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194 U n id ad e C • A Id ad e M éd ia : O ci de nt e e O ri en te Doc. 2 A reação dos nobres contra os jacques (camponeses) “Na fortaleza, chamada ‘Mercado de Meaux’, estavam a mulher, a infanta e a irmã do delfim, com cerca de trezentas damas e seus filhos. A cidade abriu suas portas, instalando mesas nas ruas com pão, carne e vinho — os jacques faziam saber que esperavam esse tipo de recepção sempre que entravam numa cidade. As donzelas, quando ‘viram tal quantidade de gentes, sentiram medo e terror’. [...] Com cerca de quarenta lanças [...], os cavaleiros, tendo à frente 25 cavaleiros de armaduras e galhardetes de prata [...], entraram na ponte. Provavelmente na ânsia da luta, os jacques imprudentemente decidiram avançar naquele estreito espaço, onde sua superioridade numérica não podia prevalecer [...]. Os cavaleiros os ‘mataram como bestas’ — no sentido medieval, besta pode ser qualquer animal irracional [...], e morreram naquele dia cerca de sete mil. Meaux foi sa- queada e incendiada, com todos os vilãos do burgo dentro, e ainda ardeu durante duas semanas, ‘... foi posteriormente condenada por crime de lesa-majestade e eliminada como comuna independente.’ [...] Com essa vitória, os nobres ganharam confiança e a Jacquerie foi reprimida.” COSTA, Ricardo da. Revoltas camponesas na Idade Média. 1358: a violência da Jacquerie na visão de Jean Froissart. Disponível em www.ricardocosta.com. Acesso em 1o jul. 2009 Os jacques são massacrados em Meaux, iluminura das Crônicas de Froissart, 1358. Jean Froissart foi um dos mais importantes cronistas da França medieval. Biblioteca Nacional da França, Paris. Observe a iluminura e leia o texto [doc. 2]. a) Descreva a cena representada. b) Baseando-se no texto e na imagem, comente a visão do autor sobre os camponeses e os nobres. QUESTÃO As revoltas camponesas No ano de 1358, no reino da França, estouraram violentas sublevações camponesas. Essas revoltas, genericamente conhecidas como Jacqueries, nasce- ram como um movimento espontâneo que rapida- mente evoluiu para uma contestação generalizada dos privilégios da nobreza rural. Na Inglaterra e na Itália, também aconteceram rebe liões do mesmo tipo, opondo nobres e camponeses numa terrível onda de violência. A revolta espalhou-se pela área próxima à cidade de Paris e atingiu regiões no norte da França. Ao final, os nobres controlaram a situação com certa facilida- de, favorecidos por sua superioridade militar e pela ajuda que receberam de nobres de outras regiões da França. A repressão foi violenta. Cerca de 20 mil camponeses morreram na revolta [doc. 2]. As revoltas urbanas Aos conflitos no campo seguiram-se outros também nas cidades, formando uma espécie de aliança entre a burguesia e os camponeses contra a nobreza e o clero. Na região de Flandres, houve violentos embates, como o que aconteceu entre 1323 e 1328 envolvendo artesãos, camponeses e também proprietários rurais ricos, que se subleva- ram contra o aumento de impostos e o pagamento do dízimo para o clero. Outras revoltas urbanas, • Jacqueries. “Jacques”, nome comum entre as camadas populares (e que pode ser traduzido como “Tiago”), passou, com o tempo, a ser o termo empregado pela nobreza para designar o camponês. como a dos assalariados de Florença (1378), a dos tecelões de Gand (1381) e a dos pobres de Paris (1382), ocorreram também contra as famílias ricas que governavam as cidades. As revoltas estavam relacionadas ao controle da administração das cidades. A burguesia citadina, que havia conquistado capital econômico, passou a reivindicar também poder político, desejando que seu prestígio social correspondesse ao seu poder econômico. Em toda parte, o descontentamento espontâneo dos despossuídos