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PSICODIAGNÓSTICO 
Capítulo 1
O processo psicodiagnóstico
Caracterização. Objetivos. Momentos do Processo.
Enquadramento.
María L. S. de Ocampo e María E. García Arzeno 
r
A concepção do processo psicodiagnóstico, tal como o postulamos nesta obra, é 
relativamente nova.
Tradicionalmente era considerado “a partir de fora”, como uma situação em que o 
psicólogo aplica um teste em alguém, e era nestes termos que se fazia o encaminhamento. 
Em alguns casos especificava-se, inclusive, que teste, ou testes, se deveria aplicar. A 
indicação era formulada então como “fazer um Rorschach” ou “aplicar un desiderativo” em 
alguém.
De outro ponto de vista, “a partir de dentro”, o psicólogo tradicio nalmente sentia sua tarefa 
como o cumprimento de uma solicitação com as características de uma demanda a ser 
satisfeita seguindo os passos e utilizando os instrumentos indicados por outros (psiquiatra, 
psicanalista, pediatra, neurologista, etc.). O objetivo fundamental de seu contato com o 
paciente era, então, a investigação do que este faz frente aos estímulos apresentados. Deste 
modo, o psicólogo atuava como alguém que aprendeu, o melhor que pôde, a aplicar um 
teste. O paciente, por seu lado, represen tava alguém cuja presença é imprescindível; 
alguém de quem se espera que colabore docilmente, mas que só interessa como objeto 
parcial, isto é, como “aquele que deve fazer o Rorschach ou o Teste das Duas Pessoas”. 
Tudo que se desviasse deste propósito ou interferisse em seu sucesso era considerado como 
uma perturbação que afeta e complica o trabalho.
Terminada a aplicação do último teste, em geral, despedia-se o pacien te e enviava-se ao 
remetente um informe elaborado com enfoque atomiza do, isto é, teste por teste, e com uma 
ampla gama de detalhes, a ponto de incluir, em alguns casos, o protocolo de registro dos 
testes aplicados, sem levar em conta que o profissional remetente não tinha conhecimentos 
específicos suficientes para extrair alguma informação útil de todo este material. Este tipo 
de informe psicológico funciona como uma prestação de contas do psicólogo ao outro 
profissional, que é sentido como um superego exigente e inquisidor. Atrás desse desejo de 
mostrar detalhada mente o que aconteceu entre seu paciente e ele, esconde-se uma grande 
insegurança, fruto de sua frágil identidade profissional. Surge, então, uma necessidade 
imperiosa de justificar-se e provar (e provar para si) que proce 13
14 O PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO E AS TÉCNICAS PROJETIVAS 
O PROCESSO PSICODIA GNÓSTICO
deu corretamente, detalhando excessivamente o que aconteceu, por medo de não mostrar 
nada que seja essencial e clinicamente útil. Esses informes psicológicos são, à luz de nossos 
conhecimentos atuais, uma fria enumera ção de dados, traços, fórmulas, etc.,
freqüentemente não integrados numa gestalt que apreenda o essencial da personalidade do 
paciente e permita evidenciá-lo.
O psicólogo trabalhou durante muito tempo com um modelo similar ao do médico clínico 
que, para proceder com eficiência e objetividade, toma a maior distância possível em 
relação a seu paciente a fim de estabe lecer um vínculo afetivo que não lhe impeça de 
trabalhar com a tranqüili dade e a objetividade necessárias.
Em nossa opinião, o psicólogo freqüentemente agia assim — e ainda age — por carecer de 
uma identidade sólida que lhe permita saber quem é e qual é seu verdadeiro trabalho dentro 
das ocupações ligadas à saúde men tal. Por isso tomou emprestado, passivamente, o modelo 
de trabalho do médico clínico (pediatra, neurologista, etc.) que lhe dava um pseudo-alívio 
sob dois aspectos. Por um lado, tomou emprestada uma pseudo-identidade, negando as 
diferenças e não pensando para não distinguir e ficar, de novo, desprotegido. O preço deste 
alívio, além da imposição externa, foi a sub missão interior que o empobrecia sob todos os 
pontos de vista, ainda que lhe evitasse um questionamento sobre quem era e como deveria 
trabalhar. A não-indagação de tudo o que se referia ao sistema comunicacional dinâ mico 
aumentava a distância entre o psicólogo e o paciente e diminuía a possibilidade de 
vivenciar a angústia que tal relação pode despertar. Assim, utilizavam-se os testes como se 
eles constituíssem em si mesmos o objetivo do psicodiagnóstico e como um escudo entre o 
profissional e o paciente, para evitar pensamentos e sentimentos que mobilizassem afetos 
(pena, rejeição, compaixão, medo, etc.).
Mas nem todos os psicólogos agiram de acordo com esta descrição. Muitos 
experimentaram o desejo de uma aproximação autêntica com -o paciente. Para pô-lo em 
prática, tiveram que abandonar o modelo médico enfrentando por um lado a desproteção é, 
por outro, a sobrecarga afetiva pelos depósitos( *) de que eram objeto, sem estarem 
preparados para isso. Podia acontecer então que atuassem de acordo com os papéis 
induzidos pelo paciente: que se deixassem invadir, seduzir, que o superprotegessem, o 
abandonassem, etc. O resultado era uma contra-identificação projetiva com o paciente, 
inconveniente porque interferia em seu trabalho. Deve mos levar em conta que é escassa a 
confiança que podemos ter em um diagnóstico em que tenha operado este mecanismo, sem 
possibilidades de correção posterior. Devido à difusão crescente da psicanálise no âmbito
universitário e sua adoção como marco de referência, os psicólogos optaram por aceitá-la 
como modelo de trabalho, diante da necessidade de achar uma imagem de identificação que 
lhes permitisse crescer e se forta lecer. Esta aquisição significou um progresso de valor 
inestimável, mas provocou, ao mesmo tempo, uma nova crise de identidade no psicólogo. 
Tentou transferir a dinâmica do processo psicanalítico para o processo psicodiagnóstiCO, 
sem levar em conta as características específicas deste. Isto trouxe, paralelamente uma 
distorção e um empobrecimento de cará ter diferente dos da linha anterior. Enriqueceu-se a 
compreensão dinâmica do caso mas foram desvalorizados os instrumentos que não eram 
utilizados pelo psicanalista. A técnica de entrevista livre foi supervalorizada enquanto era 
relegado a um segundo plano o valor dos testes, embora fosse para isso que ele estivesse 
mais preparado. Sua atitude em relação ao paciente estava condicionada por sua versão do 
modelo analítico e seu enquadramento específico: permitir a seu paciente desenvolver o 
tipo de conduta que surge espontaneamente em cada sessão, interpretar com base neste 
mate rial contando com um tempo prolongado para conseguir seu objetivo, podendo e
devendo ser continente de certas condutas do paciente, tais como recusa de falar ou brincar 
(caso trabalhasse com crianças), silêncios prolongados, faltas repetidas, atrasos, etc.
Se o psicólogo deve fazer um psicodiagnóstico, o enquadramento não pode ser esse: ele 
dispõe de um tempo limitado; a duração excessiva do processo toma-se prejudicial; se não 
se colocam limites às rejeições, blo queios e atrasos, o trabalho fracassa, e este deve ser 
protegido por todos os meios. Em relação à técnica de entrevista livre ou totalmente aberta, 
se adotamos o modelo do psicanalista (que nem todos adotam), devemos deixar que o 
paciente fale o que quiser e quando quiser, isto é, respeitare mos seu timing. Mas com isto 
cairemos numa confusão: não dispomos de de tempo ilimitado. Em nosso contrato com o 
paciente falamos de “algu ma. entrevistas” e às vezes até se especifica mais ainda, 
esclarecendo que se trata de três ou quatro. Portanto, aceitar silêncios muito prolongados, 
lacunas totais em temas fundamentais, insistência em um mesmo tema, etc., “porque é o 
que o paciente deu”, é funcionar com uma identidade alheia (a do terapeuta) e romper o 
próprio enquadramento. Daremos um exemplo: se o paciente chega muito atrasado à sua 
sessão, o terapeuta interpretará em função do material com que conta, e esse atraso pode 
constituir para ele uma conduta saudável em certo momento da terapia, como, por exemplo, 
no caso de ser o primeiro sinal de transferência nega tiva em um pacientemuito predisposto 
a idealizar seu vínculo com ele. No caso do psicólogo que deve realizar um diagnóstico, 
esses poucos minutos que restam não lhe servem para nada, já que, no máximo, poderá 
aplicar algum teste gráfico mas sem garantia de que possa ser concluído no mo
(*) Depositar será usado no sentido de colocar no outro e deixar (N. do E.).
16 O PROCESSO PSICODIA GNÓSTICO E AS TÉCNICAS PROJETIVAS 
O PROCESSO PSICODIÁ GNÓSTICO
17
mento preciso. Pode ocorrer então que prolongue a entrevista, rompendo seu 
enquadramento, ou interrompa o teste; tudo isto perturba o paciente e anula seu trabalho,já 
que um teste não concluído não tem validade. Esse mesmo atraso significa, nesse segundo 
caso, um ataque mais sério ao vín culo com o profissional porque ataca diretamente o 
enquadramento pre viamente estabelecido.
Não resta a menor dúvida de que a teoria e a técnica psicanalíticas deram ao psicólogo um 
marco de referência imprescindível que o ajudou a entender corretamente o que acontecia 
em seu contato com o paciente. Mas, assim como uma vez teve que se rebelar contra sua 
própria tendência a ser um aplicador de testes, submetido a um modelo de trabalho frio, 
desumanizado, atomizado e superdetalhista, também chegou um momento (e diríamos que 
estamos vivendo este momento) em que teve que definir suas semelhanças e diferenças em 
relação ao terapeuta psicanalítico. Todo este processo se deu, entre outras razões, pelo fato 
de ser uma profissão nova, pela formação recebida (pró ou antipsicanalítica) e fatores 
pessoais. Do nosso ponto de vista, até a inclusão da teoria e da técnica psicanalíticas, a 
tarefa psicodiagnóstica carecia de um marco de referência que lhe desse consistência e 
utilidade clínica, especialmente quando o diagnóstico e o prognóstico eram realizados em 
função de uma possível terapia. A aproxi mação entre a tarefa psicodiagnóstica e a teoria e 
a técnica psicanalíticas realizou-se por um esforço mútuo. Se o psicólogo trabalha com seu 
pró prio marco de referência, o psicanalista deposita mais confiança e esperan ças na 
correção e na utilidade da informação que recebe dele. O psicana lista se abriu mais à
Juliana Toyokawa
Realce
informação proporcionada pelo psicólogo, e este, por seu lado, ao sentir-se melhor 
recebido, redobrou seus esforços para dar algo cada vez melhor. Até há pouco tempo, o fato 
de o informe psicoló gico incluir a enumeração dos mecanismos defensivos utilizados pelo 
paciente constituía uma informação importante. No estado atual das coisas, consideramos 
que dizer que o paciente utiliza a dissociação, a iden tificação projetiva e a idealização, é 
dar uma informação até certo ponto útil mas insuficiente. Possivelmente, todo ser humano 
apela para todas as defesas conhecidas de acordo com a situação interna que deve enfrentar. 
Por isso, pensamos que o mais útil é descrever as situações que põem em jogo essas 
defesas, a sua intensidade e as probabilidades de que sejam efica zes. Consideramos que o 
terapeuta extrairá uma informação mais útil de um informe dessa natureza.
O psicólogo teve que percorrer as mesmas etapas que um indivíduo percorre em seu 
crescimento. Buscou figuras boas para se identificar, aderiu ingênua e dogmaticamente a 
certa ideologia e identificou-se intro jetivamente com outros profissionais que funcionaram 
como imagens p até que pôde questionar-se, às vezes com crueldade excessiva
(como adolescentes em crise), sobre a possibilidade de não ser como eles. Pensamos que o 
psicólogo entrou num período de maturidade ao perceber que utilizava uma “pseudo” - 
identidade que, fosse qual fosse, distorcia sua identidade real. Para perceber esta última, 
teve que tomar uma certa distân cia, pensar criticamente no que era dado como 
inquestionável, avaliar o que era positivo e digno de ser incorporado e o que era negativo 
ou com pletamente alheio à sua atividade, ao que teve que renunciar. Conseguiu assim uma 
maior autonomia de pensamento e prática, com a qual não só se distinguirá e fortalecerá sua 
identidade própria, como também poderá pensar mais e melhor em si mesmo, contribuindo 
para o enriquecimento da teoria e da prática psicológica inerente a seu campo dc ação.
Caracterização do processo psicodiagnóstico
Institucionalmente, o processo psicodiagnóstico configura uma situação com papéis bem 
definidos e com um contrato no qual uma pessoa (o paci ente) pede que a ajudem, e outra 
(o psicólogo) aceita o pedido e se com promete a satisfazê-lo na medida de suas 
possibilidades. É uma situação bi-pessoal (psicólogo-paciente ou psicólogo-grupo familiar), 
de duração limitada, cujo objetivo é conseguir uma descrição e compreensão, o mais 
profunda e completa possível, da personalidade total do paciente ou do grupo familiar. 
Enfatiza também a investigação de algum aspecto em parti cular, segundo a sintomatologia 
e as características da indicação (se hou ver). Abrange os aspectos passados, presentes 
(diagnóstico) e futuros (prognóstico) desta personalidade, utilizando para alcançar tais 
objetivos certas técnicas (entrevista semidirigida, técnicas projetivas, entrevista de 
devolução).
Objetivos
Em nossa caracterização do processo psicodiagnóstico adiantamos algo a
respeito de seu objetivo. Vejamo-lo mais detalhadamente. Dizemos que nossa investigação 
psicológica deve conseguir uma descrição e compreen são da personalidade do paciente. 
Mencionar seus elementos constitutivos não satisfaz nossas exigências. Além disso, é 
mister explicar a dinâmica do caso tal como aparece no material recolhido, integrando-o 
num quadro global. Uma vez alcançado um panorama preciso e completo do caso, 
incluindo os aspectos patológicos e os adaptativos, trataremos de formular recomendações 
terapêuticas adequadas (terapia breve e prolongada, indivi dual, de casal, de grupo ou de
Juliana Toyokawa
Realce
Juliana Toyokawa
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Juliana Toyokawa
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grupo familiar; com que freqüência; se é recomendavel um terapeuta homem ou mulher; se 
a terapia pode ser ana lítica ou de orientação analítica ou outro tipo de terapia; se o caso 
necessi ta de um tratamento medicamentoso paralelo, etc.).
18
O PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO E AS TÉCNICAS PROJETIVAS 
Momentos do processo psicodiagnóstico
Segundo nosso enfoque, reconhecemos no processo psicodiagnóstico os seguintes passos: 
10)
2.°)
3.0)
Primeiro contato e entrevista inicial com o paciente.
Aplicação de testes e técnicas projetivas.
Encerramento do processo: devolução oral ao paciente (e/ou 
seus pais).
4.0) Informe escrito para o remetente.
No momento de abertura estabelecemos o primeiro contato com o paciente, que pode ser 
direto (pessoalmente ou por telefone) ou por inter médio de outra pessoa. Também 
incluímos aqui a primeira entrevista ou entrevista inicial, à qual nos referiremos 
detalhadamente no capítulo II.
O segundo momento consiste na aplicação da bateria previamente selecio nada e ordenada 
de acordo com o caso. Também incluímos aqui o tempo que o psicólogo deve dedicar ao 
estudo do material recolhido, O terceiro e o quarto momentos são integrados 
respectivamente pela entrevista de devo lução de informação ao paciente (e/ou aos pais) e 
pela redação do informe pertinente para o profissional que o encaminhou. Estes passos 
possibilitam informar o paciente acerca do que pensamos que se passa com ele e orien tá-lo 
com relação à atitude mais recomendável a ser tomada em seu caso. Faz-se o mesmo em 
relação a quem enviou o caso para psicodiagnóstico. A forma e o conteúdo do informe 
dependem de quem o solicitou e do que pediu que fosse investigado mais especificamente.
Enquadramento
Já nos referimos à necessidade de utilizar um enquadramento ao longo do processo 
psicodiagnóstico. Definiremos agora o que entendemos por enquadramento e 
esclareceremos alguns pontos a respeito disto.
Utilizar um enquadramento significa, para nós, manter constantes certas variáveis que 
intervêm no processo, a saber:
— Esclarecimento dos papéis respectivos (natureza e limite dafunção que cada parte 
integrante do contrato desempenha).
— Lugares onde se realizarão as entrevistas.
— Horário e duração do processo (em termos aproximados, tendo o cuidado de não 
estabelecer uma duração nem muito curta nem muito longa).
— Honorários (caso se trate de uma consulta particular ou de uma instituição paga).
Não se pode definir o enquadramento com maior precisão porque seu conteúdo e seu modo 
de formulação dependem, em muitos aspectos, das c do paciente e dos pais.
O PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO
19
Por isso recomendamos esclarecer desde o começo os elementos imprescindíveis do 
enquadramento, deixando os restantes para o final da primeira entrevista. Perceber qual o 
enquadramento adequado para o caso e poder mantê-lo de imediato é um elemento tão 
importante quanto dif í cil de aprender na tarefa psicodiagnóstica. O que nos parece mais 
recomen dável é uma atitude permeável e aberta (tanto para com as necessidades do 
paciente como para com as próprias) para não estabelecer condições que logo se tornem 
insustentáveis (falta de limites ou limites muito rígidos, prolongamento do processo, 
delineamento confuso de sua tarefa, etc.) e que prejudiquem especialmente o paciente. A 
plasticidade aparece como
/ uma condição valiosa para o psicólogo quando este a utiliza para se situar acertadamente 
frente ao caso e manter o enquadramento apropriado. Também o é quando sabe discriminar 
entre uma necessidade real de modi ficar o enquadramento prefixado e uma ruptura de 
enquadramento por àtuação do psicólogo induzida pelo paciente ou por seus pais. A contra
-identificação, projetiva com algum deles (paciente ou pai) pode induzir a
tais erros.
A
1
CONCEITUAÇÃO DE
PSICODIAGNÓSTICO NA ATUALIDADE
Jefferson Silva Krug
Clarissa Marceli Trentini
Denise Ruschel Bandeira
avaliação psicológica clínica com fins diagnósticos é uma prática muito
comum no Brasil. Há décadas, ​muitos profissionais habituaram-se a chamar
essa atividade de “psicodiagnóstico”. No entanto, constatamos que o uso do
termo é mais comum quando, durante o seu desenvolvimento, o profissional se vale de
testes psicológicos para coletar informações sobre o consultante. Nas avaliações em
que esses testes não são empregados ou inexistem para os objetivos do exame, outros
termos se destacam, como avaliação clínica, avaliação psicológica, entrevistas
preliminares, diagnóstico psicológico, etc. (Krug, 2014). Essa constatação nos levou a
questionar o concei​to clássico de psicodiagnóstico e a examinar se a compreensão
desses profissionais quanto à associação direta do termo “psicodiagnóstico” com a
administração de testes também é compartilhada pela literatura da área.
O PSICODIAGNÓSTICO EXIGE A APLICAÇÃO DE TESTES
PSICOLÓGICOS?
Ao consultar a literatura, identificamos conver​gências conceituais. Arzeno (1995, p. 5)
diz, por exemplo, que “. . . fazer um diagnóstico psicoló​gi​co não significa
necessariamente o ​mesmo que fazer um psicodiagnóstico. Este termo implica
automaticamente a administração de testes e estes nem sempre são necessários ou con​-
venientes”. Portanto, parece claro o entendimento da autora de que toda avaliação
psicológica que não utilize testes não deva ser nomeada de “psicodiagnóstico”.
Cunha (2000, p. 23, grifo nosso), em concordância, preconiza que
“psicodiagnóstico” é um termo que designa um tipo de avaliação psicológica com
propósitos clínicos, em que “. . . há a utilização de testes e de outras estratégias, para
avaliar um sujeito de forma sistemática, científica, orientada para a resolução de
problemas”. A autora segue afirmando que:
Psicodiagnóstico é um processo científico, limitado no tempo, que utiliza
técnicas e testes psicológicos (input), em nível in​di​vidual ou não, seja para
entender proble​má​ticas à luz de pressupostos teóricos, identificar e avaliar
aspectos específicos, seja para classificar o caso e prever seu curso possível,
comunicando os resultados (output), na base dos quais são propostas
soluções, se for o caso. (Cunha, 2000, p. 26, grifo nosso).
Observamos que, em todas as definições de Cunha (2000), o uso da expressão “e”
sugere a obrigatoriedade do uso de testes para que o processo de avaliação psicológica
clínica seja chamado de “psicodiagnóstico”. Aparentemente, Castro, Campezatto e
Saraiva (2009) também entendem dessa forma, diferenciando “período de avaliação”
de “psicodiagnóstico”. Para as au​toras, durante o “período de avaliação” que precede a
psicoterapia, o psicólogo poderá reali​zar um “psicodiagnóstico” ou fazer o
encaminhamento para outro psicólogo que o realize, quando ocorrer a aplicação de
testes psicológicos: “. . . a aplicação de testes pode ser realizada pelo próprio
psicoterapeuta, se esse dominar as técnicas necessárias e se sentir confortável para tal,
ou por um colega especializado em psicodiagnóstico” (Castro et al., 2009, p. 100).
Em Ocampo e Arzeno (1979/2009), também encontramos a ideia de que o
processo psicodiagnóstico inclui, obrigatoriamente, uma etapa de aplicação de testes e
técnicas projetivas. Para explicar seu posicionamento, as autoras diferenciam a prática
avaliativa que chamam de “psi​codiagnóstico” da prática avaliativa de psicanalistas em
suas primeiras consultas, referindo que, nestas últimas, se tem a possibilidade do uso
de entrevistas livres ou totalmente ​abertas, algo não viável no psicodiagnóstico devido
à limitação do tempo.
Neste debate sobre a terminologia adotada para a atividade avaliativa clínica,
observamos que, excluindo-se a necessidade de aplicação de testes, as descrições do
processo psicodiagnósti​co contidas nos manuais citados relatam exata​mente o que é
feito pelos profissionais que di​zem não realizar psicodiagnóstico. Dito de outra forma,
o que diferencia a avaliação clínica feita por psicólogos que nomeiam sua prática de
“psi​codiagnóstico” da daqueles que não a chamam assim é, apenas, o uso de testes
psicológicos (Krug, 2014).
Parece-nos infrutífera essa distinção termi​nológica, uma vez que, para nós, o que ​-
define um psicodiagnóstico relaciona-se mais ao caráter investigativo e ao diagnóstico
do que à necessidade do uso de determinado tipo de instrumento de coleta de dados.
Diferentemente dos trabalhos citados, encontramos outros ​autores que defendem a ideia
de que o uso de testes pode não ser necessário em um psicodiagnóstico. Conforme
Trinca (1983), por exemplo, o uso ou não de testes depende do psicólogo e de seu
pensamento clínico em relação a cada paciente.
Tomemos como referência para essa reflexão as definições feitas pelo Conselho
Federal de Psicologia (CFP) para alguns termos comumente utilizados na área. A
definição de “avaliação psicológica” do CFP (2013, p. 11), por exemplo, engloba
qualquer atividade, com ou sem o uso de testes:
A avaliação psicológica é compreendida como um amplo processo de
investigação, no qual se conhece o avaliado e sua demanda, com o intuito de
programar a tomada de decisão mais apropriada do psicólogo. Mais
especialmente, a avaliação psicológi​ca refere-se à coleta e interpretação de
da​dos, obtidos por meio de um conjunto de procedimentos confiáveis,
entendidos co​mo aqueles reconhecidos pela ciência psicológica.
Quanto à diferença entre “avaliação psico​ló​gica” e “testagem psicológica”, a
Cartilha (CFP, 2013, p. 13) diz:
A avaliação psicológica é um processo amplo que envolve a integração de
informações provenientes de diversas fontes, dentre elas, testes, entrevistas,
observações e análise de documentos, enquanto a testagem psicológica pode
ser considerada um processo diferente, cuja principal fonte de informação
são os testes psicológicos de diferentes tipos.
Luiz Ferro 
Juliana Toyokawa
Realce
Na Cartilha sobre Avaliação Psicológica, editada em 2007 pelo CFP (2007), não
há referência ao termo “psicodiagnóstico”. Já na Cartilha de 2013 (CFP, 2013, p. 34),
há apenas uma menção ao termo, descrito como uma modalidade de avaliação
psicológica, sem a especifica​ção da necessidade ou não do uso de testes: “. . . no
âmbito da intervenção profissional,os processos de investigação psicológica são
denomina​dos de avaliação psicológica, descritos em ​termos de suas modalidades –
psicodiagnóstico, exame psicológico, psicotécnico ou perícia” (CFP, 2013, p. 34, grifo
nosso).
Portanto, a partir da reflexão sobre o uso do termo “psicodiagnóstico”, podemos
fazer os seguintes questionamentos: as chamadas “en​trevistas preliminares”,
“entrevistas de avaliação” ou “entrevistas iniciais”, conduzidas por psicólogos de
diferentes abordagens teóricas antes de indicar ao paciente uma análise, uma
psicoterapia ou qualquer modalidade de tratamento psicológico ou de outra área, não
poderiam ser consideradas uma prática de avaliação psicológica? A avaliação clínica
inicial feita pelo psicólogo com o objetivo de conhecer aspectos psíquicos do paciente
à luz da teoria psicanalíti​ca ou de qualquer outra teoria não se ​configura como uma
prática de avaliação psicológica? Ou o mais apropriado seria chamar essa prática
psicológica orientada pela teoria psicanalítica de “avaliação psicanalítica” e a prática
de profissionais orientados pelo comportamentalismo de “avaliação comportamental”?
Somente quando um psicanalista, um gestaltista ou um comportamentalista aplica testes
psicológicos durante o período de entrevistas preliminares diagnósticas é que
poderíamos chamar essa prática avaliativa de “psicodiagnóstico”? E, ainda, não
poderemos chamar de “psicodiagnóstico” os processos de avaliação psicológica
clínica com pacientes para os quais não dispomos de testes psicológicos aprovados
pelo CFP? Por fim, sabendo que o profissional, durante uma avaliação clínica, tem o
dever e a liberdade de optar pelas estratégias mais indicadas para realizar o
procedimento, caso deseje realizar um psicodiagnóstico, terá ele de, obrigatoriamente,
aplicar testes psicológicos?
Essa confusão conceitual é descrita pela li​teratura (Wainstein, 2011; Wainstein &
Bandeira, 2013). Nesses estudos, investigou-se o que profissionais da saúde e da
educação ​entendem e esperam de um processo psicodiagnóstico para crianças e
adolescentes, assim como de que forma encaminham seus pacientes para esse tipo de
avaliação. Os resultados indicaram que o conceito de “psicodiagnóstico” é associado
ao uso de algum instrumento psicológico, mais es​pecificamente testes que avaliam as
capacida​des cognitivas, e sugeriram que os profissionais que encaminham seus
pacientes não sabem ao certo a nomenclatura que deve ser utilizada, usando
“psicodiagnóstico”, “avaliação diagnóstica”, “psicoavaliação”, “testagem”, conforme o
tipo de interesse (aspectos cognitivos, ​aspectos sociais e outros). Essa pesquisa
apontou que todas as nomenclaturas usadas representam a avaliação psicológica
clínica, mas o termo que aparenta ser o melhor para esses casos é “psico​diagnóstico”,
que tem uma definição clara de to​do o processo. Para as autoras, não é o uso ou não de
testes, ou de determinados tipos de testes, que configura a realização de um
psicodiagnóstico, uma vez que, em alguns casos, o psicólogo abrirá mão do uso de
testes, especialmente quando não houver testes validados no mercado. Lembram que,
para a avaliação de ​crianças pré-escolares (0 a 6 anos), a observação do de​-
senvolvimento infantil, baseada em critérios, tem sido muito usada entre os
profissionais que costumam trabalhar com essa faixa etária. Por fim, concluem dizendo
que parece não haver um consenso a respeito da nomenclatura utilizada para designar o
encaminhamento de um indivíduo para avaliação psicológica.
DEFINIÇÃO DE PSICODIAGNÓSTICO
A definição encontrada nos manuais ​consultados, que associam a prática de
psicodiagnóstico à obrigatoriedade de aplicação de testes psicológicos, está em
desacordo com a compreensão de muitos profissionais da área da avaliação psico​ló​-
gica sobre o que é um psicodiagnóstico na atua​lidade. Defendemos a ideia de que a
prática realizada por psicólogos, tanto aqueles que nunca se valem de testes
psicológicos quanto aqueles que os usam ocasionalmente, independentemente de sua
teoria de base, também possa ser nomeada de “psicodiagnóstico”. Portanto, em nosso
entendimento, há a necessidade de se rever a definição do termo na atualidade, de
maneira a abranger variadas formas de realização desse procedimento investigativo
clínico, a partir de diferentes teorias psicológicas.
Compreendemos que o ​psicodiagnóstico é um procedimento científico de
investigação e intervenção clínica, limitado no tempo, que emprega técnicas e/ou testes
com o propósito de avaliar uma ou mais características psicológi​cas, visando um
diagnóstico psicológico (descritivo e/ou dinâmico), construído à luz de uma orientação
teórica que subsidia a compreensão da situa​ção avaliada, gerando uma ou mais
indicações terapêuticas e encaminhamentos.
Assim, o psicodiagnóstico pressupõe a adoção de um ponto de vista científico
sobre o fenômeno avaliado. Em psicologia, acreditamos que esse caráter científico é
adquirido por meio de métodos e técnicas de intervenção, com base em teorias
psicológicas.
O PSICODIAGNÓSTICO NECESSITA DE UMA TEORIA
PSICOLÓGICA QUE O FUNDAMENTE
Felizmente, nas últimas décadas, a área da avaliação psicológica no Brasil tem
investido ​muito no desenvolvimento de instrumentos mais con​fiáveis, construídos a
partir da nossa realidade cultural. É perceptível o aumento da ​oferta e da qualidade dos
testes em nosso país, o que proporcionou maior qualificação dos serviços prestados à
população. Sem dúvida, o estudo desses instrumentais qualificou os testes, mas não o
processo psicodiagnóstico.
Observamos, na atualidade, uma superva​lo​rização dos instrumentos psicométricos
e pro​jetivos em detrimento da escuta e da tarefa de síntese compreensiva que deve ser
realizada pe​lo psicólogo a partir de todas as informações coletadas durante a
avaliação. Em alguns casos, a teoria psicológica tem cada vez menos in​​fluência no
processo, seja por não orientar o pró​prio processo avaliativo, seja por não estar
contemplada na construção dos ​instrumentos que são utilizados de forma
indiscriminada. Veem-se verdadeiros frankensteins técnicos e teóricos quando
psicólogos adotam em seus processos avaliativos técnicas que se estruturam em
diferentes teorias (muitas vezes com concepções teóricas e epistemológicas
conflitantes). Assim, como avaliar a personalidade de um paciente utilizando, ao
mesmo tempo, instrumentos que se alicerçam na psicanálise, na psicologia positi​va, na
gestalt e na neuropsicologia? O resultado é uma total dependência do profissional ao
resultado do teste, fazendo com que ele construa a conclusão de sua avaliação
desconsiderando os aspectos específicos de cada ​disciplina teórica e montando seu
diagnóstico de forma ateórica.
Entendemos que não é possível descuidar da formação teórica do profissional que
deve escolher, administrar, interpretar e integrar os resultados desses instrumentos em
um procedimento clínico como o psicodiagnóstico, sob pena de ficarmos reféns dos
testes para a reali​za​ção de qualquer avaliação. Compreendemos que o aperfeiçoamento
dos testes, tornando-os mais válidos e fidedignos para o que se propõem examinar,
deve ser acompanhado por uma formação teórica que também possibilite um “psicólogo
válido” (Bandeira, 2015), capaz de compreender os resultados de um teste ou de uma
entrevista com base em uma teoria psicológica que fundamente o trabalho de qualquer
psicólogo.
Por esse motivo, defendemos que o ​ensino da avaliação psicológica não pode se
abster do aprofundado estudo das teorias psicológicas que fundamentam a técnica de
coleta e análise de informações adotada em processos avaliati​vos. Não compactuamos
com uma ​proposta de avaliação ateórica e não interventiva por entendermos que
qualquer leitura e intervenção sobre o comportamento humano, seja com instrumentos ​-
objetivos, como testes psicométricos, seja com técnicas me​nos diretivas, como testes
projetivos e entrevistas clínicas, está embasada em paradigmas teóricos e produz
modificação no objeto analisado. Assim, não existe a possibilidade de o psicólogotrabalhar sem uma teoria de base, uma vez que os fenômenos são observados e
analisados à luz de pressupostos teóricos, em um processo interativo.
Juliana Toyokawa
Realce
O PSICODIAGNÓSTICO É UMA INTERVENÇÃO
O afastamento, percebido na atualidade, entre a área da avaliação psicológica e as
teorias psicológicas pode ser compreendido, também, pelas reflexões de Barbieri
(2008, p. 583). Para ela,
. . . o predomínio do pensamento positivista nas Ciências Sociais e Humanas
trouxe consigo, ao longo da história, uma dissocia​ção entre pesquisa
acadêmica e prática profissional. Essa situação ocasionou um
empobrecimento na produção de conheci​mentos oriundos do trato direto com
as pessoas ou a ele destinados, promovendo um distanciamento daquilo que
deveria se constituir na meta principal do nosso tra​ba​l​ho como psicólogos.
É perigoso considerar as práticas avaliativas apenas em sua dimensão
investigativa, excluindo os aspectos interventivos e ​terapêuticos que lhes são inerentes.
Para Barbieri (2008), a separação entre as atividades de investigação e de intervenção
é resultado do olhar positivista, que busca atingir um ideal de objetividade para a
pesquisa científica. A autora entende que um psi​codiagnóstico isento de intervenções
pode trazer ao paciente muitos malefícios. As entrevistas iniciais empregadas sem
intervenção, além de não atingirem seus objetivos de formular o diagnóstico e iniciar o
tratamento, desperdiçam a chance de o paciente estabelecer conta​to com outra pessoa, o
que pode resultar em uma experiência terapêutica negativa.
Assim, entende-se que usar o termo “psicodiagnóstico” apenas para as situações
em que os testes psicológicos são utilizados com a intenção de tornar mais objetiva a
avaliação parece estar em consonância com a visão positivista. Pode-se pensar que a
rejeição, por parte de alguns profissionais que realizam avaliações clínicas, ao uso
tradicional do termo “psicodiagnóstico” para a descrição das práticas avaliativas é
uma forma de manter-se distante da perspecti​va positivista de investigação do objeto
totalmente separada do observador. Além disso, essa noção está em desacordo com as
muitas propostas contemporâneas que debatem a complexidade humana e a
intersubjetividade.
Portanto, ao considerarmos as caracterís​ticas da pesquisa qualitativa e quantitativa
pós-moderna associadas à prática avaliativa, pode-se pensar que o uso do termo
“psicodiagnóstico” deva incluir a preocupação clínica não apenas com a objetividade
diagnóstica, mas também com o processo avaliativo. Por meio de relatos, produzidos
em entrevistas e/ou com o uso de outras técnicas, o sujeito conta sua histó​ria, suas
experiências, as revive no relacionamento com o psicólogo, fazendo com que, como
afirma Barbieri (2010), possa modificar-se com o auxílio das devoluções.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O psicodiagnóstico abrange qualquer tipo de ava​liação psicológica de caráter clínico
que se apoie em uma teoria psicológica de base e que adote uma ou mais técnicas
(observação, entre​vista, testes projetivos, testes psicométricos, etc.) reconhecidas pela
ciência psicológica. Não sugerimos a adoção do termo para situações avaliati​vas em
contextos jurídicos ou organizacionais, uma vez que, nessas situações, estão presentes
outras variáveis geralmente não encontradas no contexto clínico, como a simulação e a
dissimulação conscientes. Também não com​preendemos que o psicodiagnóstico se
limite, em todos os casos, a uma avaliação de sinais e sintomas, tendo com resultado
apenas um diagnóstico nosológico, o que se aproximaria ​muito de uma avaliação
psiquiá​trica. Tampouco entendemos que uma simples aplicação de um teste, por mais
complexo que ele possa ser, deva ser entendida como psicodiagnóstico. Reservamos o
termo para descrever um procedimento complexo, interventivo, baseado na coleta de
múltiplas informações, que possibilite a elaboração de uma hipótese diagnóstica
alicerçada em uma compreensão teórica.
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ns.
Capítulo XII
Desafios no psicodiagnóstico infantil
Rosana F. Tchirichian de Moura
Silvia Ancona-Lopez
Durante os 25 anos de nossa atuação com o psicodiagnóstico interventivo, confrontamo-nos com
diversos desafios que colocaram em xeque a nossa prática, obrigando-nos a retomar conceitos, rever
técnicas e refletir sobre as contingências e características do mundo moderno, contexto no qual estão
inseridas as crianças e as famílias às quais atendemos.
Por desempenharmos nossa profissão principalmente em clínicas-escola de Psicologia que oferecem
atendimento gratuito, grande parte dos clientes tem dificuldades socioeconômicas, acarretando carências
em diversos aspectos, o que induz a atuações que escapam do campo tradicional da psicologia clínica.
Como lembra o Conselho Federal de Psicologia (2007, p. 8), frequentemente “o trabalho profissional
requer inventividade, inteligência e talento para criar, inovar, de modo a responder dinamicamente ao
movimento da realidade”.
Embora considerando as questões sociais e as condições do mundo atual, não é nosso objetivo
fazer uma análise sócio-histórica do nosso tempo, mas levantar questões e organizar alguns elementos
que contribuam para uma reflexão prática sobre o psicodiagnóstico, levando em conta o contexto no
qual ele se dá. São questões que passam pelas demandas da nossa época, pelas novas formas de
linguagem e comunicação, pelas novas configurações familiares e por aspectos especificamente ligados à
realidade brasileira, como nossas características socioeconômicas, a crise de valores políticos e morais, a
situação da educação e a cruel realidade da violência com asquais nossas crianças convivem, seja no
âmbito familiar, seja no âmbito social.
Frequentemente, nas clínicas-escola de psicologia as crianças comparecem para atendimento
psicológico trazendo como queixa dificuldades na escolarização. Na sua maioria, são encaminhadas por
escolas públicas, que esperam obter dos psicólogos clínicos explicações acerca dos motivos que as
impedem de se desenvolver pedagogicamente. Atendendo a essa demanda, comumente o profissional,
restringindo-se à singularidade da criança, realiza o psicodiagnóstico privilegiando os aspectos da
personalidade, “que resultam em uma predisposição para a formação desse sintoma” (Bossa, 2002, p. 13),
desconsideram, assim, os aspectos institucionais que contribuem para o chamado fracasso escolar.
Embora haja exceções e esforços governamentais e de alguns educadores no Brasil, é fato que a escola
tem se tornado
cada vez mais o palco de fracassos e de formação precária, impedindo os jovens de se apossarem da
herança cultural, dos conhecimentos acumulados pela humanidade e, consequentemente, de
compreenderem melhor o mundo que os rodeia. A escola, que deveria formar jovens capazes de
analisar criticamente a realidade, a fim de perceber como agir no sentido de transformá-la e, ao
mesmo tempo, preservar as conquistas sociais, contribui para perpetuar injustiças sociais que
sempre fizeram parte da história do povo brasileiro (Bossa, 2002, p. 19).
Embora a situação descrita seja a mais comum, é preciso lembrar que estão sendo feitos esforços
governamentais e de alguns educadores visando mudar essa condição.
Rafael, 8 anos de idade, faz parte desse contingente injustiçado. Como inúmeras crianças, foi
encaminhado pela escola para atendimento psicológico porque apresentava dificuldade de aprendizagem
e não estava alfabetizado. A mãe, muito preocupada, temia que seu filho fosse portador de deficiência
mental. Durante o processo de psicodiagnóstico interventivo, a mãe relatou que, em um mesmo
semestre, o filho enfrentou quatro mudanças de professoras de alfabetização. Essa criança confrontou-
se, como denuncia Souza (2007, p. 6), com:
[…] uma escola pública cuja má-fé institucional permite incutir, nos próprios pobres, vítimas de
abandono secular, que seu fracasso escolar é culpa da própria vítima. A criança pobre, sem
estímulos em casa para apreender, passa a se ver como burra, incompetente e preguiçosa,
cumprindo a promessa que a sociedade lhe legou […]
Concordamos com Bossa (2002), quando afirma ser comum que as escolas e os psicólogos
compreendam o fracasso escolar de uma criança considerando os aspectos intrassubjetivos e relacionais,
as primeiras possivelmente por uma dificuldade de se confrontar com suas próprias deficiências e os
segundos apoiados na tradição da sua formação profissional que tende a privilegiar o indivíduo. Uma
visão ampliada da clínica psicológica permitiria levar em conta esses dois aspectos, de tal forma que a
compreensão da dificuldade de aprendizagem se construísse a partir da avaliação do contexto escolar no
qual a criança está inserida. Assim, no caso de Rafael, antes de pensarmos em uma possível deficiência
cognitiva, deveríamos atentar para a deficiência da instituição escolar, que, além de não oferecer a
estabilidade necessária para o bom desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, culpabilizou
a criança pelo seu insucesso.
No Psicodiagnóstico Interventivo, cientes da limitação do fazer clínico, procuramos engajar a
família e a escola num processo que visa não apenas à compreensão das dificuldades da criança, mas
também encontrar formas de auxiliá-la no seu desenvolvimento. Nesse sentido, a visita escolar, que é um
procedimento nesse processo e tema deste livro (ver capítulo VII), tem uma importância significativa,
principalmente por possibilitar uma reflexão conjunta com as equipes das escolas sobre o seu papel na
dificuldade dos alunos. Associado a isso, discriminar para os pais quais são as dificuldades de seus filhos
e o que é responsabilidade das instituições escolares pode levá-los a se colocar mais criticamente em
relação ao problema e se posicionarem como cidadãos ativos que podem fazer suas reivindicações junto
às escolas. A participação no psicodiagnóstico interventivo pode propiciar aos pais uma mudança de
atitude em relação aos seus filhos, reconhecendo e favorecendo seus aspectos positivos e ajudando-os a
encontrar a melhor maneira de auxiliar a criança a superar os aspectos negativos.
Entendemos que ainda temos como desafio no psicodiagnóstico interventivo ampliar nosso olhar,
de modo a ir além da criança como foco da investigação e integrar outros aspectos, como os efeitos do
mundo moderno sobre ela e sua família.
Como é o caso do acesso aos computadores, um avanço tecnológico que já faz parte da vida escolar
de muitas crianças da rede pública, e se de um lado propicia a inclusão em um mundo globalizado de
informações, de outro não garante aquilo que lhes seria de direito, ou seja, aprender. Um número
expressivo de crianças que chegam às clínicas de psicologia está prestes a finalizar o primeiro grau
praticamente sem alfabetização. Para essas crianças, qual sentido terá o uso dos computadores e a
navegação na internet? O uso dos aparelhos eletrônicos, nesses casos, não é uma forma de adquirir ou
armazenar conhecimentos, mas uma ferramenta de consumo que cria para elas a ilusão de fazerem parte
da modernidade e do mundo virtual, o que, de algum modo, compensaria o sentimento de exclusão no
contexto escolar.
Uma visão sociológica nos parece oportuna para caracterizar o mundo atual. De acordo com
Baumann (1998, p. 32):
O sentimento dominante, agora, é a sensação de um novo tipo de incerteza, não limitada à própria
sorte e aos dons de uma pessoa, mas igualmente a respeito da futura configuração do mundo, a
maneira correta de viver nele e os critérios pelos quais julgar os acertos e erros de viver. O que
também é novo em torno da interpretação pós-moderna da incerteza (em si mesma, não exatamente
uma recém-chegada num mundo de passado moderno) é que ela já não é vista como um mero
inconveniente temporário, que com o esforço devido possa ser abandonado ou inteiramente
transposto. O mundo pós-moderno está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza
que é permanente e irredutível.
Esse mesmo autor aponta que a época em que vivemos tem por característica privilegiar o
consumo, o imediatismo e o individualismo competitivo. Como consequência, também os laços afetivos
(familiares, amorosos, de amizade etc.) adquirem os atributos de volatilidade e superficialidade,
assumindo um caráter que Bauman (2004) chama de “amor líquido”. São relações facilmente
substituíveis que se pautam pelo compromisso provisório e, frequentemente, são de curta duração.
Na verdade, são vários os fatores que têm contribuído para novos formatos das famílias, o que tem
redesenhado a constituição dos laços afetivos que tem no âmbito familiar a principal matriz das
formações vinculares.
Na nossa prática clínica, esse quadro se reflete em algumas das configurações familiares das crianças
que vêm para o psicodiagnóstico. Grande parte é de famílias monoparentais femininas (mães solteiras ou
abandonadas por seus parceiros); crianças que têm irmãos de pais diferentes; avós que criam seus netos;
casais que trazem filhos de relacionamentos anteriores e que geram outros filhos. Enfim, são novos
modos de organização familiar, como se observa a seguir.
Marcelo, um menino muito inteligente, de 9 anos, alegre e conversador, começa a relatar como é a
composição de sua família:
Eu tenho muitos irmãos. Tenho um de 22 anos que trabalha em uma oficina, com o irmão dele de
18. Quer dizer, meu irmão de 18 anos, é que eles têm outra mãe. Não é a minha… mas eu tenho um
irmão de 12 que é da minha mãe, e não é do meu pai… é assim… às vezes eu me confundo, sabe?
Porque eu tenho uma irmã que… é fácil… é assim… vou começar de novo… (sic)
Paulo, de 11 anos, é criado pelos avós desde bebê. Sua mãe engravidou solteira e não assumiua
criança, assim como o pai, que já tinha um filho. Sua mãe teve mais dois relacionamentos, e de cada um
deles teve mais dois filhos, sendo que um vive com ela e o outro com o pai, em outro estado. A avó
procura ajuda psicológica para o neto, preocupada com os efeitos que essa experiência de vida possa
trazer ao garoto. Ela e a mãe participam do psicodiagnóstico interventivo do menino, que, de modo
confuso, se refere a ambas como mãe.
A história de Paulo não é única. Segundo Dias, Hora e Aguiar (2003), na última década, aumentou a
quantidade de netos e bisnetos criados por avós e bisavós. O número foi de um milhão e setecentos mil,
o que significa 55,1% mais do que foi apurado em 1991, correspondente a um milhão e cem mil. Muitos
destes casos chegam às clínicas de psicologia, pois, como Silva e Salomão (2003, p. 192) constatam, com
frequência há conflitos de papéis entre ser mãe e avó, no caso das avós guardiãs, conflitos estes que, sem
dúvida, se refletirão nas crianças a seus cuidados. Dias, Hora e Aguiar (idem) corroboram esta ideia ao
afirmar que foram identificadas vantagens, dificuldades e necessidades nos lares em que os avós
desempenham o papel de pais para seus netos na ausência (permanente ou de longo prazo) dos
genitores. Já no que se refere à situação de corresidência, ainda pouco se sabe sobre as repercussões que
tal condição acarreta na vida e nas relações estabelecidas entre avós, pais e netos.
Uma nova configuração familiar que está se consolidando, inclusive com o amparo legal, é a das
famílias homoparentais. Em alguns anos não se ouvirão mais depoimentos como o de Joaquim (12 anos)
durante uma sessão de psicodiagnóstico:
Eu gosto muito da Cleuza. Se minha mãe se separar dela eu prefiro morar com ela. Minha mãe é
legal, mas a Cleuza me leva no futebol, gosta de assistir luta livre, conta piada… é bom. Só que tem
uma coisa… eu não convido ninguém para ir na minha casa. Não convido meus amigos. Minha mãe
fala: vamos fazer uma festa de aniversário? Eu não quero, não gosto. Eu acho a Cleuza legal, mas…
é que… é que… acho esquisito minha mãe ser casada com uma mulher. Meus amigos vão zoar…
(sic)
A esse respeito, Passos (2005, p. 6) comenta:
[…] as condições por meio das quais os homossexuais constroem seus laços afetivos, no Brasil,
estão longe de obter uma legitimidade social e jurídica e, enquanto esse quadro não se reverte,
teremos famílias e pais envergonhados. Resta explorarmos os sentimentos desta vergonha nas
produções de subjetividade que decorrem daí.
