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DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 1 Aula 1 – Constituição: conceito, classificações. Olá! Comecemos o nosso curso. Antes, eu gostaria apenas de comunicar que a 2ª edição do meu livro de Questões Discursivas de Direito Constitucional comentadas já está à venda. Hoje, começaremos estudando a parte mais teórica do Direito Constitucional. Vejamos, em forma de sumário, esse nosso conteúdo então. 1 – Direito Constitucional e Constituição 1.1 Conceitos: político, sociológico e jurídico 1.2 – Classificação das constituições 1.3 – Supremacia da Constituição 1.4 – Elementos das constituições Desejo-lhe uma boa aula (ou melhor, uma boa conversa sobre direito constitucional – que é o que teremos agora). 1 – Direito Constitucional e Constituição Segundo José Afonso da Silva, o estudo do direito divide-se em três grandes ramos. 1) Público (abrangendo constitucional, administrativo, urbanístico, econômico, financeiro, tributário, processual, penal e internacional). 2) Social (abrangendo previdenciário e do trabalho). 3) Privado (abrangendo civil e comercial). Como você deve ter observado, o Direito Constitucional integra o Direito Público, mas se distingue dos seus demais ramos pela natureza específica de seu objeto e por seus princípios peculiares. Afinal, o Direito Constitucional refere-se diretamente à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política. O que seria, então, o Direito Constitucional? Bem, podemos defini-lo como o ramo do Direito Público que expõe, interpreta e sistematiza os princípios e normas fundamentais do Estado. E tem como objeto a Constituição desse Estado. Quanto ao conceito de Constituição, podemos relacioná-lo à noção de forma de organização do Estado. Quando eu digo Estado, temos de relacionar essa concepção à junção de três elementos fundamentais (território, população e governo) que podem ser DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 2 completados com mais um elemento: a finalidade. Assim, o Estado seria constituído de um governo (poder institucionalizado) que tem por finalidade essencial a regulamentação das relações sociais travadas pelos membros de uma população distribuída em determinado território. Nesse sentido, qualquer Estado tem sua Constituição, independentemente de estar essa organização compilada em um livro, um documento específico. Todavia, o estudo sistemático da Constituição somente se desenvolve a partir do momento em que os Estados passam a compilar em um único documento as regras de organização de suas estruturas. E isso ocorre especialmente a partir das revoluções burguesas do fim do séc. XVIII, cujos ideais iluministas e liberais coincidiam com a necessidade de se estabelecer normas para o funcionamento do Estado (até como forma de limitar seu poder). É nesse ambiente que surge o constitucionalismo, movimento que concebeu a ideia de limitação do poder estatal por meio da criação de um documento escrito, que estabelecesse as regras fundamentais e supremas de organização do Estado. Como não podia deixar de ser, aquelas primeiras constituições eram sucintas. Tratavam de poucos assuntos: (i) regras de organização do Estado; (ii) exercício e transmissão do poder; e (iii) direitos e garantias fundamentais, como forma de limitação do poder estatal. Nesse contexto, cabe mencionar o conceito de Constituição ideal, decorrente do triunfo do movimento constitucional no início do séc. XIX e apresentado por J. J. Gomes Canotilho. Essa concepção identifica-se com os postulados político- liberais e propugna que a Constituição deve: (i) ser escrita; (ii) consagrar um sistema de garantias de liberdades (reconhecimento de direitos individuais e sistema democrático formal); e (iii) limitar o poder do Estado por meio do princípio da divisão dos poderes. Mas, se as primeiras Constituições escritas e rígidas eram de orientação puramente liberal; com o tempo elas começam a apresentar caráter social. Com isso, as Constituições passam a expandir seu objeto, ganhando uma vertente social. Passam a traçar os fins estatais e estabelecer programas e linhas de direção para o futuro. Bem, esse início é importante para contextualizar o assunto. Mas, em concurso, o mais comum é serem cobrados os conceitos político, jurídico e sociológico de Constituição (que passaremos a estudar). 1.1 Conceitos: político, sociológico e jurídico Excepcionalmente neste assunto, é importante que você memorize os nomes relacionados a cada uma das concepções de Constituição: política, sociológica e jurídica. Constituição em sentido POLÍTICO DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 3 Carl Schmitt é quem desenvolve a concepção política de Constituição. Segundo esse conceito, a Constituição é uma decisão política fundamental. Assim, a Constituição surge a partir de uma vontade política fundamental de definir a forma e modo de organização do Estado. Carl Schmitt estabeleceu uma distinção entre Constituição e leis constitucionais. A Constituição disporia somente sobre as matérias substancialmente constitucionais, materialmente constitucionais devido à sua grande relevância jurídica (organização do Estado, direitos e garantias fundamentais etc.). Essas sim seriam, por excelência, as decisões políticas fundamentais. As demais matérias integrantes do texto da Constituição, de menor relevância, seriam tão somente leis constitucionais. Ou seja, uma coisa é tratar de temas realmente “importantes”, substancialmente constitucionais, assunto para a Constituição. Outra coisa seriam aqueles temas menos relevantes, que constituiriam o conteúdo de meras leis constitucionais. Com base nessa teoria, podemos mencionar um aspecto importante para concursos: a distinção entre Constituição em sentido material