calor igualmente. 
 
Esmalte é um produto vitrificável resultado da mistura de substâncias 
minerais que, ao derreterem, se fundem a uma determinada temperatura, 
aderindo ao corpo cerâmico. Na sua composição química entram minerais 
naturais, substâncias extraídas de minerais e outras produzidas quimicamente. 
Qualquer esmalte, seja de baixa, média ou alta temperatura, contém três 
elementos básicos: 
 
➢ Sílica - Por ser o elemento formador do vidro é o principal ingrediente do 
esmalte, chegando até a 50% de sua composição. É encontrada em 
areias, argilas e cinzas de madeira. Sua apresentação é em forma de um 
pó branco moído muito fino. 
➢ Fundente - Material que faz a sílica fundir num grau inferior à sua 
temperatura normal de fusão que é de 1700ºC, muito acima da 
temperatura máxima dos fornos de cerâmica. 
Existem diversos tipos de fundentes que se adequam ao tipo de 
esmalte que se deseja, de baixa, média ou alta temperatura, foscoou 
brilhante, opaco ou transparente, áspero ou suave. 
➢ Estabilizante - Serve para que o esmalte quando derretido, depois de 
fundido, permaneça na superfície da peça sem escorrer. O óxido de 
alumina é o controlador da viscosidade do esmalte, mantendo-o 
estável. 
O esmalte, após a queima e o esfriamento, forma uma camada dura e 
impermeável que deixa a peça mais resistente e bem acabada. 
 
NOTA: Não se deve deixar de passar nas prateleiras uma camada da 
mistura de caulim e quartzo, na base de 50 por 50, dissolvida em água, 
para que o esmalte, caso escorra, não grude de forma irreversível. 
 
Esmaltação - A aplicação do esmalte na peça ocorre de vários modos. 
Por imersão (segurando a peça com uma pinça ou com a própria mão e 
imergindo-a em um recipiente contendo esmalte); por "derramado" 
(derramando o esmalte sobre a peça); por pulverização (aplicando o esmalte 
com uma pistola de pintura acionada por um compressor de ar); ou utilizando 
pincéis, esponjas etc. 
 
 
Imersão Derramado 
 
 
Pulverização 
 
Celadon - O termo celadon talvez não seja conhecido de todos os 
ceramistas. Mais conhecido certamente de colecionadores de cerâmica e 
porcelana chinesas e antiquários. Talvez também haja um pouco de confusão 
em torno do termo, que, em geral, significa cerâmica chinesa antiga de cor 
verde clara, imitação da cor do jade. 
Os chineses nunca ouviram falar em celadon. A palavra celadon é o nome 
de um pastor de uma peça francesa, do século 17, L’Astrée, que se vestia com 
uma roupa verde acinzentada. Nessa época chegavam à França as cerâmicas e 
porcelanas chinesas desse verde ou verde acinzentado, que se 
MULHERES RECIPIENTES 39 
tornaram imediatamente uma paixão dos europeus amantes do que os 
franceses chamavam de chinoiserie, a arte que vinha da China. 
 
 
Na China se distinguia a cerâmica comum, o que hoje chamamos de baixa 
temperatura, em inglês earthenware, e a queimada em alta temperatura, fosse 
ela feita de argila, stoneware inglês, grés, ou de porcelana. O importante é que 
fosse cozida a mais de 1200ºC. 
 
Naturalmente nem existia graus centígrados na época nem os nossos 
“cones” de nossos dias: funcionava o “olhômetro”, a coloração da atmosfera 
dentro do forno ou da chama que saía pela chaminé, branco-amarelado ou 
branco mesmo. Também antigamente retirava-se uma peça com ferros para 
verificar o grau de queima da peça. A porcelana seria uma categoria acima, 
mas não, como consideramos hoje no ocidente, uma categoria à parte do que 
chamamos de cerâmica. Para o chinês era tudo um produto do fogo. 
 
Naqueles tempos, um forno, construído pela comunidade, passava de 
geração a geração, durava algumas dezenas de anos e muitas vezes era 
destruído somente por tropas inimigas, pelas guerras. Materiais diferentes, 
fornos e técnicas também diferentes resultam que os fornos do norte da China 
produziam um celadon de tonalidade diferente do sul, num um verde claro, no 
outro um amarelado, ou então uma tonalidade azulada. 
 
Com o passar dos tempos os colecionadores e museus foram catalogando 
e encontrando celadons de tonalidades diferentes, características distintas e 
deram nomes, pelo lugar de fabricação, ou pela época, pelos 
 
Imperadores , os Ming, os Sung e tudo mais. Assim, Bernard Leach¹, em seu 
livro, que se tornou a bíblia dos ceramistas modernos, distingue uns 70 
celadons. Ricardo Joppert², sinologista e colecionador brasileiro, em seus 
livros, analisa e define muitos celadons, os chamados Céladons do Norte, do 
Sul. Os especialistas consideram que a fase áurea do celadon na China foi 
entre os séculos 9 e 14, tendo havido como um renascimento no século 18. 
 
Características técnicas do celadon 
 
Basicamente é um esmalte feldspático, com diferentes formulações, mas 
em que a cor, seja o verde claro ou escuro, o amarelado, o verde-acinzentado, 
ou o azulado é fornecido simplesmente pelo óxido de ferro, ou mais 
simplesmente ainda, talvez pelo óxido de ferro contido na argila utilizada pelos 
chineses antigos. 
 
Em segundo lugar, a queima em redução. Naturalmente, os chineses não 
tinham idéia do que seria redução: seus fornos geralmente subindo encostas, que 
os japoneses depois chamaram de "anagama" e "noborigama", de uma ou mais 
câmaras, queimados com lenha, eram naturalmente queimas de redução, em que 
o oxigênio era forçado e retirado, quase à força, de dentro da própria argila para 
a realização da queima. 
 
A cor e a opalescência dos celadons resultam de um efeito ótico sobre as 
partículas ultrafinas em suspensão e ainda de um jogo de luz sobre os milhares 
de minúsculas bolinhas de ar, invisíveis a olho nu. Outra característica é o 
craquelado, os minúsculos veios que se espraiam pelo esmalte. Os verdes 
produzidos pelo óxido de ferro em redução são de tonalidades inteiramente 
diferentes dos verdes produzidos pelo cobre ou pelo cromo. 
 
Já nos fornos europeus mais antigos, como tradicional bottle kiln, forno de 
forma de garrafa da indústria inglesa dos últimos séculos, o fogo e o calor subiam 
natural e diretamente para a atmosfera. Nos fornos antigos chineses o mesmo 
fogo e o calor viajavam dentro do forno por dezenas de metros até atingir lá no 
final a saída ou a chaminé, quando havia. Nos fornos europeus o calor não era 
retido, condicionado, resultando na redução, saindo livremente, resultando no 
que hoje chamamos de atmosfera oxidante. Os gregos antigos conheceram a 
redução e a utilizaram para seus vasos negros. Mas, depois foi esquecida. 
 
Da China o celadon passou para a Coréia, para o Reino Koryo. Os 
coreanos não copiaram só os fornos chineses, mas também criaram e fizeram 
inovações próprias. Os japoneses eram mais atrasados em matéria de 
cerâmica, mas nas guerras com a Coréia, em que saíram vencedores (não em 
todas), levaram para o Japão centenas de oleiros coreanos como prisioneiros 
de guerra. 
 
Coisa parecida com o que fizeram os americanos: “importaram” depois da 
derrocada nazista na última guerra, “convidaram” (entre aspas) dezenas ou 
centenas de cientistas alemães. 
MULHERES RECIPIENTES 41 
No século 16 um oleiro coreano tinha o mesmo valor para os Shoguns 
japoneses que um cientista alemão para os americanos de 1945. 
 
O celadon coreano tem características próprias como o nipônico. Os 
materiais eram diferentes. Mas, a paixão por aquele vidrado de um efeito todo 
especial delicado, poético, que realçava e dava encanto especial ao baixo- 
relevo, de flores, figuras e paisagens gravadas na cerâmica ou na porcelana. 
Era a beleza clama, sossegada, poética, monocromática, tão diferente da 
cerâmica multicolorida, de pintura de paisagens ou figurativa. 
 
Modernamente, os ceramistas procuram reproduzir as tonalidades e os 
encantos dos celadons. Como obter aqueles mesmo efeitos com técnicas, os 
materiais e os fornos de hoje? Muita pesquisa foi feita. Na China e no Japão 
analisaram os materiais antigos, pesquisaram as técnicas antigas e os fornos 
dessas épocas. Muito trabalho desde o livro básico de Bernard Leach. Hoje 
podemos reproduzir, com materiais vendidos nas lojas de cerâmica, um 
“Celadon do Norte”, lá do século 10, da dinastia Sung, ou um Lung-ch’üan da 
Quinta Dinastia. Não só o esmalte, mas também a massa cerâmica. 
 
A aplicação do esmalte celadon não é tão fácil - custa a pegar. Quando a 
peça é pequena, poderá mergulhar a peça e no caso das maiores, banhá-la 
(despejando o esmalte por cima da peça). Tenho utilizado o celadon para peças 
de esculturas para jardim. Aí despejo o esmalte sobre a peça, várias vezes. 
 
O ceramista francês Jacques Datcharry*, em seu trabalho sobre esmaltes 
em forma de “folhetim” pela Internet, lembra que, “em teoria (mas em teoria 
somente) obter um celadon é muito simples,” e acrescenta “fazer um belo 
celadon, é difícil, muito difícil, e se necessita de grande experiência (ou muita 
sorte) e humildade acima de tudo.” 
 
Fim da queima - Terminada a queima há a necessidade de que o 
resfriamento das peças se dê paulatinamentedurante, pelo menos, o mesmo 
tempo de sua duração. Só após a temperatura baixar até cerca de 200o C é 
que se poderá entreabrir a porta do forno. Passada uma hora, 
aproximadamente, pode-se iniciar a retirada das peças que, mesmo assim, 
ainda estarão bem quentes. O uso de luvas é recomendado para o manuseio, 
nesta ocasião. 
 
OBS. Se este procedimento não for obedecido (resfriamento lento) há o risco 
das peças racharem ao ocorrer o choque térmico - encontro com a atmosfera 
exterior mais fria. 
 
Assinatura - Assinatura. Há o costume de se assinar peças cerâmicas 
para identificar sua autoria. Isto é feito usando uma caneta com tinta indelével, 
após a queima; ou riscando, na argila ainda maleável, com uma ferramenta de 
ponta ou pressionando um carimbo com a marca do autor. Alguns ceramistas 
colocam, além da assinatura, também o local e a data da confecção da peça. 
 
 
 
 
 
Secagem - A água contida no interior da peça crua, evidentemente, tende 
a evaporar por influência da atmosfera exterior. O calor que dá origem à 
secagem, pelo contrário, age do exterior para o interior. Ou seja, a corrente 
quente do exterior movimenta-se em sentido contrário à água que procura sair 
do interior. Como a superfície externa seca mais rapidamente, ela se contrai e, 
em conseqüência, fecha os poros da argila, dificultando a saída da água ainda 
contida internamente. Isto gera tensões entre a parte interna e a externa. 
 
Se a diferença da temperatura for grande (parte seca/ parte úmida), a 
superfície exterior não apenas se deforma - ou seja, empena - como também 
racha, abre fendas. 
 
Depreende-se, portanto, que a secagem deve ocorrer sempre lenta 
principalmente na sua fase inicial. No entanto, pode-se facilitar a saída da água, 
acrescentando à massa/argila produtos que a tornem mais porosa. O chamote 
é uma boa solução. 
 
As peças devem ser colocadas para secar, preferencialmente, cobertas 
com pano, papel ou plástico, em local ventilado sem a incidência direta dos raios 
solares. É conveniente escolher uma posição que não receba corrente de ar 
unilateralmente, para que regiões mais expostas não sequem mais rapidamente 
do que as menos expostas. 
 
No caso de placas, o melhor é colocá-las para secar em cima de um 
estrado, já que isto permite a aeração também pela parte de baixo (inferior), 
fazendo com que a secagem ocorra, simultaneamente, em ambos os lados, 
diminuindo assim o risco de deformações e o aparecimento de rachaduras. 
 
Não é recomendável colocar um peso em cima de uma placa para evitar 
empenamento, já que a água contida no seu interior acaba procurando saída 
pelas arestas laterais, que secam primeiro por estarem em contato com o ar 
ambiente, acarretando tensões que poderão provocar rachaduras. 
 
OBS.: As peças cerâmicas, depois de prontas, devem ser colocadas para secar 
em local ventilado sem a incidência direta dos raios solares, para que não 
empenem nem rachem. É conveniente escolher um local sem corrente de ar para 
que as partes mais expostas não sequem mais rapidamente do que as menos 
expostas. 
MULHERES RECIPIENTES 43 
O processo de secagem deve ser o mais lento possível, inclusive com as 
peças moldadas com barro magro e, também, com as que se tenha adicionado 
argila refratária. 
Não é recomendável colocar peso em cima de uma placa para evitar 
empeno. Isto porque a água contida no barro acaba saindo pelas arestas 
laterais que secam primeiro, podendo provocar rachaduras. 
Para retardar a secagem de uma peça deve-se envolvê-la em saco 
plástico, jornal ou pano úmido e colocá-la em lugar protegido para que a 
umidade se conserve por mais tempo. Este artifício costuma ser aplicado 
quando o término da confecção de uma peça, por quaisquer razões, tem que 
ser adiado para outra oportunidade. 
 