Os progressos nessa área vêm se desenvolvendo rapidamente do ponto de vista jurídico, como a
legalização do casamento entre homossexuais, mas, do ponto de vista pessoal, a aceitação se dá mais
lentamente, mantendo ainda a situação descrita pela autora. Cabe ao psicólogo questionar de que forma
essas metamorfoses nas famílias repercutem na constituição das crianças, e o psicodiagnóstico inter-
ventivo é um momento privilegiado para esse questionamento por ter como objetivo conhecer os
sentidos e os significados que as crianças e seus pais dão às suas vidas e a seus mundos.
Ainda para a mesma autora, as novas formatações familiares, de famílias homoparentais ou não,
colocam em xeque os apoios teóricos dos psicólogos.
Cabe-nos também o enfrentamento rigoroso das teorias, que são insuficientes para dar conta das
profundas transformações processadas nas famílias, sobretudo em seus enredamentos afetivos
(ibidem, p. 5).
Marcelo, Paulo e Joaquim são crianças que vivem a necessidade de se adaptar a configurações
familiares não tradicionais. Assim, também o psicólogo, diante de situações novas e inusitadas para ele,
sente-se desamparado sem um balizamento para suas intervenções. Naturalmente escudado pelas teorias
psicológicas que conhece, procura, durante o processo diagnóstico, situar-se no mundo do cliente,
qualquer que seja ele, para compreendê-lo. Entretanto, na contemporaneidade, é preciso despir-se das
amarras teóricas com o objetivo de acolher o cliente e sua família, sem cair na armadilha de considerar
que a criança ficará, obrigatoriamente, prejudicada no seu desenvolvimento psicológico. Como lembra
Passos (2005, p. 14): “[…] é necessária a criação de abordagens que apontem para as distintas facetas da
grupalidade familiar e que permitam a compreensão de diferentes formas de ser família hoje”. O que
fazer enquanto essas abordagens não surgem? A inventividade, o bom-senso e, principalmente, a
reflexão poderão auxiliar o psicólogo na sua atuação, sempre tendo em mente que, enquanto
profissional, deve acompanhar essas transformações e os estudos que sobre elas são realizados.
É possível observar, no entanto, que apesar das questões teóricas que o psicólogo venha a enfrentar,
o psicodiagnóstico interventivo, ao oferecer a oportunidade de uma reflexão conjunta, permite enfrentar
as lacunas teóricas através de uma compreensão co-constituída que se pauta pelo mundo vivido do
cliente. Além disso, quando o atendimento a pais e crianças acontece em grupo (modelo usualmente
utilizado em clínicas-escola e outras instituições), o psicodiagnóstico interventivo se enriquece ao
facilitar a identificação e a troca entre os componentes do grupo, auxiliando na compreensão da própria
família, contribuindo, em muitos casos, para diminuir a sensação de isolamento e eliminando a
impressão de que seu caso é diferente, único e que talvez não tenha solução.
Não poderíamos deixar de incluir nessa discussão nossas inquietações frente à cruel realidade de
crianças que, em circunstâncias mais adversas, são obrigadas a conviver diretamente com a violência
social e familiar.
A violência doméstica, incluindo o abuso sexual e psicológico, não é fato dos tempos atuais, haja
vista ser tema que faz parte dos estudo no campo da Psicologia (Azevedo e Guerra, 2000),
ocupando sempre, dada a sua complexidade, lugar importante nas discussões a respeito do trabalho
clínico com crianças (Azambuja, 2005; Gay e Costa Júnior, 2005) e impondo dilemas éticos que
exigiriam um capítulo especial.
O CFP (2010, p. 38) lembra que
a violência sexual é um problema complexo e delicado. Suas múltiplas causas, interfaces e,
principalmente, o sofrimento psíquico de todas as pessoas envolvidas, exigem extremo cuidado dos
profissionais responsáveis pelo atendimento e de todos os integrantes da rede de proteção.
A ocorrência de situações de violência contra crianças e adolescentes não é fenômeno exclusivo da
atualidade, como também não pode ser analisada de forma descontextualizada da cultura e das
condições impostas pela vulnerabilidade social.
Como vemos com frequência em nossa rotina de trabalho, o abuso sexual, em muitos casos, é um
episódio intrafamiliar marcado pela existência de vinculação afetiva entre seus integrantes, dependência
econômica entre os cuidadores, negligências, conivências e vulnerabilidades. O manejo desse assunto no
psicodiagnóstico é bastante difícil, porque nem sempre essa questão é trazida prontamente pelos pais ou
responsáveis ou pela própria criança. Temos como compromisso profissional zelar pelo bem-estar da
criança ou adolescente, mas com o cuidado de não cometer imprudências, considerando tratar-se de um
tema que deve ser “contextualizado e tratado conforme as vicissitudes de cada caso e jamais analisado
isoladamente” (CFP, 2007).
Julgamos, ainda, oportuno abordar neste espaço de reflexão outra forma de violência, a violência
social que, apesar de todos os avanços que vivemos, tem tomado forma e dimensão assustadoras.
Segundo Campos (2004, p. 157), a competitividade e desigualdade têm provocado consequências sociais
perversas que se traduzem “[…] pelo aumento de: violência; uso de drogas; conflitos e rupturas
familiares; alienação social e política; xenofobia; conflitos étnicos e religiosos; doenças psicossomáticas”.
A convivência com episódios violentos vem, dia a dia, se incorporando à realidade brasileira,
especialmente no cotidiano de crianças e famílias que vivem em regiões com alto índice de
criminalidade.
Na sala de espera deum Centro de Psicologia Aplicada, Luiza, com cerca de 10 anos, está
desenhando enquanto aguarda sua mãe. Uma psicóloga se aproxima e vê o desenho de uma casa
com uma criança ao lado e no alto um grande coração onde está escrito PAZ. Ao perguntar o que
ela queria dizer com aquele desenho, a menina responde que o lugar onde mora é muito violento e
que ela queria que houvesse paz.
Ana, 5 anos de idade, estava com seu pai quando ele foi assassinado a tiros por um assaltante. Os
irmãos de 9 e 7 anos de idade, Otávio e Márcia, presenciaram o pai matar sua mãe a facadas. Pedro,
de 11 anos, assistiu a seu irmão mais velho, usuário de drogas, ser espancado por traficantes…
Esses são apenas alguns dos casos atendidos no psicodiagnóstico.
Do ponto de vista prático, o que fazer diante dos problemas que aqui apresentamos? A proposta do
psicodiagnóstico interventivo é de que o psicólogo não atue apenas como um examinador ou avaliador,
mantendo a neutralidade, mas que, durante esse processo, ataque frontalmente esses temas,
considerando-os não apenas fontes de desestabilização emocional das crianças, compreendidas através
do seu psiquismo, mas também questões sociais que devem ser discutidas com os pais e, eventualmente,
também com as crianças (como nos casos de abuso e violência, ajudando-as a encontrar formas de se
defender).
Acreditamos que faz parte do papel do psicólogo sugerir, apoiar e incentivar os pais ou
responsáveis a atitudes ativas, como a de organizar grupos nas comunidades para enfrentar o problema
das drogas de seus filhos, procurar formas de reagir ao banditismo, exigir uma melhor atuação das
escolas ou um atendimento adequado no que se refere à saúde. Enfim, auxiliá-los a conhecer, reconhecer
e batalhar por seus direitos como cidadãos.
Como profissionais da psicologia, cabe-nos, ainda, desenvolver pesquisas sobre esses temas que nos
desafiam e criar grupos de discussão e estudos sobre eles.
Finalmente, embora alguns dos dilemas discutidos neste capítulo pareçam sem solução e em muitos
momentos, como profissionais, sejamos tomados por um sentimento de impotência que quase nos leva a
um estado de paralisação, podemos dizer que ainda há um espaço para nossa atuação, que é o espaço da
crítica, da reflexão, criação e, especialmente, do acolhimento e do respeito. Se as teorias psicológicas
parecem ter chegado aos seus limites, possivelmente não encontraremos uma saída para essas questões
pelo “saber” único da psicologia, mas pela interlocução com outros saberes, pela ética pessoal, pelo
respeito ao outro e suas diferenças. Como “profissionais do encontro” (Figueiredo, 1993),
lidar com o outro (indivíduo, grupo ou instituição) na sua alteridade faz parte da nossa atividade
cotidiana. Mesmo que cheguemos a este encontro com a relativa e muito precária segurança de
nossas teorias e técnicas, o que sempre importa é a nossa disponibilidade para a alteridade nas suas
dimensões de algo desconhecido, desafiante e diferente; algo que no outro nos obriga a um trabalho
afetivo e intelectual; algo que no outro nos propulsiona e nos alcança; algo que no outro se impõe a
nós e nos contesta, fazendo-nos efetivamente outros que nós mesmos.
No que se refere ao psicodiagnóstico interventivo, cabe-nos tentar, conforme dissemos,
compreender e respeitar o mundo do cliente, o que implica contemplar as questões políticas, sociais e
econômicas que estão imbricadas na sua vida e que se não consideradas nos tornarão incapazes de
atingir nosso objetivo. Isso significa que o psicólogo não deve ater-se apenas ao espaço clínico, mas
conhecer o ambiente escolar da criança, suas condições de moradia e seu meio social. Contudo, entrar
nesse mundo implica o confronto com as nossas inquietações e limitações, pois frequentemente nos
perguntamos o que é possível fazer.
Após todos estes anos de prática, entendemos que o enfrentamento dos desafios aqui apresentados
é o caminho que nos levará a manter o psicodiagnóstico interventivo como um procedimento útil para a
compreensão dos que vêm em busca de auxílio psicológico e para a criação de um espaço diferenciado
que permita àqueles que estão envolvidos no processo compartilhar seu sofrimento e encontrar um
novo modo de lidar com sua realidade. Desse modo, por ser uma prática compartilhada e uma
construção conjunta, a resposta para a pergunta feita anteriormente só poderá ser encontrada junto com
os clientes.
O ser humano é o ser do desamparo, da falta e a Psicologia, de alguma forma, pode atender a essa
necessidade, não com a ilusão de preencher esse vazio, mas
comprometendo-se a uma constante atualização de seus conhecimentos, sendo para isso necessário
estar atento à realidade que se apresenta e na qual os clientes estão inseridos (Gelernter et al., 2012,
p. 19).
Acreditamos que o psicodiagnóstico interventivo, pelas suas características de valorização do
sujeito como indivíduo e cidadão, vem ao encontro do CFP (2007, p. 20) quando propõe que:
Atuar na valorização da experiência subjetiva do sujeito contribui para fazê-lo reconhecer sua
identidade. Operar no campo simbólico da expressividade e da interpretação com vistas ao
fortalecimento pessoal pode propiciar o desenvolvimento das condições subjetivas de inserção
social. Assim, a oferta de apoio psicológico de forma a interferir no movimento dos sujeitos e no
desenvolvimento de sua capacidade de intervenção e transformação do meio social é uma
possibilidade importante.
Em artigo intitulado Pós-evolucionismo, publicado no caderno Aliás de O Estado de S. Paulo (10 fev.
2013), Paul Kendall refere-se a um robô chamado “Rex — sigla de robotic exoskeleton, que foi montado
pela companhia de robótica Shadow usando membros e órgão artificiais”. Esse robô, exibido no Museu
da Ciência de Londres, mostra que já é possível reconstruir de 60% a 70% do corpo humano e
“prenuncia um futuro no qual órgãos artificiais serão melhores do que aqueles com os quais nascemos”
(OESP, caderno Aliás, p. 2). O artigo termina com a afirmação de um psicólogo suíço, Bertold Meyer, de
que “estamos indo além das fronteiras da evolução”, e de que daqui há alguns anos ter um corpo
natural, normal “será considerado maçante” (ibidem).
Esse será o novo mundo dos psicólogos que se formarão dentro de alguns anos, os quais, como
permite antecipar o exemplo acima, encontrarão desafios ainda inimagináveis para lidar com a
humanidade.
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http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2003000100015
Capítulo II
Psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-
existencial
Marizilda Fleury Donatelli
Este capítulo tem por objetivo apresentar o psicodiagnóstico interventivo, destacando seus
pressupostos. Essa prática postulou diferenças significativas, tanto no que se refere à postura do
psicólogo quanto à postura do cliente. Acrescentou-se ao processo, que se caracterizava somente pela
investigação, um caráter interventivo. Descrevo a seguir os principais aspectos deste modelo de
atendimento psicológico.
1. Psicodiagnóstico como processo de intervenção
Durante muito tempo, o psicodiagnóstico foi entendido como um processo que se desenvolvia a
partir de um levantamento de dados do cliente (queixa, história de vida pregressa e atual, funcionamento
psíquico etc.), cabendo ao psicólogo analisar esses dados com base na nosologia psicopatológica e dar o
encaminhamento possível para o caso. Evitavam-se, nesse processo, estabelecer vínculo com o paciente e
fazer intervenção, sendo esses procedimentos delegados aos processos psicoterápicos.
Ocampo e Arzeno (1981, p. 13) comentam:
O psicólogo tradicionalmente sentia sua tarefa como o cumprimento de uma solicitação com as
características de uma demanda a ser satisfeita, seguindo os passos e utilizando instrumentos
indicados por outros (psiquiatra, psicanalista, pediatra, neurologista etc.). O objetivo fundamental
de seu contato com o paciente era, então, a investigação do que este faz frente aos estímulos
apresentados.
Fischer, nos Estados Unidos, nos anos 1970, e M. Ancona-Lopez, no Brasil, na década de 1980,
foram as precursoras na introdução do psicodiagnóstico interventivo, o qual, como indica o próprio
nome, rompe com o modelo anterior, fazendo do atendimento um processo ativo e cooperativo. Não se
trata apenas de um processo investigativo; ao contrário, o que fundamentalmente o caracteriza é a
possibili-dade de intervenção. No psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial, as questões
trazidas pelos clientes são ao mesmo tempo investigadas e trabalhadas, a fim de que se possam construir,
em conjunto, possíveis modos de compreendê-las.
As intervenções no Psicodiagnóstico Interventivo se caracterizam por propostas devolutivas ao
longo do processo, acerca do mundo interno do cliente. São assinalamentos, pontuações, clarificações,
que permitem ao cliente buscar novos significados para suas experiências, apropriar-se de algo sobre si
mesmo e ressignificar suas experiências anteriores.
A esse respeito, Santiago (1995, p. 17) informa que os profissionais
[…] reconhecem a necessidade de fazer certos apontamentos ao paciente durante o processo
Psicodiagnóstico por considerarem que o trabalho alcança uma dimensão mais ampla e
compreensiva. Também argumentam a favor de devoluções parciais e de realizar um trabalho em
conjunto com o paciente.
No caso do psicodiagnóstico infantil, esse processo pressupõe a implicação da família na
problemática, atribuída à criança, na queixa. Parte da ideia de que, se a criança apresenta um
comportamento que atinge os pais, mobilizando-os a procurar por um psicólogo, a família está, de
algum modo, envolvida no problema. Além disso, como diz Yehia (1995, p. 118):
[…] mesmo sendo a criança a precisar de atendimento psicológico, são os pais que arcam com
muitos dos custos do atendimento infantil; o tempo para levar e buscar a criança, o pagamento das
sessões (quando estas são gratuitas, o pagamento das conduções) e os possíveis efeitos
transformadores do atendimento infantil na dinâmica da família.
Esse modo de compreender o psicodiagnóstico decorre, como já mencionado, da concepção de
homem e de mundo postulada pela fenomenologia existencial, isto é, considera o ser humano como um
ser sempre em relação, cuja subjetividade se constitui pelas relações que o indivíduo estabelece no
decorrer de sua existência. Dessa forma, os pais ou responsáveis também são clientes e têm participação
ativa no referido processo.
2. Psicodiagnóstico como prática colaborativa
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O psicodiagnóstico é visto como uma prática conjuntamente realizada pelo psicólogo, pelos pais e
pela criança. Os pais e a criança têm uma participação ativa nesse tipo de diagnóstico; atribui-se grande
valor às informações trazidas pelos pais, à forma de compreensão do problema do filho, às explicações
prévias, às fantasias e expectativas construídas antes e no momento da procura do psicólogo. Nessa
medida, não há uma relação verticalizada, pois o psicólogo não se põe no lugar de quem “detém o
saber”; ao contrário, dialoga com os clientes no sentido de construírem, juntos, possíveis modos de
compreensão acerca do que está acontecendo com a criança.
3. Psicodiagnóstico como prática compartilhada
Em tal modalidade de atendimento, o psicólogo compartilha com os clientes suas impressões,
permitindo que estes as legitimem ou ainda as transformem. Entende-se que é no compartilhar de
experiências e percepções que pode emergir uma nova compreensão, um novo sentido, que possibilite
diminuir ou eliminar o sofrimento psíquico da criança e da família.
Essa é uma posição derivada da Psicologia Fenomenológica, na medida em que entende o indivíduo,
em seu “estar no mundo”, como uma pessoa consciente, capaz de fazer escolhas e de responsabilizar-se
por elas, diante de quem se abre um leque de possibilidades. As intervenções do psicólogo, obtidas por
meio de suas percepções, se oferecem como possibilidades para ampliar o campo de consciência da
pessoa, permitindo novas experimentações.
Para S. Ancona-Lopez (1991, p. 87), o processo de psicodiagnóstico interventivo, quando efetuado
numa abordagem fenomenológico-existencial, “é uma prática colaborativa, contextual e
intervencionista”.
Yehia (1995, p. 120) complementa: “A situação do psicodiagnóstico torna-se então uma situação de
cooperação, em que a capacidade de ambas as partes observarem, apreenderem, compreenderem
constitui a base indispensável para o trabalho.
4. Psicodiagnóstico como prática de compreensão das vivências
O registro das experiências que as pessoas vão tendo ao longo da vida e às quais atribuem sentido
constitui seu campo fenomenal.
No psicodiagóstico interventivo fenomenológico-existencial, o psicólogo busca compreender esse
campo fenomenal e evita que as explicações teóricas se anteponham ao sentido dado pelo cliente.
M. Ancona-Lopez (1995) comenta que, quando do desenvolvimento do processo de
psicodiagnóstico interventivo, ocorreu na equipe que o desenvolvia uma mudança no modo de
compreender a relação entre teoria e prática. A prática, embora planejada a partir de indicações teóricas,
ultrapassa a teoria de referência, expondo o psicólogo a experiências que não são abarcadas pelos
conceitos teóricos. Desse modo, torna-se local privilegiado para apontar lacunas do conhecimento
teórico e produzir questionamentos. Segundo Ancona-Lopez, M. (1995, p. 93),
NoPsicodiagnóstico essa posição trouxe como consequência a valorização do conhecimento
pessoal do cliente e de seus pais, assim como a necessidade de se trabalhar desde o início de modo
conjunto e participativo, evitando guiar-se perante o caso apenas a partir de referências teóricas.
A fim de que possa compreender o campo fenomenal, o psicólogo deve, com os clientes,
desconstruir a situação apresentada e buscar seu significado principal. Ancona-Lopez (1995, p. 94)
discorre:
A queixa deixou de ser vista de modo isolado para tornar-se via de acesso ao mundo do sujeito, a
seus objetos intencionais, e aos conflitos nele instalados, considerando-se o esclarecimento dos
significados ali presentes como processo necessário para uma possível re-significação e consequente
modificação do modo de estar consigo e com o outro.
A identificação da experiência do outro, bem como seu significado, é uma tarefa que exige, de
alguma maneira, que o psicólogo se reconheça nesse outro. Portanto, é preciso que haja um
envolvimento existencial; é preciso mergulhar no mundo do cliente, compartilhar seus códigos, deixar-se
enredar por sua trama de sentidos e, ao mesmo tempo, conseguir uma distância suficiente que permita
refletir sobre a situação.
M. Ancona-Lopez (1995, p. 94), referindo-se a esse aspecto, observa que ele se apoia no conceito de
intersubjetividade, o qual afirma a possibilidade de “reconhecer o outro como um outro eu, que,
possuindo um corpo inserido em um mundo, portador de comportamentos e construtor de significados,
constitui a si e ao mundo”.
5. O psicodiagnóstico interventivo como prática descritiva
O Psicodiagnóstico, conforme concebido tradicionalmente, busca obter um diagnóstico do
indivíduo, classificando-o quanto às patologias, a partir das definições das características de
personalidade e fatores específicos, como nível mental e outros.
O psicodiagnóstico interventivo evita classificações. Não pretende montar um quadro estático
sobre o sujeito. É um modelo descritivo na medida em que faz um recorte na vida da pessoa, em dado
momento e em determinado espaço, focalizando seu modo de estar no mundo, com os significados nele
implícitos.
6. O psicodiagnóstico interventivo e o papel do psicólogo e dos clientes
Convém reiterar que os clientes, nesse atendimento, têm um papel ativo, participam da construção
de uma compreensão sobre o que acontece com eles. O psicólogo solicita e valoriza a sua colaboração
na intenção de que o esforço conjunto possa produzir novo entendimento para as questões por eles
trazidas.
Desse modo, tanto as experiências do cliente quanto as impressões do psicólogo sobre elas são
compartilhadas, caindo por terra a ideia de que existem aspectos que não devem ser mencionados pelo
psicólogo ao cliente: o importante é como dizer, e não o que dizer.
Nesse sentido, diz M. Ancona-Lopez (1995, p. 98):
Pais e psicólogo engajam-se no processo de criação de sentido e, diminuída a assimetria na relação,
o conhecimento profissional perde seu caráter de verdade, mostrando-se como uma forma possível
de significação.
DESCRIÇÃO DO ATENDIMENTO EM PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO
NA ABORDAGEM FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
Essa modalidade de atendimento pode ser realizada individualmente, ou com mais frequência, nas
instituições. As etapas do processo são as mesmas, em ambos os casos. Nesta descrição, apresento minha
forma de trabalhar, individualmente, em psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial.
1. Entrevista inicial
Para a entrevista inicial convoco somente os pais. Inicio com os cumprimentos e apresentações
habituais e deixo-os falar sobre como vieram até mim, por que e o que esperam. Em seguida, converso
sobre minha forma de trabalhar, ou seja, compartilho com eles o fato de o psicodiagnóstico ser um
processo cujo objetivo é compreender aquilo que ocorre com a criança e com eles, pais, na relação com
o filho, dos motivos que levam a criança a apresentar determinados comportamentos, bem como o que é
possível fazer para ajudá-la. Explico que parto da ideia de que se a criança tem uma dificuldade, os pais
estão implicados nela, e que, por essa razão, a participação deles no processo é fundamental. Enfatizo
que não se trata de um diagnóstico feito somente por mim, mas que buscaremos juntos compreender o
que se passa, que eles são parte ativa do atendimento, e que tanto as informações por eles fornecidas
como seu modo de entender a criança são essenciais para a efetivação do processo. Explico ainda as
visitas domiciliar e escolar que fazem parte do atendimento e que serão realizadas durante seu curso.
Combino dia, horário, falo a respeito do sigilo. Certifico-me de que os pais compreenderam minha fala e
pergunto-lhes se concordam com o que apresentei. Procuro, por meio de seu discurso, entender as
expectativas em relação ao processo. Busco entender os aspectos manifestos e latentes da demanda.
Deixo que eles falem sem interrupções. As eventuais dúvidas ou perguntas que tenha a fazer deixo para
depois que os pais derem sinal de que concluíram o que tinham para comunicar. Procuro observar os
temores, as fantasias, as angústias que eles demonstram ao se referir à criança, a si mesmos e à vida de
modo geral. Começo a notar quais são as explicações que constroem para dar conta de sua queixa, dos
sintomas apresentados pela criança. A esse respeito, M. Ancona-Lopez (1995, p. 98) relata:
O valor atribuído à escolha, responsabilidade e autonomia do cliente para imprimir direções à sua
existência leva os psicólogos a privilegiar na relação clínica a participação dos pais, a valorização do
esforço pessoal e a abrir espaço para as crenças e construções explicativas que criaram para dar
conta das angústias levantadas pelos conflitos gerados pelos papéis, funções e jogos familiares.
No caso de comparecer o casal, tento compreender se ambos têm as mesmas demandas e se
atribuem a elas os mesmos significados. Desse modo, vou sendo transportada para outro universo que
não é o meu, mas no qual, de algum modo, também me reconheço. Assim Yehia (1995, p. 120) diz:
Compreender é participar de um significado comum, do projeto do cliente, de sua abertura e
limitações para o mundo. É importante identificar os acontecimentos e a forma como se
desenvolveram em relação a seu contexto, gerando a pergunta, precipitando a crise e levando ao
pedido de atendimento.
Após essa primeira imersão na teia de significados construídos pelos clientes, procuro fazer
eventuais intervenções de esclarecimento e pontuações, de tal forma que possa compartilhar com eles
minhas impressões e eles possam ou não legitimá-las. É nessa interação entre o que eles me falam e o
que eu apreendo do que me dizem que vamos estabelecendo um modo de trabalho que permite emergir
de nós possibilidades de compreensão.
Geralmente, verifico se a sessão atendeu ao objetivo, que é a contextualização da queixa e o
esclarecimento da forma de trabalho e, caso ainda existam dúvidas, conversamos sobre o
prosseguimento da entrevista no próximo encontro, no qual pretendo também aclarar determinados
pontos. Informo aos pais que o atendimento posterior será destinado a conhecer a história de vida da
criança e que, provavelmente, dedicaremos a esse tema um ou dois encontros.
2. História de vida da criança
O segundo encontro destina-se à anamnese, que pode ser feita de duas formas. Segundo M.
Ancona-Lopez (1995), é possível entregar o questionário de anamnese aos pais, que o levam para casa e
lá o respondem. Quando retornam ao atendimento, conversam com o profissional sobre suas respostas e
sobre como responderam ao questionário: se apenas o pai ou a mãe o fez ou se a família se reuniu em
torno dos temas, revivendo sua história, se consultaram outros membros da família em relação às
informações etc. Outra forma de encaminhamento da questão é entrevistar os pais ou responsáveis
durante o atendimento. Essa é a maneira que prefiro utilizar em meu trabalho, pois me permite ver,
sentir as emoções que os pais refletem a cada pergunta ou cada etapada vida do filho. Isso me dá
condições de observar tanto o comportamento verbal como o não verbal enquanto falam da criança.
Começo a história de vida da criança pelo período em que os pais se conheceram. Converso sobre
os planos e os projetos daquela época, sobre namoro, casamento e gravidez. A partir daí, sigo o roteiro
clássico de anamnese; entretanto, faço perguntas abertas, às quais os pais respondem livremente.
Detenho-me nas especificidades apenas se isso for necessário, ou seja, caso não tenham sido
mencionadas no discurso do casal. Meu objetivo é sempre o mesmo: penetrar naquele mundo repleto de
significações, entender o projeto de vida, desvendar o sistema de valores, de crenças, o modo de ser.
Nesse ponto, na tentativa de alinhavar os dados da queixa com os da anamnese, formulo aos pais
hipóteses sobre o que pode estar acontecendo, para que eles contribuam com elementos que as ampliem.
A ideia embutida nesse procedimento é apresentar novas formas de ver a situação, novas possibilidades
de pensar o fenômeno em questão. Além disso, procuro verificar como os pais reagem diante delas,
como as analisam e o que está em jogo nessa análise.
M. Ancona-Lopez (1995, p. 100) refere:
O cuidado em apresentar hipóteses como possibilidades interpretativas e de escutar como e em
relação a que os pais as examinam esclarece as redes cognitivas, ou seja, a teoria subjetiva que
construíram a esse respeito.
Juliana Toyokawa
Realce
Juliana Toyokawa
Sublinhado
Caso conclua a anamnese em um único encontro, digo aos pais que tragam a criança para o
próximo atendimento. Se isso não ocorre, aviso sobre a continuidade da entrevista.
3. Contato inicial com a criança
Inicio o primeiro contato com a criança apresentando-me: informo que sou psicóloga e pergunto-
lhe se ela sabe o que faz um psicólogo, bem como se conhece os motivos pelos quais foi trazida a esse
atendimento. Caso a criança responda afirmativamente, converso sobre a queixa por ela identificada,
buscando que sentido tem isso para ela, que significado dá ao fato de estar ali. Meu propósito é conhecer
quais fantasias e temores ela expressa diante do problema e do atendimento propriamente dito. Por
outro lado, se a criança responde negativamente à pergunta inicial, explico a ela, genericamente, que um
psicólogo conversa com as pessoas para auxiliá-las em suas dificuldades. Comento que as crianças vão ao
psicólogo por motivos diversos, como desempenho escolar, relações com mãe, pai, irmãos ou colegas,
descontrole de esfíncteres etc. Em seguida, pergunto-lhe se sabe por que razão está ali; se dessa feita ela
consegue expressar sua visão do assunto, prossigo o diálogo conforme descrevi há pouco. Quando
ocorre de a criança negar algum conhecimento a esse respeito, duas condutas são possíveis. Se percebo
que a criança não pode se expressar por algum motivo, mas não está em uma posição distante ou
defensiva em relação a mim, informo a ela, ou seja, explico que seus pais a trouxeram por estarem
preocupados com determinado comportamento seu. Entretanto, se noto que a criança não fala sobre o
motivo da consulta, pois este lhe causa ansiedade e sofrimento, e noto ainda que ela se encontra distante
e defensiva em relação a mim, digo-lhe que entendo que naquele momento ela não possa falar sobre o
fato e que, na ocasião em que se sentir em melhores condições, poderemos voltar ao assunto.
Evidentemente, todas essas informações são dadas em uma linguagem que a criança possa entender.
Depois dessas preliminares, combino data e horário, falo sobre o sigilo da relação e aviso que manterei
contato com seus pais, mas não lhes falarei a respeito do que ela fez ou contou no consultório, e sim de
minhas interpretações e percepções sobre seu comportamento e que tudo isso será também conversado
com ela.
A primeira sessão com a criança é uma observação lúdica. Para realizá-la, trabalho com caixa lúdica,
cujo conteúdo inclui material gráfico: lápis preto, de cor e de cera, papel sulfite, canetas coloridas, tinta,
pincel; bonecos da família; animais, índios e soldados de plástico; jogos de varetas, dominó, quebra-
cabeça, mico, damas; móveis de casa como cama, sofá, armário, mesa, cadeiras, fogão, geladeira; utensílios
domésticos, ou seja, panelas, garfos, facas, colheres, pratos; revólver e/ou espada; carros de diferentes
tipos, como automóvel, carro de polícia, ambulância; bacia e pano.
Apresento a caixa fechada para a criança, pois me interesso em observar se ela toma a iniciativa de
Juliana Toyokawa
Sublinhado
abri-la, se espera por minha ajuda para fazê-lo, enfim, para ver qual sua reação em situação desconhecida.
Digo a ela que pode abrir a caixa e que pode brincar da forma como quiser com o que está lá dentro.
Se a criança solicita que eu brinque com ela, eu a atendo, tomando o cuidado de perguntar o que
quer que eu faça, que papel devo representar ou quais são as regras do jogo que pretende jogar.
Durante a sessão, converso com a criança a respeito de sua produção e tento estabelecer relações
entre seu comportamento no atendimento e suas ações em sua vida, de modo geral. Além disso, procuro
observar e compreender a natureza e o conteúdo do seu brincar: se há criatividade; se há agressividade;
se reproduz aspectos de sua vida, ou melhor, tento entender qual é sua lógica, sua realidade. Sempre que
possível, faço assinalamentos a ela, com a expectativa de que possa referendar e ampliar minhas
percepções.
Segundo M. Ancona-Lopez (1995, p. 108), é importante, “ao final de cada sessão, conversar com a
criança sobre as observações feitas, sempre usando as situações clínicas como metáforas das situações
vividas”.
4. Sessões devolutivas com os pais
Esses encontros são realizados alternadamente entre criança e pais. Neles, compartilho minhas
percepções sobre a criança, seu comportamento no atendimento e como eles se articulam com a queixa
de modo geral. Trabalho também os sentimentos dos pais diante da situação, suas angústias e
possibilidades de ajuda à criança. Discuto com eles a respeito dos procedimentos que vou utilizar e
quais as motivações de minha ação. Dependendo do que percebo, faço orientações que, a meu ver,
permitam melhor desenvolvimento da criança. Entretanto, procuro levar em consideração a
disponibilidade, os recursos internos e as características de comportamento dos pais para que tais
orientações não tenham o tom de uma “receita médica”. Procuro fazer com que os pais se apropriem
delas ou mesmo as sugiram, a partir da aliança que estabelecem comigo, no sentido de dar conta da
situação que os aflige. Assim, Yehia (1995, p. 119) diz:
Desta forma, o Psicodiagnóstico Fenomenológico-Existencial envolve um trabalho de
redirecionamento dos pais a partir de uma compreensão da criança e da dinâmica familiar, com o
objetivo de facilitar o relacionamento, propiciar novas formas de interação e abrir novas
perspectivas experienciais.
5. Encontros com a criança: uso de testes psicológicos
Nas sessões com a criança posso usar testes psicológicos, observação lúdica, recursos como
colagens, ou ainda intercalar essas e outras estratégias. A escolha do procedimento a ser utilizado é feita
caso a caso, dependendo das peculiaridades de cada criança e do decorrer do atendimento, não existindo,
portanto, um conjunto padrão de procedimentos definidos anteriormente.
Os testes psicológicos, em sua maioria, foram concebidos como instrumentos objetivos, capazes de
medir e avaliar aspectos de personalidade, independentemente da relação estabelecida com o examinador
e da história de vida da pessoa. Assim, seus resultados se apresentam como definições objetivas a
respeito do cliente. Essa não é a forma como compreendo as informações obtidas a partir dos testes
psicológicos. Acredito que os resultados de qualquer teste só podem ser compreendidos no contexto das
experiências do indivíduo e que as interpretações podem ou não ser legitimadas pelo cliente. Essa visão
a respeito dos testes psicológicos foi inicialmente formulada por Fischer (1979), ao propor um
“diagnósticocentrado na vida”. M. Ancona-Lopez (1987, p. 62), ao falar dos testes psicológicos e de seu
uso, considerou que os psicólogos das abordagens fenomenológico-existenciais, na década de 1970,
teceram críticas à maneira tradicional como os testes eram usados e apresentaram uma nova visão no
que diz respeito à utilização deles:
Na avaliação dos testes, esses psicólogos procuravam, conjuntamente com o cliente, explorar o
significado dado às várias partes dos testes e às avaliações que se podia extrair delas. Buscavam
novas informações e solicitavam ajuda para compreender melhor as respostas. Os resultados
objetivos dos testes, os escores, eram considerados como dados secundários, válidos apenas como
referências das instâncias para as quais haviam sido estabelecidos, e estas eram explicadas ao sujeito.
Ao usar um teste, minha intenção é conhecer o funcionamento da criança, quais são os mecanismos
dos quais se utiliza em sua vida. Valorizo a análise qualitativa dos testes e não tenho a intenção de, a
partir deles, categorizar, classificar ou definir patologias no comportamento do cliente. Pretendo
compreender o comportamento da criança no teste, articulando-o com suas experiências de vida.
Assim, costumo apresentar à criança minhas percepções ou hipóteses sobre suas produções no teste,
relacionando-as com sua vida. Procuro verificar se minhas observações fazem sentido para ela e se pode
acrescentar algo ao que foi dito. Essas percepções também são discutidas com os pais. S. Ancona-Lopez
e Corrêa (2004, p. 379), referindo-se ao uso de testes psicológicos, comentam:
A característica principal do uso de testes nessa abordagem é o fato de que tanto a aplicação quanto
a avaliação são compartilhadas com o cliente. Isto é, a compreensão dos testes é coconstituída, é
construída em conjunto pelo psicólogo e seu cliente […]
1.
2.
3.
6. Visita escolar e vista domiciliar
Durante o processo de psicodiagnóstico, usualmente faço duas visitas: uma à escola da criança e
outra a sua casa. Essas visitas têm por objetivo entender a criança em relação às circunstâncias em que
vive. Procuro comunicar aos pais e à criança as razões da visita escolar. Marco o contato por telefone e,
geralmente, deixo a critério da escola a indicação da pessoa com quem devo falar. Na visita, procuro
observar as instalações da escola, suas possibilidades, sua conservação. Pergunto ao responsável sobre as
condições de ensino, o desempenho escolar da criança e seu relacionamento com colegas e professores.
A visita domiciliar só ocorre se a família concordar. Ela é agendada previamente em horário
determinado pela família. Peço que ela, na medida do possível, esteja reunida. Durante a visita interesso-
me por observar a casa, suas condições de cuidado e higiene, os móveis, enfim, a parte física. Entendo
que ela mostra e elucida a maneira como aquela família está no mundo. Acompanho as conversas
durante as visitas sem deixar de considerar que elas podem estar, naquele momento, influenciadas pela
presença do psicólogo.
Corrêa (2004, p. 62) diz que os
espaços cotidianos da vida são modelados e modificados de acordo com a imagem do mundo que
cada um carrega dentro de si e que é, por sua vez, constituída por pessoas, lugares, valores,
experiências, acontecimentos associados a sentimentos. Esse mundo interno é projetado sobre os
espaços e sobre os objetos, o que produz uma configuração, provoca associações, estabelecendo
uma via de mão dupla entre o mundo interior — eu — e o espaço exterior — mundo. Ou seja, essa
ligação entre o espaço — mundo concreto — e subjetividade — mundo abstrato — estabelece uma
relação de similaridade entre eles.
7. Últimas sessões com os pais
Nas últimas sessões com os pais, tenho cinco objetivos:
Alinhavar as percepções ocorridas durante o processo, ou seja, estabelecer um fio condutor que
delineie o que foi trabalhado aos poucos, produzindo uma gestalt.
Trabalhar o desligamento do processo de psicodiagnóstico, já que nesse trabalho conjunto se
estabelece uma forte aliança com os pais e a criança, cujo rompimento produz sentimentos
diversos que merecem ser discutidos e trabalhados.
Avaliar conjuntamente o processo, em que aspectos atingimos nosso objetivo em comum, no
4.
5.
que mudamos etc.
Apontar os aspectos importantes que podem permitir aos pais e à criança continuar suas vidas
mais fortalecidos.
Trabalhar eventuais encaminhamentos ou o desligamento do consultório ou instituição.
8. Relatório final
Ao final do processo, faço um relatório escrito, do qual constam as informações dadas pelos
clientes, as questões trabalhadas durante o diagnóstico, enfim, tudo o que fez parte do atendimento. Ele
é descritivo e é lido na íntegra para os pais, que podem retirar ou acrescentar algo ou ainda sugerir
modificações.
M. Ancona-Lopez (1995, p. 104) diz:
Elabora-se um relatório descritivo do caso, contendo os encaminhamentos decididos em comum,
assim como os pontos de discordância entre pais e profissionais e este é lido para os pais e
transmitido às crianças, em linguagem acessível, como um modo de fechar o trabalho, já que relata
o processo da primeira à última sessão.
9. Devolutiva final para a criança
O fechamento do processo para a criança pode assumir diferentes formas. Uma delas consiste em
fazer um livro cuja história é a própria história da criança. Esse procedimento baseia-se nas propostas de
Fisher (1998),[1] desenvolvidas no Brasil por Becker (2001, 2002); Donatelli et al. (2001, 2004); Santiago
(2001) Santiago et al. (2003).
Quando monto o livro, faço o texto acompanhado por legendas e gravuras, cujos personagens são
representados por animais pelos quais a criança tenha manifestado preferência. O enredo em si
contempla a história de vida da criança, seus conflitos e o próprio atendimento psicodiagnóstico. O livro
não contém nome do autor tampouco o nome da criança, e é lido e entregue a ela no último
atendimento. O propósito é que a criança leve consigo algo que lhe permita continuar elaborando
aquilo que, por alguma razão, não pôde ser elaborado até aquele momento.
A esse respeito, Santiago (2001, p. 34) refere:
No livro de história trabalhamos basicamente com analogias, o que permite à criança uma
compreensão de sua problemática na medida de suas possibilidades egoicas. Neste sentido, o livro
relata a história de um personagem com o qual a criança possa se identificar: mas, ao contrário de
suas produções, não necessariamente terá que relacioná-lo consigo mesma. Supomos que o trabalho
de elaboração psíquica pode ocorrer após o encerramento do psicodiagnóstico, visto que o livro é
entregue a ela no final do processo, e seu texto ou gravuras podem servir de estímulo para que
gradativamente se aproprie das analogias.
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PSICODIAGNÓSTICO – V 45
Aentrevista clínica não é uma técnica úni-ca. Existem várias formas de abordá-la,
conforme o objetivo específico da entrevista e
a orientação do entrevistador. Os objetivos de
cada tipo de entrevista determinam suas es-
tratégias, seus alcances e seus limites. Neste
capítulo, vamos definir a entrevista clínica, exa-
minar seus elementos e diferenciar os tipos em
que podem ser classificadas. Em seguida, dis-
cutiremos alguns aspectos das competências
essenciais do entrevistador para a condução
de uma entrevista clínica. Concluímos com
uma reflexão sobre a ética dos temas discu-
tidos.
DEFININDO A ENTREVISTA CLÍNICA
Em psicologia, a entrevista clínica é um con-
junto de técnicas de investigação, de tempo
delimitado, dirigido por um entrevistador trei-
nado, que utiliza conhecimentos psicológicos,
em uma relação profissional, com o objetivo
de descrever e avaliar aspectos pessoais, rela-
cionais ou sistêmicos (indivíduo, casal, família,
rede social), em um processo que visa a fazer
recomendações, encaminhamentos ou propor
algum tipo de intervenção em benefício das
pessoas entrevistadas. Convém agora exami-
nar os elementos dessa definição.
Por técnica entendemos uma série de pro-
cedimentos que possibilitam investigar os te-
mas em questão. A investigação possibilita al-
cançar os objetivos primordiais da entrevista,
que são descrever e avaliar, o que pressupõe o
levantamento de informações, a partir das
quais se torna possível relacionar eventos e
experiências, fazer inferências, estabelecer con-
clusões e tomar decisões. Essa investigação se
dá dentro de domínios específicos da psicolo-
gia clínica e leva em consideração conceitos e
conhecimentos amplos e profundos nessas
áreas. Esses domínios incluem, por exemplo, a
psicologia do desenvolvimento, a psicopatolo-
gia, a psicodinâmica, as teorias sistêmicas. As-
pectos específicos em cada uma dessas áreas
podem ser priorizados como, por exemplo, o
desenvolvimento psicossexual, sinais e sinto-
mas psicopatológicos, conflitos de identidade,
relação conjugal, etc.
Afirmamos ainda que a entrevista é parte
de um processo. Este deve ser concebido, ba-
sicamente, como um processo de avaliação,
que pode ocorrer em apenas uma sessão e ser
dirigido a fazer um encaminhamento, ou a
definir os objetivos de um processo psicotera-
pêutico. Muitas vezes, o aspecto avaliativo de
uma entrevista inicial confunde-se com a psi-
coterapia que se inicia, devido ao aspecto te-
rapêutico intrínseco a um processo de avalia-
5
A entrevista clínica
Marcelo Tavares
MÓDULO III – Recursos Básicos para o Diagnóstico
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46 JUREMA ALCIDES CUNHA
ção e ao aspecto avaliativo intrínseco à psico-
terapia. Outras vezes, o processo de avaliação
é complexo e exige um conjunto diferenciado
de técnicas de entrevistas e de instrumentos e
procedimentos de avaliação, como, por exem-
plo, além da entrevista, os instrumentos pro-
jetivos ou cognitivos, as técnicas de observa-
ção, etc. A importância de enfatizar a entrevis-
ta como parte de um processo é de poder vis-
lumbrar o seu papel e o seu contexto ao lado
de uma grande quantidade possível de proce-
dimentos em psicologia. A entrevista clínica é
um procedimento poderoso e, pelas suas ca-
racterísticas, é o único capaz de adaptar-se à
diversidade de situações clínicas relevantes e
de fazer explicitar particularidades que esca-
pam a outros procedimentos, principalmente
aos padronizados. A entrevista é a única técni-
ca capaz de testar os limites de aparentes con-
tradições e de tornar explícitas características
indicadas pelos instrumentos padronizados,
dando a eles validade clínica (Tavares, 1998), por
isso, a necessidade de dar destaque à entrevista
clínica no âmbito da avaliação psicológica.
Definimos ainda a entrevista clínica como
tendo a característica de ser dirigida. Afirmar
que a entrevista é um procedimento dirigido
pode suscitar alguns questionamentos. Mes-
mo nas chamadas entrevistas “livres”, é neces-
sário o reconhecimento, pelo entrevistador, de
seus objetivos. Como afirmamos antes, os ob-
jetivos de cada tipo de entrevista definem as
estratégias utilizadas e seus limites. É no intui-
to de alcançar os objetivos da entrevista que o
entrevistador estrutura sua intervenção. Isso
nos parece verdadeiro, inclusive para os psicó-
logos que consideram que é o sujeito entrevis-
tado quem conduz o processo. O entrevista-
dor precisa estar preparado para lidar com o
direcionamentoque o sujeito parece querer dar
à entrevista, de forma a otimizar o encontro
entre a demanda do sujeito e os objetivos da
tarefa. Assim, quando o entrevistador confron-
ta uma defesa, empaticamente reconhece um
afeto ou pede um esclarecimento, ele está cer-
tamente definindo direções. Até mesmo a ati-
vidade interpretativa na associação livre ou a
resposta centrada no cliente do psicólogo dá
uma direção, facilitando ou dificultando a
emergência de novos conteúdos na mente do
sujeito. O entrevistador deve estar atento aos
processos no outro, e a sua intervenção deve
orientar o sujeito a aprofundar o contato com
sua própria experiência. Em síntese, concluí-
mos que todos os tipos de entrevista têm al-
guma forma de estruturação na medida em que
a atividade do entrevistador direciona a entre-
vista no sentido de alcançar seus objetivos.
Entrevistador e entrevistado têm, nesse pro-
cesso, atribuições diferenciadas de papéis. A
função específica do entrevistador coloca a
entrevista clínica no domínio de uma relação
profissional. É dele a responsabilidade pela
condução do processo e pela aplicação de co-
nhecimentos psicológicos em benefício das
pessoas envolvidas. É responsabilidade dele
dominar as especificidades da técnica e a com-
plexidade do conhecimento utilizado. Essa res-
ponsabilidade delimita (estrutura) o processo
em seus aspectos clínicos. Assumir essas res-
ponsabilidades profissionais pelo outro tem
aspectos éticos fundamentais; significa reco-
nhecer a desigualdade intrínseca na relação,
que dá uma posição privilegiada ao entrevis-
tador. Essa posição lhe confere poder e, por-
tanto, a responsabilidade de zelar pelo inte-
resse e bem-estar do outro. Também é do en-
trevistador a responsabilidade de reconhecer
a necessidade de treinamento especializado e
atualizações constantes ou periódicas.
O papel principal da pessoa entrevistada é
o de prestar informações. A entrevista pressu-
põe pelo menos uma pessoa que esteja em
condições de ser um participante colaborati-
vo, e o sucesso da entrevista depende do seu
modo de participação. Essa dependência tor-
na-se mais evidente nos casos de participantes
resistentes ou não voluntários. O entrevistador
tem a necessidade de conhecer e compreen-
der algo de natureza psicológica, para poder
fazer alguma recomendação, encaminhamen-
to ou sugerir algum tipo de atenção ou trata-
mento (intervenção). Nos casos em que pare-
ce haver dificuldades de levantar a informação,
é bem provável que o entrevistador tenha de
centrar sua atenção na relação com a pessoa
entrevistada, para compreender os motivos de
sua atitude. Geralmente, essas dificuldades
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estão associadas a distorções relacionadas a
pessoas ou instituições interessadas na avalia-
ção, a idéias preconcebidas em relação à psi-
cologia ou à saúde mental e a fantasias incons-
cientes vinculadas a ansiedades pessoais acer-
ca do processo. Tudo isso gera questões trans-
ferenciais importantes, que devem ser esclare-
cidas adequadamente. Essas formas de resis-
tência podem atrapalhar, mas, quando escla-
recidas, se transformam em uma das mais im-
portantes fontes de compreensão da dinâmi-
ca do sujeito.
