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Psicodiagnóstico interventivo_ evolução de uma prática_Livro

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Psicodiagnóstico 
interventivo 
evolução de uma prática 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
Psicodiagnóstico interventivo : evolução de uma prática / Silvia 
Ancona-Lopes (org.). — 1. ed. — São Paulo : Cortez, 2013. 
Vários autores. 
ISBN 978-85-249-2064-6 
1. Psicodiagnóstico 2. Psicologia existencial 3. Psicologia fenome- 
nológica 4. Psicoterapia I. Ancona-Lopez, Silvia. 
13-07523 CDD-150.192 
Índices para catálogo sistemático: 
1. Psicodiagnóstico interventivo : Psicologia 150.192
Silvia Ancona‑Lopez (Org.) 
Psicodiagnóstico 
interventivo 
evolução de uma prática 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO: evolução de uma prática 
Silvia Ancona-Lopez (Org.) 
Capa: de Sign Arte Visual 
Preparação de originais: Ana Paula Luccisano 
Revisão: Andréa Vidal 
Composição: Linea Editora Ltda. 
Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales 
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada 
sem autorização expressa dos autores e do editor. 
© 2013 by Silvia Ancona-Lopez 
Direitos para esta edição 
CORTEZ EDITORA 
Rua Monte Alegre, 1074 – Perdizes 
05014-001 – São Paulo – SP 
Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 
E-mail: cortez@cortezeditora.com.br 
www.cortezeditora.com.br 
Impresso no Brasil – agosto de 2013 
mailto:cortez@cortezeditora.com.br
http://www.cortezeditora.com.br/
5 
Sumário 
Sobre os Autores............................................................................................. 7 
Apresentação 
Marília Ancona-Lopez .............................................................................. 13 
I. Psicodiagnóstico fenomenológico-existencial: 
focalizando os aspectos saudáveis 
Gohara Yvette Yehia ............................................................................. 23 
II. Psicodiagnóstico Interventivo fenomenológico-existencial
Marizilda Fleury Donatelli ..................................................................... 45 
III. O psicodiagnóstico interventivo sob o enfoque da narrativa
Giuliana Gnatos Lima Bilbao ................................................................. 65 
IV. Movimentos transferenciais no psicodiagnóstico
interventivo
Giselle Guimarães e Mariana do Nascimento Arruda Fantini ...................... 77 
V. A compreensão da religiosidade do cliente no 
psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial 
Marizilda Fleury Donatelli ..................................................................... 90 
6 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
VI. Colagem: uma prática no psicodiagnóstico
Ligia Corrêa Pinho Lopes, Maria Fernanda Mello Ferreira e
Mary Dolores Ewerton Santiago .............................................................. 107 
VII. Interlocuções entre a clínica psicológica e a escola no
psicodiagnóstico interventivo
Lucia Ghiringhello e Suzana Lange P. Borges ............................................... 127 
VIII. Visita domiciliar: a dimensão psicológica do espaço
habitado
Ligia Corrêa Pinho Lopes ....................................................................... 143 
IX. A importância da interdisciplinaridade no
psicodiagnóstico infantil: a colaboração entre a
Psiquiatria e a Psicologia
Flávio José Gosling e Rosana F. Tchirichian de Moura ................................ 166 
X. Metáfora e devolução: O livro de história no processo de 
psicodiagnóstico interventivo 
Elisabeth Becker, Marizilda Fleury Donatelli e 
Mary Dolores Ewerton Santiago ............................................................. 179 
XI. A elaboração de relatos de atendimento em
psicodiagnóstico interventivo: sua importância
na formação do aluno-estagiário
Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti, Lionela Ravera Sardelli,
Maria da Piedade Romeiro de Araujo Melo e Regina Célia Ciriano ............... 197 
XII. Desafios no psicodiagnóstico infantil
Rosana F. Tchirichian de Moura e Silvia Ancona-Lopez .............................. 226 
7 
Sobre os Autores 
Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti — CRP 06/46577-2. Psicóloga Clínica; 
mestre em Saúde Mental pela FCM/DPMP/UNICAMP. Docente da 
Universidade Paulista (UNIP); supervisora de estágio na mesma 
instituição nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia, 
além de atuar como psicoterapeuta. 
Elisabeth Becker — CRP 12/12168. Psicóloga Clínica pela PUC-SP; dou- 
tora em Psicologia do Desenvolvimento — Psicologia (USP). Mestre 
em Psicologia Clínica (USP). Especialista em atendimento nas áreas 
de deficiência. Exercício docente e de Pesquisadora na USP, UNIP, UP 
Mackenzie. 
Flávio José Gosling — CRM 98215. Médico Psiquiatra, residência médica 
em Psiquiatria da Infância. Médico Psiquiatra Assistente do Hospital 
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Pau- 
lo (HC/FMUSP). Médico Perito do Departamento de Saúde do Ser- 
vidor da Prefeitura do Município de São Paulo. Médico Psiquiatra 
das Clínicas de Psicologia (CPA) da Universidade Paulista (UNIP). 
Professor do curso de Especialização em Sexualidade Humana da 
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). 
Giselle Guimarães — CRP 06/48676. Psicóloga graduada pelo IPUSP; 
especialista em Psicologia Infantil pela UNIFESP; mestre em Psicolo- 
gia Clínica pela PUC-SP; supervisora de Psicodiagnóstico e Grupos 
8 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
e Comunidades (UNIP); supervisora clínica no ComTato — Instituto 
Fazendo História. 
Giuliana Gnatos Lima Bilbao — CRP 06/51428-1. Psicóloga pela PUC Cam- 
pinas; mestre em Psicologia Clínica e doutora em Psicologia como 
Profissão e Ciência pela mesma Universidade. Professora universitá- 
ria. Fez aprimoramento em Psicologia Clínica e especialização em 
Saúde Coletiva em Trieste-Itália. Publicou os livros Psicologia e arte 
(2004) e Os anjos de Zabine (2007) pela Editora Átomo e Alínea. É su- 
pervisora em psicodiagnóstico, psicoterapia e oficina de criatividade 
no Centro de Psicologia Aplicada da UNIP-Campinas. 
Gohara Yvette Yehia — CRP 06/411. Psicóloga pela Universidade de São 
Paulo (USP); mestre e doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo. Colaboradora do Laboratório de 
Práticas e Estudos em Fenomenologia Existencial (LEFE) da USP. 
Ligia Corrêa Pinho Lopes — CRP 06/35835-9. Psicóloga Clínica. Mestre em 
Psicologia Clínica pela PUC Campinas; doutora em Psicologia Clíni- 
ca pela PUC-SP. Coordenadora do Centro de Psicologia Aplicada 
(CPA) da Universidade Paulista (UNIP) em Alphaville/SP. Professo- 
ra universitária; supervisora de estágio nas áreas de Psicodiagnóstico 
Interventivo e Psicoterapia. 
Lionela Ravera Sardelli — CRP 06/21686-5. Psicóloga Clínica; mestre em 
Saúde Mental pela FCM/DPMP/UNICAMP. Docente da Universida- 
de Paulista Campinas e Limeira; supervisora de estágio pela mesma 
instituição nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia, 
além de atuar como psicoterapeuta. 
Lucia Ghiringhello — CRP 06/902. Psicóloga formada pela Faculdade de 
Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP); mes- 
tre e doutora em Psicologia Clínica pelo IPUSP; supervisora de está- 
gio em Psicologia Clínica (Psicodiagnóstico) na Universidade Paulis- 
ta (UNIP). 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 9 
Maria da Piedade Romeiro de Araujo Melo — CRP 06/45952. Psicóloga pela 
UNESP/Assis. Mestre em Psicologia Clínica; doutora em Saúde Men- 
tal; psicoterapeuta, docente e supervisora de estágio no curso de 
graduação em Psicologia. Coordenadora do curso de Psicologia da 
Unip Campinas. Membro da Comissão Gestora do CRP e da Comis- 
são de Avaliação de Título de Especialista (2008-2013). 
Maria Fernanda Mello Ferreira — CRP 06/327029. Psicóloga Clínica. Mestre 
em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Coordenadora do Centro 
de Psicologia Aplicada (CPA) da Universidade Paulista (UNIP) da 
Cantareira e da Vergueiro em São Paulo. Professora universitária; 
supervisora de estágio nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e 
Oficinade Criatividade. 
Mariana do Nascimento Arruda Fantini — CRP 06/508735. Psicóloga Clínica 
graduada pela PUC-SP. Especialista em Psicoterapia Psicanalítica — 
IPUSP; mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP; supervisora de 
Psicodiagnóstico e Psicoterapia Psicanalítica (UNIP). 
Marizilda Fleury Donatelli — CRP 06/14481. Mestre e doutora em Psico- 
logia Clínica pela PUC-SP. Professora universitária; supervisora de 
estágio na Universidade Paulista (UNIP) nas áreas de Psicodiagnós- 
tico Interventivo e Psicoterapia. Atua em consultório no atendimento 
a crianças, adolescentes e adultos. 
Mary Dolores Ewerton Santiago — CRP 06/00345-8. Mestre e doutora em 
Psicologia Clínica pela PUC-SP. Professora universitária; supervisora 
de estágio na Universidade Paulista (UNIP) nas áreas de Psicodiag- 
nóstico Interventivo e Psicoterapia. Atua em consultório particular 
no atendimento a adolescentes e adultos. Coautora do livro Psicodiag- 
nóstico processo de intervenção, Cortez, 1993. 
Regina Célia Ciriano — CRP 06/01357-4. Psicóloga pela PUC Campinas. 
Especialização e Especialização avançada em Saúde Mental Infantil 
pela UNICAMP. Mestre e doutora em Saúde Mental pela FCM/DPMP/ 
10 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
UNICAMP. Docente da Universidade Paulista (UNIP) nas cidades de 
Campinas e de Limeira. Supervisora de estágio pela mesma institui- 
ção nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia de base 
Psicanalítica. Atuação como psicoterapeuta em consultório. 
Rosana F. Tchirichian de Moura — CRP 06/26620. Psicóloga Clínica; mestre 
em Educação e supervisora de estágio de Psicodiagnóstico e Psicote- 
rapia na Universidade Paulista (UNIP). 
Silvia Ancona-Lopez — CRP 06/2862. Mestre e doutora em Psicologia 
Clínica pela PUC-SP. Coordenadora dos Centros de Psicologia Apli- 
cada (CPA) da Universidade Paulista (UNIP) em Campinas e na 
Chácara Santo Antonio/SP. Professora universitária; supervisora de 
estágio nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia. 
Membro do Comitê de Ética (CEP) da UNIP. Coautora do Livro Psi- 
codiagnóstico processo de intervenção, Cortez, 1993. 
Suzana Lange P. Borges — CRP 06/266033. Psicóloga Clínica; mestre em 
Psicologia pela Universidade São Marcos. Especialista em Psicotera- 
pia Infantil e Psicoterapia de Grupo (Instituto Sedes Sapiente). Super- 
visora de estágio da Universidade Paulista (UNIP) de Psicodiagnós- 
tico e Psicoterapia. 
Agradecemos aos nossos clientes que 
compartilharam conosco suas histórias de vida 
e seus sofrimentos e aos alunos, que 
com seus questionamentos, levam à revisão e à 
evolução da prática do psicodiagnóstico interventivo. 
Nossos agradecimentos a dra. Lilia Ancona-Lopez, 
pela inestimável colaboração na organização deste livro. 
13 
Apresentação 
O psicodiagnóstico interventivo desenvolveu-se a partir da cons- 
tatação de que teoria e prática nem sempre andam juntas. Apesar de 
essa constatação ser bastante óbvia, ela adquire tons dramáticos 
quando se apresenta na situação concreta do atendimento psicológi- 
co. Diante do paciente, o psicólogo pode agir, falar ou calar-se, mas, 
mesmo no silêncio, algo nele fala: o desejo de compreender, a atenção 
focada ou flutuante. Por vias racionais, intuitivas, sensíveis, emocio- 
nais, o psicólogo busca apreender, entender, conhecer, compreender 
o outro que está diante de si. E, nesse processo, cliente e psicólogo
conhecem cada vez mais a si mesmos. 
A lacuna que se faz presente na concretude da clínica, quando 
os conceitos se mostram estreitos e as técnicas insuficientes, coloca o 
psicólogo diante das limitações do conhecimento e dos recursos de 
uma profissão que se baseia em um saber ainda pouco desenvolvido. 
Paradoxalmente, o psicodiagnóstico interventivo desenvolveu-se, 
também, a partir da constatação de um excesso. O universo Psi é 
eivado de conceitos, métodos, procedimentos e técnicas. Diferentes 
visões de homem e de mundo compõem paradigmas diversos. Deles 
decorrem propostas teóricas que se apresentam como campo propício 
para a proliferação de produções que se agrupam, buscando construir 
corpos consistentes e coerentes, que mereçam o estatuto de cientifi- 
cidade e deem conta das demandas da prática. A existência de pelo 
menos três grandes eixos paradigmáticos — o behaviorismo, as psi- 
14 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
canálises e a fenomenologia existencial — e o início de um quarto 
eixo transpessoal originam inúmeras correntes. As psicologias com- 
portamentais, cognitivas, lacanianas, winniccotianas, gestálticas, 
humanistas, fenomenológicas, existenciais, psicodramáticas, transpes- 
soais e da psicossíntese, entre muitas outras, evidenciam o que chamei 
de excesso. No que diz respeito ao psicodiagnóstico, cada corrente 
aborda e valoriza de forma singular o processo psicodiagnóstico e 
utiliza estratégias, procedimentos e técnicas diferentes ao realizá-lo. 
A palavra drama tem muitos significados. Na vida cotidiana, um 
conjunto de acontecimentos complicados, difíceis ou tumultuosos, 
que causem dano, sofrimento e dor, pode ser um drama. Para outros, 
é uma representação com episódios que contêm elementos trágicos, 
paixões, situações exacerbadas, doces, suaves e até mesmo cômicas. 
Foi uma situação dramática, com episódios inesperados, compli- 
cados, difíceis, tumultuosos, e simultaneamente agradáveis e cômicos, 
que vivi décadas atrás. Na ocasião, dirigia a clínica psicológica de uma 
instituição de ensino superior e me sentia responsável pela prestação 
de serviço às pessoas que procuravam atendimento gratuito. Tinha 
consciência, também, da expectativa das escolas e dos setores da saú- 
de que as encaminhavam, confiantes em nosso trabalho institucional. 
Além disso, sentia-me pressionada pela necessidade de oferecer uma 
formação de qualidade aos futuros psicólogos, preparando-os para os 
atendimentos psicológicos, razão de ser da clínica-escola. 
Naquela cena, na qual psicólogos, professores, clientes, alunos e 
gestores aliavam-se ou afastavam-se uns dos outros, criando diferen- 
tes agrupamentos humanos conforme as posições que assumiam 
diante das inúmeras alianças, competições, disputas e negociações 
que ocorriam em cenários pessoais, profissionais, institucionais e 
sociais, dispus-me a pensar em soluções para um fato que me atingia 
particularmente: crianças chegavam à clínica levadas por seus pais, 
a mando de professores ou de outros profissionais, e após um longo 
tempo na “lista de espera” eram chamadas para atendimento. O 
tempo de espera estendia-se muitas vezes por mais de seis meses e, 
como consequência, boa parte dos inscritos não respondia ao chama- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 15 
do da clínica. No caso das crianças, os pais ou responsáveis que 
compareciam eram atendidos em uma breve entrevista de triagem, 
na qual apresentavam suas queixas pontuais e muitas vezes descon- 
textualizadas. As crianças eram inscritas para o psicodiagnóstico e 
iniciavam a sua “carreira de paciente”, sem considerações a respeito 
do contexto social geral e particular no qual os sintomas tinham sido 
gerados. 
No início do processo psicodiagnóstico, solicitava-se aos respon- 
sáveis pelas crianças que expusessem as razões da sua vinda à clíni- 
ca e levantava-se a história dessas crianças por meio de uma anam- 
nese. Em seguida, aplicava-se uma bateria de testes e, com os dados 
obtidos, formulava-se uma hipótese diagnóstica com base em mode- 
los sugeridos pelas teorias de desenvolvimento e da personalidade, 
ou por modelos oriundos das áreas da Educação e da Medicina, como 
os da Psicopatologia. 
Na elaboração de uma conclusão diagnóstica, cabia ao psicólogo 
desenvolver um raciocínio que integrasse de forma coerente os dados 
oriundos de diferentes testes — originados em paradigmas diversos 
— as informações trazidas pelos responsáveis pela criança — obtidas 
em uma ou no máximo em duas entrevistas iniciais —, as informações 
da escola e de outros profissionais e as observações realizadas dire- 
tamente com a criança. Era preciso,ainda, elaborar um relatório final 
em linguagem psicológica. O relatório psicodiagnóstico orientava a 
entrevista final a ser desenvolvida com os responsáveis pela criança 
e pelo seu encaminhamento. O processo todo resultava, na maioria 
das vezes, em indicação para psicoterapia. Gerava-se uma nova lista 
de espera que, aliada ao fato de que nem as crianças, nem os pais 
entendiam a razão desse encaminhamento, o que ele significava e o 
que podiam esperar dele, além de não terem observado mudanças 
nas crianças durante o processo diagnóstico, ocasionava uma nova 
leva de desistências. Iniciado o atendimento psicoterápico, os respon- 
sáveis esperavam que a criança “melhorasse”, ou seja, que os sintomas 
e as dificuldades apresentadas desaparecessem rapidamente. Essa era, 
na maior parte das vezes, também a esperança dos professores. Como 
16 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
a remoção de sintomas não é o objetivo da maior parte das psicote- 
rapias, embora possa ser um de seus efeitos, poucas crianças chegavam 
ao final do atendimento. De fato, a primeira pesquisa que fiz sobre o 
assunto a fim de comprovar o que observava, realizada em 1986 e 
publicada no livro Psicologia e instituição, organizado por Rosa Mace- 
do (São Paulo: Cortez), mostrou que apenas 4,6% dos clientes que 
haviam buscado as quatro clínicas-escola de instituições de ensino 
analisadas em São Paulo tinham “alta”, ou seja, encerravam o aten- 
dimento em comum acordo com o psicólogo, com o profissional 
concluindo que o atendimento tinha atingido o seu fim e o cliente 
considerando que poderia continuar a sua vida de forma positiva, 
com os próprios recursos. Estudos posteriores sobre a avaliação do 
atendimento se sucederam em diversas partes do país, e um Grupo 
de Trabalho da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em 
Psicologia (Anpepp) trabalhou nesse assunto por muitos anos, mas 
as diferentes pesquisas não mostraram grande avanço na situação 
descrita. 
Para os psicoterapeutas, o relatório do psicodiagnóstico não 
parecia ser de grande utilidade. Mais do que transmitir um conheci- 
mento sobre a criança, ele aparecia como uma garantia de que as 
condições necessárias para o desenvolvimento da psicoterapia estavam 
preservadas e de que havia sido verificada a necessidade de atendi- 
mentos paralelos, fossem eles neurológicos, psiquiátricos, fonoaudio- 
lógicos ou outros. A função do relatório psicodiagnóstico reduzia-se 
à de uma triagem confiável. Quanto às questões da dinâmica psíqui- 
ca, os psicoterapeutas preferiam não se ater aos detalhes dos relatórios 
oriundos do processo psicodiagnóstico, mas desenvolver uma com- 
preensão própria no decorrer do atendimento. 
A relação custo-benefício do processo psicodiagnóstico parecia-me 
fora de equilíbrio. Para as famílias de baixa renda havia um custo 
financeiro, resultante da falta ao trabalho no dia do atendimento para 
poder acompanhar as crianças à clínica, acrescida das despesas com 
a condução. Havia também o custo psicológico decorrente do desco- 
nhecimento do tipo de atendimento para o qual levavam as crianças, 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 17 
do fato de elas serem consideradas portadoras de alguma patologia 
psicológica e da não consideração das condições cotidianas tanto da 
vida familiar e escolar quanto de todo o contexto econômico, político 
e social em que viviam. Os estagiários viviam a tensão e a inseguran- 
ça típicas dos primeiros atendimentos, preocupavam-se com a ava- 
liação do seu trabalho e, no caso do psicodiagnóstico, defrontavam-se 
com as vicissitudes de serem orientados a se manterem neutros e 
objetivos na aplicação e na avaliação de testes cujos resultados não 
eram questionados e nem sempre coincidiam com o que observavam 
nas crianças. Os supervisores, por sua vez, aliavam a preocupação 
com o ensino à responsabilidade pelo resultado dos atendimentos. 
A confiança na competência profissional dos professores super- 
visores, na seriedade do seu trabalho e no cuidado que dispendiam 
aos alunos e às supervisões eram a garantia institucional de que não 
haveria danos nem aos estagiários nem aos clientes. Os alunos reali- 
zavam seus primeiros atendimentos e começavam a desenvolver uma 
atitude clínica e uma identidade profissional. Os supervisores desem- 
penhavam a contento a sua função. No entanto, uma questão silen- 
ciosa, subjacente ao andamento da clínica, colocava em dúvida o 
serviço oferecido, aparentemente frutuoso. O benefício para os clientes 
era mínimo. Uma pequena porcentagem das crianças chegava ao fim 
do processo psicodiagnóstico, uma porcentagem menor ainda iniciava 
a psicoterapia, e a grande parte dos clientes abandonava o atendimen- 
to por iniciativa própria, sem justificativa. Como responsável por todo 
o serviço oferecido pela clínica-escola, sentia-me inquieta.
A divulgação da pesquisa que teve como objetivo avaliar os re- 
sultados dos atendimentos psicológicos oferecidos por quatro clíni- 
cas-escola causou algum impacto no meio acadêmico e levou-me a 
organizar o primeiro encontro de clínicas-escola para discutir o as- 
sunto. Esse encontro se repetiu, sediado cada vez por uma instituição 
diferente, e hoje se encontra na sua vigésima versão. O efeito da di- 
vulgação dos resultados obtidos nos atendimentos oferecidos nas 
clínicas-escola na ocasião, no entanto, foi maior na clínica que estava 
sob minha responsabilidade. Consequentemente, grande parte dos 
18 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
supervisores que atuava nessa clínica envolveu-se no assunto e de- 
dicou-se, comigo, a enfrentar o desafio de encontrar formas de aten- 
dimento que se voltassem ao bem dos clientes, evitar as listas de 
espera, eliminar o uso de técnicas desnecessárias, estabelecer uma 
relação de escuta e de respeito às histórias e aos significados atribu- 
ídos pelos clientes às suas experiências, expor os objetivos e o modo 
de trabalho dos profissionais de Psicologia e compartilhar o conheci- 
mento adquirido sobre as crianças em linguagem acessível e atenta 
às possibilidades de absorção e compreensão, além de construir com 
os clientes novos significados e novas condutas. Analisada a situação 
na perspectiva de uma das finalidades da clínica-escola — a de pre- 
parar os alunos do curso de graduação em Psicologia para o atendi- 
mento clínico —, considerou-se que a postura proposta corrigia uma 
situação perversa: utilizar os clientes para o aprendizado dos alunos. 
Considerou-se, também, que o reverso dessa situação, ou seja, ensinar 
os alunos a atender às necessidades dos clientes utilizando os conhe- 
cimentos adquiridos durante o curso, acrescentados aos conhecimen- 
tos disponibilizados pelo supervisor e pela discussão dos casos, era 
a postura ética necessária e imprescindível para qualquer atividade 
voltada à formação do psicólogo. 
Em uma redistribuição dos recursos administrativos disponibi- 
lizados pela instituição para a clínica-escola, em forma de horas de 
trabalho docente, estabeleci reuniões de estudo e discussão semanais. 
Nessas reuniões formalizamos, em um primeiro momento, as obser- 
vações realizadas sobre o estatuto atual dos atendimentos, estudando 
os resultados do levantamento realizado. Em seguida, procuramos 
conhecer o que era feito a esse respeito em outros países, em institui- 
ções que ofereciam atendimento a populações de baixa renda, à se- 
melhança das clínicas-escola, e convidamos profissionais para pales- 
tras e workshops. Outra situação que se mostrou extremamente 
favorável ao desenvolvimento de nosso trabalho foi o fato de vários 
supervisores estarem inscritos em programas de mestrado e douto- 
rado. Isto possibilitou que, à semelhança do levantamento inicial 
sobre os atendimentos em clínica-escola, temas relacionados ao obje- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 19 
tivo de melhoria do atendimento e da preparação de alunos fossem 
escolhidos para o desenvolvimento de dissertações e teses em Psico- 
logia Clínica. 
Nessa esteira, a psicóloga Yara Monachesi formalizou uma pes- 
quisa sobreo problema do uso de testes originados em diferentes 
paradigmas teóricos no processo psicodiagnóstico e sobre o uso dos 
relatórios psicológicos pelos psicoterapeutas; Silvia Ancona-Lopez 
Larrabure dedicou-se a uma proposta de trabalho em grupos de es- 
pera; Oara Varca Moreira da Silva propôs um grupo estruturado de 
vivência para pais; e Gohara Yvette Yehia apresentou uma técnica 
alternativa de supervisão de estágio para a formação de psicólogos. 
Todas essas dissertações foram realizadas no Programa de Estudos 
Pós-graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Ca- 
tólica de São Paulo (PUC-SP). 
Iniciou-se a implantação dos novos atendimentos a par dos es- 
tudos, das discussões e do desenvolvimento de pesquisas: Grupos de 
Espera, Grupos de Triagem, Grupos de Orientação para Pais e Grupos 
de Psicodiagnóstico Interventivo. O início dos atendimentos em mo- 
delos diferentes daqueles já reconhecidos e difundidos pela área 
exigiu novas reorganizações administrativas, reformulações na equi- 
pe e o desenvolvimento de uma relação mais ativa e colaborativa 
entre alunos e supervisores. Esse trabalho não se deu sem tensões na 
instituição, no relacionamento intraequipe e no relacionamento com 
os alunos, mas os atendimentos traziam resultados evidentes: os 
clientes participavam ativamente, reformulavam significados e com- 
portamentos, compreendiam de forma nova os relacionamentos fa- 
miliares e os sintomas de seus filhos e ativavam seus recursos para 
lidar de forma positiva com a situação encontrada. Além disso, com- 
preendiam melhor e valorizavam o trabalho dos psicólogos. 
Simultaneamente, tratou-se de transpor para uma linguagem 
teórica as estratégias desenvolvidas. Novas discussões, desta vez 
ocasionadas por diferentes preferências teóricas, tiveram lugar. Por 
fim, escolheu-se a linguagem da fenomenologia para sua apresentação, 
e novas dissertações e teses foram realizadas no Programa de Estudos 
20 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Pós-graduados de Psicologia Clínica da PUC-SP. Apresentei uma tese 
sobre o atendimento a pais no processo psicodiagnóstico infantil em 
uma abordagem fenomenológica, Gohara Yvette Yehia versou sua tese 
sobre os efeitos do psicodiagnóstico analisados em entrevistas de 
follow-up, e Christina Menna Barreto Cupertino desenvolveu uma 
análise de desencontros no processo. Várias publicações se sucederam, 
entre elas a de Mary Ewerton Santiago e Sonia Jubelini, sobre uma 
modalidade alternativa do psicodiagnóstico em instituição, a de Sonia 
Jubelini, sobre o psicodiagnóstico grupal, e um artigo de Silvia An- 
cona-Lopez Larrabure, Yu Me Yut e Teixeira, sobre a vivência de 
exercícios de psicomotricidade em grupos de mães. Uma pesquisa 
sobre crianças no psicodiagnóstico grupal foi desenvolvida por Maria 
Luiza Munhoz. As reflexões sobre o psicodiagnóstico interventivo 
foram apresentadas no livro organizado por mim, intitulado Psico- 
diagnóstico: processo de intervenção (São Paulo: Cortez, 1995). De fato, 
o livro tornou-se referência para esse tipo de trabalho, que ultrapassou
o espaço da equipe e das clínicas em que o psicodiagnóstico inter- 
ventivo se originou. Nele discute-se a prática do psicodiagnóstico, 
sua possibilidade como processo interventivo, reformulações exigidas 
para sua utilização, a posição da criança e dos pais no processo, o 
envolvimento da equipe e as transformações necessárias para sua 
implantação. O fato é que o psicodiagnóstico interventivo firmou-se 
como estratégia de atendimento e passou a ser utilizado em diferen- 
tes dispositivos de atendimento clínico no país. O livro foi adotado, 
também, por inúmeras instituições de ensino e teve mais de 25 edições, 
o que levou a editora a solicitar uma nova publicação sobre o mesmo
assunto. 
Por muitos anos, e ainda hoje, sou convidada a orientar, expor e 
falar desse trabalho, apesar de minha vida profissional ter seguido 
outra direção, levando-me a novas implantações e transformações 
tanto na área da Psicologia quanto na área da educação superior. O 
atendimento em psicodiagnóstico interventivo, no entanto, continuou 
a ser feito tanto por colegas da equipe inicial quanto por outros pro- 
fissionais que se agregaram ao trabalho, e o processo foi se aperfei- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 21 
çoando. O livro que ora apresento mostra os avanços ocorridos e 
expõe como o psicodiagnóstico interventivo é realizado hoje. 
Os autores Elisabeth Becker, Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti, 
Flávio J. Gosling, Giselle Guimarães, Giuliana Gnatos Lima Bilbao, 
Gohara Yvette Yehia, Ligia Corrêa Pinho Lopes, Lionela Ravera Sar- 
delli, Lucia Ghiringhello, Maria Fernanda Mello Ferreira, Maria da 
Piedade Romeiro de Araujo Melo, Mariana do Nascimento Arruda 
Fantini, Marizilda Fleury Donatelli, Mary Dolores Ewerton Santiago, 
Regina Célia Ciriano, Rosana Tchirichian de Moura, Silvia Ancona- 
-Lopez e Suzana Lange P. Borges são psicólogos clínicos e atuam em 
instituições de ensino. Em seus textos apresentam os pressupostos do 
psicodiagnóstico, seus procedimentos, colaborações com outras dis- 
ciplinas, dilemas e desafios, além de estratégias como a colagem, a 
visita domiciliar, a visita escolar, o uso de metáforas para a entrevis- 
ta de devolução e a importância da elaboração dos relatos dos aten- 
dimentos na formação dos estagiários de Psicologia. Falam de aspec- 
tos saudáveis e adentram em temas até hoje pouco explorados na área 
da Psicologia, como o da atenção à religiosidade dos clientes e de 
suas famílias. Enfim, mostram como hoje o psicodiagnóstico inter- 
ventivo, desenvolvido de forma colaborativa com as crianças e com 
os seus pais, tornou-se uma possibilidade concreta para uma atuação 
clínica efetiva e ética. Ao avançar significativamente no desenvolvi- 
mento do processo do psicodiagnóstico interventivo, os autores 
apontam para um modo de levar adiante a profissão: desenvolver um 
trabalho que integre teoria e prática, analise os procedimentos psico- 
lógicos e seus fundamentos, ouse ir além dos padrões já estabelecidos, 
experimente dentro dos limites éticos e tenha por guia uma reflexão 
ampla e multidisciplinar que considere o contexto e os efeitos pessoais, 
institucionais e sociais. 
São Paulo, 13 de abril de 2013. 
Marília Ancona-Lopez 
23 
Capítulo I 
Psicodiagnóstico 
fenomenológico‑existencial: 
focalizando os aspectos saudáveis 
Gohara Yvette Yehia 
Um pouco de história 
Saúde e doença vêm sendo compreendidas de formas diferentes 
ao longo do tempo, sendo que as mudanças no modo de entendê-las 
acompanham a evolução da ciência e da sociedade. Assim é que, na 
Idade Média, a relação do homem com o mundo era marcada pela 
vida coletiva, assentada nas tradições e na crença de entidades pode- 
rosas que exigiam submissão, pois eram donas do destino. Já no 
Renascimento, com as descobertas e a ampliação do comércio, a 
multiplicidade de possibilidades traz consigo a sensação de desam- 
paro e incertezas quanto ao destino. 
Nasce a necessidade de controle diante do mundo do qual o 
homem se afastou e que passou a ser sentido como inóspito. Nota-se, 
24 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
então, um progressivo movimento de introspecção via racionalidade. 
No período chamado de Moderno, o homem criou um método — 
construção de sistemas lógicos e coerentes que permitam explicar os 
fenômenos do universo e de si mesmo, com a consequente exclusão 
daquilo que não é contemplado pela razão. 
Hoje, sabemos que saúde e doença não podem ser vistas de for- 
ma dicotômica, e sim como parte de um único processo no qual 
saúde não é o simples fato de não ter doença ou vice-versa. Assim, a 
“doença mental” pode passar a ser pensada como a construção de 
“outros modos de existência”, diante da dificuldade de responder, de 
maneira “habilidosa”, aos fatos do existir. Poder-se-ia pensar na pos- 
sibilidade de outra atitude existencial em face do mundo como ele é 
vivido (Cautella Jr., 2003). 
Retomando ideias desenvolvidas por Morato e Andrade, de 
acordo com Webster (1974),saúde vem do latim salus, significando 
condição (orgânica ou organizacional) benéfica, de bem-estar, de segurança. 
Refere-se à cura (healein, em inglês antigo), como promoção de integri- 
dade e/ou cuidado. Estas definições nos remetem a uma aproximação 
de clínica e de cuidado, tarefas que dizem respeito ao universo do 
fazer psicológico no âmbito da saúde. 
Pensada a partir destas referências e comprometida com atenção 
e cuidado para que o sujeito se conduza na direção de seu bem-estar, 
ou seja, de resgate de sentido, a prática psicológica inclina-se para 
acolher o sofrimento humano como perda de sentido. Etimologica- 
mente originário do grego pathos, sofrer assume o significado de sen- 
tir, experienciar, tolerar sem oferecer resistência, ser afetado. Em latim, 
sofrer origina-se de subferre, referindo-se a suportar por debaixo, im- 
plicando dois significados: tolerar um peso e sustentar um peso. No 
primeiro, sofrer diz respeito a uma dor, ao passo que, no segundo, 
diz de uma força ou de um poder ser. Desse modo, em ambas as 
origens, sofrimento refere-se à situação de ser afetado pela ambigui- 
dade própria da condição humana. Diz da dor diante do desamparo 
do homem na sua tarefa de existir, suportando a inospitalidade dos 
acontecimentos para conduzir-se adiante. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 25 
Na Idade Moderna, tanto a atividade clínica quanto a pedagógi- 
ca não fogem a um predomínio da técnica. A clínica, afastando-se de 
sua peculiaridade originária, que se refere ao debruçar-se sobre o leito 
do “doente”, passa, cada vez mais, a privilegiar procedimentos técnicos. 
Desse modo, hoje em dia, o clínico é entendido e valorizado como 
especialista. Nessa composição, o momento clínico inicial, com toda 
sua potencialidade de promover uma confiança terapêutica através 
da atenção e do acolhimento, é reduzido a uma atividade de triagem, 
a qual encaminhará os pacientes aos respectivos especialistas que, 
através da mediação da técnica, tratarão deles. 
Atualmente esse modelo técnico-científico mostra sinais de es- 
gotamento. Em nossa prática, no momento do encontro com o outro, 
percebemos que o domínio do saber não funciona como lugar seguro; 
não traz respostas exatas ou verdadeiras nem alivia a angústia peran- 
te a alteridade que aparece no encontro. Assim, a tendência é negar 
a alteridade procedendo-se a uma redução, na medida em que se 
procura encaixar o outro em um esquema de referência dado pelo 
saber teórico. Neste caso, temos o homem teórico, portador de um 
saber racional que explica as irracionalidades (os desvios) e acredita 
deter os meios de controlá-las ou ajustá-las à norma. 
O que se propõe, antes de tudo, é um deslocamento do saber, uma 
outra postura ética em que não existe um saber dado a priori ou uma 
verdade a ser transmitida, mas uma construção conjunta de sentidos. 
Faz-se necessário, pois, que o psicólogo se despoje do lugar de espe- 
cialista, portador de um saber a ser transmitido, e passe a funcionar 
como um mediador, um “entre”, que acolhe a produção emergente 
nos diversos encontros (Andrade e Morato, 2004). 
Não se trata aqui de descaracterizar o psicólogo de seu saber de 
ofício. Pelo contrário, trata-se de um resgate desta dimensão ética que 
deveria ser própria e específica do saber de ofício do psicólogo. Este, 
em sua prática cotidiana, exerceria a função de acolher o cliente, em 
um processo permanente de desmistificação de verdades naturalizan- 
tes e universalizantes geradoras de injustiças e exclusão sociais. Um 
trabalho voltado para “trans-formações” das relações sociais exige 
26 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
um desmonte permanente das cristalizações que impedem a institui- 
ção de outros modos de estar no mundo, de outras “formas” de 
afetamento, em que a diferença não aparece como algo a ser negado 
ou excluído, mas exatamente como aquilo que possibilitará a criação, 
as mudanças nos sistemas — pensamento, relações, crenças, entre 
outros — cristalizados. 
No entanto, o homem só é capaz de chegar ao outro pela palavra, 
vale dizer, a cultura, e, nesse âmbito, encontram-se sempre usos, 
costumes, preceitos e normas, ou seja, todo um corpo moral norma- 
tivo. Nessa medida, o comprometimento social implicado na prática 
de orientação fenomenológica existencial é uma dimensão que não 
pode ser negada nem recusada por profissionais engajados em pro- 
mover o desenvolvimento pessoal e profissional de pessoas. Essas 
práticas sob ótica fenomenológica existencial podem ampliar o espec- 
tro de ação humana para que se possa atender responsavelmente à 
pluralidade da condição pós-moderna da vida do homem e seu so- 
frimento. Neste sentido, no âmbito da atuação psicológica, o olhar 
voltado ao sofrimento humano contextualizado carrega uma preocu- 
pação quanto à busca de abordagens teórico-práticas que contemplem 
as demandas inseridas nesta problemática. 
A perspectiva fenomenológica existencial foi o referencial de 
fundamento dessa clínica, pois considera que a condição constituinte 
da existência do ser humano é relacional, ou seja, revela-se pelo en- 
contro com o outro. São essas situações de encontro intersubjetivo 
que propiciam, no cotidiano da vida, mudanças para o desenvolvi- 
mento e aprendizagem do ser humano, bem como as formas de 
convivência no mundo e com os outros, vendo e sendo visto, ouvin- 
do e sendo ouvido (Figueiredo, 1995). 
O psicodiagnóstico 
Focalizarei agora uma prática psicológica conhecida de todos, já 
que inaugurou a possibilidade de atuação do psicólogo enquanto 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 27 
profissional. Refiro-me ao psicodiagnóstico, cuja história acompanha, 
obviamente, a do pensamento psicológico como um todo. 
As instituições que oferecem atendimento psicológico gratuito à 
comunidade são procuradas por uma porcentagem significativa de 
pais de crianças com algum distúrbio de comportamento, dificuldade 
escolar ou outra. Por um lado, os pais são geralmente encaminhados 
pela escola, pelo médico ou por uma assistente social para atendi- 
mento psicológico do filho. A instituição, por sua vez, em geral ofe- 
rece um psicodiagnóstico, uma vez que, no caso de uma criança, o 
distúrbio pode ter a concorrência de várias causas (intelectuais, emo- 
cionais, psicomotoras, neurológicas, fonoaudiológicas), sendo impor- 
tante investigar qual área deve ser prioritariamente atendida. 
O psicodiagnóstico infantil efetuado nos moldes tradicionais1 cons- 
ta de uma ou duas entrevistas iniciais com os pais, para que o psicólo- 
go possa entrar em contato com a queixa, a dinâmica familiar e o de- 
senvolvimento da criança. Em seguida, a criança é testada, são avaliados 
os testes com ela realizados e integradas as informações obtidas. Final- 
mente, o psicólogo realiza uma ou duas entrevistas devolutivas com os 
pais, a fim de oferecer-lhes suas conclusões diagnósticas e sugerir os 
passos seguintes a serem trilhados: psicoterapia da criança, orientação 
aos pais, psicomotricidade, entre outras possibilidades. 
Os pais que comparecem aos atendimentos indicados a partir 
desta maneira de desenvolver o psicodiagnóstico, quando compare- 
cem, mostram pouca motivação para eles. Se questionados a respeito 
do atendimento anterior (o psicodiagnóstico), revelam desconheci- 
mento do processo pelo qual passaram, limitando-se a repetir a 
queixa inicial, às vezes acrescentando a ela a indicação terapêutica. 
Alguns se mostram até mesmo decepcionados com os resultados 
desse atendimento, que não lhes parece ter trazido os benefícios que 
dele esperavam. 
Por outro lado, para o psicólogo que realizou o psicodiagnóstico, 
este se constituiu em uma etapa importante do processo de compre- 
1. Seguindo-se a proposta de Ocampo e Garcia Arzeno (1981).
28 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
ensão. Permitiu-lhe fazer uma indicação terapêutica adequada às 
necessidades e possibilidades do cliente, baseada no entendimento 
do que está acontecendo com a criança e a dinâmica familiar.2 
De fato, se considerarmos o psicodiagnósticocomo uma coleta 
de dados sobre a qual organizaremos um raciocínio clínico que orien- 
tará o processo terapêutico, este será, como diz S. Ancona-Lopez 
(1995), “um momento de transição, passaporte para o atendimento 
posterior, este sim considerado significativo (porque capaz de provo- 
car mudanças), no qual o cliente encontrará acolhida para suas dú- 
vidas e sofrimentos”. 
Assim, a questão que se coloca é: será que tanto para os pais 
como para a criança o atendimento somente deve tornar-se efetivo 
na psicoterapia? Tal questionamento, produzido a partir de insatisfa- 
ções de uma equipe de psicólogos que trabalhavam em clínicas-esco- 
la, levaram-na a buscar outras formas de atender aos clientes que 
buscam atendimento psicológico, procurando torná-lo mais signifi- 
cativo e satisfatório. 
M. Ancona-Lopez, em sua tese de doutoramento, em 1987, des- 
creve o atendimento em grupo a pais, durante o psicodiagnóstico, 
realizado de acordo com uma metodologia fenomenológica. Nessa 
ocasião, entrou em contato com os trabalhos de Fischer, verificando 
que havia aspectos comuns que diziam respeito à possibilidade de 
intervenção durante o desenvolvimento do processo, entre os trabalhos 
propostos 
Eu mesma, em 1994, retomei o estudo do atendimento individual 
a pais durante o psicodiagnóstico, realizando entrevistas de follow-up 
um ano depois do término do trabalho com eles. Esses estudos visa- 
vam colaborar para o desenvolvimento do psicodiagnóstico como 
processo participativo e interventivo. 
Estes e outros estudos encontram-se no livro de M. Ancona-Lo- 
pez, Psicodiagnóstico: processo de intervenção (1998). 
2. Encontra-se uma discussão a respeito de psicodiagnóstico nos textos de Boy (1989), Cain 
(1989) e Schlien (1989). 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 29 
O processo psicodiagnóstico fenomenológico‑existencial com 
crianças e seus pais 
Passarei, agora, a uma descrição do processo psicodiagnóstico 
infantil que se desenvolve em 10 ou 12 sessões. Destas, frequente- 
mente, 6 ou 7 são com os pais e o restante com a criança. 
Do ponto de vista fenomenológico-existencial, considera-se todo 
ser humano mergulhado no mundo que, embora sempre presente, 
muitas vezes lhe é despercebido. O sentido dos objetos está na relação 
que eles têm com um conjunto estruturado de significados e de in- 
tenções inter-relacionadas. Consequentemente, o mundo não é obs- 
trutivo nem o são os objetos do mundo com os quais nos relacionamos 
diariamente. Dito de outro modo, no nosso dia a dia, estamos com 
os objetos de uso corrente, com as pessoas, com nossa família, com 
nosso filho, sem, a todo momento, nos perguntarmos a respeito do 
significado de cada uma dessas pessoas e coisas. 
Entretanto, quando há “ruptura”, quando falta algo que deveria 
haver, passamos a notar certos objetos. Similarmente, quando a crian- 
ça começa a apresentar atitudes e comportamentos que rompem com 
algumas expectativas dos pais, dos professores ou de outros agentes 
da comunidade, surge o encaminhamento ou a busca espontânea pelo 
psicólogo. É neste momento que podem ser problematizadas, ques- 
tionadas, as relações dos pais e da criança consigo mesmos, com os 
outros e com o mundo. É neste contexto que o psicodiagnóstico se 
propõe explicitar o sentido da experiência do cliente. 
No caso do psicodiagnóstico infantil, o trabalho com os pais 
visa explorar o significado da queixa trazida, dos sintomas apresen- 
tados pela criança, a compreensão que eles têm de sua própria si- 
tuação e de sua relação com o filho. Por isso, considero que, mesmo 
sendo a criança a precisar de atendimento psicológico, são os pais 
que arcam com muitos dos custos do atendimento infantil: o tempo 
para levar e buscar o filho, o pagamento das sessões e os possíveis 
efeitos transformadores do atendimento infantil na dinâmica da 
30 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
família. Assim, sem informações, apoio, motivação e empenho para 
esse atendimento, fica difícil esperar que os pais estejam dispostos 
a levá-lo adiante. 
Por isso, quando o psicólogo recebe pais encaminhados pela 
professora, o pediatra ou outro agente da comunidade, é importante 
que trabalhe, desde o início, o significado que este encaminhamento 
tem para eles mesmos. Deste modo, a primeira sessão com os pais 
desenvolve-se, em geral, a partir do questionamento a respeito do 
motivo da consulta. Enquanto para eles a necessidade do atendimen- 
to psicológico não tiver sentido, por atribuírem a indicação a outro 
profissional, sendo que eles mesmos apenas estariam se conformando 
à proposta e obedecendo a uma autoridade, fica mais difícil, senão 
impossível, contar com sua colaboração ativa. Esta é imprescindível 
para que a compreensão conjunta do que está acontecendo com a 
criança e com eles mesmos possa ocorrer. 
Outro ponto importante a focalizar é como os pais entendem o 
atendimento psicológico e qual sua expectativa em relação a ele. 
São-lhes oferecidos esclarecimentos a respeito da proposta de trabalho, 
dizendo-lhes que se trata de uma tentativa de compreensão do que 
está acontecendo com a criança no contexto pessoal, familiar e social. 
Tais esclarecimentos lhes possibilitam entender por que sua própria 
participação no processo é importante e quais são os limites do tra- 
balho. Permitem-lhes também decidir, desde o início do atendimento, 
se estão dispostos a compartilhar deste projeto. 
Ao psicólogo cabe compreender a pergunta trazida. Compreen- 
der é participar de um significado comum, do projeto do cliente, de 
sua abertura e limitações para o mundo. É importante identificar os 
acontecimentos e a forma como se desenvolveram em relação a seu 
contexto, gerando a pergunta, precipitando a crise e levando ao pe- 
dido de atendimento. 