e Constituição em sentido formal. Importante: No sentido material de Constituição, as normas constitucionais são identificadas a partir do seu conteúdo (somente são constitucionais as normas que tratam de temas substancialmente constitucionais, como: organização e finalidades do Estado e direitos fundamentais, por exemplo). Já as demais normas constitucionais são apenas formalmente constitucionais (têm “forma” de Constituição, na medida em que integram um documento constitucional solenemente elaborado; mas, não têm conteúdo constitucional). Assim, é importante você saber que há: (i) temas propriamente constitucionais (substancialmente constitucionais); e (ii) temas que, apesar de menos relevantes, integram a Constituição. Não é pacífica a definição exata do que seja substancialmente constitucional. De qualquer forma, há um núcleo de temas sobre os quais não há muita controvérsia. Assim, seriam materialmente constitucionais temas como a organização do Estado, distribuição de competências, regulação do exercício do poder e limites ao poder do Estado (direitos fundamentais). É importante conseguir entender bem essa distinção entre os sentidos material e formal de Constituição. Alguns exercícios mais à frente auxiliarão seu aprendizado. Constituição em sentido SOCIOLÓGICO Na concepção sociológica, a Constituição é concebida como fato social, como resultado da realidade social do país, e não propriamente como norma. A DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 4 Constituição seria a soma dos fatores reais de poder que imperam na sociedade (tais como a aristocracia, a burguesia, os banqueiros etc.). Aquele documento escrito teriaa função de simplesmente sistematizar essa correlação de forças, e só teria eficácia se, de fato, representasse os valores sociais da sociedade. Essa noção é defendida por Ferdinand Lassalle, segundo o qual há duas Constituições: a real e a escrita. A real é a “soma dos fatores reais de poder” e a escrita, mera “folha de papel”. Em caso de conflito, aquela sempre prevalecerá sobre esta. Dessa forma, Lassalle nega a força normativa da Constituição escrita. Afinal, para ele, se a Constituição escrita não representar a real soma dos fatores de poder, ela não passará de uma folha de papel. Constituição em sentido JURÍDICO Para Hans Kelsen, defensor da concepção jurídica de Constituição, a Constituição é norma jurídica pura, sem qualquer consideração de ordem social, política, moral ou filosófica. Nesse caso, a Constituição teria um caráter estritamente formal. É interessante como a visão de Kelsen contrapõe-se à concepção sociológica de Ferdinand Lassalle. Por um lado, Lassalle nega a força normativa da Constituição, ao considerar que ela só teria valor se representasse os fatores reais de poder. Ao contrário, na visão de Kelsen, a validade de uma norma independe da sua aceitação pelo sistema de valores sociais da sociedade. Kelsen estabeleceu uma distinção entre Constituição em sentido lógico- jurídico e Constituição em sentido jurídico-positivo. De acordo com o sentido lógico-jurídico, a Constituição significa norma fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da validade da Constituição jurídico-positiva. Ou seja, trata-se de fato instaurador não positivado (já que apenas pressuposto, pensado, imaginado), origem de todo o processo de criação das normas. Já em seu sentido jurídico-positivo, a Constituição equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau. Assim, enquanto o jurídico-positivo está corporificado pelas normas postas, positivadas, o lógico-jurídico situa-se em nível do suposto, do hipotético (haja vista não configurar norma editada por nenhuma autoridade). A partir desse conceito de Kelsen, você já pode observar algo interessante: há um escalonamento das normas, em que uma constitui fundamento de validade para a outra (hierarquicamente inferior), constituindo uma verticalidade hierárquica. Assim, podemos dizer que as normas inferiores buscam seu fundamento de validade numa norma superior, e esta na Constituição (lei nacional no seu mais alto grau), que se caracteriza como fundamento de validade de todo DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 5 ordenamento jurídico. Segundo Kelsen, essa Constituição positivada busca seu fundamento de validade na norma hipotética fundamental (sentido lógico- jurídico). O que você acha de esquematizarmos esses importantes sentidos da Constituição? Já fiz isso por você... Sintetizando: Vamos ver como o Cespe cobra esse assunto. 1) (CESPE/ANALISTA JUDICIÁRIO/TJ/ES/2011) A concepção sociológica, elaborada por Ferdinand Lassale, considera a Constituição como sendo a somatória dos fatores reais de poder, isto é, o conjunto de forças de índole política, econômica e religiosa que condicionam o ordenamento jurídico de determinada sociedade. De fato, para Lassalle, a Constituição reflete a soma dos fatores reais de poder (resultante das forças sociais que imperam na sociedade). Item certo. 2) (CESPE/AGENTE ADMINISTRATIVO/MMA/2009) No sentido sociológico defendido por Ferdinand Lassalle, a Constituição é fruto de uma decisão política. O Cespe vai tentar te confundir misturando os conceitos, portanto, fique atento. Por isso, aquele esquema que apresentei acima facilita sua vida, pois te ajuda a memorizar as “palavras-chave” envolvidas com cada conceito. Para a visão política de Constituição (Carl Schmitt) é que a Constituição é uma decisão política fundamental (do poder constituinte). Para Lassale (concepção sociológica), a Constituição é concebida como fato social, como resultado da realidade social do país, e não propriamente como DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 6 norma; a Constituição seria, assim, a soma dos fatores reais de poder que imperam na sociedade. Item errado. 