Queima de Raku - O Raku surgiu no Japão no século XVI e sempre foi 
ligado ao cerimonial do chá. Seu significado é felicidade e prazer. O modo da 
queima, hoje no ocidente, é diferente da efetuada originalmente pelos 
japoneses. 
 
Uma das grandes "vantagens" do Raku é que a queima final é bem mais 
rápida do que a habitual. 
O processo em si, na maioria dos aspectos, é idêntico ao da cerâmica 
tradicional. Secar, queimar biscoito, esmaltar e enfornar. Qualquer tipo de 
argila pode ser usada desde que contenha chamote (material imprescindível 
para resistir ao choque térmico). 
Esmaltes comerciais podem ser aplicados, mas se forem mais elaborados, 
podem-se obter resultados especiais e exclusivos. Estes 
 
diferenciais são, certamente, fatores positivos no momento da comercialização das 
peças. 
O uso de engobes* na queima de Raku garante um efeito decorativo 
muito satisfatório. O craquelado é uma das características desta queima. As 
rachaduras escurecem pelo efeito da fumaça e realçam claramente as 
pequenas fraturas na camada superficial do esmalte. No Raku, as partes não 
esmaltadas ficam com a tonalidade escura. 
*Engobe - É a argila em estado líquido podendo ter de várias tonalidades. 
Usada na decoração das peças. Pode ser acrescida de outros materiais - 
óxidos corantes ou pigmentos. 
Os fornos utilizados são a gás e de dois tipos: Os montados com tijolos 
refratários, fixos num determinado local, muito pesado; e os feitos de alumínio 
ou ferro e isolados com manta cerâmica. Estes são leves e fáceis de serem 
removidos. A temperatura do cozimento situa-se em torno de 900 a 1000 C°e 
leva cerca de uma hora. A combustão se dá com o uso do gás de botijão, com 
chama regulada por maçarico. 
As peças são retiradas do forno ainda incandescentes, com o esmalte no 
ponto de fusão, seguras por pinças, e são colocadas num recipiente com tampa 
contendo serragem, ou folhas, ou jornais. Neste momento o material entra em 
combustão e inicia-se a redução (queima do oxigênio) . Como resultado 
processa-se a transformação dos óxidos metálicos surgindo colorações, as 
mais inusitadas. 
Após algum tempo retira-se a tampa do recipiente e com luvas pegam-se 
as peças que necessitam ser lavadas e escovadas para a retirada dos resíduos. 
Outro processo também usado, diferente da redução, consiste em 
mergulhar a peça, ainda incandescente, em um recipiente com água. Ao 
contrário do que se possa pensar, isto geralmente não provoca rachadura face 
ao choque térmico, a não ser que a argila, quando da moldagem, tenha tido 
alguma emenda ou reparo feito incorretamente, ou a peça tenha uma parede 
bastante fina. 
Muito importante é não se esquecer de trabalhar com segurança neste 
tipo de queima. Não deixe de usar máscara, óculos, luvas, roupas adequadas, 
calçados etc. 
Deve-se notar que a fumaça originária da queima do Raku é tóxica 
devendo-se evitá-la o mais que se puder. 
Óxidos corantes - São minerais em sua maioria tóxicos. Deve- se ter muito 
cuidado ao manuseá-los. Recomenda-se muita atenção para não colocar as 
mãos na boca, nariz, olhos durante o trabalho e não deixar de lavá-las com sabão 
ao final. 
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Estudos em Design | Revista (online). Rio de Janeiro: v. 23 | nº. 1 [2015], p. 84 – 95 | ISSN 1983-196X 
 
 
Alguns dos resultados que podem ser obtidos com o uso de óxidos misturados 
ao engobe: 
✓ Óxido de ferro - Pigmentos amarelos e marrons 
✓ Óxido de cobalto - Tons azuis 
✓ Óxido de cobre - Tons verdes 
✓ Óxido de cromo - Tons verdes escuros e rosas quando associado ao estanho. 
Estes resultados não são precisos já que outros fatores interferem no processo: o tipo 
de argila usada; características da queima , sua temperatura, duração etc. 
Outro fator determinante, no que se refere aos matizes a serem obtidos, é o percentual 
do óxido agregado à argila. Por esta razão é aconselhável fazer testes começando com 
quantidades pequenas (entre 2 a 5%) e ir aumentando a dosagem até conseguir o 
resultado desejado. 
Quando se usam pigmentos, no entanto, o resultado final das cores torna-se 
previsível, já que ele s são estáveis. 
 
A ARTE DA CERÂMICA MARAJOARA: ENCONTROS 
ENTRE O PASSADO 
E O PRESENTEDENISE PAHL SCHAAN* 
 
 
 
A ARTE DAS SOCIEDADES DE TRADIÇÃO ORAL 
 
uso da palavra arte para designar manifestações estéticas de sociedades arqueológicas é visto 
com reserva pelos arqueólo- gos, porque se sabe que as sociedades indígenas não conside- ram 
seus objetos de uso cotidiano, festivo ou cerimonial como obras de arte. Por isso, denominações 
como “arte indígena” ou “etnoarte” (SILVER, 1979) têm sido usadas para diferen- ciar a arte 
dos povos indígenas da arte da sociedade ociden- tal. Mas talvez essa distinção não seja tão 
necessária. Costuma-se entender que a arte na sociedade ocidental incentiva a criatividade 
(como algo contrário à tradição), mas na verda- de também os ocidentais produzem a arte para 
o público e, nesse sentido, são de alguma forma também sujeitos à acei- tação social de suas 
produções estéticas (BOURDIEU, 1999; LÉVI-STRAUSS, 1989). Por outro lado, a idéia de 
que a produção indígena de vasilhas de cerâmica é “padronizada” e segue rigidamente a 
“tradição” é fruto de um olhar ocidental e não leva em conta que nas comunidades ceramistas 
os indi- víduos distinguem facilmente entre produções que, do pon- to de vista externo, 
pareceriam iguais. 
Para que possamos entender o sentido que possuíam 
as manifestações artísticas ou estéticas das antigas sociedades 
99 amazônicas e de que maneira essas manifestações se relaciona- 
 
 
O 
 
vam com outros aspectos da cultura, os arqueólogos buscam estudar as sociedades descritas 
por etnógrafos – especialmente as sociedades de tradição oral¹. São grupos humanos que fa- 
zem uso da oralidade, da corporalidade e do gestual como maneiras de transmissão de 
conhecimentos e de compar- tilhamento de conceitos cosmológicos. O contato real entre as 
pessoas, o contar estórias, o representar e reviver acontecimen- tos mitológicos por meio de 
comportamentos rituais é sua forma de memorizar e transmitir conhecimentos. Como 
complemento e reforço a esse modo de transmissão oral, são utilizados obje- tos materiais 
que carregam de modo acessível aos olhos os mesmos conceitos, ensinamentos e 
conhecimentos (GEERTZ, 1989). A estética própria de um grupo social – as pinturas 
corporais, os ornamentos, as roupas, os objetos que carregam – comuni- ca sobre o grupo a 
que o indivíduo pertence, sobre sua identi- dade individual e social. São códigos 
compartilhados por indivíduos que lhes atribuem significados semelhantes e, nes- se sentido, 
esses objetos vêm a fazer parte de um mesmo siste- ma de significações (RIBEIRO, 1987; 
VELTHEM, 1994; VIDAL, 1992). É justamente o fato de se constituírem nesse sistema 
coerente de significados que nos permite, a nós arque- ólogos, dispor de um referencial 
teórico que nos capacita a investigar essas manifestações estéticas e comportamentos do 
passado, quando não temos mais os indivíduos para nos apon- tar o significado das coisas e 
esclarecê-lo. 
As sociedades de tradição oral possuem em geral uma 
relação muito particular com os outros seres da natureza, o que observamos na cerâmica, por 
exemplo, através da representação de animais (os zoomorfos) e humanos/animais (os 
antropo- zoomorfos). Essas não são representações meramente ilustrativas da fauna, mas 
possuem um sentido metafórico. Esses são ani- mais ligados de maneira muito íntima com a 
história cultural do grupo social que os utiliza. Seria simplificar demais dizer que essas 
populações possuem uma concepção animista de mundo; de fato, a situação é bastante mais 
complexa. Segundo Viveiros de Castro (2005), os ameríndios acreditam que cada espécie 
animal se vê a si mesma como humana. Assim sendo, as onças veriam os humanos como 
caça (como se fossem, por exemplo, porcos selvagens) e, por isso, os atacariam. A isso ele 
chama de “perspectivismo ameríndio”. De acordo com suas observações, os ameríndios 
percebem os grupos de animais como se fossem sociedades, com organização social, chefes, 
pajés, etc. Ou seja, eles entendem que esses animais estão organizados e pensam da 
mesma forma que eles, humanos. Viveiros de Castro explica que, enquanto nós, ocidentais, 
percebemos que temos uma na- tureza comum com os animais – por sermos também 
animais – mas que nos diferenciamos deles por possuirmos cultura, os ameríndios entendem 
que compartilham com os outros ani- mais a cultura e que se diferenciam deles pela natureza, 
por se- rem de espécies diferentes. Há uma enorme complexidade por trás das relações entre 
humanos e animais nas sociedades ameríndias e essa complexidade deve estar representada 
nos mitos, na deco- ração da cerâmica e dos demais artefatos. Temos que ter isso em mente, 
portanto, quando nos atrevemos a interpretar e buscar significados para as manifestações 
estéticas das sociedades ameríndias do passado. 
Um dos trabalhos que mais influenciou antropólo- gos e arqueólogos dedicados a estudar a 
“arte” indígena foram as pesquisas realizadas pela antropóloga Nancy Munn com os Walbiri 
da Austrália. Munn (1962; 1973) observou que sempre que os Walbiri relatavam suas viagens 
faziam rabiscos com um galho no chão ou em paredes de cavernas, rabiscos que para ela 
não tinham significado algum. 
 
 
 
 
 
Entrevistando-os, ela veio a descobrir que os rabiscos eram representações padroni- zadas 
de conceitos, uma espécie de código visual que auxiliava o contador de estórias a tornar mais 
clara e verídica sua narra- tiva. Os grafismos, como vou chamá-los (Munn os chama de 
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strokes, em inglês), representavam conceitos como caminho, jornada, reunião, fogo etc, ou 
seja, eram uma espécie de códi- go mnemônico que ajudava a tornar visual e materializar, 
por- tanto, a estória. Vamos encontrar na literatura antropológica diversos estudos sobre 
estética de grupos ameríndios que se- guem essa mesma linha de entendimento e que vieram 
a des- 
101 crever fenômenos semelhantes. 
 
 
Um outro caso ilustrativo proveio da pesquisa de Regina Pólo Müller (1990) sobre os Asurini 
do Xingu. Ela descobriu que representações aparentemente abstratas na pintura corpo- ral e 
na cerâmica, que eram vistos por observadores externos como motivos decorativos 
estilizados, veiculavam também in- formações e conceitos de importância fundamental para o 
grupo. Além disso, muitos deles eram também metonímias, ou seja, utilizavam a 
representação de apenas parte do referente, esta parte carregando, então, o significado do 
objeto completo. Esse tipo de entendimento, obviamente, só foi possível pela possi- bilidade 
de entrevistar os nativos e obter deles as interpreta- ções dos motivos decorativos, o que é 
impossível quando se trata de sociedades do passado distante. 
Reichel-Dolmatoff (1971; 1976), por sua vez, per- cebeu que grafismos reproduzidos pelos 
Tukano estavam re- lacionados a visões luminosas produzidas pelo estímulo fisiológico de 
drogas como o yajé. O próprio pesquisador ingeriu a droga e viu as mesmas imagens, que 
identificou como sendo os “fosfenos de Knoll”. Max Knoll (1963) iden- tificou imagens mais ou 
menos padronizadas que se formam na retina do olho, produzidas por estímulos químicos e 
neu- rológicos, a que chamou de fosfenos. Essas imagens, por se- rem produzidas por 
substâncias químicas e processos fisiológicos, são vistas de maneira semelhante por todas as 
pessoas; por isso pensa-se que a ingestão de drogas alucinó- genas em rituais pode provocar 
a identificação de padrões culturais nessas visões e, a partir daí, reproduzi-las em obje tos 
materiais, como a cerâmica. 
 
CERÂMICA MARAJOARA 
 
 
Inspirada em trabalhos como os citados anteriormente, comecei a estudar a cerâmica 
marajoara e a tentar interpretar, ou entender melhor no que consistia aquela es- tética. Fiz 
associações que mepermitissem uma aproximação dos possíveis significados sociais das 
representações gráficas e plásticas nos objetos. Uma das características mais marcantes da 
cerâmica marajoara é o convívio, em um mesmo objeto, de representações naturalistas e 
representações geometrizantes, estas últimas chamadas usualmente de grafismos. 
Geralmen- te quando aparecem no entorno de uma representação natu- ralista, os grafismos 
tendem a ser interpretados como enchimento do campo visual, ou seja, algo que se coloca 
para preencher os espaços entre as representações a que se dá des- taque (Figura 1). 
 
