Prévia do material em texto
F R E N T E 3 283 Qual seria então a melhor unidade de medida para Q? Deve ser uma medida que atribua o mesmo valor de ve- locidade para um dado fenômeno, independentemente do tamanho da amostra. De fato, no balão volumétrico ou no béquer, há uma grandeza que coincide para os dois ambientes: a concentração dos reagentes em mol/L. Em ambos os casos, o número de mols não é o mesmo, o vo- lume não é o mesmo, mas a razão entre as duas grandezas é a mesma. Logo, se a velocidade for medida em mol/L, o valor será o mesmo se a reação estiver sendo realizada nas dimensões de um tanque, de um balão volumétrico, de um béquer ou de um tubo de ensaio. A concentração em mol/L é a razão entre o número de mols do soluto e o volume da solução. A essa concentração damos o nome de concentração molar, ou molaridadeM). Assim: n V mol/L (equação VI)1 L M ( )= ( ) Como n m M 1 1 1 = , temos: m M V (mol/L) (equação VII)1 1 L M = ⋅ ( ) A concentração molar de uma substância X pode ser representada porMX, ou [X]. Sendo assim, para uma reação genérica de equação: a A + b B → c C + d D, em que A e B são reagentes, C e D são produtos e a, b, c e d são coeficientes estequiométricos da equação, temos: v A t v B t v C t v D t (equações VIII) A B C D = − ∆ ∆ = − ∆ ∆ = ∆ ∆ = ∆ ∆ Note que, para as velocidades em relação a A e a B, poderíamos ter escrito |∆[X]|. Mas, como as variações das concentrações dos reagentes são negativas, podemos substituir o módulo pelo sinal (−) na frente da fração. O sinal negativo é desnecessário para o cálculo da velocidade dos produtos, pois a variação das suas concentrações ao longo da reação é positiva. As principais unidades de medida de velocidade das reações são, portanto, mol/L·s ou mol/L·min. Como as velocidades são proporcionais aos números de mols que reagem, e estes, por sua vez, são proporcionais aos coeficientes estequiométricos, então as velocidades, com relação às substâncias, são proporcionais aos seus respectivos coeficientes estequiométricos. Portanto: v a v b v c v d (equação IX)A B C D= = = Como a razão entre a velocidade em relação à substância X e o seu respectivo coeficiente estequiométrico é sempre a mesma, podemos definir, para uma reação química, uma velocidade sem referencial, chamada de velocidade global da reação, ou simplesmente velocidade da reação (vG), que pode ser calculada como: v v a v b v c v d (equaçãoX) G A B C D= = = = As velocidades calculadas até aqui são todas velocida- des médias. Para calcular a velocidade instantânea de uma reação em um instante t, devemos calcular a velocidade média dessa reação entre os instantes t e t + ∆t e poste- riormente calcular o limite dessa velocidade média quando ∆t tende a zero. Desse modo, representando o reagente por R, temos: = − − ∆ = − ∆ → ∆v lim ( R R ) t d R dt (equação XI) i t 0 t + t t A interpretação gráfica da velocidade instantânea e sua relação com a derivada é mostrada a seguir: [R] (mol/L) Velocidade média entre t e t + Δt: v m = −tg α [R] t α t t + Δt t(s) [R] t + Δt Δt tg α = [R] t + Δt [R] t Fig. 1 Análise gráfica da velocidade média entre os instantes t e t + ∆t. Quando ∆t tende a zero, a reta secante se torna a reta tangente à curva no instante t. Nesse caso, a tangente do ângulo representado por α’ é a velocidade instantânea em t, como mostrado a seguir: [R] (mol/L) Velocidade instantânea em t: [R] t Secante Tangente α t t + Δt t(s) [R] t + Δt α’ Δt tg α’ = =lim Δt→ 0 [R] t + Δt − [R] t dt d[R] v i = −tg α’ = − dt d[R] Fig. 2 Análise gráfica da velocidade instantânea no instante t. Para fixação desse assunto, é importante o estudo de alguns exercícios. QUÍMICA Capítulo 4 Cinética Química284 Exercício resolvido 1 Seja uma reação genérica equacionada por: N2(g) + 3 H2(g) → 2 NH3(g) Uma tabela com as concentrações de N2 em função do tempo é fornecida a seguir: [N 2 ] (10 –3 mol/L) t(s) 3 0 1,8 1 1,2 2 0,9 3 Responda: a) Qual é a velocidade média em relação ao consu- mo de N2 entre os