3) (CESPE/ANALISTA/DIREITO/INCA/2010) Para Carl Schmitt, a constituição de um Estado deveria ser a soma dos fatores reais de poder que regem a sociedade. Caso isso não ocorra, ele a considera como ilegítima, uma simples folha de papel. Carl Schmitt defende o sentido político de Constituição, segundo o qual a Constituição é uma decisão política fundamental (do poder constituinte). A definição apresentada na questão refere-se ao sentido sociológico de Constituição, defendido por Ferdinand Lassalle. Item errado. 4) (CESPE/AGENTE ADMINISTRATIVO/MMA/2009) No sentido jurídico, a Constituição não tem qualquer fundamentação sociológica, política ou filosófica. Na visão jurídica (Hans Kelsen), a Constituição é percebida de uma perspectiva estritamente formal: norma jurídica pura, desprovida de influências de ordem sociológica, política, moral ou filosófica. Item certo. 5) (CESPE/PROCURADOR DO ESTADO/PB/2008) A constituição é, na visão de Ferdinand Lassalle, uma decisão política fundamental e, não, uma mera folha de papel. Para Ferdinand Lassalle, a Constituição escrita só terá eficácia caso retrate, em seu texto, a soma dos fatores reais de poder (visão sociológica). De outro modo, não passará de uma folha de papel. A ideia da Constituição como uma decisão política fundamental decorre da visão política (Carl Schmitt). Item errado. 6) (CESPE/PROCURADOR DO ESTADO/PB/2008) Para Carl Schimidt, o objeto da constituição são as normas que se encontram no texto constitucional, não fazendo qualquer distinção entre normas de cunho formal ou material. De acordo com o que vimos, a questão está errada, pois Carl Schmitt faz uma distinção entre “Constituição” e “leis constitucionais”: a Constituição dispõe somente sobre as matérias de grande relevância jurídica, isto é, sobre as decisões políticas fundamentais (normas substancialmente constitucionais); as demais normas integrantes do texto da Constituição seriam, apenas, leis constitucionais (normas apenas formalmente constitucionais). Item errado. 7) (CESPE/ANALISTA JUDICIÁRIO/ÁREA JUDICIÁRIA/STF/2008) Considere a seguinte definição, elaborada por Kelsen e reproduzida, com adaptações, DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 7 de José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Atlas, p. 41...). A constituição é considerada norma pura. A palavra constituição tem dois sentidos: lógico-jurídico e jurídico-positivo. De acordo com o primeiro, constituição significa norma fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da validade da constituição jurídico-positiva, que equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau. É correto afirmar que essa definição denota um conceito de constituição no seu sentido jurídico. Como vimos, na concepção jurídica de Constituição (Hans Kelsen), a Constituição é vista a partir de uma perspectiva estritamente formal, como norma pura, desprovida de qualquer consideração de cunho sociológico, moral, político ou filosófico. Nesse sentido, para o mesmo autor, o termo Constituição apresenta dois sentidos: sentido lógico-jurídico (norma fundamental hipotética) e sentido jurídico-positivo (norma positiva suprema, que regula a criação das demais normas). Item certo. 8) (CESPE/AGENTEDE POLÍCIA/SECAD/TO/2008) A concepção política de Constituição, elaborada por Carl Schmitt, compreende-a como o conjunto de normas que dizem respeito a uma decisão política fundamental, ou seja, a vontade manifestada pelo titular do poder constituinte. Essa é a teoria de Carl Schmitt (concepção política), segundo a qual a Constituição abrange as decisões políticas fundamentais. Item certo. 1.2 – Classificação das constituições Em todo direito constitucional, há diversas formas de se classificar determinada Constituição. Vamos estudar aqui as classificações mais relevantes para fins de concurso público. As Constituições podem ser classificadas: - quanto ao conteúdo; - quanto à forma; - quanto ao modo de elaboração; - quanto à origem; - quanto à estabilidade; - quanto à extensão; - quanto à finalidade; e - quanto à correspondência com a realidade. DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 8 Vejamos uma a uma. Quanto ao conteúdo: materiais e formais Já falamos um pouco sobre o sentido material e formal de Constituição. Constituição material (ou substancial) é aquele conjunto de normas substancialmente constitucionais. Não importa se as normas estão ou não codificadas em um único documento (um livro denominado “Constituição”). Se a norma fala sobre temas substancialmente constitucionais, ela integra a Constituição material. A Constituição formal é aquela que está restrita a um documento solene, de forma escrita. Assim, independentemente do tema sobre o qual versem, aquelas normas ali inseridas terão status de normas constitucionais. Observem a Constituição de 1988. Ela é do tipo formal, tendo em vista que qualquer dos temas inseridos naquele documento revestem-se da mesma dignidade jurídica. Não importa se trata da organização do Estado (tema essencialmente constitucional, substancialmente constitucional) ou de qualquer outro aspecto pouco relevante, o que importa é o processo de formação, é o fato de aquela norma estar dentro daquele documento. Quer um exemplo para esclarecer? O art. 242, § 2° da CF/88 assim dispõe: “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal.” Acho que fica claro para qualquer um que isso não tem dignidade constitucional. Não é um assunto essencialmente constitucional. Entretanto, segundo o sentido formal de Constituição, o que importa é o fato de ele integrar a Constituição. É dizer, o art. 242, § 2° é tão formalmente constitucional quanto os artigos que estabelecem os princípios constitucionais ou os direitos fundamentais. Quanto à forma: escritas e não