A complexidade dos procedimentos espe-
cíficos de cada tipo de entrevista clínica, dos
conhecimentos psicológicos envolvidos e dos
aspectos relativos à competência do entrevis-
tador, necessários para sustentar uma relação
interpessoal de investigação clínica, requerem
treinamento especializado. O resultado de uma
entrevista depende largamente da experiência
e da habilidade do entrevistador, além do do-
mínio da técnica. Alguns temas abordados na
entrevista clínica são, pela sua própria nature-
za, difíceis ou representam tabus culturais. Criar
um clima que facilite a interação nesse contex-
to e a abertura para o exame de questões ínti-
mas e pessoais talvez seja o desafio maior da
entrevista clínica. Essa dependência da expe-
riência aproxima a condução de entrevistas da
arte – embora ela seja corretamente definida
como técnica. A necessidade de ensinar a rea-
lizar uma entrevista clínica coloca, portanto,
desafios para quem deseja transmitir esses co-
nhecimentos e habilidades. Pequenos detalhes,
quando desconsiderados, levam a conseqüên-
cias não desejadas. Muitas vezes, o profissio-
nal só se dá conta da importância desses deta-
lhes quando algum problema está configura-
do. O treinamento tem o intuito de antecipar
e evitar essas situações e procura apresentar e
discutir vários aspectos práticos dos procedi-
mentos. Embora muitas “dicas” possam ser
dadas, em última instância, é a qualidade da
formação clínica e a sensibilidade do avaliador
para os aspectos relacionais – por exemplo, a
capacidade de trabalho na contratransferên-
cia – que o assistirão nos momentos mais difí-
ceis e inesperados. Além do treinamento for-
mal nos cursos de graduação e especialização,
a prática supervisionada é reconhecida como
melhor estratégia para a consolidação dessa
aprendizagem.
Supõe-se que a entrevista clínica deve ter
como beneficiado direto as pessoas entrevis-
tadas. Por outro lado, isso nem sempre é claro
nos dias de hoje, quando os psicólogos têm
que se haver, cada vez mais, com terceiros en-
volvidos, como juízes, empregadores, empre-
sas de seguros, etc. Quando uma entrevista
clínica ocorre em uma empresa, por exemplo,
o entrevistador deve estar ciente dos conflitos
de interesse e das questões éticas envolvidas,
mesmo quando a entrevista tem apenas a fi-
nalidade de encaminhamento. Quando a en-
trevista envolve interesses múltiplos, a defini-
ção de quem são os seus clientes, a clareza de
suas demandas e a explicitação dos conflitos
poderão ajudar o profissional a estabelecer a
sua conduta relativa a cada um deles. Nesse
exemplo, parece necessário definir em que sen-
tido a empresa é cliente, e que demandas são
apropriadas ou não.
A necessidade de delimitação temporal pa-
rece-nos óbvia, visto que não faz sentido uma
avaliação se dela não resulta alguma recomen-
dação. Essa delimitação não requer, necessa-
riamente, um único encontro. Mesmo quando
o processo requer encontros em mais de uma
ocasião, no processo de entrevista, não há um
contrato de continuidade como em um pro-
cesso terapêutico, embora, freqüentemente, a
entrevista clínica resulte em um contrato tera-
pêutico. A delimitação temporal entre a entre-
vista inicial e o processo terapêutico tem a fun-
ção de explicitar as diferenças de objetivos dos
dois procedimentos e dos papéis diferenciados
do profissional nas duas situações. Essa deli-
mitação define o setting e fortalece o contrato
terapêutico, que pode ser consolidado como
conclusão da(s) entrevista(s) inicial(is). Essas
recomendações, o encaminhamento ou a defi-
nição de um setting e contrato terapêutico
podem ocorrer integrados como parte de uma
única sessão de entrevista ou podem ser reser-
vados para uma entrevista designada exclusi-
vamente para este fim (entrevista de devolu-
ção), demarcando, de maneira mais precisa, o
término do processo de avaliação.
48 JUREMA ALCIDES CUNHA
TIPOS E OBJETIVOS DA ENTREVISTA CLÍNICA
Classificar os tipos de entrevista não é uma
tarefa fácil, pois exige a consideração de eixos
classificatórios e o exame sistemático dos ti-
pos principais de técnicas de entrevistas. Essa
tarefa se estende além dos objetivos deste ca-
pítulo, mas indicaremos aqui algumas direções.
Vamos levar em consideração dois eixos: se-
gundo a forma (estrutura) e segundo o obje-
tivo.
CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO ASPECTO
FORMAL
Quanto ao aspecto formal, as entrevistas po-
dem ser divididas em estruturadas, semi-estru-
turadas e de livre estruturação. As entrevistas
estruturadas são de pouca utilidade clínica. A
aplicação desse tipo de entrevista é mais fre-
qüente em pesquisas, principalmente nas si-
tuações em que a habilidade clínica não é ne-
cessária ou possível. Sua utilização raramente
considera as necessidades ou demandas do
sujeito avaliado– usualmente, ela se destina
ao levantamento de informações definidas
pelas necessidades de um projeto. Um exem-
plo típico é a entrevista epidemiológica, que,
como um censo, requer que o entrevistador
cubra um grande número de questões em pou-
co tempo. Nela, não se pode exigir do entre-
vistador experiência ou conhecimento clínico,
pelos altos custos envolvidos no processo. Este
é o caso da Diagnostic Interview Schedule (DIS);
(Robins, Helzer, Croughan et alii, 1981). As en-
trevistas estruturadas privilegiam a objetivida-
de – as perguntas são quase sempre fechadas
ou delimitadas por opções previamente deter-
minadas e buscam respostas específicas a ques-
tões específicas. Quando respostas abertas são
possíveis, geralmente são associadas a esque-
mas classificatórios operacionalizados, que fa-
cilitam a tradução da informação em catego-
rias do tipo objetivo.
Nas entrevistas clínicas, desejamos conhe-
cer o sujeito em profundidade, visando a com-
preender a situação que o levou à entrevista.
Nesse caso, o entrevistado é porta-voz de uma
demanda e espera um retorno que o auxilie. A
utilidade das entrevistas clínicas depende, por-
tanto, do espaço que o procedimento deixa
para as manifestações individuais e requer ha-
bilidades e conhecimentos específicos que per-
mitam ao entrevistador conduzir adequada-
mente o processo. Essa especificidade clínica
favorece os procedimentos semi-estruturados
e de livre estruturação.
É tradição se referir à entrevista de livre es-
truturação como entrevista livre ou não-estru-
turada. Temos argumentado que toda entre-
vista supõe, na verdade exige, alguma forma
de estruturação. É necessário que se conheçam
suas metas, o papel de quem a conduz e os
procedimentos pelos quais é possível atingir
seus objetivos. Estes e outros elementos pró-
prios das entrevistas lhes conferem uma estru-
tura, mesmo que o entrevistador não a reco-
nheça explicitamente. Por esse motivo, referi-
mo-nos a esse tipo de entrevista como entre-
vista de livre estruturação. A grande maioria
das técnicas de entrevista divulgadas em psi-
cologia clínica, desde seus primórdios, enqua-
dra-se nesse tipo de entrevista. As técnicas de
entrevista vêm sendo gradativamente especi-
ficadas, de modo que sua estrutura pode ser
mais claramente definida, a partir do desen-
volvimento das técnicas de avaliação e trata-
mento, particularmente com o surgimento de
manuais psicoterapêuticos (Luborsky, 1984,
1993; Sifneos, 1993), manuais diagnósticos
(APA, 1995; Spitzer, Gibbon, Skodol et alii,
1994) e critérios de seleção de pacientes (Da-
vanloo, 1980; Malan, 1980; Marmor, 1980; Si-
fneos, 1980, 1993). Tomando-se os objetivos
de uma técnica de livre estruturação, é possí-
vel desenvolver alguma forma semi-estrutura-
da de se obter o mesmo tipo de informação.
Historicamente, é assim que têm surgido as en-
trevistas semi-estruturadas, como é o caso
da Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-
IV (SCID) (Spitzer, Williams, Gibbon et alii, 1992;
Tavares, 1997, 2000b). Esta avalia um conjun-
to de 44 psicopatologias mais comuns, facili-
tando o diagnóstico diferencial nos casos mais
difíceis. Um exemplo mais específico é a Positi-
ve and Negative Symptoms for Schizophrenia
(PANSS) (Kay, Fiszbein & Opler, 1987), uma téc-
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PSICODIAGNÓSTICO – V 49
nica de avaliação semi-estruturada que permi-
te discriminar graus de gravidade e compro-
metimentos na esquizofrenia. Outro exemplo
interessante de semi-estruturação é a Entrevista
Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada
(EDAO), de Ryad Simon (1989, 1993), uma en-
trevista de avaliação de fundamentação psico-
dinâmica.
As entrevistas semi-estruturadas são assim
denominadas porque o entrevistador tem cla-
reza de seus objetivos, de que tipo de infor-
mação é necessária para atingi-los, de como
essa informação deve ser obtida (perguntas
sugeridas ou padronizadas), quando ou em que
seqüência, em que condições deve ser investi-
gada (relevância) e como deve ser considerada
(utilização de critérios de avaliação). Além de
estabelecer um procedimento que garante a
obtenção da informação necessária de modo
padronizado, ela aumenta a confiabilidade ou
fidedignidade da informação obtida e permite
a criação de um registro permanente e de um
banco de dados úteis à pesquisa, ao estabele-
cimento da eficácia terapêutica e ao planeja-
mento de ações de saúde. Por esses motivos,
as entrevistas semi-estruturadas são de gran-
de utilidade em settings onde é necessária ou
desejável a padronização de procedimentos e
registro de dados, como nas clínicas sociais,
na saúde pública, na psicologia hospitalar, etc.
Recentemente, desenvolvemos uma entrevista
clínica semi-estruturada para a avaliação da his-
tória e do risco de tentativa de suicídio, tendo
em vista estudar esse fenômeno, com ênfase
nos aspectos mórbidos e psicodinâmicos asso-
ciados (Tavares, 1999).
CLASSIFICAÇÃO QUANTO AOS OBJETIVOS
Um esforço em classificar as entrevistas quan-
to aos seus objetivos seria uma tarefa bem mais
complexa. Essa complexidade decorre da inter-
dependência entre abordagem e objetivos. A
título de exemplo, vamos imaginar dois entre-
vistadores hipotéticos, um de abordagem psi-
codinâmica e outro, comportamental. Ao en-
trevistar um sujeito para definir uma estraté-
gia de intervenção terapêutica, embora te-
nham, aparentemente, o mesmo objetivo, eles
atuariam de maneiras completamente diferen-
tes. O primeiro exploraria o desenvolvimento
precoce e os processos inconscientes, defesas
e conflitos predominantes, enquanto o segun-
do procuraria determinar as situações-proble-
ma e examinar os antecedentes que mantêm o
comportamento na atualidade. Cada um defi-
niria objetivos específicos para os seus proce-
dimentos.
Para abordar essa questão, é necessário dis-
tinguir dois níveis de objetivo. A finalidade
maior de uma entrevista é sempre a de descre-
ver e avaliar para oferecer alguma forma de
retorno. Este objetivo último é comum a todas
as formas de entrevista clínica, conforme nos-
sa definição. Todas elas requerem uma etapa
de apresentação da demanda, de reconheci-
mento da natureza do problema e da formula-
ção de alternativas de solução e de encami-
nhamento. Além desses objetivos-fins, existem
objetivos instrumentais, que são definidos por
todo tipo de entrevista clínica. Em nosso exem-
plo hipotético supra, as diferenças podem ser
consideradas instrumentais. São muitos e va-
riados os exemplos de objetivos instrumentais.
Quando se pretende avaliar um quadro psico-
patológico, torna-se necessário um exame de-
talhado dos sintomas apresentados. Na entre-
vista psicodinâmica, é importante a investiga-
ção do desenvolvimento psicossexual. Cada
modalidade de entrevista define seus objeti-
vos instrumentais, e estes delimitam o alcance
e as limitações da técnica. Por isso, estratégias
diferentes de avaliação podem ser utilizadas
para atingir os objetivos de cada situação, ou
combinadas para atingir objetivos diversos. Isso
nos parece adequado, considerando os vários
contextos em que a entrevista clínica é utiliza-
da, no consultório, na saúde pública, na psico-
logia hospitalar, etc.
Dada a enorme variedade de objetivos ins-
trumentais, conforme variações de abordagem,
de problemas apresentados e de clientelas
atendidas, não temos a intenção de tentar clas-
sificar as entrevistas neste nível. Por outro lado,
alguns tipos de entrevista devem ser mencio-
nados quanto à sua finalidade: de triagem, de
anamnese, diagnósticas (que podem ser sin-
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50 JUREMA ALCIDES CUNHA
drômicas ou dinâmicas), sistêmicas e de devo-
lução. Uma entrevista para a avaliação na clí-
nica psicológica pode ter por finalidade carac-
terísticas vinculadas a um desses tipos, ou pode
ter por objetivo uma combinação de aspectos
relacionados a mais de um desses tipos de en-
trevistas. Profissionais de todas as abordagens
podem realizar entrevistas clínicas com esses
objetivos. Examinaremos cada um desses tipos
de entrevista.A entrevista de triagem tem por objetivo
principal avaliar a demanda do sujeito e fazer
um encaminhamento. Geralmente, é utilizada
em serviços de saúde pública ou em clínicas
sociais, onde existe a procura contínua por uma
diversidade de serviços psicológicos, e torna-
se necessário avaliar a adequação da deman-
da em relação ao encaminhamento pretendi-
do. Um dos equívocos mais comuns é o de
pessoas que procuram ajuda individual para
problemas relacionais. Outra situação impor-
tante ocorre quando existe a opção de terapia
individual e grupal, tornando-se necessário
avaliar a adequação dos membros conforme a
composição e os objetivos dos grupos terapêu-
ticos. A triagem é também fundamental para
avaliar a gravidade da crise, pois, nesses casos,
torna-se necessário ou imprescindível o enca-
minhamento para um apoio medicamentoso.
Embora não pareça tão óbvio, o clínico que
trabalha sozinho também terá que triar seus
clientes e encaminhar aqueles que não julgar
adequado atender, conforme sua especialida-
de e competência.
A entrevista em que é feita a anamnese (vide
A história do examinando, nesta obra) tem por
objetivo primordial o levantamento detalhado
da história de desenvolvimento da pessoa, prin-
cipalmente na infância. A anamnese é uma téc-
nica de entrevista que pode ser facilmente es-
truturada cronologicamente. Embora a utilida-
de da anamnese seja mais claramente vislum-
brada na terapia infantil, muitas abordagens
que integram ou valorizam o desenvolvimento
precoce podem se beneficiar deste tipo de en-
trevista. Certamente, aprender a fazer uma
entrevista de anamnese irá facilitar a aprecia-
ção de questões desenvolvimentais por parte
do clínico, pois muitas abordagens investigam
aspectos importantes do desenvolvimento,
embora de maneira não tão extensiva como
faz a entrevista de anamnese.
De um certo modo, toda entrevista clínica
comporta elementos diagnósticos. Nessa pers-
pectiva, empregamos o termo de maneira bem
ampla. Em outro sentido, empregamos o ter-
mo diagnóstico de modo mais específico, defi-
nindo-o como o exame e a análise explícitos
ou cuidadosos de uma condição na tentativa
de compreendê-la, explicá-la e possivelmente
modificá-la. Implica descrever, avaliar, relacio-
nar e inferir, tendo em vista a modificação da-
quela condição. A entrevista diagnóstica pode
priorizar aspectos sindrômicos ou psicodinâ-
micos. O primeiro visa à descrição de sinais
(baixa auto-estima, sentimentos de culpa) e
sintomas (humor deprimido, ideação suicida)
para a classificação de um quadro ou síndro-
me (Transtorno Depressivo Maior). O diagnós-
tico psicodinâmico visa à descrição e à com-
preensão da experiência ou do modo particu-
lar de funcionamento do sujeito, tendo em vista
uma abordagem teórica. Tanto o diagnóstico
sindrômico quanto o psicodinâmico visam à
modificação de um quadro apresentado em
benefício do sujeito.
Algumas vezes, a característica classificató-
ria do diagnóstico sindrômico parece se con-
trapor a uma compreensão dinâmica do mes-
mo; contudo, estas duas perspectivas devem
ser vistas como complementares, operando
dentro de uma mesma estratégia de entrevis-
ta. Tradicionalmente, os textos tendiam a en-
fatizar uma ou outra abordagem. Hoje em dia,
entretanto, vemos cada vez mais um esforço
de integração dessas duas abordagens (Jacob-
son & Cooper, 1993; McWilliams, 1994; Oth-
mer & Othmer, 1994). Por exemplo, sabemos
que pessoas deprimidas (um sintoma ou sín-
drome) freqüentemente dirigem sua agressivi-
dade contra si mesmas (um aspecto dinâmi-
co), e que isso pode resultar em comportamen-
tos autodestrutivos (sinais) ou, no extremo, em
ideação suicida (um sintoma). Quando existem
sintomas clínicos claros, o diagnóstico sindrô-
mico torna-se necessário por motivos que nos
parecem óbvios. Contudo, não se podem igno-
rar os aspectos dinâmicos nesses casos. É co-
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PSICODIAGNÓSTICO – V 51
mum a existência de sinais e sintomas isolados
ou subclínicos, que não são suficientes para
dar configuração a uma síndrome, mas que são
importantes por sugerir uma dinâmica e indi-
car um modo particular de adoecer. O reco-
nhecimento precoce dessas condições tem um
papel preponderante na prevenção de crises
ou no desenvolvimento de um quadro clínico
estabelecido.
Reconhecendo esta interação entre sinais,
sintomas e síndromes com os aspectos dinâ-
micos (modos de funcionamento), o entrevis-
tador amplia seu domínio sobre a situação,
torna-se mais capaz de compreender o sujeito
e sua condição e mais capaz de ajudá-lo de
maneira eficaz. Voltemos ao exemplo da pes-
soa que se apresenta deprimida. Em um pri-
meiro momento, o clínico pode estar interes-
sado na severidade do quadro e buscar definir
quais sintomas estão presentes e em que in-
tensidade. Contudo, em seguida, pode julgar
importante investigar em mais detalhes os sen-
timentos de culpa, inutilidade e menos valia
que a pessoa experimenta subjetivamente e
relacioná-los tanto aos sintomas quanto às fan-
tasias inconscientes e aos eventos importan-
tes no desenvolvimento e na história familiar
(relações objetais). Tal estratégia integra uma
abordagem fenomenológica do quadro sin-
tomático com a compreensão psicodinâmica do
seu desenvolvimento – ela busca descrever e com-
preender o fenômeno em sua complexidade para
sugerir modos de intervenção terapêutica.
As entrevistas sistêmicas para avaliar casais
e famílias estão se tornando cada vez mais
importantes em psicologia, principalmente,
quando há a demanda de atenção psicológica
para crianças e adolescentes (Féres-Carneiro,
1996). Elas podem focalizar a avaliação da es-
trutura ou da história relacional ou familiar.
Podem também avaliar aspectos importantes
da rede social de pessoas e famílias. Essas téc-
nicas são muito variadas e fortemente influen-
ciadas pela orientação teórica do entrevista-
dor. Como exigiriam um capítulo à parte, fica
aqui apenas o registro de sua existência e
importância.
A entrevista de devolução tem por finalida-
de comunicar ao sujeito o resultado da avalia-
ção. Em muitos casos, essa atividade é inte-
grada em uma mesma sessão, ao final da en-
trevista. Em outras situações, principalmente
quando as atividades de avaliação se estendem
por mais de uma sessão, é útil destacar a en-
trevista de devolução do restante do processo.
Outro objetivo importante da entrevista de
devolução é permitir ao sujeito expressar seus
pensamentos e sentimentos em relação às con-
clusões e recomendações do avaliador. Ainda,
permite avaliar a reação do sujeito a elas. Ou
seja, mesmo na fase devolutiva, a entrevista
mantém seu aspecto avaliativo, e tem-se a
oportunidade de verificar a atitude do sujeito
em relação à avaliação e às recomendações,
ao seu desejo de segui-las ou de recusá-las. Fi-
nalmente, como objetivo da entrevista de de-
volução, destaca-se a importância de ajudar o
sujeito a compreender as conclusões e reco-
mendações e a remover distorções ou fanta-
sias contraproducentes em relação a suas ne-
cessidades. A devolução pode ser simples,
como, por exemplo, de que o motivo que o
levou a procurar ajuda pode ser atendido em
um processo terapêutico ou complexo, a pon-
to de requerer mais de uma sessão.
O processo de avaliação psicológica pode
envolver diferentes procedimentos, incluindo
vários tipos de entrevista. Por exemplo, na ava-
liação de um jovem adolescente que apresen-
tava comportamentos estranhos e incompre-
ensíveis para família, o processo iniciou-se com
uma entrevista de família, seguida de uma en-
trevista com o jovem para avaliação do qua-
dro sintomático e seus aspectos psicodinâmi-
cos. Depois da aplicação de instrumentos de
avaliação psicológica e sua análise, houve uma
entrevista de devolução com o jovem, seguida
de outra com ele e seus pais. Essas entrevistas
tiveram o objetivo específico de ajudar o jo-
vem e seus pais a compreenderem a situação
(que envolvia um quadro psicótico), a explorara sua repercussão no plano afetivo e relacional
e a tomar decisões específicas quanto aos es-
tudos e a outros elementos estressores na vida
do jovem e da família. Houve mais uma entre-
vista com os três, a fim de consolidar o enca-
minhamento para uma avaliação psiquiátrica
(para fazer um acompanhamento medicamen-
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52 JUREMA ALCIDES CUNHA
toso) e de determinar uma estratégia psicote-
rapêutica (para o apoio na crise).
COMPETÊNCIAS DO AVALIADOR E A
QUALIDADE DA RELAÇÃO
As diversas técnicas de entrevista têm em co-
mum o objetivo de avaliar para fazer algum
tipo de recomendação, seja diagnóstica ou te-
rapêutica. A entrevista, como ponto de conta-
to inicial, é crucial para o desenvolvimento de
uma relação de ajuda. A aceitação das reco-
mendações ou a permanência no tratamento
dependem de algumas características impor-
tantes desse primeiro contato, que são influ-
enciadas por um conjunto de competências do
entrevistador. A dificuldade de aceitação das
recomendações ou a desistência de iniciar um
processo terapêutico, quando ocorre, se dá nos
primeiros contatos. Comentaremos aqui al-
gumas competências pessoais essenciais para
a condução de uma entrevista, independen-
tes da orientação teórica do entrevistador ou
dos objetivos específicos da entrevista. A
atenção a esses aspectos e o desenvolvimen-
to dessas competências são elementos fun-
damentais para o êxito na condução de en-
trevistas.
Uma entrevista, na prática, antes de poder
ser considerada uma técnica, deve ser vista
como um contato social entre duas ou mais
pessoas. O sucesso da entrevista dependerá,
portanto, de qualidades gerais de um bom
contato social, sobre o qual se apóiam as téc-
nicas clínicas específicas. Desse modo, a exe-
cução da técnica é influenciada pelas habilida-
des interpessoais do entrevistador. Essa inter-
dependência entre habilidades interpessoais e
o uso da técnica é tão grande que, muitas ve-
zes, é impossível separá-las. O bom uso da téc-
nica deve ampliar o alcance das habilidades
interpessoais do entrevistado e vice-versa. Para
levar uma entrevista a termo de modo adequa-
do, o entrevistador deve ser capaz de:
1) estar presente, no sentido de estar intei-
ramente disponível para o outro naquele mo-
mento, e poder ouvi-lo sem a interferência de
questões pessoais;
2) ajudar o paciente a se sentir à vontade e
a desenvolver uma aliança de trabalho;
3) facilitar a expressão dos motivos que le-
varam a pessoa a ser encaminhada ou a bus-
car ajuda;
4) buscar esclarecimentos para colocações
vagas ou incompletas;
5) gentilmente, confrontar esquivas e con-
tradições;
6) tolerar a ansiedade relacionada aos te-
mas evocados na entrevista;
7) reconhecer defesas e modos de estrutu-
ração do paciente, especialmente quando elas
atuam diretamente na relação com o entrevis-
tador (transferência);
8) compreender seus processos contratrans-
ferenciais;
9) assumir a iniciativa em momentos de
impasse;
10) dominar as técnicas que utiliza.
Examinaremos, a seguir, cada uma dessas
capacidades.
Para estar presente e poder ouvir o pacien-
te, o entrevistador deve ser capaz de isolar
outras preocupações e, momentaneamente,
focalizar sua atenção no paciente. Para fazer
isso, é preciso que suas necessidades pessoais
estejam sendo suficientemente atendidas, e
que ele possa reconhecer os momentos em que
isso parece não estar ocorrendo. Isso implica
que as ansiedades presentes não sejam tão
fortes a ponto de interferir no processo. As
ansiedades inconscientes do entrevistador le-
vam à resistência e dificultam a escuta, princi-
palmente de material latente na fala do entre-
vistado. Cuidando de suas necessidades pes-
soais, o entrevistador poderá ouvir o outro de
um modo diferenciado. Essa escuta diferencia-
da, por si só, é considerada um dos elementos
terapêuticos (Cordioli, 1993).
Por estar atento ao paciente, o entrevista-
dor estará mais apto a ajudá-lo a sentir-se à
vontade e a desenvolver uma aliança de traba-
lho. A aliança para o trabalho, que mais tarde
se desenvolverá em uma aliança terapêutica, é
composta de dois fatores: a percepção de es-
tar recebendo apoio e o sentimento de esta-
rem trabalhando juntos (Horvath, Gaston &
Luborsky, 1993; Luborsky, 1976). Desenvolver
Juliana Toyokawa
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PSICODIAGNÓSTICO – V 53
uma atmosfera de colaboração é essencial para
o sucesso de uma avaliação. Para isso, é im-
portante que o paciente perceba que o entre-
vistador está receptivo a suas dificuldades e a
seus objetivos, que ele demonstra entendê-lo
e aceitá-lo, que ele reconhece suas capacida-
des e seu potencial, e que ele o ajuda a mobili-
zar sua capacidade de auto-ajuda. Essa percep-
ção fortalece a relação e favorece uma atitude
colaborativa e participativa por parte do sujeito.
Facilitar a expressão dos motivos que levam
a pessoa a buscar ajuda é o coração da entre-
vista. Contudo, nem sempre é fácil. Freqüente-
mente, os motivos reais não são conhecidos,
ou se apresentam de maneira latente. Muitas
vezes, estão associados a afetos ou idéias difí-
ceis de serem aceitos ou expressos. Outras ve-
zes, existem resistências importantes que difi-
cultam o processo. O paciente deverá se sentir
seguro o suficiente para poder arriscar-se. O
risco é significativo, pois a entrevista tem o
potencial de modificar a maneira como ele se
percebe (auto-estima), percebe seu futuro pes-
soal (planos, desejos, esperanças) e percebe
suas relações significativas. Portanto, se há es-
perança de que a entrevista venha a lhe trazer
ganhos, há também o receio de que possa con-
duzir a perdas significativas. Abandonar idéias
supervalorizadas ou auto-imagem distorcida
pode ser concretamente experienciado como
perda real. Abrir mão de um desejo pode levar
à experiência de luto, como, por exemplo, a
filha que inconscientemente acreditava que, se
fosse “suficientemente” boa, ela conseguiria
recuperar o pai alcoólatra. Todo o seu esforço
era em vão. Para desistir desse pai e poder in-
vestir na própria vida, ela teve que viver o luto
pela perda do pai que desejava ter e abando-
nar a fantasia de obter do pai real o apoio que
se esforçava para dar-lhe, sem resultado. Em-
bora seu comportamento fosse configurado
por um conflito na fantasia*, a vivência da per-
da era real. A segurança para enfrentar essas
situações vem em parte do tipo de escuta e
atenção que percebe estar recebendo, como
também da capacidade do entrevistador de
facilitar a expressão de experiências, sentimen-
tos e pensamentos relevantes.
Em muitos momentos, o entrevistador de-
verá buscar esclarecimentos para colocações
vagas ou incompletas e, gentilmente, confron-
tar esquivas e contradições. Utilizamos o ter-
mo confrontar no sentido de “colocar-se dian-
te de...”. Opõe-se a evitar, esquivar-se ou de-
fender-se, e mobiliza a capacidade de enfren-
tamento do sujeito, no nível adequado à sua
capacidade e estrutura egóica. Por isso, a con-
frontação é uma técnica dirigida ao insight e
requer certa capacidade de tolerar a ansieda-
de. O clínico experiente saberá criar um con-
texto suficiente de apoio para que o sujeito se
sinta em condições de enfrentar esses momen-
tos. Alguns entrevistadores recuam, em mo-
mentos cruciais, mais freqüentemente do que
gostaríamos de admitir. Respostas pouco ela-
boradas, colocações vagas ou omissões atuam
como defesas que obscurecem o assunto em
questão. Quando o entrevistador deixa passar
esses momentos, perde uma oportunidade de
desenvolver uma idéia mais clara sobre o as-
sunto, além de não ajudar o paciente a am-
pliar sua percepção da questão. Contrariamen-
te à noção difundida, o que não foi dito antes
freqüentemente permanece sem ser abordado
mais tarde.
Assuntos importantes, afetivamente carre-
gados e associados a experiências dolorosas,
muitas vezes aparecem nas entrevistas clínicas.
Para sustentar esses momentos, o entrevista-
dor deverá desenvolver a capacidade de tole-
rar a ansiedade e de falar abertamente sobre
temas difíceis, que têm o potencialde evocar
emoções intensas. O entrevistador deverá de-
senvolver confiança em sua própria capacida-
de de suportar tais momentos com naturalida-
de e de poder dar apoio ao outro que passa
pela experiência, sem ser internamente pres-
sionado a evitá-la. Caso contrário, ele pode
comunicar imperícia ou dificuldades pessoais
relacionadas ao tema em questão, o que cria
um clima carregado de matizes inconscientes,
* Compreendemos fantasia não em oposição à realidade,
mas como realidade interna, subjetiva, com vínculos em
relações objetais e afetos associados, que podem ter um
impacto na experiência do sujeito tão ou mais forte que a
realidade externa, e que podem, conseqüentemente, in-
fluenciar o comportamento de maneira decisiva.
54 JUREMA ALCIDES CUNHA
difíceis de serem resolvidos na relação. Tais te-
mas podem vir a ser configurados como tabus
na relação e podem não ser abordados ade-
quadamente. Por exemplo, uma senhora sol-
teira apresentou-se para terapia com uma his-
tória de depressões recorrentes. Ficou claro que
tais episódios começaram após um envolvimen-
to amoroso com um padre e a decisão unilate-
ral dele de abandonar o relacionamento. A
perspectiva de falar de experiências sexuais,
neste contexto, com alguém da idade da mãe
do terapeuta trouxe para ele dificuldades que
levaram a um impasse sério na entrevista ini-
cial.
A capacidade de reconhecer as defesas e o
modo particular de estruturação do paciente é
de especial interesse. Uma pessoa que adota
um estilo rígido de personalidade (p.ex., colo-
ca-se de uma maneira predominantemente
dependente em suas relações) ou persistente-
mente projeta (p.ex., culpa os pais por suas
dificuldades), revela aspectos significativos de
seu modo de ser (estrutura) e funcionar (dinâ-
mica). Reconhecendo esses aspectos, o entre-
vistador poderá antecipar essas situações de
transferência e evitar respostas contratransfe-
renciais inadequadas. Ao reconhecer as dinâ-
micas e modos de interagir do sujeito, pode-
mos dirigir nosso modo de proceder de ma-
neira mais eficiente. O avaliador pode anteci-
par as ansiedades da pessoa e adaptar-se de
modo correspondente. Se a pessoa apresenta
uma postura dependente, obsessiva, auto-en-
grandecedora ou colaboradora, a observação
desta atitude ou comportamento já é informa-
ção diagnóstica a ser integrada na interpreta-
ção. A observação do comportamento, da co-
municação não-verbal e do material latente
contribui de maneira especial. Restringir o
âmbito do interpretável somente ao conteúdo
explícito da comunicação pode acarretar per-
da de informação clínica significativa.
Ser capaz de compreender seus processos
contratransferenciais é, possivelmente, um dos
recursos mais importantes do clínico. Reconhe-
cer como os processos mentais e afetivos são
mobilizados em si mesmo e ser capaz de rela-
cionar esse processo ao que se passa na rela-
ção imediata com o sujeito fornece ao entre-
vistador uma via inigualável de compreensão
da experiência do outro. A contratransferên-
cia foi inicialmente conceituada, como proces-
so patológico residual do terapeuta, como “os
próprios complexos e resistências internas”
(Freud, 1910, p.130). Com o tempo e o desen-
volvimento do conceito de identificação proje-
tiva, percebeu-se a característica universal do
processo contratransferencial e sua importân-
cia na compreensão profunda da comunicação
paciente-terapeuta. Os trabalhos clássicos de
Heimann (1950), Racker (1981) e Pick (1985),
bem como a revisão detalhada de Hinshelwood
(1991), descrevem e ilustram esses processos.
Existem momentos em que a entrevista pas-
sa por situações de impasse importantes. Por
exemplo, uma pessoa pode, a determinada al-
tura, dizer: “Não sei se realmente deveria estar
falando isso. Não sei se realmente quero fazer
isso”. Ou, mais decididamente: “Essa é a ter-
ceira vez que procuro ajuda, e não adiantou
nada”. Assumir a iniciativa em momentos de
impasse significa poder mobilizar recursos pes-
soais diante de situações difíceis e inespera-
das. Significa poder usar a criatividade para dar
uma resposta eficaz no momento. Por exem-
plo, pode ser crucial ajudar a explorar alterna-
tivas e buscar uma perspectiva em momentos
de desesperança. Eis alguns exemplos de situa-
ções críticas que requerem do entrevistador
capacidade de agir: risco de vida (ideação sui-
cida), sintomas psicóticos, violência, impulsi-
vidade, ou outras situações que podem levar a
um desfecho prejudicial para as pessoas en-
volvidas. Uma paciente disse, dez minutos an-
tes do final da primeira entrevista: “Não sei se
estarei aqui na semana que vem”. A partir da
exploração cuidadosa dessa fala, tornou-se cla-
ro que ela estava considerando o suicídio. A
terapeuta precisou lidar com isso de forma di-
reta e decisiva, de modo a evitar um desfecho
autodestrutivo. Desenvolver recursos pessoais
para lidar com tais situações é fundamental
para que o entrevistador possa trabalhar com
segurança.
Finalmente, espera-se que o entrevistador
tenha domínio das técnicas que utiliza. É pelo
domínio da técnica que o entrevistador pode
deixar de se preocupar com a sua execução e
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PSICODIAGNÓSTICO – V 55
se concentrar no paciente, no que ele apresen-
ta e na sua relação com ele. A competência
técnica dá e comunica segurança ao liberar o
entrevistador para dirigir sua atenção aos as-
pectos mais importantes da relação. A falta
desse domínio pode resultar em uma aplica-
ção mecânica e desconexa das diretrizes da
técnica. Com a prática e a experiência, os as-
pectos mecânicos da técnica tornam-se secun-
dários, e o sujeito e a relação passam a se des-
tacar. Torna-se evidente uma integração natu-
ral dos aspectos técnicos e a valorização da
relação com o sujeito. Assim, a entrevista flui,
e a atuação refinada do profissional transfor-
ma a técnica em arte.
CONCLUSÃO
Este capítulo apresentou e discutiu uma defi-
nição de entrevista clínica e seus tipos. Abor-
damos as competências pessoais do avaliador
e a sua responsabilidade profissional no pro-
cesso de entrevista. Mencionamos a situação
privilegiada e o poder que tem o entrevista-
dor, diante do entrevistado. A entrevista confi-
gura-se como um poderoso meio de influen-
ciar o outro, principalmente considerando que
as pessoas freqüentemente buscam ajuda ou
são avaliadas em momentos de fragilidade.
Esse aspecto, aliado aos já discutidos neste ca-
pítulo, nos leva a refletir sobre algumas ques-
tões éticas acerca da nossa intervenção. Segun-
do um dito popular, “nada mais prático do que
uma boa teoria”. Gostaríamos de poder dizer
“nada mais ético do que um bom treinamen-
to” (teórico e técnico). Infelizmente, isso não é
suficiente. Uma prática ética depende desse
treinamento, mas também dos valores e da
formação pessoal do profissional, que desen-
volvem nele o respeito e a consideração pelo
outro, e que o colocam em condições de ante-
cipar como as conseqüências de seu compor-
tamento e de suas omissões poderiam afetar o
outro, adversamente. Desejamos enfatizar este
ponto.
As questões éticas colocam-se em evidên-
cia em situações de conflito. Primeiro, o inte-
resse (consciente ou inconsciente) do profis-
sional pode contrariar o interesse do sujeito
avaliado (por exemplo, o profissional recebe-
ria menos pelo seu serviço se informasse ao
paciente que atende por um convênio do qual
ele é beneficiário). Segundo, mesmo quando o
interesse de ambos parece ser o mesmo, este
pode ter conseqüências que colocam em risco
o bem-estar do outro (por exemplo, manter
relações não-profissionais com o sujeito). Ter-
ceiro, o profissional pode ser chamado a aten-
der interesses conflitantes (por exemplo, em-
presa-empregados, casais em processo de me-
diação, relação pais-adolescentes, etc.).
Vendo a ética na perspectiva do conflito,
destacamos duas maneiras como o profissio-
nal pode manter o compromisso ético em suas
atividades. Primeiro, cabe a ele antecipar os
conflitos inerentes a essas atividades. Na ava-
liação psicológica, encontramos muitos dessescasos. Um exemplo são as situações em que
existe a necessidade de definir quem são os
clientes e como responder adequadamente às
demandas de cada um deles. A avaliação pode
envolver, além do sujeito, familiares, outros
profissionais, instituições, etc. Nesses casos,
falamos dos conflitos gerados pela atividade
e, portanto, colocados externamente aos pro-
fissionais. A estratégia mais simples que temos
utilizado nesses casos é a de socializar a dúvi-
da. Trata-se de colocar a questão a colegas e
procurar verificar como eles têm lidado com
dilemas similares, em busca de alguma orien-
tação normativa. As comissões de ética dos
diversos conselhos têm oferecido orientação
em muitos casos, e os profissionais devem lem-
brar deste recurso quando se virem nessas si-
tuações.
O segundo tipo de conflito ético importan-
te diz respeito à própria relação com o sujeito.
Idealmente, esses conflitos deveriam ocorrer na
esfera consciente, e o profissional deveria pro-
curar resolver seus interesses sem envolver o
paciente. Nossa experiência em supervisão, no
entanto, mostra que existem situações, não
raras, em que o conflito não é diretamente
percebido pelo avaliador. Um exemplo comum
é o paciente difícil ou inconveniente, que pode
ser negligenciado ou até mesmo abandonado
pelo profissional que, inconscientemente, de-
56 JUREMA ALCIDES CUNHA
seja evitá-lo. O melhor contexto para desen-
volver habilidades internas para lidar com es-
sas situações é na supervisão clínica. Ela nos
permite enxergar com os olhos do outro. A
supervisão é uma atividade que oferece meios
fundamentais para o profissional entrar em
contato com entraves pessoais no trabalho clí-
nico, devendo ser utilizada sempre que possí-
vel, principalmente no início de carreira. Mes-
mo pessoas experientes buscam colegas para
darem opiniões em situações difíceis. Um olhar
diferente tem sempre o potencial de favorecer
nossa compreensão sobre um caso. Em ambas
as situações descritas – de conflitos impostos
pela natureza da tarefa, ou pela experiência do
profissional na relação –, o antídoto é não se
isolar, buscar apoio em profissionais e colegas
de confiança e desenvolver a capacidade pes-
soal de lidar com a complexidade dessas situa-
ções.
Quando os pais decidem consultar por um problema ou enfermidade de um 
filho, peço-lhes uma entrevista, advertindo que o filho não deve estar presente, mas 
sim ser informado da consulta.
Embora seja sugerida a conveniência de ver pai e mãe, é frequente que com­
pareça só a mãe, excepcionalmente o pai e poucas vezes os dois. Em alguns casos 
muito especiais, um familiar, amigo ou institutriz já vieram representando os pais. 
Qualquer dessas possíveis situações é, em si mesma, reveladora do funcionamento 
do grupo familiar na relação com o filho.
Quando a entrevista é com os dois pais, cuidaremos de não mostrar prefe­
rências, embora inevitavelmente se produza um melhor entendimento com um 
deles. Esse entendimento deve servir para uma melhor compreensão do problema 
e não para criar um novo conflito.
Para que formemos um juízo aproximado sobre as relações do grupo fami­
liar e em especial do casal, apoiaremo-nos na impressão deixada pela entrevista ao 
reconsiderar todos os dados recolhidos. Essa entrevista não deve parecer um inter­
rogatório, com os pais sentindo-se julgados. Pelo contrário, deve tentar aliviar-lhes 
a angústia e a culpa que a enfermidade ou conflito do filho despertam. Para isso 
devemos assumir desde o primeiro momento o papel de terapeuta do filho, interes- 
sando-nos pelo problema ou sintoma.
Os dados que nos colocam à disposição os pais podem não ser exatos, defor­
mados ou muitos superficiais, pois n.1o costumam ter um conhecimento global da 
situação e durante a entrevista nsqimcnm parte do que sabiam, devido à angústia 
que esse conhecimento provoc.i Vnum noi como juizes. Além disso, não podem,
82 Psicanálise da Criança
em tempo tão limitado, estabelecer uma relação com o terapeuta - até então pes­
soa desconhecida - que lhes permita aprofundar-se em seus problemas.
Não consideramos conveniente finalizar essa entrevista sem ter conseguido 
os seguintes dados básicos que necessitamos conhecer antes de ver a criança: a) 
motivo da consulta; b) história da criança; c) como transcorre um dia de sua vida 
atual, um domingo ou feriado e o dia do aniversário; d) como é a relação dos pais 
entre si, com os filhos e com o meio familiar imediato.
E necessário que essa entrevista seja dirigida e limitada de acordo com um 
plano previamente estabelecido, porque não sendo assim, os pais, embora cons­
cientemente venham falar do filho, têm a tendência de escapar do tema, fazendo 
confidências de suas próprias vidas. A entrevista tem o objetivo de que nos falem 
sobre a criança e da relação com ela; não devemos abandonar este critério durante 
todo o tratamento. Como já foi dito, precisamos obter os dados de maior interes­
se em tempo limitado, que está entre uma e três horas.
A ordem anteriormente citada foi escolhida por mim depois de provar mui­
tas outras. Tratarei de fundamentá-la.
a) MOTIVO DA CONSULTA
Se resolvi interrogar primeiro sobre o motivo da consulta é porque o mais 
difícil para os pais, no início, é falar sobre o que não está bem no/e com o filho. Essa 
resistência não é consciente, visto que já foi vencida quando decidiram pela consul­
ta. Para ajudá-los, temos que tratar de diminuir a angústia inicial, e é o que se con­
segue ao enfrentarmos e encarregarmo-nos da enfermidade ou do conflito, posicio- 
nando-nos como analistas do filho.
Devem sentir que tudo o que recordam sobre o motivo da consulta é impor­
tante para nós e, na medida das possibilidades, registraremos minuciosamente os 
dados de início, desenvolvimento, agravação ou melhora do sintoma, para depois 
confrontarmos com os que conseguirmos no transcurso da entrevista.
Ao sentirem-se aliviados, recordam mais corretamente os acontecimentos 
sobre os quais os interrogaremos na segunda parte. Mesmo assim, devemos aceitar 
que ocorram esquecimentos totais ou parciais de fatos importantes, dos quais pode­
mos tomar conhecimento meses depois, pela criança, estando ela já em tratamen­
to. Também os pais - sempre que a melhora do filho diminua suficientemente a 
angústia que motivou o esquecimento - poderão lembrar-se das circunstâncias 
desencadeadoras, reprimidas na entrevista.
Apesar dessa inevitável limitação, o material obtido é valioso, não só para o 
estudo do caso, como também para a compreensão da etiologia das neuroses infan­
tis, capacitando-nos para uma tarefa de profilaxia.
A comparação dos dados obtidos durante a análise da criança com os apre­
sentados pelos pais na entrevista inicial é de suma Importância para avaliar em pro­
fundidade as relações com o filho.
Juliana Toyokawa
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Juliana Toyokawa
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Arminda Aberastury 83
b) HISTÓRIA DA CRIANÇA
Interessa-me saber a resposta emocional - especialmente da mãe - ao anún­
cio da gravidez. Também se foi desejada ou acidental, se houve rechaço aberto com 
desejos de abortar ou se a aceitaram com alegria.
Pergunto-lhes depois como evoluíram seus sentimentos, se a aceitaram, se 
se sentiram felizes ou se iludiram, porque tudo o que acontece desde a concepção 
é importante para a evolução posterior. Todos os estudos atuais enfatizam a relação 
da mãe com o filho e é um fato comprovado que o rechaço emocional da mãe, seja 
ao sexo como à idéia de tê-lo, deixa marcas profundas no psiquismo da criança. Por 
exemplo, um filho que nasce com a missão de unir o casal em vias de separação leva 
o selo deste esforço. O fracasso determinará nele uma grande desconfiança de si 
mesmo e de sua capacidade para realizar-se na vida.1
A resposta que nos dá a mãe sobre a gravidez indica qual foi o início da vida 
do filho. Não espero que a resposta seja um fiel reflexo da verdade, mas o que os 
pais nos dizem, confrontado com o material oferecido pela criança, será de grande 
utilidade na investigação.2 Em alguns casos, houve, a princípio, ocultamentocons­
ciente de fatos importantes. Apesar disso, na maioria das vezes, trata-se de esque­
cimentos, omissões ou deformações de memória por conflitos inconscientes.3 Às 
vezes este esquecimento é tão notório e incompreensível que somente a frequên­
cia de fatos similares - na minha experiência e na de outros analistas - levou aceitar 
que não se trata de um engano consciente nem de um ocultamento voluntário. 
Refiro-me a casos onde ocorreram abortos não mencionados, antes e depois do 
nascimento do paciente ou circunstâncias da vida familiar, ocorridas durante a gra­
videz, completamente esquecidas.4
Embora na verdade muitas crianças não sejam desejadas por seus pais - pelo 
menos no momento da concepção -, a resposta que obtemos, na maioria dos casos, 
é de que foram desejadas; no caso de concordarem com alguma rejeição, a atri­
buem ao outro cônjuge. Dificuldades semelhantes apresentam-se quando interroga­
mos sobre a gravidez e o parto. E quase norma que, nos antecedentes consignados 
na primeira entrevista, leiamos: “ Filho desejado, gravidez e parto normais” , e é, 
pelo contrário, muito pouco frequente que estes dados se mantenham na história 
reconstruída.
Por exemplo, nos consultaram por uma menina de dois anos e meio que 
vinha com os diagnósticos de epilepsia (o primeiro) e de oligofrenia. Nos anteceden­
tes aparecia como filha desejada de um casal sem dificuldades, tinha uma irmã de 
três meses e a mãe não recordou problemas nem antes nem durante a gravidez.
1 Isto se comprovou em todos 01 casos am que «e analisaram crianças nascidas para cumprir esta mis
sao.
2 Cf. capitulo 13.
3 Cf. capitulo 14.
4 Cf. capitulo 13.
Juliana Toyokawa
Realce
84 Psicanálise da Criança
Ao que parecia, a criança nasceu de parto normal e teve um desenvolvimen­
to sem transtornos até os nove meses, quando sofreu um desmaio enquanto a mãe 
a banhava. Recordou a mãe que quis inclinar a cabecinha da filha para lavá-la e neste 
momento a menina perdeu o conhecimento. Aos treze meses se apresentou a pri­
meira convulsão. A mãe levava, nesta oportunidade, a filha nos braços, e também 
vários pacotes. Ao cair um deles, deixou a filha no chão; esta subitamente caiu e 
desmaiou, sendo em seguida hospitalizada.