Nas sessões seguintes, através da anamnese, o psicólogo procu- 
ra conhecer as condições familiares e sociais, os vínculos estabelecidos 
e os papéis desempenhados, explicitando-os à medida que os vai 
percebendo e compreendendo. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 31 
O roteiro de anamnese, utilizado na sequência do atendimento, 
permite o conhecimento do desenvolvimento biopsicossocial da crian- 
ça, mas é, sobretudo, uma oportunidade para os pais se debruçarem 
sobre sua experiência passada e presente com o filho, podendo clari- 
ficar sentimentos e expectativas que atuam no relacionamento com a 
criança. Também oferece ao psicólogo a possibilidade de observar 
formas de relacionamento na família, focos de ansiedade, distribuição 
de forças na dinâmica familiar. 
Até este momento, o psicólogo não teve ainda nenhum contato 
com a criança. Contudo, pode começar a formar uma imagem dela a 
partir do que vem sendo comunicado pelos pais. Ele então a explici- 
ta a si mesmo e aos pais. 
Antes de marcar, em torno da terceira ou quarta sessão, o pri- 
meiro contato com a criança, orienta os pais no sentido de dizerem 
ao filho que estão vindo consultar um psicólogo e por que o estão 
fazendo. Nesta hora, às vezes é necessário voltar às fantasias dos pais 
em relação ao atendimento, pois, muitas vezes, eles não conseguem 
dizer ao filho por que estão consultando um psicólogo. Têm medo de 
contar-lhe que procuraram um profissional para falar dele e por que 
o fizeram. Imaginam que a explicitação daquilo que os está movendo
possa fazer com que ele “piore”, “se sinta diferente”. É importante 
mostrar-lhes, neste momento, que suas preocupações estão presentes 
no dia a dia, na forma como agem com o filho, nas observações que 
fazem a seu respeito, nas exigências várias vezes repetidas e nem 
sempre cumpridas por ele. Assim, a criança já pode perceber que algo 
está acontecendo, construindo sua própria compreensão a respeito, 
mesmo que ela não consiga expressar claramente, nem da mesma 
maneira que os adultos, quais são as preocupações a seu respeito. 
Pensamos que a dificuldade dos pais em conversar com a criança a 
respeito da ida ao psicólogo e do motivo da consulta revela a relação 
que eles mesmos mantêm com o atendimento a ser desenvolvido, 
mesmoque, aparentemente, estejam colaborando com ele. 
O primeiro encontro do psicólogo com a criança se desenvolve 
através de uma observação lúdica ou de uma entrevista acompanhada 
32 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
da execução de desenhos, dependendo de sua idade, capacidade e 
possibilidade de expressão verbal e gráfica. A partir daí, as sessões 
com os pais e com a criança são intercaladas. 
Algumas vezes, a partir da observação da criança, é necessário 
pesquisar mais amplamente com os pais certos aspectos da vida e do 
relacionamento que não se tinham mostrado relevantes até este mo- 
mento. Isto porque não haviam sido mencionados anteriormente, ou 
porque, embora tenham sido referidos, o contato com a criança faz 
com que se abram outras possibilidades de compreensão. 
Por sua vez, o psicólogo também confronta aquilo que esperava, 
a partir da compreensão vinda da visão dos pais e o que pode obser- 
var em seus contatos com a criança. Através desses confrontos pode-se 
modificar e ampliar a compreensão anterior, tanto do psicólogo como 
dos pais. 
Uma vez que o psicólogo faz uso de certos instrumentos (testes, 
observações), pertencentes a um cabedal de conhecimentos técnicos 
e à sua disposição para conhecer a criança, é importante que cada 
instrumento utilizado seja discutido com os pais. Os pressupostos 
teóricos sobre os quais este uso se baseia e como o psicólogo chegou 
às suas próprias observações necessitam ser explicitados. Este proce- 
dimento é indispensável para que os pais possam compreender melhor 
a partir de onde e do que o psicólogo está falando, para poderem 
participar das decisões a respeito de quais aspectos seria importante 
investigar, a fim de esclarecer o que está acontecendo com a criança. 
As comunicações a respeito dos instrumentos utilizados também 
servem para desmistificá-los, contextualizá-los, mostrando que eles 
representam bem mais uma possibilidade de enfoque do que uma 
verdade absoluta. 
Consequentemente, há também um conteúdo pedagógico nas 
entrevistas com os pais. Isto é necessário, uma vez que eles não são 
obrigados a conhecer a cultura e os instrumentos da Psicologia. Por 
outro lado, outras vezes, seus conhecimentos, provindos do senso 
comum, podem levá-los a expectativas que não podem ser realiza- 
das. Já que consideramos importante que eles possam participar 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 33 
do trabalho, esta participação deve ser feita a partir de bases comuns. 
É claro que, dependendo do nível socioeconômico e cultural dos 
pais, o psicólogo precisa usar sua linguagem de tal forma a se fazer 
compreender por eles. Ele efetua assim uma espécie de tradu- 
ção dos conceitos teóricos numa linguagem acessível, deven- 
do certificar-se de que sua comunicação está fazendo sentido para 
os pais. 
Ao final do processo, o psicólogo elabora um relatório a respeito 
do atendimento, no qual procura descrever o processo em seus passos. 
Na última sessão, este relatório é lido aos pais, para levá-los a com- 
preender que, em se tratando de uma síntese feita pelo profissional, 
e que síntese implica seleção, é importante eles dizerem se tal síntese 
corresponde a sua própria compreensão do processo. Assim, eles 
podem propor modificações, sugerir alterações, acréscimo ou elimi- 
nação de situações ou de termos. 
Psicodiagnóstico interventivo, na abordagem 
fenomenológica‑existencial: uma mudança de atitude 
Uma das contribuições do psicodiagnóstico interventivo, na 
abordagem fenomenológica-existencial, está na reavaliação do papel 
desempenhado pelo cliente e pelo psicólogo nesta situação. O cliente, 
antes agente passivo, torna-se um parceiro ativo e envolvido no traba- 
lho de compreensão e eventual encaminhamento posterior: é corres- 
ponsável pelo trabalho desenvolvido.3 
A reavaliação da atitude do psicólogo levou a uma mudança de 
postura. O psicólogo não é mais o técnico, o detentor do saber que 
procura oferecer respostas às perguntas trazidas pelos pais. Seus 
conhecimentos teóricos, técnicos e os provindos de sua experiência 
pessoal representam apenas outro ponto de vista. 
3. Encontramos nos textos de Fischer, C. T., ideias das quais compartilhamos.
34 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
A situação de psicodiagnóstico torna-se, então, uma situação de 
cooperação, na qual a capacidade de ambas as partes observarem, 
apreenderem e compreenderem constitui a base indispensável para 
o trabalho. Tanto os pais como o psicólogo observam a si mesmos e
uns aos outros, procurando compreender o que está sendo vivencia- 
do, já que a compreensão dos pais e a do psicólogo são equivalentes 
e compartilhadas. 
O psicólogo aceita as colocações dos pais a respeito daquilo que 
eles observam, pensam e concluem, procurando ampliar seu campo 
de visão, contextualizando a queixa particular para inseri-la em con- 
texto mais amplo. Ele observa e assinala aos pais aquilo que consegue 
apreender da relação deles com o filho e entre si, no caso de compa- 
recimento do casal. Esses assinalamentos não são considerados ver- 
dades, mas apenas possibilidades de compreensão que podem ser 
aceitas ou não por eles. Desenvolve um trabalho alternado de focali- 
zação e ampliação, procurando explicitar o significado dos fenômenos 
para os pais e para si mesmo. 
Em geral, através de suas intervenções, o psicólogo procura 
promover novas possibilidades existenciais na medida em que traba- 
lha com o outro a transformação de seu projeto. O conhecimento que 
o cliente traz é valorizado, sendo a partir dele que as falas do psicó- 
logo terão sentido ou não. Por outro lado, para que a intervenção do 
psicólogo seja eficiente, ela deve pertencer ao campo de possibilidades 
do cliente, margeando aquilo que ele não compreende, uma vez que 
se estiver distante deste campo, poderá não ser entendida ou ser re- 
cusada por ele. 
A partir de seus contatos com a criança, o psicólogo procura 
descrever como compreendeu os comportamentos que lhe apareceram. 
Compartilha com os pais sua experiência acerca de como foi o con- 
tato com a criança a partir das situações propostas, para favorecer a 
observação de como esta última se relaciona consigo mesma, com os 
outros e com o mundo. 
O uso de qualquer instrumento é discutido tanto com os pais 
como com a criança, sendo explicitados o objetivo e os princípios 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 35 
gerais subjacentes a eles. Desta forma, os pais acompanham o estudo 
do filho, exploram as informações, trazem questões e colaboram com 
observações informais do filho em novas situações. 
A partir das conversas com os pais e do conhecimento da crian- 
ça, ainda durante o psicodiagnóstico, o psicólogo pode sugerir alter- 
nativas de ação para os pais. Ele também pode, a partir da compre- 
ensão da dinâmica familiar, dar sugestões a respeito daquilo que lhe 
parecia poder promover um desenvolvimento mais harmonioso. 
Assim, o psicodiagnóstico fenomenológico-existencial envolve um 
trabalho de redirecionamento dos pais a partir da compreensão da 
criança e da dinâmica familiar, com o objetivo de facilitar o relacio- 
namento, propiciar novas formas de interação e abrir novas perspec- 
tivas experienciais. 
O estilo das intervenções do psicólogo 
No início do atendimento, as intervenções são sobretudo explora- 
tórias e visam entender melhor as preocupações dos pais para com a 
criança. Em geral, as perguntas não são consideradas intervenções para 
ajudar os clientes. Entretanto, como lembra Tomm (1987), elas podem 
ter efeitos terapêuticos, seja diretamente, na medida em que elas foca- 
lizem algum aspecto ou tema que não estava explícito, seja indireta- 
mente, através das respostas verbais e não verbais dadas a elas. 
O psicólogo mostra-se compreensivo e acrítico em relação às 
vivências relatadas pelos pais. Em certos momentos, suas intervenções 
se apresentam como possibilidades de compreensão, podendo ser 
feitas a partir das associações dos pais a elas. Pode lançar mão de 
confrontações e incitar ativamente os pais a se defrontarem com suas 
angústias.Em outros momentos, apenas acompanha os pais, permi- 
tindo-lhes falar, sendo suas intervenções de apoio, questionamento 
e/ou ampliação, dependendo do momento. Nesse sentido, várias 
intervenções se colocam no âmbito de conselhos e de informações 
pedagógicas. 
36 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Algumas vezes o psicólogo faz colocações pessoais, visando 
diminuir a distância entre ele e os pais, mostrando-lhes não ser de- 
tentor de um saber. Frequentemente os encoraja e manifesta sua 
simpatia para com eles. 
Em geral, há uma tentativa de salientar os aspectos positivos, 
adaptativos e saudáveis, em detrimento dos patológicos. Dá apoio 
aos pais, procurando favorecer uma mudança do investimento na 
criança, uma crença nas suas possibilidades de crescimento e uma 
tentativa de promover a separação psíquica entre eles e o filho, já que, 
muitas vezes, os filhos são considerados extensão dos pais, portado- 
res de suas ambições e desejos frustrados. Dirige-se o atendimento, 
portanto, no sentido de favorecer uma individualização das partes. 
O ponto de impacto da intervenção, no psicodiagnóstico, é a 
interação pais versus filho, dirigindo-se ao problema de identificações 
recíprocas e projeções.4 
A atitude do psicólogo não é passiva e neutra no sentido de 
acompanhar as associações dos pais. Como há um limite para a du- 
ração do trabalho, estimula-os a se confrontar com suas angústias. 
Para isto, utiliza o princípio de focalização, que consiste em polarizar 
sua atenção sobre um conflito central do qual decorreriam os proble- 
mas principais.5 
A utilização dos testes psicológicos 
Cabem aqui alguns comentários a respeito de como são conside- 
rados os testes nesta forma de atuar. Afinal, trata-se de psicodiagnós- 
tico, apenas com outros pressupostos. 
Para conhecer a criança, o profissional faz uso de diversos ins- 
trumentos, pertencentes ao cabedal de recursos dos quais o psicólogo 
4. Aqui, compartilhamos as ideias de Cramer (1974).
5. Ver também Gilliéron (1990).
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 37 
clínico dispõe para atender a um cliente. Entre estes se destacam a 
observação lúdica, mais utilizada com crianças pequenas, entrevistas 
e testes. 
Frequentemente, em se tratando de dificuldades de aprendizagem, 
é necessário recorrer a testes de nível intelectual. Como se sabe, esses 
testes pertencem à tradição positivista, na qual uma das suposições 
básicas é de que qualquer coisa que exista, existe numa determinada 
quantidade e pode ser medida. 
São muitas as críticas que algumas abordagens em Psicologia 
fazem à utilização deste tipo de instrumento, quando utilizado se- 
guindo as normas da psicometria, mesmo depois de elas serem adap- 
tadas para a população brasileira. Entretanto, a recusa desses instru- 
mentos parece-nos uma atitude extremada, uma vez que pode levar 
à rejeição de possibilidades de interação com a criança nas situações 
propostas pelo teste (uma vez que reproduzem algumas daquelas que 
a criança vive em seu dia a dia). Diante disto, consideramos as situa- 
ções propostas pelo teste de inteligência, por exemplo o WISC III, 
como metáforas de situações vividas pela criança em seu cotidiano 
escolar e mesmo no familiar e no social. Desta forma, buscamos com- 
preender com ela a partir de sua maneira de lidar com os estímulos 
apresentados. O resultado numérico serve apenas de referência para 
uma classificação em relação àquilo que seria esperado para a idade 
da criança. 
Mais relevante para a compreensão do que está ocorrendo com 
ela é a relação estabelecida entre a criança e o psicólogo, durante a 
aplicação dos testes, bem como sua forma de entrar em contato com 
eles: suas inseguranças, a maneira como soluciona os problemas 
apresentados, ou seja, sua postura em geral. O psicólogo conversa 
com a criança a respeito de suas observações, relacionando a situação 
presente às situações que ela vive em seu cotidiano. Assim, o resul- 
tado do teste articula-se com a compreensão do vivido pela criança, 
sendo ela quem orienta as sugestões quanto ao que fazer. 
Situação similar se apresenta quando são utilizados os testes 
projetivos. Estes, por sua vez, provêm da tradição psicanalítica e 
38 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
supõem que o material do teste sirva de suporte a uma projeção glo- 
bal das representações inconscientes, reativadas por um estímulo 
portador de uma problemática latente. Pensamos, em vez disto, que 
as imagens propostas pelo teste possam colocar a criança diante de 
uma situação geradora de possibilidades metaforizadoras, a partir 
das quais ela poderia revelar sua construção do mundo de uma de- 
terminada maneira. 
Resumindo, consideramos os testes organizadores que possibi- 
litam a emergência de vivências que ocorrem no cotidiano da criança. 
Referem-se à experiência em outra situação, permitindo-nos compre- 
ender, junto com ela, como está sendo percebida sua relação consigo 
mesma, com os outros e com o mundo. 
Outros recursos utilizados: a visita domiciliar 
e a visita à escola 
Visita domiciliar 
Propomos, também, a realização de uma visita domiciliar, com 
o consentimento do cliente. Ela permite a observação, in loco, da fa- 
mília, assim como a ressignificação de falas e observações ocorridas 
durante as sessões. 
Visita à escola 
Outro recurso utilizado é a visita à escola. Por essa ocasião, re- 
corre-se a uma entrevista com a professora, à observação da criança 
na sala de aula e no recreio. 
Deste modo, através da visita, podem-se observar e, às vezes, 
redimensionar queixas em relação à criança. Dependendo da dispo- 
nibilidade da escola, ainda torna possível orientar a professora a 
partir da compreensão da criança. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 39 
As repercussões deste trabalho sobre os pais 
Em vários casos estudados, nota-se um movimento dos pais que 
culmina, geralmente, em torno da quinta sessão, quando eles relatam 
modificações em sua compreensão da criança e tentativas de mudan- 
ça em sua forma de se relacionarem com ela, ao mesmo tempo que, 
também, parecem ter perdido seus referenciais, tornando-se depen- 
dentes das indicações do psicólogo. 
Para permitir acompanhar essa observação, voltemos ao início 
do processo. Quando os pais vêm para a consulta, há a possibilidade 
de existência de uma crise. Os contornos desta nem sempre são claros, 
e ela pode não estar sendo reconhecida ou estar sendo atribuída a 
fatores externos ao relacionamento entre pais e filho. Neste primeiro 
momento, portanto, trata-se de clarificá-la, com a finalidade de chegar 
a um consenso quanto ao trabalho a ser desenvolvido. 
Em alguns casos, o trabalho se encerra nesta primeira fase. De 
fato, quando os pais não estão motivados para o trabalho proposto, 
por se mostrar distante de suas expectativas ou muito ameaçador, 
desistem do atendimento. Pensamos que, talvez, este seja um aspecto 
positivo, uma vez que a desistência ocorre no início do processo, evi- 
tando investimentos desnecessários e frustrantes de ambas as partes. 
Em outros casos, porém, é possível instalar-se um campo intera- 
cional, no qual os pais e o psicólogo viverão experiências. A instalação 
e eficácia deste campo dependem tanto dos pais como do psicólogo. 
De fato, ambos precisam estar disponíveis para a possibilidade de 
irrupção do desconhecido e a vivência da angústia, decorrentes do 
rompimento da trama do cotidiano pelo surgimento de algo desco- 
nhecido a ser renomeado. Ou seja, é preciso que a desconstrução da 
imagem do filho, associada a uma maneira de ser dos pais, a sua 
própria forma de construir esta imagem e aos pressupostos implica- 
dos nesta construção, favoreça uma nova construção. Quando e se 
este campo está bem instalado, ele gera as condições para a ocorrên- 
cia de acontecimentos, não importando quem tenha sido o agente do 
trânsito para a nova situação de compreensão. 
40 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Entretanto, enquanto esta nova construção ainda não se deu e a 
antiga encontra-se abalada, é como se os participantes pairassem numa 
espéciede vazio, com a sensação de que perderam o pé, não sabem o 
que fazer. Estes movimentos ocorrem mais intensamente em torno da 
quinta sessão, mas podem surgir até antes. É então que o psicólogo 
deve estar pronto para acompanhar os pais nesta trajetória, tomando 
o cuidado de ajudá-los a tornar estes momentos produtivos.
É esse o momento em que os aspectos terapêuticos do processo 
se manifestam mais claramente. Eles foram sendo preparados e 
aconteceram sem ter sido, obrigatoriamente, formulados através de 
verbalizações. Agora, podem aparecer com a angústia própria à no- 
vidade da situação. O psicólogo pode, a partir desses movimentos, 
avaliar a plasticidade dos pais, ou seja, as possibilidades destes de se 
confrontarem com novas formas de ser com o filho, pois é aqui que 
intervêm sua flexibilidade, sua abertura para possíveis reinterpreta- 
ções das situações vividas, sua capacidade para compreender de 
outro ponto de vista, a fim de se implicarem de outro modo nessa 
relação. 
Insisto, neste trabalho, busca-se sempre focalizar os aspectos saudáveis 
da criança e dos pais, fazendo apelo à abertura de novas possibilidades de 
estar-com em vez da busca de uma adequação a algo considerado “normal” 
pela ciência, respeitando a cultura e o contexto familiar. 
O psicólogo também se defronta com momentos de angústia, 
não sabendo como compreender aquilo que está sendo trazido nem 
qual o caminho a seguir. Para ele, também, é pelas lacunas e ambi- 
guidades entre a expectativa e a vivência que pode procurar um novo 
conhecimento. 
Desse modo, pode-se compreender a importância da elaboração 
do relatório final. É frequentemente neste momento que o psicólogo 
percebe aspectos que não valorizou durante as entrevistas ou que 
foram sendo esquecidos ao longo do processo. O relatório final per- 
mite verificar a consistência e a coerência das conclusões às quais se 
chegou. Ele tem a finalidade de constituir-se em uma síntese do pro- 
cesso, descrevendo o que ocorreu neste período de atendimento. É 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 41 
redigido pelo psicólogo, uma vez que seria difícil que fosse elabora- 
do em conjunto. 
Por essa perspectiva, a leitura do relatório no final do atendi- 
mento se constitui em um momento significativo do processo. Visa 
verificar se ele retrata, também do ponto de vista dos pais, o proces- 
so vivido. A leitura provoca, ainda, um impacto sobre os pais, na 
medida em que eles se confrontam de uma só vez com vários aspec- 
tos de sua experiência mencionados ao longo do processo. 
Para isso, o psicólogo está aberto para alterações do texto, caso 
eles não concordem com este. Nessas ocasiões, o assunto é retomado 
e procura-se chegar a um consenso. Quando isto não é possível, re- 
gistram-se as duas versões, a dos pais e a do psicólogo. 
O follow‑up 
A entrevista de follow-up é realizada com a finalidade de retomar, 
passado algum tempo, a experiência vivida pelos pais durante o 
psicodiagnóstico, a fim de conhecer sua fecundidade e eficácia. Pu- 
demos perceber que, passado um ano do atendimento, as mães 
sentem-se mais seguras para lidar com o filho. Sua compreensão de 
algumas atitudes da criança se alterou, gerando mudanças em sua 
forma de se relacionar com ela. Os pais revelam, também, a capaci- 
dade de separar o que é deles e o que é do filho. Desse modo, dizem 
conseguir aceitar que o filho não seja um prolongamento de si pró- 
prios, para poder ser mais ele mesmo, ainda que isso não coincida 
com suas expectativas, pois passam a apreender as vantagens de o 
filho ser como é. 
Os pais ainda se referem a mudanças do filho que podem fun- 
cionar como elemento de retroalimentação para suas próprias mu- 
danças, mantendo-os atentos e mais abertos em relação a ele. Assim 
sendo, o trabalho realizado através do psicodiagnóstico permite fre- 
42 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
quentemente desdobramentos fecundos no que se refere à compre- 
ensão do filho e a como se relacionar com ele. 
Por outro lado, pudemos perceber que a entrevista de follow-up 
também propicia aos pais uma pausa reflexiva para se confrontar com 
seu momento atual de vida. Afinal, qual o objetivo de um trabalho 
em psicologia clínica? Depende da demanda do cliente no momento 
da procura. Ora, esta pode se modificar ao longo do tempo. As teorias, 
ou seja, as crenças e os padrões utilizados pelas pessoas para lidar 
com sua ansiedade, reduzindo a vivência a algo já conhecido, pareciam 
eficientes, mas podem deixar de sê-lo após um período, levando a 
outras crises em momento posterior. 
Aqui, nos encontramos em um terreno movediço, já que, por sua 
própria condição humana, tanto psicólogo como cliente mudam ao 
longo do tempo. Assim, passados alguns meses, aspectos que não 
haviam sido valorizados na época da realização do psicodiagnóstico, 
relegados a um segundo plano, podem aparecer agora como figura, 
já que o fundo se modificou, tornando necessárias uma reinterpreta- 
ção e uma rediscussão das necessidades no momento atual. 
Nessa perspectiva, o follow-up pode propiciar possibilidades de 
revisão por parte do psicólogo e do cliente, abrindo novos horizontes, 
levando a novas perspectivas. Torna-se, nesse sentido, um momento 
de encontro que pode propiciar acontecimentos. Assim considerado, 
realizar follow-up, prática pouco difundida em nossos meios, pode 
abrir novas perspectivas no campo da pesquisa em Psicologia Clíni- 
ca, além de tornar-se, por si mesma, um momento significativo de 
atenção e cuidado tanto para o profissional como para o cliente. 
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45 
Capítulo II 
Psicodiagnóstico interventivo 
fenomenológico‑existencial 
Marizilda Fleury Donatelli 
Este capítulo tem por objetivo apresentar o psicodiagnóstico 
interventivo, destacando seus pressupostos. Essa prática postulou 
diferenças significativas, tanto no que se refere à postura do psicólo- 
go quanto à postura do cliente. Acrescentou-se ao processo, que se 
caracterizava somente pela investigação, um caráter interventivo. 
Descrevo a seguir os principais aspectos deste modelo de atendimen- 
to psicológico. 
1. Psicodiagnóstico como processo de intervenção
Durante muito tempo, o psicodiagnóstico foi entendido como 
um processo que se desenvolvia a partir de um levantamento de 
dados do cliente (queixa, história de vida pregressa e atual, funcio- 
46 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
namento psíquico etc.), cabendo ao psicólogo analisar esses dados 
com base na nosologia psicopatológica e dar o encaminhamento 
possível para o caso. Evitavam-se, nesse processo, estabelecer víncu- 
lo com o paciente e fazer intervenção, sendo esses procedimentos 
delegados aos processos psicoterápicos. 
Ocampo e Arzeno (1981, p. 13) comentam: 
O psicólogo tradicionalmente sentia sua tarefa como o cumprimento 
de uma solicitação com as características de uma demanda a ser satis- 
feita, seguindo os passos e utilizando instrumentos indicados por outros 
(psiquiatra, psicanalista, pediatra, neurologista etc.). O objetivo funda- 
mental de seu contato com o paciente era, então, a investigação do que 
este faz frente aos estímulos apresentados. 
Fischer, nos Estados Unidos, nos anos 1970, e M. Ancona-Lopez, 
no Brasil, na década de 1980, foram as precursoras na introdução do 
psicodiagnóstico interventivo, o qual, como indica o próprio nome, 
rompe com o modelo anterior, fazendo do atendimento um processo 
ativo e cooperativo. Não se trata apenas de um processo investigati- 
vo; ao contrário, o que fundamentalmente o caracteriza é a possibili- 
dade de intervenção. No psicodiagnóstico interventivo fenomenoló- 
gico-existencial, as questões trazidas pelos clientes são ao mesmo 
tempo investigadas e trabalhadas, a fim de que se possam construir, 
em conjunto, possíveis modos de compreendê-las. 
As intervenções no Psicodiagnóstico Interventivo se caracterizam 
por propostas devolutivas ao longo do processo, acerca do mundo 
interno do cliente. São assinalamentos, pontuações, clarificações, que 
permitem ao cliente buscar novos significados para suas experiências, 
apropriar-se de algo sobre si mesmo e ressignificar suas experiências 
anteriores. 
A esse respeito, Santiago (1995, p. 17) informa que os profissionais 
[...] reconhecem a necessidade de fazer certos apontamentos ao pacien- 
te durante o processo Psicodiagnóstico por considerarem que o trabalho 
alcança uma dimensão mais ampla e compreensiva. Também argumen- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 47 
tam a favor de devoluções parciais e de realizar um trabalho em con- 
junto com o paciente. 
No caso do psicodiagnóstico infantil, esse processo pressupõe a 
implicação da família na problemática, atribuída à criança, na queixa. 
Parte da ideia de que, se a criança apresenta um comportamento que 
atinge os pais, mobilizando-os a procurar por um psicólogo, a família 
está, de algum modo, envolvida no problema. Além disso, como diz 
Yehia (1995, p. 118): 
[...] mesmo sendo a criança a precisar de atendimento psicológico, são 
os pais que arcam com muitos dos custos do atendimento infantil; o 
tempo para levar e buscar a criança, o pagamento das sessões (quando 
estas são gratuitas, o pagamento das conduções) e os possíveis efeitos 
transformadores do atendimento infantil na dinâmica da família. 
Esse modo de compreender o psicodiagnóstico decorre, como 
já mencionado, da concepção de homem e de mundo postulada pela 
fenomenologia existencial, isto é, considera o ser humano como um 
ser sempre em relação, cuja subjetividade se constitui pelas relações 
que o indivíduo estabelece no decorrer de sua existência. Dessa forma, 
os pais ou responsáveis também são clientes e têm participação ativa 
no referido processo. 
2. Psicodiagnóstico como prática colaborativa
O psicodiagnóstico é visto como uma prática conjuntamente 
realizada pelo psicólogo, pelos pais e pela criança. Os pais e a crian- 
ça têm uma participação ativa nesse tipo de diagnóstico; atribui-se 
grande valor às informações trazidas pelos pais, à forma de compre- 
ensão do problema do filho, às explicações prévias, às fantasias e 
expectativas construídas antes e no momento da procura do psicólo- 
go. Nessa medida, não há uma relação verticalizada, pois o psicólogo 
não se põe no lugar de quem “detém o saber”; ao contrário, dialoga 
48 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
com os clientes no sentido de construírem, juntos, possíveis modos 
de compreensão acerca do que está acontecendo com a criança. 
3. Psicodiagnóstico como prática compartilhada
Em tal modalidade de atendimento, o psicólogo compartilha com 
os clientes suas impressões, permitindo que estes as legitimem ou 
ainda as transformem. Entende-se que é no compartilhar de experiên- 
cias e percepções que pode emergir uma nova compreensão, um novo 
sentido, que possibilite diminuir ou eliminar o sofrimento psíquico 
da criança e da família. 
Essa é uma posição derivada da Psicologia Fenomenológica, na 
medida em que entende o indivíduo, em seu “estar no mundo”, como 
uma pessoa consciente, capaz de fazer escolhas e de responsabilizar-se 
por elas, diante de quem se abre um leque de possibilidades. As in- 
tervenções do psicólogo, obtidas por meio de suas percepções, se 
oferecem como possibilidades para ampliar o campo de consciência 
da pessoa, permitindo novas experimentações. 
Para S. Ancona-Lopez (1991, p. 87), o processo de psicodiagnóstico 
interventivo, quando efetuado numa abordagem fenomenológico-exis- 
tencial, “é uma prática colaborativa, contextual e intervencionista”. 
Yehia (1995, p. 120) complementa: “A situação do psicodiagnós- 
tico torna-se então uma situação de cooperação, em que a capacidade 
de ambas as partes observarem, apreenderem, compreenderem cons- 
titui a base indispensável para o trabalho. 
4. Psicodiagnóstico como prática de compreensão das vivências
O registro das experiências que as pessoas vão tendo ao longo 
da vida e às quais atribuem sentido constitui seu campo fenomenal. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 49 
No psicodiagóstico interventivo fenomenológico-existencial, o 
psicólogo busca compreender esse campo fenomenal e evita que as 
explicações teóricas se anteponham ao sentido dado pelo cliente. 
M. Ancona-Lopez (1995) comenta que, quando do desenvolvi- 
mento do processo de psicodiagnóstico interventivo, ocorreu na 
equipe que o desenvolvia uma mudança no modo de compreender 
a relação entre teoria e prática. A prática, embora planejada a partir 
de indicações teóricas, ultrapassa a teoria de referência, expondo o 
psicólogo a experiências que não são abarcadas pelos conceitos teó- 
ricos. Desse modo, torna-se local privilegiado para apontar lacunas 
do conhecimento teórico e produzir questionamentos. Segundo An- 
cona-Lopez, M. (1995, p. 93), 
No Psicodiagnóstico essa posição trouxe como consequência a valori- 
zação do conhecimento pessoal do cliente e de seus pais, assim como 
a necessidade de se trabalhar desde o início de modo conjunto e par- 
ticipativo, evitando guiar-se perante o caso apenas a partir de referên- 
cias teóricas. 
A fim de que possa compreender o campo fenomenal, o psicó- 
logo deve, com os clientes, desconstruir a situaçãoapresentada e 
buscar seu significado principal. Ancona-Lopez (1995, p. 94) discorre: 
A queixa deixou de ser vista de modo isolado para tornar-se via de 
acesso ao mundo do sujeito, a seus objetos intencionais, e aos conflitos 
nele instalados, considerando-se o esclarecimento dos significados ali 
presentes como processo necessário para uma possível re-significação 
e consequente modificação do modo de estar consigo e com o outro. 
A identificação da experiência do outro, bem como seu signifi- 
cado, é uma tarefa que exige, de alguma maneira, que o psicólogo se 
reconheça nesse outro. Portanto, é preciso que haja um envolvimen- 
to existencial; é preciso mergulhar no mundo do cliente, compartilhar 
seus códigos, deixar-se enredar por sua trama de sentidos e, ao mes- 
50 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
mo tempo, conseguir uma distância suficiente que permita refletir 
sobre a situação. 
M. Ancona-Lopez (1995, p. 94), referindo-se a esse aspecto, ob- 
serva que ele se apoia no conceito de intersubjetividade, o qual afirma 
a possibilidade de “reconhecer o outro como um outro eu, que, pos- 
suindo um corpo inserido em um mundo, portador de comportamen- 
tos e construtor de significados, constitui a si e ao mundo”. 
5. O psicodiagnóstico interventivo como prática descritiva
O Psicodiagnóstico, conforme concebido tradicionalmente, bus- 
ca obter um diagnóstico do indivíduo, classificando-o quanto às pa- 
tologias, a partir das definições das características de personalidade 
e fatores específicos, como nível mental e outros. 
O psicodiagnóstico interventivo evita classificações. Não preten- 
de montar um quadro estático sobre o sujeito. É um modelo descri- 
tivo na medida em que faz um recorte na vida da pessoa, em dado 
momento e em determinado espaço, focalizando seu modo de estar 
no mundo, com os significados nele implícitos. 
6. O psicodiagnóstico interventivo e o papel do psicólogo
e dos clientes 
Convém reiterar que os clientes, nesse atendimento, têm um 
papel ativo, participam da construção de uma compreensão sobre o 
que acontece com eles. O psicólogo solicita e valoriza a sua colabo- 
ração na intenção de que o esforço conjunto possa produzir novo 
entendimento para as questões por eles trazidas. 
Desse modo, tanto as experiências do cliente quanto as impressões 
do psicólogo sobre elas são compartilhadas, caindo por terra a ideia 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 51 
de que existem aspectos que não devem ser mencionados pelo psicó- 
logo ao cliente: o importante é como dizer, e não o que dizer. 
Nesse sentido, diz M. Ancona-Lopez (1995, p. 98): 
Pais e psicólogo engajam-se no processo de criação de sentido e, di- 
minuída a assimetria na relação, o conhecimento profissional perde 
seu caráter de verdade, mostrando-se como uma forma possível de 
significação. 
Descrição Do atenDimento em PsicoDiagnóstico interVentiVo 
na abordagem fenomenológico‑existencial 
Essa modalidade de atendimento pode ser realizada individual- 
mente, ou com mais frequência, nas instituições. As etapas do pro- 
cesso são as mesmas, em ambos os casos. Nesta descrição, apresento 
minha forma de trabalhar, individualmente, em psicodiagnóstico 
interventivo fenomenológico-existencial. 
1. Entrevista inicial
Para a entrevista inicial convoco somente os pais. Inicio com os 
cumprimentos e apresentações habituais e deixo-os falar sobre como 
vieram até mim, por que e o que esperam. Em seguida, converso 
sobre minha forma de trabalhar, ou seja, compartilho com eles o fato 
de o psicodiagnóstico ser um processo cujo objetivo é compreender 
aquilo que ocorre com a criança e com eles, pais, na relação com o 
filho, dos motivos que levam a criança a apresentar determinados 
comportamentos, bem como o que é possível fazer para ajudá-la. 
Explico que parto da ideia de que se a criança tem uma dificuldade, 
os pais estão implicados nela, e que, por essa razão, a participação 
deles no processo é fundamental. Enfatizo que não se trata de um 
52 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
diagnóstico feito somente por mim, mas que buscaremos juntos com- 
preender o que se passa, que eles são parte ativa do atendimento, e 
que tanto as informações por eles fornecidas como seu modo de en- 
tender a criança são essenciais para a efetivação do processo. Explico 
ainda as visitas domiciliar e escolar que fazem parte do atendimento 
e que serão realizadas durante seu curso. Combino dia, horário, falo 
a respeito do sigilo. Certifico-me de que os pais compreenderam 
minha fala e pergunto-lhes se concordam com o que apresentei. Pro- 
curo, por meio de seu discurso, entender as expectativas em relação 
ao processo. Busco entender os aspectos manifestos e latentes da 
demanda. Deixo que eles falem sem interrupções. As eventuais dú- 
vidas ou perguntas que tenha a fazer deixo para depois que os pais 
derem sinal de que concluíram o que tinham para comunicar. Procu- 
ro observar os temores, as fantasias, as angústias que eles demonstram 
ao se referir à criança, a si mesmos e à vida de modo geral. Começo 
a notar quais são as explicações que constroem para dar conta de sua 
queixa, dos sintomas apresentados pela criança. A esse respeito, M. 
Ancona-Lopez (1995, p. 98) relata: 
O valor atribuído à escolha, responsabilidade e autonomia do cliente 
para imprimir direções à sua existência leva os psicólogos a privilegiar 
na relação clínica a participação dos pais, a valorização do esforço 
pessoal e a abrir espaço para as crenças e construções explicativas que 
criaram para dar conta das angústias levantadas pelos conflitos gerados 
pelos papéis, funções e jogos familiares. 
No caso de comparecer o casal, tento compreender se ambos têm 
as mesmas demandas e se atribuem a elas os mesmos significados. 
Desse modo, vou sendo transportada para outro universo que não é 
o meu, mas no qual, de algum modo, também me reconheço. Assim
Yehia (1995, p. 120) diz: 
Compreender é participar de um significado comum, do projeto do 
cliente, de sua abertura e limitações para o mundo. É importante iden- 
tificar os acontecimentos e a forma como se desenvolveram em relação 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 53 
a seu contexto, gerando a pergunta, precipitando a crise e levando ao 
pedido de atendimento. 
Após essa primeira imersão na teia de significados construídos 
pelos clientes, procuro fazer eventuais intervenções de esclarecimen- 
to e pontuações, de tal forma que possa compartilhar com eles minhas 
impressões e eles possam ou não legitimá-las. É nessa interação entre 
o que eles me falam e o que eu apreendo do que me dizem que vamos
estabelecendo um modo de trabalho que permite emergir de nós 
possibilidades de compreensão. 
Geralmente, verifico se a sessão atendeu ao objetivo, que é a 
contextualização da queixa e o esclarecimento da forma de trabalho 
e, caso ainda existam dúvidas, conversamos sobre o prosseguimento 
da entrevista no próximo encontro, no qual pretendo também aclarar 
determinados pontos. Informo aos pais que o atendimento posterior 
será destinado a conhecer a história de vida da criança e que, prova- 
velmente, dedicaremos a esse tema um ou dois encontros. 
2. História de vida da criança
O segundo encontro destina-se à anamnese, que pode ser feita 
de duas formas. Segundo M. Ancona-Lopez (1995), é possível entre- 
gar o questionário de anamnese aos pais, que o levam para casa e lá 
o respondem. Quando retornam ao atendimento, conversam com o
profissional sobre suas respostas e sobre como responderam ao ques- 
tionário: se apenas o pai ou a mãe o fez ou se a família se reuniu em 
torno dos temas, revivendo sua história, se consultaram outros mem- 
bros da família em relação às informações etc. Outra forma de enca- 
minhamento da questão é entrevistar os pais ou responsáveis duran- 
te o atendimento. Essa é a maneira que prefiro utilizar em meu 
trabalho, pois me permite ver, sentir as emoções que os pais refletem 
a cada pergunta ou cada etapa da vida do filho. Isso me dá condições 
54 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
 
 
de observar tanto o comportamentoverbal como o não verbal en- 
quanto falam da criança. 
Começo a história de vida da criança pelo período em que os 
pais se conheceram. Converso sobre os planos e os projetos daquela 
época, sobre namoro, casamento e gravidez. A partir daí, sigo o ro- 
teiro clássico de anamnese; entretanto, faço perguntas abertas, às quais 
os pais respondem livremente. Detenho-me nas especificidades ape- 
nas se isso for necessário, ou seja, caso não tenham sido mencionadas 
no discurso do casal. Meu objetivo é sempre o mesmo: penetrar na- 
quele mundo repleto de significações, entender o projeto de vida, 
desvendar o sistema de valores, de crenças, o modo de ser. Nesse 
ponto, na tentativa de alinhavar os dados da queixa com os da anam- 
nese, formulo aos pais hipóteses sobre o que pode estar acontecendo, 
para que eles contribuam com elementos que as ampliem. A ideia 
embutida nesse procedimento é apresentar novas formas de ver a 
situação, novas possibilidades de pensar o fenômeno em questão. 
Além disso, procuro verificar como os pais reagem diante delas, como 
as analisam e o que está em jogo nessa análise. 
M. Ancona-Lopez (1995, p. 100) refere: 
O cuidado em apresentar hipóteses como possibilidades interpretativas 
e de escutar como e em relação a que os pais as examinam esclarece as 
redes cognitivas, ou seja, a teoria subjetiva que construíram a esse 
respeito. 
 
 
Caso conclua a anamnese em um único encontro, digo aos pais 
que tragam a criança para o próximo atendimento. Se isso não ocor- 
re, aviso sobre a continuidade da entrevista. 
 
 
 
3. Contato inicial com a criança 
 
 
Inicio o primeiro contato com a criança apresentando-me: infor- 
mo que sou psicóloga e pergunto-lhe se ela sabe o que faz um psicó- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 55 
logo, bem como se conhece os motivos pelos quais foi trazida a esse 
atendimento. Caso a criança responda afirmativamente, converso 
sobre a queixa por ela identificada, buscando que sentido tem isso 
para ela, que significado dá ao fato de estar ali. Meu propósito é co- 
nhecer quais fantasias e temores ela expressa diante do problema e 
do atendimento propriamente dito. Por outro lado, se a criança res- 
ponde negativamente à pergunta inicial, explico a ela, genericamen- 
te, que um psicólogo conversa com as pessoas para auxiliá-las em 
suas dificuldades. Comento que as crianças vão ao psicólogo por 
motivos diversos, como desempenho escolar, relações com mãe, pai, 
irmãos ou colegas, descontrole de esfíncteres etc. Em seguida, per- 
gunto-lhe se sabe por que razão está ali; se dessa feita ela consegue 
expressar sua visão do assunto, prossigo o diálogo conforme descre- 
vi há pouco. Quando ocorre de a criança negar algum conhecimento 
a esse respeito, duas condutas são possíveis. Se percebo que a crian- 
ça não pode se expressar por algum motivo, mas não está em uma 
posição distante ou defensiva em relação a mim, informo a ela, ou 
seja, explico que seus pais a trouxeram por estarem preocupados com 
determinado comportamento seu. Entretanto, se noto que a criança 
não fala sobre o motivo da consulta, pois este lhe causa ansiedade e 
sofrimento, e noto ainda que ela se encontra distante e defensiva em 
relação a mim, digo-lhe que entendo que naquele momento ela não 
possa falar sobre o fato e que, na ocasião em que se sentir em melho- 
res condições, poderemos voltar ao assunto. 
Evidentemente, todas essas informações são dadas em uma lin- 
guagem que a criança possa entender. Depois dessas preliminares, 
combino data e horário, falo sobre o sigilo da relação e aviso que 
manterei contato com seus pais, mas não lhes falarei a respeito do 
que ela fez ou contou no consultório, e sim de minhas interpretações 
e percepções sobre seu comportamento e que tudo isso será também 
conversado com ela. 
A primeira sessão com a criança é uma observação lúdica. Para 
realizá-la, trabalho com caixa lúdica, cujo conteúdo inclui material 
gráfico: lápis preto, de cor e de cera, papel sulfite, canetas coloridas, 
56 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
tinta, pincel; bonecos da família; animais, índios e soldados de plás- 
tico; jogos de varetas, dominó, quebra-cabeça, mico, damas; móveis 
de casa como cama, sofá, armário, mesa, cadeiras, fogão, geladeira; 
utensílios domésticos, ou seja, panelas, garfos, facas, colheres, pratos; 
revólver e/ou espada; carros de diferentes tipos, como automóvel, 
carro de polícia, ambulância; bacia e pano. 
Apresento a caixa fechada para a criança, pois me interesso em 
observar se ela toma a iniciativa de abri-la, se espera por minha aju- 
da para fazê-lo, enfim, para ver qual sua reação em situação desco- 
nhecida. Digo a ela que pode abrir a caixa e que pode brincar da 
forma como quiser com o que está lá dentro. 
Se a criança solicita que eu brinque com ela, eu a atendo, toman- 
do o cuidado de perguntar o que quer que eu faça, que papel devo 
representar ou quais são as regras do jogo que pretende jogar. 
Durante a sessão, converso com a criança a respeito de sua pro- 
dução e tento estabelecer relações entre seu comportamento no aten- 
dimento e suas ações em sua vida, de modo geral. Além disso, pro- 
curo observar e compreender a natureza e o conteúdo do seu brincar: 
se há criatividade; se há agressividade; se reproduz aspectos de sua 
vida, ou melhor, tento entender qual é sua lógica, sua realidade. 
Sempre que possível, faço assinalamentos a ela, com a expectativa de 
que possa referendar e ampliar minhas percepções. 
Segundo M. Ancona-Lopez (1995, p. 108), é importante, “ao final 
de cada sessão, conversar com a criança sobre as observações feitas, 
sempre usando as situações clínicas como metáforas das situações 
vividas”. 
4. Sessões devolutivas com os pais
Esses encontros são realizados alternadamente entre criança e 
pais. Neles, compartilho minhas percepções sobre a criança, seu 
comportamento no atendimento e como eles se articulam com a 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 57 
queixa de modo geral. Trabalho também os sentimentos dos pais 
diante da situação, suas angústias e possibilidades de ajuda à crian- 
ça. Discuto com eles a respeito dos procedimentos que vou utilizar 
e quais as motivações de minha ação. Dependendo do que percebo, 
faço orientações que, a meu ver, permitam melhor desenvolvimen- 
to da criança. Entretanto, procuro levar em consideração a disponi- 
bilidade, os recursos internos e as características de comportamen- 
to dos pais para que tais orientações não tenham o tom de uma 
“receita médica”. Procuro fazer com que os pais se apropriem delas 
ou mesmo as sugiram, a partir da aliança que estabelecem comigo, 
no sentido de dar conta da situação que os aflige. Assim, Yehia (1995, 
p. 119) diz:
Desta forma, o Psicodiagnóstico Fenomenológico-Existencial envolve 
um trabalho de redirecionamento dos pais a partir de uma compreen- 
são da criança e da dinâmica familiar, com o objetivo de facilitar o re- 
lacionamento, propiciar novas formas de interação e abrir novas pers- 
pectivas experienciais. 
5. Encontros com a criança: uso de testes psicológicos
Nas sessões com a criança posso usar testes psicológicos, obser- 
vação lúdica, recursos como colagens, ou ainda intercalar essas e 
outras estratégias. A escolha do procedimento a ser utilizado é feita 
caso a caso, dependendo das peculiaridades de cada criança e do 
decorrer do atendimento, não existindo, portanto, um conjunto padrão 
de procedimentos definidos anteriormente. 
Os testes psicológicos, em sua maioria, foram concebidos como 
instrumentos objetivos, capazes de medir e avaliar aspectos de per- 
sonalidade, independentemente da relação estabelecida com o exa- 
minador e da história de vida da pessoa. Assim, seus resultados se 
apresentam como definições objetivas a respeito do cliente. Essa não 
é a forma como compreendo as informações obtidas a partir dos 
58 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
testes psicológicos. Acredito que os resultados de qualquer teste só 
podem ser compreendidos no contexto das experiências do indivíduo 
e que as interpretaçõespodem ou não ser legitimadas pelo cliente. 
Essa visão a respeito dos testes psicológicos foi inicialmente formu- 
lada por Fischer (1979), ao propor um “diagnóstico centrado na vida”. 
