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Apresentação A neurociência e as demandas do ensino médio Professor(a), as neurociências têm evidenciado, por meio de diferentes perspectivas, que diversos fatores que perpassam a vida dos adolescentes podem ter uma influência sobre seu desempenho cognitivo e sua capacidade de aprender. Fatores individuais, da própria personalidade do adolescente, do seu ambiente e contexto familiar, escolar, além de fatores sociais e econômicos, por exemplo, mostram-se como capazes de interferir e predizer desfechos acadêmicos e escolares. No Módulo III, enfatizamos bastante as mudanças próprias da transição entre infância e adolescência, que continuam a ocorrer durante os anos do Ensino Médio (EM), ou seja, aquilo que está acontecendo em nosso cérebro ao longo do período que compreende a finalização do Ensino Fundamental e o ingresso no EM. Sabe- se, no entanto, que a partir do ingresso no EM diversas mudanças dependentes do contexto irão ocorrer, implicando em transformações significativas no que se refere a metas e objetivos de aprendizagem. Sendo assim, os educadores passam a ter o desafio de pensar no ensino e nas práticas pedagógicas a partir desta nova realidade. As relações sociais que permeiam as experiências do adolescente dentro e fora da escola também farão parte das novas demandas impostas por este período do desenvolvimento. O Módulo IV, nesse sentido, irá apresentar de que forma este continuado processo de maturação e refinamento de estruturas e regiões do cérebro impacta os comportamentos e a expressão emocional dos adolescentes ao longo do EM e, consequentemente, suas aprendizagens. Pensaremos em práticas e estratégias de ensino que estimulem o potencial e sejam capazes de aproveitar os recursos cognitivos que, nesta etapa do desenvolvimento, encontram-se melhor consolidados, direcionando a ação dos educadores de modo a preparar o adolescente para as diferentes realidades que irão enfrentar na vida adulta. Ainda, discutiremos como determinados marcos ao longo da trajetória do desenvolvimento podem representar fatores de risco para desfechos clínicos e psicossociais negativos durante a adolescência. Como discutido ao final do módulo anterior, sabemos que é neste período da adolescência e, muitas vezes, a partir do ingresso no EM e da necessidade de adaptação a uma nova realidade que tendem a aparecer problemas emocionais, sociais, criminais e legais. Isso contribui, inclusive, para o enfrentamento de outros problemas que provocam um maior movimento de evasão e abandono escolar, um dos desfechos comuns ao longo da adolescência. Nesse contexto, a escola e os educadores podem desempenhar um importante papel, representando um fator protetivo significativo para os adolescentes em sua trajetória final dos anos escolares. 1 O ingresso no Ensino Médio e o continuado processo de maturação e desenvolvimento do cérebro O período que compreende o ingresso no EM refere-se a uma etapa do neurodesenvolvimento na qual ocorrem, gradativamente, o refinamento e a remodelação de alterações neurobiológicas que começaram a partir da transição da infância para a adolescência. Professor(a), o cérebro do adolescente será remodelado ao passar pelos processos de poda sináptica, que compreendem a eliminação de conexões pouco estimuladas ou reforçadas e a manutenção e o reforço de conexões estabelecidas. As conexões sinápticas, agora mais predominantes, passam a ter uma maior eficácia na transmissão e propagação dos impulsos nervosos, influenciando nas capacidades do adolescente de exercer autocontrole, regulação emocional e direcionamento dos seus esforços cognitivos para a obtenção de metas e objetivos. No período dos 15 aos 17 anos, nota-se a melhora nos recursos cognitivos do adolescente para o desenvolvimento de planos, metas e objetivos de longo prazo, sendo esse adolescente capaz de manter seus comportamentos direcionados a tais finalidades com maior persistência e esforço. Além disso, percebe-se o desenvolvimento de uma maior capacidade analítica, possibilitando a resolução de problemas e tarefas cada vez mais complexos, que exigem uso de capacidades cognitivas superiores, como as chamadas funções executivas e a memória de trabalho. Há uma melhora da capacidade metacognitiva dos adolescentes, isto é, a capacidade de pensar e ponderar sobre seu próprio pensamento, sendo possível refletir e se questionar sobre aspectos éticos, morais e de valores que permeiam sua vida e as relações com a sociedade. Se considerarmos o cenário de mudanças e o surgimento de potencialidades nesse cérebro — agora adolescente —, entendemos que uma das principais funções da escola no EM deva ser justamente suportar — isto é, dar apoio e orientar — o processo de desenvolvimento e o uso desses recursos cognitivos, direcionando-os para a busca de metas e objetivos, que serão traçados com os adolescentes. É importante, neste ponto, aproveitar o maior desenvolvimento das funções executivas e procurar propor estratégias pedagógicas que favoreçam sua aplicabilidade em contextos reais e não somente em contextos artificiais, de livros e tarefas acadêmicas de sala de aula. Lembrem-se que tais capacidades cognitivas estão direcionadas para nossa adaptação, organização, direcionamento de metas/objetivos e resolução de problemas do mundo real. Deste modo, um ambiente escolar que limite as potencialidades e a utilização dos recursos cognitivos do adolescente, como por exemplo quando se exige dele, ao longo do EM, um maior enfoque no desenvolvimento de atividades e tarefas restritas à memorização e repetição das aprendizagens e conteúdos, proporcionará pouco estímulo e incentivo para aplicação das capacidades cognitivas de modo a atender demandas futuras da vida real. O trabalho de