Vejamos agora as condições reais da concepção, gravidez e parto, assim 
como o caminho pelo qual chegamos a estes dados. Por indicação da analista con­
sultada inicialmente,5 a mãe entrou para um grupo de orientação, do qual eu era a 
terapeuta, e a filha começou sua análise individual.6
Chegamos, pouco a pouco, a um surpreendente fluir de recordações que 
modificaram os dados iniciais. Efetivamente, a mãe recordou que anteriormente 
tivera um aborto de três meses e durante a gravidez da paciente, ao terceiro mês, 
haviam-se produzido perdas de sangue, como na primeira gravidez. O médico acon­
selhou uma curetagem, justificando que, ainda que a gravidez chegasse a termo, se 
correria o risco de dar à luz um filho enfermo. Apesar desta indicação médica, a mãe 
empenhou-se em continuar a gravidez, permanecendo na cama até o parto.
Durante a sessão de grupo em que recordou esta circunstância, relatou, 
muito comovida, que, sendo criança, brincava de que suas bonecas eram taradas e 
ela as curava. Quando o médico a advertiu da possibilidade de ter um filho enfermo, 
recordou esta velha fantasia infantil de maternidade e resolveu cuidar-se para tê-lo 
são, o que lhe deu forças para seguir adiante e imobilizar-se na cama.
No momento do parto, apresentou-se uma complicação7 e quando o médi­
co ia aplicar ao fórceps, a mãe fez um “esforço supremo” , não sendo necessário uti­
lizá-lo. A criança nasceu com uma luxação congênita de quadril e ao terceiro mês o 
mesmo em que apareceram as perdas e se iniciou a imobilização - a mãe decidiu 
consultar. Imobilizaram a criança até os nove meses, coincidindo esta data também 
com a imobilidade da mãe e o parto. Este esclarecimento foi a resposta às interpre­
tações que lhe eram feitas no grupo e aos progressos da filha no tratamento, fatos 
que, aliviando sua angústia e sua culpa, permitiram-lhe recordar mais facilmente os 
acontecimentos que deram início à grave enfermidade da menina.
Dificilmente os pais recordam e avaliam conscientemente a importância dos 
fatos relacionados com a gravidez e o parto, mas em seu inconsciente tudo está gra­
vado. Não devemos, pois, desorientar-nos se ao interrogatório sobre o parto cos­
tumam responder somente se foi rápido ou demorado. Convém perguntar se foi a 
termo, induzido, com anestesia, sobre a relação com o médico ou parteira, se 
conheciam bem o processo, se estavam dormindo ou acordados, acompanhados ou
5 Susana L. de Ferrer.
6 Com Gela H. de Rosenthal.
7 Má rotação de cabeça.
Arminda Aberastury 85
sozinhos. Estas perguntas abrem às vezes muitos caminhos à memória, sempre que 
o terapeuta mantenha, durante a entrevista, o espírito que sugerimos e ajude, prin­
cipalmente, a valorizar a relação com o filho.
Quando tivermos suficiente informação sobre o parto, perguntamos se a lac- 
tância foi materna. Se foi, interessa saber se o nenê tinha reflexo de sucção, se se 
prendeu bem ao peito, a quantas horas depois do nascimento e as condições do 
mamilo. Depois perguntaremos sobre o ritmo de alimentação; não só a frequência 
entre as mamadas, mas também quanto tempo succionava em cada seio. Não é fre­
quente a alimentação a horário e com ritmo determinado pela mãe. O mais comum 
é que não limitem o tempo de sucção, não respeitem o intervalo entre as mamadas 
e não tenham uma hora fixa para iniciar a alimentação.
Isso faz com que a mãe se sinta invadida pela obrigação de alimentar o seu 
filho. Se não tem uma hora determinada para começar, nem um intervalo regular de 
amamentação, durante toda sua vida se verá limitada e não saberá nunca quando 
poderá dispor de tempo para ela. Por isso, a forma como se estabelece a relação 
com o filho nos proporciona um dado importante, não só da história do paciente, 
mas também da relação com a mãe e a idéia desta sobre a maternidade. E de suma 
importância para o desenvolvimento posterior da criança a forma como se estabe­
lece a primeira relação pós-natal. Conhecemos bastante sobre a importância do 
trauma de nascimento na vida do indivíduo; a observação de lactantes e a análise de 
crianças pequenas nos ensinaram muito sobre a forma de ajudá-los a elaborar este 
trauma. Um dos elementos primordiais para isto é facilitar ao bebê suficiente con­
tato físico com a mãe depois do nascimento.
Este contato deveria aproximar-se o mais possível da situação intrauterina e 
estabelecer-se o quanto antes; pois assim será mútua ajuda. Para a criança, porque 
recupera parte do que perdeu; a demora excessiva aumenta a frustração e o desam­
paro, incrementa as tendências destrutivas, dificultando sua relação com a mãe. Para 
a mãe é de ajuda, porque o nascimento do filho é um desprendimento que lhe repe­
te seu próprio nascimento. Dar é para ela uma renovação constante do que ela 
mesma recebeu quando filha. Por isso, quanto mais dá e em melhores condições, 
mais se enriquece o vínculo com sua mãe interna. A indicação tão frequente de levar 
o bebê para longe da mãe, para que ela descanse é totalmente errônea, porque nem 
um nem outro descansam bem ao ser frustrada esta necessidade tão intensa. Outras 
finalidades do estabelecimento da lactação a ritmo regular é a de proporcionar ao 
bebê a possibilidade de dominar a ansiedade, uma das mais difíceis tarefas do ego 
depois do nascimento. Efetivamente, com a alimentação a horário oferece-se esta­
bilidade, que surge pelo fato de ser o objeto sempre o mesmo, em condições seme­
lhantes, se é possível sempre no mesmo quarto, na mesma cadeira e postura, em 
intervalos regulares. Todos sabemos que é fâcll para a criança adotar um ritmo que 
lhe convenha. Por isso, depois das prlmolras tentativas, que flutuam em intervalos 
de duas horas e meia a très horas e mala, oscolhe-se o ritmo adequado, respeitan- 
do-o posteriormente. Conhecer ni hora» livresdo dia não só é útil para a mãe que 
trabalha, mas também para aquela < u|a únlc a «xlgônda - sem considerar o bebê -
86 Psicanálise da Criança
seja cuidar de si mesma. Quando a mãe nos refere as características da lactância, 
devemos insistir até saber o mais possível sobre como se deram essas exigências 
básicas para ambos. Uma mãe sadia não necessita de conselhos para cuidar de seu 
filho e a compreensão de suas necessidades a leva instintivamente a dar-lhe carinho, 
contato e alimento. E por inibições e deformações do ser humano que estes atribu­
tos básicos devem ser ensinados ou, melhor dizendo, reensinados. Nada do que 
acontece ao bebê - fome, frio, sede, necessidade de contato e de roupa adequada
- escapa à compreensão de uma mãe que se sente ligada ao filho por algo tão sutil 
e firme como o foi o cordão umbilical na vida intrauterina. Ainda assim, frequente­
mente, quando a criança chora, a mãe se alarma e sua primeira reação é dar-lhe ali­
mento; costuma desesperar-se se não o aceita. Mas é comum que o bebê esteja 
chorando porque revive uma má experiência, que lhe produz alucinação, e que seja 
suficiente a voz afetuosa da mãe, um olhar sorridente, o contato físico com ela, que 
o embale ou cante, para afastar, com uma experiência atual de prazer, a má imagem 
interna que produziu a alucinação. Ao contrário, é provável que uma criança que 
esteja revivendo uma má experiência com o peito, talvez porque neste momento 
tenha dores ou cólica, sinta como perigosa uma nova oferta de alimento, rejeitan­
do-a ou tomando-a com temor. Se é obrigado, e ele não se pode defender, ingere, 
reforçando a imagem terrorífica.
Por isso é de grande utilidade, para compreender a relação mãe-filho, per­
guntar sobre a forma como costumava acalmá-lo quando chorava e como reagia 
quando pretendia alimentá-lo e ele rechaçava; isso também pode ensinar-nos muito 
sobre as primeiras experiências da criança.
Por outro lado, não nos diz nada a resposta global dada habitualmente nos 
antecedentes: “ Lactância materna até os cinco, oito ou nove meses” . Desta forma 
não se consegue mais que uma fórmula, com muito a ser investigado.
Estes detalhes da relação com o filho que com frequência não conseguimos 
da mãe vão surgindo pouco a pouco do material da criança quando a analisamos. 
Nem tudo o que ele esperava do mundo era alimento e também não é tudo o que 
a mãe pode lhe dar. Hoje sabemos de mães que não davam peito a seus filhos, mas 
que tiveram bom contato com eles, determinaram uma imagem materna melhor 
que no caso afetivo, não proporcionando as gratificações surgidas desta boa cone­
xão.
Por todos estes motivos, o que sabemos da lactância depois da primeira 
entrevista é somente o começo do que conseguiremos saber através da análise da 
criança e, eventualmente, de novas entrevistas com os pais. Elas são úteis, principal­
mente para confirmação e investigação de novos dados.
Quando perguntamos às mães quantas horas depois do parto viram seu filho 
e o colocaram ao seio, costumam assombrar-se, não se lembrando. Emoções tão 
intensas são geralmente reprimidas por conflitos. A experiência mostra que quanto 
melhor tenha sido esta primeira relação mais fácil e detalhadamente a recordam.
Se a mãe não pôde amamentar seu filho ou o foz por pouco tempo, convém 
perguntar em detalhes sobre a forma como lhe dava a mamadeira; se o mantinha em
Juliana Toyokawa
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Juliana Toyokawa
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Arminda Aberastury flf lj
íntimo contato com ela, ou se deitado no berço, se o furo do bico era pequeno ou 
grande e quanto demorava o bebê para alimentar-se.
A criança, ao reviver sua lactância no tratamento, nos mostra em seus |oj|o» 
detalhes significativos. Um paciente de dois anos se preocupava, quase que exclusi­
vamente, em pesar a comida numa balancinha, buscando que os dois pratinho* *%tl 
vessem na mesma altura. Quando a terapeuta8 perguntou à mãe - que era mullo 
obsessiva - sobre as características da lactância do bebê, esta relatou que peiav«* a 
criança depois de cada mamada e que a tinha exatamente o mesmo tempo em c.nU 
seio.
Seguindo a história, perguntaremos como o bebê aceitou a mudança do poli o 
à mamadeira, do leite a outros alimentos, de líquidos a sólidos, como paplnha* « 
carne. Saberemos assim muito sobre a criança, sobre a mãe e sobre posslblllcl.nl« 
dos dois se desprenderem de velhos objetos. A passagem do peito a outras fonte* 
de gratificação oral exige um trabalho de elaboração psicológica, que Melanle Klein 
descobriu, comparável ao esforço do adulto por elaborar um luto por um »p i 
amado. A forma como a criança aceita esta perda nos mostrará como, em lua vIcU 
futura, enfrentará as perdas sucessivas que lhe exigirá a adaptação à realidade,"
Uma mãe que solucionou bem este problema na sua própria Infând» ou 0 
elaborou através de um tratamento psicanalítico, solucionará estas primeiras dlflt ui 
dades da criança, começando lentamente, insistindo ou abandonando temporal I» 
mente a tentativa. Se nos informam que à mudança de alimentação o bebê reuniu 
com rechaço, perguntaremos os detalhes de como foi conduzida a sltuaçAo, *e 
pacientemente ou com irritação, podendo assim ir construindo o quadro.
E importante investigar a data do desmame e as condições em que ocoueii 
Às vezes descobrimos que o bico ou a mamadeira foram mantidos até os cinco ou 
seis anos, embora tenham dito ao princípio que o desmame ocorreu aoi nove 
meses.
As relações de dependência e independência entre mãe e filho refletem »e 
também nas atitudes e expressões dos dois quando o bebê começa a sentir nei et 
sidade de movimentar-se por conta própria. A mãe pode ver ou não esta necenlilrt 
de, frustrá-la ou satisfazê-la.
Entre o terceiro e quarto mês de vida, a criança entra num período no «|im I 
seu psiquismo é submetido a uma série de exigências novas e definitivas, que se < on 
cretizam na segunda metade do primeiro ano, com a aquisição do caminhar e <la lln 
guagem.10
Quando a criança pronuncia a primeira palavra, tem a experiência de que ein 
faz a conexão com o mundo e que é uma maneira de fazer-se compreender. O n|t.i
8 Elizabeth G. de Garma.
9 KLEIN, Melanie. "El psIcoanAllili da ninoi", capitulo VI, Neurósis en los n/rios, p.I 11.
10 PICHON RIVIÈRE, Arminda Abarutury da, "La dentición, la marcha y el lenguaj« an relatldn i (in 
la posición depresiva". Rnv, do Pilcoand/iili, tomo XV, |an«lro-|unho de 1958.
Soo88 Psicanálise da Criança
recimento do objeto que nomeia, assim como a reação emocional ao seu progres­
so, justificam suas crenças na capacidade mágica da palavra. Inicialmente, esta é uma 
relação com objetos internos, como o foi antes o laleio" e, pela aprendizagem gra­
dual e pelas provas de realidade, a linguagem se transforma num sistema de comu­
nicação. Estas conclusões, resultado de observação de lactantes e de tratamentos 
analíticos de crianças que sofriam transtornos da palavra, fazem com que esta parte 
do interrogatório seja de muita importância para avaliar o grau de adaptação da 
criança à realidade e o vínculo que se estabeleceu entre ela e os pais. O atraso na 
linguagem e a inibição no seu desenvolvimento são índices de uma séria dificuldade 
na adaptação ao mundo.
E frequente que os pais não lembrem a idade na qual o menino pronunciou 
a primeira palavra ou o momento em que se apresentaram os transtornos. Neste 
período da vida, a figura do pai ganha grande importância e sua ausência real ou psi­
cológica pode frear gravemente o desenvolvimento da criança, ainda que a mãe a 
compreenda bem e a satisfaça.
Encontramos, às vezes, crianças de dez e onze meses cujas mães os man­
têm num regime de vida que corresponde aos três. Por isso, quando perguntamos 
à mãe a que idade caminhou seu filho, estamos perguntando se, quando ele quis 
caminhar, ela o permitiu de boa vontade, se o favoreceu, se o freiou, se o apurou 
ou se se limitou a observá-lo e responder ao que ele pedia. Poucas são as vezes em 
que este desenvolvimento ocorre normalmente. O andador é, por exemplo, umsubstituto da mãe que é melhor que a imobilidade, mas não substituirá nunca os 
bons braços da mãe que o ajuda a caminhar e se oferecem como uma continuação 
de si mesmo para as experiências iniciais no mundo, levando-o prazerosamente e 
sem pressa. A criança que pode assim identificar-se com o caminhar da mãe incor­
pora no seu ego a habilidade para caminhar. Seu desenvolvimento se fará por um 
crescimento gradual de possibilidade, de tal forma que busque comer, dormir, falar 
e caminhar com seus pais. De acordo com o que a criança, na sua fantasia incons­
ciente, está recebendo deles, o ensinamento se incorpora como êxito do ego ou 
passará a fazer parte um superego censurador, que o freará, ou poderá cair e 
machucar-se quando queira caminhar e não se sinta permitido amplamente a par­
tir de seu interior.
Quando interrogamos sobre este ponto, as respostas da mãe esclarecem 
muito sobre sua capacidade de desprender-se bem do filho. Podem dizer-nos, por 
exemplo, que seguem tendo saudade de quando era bebê, “tão lindo e tão limpi- 
nho” , ou comentar que apesar de lhes ter dado muito trabalho nesse momento, 
dava gosto vê-lo fazer um progresso a cada dia.
Para a criança, o caminhar tem o significado - entre muitos outros - da sepa­
ração da mãe, iniciada já no nascimento. Portanto, a mãe compreensiva deixa seu 
filho caminhar sem apurá-lo, nem travá-lo de modo que o desprendimento seja
11 ALVAREZ DE TOLEDO, Luisa G. de e PICHON RIVIÈRE, Armlnda Aberastury de. "La música y los 
Instrumentos musicales". Rev. de Pslcaanállsls, tomo I, p.185-200.
Juliana Toyokawa
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Arminda Aberastury 89
agradável e alegre, oferecendo-lhe assim uma pauta de conduta que guiará seus pas­
sos no mundo.
Perguntamos se o bebê tinha tendência a cair ao começar a caminhar e se 
posteriormente costumava bater-se, porque as respostas nos esclarecem sobre o 
sentimento de culpa e sobre a forma de elaboração do complexo de Edipo. A ten­
dência a golpear-se ou aos acidentes é índice de má relação com os pais e equivale 
a suicídios parciais por má canalização dos impulsos destrutivos.
Na segunda metade do primeiro ano intensificam-se na criança tendências 
expulsivas, que se manifestam no seu corpo e em sua mente. A projeção e a expul­
são são a forma de aliviar as tensões e se estes mecanismos se travam, as cargas 
emocionais se acumulam, produzindo sintomas.
Um dos mais frequentes, neste período da vida, é a insônia; este e muitos 
outros se incluem nos quadros patológicos habituais da criança durante o período 
da dentição,12 que, portanto, merece nossa especial atenção. Interessar-nos-á saber 
se a aparição das peças dentárias foi acompanhada de transtornos ou se se produ­
ziu normalmente e no momento adequado. Interrogamos logo sobre o dormir e 
suas características, porque estão muito relacionadas. No caso de haver transtornos 
do sono, perguntamos qual é a conduta com a criança e quais são os sentimentos 
que os sintomas despertam nos pais. E importante a descrição do quarto onde 
dorme o bebê, se está só ou se necessita da presença de alguém ou alguma condi­
ção especial para conciliar o sono. Durante a dentição podem aparecer transtornos 
transitórios do sono, que se agravam ou desaparecem conforme o meio ambiente 
maneje a situação.
Este problema é um dos mais perturbadores na vida emocional da mãe e põe 
à prova sua maternidade.13
O uso do bico como hábito destinado a conciliar o sono é um dos fatores que 
favorecem a insônia. Os pais costumam dizer que o bebê não dorme se lhe tiram o 
bico. Na nossa experiência com grupos de orientação de mães, analisamos suas rea­
ções frente a este problema, encontrando que a dificuldade não era do bebê, mas 
dos pais, que postergam a decisão ou criam situações que dificultam a solução do 
problema.
O desmame, que habitualmente ocorre no final do primeiro ano de vida, sig­
nifica muito mais que dar ao menino um novo alimento; é a elaboração de uma 
perda definitiva, e depende dos pais que se realize com menos dor, mas isto só 
podem fazê-lo se eles mesmos a elaboraram bem.
12 PICHON RIVIÈRE, Arminda Aberastury do. "Transtornos emocionales de los niftos vinculados con 
la dentición". Rev. de Odontologia, vol. 39, n° 9, agosto de 1951.
13 Sabe-se que um dos métodos de tortura mala eficazes para conseguir uma confissão 6 o do dos 
portar o Interrogado em Hguldl que dorm«, pormltlndo-lhe que durma outra vez para acordá-lo 
quando concilia o sono. A ropetlçSo continua deita método doblllta o ego a tal ponto que |á nito 
poderA defender sua convIcçAo do paimanai«i c alado.
Psicanálise da Criança
Quando sabemos com que idade e de que forma se realizou o controle de 
esfíncteres, amplia-se nosso conhecimento sobre a mãe. E temos encontrado que 
se a aprendizagem do controle de esfíncteres é muito cedo, muito severo, ou está 
ligado a outros acontecimentos traumáticos, conduz a graves transtornos, em espe­
cial à enurese. Por isso o terapeuta deve perguntar sobre a idade em que começou 
a aprendizagem, a forma como se realizou e a atitude da mãe frente à limpeza e à 
sujeira.14
Um bebê de poucos meses não tem um desenvolvimento motriz que lhe 
permita permanecer no urinol ou levantar-se à vontade; este é um dos motivos pelo 
qual se aconselha iniciar a aprendizagem quando a criança disponha do caminhar. 
Segundo outro ponto de vista, não é conveniente um controle prematuro se se con­
sidera que a matéria fecal e a urina são substâncias que têm para o inconsciente o 
significado de produtos que saem do corpo e cumprem a função de tranquilizar suas 
angústias de esvaziamento, normais a esta idade. Passado o primeiro ano, pelo pro­
cesso de simbolização e pela atividade de jogo que já é capaz de realizar, as cargas 
positivas e negativas postas nestas substâncias se deslocaram a objetos e pessoas do 
mundo exterior, podendo assim desprender-se delas sem excessiva angústia.
A aprendizagem prematura lhe impõe esse desprendimento antes que dispo­
nha dos substitutos, que vai adquirindo por crescente elaboração e pela aquisição, 
êxitos vinculados com o caminhar e a linguagem.
Se a aprendizagem, além de ser precoce, é severa, é vivida como um ataque 
da mãe ao seu interior, como retaliação a suas fantasias, que neste período estão 
centradas no casal parental em coito e trará como consequência a inibição de suas 
fantasias, com transtornos no desenvolvimento das funções do ego.15
As respostas que a mãe nos dá sobre este ponto não só nos orientam para 
avaliar a neurose da criança, como para compreender o vínculo que tem com o 
filho.
São poucas as mães que lembram com exatidão esses dados. Felizmente, o 
material da análise de crianças, em especial de crianças pequenas, nos permite 
reconstruir posteriormente essas experiências e as podemos comparar ulterior­
mente com o que os pais lembram mais tarde.16
Um dos primeiros casos que me orientou nesta investigação foi o de uma 
menina enurética. A mãe tinha relatado na entrevista inicial que o controle de 
esfíncteres tinha iniciado com muita paciência e quando a menina tinha mais de um 
ano. Sabíamos teoricamente que uma criança com esse transtorno sempre é subme­
tida a uma aprendizagem precoce e severa. Descobrimos em seguida, através do 
material dessa menina, que no seu caso também tinha sido assim. Em entrevista 
ulterior, depois de meses de tratamento, graças ao qual melhorou sensivelmente o
14 Cf. capítulo 13.
15 Cf. capítulo 9, caso Patrícia.
16 Cf. capítulo 13.
Arminda Aberastury 91
sintoma, a mãe lembrou assombrada que a filha tinha recebido uma aprendizagem 
em dois tempos e que ela na entrevista inicial havia lembrado somente o segundo. 
Tinha esquecido que, quando a filha tinha quinze dias, a sogra, que vivia com eles, 
insistiu em iniciar o controle de esfíncteres contra sua vontade e com o consenti­
mento do marido. Esta situação foi uma das tantas que expressou o conflito entre o 
casal. As circunstâncias em que iniciou este primeiro controle e o conflito matrimo­
nial subjacente explicam o esquecimentoda mãe.
Quando interrogamos sobre enfermidades, operações ou traumas, consigna­
mos na história não só a gravidade, senão também a reação emocional dos pais. É 
frequente o esquecimento das datas e das circunstâncias da vida familiar que acom­
panham estes acontecimentos.
Quero aqui relatar um caso de esquecimento onde se pode ver muito bem 
como a intensidade deste se deve à gravidade do conflito.
Consultaram-me a respeito de um menino muito tímido de sete anos, que 
tinha inibições de aprendizagem. Nos antecedentes não figurava nada que justificas­
se a gravidade do sintoma. Quando interroguei a mãe de Raul sobre situações trau­
máticas nos primeiros anos de vida, a mãe respondeu que não lembrava de nenhu­
ma. Durante a análise da criança, apareceu um sonho cujas características e repeti­
ção faziam pensar na existência de uma situação traumática: “via-se na cama rodea­
do de cães, que às vezes eram ameaçadores cães-lobos” .
Meses depois da primeira entrevista e após acentuada melhora da criança no 
seu rendimento escolar, chamou-me a mãe para comunicar-me que havia lembrado 
de algo importante, algo que não compreendia como podia ter esquecido na primei­
ra entrevista.
Quando seu filho tinha dois anos, foi destroçado por um cachorro, que, pela 
sua ferocidade, estava sempre atado, mas que naquele dia se soltara. O menino teve 
que ser internado e ela impôs como condição que se expulsasse o cachorro antes 
de voltar a casa; mas, como seu marido estava muito encarinhado com o animal e 
lhe assegurou que nunca mais voltaria a desatá-lo, aceitou retornar a casa, ainda que 
não se cumprisse sua exigência. Dois anos depois, atraída pelos gritos de seu filho, 
vendo-o novamente atacado pelo cachorro, quis defendê-lo, sofrendo ela mesma 
graves mordidas no peito e no pescoço.
Em situações menos extremas, mas traumáticas, como enfermidades, opera­
ções, caídas, produzem-se esquecimentos similares; por esta razão, é frequente que 
os dados que obtenhamos nesta parte do interrogatório sejam pobres.
As complicações que se apresentam nas enfermidades comuns da infância 
são por si mesmas índice de neurose e é importante registrá-las na história.
Quando perguntamos aos pais sobre a sexualidade do filho, costumam 
assombrar-se pela pergunta, mas geralmente nos informam com facilidade sobre 
este ponto, salvo quando negam qualquer atividade sexual do filho. Trataremos aqui 
de averiguar as observações feita* a roipolto, E é este momento do interrogatório 
o que nos apresenta as malore* surproia*, não só sobre os conceitos do adulto com 
respeito à sexualidade da criança, como timbém sobre a forma de responder as
92 Psicanálise da Criança
suas perguntas. Nos grupos de orientação, temos muitos exemplos das graves difi­
culdades que encontram os pais para responder a verdade.
A atitude consciente e inconsciente dos pais frente à vida sexual de seus 
filhos tem influência decisiva na aceitação ou rejeição que a criança terá de suas 
necessidades instintivas. O que hoje conhecemos sobre a vida instintiva da criança e 
sobre suas manifestações precoces causa assombro aos adultos. Freud também cau­
sou assombro e rejeição quando descobriu que a criança ao mamar não só se ali­
menta, como também goza. Afirmar hoje que uma criança de um ano se masturba 
ou tem ereções e que a menina conhece sua vagina e que ambos sentem desejos de 
união genital opõe-se a tudo o que até hoje se aceitava sobre a vida de um bebê e 
também desperta rechaço.
Quando perguntamos se a criança realiza suas atividades sexuais abertamen­
te e quais são, costumam responder que descobriram ou que espiaram; menos fre­
quente, as relatam como fatos normais da vida da criança.
Há pais que, por mau conhecimento do que significa a liberdade sexual, favo­
recem e levam seus filhos a ditas atividades ou as comentam abertamente como gra­
ças ou provas de precocidade.
Há outros que creem que exibir-se nus ou favorecer atividades como o 
banho junto com eles ou com irmãos é favorável para o desenvolvimento. Este tipo 
de pais costuma antecipar-se ao esclarecimento sexual e não esperar o momento 
em que a criança o requeira.
O desejo de união genital do bebê ao satisfazer-se só em forma precária atra­
vés da masturbação é o motor que impulsiona e põe em movimento a atividade de 
jogo. M. Klein pôde descobrir que atrás de toda atividade lúdica há fantasias de mas­
turbação.17
Quanto a esta atividade, os pais se surpreendem e geralmente não encon­
tram resposta a nossa pergunta sobre quais são os jogos preferidos do filho. Não 
sabemos se lhes assombra mais que damos importância ao jogo ou se é que tomam 
consciência do pouco que veem no filho, ainda que estejam todo o dia com ele. A 
descrição detalhada das atividades que realiza a criança nos serve para ter uma visão 
de sua neurose ou de sua normalidade. Freud descobriu que o jogo é a repetição de 
situações traumáticas com o fim de elaborá-las18 e que ao fazer ativamente o que 
sofreu passivamente, a criança consegue adaptar-se à realidade; por isso, avaliamos 
como índice grave de neurose a inibição para jogar. Uma criança que não joga não 
elabora situações difíceis da vida diária e as canaliza patologicamente em forma de 
sintomas ou inibições.
As condições atuais de vida favorecem o costume de que crianças desde 
muito pequenas sejam enviadas ao jardim-de-infância. Em muitos casos, quando a 
casa é extremamente pequena ou a mãe trabalha, esta pode ser uma medida favo­
17 KLEIN, Melanie. El psicoanálisis de ninos.
18 FREUD, Sigmund. “Más allá dei principio dei placer", tomo II, Una teoria sexual y otros ensayos, 
p.285.
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Realce
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rável para o desenvolvimento da criança, mas não quando, podendo e desejando 
permanecer na sua casa, sente que a enviam ao jardim-de-infância para livrar-se 
dela.
Quando perguntamos às mães em que idade os enviaram e quais foram os 
motivos que levaram a fazê-lo, vemos que, na maior parte dos casos, não se devem 
a uma necessidade ou desejo da criança, senão a dificuldades da mãe.
É frequente que a entrada no jardim-de-infância coincida com o nascimento 
de um irmão e, neste caso, longe de favorecer a elaboração deste acontecimento, 
constitui um novo elemento de perturbação; de fato, a criança nestas circunstâncias 
vive mais penosamente o fato de que lhe tiraram o lugar que habitualmente ocupa­
va na casa.
Observei que as crianças que vão desde muito pequenas ao jardim iniciam a 
escolaridade em piores condições que os que vão aos quatro ou cinco anos.
A permanência em casa, a participação na atividade diária e dispor de um 
espaço adequado para brincar livremente são as condições que favorecem o desen­
volvimento da criança até os quatro ou cinco anos. As atividades nas praças, na sua 
casa, na de amigos, satisfazem suficientemente a necessidade de contato com outras 
crianças.19 O ingresso na escola significa para ela não só desprender-se da mãe, 
como enfrentar a aprendizagem que nos seus começos lhe desperta ansiedades 
similares às que se observam nos adultos com angústia de exame.
Durante a análise de crianças, comprovou-se que as inibições de aprendiza­
gem escolar e as dificuldades para ir à escola têm suas raízes nos primeiros anos e 
que uma criança que não brincou bem tampouco aprende bem. Não podemos ava­
liar a gravidade das dificuldades de aprendizagem através do que os pais nos rela­
tam. É frequente que uma criança em aparência muito bom escolar seja uma crian­
ça muito neurótica, com inibições parciais, que nem sequer são percebidas pelos 
pais.
Em outros casos, os pais pintam um quadro aparentemente muito grave e se 
trata só de dificuldades momentâneas ou condicionadas por eles mesmos, como, 
por exemplo, havê-la enviado ao primeiro ano aos cinco anos de idade. Por isso é 
importante interrogar sobre a idade em que uma criança ingressou na escola e a 
facilidade ou dificuldade na aprendizagemda leitura e da escrita, assim como se lhe 
causa prazer, rejeição ou se mostra ansiedade ou preocupação exagerada para cum­
prir com seus deveres.
c) O DIA DE VIDA
A reconstrução de um dia de vida da criança deve ser feita mediante pergun­
tas concretas, que nos orientam sobre experiências básicas de dependência e inde­
19 Além disto, salvadas raras excoçôai, o |»rdlm-d«-lnfânda é um lugar onde se agrupam várias crian­
ças de diferentes Idades para quo Incomodam o mano* possível, portanto as mantêm continuamente 
ocupadas em atividades que nam lampra Mo que necoisltam no momento.
94 Psicanálise da Criança
pendência, liberdade ou coação externas, instabilidade ou estabilidade das normas 
educativas, do dar e do receber. Saberemos assim se as exigências são adequadas ou 
não a sua idade, se há precocidade ou atraso no desenvolvimento, as formas de cas­
tigo e prêmio, quais são suas capacidades e fontes de gozo e suas reações frente às 
proibições.
Isso nos permitirá uma visão inesperadamente completa da vida familiar e o 
que registramos será uma valiosa ajuda ao ser comparado com a história da criança. 
Despistaremos inexatidões, omissões e sua causa. E frequente que na história não 
nos tenham dito, por exemplo, que existia um transtorno no sono e no relato do dia 
de vida se faça evidente a descrição de um complicado cerimonial noturno que os 
pais não avaliaram como tal.
A descrição dos domingos, dias de festa e aniversários nos ilustra sobre o 
tipo e o grau da neurose familiar, o que nos permite estimar melhor a da criança e 
nos orientarmos no diagnóstico e no prognóstico do caso.
Quando interrogamos sobre o dia de vida, devemos perguntar quem o des­
perta e a que horas. Tratando-se de crianças maiores de cinco anos, é importante 
saber se se vestem sozinhos e desde quando; ou quem os veste e por quê. É útil 
conhecer este primeiro momento do dia para valorizar a dependência ou indepen­
dência adquirida de acordo com a sua idade cronológica, e a atitude dos pais frente 
à precocidade ou ao atraso na sua aprendizagem. Tudo isto é de um valor inegável, 
porque nos dá uma visão certa da vida da criança. Podem pensar que seu filho é 
independente, porque mantém uma certa rebeldia, e nós encontramos que, parale­
lamente a isto, lhes dão de comer na boca, os vestem e os banham tendo sete ou 
oito anos. E maior o conflito quando, em oposição a esta dependência patológica, o 
deixam sair só ou o levam a atividades típicas de crianças com mais idade.
d) RELAÇÕES FAMILIARES
Quando chegamos ao final da entrevista, costumam sentir-se já pouco dis­
postos a fazer confidências sobre si mesmos - como no princípio - e, em troca, 
inclinados a dar-nos uma idéia de sua relação afetiva com a criança e do que ela sig­
nifica para eles.
Compreende-se que muito pouco podemos saber sobre as verdadeiras rela­
ções entre eles e nos limitaremos por isso a consignar a idade, a localização dentro 
da constelação familiar, saber se os pais vivem ou não, profissão ou trabalho que 
realizam, horas que estão fora de casa, condições gerais de vida, sociabilidade deles 
e de seus filhos.
E possível que seja necessário dispor de mais de uma hora para completar a 
história, sobretudo para os principiantes, e convém fazê-lo, pois o fundamental é 
que tenhamos consignado todos os dados que possamos obter dos pais antes de ini­
ciar nosso trabalho com a criança, seja ele de diagnóstico ou de tratamento.
Arminda Aberastury 95
Tenho assinalado que devemos esforçar-nos por conhecer o máximo de 
detalhes sobre o sintoma: desenvolvimento, melhora e agravamento. Mostrarei 
através de um caso a forma como dirijo o interrogatório:
Consultaram-me a respeito de uma menina de dois anos e meio: Elena. O 
motivo da consulta era a evidência de um marcante atraso no caminhar, na lingua­
gem e no seu aspecto pouco desperto, perturbação que se acentuou no último ano. 
Tinha tido uma convulsão aos onze meses e outra aos dezoito.
Apesar de na entrevista participarem ambos os pais, falou sobretudo a mãe; 
o pai intervinha somente se a mãe ou eu lhe pedíamos algum esclarecimento. Como 
a mãe tinha tendência a dispersão, quando insisti que se explicasse a natureza do 
atraso, perguntei-lhe como caminhava a menina na atualidade. Respondeu-me que 
não lhe agradava nada caminhar e que se a levava a passear terminava por tomá-la 
nos braços, porque se cansava. Lembrou então que deu os primeiros passos ao 
redor de um ano, mas como não foi nunca muito ativa, não manifestou prazer no 
caminhar; costumava tê-la nos braços, ainda quando já podia caminhar. Tinha ainda 
a tendência de chocar-se contra os objetos que encontrava no caminho, tropeçar e 
cair. Quando perguntei se tinha gatinhado, me responderam que não, em parte por­
que não manifestava vontade e em parte porque não agradava à mãe que se sujas­
se. Segui o mesmo critério para interrogar sobre a linguagem e lhe perguntei como 
falava na atualidade. Assinalaram que o transtorno era sobretudo na articulação das 
palavras, portanto era difícil compreendê-la, ainda que conhecesse o nome de todos 
os familiares e dos objetos que a rodeavam e também nomeava adequadamente 
muitas ações. Quando perguntei em que idade tinha dito a primeira palavra, a mãe 
duvidou, interrrogou o pai e discutiram sobre o assunto, o que me fez pensar que 
nesse momento do desenvolvimento houve outros conflitos mais importantes que a 
própria linguagem.
Fiz-lhes algumas perguntas com a intenção de ajudá-los a orientar-se no 
tempo e no crescimento da menina, como: “ Era verão? Era inverno? Já caminhava?” . 
As respostas, confrontadas com a data de nascimento, me orientariam bem, mas 
neste caso não foram aclaratórias; repetiram que foi uma menina lenta e sempre 
tranquila demais, que não dava nenhum trabalho, e quando bebê “era como não ter 
filhos” , segundo manifestação do pai. Com estes dados, ainda que não soubéssemos 
quando havia pronunciado sua primeira palavra e qual havia sido, sabíamos algo mais 
sobre suas reações emocionais. Como na história estava consignada a primeira con­
vulsão aos onze meses - durante um episódio febril - orientei o interrogatório na 
direção desse sintoma. O médico que consultaram não lhe deu muita importância, 
e como lhe comunicaram que também sofria pavores noturnos, receitou dois 
Epamin diários. Lembraram também que nesse período costumava ter frequentes 
anginas e que foi durante uma delas que se manifestou a convulsão. Perguntei se 
esse período de pavores noturnos e episódios febris não tinha coincidido com a 
dentição, e responderam que talvez, mas que não podiam estar seguros. Não recor­
daram tampouco a data de aparição do primeiro dente. Perguntei até quando segui­
96 Psicanálise da Criança
ram com o Epamin e se a convulsão se repetiu, e desta pergunta obtivemos um dado 
interessante.
A segunda convulsão se apresentou aos dezoito meses e acompanhou-se da 
indicação do médico no sentido de aumentar a dose de Epamin. Observou a mãe 
que, logo depois da convulsão, a menina costumava estar distraída e apática duran­
te o dia. Também lembrou que sofreu de transtornos intestinais e que o apetite 
diminuiu. Com todos estes elementos, podíamos reconstruir em parte o quadro do 
que tinha sido a vida da menina até então.
Na segunda metade do primeiro ano, não foram satisfeitas suas necessidades 
básicas de movimento e descarga, ao que se somou o bloqueio provocado pelo 
aumento da dose de Epamin quando teve a segunda convulsão, freando sua evolu­
ção mais adiante.
O bloqueio interno e externo parecia ter sido o motivo das dificuldades da 
linguagem e do caminhar, assim como dos transtornos do sono.
Necessitávamos agora saber se havia algo em especial que explicasse a con­
vulsão dos dezoito meses.
Os pais nos tinham dito que a segunda filha tinha agora três meses; portan­
to, confrontando os dados, compreendemos que a convulsão coincidiu com a gravi­
dez da mãe. Perguntamos a idade em que iniciou o transtorno do sono - já que apa­
receu antes da convulsão - enos disseram que o primeiro pavor surgiu quando tinha 
sete ou oito meses. Perguntamos se nesta época dormia sozinha e responderam que 
compartilhava o dormitório com eles até o nascimento da segunda filha.
Tínhamos já um panorama que nos confirmava o que costumamos ver nos 
transtornos do sono dessa idade: estimulação inadequada, falta de movimento, 
sobreestimulação por dormir no quarto dos pais. Quero assinalar aqui uma vez mais 
que, embora quando comprovemos orientações tão equívocas como a do relato, 
nossa atitude não deve ser nunca de censura e convém sempre lembrar que a fina­
lidade desta entrevista é conseguir o alívio das tensões dos pais e que somos desde 
o primeiro momento os terapeutas da criança e não os censores dos pais. Estamos 
ali para compreender e melhorar a situação, não para censurá-la e agravá-la, aumen­
tando a culpabilidade.
Uma vez terminada esta entrevista, se os pais decidiram fazer somente um 
diagnóstico, comunica-se o dia e a hora da entrevista com a criança, assim como a 
duração. Se aceitam um tratamento, lhes daremos as indicações gerais nas quais 
este se realizará, condições que detalharemos mais adiante.
A
6
A ENTREVISTA DE ANAMNESE
Mônia Aparecida Silva
Denise Ruschel Bandeira
o iniciar o processo psicodiagnóstico, é fundamental a coleta de informações
aprofundadas sobre o avaliando, focando as áreas mais importantes de sua
vida e os mo​tivos que o levaram a buscar ​atendimento. Para o levantamento
dessas informações, que irão fundamentar a formulação das ​hipóteses diagnósticas
iniciais e, consequentemente, a escolha de instrumentos e técnicas a serem utilizados no
psicodiagnóstico, os psicólogos, em geral, realizam uma extensa entrevista sobre a
história de vida da pessoa. Em nossa prática,1 a realização desse tipo de entrevista
inicial, denominada “entrevista de anamnese”, tem demonstrado ser um recurso
fundamental que subsidia todo o processo de psicodiagnóstico.
A anamnese é um tipo de entrevista realizada para investigar a história do
examinando, ou seja, os aspectos de sua vida considerados relevantes para o
entendimento da queixa. Etimologicamente, a palavra vem do grego anamnesis,
composta por “aná”, que se refere à ​lembrança, ao ato de trazer à mente, juntamente
com a raiz “mnesis”, que significa recordar, fazer lembrar (Soares et al., 2014). Assim,
anamnese significa trazer à consciência os fatos relacionados à queixa e à história do
avaliando. Um de seus principais objetivos é a busca de uma possível conexão entre os
aspectos da vida do avaliando e o problema apresentado (Cunha, 2000). Para esse tipo
de coleta de dados, pressupõe-se que o informante detenha um conhecimento sobre a
própria vida ou sobre a vida de quem está sendo avaliado, sendo necessário que ele
recupere da memória os eventos significativos questionados pelo psicólogo. Na prática,
quando se avaliam crianças, a anamnese é feita com os pais ou responsáveis. No caso
de adolescentes, ela pode ser realizada com o próprio jovem, com os pais, ou com
ambos, em momentos diferentes. Quando feita com os pais, a anamnese de adolescentes
pode ser complementada e discutida com o jovem. Quando se trata de uma avaliação
com adultos ou idosos, o processo geralmente é feito com o próprio paciente (exceto
Luiz Ferro 
Luiz Ferro 
Juliana Toyokawa
Realce
em casos em que há um quadro psicopatológico que compromete a qualidade das
informações, como, por exemplo, em casos de depressão profunda ou de problemas de
memória).
A anamnese é um tipo de entrevista clínica direcionada a investigar fatos e, por
isso, o psicólogo tem uma posição mais ativa nos questionamentos. Durante o processo,
deve-se dosar o uso de interpretações ou mesmo de apontamentos, pois é um momento
de coleta de informações. Deve-se evitar posicionamentos a respeito do avaliando, que
poderão ser oportunamente retomados na devolução dos resultados.
A entrevista de anamnese tem caráter in​​ves​tigativo, priorizando o levantamento de
in​​for​mações cronologicamente organizadas e que guiam a tomada de decisão sobre
como prosseguir com a avaliação (Cunha, 2000). Por exemplo, no caso de um
adolescente encaminhado ao psicodiagnóstico por queixa de dificuldades de
aprendizagem, informações sobre como foi a vida escolar na infância são essenciais.
Ao se detectar que as dificuldades já estavam presentes nos primeiros anos de
escolarização, as hipóteses iniciais do psicólogo podem se direcionar a uma potencial
deficiência intelectual, reforçando-se a maior necessidade de uma avaliação cognitiva.
Quando as dificuldades não estavam presentes na infância e não há indícios de
prejuízos na funcionalidade (i. e., capacidade de se comunicar adequadamente,
autonomia para tarefas da vida diária e para o autocuidado, entre outras), a
identificação dos possíveis acontecimentos que antecederam a dificuldade atual e do
momento em que os problemas começaram a ocorrer podem sugerir a prioridade de
outro tipo de investigação, como, por exemplo, a emocional ou comportamental.
Contudo, muitas vezes a cronologia da história de vida do avaliando não é clara.
Os informantes podem expor suas ideias e ​pensamentos de forma pouco organizada. É
nosso papel, então, tentar organizar essas informações em uma ordem cronológica,
ajudando o informante por meio de pontos de controle da história. Por exemplo, se o
informante não sabe identificar quando de fato começaram a aparecer os primeiros
sintomas (idade da criança), podemos perguntar: “Isso foi antes ou depois de ela
começar a caminhar?”, “Antes ou depois de ela entrar para a escola?”.
A anamnese geralmente é feita em ​forma de entrevista semiestruturada, ou seja, há
um roteiro prévio contendo aspectos ​essenciais a serem abordados para orientar
algumas pergun​tas, e esse roteiro vai sofrendo adaptações durante a entrevista. O
psicólogo tem flexibilidade para adequar as questões ao background so​cioeducacional
do informante, bem como pa​ra adicionar perguntas que considere relevantes. Pode-se
também fazer adaptações no roteiro, de modo a deixar de questionar aspectos
percebidos como não passíveis de ​resposta ou questões que já foram respondidas em
um momento anterior. Por exemplo, frequentemen​te recebemos pacientes que utilizam
os pri​meiros minutos da entrevista como forma de descarga emocional de seu ​-
Luiz Ferro 
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Linha
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Sublinhado
sofrimento. Nesses minutos, já abordam vários aspectos que deveriam ser investigados
por meio de um roteiro de anamnese. A sugestão, então, é que o ​psicólogo verifique se
o que foi dito está claro para ele ou se é preciso investigar melhor alguns ​aspectos. O
psicólogo também pode focar a atenção em questões que se revelarem mais
informativas, de acordo com a queixa relatada. Em um caso de uma criança com
enurese noturna, por ​exemplo, é muito importante investigar de forma mais detalhada
como ocorreu o treino para controle dos esfincteres, tanto pelos pais como por ​pessoas
que acompanham a criança.
Antes de iniciar a anamnese, é necessário estabelecer um rapport adequado com o
informante, explicando os objetivos gerais da entrevista, bem como sua duração e seu
papel no processo de psicodiagnóstico. Em geral, iniciamos essa etapa perguntando
sobre o motivo da busca da avaliação. Dedicamos algum tempo para reforçar a
participação do informante como algo essencial para o bom andamento do processo de
avaliação e para responder às suas possíveis dúvidas. O psicólogo deve demonstrar
interesse pelo que a pessoa relata e escutar com atenção os conteúdos das narrativas
que ela traz espontaneamente. Deve-se deixá-la confortável e garantir que a “conversa”
flua naturalmente. Nesse momento, o psicólogo não deve dar feed​backs sobre possíveis
resultados da avaliação e deve ter cuidado com o uso de expressões e en​tonações que
possam exprimir cobrança ou jul​gamento.
Durante a entrevista de anamnese, vamos construindo imagens e percepções sobre
o avaliando, estando ele presente ou não.Alguns as​pectos relevantes podem ser
observados quando o avaliando não está presente, como a visão do informante sobre
ele e a forma como são apresentadas suas características e dificuldades. Pode ser que,
ao final da entrevista, a imagem e as percepções que construímos inicialmente se
modifiquem de forma substancial ou se mantenham constantes durante as sessões de
avaliação. A partir do momento que ​entramos em contato com o próprio paciente,
passamos a ter uma imagem de como ele de fato é, e a observar como se comunica e
aparenta se sentir em relação à queixa. A comparação da nossa percepção advinda dos
relatos da anamnese com aquela observada no contato direto com o paciente ao longo
dos atendimentos pode ser uma rica fonte de informação.
Apesar de a entrevista de anamnese ter um papel fundamental no psicodiagnóstico,
é importante considerá-la um recurso limitado. No encontro inicial com o avaliando ou
com quem explicita a queixa, psicólogo e ​informante sofrem influências recíprocas de
experiências prévias e de expectativas sobre o processo psicodiagnóstico. Um dos
principais desafios é estabelecer uma comunicação que permita a evolução comum do
entendimento das queixas atuais do paciente e de sua evolução no tempo. É quase
impossível coletar todos os dados relevantes da vida do avaliando em uma entrevista.
As informações são filtradas pela percepção de quem é entrevistado e, por vezes,
Luiz Ferro 
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Luiz Ferro 
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sujeitas a falhas em virtude de resistência, esquecimentos, distorções, omissões ou
manipulações intencionais. Além disso, nem sempre o psicólogo está ciente de todas as
questões importantes a serem tratadas na entrevista de anamnese, sendo necessário
retomá-las em sessões posteriores do processo de psicodiagnóstico. Contudo,
considera-se esse tipo de entrevista como um ponto de partida essencial.