M. Ancona-Lopez (1987, p. 62), ao falar dos testes psicológicos e de 
seu uso, considerou que os psicólogos das abordagens fenomenoló- 
gico-existenciais, na década de 1970, teceram críticas à maneira tra- 
dicional como os testes eram usados e apresentaram uma nova visão 
no que diz respeito à utilização deles: 
Na avaliação dos testes, esses psicólogos procuravam, conjuntamente 
com o cliente, explorar o significado dado às várias partes dos testes e 
às avaliações que se podia extrair delas. Buscavam novas informações 
e solicitavam ajuda para compreender melhor as respostas. Os resulta- 
dos objetivos dos testes, os escores, eram considerados como dados 
secundários, válidos apenas como referências das instâncias para as 
quais haviam sido estabelecidos, e estas eram explicadas ao sujeito. 
Ao usar um teste, minha intenção é conhecer o funcionamento 
da criança, quais são os mecanismos dos quais se utiliza em sua vida. 
Valorizo a análise qualitativa dos testes e não tenho a intenção de, a 
partir deles, categorizar, classificar ou definir patologias no compor- 
tamento do cliente. Pretendo compreender o comportamento da 
criança no teste, articulando-o com suas experiências de vida. 
Assim, costumo apresentar à criança minhas percepções ou hi- 
póteses sobre suas produções no teste, relacionando-as com sua vida. 
Procuro verificar se minhas observações fazem sentido para ela e se 
pode acrescentar algo ao que foi dito. Essas percepções também são 
discutidas com os pais. S. Ancona-Lopez e Corrêa (2004, p. 379), re- 
ferindo-se ao uso de testes psicológicos, comentam: 
A característica principal do uso de testes nessa abordagem é o fato de 
que tanto a aplicação quanto a avaliação são compartilhadas com o 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 59 
cliente. Isto é, a compreensão dos testes é coconstituída, é construída 
em conjunto pelo psicólogo e seu cliente [...] 
6. Visita escolar e vista domiciliar
Durante o processo de psicodiagnóstico, usualmente faço duas 
visitas: uma à escola da criança e outra a sua casa. Essas visitas têm 
por objetivo entender a criança em relação às circunstâncias em que 
vive. Procuro comunicar aos pais e à criança as razões da visita esco- 
lar. Marco o contato por telefone e, geralmente, deixo a critério da 
escola a indicação da pessoa com quem devo falar. Na visita, procuro 
observar as instalações da escola, suas possibilidades, sua conservação. 
Pergunto ao responsável sobre as condições de ensino, o desempenho 
escolar da criança e seu relacionamento com colegas e professores. 
A visita domiciliar só ocorre se a família concordar. Ela é agen- 
dada previamente em horário determinado pela família. Peço que ela, 
na medida do possível, esteja reunida. Durante a visita interesso-me 
por observar a casa, suas condições de cuidado e higiene, os móveis, 
enfim, a parte física. Entendo que ela mostra e elucida a maneira como 
aquela família está no mundo. Acompanho as conversas durante as 
visitas sem deixar de considerar que elas podem estar, naquele mo- 
mento, influenciadas pela presença do psicólogo. 
Corrêa (2004, p. 62) diz que os 
espaços cotidianos da vida são modelados e modificados de acordo 
com a imagem do mundo que cada um carrega dentro de si e que é, 
por sua vez, constituída por pessoas, lugares, valores, experiências, 
acontecimentos associados a sentimentos. Esse mundo interno é proje- 
tado sobre os espaços e sobre os objetos, o que produz uma configura- 
ção, provoca associações, estabelecendo uma via de mão dupla entre o 
mundo interior — eu — e o espaço exterior — mundo. Ou seja, essa 
ligação entre o espaço — mundo concreto — e subjetividade — mundo 
abstrato — estabelece uma relação de similaridade entre eles. 
60 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
7. Últimas sessões com os pais
Nas últimas sessões com os pais, tenho cinco objetivos: 
1. Alinhavar as percepções ocorridas durante o processo, ou
seja, estabelecer um fio condutor que delineie o que foi tra- 
balhado aos poucos, produzindo uma gestalt.
2. Trabalhar o desligamento do processo de psicodiagnóstico,
já que nesse trabalho conjunto se estabelece uma forte alian- 
ça com os pais e a criança, cujo rompimento produz senti- 
mentos diversos que merecem ser discutidos e trabalhados.
3. Avaliar conjuntamente o processo, em que aspectos atingimos
nosso objetivo em comum, no que mudamos etc.
4. Apontar os aspectos importantes que podem permitir aos
pais e à criança continuar suas vidas mais fortalecidos.
5. Trabalhar eventuais encaminhamentos ou o desligamento do
consultório ou instituição.
8. Relatório final
Ao final do processo, faço um relatório escrito, do qual constam 
as informações dadas pelos clientes, as questões trabalhadas durante 
o diagnóstico, enfim, tudo o que fez parte do atendimento. Ele é
descritivo e é lido na íntegra para os pais, que podem retirar ou 
acrescentar algo ou ainda sugerir modificações. 
M. Ancona-Lopez (1995, p. 104) diz: 
Elabora-se um relatório descritivo do caso, contendo os encaminha- 
mentos decididos em comum, assim como os pontos de discordância 
entre pais e profissionais e este é lido para os pais e transmitido às 
crianças, em linguagem acessível, como um modo de fechar o trabalho, 
já que relata o processo da primeira à última sessão. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 61 
9. Devolutiva final para a criança
O fechamento do processo para a criança pode assumir dife- 
rentes formas. Uma delas consiste em fazer um livro cuja história é 
a própria história da criança. Esse procedimento baseia-se nas pro- 
postas de Fisher (1998),1 desenvolvidas no Brasil por Becker (2001, 
2002); Donatelli et al. (2001, 2004); Santiago (2001) Santiago et al. 
(2003). 
Quando monto o livro, faço o texto acompanhado por legendas 
e gravuras, cujos personagens são representados por animais pelos 
quais a criança tenha manifestado preferência. O enredo em si con- 
templa a história de vida da criança, seus conflitos e o próprio aten- 
dimento psicodiagnóstico. O livro não contém nome do autor tam- 
pouco o nome da criança, e é lido e entregue a ela no último 
atendimento. O propósito é que a criança leve consigo algo que lhe 
permita continuar elaborando aquilo que, por alguma razão, não pôde 
ser elaborado até aquele momento. 
A esse respeito, Santiago (2001, p. 34) refere: 
No livro de história trabalhamos basicamente com analogias, o que 
permite à criança uma compreensão de sua problemática na medida 
de suas possibilidades egoicas. Neste sentido, o livro relata a história 
de um personagem com o qual a criança possa se identificar: mas, ao 
contrário de suas produções, não necessariamente terá que relacioná- 
-lo consigo mesma. Supomos que o trabalho de elaboração psíquica 
pode ocorrer após o encerramento do psicodiagnóstico, visto que o 
livro é entregue a ela no final do processo, e seu texto ou gravuras 
podem servir de estímulo para que gradativamente se aproprie das 
analogias. 
1. Constance Fisher, psicóloga norte-americana, que, em palestra proferida na PUC-SP, 
em 1998, relatou o fato de dar devolutivas a crianças com poemas, músicas e cartas. 
62 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
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65 
Capítulo III 
O psicodiagnóstico interventivo
sob o enfoque da narrativa
Giuliana Gnatos Lima Bilbao 
Neste artigo, tratarei o psicodiagnóstico a partir do enfoque do 
discurso, mais especificamente da narrativa. Segundo o dicionário 
(Ferreira, 1986), a palavra discurso está associada a expor com méto- 
do, raciocinar, discorrer, dar largas explicações, discutir. O discurso 
seria, pois, o resultado de um processo de raciocínio, explicação, 
exposição. Essa definição sugere que o discurso é algo que revela um 
conteúdo por meio desse processo. Essa é a maneira mais usual de 
compreender o discurso e é a que prevalece no senso comum. 
O psicodiagnóstico, tomado como um processo de intervenção 
(Ancona-Lopez, 1995), evidencia que o discurso não é a mera expla- 
nação de algo já pronto ou o resultado de um simples raciocínio sobre 
o que já está devidamente delimitado, esperando o momento de ex- 
posição através da fala. 
Ao contrário, as palavras vão se juntando em histórias, que ora 
trazem momentos do passado e do futuro, ora levantam percepções 
66 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
e sentimentos que assumem formas não previstas pela própria pessoa, 
como no giro de um caleidoscópio. A construção e a descoberta do 
inesperado surgem no discurso. Criam-se significados, alguns nebu- 
losos, outros sequer cogitados, outros ainda surpreendentes ou difíceis 
de admitir. Eles provêm da movimentação desencadeada no proces- 
so do discurso. Em suma, no discurso, a palavra revela o seu poder. 
Benjamin (1936) trata de uma das formas possíveis de discurso: 
a narrativa. Segundo ele, as narrativas são formas de comunicação 
florescentes no mundo artesão de outrora e que corriam as cidades, 
os campos e os mares. Nas narrativas não se pretendia transmitir a 
coisa narrada como mera informação; o que importava era o próprio 
relato das circunstâncias, da experiência vivida. O narrar se dava em 
um trabalho artesanal. Essas narrativas foram substituídas, gradual- 
mente ao longo da história, por outro tipo de comunicação: a infor- 
mação. Enquanto a narrativa traz, de maneira viva, o acontecimento 
vivido, a informação é destituída da experiência vivida. A informação 
precisa ser suficiente em si e para si e precisa ser plausível e passível 
de verificação. Já a narrativa é aberta, dá liberdade ao leitor para 
interpretar a história contada e não tem compromisso com a verdade 
tomada no sentido factual, objetivo. Por esse caráter livre e aberto, a 
narrativa não se submete à organização da vida na sociedade moder- 
na e cai em desuso. 
Na visão de Benjamin (1936), a pobreza na comunicação que se 
evidencia na sociedade da informação aproxima-se do empobreci- 
mento da própria experiência humana e, talvez, essa última seja 
efeito da primeira. Benjamin (1936) denuncia, assim, um modo de ser 
carente de histórias surpreendentes, ainda que repleto de notícias de 
todo o mundo. 
A situação específica do psicodiagnóstico interventivo, vista à 
luz das colocações de Benjamin, mostra que, ao falar de seus filhos e 
de suas vidas, os pais não estão apenas dando informações sobre o 
desenvolvimento, a dinâmica familiar, a escola etc. Eles estão, antes 
de tudo, narrando uma história cheia de experiências: “o narrador 
retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 67 
relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência 
dos seus ouvintes” (Benjamin, 1936, p. 201). Ao narrarem, os pais 
mostram mais do que os fatos acontecidos, mas as suas maneiras de 
significar esses fatos, seu olhar sobre eles, a maneira como se sentem 
impactados. Se o ouvinte estiver suficientemente disponível à escuta, 
sentirá que a narrativa toca a sua própria experiência. 
Por analogia, o processo se dá como o do artesão que modela 
sua escultura com determinada porção de argila: os pais, ao narrarem 
suas histórias, dando-lhesforma, impactam nossas experiências, e 
esse impacto nos ajuda a compreendê-los. Certamente o que dizemos 
aos pais também os afeta, continuando a modelagem do bloco de 
argila, em um processo de vai-e-vem. 
No mesmo ano em que Benjamin escreve O narrador, Husserl 
escreve A crise da humanidade europeia e a filosofia. Ainda que os textos 
sejam diferentes em seu conteúdo específico, ambos se aproximam 
em um ponto: são um convite ao resgate da experiência humana. 
Enquanto Husserl (1936) salienta a necessidade de a filosofia e a 
ciência voltarem à experiência, às coisas mesmas, Benjamin (1936) 
ressalta a importância da narração como uma maneira de significar 
a experiência humana. 
Husserl (1936) postula a inexistência de um conhecimento pu- 
ramente subjetivo ou puramente objetivo e nega a dicotomia sujeito 
-objeto. Ele afirma que a consciência é intencional, puro movimento 
que se contitui a si mesmo, constituindo objetos intencionais. A 
consciência é, pois, sempre consciência de algo que é sempre algo 
para uma consciência, indissociavelmente. Nessa unicidade consci- 
ência-objeto, somos sujeitos em contínuo processo de criação de 
objetos, fatos, relações, significados e, ao constituí-los, constituímos 
a nós mesmos. 
Esses pressupostos refletem-se no modo de se aproximar das 
histórias contadas pelos pais no processo de psicodiagnóstico inter- 
ventivo: o primeiro remete à noção de que aquilo que é contado não 
deve ser entendido como uma verdade no sentido objetivo, pois se 
dá em uma consciência atribuidora de significados; mas aquilo que 
68 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
é contado, o que é vivido pelos pais, é a sua verdade. Uma segunda 
aproximação diz respeito ao movimento: se, no campo intencional, 
criamos o mundo e a nós mesmos e criamos significados, esses são 
mutáveis, pois o processo intencional é contínuo movimento. Assim, 
a história contada é uma narrativa, ela é aberta aos novos significados 
que surgem no próprio processo de narrar e origina-se na experiência 
vivida. Ela é a modelagem contínua da argila e não o retrato de uma 
escultura acabada. 
Os pais, ao contarem as histórias de suas vidas e da vida de seus 
filhos, mergulham em sua própria experiência, e nós, psicólogos, 
procuramos acompanhá-los nesse mergulho. Nesse processo, alguns 
conteúdos aparecem, outros desaparecem, significados surgem e 
ressurgem, transformam-se, produzem novas formas de compreensão. 
O psicodiagnóstico interventivo não é, pois, um mero processo de 
investigação, mas é uma aventura dinâmica de construção artesanal, 
realizada a várias mãos: do psicólogo, das crianças, dos pais e das 
demais pessoas envolvidas no processo. Ao narrar a história, os pais 
mergulham e encontram fatos antigos, projetam expectativas, outras 
histórias... podem pegá-los nas mãos debruçar-se sobre eles, pensar, 
repensar, re-significar. No bojo dessa maneira de conduzir o psico- 
diagnóstico interventivo existe a concepção de que todo homem está 
em movimento, é capaz de re-viver suas experiências ao relatá-las e 
é capaz de modificá-las atribuindo-lhes novos significados e acres- 
centando outros. O homem não é um objeto a ser esmiuçado com 
lentes investigativas, mas é alguém que participa conosco de um 
processo dinâmico de descoberta e construção. Como dizem Granato 
e Aiello-Vaisberg (2004): 
frequentemente nos deparamos com trabalhos de investigação que 
exibem ora uma tendência à teorização excessiva, hermética e estéril, 
ora a catalogação obsessiva de “dados”, na esperança de desvendamen- 
to do enigma do sofrimento humano. Da primeira situação chegamos 
ao homem-abstrato e da segunda, ao homem-máquina, porém essas 
aproximações parecem nos distanciar ainda mais do homem em seu 
acontecer, aquele que na pesquisa clínica se nos apresenta diante dos 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 69 
olhos, em toda a sua humanidade, mas que, desolado, encontra apenas 
a recusa de nosso olhar. (p. 267) 
Uma tia,1 certa vez, veio procurar atendimento psicológico, pois 
sua sobrinha estava com problemas na escola. Em seu discurso, não 
ficava muito claro que problemas eram esses. A tia sempre alegava 
que tinha medo de que a garota tivesse problemas, pois sua mãe tinha 
uma namorada do mesmo sexo, tinha saído de casa e deixado a ga- 
rota com ela, a tia. Por volta da quarta sessão, ela parou de falar da 
sobrinha e começou a narrar a sua história e a de sua irmã. Desde a 
adolescência, a relação entre elas foi muito conflituosa, com dificul- 
dades de comunicação e discussões. Disse que a amava, mas não 
podia entender “como ela podia gostar de outra mulher”, ou melhor, 
ela entendia, mas não podia aceitar. Nesse ponto do diálogo, a tia 
caiu em prantos, e o discurso que estava nebuloso e focado na sobri- 
nha, ganhou uma nova consistência, uma vivacidade diferente. Ela 
havia conseguido arriscar e mergulhar em sua própria experiência. 
No final, concluiu que era ela quem precisava de ajuda, o sofrimento 
era dela. O problema emergiu de determinada forma — minha sobri- 
nha está sofrendo —, mas ele ganhou um novo sentido no decorrer 
do processo — eu estou sofrendo. O espaço do psicodiagnóstico in- 
terventivo é esse espaço que possibilita mudanças; na medida em que 
algo pode ser experienciado e falado, uma transformação ocorre; uma 
transformação não meramente cognitiva, intelectual, mas existencial. 
Modifica-se o posicionamento, a forma de ser da pessoa. 
A tia não estava “escondendo” a situação, mas, ela própria não 
sabia aonde o mergulho iria levá-la. Ao estar ali, narrando, sentindo 
e refletindo, pensamento e fala se uniram e criaram novas configura- 
ções, entrelaçando-se, interpenetrando-se e transformando os inter- 
locutores. Merleau-Ponty (1945) coloca: “Assim a fala não traduz, 
naquele que fala, um pensamento já feito, mas o consuma” (p. 242). 
1. Informações sobre os casos foram alteradas ou omitidas a fim de preservar a identidade 
dos clientes. 
70 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Falar e pensar são indissociáveis na existência do sujeito. Esse autor 
ainda nos diz: 
Se a fala pressupusesse o pensamento, se falar fosse em primeiro lugar 
unir-se ao objeto por uma intenção de conhecimento ou por uma repre- 
sentação, não se compreenderia por que o pensamento tende para a 
expressão como para seu acabamento, por que o objeto mais familiar 
parece-nos indeterminado enquanto não encontramos seu nome, por 
que o próprio sujeito pensante está em um tipo de ignorância de seus 
pensamentos enquanto não os formulou para si ou mesmo disse e es- 
creveu, como o mostra o exemplo de tantos escritores que começam um 
livro sem saber exatamente o que nele colocarão. Um pensamento que 
se contentasse em existir para si, fora dos incômodos da fala e da co- 
municação, logo que aparecesse cairia na inconsciência, o que significa 
dizer que ele nem mesmo existiria para si. (Merleau-Ponty, 1945, p. 241) 
É através da fala que o pensamento se cumpre e as significações 
se dão, pois falar é encontrar a experiência no momento, como surge 
perante o outro e perante o próprio ser falante. A fala é o próprio 
manifestar e desdobrar do ser. A narrativa dos pais é, pois, um mo- 
vimento existencial. Assim, 
Não poderemos mais admitir, como comumente se faz, que a fala seja 
um simples meio de fixação, ou ainda o invólucro e a vestimenta do 
pensamento (...) É preciso que, de uma maneira ou de outra, a palavra 
e a fala deixem de ser uma maneira de designar o objeto ou o pensa- 
mento para se tornarem a presença desse pensamento no mundo sen- 
sível e não sua vestimenta, mas seu emblema ou seu corpo (p. 247). 
É inegável que as palavras estão disponíveis no mundo segundo 
o legado de determinada cultura, e cada pessoa faz uso delas para se
fazer entender pelo outro. Este é o caráter não original da palavra. 
Usar palavras pode ser um ato quase automático, em que o ser falan- 
te procura, dentre as palavras existentes, aquela que melhor se ajusta 
àquilo que ele quer dizer. Mesmo assim, cada ser faz uso das palavras 
PSICODIAGNÓSTICOINTERVENTIVO 71 
de maneira própria e segundo sua própria história, segundo seu es- 
tilo pessoal e, ainda que se sirva de um material consensual, ofereci- 
do pela cultura — as palavras existentes —, toda fala tem um caráter 
inaugural, pois novos sentidos são acrescentados às palavras existen- 
tes pelo próprio viver dos homens e pelo modo como as usa. Mesmo 
tendo um significado compartilhado em determinada cultura, as 
palavras mudam de significado ao longo do tempo. 
Colocar-se à disposição de um outro que vem buscar ajuda é 
estar diante da tarefa de compreender as significações que a narrati- 
va tece, procurar um encontro com o outro através da fala, dos sen- 
tidos ali impregnados. Que sentidos tem a fala de uma mãe quando 
diz: “meu filho é nervoso” ou “meu filho é bagunceiro”? Quais os 
sentidos da fala de uma garotinha que diz: “minha mãe morreu”, 
quando a mãe está bem viva na sala de espera? Quais os sentidos de 
uma criança que diz :“eu comi só um pouquinho”, quando sua mãe 
conta que ela comeu o pote inteiro de doce? As narrativas nos ajudam 
a construir artesanalmente os diferentes sentidos. 
Para Amatuzzi (2001), “descobrir o sentimento e despertar a ex- 
periência primordial são também formas de romper o silêncio” (p. 26). 
Ao pronunciarem suas experiências, os pais também as escutam e 
podem vê-las e senti-las melhor, e os significados articulados começam 
a se transformar. 
Certa vez, uma mãe chegou aflita dizendo que suas filhas “não 
eram o que deviam ser”2 e, para que elas fossem, a mãe tomava me- 
didas de grande autoritarismo. Ela estava certa de que, se fizesse com 
que entendessem a importância dos estudos e das regras, teria filhas 
ótimas, preparadas para a vida. Percebíamos certa sisudez em seu 
modo de falar e, quando levada a refletir sobre suas atitudes, era 
evasiva e exigente. Dizia: “mas elas têm que aprender, eu quero as 
melhores filhas do mundo, toda mãe quer que os filhos sejam perfei- 
tos”. Ela acreditava que suas filhas não a obedeciam porque ainda 
2. Ressalto que as frases entre aspas no texto são meramente ilustrativas do sentido essencial 
da fala, não são frases literais dos clientes. 
72 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
não haviam compreendido “como devia ser”, “eram folgadas”, e ela 
ficava, obstinadamente, ao lado delas, explicando regras, a necessi- 
dade de fazer lições de casa para ser “alguém na vida”. As filhas, por 
sua vez, durante o psicodiagnóstico interventivo, demostravam mui- 
to medo de represálias e mostravam-se travadas em sua liberdade de 
experimentar as coisas. Nada podia “dar errado”, essa era a mensagem 
que traziam de casa. A exigência de perfeição e a constante vigilância 
da mãe tornava difícil conseguir alguma liberdade para brincar, para 
falar, e, menos ainda, liberdade para errar. 
Ao longo do processo, a mãe pôde refletir sobre suas atitudes e 
começou a suspeitar quais eram, talvez, as razões dos comportamen- 
tos irritáveis e temerosos de suas filhas. E, então, ela começou a 
mudar suas atitudes rigorosas, temperando-as com uma pitada de 
flexibilidade aqui e acolá, e verificou que as garotas também muda- 
vam. Surpreendeu-se com as novidades que as filhas traziam quando 
modificou sua postura e contava: “eu resolvi perguntar calmamente 
por que ela não tinha feito a lição antes de dar o castigo e ela disse 
que não tinha feito a lição porque tinha medo de errar! Acho que eu 
estou pegando muito no pé delas, vou tentar ser mais tolerante”. 
Surpreendentemente, na última sessão do psicodiagnóstico in- 
terventivo, a mãe sintetizou: “Eu vim até aqui pensando que minhas 
filhas é que tinham problemas, hoje eu vejo que minhas atitudes não 
ajudavam e que quem tinha problemas era eu, eu tive muitos proble- 
mas com estudo... não queria pra elas o que aconteceu comigo e por 
isso não conseguia separar as coisas e ficava tão aflita, vocês me 
ajudaram a ver isso”. Ela disse isso como uma confissão e contente 
com o fato de poder dizer para si mesma que também tinha dificul- 
dades. Foi possível compreender esse estado de coisas no decorrer 
dos encontros e a mãe pôde assumir suas imperfeições e entender 
melhor as de suas filhas. O processo de psicodiagnóstico interventivo 
ajudou-a a construir novos significados para o que acontecia, e foi 
necessário percorrer um caminho para que isso ocorresse. 
O processo do psicodiagnóstico interventivo, portanto, não con- 
sistiu em “mostrar à mãe o que ela tinha que saber” sobre ela mesma 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 73 
e as filhas, na atitude profissional de quem sabe mais e diz o que é 
correto ao outro. Ser psicólogo não é saber mais sobre o outro do que 
ele mesmo sabe. Nós, psicólogos, devemos saber esperar que o pro- 
cesso se desenvolva e não explicar as situações a partir de referências 
teóricas externas e classificar os clientes em categorias pré-estabeleci- 
das. O psicodiagnóstico interventivo é um processo artesanal que 
parte da experiência vivida pelas pessoas, narrada e compartilhada 
nas várias histórias. A experiência vivida ganha espaço através dessas 
narrativas, e elas, por sua vez, transformam os significados da expe- 
riência vivida. 
É comum receber pais ou outros responsáveis com dificuldades 
para colocar limites ao educar crianças. Recentemente, um avô e uma 
avó obesos, responsáveis legalmente por seu neto, levaram-no ao Ser- 
viço de Psicologia porque ele não parava de comer. A avó do menino 
apresentou-se de forma distante e não se mostrava empática ao lidar 
com as aflições da criança. Perdia a paciência e se isolava, deixando o 
menino fazer o que bem entendesse. O garoto, bastante carente de 
afeto, apegava-se ao avô, homem mais afetuoso que a avó, cujos pro- 
gramas divertidos com o neto, porém, envolviam sempre comida. 
O menino, aos oito anos, estava acima do peso, e o ortopedista 
já havia sugerido uma cirurgia em seus calcanhares. Era muito doce 
e esperto e mostrava sempre, na hora lúdica, como necessitava de 
atenção. Os avós sempre diziam que era preciso: “dizer para ele que 
ele não pode comer assim... quando foi na nutricionista, a nutricio- 
nista conversou com ele e ele entendeu”. Eles imaginavam que tínha- 
mos o poder de mudar as coisas por meio do simples processo de 
explicar ao neto o que “deveria ser feito”. Os avós, por sua vez, não 
davam limites para o neto, o sobrecarregavam com todas as angústias 
do mundo adulto e achavam bonito que ele entendesse tanto de tan- 
tas coisas. Diziam com frequência que o menino era muito adulto. 
Ser adulto, para eles, significava decidir sobre suas roupas e horários, 
dormir quando queria, escolher o que a avó faria de almoço, não ser 
contrariado em suas opiniões. O que aparecia como tirania para nós, 
psicólogos, significava, para os avós, ser “muito adulto”. 
74 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Os avós não viam que o menino se deparava com problemas fora 
do seu alcance, angustiando-se e comendo em demasia. No início do 
processo do psicodiagnóstico interventivo, eles não se viam implica- 
dos no problema de comer do neto, embora ambos tivessem dificul- 
dades com a alimentação e fossem bastante ansiosos. Em sua fala, a 
responsabilidade da mudança recaía sobre nós: “vocês têm que falar 
com ele”. Quando o menino se punha a comer, nada era dito, e ne- 
nhuma atitude era tomada para impor regras e limites. Nos momen- 
tos finais do psicodiagnóstico interventivo, a narrativa era outra: 
“percebi que nós também não temos regras e não gostamos de segui 
-las, como vamos então fazer com que ele siga e entenda que existem 
regras?”. Algo já estava em movimento, novas percepções e signifi- 
cados surgiam. 
Esse exemplo mostra que os significados das palavras não podem 
ser pressupostos, mas é necessário um esforço de compreensão para 
não correr o risco de achar que sabemos o que ainda não sabemos. 
As palavras, em sua acepção mais corriqueira e ordinária, veicu- 
lam significados comuns, mas os seus sentidos singulares, na maioria 
das vezes, encontram-se ocultos. As palavras são polissêmicas,elas 
carregam significados culturais compartilhados e, simultaneamente, 
inauguram significados originais próprios de cada falante. 
As devolutivas para as crianças em forma de narrativas 
O procedimento de elaborar pequenas histórias para o encontro 
no qual devolvemos às crianças o que fomos compreendendo é prá- 
tica proposta para o psicodiagnóstico interventivo. Criamos persona- 
gens, imagens, recortes ou imagens digitais e montamos uma história 
que reflete a compreensão que tivemos da criança durante nossos 
encontros e que possa ser compartilhada com ela. 
Esse modo de devolver o que percebemos e encontramos é, tam- 
bém, uma narrativa: contamos uma história, não afirmamos que a 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 75 
criança é este ou aquele personagem, é desta ou daquela maneira, 
comporta-se dessa ou daquela forma por isso ou por aquilo. Ao ouvir 
nossa história, a criança é livre para aceitar ou não o enredo, mudá-lo 
ou não, atribuir a ele os seus próprios significados, apropriar-se dele 
ou não. A narrativa é aberta. A linguagem utilizada é a da narrativa 
e não a da informação. Não estamos ali para informar “o que a crian- 
ça tem”, “como ela é”, mas para mostrar a compreensão que pudemos 
desenvolver em nossos encontros, as impressões que causou com sua 
presença, com suas histórias, com seus gestos, por meio de outra 
história. Mergulhamos no processo e criamos a história a partir das 
experiências no contato com os pais e a criança. Evitamos, assim, dar 
explicações, estabelecer causas e efeitos forjados teoricamente, mas 
sim mostrar o que se compreendeu por meio da história. A história 
é narrativa e, portanto, aberta ao outro que encontrará nela significa- 
dos próprios, certamente diferentes dos nossos em muitos aspectos. 
Uma criança, certa vez, disse: “essa história não me lembra ninguém”. 
Estaria ela negando a identificação com o personagem? Pode ser, mas 
temos que permitir-lhe essa liberdade. E é possível, então, modificar 
com ela a história ou criar outra.A partir do que pudemos compre- 
ender no processo do psicodiagnóstico interventivo, construímos li- 
vrinhos artesanais com nossas histórias e, na maior parte das vezes, 
as crianças identificam-se com elas: “O golfinho sou eu!”, “A mamãe 
e o papai tigre parecem o papai e a mamãe”, “A formiguinha come 
muito como eu!” etc. 
Ouvir a história, concordar com ela, discordar ou mudá-la, pos- 
sibilita um jogo simbólico entre os psicólogos e a criança, aproximan- 
do-a de si mesma de forma lúdica e estimulante. A meu ver, as nar- 
rativas, durante todo o processo de psicodiagnóstico interventivo, 
culminando com as histórias narradas para as crianças, possibilitam 
um resgate da própria experiência vivida, retomam o passado e o 
futuro no tempo presente. O ali e agora do psicodiagnóstico interven- 
tivo recria outras possibilidades de ser. Mais do que um mero pro- 
cesso investigativo, o psicodiagnóstico interventivo quebra o silêncio 
e põe em movimento a pessoa que busca o psicólogo. Ao narrar sua 
76 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
vida, a pessoa tem a possibilidade de colocar-se como sujeito de seu 
próprio caminho. 
Referências bibliográficas 
AMATUZZI, M. M. Silêncio e palavra. In: 
Campinas: Alínea, 2001. 
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ANCONA-LOPEZ, M. (Org.). Psicodiagnóstico: processo de intervenção. São 
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GRANATO, T. M. M.; AIELLO-VAISBERG, T. M. J. Tecendo a pesquisa clí- 
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MERLEAU-PONTY, M. [1945]. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins 
Fontes, 1994. 
77 
Capítulo IV 
Movimentos transferenciais no 
psicodiagnóstico interventivo 
Giselle Guimarães 
Mariana do Nascimento Arruda Fantini 
Procuramos, neste trabalho, construir uma reflexão sobre o fenô- 
meno transferencial na prática do psicodiagnóstico interventivo em 
grupo1 realizado em uma clínica-escola, a partir do referencial psica- 
nalítico. Esta forma de conduzir a avaliação psicológica e a concepção 
clínica subjacente a este modelo são características marcantes na for- 
mação dos alunos da instituição. De certa forma, como descrito por 
Ancona-Lopez (1995a), a construção, o acabamento e a sistematização 
deste jeito característico de conduzir o psicodiagnóstico coincidem 
1. É importante salientar que, muitas vezes, o trabalho não chega a ser grupal, ou seja, não
chega a constituir um grupo, não ocorrendo o estabelecimento de um relacionamento terapêu- 
tico significativo entre os membros. Assim, por vezes, acabamos contando com um agrupamen- 
to de pessoas que participam simultaneamente do psicodiagnóstico conduzido por determina- 
do supervisor. 
78 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
com a própria história deste curso de psicologia e desta clínica-escola,2 
conferindo um traço identitário na formação do aluno. Nesta modali- 
dade de atendimento, o psicodiagnóstico (que é realizado, em geral, 
por profissionais que trabalham nas abordagens psicanalítica ou feno- 
menológica-existencial) também é encarado como um momento pri- 
vilegiado para a obtenção de efeitos terapêuticos, ou seja, não se en- 
cerra na coleta de dados que vão ajudar o profissional a discernir 
sobre o encaminhamento e orientar o futuro processo psicoterápico. 
Tomando o psicodiagnóstico dentro de um contexto investigativo e 
avaliativo, referindo-se à avaliação individual, os próprios movimentos 
transferenciais e contratransferenciais também serão entendidos como 
dados a serem recolhidos, como recomendado por Ocampo, Arzeno, 
Piccolo e col. (1994). No decorrer das entrevistas é necessário entender 
o que o paciente transfere para o psicólogo e o que isso lhe provoca,
fato que permite uma caracterização do tipo de vínculo que o paciente 
estabelece. Mas, diante do psicodiagnóstico interventivo, diluem-se 
as fronteiras entre a etapa diagnóstica e a psicoterapia. Por valorizar 
o momento de busca pelo atendimento psicológico, entende-se que é
fundamental intervir no presente, momento no qual as inquietações e 
sofrimentos do paciente o mobilizam suficientemente para ele pedir 
ajuda profissional, não delegando, assim, as intervenções somente 
para o processo terapêutico e para um futuro profissional ausente. 
Ancona-Lopez (1995b, p. 33) sintetiza essa questão afirmando que: 
Quando o cliente busca um psicólogo espera ser atendido em suas 
necessidades, pouco importando sob que nome este atendimento se 
efetue. Muitas vezes, desconsiderando este pedido do cliente, o psicó- 
logo, ao nomear sua prática, decide postergar a intervenção, empobre- 
cendo um encontro rico de possibilidades. 
2. No decorrer de seu artigo, Ancona-Lopez (1995a) descreve as dificuldades encontradas
nas clínicas-escola de Psicologia entre 1970 e 1980, que motivaram a busca por novas formas 
de atendimento. Basicamente, observou que existia “uma distância entre as demandas da 
clientela e o projeto institucional revelado pelo abandono do atendimento sem conhecimento 
das causas da desistência (54,1%), pelo baixo índice de altas (4,6%), reencaminhamentos cons- 
tantes e pelo tempo de espera que podia chegar a um ano” (p. 66). 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 79 
Para tanto, construiu-se um modelo de psicodiagnóstico em 
grupo com o objetivo de produzir movimentos de identificação e 
diferenciação, favorecendo o conhecimento de si. Mais do que isso, 
preencheu-se o espaço entre a entrevista inicial e final com uma série 
de devolutivas parciais; na prática, intercalam-se os atendimentos das 
crianças com as devolutivas parciais aos pais. No desenvolvimento 
do trabalho, alunos e supervisores trabalham em conjunto com os 
clientes. Ao supervisor cabe a coordenaçãoe condução do grupo e, 
aos alunos, cabe o lugar de co-terapeutas. De acordo com Ancona- 
-Lopez (1995b, p. 81), esta forma de trabalhar permite ao aluno “ex- 
perimentar o contato com o cliente e assistir ao manejo do grupo pelo 
supervisor. A presença deste garante a qualidade do atendimento ao 
cliente”. 
Sobre a eficácia do trabalho em grupo, Rotenberg, após muitos 
anos de trabalho na Escuela para padres, afirma sua certeza de que os 
grupos de atendimento aos pais 
possuem um poder enorme para produzir mudanças psíquicas nas 
pessoas, uma vez que o poder da transferência para o coordenador e 
entre os integrantes é muito mais forte do que o “poder do olhar fami- 
liar doentio” que rotula e produz identificações alienantes (p. 3). 
Por não estar sozinho, o coordenador do grupo recebe de forma 
mediada e compartilhada o impacto transferencial, fenômeno que 
facilita a sustentação do lugar clínico. 
Outra referência importante na construção deste trabalho é a 
proposta do psicodiagnóstico compreensivo de Trinca (1984). Para o 
autor, sem dúvida, a observação da relação psicólogo-paciente é uma 
situação profícua para a apreensão de fenômenos emocionais. No 
entanto, tão relevante quanto a compreensão da cartografia emocional 
do paciente, a emergência da transferência permite ao psicólogo: 
respeitar as condições nas quais se dão (os fenômenos transferenciais) 
e lidar com eles em benefício de suas atividades. Quando isto acontece, 
instala-se uma situação aberta, favorável à eliminação das barreiras de 
80 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
comunicação e à observação dos movimentos emocionais com que se 
defrontam os participantes do relacionamento (Trinca, 1984, p. 23). 
Como resultado final, na prática deste modelo de psicodiagnós- 
tico, não bastaria apenas capturar o jogo transferencial do paciente 
como um dado relevante para compor sua caracterização psicológica, 
uma vez que se vive a transferência necessitando-se da sua força para 
o acontecimento do processo e para a fecundidade das intervenções.
Geralmente, os pais procuram a clínica por indicação de terceiros, 
muitas vezes da escola ou amigos, entre outros, ou ainda procuram 
atendimento espontaneamente. Quase sempre já tentaram resolver as 
dificuldades apresentadas como queixa em relação à criança e não 
obtiveram as mudanças esperadas. Sentem-se sem recursos, incapazes 
de ajudar o filho que está em sofrimento ou apresentando comporta- 
mentos que perturbam a família. Tanto os pais quanto as crianças têm 
expectativas em relação ao atendimento e, quase sempre, há esperan- 
ça de que alguém possa auxiliá-los ao compreender a situação vivida 
por eles. 
Inicialmente, em relação aos aspectos transferenciais relacionados 
ao momento da procura pela clínica-escola e a chegada ao atendimen- 
to, entendemos que o psicólogo ou a instituição ocupam a posição de 
objeto subjetivo para os pais que procuram atendimento para seus 
filhos e também para estes últimos. As elaborações de Winnicott sobre 
sua experiência com as consultas terapêuticas têm contribuído muito 
para pensarmos no processo de psicodiagnóstico interventivo. No 
prefácio de Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil (Winnicott, 1984), 
ele fundamenta essa prática na relação subjetiva de objeto que a crian- 
ça estabelece com o terapeuta, relação esta capaz de favorecer a emer- 
gência de uma comunicação significativa. No decorrer deste livro, 
Winnicott (1984) conta que se surpreendeu ao perceber que, com fre- 
quência, as crianças sonhavam com ele na noite anterior à consulta, 
fato que ele entendeu como reflexo de um “preparo mental imagina- 
tivo” em relação a pessoas que supunham poder auxiliá-las. E, ao 
afirmar que “contudo, lá estava eu quando, para minha surpresa, 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 81 
descobri ‘ajustando-me a uma noção preconcebida’” (Winnicott, 1984, 
p. 12), enfatiza também seu movimento de deixar-se colocar no lugar
que havia sido dado a ele pela criança, enquanto objeto subjetivo. 
Assim, quando há esperança de que alguma mudança possa acontecer, 
há um movimento da criança, e também de seus pais, que procuram 
criar o objeto (terapeuta) de que necessitam naquele momento. 
A partir dessa compreensão, precisamos reconhecer, ao longo dos 
encontros, qual é a problemática que a criança precisa tratar, isto é, a 
partir de qual necessidade a criança nos coloca em lugar de objeto 
subjetivo? E qual dessas necessidades a criança necessita comunicar 
com mais urgência? 
O relato de Célia, avó e cuidadora de Paulo, na primeira sessão 
de devolutiva parcial em grupo, nos parece traduzir esse movimento 
transferencial. No momento em que tomou a palavra, Célia iniciou 
agradecendo, disse que Paulo havia se sentido bem ao vir para a 
observação lúdica: “Ele se sentiu bem, o que tem sido difícil de acon- 
tecer... Acho que foi porque aqui ele foi recebido como ele é, sem 
críticas e sem a necessidade de ter que ser outra criança. Acho que 
ele encontrou um lugar para ele”. Célia era avó materna de Paulo; 
trouxe o menino para atendimento queixando-se de agressividade; 
era a responsável por sua criação desde que ele tinha 4 anos. Até 
então, Paulo havia vivido com os pais e, de acordo com os relatos, 
este cuidado havia sido muito inconsistente e precário. Quando Pau- 
lo foi morar com Célia, ela já criava seu irmão João desde que ele era 
recém-nascido. No decorrer dos atendimentos, notamos que Paulo 
não tinha de fato o seu lugar; não tinha um lugar singular para si na 
casa da avó, era sempre visto em relação ao seu irmão João. 
Na visita domiciliar, as estagiárias responsáveis pelo caso não 
foram de fato recebidas, ficaram como “apêndices” da rotina que se 
desenrolava e sentiram-se não vistas; “como se não estivessem lá”. 
Considerando os sentimentos contratransferenciais das estagiárias, 
entendemos que elas tinham vivido, experimentado o lugar familiar 
de Paulo. Na sessão conjunta entre a avó e Paulo, solicitamos que 
desenhassem juntos, em uma cartolina, a casa deles. A produção final 
82 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
apresentava duas casas, uma desenhada por Célia (próxima à casa 
real) e outra, posicionada ao lado da primeira, desenhada por Paulo. 
Ou seja, Paulo não conseguia inserir-se na casa da avó, não conseguia 
“trabalhar em conjunto” com ela, sentia-se do lado de fora. No de- 
correr das devolutivas, a avó também pôde apropriar-se da percepção 
de que todos os cuidados eram direcionados primeiramente para João. 
Passou, portanto, a alternar sua atenção; um dia Paulo tirava primei- 
ro as dúvidas da lição de casa; no outro dia, era a vez de João. 
Portanto, na primeira devolutiva parcial, a avó de Paulo já enun- 
ciava aquilo que seria a conclusão do psicodiagnóstico, apresentava 
a problemática central de Paulo; o menino ainda precisava elaborar 
a ruptura com a sua “primeira casa” (lar materno) e encontrar um 
lugar legítimo e singular para si na casa da avó, conseguindo ser 
aceito “como ele é”. Dito de outra forma, Paulo ainda precisava ela- 
borar a adoção efetuada pela avó materna. O mesmo trabalho psico- 
lógico cabia à Célia, uma vez que elaborar a adoção não é uma tare- 
fa unilateral. 
Ao longo de sua obra, Winnicott enfatizou que somente por meio 
dos processos de apercepção e ilusão é que o bebê passa a construir 
gradualmente a realidade compartilhada. Os relacionamentos objetais 
iniciais são, quando favorecedores do desenvolvimento do bebê, ne- 
cessariamente subjetivos. É importante que essa mesma qualidade 
subjetiva inicial esteja presente na transferência das relações terapêu- 
ticas. As experiências de vida de uma criança tornam-se pessoais 
somente quando submetidas à sua criatividade originária, ou seja, 
justamente ali, onde a mãe se coloca a serviço do objeto subjetivo 
necessitado, proporcionando a experiência de ilusão. Isto também é 
desejado nas relações transferenciais em seus momentos iniciais. 
Nas consultas terapêuticas descritas por Winnicott (1984), um 
aspecto fundamental é a adaptação ativa do terapeutaàs necessidades 
e expectativas da criança e, consequentemente, se necessária, a comu- 
nicação verbal desse entendimento no momento adequado. O objeti- 
vo essencial é o favorecimento da integração de aspectos dissociados 
ou não vividos pela criança. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 83 
Assim, tratamos a transferência como o movimento que inicia e 
possibilita reparar as falhas ambientais que teriam ocorrido no pro- 
cesso maturacional das crianças (e da família), na medida em que as 
crianças e seus pais concebem encontrar o auxílio necessário para 
isso. Winnicott apresenta uma concepção de transferência que não se 
baseia apenas na repetição presente de uma relação do passado, no 
acontecido, mas inclui a esperança de viver o que não aconteceu e 
que, portanto, busca realização. 
Por isso, também entendemos a necessidade de o psicólogo atuar 
a partir desse lugar de objeto subjetivo, não realizando um psicodiag- 
nóstico tradicional centrado na coleta de dados, mas intervindo, fa- 
cilitando a emergência de um encontro significativo, favorecendo a 
compreensão de uma problemática que paralisava o desenvolvimen- 
to emocional da criança. 
Utilizando o modelo do psicodiagnóstico interventivo, ao final 
do processo, alguns casos não precisam ser encaminhados, pois já 
recebem a ajuda psicológica necessária durante a etapa diagnóstica. 
Por outro lado, existe o grupo dos pacientes que vão necessitar de 
um encaminhamento posterior. Mesmo que tenham sido beneficiados 
pelas intervenções que compõem este tipo de trabalho, ainda precisam 
de ajuda especializada para superar seus sofrimentos e dificuldades 
existenciais. Para estes casos, lidamos com a obrigatoriedade de efe- 
tuarmos um encaminhamento apropriado e eficaz, que possa de fato 
atender as necessidades do paciente e de sua família, lembrando que 
o encaminhamento coerente seria o objetivo último de uma avaliação
psicológica. 
Tendo em vista a brevidade deste tipo de atendimento (cerca de 
três meses)3 e, além disso, como já esclarecido anteriormente, a even- 
tual necessidade de realizar um encaminhamento eficiente, já que 
parte dos pacientes recebe alta e a outra é encaminhada para outro 
3. O processo como um todo é composto da entrevista inicial, entrevista de anamnese,
observação lúdica, devolutivas parciais, aplicação de técnicas projetivas, aplicação de testes 
psicológicos específicos, sessões de família, visita domiciliar, visita escolar, devolutiva final para 
a criança e para os pais. 
84 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
tipo de atendimento4 dentro ou fora do Centro de Psicologia Aplica- 
da, buscamos demarcar claramente o alcance e os contornos do pro- 
cesso. Procuramos manter o enquadre específico desse tipo de traba- 
lho, ao mesmo tempo que sustentamos a esperança pela cura, 
conversando com as crianças e com suas famílias sobre suas dificul- 
dades, oferecendo informações sobre o desenvolvimento humano, 
realizando devolutivas que veiculam interpretações sobre o sentido 
dos sintomas apresentados e que abram novas possibilidades de en- 
tendimento sobre suas formas de viver. 
Fundamentalmente, nos guiamos para oferecer uma resposta à 
pergunta do paciente, fazendo com que o psicodiagnóstico seja um 
momento significativo de encontro com o outro (terapeuta) e de 
confiança de que a ajuda é possível. Sobre essa questão, Safra (2005, 
p. 45), diz que
do mesmo modo, uma boa consulta não só leva a criança a um aumen- 
to da confiança da possibilidade de ser ajudada, mas também promove 
um enriquecimento do sentido de si mesma pela reintegração dos as- 
pectos que estavam dissociados de seu self. 
Tecnicamente, utilizamos como referência a experiência do jogo 
da espátula, descrita por Winnicott (1941), como modelo norteador 
para todo o processo do psicodiagnóstico, procurando ajudar o pa- 
ciente e suas famílias a terem uma experiência completa e integrada, 
podendo se despedir do psicólogo que conduziu o psicodiagnóstico 
e ansiando por um novo encontro também significativo, quando for 
o caso de um encaminhamento.
