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VERSÃO REVISADA - 2024-2025 (C) TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. USO EXCLUSIVO DOS ALUNOS DO CURSO. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 1 http://psicanaliseclinica.com Módulo IV - O Método Psicanalítico Índice 1. A técnica da psicanálise para Freud 8 1.1. Freud e a Técnica da Psicanálise 8 2. O método da Associação Livre 13 2.1. O início da Psicanálise e a Associação Livre hoje 14 2.2. A gênese da Associação Livre 15 2.3. O significado de “Livre” 17 3. O início do tratamento e as entrevistas preliminares 21 3.1. O que Freud chamou de “tratamento de ensaio” 23 3.2. Para que servem as Entrevistas Preliminares? 26 4. O “meio” do tratamento: seu manejo 31 4.1. Resistências, transferência e contratransferência 32 4.2. A Psicanálise Selvagem 33 4.3. O erro e o dado em Psicanálise 35 4.4. Alteridade: o outro e o Grande Outro 41 5. Recursos e ferramentas que podem integrar a Associação Livre 47 5.1. O recurso da Atenção Flutuante 48 5.2. O método socrático (maiêutica) em Psicanálise 50 5.3. O recurso da interpretação dos sonhos 53 5.4. O recurso da análise dos mecanismos de acesso ao inconsciente 55 6. Uma síntese sobre os Procedimentos de Análise 59 7. Fim do Tratamento em Psicanálise e a ideia de Cura 63 7.1. O que não é cura em psicanálise? 64 7.2. A cura psicanalítica para Freud 66 7.3. A cura psicanalítica para Lacan 67 7.4. Análise terminável e interminável 69 7.5. Sobre o conceito de Alta 71 7.6. Encaminhamento de paciente a psiquiatra 74 7.7. Recusa ou interrupção do tratamento pelo psicanalista 76 7.8. Os objetivos de um tratamento em psicanálise 78 7.9. Reconhecer (ou constituir) seu próprio desejo 79 8. Mecanismos de acesso ao inconsciente 85 8.1. Chistes 86 8.2. Atos falhos 90 8.2.1. Definição de ato falho 91 8.2.2. Tipos de atos falhos 94 8.2.2.1. Atos falhos de linguagem 95 8.2.2.2. Atos falhos de esquecimento 97 MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 2 http://psicanaliseclinica.com 8.2.2.3. Atos falhos de comportamento 99 9. Teoria Topográfica: Primeira Tópica Freudiana 102 9.1. Conceituação da Teoria Topográfica 103 9.1.1. Como representar a Teoria Topográfica? 106 9.2. Instâncias psíquicas da teoria topográfica 106 9.2.1. O Consciente 106 9.2.2. O Pré-Consciente 114 9.2.3. O Inconsciente 119 9.3. Processo primário e processo secundário 125 9.4. Processos de funcionamento do Inconsciente 134 9.5. A topografia de personalidade 139 10. Teoria Estrutural: a segunda tópica freudiana 141 10.1. Em que consiste a Teoria Estrutural? 141 10.2. Instâncias psíquicas da teoria estrutural 143 10.2.1. O Id 144 10.2.2. O Ego 148 10.2.3. O Superego 151 10.3. O funcionamento das instâncias 154 10.3.1. O funcionamento do Id 154 10.3.2. O funcionamento do Ego 158 10.3.3. O funcionamento do Superego 164 10.4. A personalidade e sua dinâmica na Teoria Estrutural 167 11. Uma representação visual para as duas tópicas 169 11.1. Revisão: Primeira e Segunda Tópicas 171 12. Quizzes (Enquetes) 175 13. Referências bibliográficas 187 MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 3 http://psicanaliseclinica.com Introdução Esta é a apostila base referente ao módulo IV da parte teórica do Curso. Nesse módulo, vamos aprofundar alguns conceitos centrais que estruturam a clínica psicanalítica, isto é, começaremos a abordar a metapsicologia freudiana (ou seja, a psicanálise falando de si mesma, analisando-se enquanto método) e da relação entre analista e analisando. Ao longo da apostila, logo ao final de alguns capítulos, estão indicadas leituras, vídeos e/ou filmes que são importantes para o curso de formação, haja vista a relevância desses conteúdos no desenvolvimento profissional. Quando as leituras forem opcionais, haverá a indicação no próprio material. Temos também vídeo-aulas e lives de revisão dos módulos (na área de membros), que resumem os assuntos dos módulos. Para fins de realização de prova, a leitura das apostilas é suficiente. Na fase final do Curso (Supervisão), isto é, após você concluir os 12 módulos teóricos, você terá encontros ao vivo por videoconferência (transmissões ao vivo por vídeo), em que serão debatidos estudos de casos, a dinâmica da clínica psicanalítica e suas técnicas, bem como serão revisados alguns conceitos teóricos essenciais à melhor interpretação dos casos. À primeira vista, você pode pensar que a leitura desta apostila é muito extensa. Porém, a organização dos conteúdos foi feita para ser bastante didática. Você vai perceber que a leitura flui bem, porque a apostila faz revisões frequentes, traz resumos, mapas mentais e enquetes, com o objetivo de fixar os conteúdos mais importantes. Na fase final do Curso (Supervisão), isto é, após você concluir os 12 módulos teóricos, você terá encontros ao vivo por vídeo-conferência (transmissões ao vivo por vídeo), em que serão debatidos estudos de casos, a dinâmica da clínica psicanalítica e suas técnicas, bem como serão revisados alguns conceitos teóricos essenciais à melhor interpretação dos casos. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 4 http://psicanaliseclinica.com Estamos adicionando quizzes ou enquetes nos módulos. Este módulo 4 já tem enquetes, ao final desta apostila. As enquetes servem para revisar e fixar conteúdos. Importante: a prova do módulo (contendo 10 perguntas de múltipla escolha e uma redação) é diferente das enquetes (que são perguntas de verdadeiro ou falso). O que constata que você de fato terminou um módulo é fazer a prova deste módulo (10 questões de múltipla escolha + redação). Depois de ter feito a prova de um módulo, você já pode imediatamente começar os estudos do módulo seguinte. Para todos os módulos, a parte obrigatória do Curso de Formação são Apostilas + Vídeo e Provas (questões + redação) cujos links foram marcados com flechas em vermelho (acima). Estude a apostila e faça a prova (10 questões + uma redação) para concluir um módulo (então, faça o módulo seguinte, até o módulo 12). Já os materiais complementares (indicados com flechas azuis acima) são opcionais. Dedique-se ao máximo às leituras e demais materiais. Embora a formação on-line possibilite uma autonomia de tempo e andamento para a MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 5 http://psicanaliseclinica.com compreensão dos conteúdos, a qualidade do entendimento das temáticas fundamentais à formação e prática profissional depende muito do comprometimento e da seriedade com que você irá se dedicar. Aproveite bem os materiais e bons estudos! MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 6 http://psicanaliseclinica.com IMPORTANTE Estamos constantemente revisando e melhorando nosso material. Você está recebendo esta que é a nova versão da apostila do Módulo 4, atualizada para 2023-2024. Nossos materiais são revisados e melhorados com certa frequência. Recomendamos que, após concluir o Curso, você revise os módulos já estudados: servirá para você aprofundar seu aprendizado e para verificar novas versões de nossos materiais. Este material pertence ao Curso de Formação em Psicanálise Clínica (www.psicanaliseclinica.com). Sua divulgação paga ou gratuita não é permitida sem prévia autorização do nosso Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica (CNPJ 28.447.037/0001-81). Informe-nos qualquer uso não autorizado, pelo e-mail contato@psicanaliseclinica.com. Este material é parte das aulas do Curso de Formação em Psicanálise. Proibida a distribuição onerosa ou gratuita por qualquer meio, para não alunos do Curso. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 7 http://www.psicanaliseclinica.com mailto:contato@psicanaliseclinica.com http://psicanaliseclinica.com 1. A técnica da psicanálise para Freud Embora haja uma modificação dos conceitos teóricos de Freud ao longode sua obra, dois pontos são mantidos no que concerne à sua importância: ● o papel central da sexualidade, que se origina desde a vida infantil; e ● o inconsciente. No que diz respeito à técnica da Psicanálise, após passar a adotar o método da associação livre, Freud não abandonará mais este método. Este método é, também, uma constante na obra de autores pós-freudianos. Ao associar livremente suas ideias, o paciente no decorrer do tratamento vai superando as suas resistências e deste modo os conteúdos do inconsciente são trazidos para a consciência. 1.1. Freud e a Técnica da Psicanálise O paciente neurótico é aquele no qual o conflito psíquico entre consciente e inconsciente é intenso. O recalque incide sobre o neurótico e sua satisfação é realizada nas “formações de compromisso”, principalmente por meio dos sintomas. Segundo Freud, a mola mestra da clínica psicanalítica é a transferência, que é ambígua, ou seja, positiva e negativa: amor transferencial e hostilidade. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 8 http://psicanaliseclinica.com A transferência é, então, a “permissão” que o analisando concede para que o analista esteja imerso na rede de significados deste analisando, permitindo ao analista indagar e propor interpretações. É através dessa inserção do psicanalista na cadeia de representações do paciente que o psicanalista pode, por meio da interpretação e construção, dar prosseguimento à análise. Como a doença (ou sintoma, ou demanda) inicial do paciente não é estática, com a transferência ela se transforma em neurose de transferência. Segundo Freud, “eliminar essa neurose equivale a eliminar a doença inicial”. A construção designa a atividade do analista de completar aquilo que foi esquecido, a partir dos traços que foram deixados pelo paciente (analisando). A interpretação indica o desejo. A psicanálise pelo método da associação livre se contrapõe à sugestão hipnótica; esta tenta solucionar os sintomas por meio de sugestões, e por outro lado o seu próprio emprego acarreta no encobrimento do recalque. A psicanálise é uma análise causal, isto é, busca identificar evidenciar as relações entre causa e consequência, sendo: ● a causa: aquilo que está recalcado (a representação-meta); ● a consequência: os sintomas ou os incômodos que o paciente relata (as representações substitutas daquilo que foi interditado no inconsciente). A Psicanálise se propõe a identificar e remover suas causas. Apesar disso, a Psicanálise não incide só sobre as raízes dos fenômenos, mas possa também refletir sobre as consequências (a forma de ver os sintomas, por exemplo). Deste modo, a Psicanálise com seu arcabouço teórico se insere no campo da ética, e, como tal, se revela a ética do impossível, já que não impõe MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 9 http://psicanaliseclinica.com uma determinada moral aos seus pacientes, mas deixa a cargo dos mesmos tomar a decisão por si mesmos. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 10 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) Em algumas de nossas apostilas, indicaremos artigos relacionados aos assuntos do módulo. A leitura desses artigos é opcional para fins de prova, mas recomendamos que você busque sempre essas (e outras) fontes para se aprofundar nos temas abordados. ● Artigo: O que é o Método Psicanalítico? ● Artigo: Etapas da Terapia Psicanalítica ● Artigo: Conceito de Representação em Freud LIVES MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 11 https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-metodo-psicanalitico/ https://www.psicanaliseclinica.com/etapas-terapia/ https://www.psicanaliseclinica.com/representacao/ http://psicanaliseclinica.com Acesse sua área de membros e, depois, clique em “Lives & Gravações”. Você terá acesso a dezenas de lives gravadas, muitas delas abordando assuntos debatidos neste Módulo. Além disso, também na área de membros você encontra vídeo-aulas sobre os assuntos deste Módulo. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 12 http://psicanaliseclinica.com 2. O método da Associação Livre Teremos oportunidade de aprofundar outros aspectos da clínica psicanalítica, como transferência, contratransferência e resistência. Faremos isso nos módulos seguintes e nos estudos de casos práticos na etapa de Supervisão do nosso Curso. Por ora, convém abordar a essência da clínica psicanalítica, que é a técnica ou método da associação livre. Vimos nos módulos anteriores que Freud substituiu a primazia da sugestão hipnótica em favor da associação livre. Isso significa dizer que a associação livre passa a ser o método psicanalítico por excelência, o que permanecerá durante toda a trajetória de Freud. Em outras palavras, a associação livre é a forma mais notadamente psicanalítica para conduzir uma sessão de análise. O paciente fala e, falando, já há um alívio psicofísico, pelo simples fato da mobilização mecânica descarregar parte da tensão psíquica. Mas, além deste aspecto quantitativo, há a dimensão qualitativa, isto é, do conteúdo: falando o que lhe vier na cabeça (sem autocensura, sem censuras do analista e sem censuras das representações sociais ou morais), o paciente “distrai” seus mecanismos de defesa, permitindo aflorar aspectos inconscientes. Nesse sentido, não há certo ou errado, não há “perder o foco”. Ou melhor, Freud diria que “perder o foco” é exatamente a chave para encontrar o inconsciente. Afinal, os sonhos, os atos falhos e os chistes são exemplos desses ricos “erros”. Nós nos basearemos na contribuição de LAPLANCHE & PONTALIS, para aprofundarmos a reflexão sobre a associação livre. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 13 http://psicanaliseclinica.com A associação livre é um método que consiste em exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que ocorrem ao espírito, quer a partir de um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação), quer de forma espontânea. O processo de associação livre é constitutivo da técnica psicanalítica. Não é possível definir uma data exata de sua descoberta, que se deu de modo progressivo entre 1892 e 1898, e por diversos caminhos. 2.1. O início da Psicanálise e a Associação Livre hoje Vimos nos módulos anteriores que Sigmund Freud, nos seus trabalhos com Jean-Martin Charcot e Josef Breuer, usou da sugestão hipnótica e do método catártico. Vimos também que, mesmo nessa fase inicial, já existiam sinais de uma nascente associação livre. E que, depois que Freud seguiu sua MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 14 http://psicanaliseclinica.com atuação mais autônoma, rejeitou a hipnose e a sugestão, para desenvolver reflexões sobre o seu método definitivo: a associação livre. Então, hoje não é possível o psicanalista “escolher” qual método usar, pois aconselhamentos, sugestões e hipnose não integram fazer psicanalítico, embora tudo isso tenha uma importância na gênese da psicanálise como campo do saber. Também, a nosso ver, a atenção flutuante, a interpretação dos sonhos ou a maiêutica não são outros métodos da psicanálise. A nosso ver, são ferramentas que podem integrar a Associação Livre. Falaremos sobre todos estes assuntos a seguir. 2.2. A gênese da Associação Livre Como é demonstrado pelos Estudos sobre a histeria (Freud, 1895), a associação livre emana de métodos pré-analíticos de investigação do MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 15 http://psicanaliseclinica.com inconsciente que recorriam à sugestão e à concentração mental do paciente em uma determinada representação; a procura insistente do elemento patogênico desaparece em proveito de uma expressão espontânea do paciente (entenda melhor este aspecto lendo os comentários de Freudao caso Emmy Von N., abaixo sintetizado). Os Estudos sobre a histeria põem em evidência o papel desempenhado pelos pacientes nesta evolução. Paralelamente, Freud utiliza o processo de associação livre na sua auto-análise e particularmente na análise dos seus sonhos. Aqui, é um elemento do sonho que serve de ponto de partida para a descoberta das cadeias associativas que levam aos pensamentos do sonho. As experiências anteriores à Freud consistiam no estudo das reações e dos tempos de reação (variáveis segundo o estado subjetivo) a palavras indutoras. Isto é, o analista sugeria algumas palavras e o analisando respondia rapidamente, com o que lhe vinha à cabeça. Carl Gustav Jung põe em evidência o fato de que as associações que assim se produzem são determinadas pela totalidade das idéias em relação a um acontecimento particular dotado de uma coloração emocional, totalidade à qual dá o nome de complexo. Freud, em A história do movimento psicanalítico (1914), admite o interesse dessas experiências “para se chegar a uma confirmação experimental rápida das constatações psicanalíticas e para mostrar diretamente ao estudante esta ou aquela conexão que um analista apenas pode relatar”. Talvez convenha ainda fazer referência a uma fonte que o próprio Freud indicou em Uma nota sobre a pré-história da técnica analítica (1920): o escritor Ludwig Börne, que Freud leu na juventude, recomendava, para alguém “se tornar um escritor original em três dias”, escrever tudo o que ocorre ao espírito, e denunciava os efeitos da autocensura sobre as produções intelectuais. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 16 http://psicanaliseclinica.com Essas ideias, sem dúvidas, influenciaram a livre associação de Freud, que, depois, aproveitaria a noção da livre expressão de ideias como forma de minimizar a autocensura. Além disso, Freud não focaria no processo de induzir o paciente com palavras sugestivas de forma aleatória, mas sim aproveitando de conteúdos trazidos pelo próprio analisando (seus sonhos, seus atos falhos, seus desejos relatados etc.). No mais das vezes, a iniciativa das escolhas sobre o que falar se originavam do próprio analisando, sendo o analista alguém que faz apontamentos curtos, em geral na forma de perguntas que provocam no analisando o sentido por trás de suas associações. 2.3. O significado de “Livre” Nesse sentido, a título de conclusão, o termo “livre” na expressão “associação livre” exige as seguintes observações: MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 17 http://psicanaliseclinica.com ● Mesmo nos casos em que o ponto de partida é fornecido por uma palavra indutora (experiência de Zurique) ou por um elemento do sonho (método de Freud em A interpretação de sonhos, 1900), pode-se considerar que é “livre” o desenrolar das associações, na medida em que esse desenrolar não é orientado e controlado por uma intenção seletiva; ● Essa “liberdade” acentua-se no caso de não ser fornecido qualquer ponto de partida. É nesse sentido que se fala de regra de associação livre como sinônimo de regra fundamental para a Psicanálise. ● Na verdade, não se deve tomar liberdade no sentido de uma indeterminação: a regra de associação livre visa em primeiro lugar eliminar a seleção voluntária dos pensamentos, ou seja, segundo os termos da primeira tópica freudiana, pôr fora de jogo a censura dos processos secundários (entre o consciente e o pré-consciente). A associação livre ajudaria a revelar, assim, as defesas inconscientes, quer dizer, a ação da primeira censura (entre o pré-consciente e o inconsciente), a censura daquilo que está mais profundamente recalcado. ● Por fim, o método das associações livres destina-se a pôr em evidência uma ordem determinada do inconsciente: “Quando as representações-metas conscientes são abandonadas, são representações-metas ocultas que reinam sobre o curso das representações”, diz Freud. Explicando esta última frase de Freud: uma ideia fixa trazida à terapia (por exemplo, uma fobia específica) é uma representação consciente, isso pode ir se relacionando a outras ideias (livremente associadas), de modo a sugerir um sistema de funcionamento psíquico que motivaria a fobia e todo aquele constructo, até então oculto. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 18 http://psicanaliseclinica.com Verifique esta ideia sobretudo no que Freud nos relata da sua paciente Emmy Von N. Respondendo à solicitação insistente de Freud, que busca a origem de um sintoma, ela lhe diz “... que [Freud] não deve ficar sempre perguntando de onde vem isto ou aquilo, mas deixá-la contar o que tem para contar” (Estudo sobre a histeria, 1895). Sobre a mesma paciente, Freud nota que ela parece ter-se apropriado do seu processo”: “As palavras que me dirige [...] não são tão inintencionais como parecem; reproduzem antes com fidelidade as recordações e as novas impressões que agiram sobre ela desde a nossa última conversa e emanam muitas vezes, de modo inteiramente inesperado, de reminiscências patogênicas de que ela se liberta espontaneamente pela palavra.” (idem) MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 19 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: O Método da Associação Livre em Psicanálise ● Artigo: Associação Livre para Freud e a Psicanálise ● Artigo: Freud, Charcot e a Hipnose na paciente Emmy Von N. ● Artigo: Freud e o Inconsciente MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 20 https://www.psicanaliseclinica.com/metodo-da-associacao-livre-em-psicanalise/ https://www.psicanaliseclinica.com/associacao-livre-freud/ https://www.psicanaliseclinica.com/freud-charcot-e-a-hipnose-na-paciente-emmy/ https://www.psicanaliseclinica.com/freud-e-o-inconsciente/ http://psicanaliseclinica.com 3. O início do tratamento e as entrevistas preliminares Quando dizemos que uma pessoa está fazendo análise, queremos dizer que esta pessoa está fazendo um tratamento clínico com psicanálise, ou seja, ela faz terapia com um psicanalista. Neste texto, você aprenderá como é o início de um processo de análise, e falaremos também sobre a diferença entre demanda e desejo. Utilizaremos a teoria de Freud e algumas elaborações de Jacques Lacan, fazendo referência principalmente a Jacques Alain Miller. Também a Psicanálise se utiliza das entrevistas em seu método clínico, porém o faz com algumas peculiaridades em relação às terapias de natureza comportamentais. Vejamos alguns pontos centrais. Na Psicanálise, para que seja possível o início do tratamento, é recomendado que seja realizado durante um período entrevistas preliminares. Durante esse período, é realizada uma sondagem diagnóstica para que seja possível iniciar o tratamento. Essa sondagem não se resume a um questionário de anamnese com perguntas e respostas no formato “sim” ou “não”. Mas um diálogo entre potenciais analista-analisando no qual seja possível o sujeito fazer uma narrativa de sua própria vida, da sua história. As entrevistas preliminares podem durar uma única sessão, ou mesmo algumas semanas. São necessárias para que se possa conhecer as motivações que levaram o paciente a procurar o Psicanalista. Algumas vezes, MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 21 http://psicanaliseclinica.com ● uma sessão é suficiente para o início de uma compreensão inicial e para firmar o contrato terapêutico, ● embora algumas sessões seguintes ainda façam parte de uma compreensão mais completa, nesta fase de tratamento de ensaio. Aqui, neste texto, quando falarmos da entrevista psicanalítica estaremos entendendo, via de regra, não somente a primeira sessão, mas sim as primeiras sessões necessárias para cumprir os objetivos do tratamento de ensaio. Além de ter a motivação diagnóstica, de possibilitar a identificação, ou pelomenos, gerar uma suspeita de qual tipo de estrutura Psíquica (neurose, psicose ou perversão) o sujeito está enquadrado, é o período em que o profissional traça a direção do tratamento mais adequado para aquele paciente. A sondagem diagnóstica possibilita diferenciar se os sintomas apresentados são de uma neurose histérica ou obsessiva, ou de o início de um desencadeamento de uma psicose, que só poderá ser percebido após um período, ou pelo menos crie suspeitas desse possível diagnóstico. A Psicanálise não é composta de métodos pré-definidos, com causas e efeitos determinados. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 22 http://psicanaliseclinica.com 3.1. O que Freud chamou de “tratamento de ensaio” Freud, em “Sobre o início do tratamento” (1913), menciona a importância do que chamava de tratamento de ensaio. Este ocorria antes da análise propriamente dita, e nesta etapa Freud decidia se aceitaria ou não o paciente. Posteriormente, Lacan irá falar em entrevistas preliminares, que seriam correlatas ao tratamento de ensaio de Freud. Esta fase seria anterior ao paciente “deitar-se no divã”, ou seja, é a fase de estabelecimento do contrato psicanalítico. Veja que, como “contrato”, entende-se a formação de um “acordo de entendimento” sobre o paciente (e suas demandas iniciais), o analista, os horários, os pagamentos e o funcionamento do método da associação livre. Isso não significa um contrato escrito. Assim, embora existam diferenças entre autores, é possível compreender como sinônimos: MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 23 http://psicanaliseclinica.com Tratamento de Ensaio Entrevistas Preliminares Entrevista Psicanalítica ou Analítica Formação do contrato psicanalítico Início do tratamento O objetivo principal das entrevistas preliminares consiste em ● direcionar a transferência àquele analista específico; simultaneamente, serve para ● elaborar uma hipótese diagnóstica, a produção de um sintoma analítico – o qual não é necessariamente aquele do qual o sujeito chega se queixando – e a produção de uma demanda de análise propriamente (Quinet, 1991). As entrevistas preliminares marcam que o início de uma análise não se dá com a entrada do paciente (também chamado de analisando) no consultório do analista. É o fim das entrevistas preliminares que cumpre a função de estabelecer um corte, marcando a entrada no discurso analítico. Numa primeira vista, essa diferença pode não ser facilmente perceptível, pois as entrevistas preliminares seguem as mesmas regras da análise: também nas entrevistas preliminares o sujeito deve associar livremente, isto é, mencionar livremente “o que lhe vier à cabeça”. Contudo, não se interpreta o discurso do paciente durante essas entrevistas. Nesse momento, o analista fala o mínimo possível, apenas o suficiente para que o sujeito prossiga em seu discurso. Isto porque está em jogo a questão diagnóstica: deixa-se o paciente falar para que uma hipótese possa ser formulada acerca da estrutura do sujeito (neurose, perversão, MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 24 http://psicanaliseclinica.com psicose), e também porque é próprio paciente quem introduz os significantes que irão “guiar” sua análise. É nesse momento que o analista decide se irá ou não acatar aquela demanda de análise. “O fato de receber alguém em seu consultório não significa que o analista o tenha aceito em análise” (Quinet, 1991, p.15). O analista pode recusar-se a autorizar uma análise se, por exemplo, perceber uma estrutura psicótica (se entender que há riscos de desencadeamento de um surto, pelo qual terá que se responsabilizar), ou porque o paciente já se encontra num estágio que o analista acha por bem não levar adiante – lembremo-nos daquela máxima que uma análise só vai até o ponto onde foi a análise do analista. É importante reforçar que a informação anterior foi apenas a título de exemplo. Há psicanalistas que trabalham com pacientes psicóticos. Vamos reforçar este aspecto: o analista, após formado, segue fazendo sua própria análise, isto é, deve ser ele analisando de outro psicanalista. Além disso, deve ter vínculo com Instituto, Associação ou Psicanalista mais experiente, que lhe acompanhe na supervisão dos casos que estiver atendendo. Se o analista não enfrenta suas questões em sua análise e supervisão e, depois, se depara com um paciente cujas demandas vão além daquelas que o próprio analista já estudou e analisou em si mesmo (junto a outro profissional), dizemos que a análise foi além do ponto de análise do analista, este analista não estará apto para aceitar aquele paciente. A rigor, sem ser analisado e ser supervisionado, o analista não pode seguir atuando. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 25 http://psicanaliseclinica.com 3.2. Para que servem as Entrevistas Preliminares? As entrevistas preliminares servem também para que se configure o sintoma analítico enquanto tal. O sintoma do qual o sujeito chega ao consultório se queixando expressa, geralmente, uma demanda de cura, ou demanda de amor (no sentido de “ter a dedicação de atenção” do analista), MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 26 http://psicanaliseclinica.com mas não uma demanda de análise: esta deverá ser produzida através da retificação subjetiva. Quando o sujeito procura o analista, ele se apresenta a este através de seu sintoma: um significante. Por exemplo, se a demanda do paciente é uma angústia insuportável, este é o significante a partir do qual a entrevista partirá. É este significante que irá representar o paciente, num primeiro momento, ao menos para o analista. O paciente é esta angústia. O analista, por sua vez, é um outro significante, um significante qualquer fabricado pelo analisando em sua fantasia. Como regra, o analisando atribui ao analista um significante de autoridade, ou de alguém que irá resolver suas dores, ou de alguém que não levará o paciente a lugar nenhum: essas ideias são criadas pelo paciente em decorrência de sua trajetória, de sua formação mental e deste contato inicial com o psicanalista. Este analista passa a ser, na visão do paciente, o que Jacques Lacan chama de sujeito suposto-saber. Isto é, o analista é o sujeito que o analisando supõe ter um notório saber e que poderá “resolver seu problema”. Isso, no início, é fundamental para a formação do par analítico (analista-analisando) e da relação transferencial. Assim, o sujeito, no início do processo, acredita que o analista detém um saber ou um poder de cura, e coloca o analista no lugar de autoridade, que Lacan denominou de sujeito suposto-saber. Se no início do processo a demanda do sujeito é a de se desvencilhar, de se curar de um sintoma, a retificação subjetiva fará com que o sintoma inicial passe ao estatuto de sintoma analítico (ou seja, um sintoma que agora estabelece o vínculo entre analista e analisando), constituindo uma demanda de análise propriamente dita, endereçada àquele analista específico. Ao mesmo tempo, estabelece-se a transferência, que tem um caráter simbólico, em relação ao analista. Este fenômeno é essencial para que se dê uma análise. Ao se configurar o sintoma analítico, este passa a ser um enigma a ser decifrado pelo sujeito analisando (com o suporte do analista). Este MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 27 http://psicanaliseclinica.com enigma aponta para uma divisão do analisando: uma parte de si é o paciente que livre-associa, a outra parte de si é aquele enigma (sintoma) que buscará ser desvendado. É o que se chama de histericização do discurso. É como se a energia afetiva do paciente se voltasse menos para o sintoma em si e mais para o sintoma analítico (aquele demandado pelo analisando e sintetizado pelo par analítico nas entrevistas preliminares)e para a forma como esse sintoma analítico ajudou a criar o vínculo de transferência com o analista. Esse sintoma analítico é a imagem inicial criada pelo par analítico que responde à demanda do analisando e que resume respostas a perguntas como: “qual ideia inicial sobre mim mesmo?” e “qual sintoma me identifica ou me define?”. Obviamente que este sintoma analítico tende a ser constantemente reformulado (via de regra, complexificando-se) com o andamento das sessões. Assim, resumidamente, as entrevistas preliminares cumprem as seguintes funções: ● instaurar a transferência num nível simbólico e estabelecer o vínculo terapêutico (diz-se que a transferência é o motor da análise); ● apresentar a demanda de cura, que inicialmente é acolhida pelo analista (por exemplo, quando o sujeito diz “tenho depressão”); ● realizar a retificação subjetiva dessa demanda, transformando a demanda de amor ou de demanda de cura em demanda de análise; ● implicar (isto é, comprometer) o sujeito (analisando) no sintoma, para que se configure um sintoma analítico (“você disse que tem depressão, mas como é para você ‘ter depressão’?”); ● colocar o sujeito a questionar-se sobre seu sintoma, histericizando seu discurso e ● permitir a elaboração, por parte do analista, de uma hipótese diagnóstica inicial. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 28 http://psicanaliseclinica.com Resumindo, sobre o começo do tratamento: Quando ocorrem as entrevistas preliminares? A partir do momento em que o potencial analisando procura o psicanalista, com uma demanda analítica ou demanda de cura. Quanto tempo duram? Pode durar uma sessão, duas sessões, um mês etc. Não há tempo pré-definido. As Entrevistas Preliminares duram o tempo necessário para o psicanalista criar uma hipótese terapêutica e o analisando se localizar no ambiente de confiança para livre-associar. Para que servem? - Estabelecer o vínculo terapêutico - Recolher e retificar a demanda de cura - Permitir uma hipótese diagnóstica inicial MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 29 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: Entrevistas preliminares e o início do tratamento MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 30 https://www.psicanaliseclinica.com/inicio-do-tratamento/ http://psicanaliseclinica.com 4. O “meio” do tratamento: seu manejo No tópico anterior, abordamos o início do tratamento: as entrevistas preliminares. Não há um marco muito objetivo para se saber quando acaba este tratamento de ensaio e começa o "meio do tratamento". De toda forma, esse "meio" aconteceria depois de já haver um reconhecimento inicial: sobre o paciente, sobre sua demanda inicial e, pelo paciente, sobre o funcionamento do método da associação livre e sobre o analista. É importante lembrar que tudo que vamos falar nos próximos tópicos sobre “meio do tratamento” se aplicam também ao início e ao fim do tratamento. Não há um método diferente para cada “etapa” do tratamento. O tratamento, inclusive, é marcado por muitas idas e vindas, sendo que a ideia positivista de progresso precisa ser vista com cautela. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 31 http://psicanaliseclinica.com 4.1. Resistências, transferência e contratransferência O que entendemos é que este “meio” é normalmente a parte mais extensa de um tratamento, onde tudo relacionado à análise pode acontecer. Por ser mais extenso, é onde a análise se complexifica e onde ficam mais nítidos fenômenos como: ● resistências: por exemplo, o paciente empregando os mecanismos de defesa durante as sessões de terapia, para interditar um maior aprofundamento sobre suas dores e seus desejos; ● transferência: haveria um fortalecimento do vínculo entre analista e analisando, o que pode se dar tanto pelo que Freud chama de transferência negativa (o tratamento arredio ou fechado que o analisando pode adotar para com o terapeuta) quanto a transferência positiva (que é o aspecto deste vínculo que favorece o analisando sentir-se mais seguro na análise e livre-associar mais); MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 32 http://psicanaliseclinica.com ● contratransferência: é possível que o analista tente implicar no seu próprio desejo e na sua visão de mundo (do analista) o analisando. Também é possível que o analista assuma um lugar de "conselheiro", o que é indesejável à psicanálise. Sobre os mecanismos de defesa (vistos em módulos anteriores), é importante destacar que integram a vida psíquica do sujeito dentro e fora da terapia. Quando ocorrem na terapia, costuma-se dizer que estão funcionando como resistências à clínica. Como regra, a contratransferência tende a ser prejudicial ao progresso da análise, pois rompe com os princípios da neutralidade e abstinência pelo analista. Lembrando que o analisando não precisa ser neutro, mas isso é um princípio ou uma meta na ética do analista. 4.2. A Psicanálise Selvagem MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 33 http://psicanaliseclinica.com Em conexão com o tema da contransferência, há o que Freud chamou de psicanálise selvagem; tal psicanálise seria aquela conduta despreparada e apressada do psicanalista em interpretar e “oferecer respostas” ao analisando. Além da pressa na análise, o psicanalista selvagem usa ideias de conceitos entendidos superficialmente para definir o analisando. É nítido que a psicanálise selvagem é um ato narcisista do analista, porque o analista se coloca como o juiz e como a medida de todas as coisas, mesmo quando seu conhecimento ainda se encontra em um nível raso para isso. O psicanalista selvagem age como Procusto, no mito clássico grego, em que as vítimas precisavam ter o tamanho exato do leito ou cama desse carrasco: ● se fossem menores que o leito, Procusto as esticava até ficarem do tamanho da cama; ● se fossem maiores, Procusto serrava parte de seus corpos (cabeça ou pernas); De um jeito ou de outro, as vítimas ficavam do tamanho exato do leito de Procusto. Trata-se de uma alegoria da psicanálise selvagem e também da pretensão humana de aniquilar as diferenças e as especificidades, adequando à visão de mundo do intérprete aquilo tudo que lhe é exterior e lhe seria desconhecido. Uma forma de reconhecer o desconhecido. Entende-se que a contratransferência indevida e a psicanálise selvagem são evitadas (ou atenuadas) quando o analista leva a sério sua atuação, seguindo o método psicanalítico e seguindo seu tripé psicanalítico, mesmo depois de formado: ● aprendendo e revisando constantemente a teoria psicanalítica, por meio do estudo de novos cursos e livros; ● sendo supervisionado por psicanalista mais experiente, para debater os casos que estiver atendendo; e MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 34 http://psicanaliseclinica.com ● fazendo sua própria análise pessoal, para resolver suas questões, junto a outro psicanalista. 4.3. O erro e o dado em Psicanálise MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 35 http://psicanaliseclinica.com Inicialmente, precisamos propor uma diferenciação entre erro e dado. Nosso objetivo é demonstrar que uma posição em favor do dado é mais propícia ao aprendizado, tanto nos estudos da linguagem quanto na Psicanálise. Para os objetivos deste texto, entende-se: ● Erro: o oposto de “certo” ou de “acerto”. Então, adotar uma postura apressada de julgar algo como certo ou errado pode muitas vezes limitar nosso aprendizado acerca não só do objeto estudado, mas também acerca do comportamento dos sujeitos que o observam. ● Dado: elemento que possa se tornar informação e, depois, analisado para tornar-se conhecimento. Assim, o objeto observado não é visto como certo ou errado, mas sim como um dadopotencialmente informacional. Não estamos aqui defendendo uma postura “isencionista”. Nossa mente trabalha também por meio de julgamentos. E há muitas situações diárias em que a definição de um certo ou errado é colocada a nós (mas tentemos ser menos apressados ao atribuir essa definição). Também não defendemos a ideia de que o dado seja independente do sujeito: não existe dado em si, não existe dado “transparente”, pois os dados dependem dos sujeitos que os olham. Coletar um dado em vez de outro é uma atitude do sujeito. Então, o dado: ● não é apenas objetivo (da coisa analisada), ● mas é também subjetivo (permeado pelo sujeito que o observa ou mesmo que o cria). MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 36 http://psicanaliseclinica.com Se adotarmos a postura do erro ou se simplemente tentarmos “corrigi-lo”, vamos encerrar o debate e pouco aprenderemos além do que já sabemos. Já se adotarmos a postura do dado, vamos ter uma oportunidade de nos perguntar sobre o que levou àquele “erro”. Esta última perspectiva parece-nos mais adequada ao método científico. Se o psicanalista tem seus conceitos teóricos ou morais muito rigidamente formados, poderá julgar o analisando a partir de seus critérios absolutos. Assim, o analista estará atento aos “erros” do analisando, isto é, às ocasiões em que o analisando extrapole a moral do analista ou não se encaixe aos conceitos que o analista decorou. Por outro lado, se o analista enxerga um elemento como um dado (e não como um erro), terá a oportunidade de lançar um novo olhar sobre o analisando e a terapia. Assim, observará a relação do evento com outros eventos, dentro de um sistema de valores mais contextualizado àquele analisando. Claro que poderá haver um certo ou um errado, quando adotamos a postura de priorizar um dado. Mas esse certo ou errado será dentro de um contexto do próprio analisando e será enunciado depois de atenuadas as nossas armaduras. Vamos pensar nas três partes da psique humana conforme propostas por Freud na segunda tópica: ● ego: a instância de maior vocação racional, que responde para o mundo e para o próprio ser “quem eu sou?”, que possibilita o atendimento das demandas do mundo exterior ao ser e que também “negocia” (dentro do possível) um “acordo de interesses” entre as duas outras instâncias; ● id: a instância que é totalmente inconsciente, pulsional, “selvagem”, uma instância que busca a pura satisfação e que não se expressa numa linguagem clara aos padrões da racionalidade, tampouco se submete aos padrões de temporalidade e espacialidade. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 37 http://psicanaliseclinica.com ● superego: uma instância que é uma especialização de Freud responsável pelos valores morais (certo/errado) e impõe ao ego uma dimensão de sacrifício do prazer em prol dos benefícios que o ego terá com a divisão social do trabalho, possibilitada pela vida em sociedade. O erro, então, é inerente à psique humana. Afinal, essas instâncias da mente não se comunicam numa mesma “linguagem” e com base em iguais interesses. É impossível não pensar que o erro seja um fator constante na interação entre essas instâncias. Mesmo quem desconfie se nossa psique funciona mesmo assim, é inegável a ideia de que temos vozes interiores discrepantes, que nos constituem. E a existência dessas vozes configuram barreiras a qualquer ideia de uniformidade mesmo individual, quanto mais uma ideia uniformidade entre duas pessoas diferentes, ou na sociedade. Algumas perguntas que servem como antídoto a esta rotulação apressada (e também antídotos à contratransferência imprópria e à psicanálise selvagem), e que podem ser usadas no setting analítico: ● é certo ou é errado do ponto de vista de quem? ● definir isso como errado (ou como certo) me permite aprender o quê a respeito do objeto ou dos sujeitos? ● o que este suposto erro (ou acerto) pode me “revelar”? como posso aprender com ele? ● como isso afeta a vida do analisando, sua vida psíquica, sua autopercepção, seus relacionamentos? ● ao identificar algo como errado (ou como certo), estou mobilizando quais princípios e ideologias? ● quem acha certo (ou errado)? como? para quem? por quê? quando? quanto? quão relevante? MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 38 http://psicanaliseclinica.com MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 39 http://psicanaliseclinica.com MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 40 http://psicanaliseclinica.com 4.4. Alteridade: o outro e o Grande Outro Assim, o erro é uma possibilidade trazida pela diferença. E é um fator de enriquecimento psíquico e social. Muitas vezes, a aniquilação do erro é um erro ainda maior: a aniquilação da diferença e do outro. Em última instância, o erro é o desejo de um ditador em aniquilar as diferenças relevantes, em aniquilar a alteridade (a perspectiva de outro). Este “outro” pode ser: ● a) O outro de nós mesmos (com “o” minúsculo), nosso desconhecido, nosso inconsciente ou mesmo nosso id. Vimos que este “outro” está presente na terapia. Por exemplo, quando o analisando diz que não consegue cumprir as metas que ele mesmo se impõe. Isso sugere haver pelo menos dois “eus”: o que quer o cumprimento da meta (talvez um superego) e o que não quer cumpri-las (talvez um id). MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 41 http://psicanaliseclinica.com ● b) O Grande Outro (com “O” maiúsculo), conforme definição de Jacques Lacan. Para Lacan, o Grande Outro é o lugar daquilo que nos faz dizer “eu sou, eu sei, eu quero, eu posso”. Veja que isso independe de regras ou leis escritas, nem depende necessariamente de punição. É o lugar do outro que é internalizado em nós e que nos orienta em nossas decisões, nos nossos medos e desejos, até na forma com que sentimos e nos relacionamos. Por exemplo, uma paciente pode revelar grande apreço pelos ensinamentos de seu pai, ou de um professor, ou de um amigo, ou de um pensador, ou de uma ideologia, ou de uma religião. Todos esses exemplos de “heróis” ou “ideais de verdade” representam o Grande Outro, que estabelece um ideal superegoico do que este sujeito deve ser, fazer ou desejar. Um exemplo do “outro” com “o” minúsculo é o do próprio analisando no setting analítico. O analisando é, ao mesmo tempo: ● o “eu” (aquele que toma a palavra para falar com o psicanalista e que, pelo menos em tese, busca uma “melhora” ou uma “cura”), ● mas é também o “outro” (aquele que é analisado, seu enigma, seu sintoma). E, como exemplo do Grande Outro na terapia: quando o paciente se diz desvinculado de uma pessoa, uma ideologia política ou religiosa (como uma religião ou um ideal político ou o pai) mas que pode ainda estar exercendo inconscientemente os ditames deste Grande Outro. Assim, é como se este Grande Outro passasse a fazer parte de seu “ideal de eu”, um superego a reger sua conduta. Isso é internalizado na vida psíquica pela palavra (pelo discurso, que é a palavra aplicada à vida social). Pode até mesmo ocorrer de o psicanalista se tornar o Grande Outro de seu paciente. Como quando o paciente tenta dizer para o analista coisas que, na visão desse analisando, passariam pelo crivo do analista, muitas vezes até mesmo usando o discurso e vocabulário do analista. É como se o MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 42 http://psicanaliseclinica.com analisando só se expressasse depois de refletir sobre a imagem que ele faz da imagem que o analista faz dele (analisando). Veja que a atribuição do sujeito suposto-saber é recorrente e, de certa forma, favorável à relação transferencial do início de tratamento. Entretanto, o excesso pode verter esse suposto-saber em uma autoridade ainda maior, “sagrada”, do Grande Outro. Essa conduta via de regrainconsciente do analisando em tomar o analista como o Grande Outro poderá ser uma resistência a ser vencida, como uma racionalização. Vencendo-a, permite-se que o analisando revele-se mais sobre si mesmo e sobre seu desejo. Veja como a alteridade nos constitui como sujeitos. Isto é, nós somos a imagem que fazemos da imagem que o (O)outro faz de nós. Isto é bastante óbvio na cultura. A rigor, não escolhemos nossa língua materna, nem nossa forma de nos vestir ou pensar, nem nossas crenças religiosas. Ainda por uma linha lacaniana, podemos dizer que até mesmo o nome-do-pai (o prenome que escolheram para nós e o sobrenome que herdamos via de regra da linhagem paterna) é escolha que outros nos fizeram. Portanto, já nascemos imersos em discursos (e desejos) dos outros, que depois incorporamos como discursos (e desejos) nossos. E toda essa reflexão estará, obviamente, presente na terapia, dentre os relatos e demandas de nossos analisandos. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 43 http://psicanaliseclinica.com MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 44 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: O Erro e o Dado em linguística e psicanálise ● Artigo: Procusto: o mito e seu leito na mitologia grega ● Artigo: Psicanálise Freudiana: 50 principais conceitos resumidos MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 45 https://www.psicanaliseclinica.com/erro-e-dado/ https://www.psicanaliseclinica.com/procusto/ https://www.psicanaliseclinica.com/psicanalise-freudiana/ http://psicanaliseclinica.com ● Artigo: Racionalização como mecanismo de defesa ● Artigo: O que é Alteridade em linguística e psicologia MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 46 https://www.psicanaliseclinica.com/racionalizacao/ https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-alteridade/ http://psicanaliseclinica.com 5. Recursos e ferramentas que podem integrar a Associação Livre Existem alguns princípios que regem a associação livre, como vimos anteriormente. Entretanto, não há um arcabouço rígido do que pode ser usado no setting analítico. Por exemplo, “fazer perguntas ao analisando” é uma técnica bastante útil para favorecer a livre associação, embora não seja um recurso específico da psicanálise. A rigor, quaisquer recursos que não contrariem os princípios da associação livre e da Psicanálise podem ser usados, com o objetivo de quebrar resistências (do analisando e do analista) e favorecer a livre associação. Veremos a seguir algumas ferramentas que entendemos que possam complementar o método psicanalítico. Tais ferramentas integram uma lista não exaustiva, isto é, são apenas exemplos. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 47 http://psicanaliseclinica.com 5.1. O recurso da Atenção Flutuante A atenção flutuante é muitas vezes chamada de método psicanalítico, o que a nosso ver não estaria correto. Isso porque não é algo diferente da associação livre, mas sim é um conjunto de ferramentas ou recursos que integram a associação livre. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 48 http://psicanaliseclinica.com Assim, de uma forma simplificada, podemos dizer que: ● o paciente livre-associa, ● enquanto o analista mantém sua atenção flutuante. A atenção flutuante do analista é importante para: ● minimizar a contratransferência imprópria, quando o analista não decide ele mesmo quais temas serão tratados na análise; ● sem se prender a uma ideia fixa, o analista poderá “fisgar” ideias lançadas pelo analisando e elaborar estruturas sistêmicas (em relação ao que o analisando disse em outras sessões). Estas elaborações interpretativas que o analista faz não são imposições. O interessante é que sejam propostas (como na forma de perguntas ao analisando). Pois, o essencial é haver tempo e elementos para o próprio analisando realizar uma ideia sobre si, sobre sua trajetória e sobre o que virá a ser, o que em psicanálise se chama de perlaboração. Assim, a atenção flutuante pressupõe que o analista não se prenda a padrões rígidos de julgamento ou de auto-certezas, nem limite assuntos fixos que o analisando poderá trazer. Deve, sim, o analista oferecer ao analisando uma presença atenta (com perguntas, implicações e análises) em que a associação livre possa reverberar e ir tomando linhas de significados. Concluímos que a atenção flutuante não é um método da psicanálise. É, sim, um conjunto de ferramentas e técnicas que integram o método da associação livre, como a interpretação dos sonhos e as técnicas da maiêutica. Em contrapartida à fala livre que faz o analisando, a atenção flutuante representa uma “escuta livre” que faz o psicanalista, por isso a atenção flutuante rege a conduta e a ética do psicanalista no setting. E isso integra o método psicanalítico maior da Associação Livre. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 49 http://psicanaliseclinica.com 5.2. O método socrático (maiêutica) em Psicanálise Sabemos que a associação livre é o método psicanalítico por excelência. Trata-se de oportunizar ao analisando o espaço seguro para falar livremente sobre si, sua infância, suas experiências mais recentes, seus valores, seus ideais, seus desejos e suas frustrações. O método socrático pode ser um recurso adicional dentro do método da livre associação. Isso porque é uma forma de ajudar a trazer avanços nesta parte do "meio do tratamento". Não se opõe ao método da associação livre; pode, sim, ser ferramenta adicional para favorecer a livre associação do paciente. Dá-se este nome a uma dinâmica conversacional inspirada no estilo dialógico de perguntas e respostas atribuído a Sócrates, conforme relatos de obras de Platão. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 50 http://psicanaliseclinica.com Sócrates (470 – 399 a.C.) foi um filósofo ateniense do período clássico da filosofia grega. Considerado um dos precursores da filosofia, inspirou tanto Platão quanto Aristóteles. Em pedagogia e filosofia, entende-se método socrático como sendo o método indutivo de ensino-aprendizado e reflexão. Por este método, o “mestre” realiza perguntas, muitas delas já de certa forma direcionadas, para que o aprendiz responda (usando o raciocínio lógico) e chegue às suas próprias conclusões. Supõe-se que Sócrates usava este método com seus discípulos; algumas dessas lições chegariam até nós pela escrita de Platão, que buscou reproduzir em partes os diálogos socráticos. Do ponto de vista pedagógico, o método socrático (também chamado de maiêutica socrática ou método dialógico) é interessante por: ● engajar o aprendiz no processo de ensino-aprendizado; ● ao concluir, o aprendiz psicologicamente considera o aprendizado como sendo “seu”, potencializando a internalização desse conhecimento. Então, em Pedagogia, podemos dizer que um professor que seja mais expositivo possivelmente não aplicará o método socrático. Já um professor que elabora perguntas para os alunos responderem e a partir disso vá criando uma elaboração indutiva de construção do conhecimento estará usando o método socrático. Em comparação com o método socrático, podemos dizer que existem semelhanças e diferenças em relação ao método psicanalítico da associação livre. Semelhanças entre associação livre e método socrático ● a associação livre é também um método indutivo, ● a associação livre existem idas e vindas de perguntas e respostas MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 51 http://psicanaliseclinica.com ● existe a elaboração psíquica-intelectual do “aprendiz” (no caso, o analisando), ● há o suporte do “mestre” (no caso, o analista), ● é fundamental o interesse do aprendiz (analisando), ● valorizam-se as falas do analisando e a perlaboração(que é uma forma de internalizar o autoconhecimento). Diferenças entre associação livre e método socrático ● o analista precisa evitar direcionar o pensamento do analisando, ● não há um aprendizado final que seja igual para todos os analisandos, ● não deve haver uma ideia de sugestão moral de “certo” ou “errado” pelo analista (apenas o analisando é medida de si), ● não há mestre/aprendiz no setting analítico (embora o analisando atribua ao analista o lugar de sujeito suposto-saber), ● o setting terapêutico tem suas especificidades e seus objetivos diferentes do simples ensino-aprendizado ou da “transmissão de conceitos”. Então, há várias semelhanças do método socrático com o método da associação livre. Apesar disso, é importante reforçar que o diálogo terapêutico possui elementos diferentes a outras interações verbais (como o ensino-aprendizado), pois existem especificidades quanto ao setting analítico, à formação do par analítico e às técnicas próprias de manejo da resistência, transferência e contratransferência. O analisando não é “aprendiz” (embora estejamos todos em constante aprendizado) e o analista não é “professor” ou “mestre”. Ainda que o MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 52 http://psicanaliseclinica.com analisando atribua este lugar de sujeito suposto-saber (de “mestre”), o analista não deve usar desta atribuição para exercer este papel, nem para ser um conselheiro. Ressalte-se que, na maiêutica, muitas vezes o mestre está conduzindo o aprendiz por um caminho falsamente livre. O mestre pode já saber as respostas ao perguntar, sendo que suas perguntas ao aprendiz funcionariam como se fossem perguntas retóricas. Já em psicanálise, essa condução guiada pelo analista seria um exemplo desastroso de psicanálise selvagem e de contratransferência imprópria. Apesar dessas diferenças, consideramos que algumas aplicações do método socrático (ou maiêutica) podem ser proveitosas na reflexão sobre o fazer do método psicanalítico. 5.3. O recurso da interpretação dos sonhos MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 53 http://psicanaliseclinica.com Vimos que a psicanálise não usa mais técnicas de sugestão hipnótica, nem usa de aconselhamentos. Costuma-se dizer que a psicanálise usa apenas dois métodos: ● o método da associação livre pelo analisando e ● a interpretação dos sonhos. Porém, a rigor, entendemos que a Psicanálise enquanto método resume-se tão-somente à associação livre, porque a interpretação de sonhos se dá na terapia e também mediada pela livre associação. Afinal, o analisando irá falar na terapia sobre seus sonhos usando a livre associação, como poderia falar sobre quaisquer assuntos. Falaremos especificamente sobre a interpretação dos sonhos nos módulos seguintes do nosso Curso de Formação. Por enquanto, nossa ideia de trazer este tema é apontar que a interpretação dos sonhos não seria um método diferente (muito menos discordante) do que é a Associação Livre. Afinal, a interpretação dos sonhos (para as finalidades psicanalíticas) aconteceria dentro da terapia, isto é, no setting analítico, entre analista e analisando. Não significa que o analisando conheça tudo isso de maneira consciente (pois, como sabemos, há grande parte inconsciente). Mas, por múltiplas aproximações e correlações sistemáticas, vai se chegando a um sistema psíquico do analisando, com a ajuda da interpretação do psicanalista. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 54 http://psicanaliseclinica.com 5.4. O recurso da análise dos mecanismos de acesso ao inconsciente Vamos ampliar um pouco o que falamos no início do tópico anterior. Há também quem entenda que a psicanálise usa de dois métodos: ● o método da associação livre pelo analisando e ● a interpretação dos sonhos, chistes, sintomas e atos falhos. Sobre a interpretação dos sonhos, já falamos no tópico anterior. Agora, precisamos pontuar que, a nosso ver, a interpretação de chistes, atos falhos e sintomas não são métodos diferentes da associação livre. Novamente, reforçamos que o método psicanalítico resume-se tão-somente à associação livre. Afinal, a interpretação de sonhos, chistes, sintomas e atos falhos se dá na terapia e também mediada pela livre associação. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 55 http://psicanaliseclinica.com A interpretação dos sonhos será aprofundada nos módulos futuros do Curso. Já sobre os outros mecanismos de acesso ao inconsciente (chistes, atos falhos e sintomas) serão abordados mais adiante neste Módulo. E teremos ainda um módulo específico sobre psicopatologias, em que a temática do sintoma será aprofundada. Anteriormente neste Módulo, falamos sobre erro e dado em Psicanálise. Os erros podem ser motivados por causas potencialmente inconscientes Vamos retomar esta discussão, agora sob a perspectiva de entendermos como o analista pode manejar esses erros como dados, com o objetivo de quebrar resistências e propiciar novos conteúdos de análise. Assim: ● os sonhos, tão valorizados pela interpretação dos sonhos em psicanálise, “erram” a lógica lúcida, como ao modificar as relações de causa-efeito, espacialidade e temporalidade; ● os chistes e os atos falhos (que abordaremos mais adiante neste Módulo) são “erros” potencialmente reveladores do desejo etc.; ● os sintomas psicossomáticos são “erros” na forma como o corpo converte a energia psíquica recalcada em uma manifestação física/corporal; ● as interações entre nossas instâncias psíquicas (ego, id e superego) não se baseiam em uma linguagem unívoca e num acordo de interesses que tenham reais chances de resultarem num “acerto”. Da mesma forma, especificamente quanto ao método psicanalítico: ● a associação livre, método psicanalítico por excelência, explora a ideia de que as relações de verdade começam a ser estabelecidas quando analista e analisando se esforçam (sem pressa) para depurar (e até mesmo realçar) os aparentes erros e irrelevâncias que emergem da fala do analisando no setting analítico; MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 56 http://psicanaliseclinica.com ● a atenção flutuante, forma de proceder do analista no setting analítico, pressupõe que o analista não se prenda a padrões rígidos de julgamento ou de auto-certezas, nem limite assuntos fixos que o analisando poderá trazer, mas oferecer ao analisando uma presença atenta (com perguntas, implicações e análises) em que a associação livre possa reverberar e ir tomando linhas de significados. E estes são apenas alguns exemplos, poderíamos citar muitos outros de como a Psicanálise valoriza o “erro” como um “dado”. E ainda temos o Complexo de Édipo. Este complexo baseia-se na história mítica de um erro: do filho (Édipo) que “sem querer” mata o pai (Laio) para desposar a mãe (Jocasta). E Freud pinça este “erro” trágico como um dado, que é compreendido como uma informação. E, depois, Freud ainda verte esta informação em um conhecimento, ao alegorizar essa narrativa em um Complexo útil à compreensão sobre o desenvolvimento humano. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 57 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: O que é Complexo de Édipo? Conceito e História ● Artigo: Livro Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente ● Artigo: Atos falhos ● Artigo: A Interpretação dos Sonhos: análise do livro de Freud ● Artigo: Atenção flutuante MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 58 https://www.psicanaliseclinica.com/conceito-complexo-de-edipo/ https://www.psicanaliseclinica.com/chistes/ https://www.psicanaliseclinica.com/atos-falhos/ https://www.psicanaliseclinica.com/a-interpretacao-dos-sonhos/ https://www.psicanaliseclinica.com/atencao-flutuante-significado/ http://psicanaliseclinica.com 6. Uma síntesesobre os Procedimentos de Análise Os psicanalistas praticam técnicas específicas e que se valem, acessoriamente, de vários outros conhecimentos para atuar sobre a dinâmica humana definida como Psíquica e que se caracteriza por ser uma realidade absoluta de natureza intangível e idiossincrática (individualizada). Falamos do não tangível apenas para, de saída, reforçarmos a dificuldade do nosso trabalho, pois, se os males a que nos contrapomos são reais, tudo o mais que temos de considerar é impalpável, simbólico e de complexo acesso, uma vez que lidamos com o emocional e um emocional, na maioria das vezes, desconhecido por ser inconsciente. Nós, psicanalistas, não usamos instrumentos físicos e, tratando de pessoas, não as tocamos, não lhes ministramos qualquer droga, nem ao menos lhe damos conselhos. Ainda assim, os procedimentos da psicanálise são capazes de provocar melhoras significativas e, para alguns casos, a cura para sintomas geradores de mal-estar. Daí dizermos que o nosso ofício é uma arte, desafiadora, é verdade, e que, por isso mesmo, exige de nós uma total dedicação, o máximo de horas de estudo, supervisão, pesquisa e análise pessoal. Segundo Freud, “Os processos psíquicos são, em si mesmos, inconscientes e os processos conscientes são atos isolados, frações da vida psíquica total. Os processos da vida psíquica inconsciente, são dominados, na maior parte, pelas tendências que podem ser qualificadas de sexuais, no sentido restrito ou lato do termo. Este último pressuposto é, na realidade, a característica fundamental da MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 59 http://psicanaliseclinica.com Psicanálise, que consiste, essencialmente, na tentativa de explicar a vida inteira do homem e não só aquela privativa ou individual, mas também a pública e a social, recorrendo a uma única força que é o instinto sexual ou libido, no sentido técnico deste termo.” Temos que ter sempre presente que, mesmo sendo dedicadamente estudiosos, jamais teremos atingido o grau desejável de conhecimento, pois nunca nos firmaremos num diagnóstico a partir do estudo de peças anatômicas, nem de filmes radiográficos, nem de exames laboratoriais, nem da descoberta de novas drogas, nem de testes psicométricos, uma vez que o nosso paciente é um ser humano ímpar, que veio de um ambiente familiar ímpar e que se desenvolveu ajustando-se às condições ímpares, influenciadas pela maneira ímpar como ele entendeu o que atuou sobre ele de forma continuada ou então lhe aconteceu por uma fração de segundo, num abrir e fechar de olhos. Concluindo, como sugestão para o “meio da análise”, é o psicanalista estar atento aos sonhos, chistes, atos falhos e sintomas trazidos pelo analisando, bem como às suas dores e desejos (diretos ou latentes). Essas sugestões aqui permitem evitar o esvaziamento da terapia: ● refletir sobre as resistências, transferências e contratransferências que emergem das sessões de psicanálise; ● pedir para que o analisando conte seus sonhos, e buscar possíveis interpretações reveladoras do padrão psíquico do analisando; ● abordar os chistes e atos falhos do analisando, inclusive atos falhos cometidos pelo paciente durante as sessões; se um paciente troca uma palavra, esquece-se de um nome ou acha graça de alguma coisa, são assuntos potencialmente relevantes à sua vida psíquica, sobre os quais o psicanalista poderá perguntar; MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 60 http://psicanaliseclinica.com ● aprofundar-se sobre os autodiagnósticos trazidos pelo analisando acerca de sua condição (como “tenho depressão”, perguntando-lhe “o que para você é ter depressão?”) e refletir sobre as causas dos sintomas relatados pelo analisando (como fobias, angústias, ansiedades e compulsões); ● refletir sobre os comportamentos ou “repetições” de conduta do analisando: aquilo que ele sempre diz fazer ou como ele sempre se diz sentir (como os hábitos, manias ou compulsões); ● refletir sobre as frustrações e os desejos do analisando (lembrando que desejos mais profundos podem ser reconhecidos e afirmados quando a análise já está mais avançada); ● pensar seus relacionamentos com os outros (na infância, na adolescência, hoje…); ● refletir sobre como o analisando define a si, define os outros e como se relaciona com os Grandes Outros de sua vida atual ou pregressa; ● refletir sobre como o analisando define certos conceitos relevantes para sua vida psíquica (como quando o psicanalista lhe pergunta: “o que é depressão para você?”; “você entende que havia amor neste acontecimento que você trouxe?”). Tudo isso pode ser feito sem perder de vista a atenção flutuante e as perguntas inspiradas no método socrático. Por esvaziamento, entende-se a perda do desejo do analisando em continuar em análise, o que pode ter muitas razões. O silêncio não é necessariamente um sinal do esvaziamento; então, o analista não deve se preocupar em preencher cada brecha mínima de silêncio. Muitas vezes, o silêncio é um momento de interiorização e reflexão necessário ao analisando, para elaborar conteúdos antes abordados em terapia, ou sobre o que de relevante ele trará depois (em palavras) para a análise. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 61 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: Recordar, repetir, elaborar MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 62 https://www.psicanaliseclinica.com/recordar-repetir-e-elaborar/ http://psicanaliseclinica.com 7. Fim do Tratamento em Psicanálise e a ideia de Cura A ideia de cura em psicanálise pressupõe uma resolução da dor psíquica do sujeito. Mas, será possível uma solução completa para todas as dores psíquicas? Se partirmos das ideias de que somos sujeitos desejantes e de que o inconsciente não pode ser totalmente acessado, sempre restará um lugar não resolvido para as dores psíquicas. Falar em cura em psicanálise, segundo Sigmund Freud e Jacques Lacan, significa em certa medida falar em uma significativa melhora. Isto é, reduzir determinados sintomas psíquicos que antes eram definidoras do sujeito (como “eu sou muito depressivo”), em favor de um quadro de melhora em que esse sintoma (no exemplo, “depressão”) deixe de resumir o próprio sujeito analisando, da perspectiva desse sujeito. Afinal, não há uma medida exata para saber se a pessoa está de fato curada, por serem aspectos subjetivos. A autopercepção do sujeito-analisando será fundamental. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 63 http://psicanaliseclinica.com 7.1. O que não é cura em psicanálise? Antes de falar o que é, vamos começar falando o que não é. A cura em psicanálise NÃO é: ● Inserir o sujeito em um esquema de normalidade ou normatividade que seja alheio ao desejo do próprio sujeito. ● O sujeito ter domínio completo sobre si mesmo, algo impossível exatamente pelas dimensões do inconsciente e do desejo. ● Um progresso linear (a terapia é um processo sujeito a idas e vindas). ● Uma panaceia (solução para todos os males). ● Um “ensino”, algo que se ensina a outra pessoa, nem mesmo um analista pode ensinar a cura a um analisando. ● O analista desejar algo para o analisando, ou seja, não é dizer o que o analisando deve desejar. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 64 http://psicanaliseclinica.com Começamos pelas definições negativas: o que não é. Porém, sabemos que, da perspectiva da filosofia, o conceito terá mais força se sua definição for positiva: o que é. Então, o que é cura em psicanálise? Qual a definição de cura ou conceito de cura? Qual sua real possibilidade? Correntes psicanalíticas terão diferentes concepções sobre cura ou melhora psíquica ou término do tratamento, como: ● Melanie Klein: uma “cura” seria elaborar sobre percepção/posição depressiva.● Donald Winnicott: uma “cura” seria desenvolver o verdadeiro self. ● Escola da Psicologia do Ego: uma “cura” seria maior adaptabilidade do ego às suas zonas não conflituosas. Aprofundaremos estas três abordagens acima em outra oportunidade. Por enquanto, vamos focar nas concepções de cura para Freud e para Lacan. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 65 http://psicanaliseclinica.com 7.2. A cura psicanalítica para Freud Para Sigmund Freud, o objetivo do tratamento é o que chamou de cura prática, ou uma “melhora significativa”. Esta cura ou melhora pode ser vista: ● por um aspecto qualitativo (mudança de estado) e ● por um aspecto quantitativo (redução do “quantum” de dor do sintoma). Grosso modo, a psicanálise tem como objetivo tornar consciente o que estava inconsciente, isso inclui ampliar a visão do sujeito sobre si mesmo e sobre seu mal-estar. Então, no processo analítico, o sintoma passa a ter uma dupla dimensão: ● Parte consciente: possíveis causas do mal-estar vão se tornando conhecidas; elaborar esse conhecimento a partir da personalidade do sujeito é um dos caminhos para a melhora psíquica. ● Parte inconsciente: mesmo fazendo análise, muitos elementos continuarão inconscientes. Afinal, é no inconsciente que está a maior parte de nossa vida psíquica. Então, é de se supor que parte das causas do sintoma continue não sabidas. Mas, ainda que o sintoma não desapareça, a psicanálise ajudará o sujeito a passar por um processo em que não se estigmatize nem se incapacite como alguém definido pelo sintoma (reduzido ao sintoma). Isso significa que, se um analisando chegou à clínica dizendo “sou depressivo”, um sinal de melhora seria, ao final, ele não se definir mais assim. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 66 http://psicanaliseclinica.com E isso, ainda que não seja uma cura em termos absolutos, será uma melhora possível, uma cura prática ou uma cura relativa que será possível alcançar e que vai melhorar a vida do sujeito. Ainda para Freud, as mais importantes tarefas da psicanálise seria esta ideia de melhora, que passaria principalmente por: ● Fortalecimento do ego: para que o ego consiga cumprir suas funções de identidade, da ordem desejante nos conflitos entre id e superego e das demandas da realidade externa. ● Recuperação das capacidades de amar (gozar) e realizar (trabalhar, agir sobre o mundo). 7.3. A cura psicanalítica para Lacan MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 67 http://psicanaliseclinica.com Para Jacques Lacan, a demanda de cura vem da voz de um sofredor. Nesse sentido, a voz do analisando é central para determinar se um tratamento está caminhando para cura/melhora ou para piora. O desejo é muitas vezes disforme. Uma maneira de entender o desejo de alguém é quando esta pessoa consegue reduzir o seu desejo a uma demanda. Por exemplo, “eu quero X”. Cabe ao analista recolher essas demandas trazidas pelo analisando. E, no processo clínico, elaborar essas demandas, com o objetivo que o analisando encontre-se consigo. Encontrar-se consigo seria, em resumo, encontrar-se com seu desejo: reconhecer os desejos que lhe causem satisfação (ou menos tensão) e afirmá-los. Então, para Lacan, a cura em psicanálise é uma melhora que passa também por um fortalecimento do ego, que pode ser expresso principalmente por dois termos lacanianos: ● Travessia da fantasia: percurso sobre a significância e autodefinição do próprio ser, com o sujeito sendo capaz de se afirmar como ser desejante (“eu sou…”). ● Destituição subjetiva: no setting analítico, significa que o analisando vai “destronar” (retirar do trono) o sujeito suposto-saber do analista; este lugar em que, de início, o analisando colocou o analista para o bem da análise e para a formação dos laços transferenciais. De forma similar à destituição subjetiva, a cura ou melhora passará por um movimento do analisando em destituir o equivalente ao sujeito suposto-saber também de fora do setting (fora da terapia). Isso implica deixar de reverenciar todos os outros Grandes Outros e o desejo dos outros, colocando no lugar o desejo do próprio analisando. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 68 http://psicanaliseclinica.com 7.4. Análise terminável e interminável Uma psicanálise pode ser interminável? No caso específico da Psicanálise, embora costume ser uma terapia de longo prazo, isso não significa necessariamente uma análise interminável. Sabemos que há psicanalistas que seguem uma linha de psicanálise breve, o que pode ser questionável e até correr o risco de uma “psicanálise selvagem”. A psicanálise breve adota uma tese de ser possível um caminho mais ágil para um encerramento do tratamento, focado em demandas iniciais específicas. Entendemos que a duração de uma psicanálise dependerá muito: ● das demandas trazidas pelo analisando e MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 69 http://psicanaliseclinica.com ● da forma que ele entenda o sempre perigoso termo “progresso”. Há analisandos que fazem análise há anos (ou mesmo décadas); em grande medida, conseguiram resolver suas principais demandas, sentem-se melhor, mas querem continuar fazendo análise enquanto viverem, exatamente em razão da dimensão inesgotável que é a experiência humana. Se certos analisandos entenderem que, apesar de sua melhora nos aspectos mais urgentes de suas dores psíquicas, a psicanálise deverá seguir por toda a vida, que assim o façam. Os analisandos que pensam assim provavelmente terão uma percepção interessante sobre si e sobre a dinâmica do método psicanalítico: novas demandas vão surgindo, o desenvolvimento psíquico é contínuo, ninguém poderá supor estar pronto(a). Quanto aos tipos de término de uma terapia psicanalítica, podemos dizer que a análise pode ser: ● interrompida, quando o analisando abandona a análise, mesmo sentindo que não alcançou a resolução sequer parcial das demandas iniciais ou decorrentes da terapia. A interrupção pode ocorrer por inúmeros motivos, muitas vezes ligados às resistências do analisando e à falta de vínculo transferencial no setting analítico. ● concluída, isto é, encerrar a terapia por um caminho que se costuma chamar de “alta”, quando o analista e o analisando convencionam que a terapia cumpriu ao menos parte de seu propósito e que, também por inúmeras razões, outras demandas parecem não surgir, ou o analisando estabeleceu resistências rígidas demais para novas questões. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 70 http://psicanaliseclinica.com 7.5. Sobre o conceito de Alta A visão de ser possível uma análise concluída é questionada por linhas da psicanálise, que concebem que psicanalista não dá alta, só o analisado. Porém, está ideia é um pouco reducionista, porque: ● o conceito de “alta” tem uma semântica médica; pode-se optar por não usá-lo em psicanálise, mas usá-lo como sendo escolha do paciente, parece-nos um desvio bastante significativo, sendo melhor falar em interrupção, neste caso, sobretudo quando o analista (a outra parte do par analítico) não corrobora este término; ● há técnicas (como a psicanálise breve), escolas e autores da psicanálise que defendem a ideia de que seja possível chegar a uma situação de “fechamento” (ainda quando prefiram não usar o termo “alta”); ● entender uma situação de fechamento por motivos de certo esgotamento das demandas de cura do analisando em razão de sua MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 71 http://psicanaliseclinica.com melhora, ou do esgotamento do desejo do analisando com a terapia ou até mesmo do esgotamento da capacidade do analista, não resulta em considerar que o analisando esteja “pronto”, mas apenas considerar que aquele par analítico cumpriu certo propósito, dadas certas condições.Além disso, um fechamento pode significar que as demandas de cura que definiam o analisando foram pelo menos parcialmente atendidas. Se levarmos a sério a ideia de que é o analisando quem define sua melhora, há que se considerar que o analisando também possa decidir por interromper ou fechar um tratamento. Não significa um fechamento definitivo, sobretudo porque este analisando pode retomar sua análise no futuro, com novas demandas, no mesmo par analítico ou em um novo par analítico. As interrupções ou fechamentos (vindos do analisando, do analista ou da convenção entre ambos) não significam necessariamente cura. Podem significar: ● uma melhora do analisando, que pode considerar retomar a terapia no futuro (com o mesmo ou com outro analista), ● uma incompatibilidade do analisando para com o método psicanalítico da livre associação, ● uma dificuldade na construção de uma relação transferencial ou contratransferencial adequada, ● um esgotamento da capacidade técnico-pessoal do analista para o caso, ● entre outros fatores. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 72 http://psicanaliseclinica.com Podemos entender que a cura em psicanálise é o analisando retomar a capacidade de realizar tarefas? Há que se ter cuidado em pensar a Psicanálise como uma resposta prática a tarefas e tomadas de decisões, isso é mais do feitio de linhas comportamentais (como terapia cognitivo-comportamental ou TCC), não de linhas analíticas (como a psicanálise). Esta divisão costuma trabalhar duas grandes linhas metodológicas diferentes, a saber: ● uma linha mais comportamental: terapia focada em mudança de hábito e comportamentos, como a TCC), ● outra linha mais analítica: terapia focada no entendimento sobre o ser, como a psicanálise. São percursos diferentes, ambos válidos, embora a psicanálise entenda como mais efetivo o viés analítico. Por sua própria natureza analítica e subjetiva, é tão mais ingênuo tentar determinar parâmetros rígidos e universais para a ideia de cura em psicanálise. Indiretamente, o alisando poderá apresentar uma maior disposição para realizar tarefas e mudar hábitos. Mas isso será consequência do fortalecimento de seu ego e da compreensão dos desejos do próprio analisando. Pois, a Psicanálise entende que a mera realização de tarefas impostas pelos outros resulta em um superego rígido demais, causando dores psíquicas a um sujeito que não aprendeu a dar vazão pelo menos parcial a seus desejos. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 73 http://psicanaliseclinica.com 7.6. Encaminhamento de paciente a psiquiatra Um psicanalista pode encaminhar seu paciente para um psiquiatra? Antes de mais nada, é importante distinguir: ● psicanalista: é o analista formado em curso de formação em psicanálise e que, depois de formado, segue obrigatoriamente desenvolvendo-se, isto é, estudando a teoria, sendo supervisionado por outro psicanalista e sendo analisando (paciente) de outro psicanalista. ● psiquiatra: é o médico com especialização em psiquiatria; pode ou não atuar com psicanálise também. É o único profissional da área de saúde mental que pode receitar medicamentos. E o que dizer se o analisando disser, durante a terapia, que já está sendo acompanhado por psiquiatra e que faz uso de medicamentos, como MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 74 http://psicanaliseclinica.com antidepressivos ou ansiolíticos? Resposta: que o psicanalista recomende que o analisando continue com este acompanhamento com o psiquiatra. O psicanalista deve reforçar que a terapia psicanalítica atuará em complemento com os medicamentos. O psicanalista deve reforçar que apenas o psiquiatra pode prescrever e suspender o uso de medicamentos. Claro que o analisando pode trazer o debate sobre como se sente usando medicamentos. Pode até dizer ao psicanalista que está tendente a parar de usar medicamentos. Mas, é importante ressaltar que, a nosso ver: ● não deve o psicanalista dizer “então pare!”, pois não cabe ao psicanalista suspender medicação, nem mesmo de forma indireta; ● o psicanalista poderá, sim, dizer: “você pode dizer ao seu psiquiatra que deseja parar”. E se o analisando perguntar em terapia a opinião do analista sobre o analisando começar um acompanhamento com psiquiatra? Ou se o psicanalista observar que esta colaboração do psiquiatra pode ser importante, mas o analisando tem uma resistência ao uso dos medicamentos? Nestes casos, é interessante conversar em terapia com o analisando. Pode ser que o analisando tenha alguma resistência quanto à busca também de um psiquiatra (que é quem avaliará a necessidade de medicamentos). Não seria, de toda forma, um encaminhamento que o psicanalista estaria fazendo; seria no máximo um apontamento para que o analisando considere a respeito. Em muitos casos, os medicamentos terão uma atuação mais rápida na promoção de um bem-estar psíquico. E isso permitirá que a terapia psicanalítica tenha mais tempo e tranquilidade para prosseguir com as questões existenciais do paciente. De toda forma, é importante o psicanalista reforçar ao analisando que medicamentos não são panaceias. E que, no campo da qualidade de vida MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 75 http://psicanaliseclinica.com mental, o autoconhecimento que a terapia psicanalítica possibilita é o que trará resultados a longo prazo. 