educador deve, portanto, ter como objetivo pedagógico nesta etapa do desenvolvimento o ensino de estratégias que permitam ao adolescente “aprender a aprender”. Ainda, percebe-se na educação a presença da falsa crença de que os estudantes, principalmente ao chegarem em etapas mais avançadas da Educação Básica, já desenvolveram ou possuem certas capacidades de estudo, tais como planejamento, organização no tempo e monitoramento, sendo capazes de direcionar os esforços cognitivos para o estudo e a aprendizagem dos conteúdos exigidos pelas diferentes disciplinas. No entanto, nem sempre esta é uma realidade presente em todos os nossos estudantes. A própria falta de modelos, no passado, capazes de orientar tais comportamentos e estratégias pode influenciar em uma maior dificuldade nestes aspectos ao longo do EM. Faça uma rápida reflexão e responda: • Quantos alunos você reconhece em suas turmas que possuem tais capacidades de estudo? • Estes são os alunos que tendem a ter um melhor aproveitamento e desempenho? • E com relação aos demais, como você percebe as capacidades de estudo? • Estes outros alunos necessitam, por exemplo, de “aprender a aprender”? As perguntas anteriores são importantes para auxiliar os educadores a estabelecerem prioridades que possam existir dentro dos processos de aprendizagem neste período do desenvolvimento. Por vezes, estimular os jovens a pensar nas estratégias usadas durante o processo de aprendizagem pode ser tão fundamental quanto efetivamente transmitir conceitos e conhecimentos. 2 Sabe-se que a preparação para o vestibular e a aprendizagem dos conteúdos formais é importante nesta fase, principalmente para aqueles estudantes que já têm definido o seu desejo de se tornarem médicos, advogados, engenheiros, arquitetos — apenas para citar algumas profissões — e que precisarão prestar exames de vestibular competitivos no país. O que precisamos ponderar aqui é que talvez esta não seja mais a realidade única do adolescente. Dessa forma, deve-se pensar de que forma o EM torna-se capaz de orientar os jovens com outras inclinações, interesses e aptidões ou,ainda, como que o EM favorece o processo de estimulação e descoberta para aqueles que ainda não foram capazes de tomar tais decisões. Neste sentido, é importante questionarmos como você, educador(a), hoje entende e se prepara para auxiliar os adolescentes neste processo decisório e, também, até que ponto estamos negligenciando as múltiplas questões socioemocionais, cognitivas e comportamentais que perpassam essa fase do desenvolvimento. Figura 1. Estudantes em conflito sobre importantes decisões de suas vidas Fonte: Nossa autoria (2023). Vocês devem lembrar, por exemplo, do estudo Dunedin, descrito inicialmente no Módulo II, o qual se refere ao acompanhamento longitudinal de uma coorte de indivíduos, desde o seu nascimento até a vida adulta. Um dos mais destacados resultados do estudo revelou que o adequado desenvolvimento das capacidades de autocontrole era uma das principais preditoras de diferentes desfechos ao longo da vida, como o sucesso e bom desempenho acadêmico, profissional, de saúde e de bem-estar. Muito do enfoque dado na discussão deste estudo centrou-se no período da infância e dos primeiros anos escolares, porém alguns achados interessantes também merecem ser destacados aqui, pois se referem à adolescência e impactam os processos de aprendizagem dos adolescentes a partir dos 13 anos. Como comentado, a pesquisa procurou acompanhar e descrever vários possíveis desfechos negativos a partir da identificação de preditores em potencial, como o caso do recurso cognitivo de autocontrole. Entre crianças que apresentavam, no início do seu desenvolvimento, prejuízos na capacidade de autocontrole, vários dos desfechos manifestaram-se posteriormente, em etapas subsequentes do desenvolvimento, principalmente na adolescência. Esses desfechos negativos relacionavam-se com condutas e comportamentos inadequados, especialmente nos contextos escolares e sociais, como o uso de substâncias, o envolvimento em problemas legais e criminais, a evasão escolar etc. A implicação de tais achados para a educação nos leva a pensar na necessidade de maior investimento e atenção, por parte dos educadores, dedicados ao reconhecimento de possíveis déficits cognitivos que possam ser identificados a partir da expressão dos comportamentos desde os primeiros anos escolares e que impactam diretamente os processos de aprendizagem e engajamento escolar. Um dos resultados interessantes identificados pelos pesquisadores foi o de que os problemas relacionados ao não desenvolvimento da habilidade de autocontrole corroboram para o surgimento dos denominados “erros na adolescência”. Em outras palavras, poderíamos dizer que estes erros se referem às escolhas que os adolescentes fazem e a seus comportamentos apresentados no contexto educacional e social. Foi observado que crianças que haviam sido identificadas com baixas habilidades de autocontrole estavam mais propensas a apresentar escolhas inadequadas quando adolescentes. Ou seja, falhas no desenvolvimento das capacidades de autocontrole ao longo dos anos escolares possuem influência na forma como os adolescentes planejam, estabelecem suas metas e tomam suas decisões. Entre os diferentes desfechos avaliados como “erros na adolescência”, podemos citar o abandono da escola e início de uso de álcool e drogas. Sabe-se que em nosso país problemas como estes são os que mais afetam os jovens, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade e com condições socioeconômicas desfavoráveis. Ademais, outro dado interessante trazido para discussão pela pesquisa Dunedin — e que corrobora muito da realidade da educação brasileira — direciona a atenção para a atuação e satisfação dos educadores desses