 
 
 
 
 
 
 
Na verdade comecei a perceber que os grafismos não eram simplesmente figuras 
aleatórias, mas que eles, também, representavam os mesmos personagens natu- ralistas. 
Se prestarmos atenção, então, vamos perceber que estão representadas caudas, 
cabeças, patas, cascos de tartaru- ga, couro de cobras, o que podemos associar com as 
repre- sentações metonímicas que Müller (1990) identificou entre os Asurini. Alguns 
 
desses grafismos são semelhantes aos uti- lizados por outras sociedades ameríndias e, 
além disso, al- guns deles correspondem aos padrões e formas que se formam na retina 
do olho quando o indivíduo está em transe aluci nógeno, ou seja, quando está “vendo” em realidade 
os fosfenos identificados por Knoll (1963). Alguns dos animais mais freqüentemente representados não 
são animais dóceis ou que fazem parte da dieta, mas justamente animais venenosos e temidos, como 
cobras, jacarés e escorpiões. Isso nos leva a associar esses tipos de representações com estórias mitológi- 
cas. Lévi-Strauss (1997) chamou a atenção para o fato de que os animais que povoam as estórias 
mitológicas não são aque- les “bons para comer”, mas os que são “bons para pensar”. Nesse sentido, 
conclui-se que os animais representados na iconografia marajoara são justamente aqueles mais provavel- 
mente relacionados à história cultural do grupo, cuja repre- sentação os ajuda a memorizar e reviver essa 
história em ocasiões festivas e ritualísticas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 1: Urna funerária decorada com apliques modelados e linhas incisas sobre 
engobo branco, com retoque vermelho. Peça do acervo do Museu Nacional, aquarela 
de Manoel Pastana, acervo do Museu do Forte, Belém. 
 
 
Geralmente estudamos a cerâmica de uma deter- minada sociedade do passado com 
base em coleções exis- tentes em museus as quais se formaram ao longo dos anos e 
que são fruto, na maioria das vezes, da retirada ilegal de peças arqueológicas dos 
sítios. Elas são coletadas principal- mente por seu valor estético e não vêm 
acompanhadas, via de regra, por informações sobre o local de procedência ou do 
contexto arqueológico em que foram encontradas. 
 
 
 
 
 
 
 
Nos museus, a cerâmica acaba considerada como objeto que é parte do dia-a-dia de 
determinado grupo social. Quando se escava um sítio, no entanto, se percebe que a 
cerâmica de- corada é apenas 10% do que se produzia em termos de pa- nelas e 
outros utensílios. Ou seja, a cerâmica decorada era utilizada apenas em festas, 
cerimônias e rituais; não era a louça do cotidiano. Além disso, outros objetos feitos de 
penas, ossos, madeiras, peles, tecidos ou fibras vegetais eram tam- bém usados, com 
importância igual ou superior à cerâmi- ca, quem sabe, mas não podemos estudá-los, 
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Estudos em Design | Revista (online). Rio de Janeiro: v. 23 | nº. 1 [2015], p. 84 – 95 | ISSN 1983-196X 
 
 
pois não resistiram ao tempo. 
Estudando a cerâmica marajoara como uma forma de comunicação visual de 
significados socialmente comparti- lhados, deparamo-nos com a representação 
recorrente de co- bras (em vários estilos) sobre todos os objetos (Figuras 2 e 3). 
 
Elas são representadas, como outros animais, de maneira na- turalista e também de maneira 
gráfica, pictórica, meto- nímica, por meio da reprodução de suas partes: corpo, rabo, cabeça, 
pele. Essa ubiqüidade da representação de cobras nos indica que esse ser era muito importante 
para aquelas popu- lações, provavelmente uma personagem relacionada à histó- ria cultural do 
grupo, à sua formação, surgimento, ao início dos tempos. Investigando mitos e cosmologias 
de popula- ções ameríndias da Amazônia, constatamos realmente que a cobra grande, a 
anaconda, em suas diversas formas, desem- penha um papel fundamental para a criação física do 
grupo e obtenção de conhecimentos. 
 
Figura 2: Vaso com aplique representando cobra e decoração excisa sobre o bojo. Desenho de Tom Wildi (1897-1984), de vaso 
de sua coleção particular. 
 
Os Tukano do noroeste amazônico, por exemplo, contam que seus antepassados 
chegaram dentro do corpo de uma cobra-canoa, com a função de povoar o mundo. A 
co- bra os largou ao longo do rio, nos lugares onde ainda hoje habitam, e, por serem 
uma sociedade hierárquica, os diver- sos estratos sociais têm sua posição social e 
geográfica justificadas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 3: Exemplos de representações de cobras encontradas na cerâmica marajoara. Desenhos da autora. 
 
por esse acontecimento mítico. A cobra é ainda considerada a mãe de todos os peixes, o que remete à 
relação muito ínti- ma que existe entre as cosmologias apoiadas na personagem da cobra grande e uma 
subsistência baseada na pesca, como é o caso das populações amazônicas (CHERNELA, 1989; 
REICHEL-DOLMATOFF,1971). Vemos então que o estu- do da iconografia nos permite chegar a um 
quadro mais apro- ximado da relação entre representações estéticas – a arte – e aspectos de organização 
social e subsistência. 
A iconografia marajoara é muito rica e não haveria espaço aqui para explorar suas diversas 
manifestações. Por isso, vou me deter, a título de ilustração, na iconografia das urnas funerárias, das 
estatuetas e das tangas de cerâmica. 
 
 
ICONOGRAFIA 
 
Quando os primeiros exploradores, homens da ciên- cia do século XIX, escavaram os sítios 
arqueológicos na área dos campos da ilha de Marajó, depararam-se com verdadeiros cemi- térios: eram 
grandes urnas funerárias que continham ossos e objetos cerâmicos e líticos diversos. Essas urnas se 
diferencia- vam entre si pela exuberância da decoração. Havia urnas de esti- los decorativos diferentes e 
havia urnas sem nenhum tipo de decoração. Como se sabe que as sociedades humanas tendem a 
reproduzir no contexto funerário as relações sociais que manti- nham em vida, concluiu-se que aquela era 
uma sociedade hie- rárquica, que tratava de maneira diferenciada seus membros até depois da morte 
(FERREIRA PENNA, 1877; 1885; NETTO, 
1885). 
 
 
 
 
 
 
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Ao encontrarem cemitérios semelhantes em diversos pontos da área dos campos – tratava-se de tesos (enormes 
plataformas de terra) construídos artificialmente, onde se verificava a exis- tência de práticas funerárias 
de mesmo tipo –, caracterizaram aquela como se fosse uma mesma cultura, a que chamaram de 
“marajoara”. Ao mesmo tempo, perceberam que havia diferen- ças tanto cronológicas como geográficas 
entre os sepultamen- tos: havia diferentes estilos de urnas funerárias, dependendo da região onde eram 
encontradas, e as práticas funerárias pareciam variar com o tempo; mais recentemente, o enterramento 
secun- dário teria dado lugar à cremação como prática mais corrente. No decorrer dos estudos 
arqueológicos no Marajó, pesquisado- res descobriram que não havia apenas cemitérios, mas outros tesos 
onde a cerâmica decorada e os sepultamentos eram prati- camente ausentes; logo esses foram entendidos 
como locais de habitação (MEGGERS; EVANS, 1957). 
Mais tarde, Anna Roosevelt (1991), ao escavar dois desses tesos-cemitérios (Teso dos Bichos 
e Guajará), desco- briu que continham também estruturas habitacionais; por isso, entendeu que 
aqueles eram os locais de moradia da eli- te, que sepultavaseus antepassados no mesmo local em que 
moravam, como forma de manter sua relação com aqueles que eram os donos do lugar e assim 
garantir e justificar sua posição social diferenciada. Estudando um grupo de sepul- tamentos no teso 
Belém, no rio Camutins, escavamos várias urnas funerárias que mostravam padrões iconográficos mui- 
to semelhantes, indicando tratar-se de objetos pertencentes a pessoas de uma mesma linhagem ou 
família (SCHAAN, 2003, 2004). Nesse sentido, podemos entender a decoração das urnas funerárias 
como sinal de uma identidade social. Ao percebermos as variações de estilo nas diversas áreas da ilha, 
entendemos que havia na verdade não apenas uma grande sociedade marajoara, mas diversos grupos 
sociais regionais, ou diversos cacicados, que dominavam em sua região, relaci- onando-se uns com os 
outros através de casamentos, alian- ças, festas e, talvez, até de guerras. 
As urnas funerárias da cultura marajoara trazem em geral a figura humana em destaque, mas 
sempre associada com animais como a cobra, o escorpião, o urubu-rei, o jacaré ou o lagarto, entre 
outros (Figura 4). Além disso, a figura humana é predominantemente feminina, quando o sexo pode 
ser identificado, o que pode indicar que a matrilinearidade era a maneira organizativa do 
parentesco. Um dos exemplos 
 
Figura 4: Urna funerária decorada com aplique modelados na forma de lagarto e motivos excisos sobre engobo vermelho. Peça do acervo do 
Museu Nacional, aquarela de Manoel Pastana, acervo do Museu do Forte, Belém 
 
 
 
 
 
mais conhecidos é uma urna que congrega características da ave (coruja) e do gênero 
feminino (representado pela vagina e útero, às vezes grávido) (Figura 5). 
 
 Figura 5: Urna funerária decorada com apliques modelados e pintura vermelha e preta sobre engobo branco. Acervo Museu Paraense 
Emílio Goeldi, ilustração do livro Unknown Amazon, editado por C. McEwan, Cristiana Barreto e Eduardo Neves, Londres: British Museum 
Press, 2001. 
As representações femininas estão presentes também nas estatuetas que, pensa-se, teriam tido uso ritual em 
ceri- mônias de cura, se entendermos como válida a analogia com o uso desses objetos pelos grupos Cuna e 
Chocó, da Colôm- bia (REICHEL-DOLMATOFF, 1961). A maneira como aqueles grupos ameríndios 
utilizavam suas estatuetas explica determinadas características físicas observadas nas estatuetas marajoaras. Por 
exemplo, os Cuna e Chocó utilizam as estatuetas como veículos em que se encarnam os espíritos protetores, 
suspendendo-as sobre o corpo do paciente, ou chacoalhando- as. Realmente diversas estatuetas marajoaras 
possuem furos que permitiriam utilizá-las suspensas e, ainda, possuem em seu interior pedrinhas que produzem 
barulho quando agita- das, o que indica também que teriam a função de maracás (espécie de chocalho usado 
por pajés amazônicos). Uma ou- tra coisa que me chamou a atenção, estudando estatuetas e fragmentos de 
estatuetas, foi o fato de muitas estarem que- bradas na altura do pescoço, o que poderia indicar também uma 
quebra ritual. Os Cuna e Chocó, por exemplo, têm o costume de quebrar suas estatuetas ao final do ritual e, por- 
tanto, temos um exemplo etnográfico que apóia esse tipo de interpretação (SCHAAN, 2001). 
Não é somente com a representação do feminino que a cerâmica marajoara mostra o simbolismo sexual, mas 
também na produção e no uso de tangas de cerâmica por parte das mulheres. As tangas são triângulos convexos 
de ce- râmica que possuem perfurações nas extremidades, indican- do seu uso como vestimenta. Em algumas 
urnas funerárias, se percebe que a personagem feminina está usando uma tan- ga, e há relatos de que tangas 
teriam sido encontradas amar- radas por fora de urnas funerárias, na altura da vagina da personagem 
representada (PALMATARY, 1950). As tangas são encontradas somente nos tesos da elite, ou seja, naqueles 
em que há sepultamentos e cerâmica decorada. São encon- tradas inteiras dentro de urnas, nos sepultamentos 
que, se deduz, sejam de mulheres. Também são encontradas frag- mentadas nas escavações em áreas de 
moradia, em áreas de descarte e em áreas de circulação e produção de cerâmica. 
Inicialmente, as tangas foram classificadas pelos es- tudiosos em duas categorias distintas: as decoradas e as 
não- decoradas. As decoradas apresentam motivos decorativos pintados em vermelho e, menos freqüentemente, 
em preto, sobre engobo branco, ao passo que as não-decoradas geralmente recebem um engobo vermelho, com 
polimento, de forma a avivar a cor. Pensou-se inicialmente que as decoradas pertenceriam à elite, às mulheres 
mais importantes, ao passo que as não-deco- radas pertenceriam às mulheres comuns. No entanto, o fato de 
serem encontradas somente nos tesos da elite, sustenta a tese de que ambas eram usadas pela elite, mas que 
haveria cer- tamente uma diferenciação entre essas mulheres. Ao estudá- las, percebemos que são 
principalmente as tangas sem decoração que são encontradas dentro de urnas funerárias grandes e cui- 
dadosamente decoradas; por isso, sugerimos que o que dife- renciaria as usuárias de um e outro tipo poderia ser 
a idade ou o ciclo de vida pelo qual passavam. Nesse sentido, é possível 
que as tangas decoradas fossem usadas por meninas em rituais de iniciação, durante a puberdade (em razão de 
seu tamanho, em geral menor), ao passo que as não-decoradas seriam usadas por mulheres mais velhas, casadas. 
 
 
 
 
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Percebe-se nas tangas a existência de três campos decorativos principais (Figura 6). Uma faixa superior, que é 
semelhante na maioria das tangas, que poderia representar o princípio feminino, já que mostra um retângulo 
que, em estatuetas, representa a vagina (SCHAAN, 2003). Uma se- gunda faixa mostra os motivos da pele da 
cobra grande, e vemos aqui a associação entre feminino e cobras, o que é comum na mitologia amazônica. A 
cobra é considerada um ser feminino, assim como a água está relacionada também ao princípio feminino. Em 
estatuetas femininas se vê a repre- sentação da cobra sobre o ventre e, em algumas urnas fune- rárias, cobras 
abraçam o ventre como se fossem braços. 
 
