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Código Logístico 59194 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6586-8 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 8 6 8 Psicologia geral e do desenvolvimento Priscila Mossato Rodrigues Barbosa IESDE BRASIL 2020 CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B381p Barbosa, Priscila Mossato Rodrigues Psicologia geral e do desenvolvimento / Priscila Mossato Rodrigues Barbosa. - 1. ed. - Curitiba [PR] : Iesde, 2020. 98 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6586-8 1. Psicologia. 2. Psicologia - História. 3. Behaviorismo (Psicologia). 4. Gestalt (Psicologia). 5. Psicanálise. 6. Psicologia do desenvolvimento. I. Título. 20-66074 CDD: 150 CDU: 159.9 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Sylverarts Vectors/SofiaV/Shutterstock Priscila Mossato Rodrigues Barbosa Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Psicologia Clínica – Abordagem Psicanalítica Psicologia do Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e graduada em Psicologia pela mesma instituição. Professora do ensino superior, ministrando as disciplinas Psicologia da Educação e Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem. Atua também como psicóloga clínica. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Psicologia Geral 9 1.1 Breve histórico da Psicologia 9 1.2 Psicologia como campo de estudo 12 1.3 Principais escolas psicológicas 16 2 Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 26 2.1 O que é desenvolvimento? 26 2.2 Métodos de pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento 34 2.3 Teorias do Desenvolvimento Humano 35 3 O desenvolvimento do pré-natal à primeira infância 45 3.1 Desenvolvimento embrionário 45 3.2 Desenvolvimento do bebê 48 3.3 Desenvolvimento na primeira infância 55 4 O desenvolvimento da infância à adolescência 62 4.1 O desenvolvimento na segunda infância 62 4.2 O desenvolvimento na terceira infância 67 4.3 O desenvolvimento na adolescência 71 5 O desenvolvimento do adulto à velhice 79 5.1 Adultez jovem 79 5.2 Adultez madura 84 5.3 A velhice 87 Gabarito 94 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! O estudo da psicologia tem ganhado cada vez mais força na sociedade, na medida que as demais áreas do conhecimento usufruem dos seus conceitos, suas teorias e de suas aplicações. A psicologia está presente em nosso cotidiano e, portanto, o prazer de compreendê-la está associado ao prazer de entendermos a nós mesmos, nossas relações com as outras pessoas e com o mundo. Esta obra apresenta conteúdos acerca da Psicologia Geral e do Desenvolvimento. No primeiro capítulo, é possível acompanhar a história da psicologia e o processo por meio do qual ela se instituiu como uma ciência independente da filosofia, que é sua área de origem. Evidencia-se quais são os seus objetos de estudo, seus métodos científicos e principais escolas teóricas. No segundo capítulo há uma introdução à Psicologia do Desenvolvimento, na qual se conceitua o desenvolvimento humano propriamente dito, as principais correntes filosóficas que embasaram o seu estudo, assim como sua perspectiva histórica, seus métodos de pesquisa. Além disso, discute-se as principais teorias sobre o desenvolvimento humano, as quais foram concebidas pelos expoentes da psicologia que mais contribuíram para área: Sigmund Freud, Henri Wallon, Jean Piaget e Lev Vygostsky. O estudo do desenvolvimento humano entende o ser humano como ser biopsicossocial, ou seja, ao estudar o ciclo de vida, busca a articulação entre as instâncias biológica, psicológica e social, pois elas compõem o ser integral de maneira interdependente. Assim, esse estudo compreende desde o primeiro momento de vida, a concepção, até a morte. Nesse sentido, e para abordar a temática de modo mais didático, o terceiro capítulo trata do desenvolvimento que antecede o nascimento até a primeira infância, descrevendo cada fase e suas conquistas físicas, psíquicas e sociais. Já o desenvolvimento da segunda infância, da terceira infância e da adolescência é abordado no quarto capítulo. Por fim, o quinto APRESENTAÇÃOVídeo 8 Psicologia geral e do desenvolvimento capítulo versa sobre o desenvolvimento na vida adulta, identificando suas três principais fases de desenvolvimento: adultez jovem, adultez madura e velhice. A proposta desta obra é favorecer a aquisição de conhecimento teórico da Psicologia Geral e do Desenvolvimento que seja capaz de sustentar uma perspectiva crítica, livre de estereótipos, ética e humana, para uma prática comprometida com o bem-estar das pessoas. Uma excelente leitura, bons estudos e produtivas reflexões! Psicologia Geral 9 1 Psicologia Geral Neste capítulo, apresentaremos inicialmente o percurso da Psicologia Geral a partir de um breve histórico que a contextualiza como campo de estudo científico. Na sequência, identificaremos seus objetos e principais métodos. Você também conhecerá as principais teorias da psicologia mo- derna e alguns dos conceitos básicos que compõem o panorama da Psicologia Geral e preparam para compreensão de suas áreas específicas, seja como ciência ou como profissão. 1.1 Breve histórico da Psicologia Vídeo O interesse em compreender as questões da mente é anterior à constituição da Psicologia como uma ciência. A filosofia grega já se ocu- pava dessas questões, sinalizando a origem da Psicologia. Essa origem é evidenciada inclusive na etimologia da palavra, que resulta da junção das palavras gregas psiché (alma ou mente) e logos (razão ou estudo), ou seja, estudo da mente. Dessa forma, o início do pensamento da Psicologia se deu a partir da Filosofia, até que emergiu como uma ciência independente. Segundo a autora Linda Davidoff (2004), é possível compreender a mente/alma como o princípio subjacente dos fenômenos da vida mental e espiritual do ser humano. Ou seja, no início, as questões que se apresentavam sobre o ser humano e sua mente tinham implicitamente relações com o que se acreditava ser a alma e também abarcavam o que poderia ser considerado espiritual. Quando a Psicologia se instituiu como ciência, as questões referentes à espiritualidade foram abandonadas. Duane Schultz e Sydney Schultz (1998) ponderam que até o último quarto do século XIX (aproximadamente entre os anos 1850 a 1900) a natureza humana era estudada pelos filósofos, mas esses estudos aca- 10 Psicologia geral e do desenvolvimento bavam sendo baseados em especulações, intuições e generalizações limitadas às suas experiências. Somente quando os filósofos passaram a aplicar instrumentos e métodos – já utilizados no estudo das ciên- cias físicas e biológicas – na busca do entendimento sobre a natureza humana, a Psicologia passou a criar uma representação própria e se distinguiu da Filosofia. O filósofo e físico Gustav Fechner (1801-1887) foi muito importante nesse processopor demonstrar que os métodos científicos poderiam ser empregados no avanço de pesquisas e estudos dos processos men- tais. Em 1860, ele escreveu seu trabalho mais importante, Elementos de Psicofísica, no qual se utilizou de procedimentos experimentais e matemáticos para estudar a mente humana (DAVIDOFF, 2004). Sendo assim, o que sinaliza a distinção entre a psicologia antiga – pertencente à filosofia – e a psicologia moderna – que nasceu há aproximadamente 140 anos – é a abordagem, bem como suas técnicas, que instituem a Psicologia como um campo de estudo próprio e independente da Filo- sofia e, sobretudo, científico. O marco do estabelecimento da Psicologia como ciência aconte- ceu quando o psicólogo alemão Wilhelm Wundt (1832-1920) criou o primeiro Laboratório de Psicologia Experimental em Leipzig (Ale- manha) no ano de 1879, que foi precursor de vários outros, funda- dos em vários lugares da Europa e dos Estados Unidos da América. Segundo Davidoff (2004), Wundt ansiava pelo estabelecimento da Psicologia como uma identidade independente e considerava muito importante que se estudasse as operações mentais de atenção, de intenções e de metas. Então, nesse momento, houve a consolidação dos estudos da Psicologia sob os critérios científicos de observação e com métodos provenientes da Fisiologia. Wundt dedicava-se principalmente às pesquisas sobre reações de comportamento aos estímulos de maneira controlada e com muito rigor científico, o que limitava a Psicologia de certa forma. Seu méto- do de pesquisa e produção de conhecimento se caracterizava como estruturalista, visto que buscava compreender processos estrutu- rais do psiquismo. Por esse motivo, acreditava-se que a consciência era separada da mente. Como estava predominantemente ligada à Fisiologia, a Psicologia distanciava-se das ideias abstratas e espirituais, que não poderiam se Psicologia Geral 11 vincular à ciência. Para que a Psicologia se fortalecesse e se estabele- cesse como ciência própria, era importante vincular-se a princípios e métodos científicos reconhecidos. William James (1845-1910), influente psicólogo americano, criticava o estruturalismo ao considerá-lo limitado, inexato e artificial. Ele privile- giava a observação e a busca pela compreensão sobre o funcionamento dos processos mentais, caracterizando a corrente do funcionalismo, que mais tarde foi substituída pelo movimento americano denominado behaviorismo. Como você já deve ter percebido, para entendermos a história da Psicologia é preciso ter em mente a premissa de que ela, como tudo, sempre esteve submetida à cultura e aos contextos histórico e econô- mico de cada época. Schultz e Schultz (1998) sublinham que as três principais forças contextuais que impactaram a Psicologia nos primei- ros anos do século XX são: as oportunidades econômicas, as guerras e a discriminação. Em relação às oportunidades econômicas, destacamos que a psico- logia americana, inicialmente concentrada nos laboratórios de pesquisa, passou a ampliar seu campo para uma ciência aplicada fora dos laborató- rios. Isso só foi possível pelo excesso de psicólogos com mestrado e dou- torado trabalhando em laboratórios, o que gerava disputa por empregos. Nesse contexto, os psicólogos sentiram necessidade de sustentar uma prática que se convertesse em benefícios para sociedade. Para que se mantivesse investimento em pesquisas, a Psicologia precisou lançar-se de maneira aplicada com vistas à solução de problemas so- ciais, educacionais e industriais, buscando uma valorização por meio prático e teórico (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998). Assim, cresceu o interesse da psicologia americana na direção da educação: psicologia da apren- dizagem, métodos de ensino e demais questões envolvidas na área. Outra força contextual significativa no desenvolvimento da Psicolo- gia foram as guerras. Sabemos que tanto a Primeira quanto a Segunda Guerra Mundial mobilizaram o desenvolvimento de várias áreas, desde a tecnologia até a Psicologia. As experiências na Psicologia se voltaram para os esforços de guerra, especialmente nos Estados Unidos, e hou- ve, portanto, um crescimento da Psicologia aplicada nos testes psicoló- gicos e na seleção de pessoas baseada em seus perfis de personalidade e comportamento. 12 Psicologia geral e do desenvolvimento O desenvolvimento da Psicologia na Europa também foi influencia- do pelas guerras, uma vez que os horrores promovidos por elas motiva- ram a análise e o desdobramento de conceitos que pudessem elucidar, por exemplo, a agressividade, na teoria de Sigmund Freud (1856-1939), e o fanatismo, na teoria de Erich Fromm (1900-1980). A terceira força contextual influente no percurso histórico da Psico- logia é nomeada discriminação e preconceito. Ao revisitar a história da Psicologia, Schultz e Schultz (1998) identificam nos Estados Unidos uma predominante discriminação em relação às mulheres, aos negros e aos judeus no acesso à formação acadêmica na área da Psicologia, que só parece ter cessado após os anos 1960. Diante desse cenário, podemos concluir que, no desenvolvimento de seu percurso, a Psicologia se ampliou para além da sua relação com a fisiologia, de modo que hoje pode ser considerada nas dimensões fisiológica, psíquica e social. A psicologia contemporânea é uma ciência que tem investido em um contínuo aprimoramento dos seus métodos de estudo e pesquisa. Desse modo, hoje ela abrange muitas áreas, con- forme veremos nas próximas seções. 1.2 Psicologia como campo de estudo Vídeo Na construção do conhecimento em Psicologia, é necessário que, além dos métodos científicos (observação, experimentação, descrição etc.), os estudiosos sirvam-se da introspecção, visto que o encanto pela Psicologia é decorrência do fato de que, por meio dela, podemos des- vendar a nós mesmos. Com o intuito de entender nosso funcionamento com base em nos- sa constituição como seres humanos, no que diz respeito aos aspectos físicos, psíquicos e sociais, a Psicologia tem como objeto de estudo os fenômenos psíquicos, que abarcam muitos conceitos, como: desen- volvimento, aprendizagem, percepção, atenção, inteligência, cogni- ção, memória, pensamento, emoção, sentimentos, comportamentos, motivação, agressividade, relação interpessoal, comportamento so- cial, linguagem, personalidade, consciente e inconsciente, resiliência, psicopatologias, entre outros. Logo, fica claro que, para produzir co- nhecimento em Psicologia, é necessário que se tenha também conhe- cimentos de várias áreas (como biologia, anatomofisiologia, filosofia, No livro História da Psicologia é apresentada uma breve biografia dos psicólogos mais influen- tes, de modo a situar as descobertas e teoriza- ções em seu percurso como ciência. HOTHERSALL, D. Porto Alegre: AMGH, 2019. Livro Psicologia Geral 13 antropologia e sociologia), pois é impossível dissociar o ser humano de tudo o que o determina psicologicamente. Consequentemente, a multiplicidade e a complexidade dos objetos de estudo também se refletem na diversidade das abordagens (tam- bém chamadas linhas) de pesquisa que a Psicologia possui. Seria im- possível que uma única teoria desse conta de aprofundar o estudo em todos os objetos, teorizar sobre eles e ainda desenvolver formas de intervenções aplicáveis. Assim, não é possível nos referirmos à teoria da Psicologia como única, pois as abordagens são muitas e cada uma delas pode privilegiar certos fenômenos e ter sua própria metodologia. Também não deve- mos considerar que uma abordagem possa ser superior a outra, já que todas são reconhecidas e contribuem para a construção do conheci- mento científico da Psicologia. Outra questão que é preciso ter em mente a respeito da multiplici- dade e diversidade na Psicologia é que, apesar das diferenças, todas as abordagens têm em comum a consideração pela subjetividade. Para ilustrar esse raciocínio, vejamos a afirmação de Bock et al. (2001, p. 23): nossa matéria-prima [...] é o homem em todas as suas expres-sões, as visíveis (nosso comportamento) e as invisíveis (nossos sentimentos), as singulares (porque somos o que somos) e as genéricas (porque somos assim) – é o homem-corpo, homem- -pensamento, homem-afeto, homem-ação e tudo isso está sinte- tizado no termo subjetividade. Sendo o ser humano a matéria-prima da Psicologia, sua subjetivi- dade é premissa fundamental dessa ciência. Por isso, vamos abordá-la brevemente para contextualizar a complexidade da Psicologia em sua sustentação como ciência, já que ela não lida apenas com fenômenos universais e objetivos. Inicialmente, a subjetividade está relacionada à incursão do ser hu- mano no mundo simbólico da linguagem, pois é assim que a criança se situa em determinada cultura e adquire sua identidade particular. Somente o fato de sermos filhos de seres humanos não garante nossa humanização. Para que ela aconteça, são necessárias histórias e memórias, representadas pela linguagem, que constituem um reper- tório de experiências que angariamos em nosso percurso de vida. As variáveis da formação de nossa subjetividade não dependem apenas 14 Psicologia geral e do desenvolvimento de nós mesmos e de nossos dotes inatos 1 da infância. A subjetividade consiste, portanto, em um processo complexo de enlaces subjetivos e simbólicos, os quais instituem bases e recursos para o desenvolvi- mento de novos processos interpessoais. Esses processos, por sua vez, atualizam-se e ampliam-se pelo resto da vida em todos os grupos e experiências sociais. Desse modo, a subjetividade pode ser entendida como a forma par- ticular de o sujeito se relacionar com o mundo. O ser humano subjetiva suas experiências e é essa capacidade de subjetivar que nos humaniza, que faz com que tenhamos um aparato simbólico internalizado de sig- nificação sobre o mundo. Como consequência, é a subjetividade que nos insere e nos adapta ao mundo. Ela se constrói por meio de diferentes elementos, como a história de vida e as experiências, e pela maneira como nos apropriamos destes e os representamos psiquicamente. À vista disso, a subjetividade pode ser representada como um mundo interno criado pela interação entre o sujeito e o mundo externo, e é articulada pela nossa forma própria de interpretar, registrar e simbolizar. O processamento singular do que se apreende no meio e na cultu- ra e a maneira como ele se inscreve subjetivamente caracteriza nossa forma de interagir com os aspectos da vida. Os sentimentos, a afetivi- dade, os pensamentos, as ideias, as representações, os desejos e as significações são componentes psíquicos (emocionais e cognitivos) que pertencem à nossa subjetividade e que estão submetidos a contextos históricos, culturais e sociais. Assim, não é possível pensar no sujeito e em sua subjetividade sem considerar os contextos nos quais ele se encontra. O estudo da subjetividade, portanto, possibilita conhecer o ser hu- mano em suas expressões comportamentais, sentimentais, singulares e genéricas, pois ela é a síntese singular e individual que cada ser hu- mano constrói durante seu desenvolvimento e suas vivências sociais e culturais. Posto isso, esse estudo atravessa e participa de todas as abordagens da Psicologia. Até agora, dissertamos sobre a Psicologia voltada para a compreen- são dos fenômenos psíquicos no ser humano, mas, a título de conheci- mento geral, é pertinente relatar que existem investigações psicológicas Como dotes inatos podemos tomar como exemplos nossos instintos biológicos e nossa herança genética. 1 Psicologia Geral 15 importantes sobre o comportamento dos animais. Esses estudos contri- buem para o entendimento de aspectos do próprio ser humano. Davidoff (2004) explica que certos experimentos não seriam viáveis em seres humanos devido à questão ética. Além disso, alguns proces- sos básicos comportamentais e mentais podem ser mais fáceis de se- rem detectados em criaturas simples do que em criaturas complexas, de maneira que determinadas descobertas sobre organismos mais simples podem ser generalizadas para os seres humanos. Evidentemente, depois de tudo que foi desenvolvido sobre a subje- tividade humana, os estudos experimentais com animais não são ca- pazes de analisar o raciocínio abstrato, a linguagem, a personalidade, o comportamento social e outros funcionamentos complexos do ser humano. Entretanto, algumas reações orgânicas, as características he- reditárias, os comportamentos condicionados, o estresse, entre outros funcionamentos podem ser apreendidos por meio de experimentos controlados com animais. Como podemos constatar até aqui, a Psicologia, conforme Davidoff (2004, p. 5), “não é um corpo de conhecimento nem unificado e nem completo”. Logo, não podemos contar com uma abordagem que seja absoluta em sua capacidade de explicar determinado fenômeno. Ao mesmo tempo em que isso a torna uma ciência difícil, a Psicologia é muito rica e se sustenta também em sua prática eficaz. Para tanto, precisamos nos questionar sobre como a ciência da Psicologia e suas teorias podem beneficiar a realidade em que vive- mos. Conforme mencionado anteriormente, para dar conta da nos- sa complexidade, existem muitas áreas de atuação, cada qual com suas especificidades e aplicações. As práticas aprovadas pelo Con- selho Federal de Psicologia (CFP) 2 são: psicologia escolar/educacio- nal; psicologia organizacional e do trabalho; psicologia de trânsito; psicologia jurídica; psicomotricidade; psicologia do esporte; psicolo- gia clínica; psicologia hospitalar; psicopedagogia; psicologia social; e neuropsicologia. Podemos mencionar ainda outras áreas que usufruem das teorias e técnicas aplicadas da Psicologia, como o Marketing, que tem em seus fundamentos a psicologia do consumidor e as pesquisas de mercado e tendências que buscam compreender os contextos sociais para que as O Conselho Federal de Psico- logia, órgão responsável pela regulamentação da Psicologia como profissão, descreve cada uma dessas áreas na Resolução CFP 03/2007. 2 16 Psicologia geral e do desenvolvimento marcas e ofertas de serviço atendam as demandas e sejam bem-suce- didas no estímulo do consumo. Os conhecimentos acerca da percepção construídos na Psicolo- gia beneficiam até mesmo a escolha da disposição dos produtos em um supermercado, como os produtos que atraem as crianças, os quais são expostos em prateleiras baixas para que fiquem visíveis e acessíveis a elas, levando em conta, portanto, a percepção dos con- sumidores. As campanhas publicitárias também recorrem aos co- nhecimentos da Psicologia por meio das sensações que provocam para alcançar aceitação e eficácia na promoção de um produto e de sua marca. Por essa razão, a Psicologia pode se associar a muitos campos do conhecimento, como as Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e Ciência Política), as Ciências Humanas, as Ciências Bio- lógicas e da Saúde, entre outros. Com base nesses exemplos, é possível entender o crescimento da Psicologia ao longo de seu percurso, desde seu estabelecimento como ciência até os dias atuais. Esse desenvolvimento é eviden- ciado pela presença cada vez maior da Psicologia como disciplina obrigatória em outras graduações, como Administração, Direito, Pedagogia, Licenciaturas, Gestão de Recursos Humanos, Nutrição e Medicina, deixando claro que conhecê-la enriquece a formação de vários profissionais. Diante disso, os múltiplos objetos de estu- do abarcados pelos fenômenos psíquicos, além das várias aborda- gens, efetivam-se em muitas áreas. A Psicologia, portanto, é muito expressiva socialmente, tanto na condição de ciência quanto na condição de profissão. 1.3 Principais escolas psicológicas Vídeo Conforme visto anteriormente, a Psicologia não pode ser tomada como uma ciência unificada, seja por questões históricas ou seja por fundamentos (múltiplos objetos e metodologias). Por essa razão, al- guns autores sugerem que talvez fosse mais adequado a nomearmos no plural (as psicologias) ou como Ciências Psicológicas(BOCK et al., 2001; DAVIDOFF, 2004; JAPIASSU, 1983). No livro Introdução à Psicologia, o autor disser- ta de maneira bastante completa a abordagem científica da Psicologia. FELDMAN, R. S. Porto Alegre: AMGH, 2015. Livro Psicologia Geral 17 Seguindo essa ideia sobre a Psicologia e seus diferentes sistemas teóricos e metodológicos, faz-se necessário conhecermos as principais escolas psicológicas: behaviorismo, gestalt e psicanálise. 1.3.1. Behaviorismo O behaviorismo (do inglês behavior = comportamento) , também cha- mado de comportamentalismo ou psicologia comportamental, como o pró- prio nome sinaliza, privilegia o comportamento como objeto de estudo. Segundo Davidoff (2004), o psicólogo americano John Watson (1878- 1958), considerado o fundador do behaviorismo, esforçou-se para que a Psicologia se tornasse uma ciência respeitável, equiparável às Ciências Fí- sicas. Ele entendia que, para tanto, a Psicologia deveria se ocupar do com- portamento observável e investigá-lo de modo objetivo, dispensando e se opondo ao recurso da introspecção. O psicólogo era plenamente convencido de que os processos mentais não deveriam ser estudados pela Psicologia, porque considerava não ser possível estudá-los por meio de métodos científicos, enquanto o compor- tamento, sim. Watson foi bastante influenciado pelos trabalhos do fisiologista e psi- cólogo russo Ivan Petrovitch Pavlov (1849-1936), que contribuiu significa- tivamente com a psicologia contemporânea por meio dos seus estudos acerca do comportamento animal, nos quais buscava distinguir o compor- tamento inato do comportamento adquirido. Pavlov também desvelou os reflexos condicionados, que são respostas musculares ou glandulares aprendidas pelo organismo. Um experimento muito famoso realizado pelo fisiologista, ca- paz de explicar o reflexo condicionado, foi feito com cães a par- tir da observação de seu reflexo em salivar diante da presença do alimento (Figura 1). Para tanto, uma campainha soava todas as vezes em que o animal recebia alimento, assim, havia dois es- tímulos simultâneos: o som e o alimento. Por meio de repetições, foi possível observar que os cães passaram a salivar só com o es- tímulo do som da campainha, mesmo na ausência do alimento (FALCÃO, 1984). 