adolescentes com baixa capacidade de autocontrole. A pesquisa questionou os diversos professores sobre sua percepção em relação ao grau de esforço necessário para ensinar e manejar esses adolescentes, isto é, em que grau os professores consideram desafiador e demandante atender a esses adolescentes, de modo a fazer com que eles se engajem nas atividades e propostas pedagógicas da turma. Ainda que essas entrevistas e perguntas não sejam baseadas em nenhum instrumento padronizado e validado para avaliação do esforço do professor em sala de aula, tal investigação parece ser bastante interessante quando discutimos fatores relacionados à educação no EM. As questões feitas aos professores abarcavam perguntas do tipo: • “Em comparação aos outros colegas, com que frequência você precisa incentivar ou sugerir que esse adolescente se mantenha focado em sala de aula ou em suas tarefas?”; • “Com que frequência você precisa agir para conter comportamentos impulsivos desses alunos em sala de aula?”; • “Com que frequência você se sente frustrado por não conseguir lidar com esses comportamentos em sala de aula?”; • “Com que frequência esses alunos necessitam de intervenções individualizadas suas?”; • “Quantas vezes é necessário dar recompensas ou incentivos extras para que esses alunos participem das atividades ou regulem seu comportamento conforme os demais?”. No caso de crianças e adolescentes que apresentaram baixo nível de autocontrole, identificou-se uma relação entre o seu comportamento e uma redução do esforço e da energia dos educadores em sala de aula. Esses fatores são considerados de risco para o adoecimento e afastamento dos profissionais da educação por questões de saúde e estresse, gerando uma alta rotatividade entre educadores em diferentes fases da Educação Básica. Para efeitos de gestão, isso pode influenciar, inclusive, os gastos e custos governamentais da Educação em outras instâncias. 3 Uma questão importante que surge, tendo em vista o exposto e os efeitos para adolescentes e educadores dos chamados “erros cometidos” em razão da falta de habilidades de autocontrole, refere-se ao desenvolvimento de estratégias de prevenção aliadas aos currículos formais dentro das escolas. Como trabalhar no sentido de estimular o desenvolvimento de tais capacidades e prevenir problemas futuros dentro das escolas, a exemplo da evasão escolar ou de distúrbios emocionais e de conduta? Como estimular o neurodesenvolvimento dos jovens? Pode-se pensar que existe uma necessidade e um desafio de direcionar intervenções e práticas apenas para esta parcela de jovens com déficit de autocontrole, sendo assim necessários um investimento e um treinamento entre educadores para que sejam capazes de avaliar e reconhecer tais disfunções. Não se recomenda intervenção individualizada No entanto, o que as evidências nos sugerem é que não há qualquer necessidade de acompanhamento ou intervenção individualizada, seja pelo educador ou por profissionais de saúde mental, a fim de estimular e promover um melhor desenvolvimento das funções executivas e, por conseguinte, das capacidades de autocontrole. Intervenções universais e políticas públicas Sugerem-se, então, intervenções universais que possam ser aplicadas a todos os alunos, independentemente das suas capacidades pessoais de autocontrole. Abre-se diante da educação uma oportunidade de estimular e implementar políticas e estratégias de intervenção focadas no autocontrole e no desenvolvimento de habilidades executivas para todos nas idades escolares. Alguns pontos discutidos no módulo anterior (Módulo III) podem nos auxiliar a pensar em como implementar novas práticas que possam ser adequadas para o desenvolvimento de diferentes habilidades executivas — como o próprio autocontrole — entre os adolescentes. Uma das questões abordadas anteriormente referiu- se ao ambiente escolar e ao risco de uma relação impessoal entre os educadores e os adolescentes. Tal qualidade de relação não permite que o adolescente desenvolva modelos saudáveis de referência — que nem sempre sabemos que existem nos contextos familiares e sociais em que os adolescentes estão inseridos. A falta deum modelo de referência que auxilie o adolescente a olhar, ponderar e direcionar seu comportamento e, do mesmo modo, a reconhecer e lidar com suas ativações emocionais e sentimentos experienciados no dia a dia escolar implica na criação de um contexto escolar instável. A instabilidade das relações no ambiente escolar aliada à falta de autocontrole e à desregulação emocional próprias da adolescência podem interferir nos processos cognitivos necessários para aprendizagem, como, por exemplo, o raciocínio lógico e complexo, a memória e a tomada de decisão. O resultado é o aparecimento de comportamentos de risco, impulsivos e prejudiciais à saúde e ao bem-estar do adolescente, incluindo, em casos mais graves, pensamentos, ideações e aumentos no risco de suicídio. Um exemplo bastante simples é o trabalho com os adolescentes no que se refere às técnicas de organização, planejamento e resolução de problemas, práticas que podem ser incluídas em qualquer disciplina e adequadas às demandas de cada uma. Trata-se de fazer com que o adolescente ativamente ponha em prática sua capacidade de analisar e refletir sobre sua própria rotina, mapeando todas as suas atividades, sejam elas escolares, de interesse pessoal, familiar, social ou religioso. A partir disso, organiza-se uma rotina semanal, dispondo de forma real e exequível todas as tarefas e momentos dessa rotina. Essa estratégia aparentemente fácil pode ser bastante desafiadora para muitos adolescentes, assim como se observa quando se propõe tal tarefa para adultos. Porém, quando finalizada, ela permite ao adolescente passar a exercer sua capacidade autorregulatória