Figura 6: Reprodução de tangas em cerâmica. A tanga da direita foi colorida para indicar 
os diferentes campos decorativos. Acervo Museu Paraense Emílio Goeldi, desenho da 
autora. 
 
 
Em um terceiro campo decorativo, há representa- ções mais variadas e, portanto, consideramos 
que este estaria relacionado à identidade da usuária. Estamos trabalhando ainda para identificar 
que animais poderiam estar representados neste terceiro campo decorativo. 
O estudo da iconografia nos permite entender, de forma mais holística, o funcionamento da 
sociedade e perce- ber mais coerência nessa “arte” indígena, ao ligá-la às outras categorias de 
informações que temos sobre a sociedade 
 
 
O USO CONTEMPORÂNEO DA ARTE MARAJOARA 
 
Atualmente, a “arte” marajoara não está mais restri- ta aos museus ou aos gabinetes de pesquisa, 
mas ganha espa- ço nas ruas através do artesanato, em que motivos decorativos são reproduzidos 
com uma grande variedade de suportes. Seu grande apelo popular e sua rápida disseminação em 
contex- tos de produção e venda dentro do mercado capitalista têm chamado a atenção dos 
cientistas sociais. O público leigo tende a confundir a arte marajoara atual com a pré-colonial, e 
assiste-se à apropriação de um estilo estético e de símbolos visuais do passado em contextos 
contemporâneos, travestidos de novos significados. Essa revivescência do passado passa a servir 
como forma de valorizar produtos artesanais que, a partir dessa nova identidade, tornam-se mais 
atrativos ao mercado, possibilitando o sustento de dezenas senão de cen- tenas de famílias no 
estado do Pará. 
A arte marajoara contemporânea começou a emergir na década de 1970,capitaneada por dois 
artesãos populares: mestre Cardoso e mestre Cabeludo. Por diversas razões, mes- tre Cardoso 
tornou-se mais conhecido e foi tido como o pre- cursor da produção artesanal de cerâmica 
inspirada na cerâmica arqueológica (FRADE, 2002). Mestre Cardoso conta que, ao visitar uma 
exposição de arqueologia no Museu Goeldi, ficou fascinado com a cerâmica arqueológica, 
especialmente a marajoara. Nascido de mãe ceramista e vindo de uma comu- nidade em que 
havia muitas olarias, Cardoso interessou-se em reproduzir as peças que viu. Partiu então para o 
estudo das técnicas de produção indígenas e solicitou permissão para ver as peças e copiá-las 
dentro do museu. A partir de então come- çou a produzir réplicas de cerâmica marajoara e a 
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comercializá- las. Sua produção fez escola e surgiu, dentro do bairro do Paracuri, em Icoaraci, 
estado do Pará, um pólo de produção cerâmica cujos diversos estilos, hoje, são livremente 
inspirados na cerâ- mica arqueológica. A réplica em si não tem muita saída no mercado, por ser 
uma peça mais cara, dado o fato de ser pro- duzida individualmente e demandar mais tempo em 
sua confecção. As peças de inspiração livre, ao contrário, são produzi- das em série. Nas oficinas 
do Paracuri há divisão de tarefas: existem empregados para formar as peças, outros para decorar, 
outros para queimar etc. Os motivos decorativos utilizados são copiados de livros e revistas, as 
formas são reinventadas. Hoje em dia, os artesãos misturam grafismos rupestres com os da 
cerâmica, em novas formas, muitas vezes utilitárias. Alguns vasos apresentam motivos 
marajoaras ao lado de paisagens e representações contemporâneas de pássaros e outros animais, 
inexistentes na cerâmica arqueológica. Apesar disso, a cerâmi- ca é vendida como marajoara, na 
explícita intenção de dar-lhe uma profundidade temporal e, com isso, agregar-lhe valor, 
negociando sua antigüidade como algo valioso. Ao serem in- dagados sobre os significados dos 
grafismos na cerâmica, os artesãos e vendedores dão suas próprias interpretações. É as- sim que 
um vaso tapajônico, em que aparece uma mulher se- gurando uma vasilha, foi chamado de “deusa 
bacia”. Da mesma forma, estórias inventadas na hora são contadas para explicar a ocorrência de 
sapos, cobras e lagartos na cerâmica. 
A publicação do Padre Giovanni Gallo do livro Motivos ornamentais da cerâmica 
marajoara: modelos para o artesanato de hoje, em 1990, veio trazer tais motivos para outros 
suportes (GALLO, 2005). Em Belém e no Marajó, principalmente, os motivos marajoaras são 
vistos na decora- ção de ônibus, prédios, ruas, lojas, no estádio de futebol, enfim em tudo que 
se deseja caracterizar como “regional” ou “da terra” (Figura 7). 
Pode-se dizer que essa tradição cerâmica contem- porânea é uma tradição inventada, 
um conceito de Hobsbawm (1983) para explicar práticas que se referenciam no passado para 
adquirir legitimidade (SCHAAN, 2006). Na verdade, todas as tradições são, em certa 
medida, invenções, e essa tem o sentido de buscar legitimidade em um passado arque- ológico, 
de forma a conferir valor de mercado para objetos artesanais. Uma vez que atualmente a 
disseminação de práti- cas, comportamentos, produtos e marcas é muito rápida e não 
conhece fronteiras, observa-se que determinados grupossociais sentem a necessidade de 
acentuar o local, o regional, como marca de identidade, buscando justamente uma dife- renciação 
no mundo globalizado. 
 
Figura 7: Fachada de loja de artesanato em Soure, ilha do Marajó. Búsfalos, cavalos e a cerâmica marajoara evocam a identidade local. 
Foto da autora, outubro de 2006. 
 
 
Grama
MULHERES RECIPIENTES 55 
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do – RS De 29 de setembro a 2 de 
outubro de 2014 
 
SABERES TRADICIONAIS E INTERAÇÕES NA PRODUÇÃO DE 
ARTEFATOS CERÂMICOS NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE 
ITAMATATIUA – MA. 
 
Cestari , Glauba Alves do Vale; Mestranda 
PPGDg.Universidade Federal do Maranhão 
glauba.cestari@terra.com.br 
 
Guimarães, Márcio J. Soares; Mestrando 
PPGDg.Universidade Federal do Maranhão 
falecommg@gmail.com 
 
Caracas, Luciana Bugarin; Ms. 
Universidade Federal do Maranhão l.caracas@uol.com.br 
 
Santos, Denilson Moreira; Dr. 
Universidade Federal do Maranhão 
denilson.santos@ufma.br 
 
Resumo: Este artigo trata do registro dos processos de produção artesanal em 
cerâmica adotados pela comunidade quilombola de Itamatatiua, localizada 
em Alcântara, no estado do Maranhão. Aborda as práticas tradicionais que 
caracterizam esse povoado e seus moradores que guardam o saber de 
modelar a argila a mais de três séculos. Apresenta, também, as mudanças 
introduzidas nas últimas décadas. Trata de tradição, inovação e valorização da 
cultura e de seus modos de produzir tijolos, telhas, potes, panelas, bonecas, 
placas decorativas, entre outros. Em suas especificidades e simbolismo, os 
artefatos são portadores da identidade local e representam importante fonte 
de renda. Considera, também, os diálogos entre técnicas e artefatos e as 
interações entre artesãs e outros atores, entre esses, o designer. 
 
Palavras-chave: artesanato, tradicional, cerâmica, design, interações. 
 
 
 
mailto:glauba.cestari@terra.com.br
mailto:falecommg@gmail.com
mailto:l.caracas@uol.com.br
mailto:denilson@ufma.br
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1. INTRODUÇÃO 
 
“O artesanato revive e se recria quando encontra novas demandas e novas relações com os materiais, novas 
formas de produção e novas tipologias de produtos, que com a participação do design pode adequar-se às 
práticas sociais contemporâneas.”1(MORALES,2008.p.309) 
 
 
1 tradução do texto: Glauba Cestari. 
Este trabalho trata de produção artesanal tendo Itamatatiua, uma comunidade 
tradicional quilombola localizada no município de Alcântara ao norte do Estado do 
Maranhão, como estudo de caso. É uma investigação acerca da produção de artefatos 
em cerâmica iniciada na localidade há aproximadamente três séculos. Remete-nos a um 
passado ainda presente, onde artefatos e práticas passaram a diferenciar a localidade 
como um território de saberes e modos de produzir. Importa refletir quanto ao futuro 
dessa comunidade de artesãos onde tradição e atualidade se apresentam nos materiais, 
nos processos, nas idéias e no cotidiano de seu trabalho. 
Produções artesanais nos direcionam à tradição, à identidade2e à intervenção do 
design, sendo estes alguns dos temas recorrentes quando se pensa na construção da 
cultura3 material de um povo. 
Fazer design é utilizar conhecimentos em busca de relações sociais mais 
democráticas e solidárias, voltadas não só ao crescimento capitalista, mas 
principalmente ao bem-estar comum. O papel do designer como facilitador de 
melhorias na cadeia produtiva4 do artesanato vem se desenvolvendo nos mais variados 
âmbitos. Em equipe, o designer contribui para o registro de atividades, o resgate e a 
valorização de atributos e especificidades, a promoção de mudanças relacionadas aos 
materiais e processos, à sustentabilidade, à estética e, entre outros, à comunicação. 
A relevância deste trabalho está no registro do artesanato de Itamatatiua no qual 
destacamos aspectos do processo produtivo tradicional e, também, das mudanças 
realizadas nas últimas décadas. 
 
2. INTERVENÇÃO: artesanato e design 
O artesanato é fruto do acúmulo de saberes transmitidos por gerações. Os 
artesãos são herdeiros e detentores de um conhecimento tácito de inúmeras técnicas 
de extração e manipulação das mais diversas matérias-primas que sob sua expertise, são 
transformadas em artefatos cuja inspiração exprime os valores e a visão de mundo 
destes sujeitos, criando assim representações de sua identidade cultural. 
No intuito de mantervivo este saber, instituições de fomento e de pesquisa têm 
se dedicado ao planejamento de ações que possibilitem a continuidade do artesanato 
tanto por seu valor cultural quanto por sua capacidade de ocupação e geração de renda. 
O design, por sua vez, em sua ampla atuação na pesquisa e no desenvolvimento de 
projetos de produtos, tem sido um instrumento de apoio neste processo de valorização 
do artesanato brasileiro. 
No entanto, qualquer forma de intervenção, seja no intuito de realizar uma 
apresentação de soluções técnicas para o uso da matéria-prima, na renovação da oferta 
de produtos ou em sua logística de comercialização, implica em uma abordagem 
delicada: o risco da possibilidade de descaracterização dos produtos é contundente e 
deve ser seriamente avaliado. 
 
2 
 
 
Todavia, algumas experiências têm de certa forma gerado resultados 
significativos. Projetos desenvolvidos por pessoas que conhecem as realidades locais das 
regiões e que reconhecem os referenciais que distinguem os artefatos e sua importância 
enquanto representações culturais são responsáveis por uma aproximação benéfica, 
que tem como condição obrigatória a intervenção pautada na assimilação e manutenção 
dos símbolos e conceitos que conferem distintividade à forma de produção e ao 
produto. 
 
3. A COMUNIDADE DE ITAMATATIUA: quilombo e cerâmica 
A formação de comunidades remanescentes de quilombos no Estado do 
Maranhão tem sua origem no período de crise na produção e comércio do algodão e 
do açúcar, ocorrido entre os séculos XVIII e XIX (PAIXÃO, 2011), desencadeando um 
processo de abandono das terras por seus fazendeiros, o que favoreceu a ocupação e 
o uso destas terras pelos escravos. Ao contrário de outras áreas, Itamatatiua, não surgiu 
a partir de um grupo de fugitivos, mas daqueles que permaneceram nas terras 
abandonadas. 
O povoado também conhecido como “Terra dos Pretos” ou “Terra de Santa 
Tereza” pertencia a Ordem das Carmelitas e possuía um espaço de produção artesanal 
de artefatos cerâmicos destinados à construção civil. A produção artesanal ao longo de 
três séculos tornou-se base de desenvolvimento do povoado (OOSTERBEEK, REIS, 2012). 
As peças de cerâmicas usadas como utensílios domésticos eram fabricadas em meio a 
telhas e tijolos, sendo importante seu uso nas casas dos moradores. Com o fim do 
empreendimento das Carmelitas a produção desses artefatos ganha uma nova 
dinâmica, como a separação da produção de utensílios domésticos da cerâmica voltada 
para a construção civil. Essa separação resultou também em uma divisão de gêneros de 
forma que tijolos e telhas são produzidos pelos homens, e potes, panelas, outros, 
passam a ser executados nos fundos das casas pelas mulheres (PEREIRA JUNIOR, 2011). 
Essa distinção permanece até a atualidade, visto que a produção de artefatos cerâmicos 
se divide entre o galpão de moldagem de tijolos e telhas, espaço instalado na casa de 
um dos moradores onde 2 a 3 homens exercem a prática e o Centro de Produção de 
Cerâmica, local onde cerca de 10 artesãs se reúnem para realizar a confecção de diversos 
artefatos artesanais, símbolos de sua cultura imaterial, enquanto ofício tradicional, que 
proporciona como resultado representações da rica cultura material elaborada por 
gerações. O centro constitui-se como espaço de produção, troca de experiências e de 
visitação, tornando-se atrativo turístico visitado por pessoas de diversas regiões do 
Brasil e de outros países. 
Existem várias técnicas de fabricação de peças, porém a mais tradicional é a 
moldagem utilizando rolos ou serpentinas de argila. Produzem potes, vasos, panelas, 
travessas e outros artefatos. Já as artesãs mais jovens se encarregam da confecção de 
bonecas que representam as mulheres da região, seus costumes, hábitos e participações 
em manifestações folclóricas como o tambor de crioula e a dança do negro. As artesãs 
mais experientes dominam com precisão as técnicas de modelagem e de suas hábeis 
mãos nascem em instantes peças que deixam os expectadores perplexos com a destreza 
destas artesãs. Hoje a aplicação de novas técnicas, como por exemplo, a conformação 
de placas decorativas em cerâmica utilizando moldes de gesso, demostram que a 
tradição convive em equilíbrio com a inovação. 
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4. ABORDAGEM METODOLÓGICA. 
Este trabalho apresenta uma pesquisa de abordagem qualitativa descritiva, visto 
que a investigação ocorreu de forma direta e prolongada, in locum, com os atores 
envolvidos (LACATOS, MARCONI, 2011). Mediante contato mais próximo com os 
informantes (as artesãs) foi possível descrever as práticas locais. Os registros dessas 
foram realizados utilizando-se a técnica de observação assistemática participante. Para 
Marconi e Lacatos (2011), essa é uma técnica não estruturada, também denominada 
espontânea. É mais utilizada em estudos exploratórios e consiste em recolher e registrar 
fatos da realidade sem perguntas diretas ou planejadas. Para os autores, quando a 
observação é participante ocorre interação entre investigador e pesquisados ou 
colaboradores permitindo, desta forma, aproximação e maior confiança entre os 
indivíduos. Outros meios e técnicas também foram importantes à essa fase. Um diário 
de Campo (MINAYO,1993) para anotações, filmes e fotografias foram ferramentas 
essenciais. Optamos, também, por realizar entrevistas abertas sem planejamento prévio 
ou perguntas pré-estabelecidas. Estas aprofundaram o entendimento de aspectos 
particulares às práticas envolvendo: estruturas físicas, modo de produzir e suas etapas, 
mudanças e inovações ocorridas no processo. 
A pesquisa bibliográfica foi essencial para fundamentar o trabalho quanto as 
formas de interações entre artesanato e design e ao objeto de estudo. 
 