escritas Constituição escrita é aquela solenemente elaborada por um órgão constituinte num determinado momento. Disso resulta um documento escrito, integrado por todas as normas constitucionais. E aquele documento é que rege todo ordenamento jurídico, regulando jurídica e efetivamente as relações da vida e dirigindo as condutas. Há autores que subdividem essa classificação: se suas normas forem sistematizadas em documento único, serão consideradas codificadas. Ao contrário, se forem formadas por diferentes textos esparsos, receberão a denominação de escritas legais. Já a Constituição não escrita (costumeira ou consuetudinária) é aquela que surge com o lento passar do tempo, como resultado de lenta síntese da evolução histórica do Estado. É integrada por leis escritas esparsas, jurisprudências, normas costumeiras e convenções. A Constituição de 1988 é do tipo escrita, pois está compilada em um único documento elaborado por um órgão constituinte. DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 9 Atenção! É errado dizer que a Constituição não escrita é integrada apenas por normas costumeiras, sem textos propriamente ditos. Observe que esse tipo de Constituição pode ser formado, também, por algumas normas escritas, adicionalmente aos costumes e convenções. Quanto ao modo de elaboração: dogmáticas e históricas Constituição dogmática é formada em determinado momento histórico, baseada nas ideias, ideologias e princípios da teoria política e do direito daquele tempo. É o caso da Constituição de 1988, que foi elaborada por uma assembléia constituinte, em determinado momento fixo, segundo os dogmas reinantes àquela época. Ao contrário, a Constituição histórica é fruto da lenta e contínua síntese da história daquele povo, constituindo um longo processo de formação. Ou seja, não é formulada em um momento pontual e temporalmente determinado. Quanto à origem: promulgadas e outorgadas Constituição promulgada (democrática ou popular) é produzida pela participação popular, normalmente por força do regime de democracia representativa. Assim, a Constituição surge do trabalho de uma assembleia constituinte, formada por representantes do povo (eleitos democraticamente). Por outro lado, a Constituição outorgada é imposta de forma unilateral pelo poder da época, sem a participação popular. Trata-se de obra de um agente revolucionário que atua sem legitimidade para representar o povo. Há a Constituição cesarista, que também não é democrática. Trata-se de uma Constituição elaborada pelo detentor do poder e submetida ao povo, com vistas a referendar aquele documento, dando a ele ares de aparente legitimidade. No Brasil, já tivemos tanto Constituições promulgadas, quanto outorgadas. Sabendo um pouquinho de história você pode ter uma noção inicial do perfil daquela Constituição. É só verificar o “ambiente” em que surge aquela Constituição. I) A primeira Constituição foi a 1824, que era imperial e outorgada. II) Em 1937, tivemos uma Constituição outorgada, durante o regime totalitário de Getúlio Vargas (Estado Novo). II) A Constituição de 1967 e a emenda constitucional de 1969 foram outorgadas logo após o golpe militar de 1964 e regeram o país até 1988. Em suma, na história do constitucionalismo brasileiro tivemos Constituições outorgadas (1824, 1937, 1967 e 1969) e Constituições promulgadas (1891, 1934, 1946 e 1988). Quanto à estabilidade (ou alterabilidade): imutáveis, rígidas, flexíveis e semi-rígidas DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 10 A Constituição imutável é aquela que não admite alteração do seu texto em nenhuma hipótese. Atualmente, podemos dizer que esta forma está em desuso (constituem relíquias históricas), tendo em vista que a imutabilidade pode resultar na total desconexão entre a Constituição e a realidade à sua volta. A Constituição rígida é aquela que admite alteração do seu texto, mas somente mediante um processo legislativo solene, mais dificultoso do que aquele de elaboração das leis. A Constituição flexível admite alteração do seu texto mediante processo legislativo simples, igual ao de elaboração das leis. Em regra, são também não escritas (classificação quanto à forma), mas podem ser excepcionalmente escritas. A Constituição semiflexível ou semirrígida mescla os dois tipos anteriores. Exige um procedimento especial para alteração de parte do seu texto (parte rígida) e permite a alteração da outra parte mediante procedimento simples, igual ao de elaboração das leis (parte flexível). Destaque-se que, no Brasil, todas as Constituições foram do tipo rígida (inclusive a de 1988), exceto a Imperial de 1824, que foi do tipo semirrígida. A propósito, quer ver como funciona uma Constituição semi-rígida? A Constituição de 1824 apresentava a seguinte regra no seu artigo 178: “Art. 178. É só Constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos e individuais dos Cidadãos. Tudo o que não é Constitucional pode ser alterado,sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinárias.” Ou seja, a própria Constituição traz um dispositivo que indica qual é a sua parte rígida (que vai exigir procedimento mais dificultoso para sua modificação) e qual é a sua parte flexível. Atenção! Apesar de a Constituição de 1988 ser do tipo rígida, há na doutrina (Alexandre de Moraes) quem a classifique como super rígida, uma vez que possui um núcleo não passível de supressão (cláusulas pétreas). Quanto à extensão: sintéticas e analíticas A Constituição sintética (breve ou concisa) é aquela de texto abreviado, que trata apenas de matérias substancialmente constitucionais. De outra forma, a Constituição analítica (extensa ou prolixa) é aquela de texto extenso, tratando de matérias variadas, e não só de temas substancialmente constitucionais. A Constituição de 1988 é classificada