e de flexibilidade cognitiva aplicada à própria vida, estimulando habilidades de controle, planejamento e adequação da rotina conforme as demandas da vida real e escolar. Figura 2. Ensino de técnicas de organização, planejamento e resolução de problemas Fonte: Nossa autoria (2023). Além disso, em um segundo momento, estratégias como esta possibilitam ao adolescente incorporar metas e objetivos a longo prazo, orientando sua visão para o futuro e tornando-o capaz de compreender como adequar seu comportamento de modo a persistir e adiar gratificações. Esse é um bom exemplo de como educadores podem se desprender de modelos e estratégias pedagógicas nos quais o adolescente é passivo no seu processo de aprendizagem, não participando ativamente da construção ou aplicação do conhecimento adquirido. Discutimos muito a respeito da educação focada no estudo, sem desmerecer os conteúdos e aprendizagens formais. Aprender pela experiência, principalmente quando estamos diante de adolescentes, é sugerida como uma das práticas mais eficazes. É necessário repensar o papel da escola de apenas transmitir conhecimentos e exigir prática, memorização, cópia e repetição. Essa estratégia usa apenas parte dos recursos cognitivos disponíveis, que deveriam ser mais estimulados a fim de desenvolver competências e habilidades para solução de problemas próximos à vida adulta. Alguns transtornos globais do neurodesenvolvimento, como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, são condições em que há um prejuízo significativo na capacidade do indivíduo em exercer o controle inibitório. 4 A adolescência e o tornar-se adulto: as diversas mudanças do olhar da educação para o processo de término do período escolar das escolas Professor(a), o final do EM representa o término de um processo de ao menos 12 anos, se considerarmos apenas o tempo a partir do ingresso no Ensino Fundamental. Ao longo deste período, diversas aprendizagens, conhecimentos e transformações são esperadas; porém, é no EM, com a finalização do ciclo escolar, que nos deparamos com o principal desafio do jovem: a saída da escola e a entrada no universo “adulto”. Para compreendermos melhor o que este processo representa e para sabermos, enquanto educadores, como melhor orientar e guiar nossos adolescentes neste caminho, precisamos refletir sobre as mudanças em alguns paradigmas importantes desta fase de transição. A chamada “geração Z”, ou seja, aqueles nascidos ao final dos anos 1990 e início dos anos 2000; ou ainda toda a nova geração que atualmente ingressa e cursa o Ensino Básico, nascidos entre 2010 e 2020, já experienciam uma realidade de mundo completamente diferente. O que era praticamente necessário para uma trajetória de sucesso pessoal e profissional na vida há alguns anos atrás, como por exemplo a conclusão do EM e o ingresso na universidade, que asseguravam a garantia de boa inclusão no mercado de trabalho e em atividades formais, de carteira assinada e com estabilidade e garantias legais de outrora, já não faz mais parte desta nova geração de estudantes que cursam ou estão próximos a cursar o EM. Figura 3. Diferentes perspectivas de vida e carreira profissional entre as gerações Y, Z e alfa Fonte: Nossa autoria (2023). Ingressar no Ensino Superior ou mesmo graduar-se, tanto no nível básico quanto no superior, já não é mais percebido por esta nova geração como um pré-requisito para o sucesso pessoal e profissional. A nova realidade de mundo, conectada por meio de recursos como plataformas e mídias digitais e sociais e por meio de um mercado de trabalho dinâmico, informal, autônomo e empreendedor, proporciona uma extensa gama de possibilidades para os jovens. Isso implica na necessidade do campo da Educação Básica rever suas práticas e estratégias pedagógicas para que o ensino diante desse contexto não se torne obsoleto e desmotivador para nossos adolescentes. Como o próprio texto da BNCC (BRASIL, 2018) nos sugere: Para responder a essa necessidade de recriação da escola, mostra-se imprescindível reconhecer que as rápidas transformações na dinâmica social contemporânea nacional e internacional, em grande parte decorrentes do desenvolvimento tecnológico, atingem diretamente as populações jovens e, portanto, suas demandas de formação (BRASIL, 2018, p. 462). O objetivo passado de preparar os adolescentes por meio de currículos, disciplinas e conhecimentos a fim de obterem um bom desempenho e aprovação nos exames, como o Exame Nacional do Ensino Médio ou outras provas de vestibular das mais diferentes instituições públicas e/ou privadas de ensino superior, não deve ser visto como papel central formativo no EM, mas sim como parte, também importante, deste processo. Isto porque estas opções, cada vez mais, deixam de ser apenas a única opção de uma carreira profissional ou de um caminho pessoal a ser seguido. Esta mudança de paradigma impõe sobre a educação novos desafios. A preparação passa a ir além dos conteúdos e das aprendizagens formais exigidas em exames de conclusão do EM ou de ingresso na universidade. Temáticas sociais, econômicas, políticas e tecnológicas devem ser trabalhadas de modo a contemplar as novas demandas da sociedade. Além disso, o investimento na formação e no desenvolvimento pessoal passa a ser necessário no processo de preparação para a saída do EM. 5 O vídeo sugerido a seguir aborda exatamente esta questão: como o pensamento e as práticas educacionais baseados em modelos de educação clássicos para esta etapa do desenvolvimento estão descontextualizados com as necessidades de preparação dos adolescentes para a vida adulta. Na talk do TedxYouth, uma jovem adolescente compartilha algumas reflexões e preocupações a respeito da forma como os currículos acadêmicos são pensados e como as práticas educacionais