5. PROCESSOS PRODUTIVOS DE ARTEFATOS CERÂMICOS EM ITAMATATIUA 
A produção de cerâmica de Itamatatiua caracteriza e identifica esse povoado e 
seus moradores que guardam o saber de produzir objetos de barro a cerca de três 
séculos. Em sua diversidade identificamos principalmente quatro processos, três 
tradicionais e um inserido recentemente, sendo eles respectivamente: a moldagem de 
tijolos e telhas em formas de madeira; a modelação com rolos na execução de potes e 
outros utensílios; a modelagem manual de bonecas e a modelação de placas decorativas 
sobre formas de gesso. Esses processos seguem etapas tradicionais: extração, 
beneficiamento, modelagem, secagem e queima. 
Inicialmente, a extração da argila no barreiro, localizado na própria comunidade, 
é realizada pelas artesãs. Segundo relatos de Canuta5, a extração ocorre no verão e o 
destino do material é definido conforme a qualidade e uso na produção, pois em seu 
entendimento empírico, o barro da superfície é dispensado, a segunda camada é usada 
em telhas e tijolos e o mais profundo, considerado de maior plasticidade, é aplicado nos 
diversos artefatos do Centro de Produção de Cerâmica6. 
O transporte deste material ocorre por intermédio de cofo7 sobre a cabeça ou 
com ajuda de animal (jumento ou boi) ou ainda carro, dependendo da quantidade 
retirada. Em seguida é armazenado em dois locais: no espaço de produção de tijolos e 
telhas, organizado pelos homens; e no Centro de produção conduzida pelas mulheres, 
onde criam potes, vasos, bonecas, placas decorativas, etc. 
Os processos após o transporte são realizados de forma independente nos locais 
citados. 
 
 
 
5Artesã entrevistada durante pesquisa em Itamatatiua, no dia 29 de novembro de 2012. 
6Segundo relatos em entrevista realizada com ceramista da comunidade o Centro de Produção de Cerâmica de 
Itamatatiua foi construído em 2004 por intermédio do governo do Estado. 
7Cesto tipicamente utilizado na localidade e feito artesanalmente com fibras vegetais da região. 
 
 
5.1 Sobre a prática de moldar tijolos e telhas 
A conformação de tijolos e telhas consiste em uma das práticas mais antigas. 
Além dosrelatos que indicam a ocorrência dessa atividade desde a formação da 
comunidade, Registros históricos apontam para a produção de artefatos voltados à 
construção civil quando esse quilombo pertencia a Ordem das Irmãs Carmelitas 
(PEREIRA JÚNIOR, 2011) 
Como já dito, na região esta é uma atividade masculina, no entanto, atualmente 
apenas dois a três indivíduos realizam a tarefa, garantindo a continuidade do ofício, que 
resiste ao tempo mesmo considerando o fato de várias residências da localidade serem 
atualmente construídas com materiais industrializados. 
As etapas de produção acontecem em um barracão com estrutura de madeira 
coberto com palha de babaçu implantado na propriedade do artesão responsável. Neste 
a argila é depositada em um tanque escavado no próprio piso do local, sendo amassada 
de forma rudimentar com o artesão pressionando o material repetidamente com os pés 
e simultaneamente umedecendo-o com água. Esse procedimento tem como objetivo 
homogeneizar a massa, melhorando a plasticidade. Em seguida, esta matéria-prima é 
depositada próxima ao tanque sob sacos plásticos que devem manter umidade até 
serem modeladas em bancadas. 
A conformação dos tijolos e telhas é feita com moldes de madeira. Para a telha 
é utilizado um molde côncavo com comprimento aproximado de cinquenta centímetros, 
chamado de “calha”. Já o tijolo é modelado em um molde em formato de prisma 
retangular. Um instrumento chamado de garfo determina os furos dos tijolos após 
desmoldagem. 
Ao final desses procedimentos, os produtos estão prontos para secagem que 
ocorre por cerca de quatro dias em tempo de sol ou até 10 dias durante inverno. A 
queima é realizada em forno à lenha feito de tijolos, no próprio espaço. Segundo Pereira 
Junior (2011), na queima, os tijolos ficam ao fundo, servindo de base para as telhas. A 
duração da cozedura é de aproximadamente 12 horas. 
 
5.2 A prática no Centro de Produção de Cerâmica: utilitários e decorativos 
As tradicionais técnicas aplicadas na produção de potes, panelas, bonecas e 
outros utilitários, acontecem paralelamente à conformação de placas decorativas, no 
Centro de Produção de Cerâmica de Itamatatiua (CPCI). 
 
Figura1-Potes, bonecas e placas decorativas feitos no CPCI. Fonte: elaborada pelo autor. 
 
Esse espaço coletivo e essencialmente feminino, onde é possível fazer a 
estocagem, a preparação da argila para uso, a modelagem, a secagem, a cozedura e a 
venda. No processo, os diversos produtos têm várias etapas em comum. Apenas a 
modelagem é especifica à cada artefato. 
O procedimento inicial consiste na estocagem da argila em um tanque de 
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alvenaria com capacidade de armazenamento de 2,50m3. Segundo relatos das artesãs8 
o material extraído no verão, dependendo do volume de produção, é suficiente para uso 
durante todo o ano, inclusive no inverno9, época em que não ocorrem retiradas. Para 
conservarem condições de uso, a argila é umedecida diariamente com água e coberta 
com sacos plásticos. 
No beneficiamento manual retiram-se pedras ou eventuais detritos e inicia-se o 
amassamento que é feito sobre a mesa de alvenaria, adicionando areia e água na 
preparação de porções de argila que são inseridas em uma maromba10. Os relatos das 
artesãs apontam para significativas melhorias no material após extrudado no 
equipamento. Anteriormente essa etapa era realizada apenas amassando a argila no 
piso com os pés11. Após extrusão, a massa é armazenada, para uso posterior, em baldes 
plásticos com tampa visando manter a umidade. Pode também ser imediatamente 
direcionada à produção. Nesse momento as artesãs colocam o material, sobre uma fina 
camada de areia, na bancada para evitar que a pasta12adira na mesma e em seguida é 
novamente amassada e umedecida aos poucos, sendo submetida a repetidas batidas a 
fim de reduzir a formação de bolhas13 e torná-la macia. Percebe-se que as proporções 
são medidas pela prática e essa pasta é destinada à moldagem de todos os tipos de 
produtos do Centro. 
A partir desta etapa, surgem especificidades na execução das tarefas, conforme 
tipo de produto. Os produtos utilitários, como os potes e vasos, tem acentuado valor 
simbólico, pois advém da técnica com rolos, a mais tradicional de todas. 
 
5.2.1 Sobre a prática de moldar potes e vasos 
Historicamente o pote é o utilitário de maior representatividade na produção 
local. Por séculos tinha função objetiva de transportar e armazenar água, no entanto, as 
inovações e mudanças na infraestrutura da comunidade, como a chegada da água 
encanada e dos modernos produtos de alumínio e plástico, o pote perde a utilidade 
prática chegando ao desuso. Segundo Noronha (2012), na década de 1990 o pote é 
resgatado como símbolo de identidade local através de projetos de intervenção que 
visavam a manutenção do artesanato local. Designers consultores do SEBRAE-MA 
compreenderam que este seria um autêntico produto do quilombo de Itamatatiua. 
A modelagem dos utilitários é feita com a técnica de união de rolos, serpentinas 
ou tiras14, que são construídas manualmente e encaixadas num disco, mais precisamente 
num rebaixo junto ao seu contorno. Ali se coloca a primeira corda, seguida das demais 
por sobreposição. As cordas são unidas entre si por meio da pressão exercida pelas 
mãos. Nesta etapa, detalhes cuidadosos se apresentam com a experiência secular, por 
exemplo, as artesãs explicam que a ponta de cada corda é mais fina para que a união 
fique perfeita (sem volume no ponto de emenda entre 
 
8 Informação oral. Entrevista realizada no dia 29/11/2012. 
9 Na região norte e nordeste do Brasil as estações são regidas por período de chuva (inverno) que se inicia no final do 
mês de dezembro até o mês de junho e período de seca (verão) que dura de julho a dezembro. 
10 A aquisição do equipamento, segundo Marcio Guimarães (designer pesquisador e consultor) ocorreu mediante 
projetos de aperfeiçoamento de arranjos físicos destinados a produção artesanal intermediados pelo SEBRAE-MA. 
11 Informação oral. Entrevista realizada no dia 29/11/2012. 
12 Compósito formado por argila, areia e água. 
13 Segundo Frigola (2002), as argilas são amassadas, seja de forma mecânica ou manual, para se eliminar as bolhas de 
ar e torná-las macias, plásticas e homogêneas. 
14 A técnica de união de tiras ou serpentinas, formas cilíndricas alongadas de argila, é utilizada também para fazer vasos, 
panelas, pratos, travessas. Segundo artesãs uma modelagem se diferencia da outra pela abertura que é determinada a 
medida em que se realiza os procedimentos. (observação de diário de campo em 29/11/2012) 
 
 
cordas). As dimensões dos produtos são variadas. Quando de grande porte, ao chegar 
à altura aproximada de 20 cm no decorrer da moldagem, é apoiado no piso e a artesã 
passa a girar em sua volta, sobrepondo as cordas e simultaneamente dando acabamento 
interno com as mãos que deslizam sobre a superfície ou com o auxílio da cuiupéua15. É 
um procedimento peculiar que desperta interesse em todos os visitantes, pois o 
movimento em círculos é incomum, belo e exige habilidade e esforço. Por fim, as artesãs 
utilizam também lâminas de metal (facas ou estiletes) para dar acabamento final às 
bordas das peças. 
Finalizada essa etapa aguarda-se a secagem e após esta, segue-se a queima, 
juntamente com todos os outros artefatos, entre eles as bonecas e peças decorativas. 
 
5.2.2 Sobre a prática de moldar bonecas 
Entre as peças decorativas, as bonecas detém grande importância, pois ilustram 
a história dessa comunidade expressando as festas, as danças típicas, a religiosidade, 
as cenas do cotidiano, os personagens reais da localidade. Além das feições, algumas 
adquirem um nome próprio, atribuído pela artesã que a confeccionou. Não se sabe ao 
certo quando ou quem iniciou essa prática, mas a arte de modelar as bonecas de 
cerâmica tem forte simbolismo, sendo admirada por muitos,inclusive por visitantes de 
outros países. Em certo momento houveram abordagens externas à comunidade, 
ocasionando modificações não necessariamente favoráveis, como uma oficina em que 
se instruiu a confecção de imagens de sereias e iemanjás16 que resultaram num forma 
de descaracterização dos produtos e sua identidade. Mais adiante, instituições de apoio 
ao artesanato, entre outros, resgataram a modelagem das bonecas tradicionais. 
Seu processo de conformação inicia pelo compartimento da bola de argila já 
em dureza de couro17, em quatro partes iguais para bonecas menores (cerca de 25cm 
de altura) e duas partes para bonecas maiores (entre 30 e 45cm). O procedimento inicia-
se apenas com o uso das mãos. Cabeça, tronco e membros são uma peça única, para 
logo em seguida, com o auxílio de agulhas de crochê, serem realizados traços e vincos 
que definem o detalhamento das feições do rosto, mãos, pés ou sapatos (quando estes 
se apresentam, é comum que a peça tenha como base apenas o vestido). Orelhas, nariz, 
queixo e o afunilamento do pescoço são moldados à mão e para seus detalhes utilizam 
também palitos de madeira. Turbantes, cabelos ou brincos em formas de argola são 
feitos à parte e fixados com o uso da barbotina. Para cabelos crespos, recorre-se ao uso 
de um crivo. Constantemente a peça é levemente molhada para que se mantenha a 
plasticidade do barro e se evite o aparecimento de fissuras. 
Após a conformação completa, a boneca fica em repouso por cerca de duas a 
três horas e em seguida, com o auxílio de um fio de nylon, é feito um corte transversal 
que separa a peça em duas metades: a da frente conserva os braços e a de detrás apenas 
uma seção da cabeça e tronco. Com o auxílio de uma colher ou espátula retira- se parte 
da argila do interior da peça, deixando-a com uma espessura que permita a queima 
adequada e lhe confira leveza. Depois, as seções são unidas com barbotina. 
 