como analítica, pois apresenta texto extenso, abrangendo normas materialmente constitucionais, normas apenas formalmente constitucionais e normas programáticas. Nesse sentido, nossa Constituição segue a tendência moderna de as Constituições analíticas como forma de: (i) conferir maior estabilidade a certas matérias, levando-as para o texto da Constituição; e (ii) assegurar uma maior proteção social aos DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 11 indivíduos, por meio da fixação de programas e diretrizes de política social para a concretização futura pelos órgãos estatais. Quanto à finalidade: garantia, balanço e dirigente A Constituição garantia (negativa) é aquela de texto abreviado (sintética) que se limita a estabelecer as garantias fundamentais e limites frente ao Estado. Podemos dizer que elas “olham para o passado”, no sentido de garantir aquelas conquistas. A Constituição balanço é aquela elaborada para retratar a vida do Estado por um período certo de tempo. Podemos dizer que elas “olham o presente”. A Constituição dirigente (ou programática) tem texto extenso (analítica) e, além de estabelecer as garantias fundamentais frente ao Estado, fixam programas e diretrizes para a atuação futura dos órgãos estatais, normalmente de cunho social. Em suma, elas “olham para frente, para o futuro”. Nasceram com o surgimento do chamado Estado Social, e passaram a introduzir, no texto constitucional, verdadeiros programas sociais a serem concretizados no futuro pelos órgãos estatais. Esses programas, em sua maioria de cunho social-democrático, correspondem às chamadas “normas programáticas”. Quanto à correspondência com a realidade: normativas, nominativas e semânticas Karl Loewenstein formulou uma classificação que leva em conta a correspondência entre o texto constitucional e a realidade política do Estado. A Constituição normativa é aquela que consegue efetivamente normatizar a vida política do Estado, limitando sua ingerência por meio da garantia de direitos aos indivíduos. Existe em países em que há perfeita correspondência entre as normas estabelecidas (pela Constituição) e a realidade (o que, de fato, ocorre na vida política do Estado). A Constituição nominativa é aquela que tem o objetivo de regular a vida política do Estado, mas não consegue cumprir essa função. Ou seja, até que se busca essa normatização das relações em sociedade, mas sem sucesso. Por fim, há ainda a Constituição semântica, em que não há sequer o objetivo de limitar a ingerência estatal em favor do indivíduo. Busca-se apenas conferir legitimidade meramente formal aos governantes, servindo como instrumento em favor dos detentores do poder. Façamos umas questões para fixar o conteúdo; mas, antes, vamos organizar tudo isso que eu falei. DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 12 Sintetizando: Agora, veja como o Cespe tentou pegar os candidatos desprevenidos nesta questão do concurso do TCU. 9) (CESPE/AUFC/TCU/2011) Constituição rígida é a que não pode ser alterada. Não, não. A Constituição rígida pode, sim, ser alterada, desde que por um procedimento mais árduo, mais dificultoso, do que aquele previsto para as demais leis. Item errado. 10) (CESPE/PROCURADOR/AGU/2010) Segundo a doutrina, quanto ao critério ontológico, que busca identificar a correspondência entre a realidade política do Estado e o texto constitucional, é possível classificar as constituições em normativas, nominalistas e semânticas. Quanto à correspondência com a realidade (critério ontológico), Karl Loewenstein divide as constituições em normativas, nominativas (ou nominalistas) e semânticas. Portanto, correto o item. I) Normativa → consegue efetivamente normatizar a vida política do Estado. II) Nominativa → tem o objetivo de regular a vida política do Estado, mas não consegue cumprir essa função. III) Semântica → não há sequer o objetivo de limitar a ingerência estatal em favor do indivíduo. Busca-se apenas conferir legitimidade meramente formal aos governantes. Item certo. DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 13 11) (CESPE/TÉCNICO JUDICIÁRIO/TRE/ES/2011) Denomina-se constituição outorgada a elaborada e estabelecida com a participação do povo, normalmente por meio de Assembleia Nacional Constituinte. O conceito apresentado na questão relaciona-se à Constituição promulgada (e não à outorgada). Item errado. 12) (CESPE/AGENTE DE POLÍCIA/SECAD/TO/2008) Constituição em sentido formal é a que trata de temas e matérias de índole constitucional, legitimando o poder transferido pela sociedade ao Estado. A Constituição que trata de matérias e temas de índole constitucional é a Constituição em sentido material. A constituição em sentido formal é aquela existente em documento único, escrito, e que traz em seu bojo não só assuntos substancialmente constitucionais. De qualquer forma, todas as suas normas têm a mesma hierarquia, mantêm status de constituição. Item errado. 13) (CESPE/AGENTE DE POLÍCIA/SECAD/TO/2008) Constituição em sentido material é a que trata de matéria tipicamente constitucional, compreendendo as normas que dizem respeito à estrutura mínima e essencial do Estado. A questão apresenta corretamente o conceito de Constituição em sentido material. Item certo. 14) (CESPE/AGENTE ADMINISTRATIVO/MMA/2009) A CF vigente, quanto à sua alterabilidade, é do tipo semiflexível, dada a possibilidade de serem apresentadas emendas ao seu texto; contudo, com quorum diferenciado em relação à alteração das leis em geral. A assertiva está errada, pois a CF/88 é do tipo rígida. Até admite alteração do seu texto, mas somente mediante um processo legislativo solene, mais dificultoso do que aquele de elaboração das leis. Por sua vez, as Constituições semirrígidas são aquelas que exigem um procedimento especial para alteração de parte do seu texto (parte rígida) e permitem a alteração da outra parte mediante procedimento simples, igual ao de elaboração das leis (parte flexível). Item errado. 