Ou seja, lemos o processo como tendo um momento inicial de 
hesitação, no qual o paciente explora o território terapêutico e busca 
4. Geralmente os encaminhamentos são para psicoterapia individual para as crianças e/ou
para seus pais, breve ou de longa duração (neste caso o paciente é encaminhado para psicote- 
rapeutas conveniados ao Centro de Psicologia Aplicada — CPA), psicoterapia familiar, trabalho 
psicopedagógico, fonoaudiologia, terapia ocupacional, encaminhamento para os CAPs (Centros 
de Atenção Psicossocial), entre outros. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 85 
estruturar um campo de comunicação. No segundo momento, que 
corresponde ao brincar com a espátula, o paciente realiza a comuni- 
cação que precisava enunciar e, neste momento, as intervenções do 
terapeuta seriam mais produtivas e o paciente viveria a experiência 
de ser compreendido. No terceiro momento, que corresponde ao jogar 
a espátula e desinteressar-se pelo jogo, o paciente pode “ir embora” 
e deixar o terapeuta por ter tido uma experiência completa que re- 
sulta na possibilidade de colocar a sua questão em devir. Neste mo- 
mento, é importante que o terapeuta não se coloque como uma pre- 
sença necessária e excessiva. Pensamos que especial cuidado deve ser 
tomado em relação às orientações dadas aos pais que dizem como 
fazer, que são “fórmulas psicológicas”; intervenções desta natureza 
centralizam no terapeuta o conhecimento, dificultando para os pais 
“jogar a espátula” e fortalecer-se no desempenho das funções paren- 
tais. Mannoni (2004, p. 104), ao opor-se às orientações dadas por te- 
rapeutas, defende que “é quase sempre mais sensato ser menos 
apressado, esperar primeiro que o sujeito se situe na sua própria 
história, antes de conduzi-lo autoritariamente por um caminho que 
ele deveria, de fato, poder descobrir sozinho”. 
Ainda sobre o jogo da espátula, vale lembrar que esse mesmo 
processo também ocorre em cada uma das sessões, pois seria impor- 
tante que em cada atendimento as três etapas do jogo da espátula 
pudessem ser concluídas. Quer dizer que os encontros que compõem 
toda a avaliação psicológica reproduzem o processo completo, ou seja, 
em cada uma dessas partes a essência do todo deve se reproduzir. 
Para tanto, sistematizamos uma estratégia clínica que marca o 
período de encerramento do processo. Trata-se de uma técnica pro- 
jetiva que chamamos de “linha do tempo”, ou seja, construímos um 
trajeto temporal que retoma todas as etapas do psicodiagnóstico. 
Utilizamos uma cartolina, barbante, fio de lã, cola, tesoura, recortes 
de revista, lápis colorido e grafite e canetinhas. O trabalho inicia com 
o supervisor retomando para as crianças — pacientes — que, como
já anunciado na sessão anterior, este é o penúltimo atendimento. 
Dizemos que por isso vamos relembrar tudo que fizemos desde o 
86 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
primeiro dia e registrar na cartolina a história dos nossos encontros; 
o material gráfico é apresentado e os estagiários vão auxiliando a
criança na reconstrução do processo de psicodiagnóstico.5 A ativida- 
de ainda prevê a representação do próprio dia, ou seja, registra-se o 
momento específico e a atividade da linha do tempo como se fizés- 
semos uma marcação de tempo. Na sequência, os estagiários intervêm 
contando para o paciente como será o último atendimento; informam 
que vão entregar um livro de história para a criança para que ela 
possa levar para casa.6 Na última sessão, a criança também leva o 
cartaz da linha do tempo. 
Esta atividade intenciona ajudar a criança a “jogar a espátula”, 
busca oferecer um suporte material para este acontecimento, procu- 
ra estabelecer um campo de experiência. No entanto, observamos 
que a atividade da linha do tempo também acaba funcionando como 
mais um momento diagnóstico, pois, ao precisar representar cada 
atendimento, a criança seleciona o fato mais significativo que preci- 
sava comunicar e, desta forma, podemos certificar as hipóteses 
diagnósticas.Identificamos também efeitos terapêuticos que podem 
ter surgido ao longo do processo. Recentemente, acompanhamos um 
paciente de seis anos que iniciou o psicodiagnóstico em função de 
dificuldades escolares. No decorrer do trabalho, percebemos que os 
problemas não eram atuais, referiam-se principalmente ao ano ante- 
rior. A mãe do paciente pôde ouvir sobre os recursos e possibilidades 
5. A técnica pode sofrer pequenas alterações, dependendo da idade das crianças ou das
necessidades do grupo; por exemplo, já trazer pronta uma cartolina colorida com alguns qua- 
drados de papel branco colados. O número de quadrados deve corresponder ao número de 
atendimentos que compuseram o processo. Assim, as crianças devem representar as atividades 
realizadas em cada um dos quadrados, depois podem usar o barbante ou fio de lã para inter- 
ligar os atendimentos. 
6. Realizamos a devolutiva final para a criança através da construção de uma história
romanceada sobre ela própria, assumindo a proposta de Winnicott (1971) de que as interpre- 
tações devem respeitar o tempo do paciente, não sendo invasivas. Assim, a devolutiva através 
da história permite à criança identificar-se com o personagem em questão dentro do seu tempo. 
Mais especificamente, seguimos a proposta de Safra (2005, p. 48) para a montagem da narrati- 
va, que deve “conter a angústia básica da criança, suas organizações defensivas, o tipo de re- 
lação objetal e um personagem que funcione como um objeto compreensivo, que ajude na in- 
tegração do self”. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 87 
do filho e ressignificar as dificuldades que haviam sido apresentadas 
pela antiga professora. Inicialmente, percebíamos que a mãe ainda 
estava fixada nas constantes queixas feitas pela professora do ano 
anterior e, de certa forma, havia assumido este discurso que desme- 
recia e desacreditava o menino, reproduzindo-o na relação com ele. 
No dia da atividade da linha do tempo, o paciente reapresentou a 
figura do gato que apareceu nos primeiros atendimentos e, para 
fazer o registro do dia, desenhou um leão, que simbolizava o seu 
fortalecimento e engrandecimento. 
Sem dúvida, estamos descrevendo o percurso de sucesso, que 
nos norteia na condução do psicodiagnóstico, mas muitas vezes não 
conseguimos alcançar satisfatoriamente estes objetivos. Há intercor- 
rências como: dificuldades com o grupo de estagiários (tanto na re- 
lação dos estagiários entre si, quanto na relação com os pacientes e 
com o próprio supervisor), dificuldades no relacionamento entre os 
pacientes, dificuldades de calendário, tendo em vista os atravessa- 
mentos institucionais, e dificuldades na própria compreensão da 
problemática apresentada pelo paciente. Muitas vezes, precisamos 
nos satisfazer com os fatos clínicos reunidos, por precisarmos adequar 
o número de procedimentos ao cronograma de uma clínica-escola.
Todos esses fatores costumam interferir para que o paciente alcance 
uma experiência completa, podendo se despedir do psicodiagnóstico 
sem continuar transferencialmente ligado ao supervisor e aos estagi- 
ários que conduziram o processo. 
Seguindo pelo caminho das dificuldades, muitas vezes percebe- 
mos a necessidade de, em alguns casos, intervir mais diretamente 
diante das resistências que impedem o desenvolvimento do processo 
de psicodiagnóstico. Ou seja, quando nos deparamos com resistências 
que impedem a abertura para a cura, que resistem à percepção do 
novo, que constrangem o movimento de mudança, mas que princi- 
palmente relutam tanto relação à compreensão do significado da 
demanda explícita quanto ao encaminhamento. Geralmente, estas 
resistências aparecem nos responsáveis pela criança ao insistirem na 
compreensão costumeira das dificuldades apresentadas por ela e na 
88 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
reafirmação dos padrões relacionais da família. Observamos que, 
quando a transferência negativa não consegue ser minimamente cui- 
dada, o mais comum é ocorrer a desistência do psicodiagnóstico (no 
decorrer do processo) ou a não consecução do encaminhamento. 
Guiando-nos pelo pensamento de Winnicott, podemos entender 
as resistências como o período de hesitação descrito no “Jogo da 
Espátula”, pois, a partir deste referencial, a resistência é compreendi- 
da como um temor diante do que não foi constituído. Avellar (2004, 
p. 96) sintetiza o conceito retomando que, na perspectiva winnicot- 
tiana, a resistência se trata: 
da constituição de algo que não foi vivido, algo de que o indivíduo 
necessitava e não foi encontrado [...] a hesitação se refere a duas situa- 
ções diferentes: uma, que é a possibilidade de o indivíduo vir a encon- 
trar algo que necessita e anseia, uma experiência nova, prazerosa e 
constitutiva. A outra possibilidade é o paciente estar diante de angústias 
impensáveis, de se deparar com as falhas ambientais presentes nos 
estágios iniciais do desenvolvimento. 
Portanto, a necessidade de lidar com a transferência negativa 
reforça a posição de que, mesmo em uma etapa diagnóstica, o psi- 
cólogo deve colocar-se em um lugar interventivo, ajudando o pacien- 
te a assumir o encaminhamento e continuando vinculado à clínica- 
-escola. 
Sobre o tema transferência no psicodiagnóstico interventivo, 
muitas questões ainda devem ser pensadas, principalmente a questão 
relativa à transferência grupal que tanto possibilita o acontecimento 
do grupo quanto, em algumas situações, impede o trabalho grupal. 
Outro tema também importante refere-se à transferência entre super- 
visor-estagiário, que, da mesma forma, pode ser a fonte de um apren- 
dizado efetivo ou o impedimento do processo de aprendizagem. No 
entanto, priorizamos a discussão sobre a transferência inicial, por 
entendermos que é este estado inicial de ilusão que possibilita e pro- 
pulsiona o atendimento. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 89 
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Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 
1993. 
http://www.escuelaparapadres.net/
90 
Capítulo V 
A compreensão da 
religiosidade do cliente no 
psicodiagnóstico interventivo 
fenomenológico‑existencial* 
Marizilda Fleury Donatelli 
I. Apresentação 
Este capítulo é resultado da minha experiência profissional e das 
muitas reflexões e angústias que ela me suscitou ao longo da vida. 
Há muitos anos trabalho com crianças e seus pais, principalmen- 
te no processo de psicodiagnóstico interventivo. Minhas observações, 
de alguns anos para cá, dirigiram-se para as tradições, costumes e 
crenças familiares e, mais especificamente, para entender como elas 
constituem o universo psicológico das crianças. 
* O presente capítulo baseia-sena tese de doutorado da autora, defendida na PUC-SP, sob 
a orientação da profa. dra. Marília Ancona-Lopez, em 2005. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 91 
O primeiro caso atendido que me levou a pensar mais detalhada- 
mente sobre o assunto foi o de uma mãe que queria inscrever os cinco 
filhos para atendimento psicológico no Centro de Psicologia Aplicada 
da universidade onde trabalho. Como solicitou ajuda para as cinco 
crianças, foi orientada a procurar atendimento familiar. Visto não ter 
aceitado essa orientação, foi informada de que, naquele semestre, so- 
mente dois dos garotos poderiam ser atendidos, com o que concordou. 
Sua queixa relativa aos meninos era de que, por várias vezes, 
ambos já haviam tentado suicídio. Um deles havia tomado dois vidros 
do remédio Cataflam, com o objetivo explícito de acabar com a vida. 
Em outra ocasião, ele havia pulado de um mastro de três metros de 
altura. O outro filho havia aberto o bico do gás e fechado todas as por- 
tas e janelas da casa. Também já tentara se matar com uma facada no 
peito. Os garotos tinham, respectivamente, oito e nove anos de idade. 
Durante as entrevistas inicial e de anamnese, a mãe comentou 
que era de religião espírita e que, aos sábados pela manhã, a família 
se reunia, e ela e o marido tentavam transmitir aos filhos os ensina- 
mentos da doutrina espírita. No decorrer do atendimento às crianças, 
por sua produção gráfica, ficou claro que os temas morte e religião 
permeavam o seu universo psíquico. Em devolutiva dada a uma das 
crianças, a questão do desejo de morte foi mencionada, e ele reagiu 
dizendo que queria mesmo morrer, pois a mãe havia dito que “lá do 
outro lado é muito melhor que aqui, tudo é branco, verde, não tem 
que fazer a lição, ir na escola...”. 
O irmão, por sua vez, disse que tinha muito medo, e por esta 
razão não dormia à noite, uma vez que os pais lhe haviam dito que 
espíritos do mal rondavam as pessoas. Portanto, não podia fechar os 
olhos, pois, se o fizesse, aqueles espíritos poderiam machucá-lo. 
Tornou-se claro para mim o efeito que os ensinamentos religiosos 
familiares tinham para aquelas crianças. Falei disso com a mãe e ela 
reagiu agressivamente, dizendo que eu estava questionando sua 
crença e sua fé. Ao retornar para a nova sessão, disse que se sentira 
enraivecida por minhas observações. Contudo, os fatos mencionados 
fizeram-na lembrar que, quando pequena, apresentava enurese diur- 
92 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
na e noturna. Voltou-lhe à memória o fato de que só ia ao banheiro 
se tivesse alguém para acompanhá-la, caso contrário, preferia urinar 
na roupa, por temer que espíritos do mal pudessem pegá-la. Lem- 
brar-se dessa experiência levou-a a compreender a angústia dos filhos 
e permitiu que pudesse aceitar o fato de que os garotos, tal como 
ocorrera com ela quando criança, não estavam conseguindo compre- 
ender a doutrina espírita que lhes era ensinada. 
Muitos outros clientes vieram até mim: adultos, adolescentes, 
crianças. Alguns mencionavam questões religiosas eu ouvia e nem 
sempre sabia exatamente o que fazer com aquilo. Outros não men- 
cionavam nada, mas mostravam um sistema de crenças definido. Daí 
se iniciou minha busca, minha tentativa de compreender como a re- 
ligiosidade das famílias constitui o universo psíquico das crianças. 
II. Religião e o psicólogo clínico
A religião e, particularmente, as crenças dela decorrentes tiveram 
seu papel de destaque como centro do mundo, como determinantes dos 
destinos e das histórias pessoais. Posteriormente, deixaram de ocupar 
esse lugar e, com o advento da ciência, foram negadas em grande 
parte. Construiu-se um mundo no qual habitava um homem racional e 
autossuficiente, e nesse projeto não havia espaço para a religiosidade. 
Na sociedade atual, altamente tecnológica e globalizada, constata-se 
um paradoxo: o reaparecimento da religiosidade, o surgimento de 
um grande número de religiões com uma enormidade de adeptos. 
Ancona-Lopez (1995, p. 74), referindo-se às pesquisas realizadas 
sobre o fenômeno religioso, mostra que na clínica psicológica a maio- 
ria dos clientes é religiosa: 
Aproximadamente 90% dos clientes identifica-se com uma religião, 86% 
acreditam em Deus, 70% acreditam que há um Deus que responde às 
suas orações, 49% frequentam alguma igreja, 47% consideram a fé uma 
coisa importante em sua vida... 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 93 
Esses dados não podem ser ignorados, particularmente quando 
o psicólogo trabalha com crianças e seus pais.
Os casos nos quais o aspecto religioso está envolvido colocam o 
psicólogo diante de várias dificuldades, tanto do ponto de vista da 
compreensão teórica quanto do manejo clínico. Elas se originam em 
pressupostos difundidos em nossa sociedade, como o de que não se 
devem abordar questões relativas à fé, pois ela é intocável, inabalável, 
inatingível. No âmbito psicológico, há posições que interpretam a 
crença religiosa como defesa do indivíduo, quase uma patologia a ser 
eliminada, em vez de ser examinada quanto aos diversos significados 
e funções que pode desempenhar para os diferentes indivíduos. 
Giovanetti (1999) diz que até pouco tempo considerava-se que 
um processo ou procedimento psicológico, para ser considerado 
científico, deveria distanciar-se de questões de ordem religiosa. O 
autor chama a atenção para o fato de que, no século XX, assistiu-se à 
exclusão de Deus da vida do homem, e a racionalidade passou a ser 
fator preponderante. A Psicologia “passou a contribuir, por meio de 
seus modelos operacionais para a ideia de que Deus não era neces- 
sário à realização do homem” (p. 88). No entanto, no final do século 
XX houve uma grande explosão de denominações religiosas. O psi- 
cólogo deparou-se com o crescente surgimento de temas religiosos 
em seu consultório e não está preparado para enfrentá-los, pois isso 
não fez parte de sua formação. Giovanetti (1999, p. 89) coloca: 
[...] podemos dizer sem medo de errar que os psicólogos, em sua maio- 
ria (se não buscaram uma formação específica), não se preocupam com 
a dimensão religiosa nem dão importância a ela; e mais; na clínica, 
quando atendem às pessoas ignoram o problema. 
Prosseguindo em sua argumentação, comenta que, diante dessa 
realidade, 
podemos elencar duas atitudes mais comuns entre os psicólogos quan- 
do se defrontam com a conduta religiosa de seu paciente. Em primeiro 
lugar, temos os psicólogos que simplesmente negam essa dimensão da 
94 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
vida dizendo que a religião é uma ilusão, e, consequentemente, todas 
as crenças daí decorrentes não merecem crédito. Negar a dimensão 
religiosa torna-se mais fácil do que procurar instrumentos teóricos para 
tentar entendê-la. Uma segunda posição, também radical, é reduzir a 
religiosidade a um mero aspecto do psiquismo, e não tratá-la como se 
fosse outra dimensão da existência humana (1999, p. 89). 
A opinião de Giovanetti é compartilhada por Boehnlein (2000), 
para quem a consolidação de um modelo de pesquisa científico clás- 
sico criou uma ruptura entre ciência e religião, o que pode justificar 
o fato de que, nos dias atuais, os psicólogos manifestem dificuldades
para lidar com questões religiosas. 
Nessa mesma direção, Klausner (1964) atribui as dificuldades do 
psicólogo clínico em lidar com as questões religiosas de seus pacientes 
a questões ideológicas. Diz que tanto a Psicologia quanto a religião 
reclamam para si a competência para lidar com a saúde mental, mas 
é importante considerar que existem os dois domínios, o psicológico 
e o religioso, e que um terapeuta qualificado pode dialogar com ambos. 
Ellis (1962,1977), entre outros, defende vigorosamente o ponto 
de vista de que a religião é prejudicial às pessoas e que não há lugar 
para esse tema nas psicoterapias. Frankl (1984) aponta para o fato de 
que é comum os psicólogos sustentarem que os sentidos e valores 
religiosos são “nada mais que mecanismos de defesa, formações rea- 
tivas e sublimações”, embora discorde veementemente dessa posiçãoe considere a religiosidade como inerente à personalidade humana. 
O fato é que a dimensão religiosa do ser humano esteve pouco 
presente no universo da Psicologia, que preferiu temas que garantis- 
sem o seu esforço para alcançar o estatuto de ciência. Consequente- 
mente, a maior parte dos psicólogos não se refere à religiosidade de 
seus pacientes, como se esta não fosse passível de interrogação. Hoje, 
no entanto, reconhece-se a necessidade de incorporar esse aspecto ao 
campo dos estudos e conhecimentos psicológicos. Já em 1992, a Ame- 
rican Psychological Association (APA) incluiu nos Princípios Éticos 
do Psicólogo e no Código de Ética de Conduta a importância de os 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 95 
psicólogos considerarem as diferenças culturais e individuais, salien- 
tando nesse domínio as diferenças religiosas, adotando procedimen- 
tos específicos para lidar com elas. 
Confirmando essa disposição, a experiência profissional mostra 
que o aspecto religioso aparece na clínica psicológica frequentemente 
permeando o psiquismo humano e não deve, portanto, ser ignorado. 
Casos como o que citei no início deste trabalho levantam para o 
profissional uma série de questões: que lugar a religiosidade humana 
ocupa no psiquismo das pessoas; como ela se constituiu; a partir de 
quais relações; que função exerce; quais são os significados de Deus 
ou deuses, de vida e morte, de bem e mal, assimilados pela pessoa; 
como eles se alinham a outros significados e como delineiam um 
certo modo de existir no mundo. Desse modo, creio que se faz neces- 
sário refletir sobre elas. 
III. O psicodiagnóstico interventivo
O psicodiagnóstico interventivo procura compreender o indivíduo 
em suas relações e, por essa razão, está aberto a todo e qualquer tema 
importante para o cliente. Chama a atenção, contudo, que, em todos 
os trabalhos já escritos sobre o psicodiagnóstico interventivo,1 assim 
como nos estudos sobre psicodiagnóstico em outras abordagens, 
encontram-se mínimas referências à religiosidade das pessoas e à 
dimensão que ela ocupa em suas vidas. De fato, nos principais textos 
sobre psicodiagnóstico interventivo publicados no Brasil, nada se fala 
sobre esse assunto. 
Embora na anamnese geralmente conste uma indagação sobre a 
filiação religiosa do cliente, não há observações que mostrem um 
aprofundamento sobre o tema. Pelo contrário, essa informação e as 
1. Ver Trica. Diagnóstico psicológico: a prática clínica (1984); Ancona-Lopez, M. Psicodiag- 
nóstico processo de intervenção? (1995). 
96 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
experiências a ela associadas dificilmente são consideradas no con- 
junto do processo. 
Contudo, a meu ver, a abordagem fenomenológica-existencial 
utilizada como referência no psicodiagnóstico interventivo permite 
entender que a criança se constitui enquanto subjetividade a partir 
de uma multiplicidade de experiências às quais vai atribuindo sen- 
tidos. Cada família possui uma cultura própria que se manifesta em 
cuidados parentais, na forma de educar os filhos, nas expectativas e 
projetos que têm para si, suas crianças e outros. A essa cultura fami- 
liar subjaz um sistema de crenças, sendo o aspecto religioso parte 
dele. 
Embora essas afirmações pareçam evidentes, diferentes autores 
mostram a dificuldade dos psicólogos em lidar com esses aspectos e 
atribuem o fato, em parte, à ausência de um conhecimento sistema- 
tizado que dê suporte à exploração dessa dimensão. Ao indagar sobre 
a adesão religiosa da pessoa, estamos nos referindo à religião explí- 
cita, mas isso só não é suficiente para dar conta de uma investigação 
mais profunda. Identificar que o indivíduo é católico, evangélico, 
espírita etc. não quer dizer muita coisa. É necessário pesquisar “como” 
ele é católico, espírita ou evangélico. É preciso saber de que modo 
aquela pessoa ou aquela família vive a sua religião, se a vive ou não. 
Ao fazer isso, podemos entender seus valores e suas referências exis- 
tenciais. Mesmo pessoas ou famílias que não têm uma adesão religio- 
sa explícita possuem determinadas concepções e crenças sobre ques- 
tões últimas da existência, e essas são atuantes. Desse modo, 
conhecê-las é entender a maneira como a pessoa vê a vida, as dificul- 
dades e como lida com elas. 
Para Richards e Bergin (1998), o mito de que a religião do indiví- 
duo não é uma área passível de interrogação impede os psicólogos de 
se aprofundar nesse domínio. Como consequência, não se produziu 
um conhecimento consistente e sistematizado sobre a religiosidade 
que dê suporte à prática psicológica. Os autores comentam que é raro 
os psicoterapeutas buscarem sistematicamente informações sobre a 
religiosidade de seus clientes. Entendem que o tema carece de discussão, 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 97 
de divulgação e de sistematização. Propõe cinco razões para que os 
psicólogos se ocupem da religiosidade de seus pacientes: 
1. A compreensão da relação que os clientes mantêm com a
religião contribui para sua visão de mundo.
2. As crenças religiosas podem ser saudáveis ou não, e ter im- 
pacto em seus problemas ou distúrbios.
3. As crenças ou a comunidade religiosa do cliente podem ser
um dos recursos que o auxiliem a lidar com o mundo a sua
volta e a crescer.
4. Intervenções a respeito da religiosidade podem ser usadas na
psicoterapia de forma produtiva.
5. Dúvidas, preocupações ou necessidades religiosas não resol- 
vidas podem ser trabalhadas na psicoterapia.
Em suma, vive-se um paradoxo: ao mesmo tempo que o mundo 
atual revela uma grande busca e adesão das pessoas às religiões, os 
psicólogos não estão preparados para lidar com essas questões em 
seus atendimentos. Observa-se, no âmbito da Psicologia, o aumento 
de estudos e pesquisas sobre Psicologia da Religião. Prova disso é 
que, em 1998, criou-se um espaço na Associação Nacional de Pesqui- 
sa e Pós-graduação em Psicologia, um grupo de estudos voltado à 
discussão de Psicologia e Religião, configurado por professores dou- 
tores de programas de pós-graduação de diferentes estados da fede- 
ração. Os estudos desenvolvidos no país por esses e outros autores 
visam à sistematização dos conhecimentos na área e à instrumenta- 
lização dos profissionais. É nessa perspectiva que eu me incluo, pois 
entendo que a investigação da religiosidade do cliente permite uma 
ampliação da compreensão diagnóstica e possibilita intervenções 
importantes. 
Por intermédio da investigação da religiosidade, é possível res- 
gatar a subjetividade construída pela pessoa e pela família, já que a 
posição religiosa contribui para o desenho do contexto cultural no 
qual o cliente está inserido. Contexto cultural que compõe a trama 
de relações que cercam, afetam e constituem o indivíduo. 
98 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Outra contribuição dada pela compreensão da religiosidade é a 
de entender a função que a religião ocupa na vida do cliente. Ela pode 
exercer funções de contenção e controle, ou de amparo e esperança, 
já que, em si, nenhuma religião ou sistema de crenças é” bom” ou 
“mal”; seus benefícios ou malefícios dependem do modo como são 
vividos nos contextos pessoal, familiar e social. 
IV. Considerações sobre procedimentos que possibilitam a
compreensão da religiosidade no psicodiagnóstico interventivo 
Penso que para investigar a religiosidade é interessante obter 
informações a respeito da religião explícita e da religião implícita da 
pessoa, a fim de ampliar a compreensão sobre o sentido que as cren- 
ças e valores têm para o cliente. Do ponto de vista da religião implí- 
cita, nota-se que, muitas vezes, embora a pessoa não frequente ne- 
nhuma igreja ou templo, ela tem crenças de ordem religiosa que 
interferem positiva ou negativamente em sua vida. Um exemplo 
disso são pessoas que não frequentam a igreja, mas creem num Deus 
punitivo, e essa representação é determinante em suas vidas, pois 
estão sempre temendo que algo de mal lhes aconteça como castigo 
por suas ações. Outra situação é aquela em que os pais ensinam aos 
filhos que eles têmde ser bons, que não podem sentir raiva das pes- 
soas da família, devem obedecer cegamente aos pais, sem questiona- 
mentos. Todas essas posições podem ser originárias da ideia de um 
Deus todo-poderoso e exigente. Essas representações não se restringem 
às doutrinas religiosas; são difundidas em nossa sociedade e estão 
enraizadas em nossa cultura de tal forma que as pessoas se apropriam 
delas sem que, necessariamente, estejam vinculadas a uma ou outra 
religião. 
Parece-me que para conseguir compreender o sentido da religio- 
sidade no cliente é preciso conhecer a origem de suas crenças. O 
modelo funcional nesse caso é apropriado, pois as religiões por si sós 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 99 
não são patologizantes ou saudáveis, a função que desempenham em 
cada caso é que pode ser mais, ou menos, saudável. 
Conhecer a religiosidade da pessoa implica abordá-la de forma 
multidimensional. O entendimento do sentido da religiosidade deve 
contemplar diferentes perspectivas e facetas e verificar como estas 
são vividas pelo cliente. 
Conforme afirmei anteriormente, meu interesse quanto à com- 
preensão da religiosidade do indivíduo refere-se à possibilidade de 
uma abrangência maior nao maneira de entender o seu modo de 
estar no mundo, a maneira como se posiciona diante da vida e das 
pessoas. Assim, a adoção de uma perspectiva evolutiva na compre- 
ensão da religiosidade permite não só informações sobre aquele 
momento da vida do indivíduo, como também conhecer a sua traje- 
tória. Da mesma forma que se recolhem informações de diferentes 
instâncias da vida — aspectos familiares, escolares, sociais —, os 
aspectos religiosos também precisam ser conhecidos em sua dinâmi- 
ca para reconstruir a história do sujeito. 
Para mim, as questões abordadas com a finalidade de investigar 
a religiosidade na vida da pessoa devem ter uma perspectiva dinâ- 
mica, permitir que sejam explorados significados atribuídos pelos 
clientes às suas experiências, ou seja, possibilitar o estabelecimento 
de relações entre o comportamento religioso e outros aspectos de sua 
vida e de seus relacionamentos. 
A religiosidade faz parte da vida humana, está imbricada em seu 
modo de ser e de estar no mundo, portanto, não é algo fora do con- 
texto das atividades da pessoa, da família e da cultura. É importante, 
também, buscar relações entre as crenças do indivíduo e a maneira 
como ele se comporta do ponto de vista psicológico e social. Essa 
investigação auxilia a compreender determinadas condutas, atreladas, 
ou não, a valores religiosos. 
A descrição das relações que a pessoa estabelece com a religião 
é importante, pois permite a emergência de significados obscuros, 
dando clareza aos modos de o indivíduo se colocar no mundo. 
100 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Outra questão que me interessa é o fato de que o conhecimento 
sobre a religiosidade do cliente não deve se fixar em aspectos pato- 
lógicos; ao contrário, deve olhar o indivíduo a partir de seus aspectos 
saudáveis. Esta pode ser uma possibilidade de ajudá-lo a atualizar 
seus recursos e é um dispositivo que vai ao encontro do que postula 
a Fenomenologia-existencial, abordagem que privilegio. 
Devo ressaltar que o Psicodiagnóstico Interventivo, objeto des- 
te livro, busca um entendimento “consensual e compartilhado“ entre 
psicólogo, pais e criança, de tal forma que possam juntos compreen- 
der os problemas que originaram a ida ao psicólogo e buscar novas 
possibilidades de lidar com eles. Nesse psicodiagnóstico, o psicólogo 
não se posiciona como quem tem o poder de diagnosticar o que se 
passa com outra pessoa, mas, sim, como aquele que está ao lado do 
cliente, para que juntos possam entender o que está acontecendo. A 
compreensão da religiosidade pode e deve fazer parte desse proces- 
so, e, portanto, sua formulação precisa ser compatível com todo o 
processo. 
A compreensão da relação que o indivíduo estabelece com a 
religião possibilita ao psicólogo obter informações sobre o modo de 
a pessoa se posicionar diante das questões-limite da existência, como 
vida, morte, Deus. Outra investigação a ser feita é compreender como 
o indivíduo vive suas crenças, se há um descompasso entre aquilo
em que diz acreditar e o que realmente faz e vivencia em sua vida e 
em suas relações. 
Penso, do ponto de vista formal, que esse entendimento pode 
ser obtido nas entrevistas diagnósticas, através de perguntas que 
possibilitem a livre expressão do cliente. 
A apresentação de uma forma de compreensão da religiosida- 
de a ser utilizada dentro do processo de psicodiagnóstico interven- 
tivo fenomenológico-existencial tem de ser compatível com todo o 
processo. 
A concepção epistemológica da qual a Psicologia Fenomenoló- 
gica decorre valoriza a subjetividade, a singularidade do indivíduo. 
Assim, técnicas e procedimentos usados na avaliação da religiosidade 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 101 
oriundos de paradigmas diferentes dificilmente podem ser utilizados. 
Esse é o caso dos questionários que pressupõem a existência um 
certo modo “correto” de se comportar, o que é incompatível com as 
inúmeras possibilidades de comportamento humano. Do ponto de 
vista da Psicologia fenomenológica, é importante conhecer os signi- 
ficados que o cliente atribui às suas experiências, significados únicos 
e singulares. Compreender a religiosidade é compreender esses sig- 
nificados e sua função na vida do sujeito. 
V. O modelo investigativo para compreensão da religiosidade 
no psicodiagnóstico interventivo fenomenológico‑existencial 
Proponho uma investigação por meio de entrevistas semidirigi- 
das em que se explorem temas junto aos clientes, propiciando a livre 
expressão daquilo que querem comunicar. Assim, não é possível es- 
tabelecer o número dessas entrevistas, que podem ser feitas em uma 
ou mais sessões. 
A compreensão da religiosidade decorre da compreensão de 
diversos aspectos entre os quais considero fundamentais: 
1. aderência ou não a uma religião
É importante focalizar, caso a resposta da pessoa seja afirmativa, 
se o indivíduo frequenta uma comunidade religiosa, se segue os ri- 
tuais correspondentes a sua religião e como o faz. O objetivo é ter 
acesso à experiência da pessoa nesse domínio, bem como ao sentido 
que esse comportamento tem para ela. 
É possível que se obtenham respostas em que a pessoa afirma 
ter uma religião, mas não pratica os cultos referentes a ela. Também 
nesse caso, é importante verificar por que isso ocorre, qual sua posi- 
ção diante dos cultos religiosos, de que forma ela entende a religião 
que professa. 
102 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
É possível, ainda, que a pessoa diga que não possui nenhuma 
aderência religiosa, e também nesse caso é importante entender o que 
ela tem a comunicar sobre o fato. 
2. crença em Deus, em uma entidade ou princípio superior
Qualquer que seja a resposta, é importante que o cliente explique 
sua crença ou não crença. Em caso positivo, outro ponto a ser explo- 
rado é de que maneira tal crença é tratada na família, especialmente 
em relação à criança trazida para diagnóstico. Explicando melhor, é 
importante investigar que crenças são transmitidas para a criança no 
dia a dia. Existem pais que fazem das crenças religiosas ou da crença 
em Deus uma fonte de coerção ou até de punição. Outros utilizam-nas 
como fonte de esperança e de amparo. O modo de lidar com a ques- 
tão vai constituindo a subjetividade da criança e pode ser fonte tanto 
de coragem e autodeterminação quanto de insegurança e de senti- 
mentos de menos-valia. 
3. significado da crença
É importante entender o significado da crença para o indivíduo, 
que lugar ela ocupa em sua vida e quais as consequências disso. Para 
algumas famílias, as crenças religiosas são levadas a extremos, ocu- 
pando lugar central em suas vidas. É frequente em certas religiões, 
por exemplo, a não permissão para que a criança assista à televisão, 
ponha determinada roupa ou brinque com certos brinquedos. Con- 
tudo, essa mesma criança, para quem são feitastais restrições, está 
na escola com outros colegas que fazem comentários sobre fatos da 
TV e da mídia que ela desconhece e se vê impedida de discutir. Ava- 
liar as consequências desse modo de viver no desenvolvimento psi- 
cológico da criança, bem como a forma como lida com as limitações 
impostas pela religião professada, parece-me necessário para a com- 
preensão do caso. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 103 
4. crença vivenciada em família e em relacionamentos interpessoais
É interessante investigar se o indivíduo se apropriou da crença 
vivida na família e nos relacionamentos ou se ela é algo distante, 
dissociada da realidade da pessoa. 
5. Desenvolvimento da fé ou da atitude religiosa
É importante verificar se a fé, a religiosidade e a aderência a uma 
religião modificaram-se ao longo da vida ou se mantiveram constan- 
tes. Caso o cliente identifique modificações, deve-se entender como 
ocorreram, em que ocasião, se elas foram determinadas por algum 
fato especial e quais suas consequências. 
6. Hábito de orar, rezar ou meditar
Caso a pessoa tenha esse hábito, pode-se explorar seu significa- 
do. Caso não tenha, é interessante entender a posição do cliente. 
Também nesse caso é importante observar de que forma isso é trans- 
mitido para a criança. 
7. Questões‑limite da existência: nascimento, vida e morte
Atenção especial precisa ser dada para entender o tratamento 
dessas questões no âmbito familiar, especialmente no que diz respei- 
to à criança e qual o sentido ou significado dessas instâncias. 
8. relação entre a religião ou o sistema de crenças e a queixa
apresentada a respeito da criança
É interessante perguntar aos pais se eles estabelecem alguma 
relação entre a religião ou o sistema de crenças religiosas que profes- 
sam e a queixa da criança. É importante considerar que os pais nem 
sempre aludem a uma ligação direta entre esses aspectos; no entanto, 
ao serem indagados a respeito, podem surgir fatos, associações e 
104 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
questionamentos que contribuem para o enriquecimento do processo 
do psicodiagnóstico interventivo. 
9. ensinamentos religiosos para a criança
O psicólogo deve compreender se os ensinamentos religiosos são 
formalmente transmitidos ou se eles se evidenciam apenas em algu- 
mas atitudes dos adultos. Em caso de resposta afirmativa, é interes- 
sante verificar a opinião dos pais sobre a compreensão da criança em 
relação a tais ensinamentos. E, mais ainda, se esse fato tem alguma 
influência ou atua de algum modo na vida da criança. 
10. tema livre
É importante abrir na entrevista um espaço para que a pessoa 
possa comunicar o que quiser sobre outro tema que tenha sido mo- 
bilizado pelo assunto religião. 
VI. Considerações finais
A Psicologia e a Religião estiveram por muito tempo distanciadas, 
fato que impediu que os psicólogos explorassem as experiências re- 
ligiosas e espirituais de seus clientes. Atualmente, nota-se uma pre- 
ocupação quanto ao tema, ou melhor, a necessidade de entender a 
dimensão religiosa como forma de aprofundar o conhecimento sobre 
o ser humano.
Conhecer o indivíduo e seu mundo interno implica também 
conhecer suas crenças, valores que, alinhados a outros modos de 
funcionamento, permitem uma compreensão global do cliente. 
A compreensão da religiosidade, conforme proponho neste traba- 
lho, permite o recolhimento de fatos, vivências e significados que or- 
ganizam a biografia pessoal, orientam o raciocínio clínico do psicólogo 
e auxiliam a conhecer o modo de viver das pessoas que o procuram. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 105 
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107 
Capítulo VI 
Colagem: uma prática no 
psicodiagnóstico 
Ligia Corrêa Pinho Lopes 
Maria Fernanda Mello Ferreira 
Mary Dolores Ewerton Santiago 
Imagens são palavras que nos faltaram. 
Manoel de Barros 
1. Introdução
A prática da avaliação psicológica de crianças, que, por definição, 
é um processo que se propõe chegar a uma compreensão de determi- 
nado fenômeno, apresentado como “queixa” pelos pais ou responsá- 
veis que buscam ajuda psicológica para seu filho, coloca o psicólogo 
diante da tarefa de encontrar sentido no conjunto de informações que 
lhe são apresentadas e organizá-las. 
108 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Para isso, deve possuir conhecimentos teóricos e dominar pro- 
cedimentos e práticas com o objetivo último de que, ao entender 
determinada situação-problema, possa proporcionar, por meio de 
planejamento e uso de intervenções, benefícios às pessoas envolvidas, 
criança e seu grupo familiar, promovendo a saúde e o desenvolvi- 
mento psíquico. 
A avaliação psicológica ocupa um lugar de destaque na história 
da psicologia, na consolidação da profissão como campo de conheci- 
mento e prática, e associou-se, inicialmente, ao trabalho médico, que 
lhe imprimiu forte influência. Foi: 
Com o uso de testes, principalmente junto a crianças, que os psicólogos 
ganharam maior autonomia. Nesse trabalho, esforçavam-se por deter- 
minar, através dos testes, a capacidade intelectual das crianças, suas 
aptidões e dificuldades, assim como sua capacidade escolar (Ancona- 
-Lopez, 1984, p. 5). 
A utilização de testes psicométricos que, por princípio, visavam 
identificar, classificar e medir características, foi, e continua sendo, 
uma prática bastante criticada, uma vez que grande parte das discus- 
sões entre os profissionais das ciências humanas no país está voltada 
paraa preocupação com processos de exclusão social, ideia subjacen- 
te aos métodos classificatórios. 
Desde a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil, na 
década de 1960, a avaliação psicológica tem sido amplamente deba- 
tida, passando por reflexões e modificações no que se refere a instru- 
mentos e recursos utilizados. Mesmo assim, como apontado na revis- 
ta Diálogos (Ciência e Profissão, n. 3, dez. 2005), há diversidade de 
compreensões, usos e objetivos. 
Observamos na experiência e no contato com os supervisores 
dos Centros de Psicologia Aplicada da Universidade Paulista (Unip), 
que trabalham com avaliação psicológica, uma postura comum. Ape- 
sar de partirem de pressupostos e métodos por vezes diferentes para 
compreender o homem, configurando uma diversidade de abordagens, 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 109 
prevalece a ideia de que se faz necessária a organização de conheci- 
mentos que se referem à vida biológica, intrapsíquica e social do 
cliente, como citado por Ancona-Lopez (1984), entre outros. 
Os encontros e discussões, formais ou informais, visam com- 
partilhar experiências, falar sobre supostas conquistas e dificuldades 
do dia a dia no atendimento a crianças e pais. Há uma inquietação 
que se origina da constatação de que nossos recursos, teóricos ou 
instrumentais, são limitados diante das diferentes demandas psico- 
lógicas dos clientes, dadas as múltiplas possibilidades de expressão 
da subjetividade. 
Dessa forma, entram em jogo questões a respeito da denomina- 
ção do que fazemos, de qual seria o melhor termo a empregar: ava- 
liação psicológica, diagnóstico psicológico ou psicodiagnóstico, sendo 
que, concretamente, o que buscamos nesse atendimento é chegar a 
uma compreensão da demanda e à possibilidade de propiciar ao 
cliente uma compreensão e mudança, que por sua vez permitam 
melhor qualidade de vida aos envolvidos. 
Os recursos utilizados, tais como entrevistas com pais (entrevis- 
ta inicial, entrevista de anamnese, entrevistas devolutivas), observa- 
ções lúdicas, testes, visita à escola e visita domiciliar, têm como ob- 
jetivo ajudar no processo de investigação e na consequente 
compreensão da problemática apresentada pelos pais ou responsáveis 
pela criança. 
Essa prática passa por reformulações e adaptações constantes, 
tanto em função da demanda psicológica dos clientes que buscam os 
Centros de Psicologia Aplicada, quanto em função das modificações 
pedagógicas pelas quais o curso de Psicologia passa, tendo em vista 
as diretrizes do MEC para o ensino superior. 
Além disso, a Resolução n. 002/2003, do Conselho Federal de 
Psicologia, acerca dos testes psicológicos, trouxe mais um desafio para 
aqueles que trabalhavam com avaliação psicológica, visto que tais 
instrumentos não poderiam mais ser utilizados antes de passarem 
por uma revisão. No artigo 16 da referida Resolução constava: “Será 
considerada falta ética, conforme disposto na alínea c do art. 1º e na 
110 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
alínea m do art. 2º do Código de Ética Profissional do Psicólogo, a 
utilização de testes psicológicos que não constam na relação de testes 
aprovados pelo CFP, salvo os casos de pesquisa”. 
O reflexo dessa medida na prática clínica pode ser considerado 
a partir de duas perspectivas. De um lado, a suspensão dos proce- 
dimentos que costumávamos utilizar no processo de avaliação 
psicológica, como, por exemplo, alguns testes projetivos infantis 
como CAT-A, resultava não somente num empobrecimento de re- 
cursos para uma compreensão mais ampla e profunda do cliente, 
como também na falta de “mediadores” que pudessem facilitar a 
comunicação devolutiva com a criança. Vale lembrar que, no psico- 
diagnóstico interventivo, os desenhos e as histórias eram frequen- 
temente utilizados como “facilitadores” do diálogo com a criança. 
Por outro lado, essa mesma suspensão nos estimulava a revisar 
nossa prática clínica e a buscar outros procedimentos que pudessem 
nos oferecer, de alguma forma, a possibilidade de lidar com estas 
faltas. 
A atividade de colagem, proposta por Violet Oaklander (1980) 
como um recurso a ser utilizado no processo psicoterápico de crian- 
ças e adolescentes, despertou nossa curiosidade e interesse. Oaklander, 
que trabalha com referencial teórico da Gestalt, considera que: “A 
colagem é qualquer desenho ou quadro feito grudando-se ou pren- 
dendo-se materiais de qualquer espécie a um fundo plano, tal como 
um pedaço de pano ou papel” (1980, p. 99). 
Tal descrição remete a uma atividade simples e ao mesmo tempo 
significativa, dado que “pode ser utilizado como experiência sensorial, 
e também como manifestação emocional” (p. 101). É interessante 
notar que Oaklander refere-se à colagem com diversas denominações: 
“atividade de colagem”, “exercício de colagem”, “técnica de colagem”, 
“técnica projetiva”. Contudo, é esta última acepção que subjaz a al- 
gumas de suas afirmativas, tais como: “O processo de fazer a colagem 
ou relato posterior acerca da mesma pode ser o mais significativo” 
(idem, ibidem, p. 101; grifo nosso). Ainda no mesmo texto, ela acres- 
centa: “Muita coisa é revelada através da seleção de figuras. O estado 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 111 
de espírito revelado pelo conjunto escolhido pode contar algo sobre 
o que a criança está sentindo naquele momento, ou na sua vida em
geral” (ibidem, p. 102-3). Parece claro que ela trabalha com a ideia de 
que a colagem é representativa do mundo interno da criança, de seus 
sentimentos e pensamentos. 
Ainda segundo a autora, pode se trabalhar com a colagem in- 
dividual ou em grupo com diferentes temas e de inúmeras maneiras. 
Dentre os variados tipos de colagem, Oaklander (1980, p. 100) des- 
taca que: “Um bom trabalho de colagem pode ser feito simplesmen- 
te com figuras de revistas, uma tesoura, cola, e algum tipo de fundo”. 
Foi com essas ideias que começamos a propor aos nossos clientes 
a realização de uma colagem. Nossa pretensão inicial era apenas ob- 
servar como eles (os clientes) se comportavam diante dessa tarefa, se 
ficavam motivados ou não, se rejeitavam algumas figuras, quais co- 
mentários faziam e qual era sua atitude com relação ao trabalho 
realizado, isto é, se queriam ou não levar para casa a colagem feita 
em uma cartolina. 
Com o decorrer do tempo, percebemos que a atividade de cola- 
gem se revelava cada vez mais como um recurso riquíssimo, tanto 
para o conhecimento do cliente quanto para aplicação de intervenções. 
2. Utilização da colagem
Descreveremos a seguir o nosso modo de trabalhar com a 
colagem. 
Material utilizado: figuras de revistas, tesouras, colas, cartolinas 
para serem usadas como fundo, incluindo lápis preto e de cor, cane- 
tinhas e/ou giz de cera, caso haja interesse em complementar a ati- 
vidade com desenhos ou escrita. 
As figuras que são oferecidas na ocasião da utilização da colagem 
são previamente recortadas pelos estagiários e supervisores, e devem 
abordar diversos temas, como pessoas, situações, animais, objetos, 
112 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
alimentos, transportes, móveis, ambientes etc., em quantidade sufi- 
ciente para permitir que haja uma escolha por parte do cliente. 
Por se tratar de figuras recortadas de revistas, deve-se prestar 
atenção ao verso das figuras selecionadas, pois estas podem apresen- 
tar imagens também interessantes e que por vezes acabam sendo es- 
colhidas pelo examinando, ou imagens que podem ter uma conotação 
imprópria, como nus ou insinuações de sexo. Evita-se usar imagens 
de artistas e personagens, pois estas podem carregar um significado 
cultural restrito, limitando a análise e as associações do cliente. 
Na nossa prática, os estagiários chamam esta parte do trabalho 
de “recortagem”. Ela costuma ser proveitosa para todos, pois o exer- 
cício desenvolve a capacidade de associações entre as imagens que 
selecionam e as diferentes representações possíveis. 