instantes 0 e 1 s? b) Qual é a velocidade média em relação ao consu- mo de N2 entre os instantes 0 e 2 s? c) Qual é a velocidade média em relação ao consu- mo de N2 entre os instantes 0 e 3 s? d) Qual é a velocidade média em relação ao consu- mo de H2 entre os instantes 0 e 1 s? e) Qual é a velocidade média em relação à forma- ção de NH3 entre os instantes 0 e 2 s? f) Qual é a velocidade global da reação entre os ins- tantes 0 e 3 s? Resolução: a) Cálculo da velocidade média em relação ao con- sumo de N2 entre os instantes 0 e 1 s: v N t v 1,8 10 3,0 10 1 v 1,2 N 0 1 2 N 0 1 3 3 N 0 1 2 2 2 →( ) →( ) − − →( ) [ ] ∴ ⋅ − ⋅ ∴ ⋅ = = = ∆ ∆ 110 1 v 1,2 10 mol/L s 3 N 0 1 3 2 →( )∴ ⋅ ⋅= b) Cálculo da velocidade média em relação ao con- sumo de N2 entre os instantes 0 e 2 s: v N t v 1,2 10 3,0 10 2 v 1,8 N 0 2 2 N 0 2 3 3 N 0 2 2 2 2 →( ) →( ) →( ) [ ] ⋅ − ⋅ ∴ ⋅ ∴= = = ∆ ∆ 110 2 v 0,9 10 mol/L s 3 N 0 2 3 2 − →( )∴ ⋅ ⋅= c) Cálculo da velocidade média em relação ao con- sumo de N2 entre os instantes 0 e 3 s: v N t v 0,9 10 3,0 10 3 v 2,1 N 0 3 2 N 0 3 3 3 N 0 3 2 2 2 →( ) →( ) →( ) [ ] ∴ ⋅ − ⋅ ∴ ⋅ = = = ∆ ∆ 110 3 v 0,7 10 mol/L s 3 N 0 3 3 2 − →( ) −∴ ⋅ ⋅= Note que, com o decorrer da reação, a velocida- de média a partir do instante inicial vai diminuindo. Isso signica que a velocidade instantânea ao lon- go da reação também diminui. Essa não é uma característica especíca desse problema, mas algo que ocorre na maioria das reações. A velocidade dos fenômenos químicos depen- de de choques efetivos entre as partículas dos reagentes. No início, a concentração dos reagen- tes é máxima, o que resulta em velocidade máxima do processo. Entretanto, ao longo da ocorrência da reação, a conversão de reagentes em produtos vai diminuindo a concentração dos reagentes e, con- sequentemente, diminuindo também a frequência de choques efetivos entre as partículas. Durante a reação, portanto, a tendência natural é que sua velo- cidade vá diminuindo gradativamente. Se a reação for irreversível, ou seja, se ocorrer com rendimento de 100%, a velocidade nal da reação será nula. d) Cálculo da velocidade média em relação ao con- sumo de H2 entre os instantes 0 e 1 s, levando-se em conta a equação X: v 3 v 1 v 3 1,2 10 1 v 3,6 10 mol/L s H 0 1 N 0 1 H 0 1 3 H 0 1 3 2 2 2 2 = ∴ = ⋅ ∴ = ⋅ ⋅ ( ) ( ) ( ) ( ) → → → − → − e) Cálculo da velocidade média em relação à forma- ção de NH3 entre os instantes 0 e 2 s, levando-se em conta a equação X: v 2 v 1 v 2 0,9 10 1 v 1,8 10 mol/L s NH 0 2 N 0 2 NH 0 2 3 NH 0 2 3 3 2 3 3 = ∴ = ⋅ ∴ = ⋅ ⋅ ( ) ( ) ( ) ( ) → → → − → − f) Cálculo da velocidade global da reação entre os instantes 0 e 3 s, levando-se em conta a equação X: v v 1 v 0,7 10 1 v 0,7 10 mol/L s G 0 3 N 0 3 G 0 3 3 G 0 3 3 2= ∴ = ⋅ ∴ = ⋅ ⋅ ( ) ( ) ( ) ( ) → → → − → − Não é possível dizer que a velocidade da reação diminui sempre com o passar do tempo, porque alguns fatores podem influenciar a variação de velocidade de maneira contrária: • Para reações muito exotérmicas, ocorre forte aumen- to de temperatura durante a ocorrência do processo. Esse aquecimento do meio reacional pode compensar a perda da concentração do reagente por algum tempo e fazer a velocidade da reação aumentar ao longo do tempo. • Existem determinadas reações que produzem o próprio catali- sador. Esses fenômenos são conhecidos como mecanismos de autocatálise. Assim, a produção de catalisador durante a rea- ção pode compensar o efeito da diminuição da concentração do reagente na variação da velocidade da reação. Com isso, pode haver aumento de velocidade da reação ao longo de um intervalo de tempo. Atenção Teoria das colisões Para compreender uma reação química e os fatores que determinam a sua velocidade, precisamos conhecer o que ocorre, passo a passo, desde o momentoem que se tem rea- gentes até o momento em que eles se convertem em produtos. F R E N T E 3 285 As moléculas não reagem por ação de campo, ou seja, não reagem a distância ou por indução. Elas precisam se chocar