18 Psicologia geral e do desenvolvimento de sd em on a7 2/ Sh ut te rs to ck1. Antes do condicionamento 3. Durante o condicionamento 4. Após o condicionamento 2. Antes do condicionamento estímulo incondicionado salivação resposta incondicionada salivação resposta condicionada estímulo neutro estímulo condicionado sem salivação resposta não condicionada salivação resposta incondicionada Figura 1 Experimento de Pavlov Essas foram as bases nas quais Watson desenvolveu sua própria teoria, que visava um valor prático. Ele trabalhou para que a Psicologia fosse além dos laboratórios e alcançasse a realidade em muitas áreas (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998). Como teoria, o behaviorismo de Watson, influenciado pelos es- tudos de Pavlov, reduzia todo comportamento a dois elementos: estímulo, vindo do ambiente (E), e resposta, vinda do organismo (R); representados por E – R. Para ele, tanto o comportamento hu- mano quanto o comportamento animal podem ser descritos e en- tendidos com base nesses elementos. Assim, seria possível prever qual é a resposta resultante de certo estímulo e determinar o estí- mulo que causou dada resposta. Desse modo, “o comportamento humano e animal pode ser eficazmente previsto, e controlado, pela sua redução ao nível de estímulo e resposta” (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998, p. 248). O behaviorismo de Watson foi mais tarde nomeado como beha- viorismo metodológico devido às suas características de privilegiar o método científico objetivo de uma forma tão rígida que desconside- rava a subjetividade, a qual pode ser considerada uma premissa da Psicologia. Resumidamente, além do comportamento, os objetos de estudo do behaviorismo são os estímulos e as respostas observáveis, e seus métodos de pesquisa são objetivos e dirigidos a pessoas e animais, visando alcançar um conhecimento aplicável. Psicologia Geral 19 Apesar de o behaviorismo ser bastante criticado, além de Watson, houve vários outros psicólogos que se ocuparam em prosseguir com sua teoria e, sem dúvida, o estudioso que mais contribuiu com essa escola foi Burrhus Frederick Skinner (1904-1990). O behaviorismo de Skinner, também chamado de behaviorismo radi- cal, passou a ser uma das escolas mais influentes da Psicologia a partir de 1950. Seu avanço se deu pela ampliação teórica que incidiu de for- ma especial na aprendizagem, tomada como a base na formação da maioria dos hábitos. Nessa teoria, consideramos que a aprendizagem é efetiva quando são promovidas mudanças no comportamento do aprendiz. Isto é, aprender é o processo no qual novos comportamentos são apresen- tados e o repertório comportamental, que é o conjunto de comporta- mentos que uma pessoa é capaz de produzir, é aumentado. Skinner tomou como pressuposto que os comportamentos apre- sentados pelos organismos (pessoas e animais) se constituem com base nas interações que estabelecem com o meio no qual estão inse- ridos. Por conta de seus estudos, ele publicou muitas obras sobre os processos comportamentais. Sobre os conceitos desenvolvidos por Skinner, vejamos a Figura 2. Condicionamento operante Consiste na promoção de comportamentos específicos conforme os estímulos propositalmente apresentados no ambiente. Requer punição quando a atuação manifestada não é a desejada, e reforço (premiação) quando o esperado se torna evidente. É trabalhado na educação de pessoas e no adestramento de animais. Condicionamento respondente Envolve hábitos que praticamos rotineiramente, sem uma autocrítica, como códigos que nos são passados para uma boa educação. A etiqueta é um exemplo: a forma como manipulamos os talheres, cumprimentamos as pessoas etc. Am m us /S hu tte rs to ck Figura 2 Conceitos de Skinner Fonte: Elaborada pela autora com base em Regato, 2005, p. 40. Skinner ampliou a teorização sobre o comportamento humano, trazendo minucias conceituais de maneira mais complexa do que Watson pôde fazer ao propor o behaviorismo, visto que sua teoria era muito reducionista. Para ampliar seus conhe- cimentos sobre outros conceitos da teoria e da prática behavioristas, su- gerimos a leitura da obra Sobre o behaviorismo, do psicólogo estudado nes- ta seção, B. F. Skinner. Nela é possível concluir que, de fato, é inegável que o behaviorismo evo- luiu e muito contribuiu para a compreensão de certos aspectos do comportamento. SKINNER, B. F. São Paulo: Cultrix, 2011. Livro 20 Psicologia geral e do desenvolvimento 1.3.2 Gestalt A escola psicológica da gestalt originou-se na Alemanha, em 1870, e seu movimento formal se estabeleceu com base em uma pesquisa realizada pelo psicólogo checo Max Wertheimer (1880-1943), publicada em 1912. Durante as férias, enquanto viajava de trem, Wertheimer teve a ideia de fazer um experimento sobre a visão do movimento quando nenhum movimento real tinha ocorrido. Abandonan- do prontamente seus alunos de férias, ele desceu do trem em Frankfurt, comprou um estroboscópio 3 de brinquedo, e verifi- cou a ideia que lhe ocorrera, de modo preliminar, num quarto de hotel. Mais tarde, fez pesquisas mais formais na Universidade de Frankfurt, que lhe forneceu um taquistoscópio. (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998, p. 298) O problema de pesquisa envolvia a percepção do movimento apa- rente, uma “impressão de movimento”. Assim, o psicólogo projetou luz por duas ranhuras de maneira que a percepção da visão a registrava mesmo quando ela não estava sendo projetada. Ele nomeou esse fe- nômeno como fenômeno phi: o todo (movimento aparente da linha) era diferente da soma de suas partes (as duas linhas estacionárias). Seu artigo publicado com os resultados dessa pesquisa marcaram o início da escola da psicologia gestalt. Considera-se que nãoé possível traduzir a palavra alemã gestalt para o português de modo que se expresse todo seu significado. To- davia, o sentido mais aceito e que talvez mais se aproxime refere-se ao processo de dar forma, de configurar o que é exposto ao olhar, visto que a palavra é usada no alemão para designar forma, padrão ou es- trutura e é associada com a convicção de que as experiências se carac- terizam por uma totalidade, ou seja, mais do que a soma de suas partes (DAVIDOFF, 2004). Tendo isso em vista, a gestalt se baseou nos fenômenos da percep- ção humana para desenvolver seus princípios. Schultz e Schultz (1998, p. 296) enfatizam que “os psicólogos gestaltistas acreditam que há mais coisas na percepção do que veem os nossos olhos, que a nossa percep- ção vai além dos elementos sensoriais, dos dados físicos básicos forne- cidos pelos órgãos dos sentidos”. Os elementos sensoriais, portanto, quando combinados, formam novo padrão e configuração. O estroboscópio, inventado pelo físico Joseph Plateau, foi o precursor da câmera de cinema. Ele projetava rapidamente uma série de quadros diferentes no olho, produzindo movimento aparente. 3 taquistoscópio: instrumento que exibe uma imagem por um tempo específico. Glossário Psicologia Geral 21 Nesse sentido, a grande máxima da gestalt é que o todo é mais do que a soma de suas partes (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998; DAVIDOFF, 2004.). A experiência subjetiva parte da relação dos processos que se dão na interação dos elementos que a compõe. Um exemplo bem fá- cil para entender isso de maneira metafórica é imaginar que todas as peças de um carro empilhadas não são um carro. O todo (carro) só se constitui como tal porque ele é mais do que a soma de suas peças; ele só se efetiva como carro na relação de montagem das peças. Nesse movimento, há uma declarada oposição à objetividade da psicologia experimental e behaviorista. Dessa maneira, os gestaltistas buscaram compreender a percepção, a solução de problemas e o pensamento. Além de Werteimer, os estudiosos Kurt Koffka (1886-1941) e Wolfgang Köhler (1887-1967) se destacaram e contribuíram para teoria da gestalt estabelecendo os princípios da organização da percepção, os quais representam leis que regem a maneira como o ser humano organiza seu mundo perceptivo. Nesse aporte teórico, o processo cerebral primordial na percepção visual é tomado como um sistema dinâmico, no qual todos os elemen- tos interagem entre si, produzindo fenômenos que só são possíveis por meio dessa interação, isto é, que não existiriam se os elementos agis- sem separadamente. Assim, o cérebro percebe, interpreta e incorpora uma imagem ou uma ideia por meio do todo e não dos elementos que compõe determinada coisa individualmente. Em suma, a lógica dessa escola sempre é a seguinte: para se com- preender algo, é necessário ir além da investigação de seus elementos separadamente, pois o todo é o que se dá na junção desses elementos, como na metáfora anterior do carro: analisar uma peça de modo isola- do não nos dá a ideia sobre ele. Um exemplo do que não deve ser feito, de acordo com a psicologia gestaltiana, seria tentar estudar o conscien- te do sujeito de modo separado do inconsciente, porque a mente é a interação entre essas duas instâncias. Com seu desenvolvimento teórico, a gestalt transformou-se em uma sólida linha filosófica e influenciou de maneira significativa a psicologia alemã e, na sequência, a norte-americana. Ela contribuiu para as áreas da Psicologia Infantil, Psiquiatria, Educação, Antropologia e Sociologia, e também foi aplicada no trabalho clínico que recebe o mesmo nome, terapia criada por Frederick Perls (1893-1970). 22 Psicologia geral e do desenvolvimento O seu objeto de estudo é a experiência subjetiva humana global, a sua ênfase é na percepção, no pensamento e na resolução de pro- blemas, e o seu principal objetivo é o conhecimento dessa experiência subjetiva global. Seus métodos de pesquisa pautam-se na introspec- ção informal, além dos métodos objetivos, aplicados principalmente em pessoas, apesar de já terem ocorrido investigações com chipanzés (DAVIDOFF, 2004). Schultz e Schultz (1998) ponderam que a psicologia americana tem considerado, em geral, os princípios teóricos da gestalt como acrésci- mos interessantes e potencialmente úteis a outros sistemas teóricos, mas não os toma como um sistema próprio, apenas os considera pro- veitosos na explicação de alguns processos psicológicos. Apesar disso, a gestalt continua estimulando pesquisas para aprimorar seus concei- tos, especialmente no estudo da percepção, do pensamento, da apren- dizagem, da personalidade, das psicologias social e da motivação. De maneira aplicada à psicologia organizacional, Chiavenato (2011) aponta que uma estrutura é mais do que a soma de seus dispositivos e com- ponentes, pois, por mais importante que um componente de uma es- trutura seja para determinada organização, os aspectos da estrutura é que se sobressaem. Com seus princípios e na condição de escola, a gestalt marcou a história da psicologia moderna, uma vez que se contrapôs ao redu- cionismo da psicologia experimental e do behaviorismo, trazendo à luz aspectos importantes sobre o processamento perceptivo e cog- nitivo. Além disso, a gestalt contribuiu com outras áreas do conhe- cimento e forneceu bases que influenciaram, mais recentemente, o desenvolvimento da psicologia cognitiva, especialmente no que se refere à percepção, aprendizagem e memória. 1.3.3 Psicanálise A psicanálise teve, desde seu início até hoje, grande impacto na psi- cologia moderna, na história e em muitos aspectos da cultura ociden- tal. Em termos cronológicos, foi contemporânea das outras principais escolas da Psicologia. Sigmund Freud, pai da psicanálise, publicou seu primeiro livro em 1895, sendo considerado uma das pessoas que alcan- çou maior destaque na humanidade. Para saber mais sobre essa escola psicológica, sugerimos a leitura do livro Isto é gestalt, que se trata de uma coletâ- nea de artigos com os principais conceitos e a descrição de todas as leis da gestalt. STEVENS, J. São Paulo: Summus Editorial, 1997. Livro Psicologia Geral 23 O conceito mais importante da teoria da psicanálise freudiana é o inconsciente. Além de ter sido a primeira teoria a estudar o incons- ciente humano, sem dúvida, foi a que o sistematizou com maior pro- fundidade. Esse conceito rompeu com a ideia de que o ser humano opera exclusivamente de modo racional e consciente. Segundo Shaffer (2005), Freud desafiou as noções predominantes sobre a natureza hu- mana ao propor que o ser humano é movido por conflitos e motivos inconscientes, e que nossa personalidade resulta das primeiras expe- riências da vida. Davidoff (2004) aponta que a psicanálise se diferencia das outras escolas da Psicologia por não ter pretensão de influenciar a psicologia acadêmica como as demais; inclusive, ela nasceu com o tratamento dos sofrimentos psíquicos, ou seja, da prática clínica. Com isso, a investi- gação psicanalítica alcançou uma vasta teorização sobre o desenvolvi- mento infantil, a personalidade e as psicopatologias. O maior objetivo da psicanálise é terapêutico, no sentido de preten- der melhorar a qualidade de vida e aumentar o bem-estar das pessoas que a buscam. Contudo, o sistema teórico desenvolvido por ela é tão significativo que os psicanalistas, ao longo do tempo, foram ampliando a atuação da psicanálise para além dos consultórios, o que proporcionou uma articulação entre a psicanálise e todas as outras áreas do conhe- cimento que se ocupam, de alguma forma, do ser humano. Educação, Administração, Medicina, Psiquiatria, História, Filosofia, Antropologia, Sociologia, Arte, entre outras, são áreas que dialogam com a Psicanálise. Com relação ao ensino, Morgado (2000), na sua obra sobre as contri- buições de Freud para a educação, afirma que a relação travada pelo alu- no com o saber elaborado é precedida da sua relação com o professor e isso envolve,necessariamente, além da dimensão cognitiva, a dimensão emocional e afetiva do processo pedagógico. Então, quando pensamos nas contribuições da psicanálise para a educação, certamente a maior delas é considerar que os processos inconscientes subjetivos também participam e interferem nos processos do trabalho pedagógico. Os psicanalistas acreditam que o relacionamento da criança com seus pais é muito importante, porque essa relação primordial marca a origem de todas as outras relações que o sujeito vai ter na vida, logo, há um grande investimento afetivo. A transferência é o conceito que se refere à operação psicológica inconsciente por meio da qual os refe- ridos afetos da relação original são trazidos para relação atual. Uma obra interessante e muito acessível sobre os principais conceitos da Psicanálise freudiana é Freud: para entender de uma vez. Nela você encontrará explicações didáticas e simplificadas, favorecendo a construção de uma ideia acerca da psicanálise. CARVALHO, A. São Paulo: Abril, 2017. Livro 24 Psicologia geral e do desenvolvimento A psicanálise desenvolveu uma ampla gama de conceitos (como identificação, pulsões, narcisismo) que explicam os fenômenos psíqui- cos (sintomas, ansiedade, atos falhos, sonhos, chistes, mecanismos de defesa psíquica, agressividade etc.) de modo a propiciar uma com- preensão sobre os sentimentos, os pensamentos, os comportamentos, as relações interpessoais e os fenômenos de grupo, contribuindo para a leitura do humano como um ser singular, mas também social. Essa escola integra as forças biológicas às psíquicas e sociais de maneira complexa, embora seja muito popular. Nessa perspectiva, talvez por- que as pessoas se reconheçam na sua teoria, ela seja tão elucidativa. De modo geral, a teoria freudiana se mantém como campo de estu- do e de atuação e, ao longo do seu percurso, também se tornou base para desenvolvimento de outras linhas terapêuticas dentro da Psicolo- gia. Isso posto, de acordo com Schultz e Schultz (1998), concluímos que a admissão do inconsciente na Psicologia é um legado incontestável da obra de Freud. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, pudemos conhecer um pouco a trajetória da Psicologia e como ela se instituiu como ciência. Vimos que o ser humano sempre se sentiu intrigado e buscou compreender a vida psíquica. Então, é muito co- mum que as pessoas busquem essa compreensão, ainda que, por vezes, não percorram os caminhos da psicologia científica e encontrem explica- ções no senso comum sobre sua personalidade, além de aconselhamen- tos nas mais variadas fontes disponíveis, como o misticismo, a religião e a astrologia. A Psicologia como ciência teve seu processo de construção cientí- fica e já conseguiu descobrir muito sobre o ser humano e seu psiquis- mo. Para tanto, muitos estudiosos levantaram hipóteses e, por meio de métodos científicos, puderam criar teorias que se sustentam e benefi- ciam a sociedade. Como vimos, a Psicologia teve muitos avanços e muitas áreas emer- giram desde seu início, ocupando-se do estudo do ser humano como ser biopsicossocial. Nesse sentido, é fundamental entendermos que tentar fragmentar o sujeito é um grande erro, bem como buscar com- preendê-lo sem considerar a trama que o humaniza. Portanto é pre- ciso sempre termos em mente que o homem é um ser biológico, mas também relacional, social e histórico. Psicologia Geral 25 A Psicologia não é única, pois apresenta uma multiplicidade de objetos de estudo e, ao longo de sua história, produziu alguns sistemas teóricos importantes, sendo o behaviorismo, a gestalt e a psicanálise as suas três principais escolas. Cada uma possui suas especificidades e todas fizeram contribuições relevantes, de modo que hoje a Psicologia é uma das disci- plinas mais importantes das Ciências Humanas, pois dialoga com muitas áreas do conhecimento, tanto de maneira teórica quanto aplicada. ATIVIDADES 1. Descreva as origens da psicologia clínica e da psicologia científica. 2. Discorra sobre o objeto de estudo da Psicologia e suas implicações. 3. Quais são as três principais escolas da Psicologia e qual é a contribuição de cada uma delas? REFERÊNCIAS BOCK, A. M.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Cortez, 2001. CHIAVENATO, I. Introdução à teoria geral da administração. 8. ed. São Paulo: Campus, 2011. DAVIDOFF, L. Introdução à Psicologia. São Paulo: Pearson, 2004. FALCÃO, G. M. Psicologia da aprendizagem. São Paulo: Ática, 1984. JAPIASSU, H. A Psicologia dos psicólogos. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1983. MORGADO, M. A. Contribuições de Freud para a educação. In: PLACCO, V. N. de. S. Psicologia & Educação: revendo contribuições. São Paulo: Educ, 2000. REGATO, V. C. Psicologia nas organizações. Rio de Janeiro: Rio, 2005. SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. São Paulo: Cultrix, 1998. SHAFFER, D. Psicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2005. 26 Psicologia geral e do desenvolvimento 2 Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos Neste capítulo, estudaremos a Psicologia do Desenvolvimento, suas principais teorias e seus métodos científicos. Partiremos da questão: o que é desenvolvimento? Pois entendemos que é fun- damental ter clareza sobre o conceito de desenvolvimento para, assim, avançarmos na compreensão das correntes filosóficas que foram importantes para o percurso desse campo de estudo. Vamos, então, realizar uma incursão sobre o tema do desenvolvi- mento humano na perspectiva da história e, desse modo, adentrar- mos nas principais teorias sobre o tema, descobrindo a importância e as contribuições de cada uma delas para as concepções que nor- teiam a área da Psicologia do Desenvolvimento atualmente. As principais teorias que contribuíram para a Psicologia do Desenvolvimento que vamos conhecer neste capítulo são: a Teoria de Freud, a Teoria de Wallon, a Teoria de Piaget e a Teoria de Vygotsky. 2.1 O que é desenvolvimento? Vídeo O desenvolvimento como fenômeno é objeto de estudo de várias áreas do conhecimento: Biologia, Sociologia, Antropologia, Educação, Medicina, História, entre outras, por isso a ciência do desenvolvimento pode ser considerada multidisciplinar, ainda que a Psicologia do De- senvolvimento seja a disciplina que mais amplamente se ocupou em desvelar o desenvolvimento humano. O desenvolvimento pode ser tomado como o processo que conduz o ciclo de vida, desde a concepção biológica (fecundação) até a morte; o qual, enquanto processo, refere-se às continuidades sistemáticas e Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 27 mudanças no indivíduo que ocorrem durante todo período da sua vida (SHAFFER, 2005). Quando assinalamos as mudanças como sistemáticas, estamos esclarecendo que se tratam de mudanças ordenadas, sequenciais, pa- dronizadas e que implicam uma continuidade, ou seja, uma evolução. Essa concepção de desenvolvimento inclui, além da dimensão biológi- ca, a dimensão psicológica e a dimensão social do ser humano, em uma perspectiva integral dele. É importante entender que, nessa perspectiva da Psicologia do Desenvolvimento, há uma interdependência indissociável entre o orgânico, o psíquico e o social. O sujeito se constitui como um ser biopsicossocial, de maneira articulada, entre a maturação, o crescimen- to, o desenvolvimento, a subjetividade e a aprendizagem. A Psicologia do Desenvolvimento estuda e produz conhecimento articulando o ciclo biológico do ser humano – desenvolvimento em- brionário, feto, nascimento, crescimento, reprodução, envelhecimento e morte – com o desenvolvimento psicológico e socioambiental. O de- senvolvimento ocorre com a articulação de todas essas dimensões da existência humana. Sua separação para estudo é meramente didática, uma vez que essas dimensões incidem sobre o sujeito de maneira si- multânea e interligada. Embora alguns pesquisadores se ocupem com tópicos particularesdo desenvolvimento humano, por exemplo, o desenvolvimento físico, cognitivo ou moral, o desenvolvimento não pode ser fragmentado em virtude de suas características. Shaffer (2005) afirma que os seres hu- manos são, ao mesmo tempo, criaturas físicas, cognitivas, sociais e emo- cionais; cada um desses componentes do “eu” depende parcialmente das mudanças que ocorrem em outras áreas do desenvolvimento. Com base nessa premissa, podemos apresentar os elementos des- tacados por Mariotto (2018), os quais, além de serem interdependentes, são diferentes entre si, pois compreendem características específicas. Os conceitos de desenvolvimento e aprendizagem acompanharão to- dos esses elementos. O primeiro elemento versa sobre a noção de maturação, ligada à fisiologia e ao avanço das estruturas nervosas. Essa evolução possibili- ta que haja instalação de funções e aquisição de habilidades, contudo é 28 Psicologia geral e do desenvolvimento importante entendermos que a maturação por si só não garante essas aquisições. Um exemplo disso é a fala, pois, para desenvolver a habili- dade de falar, os seres humanos necessitam de um aparato fisiológico fonador. Entretanto, a presença desse aparato não garante que o ser humano fale por si só, ele precisa, também, de condições relacionais e ambientais, ou seja, é necessário que alguém fale com ele. Enquanto o aparelho fonador não está maduro, a criança ainda não pode falar, embora se fale muito com ela. Desse modo, a maturação oferece con- dições para que haja o desenvolvimento e a aprendizagem. O segundo elemento compreende a noção de crescimento. O cres- cimento, assim como a maturação, diz respeito à dimensão fisiológica e à evolução corporal no sentido das medidas e proporções. Além dis- so, essa noção está relacionada às aquisições funcionais característi- cas de cada idade, por exemplo, as funções sexuais e reprodutivas. O terceiro elemento é o desenvolvimento, que representa a ca- pacidade adaptativa. Essa expressão adaptativa ao meio e ao mundo social se apoia nos recursos conquistados na maturação. Isso só é pos- sível em função das conquistas das habilidades físicas e mentais. O de- senvolvimento engloba os processos da personalidade e a aptidão para dar significação às experiências e às interpretações sobre seu entorno. O quarto elemento é a subjetividade. A formação da subjetividade está relacionada à incursão do ser humano no mundo simbólico da lin- guagem, pois é nesse momento que a criança se situa em determinada cultura e em uma identidade particular. Uma reflexão que nos ajuda na compreensão desse processo é o fato de antes de nascermos já sermos inseridos socialmente. Pense na se- guinte afirmativa: quando um bebê nasce, ele é imediatamente inserido em uma ordem simbólica da humanidade. Desde o nosso nascimento e por todo percurso de nossa vida, nos relacionamos socialmente com pessoas, grupos, bem como com contextos históricos e culturais. Segundo Barbosa (2009, p. 47): o contexto simbólico (social, histórico e cultural), portanto, é o que insere a existência de um ser na humanidade. É repre- sentado pela língua materna, pelo nome que é escolhido para designá-lo e pela a história sobre sua origem (data e lugar de nas- cimento, filiação), os quais são referências essenciais para que Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 29 se desenvolva o sentimento de pertença e segurança, a partir de algo que se torna sempre familiar, sua identidade. A maturação, o crescimento e, particularmente, o desenvolvimento dependem dos processos de formação da vida psíquica e são profun- damente sensíveis a eles. É importante ressaltar que todos esses pro- cessos estão condicionados pelos adultos que interagem com a criança, inicialmente por meio da relação entre mãe e filho. À figura materna pode ser aqui considerada uma função: sempre que nos referirmos a ela, estamos nomeando uma função que pode ser exercida pela mãe ou por outra pessoa que realize os cuidados próprios da maternagem. A constituição do sujeito ocorre na troca relacional e primitiva com a função da maternagem; ela ocorre por meio de identificações e pela transmissão de significações afetivas, morais, entre outras. O fato de sermos filhos de seres humanos não garante nossa huma- nização. Precisamos ter uma história e memórias que constituem um repertório de experiências que angariamos em nosso percurso de vida. Nesse sentido, as variáveis da formação de nossa subjetividade não dependem somente de nós mesmos e de nossos dotes inatos quando crianças. Elas dependem especialmente de um humano adulto, com quem nos relacionamos e que cuida de nós em um processo complexo de enlaces subjetivos e simbólicos, que institui bases e recursos para o desenvolvimento de novos processos interpessoais. Esses processos se atualizam e se ampliam pelo resto da vida em todos os grupos e experiências sociais. Para compreendermos as dimensões do sujeito, vale reforçar o que Sève (1979) citado por Jacques (1998) expõe: o ser humano em todas as suas dimensões se forma a partir de um suporte biológico que lhe viabiliza possibilidades (próprias da espécie Homo Sapiens Sapiens) ao mesmo tempo que sustenta condições particulares de realidade (pró- prias de sua carga genética). Existem propriedades na forma do ser humano se relacionar que foram desenvolvidas ao longo da história da humanidade. Essas pro- priedades aparecem objetivadas nas relações sociais porque ajuda- ram a adaptar o ser humano e deixá-lo apto a viver e isso inclui o laço com o outro. O livro A criança em desenvolvimento é uma obra importante para compreensão dos processos maturacionais e de desenvolvimento. Organizado de maneira didática, o livro facilita a visualização das sequên- cias do desenvolvimento pelo leitor por meio de gráficos e sobre a perspectiva de diversos aspectos que integram o processo de aquisições e etapas pelas quais o ser humano passa. BEE, H.; BOYD, D. Porto Alegre: Artmed, 2011. Livro 30 Psicologia geral e do desenvolvimento 2.1.1 Correntes filosóficas do desenvolvimento Agora que já sabemos o que é desenvolvimento, como ele é estu- dado e quais são as premissas fundamentais para sua compreensão, abordaremos as três principais correntes filosóficas: a corrente inatis- ta, a corrente ambientalista e a corrente sócio-histórica. Para iniciar, lançaremos uma questão: o que você acha que deter- mina as características de uma pessoa, a determinação de sua genética ou a determinação do seu meio? Muitos filósofos também se perguntaram sobre essa questão e ten- taram respondê-la por meio de suas teorias, que configuraram tais cor- rentes do pensamento. Essas correntes filosóficas são anteriores ao estabelecimento da Psicologia como ciência independente da filosofia e elas basearam o conhecimento sobre o desenvolvimento. A importância em conhecê-las está na conscientização de que, mesmo com todo o desdobramento da ciência ao longo de séculos, é possível localizar cada uma delas, seja como influenciadora de teorias mais contemporâneas, seja no senso comum. As correntes filosóficas do desenvolvimento podem ser com- preendidas como um conjunto de concepções que sustentou deter- minada forma de interpretar como o desenvolvimento se efetiva no ser humano. A corrente inatista ou nativista caracteriza-se por privilegiar a dimensão biológica, ou seja, a herança genética na determinação das características e capacidades humanas. Essa ideia se desenvolve da seguinte forma: o ser humano, segundo essa concepção, nasce com todas as características definidas por meio de sua carga genética. Elas estariam presentes, desde sempre, como potência e se manifestariam naturalmente quando o ser humano adquire a maturidade própria de cada fase. As habilidades que cada ser humano viria a desenvolver seriam uma consequência da referida disposição genética e não sofreriam interfe- rências do meio, das experiências e nem mesmo da cultura na qual ele estáinserido. Isso porque o desenvolvimento é entendido como um processo interno. Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 31 Os principais filósofos que representam essa abordagem são: René Descartes (1596-1650), Baruch Espinoza (1632-1677) e Immanuel Kant (1724-1804). São filósofos racionalistas, ou seja, consideram a razão e desconsideram a experiência. A corrente ambientalista caracteriza-se por privilegiar a dimensão ambiental, ou seja, as características e capacidades humanas seriam determinadas pelas experiências que se estabelecem no meio, sendo que, para essa abordagem, a herança genética não teria influência nes- se processo. Todo desenvolvimento de habilidades dependeria dos estímulos, oportunidades e relações com o meio. O entorno da pessoa seria res- ponsável por propiciar o desenvolvimento. Os filósofos Francis Bacon (1561-1626), John Locke (1632-1704) e Auguste Comte (1798-1857) foram os principais pensadores que sus- tentaram essa abordagem, que é fundamentada nas ideias empiristas e positivistas, teorias que valorizam a construção de conhecimento por meio da experiência. Por sua vez, a corrente sócio-histórica caracteriza-se por eleger a dimensão sócio-histórica como principal determinante no processo de desenvolvimento humano, ou seja, as características e habilidades se estabeleceriam a partir de uma transformação mútua entre o sujeito e o seu meio. Essa corrente de pensamento não desconsidera a determinação biológica, nem a determinação do meio, mas acredita que o ser huma- no se desenvolve nessa interação entre ambas as dimensões e entende a importância da bagagem histórica e social em todo o processo. Os filósofos Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) e Karl Marx (1818-1883) são representantes dessa corrente filosófica que se baseia nos princípios da dialética hegeliana e do materialismo dialético, prin- cípios que têm como alicerce a ideia de que o organismo interage de modo inter-relacional com o ambiente. Depois de termos apresentado as três correntes filosóficas que influenciaram e ainda influenciam as concepções acerca do desen- volvimento humano, podemos retomar a questão proposta no início desta seção e para respondê-la nos apoiaremos em Davidoff (2001, p. 51): “há séculos os cientistas vêm debatendo se a mais poderosa 32 Psicologia geral e do desenvolvimento influência sobre o desenvolvimento das características específicas é a hereditariedade ou o ambiente”, e o que podemos entender até hoje sobre essa questão é que as dimensões biológicas e as dimen- sões ambientais e sociais são igualmente importantes e determinam o desenvolvimento humano. Desde que chegou a solução de considerar a hereditariedade e o meio como influentes no desenvolvimento humano, os estudos pude- ram se voltar para a busca da compreensão sobre como se dá a intera- ção entre essas duas instâncias. Nesse sentido, o interacionismo ganha espaço e sustenta que o desenvolvimento humano não pode ser explicado tomando por base fatores genéticos ou fatores ambientais de maneira isolada. 2.1.2 Desenvolvimento humano na perspectiva histórica A perspectiva histórica sobre uma disciplina é sempre interessante, pois é por meio da história que podemos entendê-la melhor. É per- tinente, por exemplo, saber que a Psicologia do Desenvolvimento se institui em um contexto histórico no qual a infância e a adolescência passaram a ser vistas como momentos especiais da vida do ser huma- no, valorização relativamente recente. Foi somente a partir dos séculos XVII e XVIII que pareceu haver o início de uma preocupação com as crianças e sua educação, e isso tem relação com o percurso do pensamento da filosofia social em relação às questões sobre o desenvolvimento. Shaffer (2005) explica que, dos debates teóricos que se estabelece- ram, podemos destacar três doutrinas: 1 Doutrina do pecado original, de Thomas Hobbes (1588-1679): doutrina baseada na ideia de que a natureza das crianças é egoísta, por isso precisam ser contidas socialmente, além de ensinadas a endereçar seus interesses egoístas para finalidades socialmente mais adequadas. 2 Doutrina da pureza inata, de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778): nessa doutrina, o fundamento é de que as crianças são essencialmente boas, que elas têm um senso intuitivo sobre o certo e errado, porém são corrompidas pela sociedade. (Continua) A obra Pontos de psicologia do desenvolvimento é uma leitura leve, que além de ex- plicar conceitos acerca do desenvolvimento, aborda questões sobre hereditarie- dade versus ambiente nos processos de desenvolvi- mento. Essa leitura é muito interessante por abordar a maturação na sua relação com a aprendizagem, além de apontar reflexões em termos de estimulação ambiental. BARROS, C. S. G. São Paulo: Ática, 2000. Livro Nem sempre a infância e a adolescência foram instituídas da forma como as conhecemos, como demonstra Philippe Ariés na sua obra História Social da Criança e da Família, cuja leitura é recomendada para quem deseja saber mais sobre o processo cultural que favoreceu o percurso da Psicologia do Desenvolvimento. Essa obra é uma grande referência e demonstra como a infância e a adolescência não se limitam às questões bio- lógicas, mas têm um lugar social construído. Alcançar tal entendimento nos ajuda a contextualizar os fatores que se inter-relacionam, pois é impossível com- preender o ser humano sem o considerar como sujeito histórico. ARIÉS, P. Rio de Janeiro: LTC, 2018. Livro Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 33 3 Doutrina da tábula rasa, de John Locke: os princípios dessa doutrina são de que a criança é como uma “tábula rasa”, uma “lousa em branco”, ou seja, que todas as características, habilidades, conhecimentos, motivações e comportamentos das crianças, são aquisições resultantes das experiências. Assim, não seriam naturalmente nem boas, nem más. É importante refletir sobre essas doutrinas porque elas localizam historicamente o início das considerações sobre a importância da edu- cação, além da noção de desenvolvimento, já que a preocupação com as crianças tem a ver com o adulto que elas viriam a se tornar. É possível perceber também que as teorias filosóficas eram fruto da observação, dedução, interpretação e construção de uma lógica, mas que não tinham base científica. Enquanto a Psicologia do Desenvolvi- mento propriamente dita nasce de estudos sistematizados e que aten- dem a critérios científicos apenas no final do século XIX. O americano Granville Stanley Hall (1846-1924) é considerado o fundador da Psicologia do Desenvolvimento por ter sido o primeiro pesquisador que realizou uma investigação científica em grande escala sobre o desenvolvimento (SHAFFER, 2005). A partir daí, a Psicologia do Desenvolvimento passou a produzir pes- quisas, estudos e teorias que resultaram em várias contribuições que ampliaram a compreensão sobre os processos implicados no desen- volvimento. Podemos destacar o neurologista austríaco Sigmund Freud que revolucionou o pensamento sobre a criança e a infância, como de- talharemos ainda neste capítulo. Já no século XX, em meados da década de 1960, a Psicologia do De- senvolvimento é influenciada pelo Behaviorismo e ainda temos a teo- rização do francês Jean Piaget (1896-1980) sobre o desenvolvimento do pensamento infantil (BIAGGIO; MONTEIRO, 1998). Ela se ampliou de modo que não tem mais como objeto de estudo apenas a infância e a adolescência, mas todo o ciclo de vida desde o início intrauterino até a morte. A disciplina se ampliou também no sentido interdisciplinar, o que favoreceu considerar em seu estudo o sujeito de uma forma in- tegral, como ser biopsicossocial, o que implica articular a fisiologia, a afetividade, a cognição, a personalidade, a dimensão histórica e social do ser humano. 34 Psicologia geral e do desenvolvimento 2.2 Métodos de pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento Vídeo Vimos que a Psicologia do Desenvolvimento se instituiue passou a empregar o método científico. Então, os estudiosos passaram a usar dados, na sua maioria objetivos, para determinar a factibilidade das teorias que produzem, pois, para ser considerada, a pesquisa precisa atender a critérios de validade e confiabilidade. Para isso, seu método precisa chegar a resultados sólidos, replicáveis e que reflitam com pre- cisão o que se pretendia medir. De acordo com Shaffer (2005), entre os métodos de coleta de da- dos utilizados pelos pesquisadores do desenvolvimento humano, estão as metodologias observacionais, no caso de crianças e de ado- lescentes, os autorrelatos, os estudos de caso, a etnografia e os mé- todos psicofisiológicos. • Metodologias observacionais: são realizadas de duas formas: observações entrevistas semiestruturadas naturalistas (no am- biente natural das crianças e adolescentes) e observações estru- turadas (em laboratórios). • Autorrelatos: englobam entrevistas estruturadas, as entrevistas semiestruturadas, questionários estruturados e o método clínico. • Estudos de caso: são realizados por meio de entrevistas, obser- vações, testes e informações de fontes confiáveis, como pais e professores. • Etnografia: é quando o investigador se torna um observador participante, que se insere no contexto dos observados, faz re- gistros, realiza conversas e constrói um panorama a respeito dos dados. • Métodos psicofisiológicos: investigam a relação entre as res- postas fisiológicas e os comportamentos. Geralmente revelam as bases fisiológicas do comportamento (percepção, cognição e emoção). Nesses estudos há duas considerações importantes a serem des- tacadas: a primeira diz respeito à relativização cultural, ou seja, há de se considerar as diferenças culturais, pois a comparação intercultural promove a identificação dos fenômenos universais que independem No livro Introdução à prática do método clínico: descobrindo o pensamento das crianças, o autor Juan Delval fundamenta sua produção na teoria piage- tiana. Além disso, encon- tramos nessa obra a des- crição do método clínico, de forma a favorecer a compreensão de como se realiza uma investigação sobre o desenvolvimento humano com crianças de maneira respeitosa, ética e extremamente eficaz na compreensão sobre os processos de pensamento. DELVAL, J. Porto Alegre: Artmed, 2004. Livro Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 35 da cultura e, ao mesmo tempo, identifica aspectos ligados ao contexto cultural. Outra consideração referente ao cuidado ético das pesquisas, que deve respeitar o consentimento livre esclarecido sobre a partici- pação das pessoas, além de se preocupar com a confidencialidade e a proteção, para que ninguém seja submetido a riscos. 2.3 Teorias do Desenvolvimento Humano Vídeo A Psicologia do Desenvolvimento Humano produziu muitas teorias em seu percurso, cujo objetivo é compreender o ciclo da vida, suas eta- pas e suas características. Seu legado inclui a localização dos aspectos universais, que invaria- velmente se manifestam em todos os seres da mesma espécie, além dos aspectos particulares e da influência das interações. Passemos agora as principais teorias, cujas contribuições promove- ram avanços importantes na ciência em questão e forneceram conhe- cimentos úteis para a prática da psicologia, da educação e intervenções preventivas para o desenvolvimento saudável. 2.3.1 Teoria de Freud O impacto da teoria freudiana na história é unânime, isso porque Sigmund Freud criou uma nova forma de compreender o ser humano ao estabelecer que o sujeito opera também por meio da instância psí- quica do inconsciente, além da racionalidade consciente reconhecida por todos. Ou seja, há motivações e conflitos ativos no ser humano, manifestos na forma de se comportar e até mesmo pensar, que perma- necem inconscientes no seu psiquismo. A teoria que Freud construiu a partir da existência do inconsciente, chamada psicanálise, é extensa e complexa. Por isso, nesse momento, focaremos a parte da teoria psicanalítica que se relaciona com a Psico- logia do Desenvolvimento. Ao teorizar sobre várias questões referentes à vida psíquica, Freud descobriu que as experiências infantis dos primeiros anos de vida são fundamentais na construção da personalidade. Assim, definiu as etapas do desenvolvimento psicossexual da criança e, antes de explicarmos cada uma dessas etapas, é importante considerar alguns pressupostos importantes para justa compreensão. 36 Psicologia geral e do desenvolvimento Por vezes, os termos utilizados pela psicanálise são tomados de maneira equivocada. Quando Freud utiliza o termo sexualidade, não se refere a atos sexuais, pois atos sexuais só são instituídos, tais como na vida adulta, quando já ocorreu toda maturação física e psíquica do su- jeito. A sexualidade infantil é de outra ordem e passa por um percurso de desenvolvimento até alcançar a sexualidade adulta, essa sim, ligada às funções de reprodução e prazer. Outro pressuposto é entender que as etapas do desenvolvimento psicossexual de Freud possuem relação com a fisiologia, ou seja, elas se dão de forma inter-relacionada, assim como são as primeiras formas de estabelecer relações com o mundo. Vejamos: Etapas do desenvolvimento psicossexual • Fase oral (nascimento a 1 ano): relaciona-se fisiologicamente com a necessidade de alimentação, mas, para além dela, o bebê busca relacionar-se com o mundo por meio da boca, explora os objetos e até experiências com o próprio corpo. É a famosa fase que os bebês colocam tudo na boca e há um grande prazer em sugar, mastigar e morder. A atividade oral se institui nessa fase e se atualiza por toda a vida, no falar, no comer, fumar etc. • Fase anal (1 a 3 anos): relaciona-se fisiologicamente com o controle esfincteriano, ou seja, é o momento da retirada das fraldas, um momento em que a criança e a pessoa que encarna a função materna estão voltadas para as atividades de micção e evacuação. O treino para o controle e a realização da evacuação no vaso ou no penico é algo socialmente valorizado, logo as fezes ganham estatuto de “produção”, de “presente” esperado pela função materna. A atividade anal se institui nessa fase e se atualiza por toda a vida, no produzir, nas trocas com as outras pessoas, na maneira de gastar ou economizar o dinheiro etc. • Fase fálica (3 a 6 anos): coincide com a descoberta por parte da criança das áreas genitais e da distinção anatômica entre os sexos. A curiosidade e o interesse sobre as áreas genitais causam sua exploração e consequente excitação. Nesse momento, inicia-se o estabelecimento das identificações a um sexo, a ideia sobre os papéis sexuais e padrões morais. • Fase de latência (6 a 11 anos): a sexualidade fica latente e sua energia é transformada em interesse intelectual, desejo de aprender, jogos e socialização. É quando surgem sentimentos sociais de pudor, vergonha, nojo e repugnância. • Fase genital (12 anos em diante): passada a fase de latência, a puberdade reativa as pulsões sexuais, e a identificação de gênero já está concluída, de modo que se inicia o interesse em namorar e manifestações socialmente aceitas da sexualidade. Para saber mais sobre as teorias freudianas indica- mos o texto do próprio Freud, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. É uma oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o desenvolvimento psicossexual segundo Freud e “beber na fonte” ou seja, através do pró- prio autor. FREUD, S. Edição standart brasileira das obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2019. Livro Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 37 É importante entendermos os princípios dessa teoria, nos quais uma parte do corpo é inicialmente ligada a uma necessidade, cum- pre uma função, e, na relação com o mundo, passa a apoiar o de- senvolvimento de outra função psíquica, que, em consequência, transforma-se em social. 2.3.2 Teoria de Wallon Vamos conhecer um pouco mais sobre a teoria de Henri Wallon cuja posiçãoé notadamente interacionista, ou seja, considera que o desen- volvimento se dá também em função das interações do sujeito com o meio, sem desconsiderar a fisiologia. A ideia principal da teoria psicogenética de Wallon é a dimensão afetiva tanto na construção da pessoa quanto do conhecimento. As pri- meiras manifestações afetivas são consideradas por essa teoria como sendo primariamente fisiológicas, mas é com base nelas que se desen- volve o psiquismo. Ou seja, a afetividade não é apenas um elemento, mas é o que funda o bebê psiquicamente, pois é ela que marca a entrada na subjetividade. A inteligência e a afetividade estão ligadas e no início a afetividade é predominante. A evolução se dá de modo interdependente entre a afetividade e a inteligência, as dimensões incorporam conquistas uma da outra. Um exemplo disso é a linguagem que deriva da construção simbólica rea- lizada pela inteligência, e que passa a ser ponte de relação, portanto, a vinculação afetiva. Além da interligação entre inteligência e afetividade, a teoria de Wallon valoriza a interligação entre o individual e o social. Separar o homem da sociedade, ou seja, opor, como é frequente, o indivíduo à sociedade, é absurdo porque a sociedade é para o homem uma necessidade, uma realidade orgânica. Não que a sociedade já esteja organizada em seu organismo, mas o inverso é da sociedade que o indivíduo recebe suas determinações que são um complemento ne- cessário, por isso o sujeito tende para a vida social como para seu estado de equilíbrio (WALLON, 1995). Segundo Abigail Mahoney (2000), que é uma grande estudiosa da teoria de Wallon, um ponto muito importante da sua teoria é que ela 38 Psicologia geral e do desenvolvimento apreendeu, descreveu e explicou a relação natural, necessária, vital en- tre a criança e seu meio. Essa é uma relação evolutiva, que vai mudan- do com a idade conforme as necessidades da criança, reveladas em suas atividades, interesses e conforme os recursos que encontra ao seu alcance para satisfazê-la. Nessa teoria, as etapas da maturação biológica são fixadas de maneira relativamente estável, e as variáveis são os recursos que dependem das condições do entorno da criança e diante dos quais a criança reage. Estágios do desenvolvimento descritos por Wallon: 1. Estágio impulsivo-emocional (nascimento a 1 ano de vida): caracteriza-se por ser um momento cuja predominância é afetiva, e as emoções podem ser consideradas como recursos de interação com o meio. A motricidade ainda não se desenvolveu, então os movimentos das crianças são inicialmente descoordenados e sem intenções específicas e é justamente as respostas do meio a esses movimentos que vão organizando a desordem gestual inicial de modo que a criança passe então às emoções distintas. 2. Estágio sensório-motor (1 a 3 anos): caracteriza-se por ser um momento cuja predominância é a inteligência, e o mundo externo influi de modo privilegiado sob os fenômenos cognitivos. A inteligência, nesse fase, pode ser alcançada por meio da interação do corpo com os objetos (inteligência prática) e por meio da imitação e da apropriação da linguagem (inteligência discursiva). Assim, há uma relação entre os atos motores e o pensamento, ou seja, os movimentos são efeito do pensamento. 3. Estágio do personalismo (3 a 6 anos): nesse momento, a criança está dividida entre um desejo intenso de autonomia e seu vínculo profundo com a família. Assim, ao participar da escola de uma comunidade com outras crianças, há certo abrandamento do vínculo com a família, o que favorece alguns ensaios de autonomia. Por exemplo, fazer escolhas de livros, de amigos, de jogos, brincadeiras, da forma de realizar atividades, discordar do colega, fazer recusas etc. 4. Estágio categorial (dos 6 aos 11 anos): o desejo, nessa fase, é de satisfazer a curiosidade de conhecer e explorar o mundo. Podemos identificar que é uma fase de muitas perguntas, muita vontade de manusear os objetos, desmembrá-los, reconstruí-los, Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 39 há um interesse pelos livros e por discuti-los. Os vínculos com as pessoas significativas continuam muito importantes. 5. Estágio puberdade e adolescência (dos 12 aos 14 anos): o conflito maior é em relação a como manter o vínculo afetivo com as pessoas significativas enquanto explora o mundo real por meio de suas próprias experiências, vivenciando atitudes e comportamentos, tendo muitos sentimentos ambivalentes. Seu movimento é na direção do novo, seja real ou imaginário. Para satisfazer seu desejo de aventura, busca apoio de seus pares, dos amigos do grupo. Precisa elaborar e quer entender sua sexualidade, suas inquietações e suas aspirações. É preciso interpretar esses comportamentos como indicadores de uma identidade própria, diferenciada, e de abertura de caminhos possíveis para a vida adulta (MAHONEY, 2000). Concluímos que a teoria de Wallon é construída de modo a tomar o ser humano em desenvolvimento de maneira integral e tem a afetivida- de como principal elemento. 2.3.3 Teoria de Piaget Jean Piaget pode ser considerado o teórico que mais contribuiu para o entendimento do pensamento infantil. Influenciado por sua forma- ção em biologia, Piaget (1996) definiu a inteligência como sendo um processo básico da vida que auxilia o organismo em sua adaptação ao ambiente. Segundo sua teorização, ao amadurecer, as crianças adquirem es- truturas cognitivas mais complexas, fundamentais para sua adaptação no próprio ambiente. Assim, são as experiências físicas e as condições sociais que determinarão o acabamento daquilo que a maturação tor- na apenas possível, porque é o conhecimento das coisas que permite a adaptação, e esse conhecimento é construído pelo homem à medida que age sobre as coisas. Uma estrutura cognitiva que também foi denominada por Piaget como esquema é um padrão organizado de pensamentos ou ações usado para lidar com ou explicar algum aspecto da experiência. A assi- milação é o processo em que a criança interpreta novas experiências pela incorporação delas a seus esquemas já existentes. Desequilíbrios Para saber mais sobre a teoria de Wallon, indica- mos o texto A afetividade e a Construção do Sujeito na Psicogenética de Wallon. Nele, é possível entender como Wallon interpre- tou o desenvolvimento de forma centrada na afetividade. DANTAS, H. In: DE LA TAILLE, Y.; OLIVEIRA, M. K. de.; DANTAS, H. Piaget, Vygotsky, Wallon, Teorias Psicogenéticas em Discussão. São Paulo: Summus, 1992. Leitura 40 Psicologia geral e do desenvolvimento são desigualdades ou contradições entre os processos do pensamento e eventos ambientais. Em contraste, equilíbrio significa uma relação harmoniosa e balan- ceada entre as estruturas cognitivas e o ambiente de um indivíduo. Então, depois da experiência de não confirmação do seu esquema, a criança precisa se acomodar, o que significa alterar o esquema exis- tente de maneira a obter uma explicação, esse processo é a acomo- dação, no qual a criança modifica seus esquemas existentes de modo a incorporar ou adaptar novas experiências. Desse modo, as crianças curiosas, ativas e que interagem mais com o mundo externo certamen- te estão sempre formando novos esquemas e reorganizando o próprio conhecimento, ou seja, progredindo (SHAFFER, 2005). Piaget propôs quatro grandes estágios do desenvolvimento cogniti- vo (PELANGANA, 2001; SHAFFER, 2005): 1 Período sensório-motor (nascimento a 2 anos): os bebês se utilizam de suas capacidades motoras para explorar o ambiente. Entre as aquisições dessa fase está o início da distinção entre “eu” e o “outro”, a produção de imagens e esquemas mentais. 2 Período pré-operacional (2 a 7 anos): é através de simbolismos que as crianças representam e entendem o ambiente. É também a fase do egocentrismo e apresenta certa inflexibilidade no pensamento. 3 Período operacional concreto (7 a 11 ou 12 anos): já é possível o uso de operações cognitivas lógicas.Há uma maior socialização, a criança já consegue entender o pensamento dos outros e é capaz de apresentar o seu. 4 Período das operações formais (11, 12 anos em diante): cognitivamente os pensamentos podem ser mais dedutivos, mais abstratos, a criança passa a ser capaz de construir hipóteses, logo, há maior capacidade cognitiva. Sobre os processos de aprendizagem de Piaget indicamos a leitura do texto Implicações da epistemologia genética de Piaget para a educação. Por meio desse texto, é possível entender as contribuições ativas e práticas que a teoria piagetiana realizou para a prática pedagógica. Interessante pensar que Piaget, ao descrever e teorizar sobre como o pensamento da criança se efetiva, não pretendeu criar uma metodologia pedagógica ou algo assim, mas evidenciar co- nhecimentos norteadores de princípios que podem melhorar as práticas pedagógicas. MORO, M. L. F. In: PLACCO, V. M. N. S. (org.). Psicologia & Educação: revendo contribuições. São Paulo: Educ, 2000. Leitura Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 41 A teoria de Piaget prioriza o desenvolvimento cognitivo, mas isso não significa que desconsidera as dimensões afetiva e social, apenas não foi o maior interesse do autor. Sua teoria é muito importante para entender os processos de aprendizagem. 