7.7. Recusa ou interrupção do tratamento pelo psicanalista Um psicanalista pode recusar um paciente ou interromper um tratamento? Sim. O psicanalista pode recusar um analisando (no início ou no meio do tratamento). Isso se dá especialmente em dois casos: ● se o analista entender que a terapia chegou a um ponto de uma resistência inquebrável, ou MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 76 http://psicanaliseclinica.com ● se o analista considerar que não tem os recursos técnicos necessários para atender determinado paciente. Essas avaliações e decisões podem ser feitas tanto no início do tratamento (e o psicanalista recusar um paciente) quanto no decorrer de uma análise. Quanto ao aspecto da resistência: ela é parte do processo terapêutico. Pode ser um sinal de que a terapia está se preparando para saltos mais qualitativos, como pelo fortalecimento da transferência ou da quebra de temas tabus. Tanto analista quanto analisando devem ter cuidado para não abandonarem o tratamento logo nas primeiras resistências. Quando as resistências ficarem fortes demais, ainda assim, entendemos que será preciso prosseguir por mais algumas sessões, até que se constate que a relação terapêutica esteja completamente esgotada. Pode acontecer também de o analista considerar não ter os recursos técnicos para conduzir o tratamento com determinado paciente. Reconhecer isso não é sinal de fraqueza. O contrário (isto é, não reconhecer) poderá ser um gesto narcísico do analista. Para que o analista tenha elementos para gerar melhores resultados ao analisando, bem como para reconhecer os casos de recusa de tratamento, é preciso que o analista atue com qualidade e responsabilidade. E, para isso, é fundamental o psicanalista: ● seguir estudando a teoria, por meio de leituras e novos cursos; ● ser supervisionado por outro psicanalista mais experiente, com quem possa debater os casos que estiver atendendo; e ● ser analisando de outro psicanalista, isto é, fazer sua própria análise pessoal. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 77 http://psicanaliseclinica.com Estes três elementos (teoria, supervisão e análise) compõem o tripé psicanalítico. Nenhum psicanalista pode se chamar assim se não estiver em desenvolvimento permanente, neste tripé. 7.8. Os objetivos de um tratamento em psicanálise Mas, em síntese, o que é cura para a psicanálise? Mesmo não havendo uma ideia exata de cura, comopodemos saber se uma psicanálise atingiu seus objetivos em relação a um determinado analisando? Na psicanálise, as mudanças de hábitos são consequências nem sempre diretamente visíveis. Alguns dos objetivos principais associados à psicanálise são: ● o entendimento do “ser” (um autoconhecimento), ● a construção de sentidos sobre possíveis padrões inconscientes que determinem o sujeito, MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 78 http://psicanaliseclinica.com ● os significados atribuídos à história de vida, às pessoas, às coisas, à cadeia de significantes etc., ● o fortalecimento do ego e ● a identificação com o seu próprio desejo. Avanços nestas perspectivas acima listadas serão vistos pelo analisando como melhoras psíquicas. Mesmo quando, pela própria natureza humana concebida pela psicanálise, não seja possível falar em um ser humano “perfeito”, acabado e com todas as suas questões resolvidas. Afinal, a própria hipótese psicanalítica da existência de um inconsciente deveria demover tanto analista quanto analisando da ideia de “total controle” e “total conhecimento de si”. 7.9. Reconhecer (ou constituir) seu próprio desejo MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 79 http://psicanaliseclinica.com A Psicanálise é uma teoria sobre as consequências do desejo em nós. Isso significa que somos: ● os desejos que realizamos e ● os desejos que não realizamos. O desejo é central no processo identitário de um sujeito. E, assim, o será também como medida para o bem-estar do sujeito. Será, por isso, um fator central trabalhado em terapia. Afinal, a complexidade do desejo implica que o sujeito pode: ● não saber o que deseja, ● ter desejos ambivalentes ou ● desejar os desejos dos outros. Uma citação atribuída ao grego Hipócrates: “é mais importante saber que tipo de pessoa tem uma doença do que saber que tipo de doença uma pessoa tem”. A psicanálise seguirá também esta ideia, no sentido de identificar que um sintoma terá uma causa relacionada à constituição psíquica e à personalidade do analisando. Ou seja, é mais importante conhecer a pessoa do doente (os pensamentos, acontecimentos e hábitos que a adoeceram) do que conhecer que doença a pessoa tem. O desejo do analisando em saber mais sobre si o “habilita” a ser um analisando em psicanálise, isto é, a buscar o tratamento psicanalítico. Esse sujeito desconfia de que não entende tudo sobre o que lhe causa a dor. E identifica que precisa de um olhar de fora. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 80 http://psicanaliseclinica.com Se, pela perspectiva lacaniana, o sintoma é a realização substitutiva do desejo (isto é, a forma de um desejo reprimido se manifestar), entender o desejo atinge o sintoma, no sentido de superá-lo ou minimizá-lo. O processo analítico deve propiciar uma autonomia para que o analisando diga “sim”, “não” (e, às vezes, “sim/não”) em seus próprios termos, não a partir do desejo do outro. Afinal, o que significa “cura” para você? Você pode se sentir frustrado ou desolado por ter descoberto que a ideia de cura quando pensamos na psique humana não é tão objetiva assim. Esta parte do nosso Curso teve como finalidade afastar o maniqueísmo entre “estar doente” e “estar curado”. Inclusive, Freud e a psicanálise nos ensinam que o patológico é também parte da personalidade. E que os extremos “patológico” e “normal” são, na verdade, separados por limites bem tênues e subjetivos. Por exemplo: ● a perversão é parte da sexualidade de todo ser humano, mas o excesso pode acarretar dor ao sujeito e aos outros; ● os traços do narcisismo constituem o ego, mas o narcisismo exacerbado prejudica o desenvolvimento psicossocial do sujeito; ● a sublimação é importante para o sujeito se reconhecer no que faz, mas o exagero pode resultar num superego hiperrígido e nas compulsões (como a do workaholic). Normal e patológico não se diferenciam essencialmente pelo aspecto qualitativo, mas principalmente pelo “quanto” e pela autopercepção do sujeito sobre como aquilo lhe causa tensão. Então, é importante o analista perguntar ao paciente que quer uma resposta se está curado: “o que significa cura para você?“. As reflexões sobre esta pergunta valem mais do que qualquer rótulo. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 81 http://psicanaliseclinica.com Refazemos esta pergunta ao leitor: o que significa cura para você? Se a resposta for: ● Propiciar uma significativa melhora ou mesmo uma autopercepção do analisando de que superou uma dor psíquica: sim, a psicanálise pode “curar”. Perceba que isso passará pelo analisando entender que tal condição foi superada ou atenuada, não é o desejo ou o suposto-saber do psicanalista que lhe dará um “carimbo” de cura. ● Propiciar total autocontrole ao paciente, para que ele não tenha nenhuma tensão psíquica interna: não, a psicanálise não pode curar, exatamente porque há a dimensão do inconsciente e há uma psique viva, em que novas questões (e às vezes as mesmas questões) sempre poderão surgir ou ressurgir. Quando o analisando afirma que pessoas de sua família começaram a dizer que ele “piorou” depois que começou a fazer terapia, isso pode ser um bom sinal. Isso nos permite perguntar: ● A terapia psicanalítica “piorou” este analisando do ponto de vista de quem? ● Será que este familiar estaria dizendo isso porque o analisando está mais adequado ao próprio desejo e não ao desejo dos outros? Para J. D. Nasio, a psicanálise não cura em definitivo. O sofrimento é irredutível à vida e necessário a ela. Por haver as dimensões do inconsciente e do desejo, sempre haverá uma incompletude potencialmente geradora de dores psíquicas. Para J. D. Nasio, a psicanálise leva o sujeito a amar-se como é. Isso significa ser mais tolerante consigo e com seu entorno mais próximo. Isso MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 82 http://psicanaliseclinica.com significa reduzir a angústia do que lhe falta e do que ele não entende, e valorizar o que elaborou acerca de sua própria ordem desejante. "O que importa não é tanto curar um sintoma, mas sim dar uma nova vida ao sujeito, uma nova direção, uma nova forma de relacionar-se com o sofrimento." (J.-D. Nasio, "Os Olhos de Beatriz: Conversas sobre o olhar e o despertar do sujeito", 2003, p. 66; grifo nosso). MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 83 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: O tripé psicanalítico ● Artigo: Diferenças psiquiatra, psicanalista e psicólogo ● Artigo: Conceitos de Lacan: 7 ideias fundamentais ● Artigo: Sublimação: significado em Psicanálise MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 84 https://www.psicanaliseclinica.com/tripe-da-psicanalise/ https://www.psicanaliseclinica.com/qual-diferenca-entre-psicologo-psiquiatra-e-psicanalista/ https://www.psicanaliseclinica.com/conceitos-de-lacan/ https://www.psicanaliseclinica.com/sublimacao/ http://psicanaliseclinica.com ● Artigo: Narcisismo: conceito e exemplos na Psicanálise 8. Mecanismos de acesso ao inconsciente Anteriormente, falamos que as interpretações de sonhos, chistes, atos falhos e sintomas são os quatro meios que Freud entendia úteis para revelar padrões inconscientes do analisando. A teoria psicanalítica desenvolvida por Freud sempre enfatizou a importância das camadas mais obscuras da psique humana, que abrigam impulsos e desejos primitivos que não são facilmente trazidos à consciência. Na sua Primeira Tópica, Freud propôs que a mente possui uma instância chamada inconsciente, na qual são armazenados: ● os conteúdos delicados que foram recalcados, ● e uma força motriz chamada id que impulsiona a psique em direção ao prazer. Visto que o inconsciente não tem uma linguagem acessível e uma temporalidade para sefazer conhecer diretamente, à Psicanálise restaria interpretar os sonhos, os chistes, os atos falhos e os sintomas, que são as consequências conscientes de causas inconscientes. Nosso objetivo, antes (neste Módulo), foi entender como isso pode ser feito em terapia, como ferramentas integrantes do método psicanalítico. Agora, vamos explicar melhor dois desses mecanismos potencialmente reveladores do inconsciente: os chistes e os atos falhos. Lembrando que MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 85 https://www.psicanaliseclinica.com/narcisismo-na-psicanalise/ http://psicanaliseclinica.com falaremos mais sobre sonhos e sobre sintomas (psicopatologias) em módulos futuros do nosso Curso de Formação. 8.1. Chistes Em sua obra "A Psicopatologia da Vida Cotidiana" (1901), Freud realizou um estudo detalhado sobre os comportamentos humanos que, inicialmente, poderiam ser interpretados como enganos ou distrações. Ele percebeu que esses pequenos equívocos do cotidiano, na verdade, eram manifestações dos desejos inconscientes que encontravam uma maneira de se expressar. São “psicopatologias” porque se assemelham a sintomas. Mas, para Freud, o patológico não é tão distinto do normal; esses extremos variam mais em quantidade do que em qualidade nos sujeitos. Todos temos uma porção de neurose, embora isso só seja percebido como um mal-estar para os propriamente neuróticos. Para Freud, essas psicopatologias exploradas nos MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 86 http://psicanaliseclinica.com chistes e nos atos falhos revelam a presença do inconsciente, por isso são também “cotidianas”, não apenas “patológicas”. No livro “Os Chistes e sua relação com o inconsciente” (1905), Freud escreve sobre o prazer existente no humor dos chistes: “O chiste é, antes de tudo, uma brincadeira, um jogo, e, como tal, um prazer em si mesmo. [...] Os chistes são, em geral, tendenciosos, e o prazer que proporcionam tem uma finalidade; mas, como veremos, isso só ocorre porque, no chiste tendencioso, os meios são mais artísticos e, por isso, permitem obter uma maior soma de prazer.” Mas, apesar do aspecto engraçado, os fatos inconscientes revelados podem ser dos mais diversos e desagradáveis. Assim, o chiste seria uma “permissão” que o aparelho psíquico concede para um elemento do inconsciente, que tem a chance de vir à tona, à consciência. Mas vem à tona na forma de humor; por isso, nem sempre o emissor do chiste perceberá como isso pode ser revelador de outra coisa recalcada. “A psicanálise nos ensina que o efeito cômico dos chistes tendenciosos consiste em serem eles a expressão de pensamentos recalcados, que passam à consciência sob a forma de chistes." Em "Os Chistes e sua relação com o Inconsciente", Freud analisou piadas, sarcasmo e outras formas de humor. Segundo ele, essas manifestações também serviam como válvulas de escape para desejos inconscientes ou memórias desagradáveis que foram recalcadas. Freud examina conceitos cruciais para entender por que as piadas nos fazem rir e o que nos leva a achar algo engraçado. Freud examinou a técnica subjacente às piadas e concluiu que elas compartilham a mesma função e origem dos sintomas psíquicos neuróticos, sonhos e atos falhos. As piadas, especialmente as tendenciosas, serviriam MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 87 http://psicanaliseclinica.com como meios de liberar pensamentos reprimidos, ou seja, aqueles que foram objeto de recalque. Quando alguém ri ou gargalha em resposta ao humor, estaria, de certa forma, satisfazendo parte de seus próprios desejos ou vivências. O “achar graça” seria decorrência de reconhecer uma verdade inconsciente que veio à tona. E, ao rir, é como se quiséssemos destituir publicamente (ou para nós mesmos) aquela verdade. Ou seja, é como se pensássemos que aquela “verdade” não é exatamente verdade, o riso é uma tentativa de “empurrão”, uma segunda tentativa de recalque. Mas, ao mesmo tempo, o riso é também uma aceitação, porque rimos daquilo que já foi contado e que, de certa forma, emergiu para o mundo da consciência. No livro "Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente" (1905), Freud investiga a conexão entre as piadas e suas motivações subjacentes, buscando compreender as razões pelas quais são contadas. Ele identificou seis técnicas básicas usadas nos chistes: ● Condensação – combinação de duas palavras ou expressões para criar ambiguidade; ● Deslocamento – mudança do significado de uma expressão no discurso; ● Duplo sentido – expressão ou palavra com múltiplos significados; ● Uso do mesmo material – emprego de palavras para gerar um novo sentido; ● Trocadilho ou chiste por semelhança – uma expressão faz referência a outro sentido; ● Representação antinômica – afirmar algo e, em seguida, negá-lo. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 88 http://psicanaliseclinica.com Freud destacou a escassez de estudos sobre o humor, tanto na psicologia quanto na filosofia. Há outros autores que trabalharam o tema do humor, como o linguista russo Mikhail Bakhtin e o filósofo francês Henri Bergson. Ainda assim, a obra de Freud continua como uma das referências sobre a teoria do humor, ao associar o humor com o interdito e o inconsciente. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 89 http://psicanaliseclinica.com 8.2. Atos falhos Em 1901, Freud publicou mais uma obra que viria a se tornar mundialmente conhecida: A Psicopatologia da Vida Cotidiana. Após publicar no ano anterior (1900), A Interpretação dos Sonhos, o criador da psicanálise expandiu as suas teses sobre o inconsciente para englobar comportamentos aparentemente “estranhos” que estão presentes no dia-a-dia não patológico. Se até então ele havia defendido a existência do inconsciente, do desejo e da repressão (ou recalque) nos sonhos e nos sintomas dos neuróticos, o seu objetivo com a obra de 1901 foi mostrar como o inconsciente aparece em erros e falhas cotidianas, em especial os chamados atos falhos. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 90 http://psicanaliseclinica.com 8.2.1. Definição de ato falho Em “Psicopatologia da Vida Cotidiana” (1901), Sigmund Freud assim definiu os atos falhos: “Os atos falhos constituem uma exceção entre os processos psíquicos porque são capazes de nos proporcionar, de modo quase regular, a capacidade de inferir, a partir de seu resultado, o processo inconsciente que está na origem deles." Essa ideia de Freud sugere que, diferentemente de outros mecanismos de acesso ao inconsciente (como os sonhos e os sintomas), os atos falhos nos sugerem de maneira quase direta que existe algo além, potencialmente no inconsciente. Isso não significa que sejam mais fáceis de serem explicados, quanto às causas inconscientes que levaram à falha. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 91 http://psicanaliseclinica.com Por exemplo, quando alguém troca a palavra “falho” pela palavra “fálico”, seria simples questionar “tem alguma coisa aí para você ter feito essa troca”. Seria, também, relativamente fácil supor uma dimensão do desejo relacionada ao “falo” (pênis). Mas, ainda assim, as causas inconscientes dependeriam do contexto e da história de vida de cada analisando. Dessa forma, a nosso ver, a dificuldade de uma interpretação profunda dos atos falhos se impõe tanto quanto a interpretação de sintomas, chistes ou sonhos. Segundo a definição de LAPLANCHE & PONTALIS, o ato falho: “É o ato em que o resultado explicitamente visado não é atingido, mas se vê substituído por outro. Fala-se de atos falhos não para designar o conjunto das falhas da palavra, da memória e da ação, mas para as ações que habitualmente o sujeito consegue realizar bem, e cujo fracasso ele tende a atribuir apenas à sua distraçãoou ao acaso. Freud demonstrou que os atos falhos eram, assim como os sintomas, formações de compromisso* entre a intenção consciente do sujeito e o recalcado.” Observe que Freud dá ao erro um valor de dado. Isto é, quando vemos o erro como um simples erro ou simples acaso, podemos simplesmente julgá-lo como erro, mas não tiramos nenhum aprendizado dele, o que só acontece quando atribuímos ao erro uma dignidade científica, isto é, encaramos-o como um dado. Em português, utilizamos o termo ato falho para designar: ● erros na linguagem (escrita, fala, leitura), ● erros de memória (esquecimentos) e ● erros no comportamento (tropeçar, cair, quebrar, etc). Em inglês, estes erros ficaram conhecidos como Freudian Slips ou parapraxis. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 92 http://psicanaliseclinica.com Esses erros não seriam por acaso, mas sim sinais das formações de compromisso (vínculo) entre o inconsciente e o consciente. É um tipo de “sem querer” mas “querendo”: conscientemente, a pessoa julgaria não querer cometer tal erro de linguagem, memória ou comportamento; mas, inconscientemente, haveria uma explicação causal. Em alemão, a língua de certa forma traz uma unidade entre esses erros através do prefixo ver-. ● Erros na fala (versprechen), ● Erros na escrita (verschreiben), ● Erros de leitura (verlesen), ● Erros de memória ou esquecimentos (vergessen), ● Erros no comportamento ou ações desastradas (vergreifen). Freud escreve sobre o lapso de linguagem, que é um dos tipos de atos falhos. Freud sugere que esse tipo de lapso revela que existem conteúdos inconscientes. E esses conteúdos que geram os atos falhos são da mesma natureza daqueles que geram os sintomas: “Se nos tornamos capazes de explicar um erro tão trivial como um lapso de língua pelo jogo de forças psíquicas, que o determinam segundo leis fixas, também nos tornamos capazes de compreender as manifestações patológicas mais graves e as perturbações mais obscuras da vida anímica.” Nesse sentido, de acordo com LAPLANCHE & PONTALIS, "... disso se deduz que, em outro plano, o chamado ato falho é um ato bem-sucedido: o desejo inconsciente realiza-se nele, muitas vezes, de uma forma bastante clara. A expressão “ato falho” traduz a palavra alemã Fehlleistung, que para Freud engloba não apenas ações stricto sensu, mas todo tipo de erros, de lapsos na palavra e no funcionamento psíquico. (...) Note-se que antes de Freud o conjunto desses fenômenos marginais da vida MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 93 http://psicanaliseclinica.com cotidiana não tinha sido agrupado nem conotado por um mesmo conceito; foi a sua teoria que fez surgir a noção". [grifo nosso] Tais erros não são apenas erros, falhas sem significado. Se investigarmos o porquê de acontecerem, veremos que – por um outro ponto de vista – o erro é um acerto indireto. A famosa frase do pequeno Shakespeare (Chespirito), criador do personagem Chaves, expressa muito bem: “Foi sem querer, querendo”. Um ato falho foi sem querer (conscientemente falando) mas também foi querendo (inconscientemente). 