A atividade de colagem pode ser proposta em qualquer momen- 
to do processo psicodiagnóstico, mas, quando ocorreapós alguns 
atendimentos e procedimentos, deve-se tomar cuidado para que as 
figuras selecionadas pelos estagiários não sejam apenas de imagens 
associadas a aspectos já revelados pela criança ou família. Portanto, 
é preciso verificar a quantidade de figuras selecionadas e a variedade 
de temas antes de utilizá-las com a criança. 
Em grupo ou individualmente, é proposto um tema para o tra- 
balho das crianças considerando aspectos a ser avaliados, tais como: 
autoimagem, percepção de situações internas, pensamentos e senti- 
mentos. Assim, pedimos que façam uma colagem representando 
aquilo de que gostam ou não gostam em si mesmos, ou escolham 
figuras que indiquem do que têm medo e quais são as suas preocu- 
pações. Outro tema proposto com frequência é o “Álbum de família”, 
que convida a criança a utilizar o material disponível para represen- 
tar as pessoas de sua família. Outras vezes, apenas disponibiliza-se 
o material sem propor um tema. Neste caso, a criança trabalha livre- 
mente e ao final dá um título a sua produção. 
Para a realização da colagem, as figuras recortadas são dispostas 
de modo aleatório, são escolhidas pelo cliente e coladas em uma 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 113 
cartolina. Durante a escolha, observa-se a forma de exploração, falas, 
figuras que parecem chamar a atenção, mas não são escolhidas etc. É 
possível que a criança utilize o material oferecido, por exemplo, ca- 
netinhas e tesouras, para complementar ou modificar as figuras. 
Depois de concluída a colagem, pede-se para que atribua um signi- 
ficado a ela, ou que apresente o seu cartaz o grupo de estagiários e 
para as outras crianças, o que pode variar, dependendo da relação 
estabelecida no grupo. 
Com a prática, notamos que as crianças queriam mostrar para 
os pais ou para os responsáveis as suas produções. Passamos então 
a perguntar para as crianças se gostariam que o resultado desta ati- 
vidade fosse apresentado para eles na presença delas e, em caso 
afirmativo, ao final do atendimento convidávamos os responsáveis 
presentes na clínica a entrar na sala para ver os trabalhos. Nessas 
ocasiões, algumas crianças começaram a sugerir um tipo de “jogo” 
de adivinhação, que consistia em apresentar aos pais as cartolinas de 
todas as crianças, questionando-os se identificavam qual era a pro- 
dução de seus filhos. 
Nessas situações, os pais se veem diante de uma mensagem 
simbólica que precisam decifrar, dar um significado, e mostrar ali, 
diante de todos, o conhecimento que têm do filho. Quando esta es- 
tratégia é adotada, muitas vezes são necessárias a discussão e a com- 
preensão conjunta dos “acertos” ou “erros” por parte dos pais e das 
manifestações de felicidade ou frustração por parte das crianças. 
Discute-se a compreensão que a atividade lhes proporcionou, 
observando-se a construção de um significado conjunto, o que per- 
mite algumas ressignificações. Nota-se que essa atividade de colagem 
compartilhada com os pais permite maior aproximação afetiva e re- 
conhecimento por parte dos pais a respeito dos sentimentos e da 
problemática de seus filhos, além de facilitar a elaboração da avalia- 
ção e sua compreensão por parte dos avaliados. 
A colagem também pode ser proposta para os pais ou responsá- 
veis na presença dos filhos. Neste caso, a instrução dada costuma ser 
a de representar o “Álbum de família” sem explicitar se devem fazê- 
114 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
-lo em conjunto ou individualmente, o que é observado e discutido 
ao término da atividade. Após o registro (fotos, relatório descritivo e 
análise) das produções realizadas, as cartolinas são devolvidas para 
os clientes. Por vezes, ao serem observadas em outro momento, pelos 
pais e crianças, promovem mais reflexões. 
3. Análise
De modo geral, consideram-se: 
• Tempo de reação.
• Postura e modo de reação — observação a distância, ou im- 
pulsividade, descuido etc.
• Figuras escolhidas, figuras coladas, figuras abandonadas.
• Tema preferido.
• Tamanhos das figuras.
• Uso do espaço da cartolina.
• Uso do verso da cartolina.
• Localização das figuras na cartolina, coladas de forma aleató- 
ria ou ligadas, apresentando uma organização ou aglutinação.
• Sentimentos expressos, impressões que a colagem causa ao
ser observada.
• Figura central e/ou localização
• Recortar a figura já cortada — para caber na cartolina, ou para
separar, excluir elementos.
• Associações, explicações, falas durante a atividade.
• Uso do lápis de cor, canetinhas — para molduras, ligações,
complementos, abandono da colagem para fazer desenhos.
• Modo de utilização da cola — em excesso, colocada cuidado- 
samente, pouca quantidade.
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 115 
Quando a colagem é realizada por pais e filhos, no momento da 
análise levamos em conta todos os aspectos anteriormente descritos, 
sendo o mais importante aquele que se refere à interação entre pais 
e crianças e as significações dadas por eles às figuras escolhidas. Ci- 
tamos dois exemplos esclarecedores. 
A colagem de “tema livre” realizada por pai e filho adolescente 
de 12 anos, que apresentava mau comportamento em casa e na es- 
cola, mostrou aspectos significativos da interação entre ambos. Ape- 
sar de previamente à realização da tarefa terem combinado que di- 
vidiriam igualmente o espaço disponível e que cada um deles 
realizaria a atividade que quisesse, o pai, no decorrer do trabalho, 
foi gradativamente ampliando “sua área”, restando ao filho apenas 
um pequeno espaço na cartolina para colar as suas figuras. A atitude 
do pai contribuiu para maior compreensão da problemática do ado- 
lescente, uma vez que ele não respeitava os limites acordados com 
o filho.
Outra colagem conjunta realizada por mãe e filha também re- 
sultou muito interessante. A criança de 8 anos foi levada a atendi- 
mento psicológico por apresentar dificuldades de aprendizagem e 
atitude de dependência em relação à mãe. Durante a colagem com 
“tema livre” cada escolha da criança era acompanhada de um co- 
mentário da mãe: “Não, essa é feia”, “Nossa! Muito triste”, “Não, 
essa não” etc. Ao final, nenhuma figura inicialmente escolhida pela 
criança foi incluída, mas somente aquelas aprovadas pela mãe. Des- 
se modo, apesar de a mãe ter mostrado disposição para colaborar 
com a filha no desempenho da tarefa, ela não permitiu que a crian- 
ça realmente se expressasse. Ficou evidente que o comportamento 
da mãe intensificava a atitude de dependência da filha com relação 
a ela. 
A observação da qualidade da interação entre pais e filhos pos- 
sibilita tanto uma maior compreensão diagnóstica das dificuldades 
de ambos, quanto nos permite fazer intervenções que ampliem o 
entendimento que cada integrante do grupo familiar tem sobre elas. 
116 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
A seguir apresentaremos outros exemplos, acompanhados de 
imagens. 
menina, 9 anos de idade 
Figura 1. Autorretrato. 
Figura 2. Álbum de família. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 117 
Os pais, embora separados, compareceram juntos para a primei- 
ra entrevista, preocupados com o fato de a filha de 9 anos apresentar 
falta de apetite. Ela foi encaminhada para o atendimento psicológico 
pela Unifesp — Ambulatório de Distúrbios do Apetite —, pois fazia 
acompanhamento no local há um ano. Apesar de não comer adequa- 
damente, o seu desenvolvimento decorreu dentro do que era espera- 
do, em termos de idade, peso e altura. Apresentava somente proble- 
mas intestinais. A mãe enfatizou sua preocupação com a alimentação 
e o pai relatou que observava dificuldades gerais, dando como exem- 
plos a determinação da filha na escolha de roupas, a teimosia e o fato 
de não ceder facilmente. Ela residia com a mãe e a irmã de 17 anos 
de idade, e as meninas ficavam com o pai a cada 15 dias. 
Quanto à alimentação, a mãe contou que costumava oferecer 
refeições variadas, como torta de ricota com espinafre, berinjela à 
parmegiana e saladas, buscando todas as formas para que as filhas 
se alimentassem bem. Acrescentou que a menina não demonstravainteresse por qualquer tipo de alimento, nem mesmo por doces. Na 
atividade de colagem, pudemos constatar junto com os pais alguns 
dos desejos e interesses da menina que não eram reconhecidos por 
eles, como, por exemplo, gosto por doces, preocupação com a apa- 
rência, desejo de ver os pais juntos etc. 
118 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
menina, 11 anos de idade 
Figura 3. Autorretrato. 
Figura 4. Álbum de família. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 119 
Os pais procuraram atendimento psicológico por indicação da 
escola em função do comportamento da filha descrito por eles, que 
era diferente do das outras crianças da sua idade. Contaram que ela 
era muito quieta, introvertida e sem iniciativa. Disseram também que 
ela apresentou desenvolvimento geral mais lento, quando comparado 
com o desenvolvimento do filho mais velho, de 17 anos de idade. 
Na ocasião da atividade de colagem, a menina revelou interesses 
variados relacionados a artes, pinturas, relação com a mãe, atividades 
físicas etc. O resultado final, bastante colorido e diversificado, quando 
apresentado junto com os trabalhos das outras crianças do grupo, com 
o consentimento delas, foi reconhecido pela mãe, porém não pelo pai,
que parecia não conseguir percebê-la com tal capacidade de expressão. 
Quando solicitamos aos pais e à criança que realizassem a ativi- 
dade de colagem do “Álbum de família”, a postura da menina chamou 
atenção. Na presença dos pais, ela mostrou-se assustada, afastando-se 
deles e se aproximando de uma das estagiárias, como se quisesse 
evitar ser exposta ou questionada. Percebemos que não houve uma 
atitude autoritária ou exigente explícita por parte dos pais naquela 
situação, mas parecia haver um tratamento de cobrança sútil, implí- 
cito, como se ela não pudesse “errar” ao responder aos questiona- 
mentos deles relativos a quem era quem na família de figuras coladas. 
Ela se comportava como se tivesse algum tipo de “retardo”. 
Figura 5. Álbum de família dos pais. 
120 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
menino, 13 anos de idade 
Figura 6. Autorretrato. 
Figura 7. Álbum de família. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 121 
A mãe procurou atendimento psicológico por encaminhamento 
da escola, pois o filho apresentava dificuldades de aprendizagem. 
Apesar de a criança ter feito anteriormente uma avaliação psicope- 
dagógica, os pais não compreendiam o que acontecia em relação à 
aprendizagem. De acordo com a mãe, o filho não era uma criança 
agitada ou agressiva, e sim dispersa; não demonstrava interesse e não 
prestava atenção nas aulas, e também não fazia suas tarefas. Parecia 
estar sempre “no mundo da lua”, não respondendo aos questiona- 
mentos dos professores. A mãe referiu-se a ele como “cabeção”. 
Na atividade de colagem, o menino mostrou dificuldade para 
escolher as figuras que o representassem, sendo que o resultado final 
evidenciava um vazio na cartolina. A figura do avô apareceu como 
sendo de grande importância para ele, e, na representação da família, 
projetou a situação para o futuro, indicando desejar crescer logo. Na 
presença da mãe, permaneceu calado, e ela aparentemente não reco- 
nheceu o trabalho realizado por ele, ou por não percebê-lo, ou por 
não querer aceitá-lo como se mostrava. O menino não expressou 
sentimentos, demonstrando também uma autoimagem empobrecida, 
pois não soube falar de si e de suas próprias características. 
122 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
menino, 12 anos de idade 
Figura 8. Autorretrato. 
Figura 9. Álbum de família. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 123 
A mãe procurou atendimento psicológico por indicação da esco- 
la, com a queixa de dificuldade de aprendizagem. Na ocasião, contou 
que o filho sempre foi uma criança “atrasada em tudo”, que aprendeu 
a andar no “último prazo”, falou com quase três anos, junto com sua 
irmã de dois anos. Embora fosse descrito pelos professores como uma 
criança inteligente, entregava sempre as provas “em branco”, mas em 
prova oral respondia a tudo. Sua caligrafia era feia e escrevia em letra 
bastão. 
Na atividade de colagem com o tema “Autorretrato”, notou-se 
que o menino representou a si mesmo com uma grande quantidade 
de figuras de objetos de seu interesse, indicando possivelmente ca- 
rência afetiva revertida em característica consumista. A única repre- 
sentação humana foi por meio da figura de um exército, que poderia 
simbolizar a falta de identidade somada a aspectos de repressão e de 
controle. Fez posteriormente “Álbum de família” utilizando muitas 
figuras de prédios, que refletia a sua vivência familiar, visto que a 
mãe como arquiteta desenvolvia seus projetos em casa; além disso, a 
ausência de figuras humanas remetia, mais uma vez, a dificuldades 
afetivas. Quando a produção da criança foi apresentada à mãe, o 
menino ficou aparentemente amedrontado com a decepção que ela 
mostrou em relação ao seu trabalho. 
124 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
outras análises 
Alguns comentários poderiam ser acrescentados com a finalida- 
de de ressaltar a riqueza expressiva da colagem. 
Como nos referimos anteriormente, o uso do espaço também é 
um indicador importante. Algumas vezes, a criança utiliza todo o 
espaço, ou cola as figuras umas sobre as outras, resultando em uma 
produção caótica que pode refletir tanto aspectos emocionais como 
comprometimentos de outra ordem. Outras vezes, a imagem escolhi- 
da tem maior significado, dependendo da posição que ocupa na 
cartolina, central ou não, invertida ou não. Um exemplo curioso 
deste fato ocorreu na colagem de um menino de 8 anos de idade, que 
apresentou refluxo no início da vida e, por vomitar na perua escolar, 
foi apelidado de “mister vômito” por seus colegas. A primeira figura 
escolhida por ele foi de uma mãe amamentando um bebê colocada 
de ponta-cabeça no centro da cartolina. 
A escolha de figuras para realização da colagem também pode 
ser utilizada pela criança para revelação de segredos familiares, tais 
como situações que envolvem uso de drogas, prisão e alcoolismo por 
parte de algum membro da família. Tais imagens oferecem a possibi- 
lidade de incluir esses assuntos nas intervenções a serem realizadas, 
tanto com as crianças, quanto com os pais. 
Outra conduta da criança que merece destaque é a de recortar uma 
figura já cortada com o objetivo de separar ou excluir alguns de seus 
elementos ou, simplesmente, para fazê-la caber na cartolina. A imagem 
fica destituída então de uma parte, o que indica que a criança não quer 
aceitar o significado a ela atribuído. Por exemplo, excluir um dos mem- 
bros da figura de uma família, sendo que, no material oferecido, cons- 
tam diversos tipos de configurações familiares. O ato de recortar, ex- 
cluindo ou dividindo as partes constitutivas do todo de uma figura, 
parece obedecer à necessidade da criança de explicitar seu desejo. 
Raramente ocorre de a criança abandonar a colagem para fazer 
desenhos utilizando o material gráfico oferecido. Tal comportamento 
pode ser entendido como uma oposição ao psicólogo ou como uma 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 125 
resistência em realizar a tarefa, que, na concepção de Oaklander (1980), 
a colagem remete a criança a experiências sensoriais primitivas base- 
adas no tato e na visão. Vale lembrar que desenhar ou escrever, como 
também ocorre às vezes, são habilidades que surgem em etapas pos- 
teriores do desenvolvimento da criança. 
Menos frequente ainda é a criança assinar ou escrever o seu nome 
ao término da colagem. Exceções ocorrem quando ela teme que sua 
produção não seja identificada pelos pais no “Jogo de adivinhação”, 
anteriormente mencionado, ou quando ela tem necessidade de rea- 
firmar sua identidade. 
Alguns indícios de criatividade podem ser observados quando 
a criança integra em um todo harmônico o uso dos materiais dispo- 
níveis, completando com desenhos as imagens escolhidas. 
Sakamoto e Bacchereti (2007) abordam a utilização da técnica de 
recorte-colagem na psicoterapia, orientação profissional e psicodiag- 
nóstico de adolescentes e de adultos, porém não trazemdetalhes de 
suas experiências clínicas. Enfatizam, contudo, sua importância para 
viabilizar a expressão de pacientes muitos ansiosos ou com dificul- 
dades de comunicação. 
4. Considerações finais
Notamos que a realização da colagem é, de modo geral, de fácil 
aceitação por parte do cliente, seja criança, seja adolescente, ou dos 
pais. Enfim, pessoas de diferentes faixas etárias e de diferentes con- 
dições socioeconômicas costumam realizar tranquilamente a tarefa 
proposta, por se tratar de uma atividade conhecida por todos que um 
dia frequentaram a escola. 
Do ponto de vista psicológico, consideramos que a atividade de 
colagem tem um caráter projetivo na medida em que expressa senti- 
mentos e conflitos, ou seja, aspectos do mundo interno das crianças 
e também de seus pais que são desconhecidos para eles. 
126 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Naquele momento em que nos vimos sem a possibilidade de 
utilizar os testes projetivos antes usados nos psicodiagnósticos de 
crianças, a colagem foi introduzida como um novo recurso e tem-se 
mostrado muito valiosa para a observação e compreensão não só dos 
aspectos intrapsíquicos, como também das interações familiares quan- 
do a tarefa é conjunta. 
Constatamos com a prática que as intervenções do psicólogo 
durante o psicodiagnóstico interventivo são facilitadas por meio da 
colagem. O aspecto lúdico dessa atividade parece também atuar como 
motivação para sua realização e para compreensão de aspectos sub- 
jetivos, expressos de forma simbólica. 
Concluímos que o uso da colagem como material expressivo na 
clínica de crianças contribui sobremaneira para a compreensão diag- 
nóstica que ultrapassa a individualidade da criança e oferece efetiva- 
mente material de intervenção que está além dos limites de uma 
comunicação verbal. 
Referências bibliográficas 
ANCONA-LOPEZ, M. Contexto geral do diagnóstico psicológico In: TRINCA, 
Walter (Org.). Diagnóstico psicológico: a prática clínica. São Paulo: EPU, 1984. 
DIÁLOGOS CIÊNCIA E PROFISSÃO, n. 3, dez. 2005. 
OAKLANDER, V. Descobrindo crianças: abordagem gestáltica com crianças e 
adolescentes. Tradução de George Schlesinger; revisão científica da editora e 
direção da coleção de Paulo Eliezer Ferri de Barros. São Paulo: Summus, 1980. 
PSICOLOGIA. Legislação, Resoluções e Recomendações para a Prática Pro- 
fissional. Publicação do Conselho Federal de Psicologia, 2011/2012. 
SAKAMOTO, C. K.; BACCHERETI, L. F. A técnica de recorte-colagem e suas 
aplicações nas práticas psicológicas. In: (Org.). O olhar criativo sobre 
a prática em psicologia. São Paulo: Mackenzie, 2007. 
127 
Capítulo VII 
Interlocuções entre a clínica 
psicológica e a escola no 
psicodiagnóstico interventivo 
Lucia Ghiringhello 
Suzana Lange P. Borges 
Grande parte das queixas apresentadas no encaminhamento das 
crianças para atendimento psicológico está relacionada a dificuldades/ 
problemas na aprendizagem. São queixas que, independentemente 
de surgirem na escola — a partir das avaliações dos professores, 
orientadores etc. — ou em casa — em relação à frustração da expec- 
tativa dos pais, por exemplo —, aparecem relacionadas com o am- 
biente escolar. 
O psicodiagnóstico interventivo tem como pressuposto compre- 
ender a criança no seu contexto, do qual faz parte a escola. Propomos 
a inclusão desse contexto não só como parte do processo de avaliação, 
mas também como objeto de nossa intervenção, através de devoluti- 
vas e orientações em relação à queixa apresentada. 
128 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Entendemos por escola uma instituição cujas funções são o 
ensino e a formação dos alunos, sendo ao mesmo tempo um espaço 
físico e um campo relacional que envolve professores, alunos, fun- 
cionários e direção. Essa concepção de escola aproxima-se do con- 
ceito de microssistema tal como definido por Brofenbrenner: “Um 
contexto no qual há um padrão de atividades, papéis sociais e rela- 
ções interpessoais que são experienciados pela pessoa em desenvol- 
vimento”. A ênfase no termo experienciado indica “a maneira como 
a pessoa percebe e dá significado ao que vivencia no ambiente, o 
que vai bem além das características físicas” (apud Koller, 2004, p. 
57). Soma-se a esse trabalho compreender a forma como a família 
se relaciona com a escola da criança e quais as expectativas em re- 
lação ao papel que esta deve cumprir. Dessa maneira, é importante 
conhecer os projetos de futuro que os pais tecem para o filho, que 
incluem, frequentemente, os sonhos de uma vida melhor como re- 
sultado de maior escolaridade. É comum os pais falarem da espe- 
rança de que o filho consiga atingir um grau de escolaridade para 
além do deles, “para que não tenha que passar pelo que passei”. A 
escola aparece nesse sentido como possibilidade de mudança e 
oferta de oportunidade: é lá que a criança faz conquistas, descobre 
amigos, adquire autonomia e se exercita para ser um futuro adulto 
e cidadão. Por outro lado, lá a criança é avaliada e, muitas vezes, 
julgada; poderá ser humilhada (Gonçalves Filho, 2007), ou sofrer 
preconceitos (Souza, 2007). Para compreender a criança nesse con- 
texto, será necessário conhecer o significado que ela atribui ao pro- 
cesso de aprendizagem, à escolarização e ao seu relacionamento com 
os educadores e os colegas. No processo do psicodiagnóstico inter- 
ventivo, independentemente de qual seja a queixa trazida pelos pais, 
realizamos uma visita à escola, pois esta pode abrir novas possibi- 
lidades para a compreensão de como a criança está relacionada à 
queixa, quais significados atribui processo de aprendizagem e como 
se relaciona com o contexto escolar. Pensamos que a visita escolar 
pode ser considerada obrigatória quando a queixa se refere à esco- 
la e ao processo de ensino-aprendizagem. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 129 
A realização de uma visita escolar no decorrer do processo do 
psicodiagnóstico é proposta também por Avoglia (2006), Maichin 
(2006) e Souza (2007). As autoras partem de referenciais teóricos di- 
versos, mas concordam que a visita escolar tem contribuições impor- 
tantes a oferecer ao processo do psicodiagnóstico, especialmente 
quando essa avaliação aborda a queixa escolar. 
A visita contribui também para aproximar o psicólogo clínico da 
escola e para desmistificar a sua atuação (que há alguns anos se res- 
tringia ao trabalho no consultório, fato que impedia uma visão mais 
global das queixas apresentadas) e, ao mesmo tempo, reduz os riscos 
de toda a problemática infantil ser atribuída apenas a problemas in- 
trapsíquicos, culpabilizando a criança por suas dificuldades. 
Para que a visita escolar contribua efetivamente para uma melhor 
compreensão da criança, é preciso tomar alguns cuidados: ela deve 
ser marcada após o primeiro contato com a criança, e tanto ela como 
seus pais e a escola precisam ser esclarecidos quanto aos seus objeti- 
vos, além de concordarem com a sua realização. 
Avoglia (2006) propõe que na visita escolar observem-se os se- 
guintes aspectos: 
• Espaço físico: considerando o espaço por onde as crianças
transitam; como está organizado para recebê-las; quais os
brinquedos/equipamentos disponíveis; orientações se há
presença de inspetores etc.
• Higiene ambiental.
• A disposição do espaço e do mobiliário, avaliando se favore- 
ce atividades em grupo, contato com os professores fora da
sala de aula, acesso à direção etc.
• A merenda, a qualidade dos materiais pedagógicos, os livros
e recursos audiovisuais disponíveis.
O conhecimento sobre esses aspectos contribuirá para contex- 
tualizar a queixa escolar. Além disso, Maichin (2006) recomenda 
que o foco da visita escolar se volte para as relações sociais que a 
130 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
criança estabelece com os colegas e professores e como é percebida 
por eles. 
Souza (2007) relata como procede para que a interlocução com a 
escola seja efetiva. Ela descreve que inicia seu contato com a escola 
solicitando um relatório e, para tanto, envia um roteiro por meio dos 
pais. Caso a escola elaboreo relatório, este se constituirá no ponto de 
partida para a visita escolar. No entanto, a não elaboração do relató- 
rio não constitui um impeditivo para a visita. A autora ressalta que, 
ao programar a visita, tem o cuidado de procurar garantir a presença 
da professora e de um membro das instâncias decisórias, como o 
coordenador ou diretor. Segundo a autora, com esse procedimento 
ela sinaliza que o processo de aprendizagem de uma criança é da 
responsabilidade não só da professora que está com ela no dia a dia, 
mas também de toda a escola. 
Da nossa parte, consideramos importante que na visita escolar 
sejam observados: o espaço físico (construção e entorno), cuidados 
com higiene e manutenção, procurando identificar os recursos que 
oferece, tais como, espaço para brincadeiras, sala de informática, bi- 
blioteca, playground para que as crianças possam se desenvolver de 
forma global. 
É oportuno lembrar que, durante a visita, é preciso tomar o má- 
ximo cuidado para que a criança não fique exposta diante dos colegas 
e seja identificada como aquela que está sendo observada, ou como 
uma criança problemática. Se nesta situação a professora comentar o 
desempenho da criança ou seus problemas, sem que se possa impedi- 
-la ou interferir, recomenda-se abreviar a duração deste procedimento. 
Além da observação, é importante que o psicólogo entreviste a 
professora para conhecê-la e poder apreender como percebe o aluno. 
Avoglia (2006) propõe fazer uma entrevista com a professora para 
saber como a criança se comporta na sala de aula e como é o seu 
relacionamento com ela e com os colegas. Sugere também que se 
procure compreender, na perspectiva da professora, como os pais 
acompanham a escolaridade do filho, se e como participam de festi- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 131 
vidades e reuniões pedagógicas. Nessa entrevista o psicólogo inves- 
tigará também como a professora se conduz diante das dificuldades 
apresentadas pela criança. 
A opção de fazer ou não uma observação da criança em sala de 
aula deve ser adotada criteriosamente, considerando a queixa e as 
características da criança. Quando nos decidimos por ela, sugerimos 
que a criança seja observada em sala de aula e em atividades mais 
livres, atividades semiestruturadas ou não estruturadas (merenda, 
recreio), procurando compreender como se relaciona com os profes- 
sores e colegas, como se organiza para a realização das tarefas que 
lhe são propostas, como se relaciona com a aprendizagem, seu envol- 
vimento e interesse. 
Na observação da professora durante a aula, procuramos com- 
preender sua didática, seu relacionamento com as crianças e o que 
deixa transparecer de sua relação com a profissão. 
Para Souza (2007), ao conhecer a escola e seus atores, o psicólo- 
go deve buscar uma relação horizontal e a suspensão de crenças, 
juízos de valores e preconceitos, abrindo-se para a experiência direta 
com a escola concreta e com pessoas singulares. É importante que o 
psicólogo ouça a versão da escola a respeito da queixa, que levante 
questões, apresente informações pertinentes e, ao mesmo tempo, re- 
conheça e valorize os esforços e recursos da escola quanto às dificul- 
dades da criança. 
Concordamos com Souza a respeito da necessidade de o psicó- 
logo adotar essa postura, pois só assim ele poderá entrar em contato 
com a realidade escolar na perspectiva dos educadores e buscar 
apreender como a criança é vista nesse contexto. 
A realidade é múltipla, pode ser interpretada a partir de diferen- 
tes perspectivas, possibilitando inúmeras versões. As várias interpre- 
tações a respeito da criança compõem uma visão caleidoscópica da 
qual emergem concordâncias, divergências, zonas de harmonia e de 
conflito, fraturas e configurações que nos permitirão avançar na com- 
preensão da queixa trazida pelos pais e fazer intervenções. 
132 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Para que o contato com a escola se constitua efetivamente como 
elemento importante do psicodiagnóstico, é necessário que os aspec- 
tos escolares façam parte da devolutiva aos pais, e às crianças. Por 
essa razão, na perspectiva do psicodiagnóstico interventivo, conclu- 
ída a visita preparamos uma sessão para os pais na qual expomos 
nossas impressões sobre o papel da escola na etapa do processo de 
aprendizagem em que a criança se encontra, as relações pessoais que 
ela estabelece no ambiente escolar, abordando a estrutura, recursos e 
condições da escola. 
Sabemos que é relevante a maneira como o aluno percebe e vi- 
vencia a situação que encontra na escola. O caderno escolar, como 
instrumento utilizado no cotidiano e como material da criança, ofe- 
rece o registro de fragmentos do dia a dia escolar e permite apreender 
as relações que se estabelecem nesse contexto, no que tange às ques- 
tões de ensino-aprendizagem (Santos e Souza, 2005). 
É importante atentarmos aos diversos significados e usos que 
foram e são atribuídos a esse instrumento na e pela escola, para po- 
dermos entender de que forma analisar os cadernos escolares duran- 
te o diagnóstico interventivo. 
Desde que se instituiu o ensino formal com a criação das escolas, 
os cadernos estão ligados à ideia de educação, aprendizagem e pro- 
cesso de escolarização. Hébrad (2001, p. 118) relata que “o caderno é 
um instrumento comum do aluno de colégio desde o século XVI” e 
situa a generalização do uso do caderno escolar na França no primei- 
ro terço do século XIX. Antes desse período, as informações eram 
registradas em pequenas lousas. No século XX, o uso dos cadernos 
escolares se difundiu e passou a ser amplamente adotado pelas esco- 
las, sendo visto como um instrumento de controle. 
O caderno escolar é, entre os instrumentos didáticos, um dos 
mais tradicionais nos diferentes níveis do sistema educacional. Possui 
inúmeras funções e adquiriu vários significados tanto para os profes- 
sores quanto para os alunos. Os cadernos registram o conteúdo das 
matérias ministradas, são meios de comunicação entre pais e docen- 
tes, facilitam o acompanhamento das atividades realizadas pelos 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 133 
professores e pela coordenação da escola. Além disso, são uma fonte 
de informações que amplia a visão dos professores em relação às 
possíveis dificuldades de aprendizagem e fornece pistas de como as 
crianças se relacionam com a escola e como vivenciam o processo 
ensino-aprendizagem. Os cadernos pertencem às crianças e são utili- 
zados por elas, mas são também uma forma de controlar o que o 
professor ensina e acompanhar a maneira como o aluno realiza as 
atividades propostas. 
Os cadernos expressam as relações entre o professor e o aluno. 
As anotações e bilhetes redigidos pelo professor permitem observar 
a relação que se estabelece entre ele e a criança. 
As relações com os cadernos escolares não representam a totalidade 
das relações vividas no cotidiano escolar. Mas, especialmente na eta- 
pa inicial de escolarização, estes são instrumentos didáticos que me- 
deiam decisivamente muitas das experiências vividas na escola (Santos, 
2002, p. 136). 
A maneira como o professor se dirige ao aluno expressa muitas 
vezes não apenas uma avaliação dos conteúdos ministrados, mas 
também suas expectativas em relação ao estudante. 
O professor espera que o aluno perceba e dê sentido a estas 
mensagens e tente atendê-las. Cada criança, no entanto, fará isso a 
seu modo, imprimindo a sua singularidade, o que, muitas vezes, 
poderá não corresponder às expectativas dos professores ou dos pais 
e acarretar conflitos. 
Santos (2002) mostra que os cadernos escolares são como um 
retrato da criança e que a análise deste material permite compreender 
melhor a sua capacidade de entrar em contato com a realidade, per- 
ceber e conhecer os objetos que nela se encontram e fazer uma ava- 
liação das funções cognitivas, tais como memória, linguagem, per- 
cepção, habilidades visuais e espaciais. Outro aspecto importante a 
ser verificado nos cadernos escolares é como a criança expressa o graude desenvolvimento das funções executivas (Luria, 1981): lógica, es- 
134 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
tratégia, planejamento, resolução de problemas, raciocínio hipotéti- 
co-dedutivo, organização, manejo de tempo, memória de trabalho 
(habilidade de manter informações na mente, enquanto executa uma 
tarefa), atenção sustentada e inibição de impulsos. 
As funções cognitivas e executivas são a base para a criança 
poder planejar e executar as atividades escolares. Detectar possíveis 
dificuldades nestas áreas permite que pais e professores as auxiliem 
através de estratégias específicas, possibilitando, desta maneira, o 
melhor desenvolvimento de suas capacidades. 
Sadalla (1999, p. 171) aponta que precisamos estar bastante 
atentos a alguns aspectos importantes antes de analisar os cadernos 
escolares: “É fundamental olhar o material da criança como um todo, 
do começo ao fim, folheando-o de forma cuidadosa para que se 
tenha uma ideia de sua completude antes de se realizar uma análi- 
se pontual”. 
Para a autora, o ideal é pedir à própria criança que “apresente” 
seu material, solicitando que vá “explicando” algumas situações, tais 
como atividades repetitivas; atividades não realizadas ou realizadas 
parcialmente e os “bilhetes” da professora. Pedir que conte o que pen- 
sa sobre o seu caderno, sobre as atividades em que se sente competen- 
te, de que gosta e de que não gosta (Sadalla, 1999, p. 172). Com esta 
prática, possibilitaremos às crianças e adolescentes a oportunidade de 
se expressarem em situações que foram vivenciadas na execução destas 
tarefas, valorizando a sua vivência. Sadalla salienta que, sempre que 
possível, convém pedir aos professores que mostram a produção de 
outros alunos da mesma série, o que permite uma análise comparativa. 
Esta estratégia possibilita compreender melhor como este professor 
percebe seu aluno no que se refere aos progressos e retrocessos que 
apresenta na aquisição de determinados conhecimentos. 
Santos e Souza (2005) apontam que muitas escolas, ao analisar a 
produção do material escrito pelos alunos, tendem a supervalorizar 
aspectos como capricho, limpeza, organização, linearidade e demais 
elementos que envolvem o preparo para alfabetização. Não levam em 
consideração, no entanto, fatores que são indicadores do desenvolvi- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 135 
mento cognitivo, como linguagem verbal, habilidades gráficas, entre 
outros. 
De acordo com Santos (2002, p. 138): 
avaliar o nível de letramento em que se encontra o aluno; sempre que 
possível buscar, junto ao aluno, aos pais e aos professores, informações 
complementares a fim de que aquilo que está registrado nos cadernos, 
provas, fichários e folhas avulsas possa ser compreendido. 
No exame dos cadernos, devemos estar atentos a: tamanho e le- 
gibilidade da letra; uso da borracha; organização; atenção aos erros 
cometidos; correções feitas pelos professores; identificar de que modo 
uma produção foi realizada (cópia da lousa, produção individual, em 
grupo, qual o auxílio dado pelo professor); observar a diferença de 
desempenho nestas situações, além do cuidado com o material escolar. 
O exame dos cadernos deve ser contextualizado no ambiente em 
que foi produzido e à situação global da criança. Segundo Santos 
(2002), as crianças que iniciam o processo de escolarização precisam 
de algum tempo para se familiarizar com as regras para a utilização 
dos cadernos e para que estas se consolidem. Necessitam adquirir o 
domínio de algumas normas bastante específicas, como, por exemplo, 
escrever da esquerda para a direita, de cima para baixo, respeitar as 
linhas de margem à esquerda e à direita, que delimitam o espaço para 
a escrita do aluno, e saber que nada deve ser escrito ultrapassando 
as margens. O aluno aprenderá também que o preenchimento das 
folhas deve obedecer à sequência cronológica das tarefas, que os tí- 
tulos enunciam as atividades, quando usar letras maiúsculas e mi- 
núsculas, pular linhas, organizar os itens registrados e reproduzir 
conteúdos apresentados na lousa. 
É preciso observar como os conhecimentos anteriores foram in- 
teriorizados, e a etapa em que a criança se encontra poderá ser iden- 
tificada através de seus cadernos. 
Espera-se que, no período inicial de escolarização, a criança seja 
orientada pelos professores de maneira adequada para que aprenda 
136 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
a usar o caderno e como manuseá-lo, pois estes são hábitos que ela 
precisa desenvolver. Os professores devem transmitir a ela que nos 
cadernos terão os registros de suas conquistas no campo dos conhe- 
cimentos adquiridos. 
Segundo a mesma autora, somente nas séries mais avançadas, a 
partir do 4º ano do ensino fundamental, a criança começa a conquis- 
tar um espaço próprio no uso do caderno, utilizando-o de uma forma 
mais livre, não somente para registro dos conteúdos das disciplinas. 
Passa a ser um lugar de expressão de sua singularidade e, no qual a 
criança nele pode registrar desenhos, caricaturas, poemas, versos, 
mensagens de colegas de classe. 
A análise dos cadernos escolares mostra-se um instrumento útil 
na compreensão de crianças que são encaminhadas para avaliação 
psicológica, mesmo quando não há uma queixa escolar, uma vez que 
traduzem sua maneira de ser no mundo. 
No processo de psicodiagnóstico interventivo, a análise do ma- 
terial escolar e das visitas à escola fornece indicadores que auxiliam 
a pensar em vários aspectos que poderão ser abordados com os pro- 
fessores, pais e crianças. Pode ajudar a mediar situações de conflito 
familiares ou escolares, que se estabelecem diante das dificuldades, 
e a descobrir novas estratégias para lidar com estas situações. No 
entanto, após o contato com esse material, é necessário trabalhar com 
a criança e com os pais para concluirmos nossa avaliação e investi- 
gação sobre a queixa apresentada e podermos melhor intervir junto 
à criança, sua família e a escola. Para tanto, realizamos com a criança 
um trabalho no consultório. 
Em nossa prática clínica, notamos que muitos pais que procuram 
atendimento psicológico para seus filhos apresentam a queixa em 
termos absolutos: dizem que a criança não lê e não escreve; ou escre- 
ve, mas não lê; ou só copia. É necessário, então, investigar o desen- 
volvimento da criança na escrita e leitura de modo bem específico. 
A sondagem inicial pode ser feita por meio de jogos diversos 
(disponíveis em lojas especializadas em materiais educativos) que 
utilizam palavras, sílabas e letras, através dos quais podemos verifi- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 137 
car se as crianças conhecem as letras, como associam as palavras e 
suas iniciais, se juntam desenhos e descobrem como se formam as 
palavras, se são capazes de associar a figura à letra, e como aprendem 
a formar e soletrar palavras. 
Em um segundo momento, realiza-se uma avaliação formal com 
o objetivo de verificar o nível conceitual da escrita, tomando como
referência os níveis identificados por Emilia Ferreiro (1999). Nessa 
avaliação, solicita-se que a criança escreva seu nome e, em seguida, 
ditam-se cinco palavras relacionadas ao universo de cada criança. 
Começa-se com palavras polissílabas, depois trissílabas, dissílabas e 
monossílabas, e por último, pede-se que escreva uma pequena frase. 
Concluída essa escrita, solicitamos à criança que leia tudo o que es- 
creveu. Ficamos ao lado dela e pedimos que leia devagar e vá indi- 
cando, com o dedo apoiado no papel, a palavra que está lendo en- 
quanto fazemos um registro de suas respostas. 
Essa investigação possibilita identificar em que fase de aquisição 
de escrita e leitura a criança se encontra: 
• Nível pré-silábico — nesta fase a criança começa a diferenciar
letras de números, desenhos ou símbolos. Este nível é subdi- 
vidido em duas fases: fase pictórica, na qual a criança registra
garatujas e desenhos, e fase gráfica primitiva, em que a crian- 
ça registra símbolos ou letras misturadas com números. Exem- 
plos: TRAQ (casa); AIVNOAXE (abacaxi).• Nível silábico — nesta etapa a criança conta os “pedaços sono- 
ros”, isto é, as sílabas, e coloca um símbolo (letra) para cada
pedaço. A noção de que cada sílaba corresponde a uma letra
que pode acontecer com ou sem valor sonoro convencional.
Exemplos: AO (gato) ou GT (gato) com valor sonoro; LI (gato)
ou EI (gato) sem valor sonoro.
• Nível silábico-alfabético — verificamos que este é um momento
conflitante para a criança, pois ela precisa negar a lógica do
nível silábico. Nesta etapa o valor sonoro torna-se imperioso,
e a criança começa a acrescentar letras principalmente na
primeira sílaba. Exemplo: TOAT (tomate).
138 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
• Nível alfabético — a criança reconstrói o sistema linguístico e
compreende a sua organização. Exemplo: A criança sabe que
os sons L e A são grafados LA, que T e A são grafados TA e
que, juntos, significam LATA.
• Nível ortográfico — nesta etapa dos níveis conceptuais linguís- 
ticos, a criança apresenta-se na fase alfabética e necessita de
intervenção do professor na ortografia. Exemplos: conheceno,
convesa, lipesa, vamus, pasarino etc.
No caso das crianças alfabetizadas, podemos utilizar testes psi- 
copedagógicos específicos para avaliação da leitura e da escrita. No 
final do processo do psicodiagnóstico interventivo, elaboramos um 
relatório que sintetiza e organiza o que foi compreendido, focalizan- 
do a criança no seu todo a partir da queixa inicial. Incluímos no re- 
latório orientações e recomendações para os pais e professores no 
sentido de favorecer o processo de aprendizagem. 
O relatório é apresentado inicialmente aos pais e, obtida sua 
autorização, será enviado à escola. Em seguida, agendamos uma 
segunda entrevista com a escola para a entrega e discussão do rela- 
tório. Nessa visita procuramos envolver o professor e motivá-lo a 
colaborar com os ajustes possíveis para atender às dificuldades da 
criança. Na devolutiva, cabe ao psicólogo estabelecer um diálogo com 
o professor para, juntos, buscar estratégias de ensino que se mostrem
adequadas ou não para aquela criança. Nesse sentido, o psicólogo 
pode contribuir propondo alternativas para reorientação da prática 
pedagógica utilizada pelo professor até o momento, sugerindo situa- 
ções capazes de gerar novos avanços na aprendizagem dos seus 
alunos, que sirvam também de material de pesquisa para definir as 
possíveis intervenções e obter dados sobre o processo de aprendiza- 
gem de cada criança. Para ilustrar como utilizamos a visita escolar, a 
análise dos cadernos escolares, as devolutivas aos pais e a interlocu- 
ção com a escola no processo do psicodiagnóstico interventivo, des- 
creveremos um caso de uma criança, a quem chamaremos de Pedro, 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 139 
que tinha dez de anos de idade quando foi encaminhada pela escola 
para avaliação psicológica. 
O menino cursava a 4ª série (atual 5º ano) do ensino fundamen- 
tal I e apresentava dificuldades nas disciplinas de Língua Portuguesa 
e Matemática. Segundo a professora, o aluno não estava alfabetizado, 
tinha problemas de comportamento e era muito quieto. 
Seus pais relataram dificuldades em seu relacionamento e, no 
transcorrer do psicodiagnóstico, decidiram separar-se, embora te- 
nham continuado a comparecer juntos aos atendimentos do filho. 
Disseram perceber as dificuldades escolares de Pedro, mas não tinham 
muito como ajudá-lo, pois haviam frequentado a escola por pouco 
tempo, cursando somente até a segunda série (atual 3º ano) do en- 
sino fundamental I. 
No decorrer das sessões lúdicas e de jogos psicopedagógicos 
com Pedro, verificamos que ele tinha muita dificuldade para expres- 
sar seus sentimentos e emoções. Por outro lado, possuía capacidade 
de abstração, efetuava operações matemáticas, reconhecia letras e 
sílabas e construía palavras simples com certa facilidade. Podia-se 
dizer que se encontrava no nível alfabético, embora ainda cometes- 
se erros ortográficos em consequência de um processo de alfabeti- 
zação deficitário, possivelmente decorrente das constantes mudan- 
ças de professores nas séries iniciais. Pedro mostrava o desejo de 
aprender e sentia-se envergonhado por se perceber como alguém 
incapaz, o que era reforçado pelos bilhetes da professora em seu 
caderno: “Não fez a lição”, “Lição incompleta”, “Preste atenção”, 
”Veja os erros que cometeu!”. Em nenhum momento encontramos 
alguma anotação que valorizasse sua produção. Este aspecto foi 
trabalhado com ele, procurando restabelecer sua autoestima; aos 
poucos, Pedro começou a se expressar mais, já que até então era um 
menino muito contido. 
Em visita à escola, conversamos sobre o que havíamos observa- 
do com as duas coordenadoras e a professora. Esta se mostrou des- 
crente dos resultados da avaliação e firmou sua posição no sentido 
de que Pedro não estava alfabetizado, que todas as suas dificuldades 
140 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
eram decorrentes de problemas familiares e pouco havia a fazer. Já 
as coordenadoras revelaram-se educadoras mais sensíveis e dispostas 
a ajudar não somente Pedro, mas também outros alunos que apre- 
sentavam dificuldades semelhantes. 
As coordenadoras solicitaram uma ação psicológica junto ao 
corpo docente, buscando sensibilizá-lo a desenvolver um novo olhar 
e criar novas estratégias para as dificuldades escolares dos alunos. Os 
professores foram convidados a participar de um grupo de reflexão 
sobre as dificuldades que encontravam no seu dia a dia com alguns 
alunos que não vinham apresentando progresso em seu processo de 
alfabetização. Poucos foram os que aderiram a esta proposta, e a 
professora de Pedro optou por não participar. Ela se considerava uma 
profissional experiente, estava prestes a se aposentar e acreditava que 
não tinha mais como contribuir para o aprendizado do aluno. Ao 
longo do trabalho realizado nesta escola, os educadores que partici- 
param do grupo relataram o quanto foi significativo, pois puderam 
trocar experiências e compartilhar suas angústias buscando, com a 
ajuda dos psicólogos, novas formas de atuação com seus alunos. 
Mencionaram que a professora de Pedro passou a se queixar de que 
ele estava um “menino mais danado”, que começou a fazer pergun- 
tas quando não compreendia a matéria e a interagir com os colegas 
de maneira mais espontânea. Do ponto de vista das coordenadoras e 
dos demais educadores, este comportamento de Pedro era extrema- 
mente construtivo para seu processo de aprendizagem. 
O caso descrito mostra que, quando uma criança ou adolescente 
apresenta dificuldades de aprendizagem, é possível através do psi- 
codiagnóstico interventivo procurar maneiras de ajudar alunos e 
professores a resolver essas questões. Nessa medida, o psicodiagnós- 
tico interventivo permite às pessoas envolvidas abrir-se ao outro, 
deixando de lado preconceitos, na tentativa de penetrar de maneira 
espontânea nas intuições, compartilhar percepções, sentimentos e 
sensações, que possibilitam melhor compreender a vivência da crian- 
ça em relação às questões escolares. É importante formar uma com- 
preensão que englobe as percepções de cada um dos envolvidos no 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 141 
processo, alunos, pais e escola, fazendo com que as questões possam 
circular e ser compartilhadas, realizando intervenções e construindo 
novas formas de atuação para o psicólogo. Cabe ressaltar que o al- 
cance e a abrangência dessa interlocução dependerão dos diversos 
personagens envolvidos nesse processo. 
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143 
Capítulo VIII 
Visita domiciliar: 
a dimensão psicológica do espaço habitado 
Ligia Corrêa Pinho Lopes 
“Nós vos pedimos com insistência 
não digam nunca isso é natural! 