15) (CESPE/AGENTE ADMINISTRATIVO/MMA/2009) Uma Constituição do tipo cesarista se caracteriza, quanto à origem, pela ausência da participação popular na sua formação. Na formação de uma Constituição do tipo cesarista há, sim, participação do povo, haja vista que caberá a este referendar (ou não) o texto constitucional previamente elaborado. Item errado. DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 14 16) (CESPE/AGENTE ADMINISTRATIVO/MMA/2009) Uma Constituição classificada como semiflexível ou semirrígida significa que ela é tanto rígida como flexível, com certas matérias que exigem um processo de alteração mais dificultoso do que oexigido para alteração de leis infraconstitucionais. O enunciado está de acordo com o conceito apresentado anteriormente. Item certo. 17) (CESPE/AGENTE ADMINISTRATIVO/MMA/2009) A CF, quanto à origem, é promulgada, quanto à extensão, é analítica e quanto ao modo de elaboração, é dogmática. De fato, a nossa Constituição Federal de 1988 é do tipo promulgada (elaborada com participação popular, por meio de representação). É analítica (de texto extenso, tratando das mais variadas matérias). E é dogmática (escrita por um órgão constituinte, apresentando as idéias reinantes no momento de sua elaboração). Item certo. 18) (CESPE/ANALISTA JUDICIÁRIO/ÁREA JUDICIÁRIA/TRT 1ª REGIÃO/2008) A CF é dogmática porque é escrita, foi elaborada por um órgão constituinte e sistematiza dogmas ou idéias da teoria política de seu momento histórico. De fato a CF/88 é dogmática, já que é uma Constituição escrita, elaborada por um órgão constituinte e que retrata os dogmas ou idéias reinantes à época de sua elaboração. Item certo. 19) (CESPE/ANALISTA JUDICIÁRIO/ÁREA JUDICIÁRIA/TRT 1ª REGIÃO/2008) A atual CF foi outorgada porque não foi votada diretamente pelo povo, mas sim por seus representantes. A CF/88 foi promulgada (democrática), exatamente por ter sido votada pelos representantes do povo. Seria outorgada caso editada unilateralmente pelo detentor do poder, em participação do povo (ou de seus representantes legítimos). Item errado. 20) (CESPE/JUIZ/PB/2011) Quanto ao modo de elaboração, a vigente CF pode ser classificada como uma constituição histórica, em oposição à dita dogmática. A vigente CF/88 pode ser considerada como dogmática, em oposição à histórica. Item errado. 21) (CESPE/JUIZ/PB/2011) O objeto da CF é a estrutura fundamental do Estado e da sociedade, razão por que somente as normas relativas aos DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 15 limites e às atribuições dos poderes estatais, aos direitos políticos e individuais dos cidadãos compõem a Constituição em sentido formal. O Cespe é impressionante! Traz questões que emocionam...rs O objeto de uma Constituição realmente é a estrutura do Estado e da sociedade - esses são os temas materialmente (substancialmente) constitucionais – têm substância (matéria) de Constituição. As normas relativas aos limites e às atribuições dos poderes estatais, aos direitos políticos e individuais dos cidadãos compõem esse núcleo substancialmente constitucional. Agora, a questão afirma que essas matérias substancialmente constitucionais são o que compõe a Constituição em sentido formal, o que você acha? Não! Isso compõe a Constituição em sentido material. “- Uai, Fred, então o que compõe a Constituição em sentido formal?” Qualquer coisa que estiver dentro de um documento chamado “Constituição”. Qualquer norma que, formalmente, integre o texto da Constituicão, independentemente do assunto de que trate essa norma. Item errado. 22) (CESPE/JUIZ/PB/2011) Distintamente da constituição analítica, a constituição dirigente tem caráter sintético e negativo, pois impõe a omissão ou negativa de ação ao Estado e preserva, assim, as liberdades públicas. Não, a Constituição dirigente tem caráter analítico, e não sintético. A Constituição garantia, sim, é que teria um caráter sintético e negativo, impondo omissões (melhor seria falar em “abstenções”) do Estado e preservando, com isso, as garantias fundamentais do cidadão. Item errado. 23) (CESPE/AGENTE ADMINISTRATIVO/AGU/2010) A CF sofreu, ao longo de sua existência, enorme quantidade de emendas; apesar disso, ela é classificada pela doutrina como rígida, escrita, democrática, dogmática, eclética, formal, analítica, dirigente, normativa, codificada, social e expansiva. Deixei esta questão por último, uma vez que ela abordou classificações raramente cobradas em concursos. Em primeiro lugar, cabe mencionar que, de fato, a CF/88 é do tipo: (i) rígida (exige procedimento mais árduo para alteração dos seus dispositivos do que para a mudança das demais leis); (ii) escrita (redigida em documento único, por um órgão constituinte); (iii) democrática (elaborada por representantes do povo democraticamente eleitos); (iv) dogmática (reflete a ideologia reinante em determinado momento histórico delimitado no tempo); (v) formal (trata não só de normas substancialmente constitucionais); (vi) analítica (de texto extenso, tratando de matérias variadas, e não só de temas substancialmente DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 16 constitucionais); (vii) dirigente (além de estabelecer as garantias fundamentais frente ao Estado, fixa programas e diretrizes para a atuação futura dos órgãos estatais); e (viii) normativa (efetivamente regula a vida política do Estado). Ademais, há outras classificações esparsas desenvolvidas pela doutrina e raramente cobradas em concursos. Assim, está correto dizer que a CF/88 também poderia ser classificada como: codificada, social, expansiva e eclética. Segundo Paulo