foi explorado em proveito da burguesia, que aspirava a unir o poder econômico ao poder político. As revoltas urbanas, assim como as camponesas, foram esmagadas. As revoltas populares não provocaram uma ruptura social significativa. A aristocracia permaneceu sendo a camada social dominante, desfrutando de privilégios e exercendo poder sobre os governos locais. HIST_PLUS_UN_C_CAP_09.indd 194 19.08.10 15:56:24 R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 195 C ap ít u lo 9 • O o ut on o da I da de M éd ia CONTROVÉRSIAS Na crise do sistema feudal, ocorrida entre os séculos XIV e XV, uma nova camada social em plena ascensão desempenhou um importante papel: a burguesia, formada por mercadores, donos de ofi- cinas artesanais e banqueiros. Os textos a seguir mostram duas posições com relação à valorização do lucro e da riqueza na sociedade medieval. lluminura do século XIV representando banqueiros italianos praticando empréstimos no interior de um banco. Observe o cofre e os livros contábeis utilizados na prática bancária. Biblioteca Britânica, Londres. “Assim justificado e mesmo exaltado, o mercador me- dieval pode dar livre curso ao seu gênio. Os seus objetivos são a riqueza, os negócios, a glória. [...] O amor pelo dinheiro permanece sua paixão fundamental. [...] ‘O mercador’, diz Cotrugli, ‘deve governar-se e governar os seus negócios duma maneira racional, para atingir o seu fim que é a fortuna.’ Todos os mercadores sobre os quais se debruçaram os historiadores da Idade Média nutrem este amor arrebatado pelo dinheiro, desde os banqueiros de Arras, de quem Adam de La Halle disse no século XIII: ‘aí se ama demasiado o dinheiro’, desde os florentinos, descritos por Dante como ‘uma gente cúpida, invejosa, orgulhosa’, amante do florim – essa ‘flor maldita que extraviou as ovelhas e os cordeiros’ –, até os mercadores de Toulouse e Rouen do século XV. Todos eles pensam como um certo mercador florentino do século XIV: ‘A tua ajuda, a tua defesa, a tua honra, o teu proveito é o dinheiro’. E. M. Mollat, ao estudar os grandes mercadores normandos do fim da Idade Média, pôde falar do ‘dinheiro, fundamento duma sociedade’. Para acumular esse dinheiro é preciso ter a paixão dos negócios, o gosto de fazer frutificar o capital, espírito e ini- ciativa. No seu Livro dos bons costumes, o florentino Paolo di Messer Pace da Certaldo aconselha: ‘Se tendes dinheiro, não estejais inativos; não o guardeis estéril convosco, porque mais vale agir, mesmo que dele se não tire proveito, que ficar passivo, igualmente sem proveito.’ [...]. Assim se esboça uma ética mercantil, perfeitamente mundana e laica. Define-se por uma moral dos negócios que os manuais para uso dos mercadores [...] explicitaram com toda a clareza. Ao mercador pede-se prudência, percepção dos seus interesses, desconfiança relativamente ao outro, temor de perder dinheiro, experiência.” LE GOFF, J. Mercadores e banqueiros da Idade Média. Lisboa: Gradiva, s.d. p. 64-67. In: MARQUES, Adhemar e outros. História Moderna através de textos. São Paulo: Contexto, 2008. p. 35-36. Texto 1 “Uma avaliação do pensamento econômico e social da Idade Média deve [...] levar em conta o desprezo com que as populações encaravam a atividade e o espírito comercial. O modo de vida medieval baseava-se nos costumes e nas tradições. Sua viabilidade dependia da aceitação desses costumes por parte dos membros da sociedade e, conse- quentemente, do lugar que cabia cada um no seio dessa sociedade. Onde prevalece a ética comercial capitalista, a avareza, o egoísmo, a cobiça e a ambição material ou social são consideradas pela maioria dos homens como qualidades inatas. Contudo, na Idade Média, tais motivações eram rechaçadas e denunciadas como indignas [...]