Sob o familiar descubram o insólito 
sob o cotidiano desvelem o inexplicável 
que tudo o que é considerado habitual 
provoque inquietação na regra 
descubram o abuso 
e sempre que o abuso for encontrado 
encontrem o remédio.” 
Bertold Brecht 
Encontra-se disponível na literatura uma gama variada de re- 
ferências à visita domiciliar. Grande parte dessas referências coloca 
a necessidade das visitas em face das diversas impossibilidades de 
o paciente comparecer ao consultório, como no caso de consultas
144 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
médicas, de reabilitação fisioterápica ou de pacientes que tiveram a 
sua mobilidade física comprometida após acidentes traumáticos, ou 
ainda que, diante destes, passaram a necessitar de acompanhamen- 
to psicoterápico: Padilha, Carvalho, Silva e Pinto (1994); Mazza (1994); 
Colacique (1996); Barbosa (1998); Oliveira (1999); Palma, Barros e 
Macieira (2000); Parra, Palau, Barrueco, Amilibia, León, Oltra e 
Escarrabill (2001); Burns, Cain e Husaini (2001); Darden, Ector, 
Moran e Quattlebaum (2001). 
No âmbito da Psicologia, também encontramos relatos de psi- 
coterapeutas que vão ao encontro de seus pacientes em hospitais ou 
nas residências destes, em função de suas dificuldades para se diri- 
gir ao consultório. No entanto, apesar de estas situações apresenta- 
rem-se como excepcionais para a reflexão da prática clínica, tornam-se 
casos isolados, em que o profissional que se vê no exercício desta 
prática deixa de registrar o seu atendimento na literatura da área, 
até mesmo por receio de críticas da sua classe profissional, princi- 
palmente por tratar-se de prática clínica diferente da comumente 
adotada por aqueles que trabalham em consultórios, com alterações 
do setting terapêutico. 
Alguns psicólogos que atuam na área de terapia familiar consi- 
deram o espaço residencial um elemento a mais para a compreensão 
da dinâmica da família que está em processo psicoterapêutico. Dentre 
eles destaco Berenstein (1988), Vidal (1999), Muxel (1999), Aubertel 
(1999), Darchis (1999). Para eles, a casa é o primeiro nicho da identi- 
dade, e o espaço residencial da família reflete, através de suas confi- 
gurações, disposição, orientações, divisões e organização, um psiquis- 
mo grupal. Ressaltam ainda que o espaço negociado na coexistência 
das relações familiares revela a experiência afetiva daqueles que o 
habitam. O ambiente familiar concretiza, de certa maneira, o corpo 
familiar e a organização das ocupações cotidianas, e atualiza o modo 
de estar em família. 
Outra crítica comum se refere à alteração dos comportamentos 
habituais da família em razão da presença de um estranho, masca- 
rando informações que seriam importantes para a compreensão da 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 145 
dinâmica. A ela, Ackerman (1986, p. 137) responde que as mudanças 
se dão apenas em grau, e não na qualidade. 
Podemos não ver a mãe perder a paciência com o filho em casa nem no 
consultório, mas, seja seu comportamento estritamente típico ou não, 
podemos observar a qualidade de suas atitudes e relações com o filho. 
Ainda segundo Ackerman (1986), os psicoterapeutas resistem à 
visita em razão da sua insegurança e, consequentemente, tendem a 
considerá-la uma invasão e uma ameaça à família, o que pode acar- 
retar complicações no processo psicoterápico. 
A prática da visita domiciliar foi descrita por Ramos (1966) ao 
abordar a avaliação da criança portadora de “retardo mental”.1 Esta 
visita consistia em uma observação da criança em sua casa, manten- 
do-se o observador o mais neutro possível. Em alguns casos, a visita 
não era realizada pelo profissional que fazia o psicodiagnóstico, mas 
por alguém indicado por ele, visando manter a distância necessária 
para proceder a uma boa avaliação. 
Na literatura pesquisada, só foi encontrado um autor, Ackerman 
(1986), que realiza a visita domiciliar em diagnóstico. Trata-se, no 
entanto, de um diagnóstico familiar, cujos procedimentos diferem 
daqueles adotados no psicodiagnóstico interventivo de base fenome- 
nológico-existencial. Sendo assim, a visita domiciliar tem funções 
diferentes nos dois contextos. Passo, então, a apresentar alguns dos 
principais pontos de vista deste autor. 
Em relação ao diagnóstico familiar, Ackerman (1986, p. 134) 
acredita que a primeira dificuldade que o profissional da área de 
saúde mental encontra 
[...] é a obtenção de dados suficientes e seguros que o capacitem a 
fazer diagnósticos corretos e agir inteligentemente para o sucesso do 
tratamento. 
1. Conforme terminologia da autora.
146 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Neste sentido, acrescenta que 
[...] na tentativa de explorar os problemas de saúde mental da vida 
familiar, com o objetivo de relacionar o comportamento da família como 
um grupo com o comportamento de um membro da família, a visita 
aos lares torna-se um instrumento valioso (idem, ibidem, p. 135). 
A função da visita é basicamente observar os padrões de intera- 
ção familiar e a adaptação ao papel familiar. Tem ainda um interesse 
especial no clima emocional da casa, na identidade psicossocial da 
família e na sua expressão em um ambiente definido. Ela “é apenas 
um meio de avaliar a família e deve ser integrada a outros achados” 
(idem, ibidem, p. 137). 
Apesar de apontar as vantagens do conhecimento prévio da 
demanda, acredita que as visitas também podem ser feitas “[...] sem 
o conhecimento prévio do problema ou antecedentes familiares”
(idem, ibidem, p. 136). Sem que apresente detalhes de como é acor- 
dada essa visita preliminar, Ackerman (1986, p. 136) afirma que: 
“Uma certa neutralidade emocional, falta de seletividade e evitação 
de preconceito é atingida quando a história clínica não é conhecida” 
(p. 136). 
Ackerman propõe que a visita a casa deve ser informal e pode 
durar de duas a três horas. O profissional que realiza tal visita deve 
fazer seu relatório de memória, uma vez que fazer anotações na hora 
poderia prejudicar a espontaneidade da experiência; porém, ela deve 
ter em mente os dados que compõem um roteiro com direcionamen- 
tos para as observações a serem realizadas, o que, neste caso, confi- 
guraria uma visita semiestruturada. 
As reações da família ao visitante podem ser bastante interessantes. 
Algumas vezes o visitante é visto como aliado;sua aprovação é neces- 
sária e sua atenção disputada. Outras vezes, ele é visivelmente excluí- 
do. Em muitas famílias o visitante torna-se um vetor ou catalisador de 
interações familiares (Ackerman,1986, p. 137). 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 147 
A visita domiciliar, no psicodiagnóstico que faço, tem outra for- 
ma de ser realizada e comporta objetivos diferentes dos apresentados 
até agora. Mas nem sempre ela foi realizada da mesma forma. As 
mudanças aconteceram no decorrer do tempo e da aquisição de maior 
experiência profissional. Passo a contar, então, de que maneira isto 
se deu. 
Meu contato inicial com esta prática se deu quando eu ainda era 
estudante. O objetivo principal da visita domiciliar era o de ampliar 
a compreensão das relações que se estabeleciam na família. Na ocasião, 
o uso desse procedimento no psicodiagnóstico de base fenomenoló- 
gico-existencial se justificava pela necessidade de compreender a 
criança a partir da rede de relações na qual ela se encontrava inserida. 
Mas, mesmo com esse argumento, dúvidas me assaltavam: qual era 
então a diferença da visita domiciliar para a entrevista familiar? Por 
que ir à casa do cliente, se poderíamos chamar a família toda para 
uma ou mais sessões? 
A essas perguntas seguiam-se respostas explicativas: a proposta 
não era apenas conhecer as pessoas da família que não participavam 
do processo psicodiagnóstico, não era somente ampliar a compreen- 
são das relações estabelecidas, mas também tinha como objetivo entrar 
em contato com o espaço da casa da criança, ou seja, não só com quem 
ela vivia, mas como vivia. 
Essas explicações me aquietavam temporariamente, mas não 
impediam que novas questões me assediassem e, a partir delas, novos 
esclarecimentos fossem acrescentados, antes mesmo que eu pudesse 
vivenciar esse modo tão diferente de entrar em contato com os aspec- 
tos da criança e tão diferente dos demais recursos comumente pro- 
postos no psicodiagnóstico. 
Então, após as entrevistas iniciais, de anamnese e as sessões com 
a criança, agendavam-se as visitas (escolar e domiciliar) com os pais, 
que já tinham conhecimento delas, pois eram acordadas com eles e 
seus filhos por ocasião do contrato. A visita domiciliar deveria ser 
marcada quando todos ou a maioria dos familiares ou a maioria 
deles estivessem presentes. 
148 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
É importante destacar, ainda, que essa visita só se realizava me- 
diante a concordância da criança e dos pais. Ela não era obrigatória, 
isto é, não era parte imprescindível do processo. Só íamos quando 
achávamos que ela poderia confirmar as nossas hipóteses ou acres- 
centar-lhes algo. 
Para a sua realização, recebíamos várias orientações. Dentre elas, 
a de permanecer por uma hora na casa do cliente. Nem mais nem 
menos. Por que uma hora? Por que não cinquenta minutos? Ou uma 
hora e quinze? Porque este seria o tempo necessário e suficiente para 
a ocorrência das observações sem cansar o cliente — pais e criança 
— ou a família. Novas respostas para novos questionamentos. 
Também éramos orientados a observar cada membro da família 
e as suas interações; observar os aspectos da casa que mais chamavam 
a atenção; deixar que a visita ocorresse na parte da casa escolhida 
pelos familiares. As devolutivas acerca de nossas observações e com- 
preensões deveriam ser feitas somente no setting terapêutico. Apenas 
observávamos, percebíamos, mas não fazíamos qualquer tipo de in- 
tervenção. Não questionávamos os motivos desta orientação, mas 
acredito que um deles fosse o próprio objetivo — a observação, e não 
a intervenção — e, provavelmente, outro fosse um receio acerca da 
atuação de estagiários inexperientes. 
Enfatizavam-se orientações gerais em relação à postura e atitude 
ética, já que, como estagiários, contávamos com “pouca” experiência 
(na verdade, não tínhamos experiência alguma). Além do mais, esta 
não era uma atividade das mais comuns dentro da prática psicológi- 
ca, como já disse. 
Sentia-me motivada para fazer algo totalmente diferente, mas 
ao mesmo tempo insegura. Acreditava que o setting terapêutico de 
certa forma me abrigava, me acolhia, me protegia da minha pouca 
experiência. 
Apesar da recomendação aos estagiários para observar particula- 
ridades da casa, eu percebia que o ponto principal de nossas obser- 
vações, durante a visita, deveria, sem dúvida, girar em torno dos 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 149 
membros da família: como se relacionavam, qual a dinâmica que se 
estabelecia etc. E este era o meu foco. 
Entretanto, depois de algum tempo na casa, com a atenção toda 
voltada para os movimentos relacionais da família, às vezes, sobra- 
vam-me alguns minutos. E o que fazer com eles, já que não deveria 
encerrar a visita antes de uma hora? Ou, pelo menos, era assim que 
eu entendia. Na ausência de uma direção específica, o olhar vagava 
ao redor, registrando pequenos detalhes que serviam mais para ocu- 
par o tempo, sem que eu pudesse reconhecer a sua importância. 
É claro que nos registros das observações e, consequentemente, 
nas devolutivas para os pais e criança apareciam esses outros aspec- 
tos da casa; entretanto, eles acabavam ficando “soltos”, relegados a 
um segundo plano. Algumas visitas, contudo, começaram a ser reve- 
ladoras; ou, quem sabe, meu olhar passara a captar detalhes que me 
remetiam, de alguma forma, à história da criança já contada por ela 
própria ou por seus pais, ou seja, faziam sentido. 
Só para permitir ao leitor que me acompanhe, conto algumas 
histórias, sem pretender, no entanto, relatar aqui os procedimentos 
adotados, as análises e as conclusões dos psicodiagnósticos realizados. 
Os pais de um garoto de três anos trouxeram a queixa da agres- 
sividade do filho e a sua dificuldade para acatar os limites que lhe 
eram impostos. Nas entrevistas iniciais e de anamnese, contaram que 
a criança não havia sido planejada, pois nenhum deles possuía o 
desejo de ter filhos. Acreditavam que uma criança atrapalharia os 
planos profissionais de ambos. 
Por ocasião da visita domiciliar, a fala desses pais foi confirmada 
(e aparentemente apenas confirmada) pelo que o ambiente apresentava. 
O apartamento pequeno era bastante organizado. Na sala, havia 
muitos enfeites, e todos os móveis eram claros e muito limpos. Havia 
dois sofás de dois lugares, um de frente para o outro, e entre eles, 
uma poltrona. Os estofados, da cor marfim, mantinham-se muito bem 
conservados. Por ali, nenhum sinal de mãozinhas sujas ou pezinhos 
travessos; por ali, nenhum vestígio de criança. 
150 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Entre os sofás, estava uma mesinha de centro repleta de peque- 
nos animais de cristal e um cinzeiro. Na mesinha de canto, localizada 
entre a poltrona e um dos sofás e encostada na parede, havia dois 
porta-retratos, um com a foto do casal e outro com a foto do menino, 
quando ainda era bebê, além de um pequeno vaso de planta. Tudo 
na mais absoluta ordem; nenhum bichinho de cristal quebrado, sem 
uma pata, com um meio rabo, uma única orelha, enfim... 
Era preciso algum esforço para não me esquecer de que ali, na- 
quele lugar, também morava uma criança. De apenas três anos. 
Havia ainda dois quartos: um do casal e o outro, que continuava 
sendo um escritório adaptado para o filho. Permaneciam, no ambien- 
te, estantes de escritório; de um lado da parede, livros de pedagogia 
da mãe e do outro lado, os de direito do pai e, no centro, acima da 
cama do menino, três prateleiras com seus brinquedos. Eu estava 
diante de um quarto-escritório ou de um escritório-quarto de uma 
criança de apenas três anos. 
A organização do espaço, a cor clara dos móveis preservados, 
os enfeites de cristal, tudo causava certa estranheza. Principalmente, 
quando eu pensava na queixa: dificuldade de aceitar os limites im- 
postos e agressividade. Como uma casa tão atraente para uma 
criança de três anos se mantinha tão arrumada, se o garoto não tinha 
limites? 
Por outro lado, a fala dos pais, nas primeiras entrevistas, sobre 
a faltade espaço dentro deles para receber um filho se ratificava na- 
quele apartamento arrumado para um casal. O quarto-escritório do 
menino deixava claro que ele entrou no meio das carreiras profissio- 
nais de ambos. Literalmente concretizado no espaço físico: a sua es- 
tante de brinquedos situava-se entre as estantes de livros de seus pais. 
O único espaço que tinha, portanto, ainda era dividido com eles. 
Parecia-me então que o garoto tinha limites. A organização da casa 
era reveladora disto. Tudo tinha o seu lugar. Talvez esses pais não 
soubessem onde colocar esse menino sem que desarrumasse a ordem 
do casal. Neste contexto, a agressividade foi entendida como uma 
reação a esta situação. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 151 
Vamos a outra história. 
Uma menina de sete anos, que também foi atendida na mesma 
ocasião, havia sido encaminhada pela diretora da escola em que es- 
tudava por apresentar-se apática, sem vontade, muito calada e com 
dificuldade para se relacionar com os colegas. 
Os pais, durante as entrevistas, diziam não compreender o mo- 
tivo do que traduziam por uma grande tristeza, já que faziam tudo 
que estava ao alcance deles para agradar a única filha. Mas tinham a 
impressão de que nada lhe agradava efetivamente. Ressaltavam o 
fato de ser uma criança que não gostava de sair de casa sem os pais, 
por medo de carro, de cachorro, entre outros. Quando saía com o pai, 
exigia que a mãe fosse junto e, quando saía com a mãe, solicitava 
igualmente a presença do pai. 
Eram pais batalhadores que trabalhavam excessivamente para 
conseguir manter o sustento da casa. Mas não se mostravam queixo- 
sos da vida; ao contrário, enfrentavam-na com vigor. 
Na sessão da anamnese, a mãe, que compareceu sozinha, passou 
boa parte do tempo contando a sua história de vida. Relatou ter per- 
dido a mãe de forma inesperada e brutal, aos sete anos. Ficou mo- 
rando com o pai e suas duas irmãs mais novas. Dois anos após o 
acidente de sua mãe, seu pai casou-se novamente, tendo mais duas 
filhas, frutos desta nova união. 
Em relação à filha, dizia que tinha muito medo de morrer e dei- 
xar a filha sozinha e desamparada. Foi perguntado à mãe se, de al- 
guma forma, a menina tinha conhecimento de seu medo, ao que 
respondeu que conversava muito com a filha sobre este assunto. 
Também a ensinava a cozinhar, costurar e cuidar da casa, para que 
pudesse sair-se bem caso a mãe viesse a lhe faltar. 
As sessões lúdicas confirmavam a fala dos pais; a menina apre- 
sentava uma feição triste, sem vida; não se interessava pelos brinque- 
dos da caixa lúdica, passando as sessões quieta e de cabeça baixa. 
Quando alguma pergunta lhe era direcionada, respondia com boa 
vontade, mas de forma sucinta. 
152 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Na visita domiciliar, encontrei uma casa bastante simples que 
ficava localizada nos fundos da residência da avó paterna da criança. 
Ao subir uma escada, entrávamos em uma cozinha que, em seu cen- 
tro, tinha uma mesa redonda com quatro cadeiras. A mãe pediu à 
criança que me mostrasse seu quarto. Saindo da cozinha, um peque- 
no corredor levava aos dois quartos (do casal e da garota) e a um 
banheiro. A menina mostrou primeiro o quarto dos pais, que possuía 
uma cama de casal e um móvel onde ficavam a televisão, um apare- 
lho de som e o vídeo. Ao sair do quarto, ela nos apontou o banheiro 
com a porta entreaberta e, por fim, seu quarto. 
Ao entrar no quarto, fui surpreendida. Eu jamais poderia imagi- 
nar ver aquilo que via. Ele parecia pertencer a outra casa. As paredes 
eram todas pintadas com cachorros dálmatas, e nelas havia muitas 
prateleiras com bonecas de todos os tipos e tamanhos. No canto, 
embaixo da janela e encostada em uma das paredes, situava-se uma 
cama com colcha cor-de-rosa e, sobre ela, uma infinidade de bichos 
de pelúcia. Na frente, um móvel com uma televisão na parte superior 
e muitas fitas de vídeo na parte inferior. Todos os espaços eram pre- 
enchidos por brinquedos muito bem cuidados e organizados. 
Logo após a apresentação, a mãe adentrou o quarto solicitando 
à filha que abrisse o armário para mostrar mais brinquedos ali guar- 
dados. Na parte superior, havia muitas caixas de bonecas, bolas e 
panelinhas; embaixo, muitas roupas penduradas em cabides, gavetas 
que guardavam mais algumas e vários pares de sapatos. 
Era um quarto muito diferente dos outros cômodos da casa. 
Estes últimos combinavam perfeitamente com o discurso dos pais. 
Aquele quarto tão colorido, com tantos estímulos, provocava uma 
sensação de que nada faltava ali para uma menina de sete anos. Ao 
contrário, havia tantas coisas que chegavam a sufocar. 
Dois mundos distintos compunham aquela casa. De um lado, a 
falta, a escassez, a luta pela sobrevivência entranhadas em um espa- 
ço habitado por pessoas batalhadoras pela vida e, de outro, a abun- 
dância, a fartura, o vivaz, criando um ambiente contrastante com a 
ausência de vitalidade de sua dona. Em ambos, o medo da morte 
rondando e produzindo esses paradoxos. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 153 
Não deve ser difícil imaginar o impacto e o encantamento pro- 
vocados pelas visitas domiciliares dos dois casos apresentados ante- 
riormente. Para uma estagiária inexperiente, aquilo beirava a magia. 
Descobrir que a casa contava uma história, a de seus moradores, foi 
uma grata surpresa. 
Essas experiências iniciais, somadas a outras que foram se suce- 
dendo me trouxeram também inquietude em relação a esses fenôme- 
nos. Havia mais para ser feito, para ser compreendido. Era sim im- 
portante compreender as relações que a família estabelecia, conhecer 
as pessoas que conviviam com a criança, mas tinha algo que também 
se revelava no ambiente, que dizia sobre seus habitantes. Contudo, a 
falta de experiência não me permitia arriscar nada além disto. 
Mesmo depois de formada, passei a adotar esse procedimento 
da visita domiciliar no processo psicodiagnóstico. Entretanto, esta 
prática foi se modificando em relação ao modelo que me fora origi- 
nalmente apresentado. Alguns aspectos foram mantidos; muitos, al- 
terados. À medida que exercitava esse fazer, fui surpreendendo-me 
com suas possibilidades e seus resultados, e as perguntas que surgiam 
foram sendo respondidas. 
As primeiras visitas domiciliares foram utilizadas como um re- 
curso a mais. Hoje, no entanto, considero-as como parte do processo 
psicodiagnóstico. Partindo do ponto de vista de que é fundamental 
compreender a criança na rede das relações familiares, estratégias que 
permitam ampliar esta compreensão serão, sem dúvida, enriquece- 
doras. É neste contexto que se insere a visita domiciliar, que, no meu 
entender, ultrapassa a mera noção de estratégia ou técnica, podendo 
se constituir em um momento de grandes possibilidades interventivas 
e de favorecimento para consistência diagnóstica. 
Ela é acordada logo nas entrevistas iniciais, quando se fecham 
os contratos — com os pais e a criança — e, se houver a concordância 
da família, ela é marcada em data previamente combinada. Caso haja 
recusa, o processo psicodiagnóstico prossegue, contudo, os aspectos 
que seriam observados na visita domiciliar não o serão, uma vez que 
não há possibilidades de substituí-la por relatos. A recusa será explo- 
154 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
rada de tal maneira que o seu entendimento fará parte da compreen- 
são global. 
A data da visita é sempre posterior ao conhecimento da história 
de vida da criança e o estabelecimento de um vínculo mais significa- 
tivo com os clientes. 
Minha experiência aponta que se torna mais confortável, para pais 
e crianças, quando a visita é realizada no momento em que há maior 
grau de “intimidade” e confiabilidade, evitando a fantasia de que o 
psicólogo deseja “investigar” sua casa e as pessoas de sua família. To- 
davia, a visita não pode perder o cunho de um trabalho profissional e 
assumir um caráter de visita social, embora a sociabilidade da ação deva 
ser preservada, o que faz com que certa informalidade seja esperada. 
Por outro lado,acredito que a presença de um “estranho” na casa 
não deve ser desconsiderada, mesmo que seja alguém com quem 
algumas pessoas da família já têm (criança, pai e mãe) contato anterior. 
Penso que qualquer tipo de reação por parte dos clientes é mais um 
elemento para a compreensão da dinâmica estabelecida. 
O tempo de permanência não pode ser previsto ao certo, pois a 
duração, assim como o tom da visita, dependerão da interação mútua 
de visitante e família. Apesar de não se esgotar o que pode ser obser- 
vado e compreendido em um espaço que é cenário das relações hu- 
manas, é preciso estabelecer um limite para a realização da visita. O 
seu término será, então, determinado por uma avaliação do profis- 
sional em relação à suficiência de elementos para o aprofundamento 
da compreensão diagnóstica. 
A decisão quanto à parte da casa em que a visita deve se dar é 
sempre dos familiares; ficam livres e à vontade para conduzir o visi- 
tante em seu espaço. Indico apenas que as visitas sejam realizadas 
quando todos, ou a maioria dos moradores, estejam presentes, o que 
facilita a compreensão das relações que lá se estabelecem. Não utilizo 
questionários e roteiros de observação por acreditar que o “clima 
emocional” do lar vai dirigindo minhas observações. 
Não que as observações e os relatos dos pais no setting terapêu- 
tico não ofereçam subsídios para um trabalho consistente na busca 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 155 
de compreensão e intervenção, mas a observação direta, in loco, per- 
mite a visão das relações familiares em situações naturais da sua 
dinâmica. Retomo a ideia de que a visita domiciliar não tem um ca- 
ráter apenas investigativo e de observação, ela possibilita a compre- 
ensão da estrutura e da dinâmica familiar e das relações que nela se 
estabelecem e, mais do que isto, permite entrar em contato com o 
ambiente físico, que revela aspectos fundamentais, como já pudemos 
vislumbrar nas histórias citadas. 
Nestas ocasiões, a observação e a compreensão servem de base 
para as intervenções pertinentes à situação. Estas possibilitam à fa- 
mília maior entendimento do interjogo das relações e do ambiente 
físico como mais um elemento facilitador ou não do desenvolvimen- 
to familiar. De minha parte, acredito ser o psicólogo um participante 
ativo que faz intervenções à medida que experimenta as situações, 
situações estas que vão sendo apresentadas pelos clientes durante a 
visita. 
O fato de as intervenções serem feitas na casa, durante a visita, 
ou nas sessões devolutivas dependerá das condições de compreensão 
do psicólogo e de sua possibilidade de avaliar a prontidão do pacien- 
te para recebê-las e assim produzir seus efeitos terapêuticos. A dinâ- 
mica familiar, somada à forma como se é recebido na casa, fornece 
dicas da propriedade ou não da intervenção. As intervenções podem 
se reportar às situações concretas vividas na casa, produzindo efeitos 
no cliente. 
Conto agora outra história que evidencia as modificações que 
foram feitas na visita domiciliar. 
Generosa2 procurou atendimento psicológico encaminhada pela 
escola de sua filha Sílvia, de 8 anos. Era uma mulher bonita e apre- 
sentava-se bem-vestida, bem cuidada, parecendo ser bastante vaido- 
sa. Na primeira entrevista contou que a professora e a diretora estavam 
preocupadas com o comportamento de Sílvia, que, segundo elas, 
2. Os nomes citados neste relato são fictícios visando à preservação da identidade dos 
clientes. 
156 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
destoava das outras meninas de sua idade. Na ocasião em que soli- 
citaram a presença da mãe na escola, comentaram que Sílvia, além 
de falar constantemente sobre beijos, namoros etc., havia pedido para 
um colega que mostrasse seu pênis a ela. 
Comentaram também que, recentemente, fora vista no banheiro 
dos meninos espiando pela fresta da porta. Interrogada, Sílvia justifi- 
cou-se dizendo que queria saber “como os meninos faziam xixi” (sic). 
A mãe alegou não perceber tais comportamentos na filha, ressal- 
tando que era uma menina que brincava bastante, não revelando 
interesse por meninos ou namorados. Acrescentou apenas que, por 
ser sua única filha, convivia muito com adultos, participava das con- 
versas e sempre se mostrou muito curiosa. 
Generosa comentou ter ficado muito irritada com a atitude da 
escola, porque, provavelmente, esses comportamentos de Sílvia de- 
veriam estar acontecendo há mais tempo sem que lhe tivessem infor- 
mado anteriormente. Entendia que se tratava de uma “perseguição” 
(sic), uma vez que ela e seu marido não participavam das atividades 
e das convocações feitas pela escola por “serem pessoas muito reser- 
vadas” (sic). 
Em relação às entrevistas de anamnese, todas as informações 
dadas correspondiam ao esperado para as fases de desenvolvimento 
infantil. Destacava-se apenas a informação sobre a curiosidade per- 
manente (desde pequena) de Sílvia em relação ao nascimento dos 
bebês. Nestes casos, a mãe sempre fornecia as explicações que julga- 
va necessárias. Do meu ponto de vista, elas excediam o que havia 
sido perguntado pela criança. Por exemplo, ao explicar sobre o nas- 
cimento dos bebês, ela acrescentava como eles eram feitos, mesmo 
quando Sílvia ainda não havia revelado essa curiosidade. 
No meu primeiro contato com Sílvia, me deparei com uma me- 
nina que era a miniatura de sua mãe: usava batom, esmalte vermelho 
nas unhas; carregava uma bolsa a tiracolo; calçava um sapato com 
saltinho anabela e se vestia como uma mocinha. 
Nas sessões lúdicas, sempre abria sua bolsa para me mostrar o 
que ela continha: escova de cabelo, perfume, batom, enfim, coisas de 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 157 
mulher. Era uma menina inteligente, comunicativa, esperta e curiosa. 
Suas brincadeiras giravam em torno de casais de namorados, a rotina 
de um casal, atividades domésticas em que encarnava o papel de uma 
dona de casa ou de uma mulher. Não raramente colocava os bonecos 
da família mantendo relação sexual, explicando que “estavam namo- 
rando” (sic). 
Suas produções gráficas retratavam figuras de homem e mulher 
que não eram identificadas por adereços, cabelos ou vestimentas, mas 
por seus órgãos genitais. 
Essas observações ratificavam claramente a queixa da escola. E 
o que chamava a minha atenção era o fato de Generosa não reconhe- 
cer esses aspectos sexuais nas brincadeiras de Sílvia. 
Na visita domiciliar, fui recebida pela empregada e, assim que 
entrei, Generosa e Sílvia vieram em minha direção. A mãe comentou 
que estava ajudando Sílvia em suas tarefas escolares. O apartamento 
era espaçoso, claro e com móveis clássicos. 
Fui convidada a conhecer o restante da casa. Entramos primei- 
ramente na sala de almoço e cozinha. Tudo era branco: mesas, cadei- 
ras, azulejos, eletrodomésticos. Tudo muito bem cuidado, muito 
limpo e bem equipado. Quebravam a alvura do ambiente as flores 
miúdas do tecido do estofado das cadeiras, que se repetiam em um 
barrado na parede. 
Em seguida passamos por um hall de distribuição que fora trans- 
formado em sala íntima e entramos no quarto de Sílvia. Um verdadeiro 
quarto de menina: repleto de bonecas, carrinho de boneca, bichinhos, 
minicozinha etc. Predominava a cor verde-água. Não permanecemos 
muito tempo nele, apenas suficiente para que Sílvia me mostrasse 
alguns brinquedos. Parecia ansiosa para me levar ao quarto de sua 
mãe: “Você tem que conhecer o quarto da minha mãe” (sic). A mãe, 
ao escutar a filham comentou: “Ah! Ela adora ficar lá” (sic). 
Sílvia saiu do seu quarto com uma boneca na mão, encaminhan- 
do-nos para o quarto do casal. Ao entrar, largou imediatamente a 
boneca, subiu na cama dos pais e começou a pular. “Olha isto aqui”, 
disse ela. “Está ouvindo o barulho? É água” (sic). 
158 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
No meio do quarto, sobre uma alvenaria, havia um enorme col- 
chão de água redondo. De cada lado, um criado-mudo de ferro preto 
com detalhes em dourado. Sobre o tampo de vidro de um deles, 
vários controles remotos. Todo o teto do quarto era de espelho,assim 
como uma parede lateral. Em frente à cama, uma enorme estante 
embutida, também de ferro preto e com detalhes dourados, acomo- 
dava equipamentos eletrônicos: televisão, vídeo, aparelho de som, 
CDs e fitas de vídeo. 
Sílvia parou de pular e disse: “Vem ver que aqui tem uma pisci- 
na” (sic). Entramos no banheiro, que, de fato, possuía uma enorme 
banheira de hidromassagem redonda. A mãe comentou: “Você já 
percebeu que aqui é o parque de diversões dela” (sic). 
Neste momento, o pai, Francisco, entrou no quarto e chegando 
à porta do banheiro, ele perguntou: “Vocês estão aqui?” (sic). Ambas, 
mulher e filha, cumprimentaram Francisco da mesma forma: com um 
beijo na boca. Generosa justificou assim a nossa presença no banhei- 
ro do casal: “Você conhece a sua filha!” (sic). 
Apresentou-me em seguida ao marido. Ele era um homem alto, 
bem-apessoado, vestido com sobriedade e tinha um semblante sério. 
Voltamos para o quarto e, novamente, Sílvia pegou sua boneca, 
sentou-se no centro da cama e me convidou para sentar-me ao seu 
lado. Após a insistência da mãe e da filha, sentei-me constrangida na 
beirada da cama. Pude então reparar que entre as fitas de vídeo havia 
filmes pornográficos. Enquanto isto, Sílvia se balançava de maneira 
a chacoalhar o colchão de água. O pai permanecia em pé e a mãe 
sentada em uma poltrona. 
Depois de alguns minutos, Generosa ofereceu-nos um suco com 
bolo. Imediatamente, Francisco insistiu para que ocupássemos a sala 
de visitas. Pai e filha saíram na frente, em direção à sala de visitas, 
enquanto a mãe me levava ao escritório. Ao entrarmos, ela disparou: 
“Você viu como ela é bobinha? Ela não tem maldade. Eu não entendo 
por que ela faz isto na escola” (sic). 
Diante desta fala e da oportunidade de estar sozinha com a mãe, 
uma vez que tinha acabado de conhecer o pai, optei por intervir, 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 159 
apontando-lhe que havia naquela casa, mais especificamente em seu 
quarto, um ambiente extremamente excitante e sexualizado que inci- 
tava este comportamento de sua filha. Comentei sobre as fitas de 
vídeo, tentando confirmar a minha percepção. Generosa afirmou que 
de fato eram fitas pornográficas, mas que Sílvia não as assistia. Insis- 
ti nesta possibilidade, tendo em vista a idade e o acesso facilitado de 
Sílvia ao quarto e às fitas. Sobre a probabilidade de a menina ver ou 
escutar o casal mantendo relações sexuais, a mãe negou enfaticamen- 
te. Entretanto, pareceu preocupar-se, pois perguntou se os compor- 
tamentos de sua filha poderiam estar correlacionados com aspectos 
do casal. Respondi que sim. 
Fomos interrompidas por Sílvia, que veio nos chamar para co- 
mermos o bolo na sala de visitas. Disse então a Generosa que reto- 
maríamos o assunto na próxima sessão. Enquanto lá estávamos, 
conversei com o pai, que se mostrou curioso com o meu trabalho, e 
foi quando o convidei para comparecer à sessão com sua esposa. 
Em seguida, retornei com Sílvia ao seu quarto, onde permane- 
cemos brincando por algum tempo até que decidi encerrar a visita. 
É fácil perceber, neste relato, que a queixa apresentada pela es- 
cola já se confirmava nas sessões lúdicas. As produções de Sílvia re- 
velavam explicitamente uma exacerbação de sua sexualidade. O que 
parecia insólito era a impossibilidade de sua mãe ver o que estava 
tão claro. 
A partir da visita domiciliar, pude entender que havia naquela 
família e na casa um jogo de aparências. Por exemplo, enquanto a 
parte mais acessível da casa — sala, cozinha, sala de almoço — era 
toda clara e branca, insinuando determinada compreensão daquela 
família, outra parte, mais oculta — quarto e banheiro do casal — me 
mostrava outra dimensão familiar. A sexualidade não estava apenas 
nas pessoas; estava entranhada no espaço habitado, e dele exalava 
seus próprios odores e impregnava o espaço psíquico de Sílvia. O 
seu movimento corporal no colchão, somado àquele ambiente sexu- 
alizado, era tão familiar às pessoas da casa que não lhes provocavam 
estranhamento. 
160 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
As pessoas da família também apresentavam este contraste. En- 
quanto o pai, que se mostrava mais contido, encarnava a figura sóbria 
de um executivo, sua esposa, mais solta, personificava certa licencio- 
sidade. A questão a ser enfocada não era o relacionamento do casal 
em si, mas como essa relação e essa forma de ser de ambos extrapo- 
lavam determinados limites, perdiam seus contornos e resvalavam 
em Sílvia, produzindo “efeitos colaterais”. A mistura de papéis tam- 
bém apareceu na cena em que mãe e filha, de modo similar, recep- 
cionaram o pai. O beijo na boca, acompanhado de atitudes de uma 
mocinha, perdia qualquer sinal de inocência. 
O “parque de diversão” de Sílvia — como dito pela mãe — era 
um parque de diversão para adultos, e não para uma criança. 
Dentre todas as alterações que fui fazendo no decorrer da minha 
experiência profissional, o destaque cabe à dimensão reveladora do 
espaço físico. Um espaço físico banal pela familiaridade e obviedade 
com que geralmente o vemos. Quando entramos em uma cozinha, 
em um quarto ou em uma sala, por mais diferentes que sejam, sabe- 
mos de antemão o que podemos encontrar. Escapa-nos assim a com- 
plexidade daqueles espaços e a possibilidade de retirá-los do seu 
sentido mais comum. 
A habitação, então, de forma geral, pode ser considerada a trans- 
formação do espaço em lugar, um centro identitário, relacional e 
histórico, proveniente de sua apropriação como produção de sentido, 
tanto para quem o habita como para quem o observa. 
A casa, além de contemplar um grupo familiar, contempla tam- 
bém seus animais, coisas, histórias, acontecimentos que são indisso- 
ciáveis desse espaço. O homem organiza sua vida nos espaços aos 
quais dá forma e sentido. 
Hertzberger (1996) afirma que todos os objetos têm funções pró- 
prias para as quais foram projetados, entretanto carregam em si um 
valor adicional, que ele denomina de competência, que é a possibili- 
dade de abrigar significados. Ele acredita que a arquitetura tem a 
capacidade de revelar o que não é da ordem da aparência e nos tornar 
conscientes daquilo que se mantinha invisível aos nossos olhos. O que 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 161 
está visível, portanto, é uma marca de uma operação invisível que, ao 
ser produzida, já caiu no esquecimento de seus autores. 
Essa dimensão simbólica da casa diz respeito ao tecido da própria 
vida, com seus sentimentos, ritmos, paixões, alegrias, frivolidades e 
medos. Ela nos possibilita imaginar coisas a respeito das possíveis 
redes de significação que cada habitante associa e imprime em seus 
espaços cotidianos. 
Esses espaços cotidianos da vida são modelados e modificados 
de acordo com a imagem do mundo que cada um carrega dentro de 
si e que é, por sua vez, constituída por pessoas, lugares, valores, ex- 
periências, acontecimentos associados a sentimentos. Esse mundo 
interno é projetado sobre os espaços e sobre os objetos, o que produz 
uma configuração que provoca associações, estabelecendo uma via de 
mão dupla entre o mundo interior — eu — e o espaço exterior — 
mundo. Ou seja, essa ligação entre o espaço — mundo concreto — e 
a subjetividade — mundo abstrato — estabelece uma relação de simi- 
laridade entre eles. 
Penso que não apenas os objetos refletem uma história; ela também 
é contada nos movimentos de seus habitantes. Os passos também 
moldam os espaços e fazem história. Os movimentos, ora mais leves, 
ora mais densos, criam e recriam as trajetórias e a história de cada um. 
No espaço real, assim como no corpo, se acumulam recordações e 
experiências que possuem caráter de sentimentos autênticos. 
Então, entre homens e casas algo se passa, sim. Há uma relação 
afetiva, positiva ou negativa, que é balizada por várias situações, 
associações vinculadas a experiências corporais primordiais, a lem- 
branças de acontecimentos, épocas e concepções de mundo. As casas 
exalam odores próprios. 
Se nós produzimos o espaço da casa e elenos reflete, também 
somos “produzidos“ por ele. 
[...] se por um lado a casa é resultado dessa combinação de elementos 
tão díspares entre si, nos quais nós, seus “produtores”, estamos incluí- 
dos, por sua vez, somos impensáveis sem as casas que nos acolheram, 
162 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
nos coproduziram e seguem, a seu modo, engendrando-nos. [...] dizer 
de uma casa aquilo que encontramos além ou aquém de suas configu- 
rações espaciais visíveis, mas que também a compõe com a mesma 
importância. Flagrar esse espaço-casa emergindo, em sua singularida- 
de, de uma conjunção ímpar de elementos heterogêneos. Flagrar sub- 
jetividades sendo produzidas nesse acontecimento doméstico específi- 
co (Brandão, 2002, p. 16). 
É isto que permite afirmar que, a seu modo, as casas produzem 
homens. Ela pode ser considerada à semelhança de uma ostra como 
a relação indissolúvel entre a casca e seu molusco, onde a casa é a 
materialidade fixa, enquanto o molusco é a vida cotidiana que a cas- 
ca abriga e constrange. 
Ainda de acordo com Hertzberger (1996), as percepções do es- 
paço não se restringem ao que vemos; incluem também o que ouvimos, 
sentimos e as associações que nos despertam. É com essa lente que 
proponho olhar a casa, para podermos ampliar seus significados e 
compreender melhor os contextos que a constituem. 
Na organização racional do espaço da casa, se escondem as his- 
tórias singulares de seus moradores, que se entrelaçam em uma 
composição que se abre para os olhos do psicólogo. 
Acredito que o ambiente revela nosso modo de estar no mundo. 
A forma como organizamos nosso espaço externo está intimamente 
ligada com a nossa subjetividade. Mundo interno e externo se comu- 
nicam por todo o tempo, diluindo a fronteira que separaria um do 
outro. 
A preocupação mais comum que geralmente surge é de que a 
família não se porte de maneira natural, já que a presença do profis- 
sional pode acarretar uma situação artificial e atípica. Penso que 
mesmo essa possibilidade revela algo da dinâmica pessoal ou familiar. 
É comum nos prepararmos para receber uma visita. Arrumamos, 
faxinamos, organizamos na intenção de sermos bem-vistos, de acolher 
o outro da melhor forma possível, enfim, de nos apresentarmos da
maneira mais aprazível aos olhos dos outros e aos nossos. Esta situa- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 163 
ção também é frequente quando marco a visita na casa dos clientes. 
Eles se preocupam em ajeitar a casa da melhor maneira que lhes é 
possível, podendo criar até o que chamamos de situação artificial. É 
claro que sabemos que no dia a dia nem sempre é assim, mas, mesmo 
com todo este cenário preparado para o evento, percebemos marcas 
daquele cotidiano, marcas que estão impregnadas nas paredes, pelos 
cantos, nos detalhes que, de alguma forma, vão se revelar: os objetos, 
móveis e adornos da casa; o modo como são escolhidos e organizados; 
as lembranças como são guardadas, outros tantos detalhes espalhados, 
aqui e ali, revelam um modo de ser daquele que habita aquela casa. 
O que está escrito na casa não há como apagar: faz parte daquilo que 
imprimimos, dia após dia, naquele lugar. Em última instância, a ma- 
neira pela qual recebo o outro em minha casa é a mesma que o rece- 
bo dentro de mim. 
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166 
Capítulo IX 
A importância da interdisciplinaridade 
no psicodiagnóstico infantil: 
a colaboração entre a Psiquiatria e a Psicologia 
Flávio José Gosling 
Rosana F. Tchirichian de Moura 
Introdução 
O objetivo principal deste capítulo é abordar a integração entre 
os olhares do psiquiatra e do psicólogo na busca de compreensão dos 
processos psíquicos. Partiremos da nossa prática clínica com a intenção 
de estabelecer uma conversa entre duas áreas de saber, a Psicologia e 
a Psiquiatria, no que se refere ao psicodiagnóstico interventivo. 
Sabemos que a relação entre Psicologia e Psiquiatria é frequente 
na prática clínica de muitos profissionais e instituições. Procuraremos 
abordar as especificidades de uma prática diagnóstica, visando mos- 
trar ao longo do processo o estabelecimento de um diálogo colabora- 
tivo que permita um enlace entre essas áreas de conhecimento, e não 
uma sobreposição de olhares distintos. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 167 
O psicodiagnóstico tem como objetivo explorar e organizar ele- 
mentos da vidabiológica, relacional e social de um indivíduo, visan- 
do a sua compreensão. É bastante utilizado na clínica infantil e a 
forma de atuação profissional, assim como as estratégias utilizadas 
para a avaliação, estão diretamente ligadas às bases teóricas em que 
está alicerçado o conhecimento da psicologia clínica. 
No âmbito da psicologia fenomenológico-existencial, o psico- 
diagnóstico é um processo interventivo e interativo que possibilita ao 
cliente uma ressignificação das suas experiências. Os significados que 
ele atribui às suas vivências e comportamentos e o contexto no qual 
está inserido são elementos imprescindíveis na construção da sua 
própria compreensão. Um conhecimento mais amplo a respeito do 
psicodiagnóstico interventivo pode ser encontrado em publicação 
anterior.1 
A Psiquiatria tem como objetivos descrever, classificar, tratar e 
prevenir os transtornos mentais. Enquanto especialidade médica, uti- 
liza a técnica a serviço da arte de diagnosticar, tratar e curar (Bastos, 
2003). O termo diagnóstico é bastante amplo, origina-se do grego e 
significa reconhecimento. Apoiado nesta ideia, Assumpção (2003), diz 
que diagnosticar, ou melhor, “reconhecer”, tem como finalidade a 
indicação de uma terapêutica. 
A formulação diagnóstica da criança, bem como as intervenções 
subsequentes, tem suas peculiaridades, uma vez que trata de um ser 
em desenvolvimento. É difícil reconhecer a psicologia da criança ou 
a sua patologia, e mesmo aplicar uma terapêutica, se o psiquiatra 
desconhece o meio conflitivo no qual ela vive, a sociedade em que se 
desenvolve e os problemas psicológicos dos pais, que lhe oferecem 
suas possibilidades de formação ou até mesmo deformação. A Psi- 
quiatria Infantil está na encruzilhada de diversas disciplinas, da Pe- 
diatria, Psiquiatria Geral, Neurologia, Psicologia, Etologia, Pedagogia 
e Sociologia, formas de conhecimento com as quais, por vezes, se 
confunde (Ajuriaguerra, 1973). 
1. Ancona-Lopez, M. Psicodiagnóstico: processo de intervenção. São Paulo: Cortez, 1995.
168 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
A experiência do psicodiagnóstico no Centro de 
Psicologia Aplicada da Unip 
Nos Centros de Psicologia Aplicada da Universidade Paulista 
(CPAs-Unip), o atendimento psicológico é realizado por alunos/es- 
tagiários, sob a orientação de um psicólogo/supervisor, e há também 
um médico psiquiatra que avalia, quando necessário, clientes que são 
atendidos nas diversas áreas do estágio, auxiliando a equipe e escla- 
recendo questões ligadas a diagnósticos e ao uso de medicações. 
O atendimento psicológico infantil frequentemente se inicia com 
o processo de psicodiagnóstico interventivo, que é realizado conjun- 
tamente por estagiários, supervisor e cliente, uma vez que, como 
dito, trata-se de um trabalho colaborativo. Esta prática clínica está 
apoiada nos conceitos da fenomenologia, partindo da ideia de que 
“entender um indivíduo do ponto de vista psicológico implica co- 
nhecer os significados que atribui às suas experiências [...] em seus 
muitos contextos, a partir das conexões feitas com o mundo” (Do- 
natelli, 2005, p. 22). É um processo descritivo que visa à compreensão 
de um fenômeno, e não à descoberta de causas e à construção de um 
diagnóstico que possa rotular ou classificar os clientes. Em alguns 
casos, no entanto, o modo de funcionar da criança desperta dúvidas 
no psicólogo e aponta para a necessidade de uma interlocução com 
a Psiquiatria, para que se possa ampliar a compreensão do seu modo 
de estar no mundo e para avaliar as possibilidades de intervenção 
terapêutica. 