umas com as outras, precisam do contato físico, portanto moléculas reagem por contato. Esse processo deve obedecer a dois requisitos para que resulte em uma transformação química. O primeiro deles está relacionado à geometria da colisão. Existe uma geometria específica com que as partículas devem se chocar para que haja a possibi- lidade de uma reação. Quando essa condição é satisfeita, ele deve ser chamado de choque de geometria favorável, ou choque frontal. A segunda condição se refere à ener- gia com que as partículas se chocam entre si. Deve haver um mínimo de energia para que a reação ocorra. Choques que têm energia igual ou superior à mínima são chamados de choques energéticos. Quando um choque é frontal e energético simultaneamente, é então chamado de choque eficaz, ou efetivo. É a frequência de choques efetivos entre as par- tículas de reagentes que determina a velocidade de uma reação. Vamos analisar o exemplo da reação entre hidrogênio e iodo em fase exclusivamente gasosa. H2(g) + I2(g) → 2 HI(g) As moléculas de gás hidrogênio e gás iodo só rea- gem caso o choque entre elas seja frontal e energético ao mesmo tempo. Choque não frontal Não reage Não reageChoque não energético Energia alta Energia baixa Choque frontal e energético Choque eficaz, ou efetivo Fig. 3 Esquema comparativo entre choques frontais e não frontais e entre ener- géticos e não energéticos. Uma vez que tenha ocorrido o choque efetivo entre as moléculas dos reagentes, forma-se um intermediário, muito instável, chamado complexo ativado. Essa estrutura con- tém todas as ligações químicas dos reagentes e todas as ligações dos produtos dessa etapa do processo. Como há ligações em excesso, esse intermediário tende a armaze- nar bastante energia. Assim, a entalpia do complexo ativado é maior do que a entalpia dos reagentes e dos produtos. O complexo ativado, por sua instabilidade, quebra-se logo depois de formado. Nesse caso, há duas opções: ou ocorre a restauração dos reagentes (a reação, portanto, não se conclui) ou formam-se os produtos. No caso do exemplo que estamos trabalhando, podemos representar o que foi explicado por meio do seguinte esquema: 1 Choque eficaz Complexo ativado (instável) Reagentes Produtos2 Fig. 4 Esquema ilustrado mostrando a sequência de eventos entre o choque frontal e a formação dos produtos, passando pelo complexo ativado. Assim, deve-se incluir os estados intermediários no grá- fico de entalpia ao longo do caminho da reação. A reação que tomamos como exemplo é exotérmica. Além disso, o complexo ativado é a estrutura mais entálpica do processo. Com isso, o gráfico tem a seguinte configuração: H (E at ) d ΔH d ΔH i Caminho da reação (E at ) i (complexo ativado) Fig. 5 Gráfico de entalpia das espécies ao longo do caminho da reação, passando pelo complexo ativado. Por mais exotérmica que uma reação seja, ela deve absorver uma energia inicial para que possa começar e formar o complexo ativado. Sem a formação desse inter- mediário, não pode haver a geração do produto. A energia inicial que os reagentes devem absorver para possibilitar o choque energético entre os reagentes é chamada de energia de ativação. Essa energia pode ser de diversas formas, como: atrito (no caso dos palitos de fósforo), faísca (no caso da queima da gasolina dentro da câmara de combustão do motor de um carro), impacto (no caso da detonação de explosivos de alto desempenho, como nitroglicerina), calor (no caso da queima de uma folha de papel), entre outras. Isso varia de reação para reação. Note como a energia de ativação da reação direta não é a mesma da reação inversa. Podemos dizer também que as reações químicas “sobem morros energéticos” para que possam ocorrer, e quanto maior for o obstáculo, ou seja, quanto maior for a energia de ativação de uma reação, menor será a sua velocidade. Assim, podemos concluir que: • ∆ = ∆H H direta inversa • (Eat)direta ≠ (Eat)inversa • Quanto maior for a (Eat), menor será a velocidade da reação.