Bonavides, as constituições podem ser codificadas ou legais. As codificadas seriam aquelas que se acham inteiramente num só texto, formando um único corpo de lei (é o caso da CF/88). De outra forma, há as constituições legais, que seriam compostas de textos escritos, mas que se encontram de forma espalhada, fragmentada em vários textos esparsos. Segundo o critério ideológico, as constituições podem ser sociais ou liberais. A Constituição Federal de 1988 é do tipo social, pois se relaciona a uma atuação positiva do Estado, em busca da consagração da igualdade material entre os cidadãos e dos direitos sociais (direitos fundamentais de segunda geração). Já as constituições liberais identificam-se com a ideologia liberal, relacionada ao absenteísmo estatal, em que se exige um não fazer por parte do Estado (direitos fundamentais de primeira geração). Raul Machado Horta classifica a CF/88 como expansiva, na medida em que traz temas novos e amplia temas permanentes (como é o caso dos direitos fundamentais). Por fim, podemos classificar as constituições quanto à dogmática em ortodoxas e ecléticas. As primeiras seriam aquelas formadas por uma única ideologia (como a Constituição Soviética de 1977). Por sua vez, as constituições ecléticas seriam aquelas formadas por ideologias conciliatórias, como é o caso da CF/88. Item certo. 1.3 – Supremacia da Constituição Antes de passar para o próximo tópico, quero que você consiga identificar de onde surge a chamada supremacia da Constituição. Relembrando o que acabamos de falar ao tratar da classificação da Constituição quanto à estabilidade... Se a nossa Constituição é rígida, ela exige um procedimento especial para sua alteração, mais dificultoso do que o das demais normas. Ou seja, alterar a Constituição é mais difícil que alterar uma simples lei. Como resultado, não pode uma simples lei revogar uma norma constitucional qualquer, afinal a Constituição é mais forte do que as leis. Veja que se o procedimento de alteração da Constituição fosse o mesmo das demais leis, uma simples lei poderia alterar a Constituição. Afinal, imagine um sistema de Constituição flexível, em que tanto as normas constitucionais quanto as demais normas exigem apenas maioria simples para sua produção. DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 17 Nessa hipótese, qualquer lei aprovada por maioria simples após a Constituição poderia revogar seus dispositivos. Isso porque nos sistemas de Constituição flexível, não há superioridade formal entre as normas constitucionais e as demais leis. Assim sendo, estas (as leis) não precisam respeitar aquelas (as normasconstitucionais). Daí ser importante você memorizar: a rigidez traz como conseqüência lógica, o posicionamento da nossa Constituição Federal no vértice, no topo do ordenamento jurídico. É nos ordenamentos de Constituição rígida que vigora o princípio da supremacia formal da Constituição. Por conseqüência, todos os atos e manifestações jurídicas, para permanecerem no ordenamento jurídico, devem estar de acordo com a Lei Maior, a Constituição. Entretanto, você tem de saber que supremacia material e supremacia formal não se confundem. Essa superioridade que posiciona a Constituição em um plano superior e exige conformidade das demais normas com seus princípios e suas regras consiste na supremacia formal (supremacia decorrente das formalidades especiais exigidas para a alteração das normas constitucionais). Observe que essa força das normas constitucionais não existe devido ao seu conteúdo. Não é a dignidade do tema tratado que faz nascer essa superioridade. Ela decorre do simples fato de a norma estar dentro da Constituição rígida. Por seu turno, existe a supremacia material; aí sim, decorrente da matéria, do conteúdo da norma. Essa supremacia decorre do fato de uma norma tratar de matéria relevante, substancialmente constitucional. Não há qualquer relação com o processo de elaboração da norma ou com o fato de ela estar dentro ou fora de um documento único. Supremacia formal → relaciona-se ao processo de elaboração; Supremacia material → relaciona-se à dignidade do conteúdo; É possível então que você já tenha formulado uma constatação interessante: I) só há que se falar em supremacia formal das normas constitucionais em um sistema de Constituição rígida; II) já a supremacia material também existe nas Constituições flexíveis, não- escritas, históricas e costumeiras. Por fim, observe que, se a noção de supremacia formal posiciona a Constituição acima de todas as demais normas, a Constituição funciona como parâmetro de validade dessas normas, que devem sempre estar de acordo com ela. Em outras palavras, o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos decorre da noção de supremacia formal da Constituição. DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 18 24) (CESPE/ANALISTA JUDICIÁRIO/ÁREA JUDICIÁRIA/TRT 1ª REGIÃO/2008) Tanto as constituições rígidas como as flexíveis apresentam superioridade material e formal em relação às demais normas do ordenamento jurídico. No caso de uma Constituição flexível, uma simples lei poderia alterar a Constituição, pois esta não tem uma força maior. Significa dizer que, nos sistemas de Constituição flexível, não há superioridade formal entre as normas constitucionais e as demais leis. Portanto, errada a questão. Entretanto, a supremacia material não decorre do procedimento, mas da matéria, do conteúdo da norma. Essa supremacia decorre do fato de uma norma tratar de matéria relevante, substancialmente constitucional. E nesse caso, mesmo as constituições flexíveis dispõem de superioridade material. Item errado. 