Para ilustrar como este trabalho é realizado, descreveremos duas 
experiências de atendimento que revelam como a integração entre 
duas áreas de conhecimento pôde contribuir de forma significativa 
na construção da compreensão de crianças que foram atendidas nos 
serviços dos CPAs-Unip. Não cabe, neste capítulo, uma descrição dos 
procedimentos utilizados nos processos de psicodiagnóstico, nem um 
detalhamento das intervenções que foram realizadas, pois fugiríamos 
do seu objetivo principal, que é mostrar como ocorre a interlocução 
entre os profissionais nessa prática clínica e nessas instituições. Por- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 169 
tanto, apresentaremos um breve relato dos casos, focando principal- 
mente na solicitação da consulta psiquiátrica e em sua repercussão 
nos processos de psicodiagnóstico interventivo. 
caso i 
Caio é um garoto de 9 anos que foi encaminhado ao serviço de 
Psicologia pela escola onde cursava a 4ª série (atual 5º ano) do ensino 
fundamental. Apresentava dificuldades de aprendizagem e não fazia 
as tarefas escolares. Além das questões pedagógicas, havia, por parte 
dos pais e da escola, uma preocupação com o seu comportamento 
agressivo em casa e na escola. Tentou queimar o irmão com o ferro 
de passar roupa, e suas brincadeiras com os colegas da escola também 
eram agressivas. Passou por avaliação neurológica, que não evidenciou 
patologias nessa área. Tendo em vista essa demanda, considerou-se 
necessária uma investigação mais aprofundada do caso através do 
psicodiagnóstico, uma vez que nem a família nem a escola tinham 
uma compreensão dos comportamentos e dificuldades do garoto. 
Caio residia com os pais e dois irmãos, um de 6 anos e outra de 
22 anos. Os pais relataram que a gravidez foi planejada e sem inter- 
corrências, não havendo, segundo eles, atrasos no desenvolvimento. 
Informaram que o garoto foi amamentado pela mãe até os 3 anos de 
idade e sempre teve dificuldade para dormir sozinho. Foi descrito 
como um menino inquieto que não conseguia permanecer muito 
tempo brincando e não aceitava a opinião das outras crianças. Em 
casa, era ele quem ditava as regras e não respeitava os outros. 
No processo de psicodiagnóstico, a avaliação da dinâmica familiar 
evidenciou que a responsabilidade de impor limites a Caio ficava a 
cargo da mãe, uma vez que o pai não se colocava como uma autorida- 
de para o filho. Não havia um acordo entre o casal em relação ao modo 
de lidar com a criança. Caio mostrou-se um garoto inteligente, sem 
noção de limites e com dificuldade para respeitar regras. Os compor- 
tamentos destrutivos e negativos citados pelos pais também foram 
observados nos atendimentos, assim como frieza e satisfação quando 
170 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
relatava as suas atitudes agressivas com os irmãos e colegas. Não foi 
observada agitação motora importante ao longo dos atendimentos. Na 
visita à escola, procedimento utilizado no psicodiagnóstico, confirma- 
ram-se as informações dos pais relativas à aprendizagem e atitudes de 
Caio. Tendo em vista suas dificuldades, foi realizada, paralelamente ao 
psicodiagnóstico, uma avaliação psicopedagógica, através da qual se 
identificou uma defasagem significativa no aprendizado, o que reque- 
ria um trabalho específico para que fosse superada. Percebeu-se também 
que seu estado emocional não favorecia o aproveitamento do seu po- 
tencial intelectual, pois ele investia sua energia em ações destrutivas. 
Desde o início do processo de psicodiagnóstico, os pais foram 
muito colaboradores e abertos para refletir sobre o modo como se 
relacionavam com Caio. Aspectos da dinâmica familiar puderam ser 
abordados, assim como aqueles que se referiam às características do 
filho. Foi possível compreender que alguns comportamentos de Caio, 
como não aceitar limites e não respeitar regras, se deviam à dificul- 
dade de os pais exercerem efetivamente a autoridade. No entanto, 
preocupavam as suas atitudes agressivas, que colocavam em risco o 
outro, como o irmão, e também a ausência de culpa quando relatava 
o que havia feito, o que levou estagiários e supervisor a levantarem
a hipótese de uma alteração psicopatológica, uma psicopatia. Foi, 
então, solicitada uma avaliação médica. 
Os aspectos até então observados pelos estagiários e supervisor 
no que se refere à criança e à dinâmica familiar, foram discutidos com 
o psiquiatra, que, ao ver a criança e conversar com os pais, pôde escla-recer que se tratava de um transtorno de conduta, nomeação psicopa- 
tológica mais adequada para “psicopatia na infância”, tendo em vista 
que não é possível diagnosticar transtornos de personalidade em 
crianças pelo fato de estarem em processo de desenvolvimento. 
Na Psiquiatria o transtorno de conduta é entendido como um 
distúrbio caracterizado por comportamento antissocial. Crianças com 
comportamento antissocial costumam roubar, mentir, faltar à escola 
sem motivo, fugir de casa, iniciar brigas, agredir fisicamente outros 
ou animais e destruir a propriedade alheia. Além de explicações bio- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 171 
lógicas, a Psiquiatria constata a grande frequência de problemas fa- 
miliares e sociais na história de vida dos jovens com essas alterações 
de conduta, formulando a hipótese de uma reação às adversidades 
encontradas no ambiente (Bordin, 1996). 
Nesse processo, a interlocução entre os profissionais de diferentes 
áreas foi importante, porque não só confirmou uma alteração psicopa- 
tológica mas, principalmente, porque permitiu o estabelecimento de um 
pensamento mais amplo a respeito da criança e de seu funcionamento 
psicológico. Tratando-se de uma criança, ficou claro que não seria 
possível avaliar sua conduta como um transtorno de personalidade 
e, portanto, pensar num diagnóstico conclusivo. Isso implicou um 
posicionamento diferente em relação ao caso, isto é, considerou-se que 
Caio teria a possibilidade de descobrir outras formas de se relacionar 
com o mundo, de utilizar o seu potencial e ter um melhor desenvol- 
vimento. Nesse caso, a psicoterapia foi indicada para a criança. Como 
já referido, as condições do ambiente também são importantes para 
compreendermos o transtorno de conduta. Desse modo, o que já estava 
sendo tratado com os pais nas entrevistas psicológicas foi aprofundado 
após a consulta psiquiátrica. Eles puderam ter uma dimensão maior 
da responsabilidade da família em relação ao que estava acontecendo 
com o filho e da necessidade de receberem orientação psicológica. 
A elaboração conjunta do processo diagnóstico permite discrimi- 
nações e intervenções mais apropriadas, ainda que os repertórios dos 
especialistas sejam distintos. Nesse sentido, procuramos mostrar de 
que modo a troca entre os profissionais envolvidos na avaliação de 
Caio foi fundamental para a discriminação do tipo de alteração psi- 
copatológica apresentada, além da construção de uma compreensão 
mais ampla de suas dificuldades e do encaminhamento mais apro- 
priado ao caso. 
caso ii 
Os pais de Júlio, um menino de 9 anos, buscaram atendimento 
psicológico encaminhados pela escola, devido ao fato de seu filho 
172 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
apresentar dificuldades de aprendizagem. Ele reconhecia apenas al- 
gumas letras, não conseguia juntar sílabas e formar palavras, não 
interpretava o que lia e não retinha o que aprendia. Segundo a des- 
crição da professora, Júlio apresentava dificuldades na coordenação 
motora global e fina, não tinha definição da dominância lateral nem 
domínio corporal. Não se relacionava com os demais colegas da sala, 
apresentava problemas de fala e, por isso, já havia sido atendido por 
uma fonoaudióloga, mas os pais não viram melhora significativa. 
Como não havia uma compreensão por parte dos pais e da escola a 
respeito das dificuldades de Júlio, foran sugeridas uma avaliação 
psicopedagógica e o psicodiagnóstico interventivo. 
Júlio morava com os pais e um irmão de 8 anos. Sobre o seu 
desenvolvimento é importante destacar que ele teve hipoglicemia 
neonatal e, segundo a mãe, seu parto foi demorado e problemático, 
embora ela não soubesse especificar o problema ocorrido. O garoto 
começou a pronunciar algumas palavras aos 2 anos e a falar frases 
completas por volta dos 5 anos de idade. Andou aos 2 anos e meio, 
e o controle do esfíncter vesical ocorreu por volta dos 4 anos de ida- 
de, mas ele ainda apresentava episódios de enurese. Os pais se mos- 
traram comprometidos com o bem-estar de Júlio, e o relacionamento 
familiar pareceu harmonioso. 
Júlio era uma criança reservada, contida, que brincava sozinha 
e falava pouco. Quando o fazia, tinha nítidos problemas de dicção. 
Mostrou, através de sua produção gráfica, ter um contato pobre com 
a realidade, um funcionamento regredido, uma atitude de retraimen- 
to com relação ao mundo, além de se sentir diferente. Isso o levava 
a criar um mundo próprio e a se relacionar com crianças que tinham, 
assim como ele, dificuldades. A percepção do próprio corpo era dis- 
torcida e apresentava movimentos involuntários dos membros supe- 
riores (balançava braços e mãos). Do ponto de vista cognitivo, cons- 
tataram-se déficit de atenção e memória, falha na recepção e 
organização da informação, e ausência de controle dos impulsos 
motores. A sua capacidade de raciocínio geral mostrou-se abaixo da 
média esperada para crianças de sua idade. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 173 
Júlio sofrera hipoglicemia neonatal e mostrava atraso neuropsi- 
comotor, elementos importantes de sua história que levavam à com- 
preensão da sua dificuldade de aprendizagem, sugerindo um atraso 
cognitivo decorrente de problemas orgânicos. No entanto, não havia 
sido possível compreender o balançar de braços e mãos, movimentos 
que lembravam os de uma criança autista. A solicitação de uma ava- 
liação psiquiátrica, neste caso, justificou-se pela necessidade de maior 
entendimento e discriminação entre quadros de autismo e deficiência 
mental. 
Nos CPAs é habitual que estagiários, supervisor e psiquiatra 
conversem antes da consulta sobre o motivo da solicitação e aspectos 
do caso. No caso de Júlio, a ideia de autismo foi descartada pelo 
psiquiatra quando conheceu a criança, pois, segundo ele, os movi- 
mentos dos braços e pernas não sugeriam estereotipias próprias 
desse quadro e, apesar de o seu contato com o mundo ser restrito, 
ele interagia com as pessoas, aspecto imprescindível para um diag- 
nóstico diferencial. O quadro clínico da criança indicava a possibili- 
dade de uma disfunção neurológica, o que poderia esclarecer os 
movimentos corporais. Desse modo, uma investigação nessa área era 
necessária. 
Ainda que a avaliação neurológica não tenha sido realizada 
durante o processo de psicodiagnóstico, os esclarecimentos promo- 
vidos pelo psiquiatra e a interlocução que ocorreu entre os profissio- 
nais favoreceram a continuidade do processo, na medida em que 
possibilitaram um diálogo entre o supervisor e estagiários com os 
pais, com fundamentos clínicos mais consistentes a respeito das di- 
ficuldades e comportamentos de Júlio. Abriu-se um espaço maior 
para eles falarem sobre aquilo que até então não haviam abordado, 
como as expectativas de que o filho pudesse aprender como a maio- 
ria das crianças de sua idade e as frustrações decorrentes da impos- 
sibilidade de isso ocorrer. Foi também possível orientar os pais para 
a realização da avaliação neurológica e para que buscassem recursos 
com a intenção de promover o melhor desenvolvimento social e 
pedagógico de Júlio. 
174 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Consideramos importante destacar que a possibilidade de 
discutir o caso antes e depois da consulta psiquiátrica é o que per- 
mite construir, em conjunto, uma compreensão do cliente. No pro- 
cesso de Júlio, assim como no de Caio, os esclarecimentos e a troca 
foram imprescindíveis tanto para o atendimento psicológico quan- 
to para o psiquiátrico. 
A interdisciplinaridade como prática colaborativa 
Através dos casos apresentados neste capítulo, quisemos trans- 
mitir uma atmosfera de trabalho na qual a interlocução entre psicó- 
logos e psiquiatra vai além da solicitação de um diagnóstico médico 
e da prescrição de medicações, embora julguemos que este seja um 
recurso central e muito importante em vários casos. Desejamos mos- 
trar que é na abordagem colaborativa propriamente dita e no estabe- 
lecimento de uma relação horizontal entre profissionais que a inter- 
disciplinaridade toma corpo. 
O termointerdisciplinaridade não tem um sentido único. Para 
Vilela e Mendes (2003), são a atitude e o posicionamento do profis- 
sional que revelam o caráter interdisciplinar de sua prática. Essas 
autoras referem ainda que as equipes que adotaram a interdiscipli- 
naridade em sua atividade profissional esbarram em várias dificul- 
dades que vão se resolvendo à medida que o exercício do diálogo e 
do trabalho em equipe ocorrem. 
A compreensão da interdisciplinaridade como uma prática cola- 
borativa remete a um dos eixos fundamentais do psicodiagnóstico 
interventivo: a construção conjunta da compreensão de um fenômeno. 
A integração de saberes se sobrepõe à ideia de um saber supremo que 
ficaria sob o domínio da área de conhecimento de cada profissional. 
Nos casos relatados neste capítulo, o modo como se deu o diálogo 
entre a equipe do serviço de psicologia e o médico psiquiatra repro- 
duz a atitude proposta para o psicodiagnóstico interventivo. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 175 
Legname de Paulo (2006) ressalta que, quando se trata de com- 
preender as causas de sofrimento psíquico, todas as contribuições são 
relevantes e bem-vindas na medida em que o mundo mental é um 
constante desafio à compreensão. Isso remete ao fato de que contri- 
buições e diálogos de diferentes áreas são intercambiáveis. Nas últimas 
décadas, alguns autores, dentre eles Anderson (1998), teorizam sobre 
práticas colaborativas, partindo de pressupostos que combatem a 
noção de uma verdade absoluta, priorizam os espaços dialógicos e o 
enfoque dialógico conversacional. 
A prática do psicodiagnóstico interventivo norteia as solicitações 
de uma avaliação psiquiátrica, de forma que o psiquiatra passa a ser 
mais um participante na construção de uma compreensão das dificul- 
dades e do modo de ser do cliente. Essa interlocução contribui de 
forma significativa para a ampliação do conhecimento da criança, além 
de facilitar o diálogo com o cliente. Do mesmo modo, uma descrição 
mais detalhada da criança, das suas condições familiares, do seu con- 
texto escolar e social, fornecida pela equipe do serviço de psicologia, 
auxilia o psiquiatra na construção do seu raciocínio clínico, e a sua 
descrição médica se integra ao diagnóstico psicológico. Os repertórios 
e descrições de cada profissional são mantidos, bem como o uso do 
vocabulário teórico e técnico de cada área. Assim, para que a interdis- 
ciplinaridade ocorra, como diz Cupertino (1997), é importante que o 
profissional esteja bem alicerçado em uma disciplina de domínio, 
evitando atitudes que denotem desconhecimento, superficialidade e 
que promovam costuras superficiais entre campos do saber. 
No processo do psicodiagnóstico interventivo, quando necessário, 
o médico psiquiatra participa de diversas interlocuções, da discussão
da avaliação psiquiátrica, dos motivos da solicitação, da repercussão 
para o cliente desse tipo de avaliação e da posição do estagiário diante 
dessa solicitação. Essa interlocução é intensa, o que permite mudar e 
flexibilizar as posições, bem como ampliá-las. 
Do ponto de vista acadêmico, a experiência de interlocução leva 
o estagiário a elaborar um pensamento clínico, valorizar suas obser- 
vações e compreensão, considerando o psiquiatra não como uma 
176 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
figura de autoridade, mas como um profissional que favorece o ra- 
ciocínio clínico através dos recursos médicos. Além disso, possibili- 
ta experienciar a interlocução com outro profissional que utiliza um 
repertório advindo de outra área de saber. 
Segundo Vilela e Mendes (2003), ainda são poucas as experiências 
de programas curriculares integrados nas áreas de Saúde. Contudo, 
as autoras consideram que a integração de disciplinas favorece a 
formação de profissionais mais preparados e comprometidos com a 
realidade social e com a sua transformação. Ainda segundo as autoras, 
o mundo contemporâneo defronta-se com vários desafios relacionados
ao pensamento, ao conhecimento fragmentado, fruto do racionalismo 
da era moderna. A complexidade do mundo exige análises mais in- 
tegradas, uma vez que qualquer acontecimento humano apresenta 
diversas dimensões e que a realidade é multifacetada. Portanto, é 
necessário transcender e atravessar o conhecimento fragmentado. A 
interdisciplinaridade pode ser compreendida como a união de com- 
ponentes distintos de duas ou mais disciplinas, conduzindo a novos 
conhecimentos que não seriam possíveis se não fosse essa integração. 
Ela ocorre, então, quando essas disciplinas se integram e colaboram 
entre si (Sabbatini e Cardoso, 1998). 
Na realização do psicodiagnóstico interventivo, consideramos 
que não há uma verdade única. Com repertórios distintos, objetivamos 
possibilitar novas significações que permitam uma redescrição do que 
é feito individualmente pelos profissionais. O respeito, a ética e a 
responsabilidade são centrais nesse processo. 
De acordo com Figueiredo (s.d. mimeo), 
nenhuma disciplina científica pode estar segura de que seus limites 
estão dados de uma vez por todas, tanto ela deve estar aberta a subdi- 
visões internas — as novas especialidades — como deve ser capaz de 
ajustar-se ao que se passa nas disciplinas afins, que elabora domínios 
próximos. 
O mesmo autor chama atenção para o fato de que “toda ciência 
está sempre entre outras”. Para Figueiredo, a interdisciplinaridade 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 177 
“jamais será uma posição cômoda e estável”, pois “um saber inter- 
disciplinar está sempre sujeito ao risco de descaracterizar pendendo 
unilateralmente para algum dos campos que o constituíram”. Contu- 
do, considera risco maior as disciplinas permanecerem isoladas, 
“fechando-se aos outros saberes, deixando de serem atravessadas por 
eles, para enfrentá-los e, de alguma forma, incorporá-los”. 
Sublinhamos a importância de os profissionais que atuam em 
psicodiagnóstico contarem com uma interlocução interdisciplinar no 
processo de construção da compreensão do cliente, levando em con- 
ta que um saber não se sobrepõe a outro, mas a ele se integra, pois 
entendemos que esse diálogo permite a construção de algo novo e de 
um pensamento mais amplo. 
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179 
Capítulo X 
Metáfora e devolução: 
o livro de história no processo
de psicodiagnósticointerventivo 
Elisabeth Becker Marizilda 
Fleury Donatelli 
Mary Dolores Ewerton Santiago 
I. Introdução 
O atendimento de crianças na área de psicodiagnóstico no Centro 
de Psicologia Aplicada da Universidade Paulista, onde trabalhamos 
como supervisoras de estágio do curso de Psicologia, possibilita uma 
constante reflexão sobre as questões que permeiam essa prática clínica. 
Uma delas é relativa à devolução das informações psicodiagnós- 
ticas à criança. A experiência mostra que a devolução para os pais, em 
geral, é mais fácil do que para a criança, por termos em comum a co- 
municação mediada por palavras. Com as crianças há dificuldades 
peculiares para transmitir e compartilhar a compreensão resultante do 
psicodiagnóstico. Como alternativa à tradicional forma de comunicação 
180 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
verbal com utilização de caixa de brinquedos ou de material resultan- 
te de procedimentos de avaliação, sugerimos construir uma narrativa 
sobre os aspectos mais relevantes observados no psicodiagnóstico, 
apresentando-a à criança sob a forma de livro de história infantil. 
Diversos autores com distintos enfoques teóricos reconhecem as 
narrativas como vitais para a evolução da humanidade e para a for- 
mação da identidade do ser humano, na medida em que espelham 
conteúdos intrínsecos ao próprio ser. 
As narrativas na forma de mitos, fábulas e contos de fada têm 
sua origem em épocas remotas. Provavelmente, são as primeiras 
formas de literatura de que se tem notícia. Existem diferenças e se- 
melhanças entre as três formas de narrativas. Os mitos e as fábulas 
são derivados dos contos, sendo estes considerados como a forma 
mais primitiva de contar histórias. 
Segundo Souza (2003), o mito e a fábula são narrativas que têm 
frequentemente uma origem anônima e popular, mas divergem quan- 
to a seus propósitos. O que diferencia o mito da fábula é seu caráter 
coletivo e sua origem, fundamentada em questões espirituais e acon- 
tecimentos históricos. Essas experiências foram dramatizadas, roman- 
ceadas, fantasiadas pela imaginação humana, que também buscou 
dar sentido aos fenômenos inusitados, de natureza espiritual ou so- 
brenatural, que carecem de explicação. Desse modo, os mitos não 
obedecem ao princípio da razão, transmitindo um conhecimento, uma 
realidade não racional. Nas palavras do autor citado: 
[...] de acordo com o conceito mais generalizado, o mito é um tipo de 
narrativa alegórica e/ou simbólica, de origens remotas e caráter cole- 
tivo, que pretende transmitir uma realidade não racional, mas sempre 
tida como verdadeira. Em nível de narrativa, o mito possui uma estru- 
tura própria, com princípio, meio e fim, constituindo-se em uma forma 
de transmissão de alguma experiência vital, diluída no tempo e geral- 
mente ligada ao sobrenatural. Com o passar dos séculos, muitos desses 
relatos míticos perderam seu primitivo caráter sagrado, devido ao 
desaparecimento da noção de que todo o mito nasce (num determina- 
do momento histórico-cultural) ligado às crenças de uma comunidade, 
pressupondo portanto um ato de fé (Souza, 2003, p. xxx). 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 181 
A importância dos mitos enquanto narrativa foi focalizada por 
Eliade (1986), que os considera uma forma de transmissão oral de 
conhecimentos relativos a uma cosmogonia, possibilitando, desse 
modo, ao homem conhecer sua origem e a origem do mundo, inse- 
rindo-se neste. “O mito designa [...] uma ‘história verdadeira’ e, 
ademais, extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar 
e significativo” (ibidem, p. 7). 
As fábulas, diferentemente dos mitos, são histórias construídas 
por determinado autor e seu objetivo é transmitir uma ideia moral, 
um valor. Relatam situações do cotidiano, a maneira de as pessoas se 
comportarem no dia a dia. Para Souza 
[...] a fábula costuma ser conceituada como uma breve narrativa alegóri- 
ca, de caráter individual, moralizante e didático, independentemente de 
qualquer ligação com o sobrenatural. Nela, os personagens apresentam 
situações do dia a dia, de onde podem ser extraídos paradigmas de com- 
portamento social, com base no bom-senso popular. Seres irracionais e, 
às vezes, até mesmo coisas e objetos, contracenam entre si, ou com as 
pessoas, ou com deuses mitológicos. Tais cenas simbolizam situações, 
comportamentos, interesses, paixões e sentimentos, humanos ou não, que 
nem sempre podem ser focalizados explicitamente (2003, p. xxx e xxxi). 
Os contos de fada, por sua vez, também são criações bastante 
antigas. Transmitem conhecimento sobre questões humanas universais, 
colocando em foco as questões-limite da existência, como nascimen- 
to, vida e morte. Para Bettelheim (1980), os contos de fada trazem à 
luz comportamentos latentes e manifestos, oferecem mensagens de 
desenvolvimento e encorajamento, falando à criança muito mais que 
qualquer outro tipo de literatura. O caráter mágico dos contos de fada 
tem proximidade com o universo psíquico da criança, atingindo-o em 
suas diferentes nuances, possibilitando que ela entre em contato com 
suas lutas internas e problemas existenciais, bem como com outras 
batalhas que a aguardam no decorrer de sua vida. Nos contos de fada 
o mal e o bem existem, mas estão separados, e há um caráter moral
em cada história. Assim, nas palavras desse autor: 
182 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
As figuras dos contos de fadas não são ambivalentes — não são boas 
e más ao mesmo tempo, como somos todos na realidade. Mas dado 
que a polarização domina a mente da criança, também domina os 
contos de fada (Bettelheim, 1980, p. 17). 
Essas narrativas são úteis aos psicólogos tanto na compreensão 
do psiquismo quanto no atendimento a clientes. Freud recorreu aos 
mitos de Édipo e de Narciso para explicar certos fenômenos psicoló- 
gicos relativos ao desenvolvimento humano. Outros autores descrevem 
os benefícios dos contos quando são utilizados como técnica nos 
processos psicoterapêuticos, de modo geral (Oaklander, 1980; Gardner, 
1993; Coelho, 2003; Gutfreind, 2003). 
O livro de história elaborado com a finalidade de devolução 
diagnóstica à criança, tal como temos feito em nossa prática clínica e 
usado como metáfora no psicodiagnóstico, aproxima-se dos contos 
de fada em alguns aspectos e difere em outros. 
Quanto às semelhanças, os contos de fada e o livro de história 
como devolutiva têm por objetivo a transmissão de algum conheci- 
mento, como o conhecimento de si, da sua história, de seus conflitos, 
ou o conhecimento de alguma situação peculiar ao existir humano. Os 
contos de fada atingem diferentes camadas da psique e o livro de 
história também, na medida em que contempla a trajetória de vida e 
os conflitos da criança através de metáforas, analogias e imagens vi- 
suais que favorecem uma apreensão adequada às suas possibilidades 
de consciência. 
Em ambos, a verdade é apresentada, não é omitida. Nos contos 
de fada, não raramente há a morte ou enfraquecimento de alguma 
figura parental e, de algum modo, a criança é colocada em contato 
com essas questões-limite da existência. Muitas crianças trazidas para 
um psicodiagnóstico têm histórias de vida trágica e estas farão parte 
do livro, embora de forma metafórica. 
Com relação às diferenças, os contos de fada têm um caráter 
moral, o que não ocorre com o livro de história. Além disso, os contos 
de fada promovem a interiorização de certos valores, e este também 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 183 
não é o propósito do livro de história. Ao contrário, seus objetivos 
contemplam as possibilidades criativas da criança, cabendo sempre 
a ela os julgamentos e, principalmente, as possíveis soluções para os 
conflitos centrais. 
II. Fundamentos da devolução psicodiagnóstica
Há três décadas, surgiram em nosso meio os primeiros trabalhos 
sistematizados acerca dos fundamentos teóricos, da técnica de devo- 
lução de informação psicodiagnóstica ao paciente. Tais trabalhos foram 
desenvolvidos na Argentina por Ocampo e Arzeno (1974). De acordo 
com elas, a devoluçãoé realizada em uma ou duas entrevistas no 
final do processo psicodiagnóstico, e é necessária para que o pacien- 
te possa integrar aspectos de sua identidade que estão dissociados. 
A devolutiva funciona, portanto, como mecanismo de reintrojeção, 
sobretudo da identidade latente do paciente, contribuindo também 
para diminuir fantasias de doença, incurabilidade e loucura, possibi- 
litando perceber-se com critérios mais próximos da realidade, com 
menos distorções idealizadoras ou depreciativas. Isso é possível na 
medida em que o paciente pode resgatar aspectos próprios que ele 
depositou no psicólogo durante o processo, tanto aqueles desvalori- 
zados e temidos, como outros, enriquecedores e adaptativos. 
Para essas autoras, o objetivo essencial da devolutiva deve ser, 
portanto, auxiliar o paciente a realizar uma integração psíquica da- 
queles aspectos de sua personalidade que estão dissociados, contri- 
buindo, desse modo, para a preservação de sua identidade. Se isto é 
conseguido, a devolução terá para ele um caráter terapêutico. Vale 
lembrar a complexidade dessa tarefa, considerando-se as peculiari- 
dades do desenvolvimento da criança. 
Também para Verthelyi (1989), o conceito de devolução está ba- 
seado na ideia de projeção e posterior reintrojeção de aspectos que o 
paciente revelou durante o processo psicodiagnóstico. Esta autora, 
entretanto, junto a Friedenthal (1976), sinaliza que um único momen- 
184 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
 
 
to devolutivo, ao término do processo, talvez não seja o modo mais 
adequado para que isso seja obtido. Considerando a importância 
desse tipo de trabalho, ambas propuseram realizar devoluções parciais 
durante todo o processo psicodiagnóstico, o que permitiria explorar 
melhor as hipóteses levantadas e aumentar os seus possíveis efeitos 
terapêuticos. Argumentam ser mais apropriado, nessas devoluções, 
incluir aspectos acessíveis e aceitáveis ao ego do paciente do que fazer 
interpretações. Assim, se as devoluções parciais são feitas ao longo do 
processo, pode ocorrer que, ao final deste, não seja necessário comu- 
nicar algo novo e que a entrevista de encerramento se destine mais a 
resumir tudo o que foi visto e despedir-se do paciente. 
 
 
 
III. A técnica de devolução e suas possibilidades 
 
 
Quanto à questão de como realizar a devolução, Ocampo e Ar- 
zeno (1974, p. 402) consideram “recomendável utilizar o material de 
testes, no qual geralmente aparece condensado ou expressado plas- 
ticamente o que podemos dizer” começando sempre pelos aspectos 
mais adaptativos para depois abordar aqueles que são menos adap- 
tativos, fazendo uso de uma linguagem simples e apropriada à crian- 
ça para que ela possa compreender nossa comunicação. 
Opinião semelhante tem Verthelyi (1989), para quem as técnicas 
projetivas, especialmente os testes gráficos e os relatos, podem ser o 
material mais adequado para mostrar ao paciente aspectos de si mes- 
mo observáveis em sua produção. Uma análise cuidadosa da totali- 
dade do material permitirá privilegiar aqueles aspectos revelados cuja 
temática seja mais facilmente reconhecível pelo sujeito e cujos conte- 
údos estejam mais próximos de sua consciência, a fim de facilitar a 
sua assimilação. 
Como supervisoras de psicodiagnóstico e psicólogas clínicas, 
trabalhando em uma concepção de psicodiagnóstico interventivo, 
também temos utilizado devoluções parciais durante todo o processo, 
bem como focalizado a questão de que esse processo pode e deve ter 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 185 
um caráter terapêutico. Em um trabalho anterior, Santiago (2001) 
comenta que a utilização de material de técnicas projetivas, como o 
CAT-A, enquanto mediador na devolução à criança, mostrou-se limi- 
tada quanto às possibilidades de contribuir efetivamente para que ela 
pudesse integrar alguns aspectos de seu próprio funcionamento 
psíquico, assim como de obter uma compreensão daquelas situações 
familiares, escolares ou sociais que estavam relacionadas à manifes- 
tação de seus sintomas. Frequentemente, eram observadas reações de 
desinteresse ou atitudes passivas, de aparente aceitação de tudo que 
lhe era dito, até expressões diretas de intolerância à devolução que 
lhe estava sendo dada, por exemplo, tentando impedir o psicólogo 
de prosseguir na sua comunicação. Estas dificuldades vivenciadas 
nos levaram a pesquisar a possibilidade de utilizar novos procedi- 
mentos que se mostrassem mais eficazes no sentido de alcançarmos 
nossos objetivos no encerramento do psicodiagnóstico interventivo 
da criança. Tais objetivos seriam possibilitar à criança apropriar-se da 
própria história, bem como de seus conflitos, defesas, desejos e ma- 
neira de se relacionar com o ambiente de modo geral, o que inclui 
retomar a relação estabelecida com o psicólogo, podendo despedir-se 
dele e da situação de um atendimento de uma forma mais autônoma 
e integrada do que quando se iniciou o processo. 
Na literatura pesquisada, encontramos referências ao uso de 
histórias como forma de interpretação na psicoterapia de crianças. 
IV. O uso de histórias na psicoterapia de crianças
Um trabalho pioneiro sobre o uso de histórias em psicoterapia 
para comunicar à criança o significado psicodinâmico de seus sinto- 
mas foi realizado por Gardner (1993). Considerando que contar his- 
tórias é um dos modos favoritos de as crianças se comunicarem e que 
elas gostam tanto de contá-las como de escutá-las, Gardner criou a 
“técnica de relato mútuo de histórias”, propondo-a para crianças de 
5 a 11 anos. Nesta técnica, o psicoterapeuta estimula a criança a criar 
186 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
uma história, apreender seu tema psicodinâmico, tomando-a como 
uma projeção; então, formula e narra outra história para a criança 
com as mesmas características presentes na dela, mas introduzindo 
soluções de conflitos mais saudáveis do que aquelas originalmente 
propostas pela criança. 
Para este autor, o psicoterapeuta tem mais chance de ser escuta- 
do quando fala a linguagem própria da criança — a linguagem da 
alegoria. Com esta técnica, as interpretações são recebidas pelo in- 
consciente da criança, não havendo confrontações diretas que suscitem 
ansiedade. 
O uso de histórias na psicoterapia de crianças também é relatado 
por Oaklander (1980). Baseando-se nas concepções da Gestalt e tendo 
como objetivo ajudar a criança a tomar consciência de si mesma e de 
sua existência no mundo, a autora faz um amplo uso de histórias: 
conta, lê, escreve, estimula a criação de histórias através de figuras, 
bonecos e, ainda, registra as no gravador e aparelho de vídeo para 
serem posteriormente vistas pela criança. Os objetivos da utilização 
desta técnica se assemelham, em alguns aspectos, aos de Gardner. 
No Brasil, Safra (1984) pesquisou um método de consulta que se 
utiliza das histórias infantis como meio de intervenção. De orientação 
teórica winnicottiana, esse autor considera a narrativa de uma história 
uma forma lúdica de expressão compatível com a vida mental da 
criança, que, em seus termos, “por favorecer o aparecimento do espa- 
ço transicional, é elemento importante para que a criança introjete a 
intervenção sem se sentir invadida” (idem ibidem, p. 10). Nesta pro- 
posta, o terapeuta obtém um conhecimento da criança através de um 
contato com ela na hora de jogo e do uma entrevista com os pais. 
Depois, junto a estes, constrói uma história que revela uma compre- 
ensão dos problemas da criança e que deve ser lida para ela, pelos 
pais, durante certo tempo. Os resultados a que o autor chegou em sua 
pesquisa mostraram a diminuição ou desaparecimento do sintoma. 
Também no Brasil foi publicado um interessante e extenso tra- 
balho em que, aliando pesquisa à atividade clínica de analista de 
crianças, Gutfreind (2003) propõe a utilização de contos no processo 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 187 
psicoterapêutico. Para esse autor, contar o conto é o aspecto essencial, 
sendo isso mais relevante que a necessidade de investigação das 
teorias subjacentes,pois para ele “oferecer histórias a uma criança é 
promover um programa eficiente de saúde mental” (idem ibidem, 
p. 12). Gutfreind assume como sendo extremamente relevantes as
múltiplas alternativas de leituras e atribuição de significados à his- 
tória, na medida em que estas remetem a criança a um mundo de 
infinitas possibilidades de contar, ouvir e imaginar. 
“Contar e ouvir. E contando e ouvindo entrar em interação com 
o outro e, a partir desses conteúdos e dessa troca, construir-se como
ser humano capaz de ter uma identidade (feito uma personagem), de 
sentir, pensar, imaginar” (Gutfreind, 2003, p. 146). 
V. A utilização do livro de história como procedimento devolutivo 
no psicodiagnóstico interventivo de crianças 
As referências à utilização de narrativa de história como encerra- 
mento do processo psicodiagnóstico interventivo de crianças aparecem 
em nosso meio inicialmente como trabalho (pôster) apresentado em 
um encontro de supervisores de clínicas-escola (Becker, 1999). Segui- 
ram-se várias outras apresentações de trabalhos e publicações sobre 
essa proposta realizadas por esse grupo de supervisores (Becker, 2001, 
2002; Becker et al., 2002; Donatelli, 2001; Santiago, 2001; Santiago et 
al., 2001a, 2001b; Santiago et al., 2003). Mas foi Constance Fischer, 
psicóloga norte-americana, a pessoa a nos inspirar e incentivar para 
desenvolvêssemos essa nova técnica para devolutivas infantis, por 
meio de seu texto sobre psicodiagnóstico e em trabalho desenvolvido 
com supervisores de estágio na Pontifícia Universidade Católica de 
São Paulo.2 Nesta ocasião, relatou-nos suas experiências com a criação 
de poemas, músicas e cartas como possibilidades de informações psi- 
2. Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de 
São Paulo, 1998. 
188 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
codiagnósticas transmitidas a crianças e adolescentes. Em suas publi- 
cações anteriores, Fischer (1970, 1989, 1994) expôs sua proposta de um 
psicodiagnóstico centrado na vida, o que confere particular importância 
no modo como são transmitidas pelo psicólogo as compreensões ad- 
vindas de um psicodiagnóstico. Para essa autora, partindo de um 
enfoque existencial, o cliente é um participante informado e, desde o 
início, envolvido em papel ativo, transformando-se assim em um co- 
assessor do psicólogo com quem desenvolve um trabalho interventivo 
contextualizado e compartilhado. Dessa forma, embora ainda estejam 
presentes nas devolutivas com as crianças as alternativas mais tradi- 
cionais de usar os brinquedos, bem como os estímulos à atividade 
expressiva gráfica e verbal das técnicas projetivas, assumimos, como 
essa autora, a importância de oferecer à criança alternativas, entre as 
quais o livro de história tem sido o melhor expoente. 
Consideramos que o livro de história é o resultado da compre- 
ensão de todo o trabalho realizado no psicodiagnóstico. Ele contém 
aspectos significativos do desenvolvimento da criança e de suas re- 
lações com o meio em que vive, assim como uma compreensão de 
seus sintomas. Supomos que, desse modo, é possível dar a ela um 
entendimento melhor de seu problema, contextualizando-o em sua 
história familiar e pessoal, incluindo também seus recursos para lidar 
com as dificuldades apresentadas. 
Em nossa experiência, a criação de uma história devolutiva ex- 
clusiva para a criança permite-lhe uma vivência psicológica também 
única. Utilizando recursos analógicos propiciados pelas identificações 
com personagens, a criança parece obter uma percepção do seu sin- 
toma, bem como a expressão dos sentimentos envolvidos. 
Pudemos observar diferentes reações das crianças durante e após 
a apresentação do livro de história: reconhecimento de que a história 
dizia respeito a ela, interesse e atenção durante a leitura (até nas 
crianças muito agitadas), disponibilidade para interagir na situação, 
querer compartilhar a história com a professora, com colegas, com 
avós, pedir aos pais insistentemente a releitura da narrativa ou, ao 
contrário, guardá-la, “esquecê-la” até um momento de retomada. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 189 
Consideramos que a elaboração do livro de histórias como de- 
volutiva supõe alguns elementos norteadores: 
• O livro de histórias é uma metáfora que expressa a compre- 
ensão do psicodiagnóstico. É uma síntese que contempla a
história vital da criança e suas vivências durante o psicodiag- 
nóstico, suas dificuldades e recursos internos, em uma lingua- 
gem acessível à sua compreensão.
• A história e os personagens devem ser escolhidos em função
das afinidades e analogias com os conteúdos evidenciados
no psicodiagnóstico. Por exemplo, pulgas e macaquinhos
como personagens para crianças com condutas hiperativas,
pássaros e peixes como personagens para famílias migrantes.
Deve-se dar especial atenção ao emprego de personagens
que têm, culturalmente, sentidos conotativos. No Brasil,
veados, burros, urubus e gatos pretos podem ligar-se a sen- 
tidos pejorativos.
• Quanto ao conteúdo formal, é fundamental que o livro de
história traduza:
 a história de vida (familiar e da criança);
 o sintoma;
 a busca de atendimento e a relação com o psicólogo;
 a explicitação dos sentimentos do personagem de identificação;
 a integração dos diferentes aspectos observados através da
hora de jogo, testes, visitas etc. 
• O final da história ainda é um tema controverso, entretanto é
muito importante que a criança tenha a chance de expressar
sua própria solução final quanto ao encaminhamento dado.
Supomos também que o trabalho de elaboração psíquica pode 
prosseguir após o encerramento do psicodiagnóstico, visto que o livro 
é entregue a ela no final do processo e o texto e as gravuras podem 
servir de estímulos para que, gradativamente, ela se aproprie mais 
das analogias. Dessa compreensão e apropriação resulta um “encon- 
190 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
tro” da criança com o trabalho do psicólogo de forma mais intensa 
do que já vinha ocorrendo durante o processo. 
Este procedimento tem se mostrado satisfatório em termos das 
reações das crianças e comentários dos pais ou responsáveis no en- 
cerramento do processo psicodiagnóstico interventivo ou início da 
psicoterapia, parecendo favorecer e fortalecer o estabelecimento de 
uma área de intersecção entre estes e o psicólogo, necessária à conti- 
nuidade do trabalho. 
Sendo assim, a devolutiva dada através do livro de história tem 
se mostrado mais do que a etapa final de um processo de psicodiag- 
nóstico. Ela remete, entre outras, às possibilidades de pesquisa quan- 
to ao seu caráter terapêutico, às especificidades das histórias em 
função do momento evolutivo da criança e às ressonâncias na família. 
Para ilustrar essa prática, relatamos a seguir um resumo do 
atendimento em Psicodiagnóstico Interventivo com o respectivo livro 
de história. O nome dos clientes, assim como alguns dados, foram 
modificados para preservar suas identidades. 
Trata-se de uma menina de 8 anos de idade, que chamaremos de 
Maria. Ela foi encaminhada pela escola com a queixa de falta de aten- 
ção e dificuldade de aprendizagem. Os dados colhidos sobre a história 
de vida da criança mostravam que a família era constituída pela mãe 
e cinco filhos, sendo a primeira filha adotiva, a segunda e a terceira 
do sexo feminino e biológicas, o quarto de sexo masculino, também 
biológico, e a última, que era a cliente em questão, do sexo feminino. 
Os pais casaram-se e em seguida adotaram a primeira criança, 
que foi muito bem recebida por eles. Todos os filhos foram desejados, 
embora, segundo a mãe, a gravidez de Maria tenha ocorrido num 
período tumultuado de sua vida. A mãe comentou que ela e o mari- 
do viviam bem e em perfeita harmonia até o momento em que ele 
soube que tinha uma doença grave. Ficou muito revoltado, recusou 
qualquer tipo de tratamento e passou a beber. 
A vida familiar mudou, e os conflitos entre o casal tornaram-se 
rotina. Foi neste momento que a mãe engravidou de Maria, fato que ge- 
roumuitos temores e preocupações no âmbito familiar. Apesar de tudo, 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 191 
Maria nasceu saudável, o pai diminuiu um pouco a bebida, tratou-se 
e melhorou um pouco. Contudo, algum tempo depois faleceu, sendo 
que seu contato com a menina deu-se por um curto período de tempo, 
de aproximadamente 3 anos. A família teve que reorganizar sua vida. 
O desenvolvimento de Maria deu-se sem nenhuma intercorrência. 
Durante o processo psicodiagnóstico foi possível perceber que 
Maria é uma garota inteligente, com recursos para resolver problemas 
do cotidiano. É capaz de reter informações oferecidas pelo ambiente, 
denotando boa capacidade de abstração e generalização de conceitos. 
Apresenta boa coordenação viso-motora fina, adequada percepção 
visual e coordenação têmporo-espacial. É extrovertida, sociável, es- 
tabelecendo relações cordiais e afetivas com as pessoas. A menina, 
entretanto, é insegura, bastante competitiva, comparando-se ao outro 
com a finalidade de assegurar-se de que suas produções são melhores 
que as de seus colegas. Sente-se insatisfeita com aquilo que faz e 
busca compensação de suas insatisfações comparando e desqualifi- 
cando o trabalho de seus colegas. Investe muita energia nisto, o que 
a faz dispersar-se das tarefas escolares, denotando pouca atenção/ 
concentração. Percebe que sua mãe ainda lamenta a ausência do ma- 
rido e sente-se culpada por isso. Procura agradá-la no sentido de 
suprir a lacuna deixada pela morte do pai, mas nota que seus esforços 
são insuficientes. Isto faz com que se sinta ainda mais ansiosa, de- 
samparada e insegura. 
Durante o psicodiagnóstico foi trabalhado com a mãe o fato de 
que o luto pela perda do companheiro ainda era vivido pela família, 
embora isto tivesse acontecido havia bastante tempo. Também foram 
feitas intervenções no sentido de que Maria precisava de mais atenção 
e estímulo, precisava ser vista e atendida em suas necessidades. No 
final do processo, tanto a mãe quanto a criança tinham tido algum 
progresso, mas foi decidido em comum acordo que Maria deveria con- 
tinuar o atendimento, sendo encaminhada para psicoterapia infantil. 
A seguir mostramos algumas das situações que foram focalizadas 
no livro de história, a adoção da primeira filha, a doença do pai e a 
sua morte. 
192 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Logo que se casaram, uma peixinha ainda pequena foi 
morar com eles, essa peixinha se chamava NANI. Nani foi 
tratada pelo casal com muito amor, como se tivesse nasci- 
do da barriguinha da mamãe Fifi. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 193 
Acontece que quando todos estavam comemorando, papai 
Lino começou a se sentir fraco, tão fraco que sabia que a 
qualquer momento poderia ser levado por uma correnteza 
mais forte. Sua tristeza foi tanta que Lino começou a pro- 
curar algas distantes que possuíam um néctar especial que 
o faziam esquecer disso. Depois de tomar esse néctar, papai
Lino voltava para casa irritado e brigava com a mamãe Fifi. 
194 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
PRIKA ainda era pequena quando chegou uma correnteza mais 
forte e levou embora o papai Lino, que já não tinha mais força 
para nadar. Já faz tempo que isso aconteceu, mas a tristeza ainda 
é grande no coral dos peixinhos. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 195 
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197 
Capítulo XI 
A elaboração de relatos 
de atendimento em 
psicodiagnóstico interventivo: 
sua importância na formação do aluno‑estagiário 
Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti 
Lionela Ravera Sardelli 
Maria da Piedade Romeiro de Araujo Melo 
Regina Célia Ciriano 
Introdução 
O ensino da produção de documentos escritos referentes à atuação 
do psicólogo nas mais variadas áreas tem sido uma preocupação das 
instituições formadoras como faculdades e institutos de Psicologia, bem 
como de instituições normativas, como o Conselho Federal de Psico- 
logia (CFP) e Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), visando a 
melhor orientar a consecução adequada de laudos, pareceres e relatórios. 
198 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Para Guzzo e Pasqualli (2001, p. 156), ainda hoje os laudos se 
mostram ineficientes para o propósito a que foram criados, isto é, 
“subsidiar ações e decisões [razão pela qual devem ser] [...] objeto de 
estudos, assumindo espaço importante na formação e no exercício 
profissional”. Assim é que os psicólogos também têm sido obrigados 
a rever suas formas de realização de tais documentos e de comoserão 
utilizados os dados ali contidos. 
Sabemos que há uma exigência cada vez maior sobre a organi- 
zação dessas informações, devendo-se levar em conta o que será 
colocado nos laudos e relatórios, por quem será utilizado e que inte- 
resses estão subjacentes a sua utilização, entendendo que, ao sermos 
criteriosos na elaboração desses documentos e relatórios, estaremos 
pautando nossa prática na garantia de direitos das pessoas. 
Nosso objetivo é alinhavar a experiência da construção desse 
laudo técnico, dando ênfase ao registro documental e aos prontuários, 
unindo a isto a reflexão sobre a experiência de ensino e aprendizagem, 
para que supervisor e aluno-estagiário possam juntos acompanhar as 
competências que estão sendo desenvolvidas. 