. A ética paternalista cristã condenava com severidade a cobiça e a acumulação de riquezas. A doutrina do justo preço servia como freio a essa atitude gananciosa e social- mente perigosa. Como nos dias de hoje, naqueles tempos, a acumulação de riquezas materiais implicava a acumulação de poder e facilitavaa mobilidade social ascendente que teria, por fim, efeitos profundamente destrutivos para o sistema medieval, na medida em que acabaria dissolvendo as relações de status que formavam a espinha dorsal da sociedade feudal.” HUNT, E. K.; SHERMAN, H. J. História do pensamento econômico. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 19-20. Texto 2 1. Por que condenar uma mentalidade voltada para as atividades comerciais, para o lucro e a acumu- lação de riquezas contribuía para a manutenção da estrutura social medieval? 2. Quais as diferenças entre a mentalidade medie- val e a dos mercadores? Como isso é evidenciado no texto 1? QUESTÕES A burguesia e a crise do feudalismo HIST_PLUS_UN_C_CAP_09.indd 195 19.08.10 15:56:28 R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . Seção 9.3 Objetivo Reconhecer os desdobramentos históricos da expansão do Império Otomano na Europa Oriental. Termos e conceitos • Império otomano • Queda de Constantinopla 196 U n id ad e C • A Id ad e M éd ia : O ci de nt e e O ri en te As conquistas otomanas e a queda de Constantinopla O poder do Império Otomano Os turcos ou turcomanos são povos de religião muçulmana que não são ára- bes. Inicialmente, eles viviam como nômades nas planícies da Eurásia e, por volta do século X, muitos grupos turcos se converteram ao islã. O processo de ocu- pação da Anatólia pelas tribos turcomanas pode ser mais bem compreendido se pensarmos que o islã proibia o ataque e a pilhagem contra muçulmanos. Dessa forma, regiões como a Síria e a Mesopotâmia não interessavam aos turcos, enquanto a Anatólia bizantina (cristã) lhes parecia o lugar ideal. A expansão dos turcos foi favorecida pela emergência, no final do século XIII, de um Estado militar, forte e bem estruturado, no leste da Anatólia. Liderados pelo guerreiro Otoman I (de quem o nome Império Otomano teria se originado), o exército turco conquistou toda a Ásia Menor e atingiu o Estreito de Dardanelos, que garantia o controle da passagem da Ásia para a Europa [docs. 1 e 2]. As novas regiões conquistadas transformaram-se em províncias do Império Otomano, e a população passou a pagar tributos ao sultão, monarca absoluto que governava com a ajuda de um vizir e um conselho que se reunia cerca de quatro vezes por semana. A administração do Império se orientava de acordo com o Corão. No entanto, havia certa liberdade religiosa. Os judeus e os cristãos tinham direito à hospitalidade e à proteção, desde que concordassem em pagar as taxas que os distinguiam dos muçulmanos. Para se livrar do pagamento dessas taxas, parte da comunidade cristã acabou se convertendo ao islã. • Vizir. Conselheiro ou ministro do sultão. ÁUSTRIA AZERBAIJÃO POLÔNIA UCRÂNIA REPÚBLICA DE VENEZA REINO DE NÁPOLES SICÍLIA SARDENHA BÓSNIA SÉRVIA HUNGRIA MOLDÁVIA BESSARÁBIA BULGÁRIA ANATÓLIA MACEDÔNIA MESOPOTÂMIA GEÓRGIA CURDISTÃO ARMÊNIA PALESTINA EGITO FEZZAN AL-WAHAT TUNÍSIA RHODES GERMÂNIA KARAMÂNIAKARASI PODÓLIA TRÁCIA VALACHIE DAGUESTÃO M AR CÁ SPIO Rio Eufrates Rio Tigre Rio Nilo M A R M E D I T E R R Â N E O M A R V E R M E L H O M A R N E G R O Nice Roma Trípoli Ghadamés Alexandria Andrinóplia Constantinopla Jerusalém Medina Meca Cairo Chipre Milão No século XV Na metade do século XIV O Império Otomano Na segunda metade do século XIV Capitais sucessivas Do século XVI ao XVIIFonte: DUBY, Georges. Atlas historique mondial. Paris: Larousse, 2003. p. 178. 360 km Expansão do Império otomano (1301-1520) Doc. 1 HIST_PLUS_UN_C_CAP_09.indd 196 19.08.10 15:56:30