são dirigidas pelos professores para os alunos, adolescentes. https://www.youtube.com/watch?v=NGQj7xu2JKI É interessante destacar que, no vídeo, a aluna menciona uma frase comum de ser escutada nas escolas: devemos “praticar o que aprendemos na escola em casa, porque se não praticarmos, desaprendemos” (SAINT-HILAIRE, 2021, tradução nossa). Esse é exatamente um problema enfrentado pelos nossos adolescentes dehoje: a desconexão existente entre os conhecimentos adquiridos na escola e as necessidades e demandas da vida do adolescente. Em sua obra intitulada “As Melhores Escolas: a prática educacional orientada pelo desenvolvimento humano” (2008), o autor Thomas Armstrong, doutor em Psicologia, refere que a relação entre educadores e alunos deveria se estabelecer através da apropriação do papel de “aprendiz-praticante” por parte do aluno e do papel de “conselheiro” por parte do educador. Uma das maiores necessidades discutidas por Armstrong seria a do reconhecimento de que os adolescentes estão diante dos estágios finais para se tornarem adultos e finalizarem os processos do neurodesenvolvimento, portanto, eles precisam ser amparados por modelos experientes e com competências, capazes de aconselhá-los e de guiar este processo final da adolescência. Através deste papel de conselheiros, os educadores serviriam como modelos de formas de pensar, comportar-se, compreender e responder às emoções e de adequar-se aos diferentes contextos sociais e da realidade da vida adulta. Neste sentido, esses educadores passariam a favorecer o processo de desenvolvimento de competências e habilidades para além dos conhecimentos formais adquiridos na formação básica. Figura 4. Professor como modelo positivo para estudantes Fonte: Nossa autoria (2023). https://www.youtube.com/watch?v=NGQj7xu2JKI Este pensamento do autor não difere daquilo que já vem sendo proposto pela BNCC no que se refere ao entendimento de que as escolas devem se organizar de modo a acolher a diversidade que faz parte do período da adolescência. O texto sugere inclusive que seja garantido ao estudante que ele seja protagonista do processo de aprendizagem, considerando o adolescente um interlocutor legítimo do seu currículo, ensino e aprendizagem. Isso significa assegurar que a formação esteja alinhada com os projetos de vida dos adolescentes no que diz respeito a estudo e trabalho, sendo capaz de direcionar as escolhas para estilos de vida saudáveis, sustentáveis e éticos. Conforme o próprio texto refere: Para formar esses jovens como sujeitos críticos, criativos, autônomos e responsáveis, cabe às escolas de Ensino Médio proporcionar experiências e processos que lhes garantam as aprendizagens necessárias para a leitura da realidade, o enfrentamento dos novos desafios da contemporaneidade (sociais, econômicos e ambientais) e a tomada de decisões éticas e fundamentadas. O mundo deve lhes ser apresentado como campo aberto para investigação e intervenção quanto a seus aspectos políticos, sociais, produtivos, ambientais e culturais, de modo que se sintam estimulados a equacionar e resolver questões legadas pelas gerações anteriores – e que se refletem nos contextos atuais –, abrindo-se criativamente para o novo (BRASIL, 2018, p. 463). Não se trata de uma mudança estrutural nos currículos do EM, os quais já vêm passando por reformulações e adequações às novas realidades impostas pelo mundo contemporâneo, mas sim de uma mudança de postura dos educadores em relação à maneira como as práticas pedagógicas são executadas e, além disso, como são definidos os parâmetros de avaliação e acompanhamento do processo formativo nesta etapa. Temos uma estrutura proposta para o EM dividida em áreas do conhecimento (Linguagens e suas Tecnologias, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) as quais são compostas pelas diferentes matérias que compõem as grades curriculares. Esta organização normalmente é distribuída em períodos de aulas segmentadas, de caráter expositivo; atividades de casa; além das demandas preparatórias para prestar exames, como as provas de Enem e vestibular, que se fazem mais presentes no ano de conclusão do EM. 6 Como anteriormente problematizado, tais práticas, se rígidas e demasiadamente estruturadas, pouco se voltam para aspectos preparatórios de situações e contextos da vida adulta, como o desenvolvimento e a prática de habilidades de autocontrole, a regulação das emoções no contexto escolar ou, ainda, o aprendizado de conhecimentos e práticas sobre empreendedorismo e gestão financeira. A educação financeira é um bom exemplo a ser citado: embora integrada às diretrizes da BNCC, ela ainda carece de maior espaço e investimento por parte dos educadores. Há uma defasagem até de sua aplicação teórica, por meio de conceitos básicos ou aplicados de economia e finanças — inflação, taxa de juros, aplicações, rentabilidade e liquidez, impostos etc. Se pensarmos no desenvolvimento do cérebro, tais competências poderiam ser exploradas ainda mais cedo, durante a infância; porém, é na adolescência que se elas tornam fundamentais para o processo de autonomia e desenvolvimento de conhecimentos administrativos e financeiros básicos. Em um estudo de 2014, realizado na cidade de São Paulo, foi identificado que nossos jovens atingem a maioridade sem um adequado preparo para lidar com exigências econômicas que permeiam a realidade adulta. O papel da escola neste cenário é fundamental, estimulando diálogos e debates sobre assuntos financeiros e oportunizando experiências práticas para o desenvolvimento de tomadas de decisão financeiras, no sentido de promover tais competências e práticas de investimento e poupança. Incentivar estratégias e promover educação financeira são processos diretamente aliados à estimulação dos recursos cognitivos, uma