2.3.4 Teoria de Vygotsky A teoria sociocultural de Lev Vygotsky (1896-1934) também contri- buiu para o entendimento do desenvolvimento cognitivo. Segundo ela, a criança se desenvolve de modo a adquirir valores por meio da intera- ção com outras pessoas que possuem mais conhecimento. É por meio dessas interações que a criança alcança e estabelece estratégias para resolução de problemas. Podemos perceber como a teoria sociocultural é interacionista, pois considera que o desenvolvimento acontece nas interações sociocul- turais. Essa ideia se evidencia com a valorização entre as interações interpessoais, do diálogo e das contextualizações sócio-históricas por meio das quais as interações se dão. O que nos remete à importância da linguagem, que só é possível por ter um suporte fisiológico, mas que também é um produto da cultura e da história sociais. Outra coisa interessante é que Vygotsky tinha como propósito su- perar, por meio da investigação da influência dos processos culturais no desenvolvimento dos processos psicológicos, a cisão entre corpo e alma, que pairava como herança influente para a Psicologia do iní- cio do século XX (PALANGANA, 2001). Vygotsky propôs que devería- mos analisar o desenvolvimento humano desde quatro perspectivas que são inter-relacionadas: microgenética, ontogenética, filogenética e sócio-histórica. O desenvolvimento ontogenético é relativo ao desenvolvimento que acontece no percurso de toda a vida do ser humano. O desen- volvimento microgenético, por sua vez, refere-se às transformações em percursos curtos. O desenvolvimento filogenético diz respeito às transformações no percurso da humanidade no período de milhares de anos. Vemos como, aqui, Vygotsky tenta elucidar o desenvolvimen- to infantil em uma articulação com a história da espécie. Por fim, o desenvolvimento sócio-histórico é aquele relativo às transformações de cada cultura (valores, normas e tecnologias). 42 Psicologia geral e do desenvolvimento A perspectiva sócio-histórica é a mais enfatizada hoje pelos pesqui- sadores. Em especial, a ideia de que a cognição humana, mesmo quan- do isolada, é herdada socioculturalmente e afetada por suas crenças, valores e ferramentas de adaptação intelectual, transmitidas aos indi- víduos por meio da cultura. Outro conceito importante para teoria de Vygotsky é o de ferra- mentas de adaptação intelectual, que diz respeito ao que as crianças internalizam sobre os métodos de pensamento e de resolução de problemas, frutos das interações com os outros que contam com mais conhecimento do que elas. Nesse sentido, Vygostky propõe que as crianças nascem com algumas funções mentais elementares, como a atenção, a sensação, a percepção e a memória que acabam sendo transformadas pela cultura em funções mentais maiores, mais sofisticadas. Como exemplo, vejamos a memória. A de crianças pequenas é limi- tada às imagens e às impressões que são capazes de produzir, essa é uma restrição biológica; mas nas interações com o meio e com a cultura podem haver formas de estimulação da memória no incentivo de rea- lizar anotações, por exemplo. Em sociedades pré-literárias, o estímulo da memória se dá por meio de outras formas de memorização. Ou seja, cada cultura interage com as ferramentas de adaptação intelectual que lhe são próprias e permite a ela o uso de suas funções mentais básicas de maneira mais adaptativa. É assim que são transmitidas crenças e valores específicos, ensinando às crianças o conteúdo a ser pensado. Além das ferramentas de adaptação, Vygotsky considera a lingua- gem como fundamental para o desenvolvimento, pois ela é uma das ferramentas mais importantes para a pessoa interagir com o mundo. A linguagem é responsável pela leitura do mundo e isso evidencia a natureza social do desenvolvimento humano. O processo de apropria- ção da linguagem capacita a criança na distinção dos aspectos impor- tantes do mundo e a agir de maneira diferenciada em relação a eles (VYGOTSKY, 2007). Pelangana (2001) explica que a apropriação da linguagem tem re- lação com o pensamento, porque por meio dela é possível organizar os processos mentais da criança, dando forma ao pensamento. As palavras nomeiam as coisas do mundo, e, ao nomeá-las, as identifi- ca, as especifica, as generaliza, as diferencia e as categoriza, portanto Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 43 a linguagem sistematiza a experiência direta da criança e serve para orientar seu comportamento, propiciando-lhe condições de ser tanto sujeito quanto objeto desse comportamento. Perceba que o papel da linguagem vai além da possibilidade de representar o mundo, porque tem implicações diversas nas atividades da criança, ação e fala se rela- cionam em um mesmo processo. Outro conceito importante na teoria de Vygotsky é o de zona proximal de desenvolvimento. Vygotsky percebeu que as crianças conseguem se superar, adquirir novas habilidades quando recebem orientação e incentivo de crianças mais velhas ou adultos. Ou seja, existe um nível de desenvolvimento real, que consiste naquilo que a pessoa consegue fazer por si mesma, e existe um outro nível que seria o potencial, relativo à capacidade de aprender com o outro ou com algum instrumento de apoio. Entre esses dois níveis existe a zona de desenvolvimento proximal, na qual quem ensina deve operar, porque essa é a zona em que cabem instruções, diálogos, colaborações, incen- tivos para um novo crescimento cognitivo. O mais fundamental na teoria de Vigotsky é que o desenvolvimento é entendido como um processo histórico. O psiquismo é de natureza cultural, e o indivíduo um ser ativo em sua história. Além disso, o saber tem a ver com descobrir a significação que as coisas têm para o homem e é assim que se constitui na criança. O saber é uma produção social e tem a ver com a linguagem. Ele é, portanto, palavra e ação, ou seja, deve estar ligado também ao fazer, ou seja, ao agir sobre o mundo. Para saber mais sobre a teoria de Vygotsky indicamos a obra do próprio autor Pensamen- to e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Nela, o leitor encontra um aprofundamento da teoria no que ela entende como o desenvolvimento do ser humano relativo as relações entre a lingua- gem e o pensamento. VYGOTSKY, L. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Livro CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo de desenvolvimento refere-se às conquistas evolutivas que ocorrem durante o ciclo de vida. O desenvolvimento é complexo porque envolve as dimensões biológicas, psíquicas e sociais de forma interdepen- dente e simultânea. Considera-se que a hereditariedade e o meio são fa- tores igualmente influentes no desenvolvimentoque resulta da interação entre eles. A Psicologia do Desenvolvimento realiza pesquisas científicas que se- guem rigor científico em seus métodos, foi assim que ela se instituiu e, ao longo do tempo, ampliou seu objeto de estudo, que inicialmente abarcava apenas o estudo do nascimento até a adolescência. Hoje, a Psicologia do 44 Psicologia geral e do desenvolvimento Desenvolvimento considera desde a vida intrauterina até a morte, porque entende que o desenvolvimento é um processo contínuo durante todo ciclo de vida. ATIVIDADES 1. Defina o que é desenvolvimento. 2. Entre as três correntes filosóficas do desenvolvimento, corrente inatista, corrente ambientalista e corrente sócio-histórica, indique qual é a mais aceita atualmente. 3. Quais são as principais teorias que contribuíram para a compreensão da Psicologia do Desenvolvimento Humano? REFERÊNCIAS BAGGIO, A.; MONTEIRO, J. A psicologia do desenvolvimento no Brasil e no mundo. In: MOURA, M. L. S.; CORREA, J.; SPINILLO, A. (org.). Pesquisas brasileiras em psicologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998. BARBOSA, P. M. R. Representações de crianças sobre a relação afetiva com seus professores: uma contribuição para compreensão do desejo de aprender. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba. DAVIDOFF, L. Introdução à psicologia. 3. ed. São Paulo: Pearson Makron, 2001. MAHONEY, A. A. Contribuições de H. Wallon para a reflexão sobre questões educacionais. In: PLACCO, V. M. N. de. S. Psicologia & Educação: revendo contribuições. São Paulo: Educ, 2000. MARIOTTO, R. M. M. et al. O IRDI: indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil. Apostila para capacitação. Não publicado, 2018 (versão revisada). PALANGANA, I. C. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a relevância do social. 4. ed. São Paulo: Summus, 2001. PIAGET, J. Biologia e conhecimento. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. SHAFFER, D. R. Psicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2007. WALLON, H. As origens do caráter da criança. São Paulo: Nova Alexandria, 1995. O desenvolvimento do pré-natal à primeira infância 45 3 O desenvolvimento do pré-natal à primeira infância Como sabemos, o desenvolvimento pode ser entendido como o processo que conduz o ciclo de vida, desde a concepção biológi- ca (fecundação) até a morte. Esse processo é constituído de etapas que sinalizam aquisições de ordem cognitiva, física, sensorial, mo- tora, psíquica e social, que conduzem a uma evolução sistemática e contínua por todo o percurso de vida. Neste capítulo, vamos estudar o desenvolvimento humano do percurso do pré-natal até a primeira infância – período entre o nascimento até os 2 anos de idade. É importante entendermos que o período do pré-natal se refere a todo o processo que ante- cede o nascimento, ou seja, desde o momento da concepção até o nascimento propriamente dito. Aprenderemos também acerca do desenvolvimento do bebê e da primeira infância que versa sobre os dois primeiros anos de vida. Nosso estudo implicará compreender cada uma das fases do desenvolvimento humano, sendo considerados os aspectos físicos, psíquicos e sociais; este é um princípio que deve ser conservado para qualquer ciência que pretenda se ocupar do ser humano. 3.1 Desenvolvimento embrionário Vídeo Houve um tempo que o estudo do desenvolvimento humano era inaugurado com o nascimento, contudo, esse estudo hoje conside- ra que “a vida do ser humano começa antes do seu nascimento […]” (ROSA,1993, p. 9). Na concepção há o início do processo de desenvolvi- mento, que será contínuo por toda a vida do ser humano. A concepção se refere ao exato momento em que um esperma- tozoide (gameta masculino) encontra o óvulo (gameta feminino) e o 46 Psicologia geral e do desenvolvimento adentra, produzindo o que chamamos de zigoto, que se implanta na parede uterina, caracterizando o período germinal. A mitose, ou divisão mitótica 1 Processo em que uma célula dá origem a outras duas células ge- neticamente iguais a ela, e assim sucessivamente (CERNACH, 2008). 1 , ocorre ainda no período germinal de maneira simultânea ao percurso que o zigoto realiza da trompa de Falópio até a cavidade uterina. Essa divisão faz com que o zigoto se transforme em mórula que, ao chegar no tecido do endométrio, já é um blastocisto e completa sua implantação, que de acordo com Shaffer (2005), é um desenvolvimento em si mesma. Essa afirmação é com- preensível, visto que somente metade dos óvulos fecundados conse- gue se implantar e esse processo da concepção até a implantação leva de 10 a 14 dias, aproximadamente. O blastocisto sofrerá mais uma modificação em suas paredes externas que formam uma membrana chamada córion, que age como tecido acessó- rio e é responsável pela proteção e nutrição. Depois há uma evolução e a placenta passa a fazer essas funções, além da respiração e da eliminação de suas excreções (SHAFFER, 2005; SADLER, 2016; ROSA, 1993). Acontece também o desenvolvimento do cordão umbilical, que se constitui como um tubo que liga o embrião à placenta. O chamado saco amniótico participa desse sistema que atua assim até o momento do nascimento. Essa fase do desenvolvimento que compreende a terceira semana de vida até oitava semana desde a concepção é chamada de período embrionário (SHAFFER, 2005). Podemos afirmar que se trata de um mo- mento que as mudanças ocorrem de modo acelerado, considerando todo o processo de desenvolvimento humano; esse é o período em que o desenvolvimento é proporcionalmente mais rápido, e isso pode ser constatado até mesmo na aparência do embrião, que passa a apresen- tar formas mais próximas das que terá ao nascer. Figura 1 Estágios do desenvolvimento Bl ue Ri ng M ed ia /S hu tte rs to ck Óvulo fertilizado Estágio de 2 células Estágio de 4 células Estágio de 8 células Estágio de 16 células Blastocisto Feto (5 semanas) Feto (40 semanas) Feto (20 semanas) Feto (10 semanas) O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 47 Esse aceleramento do desenvolvimento assinala também a forma- ção do sistema nervoso. O coração que se forma começa a bater em torno do décimo oitavo dia desde a concepção, mas somente mais tar- de, a partir de três semanas e meia de vida intrauterina, passa a pulsar (ROSA, 1993). Formam-se os folhetos embrionários: Ectoderma: formação da pele, dos cabelos, das unhas, das glândulas epidérmicas e sensoriais e do tecido nervoso. Mesoderma: formação dos ossos, dos músculos, do aparelho circulatório e parte dos órgãos excretórios. Endoderma: formação do aparelho digestivo, do fígado, dos pulmões e de algumas glândulas endócrinas. Assim, ao término da quarta semana, os olhos, os ouvidos, o nariz e a boca já começaram a se formar, além dos membros, já havendo também um cérebro rudimentar e uma espinha dorsal primitiva. Os demais ór- gãos começam a se distinguir e a se definir (SHAFFER, 2005; ROSA, 1993). O sistema nervoso é fundamental para o desenvolvimento, uma vez que é ele quem o coordena. O período embrionário, como explicamos, é um dos momentos mais importantes no desenvolvimento e é con- siderado um momento crítico, pois qualquer alteração durante esse processo terá efeitos decisivos e irreversíveis na vida que se forma. Também é alto o risco, sendo relativamente comum que haja abortos espontâneos, pelas mais variadas causas. O denominado período fetal abrange da oitava ou nona semana, considerando a concepção, até o nascimento. A principal característica desse momento é o crescimento do volume das estruturas já formadas nos períodos anteriores, além do refinamento dos sistemas orgânicos. Shaffer (2005) descreve que há uma interconexão entre os sistemas orgânicos (estrutura do sistema nervoso e o sistema muscular), o quefavorece o movimento dos membros do feto, por exemplo. Nesse mo- mento, devido ao crescimento, seu movimento já pode ser sentido pela mãe. Além disso, o feto é capaz de reagir a estímulos externos, como barulhos altos e até mesmo a uma luz forte. O autor descreve ainda 48 Psicologia geral e do desenvolvimento que entre a 25ª e 38ª semana, ou seja, no terceiro trimestre da gesta- ção, o feto tem o crescimento e o amadurecimento dos sistemas orgâ- nicos para que ele esteja preparado para o nascimento. Interessante que esse preparo inclui uma regularidade nos ciclos de sono e vigília, além dos momentos de atividade. O pré-natal é um momento delicado no desenvolvimento, se consi- derarmos os fatores que podem implicar riscos para o feto. Entre es- ses fatores, devemos considerar os hereditários e a saúde da mãe (a questão nutricional, o uso de substâncias tóxicas, entre outros). Além disso, sabe-se que há uma influência materna também por via hormo- nal, no caso de uma forte tenção emocional, poderá ocorrer alterações hormonais que através da placenta provocam mudanças no equilíbrio psicofisiológico do feto (QUAYLE, 2008). Se tudo ocorrer de maneira desejável, o embrião alcança o desenvolvimento e se torna um feto saudável e que nasce a termo, ou seja, nasce na idade gestacional ade- quada, sem ser prematuro ou sem que haja um aborto espontâneo. Nas últimas décadas, segundo Quayle (2008), com a sofisticação tec- nocientífica, os pesquisadores puderam investigar o comportamento fetal e concluíram haver uma relação maior do que se imaginava entre a vida intra e pós-uterina. Podemos afirmar também que o estudo sobre o desenvolvimento embrionário e fetal aponta para integração entre os fatores biológicos, emocionais, assim como entre o feto e sua mãe. 3.2 Desenvolvimento do bebê Vídeo Após o nascimento, é ideal que o bebê seja colocado em contato com a mãe logo após o parto. A importância desse ato está relacionada com a vivência de continuidade entre a gestação e o nascimento. Mãe e bebê têm uma ligação intensa e a separação após o parto se mos- trou um dificultador no processo de vinculação desse novo momento, no qual a mãe vivencia uma perda da condição gestante. Ela precisa reestruturar sua relação com o corpo e com o bebê fora dele e, nesse processo, poder “tocar, segurar, ouvir e olhar seu filho para aprender a conhecê-lo e a responder às suas necessidades” (WENDLAND, 2008, p. 74) favorece a adaptação de ambos. Por isso, cada vez mais tem-se abandonado a prática de separar o recém-nascido da sua mãe e fazê-lo permanecer no chamado berçário: Para saber mais sobre o desenvolvimento no pe- ríodo germinal e embrio- nário, no que diz respeito ao desenvolvimento do sistema nervoso central e do cérebro, indicamos o texto Embriologia: a gênese da mente. Essa leitura esclarece detalhes que ajudam o leitor na cons- trução do conhecimento, por desvelar as instâncias biológicas da mente. CERNACH, M. C. S. P. In: PINTO, G. C. (coord.) A mente do bebê: o fascinante processo de formação do cérebro e da personalidade. São Paulo: Duetto Editorial, 2008. Leitura O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 49 Alojar o recém-nascido ao lado da mãe logo após o parto é hoje prática amplamente difundida nas maternidades do mundo todo, conquista decorrente de seus comprovados benefícios tanto para saúde e o desenvolvimento cognitivo do bebê como para o vínculo afetivo. (WENDLAND, 2008, p. 74) Além do que foi mencionado, o alojamento conjunto facilita o alei- tamento, pois a presença do bebê estimula os hormônios responsáveis pela produção do leite materno, que além de ter a função de alimento, fornece a imunização para o bebê, de modo que a prática de alojamento conjunto reduz a incidência de infecções hospitalares, bem como de pro- blemas como a icterícia 2 Icterícia é o excesso de bilirru- bina produzida pelo fígado, que deixa a criança com pigmento amarelado e traz riscos ao desenvolvimento do bebê. 2 , que é prevenido pelo aleitamento frequente. O alojamento conjunto favorece também o contato e a vinculação com o pai, que passa a ter mais acesso ao bebê e, consequentemente, participa da construção que se dá como família. Interessante também que a presença frequente do bebê faz com que se evidencie eventuais problemas que possam ocorrer, como depressão materna pós-parto, ou qualquer outra dificuldade por parte da mãe ou do bebê, de modo a favorecer a intervenção precoce e ajuda dos profissionais. O recém-nascido é dotado de reações reflexas que correspondem a respostas automáticas a certos estímulos; essas respostas têm como função o favorecimento da adaptação à vida. Há, portanto, um re- pertório de reflexos que não dependem da aprendizagem, ou seja, já nascem com o bebê. São chamados reflexos de sobrevivência: respirató- rio, sucção, deglutição, rotação (na busca do seio materno), palpebral (piscar os olhos para protegê-los). É bastante interessante assinalar que esses reflexos têm uma fun- ção biológica, mas que esta também é indissociável da função relacio- nal fundamental para sobrevivência humana. Em outras palavras, os reflexos inicialmente colaboram para a satisfação das necessidades do bebê e causam certo efeito positivo naquele que ocupa a função mater- na, ou seja, de cuidar e suprir às necessidades do bebê. Bowlby (2020) evidencia que esses reflexos de sobrevivência parti- cipam do enlace entre o bebê e os adultos do seu entorno. Podemos entender isso considerando a dependência que existe no bebê ao nas- cer, que coloca a conexão com seu cuidador no nível da necessidade para sobrevivência. Inicialmente reflexas, as reações do bebê em di- reção à pessoa que realiza a função materna são lidas, interpretadas 50 Psicologia geral e do desenvolvimento como uma demanda a ser satisfeita e que, muitas vezes, promove certo prazer naquele que o satisfaz. Ao nascer, o bebê apresenta também outros reflexos que desa- parecem pouco a pouco no decorrer do primeiro ano de vida, são os chamados reflexos primitivos. Conforme Shaffer (2005), possivelmente, estes são reflexos remanescentes da história evolutiva do ser huma- no e, por isso, já não têm mais uma função tão útil, porém, a ausência, ou a permanência tardia deles, pode indicar algum problema no de- senvolvimento ou no sistema nervoso central; isso significa que a pre- sença desses reflexos, assim como o desaparecimento progressivo deles, indicam que o sistema nervoso central está se desenvolvendo de maneira desejável. Os denominados estados do bebê se referem aos ritmos de sono e de vigília próprios dos recém-nascidos, que seguem certo padrão diário, revelando o funcionamento e a organização dos mecanis- mos internos reguladores, além de singularidades do próprio bebê (SHAFFER, 2005; THOMAN; WHITNEY,1989). Segundo Ganhito (2008), o ciclo vigília-sono é um indicador sutil das primeiras fases do desenvol- vimento, expressando parcialmente o funcionamento mental do bebê e a qualidade da relação dele com os pais. O choro é uma reação provocada por um desconforto, inicialmente físico, como fome, sono, frio, dor, fralda molhada, barulhos, alteração na luz etc. Acredita-se que o choro pode ter sido uma estratégia adaptativa da espécie (WALTER, 2008). Quando se destaca que inicialmente é pro- vocado por uma motivação física, é porque o bebê não pode ser pensa- do nesse momento como independente da pessoa que ocupa a função materna, bem como porque o choro tem o propósito de alertar o outro a respeito de uma necessidade. Com o passar do tempo, esse alerta evolui e se transforma em uma forma de comunicação, visto que, ao atrair a atenção por meio do choro, o bebê encontra uma forma de ser atendido para além do desconforto físico, existe um conforto emocional efetivado pela presença, pela voz, pelo colo, entre outras formas de interação. Aí já é possível localizar a influência das interações no desenvolvi- mento do bebê, ou seja, a instância biológica é evidentementearticula- da com a instância psíquica e social. A forma como o bebê é atendido devido ao seu choro tem grande influência sobre a agitação e a cal- ma dele. Lewis e Ramsay (1999 apud SHAFFER, 2005, p. 139) acredi- O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 51 tam que cuidados sensíveis e responsivos podem colaborar para que o bebê seja mais calmo, enquanto bebês que são pouco atendidos po- dem se tornar mais angustiados e agitados. Cabe um comentário de um equívoco por vezes sustentado no senso comum, de que a criança muito atendida se tornaria mimada e mal-acostumada; esse é um mito bastante nocivo, pois estudos mostram a importância dessa relação na construção da segurança do bebê, de modo que é totalmente indese- jado que ele seja pouco atendido, segurado no colo e acalmado, sob o pretexto de educá-lo. O choro pode ser também sinal de algum problema de saúde, de modo que se deve prestar atenção, seja como forma diagnóstica, seja como forma de comunicação e estabelecimento relacional. É impor- tante destacar que afagar, embalar, falar com o bebê, cantar para ele, oferecer uma experiencia tátil com o cobertor etc. são estimulações importantes que propiciam uma rítmica suave e extremamente impor- tante para o sistema nervoso central, que parece responder com rela- xamento muscular, respiratório e cardíaco (CAMPOS, 1989; RICK et al., 1999; KORNER, 1972 apud SHAFFER, 2005). Essas estimulações também são fundamentais para o desenvolvimento saudável do bebê e da sua capacidade de se vincular emocionalmente e se sentir seguro. Inúme- ros são os estudos que enfatizam a importância de que os cuidados ao bebê sejam impregnados de afetividade. Inicialmente, o bebê vive uma indiferenciação entre si mesmo e a pessoa que encarna a função materna, ou seja, ele não é capaz de per- ceber-se separado dela. Essa conclusão se dá pela via da inferência, dada dificuldade de se precisar cientificamente qual é a percepção no bebê nessa fase, em que o único recurso do pesquisador é a observa- ção, por se tratar de uma fase pré-verbal. Parece que a percepção pre- cisa ser adquirida, aprendida e depende da maturação (SPITZ, 2013). Nesse sentido, a cavidade oral (língua, lábios, face, nasofaringe etc.) é responsável pelas primeiras percepções e explorações táteis no bebê. Isso é perceptível ao observar como ele busca o contato com o mundo externo por meio oral, como gosta de colocar os brinquedos, os dedos, a mão e o cobertor na boca, enfim, há uma predominância oral na percepção de contato. A percepção visual é bastante importante, visto que o bebê estabelece contato visual com a mãe durante a mamada. 52 Psicologia geral e do desenvolvimento Nesse momento, o bebê visualiza o rosto da mãe e suas microexpressões. Esse processo é fundamental para o desenvolvimen- to das relações interpessoais, porque ao repetir essa visualização o bebê apreende as reações do rosto, desenvolvendo a capacidade de in- terpretar emoções dos demais seres humanos e de expressar emoções. Sabemos que, inicialmente, a visão do bebê não está totalmente ma- dura e que a distância de aproximadamente 20 cm, exatamente a que ele fica do rosto da mãe durante a mamada, é a distância na qual ele consegue enxergar bem. Ainda durante a mamada, os movimentos das mãos do bebê, aparentemente aleatórios, vão se organizando de modo a estabelecer um ritmo relacionado ao ritmo da sucção. Considere que o bebê se desenvolve de maneira interativa com a mãe 3 Sempre que mencionarmos a palavra mãe, estaremos nos referindo à pessoa que encarna a função materna. 3 , ou seja, todo o momento em que ele é dependente e tem sua necessidade física satisfeita acontecem, indissociavelmente, trocas relacionais que são fundamentais para seu desenvolvimen- to humano: a experiência de amamentação, a situação da amamentação, não é simplesmente uma experiência de satisfação 4 Satisfação da fome, da necessi- dade de alimentação. 