 
15espátula feita com cabaça com dimensões de aproximadamente 10 x 15 cm. Essa ferramenta é empregada para 
deixar as superfícies dos potes, tanto no interior como exterior, mais lisas no decorrer da modelagem. 
16O reconhecido artesanato tradicional de Itamatatiua tem sido alvo de diversas instituições de fomento ao artesanato, 
que esporadicamente oferecem oficinas de criatividade, ministradas por designers ou artistas plásticos. 
17 Dureza ou consistência de couro diz respeito ao estado em que a argila está parcialmente endurecida, quando ainda 
conserva alguma umidade (FRIGOLA, 2002). 
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Com a modelagem pronta, a boneca fica na secagem aguardando a cozedura. 
Após queima, as peças intactas permanecem na cor natural da cerâmica. Já as peças que 
porventura apresentam fissuras ou quebras são restauradas com o auxílio de gesso e 
cola, sendo pintadas em tinta látex com adição de pigmento líquido. 
Ainda no que se refere aos decorativos as placas com a imagem da igreja local - 
Santa Tereza D`Ávila - se diferenciam dos demais objetos por representarem uma 
técnica recentemente adotada pelas artesãs e por ser um artefato resultante das 
interações dos visitantes com a comunidade. 
 
5.2.3 Sobre a prática de moldar placas decorativas 
Ao longo do tempo foram inseridas algumas inovações na produção. Entre essas 
destacamos a conformação por molde de gesso. Com base em entrevista com as 
ceramistas identificamos que a origem desse artefato é atribuída às interações ocorridas 
com os turistas, que sugeriram a criação de novas peças. Segundo relatos, os turistas 
perguntavam, em visitas a loja do centro de produção durante a festa de Santa Tereza18, 
se havia para vender uma igrejinha19de cerâmica como souvenir. Surgiu assim a idéia de 
produzir algo que suprisse essa demanda, resultando em placas decorativas em 
cerâmica com a imagem da igreja de Santa Teresa D`Ávilla. 
A inserção da técnica de conformação por molde de gesso ocorreu mediante 
oficina de capacitação oferecida pelo SEBRAE-MA e coordenada por uma artista 
maranhense (em 2012) a pedido das próprias artesãs20. Esse procedimento, que consiste 
em estampagem sobre molde por pressão manual é realizado de duas formas 
diferentes. A primeira consiste na formação de um disco de argila com espessura de 
aproximadamente 18 milímetros. Esse disco é colocado sobre o molde de gesso e 
pressionado no molde até preencher por completo toda a área interna. Após 
desmoldagem, de posse de uma lâmina de metal, cortam-se as rebarbas e com uma 
linha de nylon reduz-se a espessura para cerca de 15 milímetros. A segunda forma de 
moldagem se diferencia da primeira ao aplicar a argila em pequenas quantidades dentro 
do molde, pressionando o material contra as paredes deste. Com a área toda preenchida 
faz-se uma pequena bola de argila e pressionando-a contra a massa ainda dentro do 
molde, remove-se a placa decorativa. As etapas seguintes à desmoldagem são secagem 
e cozedura. 
 
5.2.4 Secagem dos artefatos 
A etapa da secagem é comum a todas as peças do Centro de Produção de 
Cerâmica. Nesta, os artefatos dispostos em prateleiras de madeira à sombra, tem 
variação no tempo de secagem. A artesã explica: “Depois de um dia, em tempo de sol, 
dá para levar ao forno. Em tempo de chuva, pode leva até uma semana”21. Quando secos 
são levados ao acabamento final com instrumentos específicos: lâminas de estilete ou 
faca para raspar rebarbas; lixa para eliminar defeitos na superfície; esponja 
 
 
18 Segundo Souza Filho e Andrade (2012), a festa de Santa Teresa D'Ávila, em Itamatatiua, ocorre anualmente desde 
o século XIX. No mês de outubro, durante três dias, recebe centenas de pessoas de São Luís, de povoados e 
municípios vizinhos. 
19 A igreja Santa Teresa de Ávila tem grande significado e muita representatividade na história do quilombo de 
Itamatatiua. A padroeira, considerada pelos quilombolas itamatatiuenses como protetora e dona das terras, foi trazida 
pela ordem das irmãs Carmelitas no Século XVIII. (PEREIRA, 2011) 
20Informação oral obtida em entrevista com artesas realizada no dia 23/05/2013. 
21Informação oral em entrevista realizada no dia 29/11/2012. 
 
 
levemente umedecida para reduzir imperfeições; polimento empedra22 (seixo rolado) 
e escova de cerdas de nylon para deixar a superfície lisa e com brilho acetinado. 
 
5.2.5 Queima dos artefatos 
 
Figura 2 – Forno e procedimentos da queima. Fonte: elaborada pelo autor. 
 
Finalmente ocorre a queima em forno a lenha, construído com tijolos fabricados 
na própria comunidade, que se subdivide em 3 (três) espaços com acessos específicos: 
uma boca com abertura frontal dá acesso ao maior espaço interno; a localizada à direita 
dá acesso ao menor espaço; e outra abertura superior, localizada aos fundos, leva ao 
espaço de médio porte. Cada compartimento possui sua própria câmara externa de 
abastecimento de lenha e desta é gerado o calor que circula pelo interior do forno 
atravessando as pilhas de artefatos cerâmicos. 
O processo de queima ocorre como um ritual onde as peças são carregadas sobre 
a cabeça ou/e encaixadas na cintura e ao se aproximarem do forno as mulheres 
começam a passar os artefatos de mão à mão até chegar ao interior do forno onde, uma 
artesã aguarda e organiza as peças. Primeiro são colocadas peças quebradas em 
fornadas anteriores para forrar a base do forno ou são colocadas as peças grandes como 
potes, panelas, travessas e alguidares. Dentro das peças de maior porte ficam as 
pequenas como: canecas, colheres, as bonecas, as placas decorativas, entre outras. Ao 
preencher o forno as artesãs fazem o fechamento com chapas de metal, normalmente 
sucatas como peças de fogão. 
Finalizada a tarefa descrita, exercida essencialmente pelas mulheres, inicia-se o 
trabalho do homem contratado para acompanhar a queima. O queimador23 providencia 
a lenha e acompanha as três etapas24 essenciais da queima: o esquente (aquecimento 
do forno), a cozedura e oesfriamento. O tempo necessário para estas é de no mínimo 4 
(quatro) dias. Um dia para esquentar o forno, acrescentando lenha ao fogo aos poucos 
para aquecer gradativamente até chegar o ponto de cozedura25 que ocorre no segundo 
dia. O terceiro dia é destinado ao esfriamento, dentro do forno. Somente no quarto dia 
retiram-se as peças. 
A retirada das peças é um momento de surpresas, pois conforme o 
posicionamento no interior do forno estas obtêm características diferenciadas quanto 
 
22 A pedra, comumente utilizada no polimento dos artefatos de Itamatatiua, não faz parte das etapas de acabamento das 
placas decorativas com a imagem da igreja de Santa Teresa D`Ávilla para evitar danos à imagem em alto relevo devido 
esforço exercido sobre a superfície. 
23Denominação dada, na localidades, ao homem responsável por acompanhar as etapas de cozedura. 
24As etapas de queima foram descritas com base em observação e entrevista com as artesas e com o Sr.Joty, responsável 
atualmente pelo procedimento de queima dos produtos do Centro de Produção. As entrevistas foram realizadas em duas 
etapas: em visita no dia 23/05/2013 e em visita de 17/06/2013 à 19/06/2013. 
25Segundo dados obtidos com consultores do SEBRAE-MA o forno do Centro de Produção atinge o pico de 9000C. A 
medição foi feita com pirômetro de cerâmica.(informação oral obtida em entrevista com a ceramista consultora do 
SEBRAE-MA em novembro de 2012). 
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a coloração, ou seja, algumas peças ficam mais claras, outras mais escuras e outras com 
manchas pretas26. O fato não consiste em defeito, mas sim, em um efeito belo que 
agrada a uma parcela dos compradores, como as artesãs dizem “tem gente que gosta 
das queimadinhas.27” 
 
5.3 Escoamento dos artefatos de Itamatatiua 
Fechando a descrição da cadeia produtiva dos artefatos cerâmicos de 
Itamatatiua, observa-se diferenciações entre o escoamento do produto final dos 
espaços citados. 
Segundo relatos dos artesãos28, a venda dos artefatos para construção civil 
ocorre por encomendas ou compra dos produtos disponíveis no local e os consumidores 
são principalmente moradores das comunidades próximas. Identificamos que em 
decorrência do projeto do governo “minha casa minha vida” muitas casas têm sido 
construídas com produtos industrializados em detrimento aos produtos feitos na 
localidade, fato que possivelmente trouxe impactos na comercialização desses. 
No Centro de Produção de Cerâmica os artefatos são expostos na loja que faz 
parte da estrutura do local. O curioso na organização dos artefatos na loja é o fato de, 
mesmo sem nenhum tipo de sinalização nas peças, após misturá-las as artesãs sabem 
exatamente de quem é cada uma delas. Esse fato, provavelmente, deve-se às 
particularidades no modo de cada artesã produzir. 
“Apesar de as mulheres trabalharem de forma coletiva e terem um centro de 
produção, a produção é individual. Na hora da venda as peças são separadas 
e a renda é revertida para as respectivas donas das peças, mesmo quando a 
associação detém um contrato de produção. As peças são colocadas no forno 
todas juntas sem separação, depois de pronta, cada mulher reconhece as 
suas, mesmo que sejam o mesmo tipo de peça, como potes e panelas”. 
(PEREIRA JUNIOR, 2011. Pg. 41) 
É importante destacar que a venda dos produtos que antes eram feitas nas 
próprias casas, na tradicional festa de Santa Tereza e também eram levadas através de 
barco ou animais à outras comunidades. Hoje, além de haver a possibilidade de 
escoamento dos produtos por variados meios de transporte (carros e ferry boat), a 
venda ocorre no Centro de Produção, em lojas existentes no município de Alcântara e 
em feiras de artesanato. 
Segundo dados de Pereira Junior (2011), hoje as artesãs recebem encomendas 
de outros estados e até de outros países. No entanto observa-se que a encomenda 
parece não definir a questão produzir ou não produzir. A produção é diária e o ritmo se 
modifica conforme a existência de encomendas, ou seja, a encomenda não é 
obrigatoriamente o início do processo. Em Itamatatiua tudo começa com o desejo de 
produzir. 
Um fluxograma apresenta a cadeia produtiva de Itamatatiua contemplando as 
etapas supracitadas( figura 3). 
 
 
 
 
26O forno do Centro de Produção é caracterizado como intermitente. Neste o material nao é cozido uniformemente, 
havendo até necessidade de desprezar algumas peças por falta ou excesso de queima (PETRUCCI, 1979). 
27Narrativa de artesã em entrevista realizada em 23/05/2013. 
28Iformação oral. Entrevista: Raquel Noronha, transcrição: Glauba Cestari. Data: 18/06/2013. 
 
 
 
 
Figura 3 – Fluxograma. Fonte: elaborada pelo autor, com base na pesquisa realizada. 
 
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
A produção de artefatos cerâmicos em Itamatatiua tem representatividade e 
veiculação comercial, expressa o imaginário de mulheres artesãs e torna-se importante 
como referência identitária do quilombo. 
Ao longo do tempo, mudanças foram marcadas principalmente por dois 
momentos: o primeiro é caracterizado pelas transformações ocorridas na estrutura da 
produção com a saída das Irmãs Carmelitas; e um segundo momento configura-se na 
organização das mulheres de forma associativa resultando em inúmeras conquistas 
como a construção do Centro de Produção. Esse local fomentou interações com “o 
outro”: artesãs, designers, pesquisadores, consultores, representantes de programas de 
incentivo ao artesanato, turistas, etc. 
Estas interações foram em geral positivas, considerando as ações reconhecidas 
pelas artesãs29 como benéficas, gerando melhorias e favorecendo a manutenção das 
práticas artesanais. Entende-se que as interações entre o artesão, o designer e outros 
atores, considerando como premissa o entendimento da realidade local e sua cultura, 
podem ser valorosas tendo em vista que resultam em conquistas como melhor estrutura 
física para trabalhar, divulgar e transmitir seus conhecimentos. 
Além disso, artefatos em vias de esquecimento ou desuso foram resgatados e 
valorizados no mercado atual. O contato com o turista, direta ou indiretamente, 
resultou em novos caminhos para o escoamento da produção assim como favoreceu o 
interesse por novas formas e técnicas. 
Por fim, o registro dessa prática indica que mesmo diante das inovações e 
inevitáveis evoluções, o antigo e o novo coexistem como símbolos da história, 
 
29Informação oral resultante de entrevistas in locum. 
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I 
 
 
 
identidade e resistência cultural dessa comunidade remanescente 
dos quilombos e ainda assim conseguem conquistar mercados. 
Acredita-se que esse trabalho contribuirá para 
desenvolvimento de novas pesquisas que venham beneficiar essa 
comunidade e seus valores culturais imateriais e materiais, 
enquanto tradicional. 
 