O registro da entrevista de anamnese é um aspecto muito importante a ser
considerado. O psicólogo precisa ter habilidades para perguntar, escutar, prestar
atenção no informante e anotar o que ele diz. As respostas do entrevistado devem ser
anotadas com exatidão e, preferencialmente, nas palavras dele, a fim de se evitar
interferências da interpretação do psicólogo no registro. Anotar ao mesmo tempo em
que se escuta pode ser desafiador, podendo-se perder informações da observação e
causar certo distanciamento do informante. Confiar na memória e anotar tudo após a
sessão pode ser arriscado, pois as informações serão filtradas pela escuta do
psicólogo, perdendo-se partes importantes da fala do informante (Benjamin, 2011).
Uma alternativa pouco utilizada é a gravação em áudio da entrevista de anamnese. As
principais vantagens dessa forma de registro são a fidedignidade dos dados coletados,
podendo-se rever a gravação e confirmar todos os detalhes quando se tem dúvidas.
Além disso, o psicólogo pode dedicar-se mais à escuta e à observação durante a
sessão. As desvantagens podem ocorrer quando, mesmo concordando com a gravação,
o entrevistado se sentir desconfortável e omitir detalhes importantes por causa do
registro em áudio. Em alguns casos, se o psicólogo tiver optado pela gravação e
perceber, durante a entrevista, que a pessoa está se sentindo desconfortável, pode
interrompê-la e justificar o fato ao informante. É importante enfatizar que qualquer
registro em áudio ou vídeo tem implicações éticas. Deve-se sempre informar e pedir a
autorização do avaliando ou do informante para todas as formas de registro.
Recomendamos que o consentimento para o registro digital de informações seja feito
por escrito e arquivado junto com os documentos produzidos na avaliação.
Em relação à duração, não há uma regra sobre quantas sessões devem ser
destinadas à entrevista de anamnese. Em nossa prática de psicodiagnóstico,
costumamos destinar o tempo de uma sessão e, posteriormente, se houver necessidade
de checar informações adicionais, solicitamos ao avaliando ou ao seu responsável que
respondam às dúvidas que tenham surgido. Geralmente utilizamos uma parte final de
uma das sessões de avaliação para isso. Essas dúvidas podem emergir ao se escrever a
história clínica ou no decorrer das demais sessões, com a observação ou o surgimento
de novas informações do mesmo ou de outro informante. Pelo fato de o
psicodiagnóstico ser um processo de duração limitada, é preciso usar o tempo
disponível da forma mais eficiente possível. Em casos em que a história clínica tem
riqueza de detalhes relevantes, como muitos acontecimentos na família e na vida do
Luiz Ferro 
Luiz Ferro 
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avaliando, uma segunda sessão pode ser necessária.
Dependendo da área em que o psicólogo trabalhe, alguns aspectos da anamnese
são mais importantes que outros. Cabe ao profissional selecionar as questões relevantes
de acordo com os objetivos da entrevista, de modo a distinguir o que é fundamental
daquilo que pode ser omitido na investigação. Existem modelos de anamnese
preestabelecidos para ajudar o profissional com algumas perguntas importantes. Por
exemplo, os serviços de saúde às vezes têm um roteiro de anamnese padrão para
facilitar a coleta de informações por profissionais que não têm muita experiência. Na
prática clínica, o psicólogo deve ter um roteiro básico, mas sua experiência e seu
conhecimento do desenvolvimento esperado para cada fase da vida é que nortearão a
entrevista.
A anamnese não é uma técnica exclusiva do psicólogo. Na área da saúde, ela é
amplamente utilizada para o entendimento dos fatores envolvidos no processo saúde-
doença. Nas diferentes áreas, tem em comum o objetivo de buscar informações da
história da pessoa que orientem a elaboração de hipóteses, a busca do diagnóstico e a
avaliação prognóstica.
Juliana Toyokawa
Realce
Juliana Toyokawa
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ESPECIFICIDADES DA ENTREVISTA DE ANAMNESE COM
PESSOAS DE DIFERENTES GRUPOS ETÁRIOS
A entrevista de anamnese não segue a mesma estrutura para pessoas de diferentes
grupos etários. Alguns aspectos são sempre examinados, independentemente da idade,
como a configuração e as relações familiares, o número de pessoas da família imediata
e a ocupação de cada membro, as características do ambiente doméstico, a rede de
apoio do avaliando e as questões referentes à queixa. Recomenda-se que seja feita uma
investigação da posição do avaliando no sistema familiar, que pode ser ilustrada por
meio de um genograma – uma representação gráfica da família (Werlang, 2000). Os
leitores interessados encontrarão um capítulo específico sobre genograma neste livro.
Outros aspectos comuns a todas as entrevistas de ​anamnese incluem: (a) evolução da
queixa, ou seja, há quanto tempo o avaliando apresenta o problema e se teve momentos
em que ele foi mais ou menos comprometedor; (b) histórico de tratamentos de saúde
atuais e pregressos; (c) uso de medicamentos; (d) efeitos do problema sobre o
funcionamento psicossocial do paciente no momento atual; e (e) percepção do
examinando em relação à queixa. Entretanto, alguns aspectos se tornam mais ou menos
importantes do que outros dependendo da idade, o que implica a necessidade de
adaptar as questões da anamnese a essas especificidades.
Na anamnese de crianças, a avaliação da história pré e perinatal e o alcance dos
marcos do desenvolvimento têm uma importância central. Em relação à história pré e
perinatal, são importantes informações sobre as condições de saúde física e mental da
mãe durante a gravidez e após o nascimento do bebê, sobre a realização de
acompanhamento pré-natal e sobre possíveis intercorrências na gravidez (quedas,
acidentes e outros eventos significativos). Também devem ser registrados detalhes
sobre o parto, sobre as condições emocionais e de saúde da mãe neste momento, sobre
as condições da criança ao nascer, sobre o índice Apgar no primeiro e no quinto
minuto, sobre as características e capacidades iniciais do bebê, sobre a reação dos
pais, sobre a ocorrência de conflitos familiares na época, entre outros. É importante que
seja investigada a possívelexposição da mãe a teratógenos, agentes que podem causar
danos estruturais na fase embrionária e no desenvolvimento do cérebro. Entre os
principais teratógenos estão as doenças infecciosas, medicamentos como antibióticos,
anticonvulsivantes, antidepressivos e antipsicóticos, o uso de drogas, a exposição a
substâncias químicas como radiação, chumbo, mercúrio e fenilbenzenos, as deficiências
de vitaminas e a subnutrição da mãe na gravidez (Belsky, 2010).
Em relação ao desenvolvimento da ​criança, deve-se explorar os indicadores
esperados para a idade, envolvendo o período de alcance de um marco do
desenvolvimento específico e a qualida​de com que a criança passou a ​desempenhar
aquela habilidade. Questões importantes referem-se às capacidades linguísticas,
Juliana Toyokawa
Realce
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motoras, cognitivas, sociais, emocionais e adaptativas. Em relação à linguagem, pode-
se questionar se a criança balbuciou nos primeiros meses, em que idade falou as
primeiras palavras, qual a qualidade da fala, e qual a receptividade às ​tentativas de
comunicação pelo adulto. A investigação dos marcos motores pode incluir se a criança
engatinhou e em que idade, quando começou a andar, se teve problemas para manipular
objetos ou locomover-se e se já houve o ​controle dos esfincteres diurno e noturno. As
habilidades cognitivas podem ser avaliadas por meio de questões sobre a capacidade
da criança em aprender coisas novas, a qualidade da brincadeira, os indícios de
criativida​de, as dificulda​des em tarefas do dia a dia e o de​sempenho escolar, quando
for o caso. A avalia​ção das interações sociais e dos aspectos emocionais pode incluir a
vinculação inicial do bebê, a reciprocidade entre a criança e seus cuidadores
imediatos, e os laços afetivos com outras ​pessoas próximas, como irmãos, parentes e
colegas. Para crianças que já entraram na escola, pode-se investigar como reagiram à
ampliação das interações sociais e à experiência de se separar de seus pais. Por fim, as
capacidades adaptativas podem ser focadas no nível de autonomia e dependência da
criança para resolver tarefas do dia a dia próprias para a idade, como vestir-se,
alimentar-se e pedir ajuda a outras pessoas para atender às suas necessidades. Quando
a ​criança não tem certas habilidades ou não desempenha comportamentos esperados
para a idade, o psicólogo deve estar atento e verificar se isso se deve a uma
capacidade reduzida devido a proble​mas desenvolvimentais ou a fatores ambientais,
como, por exemplo, a superproteção dos pais. No último caso, essa percepção deve ser
discutida com os responsáveis no final do psicodiagnóstico, mas não no momento da
entrevista de anamnese. Outros aspectos bastante importantes a serem considerados na
anamnese da criança referem-se à amamentação e ao desmame, à alimentação, à
qualidade do sono – ​incluindo informações sobre com quem a criança dorme, se ela tem
o próprio quarto, entre outras – e a sinais específicos, como chupar os dedos, roer as
unhas, enurese, encoprese, explosões de raiva, tiques, medos excessivos, pesadelos,
fobia, masturbação e crueldade com animais (Cunha, 2000).
Para que a anamnese não fique ​muito extensa, o psicólogo não precisa perguntar
so​bre esses fatores um a um, mas pode fazer uma questão mais geral sobre se houve
algum problema em determinada área e explorar respos​tas positivas do informante.
Recomendamos a utilização de um roteiro básico, que deve permitir a inclusão ou a
redução de questões de acordo com as informações que vão sendo coletadas na
entrevista. Por exemplo, para investigar questões motoras, iniciamos por uma pergunta
geral: “Com que idade ele/ela começou a caminhar?” e, se a reposta for “Por volta de
um ano de idade”, não nos dedicamos a investigar com que idade firmou a cabeça ou
engatinhou. Pressupomos que o desenvolvimento tenha sido conforme o esperado, já
que é previsto que a criança caminhe por volta de um ano, e o alcance dessa habilidade
mais complexa indica o sucesso de etapas anteriores do desenvolvimento motor.
Em caso de a criança ser adotada, é necessá​rio tentar resgatar o máximo de dados
possível da sua história pregressa. Às vezes isso se torna difícil, especialmente em
casos de adoção em que não há a identificação dos pais biológicos da criança. Nesses
casos, a triangulação de dados de diferentes informantes na anamnese, bem como os
dados complementares da história da criança, têm muita relevância.
A entrevista de anamnese com adolescentes deve considerar as diversas mudanças
que ocorrem nessa fase, especialmente as hormonais, físicas e relacionadas à formação
da identidade. Os marcos do desenvolvimento na infância devem ser retomados de
forma mais breve e geral, buscando-se identificar se problemas ocorridos na infância
repercutem ou ainda persistem na adolescência. Deve-se dar atenção especial à
socialização, ao interesse em relacionamentos íntimos, às questões relacionadas à
sexualidade, ao histórico escolar e aos problemas específicos dessa fase da vida.
Erickson (1976) caracterizou a adolescência como uma fase especial no processo do
desenvolvimento, em que a confusão de papéis e as dificuldades para estabelecer uma
identidade própria marcam a transição entre a infância e a vida adulta. Essa confusão
de papéis está relacionada a várias crises e é, portanto, ​importante considerá-la em
qualquer trabalho com adolescentes.
Quanto à socialização, as relações na adolescência tendem a se tornar mais amplas
e importantes. Pode haver um afastamento dos pais devido a contradições de valores e
interesses, fazendo os jovens se aproximarem mais de amigos e figuras de
identificação. Comportamentos opositores podem surgir ou se acentuar nessa fase da
vida. Na anamnese, deve-se investigar as relações do adolescente com os pais, irmãos,
amigos, colegas, figuras de autoridade e de identificação (Cunha, 2000). Além disso,
deve-se investigar o interesse do jovem em relacionamentos íntimos, seus possíveis
conflitos e dificuldades com essa questão e aspectos relacionados à sexualidade, muito
importantes nessa fase da vida.
A vida escolar também ocupa um papel de grande importância na adolescência,
sendo a principal ocupação da maioria dos jovens. O desempenho acadêmico pode ser
um importante indicador de potenciais problemas na vida dos adolescentes, sendo
relevante ​analisar sua evolução no tempo. Por exemplo, se o adolescente tem um mau
desempenho escolar em várias disciplinas, destoante de um padrão anterior de
aproveitamento, isso pode assinalar a presença de eventos pontuais que começaram a
afetar a vida do jovem em um dado ​momento. A identificação desses eventos pode
ajudar a formular hipóteses sobre o que aconteceu paralelamente ao declínio do
aproveitamento escolar e que, provavelmente, está afetando também outros âmbitos da
vida do adolescente. Por sua vez, se o desempenho escolar é ruim, mas tem se mantido
constante ao longo do tempo, isso pode sugerir um déficit cognitivo, o qual exerce uma
Juliana Toyokawa
Realce
influência mais duradoura e pode explicar os prejuízos do aprendizado. Também é
válido explorar os interesses gerais do adolescente, como seus hobbies, e suas
perspectivas de futuro profissional, além de sua satisfação diante desses aspectos e seu
potencial para realizar seus objetivos. Os níveis de autonomia, os sentimentos de
autoestima e autoeficácia e possíveis conflitos com a aparência são importantes e
devem ser considerados. Comportamentos problemáticos, como fugas de casa, uso
abusivo de álcool e drogas, e atitudes contrárias às leis e normas sociais, quando bem
analisadas, podem ​suscitar hipóteses para o processo psicodiagnóstico.
Na anamnese com adultos, o desenvolvimento nas fases anteriores da vida é
investigado em termos da possível ocorrência de problemas pregressos relevantes, sem
grande ​detalhamento. As questões mais importantes referem-se às de​mandas
desenvolvimentais esperadas nos âm​​bitos sexual, familiar, social, ocupacional e físico.
Hutteman, Hennecke, Orth, Reitz e Specht (2014) propõem queos aspectos mais
centrais da vida dos adultos podem ser organizados em cinco domínios: (1)
relacionamento íntimo, (2) vida familiar, (3) vida profissional, (4) vida social e (5)
alterações físicas. Quanto ao relacionamento íntimo, é esperado que nessa fase da vida
os adultos encontrem um parceiro e se adaptem à convivência com ele. Na entrevista de
anamnese, é importante que seja avaliada a qualidade das relações com o parceiro ou
cônjuge, envolvendo a satisfação geral com a ​relação, a área sexual, os padrões
comportamentais do casal, os pontos positivos e possíveis ​problemas enfrentados. Para
os adultos que não estão em um relacionamento íntimo, é importante verificar as
expectativas com esse tipo de ​relação e a existência de relacionamentos prévios, bem
como sua qualidade. Casos de divórcio, de novos casamentos, de perda do cônjuge ou
de re​sistência em se envolver afetivamente devem ser explorados com atenção, pois
podem fornecer elementos significativos para a compreensão da queixa.
Quanto ao domínio da vida familiar, deve-se enfocar a qualidade das relações e de
tarefas como administrar o lar e dividir responsabilidades com os demais membros da
família. Deve ser dada atenção especial à relação com os filhos, quando for o caso, e
com as responsabilidades envolvidas na maternidade/paternidade. Possíveis problemas
de relacionamento na família, bem como a necessidade de prover cuidados contínuos a
uma pessoa doente, devem ser foco de atenção.
Em relação à vida profissional, que tem papel central na vida do adulto, merecem
atenção a situação ocupacional, a satisfação com o próprio desempenho na carreira, a
concretização ou não de planos e metas de vida, a satisfação com o trabalho e com as
condições financeiras, e os relacionamentos com a chefia, colegas e subordina​dos.
Mudanças recorrentes de emprego, estresse ou esgotamento emocional relacionados ao
trabalho devem ser considerados com atenção. No caso de adultos aposentados, deve-
se considerar os sentimentos predominantes nes​sa nova fase da vida.
Juliana Toyokawa
Sublinhado
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Realce
Quanto à vida social, deve-se buscar informações sobre a rede de contatos do
adulto e a importância que ele atribui aos seus relacionamentos. Pode-se investigar a
capacidade da pessoa em se divertir e fazer atividades em grupo para além do ambiente
de trabalho. As alterações físicas dessa etapa da vida também podem ser abordadas,
assim como questões relacionadas à fertilidade e possíveis preocupações com a saúde.
No caso de adultos de meia-idade e idosos, pode-se abordar a adaptação a mudanças
físicas indesejadas, como aquelas relacionadas a hormônios (menopausa ou
andropausa), envelhecimento da pele e diminuição da força física. Na anamnese de
adultos também é importante abordar o enfrentamento de mudanças ocorridas ao longo
dos anos, bem como reações diante de crises, adversidades e outras situações críticas e
estressantes (Cunha, 2000). Na anamnese com idosos, é importante considerar aspectos
do envelhecimento e perdas ocorridas ao longo da vida que possam estar relacionadas
à queixa.
COM QUEM DEVE SER REALIZADA A ENTREVISTA DE
ANAMNESE?
Quem devemos contatar como principal informante na entrevista de anamnese é uma
decisão importante. A escolha geralmente é baseada em variáveis como a idade do
avaliando, suas capacidades intelectuais no momento da entrevista, o grau de autonomia
ou de limitação no exercício de atividades da vida diária e o interesse em colaborar.
Quando são crianças a serem avaliadas, o mais indicado é que se chamem os pais. Na
maioria das vezes, é a mãe quem ​comparece, e é ela que, em geral, passa mais tempo
com o filho e observa o seu desenvolvimento. Entretanto, deve-se preferencialmente
chamar ambos os pais, não priorizando o comparecimento de um único responsável
para a primeira ​entrevista. O psicólogo pode tender a chamar somente a mãe da criança
ou quem procurou o atendimento, mas pai e mãe podem ter perspectivas
complementares. Os pais podem, também, já no primeiro momento, revelar percepções
diferentes sobre a criança e inconsistências na forma de lidar com ela, dado que pode
ajudar na compreen​são da queixa. Em casos de pré-adolescentes, além da anamnese
com os pais, pode-se fazer uma entrevista com o jovem, enfocando brevemente as
queixas apresentadas pelos responsáveis para verificar a forma como o adolescente
percebe e experimenta esses possíveis problemas.
Na entrevista de anamnese de ​adolescentes, por vezes a escolha do principal ​-
informante se configura como a tarefa mais difícil. Por um lado, o adolescente já tem as
habilidades e competências necessárias para falar sobre si, e ​possui conhecimentos
sobre sua vida e sobre as dificuldades ou problemas que o trazem à avaliação.
Entretanto, fatores como interesse e motivação para o psicodiagnóstico, características
da personalidade, como introversão e extroversão, capacidade cognitiva, entre outras,
vão estabelecer se ele será o principal informante ou se será melhor chamar um
responsável. Assim, não há uma regra geral sobre quem é o melhor informante para o
psicodiagnóstico de adolescentes. A escolha vai depender de quem elaborou a
demanda, de quem procurou o psicólogo para a avaliação, de qual é a queixa principal,
de qual é o interesse do avaliando, etc. Por exemplo, se o adolescente iniciar uma
avaliação por queixas de comportamentos percebidos como opositores, ele pode se
recusar a falar sobre isso ou não considerar o fato um problema. Em casos em que o
jovem será avaliado por queixas de dificuldades de aprendizado, ele pode estar
interessado em descobrir as causas dessas dificuldades e ser muito cooperativo. Alguns
adolescentes não estarão cientes de como foi seu desenvolvi​mento nos primeiros anos
e, nessa hipótese, chamar os pais pode ser mais informativo. Portanto, o psicólogo deve
considerar vários fatores para decidir com quem fazer a entrevista de anamnese, ou, o
que seria ideal, entrevistar tanto o adolescente como os seus responsáveis. A
comparação de perspectivas costuma ser uma fonte rica de informações. No caso de
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Sublinhado
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fazer a anamnese com os pais, o psicólogo deve ser honesto e falar com o adolescente
no primeiro contato, em linhas gerais, sobre o que foi dito a respeito dele, visando
estabelecer uma relação de confiança. O jovem pode ser incentivado a dizer se
concorda com o que foi dito e fornecer a sua visão dos fatos.
Em caso de psicodiagnóstico de adultos, a anamnese é geralmente realizada com o
próprio avaliando, exceto quando ele tem limitações intelectuais consideráveis ou
quando um problema o impede de ser o principal informante. Por exemplo, pode ser
que o adulto seja muito introvertido, ou esteja muito deprimido, e não consiga falar
sobre a queixa ou sobre os dados de sua história. Nesse caso, é entrevistada uma
pessoa próxima a ele, que conhece bem a sua história, como pais, cônjuge, um parente,
um filho ou mesmo um amigo próximo. Em todos os tipos de anamnese, o psicólogo
pode considerar a necessidade e a viabilidade de consultar diferentes informantes.
Quando o avaliando é um idoso, a anamnese também pode ser feita com o próprio
avaliando ou com um informante-chave, analisando-se as mesmas potencialidades e
limitações descritas anteriormente.
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Realce
FONTES COMPLEMENTARES DE INFORMAÇÃO
Conforme afirmamos, na entrevista de anamnese é importante coletar o maior número
de informações possíveis sobre a história do avaliando, de forma que se possa entender
o surgimento, a evolução e a relevância da queixa no momento da entrevista. As fontes
complementares de informação costumam envolver documentos como exames, registros
escolares, contatos de profissionais com quem o avaliando faz tratamento, documentos
decorrentes de outras avaliações, entre outros. Às vezes é difícil para o informante,
principalmente para aqueles de baixo nível socioeducacional, relatar com precisão a
história de tratamentos pregressos e seus resultados;por isso, normalmente se pede aos
pacientes que tragam esses documentos ​consigo para a primeira entrevista.
Recomendamos que sejam feitas fotocópias do material, sempre com consentimento do
informante, para uma análise posterior dos documentos. Essa análise demanda tempo e
talvez o psicólogo precise da ajuda de outros profissionais para interpretar os
resultados.
Exames neurológicos, genéticos, psiquiátricos, fonoaudiológicos, entre outros,
podem esclarecer muito sobre a queixa do paciente, direcionar hipóteses diagnósticas e
melhorar a acurácia da avaliação. Por exemplo, o fato de a criança ter histórico de
repetidas crises convulsivas reforça a hipótese de um déficit cogniti​vo. Ainda, nos
casos em que o pediatra descarta uma problemática orgânica em crianças com enurese e
encoprese, reforça-se a necessidade da avaliação de possíveis causas emocionais ou
comportamentais para o fenômeno. Outro exemplo: entender que pessoas
diagnosticadas com déficit do processamento auditivo podem apresentar sintomas de
desatenção e dificuldades em tarefas escolares de leitura e escrita ajuda o profissional
a não interpretar os sintomas como exclusivamente relacionados a outras
psicopatologias, como transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e transtornos
específicos de aprendizagem. Em alguns casos, ao ler os exames ou relatos de
tratamentos prévios, o psicólogo pode optar por fazer contato com outros profissionais
que atenderam ou estão atendendo o avaliando. Para qualquer contato com outro
profissional, deve-se informar o avaliando ou seu responsável e solicitar sua
autorização.
Os registros escolares, como cadernos, provas, boletins e documentos produzidos
por professores, também podem ter muita relevância na avaliação. Por exemplo, ao
avaliar os cadernos escolares, pode-se verificar a qualidade da escrita e a capacidade
do avaliando para escrever, copiar e resolver problemas, bem como suas dificuldades
em matérias específicas. Constatar, pelo boletim, que a criança tem notas médias a altas
para todas as disciplinas, exceto naquelas que envolvem cálculo, como matemáti​ca,
pode ajudar o psicólogo a levantar hipóteses a serem avaliadas. Pareceres de
professores são igualmente úteis para o entendimento do comportamento e do
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desempenho do avaliando no contexto escolar. Produções espontâneas também podem
ser muito válidas, como as de caráter literário e artístico (Cunha, 2000). Desenhos,
textos, pinturas e outras produções podem sugerir aspectos do desenvolvimento do
avaliando na época e a circunstância em que ocorreram, podendo ser analisados em
termos de sua evolução até o momento da entrevista.
Os registros digitais, por meio de fotos e vídeos, também podem ser fontes ​-
preciosas de informação. Além de trazerem registros do comportamento em um
ambiente ​natural, eles permitem acessar informações pregressas do avaliando que não
foram observadas pelos informantes. Com a grande expansão das tecnologias na atua​-
lidade, as famílias costumam ter muitos registros de aniversários, festas e eventos
cotidianos. A análise desse material, ainda que trabalhosa, pode aumentar a qualidade
da investigação e direcionar a escolha de testes e tarefas para o psicodiagnóstico.
Ainda, pode ser útil a observação do avaliando em ambiente natural, como em casa, na
escola ou em outros locais relevantes. Essa necessidade deve ser avaliada em função
da quantidade e da qualidade das informações coletadas na anamnese e durante a
avaliação.
A IMPORTÂNCIA DOS CONHECIMENTOS TEÓRICOS PARA A
REALIZAÇÃO DA ENTREVISTA DE ANAMNESE
A entrevista de anamnese exige ​conhecimentos de áreas diversas, como
desenvolvimento humano, técnicas de entrevista, processos psicológicos e
psicopatologia. O conhecimento espe​cializado pode guiar as perguntas e ajudar o
psicólogo a conduzir o relato do entrevistado a fim de esclarecer aspectos de interesse.
O psicólogo deve ter conhecimentos suficientes sobre os fenômenos avaliados ou
buscar esses conhecimentos para a compreensão posterior dos dados coletados. Por
exemplo, se na entrevista de anamnese a mãe relata que ​retirou a fralda quando a
criança tinha seis meses, o psicólogo deve saber que isso não é o habitual e procurar
entender os motivos de tal decisão, bem como as implicações do fato no desenvolvi​-
mento da criança. Da mesma forma, se é espera​do que a criança caminhe sem apoio por
volta dos 15 meses, o psicólogo deve investigar os casos que fogem muito desse
padrão.
Também é importante que o profissional tenha conhecimentos sobre eventos ​-
recorrentes na clínica, como a ação dos psicofármacos, seus efeitos colaterais e suas
possíveis ​interferências no desempenho em testes ou na sintomatolo​gia do paciente. Por
exemplo, doses altas de psi​coestimulantes, que podem ser ​utilizados para o tratamento
das alterações da atenção e a hiperatividade em pacientes com a síndrome genética do
X-frágil, podem ocasionar tiques motores. O conhecimento das características dessa
síndrome e dos efeitos colaterais do medicamento permite descartar a hipótese de
transtorno de tique. Além disso, um ​entendimento básico de exames médicos ou a
consulta a alguém que detenha esse conhecimento pode ser fundamental para a
elaboração de hipóteses diagnósticas.
Para a prática de anamnese e para a avalia​ção psicológica, sugerimos que o
psicólogo faça leituras básicas sobre o desenvolvimento infantil e ao longo das
diversas faixas etárias. Podem ser realizadas pesquisas em sites confiáveis, com
responsáveis técnicos identificados, como o da Sociedade Brasileira de Pediatria e o
do Ministério da Saúde. Além disso, recomendamos que sejam feitas consultas a
manuais ​diagnósticos, como o Manual diagnóstico e estatístico de trans​tornos
mentais (DSM-5) ou a Classificação internacional de doenças e problemas
relacionados à saúde (CID-10). Além disso, é importante a atua​lização em resultados
de pesquisas recentes publicadas em fontes confiáveis. Em websites brasileiros, as
melhores fontes são aquelas que disponibilizam periódicos científicos, como Scielo e o
Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). Além de consultar livros clássicos sobre psicologia do
desenvolvimento, o psicólogo pode fazer buscas de artigos indexados em bases como a
Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Deve-se estar atento à qualidade da revista em que
o artigo está publicado, baseando-se em avaliações científicas (p. ex., Qualis-CAPES).
INFORMAÇÕES INSUFICIENTES E FATORES DE CONFUSÃO
NA ENTREVISTA DE ANAMNESE
Às vezes, podemos fazer entrevistas de anamnese pouco esclarecedoras. Pode
acontecer de o informante fornecer dados insuficientes, devido à confusão, à omissão
proposital, à discordância de que a queixa seja um problema, às dificuldades em relatar
os fatos ou ao simples desconhecimento. Há, ainda, casos em que os acontecimentos
são relatados de forma descontinuada no tempo, sendo difícil entender o que ​precedeu
ou o que foi consequência de um determinado evento.
Nos casos em que a anamnese é ​pouco informativa ou confusa, torna-se necessário
recorrer a outras fontes de informação para tentar reconstituir a história do avaliando.
Na prática clínica, recebemos crianças que vivem em abrigos e que não tiveram contato
com os pais após o nascimento, e, nesse caso, perdemos todas as informações sobre a
gravidez, sobre a história da família biológica e até mesmo sobre o desenvolvimento
inicial. Quando as crianças estão institucionalizadas, é comum que a anam​nese seja
feita com um profissional da instituição, como um psicólogo ou assistente social, que
sabe muito pouco sobre a história do examinando. Quando isso ocorre e não
conseguimos falar com os familiares, precisamos basear a avaliação nas poucas
informações coletadas e levantar hipóteses considerando o desenvolvimento do
avaliando no momento atual. É necessário expertise para montar um quebra-cabeça, ou
seja, juntar as informações disponíveis e relacioná-las com as observações e os dados
coletados durante as próximassessões do psicodiagnóstico. Esse esforço pode ser
muito relevante, porque, ao reconstituir a história clínica, mesmo que em parte, e ao
escrever sobre ela no documento decorrente do psicodiagnóstico (p. ex., laudo ou
parecer), o psicólogo estará ajudando outros profissionais que atendem a pessoa e que
possivelmente enfrentam as mesmas dificuldades.
Nas entrevistas de anamnese, é comum a coleta de informações divergentes sobre
a histó​ria do avaliando ao se comparar duas perspecti​vas. Não são raros os
encaminhamentos por escolas ou médicos em que a família ou o avaliando discordam
da existência ou da gravida​de do problema apresentando. As ​divergências podem
ocorrer em virtude de variações do comportamento em diferentes contextos (p. ex., a
criança pode perturbar os colegas na escola, mas ficar quieta em casa assistindo TV ou
jogando videogame), pela quantidade de tempo que o informante passa com o ​-
avaliando, ou por interesses relacionados à avaliação (os pais podem esconder
informações do psicólogo por temerem um possível diagnóstico que implique o
encaminhamento do filho a um tratamento medicamentoso). Os informantes podem ter,
portanto, percepções e interesses que influenciam seus relatos, e o psicólogo deve estar
sempre atento, pois isso pode levar a conclu​sões precipitadas e errôneas.
Juliana Toyokawa
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PROCEDIMENTOS PARA AUMENTAR A QUALIDADE DAS
INFORMAÇÕES DA ANAMNESE
Conforme relatamos, as informações coletadas na entrevista de anamnese podem estar
sujeitas a diferentes ameaças à sua validade. Além da consulta a diferentes fontes de
dados, alguns cuidados podem ser tomados para aumentar a qualidade das informações.
Já no início da entrevista, é importante que o psicólogo esteja atento ao nível
socioeducacional do ​informante, de forma a adequar as perguntas ao seu vocabulário.
Em todas as entrevistas, termos ​técnicos devem ser substituídos por outros que sejam
de simples compreensão ou devem ser devidamente explicados. Por exemplo, quando
questionamos sobre os índices Apgar recebidos ​pela criança no primeiro e no quinto
minuto após o nascimento, é comum que alguns pais fiquem em dúvida quanto à
resposta. Entretanto, ​quando explicamos que é o número dado pela equipe médica
conforme as condições de saúde da criança ao nascer, normalmente a resposta é
fornecida.
Em caso de confusões, informações divergentes ou incompletas, uma estratégia
bastante útil é perguntar a mesma questão de diferentes formas e em momentos
diferentes da ​entrevista. A mudança de vocabulário pode favorecer outras associações
e memórias de aspectos não relatados, culminando no surgimento de respostas novas ou
complementares.
Às vezes o psicólogo pode ter ​dificuldades por causa da maneira como o
informante se comunica. Pode haver entrevistados ​muito prolixos, que se prendem a um
longo ​discurso, com explicações supérfluas e demoradas sobre aspectos simples. Há
também pessoas que fogem constantemente do tema, tratando de questões não relevantes
para aquele ​momento ou desviando o foco para outras pessoas que não o avaliando.
Com esses informantes, o psicólogo pode ter de agir de forma assertiva e retomar o
objetivo das questões e o tempo limita​do da entrevista de anamnese. O outro extremo
também acontece, quando o informante é ​muito conciso e exprime sua percepção com
um número reduzido de palavras ou com respostas muito diretas. Com esses
informantes, é preciso incentivar a fala espontânea, sendo útil a retomada do que foi
falado pela repetição de uma palavra-chave seguida por interrogação. Por exemplo, a
mãe afirma que o desenvolvimento da linguagem foi normal. O entrevistador questiona
“normal?”, esperando que ela forneça mais detalhes sobre o que foi dito. Em alguns
casos, perguntas complementares precisarão ser ​feitas, do tipo “o que você considera
normal?” ou “como foi o desenvolvimento comparando com um irmão ou colega?”. O
fornecimento de marcos referenciais pode ser útil para ajudar a pessoa a se lembrar ou
a fornecer detalhes que não foram bem pensados anteriormente.
As perguntas que sugerem respostas diretas, do tipo sim ou não, devem ser
evitadas na anamnese. Também se deve limitar o uso de questões que possam induzir o
informante a confirmar uma percepção do psicólogo, que nem sempre é verdadeira.
Além disso, em caso de informantes que falam pouco, o entrevistador deve ter cuidado
para não completar frases ou mudar o foco das perguntas antes que uma resposta
satisfatória e completa seja dada. Em situações como essa, o psicólogo pode se sentir
ansioso e procurar auxiliar o informante, mas deve conter-se, a fim de não interromper
o fluxo de pensamentos do entrevistado ou de quebrar um silêncio incômodo quando ele
sugere reflexão ou elaboração.
Algumas vezes, o informante pode se ​sentir incomodado e chorar, e é importante
que o psicólogo deixe-o confortável para isso. Nesses momentos, pode-se dar uma
pequena pausa na entrevista, retomando em seguida com as adaptações necessárias. A
observação é um recurso muito importante na anamnese, que pode nortear a conduta do
psicólogo para além das informações.
A qualidade dos dados coletados também depende do entendimento correto
daquilo que é informado. Deve-se ter cuidado com o significado de palavras e
expressões usadas pelo entrevistado que possam ter diferentes sentidos para o
psicólogo. O conhecimento do vocabulário e o domínio da mesma língua do informante
não impedem a ocorrência de dificuldades de compreensão da fala espontânea. Essas ​-
dificuldades são bastante comuns para pessoas de condições sociodemográficas e
educacionais muito diferentes. Por isso, é sempre válido registrar as palavras do
informante e buscar compreender o sentido empregado em expressões pouco usuais ou
dependentes de contexto. Perguntas abertas sobre o significado de algo, do tipo “o que
você quis dizer com...” ou pedidos para que o informante fale mais sobre determinado
aspecto podem ajudar nesse sentido. Mesmo com todos os cuidados, pode acontecer de
o psicólogo ter um entendimento diferente do que o informante quis expressar. Para
diminuir esses problemas, o profissional pode avaliar a utilidade de fazer uma breve
explanação sobre as informações coletadas ao final da entrevista, questionando a
concordância do informante com o que foi exposto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme discutimos neste capítulo, a entrevista de anamnese é um recurso essencial
para o conhecimento do avaliando e para o adequado direcionamento do
psicodiagnóstico. Para a anamnese ser bem realizada, o psicólogo deve ter
conhecimentos teóricos sobre o que pretende avaliar e estar atento a estratégias que
otimizem a qualidade das informações coletadas. Recomendamos a utilização de um
roteiro para a entrevista de anamnese, em virtude da quantidade de informações a serem
coletadas em um curto intervalo de tempo. Entretanto, enfatizamos a importância do
papel do psicólogo para adaptar e modificar esse roteiro durante a realização da
entrevista.
Nosso foco principal neste capítulo foi apresentar os objetivos da entrevista de
anam​nese, as questões a serem consideradas antes desse tipo de entrevista e os
principais ​aspectos a serem investigados, com base, ​principalmente, em nossa
experiência clínica. Existem alguns modelos que podem ajudar os psicólogos a realizar
a anamnese, contemplando perguntas importantes de acordo com o contexto de atuação.
Apresentamos, a seguir, um roteiro de anamnese para crianças, um para adolescentes, e
um para adultos e idosos. Esses roteiros foram elaborados pela equipe de supervisores
e estagiários do Centro de Avaliação Psicológica da UFRGS e adaptados para este
capítulo. Esperamos que o material aqui produzido possa contribuir com estudantes e
profissionais que estejam iniciando sua prática clínica.
AGRADECIMENTOS
Muitas das reflexões deste capítulo foram possíveis graças à experiência de trabalho
em parceria com os supervisores e estagiários do Centro de Avaliação Psicológica
(CAP) da UFRGS. Agradecemos à equipe do CAP pelas experiências compartilhadase
também àqueles que trabalharam na elaboração dos roteiros.
REFERÊNCIAS
Belsky, J. (2010). Desenvolvimento humano: Experienciando o ciclo da vida. Porto Alegre: Artmed.
Benjamin, A. (2011). A entrevista de ajuda (13. ed.). São Paulo: Martins Fontes.
Cunha, J. A. (2000). A história do examinando. In J. A. Cunha (Ed.), Psicodiagnóstico V (5. ed.). Porto Alegre: Artme
d.
Erickson, E. (1976). Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar.
Hutteman, R., Hennecke, M., Orth, U., Reitz, A., & Specht, J. (2014). Developmental tasks as a framework to study p
ersonality development in adulthood and old age. European Journal of Personality, 28(3), 267-278.
Soares, M. O. M., Higa, E. F. R., Passos, A. H. R., Ikuno, M. R. M., Bonifácio, L. A., Mestieri C. P., ... Ismael, R. K.
(2014). Reflexões contemporâneas sobre anamnese na visão do estudante de medicina. Revista Brasileira de Educaçã
o Médica, 38(3), 314-322.
Werlang, B. G. (2000). Avaliação inter e transgeracional da família. In J. A. Cunha (Ed.), Psicodiagnóstico V (5. ed.). 
Porto Alegre: Artmed.
1 Na elaboração deste capítulo, muitos exemplos e reflexões foram baseados em nossa
prática clínica, particularmente na atuação no serviço-escola Centro de Avaliação
Psicológica (CAP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Capítulo VII
A hora de jogo diagnóstica
1
A hora de jogo diagnóstica
Ana María Efron, Esther Fainberg, Yolanda Kleiner,
Ana María Sigal e Pola Woscoboinik 
Introdução
A hora de jogo diagnóstica constitui um recurso ou instrumento técnico que o psicólogo 
utiliza dentro do processo psicodiagnóstico com a finali dade de conhecer a realidade da 
criança que foi trazida à consulca.
A atividade lúdica é sua forma de expressão própria, assim como a linguagem verbal o é no 
adulto. Trata-se, então, de instrumentalizar suas possibilidades comunicacionais para depois 
conceituar a realidade que nos apresenta.
Ao oferecer à criança a possibilidade de brincar em um contexto par ticular, com um 
enquadramento dado que inclui espaço, tempo, explicita ção de papéis e finalidade, cria-se 
um campo que será estruturado, basica mente, em função das variáveis internas de sua 
personalidade.
Nesta situação, expressa somente um segmento de seu repertório de condutas, reatualizando 
no aqui e agora um conjunto de fantasias e de relações de objeto que irão se sobrepor ao 
campo de estímulo. Por isso recorre-se, complementarmente, a ôutros instrumentos ou 
métodos de investigação.
Achamos conveniente esclarecer uma diferença_básica entre a hora de j e a hora dçjngn trr 
pois é muito comum a coii fusão entre as duas.
A primeira engloba um processo que tem começo, desenvolvimento e fim em si mesma, 
opera como uma unidade e deve ser interpretada como tal.
A segunda é um elo a mais em um amplo continuum no qual novos
aspectos e modificações estruturais vão surgindo pela intervenção do tera
peuta. (A respeito da participação do psicólogo na hora de jogo diagnós
tica, falaremos detidamente no tópico “papel do entrevistador” .)
4 Como se pode perceber, existe muita semelhança com a entrevista
diagnóstica livre do adulto.
Vejamos agora algumas diferenças.
169
170 O PROCESSO PSICODJA GNÓSTICO E AS TÉCNICAS PROJETIVAS
Numa a fantasia é mediada pelas verbalizações; na atividade lúdica o mediador é, 
predominantemente, o brinquedo oferecido, que expressa o que a criança está vivenciando 
no momento.
Juliana Toyokawa
Realce
Juliana Toyokawa
Realce
Juliana Toyokawa
Realce
Juliana Toyokawa
Realce
Na verbaliz4ção a fantasia aparece depurada pela maior influência do processo secundário; 
a localização temporal da fantasia expressa através da linguagem, do uso apropriado dos 
verbos e das leis do pensamento lógico-
-formal torna-se mais clara. No brincar, por sua vez, há uma comunica ção de tipo espacial, 
na qual são incluídos mais elementos do processo pri mário através de princípios como os 
de condensação, atemporalidade e deslocamento, atuados no próprio brincar.
Por outro lado, a hora de jogo diagnóstica é precedida das entrevistas realizadas com os 
pais (que correspondem ao conceito de pré-entrevista dos adultos).
Nelas o psicólogo elabora com os pais instruções que serão dadas à criança por eles. Como 
pode haver interferência de diferentes fatores para que esta informação chegue de modo 
adequado ou não, cremos ser neces sário reformular para a criança, num primeiro contato, 
tais instruções de forma clara e precisa.
Cada hora de jogo diagnóstica significa uma experiência nova, tanto 
para o entrevistador como para o entrevistado. Implica, a nosso ver, o 
estabelecimento de um vínculo transferencial breve, cujo objetivo é o 
conhecimento e a compreensão da criança.
Sala de jogo e materiais
Consideramos que os aspectos formais da hora de jogo diagnóstica inter ferem no conteúdo 
da mesma, já que o enquadramento e as condições do âmbito de trabalho configuram uma 
gestalt que responde a nosso marco referencial teórico. Por isso, passaremos a detalhar as 
condições gerais nas quais tal processo deve se desenvolver.
A sala de jogo será um quarto não muito pequeno, com mobiliário escasso (uma mesa, duas 
ou três cadeiras e quadro-negro) a fim de possibi litar liberdade de movimentos à criança. E 
preferível que as paredes e o piso sejam laváveis, o que permitirá que o entrevistador não se 
preocupe com a conservação do lugar dc trabalho.
E conveniente oferecer à criança a possibilidade de brincar com água, se desejar, 
permitindo-lhe fácil acesso à mesma.
Os elementos devem estar expostos sobre a mesa, ao lado da caixa aberta. Convém que 
estejam distribuídos sem corresponder a nenhum agrupamento de classes, dando ao 
pequeno paciente a possibilidade de ordenação que corresponda às suas variáveis internas, 
em função de suas fantasias e/ou de seu nível intelectual. Não obstante, deve-se evitar um
A HORA DE JOGO DIAGNÓSTICA 171
panorama caótico através de um amontoamento indiscriminado de brin quedos. A caixa ou 
cesto deve estar presente, porque pode funcionar como um elemento lúdico a mais e porque 
será o continente depositário da produção que o entrevistado deseje deixar ao final da hora. 
A apresen tação dos brinquedos sobre a mesa, fora da caixa, evita o incremento da 
ansiedade persecutória que pode surgir no primeiro contato frente a um continente-caixa- 
desconhecido, fechado (compartilhamos neste caso o critério de outros autores). Com 
relação aos brinquedos a serem incluídos, há diversas modalidades que correspondem ao 
marco teórico adotado pelo entrevistador. Erikson, por exemplo, da escola norte-americana, 
postula a necessidade de discriminar diferentes áreas da problemática da criança. Por esta
razão, seleciona os brinquedos em função das respostas específicas que provocam: de tipo 
sensório-motor, de ii cognitiva, do funcio namento egóico, etc.
Além disso, introduzindo outro critério, o da funcionalidade do brin quedo, propõe a 
inclusão dc elementos de diferentes tamanhos, texturas e formas. Assim, para facilitar o 
jogo agressivo, inclui revólveres, espadas de borracha, sacos de areia; para estimular a área 
comunicativa, telefones, lápis de cor, etc. Procura representar em miniatura todos os objetos 
do mundo real circundante.
Consideramos desnecessária uma quantidade excessiva de material porque distrai e 
confunde o entrevistado.
No que diz respeito à escola inglesa, de orientação kleiniana, não há um critério unificado. 
Seguindo Bick, insiste-se na utilização de material não estruturado: madeiras de formas e 
tamanhos diferentes, tinta, barban te, lã, pedaços de pano, tesoura, fitas elásticas, copo, etc.
As críticas que podem ser feitas a este tipo de cnfoque, antagônico em relação ao anterior, é 
de que permite interpretar símbolos que não correspondem ao que a criança realmente 
deseja transmitir.
Nós aderimos a um critério intermediário, oferecendo à criança materiais de tipos 
diferentes, tanto estruturados quanto não estruturados, possibilitando a expressão,sem que 
a experiência se torne invasora.
Propomos que seja incluído na caixa de brinquedos o seguinte ma terial: 
papel tamanho carta lápis pretos e dc cor lápis de cera 
tesoura sem ponta
massas de modelar dc diversas cores borracha 
cola
172 O PROCESSO PSICODIA GNÓSTICO E AS TÉCNICAS PROJETIVAS 
apontador
papel glacê barbante
dois ou três bonequinhos (com articulações e de tamanhos diferentes) famílias de animais 
selvagens
famílias de animais domésticos
dois ou três carrinhos de tamanhos diferentes que possam funcionar como continentes
dois ou três aviõezinhos com as mesmas propriedades duas ou três xícaras com seus 
respectivos pires
colherinhas
alguns cubos (aproximadamente seis) de tamanho médio trapinhos
giz
bola.
É importante que o material seja de boa qualidade para evitar fáceis estragos, situação que 
pode criar culpa na criança e fazê-la sentir que o entrevistador pode ser facilmente 
destruído por seus impulsos agressivos, os quais ela tem pouca capacidade para conter e 
manipular. Deve-se evitar a inclusão de material perigoso para a integridade física do 
psicólogo ou da criança (objetos de vidro, tesouras com ponta, fósforos, etc.). O material 
deve estar em bom estado já que, caso contrário, a criança pode ter a sen sação de estar em 
contato com objetos já usados e gastos.
Instruções
Quando a criança entra no consultório, o psicólogo deve manifestar, de forma breve e numa 
linguagem compreensível, uma série de informações que configuram as instruções:
definição de papéis
limitação do tempo e do espaço material a ser utilizado 
objetivos esperados.
Isto significa que se esclarece para a criança que pode utilizar, como quiser, o material que 
está sobre a mesa, que observaremos sua brincadeira com o propósito de conhecê-la e de 
compreender suas dificuldades para uma ajuda posterior, tudo isto num tempo determinado 
e nesse lugar.
Além disso, serão explicitados os limites gerais quanto à realização de ações que sejam 
perigosas para a integridade física, tanto do entrevistador quanto do entrevistado, da sala e 
do mobiliário, caso isto seja necessário, e no momento indicado.
A HORA DE JOGO DIAGNÓSTICA 173
Papel do psicólogo
O papel que o psicólogo cumpre durante o processo psicodiagnóstico é um papel passivo, já 
que funciona como observador, e ativo na medida em que sua atitude atenta e aberta 
(atenção flutuante) permite-lhe a com preensão e a formulação dc hipóteses sobre a 
problemática do entrevistado.
Pode acontecer que a criança requeira nossa participação, fazendo- nos descmpenhar um 
papel compkmentai Pode surgir, inclusive, a neces sidadc dc uma sinalização (por exemplo, 
quando a criança se bloqueia ou manifesta sua rejeição através da inibição da atividade 
lúdica). Entende mos por sinalização a explicitação de aspectos dissociados manifestos da 
conduta. Em hipótese alguma devem ser incluídas interpretações, já que estas apontam para
o latente.
Outro tipo de participação é o estabelecimento de limites, caso o paciente tenda a romper o 
enquadramento.
Neste sentido, toda a participação do entrevistador tem como obje tivo criar as condições 
ótimas para que a criança possa brincar com a maior espontaneidade possível, uma vez que 
esta, como qualquer outra situação nova, provoca ansiedade. A função específica consiste 
em obser var, compreender e cooperar com a criança.