4 . Ela inicia a transição da percepção exclusivamente por contato para per- cepção à distância. Essa experiência ativa o sistema perceptual diacrítico 5Sinal gráfico capaz de mudar a pronúncia; por exemplo, acento, nessa frase, tem valor meta- fórico que sinaliza a mudança e incremento da percepção de cinestésica e de contato para uma percepção mais complexa. 5 , que gradualmente substitui a organização cinesté- sica original e primitiva. (SPITZ, 2013, p. 57) Quando destacamos o valor das interações nos cuidados com o bebê, consideramos inclusive que os intervalos entre o desconforto e a satisfação da sua necessidade e as alternâncias entre presença e au- sência da mãe instituem o desenvolvimento adaptativo, inclusive por meio da inscrição de traços mnemônicos em um sistema de memória, utilizados para lidar com a frustração. A família é determinante no desenvolvimento emocional do bebê. Ele forma laços emocionais com as pessoas mais próximas em seu pri- meiro ano de vida. Esses laços se manifestam por meio do apego e podem ser considerados laços recíprocos, pois as pessoas do entorno do bebê, especialmente os pais, também demonstram apego a ele. A relação entre o bebê, seus pais e a função materna que o acolhe é uma via de mão dupla, visto que o apego e o fortalecimento do vínculo ocorrem na adaptação do comportamento aos sinais sociais do bebê. Há o estabelecimento de rotinas com interações que se tornam agradá- traços mnemônicos: são marcas psíquicas das experiências, anterio- res à capacidade de representação, ou seja, traços que formam uma memória mais arcaica. Glossário O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 53 veis e prazerosas para ambos – pais e bebê. Em torno da idade de 7 me- ses, o apego fica bem instituído e entre seus efeitos há a identificação de objetos de apego, que podem ser chamados de objetos transicionais, segundo a teoria winnicottiana 6 Donald W. Winnicott (1896-1971) foi um pediatra e psicanalista inglês que desenvol- veu teorias importantes sobre os bebês e as crianças. 6 . Os objetos transicionais têm a função de trazer certo conforto emo- cional para o bebê, uma vez que são facilitadores do sono, costumam acalmar e representar uma ponte entre o bebê e a mãe. É muito fácil identificá-los, são as naninhas, os “cheirinhos”, as pelúcias, entre outros objetos, que são eleitos naturalmente pelo próprio bebê para serem seus “companheiros”. O estabelecimento desses objetos é importante para o bebê, pois colabora para o seu desenvolvimento emocional, por isso, os educadores devem acolher e respeitar esse movimento. Os bebês que conseguem estabelecer seus apegos são mais predispostos a se tornarem crianças curiosas, usando seus objetos de apego como base segura para explorar o ambiente (SHAFFER, 2005). A percepção (tato, paladar, olfato, visão e audição) é função essen- cial no desenvolvimento e se inicia por meio da cavidade oral, ligada à necessidade de alimentação e que vai se organizando progressivamen- te, de maneira articulada entre a maturidade fisiológica, os estímulos e a relação com a mãe. Segundo Spitz (2013), o afeto, portanto, abre ca- minho para o desenvolvimento da percepção e das demais funções. O que nos leva a reforçar a ideia de que o ser humano é um ser relacional. Entre 2 e 3 meses, o bebê consegue reagir com sorriso inato ao reconhecer o rosto humano. Esse reconhecimento ocorre diante dos olhos (posição frontal) e do movimento do rosto, o que forma o chama- do gestalt sinal 7 Consiste na testa, nos olhos e no nariz. 7. A criança não reage a um rosto ou a uma pessoa em especial, mas ao estímulo que essa configuração humana e parcial pro- voca. Esse momento do desenvolvimento também evidencia a predis- posição social do bebê – com o reconhecimento da face humana, reage involuntariamente com um sorriso, que por sua vez provoca reações, possivelmente afetivas, no outro ser humano. Com o curso do desenvolvimento, essa reação de sorriso se perde, pois os bebês passam a distinguir os rostosconhecidos dos demais, e nessa fase é comum escutarmos da mãe que o bebê passa a “estra- nhar” os outros. Isso se dá porque a percepção dele se desenvolve e tem a função de defesa na busca por segurança. 54 Psicologia geral e do desenvolvimento Isso também acontece em razão do desenvolvimento do apego, visto que os bebês ao se apegarem a pessoas e objetos próximos e conhecidos passam a demonstrar certa ansiedade diante de estranhos e, por vezes, certa angústia de separação. Shaffer (2005) explica que o medo vem do receio infantil com relação a situações estranhas e de sua incapacidade para explicar quem são esses estranhos e onde estarão os seus companheiros ausentes. Nesse caso, os objetos transicionais ajudam o bebê a lidar emocionalmente com as breves separações que ocorrem no cotidiano. O papel das relações e da comunicação entre mãe e bebê marca a compreensão progressiva por parte deste quanto às palavras, aos có- digos societários e às apreensões sobre o ambiente. As trocas afetivas estabelecidas entre pais e filhos nas primei- ras fases da vida são cruciais para a formação do sentimento de segurança que acompanhará a criança durante sua exis- tência e sedimentarão as bases de seu futuro bem-estar físico e emocional. (FERRARIS, 2008, p. 52) É fundamental que o adulto fale bastante com o bebê, pois ouvir a língua falada promove um estímulo fundamental para o desenvol- vimento cerebral mais complexo. Além da importância neurofisioló- gica, há a questão afetiva estimulada por meio da prosódia materna que, assim como o olhar, é crucial para o desenvolvimento psíquico saudável do bebê. O desenvolvimento físico acontece simultaneamente ao desen- volvimento cognitivo e psíquico. O crescimento do bebê aconte- ce de maneira bastante rápida durante o primeiro ano de vida, os ossos menores e mais flexíveis gradualmente passam pelo processo relativamente irregular de desenvolvimento, acompanhados pelo desenvolvimento muscular, fundamental para as aquisições do en- gatinhar e caminhar. Cognitivamente, podemos destacar a plasticidade – capacidade de que um estado de desenvolvimento possa se alterar com base em experiências (SHAFFER, 2008). Assim, é possível concluir que a cognição se desenvolve na relação entre a maturação neurológica e as experiências de vida, o que reforça a importância dessa fase na vida do ser humano. O livro Bebês e suas mães é uma obra clássica que apresenta um estudo bastante significativo a respeito do desenvol- vimento do bebê e da relação com a função materna, destacando sua importância para toda a vida. WINNICOTT, D. W. São Paulo: Ubu, 2020. Livro O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 55 3.3 Desenvolvimento na primeira infância Vídeo O período da primeira infância abarca o desenvolvimento até mais ou menos os 2 anos de existência. A divisão entre as fases é didática, ou seja, é realizada com o objetivo de favorecer o estudo e, nesse sentido, pode ser considerada arbitrária e sem unanimidade. O que queremos deixar evidente é que nem todos os teóricos utilizam a mesma subdivi- são em seu estudo e muitas vezes a teoria apresenta sua própria forma de sistematizar o conhecimento sobre o desenvolvimento. A primeira infância é marcada por significativas mudanças no de- senvolvimento do ser humano. Essa fase impõe uma intensa adapta- ção fisiológica e relacional do ser humano com seu entorno, que se evidenciam nas muitas conquistas; estas envolvem fatores maturacio- nais, fisiológicos, assim como fatores psicológicos e sociais, no sentido de que para uma conquista acontecer, o meio deve propiciar os estí- mulos adequados. Um exemplo é o andar, que ocorre entre 9 e 15 meses, além da ma- turação. Inicialmente, é necessário um apoio para que a criança dê os primeiros passos, treine sua estabilidade e noção espacial, para, então, conquistar a autonomia. Rosa (1993) destaca outras conquistas, como o ato de aprender a se alimentar de alimentos sólidos, que pode também ser entendido pela via do desmame. Dolto (2015) articula o desmame com outra aquisição: a do falar. A autora teoriza que o prazer de mamar é substituído pelo prazer de falar e que quando a castração simbolígena do desmame ocorre, abre a possibilidade para que a criança se ocupe da linguagem, ou seja, a cada “perda” que se dá, há um ganho no desenvolvimento. Aprender a ter o controle esfincteriano também é uma conquista da primeira infância e está ligado à aprendizagem do certo e do errado. No processo de deixar o uso das fraldas, a criança passa ao “treino” de urinar e defecar no penico ou no vaso sanitário, de modo que os pais participam, ensinam e sinalizam sua expectativa. Acontece, portanto, uma espécie de troca relacional, na qual o excremento da criança ga- nha status de produção “ofertado” para os pais, já que o acerto parece sustentar uma satisfação em seus educadores. 56 Psicologia geral e do desenvolvimento A percepção sobre a inter-relação dos processos de desenvolvimen- to implicados fisicamente, psiquicamente e socialmente é possível. A evolução que o ser humano conquista progressivamente também o insere na cultura que interfere no processo. Cognitivamente, já na pri- meira infância a criança tem alguma compreensão acerca da realidade e aprende a se relacionar com ela. Por isso, o desenvolvimento psicossocial é tão importante quan- to o desenvolvimento físico. Precisamos entender que o processo de desenvolvimento implica uma humanização, que só ocorre em contextos que significam a realidade, por meio da relação com ou- tros humanos. O contexto cultural, o idioma e os códigos societários antecedem a existência da criança e sua inserção se inicia antes mesmo do nasci- mento, pois a espera de um filho cria um lugar simbólico na humanida- de. A socialização se dá desde o primeiro momento e é por meio dela que a personalidade se constituí. A linguagem pode ser considerada fator privilegiado, uma vez que, além de sua função de comunicação, ela tem estreita relação com o pensamento e com a subjetivação. A lin- guagem torna possível a transmissão da cultura e situa o ser humano como ser histórico, e ela só se efetiva na relação com os outros que, ao falarem com a criança, possibilitam sua aquisição. A linguagem permeia todas as relações humanas e as transforma de maneira radical. Está presente desde muito cedo em nossa vida: de forma afetiva nas falas e vocalizações que envolvem a relação entre a mãe e bebê e de forma lúdica nas etapas iniciais da comunicação social. (LESSMÖLLMAN, 2008, p. 35) A afetividade tem especial importância em todos os sentidos do desenvolvimento. A capacidade de se apegar e se vincular ao outro é determinante na construção de sentimento de pertença, segu- rança e demais pilares subjetivos ao desenvolvimento. Sabemos que a falta de afetividade é capaz de ocasionar danos em todas as instâncias do desenvolvimento. A adaptação do ser humano é indispensável para a sobrevivência e depende do processo emocional e social. As emoções comportam níveis fisiológicos, psicológicos e sociais. No nível fisiológico, ela pode ser identificada por meio das reações que provoca no sistema nervo- so central, nas glândulas viscerais e resulta em atividade motora re- lacionada ao estado emocional (ROSA, 1993). No nível psicológico, as O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 57 emoções participam das inscrições afetivas, que são fundamentais no desenvolvimento da personalidade. Com relação ao nível social, a de- monstração das emoções promove impacto nos outros seres humanos, consequentemente, nas respostas dos outros, cujas trocas relacionais instituem laços que são fundamentais para o ser humano. Na fase da primeira infância, a criança expressa suas emoções de maneira espontânea e livre, por não ter ainda aprendido a reprimi-las. Nesse momento do desenvolvimento, as emoções aparecem ligadas às necessidades básicas orgânicas e são mais simples, somente mais tarde se tornarão complexas.A maneira como a criança é atendida em seus estados emocionais também influencia a forma como ela lidará com suas emoções futuras, quando seu repertório for ampliado. A afetividade também é expressa por meio do contato físico, que é vital para o desenvolvimento emocional do ser humano. A privação prolongada do contato físico causa distúrbios emocionais de graves consequências. Os padrões subjetivos e de comportamentos da mãe, da pessoa que desempenha a função materna, assim como da família têm papel fundamental no desenvolvimento psicossocial da criança, da constitui- ção de sua personalidade e, mais tarde, da aquisição do senso moral. O senso moral é fruto da internalização dos valores que são trans- mitidos por meio da aprendizagem social. A criança nessa fase ainda não tem a abstração e o conceito de bom ou mau, ela reage de acordo com seus impulsos, suas emoções e por imitação daqueles com quem convive; ainda não tem meios cognitivos de entender as consequências dos seus atos nem tem sentimento de culpa. É o retorno que os adultos dão a ela que inscreve noções sobre os comportamentos adequados, ou seja, há uma autorregulação emocional com base na modelagem favorecida pelos pais. De acordo com Shaffer (2005), entre o oitavo e o décimo mês de vida, as crianças já são capazes de seguir referências sociais e suas habilida- des em identificar e interpretar as emoções dos outros se ampliam após o primeiro ano de vida. A habilidade infantil para reconhecer e interpre- tar as emoções alheias é fundamental para seu relacionamento, pois as emoções desempenham ao menos dois papéis importantes na vida da criança. As demonstrações emocionais infantis pro- movem o contato social com os seus cuidadores, auxiliando-os Sobre a importância da afetividade e do contato físico para o desen- volvimento psíquico, recomendamos a leitura do livro O primeiro ano de vida, que descreve estudos que revelaram que a falta de contato físico produz prejuízos no desenvolvimento físico e cognitivo, além de que as crianças apresentam maior predisposição a adoecerem. SPITZ, R. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. Livro 58 Psicologia geral e do desenvolvimento a ajustar seus comportamentos às necessidades e aos desejos da criança. A habilidade infantil para reconhecer e interpretar as emo- ções alheias serve como uma importante função de conhecimento ao ajudar a criança a inferir sobre como deve se sentir, pensar ou se comportar em situações incertas. (SHAFFER, 2005, p. 414) Essa habilidade progride durante a infância, sendo o desenvolvi- mento cognitivo importante para esse processo, assim como os diálo- gos familiares acerca das emoções da criança e dos outros colaboram para sua compreensão. Podemos pensar a importância de uma educa- ção na qual haja investimento em conversar desde muito cedo com a criança sobre o que ela sente, de modo a nomear as emoções. As histórias infantis contadas às crianças desde muito cedo também trazem representações das emoções. Além disso, “em suas conversas com o bebê, seja sob a forma de canções, poemas, contos, sejam sim- plesmente relatos do dia a dia, articula um saber transmitido de gera- ção a geração” (TEIXEIRA, 2008, p. 98). A história, seja da família, seja fictícia, traz marcas da humanização e da simbolização, porque veicula as experiências em forma de palavras. Mais tarde, a habilidade de reconhecer suas emoções e as das ou- tras pessoas refletirá nas relações interpessoais que o ser humano terá por toda sua vida, tornando-se um recurso relacional extremamente valoroso na adaptação do sujeito, sob a perspectiva da inserção social. Outra questão é o desenvolvimento da personalidade, que é um processo complexo, contínuo e que depende de todos os outros as- pectos que funcionam como elementos de base para a personalidade. Fatores hereditários e fatores ambientais se articulam em um arranjo único para cada ser humano. Por mais que a psicologia busque pa- drões de comportamentos observáveis, é impossível objetivar a per- sonalidade, pois ela é impregnada pela experiência, história, cultura e a forma como cada um as subjetiva. Desse modo, considera-se que as ocorrências na primeira infância são decisivas para as demais fases da vida do ser humano. Por vezes, há uma confusão entre personalidade e temperamento. De acordo com Shaffer (2005), o temperamento se refere às tendên- cias de respostas previsíveis por parte da criança aos eventos ambien- tais. O temperamento sofre influências genéticas, mas sem dúvida, o ambiente influi tanto quanto a genética. O temperamento é percebi- O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 59 do como os níveis de atividade, irritabilidade, sociabilidade e inibição comportamental. Essas características do comportamento são relati- vamente estáveis no decorrer da vida e podem antecipar sua forma de manifestação na vida adulta. O temperamento é fator importante nos processos de adaptação da criança e, por isso, pode ser um fator que compõe o desenvolvimento na primeira infância. Para melhor adapta- ção, é desejável que haja um “encaixe” entre as características tempe- ramentais dos pais e da criança. Retomando a teoria do apego, é interessante saber que em geral a angústia de separação tende a diminuir a partir do segundo ano de vida. Isso acontece por conta do amadurecimento intelectual das crian- ças, além de já terem capacidade subjetiva para certas elaborações simbólicas, ou seja, as crianças já entendem o afastamento e têm se- gurança de seu reencontro com as pessoas e os objetos aos quais se vinculou afetivamente. Nesse período, a criança já anda e já fala, essas aquisições garan- tem para as crianças condições para que se aventurem na exploração dos ambientes e das novidades, o que coincide, portanto, com uma maior abertura socializadora. Assim, é desejável que nesse tempo do desenvolvimento as crianças sejam incentivadas no convívio com ou- tras crianças, pois já podem ampliar suas relações sociais para além da família e, por isso, aos 2 anos, muitas passam a frequentar a pré-escola, sendo esse um momento enriquecedor na aprendizagem e no desen- volvimento integral como ser biopsicossocial. Para saber mais sobre a primeira infância, indi- camos o livro Psicanálise e ações de prevenção na primeira infância, que versa sobre o desenvolvimento infantil sob a perspectiva da prevenção, dos sinais precoces de risco psíquico e da possibilidade de inter- venções que favoreçam à saúde mental. KUPFER, M. C. M.; BERNARDINO, L. M. F.; MARIOTTO, R. M. M. (org.). São Paulo: Escuta, 2012. Livro CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento humano tem como objeto de estudo os processos que se iniciam desde a concepção até a morte. Com a concepção, na vida intrauterina, há um intenso desenvolvimento que abarca o período germi- nal, o período embrionário e o período fetal. Durante o pré-natal, embora haja uma primazia biológica, sabemos que os estados emocionais da mãe produzem interferências que geram efeitos no ser em formação. O nascimento inaugura uma fase em que a relação entre mãe e bebê é crucial para o desenvolvimento saudável. O ser humano é marcado pela dependência do outro, que ao dispender cuidados básicos e suprir suas necessidades básicas de desenvolvimento, o humaniza e o insere na ordem simbólica da cultura. Nesse processo, destaca-se a importância da afetivida- de, da linguagem e das histórias, pois o cuidado também é humanizador. O 60 Psicologia geral e do desenvolvimento ser humano é, portanto, essencialmente relacional e seu desenvolvimento saudável vai depender da qualidade relacional a qual está exposto. O desenvolvimento, na sua complexidade, é fruto do singular arranjo entre as dimensões biológicas, psíquicas e sociais, que se inter-relacionam. O desenvolvimento físico, por sua vez, acontece de modo interdependen- te e simultâneo ao desenvolvimento emocional e social. A partir da concepção e os sucessivos processos biológicos da vidaintrauterina, o nascimento e o desenvolvimento do bebê até a primeira infância constituem a base de todo o desenvolvimento que o ser humano terá na vida. É incrível como há alguns equívocos no senso comum, que consideram que essas fases têm importância menor na vida, porque su- põem que a compreensão por parte da criança é menor, que sua capaci- dade de memorização é ineficiente, a criança “não lembra e não entende”, terrível engano! O desenvolvimento na primeira infância e suas experiên- cias são determinantes e representam o alicerce sobre o qual as fases posteriores se apoiarão e se desenvolverão. ATIVIDADES 1. Quais as fases do desenvolvimento do ser humano que correspondem à vida intrauterina? 2. Descreva brevemente os tipos de reflexos presentes no recém-nascido. 3. Por que a fase do desenvolvimento correspondente à primeira infância é tão importante? REFERÊNCIAS BOWLBY, J. Cuidados maternos e saúde mental. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020. CERNACH, M. C. S. P. In: PINTO, G. C. (coord.). A mente do bebê: o fascinante processo de formação do cérebro e da personalidade. São Paulo: Duetto Editorial, 2008. DOLTO, F. 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Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. SHAFFER, D. R. Psicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. SPITZ, R. A. O primeiro ano de vida. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. TEIXEIRA, A. B. do. R. O que você vai ser quando crescer? As histórias têm papel central na estruturação psíquica do bebê. In: PINTO, G. C. A mente do bebê: o fascinante processo de formação do cérebro e da personalidade. São Paulo: Duetto Editorial, 2008. THOMAN, E. B.; WHITNEY, M. Sleep states of infants monitored in the home: individual diferences, developmental trends, and origins of diurnal cyclicity. Infant Behavior and Development, v. 12, p. 59-7, 1989. WALTER, C. Fisiologia do choro: um fio de lágrima. In: PINTO, G. C. A mente do bebê: o fascinante processo de formação do cérebro e da personalidade. São Paulo: Duetto Editorial, 2008. WENDLAND, J. Alojamento conjunto: junto de minha mãe. In: PINTO, G. C. A mente do bebê: o fascinante processo de formação do cérebro e da personalidade. São Paulo: Duetto Editorial, 2008. 62 Psicologia geral e do desenvolvimento 4 O desenvolvimento da infância à adolescência O desenvolvimento humano passa por um longo processo que inclui o crescimento físico, a maturação e a aprendizagem, sendo que esses três fatores incluem características genéticas, experiên- cias e características do ambiente, além das instâncias culturais e sociais que contextualizam a vida do ser humano. Neste capítulo, abordaremos as fases da infância até a ado- lescência, sob a perspectiva da Psicologia do Desenvolvimento. Serão definidas as principais características do desenvolvimento físico, cognitivo, psíquico e social do ser humano em cada uma dessas fases. 