REFERÊNCIAS 
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http://www.pppg.ufma.br/cadernosdepesquisa
 
Identidade Local. Design e Tecnologia 04. Pgdesign. UFRGS. 
Disponível em: http://www.pgdesign.ufrgs.br>. Acesso em: 21 de 
abril de 2014. 
Reflexões e relato de uma experiência de ensino de cerâmica nos anos 
iniciais do Ensino Fundamental 
Suzanne G. M. Mazzamati (Suca M. Mazzamati) 
 
 
Resumo 
 
O presente texto faz uma reflexão sobre a relevância do ensino de 
cerâmica nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O foco de atenção dessa 
reflexão está nas relações de contato que o fazer cerâmico promove entre: as 
crianças, a argila e suas criações; as crianças, o barro e as técnicas de 
modelagem; as crianças, suas criações e a queima. Essas observações estão 
apoiadas em uma experiência de ensino de cerâmica que acontece desde 1992, 
em uma escola em São Paulo, capital, com crianças do terceiro ao quinto ano 
do Ensino Fundamental. 
Palavras chave: cerâmica, Ensino Fundamental, arte educação, argila, criação, 
técnica 
 
 
Abstract 
 
This manuscript is a reflection on the relevance of ceramic education in the 
early years of elementary school. It is focused on the contact relationships that 
ceramic promotes between: children, clay and their creations; children, clay and 
modelling techniques; children, their creations and burning. These observations 
are supported by a ceramic teaching experience that happens since 1992, with 
children from the third to the fifth year of an elementary school in Sao Paulo state, 
Brazil. 
 
Keywords: elementary school, pottery, art education, technique 
http://www.pgdesign.ufrgs.br/
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III 
 
 
Introdução 
 
Conta-se que em tempos antigos houve um deus que decidiu modelar um 
homem com o barro da terra que antes havia criado, e logo, para que ele tivesse 
respiração e vida, lhe deu um sopro nas narinas. Alguns espíritos contumazes e 
negativos, ensinam à boca pequena, quando não ousam proclamá-lo com 
escândalo, que, depois daquele ato criativo supremo, o tal deus não voltou nunca 
mais a dedicar-se às artes da olaria, maneira retorcida de denunciá-lo por ter, 
simplesmente, deixado de trabalhar. O assunto, pela transcendência de que se 
reveste, é sério demais para que o tratemos de forma simples, exige ponderação, 
muita imparcialidade, muito espírito objetivo. É um fato histórico que o trabalho de 
modelagem, a partir daquele memorável dia, deixou de ser um atributo exclusivo 
do criador para passar à incipiente competência das criaturas, as quais, escusado 
seria dizer, não estão apetrechadas de suficiente sopro ventilador. O resultado foi 
ter-se assinado ao fogo a responsabilidade de todas as operações subsidiárias 
capazes de dar, tanto pela cor como pelo brilho, e até mesmo pelo som, uma 
razoável semelhança de coisa viva a quanto viesse a sair dos fornos. Era julgar 
pelas aparências. O fogo faz muito, isso não há quem o negue, mas não pode 
fazer tudo, tem sérias limitações, e até mesmo algum grave defeito, como seja, 
por exemplo, a insaciável bulimia de que padece e que o leva a devorar e reduzir 
a cinzas tudo quanto encontra pela frente. Voltando porém ao tema que nos 
ocupa, à olaria e seu funcionamento, todos sabemos que barro úmido metido no 
forno é barro estourado em menos tempo do que aquele que levará a contar. Uma 
primeira e irrevogável condição estabelece o fogo se quisermos que faça o que dele 
esperamos, que o barro entre o mais possível seco no forno. E é aqui que humildes 
regressamos ao sopro das narinas, é aqui que teremos de reconhecer a que ponto 
havíamos sido injustos e imprudentes quando perfilamos e tomamos para nós a 
ímpia ideia de que o dito deus teria virado as costas, indiferente, à sua própria obra. 
Sim, é certo, depois disso ninguém o tornou mais a ver, mas deixou- nos o que 
talvez fosse o melhor de si mesmo, o sopro, a aragem, a viração, a brisa, o zéfiro, 
esses que já estão entrando suavemente pelas narinas dos seis bonecos de barro 
que Cipriano Algor e a filha acabam de colocar, com todo o cuidado, em cima de 
uma das pranchas de secagem. (SARAMAGO. A Caverna, 2000, pp182,184) 
A cerâmica, é um estado da terra aliada ao fogo que é de extrema utilidade 
em vários setores industriais e atende a diferentes áreas do conhecimento 
humano. De peças de foguetes à reparações odontológicas, de pisos e louças 
sanitárias a tubulões de água e esgoto e muitos outros produtos, 
 
a cerâmica é, por sua dureza e durabilidade, um material de extrema importância 
no nosso viver contemporâneo. 
Talvez por essas qualidades, que envolvem utilidades voltadas para 
funcionamentos e necessidades diversas, que a cerâmica como material 
artístico, histórico, antropológico, seja tão pouco difundida nas escolas aqui no 
Brasil. Potes e figuras que contam a história, a nossa história. Porque falar sobre 
eles? 
Introduzir o ensino de cerâmica em uma escola não é coisa simples. 
Primeiro há que ter o barro. Mas onde encontrar o barro? Além disso, o professor, 
para ensinar cerâmica, tem que saber sobre o processo de modelagem, de 
pintura, de construção das peças. Deve saber como as peças devem ser 
construídas e secas para poderem suportar as temperaturas durante as 
queimas. Depois, é necessário um forno. E alguém que saiba ensinar como se 
queima. Mas para que mesmo ensinar cerâmica na escola? E o que fazer com 
todos aqueles trabalhos feitos pelos alunos depois de prontos? 
Todas essas perguntas trazem em seu oculto uma representação do 
ensino da cerâmica nas escolas. Se a área de arte já enfrenta ferrenhas batalhas 
na escola para ocupar seu lugar ao sol entre a matemática, língua portuguesa e 
ciências, etc. o que dizer então do ensino da cerâmica? Em seu ensaio Trabalho 
das representações na formação dos professores, Simone de Baillauquès (1998) 
ao citar Évelyn Charlier, considera as representações como instrumentos 
cognitivos de apreensão da realidade e de orientação de condutas. Assim sendo, 
entender a arte como algo supérfluo ou alienado do conhecimento humano, 
como um apêndice da sensibilidade, sem utilidade e portanto nessa 
representação, sem valor; essa forma de pensamento traz consequências 
inevitáveis para o tipo de ensino aplicado nas escolas. 
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V 
 
 
 
 
Fig. 1. Ateliê livre onde os alunos aprofundam-se nas diferentes técnicas de modelagem, cada 
um na sua investigação. Aqui, a menina modela um cavalo. Arquivo da autora. 2012. 
 
A criação por meio da argila nos coloca em contato comhistórias 
ancestrais. Como em um hiperlink elas são atualizadas em nós pelo toque de 
nossas mãos na massa. O fazer cerâmico favorece aos nossos pequenos 
alunos contatos com a terra, a água, o fogo e o ar, elementos essenciais de 
nosso viver e carregados de ancestralidade. Em um mundo em que muitos 
homens negligenciam seus saberes mais profundos e estão mais preocupados 
com seu enriquecimento superficial e com um desejo insaciável de consumo, 
isso já demonstra a importância em valorizar este fazer entre os pequenos - 
oferecer-lhes a oportunidade de conhecerem a produção cerâmica no Brasil e 
no mundo em diferentes tempos, aplicarem suas marcas, expressarem suas 
ideias e dialogarem com os gestos humanos e símbolos ali contidos. Atualizado 
pelo toque, o conhecimento ressurge sem dificuldade. 
Com esse espírito de aproximação segue a descrição de uma experiência 
de ensino de cerâmica com crianças de sete a dez anos que se dá em uma 
instituição escolar em São Paulo desde 1992. 
 
 
 
A estrutura 
 
 
Para contar a experiência é necessário situarmos nesse momento em 
qual estrutura ela se desenvolve: 
 
 
 
 
Fig. 2. Grupo de meninos cobre com parafina um vulcão modelado por eles. Arquivo da autora. 
2009. 
 
 
Os alunos têm aulas semanais de arte, com duração de uma hora. São, 
em média, 13 alunos por grupo. O mesmo professor acompanha os alunos nos 
três anos do processo, do terceiro ao quinto ano do Ensino Fundamental, dos 
sete aos dez anos de idade. A escola tem um ateliê bem montado e, desde o 
ano passado (2014) possui um forno elétrico que atinge 1000o C. Antes disso, 
as peças dos alunos eram queimadas em um ateliê de cerâmica em Cotia, São 
Paulo. Com a chegada do forno, pudemos introduzir a queima com esmaltes na 
própria escola, e proporcionar às crianças a experiência do processo completo. 
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VII 
 
 
 
 
 
 
Fig. 3. Exposição de peças esmaltadas elaboradas pelos alunos do terceiro ao quinto anos do 
Ensino Fundamental. Arquivo da autora. 2014. 
 
Além da cerâmica os alunos vivenciam processos de pintura, desenho, 
gravura, escultura, marcenaria e construção com sucata. Fazem uma visita a um 
espaço cultural por ano e têm momentos sistemáticos de apreciação da 
produção do grupo e da produção de alguns artistas brasileiros e estrangeiros. 
A metodologia de trabalho está apoiada em uma rotina permeável de 
cinco momentos: centralização inicial; momento de desenho ou introdução de 
uma técnica; aula livre onde escolhem e desenvolvem projetos próprios sob os 
cuidados do professor com todos os cantos disponíveis - modelagem em argila, 
pintura, desenho, construção com sucata, etc.; arrumação e centralização final. 
Durante o ano participam de construções coletivas quando há festas que 
envolvem toda a comunidade escolar, como as festas juninas, aniversário da 
escola, encerramento de ciclos, etc. 
A avaliação é processual e acontece durante todo o percurso de trabalho, 
no acompanhamento individual e coletivo. Os focos de avaliação são o 
envolvimento com as investigações que o aluno escolhe desenvolver, o 
enfrentamento das dificuldades e as soluções que o aluno cria, o respeito pelo 
seu trabalho e pelo dos seus colegas, o aprendizado das técnicas, o respeito aos 
combinados de limpeza e arrumação, a curiosidade pelo conhecimento. 
 
Entendendo a criança como um ser cultural, que transforma a cultura com o 
seu fazer, a avaliação tem como princípio o diálogo. Tem como meta ajudar o 
aluno a interessar-se e aprofundar-se com o aprendizado de forma significativa. 
Avaliar aquilo que aprende pode ajudá-lo a ter uma consciência mais abrangente 
do que é capaz, sobre suas escolhas e atenções e sobre sua responsabilidade 
com o que cria no mundo, mesmo que pequena. 
 
 
As crianças, a argila e suas criações 
 
 
Como explicar algo tão sutil? Esta é a primeira pergunta que vem à mente 
quando a tarefa é relatar momentos tão intensos entre as crianças quando 
trabalham com a argila. Para descrever essa experiência é preciso deixar-nos 
ser tocados pelos gestos das pequenas mãos pressionando e pinçando a argila 
para transformarem-na em algo. 
 
 
Fig. 4. Menino pinta seu trabalho com muita atenção. Arquivo da autora. 2009. 
 
 
Experienciar a argila é assunto para um bom tempo. A maioria das 
crianças tem bastante prazer em mexer na massa. Quando menores, gostam 
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IX 
 
 
de amassar, fazer bolinhas, minhocas, deixar suas marcas. Entre sete e dez 
anos, as crianças, ao pegarem um pedaço de argila parecem já ter claro quais 
são suas intenções. Logo percebem a maleabilidade do material e 
espontaneamente começam a criar objetos do dia a dia, figuras humanas, 
animais ou objetos volumosos, cheios de massa que elas podem furar com os 
instrumentos ou os dedos, ou bem achatados formando pizzas e placas. 
 
 
Fig. 5. Escultura de argila pintada com engobe, aguardando na prateleira, junto com outras 
peças, ser queimada. Arquivo da autora, 2012. 
 
Os momentos em volta da mesa de modelagem são muito animados, 
são sempre acompanhados por uma conversa constante entre as crianças ao 
trabalhar. Em volta da mesa de argila, de pé - pois gostam de trabalhar de pé - 
contam casos da família, dos passeios, comentam das professoras, daquilo 
que aconteceu na classe, dos cachorros, gatos, falam da vida e, enquanto isso, 
as crianças vão materializando suas ideias de forma integrada e simbólica. Neste 
momento, todo um processo de conversa com e sobre a vida se desenvolve 
nesta relação entre matéria, criança e o grupo. E isso é arte, isso é vida e está 
materializado nos trabalhos que realizam. 
 
 
 
As crianças, o barro e as técnicas de modelagem 
 
 
 
O que as crianças aprendem? 
 
A ter olhos nas pontas dos dedos. 
 