Transferência e contratransferência
Juliana Toyokawa
Realce
Juliana Toyokawa
Realce
Juliana Toyokawa
Realce
Juliana Toyokawa
Realce
Juliana Toyokawa
Realce
Juliana Toyokawa
Realce
Uma hora de jogo diagnóstica significa uma experiência nova tanto para o entrevistado 
quanto para o entrevistador. Neste sentido, além de refletir o interjogo das séries 
complementares de cada um, implica, a nosso critério, o estabelecimento de um vínculo 
transferencial.
Antes do primeiro contato já existe uma imagem mútua, resultante da informação que os 
pais transmitem. Isto condiciona determinadas expectativas que devem ser reajustadas na 
primeira entrevista, através do vínculo real e concreto com a criança.
A transferência na hora de jogo e em todo o processo diagnóstico adquire características 
particulares que respondem, por um lado, à brevi dade do vínculo e, por outro, ao fato de 
que o meio de comunicação sejam os brinquedos oferecidos pelo psicólogo, o que permite 
que a trans ferência se amplie e se diversifique para estes objetos intermediários. Neles o 
paciente depositará parte de seus sentimentos representantes de diferen tes vínculos com 
objetos d seu mundo interno.
É tarefa específica do psicólogo recuperar esse material para integrá 
-lo, junto aos elementos verbais e pré-verbais, na totalidade do processo.
4
174 O PROCESSO PSICODIA GNÓSTICO E AS TÉCNICAS PROJETIVAS 
A HORA 1 JOGO DIAGNÓSTICA
175
A contratransferência é um elemento que pode ajudar a compreensão da criança, se for 
conscientemente integrada pelo psicólogo. Este deve discriminar suas próprias motivações 
e impulsos, para que não interfiram na análise compreensiva da conduta lúdica da criança.
Indicadores da hora de jogo diagnóstica
Quando nos dedicamos à tarefa de analisar uma hora de jogo diagnóstica, deparamo-nos 
com a não-existência de uma padronização deste material. Isto faz com que a tarefa se torne 
difícil e a produção não seja bem apro veitada.
Portanto, propusemo-nos elaborar um guia de pautas que ofereçam um critério 
sistematizado e coerente para orientar a análise, comparar diversos materiais dentro do 
processo psicodiagnóstico e obter inferências generalizadoras.
Este método de investigação permite obter, além disso, um guia inter no repartido e 
objetivado, enriquecedor da visão de conjunto. -
Não se pretende com ele esgotar toda a riqueza e a complexidade das possibilidades a 
serem consideradas na hora de jogo, mas sim considerar os itens mais importantes para fins 
diagnóstico e prognóstico, apontando tanto para o dinâmico quanto para o estrutural e 
econômico.
Análise dos seguintes indicadores:
1) escolha de brinquedos e de brincadeiras
2) modalidades de brincadeiras
3) personificação
Juliana Toyokawa
Realce
O
13
DEVOLUÇÃO DAS INFORMAÇÕES DO
PSICODIAGNÓSTICO
Ana Celina Garcia Albornoz
psicodiagnóstico é um processo que envolve uma série de etapas, todas elas
muito relevantes, tendo como desfecho o momento da devolução de
informações. ​Tanto na literatura nacional quanto na internacional, muito espaço
tem sido dado à avaliação psicológica, por meio da publicação de trabalhos sobre o
processo em si, sobre os instrumentos utilizados e suas problemáticas, bem como sobre
os resulta​dos encontrados em diferentes populações. No entanto, chama a atenção que
não tem sido dada a mesma ênfase à devolução das informações do psicodiagnóstico,
um dos momentos mais importantes do processo. Entre as produções sobre
psicodiagnóstico, apenas algumas conferem um capítulo especial a esse momento, as
demais o citam brevemente, entre outros temas. Essas constatações evidenciam um
desconhecimento a respeito de sua relevância no processo.
O momento da devolução das informações é fundamental para o processo
psicodiagnósti​co, pois deve englobar, de forma sintetizada, todos os momentos
vivenciados durante as etapas anteriores, e, além disso, deve produzir a ​integração
desses momentos, conduzir a um ​fechamento e abrir portas para novos direcionamentos.
A devolução das informações encerra um miniproces​so bastante complexo, responsável
por ratificar a importância da realização do psicodiagnóstico e por produzir efeitos nos
sujeitos que o vivenciaram. É o ápice de todo o investimento realizado, para todas as
partes interessadas – o ​avaliando, sua família e o profissional – e deve apontar
caminhos que levem a alterações na vida dos envolvidos.
Há algumas décadas, o psicodiagnóstico caracterizava-se como o processo de
busca de um diagnóstico psicológico para nomear o que afetava o avaliando e propor
alternativas terapêuticas voltadas à resolução de sua problemática. Baseadosobretudo
no quadro clínico e nos sintomas do avaliando, apresentava um entendimento descritivo
do caso e gerava um enquadramento em uma das classificações de doenças mentais
vigentes. A partir desses achados, era formulada uma ou mais indicações terapêuticas
para o caso. Esse processo tinha enfoque essencialmente individualista, buscando, no
próprio indivíduo e em seu comportamento, uma resposta para as queixas apresentadas.
As indicações terapêuticas decorrentes geralmente se voltavam a uma terapêutica
individual, sem propor alterações no ambiente do avaliando, sendo comunicadas a ele e
sua família na última entrevista do processo, chamada de entrevista devolutiva. A partir
desse enfoque, a entrevista devolutiva cumpria bem o seu papel, quando o profissional
comunicava ao ​avaliando o nome de sua doença e indicava-lhe o caminho da cura.
Esse modelo com enfoque individualista, cuja lente extrai o indivíduo de seu meio e
toma sistemas isolados, pode distorcer a situação do avaliando e comprometer os
resultados do psicodiagnóstico.
A prática da busca por um diagnóstico psicológico clássico, oriunda da grande ​-
influência do modelo médico sobre a psicologia clínica, produzia efeitos pessoais e
sociais negativos e onerava a autoestima do avaliando (Van Kolck, 1984). Além disso,
nesse modelo de avaliação psicológica, o ritmo do processo centrava-se no
profissional, quanto às suas necessidades de investigação e às suas conclusões, sendo
ele o portador das rédeas do psicodiagnóstico e o seu condutor até um ponto por ele
definido (M. C. Ortigues & Ortigues, 1988).
Atualmente, um novo paradigma abarca a concepção acerca do psicodiagnóstico:
sua meta preferencial não é apenas encontrar o quadro nosológico apresentado pelo
avaliando, mas vislumbrar o entendimento cuidadoso do seu estado geral, conhecer
suas forças, os fatos e as experiên​cias, entrelaçando passado e presente, e prever, na
medida do possível, prováveis competências e vulnerabilidades no futuro. Para isso,
deve-se compreender as interações constantes e multidirecionais entre indivíduo, seus
vários subsistemas e seu meio ambiente (Copolillo, 1990).
A partir dessa visão atual, leva-se em conta a história e o comportamento do
avaliando, contextualizando-os a partir da dinâmica familiar, econômica, cultural,
institucional e social em que ele está inserido. Dessa forma, o processo deixa de ser
estanque, segmentado, excludente, descritivo e com foco na classificação nosológica,
cuja relação com a doença é direta, e passa a envolver uma avaliação compreensiva,
integradora da realidade do avaliando, ao entender que ela lhe confere sentido.
Na nova concepção de psicodiagnóstico, o momento da devolução das
informações tem um papel essencial: em vez de comunicar ao ​paciente e aos seus
familiares o quadro nosológico e de prescrever terapêuticas, esse momento torna-se
decisivo por propiciar um espaço para a construção conjunta – entre o profissional, o
paciente e os seus familiares – de uma rede de significados que dão sentido à existência
do avaliando, tomando, para isso, todas as informações referentes aos contextos
intrapsíquico e psicodinâmico, relacional e social, por ele vivenciados.
A ideia não é eliminar o diagnóstico clássico, porque muitas vezes ele é
necessário, por exemplo, para que um convênio autorize os tratamentos indicados.
Trata-se de reconhecer suas limitações para descrever as forças psicodinâmicas
responsáveis pela psicopatologia do avaliando, e conferir-lhe um lugar distinto do
usual, secundário. No caso, é o uso do diagnóstico que está em questão; para os que o
colocam no centro do processo e o mantêm como foco principal, ele é essencial e
decisivo; para outros, as hipóteses diagnósticas se traduzem em dados, que, ​somados a
outros dados igualmente ou mais importantes, podem ajudar a esclarecer as questões
que atingem o avaliando e os seus familiares (Copolillo, 1990; M. C. Ortigues &
Ortigues, 1988).
Atualmente, o psicodiagnóstico tem influên​cia de um modelo compreensivo, que,
em vez de buscar sintomas para enquadrar o avaliando em uma síndrome, busca a
compreensão e a descrição dinâmica da personalidade, considerando a sua etiologia.
Nesse modelo, os indicadores patológicos identificados não são supervalorizados e
tampouco servem para enquadrar e rotular o indivíduo (Van Kolck, 1984). Esses
indicadores servem de guia, tornando mais sensível a escuta do profissional para toda
uma rede de experiências e conhecimentos, conduzindo-o muito além da nosografia (M.
C. Ortigues & Ortigues, 1988).
Após a realização das entrevistas diagnósticas, o profissional estará apto à
realização da tarefa de classificação da psicopatologia, mas também poderá
diagnosticar as condições do avaliando e ligar esse diagnóstico a uma série de
recomendações, que devem ser explicitadas aos pais e à criança, de forma simples e
direta. A classificação dos sintomas é apenas uma informação, entre outras, sobre o que
está em jogo na história individual, apresentada a partir de um problema inicial. Trata-
se de um processo cuja evolução é imprevisível, inclusive no que diz respeito às
indicações terapêuticas (Copolillo, 1990).
Diversas são as técnicas de abordagem profissional, correspondentes a diferentes
linhas teóricas. No entanto, devido à complexidade e à profundidade que o processo
deve abarcar, considero ideal que as entrevistas diagnósticas não tenham um roteiro
rigidamente estruturado, mas que possam reconhecer e valorizar a evolução da
associação livre. Assim, baseando-se nas respostas anteriores, o psicólogo, de forma
meticulosa e flexível, poderá eliciar novas questões e obter as informações necessárias
(Sarnoff, 1995). Esse modelo também pode ser adotado no momento da devolução das
informações, pois, dessa forma, o ritmo do trabalho será pautado pelo avaliando e por
suas questões.
Para M. C. Ortigues e Ortigues (1988), a solicitação inicial de ajuda deve ser
analisada a partir de questões formuladas por meio de um diálogo maleável, que
permitirá que sejam desvendados aspectos inesperados do distúrbio, do contexto que o
determinou, e, ainda, daquele que foi o solicitante da avaliação psicológica. Se a escuta
for apropriada, sem direcionamentos e interferências desnecessários, a demanda inicial
poderá ocultar-se completamente atrás de outras solicitações, e poderá, inclusive,
desaparecer com a evocação de sofrimentos antigos ou desdobrar-se, diversificar-se e
ramificar-se. Muitas vezes, a solicitação inicial não é totalmente desvendada nas
entrevistas diagnósticas, podendo emergir novos dados e solicitações, de forma
explícita ou implícita, no momento da devolução das informações e no encerramento do
psicodiagnóstico.
Para desvelar o máximo dos aspectos envolvidos em um caso, as entrevistas
preliminares devem ter caráter polifônico, ou seja, devem avaliar os vários indicadores
existentes nos vínculos, nos registros do presente e do passado, nos eventos descritos,
nas emoções, nas vivências pessoais e na eventual evocação de sonhos ou em
associações espontâneas (Copolillo, 1990). A escuta deve considerar o avaliando como
um ser único, mas sem desconsiderar que é detentor de uma história singular e está
inserido em uma dimensão histórica da qual sofre influência. A história de um sujeito
urde à história de outros que o constituem, que são os mediadores de uma história
social e coletiva constitutiva. A história não deve ser concebida como mero passado
congelado ou a ser descongelado, mas como uma trama de relações na qual o sujeito
está inserido, podendo nela ficar aprisionado, seja ele adulto ou criança (Reinoso,
2002).
Segundo M. C. Ortigues e Ortigues (1988), é o conjunto da configuração familiar
que torna compreensível o comportamento de cada um. É necessário compreender a
história pessoal do avaliando por meio de sua reconstituição, inserindo-a na realidade
imediata. Também é preciso apreender a sua organização psíquica, o seu grau de
maturidade e os seus modos de reação. Muitas vezes, uma conjunção de fatores
simbióticos apontaa necessidade de se realizar uma distinção entre a verdade da
criança e a verdade dos pais. Para isso, é essencial que se construa um espaço clínico
de intimidade e de trocas, a fim de se atingir o íntimo do avaliando e de sua família, de
forma natural, não impositiva e não traumatizante.
O momento da devolução das informações será o palco de novos esclarecimentos,
tendo um papel fundamental no processo psicodiagnóstico no sentido de descobrir,
organizar e esclarecer a complexidade do que veio à tona a partir do pedido de ajuda
inicial. Nesse momento, o profissional deverá integrar os dados captados por meio das
observações das manifestações verbais e não verbais, dos silêncios, das omissões, das
ausências, das vivências, das transferências, das contratransferências e dos
instrumentos utilizados, atribuindo um sentido mais amplo ao pedido manifesto,
somando-o ao latente, agora descoberto.
Muitas vezes, na queixa inicial, o sintoma é exposto como algo isolado ou
estritamente relacionado a algum acontecimento, e o que é solicitado é um plano para a
supressão desse ​sintoma, com a ideia de que, assim, tudo se resolverá na vida do
avaliando. É possível que o avaliando e sua família desconheçam que o ​-
desaparecimento de um sintoma requer alterações de bloqueios e de fixações libidinais,
muitas vezes implicando uma completa reorganização da personalidade (M. C. Ortigues
& Ortigues, 1988). Cabe ao profissional, especialmente no momento da devolução das
informações do psicodiagnóstico, a difícil tarefa de ampliar esse conceito, integrando
dados e tecendo a teia das inter-relações entre sintoma, história, dinâmica familiar,
meio e situação atual, propondo uma nova forma de percepção da realidade.
Na devolução das informações do psicodiagnóstico, é necessário que o
profissional ​possa nomear e esclarecer ao avaliando e, em caso de criança, adolescente
ou adulto dependente, também aos seus responsáveis, o sentido dos sintomas,
localizando-os dentro do contexto apreen​dido, bem como sua importância e utilidade.
Recomendo que nesse momento seja realizada uma retomada do percurso da avaliação,
relembrando passagens anteriores, como a entrevista inicial, o pedido de ajuda, a
produção de material e as comunicações, para, enfim, conduzir ao fechamento do
processo. O profissional deve devolver ao avaliando aquilo que é dele, e que, de algum
modo, ele explicitou no contexto do psicodiagnóstico, de forma decodificada e
processada, ou seja, com a devida compreensão do complexo psicológico que o
envolve. Dessa forma, é possível que o avaliando e sua família se apropriem daquilo
que lhes diz respeito. Assim, o ​profissional e o avaliando não se sentirão esvaziados, e
o psicodiagnóstico poderá ter um efeito para além da catarse. Reunir informações,
organizá-las, apresentá-las e discuti-las, fazer pensar – esse é o importante papel da
devolução das informações no psicodiagnóstico.
Para tecer essa teia de significados, será necessário retomar o início do processo,
o que eliciou sua necessidade, como a situação se apresentava no início, o que se
sucedeu a isso, de que forma, e o que resultou de toda uma demanda de abordagens.
Nesse momento, será importante retomar o papel dos instrumentos empregados na
avaliação, sejam as entrevistas, as escalas, os testes, as técnicas, de modo que tudo faça
sentido. O compartilhamento dessas informações retira o profissional do papel de
sujeito suposto saber e o coloca no papel de alguém que divide um saber que diz
respeito a todos os envolvidos, alguém que ajuda a capturar sentidos e a pensar
conjuntamente em alternativas e possibilidades para melhorar o que não está bem e ​-
potencializar o que ainda pode ser melhor. Nesse sentido, é necessário que todos
possam ser condutores do processo psicodiagnóstico, e que, ao final, os solicitantes
possam fazer escolhas que tenham sentido para eles e que estejam dentro de suas
possibilidades reais.
É importante observar a reação verbal e não verbal do avaliando e de sua família
nesse momento, bem como as distorções transferenciais. Também é de grande
importância observar as reações contratransferenciais do profissional no campo do
psicodiagnóstico, pois elas permitem o aprofundamento da compreensão da dinâmica
do avaliando e de sua família, sendo uma fonte adicional de informações. Essas
análises dão origem a um diagnóstico e a um prognóstico mais próximos da realidade,
bem como à proposição de um planejamento mais adequado quanto às indicações
terapêuticas (Copolillo, 1990; Ocampo & Arzeno, 1981).
No momento da devolução das informações do psicodiagnóstico, o profissional
convidará o avaliando e seus familiares a percorrerem com ele uma trajetória repleta
de pontos a serem apreciados. Por fim, juntos chegarão a conclusões sobre o impacto
dessas vivências no momento atual do avaliando e de sua família. Esse momento
apontará também os caminhos a serem trilhados na busca pelo bem viver, que não se
encerrarão com o fim do psicodiagnóstico, deverão ter continuidade de várias formas
por novos percursos.
A devolução das informações do psicodiagnóstico é um momento especial, pois ​-
plantará sementes que poderão germinar, no ​presente e no futuro, maximizando os
efeitos da interven​ção realizada. Contudo, o êxito do processo dependerá em grande
parte do modo como as informações circularão entre as partes ​envolvidas. Cabe
salientar que o profissional deve ser capaz de avaliar a produtividade de fornecer
informações demasiadamente técnicas aos envolvidos. O psicólogo deve ter em mente
que é essencial comunicar ao avaliando aquilo que eles terão condições de processar
em seu benefício, e, até mesmo, de suportar.
Segundo M. C. Ortigues e Ortigues (1988), não seria benéfico e proveitoso, em
longo prazo, que uma criança e sua família sejam conduzidas a uma decisão e a uma
situação de tratamento cujas implicações e consequências e cujos desfechos não
desejaram e não possam suportar. Os autores apontam que o profissional não deve
excluir as queixas e tampouco fechar as vias de exploração e qualificar negativamente
as colocações dos solicitantes, respeitando seus limites. Inclusive, enfatizam que,
quando um processo terapêutico em curso é interrompido ou quando se torna
interminável, como na desistência de uma psicoterapia, por exemplo, esses desfechos
apontam para a ocorrência de falhas na trajetória da avaliação que podem estar
centradas em equívocos na compreensão do caso, assim como na condução do seu
fechamento. Nesses casos, o profissional deve questionar-se, entre outras coisas, sobre
como foi constituída a decisão quanto à indicação terapêutica abandonada, qual foi o
encaminhamento do diálogo que conduziu à decisão de seguir à terapêutica, e qual foi a
reação do avaliando e de sua família a essa decisão, pois podem estar nas respostas a
essas questões as chaves para a compreensão da finalização extemporânea.
A compreensão atual do psicodiagnóstico passou a englobar, além do diagnóstico
descritivo e de nível de funcionamento, o diagnóstico psicodinâmico e das relações
familiares e sociais, para, a partir das informações obtidas, apreender o que dá sentido
ao sujeito em questão. Aponta, para além da patologia, aspectos livres de ​conflito e que
podem reforçar e favorecer alternativas de superação de dificuldades. Dessa forma, as
indicações terapêuticas propostas devem prever, quando necessário, alterações em
todos os contextos da vida do avaliando e de sua família, dentro das suas
possibilidades. Todos esses aspectos devem ser bem explorados no momento da
devolução das informações do psicodiagnóstico, pois as abordagens terapêuticas de
seguimento que estiverem apoiadas em expectativas e em entendimentos equivocados
correm o risco de fracassar.
A TÉCNICA DA DEVOLUÇÃO DAS INFORMAÇÕES NO
PSICODIAGNÓSTICO
A devolução das informações caracteriza-se como uma comunicação verbal,
discriminada e dosificada, entre o psicólogo e o avaliando, seus pais e outros
demandantes, sobre os resultados obtidos no psicodiagnóstico (Ocampo & Arzeno,
1981).Entretanto, não se trata de uma comunicação unidirecional e estanque, mas
circular – do avaliando e sua família para o psicólogo, e vice-versa. Caracteriza-se
como um espaço voltado à discussão das informações obtidas no processo e serve
como oportunidade para o insight.
Esse momento deve estar previsto desde o início do psicodiagnóstico, e a sua
previsão deve ser inicialmente comunicada ao avaliando e aos seus familiares. O fato
de saber que haverá um momento de discussão sobre os achados do processo pode
fazer o avaliando sentir-se comprometido e disposto a colaborar. Isso não se confirma
nos casos em que o avaliando tem receio de que os seus segredos sejam desvelados
para outros demandantes, como professores, ​médicos, entre outros, pois poderá
apresentar ansiedade persecutória e resistência ou oposição ante a abordagem (Ocampo
& Arzeno, 1981). Nesses casos, é importante que todas as ansiedades comunicadas,
direta ou indiretamente, sejam abordadas pelo profissional no momento em que forem
detectadas. Somente dessa forma será possível tranquilizar o avaliando e fazê-lo ​-
participar livre e espontaneamente das atividades propostas. Também é importante
informá-lo de que nem todos os aspectos componentes da avaliação serão comunicados
a terceiros, e que tudo o que for comunicado será feito em seu benefício e com o seu
conhecimento.
Geralmente, a devolução das informações do psicodiagnóstico é realizada no final
do ​processo, como um meio para a elaboração dos aspectos mobilizados durante a
abordagem e como seu fechamento. No entanto, não necessariamente deve ocorrer
dessa forma, pois, em alguns casos especiais, algumas informações do psicodiagnóstico
talvez tenham de ser antecipadas no decorrer do processo. Sobretudo nos casos em que
forem detectados indicadores de risco para o paciente ou de ameaça à sociedade, como
casos de crises psicóticas, tendências suicidas, ideias homicidas ou atos antissociais
graves, podem ser necessários encaminhamentos emergenciais para consultas médicas
ou psiquiátricas, ou mesmo para hospitais psiquiátricos com vistas à internação (Cunha,
2000). No momento da devolução dos dados, é importante que, além da realização dos
encaminhamentos, sejam enfatizados os riscos advindos do não atendimento a essas
orientações ou indicações terapêuticas, principalmente nos casos que envolvem maior
gravidade.
No caso de realização de psicodiagnóstico de avaliando adulto independente, a
devolução das informações geralmente ocorre ​diretamente para ele. Entretanto, nos
casos em que forem detectados indicadores de risco ao paciente ou a terceiros, deve-se
informar ao avaliando que será solicitada a presença de um familiar, a quem será
comunicado o problema identificado e a respectiva indicação terapêutica.
Quando se trata de avaliando criança, adolescente ou adulto dependente, existem,
necessariamente, duas entrevistas básicas de devolução de informações do
psicodiagnóstico: uma com os pais ou responsáveis, e outra, com o avaliando. Alguns
profissionais tendem a enfatizar uma ou outra entrevista, porém ambas são ​importantes
e devem ser encaminhadas cuidadosamente, devendo ser observadas as capacidades
egoicas e a maturidade dos avaliandos para compreender e tolerar produtivamente os
aspectos abordados (Ocampo & Arzeno, 1981).
Considero que a devolução das informações do psicodiagnóstico não deve ser
exclusividade dos pais ou dos responsáveis, pois a criança, o adolescente e o adulto
dependente também têm direito a esse momento de processamento. Mesmo nos casos
em que o encaminhamento terapêutico será direcionado a outros membros da família, o
avaliando não deve ser privado do direito à entrevista devolutiva, pois sua
problemática foi o motivo central para o processo. É importante observar que a não
realização da devolução das informações do psicodiagnóstico pode levar à
intensificação das fantasias de doença e de loucura no avaliando e em seus familiares,
acarretando, assim, inúmeros prejuízos aos envolvidos.
Algumas ideias apoiam a concepção de que a devolução das informações do
psicodiagnós​tico para os pais e para a criança deve ​ocorrer em momentos diferentes.
Ocampo e Arzeno (1981) apontam que essa conduta favorece a discrimi​nação de
identidade entre eles. Acredito que momentos diferenciados de devolução das
informações justificam-se, também, no fato de que a forma de comunicação, a
linguagem empregada e o foco da abordagem aos resultados do psicodiagnóstico devem
ser distintos. Ainda, as entrevistas em separado possibilitam que alguns conteúdos
sejam trabalhados de forma mais clara e direta com o avaliando, garantindo o
reconhecimento da sua individualidade e o seu direito à privacidade. Conteúdos muito
específicos, revelados pela criança ou pelo adolescente, relacionados a desejos,
sentimentos e relacionamentos, por exemplo, muitas vezes não precisam ser comunica​-
dos a outras pessoas. De outro modo, a modalidade de devolução em separado
possibilita que alguns conteúdos sejam trabalhados com os pais de forma aberta,
poupando a criança ou o adolescente da exposição dolorosa ante a escuta de
sentimentos de ambivalência, desesperança e, por vezes, desamor da parte dos pais.
Contudo, em muitos casos, as entrevistas conjuntas, incluindo a participação do
profissional, do avaliando e de seus responsáveis, podem ser produtivas. Essa
modalidade é indicada principalmente quando existem pontos dúbios ou vulneráveis
que precisam ser trabalhados na presença de todos, como, por exemplo, quando há a
necessidade de correção de distorções envolvendo a projeção de fantasias de doença
em um depositário. Nesses casos, uma devolução ​conjunta das informações do
psicodiagnóstico servirá para clarificar a posição dos membros da família com relação
à situação apresentada, esclarecendo, assim, o papel de cada um na dinâmica familiar.
A devolução das informações do psicodiagnóstico, momento que encerra um
processo em si, não precisa ficar circunscrita a uma ​única entrevista, podendo ser
ampliada a partir da necessidade dos solicitantes e do profissional. A devolução das
informações do psicodiagnóstico também não diz respeito a um momento único, pois
não acontece somente no encerramento do processo. Essa questão é mais bem
apreendida a partir de três aspectos, que serão descritos a seguir.
Em primeiro lugar, trata-se de um processamento que começa na mente do
profissional no momento em que se depara com dados provenientes das diferentes
etapas da avaliação, passando a integrá-los e a delinear alternativas possíveis para o
atendimento das necessidades do avaliando e de sua família muito antes dos encontros
finais. Do mesmo modo, o avaliando e os demais participantes também vão
descobrindo e integrando percepções sobre si mesmos, que vão se inscrevendo em suas
mentes no decorrer do processo. Esses entendimentos podem ser oportunamente
reconhecidos e nomeados pelo profissional no decorrer do processo, constituindo
devoluções graduais assistemáticas. Sob esse aspecto, a devolução acontece como uma
decorrência natural do processo na mente dos envolvidos. De acordo com o grau de
importância, esses insights obtidos durante o processo devem ser retomados e
destacados também no momento final, no fechamento do psicodiagnóstico.
Em segundo lugar, podem ser realizadas uma ou mais entrevistas, tanto com o
avaliando como com os seus responsáveis, em momentos diferentes ou de forma
conjunta. Nos casos em que os conflitos entre os familiares tornam os momentos
conjuntos improdutivos, ou nas situações em que o pai ou a mãe rejeitam a ideia de
entrevista conjunta, o profissional deve realizar a entrevista devolutiva com cada um
em separado, priorizando a participação de todos no fechamento do processo. Além
disso, pode haver a necessidade de realizar um momento de devolução das informações
ao profissional ou à instituição solicitante do psicodiagnóstico.
Em terceiro lugar, o momento da devolução das informações do psicodiagnóstico
caracteriza-se como um processo dentro de um processo maior, que nãoé objetivo e
que tampouco deve ser estanque, mas que deve ter o ritmo ditado pelo curso dos
eventos e pelo modo como cada um expõe e processa as informações. Tanto o
avaliando e seus responsáveis como o profissional podem necessitar de mais de um
encontro para serem capazes de esclarecer e estabelecer alguns fechamentos acerca da
avaliação. Isso não significa que não deva haver um cuidado para não transformar a
devolução das informações do psicodiagnóstico em um momento interminável,
confundindo-se com uma psicoterapia.
Na hora de discutir os achados de um psicodiagnóstico, todo cuidado é pouco. ​-
Segundo Ocampo e Arzeno (1981), uma boa devolução começa com a aquisição de um
bom conhecimento do caso, o que possibilitará a elaboração de hipóteses explicativas
sobre a natureza dos vínculos que ligam o avaliando a seu grupo familiar e ao próprio
avaliador, discriminando os ​aspectos saudáveis e patológicos de suas relações. Desses
achados, será extraído o que deverá ser exposto ao avaliando e à sua família, de forma
flexível e direcionada pelo que está sendo ​vivenciado no momento da devolução das
informações do psicodiagnóstico. Tais informações devem ser incluídas de forma
cautelosa e cuidadosa, sempre respeitando o desejo, o alcance e os limites dos
envolvidos. No caso de criança ou ​adolescente, o profissional deve ter em mente que o
problema trazido pelos pais com relação ao avaliando envolve também o problema
desses pais como pais, que não conseguem ser ou fazer diferente, e que, apesar de
desconhecerem, são cúmplices dos distúrbios da criança (M. C. Ortigues & Ortigues,
1988).
Na minha experiência profissional, tenho constatado que, muitas vezes, o
psicodiagnóstico propicia a emergência de sentimentos e situações difíceis de serem
suportados. É necessário que o profissional seja sensível e esteja atento à capacidade
de suportabilidade do avaliando e de seus responsáveis quanto ao recebimento de
determinadas informações. É importante que se revele aquilo que, presumidamente, eles
conseguirão suportar. Em alguns casos, pode ser necessário que o profissional solicite
que o avaliando ou seus familiares iniciem as abordagens terapêuticas indicadas
(psicoterapia, atendimento psiquiátrico, entre outros), antes que o profissional possa
iniciar ou dar continuidade à devolução das informações do psicodiagnóstico. Essas
medidas visam a preservação dos envolvidos no processo.
Cada contexto diferente de devolução exigirá uma abordagem diferenciada do
material em questão, devendo ser expostos apenas os conteúdos específicos
relacionados àquela determinada situação, sempre visando o benefício do avaliando.
Acredito ser essencial que o profissional tenha em mente que a história de vida do
avaliando diz respeito somente a ele e não deve ser exposta sem uma clara necessidade
e benefício próprio. Cabe salientar que nem todas as informações resultantes do
psicodiagnóstico – como dados da história pregressa e atual, revelações, conteúdos
diagnósticos, entre outros – devem ser comunicadas a todas as pessoas contempladas
com a devolução. Uma devolução voltada a um membro da comunidade escolar, por
exemplo, não precisa ​envolver conteúdos detalhados sobre a história dos pais ou da
criança, mas deve conter dados gerais sobre sua situação de vida, focando em
conteúdos sobre o estado emocional atual do avaliando, bem como em suas habilidades
desenvolvidas e potenciais, estritamente relacionadas à vida escolar. Outro cuidado
importante deve ser com relação às informações sobre conteúdos diagnósticos. Quando
necessário, esses dados devem ser incluí​dos parcimoniosamente e contextualizados,
bus​cando evitar um uso inadequado, como o favorecimento da aplicação de rótulos.
Para alguns autores, em caso de criança, adolescente ou adulto dependente, as
impressões diagnósticas, bem como as indicações para diminuir o sofrimento do
avaliando e de sua família, devem ser discutidas em primeiro lugar com o avaliando,
por meio de uma linguagem simples e direta, posteriormente com os seus ​responsáveis,
e, por fim, com os demais demandantes. Em cada contexto, deve ser abordado somente
aquilo que for útil ao avaliando (Copolillo, 1990). Para outros autores, no caso de
avaliando criança, primeiro deve-se realizar um momento de ​devolução das
informações do psicodiagnóstico com os responsáveis, para, somente após, realizá-lo
com a criança. Assim, questões como o seguimento das indicações terapêuticas podem
primeiro ser definidas com os pais, e após, comunicadas à criança (Ocampo & Arzeno,
1981). Considero importante ressaltar que cada caso é um caso, e caberá ao
profissional definir, em conjunto com o avaliando e seus familiares, qual a forma mais
conveniente de conduzir a devolução das informações do psicodiagnóstico.
No momento da devolução das informações, cabe ao profissional retomar o
diálogo, esquema​tizando os pontos que devem ser abordados. Alguns autores sugerem o
uso de critérios de prioridade, como características de intensidade, re​petição e
obscuridade. Em alguns casos, podem ser abordados primeiramente os aspectos
adaptativos do avaliando, por serem menos ansiogênicos; e, por último, os menos
adaptativos, sempre observando os indicadores de tolerância (postura receptiva,
perguntas, adição de novos dados, realização de novas associações) e de intolerância
(dificuldades para compreender, negativas, empalidecer, sair da sala, atrasos) quanto
ao que está sendo tratado (M. C. Ortigues & Ortigues, 1988).
A linguagem deve ser clara, e devem ser utilizados, preferencialmente, termos
compreensíveis ao avaliando e à sua família. No caso de crianças pequenas, a
devolução pode se dar por meio de jogos, e, nesse caso, também deve ser priorizado o
uso de termos comuns à criança. É importante que o profissional realize sínteses
compreensivas do caso à medida que vai dialogando com o avaliando, seja ele adulto,
adolescente ou criança, e também com os pais.
Inicialmente, o campo para discussão pode ser aberto com a retomada do motivo
original da busca de ajuda. Assim, pode-se observar o que se sucedeu a partir desse
momento, possibilitando ao avaliando e a seus pais ou responsáveis expor o que os
preocupava e as suas percepções iniciais a respeito do motivo da procura. Muitas
vezes, o psicodiagnóstico começa a ter um efeito na mente dos envolvidos já no seu
início, ocasionando alívio dos sintomas e alterando rapidamente a percepção inicial
dos envolvidos, que podem, inclusive, esquecer qual foi a demanda original. Em um
segundo momento, sugiro que o profissional revele, de forma gradativa, como ocorreu a
aproximação técnica à problemática explícita e à problemática implícita desvelada,
explicando a utilização de diferentes recursos e suas funções, como o emprego de
entrevistas, jogos e atividades específicas para avaliar capacidades. Não se trata de
revelar que em determinado instrumento foi identificada certa dificuldade, pois os
resultados de um psicodiagnóstico não são segmentados e precisam ser analisados em
conjunto; porém, pode-se esclarecer o que foi constatado por meio da aproximação
realizada e qual foi a problemática apreendida durante o decorrer do processo.
No caso de uma criança cuja escola ​solicitou o psicodiagnóstico devido à suspeita
de ​atraso mental, é possível que a avaliação não confirme essa hipótese inicial e
evidencie problemas de outra natureza. Nesse caso, é importante informar, por
exemplo, que, por meio dos recursos utilizados, como entrevistas e hora de jogo, e dos
instrumentos empregados, constatou-se que o avaliando apresenta um bom potencial ​-
intelectual e de habilidades que não está adequadamente desenvolvido e tampouco está
sendo aproveitado a serviço da aprendizagem escolar. Pode-se exemplificar a situação
dizendo que a criança apresentou condições de raciocínio, conteúdo lógico e
comunicação mais evoluída quando adequadamente estimulada, evidenciando, de forma
clara, que, se o meio a estimula, ela consegue apresentar um comportamento adequado à
sua etapa de desenvolvimento. É possívelapontar que, por meio de seu comportamento
e do conteúdo de suas comunicações verbais e não verbais, identificaram-se
dificuldades de ordem emocional, especialmente relacionadas ao seu ambiente
primário e aos seus relacionamentos, que reforçaram sua condição de dependência.
Nesse caso, pode-se realizar sugestões de alterações na forma de comunicação e de
conduta do meio para com a criança.
Nomear as contribuições das diferentes formas de abordagem (entrevistas e ​-
instrumentos), de forma clara e acessível, é essencial. Esse momento caracteriza-se
como uma oportunidade para desmistificar o papel dos instrumentos empregados na
avaliação que por ventura ainda sejam alvos de fantasias ou dúvidas, e, também, de
demonstrar o papel deles nessa construção. É importante esclarecer de que forma cada
mo​mento contribuiu com os achados do psicodiagnóstico, e dividir com o avaliando e
sua família, em termos gerais, por meio de uma linguagem não técnica, aquilo que foi
revelado. Nesse momento, podem ser dissipadas fantasias existen​tes, como, por
exemplo, a respeito da capacidade ​intelectual do avaliando, ao expor que as atividades
realizadas, somadas a dados provenientes de outras fontes, mostraram que ele tem ou
não tem determinado potencial intelectual. Dessa forma, é possível trabalhar aspectos
de desvalorização e de supervalorização de determinados comportamentos da criança.
É possível comunicar aos pais e à criança, por exemplo, que, ao brincar, ela nos
conta o que sente e demonstra como está ocorrendo o desenvolvimento do seu
pensamento. Assim como se pode mostrar que o jogo e as técnicas lúdicas, somadas a
outros dados e à história do avaliando, podem revelar que as marcas de certas
vivências de determinadas fases do desenvolvimento infantil permanecem intensas e
manifestas por meio de comportamentos infantilizados, como, por exemplo, nos quadros
de intensa oralidade ou de enurese.
Na devolução das informações do psicodiagnóstico, também podem ser inseridas
as contribuições de outros profissionais ao processo, como médicos e professores.
Fontes externas fornecem uma visão objetiva e longitudinal da criança, da família e de
suas problemáticas, indicando ​áreas a serem exploradas (Sarnoff, 1995). Entretanto,
cabe salientar que essas informações, assim como aquelas resultantes dos instrumentos
psicológicos, devem ser inseridas no momento oportuno, de forma dialógica,
metabolizada, integrada, acessível e produtiva. Elas não devem ser transmitidas in
natura, por meio de dados estanques, ao paciente e aos seus familiares, pois podem
ocorrer incompreensões, confundindo ou rotulando o avaliando, e, desse modo,
prestando-lhe um desserviço. Ainda, é importante preservar o sigilo e não mostrar as
produções do avaliando, como desenhos, dobraduras, testes e escritos, aos pais ou a
outros demandantes do psicodiagnóstico (M. C. Ortigues & Ortigues, 1988).
A devolução das informações, mesmo quando conduzida de forma adequada, pode
mobilizar diversos sentimentos. Muitas vezes, deparar-se com conteúdos relacionados
ao baixo desenvolvimento ou à patologia de um filho pode mobilizar sentimentos de
ansiedade e culpa nos pais, que reagem por meio de atitudes conflitivas e ​hostis entre
si, geradoras de desacertos. São comuns os casos em que, após uma informação sobre
as dificuldades emocionais de um filho, como, por exemplo, sua regressividade,
insegurança, menos-valia ou dificuldades em determinadas áreas do desenvolvimento, o
pai e a mãe passem a acusar um ao outro de ter tido atitudes geradoras dessas
problemáticas no filho. Nesses momentos, o profissional deve evitar tomar partido em
apoio a um ou a outro membro da família, e precisa agir de forma mediadora, tentando
integrar dissociações e dissolver culpabilizações. Segundo Costa (2008), a atitude
terapêutica deve ser predominantemente facilitadora, reanimadora, explicativa,
discriminatória e inter-relacionadora.
Nesses momentos, o profissional deve ajudar os pais a compreenderem que as
dificuldades de uma pessoa estão relacionadas a um somatório de experiências e,
inclusive, a algumas características próprias, sendo difícil localizar de forma exata
qual fato gerou determinada circunstância. Também pode ser necessário lembrá-los de
que as pessoas não têm total domínio e conhecimento sobre os seus comportamentos, e
que, portanto, as intromissões por parte dos pais no desenvolvimento de um filho muitas
vezes são involuntárias. Além disso, convém lembrá-los de que, direta ou
indiretamente, todos contribuem na di​nâmica familiar. Mas, quando for o caso, deve-se
apontar que o ambiente, ou algum de seus membros, pode não estar conseguindo
estimular a criança da melhor forma, por exemplo, no sentido da autonomia, seja
porque a protege demais, seja porque a protege de menos. Essa será uma oportunidade
para reflexão e para o estabelecimento conjunto de propostas de novos modelos de
atitudes e relacionamentos.
Embora não seja o objetivo deste ​capítulo discutir sobre os documentos
resultantes do psicodiagnóstico, considero importante ressaltar que os cuidados
explicitados com relação à devolução presencial de resultados do psicodiagnóstico
também devem ser observados nas devolu​ções realizadas por escrito, tanto na forma de
re​latório, quanto na forma de parecer ​psicológico. Enfatizo a importância da seleção do
conteúdo a ser comunicado, observando o respeito ao sigilo e à privacidade do
avaliando. As comunicações por escrito devem ser produzidas de forma específica para
cada demandante, e devem conter apenas informações relevantes ao contexto em
questão, evitando a inclusão de dados desnecessários ou que possam ser interpretados
de forma equivocada.
As comunicações por escrito devem ser pautadas pelos princípios éticos que
regem a profissão e seguir as orientações do conselho de classe. O avaliando e os seus
responsáveis devem ter ciência do conteúdo do documento elaborado e explicitar a sua
concordância com o seu envio ao destinatário. O caráter de confidencialidade da
comunicação e a informação sobre a quem ela se destina devem estar expressos no
material escrito, a fim de garantir o uso responsável por parte de seu portador e
guardião. Ressalto que todos os documentos oriundos do psicodiagnóstico devem ser
produzidos em duas vias, para que as diferentes versões encaminhadas a todos os
demandantes constem nos arquivos do profissional que as produziu e encaminhou.
AS INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS
A discussão sobre as indicações terapêuticas decorrentes do psicodiagnóstico é um
aspecto importante da devolução de informações. Caso os passos anteriores tenham
sido bem trabalhados, não será nenhuma surpresa ao avaliando e a seus familiares os
caminhos propostos para a melhoria da qualidade de vida de todos. Nos casos de
indicação de psicoterapia, muitas vezes os pais chegam a dizer que, pelo curso da
conversa, já imaginavam que a indicação seria feita ao final da exposição.
Deve-se atentar para o fato de que prescrever tratamentos de forma não condizente
com a realidade e com o desejo dos pais e da criança pode tornar o psicodiagnóstico
inócuo e estéril. Muito além de diagnosticar e apontar a cura, o psicodiagnóstico deve
propor alternativas com base na compreensão psicodinâmica, ancorada no
entendimento sociofamiliar, cultural e econômico de seus participantes. As indicações
terapêuticas devem ser apropriadas às possibilidades do avaliando e de sua família,
priorizando-se referenciar locais próximos à sua comunidade e recursos
financeiramente acessíveis, atendendo às necessidades observadas.
Durante o psicodiagnóstico, deve-se vislumbrar não somente a dinâmica
intrapsíquica do avaliando, mas todo o seu contexto. Dessa forma, é dever do
profissional fornecer indicações terapêuticas que vão além das intervenções de
tratamentos. Considero que também devem ser fornecidas sugestões de alterações na
rotina familiar quanto a aspectos relacionados ao avaliando, como, por exemplo,
referentes à ocupação dos dormitórios na casa, à organização dos hábitos familiares, ao
encaminhamentopara esportes e atividades recreativas e ao lazer da família, entre
outros.
No caso de o psicodiagnóstico seguir-se de uma psicoterapia com o mesmo
profissional, este deve estar ciente de que o que ocorreu durante o processo de
avaliação poderá influenciar o processo terapêutico de seguimento. Copolillo (1990)
sugere que, em caso de continuidade do vínculo por meio da psicoterapia, o
profissional deve deixar claro que o avaliando e sua família têm a abertura e o tempo
necessários para tomar uma decisão, inclusive para conhecer outros profissionais que
realizem a mesma atividade, antes da contratação.
O PROGNÓSTICO
Nesse momento, o profissional coloca o seu arsenal teórico e de experiência clínica à
disposição do avaliando e de sua família, a fim de demonstrar aos envolvidos o risco a
que estarão expostos caso algumas medidas terapêuticas não sejam tomadas. Expor os
possíveis desdobramentos da condição atual é uma das mais importantes tarefas da
devolução de informações do psicodiagnóstico. Considera-se que apresentar um
prognóstico em curto e longo prazos, de forma clara, faz parte do dever científico do
profissional.
A devolução de informações encerra também um caráter preventivo, pois auxilia o
avaliando e sua família a vislumbrar um possível porvir, que, não sendo favorável,
poderá de alguma forma ser prevenido. Desse modo, pode-se explicitar, por exemplo,
que deixar de buscar um auxílio terapêutico enquanto ainda há plasticidade cerebral
para o desenvolvimento de certas habilidades ou enquanto a personalidade de uma
criança ainda não está estruturada pode ser temerário, pois isso pode se constituir como
um limitador para o desenvolvimento do avaliando em um futuro próximo ou longínquo.
Apontar os possíveis desdobramentos das atuais dificuldades do avaliando também
deve fazer parte desse momento, além de ter um sentido preventivo, pois permite que os
pais adotem medidas favoráveis ao desenvolvimento da criança ou do adolescente.
Mesmo no caso de adultos, o prognóstico também favorece a tomada de decisão no
sentido de evitar que os problemas se agravem e que as perdas na vida do avaliando
sejam irreparáveis.
Cabe ressaltar que, no momento do fechamento do psicodiagnóstico, o avaliando e
seus familiares devem ser informados sobre o papel do profissional de guardião dos
registros das atividades e do material resultante do psicodiagnóstico. Dessa forma,
assegura-se aos interessados o direito à confidencialidade e à disponibilidade, de
acordo com normativas éticas e legais.
Assim como as primeiras entrevistas não encerram o papel de desvendar uma
demanda, penso que a devolução de informações do psicodiagnóstico não tem o papel
de apenas devolver resultados. Segundo a concepção atual, nada foi extraído do
avaliando. Considero que o momento da devolução das informações traduz-se em um
lugar simbólico, em que se coloca em palavras o que começou a ser construído e em
que se estabelece um momento de pensar junto, de vislumbrar caminhos. É um lugar de
transformação e de estabelecimento de parcerias para adentrar um mundo inverso,
complexo e subjetivo, a partir do que chegou, na forma de colocações simples e
objetivas, como é, por vezes, a expressão de um sintoma. Em geral, o momento da
devolução das informações do psicodiagnóstico representa um fechamento, mas, para
mim, também pressupõe uma abertura para novos sentidos de vida, novas abordagens e
novas satisfações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A complexidade da práxis mudou. Hoje se faz necessária uma ampliação considerável
de conhecimentos acerca de diferentes abordagens. Como não saber sobre falsas
memórias, sobre alienação parental, sobre disputa de guarda, sobre ato infracional,
sobre vitimização? Como não conhecer fenômenos como resiliência, coping, cuidados
substitutos, bullying? Como não conhecer as resoluções do Conselho Federal de
Psicologia e como elas nos atingem, ou melhor, nos auxiliam? Como não considerar os
achados científicos das pesquisas? Como não reconhecer as alterações das
classificações internacionais de doenças mentais? Como não compreender as novas
concepções acerca do espectro autista?
Tudo isso pode estar presente no dia a dia da clínica. É necessário mostrar que a
pesquisa clínica também é científica. Para isso, é importante descrever termos,
desvendar achados, explicitar paradigmas. Compreender o que lhe dá sentido. A
clínica, por meio das suas abordagens – como o psicodiagnóstico, a psicoterapia, entre
outras –, ajuda a descobrir o que está encoberto, busca revelações de algo que se sabe,
mas de que não se tem consciência. Por se tratar de conteúdo ansiogênico, busca-se
compreender os enigmas da origem, de ser quem se é em um determinado meio.
Mas como fazer essa mensagem chegar ao seu destinatário? Essa é uma das
principais questões da devolução das informações do psicodiagnóstico. É necessário
estudar o campo, um campo minado de sintomas, conflitos e defesas que precisam ser
transpostos. Para isso, o profissional que avalia tem que ser mais humano e menos
sujeito suposto saber. É preciso reunir técnicas, sem preconceitos, sob a égide da sua
linha mestra.
Os problemas de natureza humana estão aumentando e adquirindo novas
roupagens, consequência das organizações sociais e culturais contemporâneas.