4.1 O desenvolvimento na segunda infância Vídeo As fases do desenvolvimento no estudo da Psicologia do Desenvol- vimento Humano podem ser divididas e designadas da seguinte forma: • primeira infância, que abarca o período desde o nascimento até os 2 anos de idade; • segunda infância, que abarca o período pré-escolar, dos 2 aos 6 anos de idade; • terceira infância, que abarca o período escolar e a também cha- mada meninice, indo dos 6 aos 11 anos; • adolescência, que abarca a consolidação da puberdade e cujo pe- ríodo cronológico é dos 12 aos 20 anos. Vamos conhecer as características da segunda infância, a qual é um momento da vida em que o desenvolvimento é muito intenso e, por isso, trata-se de um período bastante investigado pelos estudiosos da O desenvolvimento da infância à adolescência 63 Psicologia do Desenvolvimento Humano, o que frutificou e consolidou muitas teorias. Iniciemos pelo entendimento do que se passa na instância física, em relação ao desenvolvimento nessa fase, sem nunca perder de vista que todo e qualquer desenvolvimento, ainda que predominantemente se dê em uma instância específica, é sempre interdependente das demais instâncias (física, cognitiva, psíquica e social). Com relação ao crescimento, Shaffer (2005) destaca que o desenvol- vimento do corpo, além de se manifestar de modo irregular, apresenta variações de indivíduo a indivíduo. As variações ocorrem também, se- gundo o autor, de cultura para cultura, e isso se explica tanto em razão dos fatores hereditários quanto em razão dos fatores ambientais, entre eles alimentação e doenças, e até mesmo dos fatores emocionais, que produzem diferenças significativas na velocidade do crescimento e na estatura média alcançada. Com relação ao desenvolvimento motor, as habilidades motoras implicam no movimento coordenado dos músculos, e esse processo depende de certa maturação cerebral. Apesar das variações, é possível definir que aos 2 anos de idade a criança anda bem, consegue subir e descer da mobília, corre, sobe e desce escadas sozinha usando os dois pés por degrau; entre 3 e 4 anos de idade, a criança já é capaz de subir e descer escadas alternando os pés; entre 4 e 5 anos, ela conquista a habilidade de saltar (PLATT, 2007). As habilidades motoras finas, que envolvem coordenação dos mús- culos dos braços e das mãos, assim como a coordenação mão-olho e a coordenação espacial, vão progressivamente aumentando e se conso- lidando durante a segunda infância. O desenvolvimento sensorial é muito importante, pois a percepção é fundamental para todas as instâncias do desenvolvimento humano. Afinal, é por meio das habilidades sensoriais que a criança processa informações, organiza e compreende as experiências e interage com o ambiente do seu entorno. Segundo Platt (2007), aos 2 anos de idade a criança examina aten- tamente ilustrações de livros, reconhece-se em um retrato, abre caixas para descobrir o que há dentro delas, é atenta às conversas e dança espontaneamente ao ouvir música. Aos 3 anos de idade, ela sabe a diferença entre um objeto grande e um pequeno, pode separar obje- 64 Psicologia geral e do desenvolvimento tos de acordo com a forma e a cor deles, responde a perguntas e se entusiasma com as histórias. Já aos 4 anos de idade, pode conhecer e nomear as cores, é capaz de sentir prazer com rimas e fonemas, con- segue lembrar partes de histórias e tem sua concentração ampliada. Aos 5 anos de idade, já é possível a ela acompanhar e participar das conversas dos adultos; geralmente é atenta e consegue se manter con- centrada por mais tempo. Dos 2 aos 6 anos de idade, período que abrange a segunda infância, há um grande desenvolvimento no que se refere ao uso da linguagem. Se aos 2 anos a criança é capaz de nomear objetos familiares e ini- ciar a formação de breves frases – pois seu vocabulário conta com o número aproximado de 200 palavras –, entre 3 e 4 anos de idade há uma ampliação incrível. A criança passa a usar mais de mil palavras e, segundo Platt (2007), já compreende muito mais. É nesse momento que as frases produzidaspassam a ser mais longas, com muitos verbos e adjetivos. O mesmo autor ressalta ainda que entre 3 e 5 anos de idade o desenvolvimento da comunicação é simultâneo à inclusão de ou- tras pessoas no mundo da criança, sobretudo outras crianças, com as quais interage e faz vínculos de amizade. Nessa fase, a linguagem corporal também vai ficando mais complexa, pois a criança combi- na gestos convencionados com gestos individuais e cria significados na sua forma de se expressar. É possível observar que entre 4 e 5 anos há ganhos importan- tes, pois, além de ampliar o vocabulário, que pode chegar a mais de 1.500 palavras, a criança já é capaz de expressar sentimentos e ideias. Isso nos leva a pensar na importância do meio, ou seja, na forma como os adultos lidam com a criança, no sentido de pro- mover espaço e diálogo que sustentem esse desenvolvimento tão relevante na constituição psíquica. Aproximadamente a partir dos 3 anos de idade, a criança apresen- ta muita curiosidade e faz muitas perguntas; é a conhecida fase dos por quês, que marca de maneira interessante esse período. Sobre essa fase, Freud (1996, p. 86) teoriza que a criança “manifesta no prazer in- cansável que sentem em fazer perguntas” uma questão sobre sua ori- gem, “de onde vêm os bebês?”, e que a fase dos por quês é uma forma O desenvolvimento da infância à adolescência 65 substitutiva da curiosidade original que, mais tarde ainda, transforma- -se em interesse intelectual, ou seja, em desejo de aprender. Voltolini (2006) destaca a ideia de que certa insatisfação com as explicações dos adultos em relação às suas indagações lança a crian- ça a um exercício importantíssimo de teorização. Esse autor lembra, ainda, que esse enigma sobre a “origem de sua vida” persistirá sendo uma questão eterna para o ser humano. De certa forma, nunca aban- donamos a fase dos por quês, talvez porque mais uma vez devêsse- mos considerar que não se trata de uma fase – portanto, com um fim determinado –, mas de um elemento da estrutura da razão humana (VOLTOLINI, 2006). É ideal que os adultos não se incomodem com as interrogações infantis e possam suportá-las. Não se pode ignorar que a maneira como os adultos do entorno da criança acolhem ou reprimem sua curiosidade tem papel importante na futura relação dessa criança com seu desejo de saber e sua aprendizagem. Consideremos que aos 6 anos de idade a criança já adquiriu uma boa gama de habilidades de linguagem e está muito mais proficiente em fazer relatos. Por essa rezão, é importante que os adultos conver- sem com ela e a escutem, pois nessa fase ela já sente os benefícios emocionais de contar suas percepções, pensamentos e experiências, sendo esse um momento muito rico para o exercício das trocas e orien- tações que favorecem a qualidade do vínculo e da educação que resul- ta dele. Na nossa cultura, o momento da segunda infância coincide com a vivência na pré-escola, o que favorece o desenvolvimento global da criança, que passa a ter atividades sistemáticas que estimulam seu de- senvolvimento de maneira geral. A experiência pré-escolar tem se mos- trado muito importante fisicamente, cognitivamente, psicologicamente e socialmente para a criança. Conforme a teoria piagetiana, a segunda infância corresponde ao período pré-operacional do desenvolvimento cognitivo, caracterizado pelo fato de que as operações mentais da criança se limitam aos signi- ficados imediatos do mundo infantil (ROSA,1993a). Nessa fase também podemos localizar o chamado egocentrismo, que se trata, como o pró- prio nome revela, de uma forma subjetiva de se posicionar, na qual a criança tende a tomar-se como centro, tendo dificuldade em se colocar no lugar do outro, aceitar pontos de vista diferentes do seu e mesmo 66 Psicologia geral e do desenvolvimento abrir mão do seu desejo, dividir brinquedos etc. Seu mundo cogniti- vo constitui o chamado pensamento intuitivo, que pode ser entendido como o ato de captar o aspecto aparente da realidade (FALCÃO, 1999). Progressivamente, a criança alcança uma ampliação na forma de pensar, atingindo o domínio do simbolismo, em que um objeto ou ges- to pode representar algo distinto do que é percebido. É o domínio do simbolismo que capacita a criança para a linguagem matemática e a linguagem verbal. Rosa (1993a) explica que a criança entende as coisas por meio das propriedades ativas que elas possuem, que o mundo é representado para criança de modo icônico – ou seja, de modo visual perceptivo – e que o processo de descentralização possibilita a percep- ção de mais de um aspecto, dado ou objeto de uma só vez. Quanto ao desenvolvimento psicossocial da criança desde o início da segunda infância, podemos destacar a formação de um conceito de eu que tem como facilitadora a própria linguagem, ou seja, a capacida- de de nomear o mundo faz com que a criança possa nomear a si mes- ma. É ainda nesse processo de constituição de ideias sobre si mesma que a criança incorpora sua identidade sexual e se adapta à cultura da sociedade na qual está inserida. Há o desenvolvimento da consciência moral que implica em uma internalização sobre o certo e o errado, o que anteriormente era sus- tentado de maneira externa, com base na aprovação ou repreensão dos outros, ou na imitação de comportamentos, passa a agir como uma consciência, sendo comum momentos de angústia e sentimento de culpa. Mais uma vez, destacamos a importância das interações da família nesse processo para que a criança tenha um desenvolvimento psicossocial saudável, saindo do egocentrismo e desenvolvendo empa- tia e recursos emocionais para lidar com seus sentimentos. A agressividade, por exemplo, faz parte da vida humana, sendo in- clusive uma parte muito importante do psiquismo, porém, a civilida- de impõe que as crianças aprendam a manifestar sua agressividade dentro de padrões socialmente aceitos. Assim, o desenvolvimento da linguagem associado ao desenvolvimento subjetivo e às interações na família e na escola é que institui parâmetros que organizam o modo como a criança manifesta sua agressividade. O livro O brincar e a realidade promove reflexões acerca do de- senvolvimento e aponta as origens da criatividade e a importância da brin- cadeira e do relaciona- mento com as crianças. O autor é um dos psicanalistas de maior destaque na produção teórica sobre a infância. Sua teoria contribuiu com conceitos fundamentais para a compreensão da psicologia do desenvolvi- mento, esclarecendo as dinâmicas das relações fundamentais da criança consigo mesma, com os objetos e com os outros humanos. WINNICOTT, D. W. São Paulo: Ubu, 2019. Livro O desenvolvimento da infância à adolescência 67 Como pudemos constatar, a segunda infância é uma fase de intenso desenvolvimento em todos os sentidos, sendo um período fundamen- tal e determinante para o ser humano em todas as outras fases do seu desenvolvimento. 4.2 O desenvolvimento na terceira infância Vídeo É considerada terceira infância o período dos 6 aos 11 anos de idade, também chamada de meninice ou fase escolar. Esse período é caracteri- zado por um crescimento relativamente menos intenso se comparado às fases anteriores, mas representa um grande desenvolvimento em termos psíquicos e sociais. É a fase em que as mudanças psicológicas são significativas e a criança adquire determinadas habilidades essenciais à sobrevivência do organismo como ser social, por exemplo, a habilidade de se ex- pressar. O desenvolvimento da personalidade nessa fase, segundo a psicanálise freudiana, implica no desenvolvimento de mecanismos de defesa inconscientes no psiquismo. Esses mecanismos de defesa estão a serviço da manutenção do eu; isso significa, de modo simplificado, que há uma tentativa por parte do psiquismo de constituir e manter uma ideia consciente sobre si mesmo e a imagem que os outros têm a respeito de nós. Nesse sentido, a vivência social é importantíssima para o desenvolvi- mento desses processos, pois,com base nela, criam-se condições de al- teridade, tão essenciais nas identificações e na construção da identidade. Com relação à identidade, é importante considerar que o social participa da consolidação da identidade sexual nessa fase de desenvolvimento. Rosa (1993a) destaca que, segundo a teoria de Erick Erikson (1902-1994), a crise psicossocial da idade escolar se encontra nos polos produtividade versus inferioridade e que, dependendo do resultado da solução dessa crise evolutiva, a criança pode emergir como ser capaz e produtivo ou como alguém com um profundo e persistente sentimento de incompetência e de inferioridade, o que nos leva a pensar na impor- tância desse momento em que a criança apresenta suas produções, especialmente na escola, que representa um ambiente coletivo. 68 Psicologia geral e do desenvolvimento Com relação à vivência coletiva, cabe destacar que a escola represen- ta uma instituição regida por regras e leis que reproduzem a organização da sociedade, na qual todos estão submetidos aos limites e às regras. A adaptação, no bom sentido, implica no desenvolvimento da capacida- de da criança de preservar sua individualidade, ao mesmo tempo em que compartilha da mesma posição que seus semelhantes, e, ainda, de- senvolver tolerância com as diferenças. Esses desafios psicossociais, por- tanto, encontram na escola seu melhor lugar, visto que a escola encarna o “outro social”, de maneira instituída e fora do sistema familiar. Kupfer (2007) amplia a função da educação formal quando diz que a escola não é somente um lugar para se aprender os conteúdos, pois nela, por meio das leis que regem as relações humanas e do ofere- cimento de lugares sociais veiculados pelos discursos, a criança sub- jetiva-se. Nesse sentido, a escola é uma instituição de grande poder, na medida em que oferece ao sujeito o sentimento de identidade, de pertença, de inserção social. “A educação deve produzir um efeito organizador ajudando a criança a construir um simbólico onde possa viver” (SPELLER, 2004, p. 91). Speller (2004) enfoca a importância, para qualquer ser humano, de encontrar um lugar onde possa se inscrever subjetivamente; ou seja, a educação deve possibilitar à criança encontrar um lugar no seu meio social. Na mesma direção, Almeida (2001) enfatiza a função da educação como a de promover o encontro da criança com a alteridade e com a cultura, implicando na filiação e, portanto, no reconhecimento do lugar de cada sujeito na cadeia de transmissão. Esse contexto corrobora com a perspectiva do desenvolvimento cognitivo, pois segundo a teoria de Piaget, a terceira infância se localiza no estágio das operações concretas, em que o pensamento da criança lhe permite a interpretação de eventos, mas ainda com apego à concre- tude real e bastante voltada para o ajustamento psicossocial. Ou seja, a teoria piagetiana também aponta a importância dos grupos entre se- melhantes e o estabelecimento de parcerias como forma de exercícios sociais realizados pelas crianças, pois as habilidades interpessoais são estimuladas por meio das atividades, sejam elas lúdicas ou organizado- ras de produções das crianças. Cabe mencionar que na teoria de Henri Wallon (1879-1962) há uma classificação que se refere ao estágio categorial que corresponde à mesma faixa etária da terceira infância (entre 6 e 11 anos de idade O desenvolvimento da infância à adolescência 69 aproximadamente). Esse estágio é descrito como um período de acen- tuada predominância da inteligência sobre as emoções, no qual cog- nitivamente operam a memória e a atenção voluntária, além de ser esse o estágio em que a criança passa a ser capaz de formar conceitos abstratos que abarcam vários conceitos concretos. O poder de abstração mental da criança é ampliado de maneira importante e, assim, o raciocínio simbólico se torna uma ferramen- ta cognitiva e se consolida como tal. Pode-se dizer que a criança se apega a certa racionalidade a respeito da significação das coisas do mundo e a aprendizagem acontece no encontro com conhe- cimentos novos, os quais inicialmente causam desconforto pela experiência de desconhecimento, mas esse desconforto depois é substituído pela satisfação da aquisição e do desenvolvimento de mais conhecimento, que a médio e longo prazo colabora para a formação de valores e princípios. A aquisição de conhecimento – ou a aprendizagem, de modo geral –, assim como a vivência escolar, ocupa um lugar privilegiado entre os interesses da criança nessa fase. A escola, portanto, repre- senta um conjunto de elementos bastante investidos pela criança, sendo uma fase importante para o exercício do desejo de aprender, na qual a criança deve ser incentivada a ler, pesquisar e produzir. Fica claro como a escola possui papel relevante para o desenvol- vimento do ser humano, especialmente na terceira infância, pois ela oferta modelos à criança além daqueles aos quais ela tem aces- so na convivência familiar, ampliando assim suas noções sobre os diferentes papéis sociais, as relações com a autoridade e com as regras que favorecem a autoavaliação e o autoconceito com base no lugar que ocupa. O desenvolvimento do juízo moral é também teorizado por Piaget, que o distingue em fases, e a fase que corresponde à ter- ceira infância é a heteronomia, caracterizada por uma certa rigidez às regras; como já explicado, apenas no final da segunda infância a criança adquire uma internalização moral. A agressividade já alcançou certa modulação com base nos pa- râmetros de civilidade e aparece de maneira inadequada quando a criança é agredida em seu meio, ou quando não adquiriu recur- sos simbólicos suficientes para lidar com ela. Em ambos os casos, 70 Psicologia geral e do desenvolvimento os fatores que influenciam os padrões de comportamento agres- sivo podem ser identificados pelo meio e pela forma com que os outros se relacionam com a criança, bem como pela cultura predo- minante na qual ela está inserida. Desse modo, podemos afirmar que o sentimento de pertença, a segurança, experiências de cooperação etc. são fatores que equi- libram emocionalmente a criança. Castigos físicos, violência psico- lógica, sentimento de rejeição, rivalidades excessivas em grupo, baixa autoestima, entre outras situações, podem causar dificulda- des psicossociais nas crianças. Nessa faixa etária, aproximadamente a partir dos 10 anos, as crianças iniciam o processo da puberdade, que, apesar de ser uma fase passageira, é muito marcante e fundamental no desen- volvimento humano. Na puberdade ocorrem importantes mudan- ças físicas, psíquicas e sociais. Por meio do estudo da idade óssea, que consiste na análise de radiografias dos punhos e das mãos, é possível identificar o poten- cial de crescimento que a criança ainda tem e sua relação com a puberdade. O tamanho e a forma do corpo começam a se transfor- mar em virtude da ação dos hormônios. Há o início do aparecimen- to de pelos nas axilas e na região do púbis. Nas meninas, o corpo fica mais acinturado e há o início do desenvolvimento das mamas. O processo de puberdade finaliza com a menarca nas meninas e as emissões noturnas nos meninos, que marcam o início da fase da adolescência. Entre as mudanças em termos psicológicos e sociais, podemos destacar a labilidade emocional, alterações bruscas de humor e momentos de angústia que podem estar associados às questões de identidade, perda do corpo infantil e ressignificação do seu lu- gar subjetivo. Não é mais tão criança, mas também ainda não é ma- dura, alternando momentos em que deseja se autoafirmar como independente e outros em que se coloca como dependente. É necessário ter compreensão, afeto e muito diálogo, além de regras que ajudem o pré-adolescente a se organizar internamente e atravessar essa fase de maneira saudável. A família, especialmen- te os pais, por vezes, deve elaborar certo luto em relação às repre- sentações mais infantis, pois é como uma despedida da infância, Parasaber mais, indicamos a leitura do livro Etapas decisivas da infância, de Françoise Dolto. A autora é uma pediatra e psicanalista francesa cujo estudo e teorização trazem um olhar muito interessante a respeito do desenvol- vimento. No livro, o leitor encontrará referência aos momentos importantes e decisivos pelos quais a criança passa no percur- so do seu desenvolvimen- to. A autora enriquece os temas abordados com relatos verídicos e exemplos cotidianos que favorecem a compreen- são e trazem concretude simbólica para a teoria. DOLTO, F. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Livro menarca: nome dado à primeira menstruação da mulher e é uma das últimas fases da puberdade. O primeiro ciclo tende a acontecer entre os 10 e 15 anos. emissões noturnas: espécie de excitação nos órgãos sexuais durante o sono, podendo ser com ou sem ereção e causar orgasmo e/ou ejaculação. Glossário O desenvolvimento da infância à adolescência 71 na qual o ser humano causa certo estranhamento em relação ao seu entorno e àqueles que com ele convive por apresentar com- portamentos, gostos e reações diferentes dos que todos estavam habituados e reconheciam. 4.3 O desenvolvimento na adolescência Vídeo Antes da entrada na fase da adolescência propriamente dita, esta- belece-se a pré-adolescência. É em torno dos 10 anos para as meninas e de 13 anos de idade para os meninos que a puberdade se inicia. Con- solidada a puberdade, começa a adolescência. Com relação ao crescimento, na adolescência há significativo desen- volvimento, não somente em altura e peso, mas também na aparência, pois o adolescente passa a ser mais próximo de como ficará quando atingir a idade adulta. É possível identificar que as meninas que passaram pela puberdade tiveram o aumento das mamas e o aparecimento dos pelos, além do alargamento da estrutura dos quadris como resultado do desenvolvi- mento do osso pélvico que é acompanhado do aumento dos ovários, do útero e da vagina. Após a menarca, o crescimento em altura fica um pouco mais lento do que vinha acontecendo por meio do chamado es- tirão de crescimento, que acontece durante o início da puberdade. Nos meninos, acontece o desenvolvimento dos testículos, o pênis aumenta de tamanho e há o surgimento dos pelos pubianos, além do surgimento de pelos nas axilas e de barba. O menino passa a ser capaz de ejacular e é possível identificar alteração na voz, que passa a oscilar entre uma voz mais grossa e uma mais infantil, até que finalmente se estabiliza e se torna mais grossa. Fatores genéticos, culturais, nutricionais e emocionais interferem nas variações temporais em relação ao momento em que esse desen- volvimento ocorre, sendo a cronologia um critério convencionado pela média aproximada em relação às transformações, embora essas trans- formações sigam uma sequência padrão. Rosa (1993b) aponta que o rápido crescimento nessa fase exige um investimento de energia e causa certo grau de fadiga, entre outros sintomas desfavoráveis. O autor considera ainda que, ironicamente, a fadiga e a falta de disposição para as atividades físicas ocorrem exa- 72 Psicologia geral e do desenvolvimento tamente no período em que a sociedade faz uma série de exigências ao adolescente, as quais demandariam dele considerável energia durante a puberdade. Fisiologicamente, podem ocorrer perturbações gástricas, alte- rações de apetite causadas pelas transformações glandulares e pe- las mudanças quanto ao tamanho e à posição dos órgãos internos, de modo que essas mudanças podem atrapalhar as funções digestivas (ROSA, 1993b). Outra observação é que as adolescentes, principalmente durante os primeiros períodos menstruais, frequentemente sofrem com dores de cabeça, dores nas costas, câimbras, cólicas abdominais, irritações na pele e inchaço das pernas e dos tornozelos (ROSA, 1993b). Esse con- junto de mal-estares colabora para que as adolescentes apresentem maior irritação no período que antecede e que compreende a mens- truação. Na maioria dos casos, esses sintomas tendem a diminuir à medida que os ciclos e os hormônios regularizam. Porém, parte das adolescentes continuam tendo certo mal-estar físico e emocional por toda a vida durante seus períodos menstruais. Na adolescência, em função do processo de desenvolvimento hor- monal e corporal, podemos afirmar que o ser humano atinge a maturi- dade sexual a nível fisiológico. Porém, psicologicamente, considera-se que a maturidade plena para reprodução se dá apenas na idade adulta, sendo a gravidez na adolescência um problema social, o qual as esco- las e as políticas públicas de saúde procuram trabalhar no sentido da prevenção. A sexualidade é uma questão importante na vida do ser humano, e essa fase traz suas peculiaridades tanto no sentido dos impulsos sexuais que surgem de modo intenso na adolescência – quando geralmente ocorrem as primeiras experiências de atração e de contato sexual – quanto na im- portância da sexualidade no que se refere à identidade sexual. Na adolescência, a autoimagem corporal e subjetiva se relaciona à identidade. As experiências do adolescente em seu seio familiar e a qualidade das vivências nos grupos de semelhantes, assim como o lugar que ocupa socialmente, têm impacto sobre os movimentos de autoafirmação e por vezes de inibição. O desenvolvimento da infância à adolescência 73 Assim, a adolescência é um período no qual pode haver certo estra- nhamento, visto que, muitas vezes, o adolescente passa a não se envol- ver mais em atividades que anteriormente apreciava. Às vezes, deseja passar seu tempo sozinho, concentrado em devaneios, projeções imagi- nárias que lhe são prazerosas, além de comumente se entregar aos jo- gos eletrônicos, às redes sociais e aos demais atrativos eletrônicos, o que tem sido objeto de preocupação para os pais, educadores e psicólogos. Pode haver também temporário desinteresse em relação aos estu- dos e às atividades escolares, como se sua energia estivesse tão vol- tada para seu próprio desenvolvimento físico, psíquico e social, além de seus conflitos, que não restasse energia disponível para investir no conhecimento formal. Frequentemente, o adolescente é invadido pelo sentimento de tédio e incompreensão, por julgar que os adultos não o entendem. Esse contexto somado à tendência hostil e a um aumento do olhar crítico do adolescente pode resultar em muitos conflitos com os pais e os adultos que encarnam certa autoridade. Intimamente, o adolescente vive certa insegurança, aumento da ansiedade e elevado receio de falhar socialmente e frustrar as ex- pectativas dos outros. Desse modo, podemos interpretar que seu comportamento configura uma forma defensiva de reagir a esse momento tão complexo. O desconforto físico, um certo desajeitamento motor causado pelo rápido crescimento, o desenvolvimento de questões subjetivas sobre si mesmo, seus interesses e sua personalidade somados às exigências sociais podem culminar em hostilidade para com os outros. Uma leitura psicológica sobre esse momento é que, para realizar essa transição entre a infância e a adultez, o adolescente sente necessi- dade de desautorizar os pais, os professores e demais adultos que, até então, eram modelos para ele como forma inconsciente de autorizar a si mesmo, assumindo uma posição diferente daqueles que outrora representaram possuir mais saberes e virtudes. Geralmente, esse processo é difícil para os pais, que precisam se reposicionar de modo a não cristalizar rivalidade e, ao mesmo tempo, acolher o adolescente em suas peculiaridades e diferenças, sem recuar da sustentação dos limites que funcionam como orga- 74 Psicologia geral e do desenvolvimento nizadores fundamentais para que o adolescente se desenvolva psi- quicamente saudável. Rosa (1993b) aponta que na adolescência há uma crescente cons- cientização das expectativas da cultura da qual se pertence, ou seja, há uma elaboração sobre o que o adolescente compreende do que osoutros esperam dele. Ao mesmo tempo, nessa fase ele é capaz de se autoavaliar e definir o conceito de sua importância pessoal e de seu status aos olhos dos outros, o que também favorece certa insegurança em relação à imagem que sustenta socialmente. Mesmo a forma com a qual o adolescente lidará com suas mudanças corporais está relacionada ao sentimento de segurança. Esse conjunto que compreende as representações psíquicas sobre si mesmo inter- fere na compreensão de suas limitações e capacidades, assim como a suportabilidade das frustrações inerentes à vida do ser humano. Segundo a teoria walloniana, além das transformações físicas e psi- cológicas, o adolescente vivencia vários conflitos internos e externos, o que o leva à aquisição de recursos dialéticos na perspectiva da cogni- ção e da aprendizagem, pois, ao fazer certas oposições, o adolescente aprofunda o pensamento, desenvolve ideias e lida com as diferenças e com as identificações. Nesse sentido, o adolescente entra em contato com seus sentimen- tos, estabelece seus próprios valores e busca responder à questão so- bre quem é. Esse exercício cognitivo e subjetivo cria condições para pensamentos mais abstratos e complexos. A teoria piagetiana classifica a adolescência no estágio operacional formal que se caracteriza pelo predomínio das representações por meio da linguagem, sem necessidade da concretude como antes. Há, nesse estágio, a aquisição do raciocínio hipotético-dedutivo que exige capacidade de abstração, no qual o ser humano é capaz de criar hipó- teses e alcançar o conhecimento das ciências filosóficas. Aliás, existe particular interesse nos pensamentos por parte do ado- lescente, já que ao alcançar esse nível cognitivo, ele amplia seu desen- volvimento intelectual e passa a fazer leituras próprias, muitas vezes críticas, a respeito de sua família e seu sistema social, de modo a pro- duzir teorias sobre política, sociedade, religião etc., ou seja, sobre o que está estabelecido e apresenta problemas. O desenvolvimento da infância