25) (CESPE/TITULARIDADE DE SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO/TJDFT/2008) A idéia de supremacia material da CF, segundo o STF, é o que possibilita o controle de constitucionalidade. A supremacia formal é que posiciona a Constituição no vértice, no topo do ordenamento jurídico. Como conseqüência, todos os atos e manifestações jurídicas, para permanecerem no ordenamento jurídico, devem estar de acordo com a Lei Maior, a Constituição. Daí a necessidade da existência de controle de constitucionalidade, para verificar a compatibilidade desses atos e manifestações com as regras e princípios da Constituição Federal. Assim, errada a questão, pois só faz sentido falar-se em controle de constitucionalidade se a Constituição estiver acima das leis (onde haja supremacia formal constitucional). Item errado. 1.4 – Elementos das constituições Esse assunto é desenvolvido pelo professor José Afonso da Silva e vem sendo cobrado pelas bancas examinadoras de concursos. Como já foi comentado, tem sido observado o fenômeno da ampliação do conteúdo das constituições, que vem ocorrendo ao longo da história e resultando na distinção, já comentada, entre sentido formal e material de Constituição. Rigidez Constitucional Supremacia Constitucional Controle de Constitucionalidade DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 19 Isso tem ocorrido especialmente após as constituições passarem a trazer em seu conteúdo os fins e os objetivos do Estado, ao mesmo tempo em que este Estado assume uma postura mais interventiva. Assim, as constituições contemporâneas têm se apresentado repletas de normas que tratam das matérias mais variadas. Tendo em vista essa diversidade, José Afonso da Silva agrupa as normas em cinco categorias de elementos constitucionais, a saber: I) elementos orgânicos – reúnem os dispositivos constitucionais relacionados à organização, ao funcionamento e à estrutura do poder e do Estado. São exemplos os títulos III (organização do Estado); IV (organização dos poderes e do sistema de governo); VI (tributação e orçamento); e capítulos II e III do título V (forças armadas e segurança pública); II) elementos limitativos – abrangem os dispositivos referentes aos direitos e garantias fundamentais (com exceção dos direitos sociais), que, como se sabe, visam a limitar o poder do Estado; III) elementos sócio-ideológicos – incluem as normas relacionadas à noção de Estado de bem-estar social, que indicam o caráter intervencionista e social das constituições modernas. São exemplos os direitos sociais e os títulos VII (ordem econômica e financeira) e VIII (ordem social); IV) elementos de estabilização constitucional – consubstanciam normas destinadas a assegurar a solução de conflitos constitucionais, a defesa da Constituição, do Estado e das instituições democráticas. Inclui os arts. 102 e 103 (jurisdição constitucional); o art. 60 (processo de emenda constitucional); os arts. 34 a 36 (intervenção); e o capítulo I do título V (estado de defesa e estado de sítio); V) elementos formais de aplicabilidade – normas que estatuem regras de aplicação das constituições. São exemplos o preâmbulo, as disposições constitucionais transitórias (ADCT); bem como o § 1° do art. 5°, segundo o qual “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. 26) (CESPE/ANALISTA PROCESSUAL/MPE/PI/2012) O Preâmbulo e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias são exemplos dos denominados elementos de estabilização constitucional. Na verdade, o preâmbulo e o ADCT são considerados elementos formais de aplicabilidade. Item errado. 27) (CESPE/JUIZ/PB/2011) Por limitarem a atuação dos poderes estatais, as normas que regulam a ação direta de inconstitucionalidade e o processo de intervenção nos estados e municípios integram os elementos ditos limitativos. Veja como o examinador foi traiçoeiro... DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 20 Os instrumentos de controle de constitucionalidade e intervenção são caracterizados como elementos de estabilização constitucional. Os elementos limitativos são os direitos e garantias fundamentais. Item errado. 28) (CESPE/JUIZ/PB/2011) Os elementos formais de aplicabilidade são exteriorizados nas normas constitucionais que prescrevem as técnicas de aplicação delas próprias, como, por exemplo, as normas inseridas no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. De fato, a questão caracteriza corretamente os elementos formais de aplicabilidade. Item certo. 29) (CESPE/DELEGADO/POLÍCIA CIVIL/PB/2008) O dispositivo constitucional que determinaa competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para julgar crimes cometidos por governador de estado insere-se no chamado elemento formal de aplicabilidade. O dispositivo constitucional que determina a competência do STJ para julgar crimes cometidos por governador de estado insere-se nos chamados elementos orgânicos da Constituição. Afinal, trata-se de regra que diz respeito à relação entre os poderes. Item errado. 30) (CESPE/ANALISTA JUDICIÁRIO/ÁREA JUDICIÁRIA/STJ/2008) Os direitos e garantias fundamentais são considerados elementos limitativos das constituições. De fato, os direitos e garantias fundamentais integram os denominados elementos limitativos das constituição. Item certo. Até a próxima aula. Um abraço e bons estudos! Frederico Dias REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado, 2009. HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional, 2010. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 2009. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 2009. DIREITO CONSTITUCIONAL PARA TÉCNICO DA ANCINE TEORIA E EXERCÍCIOS PROFESSOR FREDERICO DIAS Prof. Frederico Dias www.pontodosconcursos.com.br 21 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 2007. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 2010. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 2010. http://www.stf.jus.br http://www.cespe.unb.br