Atualmente, sabe-se que as dificuldades humanas adentram muitos campos, relacionais,
sociais, culturais, e até mesmo cibernéticos, em que ocorrem falhas que geram
repercussões no humano. Faz-se necessária uma compreensão ampliada de diferentes
contextos, para além das organizações psicopatológicas clássicas. É preciso
compreender o ambiente de cada um, suas possibilidades e seus limites.
É essencial a compreensão das novas configurações que demandam o
psicodiagnóstico e o conhecimento das inúmeras modalidades terapêuticas existentes.
Novas necessidades surgem e novos caminhos são possíveis, o que se reflete na
complexidade e na profundidade da nossa prática.
Mas tão importante quanto compreender, é necessário saber comunicar o que é
compreendido. Essa é a extrema importância do momento da devolução das
informações, que deve encerrar um processo e, ao mesmo tempo, conduzir a uma
abertura, a um conhecimento novo, que mesmo que já fosse vivenciado pelo avaliando,
nascimento, vida e morte. Para Bettelheim (1980), os contos de fada trazem à luz comportamentos
latentes e manifestos, oferecem mensagens de desenvolvimento e encorajamento, falando à criança muito
mais que qualquer outro tipo de literatura. O caráter mágico dos contos de fada tem proximidade com o
universo psíquico da criança, atingindo-o em suas diferentes nuances, possibilitando que ela entre em
contato com suas lutas internas e problemas existenciais, bem como com outras batalhas que a aguardam
no decorrer de sua vida. Nos contos de fada o mal e o bem existem, mas estão separados, e há um
caráter moral em cada história. Assim, nas palavras desse autor:
As figuras dos contos de fadas não são ambivalentes — não são boas e más ao mesmo tempo, como
somos todos na realidade. Mas dado que a polarização domina a mente da criança, também domina
os contos de fada (Bettelheim, 1980, p. 17).
Essas narrativas são úteis aos psicólogos tanto na compreensão do psiquismo quanto no
atendimento a clientes. Freud recorreu aos mitos de Édipo e de Narciso para explicar certos fenômenos
psicológicos relativos ao desenvolvimento humano. Outros autores descrevem os benefícios dos contos
quando são utilizados como técnica nos processos psicoterapêuticos, de modo geral (Oaklander, 1980;
Gardner, 1993; Coelho, 2003; Gutfreind, 2003).
O livro de história elaborado com a finalidade de devolução diagnóstica à criança, tal como temos
feito em nossa prática clínica e usado como metáfora no psicodiagnóstico, aproxima-se dos contos de
fada em alguns aspectos e difere em outros.
Quanto às semelhanças, os contos de fada e o livro de história como devolutiva têm por objetivo a
transmissão de algum conhecimento, como o conhecimento de si, da sua história, de seus conflitos, ou o
conhecimentode alguma situação peculiar ao existir humano. Os contos de fada atingem diferentes
camadas da psique e o livro de história também, na medida em que contempla a trajetória de vida e os
conflitos da criança através de metáforas, analogias e imagens visuais que favorecem uma apreensão
adequada às suas possibilidades de consciência.
Em ambos, a verdade é apresentada, não é omitida. Nos contos de fada, não raramente há a morte
ou enfraquecimento de alguma figura parental e, de algum modo, a criança é colocada em contato com
essas questões-limite da existência. Muitas crianças trazidas para um psicodiagnóstico têm histórias de
vida trágica e estas farão parte do livro, embora de forma metafórica.
Com relação às diferenças, os contos de fada têm um caráter moral, o que não ocorre com o livro
de história. Além disso, os contos de fada promovem a interiorização de certos valores, e este também
não é o propósito do livro de história. Ao contrário, seus objetivos contemplam as possibilidades
criativas da criança, cabendo sempre a ela os julgamentos e, principalmente, as possíveis soluções para os
conflitos centrais.
Capítulo X
Metáfora e devolução:
o livro de história no processo de psicodiagnóstico interventivo
Elisabeth Becker
Marizilda Fleury Donatelli
Mary Dolores Ewerton Santiago
I. Introdução
O atendimento de crianças na área de psicodiagnóstico no Centro de Psicologia Aplicada da
Universidade Paulista, onde trabalhamos como supervisoras de estágio do curso de Psicologia,
possibilita uma constante reflexão sobre as questões que permeiam essa prática clínica.
Uma delas é relativa à devolução das informações psicodiagnósticas à criança. A experiência mostra
que a devolução para os pais, em geral, é mais fácil do que para a criança, por termos em comum a
comunicação mediada por palavras. Com as crianças há dificuldades peculiares para transmitir e
compartilhar a compreensão resultante do psicodiagnóstico. Como alternativa à tradicional forma de
comunicação verbal com utilização de caixa de brinquedos ou de material resultante de procedimentos
de avaliação, sugerimos construir uma narrativa sobre os aspectos mais relevantes observados no
psicodiagnóstico, apresentando-a à criança sob a forma de livro de história infantil.
Diversos autores com distintos enfoques teóricos reconhecem as narrativas como vitais para a
evolução da humanidade e para a formação da identidade do ser humano, na medida em que espelham
conteúdos intrínsecos ao próprio ser.
As narrativas na forma de mitos, fábulas e contos de fada têm sua origem em épocas remotas.
Provavelmente, são as primeiras formas de literatura de que se tem notícia. Existem diferenças e
semelhanças entre as três formas de narrativas. Os mitos e as fábulas são derivados dos contos, sendo
estes considerados como a forma mais primitiva de contar histórias.
Segundo Souza (2003), o mito e a fábula são narrativas que têm frequentemente uma origem
anônima e popular, mas divergem quanto a seus propósitos. O que diferencia o mito da fábula é seu
caráter coletivo e sua origem, fundamentada em questões espirituais e acontecimentos históricos. Essas
experiências foram dramatizadas, romanceadas, fantasiadas pela imaginação humana, que também
buscou dar sentido aos fenômenos inusitados, de natureza espiritual ou sobrenatural, que carecem de
explicação. Desse modo, os mitos não obedecem ao princípio da razão, transmitindo um conhecimento,
uma realidade não racional. Nas palavras do autor citado:
[…] de acordo com o conceito mais generalizado, o mito é um tipo de narrativa alegórica e/ou
simbólica, de origens remotas e caráter coletivo, que pretende transmitir uma realidade não
racional, mas sempre tida como verdadeira. Em nível de narrativa, o mito possui uma estrutura
própria, com princípio, meio e fim, constituindo-se em uma forma de transmissão de alguma
experiência vital, diluída no tempo e geralmente ligada ao sobrenatural. Com o passar dos séculos,
muitos desses relatos míticos perderam seu primitivo caráter sagrado, devido ao desaparecimento
da noção de que todo o mito nasce (num determinado momento histórico-cultural) ligado às
crenças de uma comunidade, pressupondo portanto um ato de fé (Souza, 2003, p. xxx).
A importância dos mitos enquanto narrativa foi focalizada por Eliade (1986), que os considera uma
forma de transmissão oral de conhecimentos relativos a uma cosmogonia, possibilitando, desse modo, ao
homem conhecer sua origem e a origem do mundo, inserindo-se neste. “O mito designa […] uma
‘história verdadeira’ e, ademais, extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar e significativo”
(ibidem, p. 7).
As fábulas, diferentemente dos mitos, são histórias construídas por determinado autor e seu
objetivo é transmitir uma ideia moral, um valor. Relatam situações do cotidiano, a maneira de as pessoas
se comportarem no dia a dia. Para Souza
[…] a fábula costuma ser conceituada como uma breve narrativa alegórica, de caráter individual,
moralizante e didático, independentemente de qualquer ligação com o sobrenatural. Nela, os
personagens apresentam situações do dia a dia, de onde podem ser extraídos paradigmas de
comportamento social, com base no bom-senso popular. Seres irracionais e, às vezes, até mesmo
coisas e objetos, contracenam entre si, ou com as pessoas, ou com deuses mitológicos. Tais cenas
simbolizam situações, comportamentos, interesses, paixões e sentimentos, humanos ou não, que
nem sempre podem ser focalizados explicitamente (2003, p. xxx e xxxi).
Os contos de fada, por sua vez, também são criações bastante antigas. Transmitem conhecimento
sobre questões humanas universais, colocando em foco as questões-limite da existência, como
II. Fundamentos da devolução psicodiagnóstica
Há três décadas, surgiram em nosso meio os primeiros trabalhos sistematizados acerca dos
fundamentos teóricos, da técnica de devolução de informação psicodiagnóstica ao paciente. Tais
trabalhos foram desenvolvidos na Argentina por Ocampo e Arzeno (1974). De acordo com elas, a
devolução é realizada em uma ou duas entrevistas no final do processo psicodiagnóstico, e é necessária
para que o paciente possa integrar aspectos de sua identidade que estão dissociados. A devolutiva
funciona, portanto, como mecanismo de reintrojeção, sobretudo da identidade latente do paciente,
contribuindo também para diminuir fantasias de doença, incurabilidade e loucura, possibilitando
perceber-se com critérios mais próximos da realidade, com menos distorções idealizadoras ou
depreciativas. Isso é possível na medida em que o paciente pode resgatar aspectos próprios que ele
depositou no psicólogo durante o processo, tanto aqueles desvalorizados e temidos, como outros,
enriquecedores e adaptativos.
Para essas autoras, o objetivo essencial da devolutiva deve ser, portanto, auxiliar o paciente a realizar
uma integração psíquica daqueles aspectos de sua personalidade que estão dissociados, contribuindo,
desse modo, para a preservação de sua identidade. Se isto é conseguido, a devolução terá para ele um
caráter terapêutico. Vale lembrar a complexidade dessa tarefa, considerando-se as peculiaridades do
desenvolvimento da criança.
Também para Verthelyi (1989), o conceito de devolução está baseado na ideia de projeção e
posterior reintrojeção de aspectos que o paciente revelou durante o processo psicodiagnóstico. Esta
autora, entretanto, junto a Friedenthal (1976), sinaliza que um único momento devolutivo, ao término
do processo, talvez não seja o modo mais adequado para que isso seja obtido. Considerando a
importância desse tipo de trabalho, ambas propuseram realizar devoluções parciais durante todo o
processo psicodiagnóstico, o que permitiria explorar melhor as hipóteses levantadas e aumentar os seus
possíveis efeitos terapêuticos. Argumentam ser mais apropriado, nessas devoluções, incluir aspectos
acessíveis e aceitáveis ao ego do paciente do que fazer interpretações. Assim, se as devoluções parciais
são feitas ao longo do processo, pode ocorrer que, ao final deste, não seja necessáriocomunicar algo
novo e que a entrevista de encerramento se destine mais a resumir tudo o que foi visto e despedir-se do
paciente.
III. A técnica de devolução e suas possibilidades
Quanto à questão de como realizar a devolução, Ocampo e Arzeno (1974, p. 402) consideram
“recomendável utilizar o material de testes, no qual geralmente aparece condensado ou expressado
plasticamente o que podemos dizer” começando sempre pelos aspectos mais adaptativos para depois
abordar aqueles que são menos adaptativos, fazendo uso de uma linguagem simples e apropriada à
criança para que ela possa compreender nossa comunicação.
Opinião semelhante tem Verthelyi (1989), para quem as técnicas projetivas, especialmente os testes
gráficos e os relatos, podem ser o material mais adequado para mostrar ao paciente aspectos de si
mesmo observáveis em sua produção. Uma análise cuidadosa da totalidade do material permitirá
privilegiar aqueles aspectos revelados cuja temática seja mais facilmente reconhecível pelo sujeito e cujos
conteúdos estejam mais próximos de sua consciência, a fim de facilitar a sua assimilação.
Como supervisoras de psicodiagnóstico e psicólogas clínicas, trabalhando em uma concepção de
psicodiagnóstico interventivo, também temos utilizado devoluções parciais durante todo o processo,
bem como focalizado a questão de que esse processo pode e deve ter um caráter terapêutico. Em um
trabalho anterior, Santiago (2001) comenta que a utilização de material de técnicas projetivas, como o
CAT-A, enquanto mediador na devolução à criança, mostrou-se limitada quanto às possibilidades de
contribuir efetivamente para que ela pudesse integrar alguns aspectos de seu próprio funcionamento
psíquico, assim como de obter uma compreensão daquelas situações familiares, escolares ou sociais que
estavam relacionadas à manifestação de seus sintomas. Frequentemente, eram observadas reações de
desinteresse ou atitudes passivas, de aparente aceitação de tudo que lhe era dito, até expressões diretas de
intolerância à devolução que lhe estava sendo dada, por exemplo, tentando impedir o psicólogo de
prosseguir na sua comunicação. Estas dificuldades vivenciadas nos levaram a pesquisar a possibilidade
de utilizar novos procedimentos que se mostrassem mais eficazes no sentido de alcançarmos nossos
objetivos no encerramento do psicodiagnóstico interventivo da criança. Tais objetivos seriam
possibilitar à criança apropriar-se da própria história, bem como de seus conflitos, defesas, desejos e
maneira de se relacionar com o ambiente de modo geral, o que inclui retomar a relação estabelecida com
o psicólogo, podendo despedir-se dele e da situação de um atendimento de uma forma mais autônoma e
integrada do que quando se iniciou o processo.
Na literatura pesquisada, encontramos referências ao uso de histórias como forma de interpretação
na psicoterapia de crianças.
IV. O uso de histórias na psicoterapia de crianças
Um trabalho pioneiro sobre o uso de histórias em psicoterapia para comunicar à criança o
significado psicodinâmico de seus sintomas foi realizado por Gardner (1993). Considerando que contar
histórias é um dos modos favoritos de as crianças se comunicarem e que elas gostam tanto de contá-las
como de escutá-las, Gardner criou a “técnica de relato mútuo de histórias”, propondo-a para crianças de
5 a 11 anos. Nesta técnica, o psicoterapeuta estimula a criança a criar uma história, apreender seu tema
psicodinâmico, tomando-a como uma projeção; então, formula e narra outra história para a criança com
as mesmas características presentes na dela, mas introduzindo soluções de conflitos mais saudáveis do
que aquelas originalmente propostas pela criança.
Para este autor, o psicoterapeuta tem mais chance de ser escutado quando fala a linguagem própria
da criança — a linguagem da alegoria. Com esta técnica, as interpretações são recebidas pelo
inconsciente da criança, não havendo confrontações diretas que suscitem ansiedade.
O uso de histórias na psicoterapia de crianças também é relatado por Oaklander (1980). Baseando-
se nas concepções da Gestalt e tendo como objetivo ajudar a criança a tomar consciência de si mesma e
de sua existência no mundo, a autora faz um amplo uso de histórias: conta, lê, escreve, estimula a criação
de histórias através de figuras, bonecos e, ainda, registra as no gravador e aparelho de vídeo para serem
posteriormente vistas pela criança. Os objetivos da utilização desta técnica se assemelham, em alguns
aspectos, aos de Gardner.
No Brasil, Safra (1984) pesquisou um método de consulta que se utiliza das histórias infantis como
meio de intervenção. De orientação teórica winnicottiana, esse autor considera a narrativa de uma
história uma forma lúdica de expressão compatível com a vida mental da criança, que, em seus termos,
“por favorecer o aparecimento do espaço transicional, é elemento importante para que a criança
introjete a intervenção sem se sentir invadida” (idem ibidem, p. 10). Nesta proposta, o terapeuta obtém
um conhecimento da criança através de um contato com ela na hora de jogo e do uma entrevista com os
pais. Depois, junto a estes, constrói uma história que revela uma compreensão dos problemas da criança
e que deve ser lida para ela, pelos pais, durante certo tempo. Os resultados a que o autor chegou em sua
pesquisa mostraram a diminuição ou desaparecimento do sintoma.
Também no Brasil foi publicado um interessante e extenso trabalho em que, aliando pesquisa à
atividade clínica de analista de crianças, Gutfreind (2003) propõe a utilização de contos no processo
psicoterapêutico. Para esse autor, contar o conto é o aspecto essencial, sendo isso mais relevante que a
necessidade de investigação das teorias subjacentes, pois para ele “oferecer histórias a uma criança é
promover um programa eficiente de saúde mental” (idem ibidem, p. 12). Gutfreind assume como sendo
extremamente relevantes as múltiplas alternativas de leituras e atribuição de significados à história, na
medida em que estas remetem a criança a um mundo de infinitas possibilidades de contar, ouvir e
imaginar.
“Contar e ouvir. E contando e ouvindo entrar em interação com o outro e, a partir desses
conteúdos e dessa troca, construir-se como ser humano capaz de ter uma identidade (feito uma
personagem), de sentir, pensar, imaginar” (Gutfreind, 2003, p. 146).
V. A utilização do livro de história como procedimento devolutivo no
psicodiagnóstico interventivo de crianças
As referências à utilização de narrativa de história como encerramento do processo
psicodiagnóstico interventivo de crianças aparecem em nosso meio inicialmente como trabalho (pôster)
apresentado em um encontro de supervisores de clínicas-escola (Becker, 1999). Seguiram-se várias outras
apresentações de trabalhos e publicações sobre essa proposta realizadas por esse grupo de supervisores
(Becker, 2001, 2002; Becker et al., 2002; Donatelli, 2001; Santiago, 2001; Santiago et al., 2001a, 2001b;
Santiago et al., 2003). Mas foi Constance Fischer, psicóloga norte-americana, a pessoa a nos inspirar e
incentivar para desenvolvêssemos essa nova técnica para devolutivas infantis, por meio de seu texto
sobre psicodiagnóstico e em trabalho desenvolvido com supervisores de estágio na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.[1] Nesta ocasião, relatou-nos suas experiências com a criação de
poemas, músicas e cartas como possibilidades de informações psicodiagnósticas transmitidas a crianças e
adolescentes. Em suas publicações anteriores, Fischer (1970, 1989, 1994) expôs sua proposta de um
psicodiagnóstico centrado na vida, o que confere particular importância no modo como são transmitidas pelo
psicólogo as compreensões advindas de um psicodiagnóstico. Para essa autora, partindo de um enfoque
existencial, o cliente é um participante informado e, desde o início, envolvido em papel ativo,
transformando-se assim em um co-assessor do psicólogo com quem desenvolve um trabalho
interventivo contextualizado e compartilhado. Dessa forma, embora ainda estejam presentes nas
devolutivas com ascrianças as alternativas mais tradicionais de usar os brinquedos, bem como os
estímulos à atividade expressiva gráfica e verbal das técnicas projetivas, assumimos, como essa autora, a
importância de oferecer à criança alternativas, entre as quais o livro de história tem sido o melhor
expoente.
Consideramos que o livro de história é o resultado da compreensão de todo o trabalho realizado no
psicodiagnóstico. Ele contém aspectos significativos do desenvolvimento da criança e de suas relações
com o meio em que vive, assim como uma compreensão de seus sintomas. Supomos que, desse modo, é
possível dar a ela um entendimento melhor de seu problema, contextualizando-o em sua história
familiar e pessoal, incluindo também seus recursos para lidar com as dificuldades apresentadas.
Em nossa experiência, a criação de uma história devolutiva exclusiva para a criança permite-lhe uma
vivência psicológica também única. Utilizando recursos analógicos propiciados pelas identificações com
personagens, a criança parece obter uma percepção do seu sintoma, bem como a expressão dos
sentimentos envolvidos.
Pudemos observar diferentes reações das crianças durante e após a apresentação do livro de
história: reconhecimento de que a história dizia respeito a ela, interesse e atenção durante a leitura (até
nas crianças muito agitadas), disponibilidade para interagir na situação, querer compartilhar a história
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com a professora, com colegas, com avós, pedir aos pais insistentemente a releitura da narrativa ou, ao
contrário, guardá-la, “esquecê-la” até um momento de retomada.
Consideramos que a elaboração do livro de histórias como devolutiva supõe alguns elementos
norteadores:
O livro de histórias é uma metáfora que expressa a compreensão do psicodiagnóstico. É uma
síntese que contempla a história vital da criança e suas vivências durante o psicodiagnóstico, suas
dificuldades e recursos internos, em uma linguagem acessível à sua compreensão.
A história e os personagens devem ser escolhidos em função das afinidades e analogias com os
conteúdos evidenciados no psicodiagnóstico. Por exemplo, pulgas e macaquinhos como
personagens para crianças com condutas hiperativas, pássaros e peixes como personagens para
famílias migrantes. Deve-se dar especial atenção ao emprego de personagens que têm,
culturalmente, sentidos conotativos. No Brasil, veados, burros, urubus e gatos pretos podem
ligar-se a sentidos pejorativos.
Quanto ao conteúdo formal, é fundamental que o livro de história traduza:
a história de vida (familiar e da criança);
o sintoma;
a busca de atendimento e a relação com o psicólogo;
a explicitação dos sentimentos do personagem de identificação;
a integração dos diferentes aspectos observados através da hora de jogo, testes, visitas etc.
O final da história ainda é um tema controverso, entretanto é muito importante que a criança
tenha a chance de expressar sua própria solução final quanto ao encaminhamento dado.
Supomos também que o trabalho de elaboração psíquica pode prosseguir após o encerramento do
psicodiagnóstico, visto que o livro é entregue a ela no final do processo e o texto e as gravuras podem
servir de estímulos para que, gradativamente, ela se aproprie mais das analogias. Dessa compreensão e
apropriação resulta um “encontro” da criança com o trabalho do psicólogo de forma mais intensa do
que já vinha ocorrendo durante o processo.
Este procedimento tem se mostrado satisfatório em termos das reações das crianças e comentários
dos pais ou responsáveis no encerramento do processo psicodiagnóstico interventivo ou início da
psicoterapia, parecendo favorecer e fortalecer o estabelecimento de uma área de intersecção entre estes e
o psicólogo, necessária à continuidade do trabalho.
Sendo assim, a devolutiva dada através do livro de história tem se mostrado mais do que a etapa
final de um processo de psicodiagnóstico. Ela remete, entre outras, às possibilidades de pesquisa quanto
ao seu caráter terapêutico, às especificidades das histórias em função do momento evolutivo da criança e
às ressonâncias na família.
Para ilustrar essa prática, relatamos a seguir um resumo do atendimento em Psicodiagnóstico
Interventivo com o respectivo livro de história. O nome dos clientes, assim como alguns dados, foram
modificados para preservar suas identidades.
Trata-se de uma menina de 8 anos de idade, que chamaremos de Maria. Ela foi encaminhada pela
escola com a queixa de falta de atenção e dificuldade de aprendizagem. Os dados colhidos sobre a
história de vida da criança mostravam que a família era constituída pela mãe e cinco filhos, sendo a
primeira filha adotiva, a segunda e a terceira do sexo feminino e biológicas, o quarto de sexo masculino,
também biológico, e a última, que era a cliente em questão, do sexo feminino.
Os pais casaram-se e em seguida adotaram a primeira criança, que foi muito bem recebida por eles.
Todos os filhos foram desejados, embora, segundo a mãe, a gravidez de Maria tenha ocorrido num
período tumultuado de sua vida. A mãe comentou que ela e o marido viviam bem e em perfeita
harmonia até o momento em que ele soube que tinha uma doença grave. Ficou muito revoltado, recusou
qualquer tipo de tratamento e passou a beber.
A vida familiar mudou, e os conflitos entre o casal tornaram-se rotina. Foi neste momento que a
mãe engravidou de Maria, fato que gerou muitos temores e preocupações no âmbito familiar. Apesar de
tudo, Maria nasceu saudável, o pai diminuiu um pouco a bebida, tratou-se e melhorou um pouco.
Contudo, algum tempo depois faleceu, sendo que seu contato com a menina deu-se por um curto
período de tempo, de aproximadamente 3 anos. A família teve que reorganizar sua vida.
O desenvolvimento de Maria deu-se sem nenhuma intercorrência.
Durante o processo psicodiagnóstico foi possível perceber que Maria é uma garota inteligente, com
recursos para resolver problemas do cotidiano. É capaz de reter informações oferecidas pelo ambiente,
denotando boa capacidade de abstração e generalização de conceitos. Apresenta boa coordenação viso-
motora fina, adequada percepção visual e coordenação têmporo-espacial. É extrovertida, sociável,
estabelecendo relações cordiais e afetivas com as pessoas. A menina, entretanto, é insegura, bastante
competitiva, comparando-se ao outro com a finalidade de assegurar-se de que suas produções são
melhores que as de seus colegas. Sente-se insatisfeita com aquilo que faz e busca compensação de suas
insatisfações comparando e desqualificando o trabalho de seus colegas. Investe muita energia nisto, o
que a faz dispersar-se das tarefas escolares, denotando pouca atenção/ concentração. Percebe que sua
mãe ainda lamenta a ausência do marido e sente-se culpada por isso. Procura agradá-la no sentido de
suprir a lacuna deixada pela morte do pai, mas nota que seus esforços são insuficientes. Isto faz com que
se sinta ainda mais ansiosa, desamparada e insegura.
Durante o psicodiagnóstico foi trabalhado com a mãe o fato de que o luto pela perda do
companheiro ainda era vivido pela família, embora isto tivesse acontecido havia bastante tempo.
Também foram feitas intervenções no sentido de que Maria precisava de mais atenção e estímulo,
precisava ser vista e atendida em suas necessidades. No final do processo, tanto a mãe quanto a criança
tinham tido algum progresso, mas foi decidido em comum acordo que Maria deveria continuar o
atendimento, sendo encaminhada para psicoterapia infantil.
A seguir mostramos algumas das situações que foram focalizadas no livro de história, a adoção da
primeira filha, a doença do pai e a sua morte.
Logo que se casaram, uma peixinha ainda pequena foi morar com eles, essa
peixinha se chamava NANI. Nani foi tratada pelo casal com muito amor, como se
tivesse nascido da barriguinha da mamãe Fifi.
Acontece que quando todos estavam comemorando, papai Lino começou a se sentir
fraco, tão fraco que sabia que a qualquer momento poderia ser levado por uma
correnteza mais forte. Sua tristeza foi tanta que Lino começou aprocurar algas
distantes que possuíam um néctar especial que o faziam esquecer disso. Depois de
tomar esse néctar, papai Lino voltava para casa irritado e brigava com a mamãe Fifi.
PRIKA ainda era pequena quando chegou uma correnteza mais forte e levou embora o
papai Lino, que já não tinha mais força para nadar. Já faz tempo que isso aconteceu, mas a
tristeza ainda é grande no coral dos peixinhos.
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Capítulo VI
Colagem: uma prática no psicodiagnóstico
Ligia Corrêa Pinho Lopes
Maria Fernanda Mello Ferreira
Mary Dolores Ewerton Santiago
Imagens são palavras que nos faltaram.
Manoel de Barros
1. Introdução
A prática da avaliação psicológica de crianças, que, por definição, é um processo que se propõe
chegar a uma compreensão de determinado fenômeno, apresentado como “queixa” pelos pais ou
responsáveis que buscam ajuda psicológica para seu filho, coloca o psicólogo diante da tarefa de
encontrar sentido no conjunto de informações que lhe são apresentadas e organizá-las.
Para isso, deve possuir conhecimentos teóricos e dominar procedimentos e práticas com o objetivo
último de que, ao entender determinada situação-problema, possa proporcionar, por meio de
planejamento e uso de intervenções, benefícios às pessoas envolvidas, criança e seu grupo familiar,
promovendo a saúde e o desenvolvimento psíquico.
A avaliação psicológica ocupa um lugar de destaque na história da psicologia, na consolidação da
profissão como campo de conhecimento e prática, e associou-se, inicialmente, ao trabalho médico, que
lhe imprimiu forte influência. Foi:
Com o uso de testes, principalmente junto a crianças, que os psicólogos ganharam maior
autonomia. Nesse trabalho, esforçavam-se por determinar, através dos testes, a capacidade
intelectual das crianças, suas aptidões e dificuldades, assim como sua capacidade escolar (Ancona-
Lopez, 1984, p. 5).
A utilização de testes psicométricos que, por princípio, visavam identificar, classificar e medir
características, foi, e continua sendo, uma prática bastante criticada, uma vez que grande parte das
discussões entre os profissionais das ciências humanas no país está voltada para a preocupação com
processos de exclusão social, ideia subjacente aos métodos classificatórios.
Desde a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil, na década de 1960, a avaliação
psicológica tem sido amplamente debatida, passando por reflexões e modificações no que se refere a
instrumentos e recursos utilizados. Mesmo assim, como apontado na revista Diálogos (Ciência e
Profissão, n. 3, dez. 2005), há diversidade de compreensões, usos e objetivos.
Observamos na experiência e no contato com os supervisores dos Centros de Psicologia Aplicada
da Universidade Paulista (Unip), que trabalham com avaliação psicológica, uma postura comum. Apesar
de partirem de pressupostos e métodos por vezes diferentes para compreender o homem, configurando
uma diversidade de abordagens, prevalece a ideia de que se faz necessária a organização de
conhecimentos que se referem à vida biológica, intrapsíquica e social do cliente, como citado por
Ancona-Lopez (1984), entre outros.
Os encontros e discussões, formais ou informais, visam compartilhar experiências, falar sobre
supostas conquistas e dificuldades do dia a dia no atendimento a crianças e pais. Há uma inquietação que
se origina da constatação de que nossos recursos, teóricos ou instrumentais, são limitados diante das
diferentes demandas psicológicas dos clientes, dadas as múltiplas possibilidades de expressão da
subjetividade.
Dessa forma, entram em jogo questões a respeito da denominação do que fazemos, de qual seria o
melhor termo a empregar: avaliação psicológica, diagnóstico psicológico ou psicodiagnóstico, sendo que,
concretamente, o que buscamos nesse atendimento é chegar a uma compreensão da demanda e à
possibilidade de propiciar ao cliente uma compreensão e mudança, que por sua vez permitam melhor
qualidade de vida aos envolvidos.
Os recursos utilizados, tais como entrevistas com pais (entrevista inicial, entrevista de anamnese,
entrevistas devolutivas), observações lúdicas, testes, visita à escola e visita domiciliar, têm como objetivo
ajudar no processo de investigação e na consequente compreensão da problemática apresentada pelos
pais ou responsáveis pela criança.
Essa prática passa por reformulações e adaptações constantes, tanto em função da demanda
psicológica dos clientes que buscam os Centros de PsicologiaAplicada, quanto em função das
modificações pedagógicas pelas quais o curso de Psicologia passa, tendo em vista as diretrizes do MEC
para o ensino superior.
Além disso, a Resolução n. 002/2003, do Conselho Federal de Psicologia, acerca dos testes
psicológicos, trouxe mais um desafio para aqueles que trabalhavam com avaliação psicológica, visto que
tais instrumentos não poderiam mais ser utilizados antes de passarem por uma revisão. No artigo 16 da
referida Resolução constava: “Será considerada falta ética, conforme disposto na alínea c do art. 1o e na
alínea m do art. 2o do Código de Ética Profissional do Psicólogo, a utilização de testes psicológicos que
não constam na relação de testes aprovados pelo CFP, salvo os casos de pesquisa”.
O reflexo dessa medida na prática clínica pode ser considerado a partir de duas perspectivas. De um
lado, a suspensão dos procedimentos que costumávamos utilizar no processo de avaliação psicológica,
como, por exemplo, alguns testes projetivos infantis como CAT-A, resultava não somente num
empobrecimento de recursos para uma compreensão mais ampla e profunda do cliente, como também
na falta de “mediadores” que pudessem facilitar a comunicação devolutiva com a criança. Vale lembrar
que, no psicodiagnóstico interventivo, os desenhos e as histórias eram frequentemente utilizados como
“facilitadores” do diálogo com a criança. Por outro lado, essa mesma suspensão nos estimulava a revisar
nossa prática clínica e a buscar outros procedimentos que pudessem nos oferecer, de alguma forma, a
possibilidade de lidar com estas faltas.
A atividade de colagem, proposta por Violet Oaklander (1980) como um recurso a ser utilizado no
processo psicoterápico de crianças e adolescentes, despertou nossa curiosidade e interesse. Oaklander,
que trabalha com referencial teórico da Gestalt, considera que: “A colagem é qualquer desenho ou
quadro feito grudando-se ou prendendo-se materiais de qualquer espécie a um fundo plano, tal como
um pedaço de pano ou papel” (1980, p. 99).
Tal descrição remete a uma atividade simples e ao mesmo tempo significativa, dado que “pode ser
utilizado como experiência sensorial, e também como manifestação emocional” (p. 101). É interessante
notar que Oaklander refere-se à colagem com diversas denominações: “atividade de colagem”, “exercício
de colagem”, “técnica de colagem”, “técnica projetiva”. Contudo, é esta última acepção que subjaz a
algumas de suas afirmativas, tais como: “O processo de fazer a colagem ou relato posterior acerca da
mesma pode ser o mais significativo” (idem, ibidem, p. 101; grifo nosso). Ainda no mesmo texto, ela
acres-centa: “Muita coisa é revelada através da seleção de figuras. O estado de espírito revelado pelo
conjunto escolhido pode contar algo sobre o que a criança está sentindo naquele momento, ou na sua
vida em geral” (ibidem, p. 102-3). Parece claro que ela trabalha com a ideia de que a colagem é
representativa do mundo interno da criança, de seus sentimentos e pensamentos.
Ainda segundo a autora, pode se trabalhar com a colagem individual ou em grupo com diferentes
temas e de inúmeras maneiras. Dentre os variados tipos de colagem, Oaklander (1980, p. 100) destaca
que: “Um bom trabalho de colagem pode ser feito simplesmente com figuras de revistas, uma tesoura,
cola, e algum tipo de fundo”.
Foi com essas ideias que começamos a propor aos nossos clientes a realização de uma colagem.
Nossa pretensão inicial era apenas observar como eles (os clientes) se comportavam diante dessa tarefa, se
ficavam motivados ou não, se rejeitavam algumas figuras, quais comentários faziam e qual era sua atitude
com relação ao trabalho realizado, isto é, se queriam ou não levar para casa a colagem feita em uma
cartolina.
Com o decorrer do tempo, percebemos que a atividade de colagem se revelava cada vez mais como
um recurso riquíssimo, tanto para o conhecimento do cliente quanto para aplicação de intervenções.
2. Utilização da colagem
Descreveremos a seguir o nosso modo de trabalhar com a colagem.
Material utilizado: figuras de revistas, tesouras, colas, cartolinas para serem usadas como fundo,
incluindo lápis preto e de cor, cane-tinhas e/ou giz de cera, caso haja interesse em complementar a
atividade com desenhos ou escrita.
As figuras que são oferecidas na ocasião da utilização da colagem são previamente recortadas pelos
estagiários e supervisores, e devem abordar diversos temas, como pessoas, situações, animais, objetos,
alimentos, transportes, móveis, ambientes etc., em quantidade suficiente para permitir que haja uma
escolha por parte do cliente.
Por se tratar de figuras recortadas de revistas, deve-se prestar atenção ao verso das figuras
selecionadas, pois estas podem apresentar imagens também interessantes e que por vezes acabam sendo
escolhidas pelo examinando, ou imagens que podem ter uma conotação imprópria, como nus ou
insinuações de sexo. Evita-se usar imagens de artistas e personagens, pois estas podem carregar um
significado cultural restrito, limitando a análise e as associações do cliente.
Na nossa prática, os estagiários chamam esta parte do trabalho de “recortagem”. Ela costuma ser
proveitosa para todos, pois o exercício desenvolve a capacidade de associações entre as imagens que
selecionam e as diferentes representações possíveis.
A atividade de colagem pode ser proposta em qualquer momento do processo psicodiagnóstico,
mas, quando ocorre após alguns atendimentos e procedimentos, deve-se tomar cuidado para que as
figuras selecionadas pelos estagiários não sejam apenas de imagens associadas a aspectos já revelados
pela criança ou família. Portanto, é preciso verificar a quantidade de figuras selecionadas e a variedade de
temas antes de utilizá-las com a criança.
Em grupo ou individualmente, é proposto um tema para o trabalho das crianças considerando
aspectos a ser avaliados, tais como: autoimagem, percepção de situações internas, pensamentos e
sentimentos. Assim, pedimos que façam uma colagem representando aquilo de que gostam ou não
gostam em si mesmos, ou escolham figuras que indiquem do que têm medo e quais são as suas
preocupações. Outro tema proposto com frequência é o “Álbum de família”, que convida a criança a
utilizar o material disponível para representar as pessoas de sua família. Outras vezes, apenas
disponibiliza-se o material sem propor um tema. Neste caso, a criança trabalha livremente e ao final dá
um título a sua produção.
Para a realização da colagem, as figuras recortadas são dispostas de modo aleatório, são escolhidas
pelo cliente e coladas em uma cartolina. Durante a escolha, observa-se a forma de exploração, falas,
figuras que parecem chamar a atenção, mas não são escolhidas etc. É possível que a criança utilize o
material oferecido, por exemplo, canetinhas e tesouras, para complementar ou modificar as figuras.
Depois de concluída a colagem, pede-se para que atribua um significado a ela, ou que apresente o seu
cartaz o grupo de estagiários e para as outras crianças, o que pode variar, dependendo da relação
estabelecida no grupo.
Com a prática, notamos que as crianças queriam mostrar para os pais ou para os responsáveis as
suas produções. Passamos então a perguntar para as crianças se gostariam que o resultado desta
atividade fosse apresentado para eles na presença delas e, em caso afirmativo, ao final do atendimento
convidávamos os responsáveis presentes na clínica a entrar na sala para ver os trabalhos. Nessas ocasiões,
algumas crianças começaram a sugerir um tipo de “jogo” de adivinhação, que consistia em apresentar
aos pais as cartolinas de todas as crianças, questionando-os se identificavam qual era a produção de seus
filhos.
Nessas situações, os pais se veem diante de uma mensagem simbólica que precisam decifrar, dar um
significado, e mostrar ali, diante de todos, o conhecimento que têm do filho. Quando esta estratégia é
adotada, muitas vezes são necessárias a discussão e a compreensão conjunta dos “acertos” ou “erros”
por parte dos pais e das manifestações de felicidade ou frustraçãopor parte das crianças.
Discute-se a compreensão que a atividade lhes proporcionou, observando-se a construção de um
significado conjunto, o que permite algumas ressignificações. Nota-se que essa atividade de colagem
compartilhada com os pais permite maior aproximação afetiva e reconhecimento por parte dos pais a
respeito dos sentimentos e da problemática de seus filhos, além de facilitar a elaboração da avaliação e
sua compreensão por parte dos avaliados.
A colagem também pode ser proposta para os pais ou responsáveis na presença dos filhos. Neste
caso, a instrução dada costuma ser a de representar o “Álbum de família” sem explicitar se devem fazê-
lo em conjunto ou individualmente, o que é observado e discutido ao término da atividade. Após o
registro (fotos, relatório descritivo e análise) das produções realizadas, as cartolinas são devolvidas para
os clientes. Por vezes, ao serem observadas em outro momento, pelos pais e crianças, promovem mais
•
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reflexões.
3. Análise
De modo geral, consideram-se:
Tempo de reação.
Postura e modo de reação — observação a distância, ou impulsividade, descuido etc.
Figuras escolhidas, figuras coladas, figuras abandonadas.
Tema preferido.
Tamanhos das figuras.
Uso do espaço da cartolina.
Uso do verso da cartolina.
Localização das figuras na cartolina, coladas de forma aleatória ou ligadas, apresentando uma
organização ou aglutinação.
Sentimentos expressos, impressões que a colagem causa ao ser observada.
Figura central e/ou localização
Recortar a figura já cortada — para caber na cartolina, ou para separar, excluir elementos.
Associações, explicações, falas durante a atividade.
Uso do lápis de cor, canetinhas — para molduras, ligações, complementos, abandono da colagem
para fazer desenhos.
Modo de utilização da cola — em excesso, colocada cuidadosamente, pouca quantidade.
Quando a colagem é realizada por pais e filhos, no momento da análise levamos em conta todos os
aspectos anteriormente descritos, sendo o mais importante aquele que se refere à interação entre pais e
crianças e as significações dadas por eles às figuras escolhidas. Citamos dois exemplos esclarecedores.
A colagem de “tema livre” realizada por pai e filho adolescente de 12 anos, que apresentava mau
comportamento em casa e na escola, mostrou aspectos significativos da interação entre ambos. Apesar
de previamente à realização da tarefa terem combinado que dividiriam igualmente o espaço disponível e
que cada um deles realizaria a atividade que quisesse, o pai, no decorrer do trabalho, foi gradativamente
ampliando “sua área”, restando ao filho apenas um pequeno espaço na cartolina para colar as suas
figuras. A atitude do pai contribuiu para maior compreensão da problemática do adolescente, uma vez
que ele não respeitava os limites acordados com o filho.
Outra colagem conjunta realizada por mãe e filha também resultou muito interessante. A criança de
8 anos foi levada a atendimento psicológico por apresentar dificuldades de aprendizagem e atitude de
dependência em relação à mãe. Durante a colagem com “tema livre” cada escolha da criança era
acompanhada de um comentário da mãe: “Não, essa é feia”, “Nossa! Muito triste”, “Não, essa não” etc.
Ao final, nenhuma figura inicialmente escolhida pela criança foi incluída, mas somente aquelas
aprovadas pela mãe. Desse modo, apesar de a mãe ter mostrado disposição para colaborar com a filha no
desempenho da tarefa, ela não permitiu que a criança realmente se expressasse. Ficou evidente que o
comportamento da mãe intensificava a atitude de dependência da filha com relação a ela.
A observação da qualidade da interação entre pais e filhos possibilita tanto uma maior compreensão
diagnóstica das dificuldades de ambos, quanto nos permite fazer intervenções que ampliem o
entendimento que cada integrante do grupo familiar tem sobre elas.
A seguir apresentaremos outros exemplos, acompanhados de imagens.
Menina, 9 anos de idade
Figura 1. Autorretrato.
Figura 2. Álbum de família.
Os pais, embora separados, compareceram juntos para a primeira entrevista, preocupados com o
fato de a filha de 9 anos apresentar falta de apetite. Ela foi encaminhada para o atendimento psicológico
pela Unifesp — Ambulatório de Distúrbios do Apetite —, pois fazia acompanhamento no local há um
ano. Apesar de não comer adequadamente, o seu desenvolvimento decorreu dentro do que era esperado,
em termos de idade, peso e altura. Apresentava somente problemas intestinais. A mãe enfatizou sua
preocupação com a alimentação e o pai relatou que observava dificuldades gerais, dando como exemplos
a determinação da filha na escolha de roupas, a teimosia e o fato de não ceder facilmente. Ela residia
com a mãe e a irmã de 17 anos de idade, e as meninas ficavam com o pai a cada 15 dias.
Quanto à alimentação, a mãe contou que costumava oferecer refeições variadas, como torta de
ricota com espinafre, berinjela à parmegiana e saladas, buscando todas as formas para que as filhas se
alimentassem bem. Acrescentou que a menina não demonstrava interesse por qualquer tipo de alimento,
nem mesmo por doces. Na atividade de colagem, pudemos constatar junto com os pais alguns dos
desejos e interesses da menina que não eram reconhecidos por eles, como, por exemplo, gosto por doces,
preocupação com a aparência, desejo de ver os pais juntos etc.
Menina, 11 anos de idade
Figura 3. Autorretrato.
Figura 4. Álbum de família.
Os pais procuraram atendimento psicológico por indicação da escola em função do comportamento
da filha descrito por eles, que era diferente do das outras crianças da sua idade. Contaram que ela era
muito quieta, introvertida e sem iniciativa. Disseram também que ela apresentou desenvolvimento geral
mais lento, quando comparado com o desenvolvimento do filho mais velho, de 17 anos de idade.
Na ocasião da atividade de colagem, a menina revelou interesses variados relacionados a artes,
pinturas, relação com a mãe, atividades físicas etc. O resultado final, bastante colorido e diversificado,
quando apresentado junto com os trabalhos das outras crianças do grupo, com o consentimento delas,
foi reconhecido pela mãe, porém não pelo pai, que parecia não conseguir percebê-la com tal capacidade
de expressão.
Quando solicitamos aos pais e à criança que realizassem a ativi-dade de colagem do “Álbum de
família”, a postura da menina chamou atenção. Na presença dos pais, ela mostrou-se assustada,
afastando-se deles e se aproximando de uma das estagiárias, como se quisesse evitar ser exposta ou
questionada. Percebemos que não houve uma atitude autoritária ou exigente explícita por parte dos pais
naquela situação, mas parecia haver um tratamento de cobrança sútil, implícito, como se ela não pudesse
“errar” ao responder aos questionamentos deles relativos a quem era quem na família de figuras coladas.
Ela se comportava como se tivesse algum tipo de “retardo”.
Figura 5. Álbum de família dos pais.
Menino, 13 anos de idade
Figura 6. Autorretrato.
Figura 7. Álbum de família.
A mãe procurou atendimento psicológico por encaminhamento da escola, pois o filho apresentava
dificuldades de aprendizagem. Apesar de a criança ter feito anteriormente uma avaliação
psicopedagógica, os pais não compreendiam o que acontecia em relação à aprendizagem. De acordo com
a mãe, o filho não era uma criança agitada ou agressiva, e sim dispersa; não demonstrava interesse e não
prestava atenção nas aulas, e também não fazia suas tarefas. Parecia estar sempre “no mundo da lua”, não
respondendo aos questionamentos dos professores. A mãe referiu-se a ele como “cabeção”.
Na atividade de colagem, o menino mostrou dificuldade para escolher as figuras que o
representassem, sendo que o resultado final evidenciava um vazio na cartolina. A figura do avô apareceu
como sendo de grande importância para ele, e, na representação da família, projetou a situação para o
futuro, indicando desejar crescer logo. Na presença da mãe, permaneceu calado, e ela aparentemente não
reconheceuo trabalho realizado por ele, ou por não percebê-lo, ou por não querer aceitá-lo como se
mostrava. O menino não expressou sentimentos, demonstrando também uma autoimagem empobrecida,
pois não soube falar de si e de suas próprias características.
Menino, 12 anos de idade
Figura 8. Autorretrato.
Figura 9. Álbum de família.
A mãe procurou atendimento psicológico por indicação da escola, com a queixa de dificuldade de
aprendizagem. Na ocasião, contou que o filho sempre foi uma criança “atrasada em tudo”, que aprendeu
a andar no “último prazo”, falou com quase três anos, junto com sua irmã de dois anos. Embora fosse
descrito pelos professores como uma criança inteligente, entregava sempre as provas “em branco”, mas
em prova oral respondia a tudo. Sua caligrafia era feia e escrevia em letra bastão.
Na atividade de colagem com o tema “Autorretrato”, notou-se que o menino representou a si
mesmo com uma grande quantidade de figuras de objetos de seu interesse, indicando possivelmente
carência afetiva revertida em característica consumista. A única representação humana foi por meio da
figura de um exército, que poderia simbolizar a falta de identidade somada a aspectos de repressão e de
controle. Fez posteriormente “Álbum de família” utilizando muitas figuras de prédios, que refletia a sua
vivência familiar, visto que a mãe como arquiteta desenvolvia seus projetos em casa; além disso, a
ausência de figuras humanas remetia, mais uma vez, a dificuldades afetivas. Quando a produção da
criança foi apresentada à mãe, o menino ficou aparentemente amedrontado com a decepção que ela
mostrou em relação ao seu trabalho.
Outras análises
Alguns comentários poderiam ser acrescentados com a finalidade de ressaltar a riqueza expressiva
da colagem.
Como nos referimos anteriormente, o uso do espaço também é um indicador importante. Algumas
vezes, a criança utiliza todo o espaço, ou cola as figuras umas sobre as outras, resultando em uma
produção caótica que pode refletir tanto aspectos emocionais como comprometimentos de outra ordem.
Outras vezes, a imagem escolhida tem maior significado, dependendo da posição que ocupa na cartolina,
central ou não, invertida ou não. Um exemplo curioso deste fato ocorreu na colagem de um menino de 8
anos de idade, que apresentou refluxo no início da vida e, por vomitar na perua escolar, foi apelidado de
“mister vômito” por seus colegas. A primeira figura escolhida por ele foi de uma mãe amamentando um
bebê colocada de ponta-cabeça no centro da cartolina.
A escolha de figuras para realização da colagem também pode ser utilizada pela criança para
revelação de segredos familiares, tais como situações que envolvem uso de drogas, prisão e alcoolismo
por parte de algum membro da família. Tais imagens oferecem a possibilidade de incluir esses assuntos
nas intervenções a serem realizadas, tanto com as crianças, quanto com os pais.