à adolescência 75 É um momento em que geralmente o adolescente se torna mais propenso a protestar e se mobilizar em relação a causas mais amplas da humanidade. É curioso e interessante pensar que, exatamente no momento em que seu desenvolvimento exige construções particula- res, ele se interesse de maneira intensa pelas causas coletivas. Uma das hipóteses é a de que, justamente por estar sendo difícil e angus- tiante trabalhar psiquicamente com suas próprias mudanças internas, o adolescente se projeta para o externo como forma de defesa psíquica diante também de sua capacidade cognitiva e seu pensamento crítico, o que faz com que pleiteie mudar o mundo. A teoria piagetiana reconhece que a adolescência é um momento fértil em relação à construção de teorias políticas e sociais e à manifes- tação do desejo de transformar o mundo com base em sua forma de interpretá-lo. A introspecção e a teorização sobre as perturbações da vida coletiva surgem também por meio da busca por leituras e da espe- culação filosófica apaixonada, fazendo com que a adolescência seja a idade metafísica por excelência (ROSA, 1993b). A adolescência deve ser entendida como um fenômeno psicológico, pois ela não pode ser considerada somente como um fenômeno bio- lógico, uma vez que é definida também culturalmente. Em outros ter- mos, esse período da vida humana é configurado por diversos fatores simultâneos, como as mudanças físicas, emocionais e cognitivas, cuja repercussão forma um arranjo instituído culturalmente e socialmente. O desenvolvimento humano de maneira geral aponta essa relação entre os seres humanos e seu meio. Como é possível compreendermos na teoria piagetiana, as experiências concretas do sujeito são a base para o movimento de manter o equilíbrio do cognitivo em relação ao meio. Os processos que levam ao amadurecimento biológico e à aqui- sição cognitiva das operações formais representam juntos o ápice do desenvolvimento, e para que esse desenvolvimento ocorra, ele depen- de das condições do meio e das interações possíveis, inclusive no que se refere ao ajustamento e à inserção do adolescente na sociedade. Nesse sentido é que os grupos sociais ganham especial importância na vida dos adolescentes. O grupo familiar, o grupo de amigos e o gru- po escolar, por colaborarem nas definições de identidade e personali- 76 Psicologia geral e do desenvolvimento dade, sustentarem o sentimento de pertença e produzirem retornos sobre o adolescente, contribuem com a construção do autoconceito. Os grupos favorecem os exercícios morais, pois é nas relações que situações impõem certos posicionamentos éticos, o que coloca a capacidade de fazer escolhas à prova. Além das escolhas cotidianas, o adolescente realiza escolhas com motivações inconscientes, como as ligações afetivas de amizade e de namoro. A família, nesse momento, deve favorecer a conquista de certa au- tonomia por parte dos adolescentes, além de sustentar referências que os preparem para a vida em sociedade e para as escolhas que terão que fazer. A escola também tem a função de colaborar com o preparo inte- lectual e estimular o senso crítico, os debates de ideias, os diálogos e demais situações que participam da formação do adolescente como ser integral. Não podemos deixar de considerar que é ainda na adolescência que o sujeito inicia seu processo de escolha profissional, que tam- bém repercute nas identificações que o adolescente constrói. A esco- lha da profissão se dá de maneira complexa, já que abarca os gostos e as habilidades específicas do sujeito em relação a fatores sociais e econômicos. É necessário que o sujeito tenha certo percurso subjetivo de auto- conhecimento para identificar suas vocações, suas limitações, seus de- sejos e suas preferências. Esse é um momento em que o adolescente tem que se apropriar de suas referências para que sua escolha seja bem-sucedida, e isso exige que ele alcance certa maturidade emocional para se desalienar de conceitos por demais idealizados sobre as profis- sões, o status etc. Conclui-se que o processo do desenvolvimento na adolescência se inicia com as transformações corporais da puberdade, passa pela consolidação da identidade e personalidade decorrente de seus con- flitos e culmina nas escolhas que se apresentam e inserem o ado- lescente socialmente, que seriam as escolhas sexuais e profissionais; sem perder de vista que quando nos referimos às escolhas, elas são entendidas como efeito de motivações racionais e de motivações inconscientes. Para saber mais sobre a fase da adolescência, indicamos o livro A família e o desenvolvimento individual, obra em que o autor Donald Winnicott aborda o desenvolvi- mento emocional do adolescente, incluindo em sua perspectiva as relações familiares e sua importância e os fatores de integração no processo que culminará em um indivíduo com sua própria identidade. WINNICOTT, D. São Paulo: Martins Fontes, 2011. Livro O desenvolvimento da infância à adolescência 77 CONSIDERAÇÕES FINAIS Para estudar o desenvolvimento do ser humano, as teorias estabelece- ram fases, as quais reúnem características que nos ajudam a entender o pro- cesso como um todo, envolvendo o crescimento físico, o desenvolvimento de habilidades e a cognição, assim como o psiquismo e a sociabilidade. Nas considerações finais deste texto, após fazermos o percurso teó- rico acerca do desenvolvimento humano, propomos algumas conclusões sobre cada fase abordada. Sobre a segunda infância (2 aos 6 anos de idade), podemos concluir que é um período em que ocorrem muitas mudanças. O crescimento é significativo, assim como o desenvolvimento motor e sensorial. A percep- ção tem papel fundamental para as interações entre o ser humano, os outros, os objetos e o ambiente do seu entorno. Outra grande conquista nessa fase diz respeito à linguagem, que tem forte relação com o pensa- mento; logo, tanto do ponto de vista relacionale social quanto do ponto de vista cognitivo, ela pode ser considerada como um elemento-chave. Nessa fase também se estabelece a pulsão do saber, manifesta nas inúmeras perguntas que a criança passa a fazer. É a famosa fase dos por quês, a qual se transformará em desejo de aprender. O desejo de aprender se consolida na terceira infância (entre 6 e 12 anos de idade), momento em que as vivências da escola são foco importante do interesse infantil. A escola, na condição de instituição, assim como a família, é muito importante para formação e o desenvolvimento das crianças. Ainda na terceira infância, aproximadamente a partir dos 10 anos de idade, a criança se torna pré-adolescente e, na maioria das vezes, as trans- formações biológicas da puberdade têm início. Disso, concluímos que es- sas mudanças repercutem nas demais instâncias da vida da criança, ou seja, emocionalmente, na forma de se relacionar, nas variações de humor, no desenvolvimento de gostos diferentes dos apresentados até então. Esse fenômeno se estende até a entrada na fase da adolescência (en- tre 12 e 20 anos de idade). A adolescência é esse momento de transição entre a infância e a vida adulta, marcado por muitos conflitos, tanto inter- nos quanto externos, já que além de vivenciar angústias, o adolescente tende a ser muito crítico com os outros. Intelectualmente, trata-se de um momento produtivo, pois o adoles- cente é capaz de pensar de modo sensível nas questões sociais, ideológi- cas e políticas. Paradoxalmente, esse momento pode ser de desinteresse escolar, uma vez que o adolescente parece estar por demais tomado com 78 Psicologia geral e do desenvolvimento suas questões físicas, amorosas e de amizade, bem como com as constru- ções subjetivas sobre si mesmo. A adolescência impõe algumas definições, o encontro com a sexualidade, a identidade sexual, a escolha profissional, entre outras responsabilidades, o que exige também habilidade por parte de seus educadores, tanto na fa- mília quanto na escola – habilidade essa no sentido de acolher as questões do adolescente e lhe confiar certa autonomia, mas sem desampará-lo, pois ele ainda precisa de apoio, orientações e limites sustentados pelos adultos. Fechamos este capítulo, após o estudo das características, com a ideia de que é importante tomar a Psicologia do Desenvolvimento como refe- rência, sem que se perca o olhar singular sobre cada sujeito. Trata-se de um erro reduzir o ser humano às fases pelas quais passa. Isso significa dar voz às crianças e adolescentes, estabelecendo diálogos produtivos que revelem sua própria visão sobre si mesmos e sobre o mundo. ATIVIDADES 1. Explique por que o desenvolvimento sensorial é tão importante na segunda infância. 2. Qual é o papel psicossocial da escola na terceira infância? 3. Por que a adolescência é considerada uma fase de muitos conflitos psicológicos? REFERÊNCIAS ALMEIDA, S. F. C. Psicanálise e educação: revendo algumas observações e hipóteses a respeito de uma (im)possível conexão. In: 3o COLÓQUIO DO LEPSI IP/FE-USP. Anais [...] São Paulo: USP, 2001. Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=MSC0000000032001000300011&Ing=pt&nrm=abn. Acesso em: 12 nov. 2020. FALCÃO, G. M. F. Psicologia da aprendizagem. São Paulo: Ática, 1999. FREUD, S. Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. XI. KUPFER, M. C. M. Educação para o futuro: psicanálise e educação. 3. ed. São Paulo: Escuta, 2007. PLATT, M. W. Os incríveis primeiros anos: o livro indispensável do desenvolvimento da criança até os 5 anos. São Paulo: Publifolha, 2007. ROSA, M. Psicologia evolutiva 2: psicologia da infância. Petrópolis: Vozes, 1993a. ROSA, M. Psicologia evolutiva 3: psicologia da adolescência. Petrópolis: Vozes, 1993b. SHAFFER, D. R. Psicologia do Desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. SPELLER, M. A. R. Psicanálise e educação: caminhos cruzáveis. Brasília, DF: Plano, 2004. VOLTOLINI, R. Pensar é desejar. Revista Educação: biblioteca do professor, São Paulo, n. 1, p. 36-45, 2006. Edição especial. O desenvolvimento do adulto à velhice 79 5 O desenvolvimento do adulto à velhice Partindo da noção de que a Psicologia do Desenvolvimento investiga o ser humano desde a sua concepção até a morte, este capítulo se dedica ao estudo e à identificação das principais características das três fases do desenvolvimento humano que correspondem à vida adulta. São elas: • adultez jovem: entre os 20 e os 40 anos de idade, aproximadamente; • adultez madura: entre os 40 e os 60 anos de idade, aproximadamente; • velhice: a partir dos 60 anos em diante. As definições às quais chagamos por meio do conhecimento do ser humano são fundamentais para refletir e intervir no sentido da preservação da saúde e do bem-estar do sujeito, ao atravessar pelas fases da vida, por seus desafios e suas conquistas. Cada período da vida é marcado por características fisiológicas, psicológicas e sociais relacionadas e interdependentes. Os ajusta- mentos a cada momento de desenvolvimento agregam sabedoria ao sujeito, para que ele realize as melhores escolhas e encontre a alegria de viver. 5.1 Adultez jovem Vídeo O período da vida humana nomeado adultez jovem abarca a idade entre os 20 e os 40 anos. A principal característica relacionada a essa fase do desenvolvimento é que ela geralmente corresponde ao momento em que o sujeito se insere efetivamente na sociedade e nela desempenha funções consideradas produtivas. Significa que é nessa fase, consideran- do a cultura ocidental, que definimos o percurso profissional. 80 Psicologia geral e do desenvolvimento Dessa forma, é possível destacarmos como a vida humana é re- lacionada às construções sociais, de modo que é arbitrário definir o desenvolvimento considerando apenas a idade cronológica, pois ele é resultado de uma relação/interação entre a cronologia, a posição subjetiva e o lugar que o sujeito ocupa no mundo. O fato de a profissão, o casamento e a formação de uma família se- rem comumente estabelecidos nesse período da vida reforça a impor- tância dessa fase também para as que a ela se sucederão, pois essas escolhas definem parcialmente o futuro da pessoa. Isso nos leva ao entendimento de que nessa fase o sujeito come- ça a assumir plenamente as funções que a sociedade espera do ser adulto, portanto, uma fase caracterizada de uma série de mudanças na vida, assim como de uma sequência de ajustamentos pessoais e sociais significativos (ROSA, 1996). Fisiologicamente, poderíamos afirmar que essa é a fase repro- dutiva do ser humano. Porém, devemos considerar que ter ou não filhos é algo que também depende das demais condições (sociais, econômicas, culturais e psicológicas) além da fisiológica, ou seja, uma questão que demanda um arranjo de todos os contextos que tocam o sujeito. Ainda com relação ao desenvolvimento físico, o adulto jo- vem vivencia uma espécie de auge, pois é o momento em que o crescimento já está completo e ainda conta com o vigor físico, a agilidade, o tônus muscular e a força, características próprias da juventude (ROSA, 1996; SHAFFER, 2005). No entanto, de maneira sutil, o processo de envelhecimento tem aproximadamente seu início a partir dos 25 anos de idade. Há uma mudança na capacidade auditiva, que diminui, assim como na mas- sa muscular, que passa a ser progressivamente substituída por te- cido gorduroso, fazendo com que haja uma tendência ao aumento do peso. A agilidade nas reações tem seu auge entre a adolescên- cia e os 25 anos, e a partir desta idade também passa a diminuir. Em contrapartida, a concentração aumenta com o avanço da idade (ROSA, 1996). Para Rosa (1996), esse período do desenvolvimento humano é tam- bém a fase criativa por excelência. Credita-se isso à certa libertação das restrições queanteriormente faziam parte da vida, devido à dependên- Para complementar o seu conhecimento da adultez jovem, sugerimos a leitura do livro Cultura e psicologia: questões do desenvolvimento do adulto. Por meio de subtemas, a obra aborda questões que tocam o adulto, articulando-as com os aspectos teóricos da Psicologia do Desen- volvimento Humano, destacando as interações entre elementos indivi- duais e cultura. OLIVEIRA, M. K. de. São Paulo: Hucitec, 2009. Livro O desenvolvimento do adulto à velhice 81 cia e à falta de autonomia em relação aos pais e ao próprio sistema educacional. A hipótese é de que nesse período da vida já é possível pensar e agir por si mesmo, de maneira mais autônoma, podendo dar vazão às potencialidades criativas. Essa característica corrobora a bus- ca de uma estabilidade financeira e um desejo de produção, o qual estimula a procura da expressão das suas habilidades. Davidoff (2000) define que ao longo do seu desenvolvimento o ser humano passa por um processo chamado de ajustamento, que seria uma forma de atender às exigências do eu e do ambiente. Ele se dá por meio dos ciclos de vida e implica a maneira como cada um respon- de aos desapontamentos, às frustrações, às pressões, aos conflitos, ao estresse, às preocupações etc., que são próprios da vida e exigem que o sujeito se posicione. O interessante dessa abordagem trazida pelo autor é articulá-la com o que vínhamos entendendo a respeito desse período do de- senvolvimento, tanto no sentido das implicações geradas pelas es- colhas, que são muito determinantes, quanto no sentido de que estas sofrem influências do ambiente, diante do qual o ser humano busca certo ajustamento. Podemos estabelecer o desenvolvimento cognitivo alcançado nessa fase da vida como responsável, juntamente com o desenvolvimento subjetivo, pela produção das próprias ideias. Segundo a teoria de Piaget, se a partir da adolescência o ser humano adquire a capacidade abstrata, na adultez há uma produção de conhecimento da vida influenciada pela personalidade, pelas experiências e pela cultura do sujeito. Outro aspecto importante a ser levantado a respeito da adultez jovem se refere à socialização. Se na fase da adolescência os grupos exerciam uma função muito importante para o sujeito, durante a fase da adultez jovem os grupos de amigos, assim como os encontros socia- lizadores, em geral, diminuem em frequência e importância. É possível pensarmos que isso se dê devido a certo amadurecimen- to, o qual faz com que o número de amigos seja menor, porém a pro- fundidade do vínculo e a intimidade sejam maiores. Outra consideração possível é a de que comumente essa fase submete o sujeito ao contexto do trabalho assim como às vidas conjugal e familiar em muitos casos, que ocupam um espaço razoável, restando menos disposição para a vida social em comparação à fase anterior, da adolescência. 82 Psicologia geral e do desenvolvimento A maturidade traz consigo uma dimensão de valores que torna o ser humano mais seletivo nessa fase, prezando mais as afinidades ver- dadeiras do que as superficiais. O sujeito passa a ter maior clareza de seus interesses, hobbies, entre outras preferências. É importante en- tendermos que as preferências são o resultado de um conhecer-se, e a busca do que realmente nos alegra é uma conquista dessa etapa. A Psicologia do Desenvolvimento buscou definir quais são as ta- refas evolutivas exigidas do adulto jovem e elencou-as de acordo com as demandas sociais mais comuns: escolher uma profissão; estabelecer-se profissionalmente; escolher um parceiro amoroso; e formar uma família. Ainda que essas tarefas evolutivas possam fazer muito sentido na maioria das culturas, precisamos ter clareza de que, além da cronologia, elas variam de acordo com o momen- to sócio-histórico e cultural em que o sujeito está inserido. E o que prevalece em comum, como principal característica de adultez, é a tarefa de conquista da autonomia. É importante não perdermos de vista que qualquer tentativa de padronização a respeito dos contextos de vida do ser humano adulto é arbitrária, considerando que é também um momento em que o su- jeito se autoafirma na sua singularidade, como pessoa única. O que podemos, sem correr o risco de assumirmos uma postura reducionis- ta, é mencionar as tendências presentes na nossa cultura, ou seja, na cultura brasileira, ocidental, e ainda assim advertidos de que não é correto generalizar. A autonomia é responsável pela tomada das decisões que sus- tentam a busca dos objetivos do indivíduo. Nessa fase o ser humano parece mais seguro, independente e livre do que na fase anterior do desenvolvimento, a adolescência. Para Rosa (1996), a partir dos 20 anos de idade o jovem adulto toma decisões básicas; já em torno dos 30 anos as decisões são mais funda- mentais e ele pode se aprofundar em sua experiência pessoal. O autor menciona que é comum que a essa altura de seu percurso profissional o indivíduo já tenha angariado alguma promoção, enaltecendo o mo- mento em relação às produções. Ao mesmo tempo, talvez, o adulto jovem seja mais preocupado, pois, além dos ajustes profissionais, vivencia os ajustes sexuais e até sociais. Assim, a independência pode ser analisada em pelo menos três O desenvolvimento do adulto à velhice 83 instâncias: financeira, emocional e social. É importante destacarmos que mesmo quando a independência é alcançada o sujeito é capaz de manter os laços familiares, especialmente com os pais. Ou seja, a ma- turidade representa exatamente a possibilidade de se preservar laços, imprimindo outra forma de relação, diferente da dependência. O ser humano pode ser considerado emocionalmente maduro quando é capaz de amar de uma forma genuína e independente, ou seja, quando recebe e compartilha investimento afetivo, mas sem que o vínculo afetivo implique submissão ou outras formas de relaciona- mento marcadas pela dependência emocional. A independência social inicia já na adolescência, mas é na adultez jovem que se consolida. Ela se relaciona com a capacidade de se co- locar responsável diante do lugar que ocupa socialmente. Significa que ao ocupar um lugar social o sujeito é capaz de se responsabilizar diante das suas obrigações como cidadão, assim como na realização de atividades e como membro de determinado grupo e da sociedade. Conquistar essa independência social é consequência da construção do sentimento de pertença, além da consciência de si e do desenvolvi- mento da sua personalidade. Já a independência financeira é a consequência da sustentação da independência social, uma vez que se dá por meio do posicionamento do sujeito com relação a produções profissionais que gerem renda e que o possibilitem assumir suas responsabilidades financeiras e aten- der às suas necessidades sem depender de seus pais. A escolha profissional e o percurso no qual se insere são questões psicossociais bastante importantes nessa fase do desenvolvimento. A profissão ocupa um lugar de muita importância e faz parte do senti- mento de identidade, pois nos apresenta e nos identifica socialmente. As realizações pessoais ligadas ao trabalho, assim como a remunera- ção adequada e mesmo a maneira como o sujeito investe seu tempo nele, são elementos balizadores para o ser humano e que compõem a forma de sua relação com a sociedade. O casamento é outro fator importante na vida do sujeito, comumente acontecendo na adultez jovem. Novamente é im- portante considerarmos os fatores culturais, conforme afirma Davidoff (2000, p. 575): “o casamento é variadamente definido por diferentes culturas e subculturas em determinadas épocas”. A nos- 84 Psicologia geral e do desenvolvimento sa cultura tem apresentado novas significações para os relaciona- mentos amorosos, mas o casamento ainda continua sendo a forma predominante de relacionamento amoroso e a base da construção familiar para a maioria dos adultos jovens. Além dos fatores sociais e culturais, existemfatores individuais subjetivos e complexos impli- cados na maneira como o ser humano se relacionará amorosamente com alguém. O casamento convoca o sujeito a colocar à prova suas conquistas emocionais, na medida que representa um compartilhamento íntimo de espaço físico, dinheiro, projetos, decisões, responsabilidades, tare- fas etc. É um encontro próximo com as diferenças de personalidade, de educação e de culturas familiares e padrões de comportamento, caracterizando um desafio equilibrar a individualidade, a privacidade, o espaço pessoal e o espaço comum, sendo o diálogo um dos maiores aliados desse desafio. Rosa (1996) destaca como principais ajustes necessários ao casa- mento: ajustamento com relação ao reconhecimento e à aceitação das diferenças do parceiro; ajustamento sexual; ajustamento financei- ro; ajustamento com relação às famílias de origem; e ajustamento da parentalidade, quando esse for o caso. A manutenção do prazer, do respeito, da admiração, da intimidade e da cumplicidade na parceria amorosa é fator importante para que o relacionamento seja satisfatório e bem-sucedido. O término de uma relação pode ser de grande abalo na vida do sujeito, assim como um relacionamento que não é saudável pode trazer prejuízos significativos. 5.2 Adultez madura Vídeo A adultez madura refere-se ao período do desenvolvimento huma- no dos 40 aos 60 anos de idade, aproximadamente, e pode ser cha- mado de meia idade. Caracteriza-se de muitas mudanças físicas, assim como psicológicas, podendo haver uma ressignificação com relação às ideias do indivíduo a respeito da vida. É possível inferirmos que nessa fase o ser humano já adquiriu algu- ma experiência de vida, o que pode caracterizar um aumento do seu repertório e de recursos para lidar com as situações, e que, especial- mente no campo das ideias, já não tem um olhar inflado pelas ideali- O desenvolvimento do adulto à velhice 85 zações. Suas expectativas, por assim dizer, são mais realistas, tanto a respeito de si mesmo quanto da sociedade em geral. Nesse sentido, a maturidade traz uma relação diferente com o tempo. O sujeito geralmente não sente mais como se tivesse “todo o tempo do mundo”, ao contrário, já internalizou a experiência da passagem do tempo, de modo a compreendê-lo como finito. Para alguns, essa vivência pode ser angustiante caso o indivíduo se sinta muito frustrado com as suas realizações e/ou não aceite bem o seu envelhecimento físico. As mudanças físicas podem afetar psicologicamente a sua autoestima e a sua autoimagem. É fato que o envelhecimento causa um aumento de peso, por vezes uma mudança no próprio formato do corpo, além da di- minuição do volume do cabelo, o embranquecimento dos fios e a calvície. Nos homens, os pelos do nariz, das orelhas e das sobrancelhas se tornam mais aramados. Ainda há uma diminuição da elasticidade da pele, o sur- gimento de rugas e manchas, a diminuição da massa muscular, a diminui- ção das acuidades visual e auditiva e a diminuição da potência e da força. Internamenteo organismo também sofre com o envelhecimento. As artérias envelhecem, o que torna a circulação sanguínea menos eficaz, por isso há uma tendência ao aumento da pressão arterial. O sistema digestório trabalha de modo mais lento, e isso acaba por produzir dis- túrbios gástricos. As dores musculares, a fadiga, entre outros descon- fortos são mais frequentes. Claro que fatores hereditários, assim como os hábitos e a história do sujeito, fazem com que o envelhecimento seja mais ou menos intenso. Com a evolução do conhecimento a respeito desses processos, cria- mos uma cultura de cuidados, como a prática de exercícios físicos, a reposição de vitaminas, o uso de cosméticos que suavizam os efeitos do envelhecimento etc. A relação com o envelhecimento também tem a ver com as características da cultura, pois a excessiva valorização da juventude e dos padrões de beleza gera um sentimento de perda aos que envelhe- cem, além de por vezes haver uma obsessiva tentativa de se manter com a aparência jovial por meio de cirurgias plásticas e tratamentos estéticos. Nessa fase o climatério, período hormonal que marca o fim da capaci- dade reprodutiva da mulher, é um processo gradual, em que a produção hormonal vai diminuindo até que culmine na menopausa (interrupção na- Sobre a adultez madura, indicamos a leitura da obra O desenvolvimento humano. Nela as autoras sistematizam todo o tema utilizando as referências cronológicas, além de ilustrações, o que torna o conhecimento acessível, didático e interessante, ao mesmo tempo que muito completo. Na sua última edição foram acrescentados temas contemporâneos com o objetivo de mantê-la atualizada e útil. PAPALIA, D. E.; FELDEMAN, R. D. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013. Livro 86 Psicologia geral e do desenvolvimento tural dos ciclos menstruais). A falta do hormônio estrogênio causa aumen- to dos pelos na face, mudanças na voz (que tende a ficar mais grave), e as curvas do corpo ficam menos evidentes. Na maioria das vezes, é um pro- cesso caracterizado por desconfortos físicos, como alterações repentinas na temperatura corporal, enxaqueca e irritação acompanhadas de reper- cussão no comportamento, sendo por vezes causa de tensões, inseguran- ças, queda da libido, depressão, entre outras instabilidades emocionais. Portanto, esse período do desenvolvimento humano convoca os su- jeitos a se ajustar à sua nova condição física, que na maioria das vezes coincide inclusive com mudanças na atividade produtiva, como a apo- sentadoria. Ao final desse processo, a fisiologia tende a se reequilibrar, mas algumas mulheres podem não superar emocionalmente esse mo- mento e apresentar dificuldade de construir uma nova imagem. Na fase anterior do desenvolvimento, que se refere à adultez jovem, o trabalho é de grande importância para o adulto jovem. Já para o adulto maduro, aposentar-se pode ser entendido como um desafio para o indi- víduo que ocupou grande parte do seu tempo, por muitos anos, com o trabalho. A aposentadoria precisa de uma preparação e um planejamen- to para que seja bem-sucedida do ponto de vista do bem-estar. Nessa fase, o contexto das relações familiares comumente assinala a necessidade de amparo aos filhos (adolescentes e jovens) que es- tão passando por seus ajustamentos e desafios de desenvolvimento, ao mesmo tempo em que os pais estão em pleno processo de enve- lhecimento e demandam atenção e amparo. Para responder a esse contexto, é ideal que o sujeito se encontre estável em relação às suas próprias questões psicológicas e sociais, pois, segundo Rosa (1996), o indivíduo maduro é aquele que já desenvolveu uma série de estraté- gias que lhe permitem lidar com o estresse e responder a ele com deci- sões responsáveis. O autor ainda destaca que o sujeito adulto maduro se caracteriza por ter um senso de competência e autoconfiança. O adulto maduro pode viver um contentamento por se sentir rea- lizado com algumas conquistas profissionais, pessoais e familiares. Pode já ter alcançado uma estabilidade econômica e o reconhecimen- to almejado. Por outro lado, essa fase da vida também é comparada à adolescência em relação ao seu aspecto de transição. A adolescência é um período de transição entre a infância e a adul- tez, assim como a adultez madura se encontra intermediária entre O desenvolvimento do adulto à velhice 87 a juventude e a velhice. Os períodos de transição entre fases do de- senvolvimento humano geralmente são caracterizados por algumas crises. Especificamente, a adultez madura impõe questionamentos sobre a satisfação, as realizações e as escolhas feitas, uma vez que o sujeito se dá mais conta da finitude da vida, e em alguns casos aconte- cem crises no casamento, descuido físico, excesso de trabalho, o que também pode acarretar problemas de saúde. Fica claro que a maneira como o sujeito é capaz de elaborar as mu- danças nesse período da vida vai determinar seu sucesso nas conquistas do desenvolvimentopróprias dessa fase. Muitos sujeitos dispõem de re- cursos psíquicos para acolher as mudanças e se reposicionar com rela- ção ao seu desejo, afinal, chegar à meia idade pode levá-los a refletir de que forma desejam levar a outra metade da vida que lhes resta. Segundo Rosa (1996), parece haver uma tendência à preservação do autoconceito do sujeito entre as fases do adulto jovem e do adulto ma- duro, porém estereótipos presentes na sociedade podem afetar o in- divíduo. É claro que esses recursos psicológicos são interdependentes dos contextos social e cultural. A forma como conseguem se adaptar a essa nova fase e a apropriação da identidade têm efeito nas relações interpessoais que o ser humano sustenta. 5.3 A velhice Vídeo Do ponto de vista do desenvolvimento humano, a partir dos 60 anos de idade o ser humano entra na fase da velhice e passa a ser conside- rado idoso. E parece que esse significante, a velhice, tem um grande peso, devido tanto aos desconfortos físicos que acompanham a chega- da dessa fase quanto ao significado sociocultural, aos estereótipos e ainda à real proximidade da morte. Mais uma vez o bem-estar da pessoa está condicionado à pre- servação de sua identidade, ao seu percurso de vida e às conquistas alcançadas em seu desenvolvimento até então. Muitas vezes o en- velhecimento pode ser acolhido como algo muito negativo, e isso é psicologicamente muito prejudicial. As perdas físicas e intelectuais podem ser amenizadas dependen- do da forma como o sujeito se posiciona subjetiva e objetivamente, realizando boas escolhas, sejam elas saudáveis, como atividade física, 88 Psicologia geral e do desenvolvimento boa nutrição, sejam elas intelectuais, mantendo-se produtivo, criativo e aberto a novas aprendizagens. A autocensura e a autocrítica severa podem inibir o sujeito de seus desejos, demonstrando receio de parecer ridículo diante do olhar dos outros. As crenças autolimitantes de que não é mais capaz também são prejudiciais, por causarem privações e às vezes certo isolamento de participar de atividades e eventos sociais. Embora haja um esforço da sociedade para manter o idoso integrado socialmente, é necessário que ele próprio acredite nesse processo e se permita participar. A própria produção de conhecimento dessa fase da vida é uma das formas de oferecer formação adequada aos profissionais médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, psicólogos etc., para que de maneira interdisciplinar possam intervir favoravelmente para o bem-estar do idoso. A velhice hoje, portanto, é estudada de modo interdisciplinar, na perspectiva do ser humano integral, do ser biopsicossocial. O envelhecimento também se dá nas três dimensões do sujeito: biológica, psicológica e social. Rosa (1996) destaca que ele não é regu- lar, podendo acontecer de maneira mais acelerada para determinado sujeito e ainda em determinada área. Logicamente o envelhecer de- pende da interação entre essas três dimensões. Há certa singularidade quanto a isso, mas existem eventos comuns a todos os seres humanos. Isto é, existem variações individuais condicionadas a fatores biológicos (herança genética) em interação com fatores psicológicos (personalida- de, identidade etc.) e fatores sociais (ambiente, condições econômicas e culturais) que juntas determinam as condições para que o sujeito se mantenha ativo e integrado. Farfel (2009, p. 19) aponta que há uma distinção entre o proces- so natural de envelhecimento, chamado de senescência, e o processo patológico de envelhecimento, denominado senilidade. O autor explica que: a senescência é um fenômeno biológico, universal e inexorá- vel. Comfort (1979) foi quem melhor definiu o processo de en- velhecimento, caracterizando-o como a redução da capacidade de manutenção da homeostasia, em condições de sobrecarga funcional. A senescência é, portanto, o conjunto de modificações orgânicas decorrentes do Processo Natural de Envelhecimento. Implica em perda progressiva da capacidade de adaptação do organismo frente à sobrecarga, porém, sem acarretar qualquer Recomendamos a leitura da obra Velhice: uma nova paisagem. A autora, psicóloga dedicada ao tema, faz um percurso interessante ao nomear questões pertinen- tes à fase da velhice, provocando-nos a pensar o lugar que o idoso ocupa na nossa sociedade, questionando os estereó- tipos e estigmas, abrindo novas perspectivas a respeito da realidade e considerando o aumento da expectativa de vida do idoso no Brasil. ABREU, M. C. de. São Paulo: Ágora, 2017. Livro O desenvolvimento do adulto à velhice 89 prejuízo à autonomia e à independência do indivíduo. Lembrando que os processos dependem da integração de diversos fatores, e entendendo a senescência, podemos avançar na definição da senilidade: A senilidade, por sua vez, é o conjunto de alterações decorrentes de situações de doença, que podem acompanhar um indivíduo ao longo do seu processo de envelhecimento. A sobrecarga decorrente do processo de doença, somada à perda da capaci- dade de manutenção da homeostase, decorrente do Processo Natural de Envelhecimento, desencadeia o surgimento de sin- tomas e determina prejuízo à autonomia e independência do sujeito. (FARFEL, 2009, p. 19) O período do desenvolvimento que abrange a velhice deve ser en- tendido sob a perspectiva da senescência e da senilidade, pois elas são como bússola norteadora quanto ao normal e ao patológico do envelhecer e consequentemente indicam como cada situação deve ser enfrentada e encaminhada. A senilidade, ao contrário da senescência, não é um fenômeno puramente fisiológico, as instâncias psicológica e social são muito importantes nesse processo, pois a lucidez sofre inter- ferência dos fatores emocionais. Há evidências de que os sujeitos que não mantêm certo interesse constante por alguma atividade pós-aposentadoria têm seu envelhe- cimento acelerado (ROSA, 1996). É preciso, portanto, que o indivíduo tenha propriedade e esteja preparado para a redução das funções sociais. Estar preparado significa ter um planejamento de futuro, com metas que o mantenham motivado, engajado e comprometido com algo, para não se entregar ao sentimento de inutilidade, que é muito nocivo e pode colaborar para o desenvolvimento da senilidade. A aceitação com alguma naturalidade das mudanças decorrentes do envelhecimento, assim como das mudanças decorrentes desse novo momento da vida, é determinante para o sucesso do ajustamento que se faz necessário, sendo esse o grande desafio do sujeito diante do desenvolvimento humano na velhice. Entre as mudanças físicas podemos citar a diminuição de acuidade sensorial. Há certa perda do tato causada pela mudança na textura da pele, que se torna mais seca e endurecida. A audição, que inicia seu declínio de maneira sutil a partir da adolescência, torna-se limitada a partir dos 65 anos de idade. A visão também sofre perdas, pois há uma 90 Psicologia geral e do desenvolvimento deterioração da estrutura ocular (córnea, lente, retina, nervo óptico), uma diminuição da percepção das cores e efeitos da perda gradual do tecido adiposo da órbita, que fazem com que os olhos da pessoa idosa fiquem mais fundos e com as pálpebras mais soltas devido à deficiên- cia do tônus muscular (ROSA, 1996). O olfato e o paladar sofrem perdas de sensibilidade pela diminuição dos corpúsculos gustativos, responsá- veis pela captação dos sabores. Outra mudança sentida no corpo é na voz, que em razão do en- rijecimento das pregas vocais se torna mais fina e muda seu ritmo e sua fluência, fazendo com que seja mais lenta e pausada. Os ossos do corpo passam por mudanças químicas, podendo desenvolver a osteoporose, que é uma fragilidade causada pelo aumento da poro- sidade dos ossos, o que eleva a probabilidade de fraturas. Doenças que acometem as articulações são mais frequentes com o avanço da idade e podem causar limitações nos movimentos, além de dores. Até o formato do rosto modifica em funçãodas perdas ósseas e das alterações nos dentes. De maneira geral, há uma diminuição no tônus devido à perda de massa muscular e à queda consequente da resistência física. A capaci- dade metabólica também sofre alterações, já que o sistema endocri- nológico e o digestório passam por um declínio funcional. Há redução do fluxo salivar e do suco gástrico, dificultando o processo digestivo, que é sensível aos abalos emocionais, como ansiedade, preocupações e depressão. O sistema circulatório torna-se menos eficiente, o coração mais fi- broso, e as artérias têm sua capacidade diminuída. O envelhecimento reduz ainda as capacidades renal, pulmonar e do pâncreas. O sistema nervoso, o cérebro e até a cicatrização são prejudicados. Embora todas essas descrições referentes à fisiologia possam parecer desanimado- ras e até pessimistas, com todos os recursos da medicina e do próprio lugar social que os idosos vêm ocupando, é possível envelhecer com saúde e bem-estar, exercendo atividades interessantes e criativas. Abordamos, enfim, as mudanças intelectuais e cognitivas. A ma- nutenção da aprendizagem é um dos fatores mais importante do investimento intelectual para prevenção da senilidade. É necessário destacarmos que a aprendizagem acompanha todo o desenvolvi- mento humano, ou seja, todo o ciclo da vida até seu término. Logo, O desenvolvimento do adulto à velhice 91 é ideal que o idoso não se prive de se expor a situações de apren- dizagem e permita-se tal desafio, sem receios de errar, respeitando seu próprio ritmo. Cada vez mais há acesso a programas de bem-estar destinados aos idosos. Além das atividades físicas, algumas instituições oferecem cursos com as mais variadas temáticas: arte, desenho, pintura, co- nhecimentos gerais, práticos ou teóricos, informática (o que favorece a inclusão digital, tão presente atualmente em nosso cotidiano) etc. A ideia é que se tenha qualidade do tempo, que o sujeito possa realizar aquilo que não pôde realizar em outras fases da vida, ter tempo para ler, assistir a filmes, ter lazer, viajar, entre outros. Claro que essas rea- lizações dependem da realidade financeira de cada um, mas existem, por exemplo, programas sustentados pelas prefeituras e parcerias com as universidades, porque há uma preocupação com as pessoas da tam- bém chamada terceira idade, que inclusive estão mais longevas do que em outros períodos históricos. As questões psicológicas da fase da velhice são muito importan- tes para o sucesso das denominadas tarefas evolutivas, impostas por essa fase da vida. Estas podem ser entendidas como conquistas e adaptações à realidade do momento. Entre elas podemos destacar a adaptação à condição física, a aposentadoria, a viuvez (quando esse for o caso) e as relações sociais. Witter (2006) explica que a viuvez pode causar dificuldades associadas ao aspecto afetivo e exemplifica que residir sozinho após a morte do parceiro só é possível quando o sujeito tem condições físicas e psicológicas para isso. Caso não seja possível viver sozinho em seu lar, o sujeito pode ter que se mudar, provavelmente para mo- rar com algum parente (filhos, irmãos ou outros). A mudança implica mais uma perda, a do seu espaço, além de demandar a integração em outro meio de convivência, exigência essa que ocorre justamente no momento de abalo emocional, em que o indivíduo está envolvido com o trabalho psíquico do luto. O luto provoca tristeza e caracteriza-se como um período em que há pouca energia psíquica disponível para ser investida em situações novas. Considerando isso, as pessoas do entorno do idoso precisam ter condições de manejar as dificuldades para ajudá-lo nessa tarefa. Witter (2006) enfatiza que são mudanças muito grandes que ocorrem 92 Psicologia geral e do desenvolvimento na vida do sujeito viúvo e que raramente as pessoas estão preparadas ou estabeleceram planos para essa situação, de modo que ela passa a ser mais difícil e penosa. Não é incomum o idoso falecer em curto espaço de tempo após se tornar viúvo, sendo esse momento, portanto, bastante decisivo na vida. A autora sugere que a manutenção da aten- ção e o envolvimento em atividades podem ser importantes para evitar depressão e isolamento, sem perder de vista as necessidades básicas de moradia e sobrevivência financeira. Da perspectiva psicossocial, como vimos, o desafio do idoso é desenvolver alguma atividade que lhe traga prazer. A proximidade da morte pode ser fator de bastante angústia, e a atividade acaba positivando a vida, como se deseja levar o tempo que lhe resta da melhor maneira possível. Para Erikson (2000), há duas possibilida- des típicas de o sujeito se posicionar com relação à proximidade do final da vida: a integridade ou o desespero. No caso da primeira, há uma ideia tranquila, na qual a própria morte pode ser tomada com serenidade, por haver um sentimento de realização sobre seu per- curso de vida. Já a segunda traz o medo da morte, muitas vezes um sentimento de ressentimento, no qual o sujeito toma seu percurso de vida como insuficiente. Entendemos que todas as fases do desenvolvimento humano são decisivas para os recursos de que o sujeito dispõe na velhice. A vida do idoso é de certa forma consequência das escolhas, das tarefas e das conquistas que realizou em todas as instâncias do desenvolvimento. Nesse sentido, é desejável que o indivíduo tenha biologicamente sus- tentado boa saúde física; psicologicamente sustentado sua subjetivi- dade e sua saúde mental; e socialmente sustentado certa autonomia, lugar ativo e laços sociais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Cada período do desenvolvimento humano representa nova etapa de desafios e conquistas que, para serem alcançados, dependem de um arranjo único entre as instâncias biológicas, psicológicas e sociais, cuja in- teração é determinante da postura subjetiva refletida nas escolhas e nas atitudes objetivas da vida. Em seu percurso de vida, o ser humano deve desenvolver recursos emocionais para investir em seu bem-estar. Ou seja, cuidar da saúde físi- O desenvolvimento do adulto à velhice 93 ca, apropriar-se de sua identidade pessoal, sustentar um lugar produtivo na sociedade, criar laços efetivos e sociais. A disposição à aprendizagem é fundamental em todos os períodos do desenvolvimento dos indivíduos. A conquista da autonomia e da independência para alcançar realizações é a chave para acolher o envelhecimento com naturalidade e serenidade. ATIVIDADES 1. Quais as principais conquistas e os desafios do período do desenvolvimento humano correspondente à adultez jovem? 2. Descreva brevemente o climatério e seus efeitos para a mulher na fase da adultez madura. 3. Identifique uma maneira de prevenção da perda cognitiva do idoso. REFERÊNCIAS DAVIDOFF, L. L. Introdução à psicologia. 3. ed. São Paulo: Pearson Universidades, 2000. ERIKSON, E. H. O ciclo de vida completo. Porto Alegre: Artmed, 2000. FARFEL, J. M. Fatores relacionados à senescência e à senilidade cerebral em indivíduos muito idosos: um estudo de correlação clinicopatológica. 2009. Tese (Doutorado em Ciências) – Faculdade de Medicina, USP, São Paulo. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/ disponiveis/5/5144/tde-15042009-165458/pt-br.php. Acesso em: 14 dez. 2020. ROSA, M. Psicologia evolutiva: psicologia da idade adulta. Petrópolis: Vozes, 1996. SHAFFER, D. R. Psicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. WITTER, G. P. Tarefas de desenvolvimento do adulto idoso. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 23, n. 1, p. 13-18, jan./mar. 2006. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103- 166X2006000100002. Acesso em: 14 dez. 2020. https://www.travessa.com.br/o-ciclo-de-vida-completo-2000/artigo/7d4369bd-dbf3-4cac-97ac-84130c9d44d1 94 Psicologia geral e do desenvolvimento Gabarito 1 Psicologia Geral 1. O interesse em compreender as questões da mente é anterior à constituição da psicologia como uma ciência. A filosofia grega já se ocupava dessasquestões e essa origem é evidenciada inclusive na etimologia da palavra, que resulta da junção das palavras gregas: psiché (alma ou mente) e logos (razão ou estudo), isto é, estudo da mente. O filósofo e físico Gustav Fechner (1801-1887) foi muito importante nesse processo por demonstrar que os métodos científicos poderiam ser empregados no avanço de pesquisas e estudos dos processos mentais. O marco do estabelecimento da psicologia como ciência aconteceu quando Wilhem Wundt criou o primeiro Laboratório de Psicologia Experimental em Leipzig (Alemanha), no ano de 1879. Nesse momento, houve a consolidação dos estudos da psicologia sob os critérios científicos de observação e com métodos provenientes da fisiologia. Mais tarde, no desenvolvimento de seu percurso, a psicologia se ampliou para além da sua relação com a Fisiologia, de modo que hoje pode ser considerada nas dimensões fisiológica, psíquica e social. 2. A psicologia tem como objeto de estudo os fenômenos psíquicos, os quais abarcam muitos conceitos: desenvolvimento, aprendizagem, percepção, atenção, inteligência, cognição, memória, pensamento, emoção, sentimentos, comportamentos, motivação, agressividade, relação interpessoal, comportamento social, linguagem, personalidade, consciente e inconsciente, resiliência, psicopatologias, entre outros. A multiplicidade de objetos de estudo implica a diversidade das abordagens de pesquisa, visto que seria impossível que houvesse uma única teoria que desse conta de aprofundar o estudo em todos os objetos, teorizar sobre eles e ainda desenvolver formas de intervenções aplicáveis. 3. O behaviorismo teorizou que o condicionamento operante explica alguns aspectos do comportamento e da aprendizagem humana e animal. A principal contribuição da gestalt foi estudar o sistema perceptivo humano, que elucida processos cognitivos (memória, sensações, pensamento, aprendizagem etc.). A psicanálise contribuiu com os estudos do inconsciente, o qual desvenda diversos fenômenos psíquicos. Gabarito 95 2 Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 1. O desenvolvimento é o processo evolutivo através do qual o ser humano adquire capacidades por meio de mudanças sistemáticas e contínuas, desde sua concepção até a morte. Envolve as dimensões: biológica (crescimento, maturação) psicológica (subjetividade, afetividade) e social (socialização, cultura). 2. A corrente filosófica acerca do desenvolvimento que é, atualmente, mais aceita é a socio-histórica porque ela tem princípios interacionistas, ou seja, considera a interação entre os fatores hereditários e os fatores ambientais na determinação das características e capacidades do ser humano. 3. As principais teorias que contribuíram para compreensão acerca da Psicologia do Desenvolvimento Humano são: a teoria de Freud, a teoria de Wallon, a teoria de Piaget e a teoria de Vygotsky. 3 O desenvolvimento do pré-natal à primeira infância 1. A partir da concepção há formação do zigoto, do período germinal, seguido do período embrionário e do período fetal. 2. O recém-nascido é dotado de reações reflexas que correspondem a respostas automáticas a certos estímulos; essas respostas têm como função o favorecimento da adaptação à vida. Há um repertório de reflexos que não dependem da aprendizagem, são os chamados reflexos de sobrevivência: respiratório, sucção, deglutição, rotação (na busca do seio materno), palpebral (piscar os olhos para protegê-los). O bebê apresenta também outros reflexos que desaparecem pouco a pouco no decorrer do primeiro ano de vida, os denominados reflexos primitivos, que são reflexos remanescentes da história evolutiva do ser humano e já não têm mais uma função tão útil; porém, a ausência ou a permanência tardia deles pode indicar algum problema no desenvolvimento ou no sistema nervoso central. 3. A primeira infância é considerada o alicerce sobre o qual todas as demais fases do desenvolvimento se apoiarão, porque é nela que o ser humano inicia a subjetivação, adquire a linguagem e se estabelece como ser relacional, ou seja, estabelece além do seu desenvolvimento físico, seu desenvolvimento psíquico e social, inserindo-se na cultura e se humanizando. 96 Psicologia geral e do desenvolvimento 4 O Desenvolvimento da Infância à Adolescência 1. A importância do desenvolvimento sensorial tem relação com a função da percepção, pois a percepção é fundamental para todas as instâncias do desenvolvimento do ser humano. É por meio das habilidades sensoriais que a criança processa informações, organiza e compreende as experiências e interage com o ambiente do seu entorno. 2. A escola representa uma instituição regida por regras e leis que reproduzem a organização da sociedade, na qual todos estão submetidos aos limites e às regras. A escola, portanto, oportuniza que a criança se torne capaz de preservar sua individualidade ao mesmo tempo em que compartilha da mesma posição que seus semelhantes, desenvolvendo, assim, a tolerância com as diferenças, pois é o encontro com elas que reforça sua própria identidade. Esses desafios psicossociais, portanto, encontram na escola seu melhor lugar, visto que a escola encarna o “outro social”, de maneira instituída e fora do sistema familiar. Para além das transmissões de conteúdos, a escola tem a função de sustentar as leis que regem as relações humanas e oferecer lugares sociais veiculados pelos discursos, os quais são importantes para subjetivação da criança. 3. A adolescência é uma fase de conflitos psíquicos devido às diversas mudanças biológicas, cognitivas, psicológicas e sociais que ocorrem. A nível biológico, a passagem da puberdade faz com que o adolescente precise simbolizar seu corpo, ressignificá-lo e construir sua autoimagem. Cognitivamente, o adolescente passa a dominar melhor a capacidade de abstração, de modo que também ressignifica as representações do mundo, tornando-se crítico e questionador. Psicologicamente, é um momento importante na construção da identidade e da personalidade. O adolescente vivencia, portanto, conflitos internos e externos. 5 O desenvolvimento do adulto à velhice 1. É desejável que nessa fase da vida o sujeito conquiste autonomia e independências financeira, emocional e social. Portanto, que seja capaz de começar a assumir plenamente as funções que a sociedade espera do ser adulto. 2. O climatério é o processo gradual do fim da capacidade reprodutiva da mulher. Entre os efeitos físicos estão: a falta do hormônio estrogênio, o aumento dos pelos na face, a alteração na voz, que fica mais grave, Gabarito 97 as mudanças nas curvas do corpo, que ficam menos evidentes. Há alterações repentinas na temperatura corporal, enxaqueca e irritação acompanhadas de repercussão no comportamento. Pode causar tensões, inseguranças, queda da libido, depressão, entre outras instabilidades emocionais. A fisiologia tende a se reequilibrar ao fim do processo, mas algumas mulheres podem não superar emocionalmente esse momento e apresentar dificuldade de construir uma nova imagem. 3. A melhor forma de prevenção é a manutenção de atividades e de situações de aprendizagem. A aprendizagem acompanha todo o desenvolvimento humano, ou seja, todo o ciclo da vida até seu término. Logo, é ideal que o sujeito idoso não se prive de se expor às situações de aprendizagem e permita-se tal desafio, sem receios de errar, respeitando seu próprio ritmo. Código Logístico 59194 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6586-8 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 8 6 8