vez que auxiliam no controle dos impulsos e na capacidade de adiar gratificações. Ambos os fatores citados fazem parte do desenvolvimento das funções executivas, sendo eles mais uma alternativa para estimular o desenvolvimento de habilidades como: autocontrole, planejamento, organização e tomada de decisão. O melhor desenvolvimento das funções executivas vem sendo associado a reduções significativas no risco de desfechos negativos a curto e longo prazo, como o envolvimento em comportamentos impulsivos, a exposição a riscos e a inabilidade de manejo e gestão financeira. Mesmo que o adolescente ainda não tenha a real necessidade de gerir finanças ou de tomar decisões sobre movimentações financeiras, tem-se identificado padrões semelhantes de tomada de decisão e comportamento financeiro entre a adolescência e idade adulta, o que nos sugere que a possibilidade de desenvolvimento de tais funções cognitivas através de uma estimulação adequada se mostra essencial para diferentes desfechos de vida na adultez. Durante a transição pra vida adulta, o ambiente fora da escola exige competências como a capacidade de negociar, argumentar, debater, se posicionar, saber dizer “não” e expressar suas necessidades; capacidades estas que devem ser estimuladas em sala de aula. Em muitas práticas, ainda se observa um movimento no qual o conhecimento e as conclusões acerca de determinados conteúdos chegam prontos, sem um adequado questionamento ou pensamento crítico acerca da sua relação com valores sociais, culturais, éticos e morais. Diversos comportamentos adotados, inclusive, não são problematizados e discutidos quanto às suas possíveis consequências em médio e longo prazo. É quase como se a maior parte das aprendizagens fosse recebida como algo “pronto”, uma verdade, sem debate dos fatos. A mudança de postura por parte dos educadores e a adoção de práticas alinhadas às aprendizagens e competências a serem desenvolvidas no EM podem auxiliar os jovens, especialmente aqueles com déficits nas habilidades de autocontrole e histórico de comportamentos e condutas impulsivas e de risco, a melhor regularem tais comportamentos. Para isso, no entanto, o ambiente escolar do EM não pode ser visto como artificial, distanciado do mundo, e como um espaço apenas para a aquisição de conhecimentos formais e preparatórios. Existe a necessidade de incentivar a integração entre os diferentes contextos que atravessam o adolescente — incluindoescola, família e sociedade — sempre que possível. Aqui, sugere-se, inclusive, que gestores e profissionais da educação possam consultar e discutir as diretrizes mais atuais da BNCC a fim de repensar algumas práticas aplicadas ao EM (a partir do website da base ou do documento completo produzido pelo Ministério da Educação). 7 Neste contexto de transição para a vida adulta e para o desenvolvimento de competências e habilidades a serem aplicadas em condições reais, a oportunidade de inserção do estudantes nos programas Jovem Aprendiz aparece como uma estratégia interessante de ser usada a fim de que o adolescente se engaje e amplie as aprendizagens de sala de aula. Existe um princípio educativo e formativo nesses programas, capacitando os jovens com conhecimentos e habilidades direcionadas para o mundo real. Figura 5. Estudante inserido no programa Jovem Aprendiz Fonte: Nossa autoria (2023). Os poucos relatos de estudos investigando tais fatores sugerem aspectos positivos na compreensão dos adolescentes sobre questões financeiras, desenvolvimento de competências e experiências profissionais. Conclui-se que tais práticas, combinadas às aprendizagens formais, contribuem para o desenvolvimento profissional e pessoal do adolescente. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf Entretanto, apontam-se alguns riscos inerentes ao excesso de atividades com finalidade de trabalho, a exemplo do comprometimento do processo escolar, aumento do número de faltas e repetências atrelados à diminuição do tempo dedicado para atividades prazerosas, amigos, relacionamentos e família. Outra mudança que se impõe de forma mais marcada aos adolescentes durante a transição entre Ensino Fundamental e Médio refere-se ao uso e à relação estabelecida com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). As transformações geradas pelas TICs, assim como suas implicações, estão presentes na forma como as pessoas se relacionam, se comunicam, trabalham, produzem, aprendem e, portanto, estão diretamente associadas à forma como a sociedade funciona. Como é de se esperar, nossos jovens cada vez mais estabelecem uma relação entre suas culturas e relações sociais e os recursos digitais, tornando-se necessário incorporar tais ferramentas nas práticas de ensino- aprendizagem. Reconhecer a importância das TICs e explorar suas potencialidades para realização das atividades nas diferentes áreas do conhecimento, propondo práticas e interações sociais direcionadas para a aprendizagem, é essencial para fazer com que o adolescente se envolva e se entenda como protagonista do seu processo de aprendizagem. Riscos e excessos das TICs incorporadas à educação Para além de considerar os benefícios advindos do avanço tecnológico e da incorporação do uso dessas tecnologias a serviço da educação e comunicação, temos que considerar os riscos inerentes aos seus excessos e usos nocivos. O uso de TICs representa a exposição repetida dos indivíduos a múltiplos estímulos. Entre os jovens, reconhece-se que o uso excessivo de TICs por diversas horas e em horários não tão apropriados — como tarde da noite — pode acarretar problemas para a saúde e para a aprendizagem. Períodos de sono-vigília A neurociência nos ensina que nosso organismo respeita um ciclo delicado entre períodos de vigília — quando estamos despertos e conscientes — e períodos de sono — quando estamos dormindo e diminuímos nossa atividade cerebral e estado de consciência. A quebra constante desse ciclo representa um estressor e interfere em diversos processos que estão ocorrendo em ambos os períodos, de sono ou vigília. O sono e a consolidação de memórias Por exemplo, sabe-se que fazer uso excessivo de TICs em períodos em que nosso organismo deveria estar em repouso (sono) pode prejudicar os processos de consolidação das memórias e, consequentemente, as nossas aprendizagens do dia anterior. Isso porque vários processos neuroquímicos estão ocorrendo enquanto dormimos. O sono e os processos atencionais Além disso, a estimulação excessiva aliada a poucas horas de sono pode resultar num estado de sonolência no dia seguinte, o que interfere diretamente nos processos atencionais, que vimos que são fundamentais para as aprendizagens. Ou seja, podemos observar prejuízos na assimilação dos conteúdos aprendidos anteriormente e dos novos conteúdos aos quais seremos expostos no dia seguinte. Para lidar com tais demandas próprias da rotina do adolescente, podemos novamente usar de estratégias de planejamento, organização e resolução de problemas. Além das TICs, o excesso das próprias demandas de estudo pode induzir a estimulação excessiva e as poucas horas de sono. Por esta razão, repensar tanto as estratégias e demandas de tarefas de casa para adolescentes, por diversas vezes já atarefados — algo que podemos conhecer e nos aproximarmos, se considerarmos a postura mais pessoal e de orientação do professor-educador — como também auxiliar na forma que o adolescente organiza e administra sua rotina semanal são boas formas de auxiliar na rotina do estudante. Todas essas demandas impostas sobre o adolescente representam estressores. O estresse já foi discutido como potencial fator de risco para desfechos psicossociais e de saúde mental negativos. Sabemos que demandas do ambiente que exigem adaptação do organismo são consideradas estressores. A adolescência, as novas experiências ao longo do EM, bem como decisões que serão tomadas acerca de escolhas profissionais e pessoais, com a saída da escola, oferecem bons exemplos das mais diversas demandas impostas sobre os jovens durante este período do seu desenvolvimento. 8 Em um estudo simples, pesquisadores procuraram identificar, entre adolescentes, os níveis de estresse frente às decisões que eles precisam tomar neste momento de vida. Os resultados indicaram que mais de 70% dos adolescentes se mostram estressados. Um outro estudo, desenvolvido junto a adolescentes de escolas públicas de um estado brasileiro, revelou que o estresse psicossocial esteve associado ao aumento de consumo de álcool e uso de drogas, além do aumento de pensamentos e ideações suicidas. Desfechos negativos na saúde mental aparecem especialmente quando as cargas de estressores excedem as capacidades de enfrentamento por parte dos indivíduos. Isso pode acarretar a manifestação de sintomas cognitivos, fisiológicos e comportamentais. Dentro da perspectiva psicológica, a avaliação que o adolescente faz da situação estressora está diretamente associada a sua interpretação e crença em relação às suas próprias capacidades de enfrentamento. Muitos adolescentes não possuem tais habilidades bem desenvolvidas, tornando-se um papel de pais, cuidadores e educadores estarem atentos e estimularem padrões mais adaptativos de enfrentamento de situações estressoras. Esse é um exemplo de situação que frequentemente se coloca diante dos educadores e na qual devemos pensar na atuação do profissional enquanto conselheiro, seguindo o sentido anteriormente discutido desse papel na formação do adolescente. Conforme algumas evidências provenientes de estudos com adolescentes que nos inteiram sobre o uso de estratégias de enfrentamento ao estresse, na maioria dos casos os adolescentes tendem a usar estratégias de enfrentamento baseadas em comportamentos de fuga e evitação frente aos estressores. O uso de tais recursos é sugerido como desadaptativo e de risco frente a situações adversas, especialmente quando essas situações envolvem aspectos emocionais. É comum o aparecimento de sintomas de estresse em adolescente por meio de comportamentos, tais como: retraimento e isolamento social; dificuldade de estabelecimento de vínculos e relações sociais; e problemas de comunicação. Outros sintomas psicológicos ainda podem aparecercombinados, como os sentimentos de tristeza, desesperança e ansiedade e o aumento da sensibilidade e responsividade das emoções. Crises de raiva, explosões e choros podem ser expressões comuns aos sintomas psicológicos experienciados pelos adolescentes. Por vezes tais manifestações aparecem como problemas comuns e do cotidiano da sala de aula, presentes também nos momentos de interação com os pares, o que nem sempre incita a devida atenção por parte dos profissionais que acompanham os adolescentes. Em relação ao processo de aprendizagem, é esperado que o estresse e a presença de sentimentos de humor e ansiedade alterem o funcionamento cognitivo do adolescente, afetando seu desempenho em sala de aula. Mudanças no desempenho podem ser percebidas, tais como: redução na capacidade de concentração, problemas para armazenar e evocar conteúdos aprendidos e desinteresse. Por fim, existe um aumento do risco do aparecimento de problemas psicossociais, como o uso de drogas e faltas recorrentes. Quanto à saúde física do adolescente, podem aparecer queixas de dores de cabeça e corporais ou mesmo a recorrência de doenças infectocontagiosas, como gripes e resfriados. O educador deve se fazer atento a tais manifestações a fim de proporcionar um rápido e adequado encaminhamento, sendo capaz de atenuar possíveis prejuízos associados às condições de saúde física