Outra conduta da criança que merece destaque é a de recortar uma figura já cortada com o objetivo
de separar ou excluir alguns de seus elementos ou, simplesmente, para fazê-la caber na cartolina. A
imagem fica destituída então de uma parte, o que indica que a criança não quer aceitar o significado a ela
atribuído. Por exemplo, excluir um dos membros da figura de uma família, sendo que, no material
oferecido, constam diversos tipos de configurações familiares. O ato de recortar, excluindo ou dividindo
as partes constitutivas do todo de uma figura, parece obedecer à necessidade da criança de explicitar seu
desejo.
Raramente ocorre de a criança abandonar a colagem para fazer desenhos utilizando o material
gráfico oferecido. Tal comportamento pode ser entendido como uma oposição ao psicólogo ou como
uma resistência em realizar a tarefa, que, na concepção de Oaklander (1980), a colagem remete a criança
a experiências sensoriais primitivas baseadas no tato e na visão. Vale lembrar que desenhar ou escrever,
como também ocorre às vezes, são habilidades que surgem em etapas posteriores do desenvolvimento da
criança.
Menos frequente ainda é a criança assinar ou escrever o seu nome ao término da colagem. Exceções
ocorrem quando ela teme que sua produção não seja identificada pelos pais no “Jogo de adivinhação”,
anteriormente mencionado, ou quando ela tem necessidade de reafirmar sua identidade.
Alguns indícios de criatividade podem ser observados quando a criança integra em um todo
harmônico o uso dos materiais disponíveis, completando com desenhos as imagens escolhidas.
Sakamoto e Bacchereti (2007) abordam a utilização da técnica de recorte-colagem na psicoterapia,
orientação profissional e psicodiagnóstico de adolescentes e de adultos, porém não trazem detalhes de
suas experiências clínicas. Enfatizam, contudo, sua importância para viabilizar a expressão de pacientes
muitos ansiosos ou com dificuldades de comunicação.
4. Considerações finais
Notamos que a realização da colagem é, de modo geral, de fácil aceitação por parte do cliente, seja
criança, seja adolescente, ou dos pais. Enfim, pessoas de diferentes faixas etárias e de diferentes
condições socioeconômicas costumam realizar tranquilamente a tarefa proposta, por se tratar de uma
atividade conhecida por todos que um dia frequentaram a escola.
Do ponto de vista psicológico, consideramos que a atividade de colagem tem um caráter projetivo
na medida em que expressa sentimentos e conflitos, ou seja, aspectos do mundo interno das crianças e
também de seus pais que são desconhecidos para eles.
Naquele momento em que nos vimos sem a possibilidade de utilizar os testes projetivos antes
usados nos psicodiagnósticos de crianças, a colagem foi introduzida como um novo recurso e tem-se
mostrado muito valiosa para a observação e compreensão não só dos aspectos intrapsíquicos, como
também das interações familiares quando a tarefa é conjunta.
Constatamos com a prática que as intervenções do psicólogo durante o psicodiagnóstico
interventivo são facilitadas por meio da colagem. O aspecto lúdico dessa atividade parece também atuar
como motivação para sua realização e para compreensão de aspectos subjetivos, expressos de forma
simbólica.
Concluímos que o uso da colagem como material expressivo na clínica de crianças contribui
sobremaneira para a compreensão diagnóstica que ultrapassa a individualidade da criança e oferece
efetivamente material de intervenção que está além dos limites de uma comunicação verbal.
Referências bibliográficas
ANCONA-LOPEZ, M. Contexto geral do diagnóstico psicológico In: TRINCA, Walter (Org.).
Diagnóstico psicológico: a prática clínica. São Paulo: EPU, 1984.
DIÁLOGOS CIÊNCIA E PROFISSÃO, n. 3, dez. 2005.
OAKLANDER, V. Descobrindo crianças: abordagem gestáltica com crianças e adolescentes. Tradução de
George Schlesinger; revisão científica da editora e direção da coleção de Paulo Eliezer Ferri de Barros.
São Paulo: Summus, 1980.
PSICOLOGIA. Legislação, Resoluções e Recomendações para a Prática Profissional. Publicação do
Conselho Federal de Psicologia, 2011/2012.
SAKAMOTO, C. K.; BACCHERETI, L. F. A técnica de recorte-colagem e suas aplicações nas práticas
psicológicas. In: ______ (Org.). O olhar criativo sobre a prática em psicologia. São Paulo: Mackenzie, 2007.
428 JUREMA ALCIDES CUNHA
29
Desenvolvimentos do Procedimento de
Desenhos-Estórias (D-E)
Walter Trinca, Leila S.L.P. Cury Tardivo
INTRODUÇÃO
O Procedimento de Desenhos-Estórias (abrevi-
adamente, D-E) é uma técnica de investigação
da personalidade que emprega, basicamente,
desenhos livres associados a estórias*, no con-
texto do diagnóstico psicológico. Foi introdu-
zido por Walter Trinca, em 1972, para se pres-
tar à exploração da dinâmica inconsciente da
personalidade, em setores que outros meios
utilizados na época deixavam muito a desejar.
Ou seja, necessitava-se de instrumento com
sensibilidade bastante para uma exploração
inconsciente de tipo vertical e focal, relaciona-
da especialmente às queixas e outras angús-
tias emergentes emdada situação. Nessa épo-
ca, o exame psicológico, como um todo, ocu-
pava-se, na clínica psicológica, prioritariamen-
te com a horizontalidade e a extensão da per-
sonalidade em seus múltiplos aspectos. Havia
predominância do uso de testes objetivos, e
os psicólogos afiliavam-se, preferencialmente,
a modelos médicos e psicométricos.
Nesse contexto, o Procedimento de Dese-
nhos-Estórias, juntamente com outras técnicas
de investigação psicanaliticamente fundamen-
tadas, como a Hora de Jogo Diagnóstica (Abe-
rastury, 1982) e o Jogo de Rabiscos (Winnicott,
1984), ajudou a consolidar uma nova maneira
de se conceber e realizar o diagnóstico psico-
lógico. Importante, acreditamos, é sublinhar
que o D-E veio se inserir no processo diagnós-
tico de tipo compreensivo (Trinca, W., 1984),
que trouxe uma abordagem clínica renovado-
ra e uma visão humanística integradora dos
propósitos do diagnóstico psicológico. Não
somente a psicanálise, como também a psico-
logia fenomenológico-existencial, a psicologia
da Gestalt, o behaviorismo, os estudos sobre a
dinâmica familiar, a análise dos processos de
desenvolvimento da criança e outras áreas da
psicologia lançaram luz sobre o foco da pro-
blemática humana que foi incorporada no diag-
nóstico compreensivo.
Foi, inicialmente, apresentado como tese de
doutorado no Instituto de Psicologia da USP
(Trinca, W., 1972). Algum tempo depois, essa
tese foi transformada em livro (Trinca, W.,
1976). Encontram-se hoje, referidos ao D-E,
mais de 100 trabalhos publicados, dentre os
quais mais de 30 teses de doutorado e disser-
tações de mestrado, feitas a seu respeito ou
com o seu emprego. Um resumo, ainda que
pálido, dessa produção encontra-se em Trinca,
W. (1997).
* N. dos A. Apesar de alguns autores recomendarem a
grafia história, quando se trata de narrativa de ficção,
o uso consolidou e justifica a forma estória, já incorpo-
rada à língua portuguesa.
PSICODIAGNÓSTICO – V 429
NATUREZA E CARACTERÍSTICAS
O Procedimento de Desenhos-Estórias é uma
técnica de investigação da personalidade que
se coloca, no contexto do diagnóstico psicoló-
gico, como meio auxiliar de ampliação do co-
nhecimento da personalidade, em situações
clínicas ou não-clínicas. Tem por base, como
afirmamos, a combinação do emprego de de-
senhos livres com o recurso de contar estórias.
O examinando realiza uma série de desenhos
livres, associados às estórias que eles contam,
também de modo livre. Por isso, o D-E já foi
referido como uma técnica de desenhos livres
que servem como estímulos de apercepção te-
mática. Nesse caso, ele se constitui em instru-
mento com características próprias, que se vale
de processos expressivo-motores e apercepti-
vo-dinâmicos.
Os desenhos livres servem para eliciar as
estórias, mas o resultado desse par se compõe
em um todo uno e indiviso. Além disso, a inte-
gridade do conjunto exige a utilização de “in-
quéritos” e títulos para as unidades gráfico-
verbais. O examinando realiza um primeiro
desenho livre e, a partir deste, inventa uma
estória. Responde, em seguida, às perguntas
do examinador e dá um título à produção. A
unidade gráfico-verbal é normalmente repeti-
da, na mesma seqüência, por cinco vezes. Tal
reiteração seqüencial não resulta em unidades
isoladas, mas em uma comunicação contínua,
que serve aos propósitos da constituição de um
todo, denominado Procedimento de Desenhos-
Estórias.
Trata-se de uma técnica que deixa o exami-
nando livre para se comunicar; simultaneamen-
te, fornece um substrato básico de meios está-
veis para os participantes se conduzirem. As
informações advindas do emprego do Proce-
dimento são habitualmente reunidas a outras
para a composição da compreensão clínica. Em
particular, o uso conjugado do D-E com as en-
trevistas clínicas vem propiciar a obtenção de
informações focais e nodais dentro do setting
do diagnóstico psicológico.
O D-E é uma técnica de investigação que
não se restringe às noções habituais e particu-
lares que temos a respeito dos testes psicoló-
gicos. Estes, geralmente, se prendem a ques-
tões fundamentais de fidedignidade, sensibili-
dade e padronização, que não são igualmente
consideradas no D-E. Não o são justamente por
ser ele uma técnica de exploração livre e am-
pla, e por visar a uma compreensão da dinâ-
mica psíquica profunda.
Podemos sintetizar, dizendo que o Procedi-
mento de Desenhos-Estórias tem como carac-
terísticas principais: 1) o uso de associações li-
vres por parte do examinando; 2) o objetivo
de atingir aspectos inconscientes da persona-
lidade; 3) o emprego de meios indiretos de
expressão; 4) a participação em recursos de
investigação próprios das técnicas projetivas;
5) a ampliação das possibilidades da observa-
ção livre; 6) a extensão dos processos da en-
trevista semi-estruturada e não-estruturada.
TÉCNICA DE APLICAÇÃO
A administração do Procedimento é individual,
devendo ser aplicado por profissionais devida-
mente qualificados. Usam-se folhas de papel
em branco de tamanho ofício, lápis preto e uma
caixa de lápis de cor. Preenchidas as condições
requeridas, o sujeito é colocado sentado, tra-
balhando em uma mesa, e o examinador sen-
ta-se à sua frente. É dada a tarefa após verifi-
cação de bom rapport entre examinando e
aplicador. Espalham-se os lápis sobre a mesa,
ficando o lápis preto (ponta de grafite) locali-
zado ao acaso dentre os demais.
Coloca-se uma folha de papel na posição
horizontal, com o lado maior próximo do su-
jeito. Não se menciona a possibilidade de este
alterar essa posição, nem se enfatiza a impor-
tância do fato. Solicita-se ao examinando que
faça um desenho livre: “Você tem essa folha
em branco e pode fazer o desenho que quiser,
como quiser”. Aguarda-se a conclusão do pri-
meiro desenho. Quando estiver concluído, não
é retirado da frente do sujeito. O examinador
solicita, então, que ele conte uma estória as-
sociada ao desenho: “Você, agora, olhando o
desenho, pode inventar uma estória, dizendo
o que acontece”. Na eventualidade de o exa-
minando demonstrar dificuldades de associa-
430 JUREMA ALCIDES CUNHA
ção e de elaboração da estória, pode-se intro-
duzir recursos auxiliares, dizendo-lhe, por
exemplo: “Você pode começar falando a res-
peito do desenho que fez”.
Concluída, no primeiro desenho, a fase de
contar estórias, passa-se ao “inquérito”. Nes-
te, podem-se solicitar quaisquer esclarecimen-
tos necessários à compreensão e interpretação
do material, produzido tanto no desenho quan-
to na estória. O “inquérito” tem, também, o
propósito de obtenção de novas associações.
Ainda com o desenho diante do sujeito, pede-
se o título da estória. Chegando a esse ponto,
retira-se o desenho da vista do examinando.
Com isso, temos concluída a primeira unidade
de produção, composta de desenho livre, es-
tória, “inquérito”, título e demais elementos
relatados.
O examinador tomará nota detalhada da
estória, da verbalização do sujeito enquanto
desenha, da ordem de realização, dos recur-
sos auxiliares empregados, das perguntas e
respostas da fase de “inquérito”, do título, bem
como de todas as reações expressivas, verbali-
zações paralelas e outros comportamentos
observados durante a aplicação. Pretende-se
conseguir uma série de cinco unidades de pro-
dução. Assim, concluída a primeira unidade,
repetem-se os mesmos procedimentos para as
demais. Na eventualidade de não se obterem
cinco unidades em uma única sessão de 60
minutos, é recomendável combinar o retorno
do sujeito a nova sessão de aplicação. Não se
alcançando o número de unidades igual a cin-
co, ainda que utilizado o tempo de duas ses-
sões, será considerado e avaliado o material
que nelas o examinando produziu. Se as asso-
ciações verbais forem pobres, convém reapli-
car o processo, a partir da fase de contar estó-
rias. Não é aconselhável o uso de borracha. Para
outros esclarecimentos quanto à aplicação, vide
Trinca, W. (1976).
O D-E foi introduzido como técnica de ava-
liação psicológica individual. Alguns estudos
atuais, contudo, consideram a possibilidade de
ser aplicado coletivamente (Aiello-Vaisberg,1997; Gavião & Pinto, 1999). Originalmente,
foi apresentado para sujeitos de ambos os se-
xos, de cinco a 15 anos de idade. Hoje, esse
uso se estendeu a crianças de três e quatro
anos, bem como a adultos de todas as idades.
Os examinandos podem pertencer a quaisquer
níveis mental, socioeconômico e cultural (Trin-
ca, A., 1997).
FINALIDADES
O D-E foi proposto, inicialmente, para o estu-
do dos conteúdos psicodinâmicos da persona-
lidade, que abrangem especialmente os pro-
cessos de natureza inconsciente. Ele é de gran-
de valor na detecção de componentes das ex-
periências subjetivas. Ultimamente, contudo,
tem se enfatizado que se presta, também, ao
reconhecimento das características formais e
estruturais da personalidade. A produção grá-
fica revela, como afirma Grassano (1996), a
concepção e os conflitos inerentes ao manejo
espacial, às funções e ao interior do próprio
corpo, bem como as angústias e fantasias do-
minantes com relação ao corpo de outras pes-
soas, construídas desde as primitivas relações
de objeto. Como, no D-E, os desenhos livres
não são somente substitutivos de pranchas
destinadas a provocar estórias, mas constituem
importantes fatores a serem avaliados de for-
ma integrada com os demais elementos pre-
sentes, podemos dizer que tal produção gráfi-
ca é reveladora de características formais e es-
truturais. Hammer (1991), Van Kolck (1981) e
a própria Grassano (1996) oferecem indicado-
res para interpretá-los desse modo. Tardivo
(1985; 1997) enfoca os aspectos formais da
produção gráfica no D-E e sua coerência den-
tro do conjunto da produção global.
De início, essa técnica de investigação da
personalidade foi concebida para avaliar sujei-
tos normais, neuróticos e psicóticos em situa-
ção eminentemente clínica. Com o passar do
tempo, verificou-se que, em função de sua ex-
trema adaptabilidade, se prestava a diversas
outras situações, como, por exemplo, aos con-
textos da psicologia escolar, da saúde pública,
da psicologia forense, das instituições de aten-
dimento a pessoas carentes, deficientes, etc.
Temos encontrado uma ampla utilização do D-
E na pesquisa, seja dentro, seja fora da clínica
PSICODIAGNÓSTICO – V 431
psicológica. Além disso, ele se revela útil em
diagnóstico breve, psicoterapia breve, entre-
vista devolutiva, follow-up e inúmeras outras
áreas.
FUNDAMENTAÇÃO
O Procedimento de Desenhos-Estórias encon-
tra sua fundamentação nas seguintes suposi-
ções:
1) O indivíduo pode revelar suas disposi-
ções, esforços e conflitos ao estruturar ou com-
pletar uma situação incompleta. Essa suposi-
ção fundamenta as técnicas projetivas em ge-
ral. Ela vem sendo comprovada por meio de
pesquisas e de experiência clínica.
2) As associações livres tendem a se dirigir
a setores em que o indivíduo é emocionalmen-
te mais sensível. Essa hipótese, que fundamen-
ta a própria psicanálise, aplica-se ao D-E, que,
como vimos, deixa o examinando livre para
realizar a tarefa. Nesta, ele tende a exprimir
seus impulsos, conflitos, angústias, fantasias
inconscientes, etc.
3) Nas técnicas projetivas, quanto menor for
a estruturação e a direção do estímulo, tanto
maior será a tendência de surgir material emo-
cionalmente significativo. Quando são solici-
tados livremente desenhos e estórias, e quan-
do é minimizada a direção oferecida pelo exa-
minador, pode-se esperar que os núcleos sig-
nificativos da personalidade tenham a oportu-
nidade de se manifestar.
4) No contato inicial, o cliente tende a co-
municar seus principais conflitos e fantasias
inconscientes sobre a doença e a cura. Aberas-
tury (1982) explica, de modo geral, esse fenô-
meno, dizendo que, no caso da criança, esta
espera que os profissionais que a atendem não
reproduzam a conduta de seus objetos origi-
nais, que provocaram a doença ou o conflito.
Tanto para as crianças quanto para os adultos,
têm se verificado nas consultas iniciais evidên-
cias empíricas e clínicas para essa hipótese.
5) Crianças e adolescentes preferem co-
municar-se por desenhos e fantasias apercep-
tivas a se expressar por comunicações ver-
bais diretas. A surpresa, para nós, foi cons-
tatar que os adultos, muitas vezes, têm essa
preferência.
6) Determinada seqüência reiterada de
provas gráficas e temáticas tende a produzir
um fator ativador dos mecanismos e dina-
mismos da personalidade, levando a maior
profundidade e clareza na comunicação. A
reiteração do par desenho-estória conduz a
um processo unitário de comunicação, com
início, meio e fim.
AVALIAÇÃO
O D-E é uma técnica que permite várias moda-
lidades de avaliação. Do vértice da análise de
conteúdo com fundamentação psicanalítica,
temos observado, tanto em pesquisas realiza-
das, como na clínica psicológica, o uso do
método denominado “livre inspeção do mate-
rial”. Essa forma de avaliação se baseia em uma
análise globalística. Ou seja, levando-se em
conta o conjunto da produção (desenhos, es-
tórias, respostas aos “inquéritos” e outras as-
sociações), são levantadas hipóteses referen-
tes à natureza dos impulsos, das fantasias in-
conscientes, das angústias e conflitos predo-
minantes, dos vínculos mais significativos, das
defesas mais utilizadas, entre outros aspectos.
Tenta-se relacionar tudo isso com as queixas.
Podemos mencionar, aqui, a profundidade do
método, que depende da experiência clínica.
Contudo, ao utilizá-lo, o profissional corre o
risco de se equivocar, especialmente se não
dispõe de muita experiência clínica.
Dada a riqueza do material que surge no
Procedimento de Desenhos-Estórias, há a pos-
sibilidade de se realizar uma análise dos aspec-
tos formais e estruturais, como foi menciona-
do. Nesse caso, a ênfase é colocada nas quali-
dades aparentes dos desenhos (localização,
qualidade do grafismo, temas predominantes,
uso das cores, significado das cores, etc.). São
consideradas, também, as qualidades da ver-
balização: adequação ao nível evolutivo do
sujeito, grau de coerência entre os desenhos,
as estórias e os títulos, além de outros aspec-
tos. Por intermédio dessa análise, pode-se ava-
liar o grau de organização das funções egói-
432 JUREMA ALCIDES CUNHA
cas, como o raciocínio, a memória, a lógica, a
estruturação espacial, temporal, etc. Tardivo
(1985; 1997) propôs itens para a análise dos
aspectos formais. Focalizou, de modo especial,
a produção gráfica e a coerência entre os as-
pectos que compõem o D-E. Christofi (1995)
utilizou esse esquema, comparando os dados
de Tardivo (numa amostra de crianças normais)
com crianças que apresentavam problemas de
aprendizagem. O estudo revelou a utilidade do
D-E no diagnóstico psicopedagógico, de acor-
do com as características formais. As crianças
com dificuldades de aprendizagem apresenta-
ram maior imaturidade emocional, incapacida-
de de adequação ao meio e baixa tolerância à
frustração. Acreditamos ser interessante usar
esse tipo de análise em combinação com a
análise de conteúdo, pois ambas se comple-
mentam.
Passemos, agora, aos referenciais de análi-
se de conteúdo. Mencionamos, inicialmente,
o trabalho de Trinca, W. (1972). Ele propôs um
referencial de análise elaborado desde as res-
postas de 53 sujeitos que compunham a amos-
tra de sua pesquisa. Esse referencial é composto
por dez áreas, ou categorias: Atitude Básica,
Figuras Significativas, Sentimentos Expressos,
Tendências e Desejos, Impulsos, Ansiedades,
Mecanismos de Defesa, Sintomas Expressos,
Simbolismos e Outras Áreas da Experiência.
Tomando por base esse referencial, Tardivo
(1985) analisou 80 protocolos de crianças nor-
mais, criando um outro referencial de análise.
Das dez áreas apresentadas, as sete primeiras
foram consideradas relevantes por Tardivo e
denominadas Grupos. Estes foram numerados
de I a VII, reunindo cada qual certo número de
traços, num total de 33. Resumimos, em se-
guida, esse referencial de análise.
Grupo I – Atitude Básica (traços de 1 a 5):
1. Aceitação (estão incluídas, neste traço, as
necessidades e preocupações com aceitação,
êxito, crescimento e as atitudes de segurança);
2. Oposição (atitudes de oposição, desprezo,
hostilidade,competição, negativismo, etc.); 3.
Insegurança (inclui as necessidades de prote-
ção, abrigo e ajuda, as atitudes de submissão,
inibição, isolamento e bloqueio e as atitudes
de insegurança); 4. Identificação Positiva (sen-
timentos de autovalorização, auto-imagem e
autoconceito reais e positivos; busca de iden-
tidade e identificação com o próprio sexo); 5.
Identificação Negativa (este traço se opõe ao
traço 4 e se refere aos sentimentos de menor
valia, menor capacidade, menor importância e
identificação com o outro sexo).
Grupo II – Figuras Significativas (traços de
6 a 11): 6. Figura Materna Positiva (mãe senti-
da como presente, gratificante, boa, afetiva,
protetora, facilitadora – objeto bom); 7. Figu-
ra Materna Negativa (mãe vivida como ausen-
te, omissa, rejeitadora, ameaçadora, controla-
dora, exploradora – objeto mau); 8. Figura Pa-
terna Positiva (sentida como próxima, presen-
te, gratificante, afetiva e protetora); 9. Figura
Paterna Negativa (semelhante ao traço 7, aqui
em relação ao pai); 10. Figura Fraterna Positiva
e/ou Outras Figuras (aspectos de relacionamen-
to com irmãos e/ou com outros iguais, compa-
nheiros, amigos, etc., ou seja, cooperação, co-
laboração, etc.); 11. Figura Fraterna Negativa
e/ou Outras Figuras (aspectos negativos do re-
lacionamento: competição, rivalidade, confli-
to, inveja).
Grupo III – Sentimentos Expressos (traços
12 a 14): 12. Sentimentos Derivados do Instin-
to de Vida (ou de tipo construtivo: alegria,
amor, energia instintiva e sexual); 13. Sentimen-
tos Derivados do Instinto de Morte (ou de tipo
destrutivo: ódio, raiva, inveja, ciúme persecu-
tório); 14. Sentimentos Derivados do Conflito
(sentimentos ambivalentes, que surgem da luta
entre os Instintos de Vida e de Morte, ou seja,
sentimentos de culpa, medos de perda, de
abandono, sentimentos de solidão, de triste-
za, de desproteção, ciúme depressivo e outros).
Grupo IV – Tendências e Desejos (traços 15
a 17): 15. Necessidades de Suprir Faltas Bási-
cas (as mais primárias, como desejo de prote-
ção e abrigo, necessidades de compreensão,
de ser contido, de ser cuidado com afeto, ne-
cessidades orais, etc.); 16. Tendências Destru-
tivas (as mais hostis, como desejo de vingan-
ça, de atacar, de destruir, de separar os pais);
17. Tendências Construtivas (as mais evoluídas,
como necessidades de cura, de aquisição, de
realização e autonomia, de liberdade e cresci-
mento).
PSICODIAGNÓSTICO – V 433
Grupo V – Impulsos (traços 18 e 19): 18.
Amorosos; 19. Destrutivos.
Grupo VI – Ansiedades (traços 20 e 21): 20.
Paranóides; 21. Depressivas.
Grupo VII – Mecanismos de Defesa (traços
22 a 33): 22. Cisão; 23. Projeção; 24. Repres-
são; 25. Negação/Anulação; 26. Repressão ou
Fixação a Estágios Primitivos; 27. Racionaliza-
ção; 28. Isolamento; 29. Deslocamento; 30.
Idealização; 31. Sublimação; 32. Formação Rea-
tiva; 33. Negação Maníaca ou Onipotente.
Outros autores, também, propuseram re-
ferenciais de análise para o D-E. Em especial,
indicamos Castro (1990), Mázzaro (1984),
Mestriner (1982) e Paiva (1992). Além da orien-
tação psicanalítica, o D-E permite outros tipos
de avaliação. Já tivemos oportunidade de ofe-
recer exemplos de avaliação junguiana, beha-
viorística e fenomenológico-existencial, consi-
derando-se um caso clínico (vide Tardivo, 1997).
ILUSTRAÇÃO CLÍNICA
Fabiano tem sete anos de idade. Foi encami-
nhado pela professora da escola que freqüen-
ta, porque, sem motivos aparentes, passou a
ir mal na escola, a não conseguir assimilar as
lições. Até o meio do ano, ia bem, depois dei-
xou de aprender, tendo sido reprovado. Quem
o trouxe à consulta foi Selma, uma tia paterna
de Fabiano, que, juntamente com a avó pater-
na e dois outros tios, cuidam da criança desde
bebê. O pai mora em uma cidade distante, no
Nordeste, e vê o filho, no máximo, uma vez
por ano. Da mãe não se tem notícia, desde que
ela abandonou o lar, quando Fabiano era bebê.
Ao vir para a casa da avó e dos tios, o bebê
estava descuidado e muito doente. Desde cedo,
ele se afeiçoou aos parentes, especialmente a
Selma, que praticamente foi quem o criou. Ele
se mantém desligado do pai e da nova mulher
deste. Selma tem um namorado, e, por vezes,
Fabiano chama a ambos de mamãe e papai. A
criança é sustentada financeiramente por ela e
pelos dois tios. Sempre se sentiu bem na famí-
lia, que o ama.
Nas entrevistas, verificou-se que há um fa-
tor encoberto, escondido, de Fabiano pela fa-
mília. Selma pretende se casar brevemente. Não
contou esse fato ao menino, porque teme uma
reação desfavorável da parte dele. Além disso,
não sabe quem cuidará dele após seu casamen-
to. A avó pensou em enviá-lo ao pai. A preocu-
pação de Selma é grande, visto que são muito
ligados entre si: o menino a espera todas as
noites, antes de ela chegar do trabalho e do
curso que faz. Quanto aos tios, é mais ligado a
um deles do que ao outro. Tem ciúmes quan-
do a avó e a tia dão atenção a outras crianças.
Procedimento de Desenhos-Estórias
Verbalização: “A menina foi para a casa dela.
Ela tava pensando: que casa pequenina, vou
ficar logo nessa casa? Que raiva que tem essa
casa pequenina, minha mãe foi logo morar
nessa casa? Queria morar no castelo, o castelo
é tão gostoso, já pensou se eu casasse com o
filho do príncipe? Nessa rua deserta não tem
ninguém para brincar. Só brincar na rua, só
brincar na rua não adianta, nem tem jogo,
porque não brinca com ninguém. Posso aca-
bar? Ai, tchau gente, vou para minha casa.
Acabou”. (Psicólogo: Quem é menina?) “É uma
menina, eu não sei o nome dela, não conheço,
vou inventar. Renata, eu acho que ela tá certa,
numa rua deserta não dá para brincar, o quin-
tal é pequeno, não tem muita flor, o castelo é
maior.” (Psicólogo: Aconteceu alguma coisa?)
“Um dia uma cobra já mordeu, ela tava assim
Figura 29.1.
434 JUREMA ALCIDES CUNHA
passeando nos matos, tropeçou na pedra e a
cobra mordeu. Ela deu um grito, o pai dela veio,
já tinha mordido, foi na esquina pegou um táxi,
foi para o Pronto-Socorro.” (Psicólogo: E de-
pois?) “Vai dar uma tempestade, a casa dela
vai cair, a mãe dela e ela vão morrer, menos o
pai dela, porque a casa tá um pouco torta, por
isso que eu fiz torta.” (Psicólogo: E com o cas-
telo, o que aconteceu?) “Caiu os tijolos, o rei
morreu, ficou o príncipe e o filho dele. O prín-
cipe foi ser o rei, ele tinha muito dinheiro,
moravam cinco pessoas, o dinheiro era dele. O
pai dele falava que quando ele morresse podia
fazer o que quisesse com o castelo, podia pe-
gar empregada. Cinco empregadas. Aí ele pe-
gou, fez outro castelo.”
Título: A casa pequenina.
Interpretação: Oposição entre uma situação
favorável e outra desfavorável. Angústia de que
tenha de se haver com restrições e frustrações.
Mais ainda: angústia de ficar só. Receia passar
por mudanças e sofrimentos traumáticos, com
perdas relacionadas à figura materna.
de sol quente’. Eu coleciono borboletas”. (Psi-
cólogo: Por que queriam ser gente?) “Porque
quando chovia elas não tinham lugar, elas caí-
am com as asas pesadas e os meninos que co-
lecionavam pegavam elas. Eu tenho uma bor-
boleta tão bonita, mas por trás tá toda feia.
Quando tiver muitas eu jogo essa fora, vou fa-
zer umas árvores e colo as borboletas com cola
tenaz.” (Psicólogo: Como termina?) “Um dia
as pedras começaram a rolar, mataram todas
as plantas, a semente caiu e nasceram outras.”
(Psicólogo: Vai acontecer mais alguma coisa?)
“Vai dar uma grande chuva, vai passar aqueles
ratos, e as plantas, as borboletas vão morrer,
as águas vão levar as sementes para outro jar-
dim, vai ficar florido e esse vai ficar seco, me-
nos a flor amarela porque ela tem semente.”
Título: Jardim florido.
Interpretação: Receios de perdas e de trans-
formações ameaçadoras, destruidoras dos vín-
culos amorosos. Por detrás da aparente segu-
rança, esconde-se a angústia de abandono e o
medo de uma grande catástrofe. Insegurança
quanto à manutenção da própria identidade.
Figura 29.2.
Verbalização: “Um jardim, aí as borboletas
falavam: bem que a gente podia ser gente, para
morar numa casa, gente bem bonita.Tinha
muitos rubim em ouro, mas mesmo assim a
gente se transformava em borboleta para nin-
guém roubar. Acabou.” (Psicólogo: O que acon-
teceu ao jardim?) “Um dia esse jardim ficou
muito seco, faz de conta, porque era um dia
verão, ficou muito seco, queimava e a borbo-
leta falava: ‘que pena que minha irmã morreu
Figura 29.3.
Verbalização: “O que eu desenho?” (Psicó-
logo: O que você quiser.) “Queria fazer uma
locomotiva.” Tenta fazer mas não consegue.
Rabisca a folha, diz que errou, devolve o pa-
pel.
Verbalização: “Era uma vez um zoológico.
Aí deu uma tempestade, os bichos entrou tudo
para a casinha. Aí o dono, a casa do dono caiu.
Era muito forte, o dono abandonou o zoológi-
PSICODIAGNÓSTICO – V 435
co. Tinha muitos animais, mas os animais foi
jogado pela chuva. Tinha onça, tinha mais ca-
melo, tinha jacaré, tinha patos, tinha mais pei-
xe, tinha um monte de jaula maior, assim com
tubarão. Tinha tigre, tinha serpente, tinha
águia, tinha rinoceronte e tinha hipopótamo.
Eu tenho um jogo de zoológico, com vários
bichos. Acabou. Só ficou esses bichos. Esse
zoológico era numa ilha que ninguém sabia
onde ficava. Quando eu crescer, eu vou achar
ossos antigos nas cavernas. Assim, vou estu-
dar muito, vou ser isso, vou viajar para Paris,
para achar bichos antigos, ir no espaço.” (Psi-
cólogo: Vai acontecer alguma coisa?) “Não vai
acontecer, a tempestade já aconteceu. Eu vejo
muitos monstros em desenhos. Gosto do fil-
me de trem fantasma, assisto ‘Sexto Sentido’.
Eu queria ter 18 anos para assistir filmes de
fantasma, de mistério.”
Interpretação: A reviravolta, que ele teme,
pode atingir as bases de sustentação de sua
personalidade. Uma poderosa força destruido-
ra ameaça levar tudo de roldão. Ele tem de
buscar forças no fundo de si próprio para en-
frentar os males, que já aconteceram. Em face
dos medos pelos quais passa, gostaria de ser
adulto a fim de desvendar os mistérios que são
dele escondidos.
Verbalização: “O que eu vou desenhar?”
(Psicólogo: O que você quiser.) “Pode ser algo
simples?” (Psicólogo: Como quiser.) “Não te-
nho mais vontade de desenhar.” Desenha ra-
pidamente. “Esse daqui não tem estória. Nes-
se jardim deu uma seca muito forte. As folhas
entortaram todas. Só.” (Psicólogo: Vai aconte-
cer mais alguma coisa?) “Vai dar uma chuva
bem forte e as plantas vão sair bem bonitas.”
Título: Jardim horroroso. Deu uma risada,
olhou para o psicólogo e disse: “Não tá feio
mesmo? Não é melhor o título buquê horroro-
so? Eu tou com uma preguiça de fazer dese-
nho, não quero mais!”
Interpretação: Apesar da angústia e da re-
sistência que a situação provoca, pela reitera-
ção do tema principal da iminência de uma
catástrofe afetiva, ainda resta uma vaga espe-
rança de recomposição (“as plantas vão sair
bem bonitas”).
Discussões: A queixa escolar em relação a
Fabiano representa apenas o aspecto visível de
um drama vivido inconscientemente por ele,
quando o ambiente familiar lhe esconde a
ameaça de abandono e de subtração de víncu-
los essenciais. Ele capta essa situação e a ex-
pressa claramente no Procedimento de De-
senhos-Estórias. Permanece, porém, a ques-
tão de saber se a situação atual não corres-
ponderia à reativação de um conflito primi-
tivo, de natureza mais profunda, relacionado
ao abandono.
Avaliação segundo o referencial de Tardivo
Como Atitude Básica, há o predomínio da In-
segurança, já que se evidencia a percepção que
Fabiano tem do mundo e de sua realidade atual
como desproteção. Encontramos conteúdos de
abandono e perda em quatro unidades de pro-
Figura 29.3. Figura 29.4.
436 JUREMA ALCIDES CUNHA
dução. Na terceira (que ele não conseguiu con-
cluir), há um “trem que não pôde andar”. Pai e
Mãe surgem como Figuras Significativas, mas
não são capazes de oferecer contenção às an-
gústias de Fabiano. Ele sente que perde essas
figuras, sendo abandonado por elas (na ter-
ceira unidade, o dono abandona os animais).
Outras figuras (borboletas, na segunda unida-
de) perdem-se e morrem. Em relação aos Sen-
timentos Expressos, temos a presença domi-
nante de sentimentos derivados do conflito,
embora estejam presentes, também, os deri-
vados do Instinto de Vida. Há tentativas de rea-
lizar a construtividade (chuva para o jardim, o
castelo para morar), mas elas se mostram in-
suficientes e ineficazes. O que prevalece é a
sensação geral de perda dos bons objetos: sen-
timentos de abandono e extrema desproteção.
O menino torna-se muito ameaçado por esses
sentimentos, mas vem se equilibrando. Pode
não suportar e, então, corre o risco de desmo-
ronamentos no self. Assim, no Grupo IV (Ten-
dências e Desejos), notamos o predomínio de
Necessidades de Suprir Faltas Básicas. São cla-
ros seus pedidos de abrigo, proteção e a ne-
cessidade de ser acolhido. Estão presentes os
Impulsos amorosos (nos pedidos de ajuda e
proteção), mas também os destrutivos (nas
casas que caem, nos incêndios que queimam
os jardins e matam as borboletas). Parece que
sobressaem as Ansiedades Depressivas, mas
não se descartam, de modo algum, as Para-
nóides. Fabiano refere-se aos monstros que
gosta de ver, aos filmes de terror, aos trens fan-
tasmas, provavelmente como projeções de fi-
guras ameaçadoras. Mas o que predomina,
acreditamos, são as intensas ansiedades de
perda, portanto, de natureza depressiva. Nos
Mecanismos de Defesa, há a dificuldade de
Fabiano poder utilizá-los eficazmente. Tenta se
controlar, mas está presente, sempre, o perigo
de cair, de ruir, de se desmoronar; e assim, fa-
lhando as defesas, o próprio self pode se des-
moronar.
O D-E foi bastante eficaz para fazer ressal-
tar angústias que Fabiano vivencia nesse mo-
mento de sua vida. Tendo sido já abandonado
numa primeira vez, vê-se novamente ameaça-
do de perder laços afetivos, sendo reeditadas
suas angústias primitivas. Poderá ser devolvi-
do a um pai que ele não conhece direito. A
mãe que ele conhece, e que o criou, deverá se
casar, não pretendendo levá-lo consigo. Pelo
D-E, nota-se que Fabiano percebe, inconsci-
entemente, essa situação e se vê muito amea-
çado. São claros, também, seus pedidos de
ajuda e proteção.
PROCEDIMENTO DE DESENHOS DE FAMÍLIA
COM ESTÓRIAS (DF-E)
Desde 1978, tem sido divulgada uma técnica
de investigação psicológica introduzida, tam-
bém, por Trinca, W. (1989) e denominada Pro-
cedimento de Desenhos de Família com Estó-
rias (abreviadamente, DF-E). Esse instrumento
de avaliação se origina, igualmente, das técni-
cas gráficas e temáticas, sendo um desdobra-
mento relativamente recente da técnica de
desenhos de família (Trinca, W., et alii, 1991).
Consiste na realização de uma série de quatro
desenhos de família, na ordem corresponden-
te às seguintes instruções: 1) “Desenhe uma
família qualquer”; 2) “Desenhe uma família que
você gostaria de ter”; 3) “Desenhe uma família
em que alguém não está bem”; 4) “Desenhe a
sua família”. Após a realização de cada dese-
nho, é solicitado ao examinado que conte li-
vremente uma estória, tomando por base o
desenho. Faz-se, a seguir, o “inquérito” e, fi-
nalmente, pede-se o título da produção. As-
sim como o D-E, o DF-E é composto por unida-
des de produção gráfico-verbais, cada qual
contendo desenho, estória, “inquérito” e títu-
lo. A reiteração seqüencial de quatro unidades
de produção, com a anotação completa das
reações do examinado, constitui a base da téc-
nica. Esse conjunto passa a ter características
unitárias e indivisas.
A administração é individual, podendo ser
aplicado indistintamente a ambos os sexos e a
todas as idades, quando o examinando conse-
gue desenhar e verbalizar. As condições de
aplicação e o material necessário são os mes-
mos descritos para o Procedimento de Dese-
nhos-Estórias. Ou seja, há oferecimento de lá-
pis preto e coloridos, livre utilização das cores,
PSICODIAGNÓSTICO – V 437
impedimento do uso de borracha e recomen-
dação do retorno do examinando, caso não seja
possível a obtenção das quatro unidades em
uma única sessão de aplicação. Informações
mais detalhadas encontram-se em Trinca, W.
(1997).
O DF-E tem por finalidade a detecçãode
processos e conteúdos psíquicos de natureza
consciente e inconsciente, relacionados aos
objetos internos e externos que dizem respei-
to à dinâmica da família. É empregado com
vistas a ampliar o conhecimento das relações
intrapsíquicas e intrafamiliares do examinan-
do. Por isso, espera-se que sejam postos em
evidência, relativamente a essas relações, con-
flitos psíquicos, fantasias inconscientes, angús-
tias atuais e pregressas, defesas e outros mo-
vimentos das forças emocionais. Sua aplicação
é recomendada quando o profissional percebe
ou intui que as dificuldades emocionais têm
relação com conflitos e fatores familiares pre-
sentes no mundo interno e/ou no mundo ex-
terno do examinando.
A fundamentação do Procedimento de De-
senhos de Família com Estórias sustenta-se,
mutatis mutandis, nos pressupostos que ser-
vem de base para o Procedimento de Desenhos-
Estórias. Em particular, funda-se em conheci-
mentos sobre a dinâmica inconsciente da per-
sonalidade, a regra da associação livre, a dinâ-
mica da família, os princípios gerais das técni-
cas projetivas, os princípios de condução das
entrevistas clínicas não-estruturadas e semi-
estruturadas, etc.
Para um roteiro de avaliação, Trinca, W
(1997) sugere alguns itens: a) características
peculiares das figuras paterna e/ou materna;
b) tipos de vínculo e formas de interação com
as figuras parentais; c) trocas sexuais e afeti-
vas entre as figuras parentais; d) relacionamen-
tos com figuras fraternas e outras figuras do
meio familiar; e) determinantes da estrutura e
da dinâmica familiar; f) forças psicopatológi-
cas e psicopatogênicas existentes na família;
g) eventos familiares reveladores de conflitos
e dificuldades; h) pontos centralizados de con-
flitos e dificuldades no examinando; i) descri-
ção que o examinando faz de si próprio; j) ati-
tudes para com a vida e a sociedade; l) ten-
dências, necessidades e desejos; m) tonalida-
des das angústias e das fantasias inconscien-
tes predominantes; n) características das for-
ças de vida e de destrutividade; o) mecanis-
mos de defesa; p) fatores de aquisição da indi-
vidualidade e de integração do self; q) outras
áreas de experiência emocional.
Lima (1997c), por sua vez, acrescenta ou-
tros aspectos de avaliação, como, por exem-
plo, o modo pelo qual o examinando concei-
tua a família, o valor atribuído a esta no con-
texto de vida, a vivência das funções paren-
tais, o grau de maturidade do examinando em
relação às figuras parentais, as expectativas
sobre cada membro do grupo familiar, o grau
de contato do examinando em relação a si
mesmo e aos membros da família, a relação
entre os sintomas e a dinâmica familiar, etc.
O DF-E tem se verificado eficaz no diagnós-
tico individual e de casal, na utilização cruza-
da entre a criança e os pais e na avaliação da
dinâmica da família como um todo. Além dis-
so, é empregado com sucesso nos processos
de psicoterapia de casal e de família.
PROCEDIMENTO DE DESENHOS-ESTÓRIAS
COM TEMA
Trata-se de uma extensão do D-E para estudos
específicos de determinados temas, propostos
de maneira explícita. O examinando é convi-
dado a desenhar algum tema, que o examina-
dor indica de antemão. Depois, pede-se que
conte uma estória associada livremente ao de-
senho. Seguem-se as mesmas recomendações
que se fazem para a aplicação do D-E comum,
ou seja, mantém-se o “inquérito”, o título, as
cinco unidades de produção, a oportunidade
do uso das cores, etc. Há grandes benefícios
na utilização do D-E temático, quando o set-
ting, por si só, não ofereça indicações a respei-
to da estruturação da tarefa, e o examinando
tenha dúvidas sobre o que se espera de suas
realizações.
Tem-se verificado que essa forma de apre-
sentação do D-E é válida para a pesquisa, para
as práticas na escola, na empresa, em institui-
ções públicas, etc. Possui sobre o D-E comum
438 JUREMA ALCIDES CUNHA
a vantagem de poder ser facilmente aplicado,
também de modo coletivo. Aiello-Vaisberg
(1997) diz que o D-E com Tema é uma alterna-
tiva fecunda para pesquisa da representação
social. Ela costuma fazer a aplicação em gru-
po, pedindo aos sujeitos para criar uma estó-
ria, que eles mesmos registram no verso da
folha desenhada. A técnica permite, assim, o
estudo de temas, como o doente mental, o
deficiente físico, a situação escolar, a pessoa
gorda, o hospital, a casa, a velhice, a equipe
de trabalho, etc.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Temos, assim, uma técnica de investigação
da personalidade que permite um amplo le-
que de possibilidades de uso. Em relação a
muitas outras técnicas, é de fácil manejo, e
os custos são baixos. Para a realização do
diagnóstico breve, pode ser comodamente
associada às entrevistas não-estruturadas. No
caso do exame epidemiológico das popula-
ções carentes, seu valor é inestimável. Além
disso, trata-se de um tipo de exame que tem
sido descrito como altamente motivador para
os seus participantes. Pela liberdade e espon-
taneidade de sua penetração psíquica, opõe-
se aos métodos invasivos e insere-se no espí-
rito de uma nova forma de se conceber a ciên-
cia (por contraste com a ciência dita “clássi-
ca”).
A validação dessa técnica tem sido perse-
guida com afinco, seja pelo método estatístico
(vide Mestriner, 1982), seja pelo método clíni-
co (vide Amiralian, 1997). Como não dispomos
de espaço suficiente para descrever os estudos
de validação já realizados, remetemos o leitor
aos trabalhos dessas autoras, que fizeram re-
sumos detalhados dos mesmos, bem como à
bibliografia sobre o assunto.
Capítulo VII
Interlocuções entre a clínica psicológica e a
escola no psicodiagnóstico interventivo
Lucia Ghiringhello
Suzana Lange P. Borges
Grande parte das queixas apresentadas no encaminhamento das crianças para atendimento
psicológico está relacionada a dificuldades/ problemas na aprendizagem. São queixas que,
independentemente de surgirem na escola — a partir das avaliações dos professores, orientadores etc. —
ou em casa — em relação à frustração da expectativa dos pais, por exemplo —, aparecem relacionadas
com o ambiente escolar.
O psicodiagnóstico interventivo tem como pressuposto compreender a criança no seu contexto, do
qual faz parte a escola. Propomos a inclusão desse contexto não só como parte do processo de avaliação,
mas também como objeto de nossa intervenção, através de devolutivas e orientações em relação à queixa
apresentada.
Entendemos por escola uma instituição cujas funções são o ensino e a formação dos alunos, sendo
ao mesmo tempo um espaço físico e um campo relacional que envolve professores, alunos, funcionários
e direção. Essa concepção de escola aproxima-se do conceito de microssistema tal como definido por
Brofenbrenner: “Um contexto no qual há um padrão de atividades, papéis sociais e relações
interpessoais que são experienciados pela pessoa em desenvolvimento”. A ênfase no termo
experienciado indica “a maneira como a pessoa percebe e dá significado ao que vivencia no ambiente, o
que vai bem além das características físicas” (apud Koller, 2004, p. 57). Soma-se a esse trabalho
compreender a forma como a família se relaciona com a escola da criança e quais as expectativas em
relação ao papel que esta deve cumprir. Dessa maneira, é importante conhecer os projetos de futuro que
os pais tecem para o filho, que incluem, frequentemente, os sonhos de uma vida melhor como resultado
de maior escolaridade. É comum os pais falarem da esperança de que o filho consiga atingir um grau de
•
•
•
•
escolaridade para além do deles, “para que não tenha que passar pelo que passei”. A escola aparece nesse
sentido como possibilidade de mudança e oferta de oportunidade: é lá que a criança faz conquistas,
descobre amigos, adquire autonomia e se exercita para ser um futuro adulto e cidadão. Por outro lado, lá
a criança é avaliada e, muitas vezes, julgada; poderá ser humilhada (Gonçalves Filho, 2007), ou sofrer
preconceitos (Souza, 2007). Para compreender a criança nesse contexto, será necessário conhecer o
significado que ela atribui ao processo de aprendizagem,

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