Que o tempo transforma. Que não pode ter pressa. 
Que o fogo é forte. 
Que a água ajuda. Que a água atrapalha. 
Que o vento seca. 
Que é bom aprender umas técnicas que o outro já sabe. 
 
Que o homem muito antigo já fazia cerâmica e que tem artistas ceramistas no 
mundo todo. 
 
Que cada etapa tem um tempo. 
 
Que tem que cuidar das ferramentas. 
Que dá prá desenhar com palito. 
Que dá prá cavar, prá esticar, prá enrolar, dobrar, amassar, alisar. 
Que pode pintar com tinta feita de argila e corante. 
Que mesmo que estoure, dá prá fazer outro. 
 
Que tem que entender quando a argila precisa de um pouquinho de água. Quando 
não. 
Que fica bonito. Que fica feio. 
(MAZZAMATI, 2013, p.12) 
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Fig. 6. Menino copia na placa de argila o desenho que projetou para o trabalho. Arquivo da 
autora. Foto de Maurício Cavallari, 2013. 
 
Nesse mesmo fazer tão prazeroso começam os desafios a serem 
enfrentados. Como bem diz a ceramista Lirdi Muller Jorge, 
 
A cerâmica modelada não se baseia sobre um único princípio de construção. 
Teremos a possibilidade de conhecer um certo número de processos que são 
básicos; cada um dos quais vai determinar um certo aspecto e sensação. As 
combinações e associações das diversas técnicas irão nos proporcionar uma gama 
infinita de resultados. Sem esquecer que a argila pode ser trabalhada em diferentes 
consistências. (JORGE, 1987,p.83) 
 
Ao enfrentá-los, a criança percebe que a argila começa a rachar e a figura 
criada está prestes a desestruturar-se. A parede construída está tão fininha que 
ao carregar a peça da mesa para a prateleira, todo o trabalho pode se 
despedaçar. A criança, em sua vontade de chegar ao resultado que imaginou, 
quer subir uma peça alta, mas não consegue. Pretende fazer o pescoço de uma 
girafa e busca várias tentativas para conseguir seu intento, às vezes dá certo,outras não. E como resolver a junção da cabeça ao corpo? Se colocar cada vez 
mais água o que acontece? Não deu certo. Outra tentativa. É nessas horas que 
o professor pode orientar seu aluno para conseguir realizar o 
 
que imaginou. Nessa fase dos sete aos dez, a cabeça parece ir mais rápido 
que as mãos e há muita coisa a aprender. 
 
 
Fig. 7. Professora ajuda e ensina a aluna, por meio de gestos, a tirar as rachaduras das bordas 
de seu pote. Arquivo da autora. 2010. 
 
Para ajudá-los no seu desenvolvimento na modelagem em argila as 
crianças têm, nessa experiência nas aulas de arte, momentos coletivos ao longo 
dos três anos onde são ensinadas as técnicas principais de modelagem. São 
também orientados a trabalharem de forma cuidadosa para as peças 
poderem ir ao forno. Para isto todo o cuidado é pouco. As técnicas ensinadas 
são da bola, da placa, rolo, cavar e pinçagem. 
Além das aulas coletivas de introdução das técnicas, os alunos têm 
semanalmente a oportunidade de trabalhar em média 40 minutos com o material 
que quiserem e isto inclui o trabalho com a modelagem em argila. É o momento 
que as crianças chamam de aula livre: os materiais ficam dispostos de forma a 
delimitar espaços de escolha e os alunos são livres para percorrer estes espaços 
usando os materiais que precisarem para realizar suas invenções. Nestas 
horas, o professor orienta os projetos que estão sendo 
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realizados nos diferentes cantos – modelagem, desenho, construção com 
sucata, pintura, marcenaria e outros. No caso da mesa de modelagem, o 
professor ajuda seus alunos relembrando as técnicas ensinadas, puxa conversa, 
segura partes de algum trabalho para que o aluno possa estruturar o resto de 
sua construção, oferece algum instrumento específico, observa o desenrolar do 
momento e as múltiplas conexões que ali acontecem em todos os níveis: 
emocional, cognitivo, lógico, social, físico, poético. Trabalham um ao lado do 
outro, em dupla, trios, agrupamentos espontâneos ou sozinhos. A fruição poética 
- do grego poien: inventar, criar, gerar - que ali acontece é olho d’água, brota 
ininterruptamente. Tudo integrado acontecendo ao mesmo tempo. 
 
As crianças, suas criações e a queima 
 
 
Uma vez que alguém descobriu que barro queimado não dava para comer mas 
que segurava bem a comida, começaram as invenções e variações. (VIDAL, 1997, 
p.10) 
 
Em algumas turmas, nas quais há mais interesse e ousadia, as crianças 
estão prontas para uma aproximação mais real com o fogo, e é possível introduzir 
experiências como quando os alunos fizeram um grande vulcão e acenderam 
seu fogo. Foi um acontecimento e tanto para eles. O conhecimento que a queima 
e o contato com o fogo traz, mesmo que não vivenciado tão de perto, proporciona 
ao aluno muitos ganhos na compreensão do processo, principalmente ao 
perceber que as coisas nem sempre saem como queremos e que o fogo e a alta 
temperatura são coisas que devem ser respeitadas. Ao longo de todo esse 
processo de cuidado de preparação das peças para irem para o forno, da 
construção de suas peças de forma que tenham mais estrutura e durabilidade e, 
como no caso das panelas e canequinhas, uma utilidade, as crianças aprendem 
também sobre o cuidado em si e percebem a necessidade 
 
de construir seus projetos com poesia, emoção, raciocínio e estética. E isso 
interessa ensinar. 
Em seu imaginário muitas coisas passam pela cabeça. Assim, algumas 
perguntas aparecem na fala das crianças: O professor falou que o fogo do 
forno é tão quente que se tiver alguma bolha de ar dentro da massa de minha 
peça, pode ser que ela estoure feito uma bomba! Ah não, eu não quero que 
minha peça vá queimar. Eu quero. E se estourar? Não tem importância. Eu não 
quero. Esta vai estourar? 
Quando as peças voltam do forno a ansiedade é grande: A minha 
estourou? 
 
Fig.6 Esculturas em argila escolar e engobe, cozidas a 980o, alunos do 3o ano. Arquivo da 
autora, 2012. 
 
E que alívio quando a peça volta cor de tijolo, linda, mas diferente, 
transformada. As crianças ficam muito contentes, pegam a peça na mão como 
se fosse um tesouro e, ora escolhem pintar bem colorida ou levam para casa 
assim mesmo, terra cozida. E quando descobrem que podem colocar água e 
beber na caneca que fizeram!? Seus olhos brilham e se enchem de orgulho 
mostrando uns aos outros a produção recém-chegada. 
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Fig.7. Conjunto de potes e xícaras em argila escolar já queimados. Arquivo da autora, 2013. 
Conclusão 
 
Na tentativa de relatar momentos de aprendizado tão ricos desenvolvidos 
junto às crianças nesses anos, fica clara a importância de refletir sobre a 
necessidade de incentivar e implantar o ensino de cerâmica nos anos iniciais do 
Ensino Fundamental. 
Ao trabalharem a argila, uma matéria preciosa - nosso chão, de homens, 
mulheres e toda a fauna e flora – as crianças entram em contato com o 
conhecimento desenvolvido por diferentes povos na produção de peças em 
cerâmica tanto escultóricas como utilitárias e que contam parte da nossa história 
na Terra. 
Ademais, as crianças, a partir da cerâmica, têm a oportunidade de entrar 
em contato com a poesia, a estética, de perceber a fragilidade e a durabilidade 
das coisas, de perceber o efeito de seus atos e de perceber a sua capacidade 
criativa. Esse conjunto de aprendizados transforma não só o sujeito na sua ação, 
mas todo o seu contexto. 
Cultivar a produção cerâmica própria dos povos indígenas, das 
comunidades ceramistas, dos quilombos, das cidades e dos produtores 
contemporâneos é preservar uma cultura rica de símbolos, causos e 
 
contações, dramas e espiritualidade, que consegue integrar o presente e o 
passado de forma tão duradoura e atualizada. 
Vale a pena refletir e buscar soluções para as ideias pré- estabelecidas 
que se tem no que se refere às dificuldades do ensino de cerâmica nas escolas, 
como as apresentadas no início desse texto, a dificuldade de encontrar o 
material, possibilidades de construção de fornos não tão dispendiosos, 
fabricação de tintas, etc. Para que isso ocorra, é tarefa dos arte educadores, 
ceramistas e instituições de ensino promover essas discussões nas escolas, 
ateliês e universidades com foco na Educação Básica, tão carente no nosso país 
e, sem dúvida, isso seria de grande ganho para todos. 
Como contribuição para o significado do que é a argila segue, em anexo, 
uma história para contar para as crianças: Coisas da Terra. 
Quem conta um conto, aumenta um ponto. 
 
Referências 
 
BAILLAUQUÈS, Simone. Trabalho das representações na formação dos 
professores. In: PAQUAY, Léopold et al. (Org.). Formando professores 
profissionais: quais estratégias, quais competências. 2. ed. rev. Porto 
Alegre, RS: Artmed, 2001. 
JORGE, Lirdi Muller. A modelagem em argila. In: GABBAI, Miriam B. Birmann. 
Cerâmica a arte da terra. São Paulo, SP: Callis, 1987. 
 
MAZZAMATI, Suca (Org.). Almanaque da oficina: cerâmica. Ano 3. Escola Vera 
Cruz, 2013. 
RHODES, Daniel. La poterie. Terres et glaçures. Traduction: François 
Soubeyran. Paris: Edition Dessain et Tolra, 1976. 
SARAMAGO, José. A caverna. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2000. 
 
VIDAL, Jean Jacques; JAMES, Paulo. Ceramicando. São Paulo, SP: Callis, 
1997. 48 p. 
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Anexo 1 : História para contar para as crianças- Coisas da terra. Suca 
Mazzamati. Texto direcionado para as crianças, produzido para uma formação 
na cidade de Hortolândia, SP, em 2006 e não publicado. 
História para contar às crianças: 
 
Coisas da Terra, 
 
Suca Mattos Mazzamati, 2006 
 
Há milhares e milhões, milhões e milhares de anos atrás,solta no infinito, 
era uma vez uma bola de fogo. Vagava no espaço brilhante! Esta bola de fogo 
era a Terra, o planeta onde vivemos. 
O tempo foi passando. Por fora a Terra começava a esfriar, por dentro 
ainda era só fogo. O fogo, tão quente e violento, arranjava um jeito de sair de 
dentro da terra, empurrando a camada dura que havia na superfície, criando 
assim as primeiras montanhas e vulcões. Não havia ainda nenhum ser vivo na 
superfície do nosso planeta. Só havia rochas e atmosfera gasosa. 
A superfície da Terra, com os gases e as lavas que ela expelia por 
causa do calor intenso, era como um caldeirão de bruxa, prestes a realizar 
grandes transformações... As lavas resfriadas há pouco, exalavam vapor sem 
parar. Este vapor constante condensava também sem parar, transformando-se 
em uma chuva que duraria por muitos e muitos anos: MILHÕES de anos. 
Imagine! 
 
Lembra de quando você toma banho muito quente e todo aquele vapor 
fica no ar do banheiro? Quando você se olha no espelho, passa o dedo e percebe 
que aquilo é água, vapor condensado?! Lembra quando pequenas gotas de água 
caem do teto do banheiro, de tanto vapor que foi parar lá? Imagine agora um 
chuveiro de água quente ligado durante milhões de anos. O quanto juntou de 
gotas de água, que caíam como uma chuva sem fim? Pois foi assim que 
aconteceu. A paisagem era essa. Montanhas fumegantes e chuva 
 
sem parar. De tanto chover, o espaço entre as montanhas começou a encher, 
encher, encher e foi então que surgiram os primeiros oceanos. 
A água que caía não só criou os mares como também derreteu imensas 
montanhas. Levou com ela resíduos de todos os tipos de rochas, depositando- 
os no fundo desses mares recém criados. O sal é uma mistura de resíduos e 
prova desses acontecimentos. Calcula-se que há centenas de milhões de 
toneladas de sal nos mares. 
A água não só carregou as pequenas partículas de rochas. Em sua 
missão de misturar-se e misturar tudo, modificou-as quimicamente, 
transformando-se em um líquido cada vez mais concentrado de diferentes 
elementos. Correndo pelos rios e pelas geleiras com velocidade constante, a 
água foi modificando completamente as superfícies, os materiais que encontrava 
pela frente - a água dividiu as já pequenas partículas das rochas em partículas 
cada vez menores. 
Mas as incríveis transformações não pararam por aí. Apareceram os seres 
vivos. A terra viveu também uma época de gelo. A água depositada entre as 
rochas, ao se congelar aumentava de volume e se quebrava. As plantas 
penetraram entre as rochas fazendo por sua vez também o papel de quebrá-las 
mais ainda. As geleiras derretidas transportavam estes pedaços, carregando 
com elas restos de folhas, animais, tudo o que encontrassem. O vento levava 
pelos ares outros resíduos, poeiras, sementes. O fogo vez ou outra continuava 
expelindo lavas, abrindo grandes fendas e provocando terremotos. 
Outras montanhas se elevaram, mudando os oceanos de lugar. A 
paisagem da Terra mudava, e ainda muda, conforme os acontecimentos vindos 
do ar, da terra, do fogo e da água. O caldeirão não parava e não para de criar 
transformações.

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