e mental que o adolescente possa vir a apresentar. Em um estudo conduzido com 160 adolescentes do EM, foi identificada uma relação entre desempenho e aproveitamento escolar e indicadores de estresse e qualidade do sono. O estudo mostrou diferenças importantes entre os sexos, tendo adolescentes mulheres apresentado melhor aproveitamento escolar, maior índice de estresse e pior qualidade de sono quando comparadas aos adolescentes homens, o que indica que existe uma especificidade na forma como os adolescentes de cada sexo lidam e são afetados pelos estressores. Alguns autores sugerem que é importante identificar e avaliar o estresse em sala de aula. Orienta-se, então, que educadores estejam atentos às capacidades de enfrentamento e de manejo de situações estressoras e das próprias reações emocionais em situações de sala de aula que envolvam: • as aprendizagens; • capacidade de autocontrole e regulação emocional; • autoestima; • visão do adolescente de si e dos outros durante as interações sociais; • adaptação às regras e conduta a partir disso; • presença de interesse por atividades outras que não estejam relacionadas ao ensino e aprendizagem. 9 Por fim, Professor(a), algo importante de se destacar, considerando não somente a educação de adolescentes no EM, mas também o ensino de jovens e adultos (temática a ser discutida no Módulo V) em etapas posteriores do desenvolvimento, refere-se à maneira e ao uso das capacidades cognitivas, agora melhor estruturadas. Viemos discutindo os vários fatores que podem influenciar os processos de ensino e aprendizagem, tais como: o uso das tecnologias, com seus benefícios e prejuízos em potencial; as questões emocionais e o excesso de estressores; e hábitos de saúde e qualidade de vida, nos quais se incluem o sono, a alimentação e o exercício físico. Porém, um aspecto que se destaca e se faz presente na forma como adolescentes ao final do período escolar e, principalmente, adultos lidam com as demandas do ensino refere- se ao esforço excessivo e à exposição a múltiplos estímulos ao mesmo tempo, por vezes num curto espaço de tempo. Figura 6. Estudante exposto a múltiplos estímulos e estressores Fonte: Nossa autoria (2023). Adolescentes — quando se aproximam do final do EM — e adultos tendem a exigir demais das suas capacidades cognitivas, especialmente dos recursos atencionais e da memória operacional, os quais sabemos que possuem limites no que se refere às suas capacidades de processamento de informações. É comum identificarmos práticas nas quais o estudo ocorre de forma a exigir a presença de múltiplos estímulos concomitantes. A necessidade de consulta a diversos materiais e livros ou sites de pesquisa na internet coloca o estudante frente a uma variedade de estímulos que nem sempre são adequadamente organizados de modo a possibilitar um direcionamento do foco de trabalho. Além disso, é comum que os ambientes para o estudo sejam inadequados, com a presença de estímulos sonoros, visuais e outras distrações. Por mais que as salas de aula sejam ambientes frequentemente pensados ou melhor preparados e protegidos destas interferências, muito da prática e do estudo, nessas etapas avançadas da educação, ocorre fora do contexto escolar. Neste sentido, é importante que o educador possa também trabalhar com os alunos e orientá-los nas estratégias de estudo fora de sala de aula, que serão fundamentais para o processo de aprendizagem. Devemos lembrar que nossos cérebros, ainda que extremamente capazes, funcionam processando informações por canais sensoriais específicos. Isso implica na competição entre vários estímulos a serem processados por estes canais, não havendo possibilidade, em algumas situações, de que estímulos venham a ser processados ao mesmo tempo, o que obriga a alternância dos recursos atencionais. Mesmo em momentos nos quais estamos utilizando canais diferentes para o processamento de estímulos, nossa atenção precisa ser dividida, resultando em perdas no processamento das informações. Como já discutido, apenas o que processamos é aprendido e memorizado, portanto, o excesso de exposição a conteúdos e informações, tarefas e atividades tende a levar a esforços ineficientes para a aprendizagem. Figura 7. Estudante em uma rotina organizada/planejada de estudos Fonte: Nossa autoria (2023). A aprendizagem é um processo que demanda tempo, exposição, repetição e reforço. É através deste processo que se estabelecem as associações entre os estímulos e consolidam-se as aprendizagens (tanto em uma perspectiva neurobiológica como pedagógica). Os conteúdos e informações precisam ser apresentados mais de uma vez, preferencialmente de maneiras distintas, o que possibilita reforçar as conexões e ligações existentes em nosso sistema de memória. Assim, não aprendemos tudo que estudamos do dia para noite e nem por meio de estratégias universais. Ao educador, cabe o desafio de integrar as contribuições e conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro advindos da Neurociência com as exigências das etapas da educação a fim de melhor auxiliar, no caso de adolescentes no EM, a se transformarem em agentes ativos e responsáveis por suas aprendizagens e pelas importantes decisões que hão de ser tomadas a partir do ingresso na vida adulta. 10 REFERÊNCIAS ARMSTRONG, T. As melhores escolas: a prática educacional orientada pelo desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2008. BELSKY, D. W. et al. The Genetics of Success: How Single-Nucleotide Polymorphisms Associated With Educational Attainment Relate to Life-Course Development. Psychological Science , [s.l.], v. 27, n. 7, p. 957- 972, jul. 2016. BESSA, S.; FERMIANO, M. B.; CORIA, M. D. Compreensão econômica de estudantes entre 10 e 15 anos. 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