Ressaltamos que a elaboração de laudos e relatos para o prontu- 
ário e para o registro documental do paciente como instrumentos 
técnicos, embora complexa, não é o foco deste capítulo, mas sim o 
que permeia essa experiência, isto é, os processos que são acionados 
para esse fim. Laudos, relatos, prontuários seriam a dimensão orga- 
nizadora da técnica, importante parte do processo de aprendizagem 
vivenciado, tanto pelo aluno-estagiário como pelo psicólogo-super- 
visor, no encontro das descobertas que se dão na relação. 
Consideramos que o psicólogo-supervisor ocupa um lugar im- 
portante na formação do aluno-estagiário, pois, além da responsabi- 
lidade técnica sobre o que ocorre num atendimento e sobre o que é 
relatado sobre o paciente pelo estagiário, também se constitui como 
modelo e referência para este. Portanto, não podemos desconsiderar 
o papel e a responsabilidade do supervisor neste processo.
Também não há como dissociar a prática psicológica da ética 
profissional, devendo-se visar sempre ao bem-estar biopsicossocial 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 199 
dos sujeitos envolvidos, em nosso caso, especialmente, a ética envol- 
vida no contexto da relação usuários/clientes/pacientes e a produção 
de documentos sobre a experiência clínica no serviço-escola. 
Assim, este capítulo utiliza-se da experiência de um grupo de 
psicólogos-supervisores1 de uma clínica-escola do interior do estado 
de São Paulo para, a partir da própria vivência dentro do estágio 
supervisionado, estabelecer alguns dispositivos norteadores para o 
aprimoramento teórico e técnico do processo de ensino-aprendizagem 
de seus alunos que inclua a forma de relatar o acompanhamento aos 
casos clínicos acompanhados dentro do psicodiagnóstico interventivo 
infantil grupal. 
Alguns aspectos sobre a produção de documentos escritos no 
campo da Psicologia 
Pensar o psicodiagnóstico interventivo nos obriga a entender o 
projeto de formação acadêmica no qual se insere. Entendemos que 
não se pode desvincular o psicodiagnóstico do processo de formação 
como um todo, assim como também não podemos dissociá-lo da 
ética envolvida nessa prática. Quelho, Munhoz, Damião e Gomes 
(1999) reconhecem o psicodiagnóstico enquanto disciplina, como um 
dos alicerces do curso de Psicologia, cujo objetivo é desenvolver no 
aluno a integração dos conhecimentos. 
É importante que o aluno desde o início do curso de Psicologia 
tenha contato e/ou experiência de relatar/descrever observações e 
experimentos desenvolvidos num conjunto de disciplinas que ante- 
cedem o estágio em Psicodiagnóstico e o preparam para a experiência 
do relato de atendimentos clínicos. Visualizar o aluno como estagiá- 
rio é pensá-lo também envolvido na produção de documentos e re- 
1. Referimo-nos aqui ao Centro de Psicologia Aplicada — Unip-Campinas (SP) e aos psi- 
cólogos-supervisores de estágio em Psicodiagnóstico Interventivo, que sempre buscaram rea- 
lizar um trabalho em equipe. 
200 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
latórios comprobatórios de sua experiência no estágio, cuja finalidade 
dentro de um processo de avaliação psicológica é a produção de um 
laudo psicológico, como determinado pelo Manual de Elaboração de 
Documentos do CFP (Resolução n. 007/2003) 
[...] descrição de situações e/ou condições psicológicas, suas determi- 
nações históricas, sociais, políticas e culturais, pesquisadas no processo 
de avaliação psicológica. Como todo documento, deve ser subsidiado 
em dados colhidos e analisados, à luz de um instrumental técnico (en- 
trevistas, dinâmicas, testes psicológicos, observação, exame psíquico, 
intervenção verbal), consubstanciado em referencial técnico-filosófico 
e cientifico adotado pelo psicólogo (Conselho Federal de Psicologia, 
2013, p. 7). 
O manual ainda destaca como finalidade deste laudo: 
[...] apresentar os procedimentos e conclusões gerados pelo processo 
da avaliação psicológica, relatando sobre o encaminhamento, as inter- 
venções, o diagnóstico, o prognóstico e evolução do caso, orientação e 
sugestão de projeto terapêutico, bem como, caso necessário, solicitação 
de acompanhamento psicológico, limitando-se a fornecer somente as 
informações necessárias relacionadas à demanda, solicitação ou petição 
(Conselho Federal de Psicologia, 2013, p. 7). 
As determinações do CFP, Resolução n. 001/2009 (CFP, 2009), 
prescrevem a diferenciação entre prontuário e registro documental, 
pontos discutidos a seguir. 
Sobre o prontuário e registro documental 
Para melhor resultado na padronização e sistematização das 
atividades dos psicólogos, inclusive daqueles que atuam nos servi- 
ços-escola e em campos de estágio, a partir de 2009, passou a ser 
previsto pela Resolução CFP n. 001/2009 (CFP, 2013), em conformi- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 201 
dade ao estabelecido pelo Ministério da Saúde, o armazenamento 
individual e em local específico do registro de dados e informações 
fornecidas por aquele que vier a fazer uso de serviços psicológicos. 
Destaca-se que este arquivamento é subdividido em duas partes: 
prontuário e registro documental. 
O prontuário, de livre acesso ao paciente e/ou seu representan- 
te legal, é visto como um conjunto de documentos padronizados e 
ordenados nos quais são registrados os cuidados profissionais pres- 
tados ao paciente, atestando o atendimento psicológico realizado a 
uma pessoa ou a uma instituição, sendo sua confecção e organização 
obrigação e responsabilidade do psicólogo. 
Nas instituições de ensino de Psicologia, é feito com orientação, 
correção e responsabilidade do psicólogo-supervisor. No artigo 2º da 
Resolução CFP n. 001/2009 citada (CFP, 2009, p. 1-2), são apontadas 
as informações que devem ser registradas no prontuário pelo psicó- 
logo, como: 
[...] identificação do usuário/instituição; avaliação de demanda e defi- 
nição dos objetivos do trabalho; registro da evolução dos atendimentos, 
de modo a permitir o conhecimento do caso e seu acompanhamento, 
bem como os procedimentos técnico-científicos adotados; registro de 
encaminhamento ou encerramento; cópia de outros documentos pro- 
duzidos pelo psicólogo para o usuário/instituição do serviço de psico- 
logia prestado, que deverá ser arquivada, além do registro da data de 
emissão, finalidade e destinatário. 
Entendemos que este prontuário e o resumo do atendimento ali 
contido devem expressar informações com objetividade e clareza, bem 
como usar uma linguagem acessível ao paciente ou ao interessado 
para explicar o que, em conjunto com ele, se trabalhou e se concluiu 
durante o atendimento psicológico. 
Consideramos importante salientar que o item “registro da evo- 
lução dos atendimentos”, citado pela Resolução n. 001/2009, trata da 
descrição pontual do acompanhamento semanal realizado e, portan- 
to, do andamento do processo do atendimento psicológico, não se 
202 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
referindo à melhora do quadro apresentado pelo paciente, sendo este 
um equívoco frequente. Entendemos que o objetivo do item “evolu- 
ção” no prontuário do paciente é o de refletir o ocorrido na relação, 
de modo que tanto o psicólogo como o paciente e sua família possam 
reconhecer naquilo que foi descrito, de maneira resumida, as etapas 
pelas quais passaram os processos de acolher, observar,refletir, com- 
preender e intervir. Esse item deve incluir, de forma sintética, a téc- 
nica utilizada, o tema central trabalhado e o resumo da compreensão 
minimamente elaborada, não sendo de cunho interpretativo, como 
ilustra o trecho que segue: 
Data (xx/xx/xxxx) Segunda entrevista com pais: realização de entre- 
vista de anamnese, segundo encontro com os pais, quando informaram, 
de forma clara, a história de vida de seu filho. Por este roteiro de 
anamnese, não foram observadas dificuldades aparentes no desenvol- 
vimento da criança e em suas relações. É importante ressaltar que a 
mãe, ao abordar o nascimento da criança, se emocionou, enquanto o 
pai mostrou-se tranquilo durante toda entrevista. 
O prontuário, além de oferecer documentos comprobatórios da 
experiência clínica vivida entre paciente e psicólogo, como identifi- 
cação do paciente, avaliação da demanda, definição dos objetivos do 
trabalho psicológico e apontamentos referentes à evolução, preenche, 
com sua confecção, os requisitos de direito do cidadão, como o de ter 
explicitado de maneira concreta, clara e organizada os pareceres e 
saberes técnicos sobre os fatos de natureza psicológica relatados, de 
forma elaborada e cientificamente fundamentada. 
Lembremos que o prontuário, como documento de livre acesso 
ao paciente, nem sempre existiu. A Resolução CFP n. 001/2009 (CFP, 
2009), no que concerne à elaboração do Prontuário, deu ao usuário 
este direito: o de poder obter livremente os dados sobre ele ali conti- 
dos, dando-lhe poderes como cidadão usuário do serviço psicológico 
na medida em que detém, por prerrogativa, um saber sobre si mesmo. 
Ao mesmo tempo, obrigou o profissional psicólogo a rever constan- 
temente a forma que realiza seus registros, devendo estar atualizado, 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 203 
bem formado e informado. Esta mudança trouxe maior legitimidade 
e transparência aos processos e a entendemos como um ganho para 
a profissão, pois garante aos usuários os seus direitos, enquanto de- 
senvolve no profissional um comprometimento e preocupação maior 
com seu exercício profissional. 
Ao contrário do prontuário, algum tipo de apontamento sobre o 
caso, como forma anotações de natureza mais técnica para uso nas 
análises clínicas com embasamentos teóricos, sempre existiu para o 
acompanhamento e estudo próprios do psicólogo, de acesso exclusi- 
vo desse profissional, de ordem confidencial. 
O artigo 2º da Resolução citada (CFP, 2009, p. 2-3) veio regula- 
mentar a existência de tais registros, determinando que, doravante, 
documentos estritamente técnicos resultantes de aplicação de instru- 
mentos de avaliação psicológica e de análises clínicas, bem como 
observações detalhadas resultantes de tratamentos psicológicos, de- 
verão ser arquivados em pasta de acesso exclusivo do psicólogo, 
constituindo-se no registro documental. assim, o registro documental 
se compõe dos relatos de cada sessão realizada, dos relatórios con- 
clusivos sobre o caso e das decisões sobre o encaminhamento, estes 
feitos ao final do acompanhamento psicológico. 
No estágio em Psicodiagnóstico Interventivo, o conjunto de re- 
latos das sessões e os registros detalhados dos atendimentos, com 
suas respectivas análises clínicas, estão contidos no registro documen- 
tal, que, neste caso, tem um uso acadêmico, sendo que sua confecção, 
escrita e redação fazem parte da formação do aluno-estagiário, ser- 
vindo também para discussão na supervisão clínica, que é realizada 
em grupo. 
Tais relatos possibilitam ao supervisor avaliar em parte o estagi- 
ário, entre outros requisitos exigidos pelo estágio. A supervisão em 
grupo desse material permite que cada aluno aprenda com a expe- 
riência do outro. 
Cabe aqui pontuar que entre as diversas funções do supervisor 
de estágio em psicodiagnóstico interventivo, uma delas é a de fazer 
anotações nos relatos apresentados por seus estagiários de orientações, 
204 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
correções e apontamentos que julgue necessários para a facilitação da 
aprendizagem técnica e teórica. Observa-se que tais registros são 
valiosos para o processo de aprendizagem do aluno-estagiário, como 
também representam uma forma de esse aluno ser acompanhado em 
seu estágio. Para complementar, Archanjo e cols. (1998 apud Freitas 
e Noronha, 2005, p. 88) apontam os supervisores como: 
[...] responsáveis pelo conteúdo prático do psicodiagnóstico. [A eles] 
são atribuídas as responsabilidades de planejar as supervisões, para 
que o supervisionado tenha o mínimo de experiência e competência 
para a livre prática profissional, uma vez que a supervisão fornece uma 
orientação formalizada para suprir as necessidades de formação dos 
alunos. 
Assim, os relatos de sessões feitos pelos estagiários no Psicodiag- 
nóstico Interventivo, contidos no registro documental, revelam um 
processo de aprendizagem que se dá no entrelaçamento da experiên- 
cia ocorrida entre aluno-estagiário, paciente e supervisor. 
Da supervisão e sobre a discussão dos relatos 
Em nossa experiência de ensinar o psicodiagnóstico interventivo, 
tem sido uma preocupação orientar o aluno-estagiário a construir 
uma forma de relatar que reflita, ao menos em parte, como chegou 
ao conhecimento sobre o ocorrido, levando-se em conta que todo 
fenômeno clínico nunca é totalmente passível de descrição. Por isso, 
relatar uma sessão é um desafio tanto para o aluno-estagiário como 
para o supervisor. 
Assim, na construção dos registros documentais no psicodiag- 
nóstico interventivo infantil, costumamos realizar relatos de cada 
atendimento ocorrido junto ao paciente e a sua família, procurando 
oferecer informações, levando em conta a abordagem teórica e o ra- 
ciocínio clínico utilizados nesse tipo de procedimento. Com isso, 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 205 
queremos salientar que a compreensão do caso é construída durante 
o processo e vivência clínica, procurando mais elucidar e compreen- 
der do que classificar. Entendemos, então, que neste processo ocorre 
um estado permanente de construção e desconstrução, codificação e 
descodificação do conhecimento. 
De acordo com a configuração proposta por M. Ancona-Lopez 
(2002, p. 77), o psicólogo supervisor deve ser incluído no setting do 
atendimento com a finalidade de “acompanhar os atendimentos re- 
alizados e zelar pela saúde psíquica dos clientes e, enquanto profes- 
sores, formar profissionais competentes, orientando a prática dos 
estagiários e fornecendo os conhecimentos necessários para a atuação 
clínica”. Assim, é importante ressaltar que, em nossa vivência nesse 
processo, existe um desafio a mais, que é a presença do supervisor 
no momento do atendimento em grupo. Além do mais, esse atendi- 
mento faz parte de uma configuração mais ampla que inclui: 
• a recepção do aluno-estagiário e a preparação do atendimen- 
to, que dura cerca de 30 minutos;
• o atendimento propriamente dito, que dura 60 minutos; 
• a discussão e supervisão do atendimento, que dura em torno
de 75 minutos.
Esta configuração diferencia o estágio em Psicodiagnóstico Inter- 
ventivo de outras propostas de estágio em psicodiagnóstico, uma vez 
que introduz o supervisor nas várias etapas, cuja presença modifica 
desde o atendimento até a produção dos relatos, que serão entregues 
pelo aluno-estagiário em próximo encontro, quando serão corrigidos 
pelo supervisor, seguindo-se, assim, outra etapa pedagógica. 
Esta peculiaridade da presença do supervisor nas várias etapas 
do processo tem se revelado facilitadora e organizadora da aprendi- 
zagem do aluno e da redação posterior do relato da sessão. A expe- 
riência de discutir em supervisão antes de o aluno elaborar seu re- 
lato tem se mostrado extremamente proveitosa. No entanto, avaliamos, 
não ingenuamente, que tal presença pode causar impacto e incômo- 
do no aluno-estagiário, inibindo-o em sua conduta não somente de 
206 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
relatar como também de atuar dentro do atendimento. Neste sentido, 
cabe ao supervisor desfazerfantasias persecutórias, dirigindo-o para 
a percepção de que estas experiências fazem parte do processo de 
ensino-aprendizagem. 
De outro lado, tal configuração, do ponto de vista do supervisor, 
facilita o acesso à forma de descrição e à compreensão dos fatos e dos 
fenômenos psicológicos ocorridos, realizada pelo aluno. Também 
auxilia a avaliação de conhecimentos previamente adquiridos pelo 
aluno em etapas anteriores de sua forma, bem como sua disposição 
para pesquisa atual pertinente ao tema acompanhado nesse momen- 
to. Assim, esse psicólogo-supervisor poderá ensinar, acompanhar e 
avaliar o aluno na busca por uma melhor qualidade do atendimento, 
preservando o compromisso com o usuário do serviço e contribuindo, 
assim, para o desenrolar do processo, já que está diretamente inseri- 
do no campo de atendimento. 
Por se dar em grupo, o desenvolvimento do psicodiagnóstico 
interventivo está intimamente ligado às características das pessoas 
que compõem o grupo, tornando-se ímpar, dependendo do ocorrido 
a cada encontro. A ênfase se dá no atendimento grupal e participati- 
vo como potencializador de novas significações e explorações subje- 
tivas e possibilidades de a tríade cliente, aluno-estagiário e do pro- 
fessor-supervisor chegarem a uma compreensão conjunta do 
fenômeno que queriam entender. 
Esses aspectos devem ser levados em conta na elaboração do 
relato feito pelo aluno-estagiário, isto é, ele precisa apreender o pro- 
cesso diagnóstico interventivo grupal por meio do atendimento rea- 
lizado, mas também a partir dos estudos e escritos que ele mesmo 
produz e que estão contidos no registro documental, destacando que, 
nessa produção, deve haver a convergência dos vários pontos de 
entendimento realizados pela tríade citada. 
Nesse sentido, para a confecção de relatos semanais e laudo, 
costumamos oferecer aos nossos alunos-estagiários dispositivos nor- 
teadores, cuja função é orientar a ação de relatar e de construir o 
conhecimento. Tais norteadores estão apoiados nas bases teóricas que 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 207 
direcionam o olhar e a percepção clínica do caso, não perdendo de 
vista o ser da relação. Ao mesmo tempo, facilitam o desenvolvimen- 
to de competências e habilidades necessárias à experiência clínica do 
psicodiagnóstico interventivo infantil, sem deixar de dar espaço para 
o aluno se desenvolver por meio de suas próprias descobertas.
A seguir, faremos algumas considerações sobre os relatos no 
psicodiagnóstico interventivo, atendo-nos mais especificamente a três 
contextos, a saber, o da realização de entrevistas psicológicas, o da 
hora de jogo diagnóstica e o da aplicação de testes psicológicos, le- 
vando em conta que outros procedimentos já foram discutidos ante- 
riormente neste livro. 
Considerações a respeito dos relatos da primeira entrevista, da 
hora de jogo e do uso de teste 
A partir deste momento, focaremos o que consideramos impor- 
tante para o aluno-estagiário filtrar em sua experiência junto ao pa- 
ciente e, para isso, utilizamos referenciais que possam auxiliar nos 
seus relatos e reflexões. 
Longe da pretensão de serem considerados como modelos, cria- 
mos dispositivos norteadores da redação de relatos a partir das ne- 
cessidades advindas da realidade docente na qual estamos inseridos. 
Devemos levar em conta que tais dispositivos não refletem as neces- 
sidades que contemplam toda e qualquer experiência clínica, mas 
estão localizados dentro de um fluxo no processo do psicodiagnósti- 
co interventivo já proposto por M. Ancona-Lopez (2002), como dis- 
cutido em outros capítulo deste livro. 
sobre os relatos de entrevistas 
Os primeiros relatos a serem produzidos são os referentes às 
primeiras entrevistas clínicas, a saber, as realizadas com pais no início 
208 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
do processo diagnóstico grupal: a entrevista inicial semidirigida e a 
entrevista de anamnese, sendo os conhecimentos e estudos sobre 
entrevistas e desenvolvimento humano os norteadores dos relatos e 
das reflexões clínicas nesses procedimentos específicos. 
Trabalhamos com o conceito de Tavares (2000, p. 45), para quem: 
A entrevista clínica é um conjunto de técnicas de investigação, de tem- 
po delimitado, dirigido por um entrevistador treinado, que utiliza co- 
nhecimentos psicológicos, em uma relação profissional, com o objetivo 
de descrever e avaliar aspectos pessoais, relacionais ou sistêmicos — 
indivíduo, casal, família, rede social — em um processo que visa a 
fazer recomendações, encaminhamentos ou propor algum tipo de in- 
tervenção em benefício das pessoas entrevistadas. [...] A investigação 
possibilita alcançar os objetivos primordiais da entrevista, que são 
descrever e avaliar, o que pressupõe o levantamento de informações, a 
partir das quais se torna possível relacionar eventos e experiências, 
fazer inferências, estabelecer conclusões e tomar decisões. 
Para Tavares (2000), o entrevistador, ao reconhecer a interação 
entre sintomas, sinais e aspectos do funcionamento psicodinâmicos, 
amplia suas condições de compreensão, tornando suas intervenções 
mais adequadas. 
Nos relatos sobre entrevista, salientamos aos nossos alunos-es- 
tagiários a importância de observar determinados pontos que são 
comumente citados por alguns autores de referência, como Arzeno 
(1995), Bleger (1993) e o já citado Tavares (2000). 
Um primeiro tópico a ser abordado no relato das entrevistas é 
como os pais chegaram até a instituição — apenas um dos pais, ou 
só a mãe, avó ou responsável —, sendo que a ausência de um deles 
pode ter um significado, o que merece ser mais bem investigado. 
Devem ser relatadas suas atitudes, se são solícitos, se mostram coo- 
peração ou se estão resistentes ou retraídos. Também, é importante 
dizer de que forma receberam a proposta de atendimento em psico- 
diagnóstico interventivo, ressaltando-se suas reações à forma de 
trabalho e ao contrato grupal. 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 209 
Então, o aluno-estagiário poderá discorrer sobre o motivo da 
consulta explicitado pelos pais; suas queixas em relação à criança; 
suas dificuldades e conflitos e como os pais veem os fatos; em que 
momento o equilíbrio familiar se rompeu e a família resolveu buscar 
ajuda psicológica. De modo geral, a atenção ao discurso da família 
sobre a criança revela a expressão de uma concepção de sintoma que 
é precedida por uma rede significante que lhe dá um lugar no mun- 
do mediante o desejo dos pais. Dessa forma, não podemos reduzir 
a visão que temos da criança apenas ao manifestado pelo desejo ou 
queixa de seus pais, uma vez que ela tende a buscar uma posição 
no mundo a partir do que supõe que o discurso familiar lhe pede 
(Santoro, 2011). 
Podem ser explicitados no relato os sentimentos dos pais em 
relação à queixa e às mudanças ocorridas na vida familiar, em especial 
na vida do casal, a partir da ocorrência das dificuldades relatadas. É 
importante destacarem os vínculos relacionais contidos na dinâmica 
familiar: detalhes do relacionamento dos pais entre si, dos pais com 
os filhos e entre os irmãos, bem como da família no contexto social 
mais amplo. 
Os antecedentes familiares, bem como os relatos da história do 
casal, da concepção, da gestação, do parto, da amamentação e do 
primeiro ano de vida, são de extrema importância para a compreensão 
do que a criança representa para a família, que lugar ocupa em seu 
contexto e como se adaptou ao meio desde seu nascimento. Deve-se 
destacar se houve alguma defasagem ou problema em seu desenvol- 
vimento inicial, por exemplo, como reagiu ao desmame e à volta da 
mãe ao trabalho, como enfrentou as frustrações inerentes aos momen- 
tos iniciais da vida, se apresentou doenças ou sintomas significativos. 
Posteriormente a isso, podem ser relatados os dados coletados 
sobre o desenvolvimento da criança a partir do primeiro ano de vida, 
até o momento atual, numa descrição dos fatos em ordem cronológi- 
ca: a evolução do aspecto motor, a progressão da fala, seu desenvol-vimento intelectual, seu sono, sua alimentação, sua saúde, as reações 
à entrada na escola ou creche. 
210 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
O relato pode conter também as ideias e fantasias dos pais sobre 
a personalidade e temperamento da criança, destacando se há sinais 
de possíveis aspectos psicopatológicos a serem investigados. Numa 
perspectiva mais ampla, pode conter dados sobre os aspectos socio- 
econômicos, a vida social, cultural e religiosa da família. 
Ao final, poderão ser destacadas ainda as evidências sobre a 
existência de recursos para mudanças, bem como sobre as expectati- 
vas de solução encontradas no discurso dos pais. 
Tais norteadores, no entanto, não deverão pressupor uma narra- 
tiva rígida, já que nenhuma situação clínica ocorre sem prerrogativas 
específicas do momento relacional ali vivido, podendo também con- 
ter a exposição de fatos próprios do encontro que se dá nesse campo 
relacional. 
sobre os relatos de hora de jogo diagnóstica 
Num outro momento, como professores-supervisores solicitamos 
aos alunos-estagiários os relatos dos primeiros contatos com as crian- 
ças, que, no contexto do psicodiagnóstico interventivo, se realizam 
por meio da técnica de hora jogo diagnóstica, mesclando a ela também 
alguns pontos relativos às técnicas do atendimento grupal infantil. 
Assim, um segundo norteador para a realização dos relatos são os 
conhecimentos e estudos sobre a hora de jogo diagnóstica. 
A hora de jogo diagnóstica é um dos procedimentos mais signi- 
ficativos para o psicodiagnóstico infantil. Sua relevância teórica e 
técnica, desde seu uso delimitado por Aberastury (1992), tem sido 
largamente explorada, sendo utilizada e desenvolvida por outros 
autores, com o objetivo de investigar as fantasias trazidas pelas crian- 
ças em seu primeiro contato com o terapeuta, suas dificuldades e 
conflitos, bem como suas esperanças de suplantá-los. 
Aberastury (1992) apresenta a hora de jogo diagnóstica como um 
momento em que a criança vai trazer até nós, psicólogos, sua “fanta- 
sia inconsciente de enfermidade e de cura”, dando a ideia de que a 
criança sabe que passa por conflitos, que tais conflitos são de nature- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 211 
za especial e de que ela compreende, aceita e colabora com o atendi- 
mento psicológico. Nessa hora, a criança é deixada livre para brincar, 
sendo-lhe oferecida uma caixa de brinquedos variados e material 
gráfico, para que possa expressar, por meio do jogo livre e espontâneo, 
as fantasias subjacentes às dificuldades e sintomas pelos quais veio 
procurar o atendimento juntamente com sua família. 
Ressaltamos que, no psicodiagnóstico interventivo infantil, a hora 
de jogo é realizada em grupo, sendo atendidas, na mesma sala e no 
mesmo horário, crianças de ambos os sexos e de idade similares, em 
número de quatro a seis crianças, normalmente, sendo responsáveis 
por cada uma delas uma dupla de alunos-estagiários. 
Essa dupla teria como função observar simultaneamente a dinâ- 
mica grupal — portanto, o brincar em grupo — e o brincar individual 
da criança acompanhada por eles, o que acarreta uma complexidade 
a mais para a função de observar e coletar informações. Aparente- 
mente, isso seria um agravante para a aprendizagem; porém, com o 
tempo o aluno-estagiário ganha habilidade para a realização dessas 
duas funções, compreendendo que uma é complementar à outra, 
tornando-se ferramentas indispensáveis à construção do relato da 
sessão, bem como à construção do conhecimento sobre o caso. 
Ao ensinarmos o psicodiagnóstico interventivo, nós, supervi- 
sores, temos solicitado aos alunos o relato da hora de jogo, buscan- 
do analisar o nível de aprendizagem da técnica alcançado e a apre- 
ensão da teoria subjacente a seu uso, bem como das condições 
criadas pelo estagiário para utilizá-las, formando uma costura crí- 
tica e reflexiva entre a experiência clínica vivida, a teoria anterior- 
mente aprendida e a técnica agora experimentada. Acrescente-se aí 
a capacidade de o aluno buscar novos recursos teóricos, por meio 
de suas pesquisas e estudos espontâneos sobre o tema dentro da 
proposta delimitada pela abordagem fenomenológica-existencial 
oferecida no psicodiagnóstico interventivo, enriquecendo ainda mais 
suas condições e capacidade de discussão do caso com a utilização, 
nas discussões, de alguns pontos de compreensão da psicologia 
psicodinâmica. 
212 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
Na hora de jogo, é importante que relate de forma clara e muito 
detalhada cada movimento, gesto e atitude das crianças. Temos que 
verificar a capacidade de o estagiário observar e detectar aspectos 
relevantes contidos no brincar espontâneo, pinçando o que é impor- 
tante enquanto realiza suas próprias associações, desenvolvendo, com 
o tempo, a capacidade de fazer ligações de sentido entre um brincar
e outro, entre um acontecimento e outro, entre falas e desenhos livres, 
como já elucidava Klein (1932) em seus estudos sobre a técnica do 
livre brincar, o que foi ressaltado por Efron et al. (1995) e Aberastury 
(1992). 
Levamos em conta as condições de o aluno-estagiário descrever, 
de forma clara e minuciosa, a experiência observada e vivida junto 
ao grupo e à criança acompanhada, sendo esperado que seja capaz 
de discorrer sobre: 
I. a experiência de observação do livre brincar como forma de 
comunicação do conflito. 
II. a experiência de observar a dinâmica grupal, percebendo os
interjogos nos relacionamentos, o papel ocupado por cada
criança, as lideranças estabelecidas, as identificações reali- 
zadas, a coesão na consecução dos objetivos grupais e o
conflito apresentado de forma coletiva.
III. as características do brincar individual apresentado pela
criança especificamente acompanhada pela dupla e seu
conflito num âmbito individual, dentro de sua história e
contexto.
IV. as intervenções realizadas e a reação das crianças a elas, o
que dá indícios de estarmos ou não no caminho adequado
de compreensão, dependendo das respostas, interjeições ou
mesmo do brincar explicitado imediatamente após sua rea- 
lização.
Os relatos devem referir-se desde quando as crianças são cha- 
madas, sua reação na sala de espera ao despedir-se de seus pais ou 
acompanhantes, bem como o comportamento no caminho para a sala 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 213 
de atendimento junto ao estagiário, se conversa ou permanece em 
silêncio, se parece curioso ou temeroso da nova experiência. 
Pode-se, então, relatar como foram dadas as explicações sobre o 
processo ali vivido, o sigilo terapêutico, a forma de atendimento que 
será realizada e como o grupo e, em especial, a criança acompanhada 
pela dupla reagiram: se fizeram observações; se permaneceram es- 
tagnados e se assim ficaram e por quanto tempo; se solicitaram mais 
informações; se mostraram interesse, curiosidade prazerosa; se foram 
reticentes ou denotaram liberdade de agir e brincar. 
A partir daí, relatar a observação sobre como escolheram seus 
brinquedos na caixa lúdica e exatamente o que fizeram em cada brin- 
cadeira escolhida, descrevendo como estruturaram seu brincar, o que 
já nos permite levantar algumas hipóteses sobre as fantasias vividas 
no espaço do brincar, que remete àquele que brinca a um espaço 
especial que não é a realidade propriamente dita, o que exige daque- 
le que observa o brincar a condição de, em parte, adentrar ao mundo 
da fantasia infantil e, por outro lado, manter a função terapêutica de 
pensar sobre o que ocorre nesse brincar. As condições de organização 
das fantasias mostram também os recursos intelectuais da criança, 
bem como a forma como lidam com a realidade. 
Outro dado importante é se preferiram brincar em grupo ou 
solitariamente, se têm condições de tolerar a convivência grupal ou 
se evitam se frustrar ao contato com as diferenças impetradas pela 
presença do outro. Nesse sentido, deve-se perceber que lugar o outro 
ocupa em seu jogo particular, que uso faz do outro como objeto de 
relação, observando-se a existência e a qualidade das transferênciasem relação aos outros participantes do grupo, que tipo de vínculo é 
capaz de realizar e como escolhe seus pares. O relato deve conter 
dados de seu vínculo com a equipe técnica e como estabelece a liga- 
ção com o próprio processo do psicodiagnóstico. 
Devem-se evitar generalizações como: “Ela brincou o tempo todo 
com a boneca” ou “Ele ficou a sessão toda jogando bola”, pois certa- 
mente quem brinca com uma boneca ou quem chuta uma bola o faz 
de forma especial e diferente de qualquer outro, sendo impossível se 
214 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
generalizar tanto a forma de esses acontecimentos ocorrerem. É im- 
portante destacar que o máximo de detalhes descritos será necessário 
à boa análise dos fatos observados, oferecendo maior possibilidade 
de discussão de seus significados. 
O relato deve conter detalhes de cada etapa do brincar ou do 
desenhar, ou mesmo do estar em silêncio, aparentemente sem nada 
fazer, pois tudo o que ocorre tem um sentido. Deve ser fiel ao ocor- 
rido em ordem cronológica, realizando, de forma concomitante, a 
descrição do que ocorreu horizontalmente no grupo como um todo 
e do que ocorreu verticalmente, narrando o comportamento da crian- 
ça acompanhada pela dupla de estagiários. 
Para isso, se o supervisor assim o desejar, poderá solicitar a divi- 
são da sessão, separando-a em: a) Relato do ocorrido na dinâmica grupal; 
b) Relato sobre o caso acompanhado, sendo que a análise clínica ficaria
restrita mais à descrição do ocorrido com o caso em estudo da dupla 
de estagiários, podendo-se utilizar o ocorrido na dinâmica grupal como 
complemento para a compreensão clínica, quando necessário. 
Na fase de discussão teórico-clínica dos dados, ou seja, na aná- 
lise clínica, deve-se notar a capacidade de o aluno-estagiário interligar 
situações e fatos observados à teoria e à técnica de hora de jogo, e, 
ainda, verificar o uso adequado de bibliografia complementar espon- 
taneamente pesquisada por ele sobre esse tema, notando-se suas 
condições de interligar de modo reflexivo e crítico teoria, técnica e 
experiência clínica. 
sobre o uso do teste psicológico 
Como já se sabe, o psicodiagnóstico compreende várias etapas; 
dentre estas é possível considerar a administração dos testes psicoló- 
gicos. Tal momento é caracterizado, segundo Freitas e Noronha (2005, 
p. 88), como
peculiar do processo de avaliação devido à possibilidade de obter dados 
sobre a pessoa em questão, a fim de conhecer sua história mais deta- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 215 
lhadamente, assim como buscar informações relacionadas ao desenvol- 
vimento, à escolaridade, às relações familiares, aos aspectos profissionais, 
sociais, entre outros. 
A escolha das estratégias e dos instrumentos dentro de um pro- 
cesso de avaliação psicológica é feita sempre de acordo com o refe- 
rencial teórico, o objetivo e a finalidade, portanto, no nosso caso, é 
clínica, cujo fim é colaborar com o diagnóstico que contempla outras 
técnicas além dos testes (Araujo, 2007; Ocampo, 2005). Pautados nes- 
ses referenciais, buscamos conciliar o processo de ensino-aprendizagem 
desses procedimentos e a futura prática profissional do aluno, pois 
consideramos incoerente o ensino e a adoção de qualquer técnica de 
investigação psicológica com outra intenção diferente que não aque- 
la do instrumento, pois, se assim o for, já é outra coisa que foge ao 
que o instrumento propõe a investigar. 
Como pontuado pelas diretrizes contidas na regulamentação da 
profissão (CFP. Conselho Federal de Psicologia — Avaliação psicoló- 
gica: diretrizes na regulamentação da profissão, 2010, p. 42), para se 
alcançar o status de um “teste psicológico” percorreu-se um “[...] 
processo de criação, validação e aprovação [...]. O processo de vali- 
dação requer a articulação do construto às operações do teste e a 
demonstração da relação do teste aos aspectos relevantes do psiquis- 
mo das pessoas”. Villemor-Amaral (2012) reforça que a utilização de 
uma técnica de avaliação psicológica requer a compreensão tanto dos 
fundamentos que embasam as condições das conclusões extraídas 
dos resultados quanto a verificação de sua comprovação científica 
que determina a validade do procedimento e justifica seu uso. 
Entendemos que, por exemplo, a adoção de um teste projetivo, 
como o HTP, porque seus desenhos são ricos como estímulos que 
remetem a situações familiares vividas pelas pessoas em geral, ou, 
ainda, o fazer uso de teste psicométrico reduzindo-o a uma situação 
para estimulação, demonstram uso equivocado desses instrumentos. 
Desta forma, pautados nos princípios éticos que norteiam a prática 
profissional, o uso dos testes psicológicos e o modo como a análise 
216 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
dos seus resultados são apresentados seguem os indicadores que os 
próprios instrumentos propõem em seu Manual. 
Assim, e como é enfatizado por tais diretrizes, concordamos que 
a maneira como os instrumentos são usados pelo psicólogo na ava- 
liação psicológica é de importância fundamental para que a área seja 
vista como profissional e cientificamente responsável perante a socie- 
dade (CFP, 2010, p. 42). O compromisso com o processo de ensino- 
-aprendizagem segue um continuum para além das disciplinas cujos 
planos de ensino contemplam técnicas e exames psicológicos, ou seja, 
o conhecimento previamente adquirido é experimentado no estágio
de Psicodiagnóstico em sua prática. 
Como já pontuado, é na supervisão clínica que se constrói um 
espaço em que esse processo ensino-aprendizagem sedimenta-se e as 
reflexões produzidas a partir das discussões do caso clínico acompa- 
nhado vai abrindo a possibilidade de pensar também no uso ou não 
das técnicas que temos à disposição. Deste modo, quando se pensa 
na adoção de qualquer instrumento de avaliação, deve-se questionar 
se terá a função de responder a alguma pergunta relacionada ao caso 
clínico, ou seja, o teste será adotado desde que realmente tenha algu- 
ma contribuição a oferecer, evitando a submissão de nosso cliente a 
uma bateria de teste indevidamente, especialmente pelo tempo des- 
pendido e pelo desgaste que qualquer situação investigativa provoca, 
mesmo que se tenha cuidado desta condição. 
Guzzo e Pasquali (2001, p. 155) chamam a atenção para a impor- 
tância e a qualidade das informações fornecidas pelo psicólogo no 
processo de uma avaliação psicológica, através do laudo psicológico, 
pareando inclusive o modo como este instrumento é construído como 
expressão de sua “competência profissional”. Ressaltam a necessidade 
de os profissionais estarem em constante aprimoramento para a atu- 
ação na área de avaliação psicológica, que, além dos instrumentos de 
medidas, envolve diferentes técnicas cujos resultados colaboram para 
a compreensão de toda a investigação (Freitas e Noronha, 2005). 
Pensando em colaborar com o processo psicodiagnóstico a partir 
do uso de teste e da comunicação dos seus resultados, que acrescen- 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 217 
tados a este processo maior de investigação possam torná-lo signifi- 
cativo, buscamos trabalhar o levantamento de dispositivos antes, 
durante e após a realização de uma sessão para a qual se optou pela 
aplicação de uma técnica, em especial um teste projetivo, e que ser- 
visse para o relato de tal sessão. 
Detendo-nos ainda no aspecto do que pode ocorrer “antes, du- 
rante e após” de uma aplicação de teste, assim como Azevedo (2002), 
notamos também que, facilmente, o processo de psicodiagnóstico, 
com um processo psicoterápico infantil, poderá ser confundido como 
um simples encontro para brincar, o que em parte é verdade, mas não 
é suficiente. É imprescindível que seja dito para a criança o que está 
acontecendo, o que estamos percebendo ou o que vamos fazer e, em 
especial para este último, o cuidado é essencial: como se sabe, nosso 
enquadre é grupal e, por conta deste “fazer específico”, o atendimen- 
to poderá ser individual. Comunicar o que será feito é fundamental 
para a manutenção da aliança de trabalho. Esta comunicaçãodeve 
ser oferecida, adequando a linguagem e o vocabulário às condições 
da criança. 
Notamos que o momento de aplicação de uma técnica específica, 
um teste, oportuniza em parte o resgate do enquadre anteriormente 
realizado, melhorando a sua comunicação em um espaço que agora 
é tomado por um nível de ansiedade mais atenuado em relação ao 
início do atendimento, podendo ser oferecidas novas informações. 
Esse momento parece ajudar a criança a ressituar-se na clínica-escola, 
(re)apropriando-se do motivo que a levou até ali, como também pa- 
rece colaborar com o aluno-estagiário, que deve desempenhar muitas 
tarefas como futuro psicólogo, dando conta das mais variadas infor- 
mações, devendo coletar e observar, além de estar envolvido na 
brincadeira. Assim, parece que se reorganiza à medida que consegue 
ajudar a criança a fazer o reconhecimento deste espaço clínico mais 
próximo do real — afinal não se trata apenas do brincar. 
Considerando a ocorrência de encontros anteriores com a crian- 
ça, esta deverá ser informada sobre o que será realizado: possivel- 
mente, a estranheza da sala e do horário, a falta de outros estagiários 
218 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
e das outras crianças provocarão questionamentos. Deve-se esclarecer 
qual a atividade a ser realizada e sua finalidade. Geralmente, é suge- 
rido que o aluno-estagiário busque esclarecer a criança de que naque- 
le momento será realizada uma atividade para conhecê-la melhor e, 
assim, ele procura responder a algumas perguntas relacionadas ao 
motivo que a trouxe até ali, contribuindo para sua compreensão em 
relação à queixa. Nesse momento, é possível indagá-la sobre tal mo- 
tivo e conhecer um pouco mais de sua percepção a esse respeito. 
Villemor-Amaral (2012) ressalta o cuidado de evitar qualquer infor- 
mação que dê falsa noção daquilo que a técnica avalia ou que induza 
a certo tipo de resposta. Entendemos que a autora pontuou um as- 
pecto importante aplicável a todas as técnicas, principalmente às 
menos estruturadas, como as projetivas. 
É importante chamar a atenção para perguntas delicadas do 
aluno-estagiário relacionadas à técnica utilizada, como do tipo: “Você 
gosta de desenhar?”; “Você gosta de contar histórias?”. Essas indaga- 
ções podem servir para enriquecer o rapport, mas corre-se o risco de 
servirem a outro propósito quando a resposta for negativa, podendo 
ocorrer o fracasso da aplicação, pois o aplicador despreparado terá 
dificuldades em contornar a situação. 
Com o material do teste em mãos devidamente revisado, com a 
sala organizada e adequada para receber o examinando e realizar a 
aplicação, cabe aos estagiários iniciar a atividade, emitindo as instru- 
ções de acordo com o manual do teste, assim como toda a conduta 
restante. 
A partir desse ponto, levando em conta todas essas reflexões, os 
relatos de como ocorreu a aplicação do teste e de como se chegou à 
avaliação dos resultados podem ter início. 
Reconhecendo as dificuldades pertinentes à tarefa de construir 
um relato da aplicação de teste, a seguir apontamos apenas sugestões, 
marcos norteadores, para que nossos alunos cuidem das informações 
que devem ser observadas e que possam colaborar com a análise do 
material produzido na sessão. Assim, buscou-se trabalhar com uma 
divisão de sete itens, conforme o Quadro 1 adiante, seguido de uma 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 219 
explanação dos pontos a serem valorizados nesse processo de cons- 
trução do relato: 
1. Dados de identificação: são os dados sobre o examinando,
que incluem somente as iniciais de seu nome, número de
prontuário, sexo, idade (quando menor de 18 anos, devem
constar o nome do responsável e grau de parentesco), data
de aplicação e o nome dos relatores, que devem incluir o
nome da dupla de alunos-estagiários e do psicólogo-super- 
visor;
2. Técnica utilizada: neste ponto, caberá ao aluno-estagiário
definir, segundo o Manual, a técnica por ele adotada.
3. Objetivo da técnica e sua justificativa para o uso: nesse pon- 
to deverá esclarecer o objetivo da técnica de forma geral, e
especificamente, ao caso acompanhado, ou seja, deverá infor- 
mar no que o teste poderá colaborar para a compreensão do
caso que acompanha, qual hipótese justifica seu uso.
4. Descrição da aplicação: são incluídos aqui pontos relaciona- 
dos ao “antes, durante e após” a aplicação propriamente dita
do teste, assim como as condições do espaço físico e sua
organização, considerando inclusive a hora de início e fim;
a disposição do examinando a se submeter a tal atividade;
reações comportamentais e verbais do examinando quando
se depara com uma atividade individual, já que as outras
crianças e estagiários estão ausentes; reações quando se re- 
toma a queixa, sua compreensão até aquele momento do
processo psicodiagnóstico; capacidade de compreensão das
instruções do teste; suas possibilidades de organização dian- 
te do novo contexto e da atividade adotada; se é resistente
ou não, se é organizado, se é flexível e colaborativo com
relação à aplicação do teste propriamente dito. Deverá ser
registrada também toda a observação quanto às reações após
instruções, falas, gestos no decorrer da produção, se reage
com curiosidade aos registros realizados pelo aluno-estagi- 
ário. Assim, também, observar a ocorrência de pausas e/ou
220 SILVIA ANCONA-LOPEZ 
silêncios, dependendo do teste adotado. Tais condutas deve- 
rão ser seguidas até o final da aplicação, o que também 
proporcionará melhores condições de relato do ocorrido na 
aplicação do teste. 
5. Levantamento dos dados interpretativos e síntese interpreta- 
tiva: pressupomos aqui que houve a leitura minuciosa do
Manual do teste pelo estagiário, sendo então observados os
indicadores para tal levantamento interpretativo; afinal, exis- 
tem alguns testes que indicam a consulta de tabelas normati- 
vas, idades etc., e tais considerações devem ser levadas em
conta. Portanto, trata-se de um item trabalhoso, pois caberá
ao aluno-estagiário recorrer ao Manual para o levantamento
dos dados a serem analisados. Em geral, os testes já trazem
em sua composição folhas de registros ou protocolos a serem
preenchidos, porém nota-se certa insegurança por parte do
aluno em errar tal preenchimento. Assim, a ele é sugerido que
pratique esse preenchimento antes de registrá-lo oficialmente,
após correção pelo supervisor. Após esta etapa, segue a sínte- 
se interpretativa, na qual buscaremos conciliar os aspectos
relevantes contidos no resultado do teste em geral, e, para isto,
o aluno-estagiário deverá fazer uso concomitante e imprescin- 
dível das informações prévias, ou seja, daquelas que foram 
colhidas através das entrevistas e de outras técnicas e ativida- 
des adotadas no decorrer do processo psicodiagnóstico. Por- 
tanto, levará em consideração o agrupamento das informações, 
e não as interpretações isoladas, e sempre buscará a coerência 
no entrelaçamento dos dados. 
6. Anexo(s): o aluno-estagiário deverá anexar ao relato todo o
material produzido durante a aplicação pelo examinando,
que podem ser desenhos, histórias produzidas, folha de res- 
posta, protocolo de interpretação (HTP), protocolos de forma
geral do teste e/ou instrumento de medida adotado. É im- 
portante ressaltar que este material deverá estar devidamente
preenchido.
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 221 
7. Referências bibliográficas: deverá constar nesse item toda
literatura consultada. E, no caso da aplicação de um instru- 
mento de avaliação padronizado, ou seja, o Teste Psicológico,
invariavelmente, o Manual do Teste.
Quadro 1. Modelo de relato da aplicação de teste 
RELATO APLICAÇÃO DE TESTE 
1. Identificação (iniciais) 
nome: Prontuário: 
sexo: idade: 
Data da sessão: sessão n.: 
responsável: grau de parentesco: 
relatores: 
2. Técnica utilizada 
3. Objetivo da técnica 
3.1. Justificativa para o caso
4. Descrição da aplicação 
5. Levantamento de dados interpretativos (de acordo com o Manual) 
5.1. síntese interpretativa
6. Anexos
7. Referência(s) bibliográfica(s) 
(adotar aBnt ou aPa)

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