8.2.2. Tipos de atos falhos MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 94 http://psicanaliseclinica.com No livro A Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901), estudamos os três tipos de atos falhos, portanto: ● 1) Atos falhos na linguagem (fala, escrita, leitura); ● 2) Atos falhos de esquecimento (falha na memória); ● 3) Atos falhos no comportamento (cair, quebrar, derrubar, tropeçar, etc), enfim, perturbações do controle motor. Para ficar claro, vamos exemplificar os três tipos, abaixo. 8.2.2.1. Atos falhos de linguagem São os atos falhos mais conhecidos. Um exemplo seria quando as pessoas chamam “ato fálico” (em vez do correto “ato falho”): é como se inconscientemente elas soubessem a justificativa fálica/sexual para um determinado comportamento. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 95 http://psicanaliseclinica.com A respeito dos atos de linguagem, Freud escreveu em “Psicopatologia da vida cotidiana” (1901): ”Os lapsos de língua são muito mais facilmente produzidos em conversas íntimas e informais do que em falas públicas e solenes, nas quais o orador, naturalmente, dedica maior atenção ao controle de sua expressão.” De volta à frase “isso foi um ato fálico”, vemos que a pessoa trocou a palavra “falho” por “fálico” (pênis). Um erro na fala que se, formos investigar, poderemos encontrar um significado inconsciente para ela. Cabem aqui duas críticas ao risco de generalizar tal entendimento, provas contrárias à aplicação do conceito de ato falho na linguagem. As pessoas podem não ter acesso (nem mesmo inconsciente) a esta troca de palavras. Pode ser, mesmo, um mero acaso ou erro linguístico: uma analogia é com um corretor ortográfico, que propõe trocas de palavras sem uma motivação inconsciente. Obviamente, dentro do contexto de terapia, e sem impor uma interpretação unívoca, o analista pode buscar motivações inconscientes ao fenômeno do ato falho. Em uma apresentação na faculdade, no primeiro período, uma aluna estava falando sobre Freud. Ela disse: “Foi assim que o Fraude”… Também teríamos que investigar porque a aluna considera o Freud uma fraude, mas é obviamente um exemplo de um ato falho. Agora, há que se pensar que, se a aluna não conhecia a pronúncia correta do nome de Freud, será que ela nutriria por Freud alguma desavença inconsciente, uma recusa de sua teoria como se essa recusa fosse um mecanismo de defesa? MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 96 http://psicanaliseclinica.com 8.2.2.2. Atos falhos de esquecimento No Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901), Freud dá diversos exemplos dos três tipos de atos falhos. Logo no início, ele menciona e analisa um ato falho de esquecimento que aconteceu com ele mesmo. Nesta obra, Freud revela o caráter não casuístico do esquecimento: ”O que se esqueceu não era sem importância; apenas o próprio sujeito a considera como tal. Desejamos esquecer algo, portanto esquecemo-lo, e a seguir consideramos aquilo como sem importância.” Também, para Freud, o esquecimento que lhe interessa não é um traço de caráter, como quando dizemos: “aquela pessoa é muito esquecida”. Freud entende que pessoas com ótima memória também cometem lapsos de esquecimento, e que isso seria uma mostra do inconsciente presente em todos: MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 97 http://psicanaliseclinica.com ”As pessoas às quais se atribui a qualidade de desatentas e esquecidas geralmente mostram, nas coisas que lhes interessam, uma memória e uma atenção invejáveis." Visitando a catedral de Orvieto, Freud se esquece do nome do pintor dos afrescos. Ele procura buscar em sua memória, os nomes que aparecem são Botticelli e Boltraffio, mas ele reconhece que ambos não são o nome correto. Uma outra pessoa lhe informa o nome: Signorelli, e Freud imediatamente reconhece-o como o nome correto. Analisando o porquê do esquecimento, ele vê que na conversa anterior falavam dos costumes na Bósnia e Herzegovina. Os temas relacionados eram a morte e a sexualidade. As palavras Herzegovina e Herr (“senhor” em alemão, “signor” em italiano, Signorelli), que estavam na conversa anterior interferiram na cadeia associativa e afetaram a sua memória. Para Freud (“Psicopatologia…”): ”Os esquecimentos momentâneos de nomes próprios são bastante comuns e, como regra, têm pouca importância; quando, porém, são acompanhados de circunstâncias que os tornam notáveis, é mais provável que se devam a motivos inconscientes." Um exemplo mais simples consiste quando esquecemos de ligar para alguém. O esquecimento é um erro, mas se formos investigar a fundo a causa do esquecimento, veremos que seria como se “uma parte” de nós não quisesse realmente ligar.O ato falho pode sugerir um componente inconsciente do desejo. Por isso, o ato falho é um erro, mas também um acerto (do ponto de vista do desejo inconsciente). MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 98 http://psicanaliseclinica.com 8.2.2.3. Atos falhos de comportamento O último tipo de ato falho (vergreifen) é traduzido para o português como equívocos na ação. Como mencionamos acima, são perturbações do controle motor que, se analisados, nos conduzem também a uma formação de compromisso entre o inconsciente e o consciente. No capítulo VIII da Psicopatologia, Freud nos dá o seguinte exemplo: “Em anos anteriores, quando eu visitava o paciente em domicílio com maior frequência que hoje, ocorria-me muitas vezes, ante a porta em que eu deveria bater ou tocar a campainha, tirar do bolso as chaves da minha própria casa e, logo em seguida, tornar a guardá-las, quase envergonhado. Quando considero os pacientes em cujas casas isso acontecia, sou forçado a supor que esse ato falho – apanhar minha chave em vez de tocar a campainha – tinha o sentido de uma homenagem à casa onde eu cometia esse erro. Era equivalente ao pensamento: ‘Aqui me sinto em casa’, pois só ocorria em lugares onde eu me MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 99 http://psicanaliseclinica.com havia afeiçoado ao doente” (É óbvio que não toco a campainha da minha própria casa). Um exemplo de uma pessoa dita “desastrada” também por ser um exemplo: ela pode não estar fazendo aquilo que inconscientemente ela gostaria de fazer, então o inconsciente vai de encontro a obstáculos. * * * É importante notar que, apesar das diferenças entre os três tipos de atos falhos, eles possuem uma unidade na linguagem, pois não só os atos falhos linguísticos (fala, escrita, leitura) são erros deste tipo. Quando nos esquecemos de um nome ao ter que apresentar uma pessoa ou não lembramos de enviar um e-mail, estamos vivenciando um conflito entre um traço mnêmico (um representante da pulsão ou um significante) e, igualmente, os atos falhos comportamentais são ocasionados MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 100 http://psicanaliseclinica.com por uma formação de compromisso entre dois significantes, um do lado do desejo e o outro do lado da repressão. Quais as implicações dos atos falhos durante a análise? O analista deve estar atento a sinais aparentemente casuais que o analisando lhe trouxer. Hábitos ditos como errados ou desastrados. Ou mesmo erros que o analisando realiza sem saber. E, daí, investigar (por meio de perguntas ao paciente, por exemplo) se determinado erro poderia estar sugerindo algum conteúdo inconsciente, recalcado, desejado. INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: Atos falhos: significado e exemplos MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 101 https://www.psicanaliseclinica.com/atos-falhos/ http://psicanaliseclinica.com 9. Teoria Topográfica: Primeira Tópica Freudiana A teoria psicanalítica tem a particularidade de não considerar os atos psíquicos da mesma maneira que o faz a psicologia clássica. A Psicanálise estuda como elementos justapostos e associados. A Psicanálise concebe a vida psíquica como evolução incessante de forças elementares, antagônicas, compostas ou resultantes, com um conceito dinâmico do psiquismo. Fala-se de duas tópicas freudianas, sendo ● a primeira (topográfica) aquela em que a distinção principal é feita entre inconsciente, pré-consciente e consciente, e ● a segunda (estrutural) a que distingue três instâncias: o id, o ego e superego. O termo “topográfico” significa uma teoria dos lugares, vem do grego topos (singular) ou topoi (plural), que quer dizer “lugar” / “lugares”. A hipótese freudiana de uma tópica psíquica tem origem em todo um contexto científico de debates, avaliações, observações que vai de 1891 a 1900, quando Freud apresenta a primeira concepção tópica do aparelho psíquico no capítulo VII de A Interpretação de Sonhos (1900). MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 102 http://psicanaliseclinica.com 9.1. Conceituação da Teoria Topográfica Em que consiste esta teoria? Freud propôs dividir o aparelho psíquico. De acordo com esta Teoria, devem existir três partes que fundamentam nosso sistema mental, cada uma delas se caracterizando por sua relação com a consciência. Vamos apresentar a caracterização, segundo Freud: ● Sistema Ics: Inconsciente. ● Sistema Pcs: Pré-Consciente. ● Sistema Cs: Consciente. O primeiro sistema, chamado Inconsciente (Ics), abrange os elementos psíquicos cuja acessibilidade à consciência é muito difícil ou impossível. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 103 http://psicanaliseclinica.com Ou seja, não podemos trazer ao nível racional, “lúcido”, ao nível da nossa concentração ativa. O segundo sistema, denominado Pré-consciente (Pcs), compreende os elementos mentais prontamente acessíveis à consciência. Como exemplo, as coisas em que não estamos pensando agora, mas que podemos pensar assim que quisermos. São fatos não conscientes ao momento atual, mas que não foram recalcados ou “esquecidos”, e que poderemos levá-los à conciência conforme haja uma mobilização mental para isso. O terceiro sistema, chamado Consciente (Cs), inclui tudo que é consciente em determinado momento. Entretanto, considera-se que todo material que fora consciente, no momento seguinte passa para o pré-consciente. Consideramos, também, que certas experiências, conscientes, ao serem vencidas, em parte são gravadas no pré-consciente, enquanto outra parte é recalcada no inconsciente. Entre os sistemas Ics e Pcs, opera uma censura intersistêmica que faculta ao Pcs excluir elementos indesejáveis do sistema Ics e recusar-lhes o ingresso no sistema Cs. A idéia central da Teoria Topográfica é de que o aparelho psíquico pode ser dividido em sistemas baseando-se na relação entre os mesmos e a consciência. Quando nos perguntamos sobre o nível de consciência que temos de certos fatos ou atos, estamos inseridos nas questões freudianas da Primeira Tópica. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 104 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: As Três Instâncias do Aparelho Psíquico MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 105 https://www.psicanaliseclinica.com/instancias-psiquicas/ http://psicanaliseclinica.com 9.1.1. Como representar a Teoria Topográfica? Concebemos uma figura única constituída de camadas, sendo a mais estreita atribuída ao sistema Cs. Um pouco mais abaixo aparece uma camada igualmente estreita, que atribuímos ser o sistema Pcs. O centro da figura, a parte maior em termos cúbicos, compreendemos ser o sistema Ics. Assim, o inconsciente passa a ser o miolo e a parte mais importante do aparelho mental. 9.2. Instâncias psíquicas da teoria topográfica São três as instâncias psíquicas da primeira tópica ou teoria topográfica: inconsciente, pré-consciente e consciente. 9.2.1. O Consciente O consciente é o sistema de percepção para as impressões que nos absorvem no momento e deve ser considerado como um sistema sensorial MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 106 http://psicanaliseclinica.com situado no limite entre o interno (da pessoa) e o externo (do mundo), com capacidade para perceber processos de uma ou outra procedência. Freud, em sua teoria metapsicológica, usa a expressão sistema percepção – consciência (Pc – Cs). [Nota: aqui Pc significa Percepção, não confundir com Pcs: Pré-Consciente]. Do ponto de vista funcional, o sistema percepção – consciência opõe-se ao sistema de traços mnésicos que são o inconsciente e pré-consciente. Do ponto de vista econômico, caracteriza-se pelo fato de dispor de umaenergia livremente móvel. Isto é, a energia consciente (mecanismo do foco e da atenção) do indivíduo pode tratar de centenas ou milhares de assuntos durante um único dia. Para LAPLANCHE & PONTALIS, “Segundo a teoria metapsicológica de Freud, a consciência seria função de um sistema, o sistema percepção-consciência (Pc-Cs). Do ponto de vista tópico, o sistema percepção-consciência está situado na periferia do aparelho psíquico, recebendo ao mesmo tempo as informações do mundo exterior e as provenientes do interior, isto é, as sensações que se inscrevem na série desprazer-prazer e as revivescências mnésicas [da memória]. Muitas vezes Freud liga a função percepção-consciência ao sistema pré-consciente, então designado como sistema pré-consciente-consciente (Pcs-Cs). (...) A teoria psicanalítica se constitui recusando definir o campo do psiquismo pela consciência, mas nem por isso considerou a consciência como um fenômeno não essencial. Freud criticou a psicologia behaviorista (comportamentalista) exatamente por ela considerar exclusivamente a dimensão do consciente: “Uma tendência extrema, como por exemplo a do behaviorismo, nascida na América, pensa poder estabelecer uma psicologia que não tenha em conta este fato fundamental!” (FREUD, Compêndio da Psicanálise, 1938). MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 107 http://psicanaliseclinica.com É muito importante que o psicanalista perceba este aspecto essencial da Teoria e Prática Clínica da Psicanálise. ● Para muitas escolas da psicologia, das ciências humanas e das ciências naturais, o ser humano é uma única coisa, uma coisa só, indivíduo, indivisível, dono de suas vontades e responsável por todos os seus atos. Para essas correntes teóricas, o sujeito seria unicamente consciente. ● Para a Psicanálise, o sujeito é dividido, cindido. A ideia de haver um inconsciente é a ideia discordar do sujeito unívoco das escolas que mencionamos no parágrafo anterior. O sujeito não é senhor de si. É, ao mesmo tempo, sujeito e sujeitado: por suas memórias, por sua trajetória, pelas imposições sociais, por seus relacionamentos, por suas experiências durante o desenvolvimento psicossexual, por seus desejos etc. Mas, ainda assim, não é possível dizer que o sujeito é puramente inconsciente, já que a Psicanálise considera também a dimensão consciente. Se você tem alguma dúvida de que o ser humano é um sujeito dividido, propomos uma experiência empírica, pela qual você certamente já passou. Você está estudando e, paralelamente, surge o desejo pelo prazer (de estar descansando ou passeando ou fazendo qualquer outra atividade que lhe dê mais prazer). O seu “eu” agora está dividido, correto? Mentalmente, você formaliza uma frase imperativa: “Continue estudando!”. Ora, se você não fosse dividido, precisaria lhe dar esta ordem? Claro que não, pois o seu desejo coincidiria exatamente com o que você estaria fazendo. Mas, ao dar uma ordem a si mesmo, na verdade você já se tornou dois: um “eu” racional/moral que demanda o estudo, um “eu” pulsional que demanda o prazer. A escolha teórica entre um sujeito indivíduo ou um sujeito dividido tem implicações em vários campos: nas artes, no direito, nas relações sociais, no mundo trabalho, no convívio interpessoal, nos processos de MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 108 http://psicanaliseclinica.com ensino-aprendizagem (educação), na política e, obviamente, no tipo de terapia e suas técnicas. Freud considera a consciência como uma função do sistema Pc-Cs e um dado da experiência individual que se oferece à intuição imediata, e não renova sua descrição. Quando se fala de consciência, todos sabem, imediatamente, por experiência, do que se trata. Para que um ato psíquico seja consciente, é necessário que percorra todos os níveis do sistema psíquico. O sonho, por exemplo, as representações de objetos pertencentes ao inconsciente devem associar-se às representações pré-conscientes correspondentes. Só depois de vencer a estrutura instalada entre os dois campos, entram em contato com esse sistema e chegam ao conhecimento do indivíduo. O sujeito não reage a todo estímulo. Tem-se impressão de que o sistema consciente conta com um dispositivo especial, capaz de protegê-lo de certas excitações que poderiam perturbar seu equilíbrio, que Freud chamou de detector ou amortecedor de estímulos. Se um estímulo externo é excessivamente intenso para o psiquismo, ele é captado pelo aparelho protetor amortecido e transmitido de forma econômica e gradual. Em síntese, o aparelho protetor recebe o estímulo do exterior, amortece-o e transmite-o gradualmente, evitando que o equilíbrio psíquico do organismo se perturbe. O amortecedor de excitações é o que capacita o sujeito regular sua vida psíquica, mediante uma distribuição econômica das cargas energéticas, o que lhe permite conservar o repouso e manter em equilíbrio adequado sua tensão energética. Apesar de não ser a instância única a escolher o que será recalcado, a consciência desempenha um papel importante na dinâmica: MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 109 http://psicanaliseclinica.com ● do conflito: evitação consciente do desagradável, regulação mais discriminadora do princípio de prazer; e ● do tratamento: função e limite da tomada de consciência. Observe que, para Freud, há duas visões principais sobre o consciente, e isso demandará a necessidade da formulação de uma teoria que inclua também o consciente: ● o Cs é apenas parte de nossos processos psíquicos, sendo que nossa vida mental é, de maioria, inconsciente; ● o Cs não é irrelevante, também não é irrelevante o fato de algo ser consciente ou não, já que a consciência marca o indivíduo e é preciso estudar porque algumas coisas são conscientes enquanto outras não. A ideia de que o Cs é a porta de entrada da percepção e é a conexão entre o universo interior e o universo exterior de um sujeito será mantida por Freud no decorrer de toda a sua obra. No fenômeno da consciência essa tese dá uma prioridade à percepção, e principalmente à percepção do mundo exterior: “O acesso à consciência está antes de mais nada ligado às percepções que os nossos órgãos sensoriais recebem do mundo exterior”, escreveu Freud. A questão se complexifica quando relacionamos a consciência com a memória e os processos de representações. Aí, são mobilizados elementos pré-conscientes e inconscientes que interferem a forma atual como a pessoa vê e recebe uma percepção. “Para que seja conferida uma qualidade [aos processos de pensamento], estes são associados, no homem, às recordações verbais, cujos restos qualitativos são suficientes para atrair a atenção da consciência; a partir daí um novo investimento móvel se dirige para o pensamento.” (FREUD, Estudos sobre a histeria) MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 110 http://psicanaliseclinica.com Ou seja, o “órgão” (como Freud chamava) do consciente percebe a realidade externa, mas essa precisa ser simbolizada, não pode ser apenas uma coisa. São as memórias (representadas por restos de palavras) pré-existentes que absorvem a percepção ao sistema psíquico do sujeito. Afirma Freud: “A regra biológica da atenção enuncia-se assim para o ego: quando aparece um indicador de realidade, o investimento de uma percepção que está simultaneamente presente deve ser sobre-investido”. Na segunda tópica, Freud vai relacionar o sistema Pc-Cs como sendo uma tarefa do ego. O ego precisa investir ao máximo sua energia para novos fatos relevantes do mundo, como um mecanismo de sobrevivência (“regra biológica”). Podemos entender como duas ações principais do ego: 1) perceber de forma vívida (como vimos no parágrafo anterior); 2) amortecer o excesso de informações, como vimos quando falamos do sistema detector e amortecedor de estímulos. No início da obra freudiana,era possível supor que o consciente fazia o trabalho de “esquecer” o que seria insuportável lembrar, ou seja, que era o consciente (e somente ele) quem promovia o recalcamento. Mas, depois, houve uma “ênfase cada vez maior dada ao caráter pelo menos parcialmente inconsciente das defesas e da resistência que se exprimem no tratamento” (LAPLANCHE & PONTALIS). Na teoria do tratamento, a problemática da tomada de consciência e da sua eficácia permaneceu um tema primordial de reflexão na obra freudiana. Ou seja, mesmo tendo modificado muitas de suas ideias, permaneceu em Freud a MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 111 http://psicanaliseclinica.com noção de que a terapia deve permitir ao analisando “tomar consciência” de uma causa, e essa tomada de consciência promoveria a cura de seus sintomas. Porém, a passagem à consciência não implica por si só uma cura, pode não haver uma verdadeira integração do recalcado no sistema pré-consciente. Ou seja, não basta o psicanalista “contar” ao analisando que o sintoma Y é causado pelo fato X, que fora recalcado. É preciso que isso seja construído e que faça sentido ao analisando, por isso é preciso “todo um trabalho que dissipe as resistências que impedem a comunicação entre os sistemas inconsciente e pré-consciente, e capaz de estabelecer uma ligação cada vez mais estreita entre os traços mnésicos [memórias] inconscientes e a sua verbalização” (L&P). Este tempo para o analisando derrubar as resistências, incorporar o “aprendizado” ao seu pré-consciente para, só depois, verbalizar isso como uma tomada de consciência própria dele (analisando) é chamado por Freud de perlaboração. Sem este tempo, uma mera revelação interpretativa do analista ao analisando poderá ser um ato de prepotência do analista e (ainda que “verdadeira”) não será verdadeira ao analisando, porque não terá sido amadurecida enquanto tal pelo analisando. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 112 http://psicanaliseclinica.com MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 113 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente 9.2.2. O Pré-Consciente Termo utilizado por Freud no quadro da sua primeira tópica. Como substantivo, designa um sistema do aparelho psíquico nitidamente distinto do sistema inconsciente (Ics); como adjetivo, qualifica as operações e conteúdos desse sistema pré-consciente (Pcs). MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 114 https://www.psicanaliseclinica.com/consciente-pre-consciente-e-inconsciente/ http://psicanaliseclinica.com Estes não estão presente no campo atual da consciência e, portanto, são inconsciente no sentido “descritivo” do termo, mas distingue-se dos conteúdos do sistema inconsciente na medida em que permanecem de direito acessíveis à consciência (conhecimento e recordações não atualizados por exemplo). Ou seja, os conteúdos pré-conscientes estão disponíveis ao consciente, só não estão conscientes agora. Um exemplo: você se esqueceu do nome de uma pessoa, mas você tem certeza de que você sabe o nome, apenas não se lembra dele agora. Quando o nome lhe é revelado por outra pessoa, você sabia que o nome existia na sua mente. O pré-consciente está localizado entre o consciente e o inconsciente, e nele ficam as idéias, os pensamentos, experiências passadas e outras impressões que podem, com algum grau de esforço, ser trazidos à consciência. As impressões do mundo exterior também são radicadas no Pcs, em forma de representações fonéticas e verbais. É o sistema pré-consciente que leva as tendências e representações objetivas inconscientes à consciência, só que nesta função, associa-se em forma de representações verbais, adquiridos na realidade. Como o pré-consciente se relaciona com a realidade externa e também com o inconsciente, no decorrer do sonho, são usados fatos reais, uma idéia concebida em estado de vigília, a fim de expressar um desejo inconsciente. Enquanto o sistema inconsciente é regido pelo processo primário (inconsciente), o pré-consciente (também com suas leis próprias) é regido pelo processo secundário, que compreende: ● A elaboração de sucessão cronológica nas representações; ● A descoberta de uma relação lógica; ● O preenchimento de lacunas existentes entre idéias isoladas; MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 115 http://psicanaliseclinica.com ● A introdução do fator causal, ou seja, relação de coexistência e sucessão entre os fenômenos: relação causa-efeito. Durante o sono, essa tarefa se cumpre no pré-consciente, tal como acontece nos estados de vigília, em que a atividade se constitui o ato de pensar. Afirma NUMBERG: “As idéias pré-conscientes aparecem enxertadas nos impulsos inconscientes, e daí surge a necessidade de distinguir a essência da enfermidade daquilo que é o resultado da elaboração secundária”. Do ponto de vista metapsicológico, o sistema Pcs difere do Ics pelo fator da censura: ● Enquanto o Ics é inacessível ao Cs, não está construído sobre ideias lógicas do ponto de vista espacial e temporal, restando interditado ao Cs em função do recalque; ● O Pcs é acessível ao Cs, é construído sob a lógico espácio-temporal. ● O Ics pode passar para o Pcs, porém após processos de transformação. Enquanto na Primeira Tópica este conceito tem o status de um dos três pilares da psique humana, na Segunda Tópica Freud falará de “pré-consciente” apenas como adjetivo, para qualificar o que escapa à consciência atual mas que não se tornou inconsciente no sentido estrito do termo. Por ser um sistema psíquico, só é possível entender Pcs, Ics e Cs quando os comparamos entre si. Nesse sentido, o Pré-Consciente tem uma semelhança: ● do ponto de vista descritivo, com o Inconsciente: tanto o Pcs quanto o Ics não estão presentes na nossa consciência atual; MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 116 http://psicanaliseclinica.com ● do ponto de vista funcional, com o Consciente: tanto o Pcs quanto o Cs representam memórias que podem ser postas em palavras e que não foram recalcadas. Uma outra forma bastante interessante de entender o Pcs é identificarmos a diferença entre os dois tipos de censura: ● Primeira Censura ou Censura propriamente dita: barreira existente entre o Ics e Pcs, é uma transição complexa, porque há transformações que precisam ser feitas (o Ics não se revela tal como é, por ter suas leis e linguagens próprias); baseia-se no princípio da transformação (“deformando” os conteúdos que escapam do Ics); ● Segunda Censura: barreira existente entre o Pcs e Cs, é uma transição mais simples, sem transformações significativas, já que há coincidências entre a lógica Pcs e a lógica Cs; baseia-se no princípio da seleção (isto é, o Cs precisa atender suas necessidades atuais e vai buscar informações necessárias no Pcs). Quando a Psicanálise falar apenas “censura”, é a primeira censura que provavelmente estará sendo abordada (por isso é chamada de “censura propriamente dita”). Apesar disso, Freud diferenciou esses dois tipos de censura, exatamente para a melhor compreensão da dinâmica Ics - Pcs - Cs. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 117 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: Recalque, Repressão e Censura MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 118 https://www.psicanaliseclinica.com/recalque-repressao-e-censura-para-a-psicanalise/ http://psicanaliseclinica.com 9.2.3. O Inconsciente O conceito de o inconsciente é empregado no sentido daquilo que nunca foi observado diretamente. Mas ao mesmo tempo é um conceito empírico (da experiência), pelo fato de representar uma indiferença imprescindível para explicar, de maneira lógicae sistemática, um grande número de observações. Será difícil, portanto, dar uma definição categórica de algo cuja a natureza só se desconhece intimamente e cujo conhecimento só se pode obter de forma indireta, mediante os dados que nos são fornecidos pelos sonhos, os atos falhos, os chistes, a associação livre, os testes projetivos e a história de sintomas neuróticos e psicóticos. Praticamente se conhece o inconsciente em expressão do pouco que chega (e chega distorcido) ao pré-consciente e ao consciente. Os psicanalistas não são os únicos que admitem a existência de um inconsciente: filósofos e os psicólogos admitem a existência de um inconsciente, mas muitos o fazem de modo negativo: aquilo que não é consciente e não é racionalizável, por isso ficando de fora do campo de saber de inúmeras ciências. Mas, para a Psicanálise, o inconsciente é psiquicamente positivo, ou seja, é algo em relação ao qual a teoria pode afirma o que é, e não só o que não é. Nesse sentido, o Ics é um sistema em constante evolução e investido de energia psíquica. Segundo o conceito de Freud, é simplista definir o inconsciente somente como o contrário do consciente, como dizia Lipps. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 119 http://psicanaliseclinica.com Também é errôneo definir o Ics como o degradé ou o latente, como afirmam os filósofos da introspecção e da intuição. Pelo contrário, o Ics é o grau preparatório do consciente e, ainda mais exatamente, é o verdadeiro psiquismo, o psiquismo real (Freud), a maior parte da nossa vida psíquica é pertinente à instância Ics. Para LAPLANCHE & PONTALIS, “Se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, seria incontestavelmente na palavra inconsciente, pois em psicanálise é a estrutura psíquica que compreende os impulsos e sentimentos dos quais o indivíduo não tem consciência; é a pedra do fecho de toda teoria da psicanálise, em alemão é o não sabido.” O inconsciente é desconhecido para o indivíduo, mas partes de seu conteúdo podem, às vezes, passar à pré-consciência e daí virem manifestar no consciente. A maior parte dos textos freudianos anteriores à Segunda tópica associam o inconsciente àquilo que é recalcado (Ics = recalcado). Ao modo de atuar no inconsciente dá-se o nome de processo primário por ser a primeira forma de atuação, a mais primitiva do psiquismo. A teoria psicanalítica considera os processos psíquicos essencialmente inconscientes e que antes de chegarem a ser conscientes devem sofrer um complicado processo, que tem suas leis determinantes, regras de gramática especial e lógica primitiva que regem esse sistema, e que neste caso são as do processo primário. No processo primário devem-se considerar os elementos que atuam, levando-se em conta que no aparelho psíquico o que chega a ser consciente provém do inconsciente. Ou seja, existe uma dinâmica que, como tal, deve ser regras que a regem. No sentido 'tópico' ou funcional, isto é, como parte da estrutura psíquica da Primeira Tópica, o conceito de inconsciente designa um dos sistemas definidos por Freud no quadro desta 1a Tópica (modelo topográfico). MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 120 http://psicanaliseclinica.com É constituído por conteúdos recalcados aos quais foi recusado o acesso ao sistema pré-consciente e consciente pela ação do recalque. Não haveria inconsciente sem recalque, como só faz sentido dizer que haja recalque se houver um “lugar” (Ics) para onde recalcar. Podemos resumir do seguinte modo as características essenciais do Inconsciente como sistema (ou Ics): a) os seus 'conteúdos' são 'representantes' das pulsões, ou seja, estão em contato direto com energias psíquicas primitivas; b) estes 'conteúdos' são regidos por mecanismos específicos do processo primário, principalmente a condensação e o deslocamento (abordaremos esta temática no capítulo seguinte, neste Módulo); c) fortemente investidos pela energia pulsional, os conteúdos Ics procuram retornar à consciência e à ação; mas só podem ter acesso ao sistema Pcs-Cs nas formações de compromisso, depois de terem sido submetidos às deformações da censura. [formações de compromisso: quando se forma o vínculo entre um conteúdo recalcado no Ics e um sintoma perceptível no nível Pcs-Ics] d) os conteúdos Ics são, mais especialmente, desejos da infância que conhecem uma fixação no inconsciente. No quadro da Segunda tópica freudiana, o termo inconsciente é usado sobretudo na sua forma adjetiva: efetivamente, inconsciente deixa de ser o que é próprio de uma instância especial (como ocorre na 1a Tópica). Na Segunda tópica, “inconsciente” qualifica o id (principalmente) e o ego e o superego (em partes). Mas convém notar, conforme propõem LAPLANCHE & PONTALIS: ● as características atribuídas ao sistema Ics na primeira tópica são de um modo geral atribuídas ao id na segunda tópica; MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 121 http://psicanaliseclinica.com ● o bloco relativo a Pcs e Cs terá uma parte consciente e uma parte inconsciente na segunda tópica. O inconsciente freudiano brotou da experiência do tratamento. Este mostrou que o psiquismo não é redutível ao consciente e que certos 'conteúdos' só se tornam acessíveis à consciência depois de superadas certas resistências. Freud revelou que a vida psíquica era “... cheia de pensamentos eficientes embora inconscientes, e que era destes que emanavam os sintomas”, o que o levou a supor a existência de 'grupos psíquicos separados' (em três partes, como vimos) e, de modo mais geral, a admitir o inconsciente como um 'lugar psíquico' particular que deve ser concebido não como uma Segunda consciência, mas como um sistema que possui conteúdos, mecanismos e, talvez, uma 'energia' específica. Mas, quais serão esses conteúdos inconscientes, que tipo de “informação” há lá? No artigo O Inconsciente, Freud denomina-os 'representantes da pulsão'. A pulsão está na fronteira entre corpo e mente, é o inconsciente que traz a energia da pulsão de fato para dentro da psique ou da mente. As representações inconscientes são dispostas em fantasias, histórias imaginárias em que a pulsão se fixa e que podemos conceber como verdadeiras encenações do desejo. Outro aspecto classicamente reconhecido é o do inconsciente relacionado àquilo que é infantil em nós, mas também aqui se impõe uma reserva. Nem todas as experiências infantis estão destinadas ao Ics. Para Freud, é pela ação do recalque infantil que se opera a primeira clivagem (separação) entre o inconsciente e o sistema Pcs-Cs. Sabe-se que o sonho foi para Freud o caminho por excelência da descoberta do inconsciente. Os mecanismos do sonho (deslocamento, MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 122 http://psicanaliseclinica.com condensação, simbolismo) evidenciados em A Interpretação de Sonhos (1900) são também constitutivos do processo primário e do Ics em geral e das formações que revelam o Ics (atos falhos, chistes, lapsos, sintomas etc.). Quando Freud procura definir o inconsciente como sistema, resume assim as suas característica específicas: ● é um processo primário e que é móvel (não se fixa a um objeto claro de desejo, característica de uma energia livre); ● tem ausência de negação ou de dúvida, por possuir um elevado de grau de certeza; ● é indiferente perante a realidade (tem sua própria realidade), e ● tem sua regulação exclusivamente pelo princípio de desprazer-prazer, não se baseia por preceitos morais (certo-errado). As considerações tópicas (isto é, do Ics, Pcs e Cs cada qual em seu lugar) não devem fazer-nos perder de vista o valor dinâmico do inconsciente freudiano, que o seu autor tantas vezes sublinhou. Devemos nas distinções tópicas o meio de explicar o conflito fenômenos do nosso aparelho psíquico, não vermos essas partes de uma forma dogmática e estanque. Sabe-seque, a partir de 1920, a teoria freudiana do aparelho psíquico foi profundamente remodelada. Foram introduzidas novas distinções tópicas que já não coincidiam com as do inconsciente, pré-consciente e consciente. Com efeito, se é verdade que reencontramos na instância do id as principais características do sistema Ics, também nas outras instâncias - ego e superego - há uma parte inconsciente. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 123 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: O lado oculto da mente ● Artigo: Freud e o Inconsciente: um guia MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 124 https://www.psicanaliseclinica.com/lado-oculto-mente/ https://www.psicanaliseclinica.com/freud-e-o-inconsciente/ http://psicanaliseclinica.com 9.3. Processo primário e processo secundário São os dois modos de funcionamento do aparelho psíquico, tais como foram definidos por Freud em sua primeira tópica. Podemos distingui-los radicalmente: a) do ponto de vista tópico (ou seja, do ponto de vista das partes que integram o modelo topográfico): ● o processo primário caracteriza o sistema inconsciente e ● o processo secundário caracteriza o sistema pré-consciente-consciente; b) do ponto de vista econômico-dinâmico: ● no processo primário, a energia psíquica escoa-se livremente, passando sem barreiras de uma representação para outra, segundo os mecanismos de deslocamento e condensação; tende a reinvestir plenamente as representações ligadas às vivências de satisfação constitutivas do desejo (alucinação primitiva); ● no processo secundário, a energia começa por estar “ligada” antes de se escoar de forma controlada; as representações são investidas de uma maneira mais estável, a satisfação é adiada, permitindo assim experiências mentais que põem à prova os diferentes caminhos possíveis da satisfação. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 125 http://psicanaliseclinica.com c) do ponto de vista do princípio que rege cada processo: ● o processo primário rege-se pelo princípio do prazer, buscando satisfação imediata e evitar o desprazer; ● o processo secundário rege-se pelo princípio da realidade, buscando a sobrevivência (que é uma forma de satisfação no médio e longo prazo). MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 126 http://psicanaliseclinica.com Associe assim: Processos primários Processos secundários Instância Ics Instâncias Pcs e Cs Energia livre: passa de uma representação a outra, por meio de mecanismos de condensação e deslocamento. Energia ligada a representações mais fixas (estáveis). Busca a satisfação imediata, só se guia pelo mecanismo do prazer e de evitar o desprazer. Permite adiar a satisfação com base em critérios sociais/morais, buscando caminhos de compensação da satisfação (ex.: a segurança social é compensação para o sujeito abrir mão de fazer tudo o que deseja, pois, se o fizesse, seria socialmente punido). Princípio do prazer Princípio da realidade Os termos “primário” e “secundário” têm implicações temporais (o primário vem antes), e mesmo genéticas (o primário está mais ligado ao organismo, enquanto o secundário está ligado às experiências de vida). Estas implicações acentuam-se em Freud no quadro da segunda tópica, em que o ego é definido como resultado de uma diferenciação progressiva do id. Ou seja, o ego é um desenvolvimento tardio do id. Como o id (relacionado ao Ics) antecede o ego, os processos inconscientes são chamados de primários. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 127 http://psicanaliseclinica.com A questão, no entanto, está presente desde a primeira tópica. É assim que os dois tipos de processos parecem corresponder não apenas a modos de funcionamento ao nível das representações, mas a duas etapas na diferenciação do aparelho neurônico (formação física da mente) e mesmo na evolução do organismo. O processo primário é assim designado por ser o primeiro dos dois padrões de funcionamento mental no quadro da Teoria Topográfica. Desde os primeiros momentos da vida, quando o sistema Ics compreende praticamente a totalidade do aparelho psíquico, sua maneira de funcionar é, também, a única maneira de funcionar da mente. Um pouco mais tarde, começa a aparecer um meio de funcionamento diferente, a que se dá o nome de processo secundário. Para muitos intérpretes de Freud, os qualificativos primário e secundário, exprimem, apenas, uma conotação temporal e biológica, pelo que não se deve considerar o caráter de importância que pode sugerir a nomenclatura. Um dos processos é chamado primário por ser eminentemente imediatista (buscar satisfação imediata), enquanto o outro seria secundário por aceitar adiar sua satisfação e admitir uma mediação social (é justamente no adulto que prepondera o processo secundário, quando as regras sociais morais foram introjetadas via superego). A principal característica do processo primário é a tendência de apresentar descargas totais e imediatas das energias mentais. Assim, essas energias exercem pressão contínua no sentido de serem descarregadas. Isto pode ser observado ante os desejos instintivos da primeira infância, que é quando o processo primário predomina sobre a mente. Seu campo de ação se desenrola dentro do Ics. No inconsciente, devem ser considerados os seguintes mecanismos: ● deslocamento; ● condensação; MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 128 http://psicanaliseclinica.com ● projeção e ● identificação. É importante observar que a Psicanálise é uma ciência da interpretação. O que mais se interpretam são fatores aparentemente “por acaso” como tendo, na verdade, motivações reveladoras do inconsciente. Nesse sentido, ● são causas: os fenômenos do Ics, que geram uma formação de compromisso (um vínculo) com as consequências. ● são consequências: os sonhos, os sintomas (como fobias e angústias), os atos falhos, os chistes, os lapsos; O estudo da formação dos sintomas e a análise dos sonhos levam Freud a reconhecer um tipo de funcionamento mental que apresenta os seus mecanismos próprios, que é regido por certas leis e é muito diferente dos processos de pensamento que se oferecem à observação psicológica tradicional. Em A interpretação dos sonhos (1900), Freud propõe os mecanismos de formação dos sonhos. Esses mecanismos, na verdade, foram muito além: serviram para explicar o funcionamento do Ics na formação do vínculo com todas as consequências, pois explicavam mecanismos reveladores de como o inconsciente trabalha. Este modo de funcionamento, particularmente evidenciado pelo sonho, caracteriza-se não por uma ausência de sentido, como afirmava a psicologia clássica, mas por um incessante deslize de sentidos. Vejamos quais são esses mecanismos que sustentam os sonhos e, também, os processos primários e o próprio Ics. Aprofundaremos esta MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 129 http://psicanaliseclinica.com temática em Módulos seguintes do nosso Curso de Formação, em que aprofundaremos os mecanismos dos sonhos. a) O deslocamento Consiste na mobilização e mudança de lugar de uma carga psíquica, um deslocamento da importância de uma unidade para outra. No deslocamento, a uma representação muitas vezes aparentemente insignificante podem ser atribuídos todo o valor psíquico, o significado e a intensidade originalmente atribuídos a outra. No exemplo dos sonhos, para Freud um elemento significante do sonho levava a um outro significado, como na poesia a palavra “casa” não reflete apenas “casa” (pode significar “proteção”, por exemplo). b) A condensação Consiste na união de vários elementos separados que tem uma certa afinidade. Na condensação, para uma representação única podem confluir todos os significados trazidospelas cadeias associativas que se cruzam ali. No exemplo dos sonhos, “sonhar com caixão” (p.ex.) pode condensar uma série de fobias, angústias, ambivalências (como um complexo de Édipo mal resolvido que implique metaforicamente o desejo pela morte do pai). c) A projeção MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 130 http://psicanaliseclinica.com Produz-se tipicamente na paranoia, em que o sujeito projeta seus impulsos agressivos sobre outro ou outros, e depois sente-se perseguido e acusado por esses mesmos impulsos que ele projetou. d) A identificação A identificação ou transferência da ênfase do objeto para o sujeito constitui uma manifestação psíquica geral. Diz Numberg: “em todo momento nos identificamos com alguém”. Mediante esse processo, uma pessoa considera-se, em certa medida, semelhante a outra, o menino copia o modo de agir do pai, e esse processo de identificação parece ser a possibilidade de uma mútua compreensão humana. Tanto a identificação como a projeção constituem modos de deslocamento, daí se dizer que são dois os mecanismos principais que regem o funcionamento do Ics: (1) o deslocamento (incluindo projeção e identificação) e (2) a condensação. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 131 http://psicanaliseclinica.com MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 132 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: Formas de acessar o inconsciente ● Artigo: Freud e o Inconsciente: um guia ● Artigo: Princípio do Prazer e Princípio da Realidade MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 133 https://www.psicanaliseclinica.com/como-acessar-o-inconsciente/ https://www.psicanaliseclinica.com/freud-e-o-inconsciente/ https://www.psicanaliseclinica.com/principio-do-prazer-realidade/ http://psicanaliseclinica.com 9.4. Processos de funcionamento do Inconsciente Ainda relacionado ao processo primário do inconsciente, devemos listar as seguintes características: a) Ausência de cronologia No inconsciente, a cronologia não existe, e tampouco no sonho. Na vivência onírica, podem ocorrer casos em que o tempo e o espaço estejam totalmente ausentes. Carecendo de sentido cronológico, o inconsciente não reconhece passado nem futuro, mas apenas um presente. Por exemplo, um evento traumático da infância é guardado no Ics como se estivesse ocorrendo agora. Todas as tendências são vividas pelo inconsciente no tempo atual, inclusive quando se referem ao passado ou ao futuro. Outro exemplo: um paciente de quarenta anos lutava inconscientemente contra a autoridade paterna, apesar de seu pai ter falecido quando ele tinha apenas oito anos de idade. b) Ausência de conceito de contradição MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 134 http://psicanaliseclinica.com O princípio lógico da não-contradição não funciona no inconsciente, pois nele não há lugar para negação, a negação só acontece pelo trabalho da censura na fronteira dos três sistemas Ics e Pcs. Inconscientemente, podem viver ódio e amor ao mesmo tempo, sem que um atrapalhe o outro, nem mesmo parcialmente. Podem existir ao mesmo tempo um sim e um não... c) Linguagem simbólica Quando o inconsciente tem que dizer, expressa-se em forma arcaica, utilizando símbolos (será abordado com maior detalhe no módulo sobre sonhos). Na Psicanálise, só é considerado símbolo se o simbolizado estiver reprimido. Um significante (palavra, imagem etc.) revelado estaria no lugar de um significante oculto, cabendo ao analista propor esse deslocamento. d) Igualdade de valores para a realidade interna e a externa, ou supremacia da primeira Nos psicóticos e neuróticos, a realidade interna é tão ou mais valorizada que a externa. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 135 http://psicanaliseclinica.com O psicótico que vive a fantasia de ser outra pessoa tem nela algo que é tanto ou mais válido do que sua personalidade real. Portanto, é perfeitamente natural que atue como tal. Também o psicótico que se crê milionário vive uma realidade interna mais válida do que a externa; está convencido de que comprou todos os rios e campos do país e, num gesto de generosidade, que nele é autêntico, presenteia um amigo com duas fazendas e um outro com um rio inteiro. Isso parece engraçado, mas, para o homem cuja ação psíquica está condicionada pelo processo primário, é algo tão sério e tão concreto quanto seria para um sujeito não psicótico que efetivamente vivencia tal situação. e) Predomínio do princípio do prazer O sujeito normal aprende a esperar e a acomodar-se a fim de conseguir a satisfação dos instintos: por exemplo, é capaz de estudar por anos na perspectiva de uma recompensa profissional futura. Por outro lado, o neurótico e sobretudo o psicótico que se encontrem dominados pelo processo primário não podem suportar o desprazer momentâneo, pois estão presos a processos primários inconscientes que demandam a satisfação imediata, sem preocupar-se com as conseqüências que essa satisfação possa apresentar. Esse imperativo constitui o que se denomina de predomínio do princípio do prazer. Dentro do sistema inconsciente, é necessário levar em conta uma porção, uma parte dele, que se encontra integrada por elementos de uma natureza tal que, se chegassem a ser consciente, apresentariam notáveis diferenças em relação aos demais. Esses elementos diferentes, que não têm MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 136 http://psicanaliseclinica.com livre acesso ao sistema consciente, constituem o que se denomina inconsciente reprimido. Portanto, no inconsciente podem ser consideradas, hipoteticamente, ● uma parte composta por elementos que se encontram temporariamente nele e estão, por conseguinte, submetidos às suas leis, mas que podem a qualquer momento tornar-se conscientes; e ● uma parte reprimida cujos elementos não podem aflorar ao consciente mas chegam, mesmo assim, a produzir determinados efeitos por vias indiretas, alcançando a consciência sob forma de sintomas, sonhos, atos falhos, chistes ou sonhos. Todo o reprimido tem que permanecer inconsciente mas não forma por si só todo o conteúdo desse sistema. O conteúdo reprimido é, portanto, uma parte do inconsciente (o inconsciente reprimido), segundo Freud. De acordo com o sistema hipotético, ● o id em sua totalidade é inconsciente; ● parte do ego e parte do superego são inconscientes; ● a outra parte do ego e a outra parte do superego são conscientes. Quando estudamos a Teoria Topográfica, chegamos à conclusão de que a idéia central dominante é de que o aparelho psíquico pode ser dividido em sistemas (Ics, Pcs e Cs), a partir da relação existente entre os mesmos e a consciência. Freud estabeleceu que a Teoria Topográfica reflete, em grande parte, a sua experiência ao analisar neuróticos e que, em decorrência dessa experiência, a sua teoria retrata a mente humana em geral, dividida em três sistemas distintos, a partir da acessibilidade à consciência. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 137 http://psicanaliseclinica.com Dito isto, podemos, agora, detalhar mais, assim: ● o somatório da energia mental investida num processo ou representação, é chamada de sua catexização; ● o aspecto do funcionamento mental que se relaciona com a energia mental empenhada em determinado fenômeno psíquico é chamado de aspecto econômico (ou seja, quantitativo) desse fenômeno. ● tendo sido a energia mental definida como originária dos impulsos instintivos e desencadeadora da atividade mental, podemos, então, presumir que a gratificação instintiva, resulta em uma descarga de energia mental e que qualquer tipo de atividade psíquica costuma fazer-se acompanhar de transferência de seu fluxo de energia mental. INDICAÇÃODE LEITURA (OPCIONAL) MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 138 http://psicanaliseclinica.com ● Artigo: Influências do inconsciente no comportamento ● Artigo: “7 Minutos Depois da Meia Noite”: análise do filme 9.5. A topografia de personalidade Ainda estamos abordando a primeira tópica ou teoria topográfica de Freud. A divisão topográfica da Personalidade compreende o Consciente, o Pré-consciente e o Inconsciente, como vimos. ● Consciente: inclui as porções da vida mental a que o indivíduo tem acesso de forma imediata, pelo emprego de sua atenção ou foco. Inclui, também, grande parte (mas não a totalidade) do Ego. ● Pré-consciente: inclui as partes da vida mental que podem ser trazidas ao consciente após um esforço de concentração da atenção e uma “busca na memória”. Na segunda tópica, esta parte compreenderá, principalmente, o Ego. ● Inconsciente: é desconhecido para o indivíduo, apesar de que partes do seu conteúdo possam, às vezes, passar para a pré-consciência e daí virem a se manifestar no consciente, de maneira “distorcida” (na forma de sintomas, elementos do sonho etc.). Na segunda tópica, o inconsciente englobará todo o id e parte do ego e do superego. Veremos, a seguir, a segunda tópica ou teoria estrutural, que não descarta a teoria topográfica (acima), apenas representa uma nova forma com que Freud passou a abordar o sistema psíquico humano. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 139 https://www.psicanaliseclinica.com/influencias-inconsciente/ https://www.psicanaliseclinica.com/7-minutos-depois-da-meia-noite/ http://psicanaliseclinica.com Resumindo a Teoria Topográfica (1ª Tópica): Inconsciente Pré-consciente Consciente Processos primários Processos secundários Processos secundários Representação de coisa Representação de palavra e de coisa Representação de palavra e de coisa Funcionamento atemporal, ambivalente e composto só de afirmações Fronteira entre Ics e Cs Linguagem racional, temporal e espacial MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 140 http://psicanaliseclinica.com 10. Teoria Estrutural: a segunda tópica freudiana Freud a ela se refere nos anos de 1923, 1926, 1932 e 1940. Encontramos referências espalhadas em vários textos, porém sem uma estruturação sistemática. A sistematização coube aos estudiosos de Freud. Para comparar a 1ª e a 2ª tópicas, vamos retomar um quadro trabalhado em módulos anteriores de nosso Curso. Associe: Modelo Instâncias Primeira Tópica Topográfico Ics, Pcs e Cs Segunda Tópica Estrutural Ego, Id e Superego 10.1. Em que consiste a Teoria Estrutural? A Teoria Estrutural (ou Segunda Tópica) divide o aparelho psíquico em ego, id e superego. As três partes podem ser pensadas nesses blocos: MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 141 http://psicanaliseclinica.com ● Um chamada de Id – acha-se diretamente relacionada com os impulsos instintivos, ao passo que ● O outro – denominada Ego – é mais coerente e mais organizada. Ela regula ou opõe-se aos impulsos, exercendo função mediadora entre estes e as exigências do mundo externo. ● Na verdade, a segunda parte – o Ego – é já constituído pela ação do mundo externo sobre as idiossincrasias da pessoa em desenvolvimento. Desse modo, parece melhor colocar a terceira parte desta Teoria, a vir ser chamada de Superego, como o mediador, permitindo que o Ego seja desenvolvido de um modo socialmente possível. O que embasa a organização de cada Tópica? ● Na primeira tópica, Freud dividiu as instâncias de acordo com a relação com o grau de acesso à consciência. ● Na segunda tópica, a divisão proposta corresponde ao que é possível observar-se do funcionamento da mente em situações de conflito em torno de um impulso instintivo. Explicando melhor a questão do conflito, na segunda tópica. ● De um lado deste conflito, encontra-se o desejo instintivo com as lembranças e fantasias a ele associadas, localizadas no id. ● Do outro lado deste conflito, estão as forças anti-instintivas da mente, tanto morais (superego) como racionais/defensivas (ego). A Teoria Estrutural cria uma segunda divisão dentro do próprio Ego, separado do resto do Ego, aquelas funções que podem ser chamadas de morais. A estas dá-se o nome de Superego. Esta divisão corresponde aos MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 142 http://psicanaliseclinica.com conflitos auto-punitivos, isto é, aos conflitos com o id que precisam ser evitados, para assim evitar uma punição externa (social). A Teoria Estrutural, portanto, divide a mente em três grupos de funções, denominada o Id, o Ego e o Superego. A divisão faz-se de tal maneira que os principais tipos de conflitos mentais com os quais estamos familiarizados possam ser descritos como ocorrendo entre: ● O Id de um lado e o Ego/Superego do outro lado. ● Às vezes, o conflito pode ser também entre o Superego e o Ego. Entendemos, contudo, que o Superego tem natureza de mediador de conflitos. No que estamos apresentando, cada grupo de funções é comumente chamado de estrutura mental, de onde vem o nome de Teoria Estrutural. Passamos a apresentar a caracterização desta Teoria Estrutural. 10.2. Instâncias psíquicas da teoria estrutural A teoria estrutural ou segunda tópica freudiana divide o aparelhos psíquico em id, ego e superego. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 143 http://psicanaliseclinica.com 10.2.1. O Id De acordo com LAPLANCHE & PONTALIS, o id é: “Uma das três instâncias diferenciadas por Freud na sua segunda teoria do aparelho psíquico. O id constitui o pólo pulsional da personalidade. Os seus conteúdos, expressão psíquica das pulsões, são inconscientes, por um lado hereditários e inatos e, por outro, recalcados e adquiridos. Do ponto de vista econômico, o id é, para Freud, o reservatório inicial da energia psíquica; do ponto de vista dinâmico, entra em conflito com o ego e o superego que, do ponto de vista genético, são as suas diferenciações.” O id é formado pelos representantes mentais dos impulsos instintivos. Representa a grande fonte de energia mental para o aparelho psíquico, considerado em seu todo. Ou seja, o id (em traduções no português também chamado de “isso”) responde pela nossa motivação para agir. Imagine uma situação em que uma pessoa é extremamente motivada no trabalho. Muitos aspectos poderiam ser discutidos, mas, vamos nos prender ao aspecto da energia mental. Essa pessoa pode estar se empenhando de forma consciente. Mas, para Freud, ainda assim, a energia dessa consciência tem sua origem na energia do id. A energia do id buscaria sua satisfação imediata. Mas, uma vez refreada, essa energia transfere-se ao ego. O ego, por sua vez, sabe que não pode realizar o prazer a qualquer custo, inclusive porque o superego torna presente a ameaça da punição. Assim, a energia precisa se realizar de alguma forma, e isso ocorre, neste exemplo, na forma de uma sublimação: uma energia para o trabalho, que é uma ação considerada legítima aos olhos da sociedade (“olhos” que o superego incorpora no aparelho psíquico do indivíduo). MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 144 http://psicanaliseclinica.com Os desejos do Id exigem gratificação, e assim fazendo, impelem as funções do Ego à ação. O essencial é saber que o impulso e a energia do Ego provêm do Id (o que reforça que não são instâncias isoladas). O termo id foi introduzido com a remodelação a que Freud sujeitou a sua tópica nos anos de 1920-23. Podemos considerar aproximadamente (mas não exatamente) equivalentes: ● o lugar ocupado pelo id na segunda tópica e ● o lugar do sistema inconsciente (Ics) na primeira; com algumas diferenças, porém, que podemos especificar assim: Se excetuarmos certos conteúdos ou esquemas adquiridos geneticamente (biologicamente),o inconsciente da primeira tópica coincidirá com o recalcado. Ou seja, o id é parte pulsão (surgida desde o nascimento), parte conteúdos vividos (sobretudo na infância) e que foram recalcados. Em O ego e o id (cap. I), pelo contrário, Freud destaca o fato de que a instância recalcante — o ego — e as suas operações defensivas são igualmente, na sua maior parte, inconscientes. Ou seja, o ego precisa ter parte inconsciente para comunicar-se com a instância recalcada (id), que é inconsciente. Daí resulta que o id passa a abranger a partir de então os mesmos conteúdos anteriormente abrangidos pelo Ics, mas já não o conjunto do psiquismo inconsciente inteiro, já que o Cs e o Pcs também possuem partes inconscientes. Por isso, os mecanismos de defesa não atacam (na nova teoria) o inconsciente, mas sim o polo pulsional da personalidade (o id). É neste sentido que o id é concebido como “o grande reservatório” da libido e, mais geralmente, da energia pulsional. A energia do ego advém também do id, porque o id é reservatório da energia pulsional de todo o aparelho psíquico. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 145 http://psicanaliseclinica.com De acordo com esta Teoria, também chamada de “Dualidade dos Instintos” (Freud, 1920), supõe-se que a energia do Id seja de dois tipos: ● energia agressiva, decorrente do instinto agressivo, e ● a libido, proveniente do instinto erótico. Terá o id um modo de organização, uma estrutura interna específica? O próprio Freud afirmou que o id era “um caos”: “Ele se enche de uma energia proveniente das pulsões, mas não tem organização, não promove qualquer vontade geral...” (FREUD). As características do id só se definiriam, de forma negativa, isto é, afirmando o que ele não é, por oposição ao modo de organização do ego (que pode ser melhor conhecido). Na verdade, convém ressaltar que Freud retoma, a propósito do id, a maior parte das propriedades que definiam, na primeira tópica, o sistema Ics: ● processo primário ● ausência de negação ou de dúvida ● realidade própria ● regulação pulsional ● ambivalência. A ambivalência que rege o id é agora representada pela convivência de duas pulsões no id: pulsão de vida e pulsão de morte. A ausência de organização do id é, pois, apenas relativa. O id não tem as relações lógicas evidentes do ego, mas também possuiria um mecanismo (embora mais primitivo), que se caracteriza antes de mais nada pelo fato de MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 146 http://psicanaliseclinica.com que “nela subsistem, lado a lado, moções [pulsionais] contraditórias, sem se suprimirem uma à outra ou se subtraírem uma da outra” (FREUD). É a ausência de sujeito coerente o que melhor caracteriza, como enfatizou Daniel Lagache, a organização do id, e que é expressa pelo pronome neutro escolhido por Freud para designá-lo, como sendo algo próximo ao desconhecido, inalcançável. Finalmente, é a diferença das perspectivas genéticas em que se inscrevem que melhor permite compreender a passagem do inconsciente da primeira tópica para o id da segunda tópica. O inconsciente ia buscar a sua origem no recalcamento, que, sob o seu duplo aspecto histórico e mítico, introduzia no psiquismo a cisão radical entre os sistemas Ics e Pcs-Cs. Com a segunda tópica, este momento da separação entre as instâncias perde a sua característica fundamental. A gênese das diferentes instâncias é antes concebida como uma diferenciação progressiva, uma emergência dos diferentes sistemas. Daí a preocupação de Freud em insistir na continuidade, na gênese que leva da necessidade biológica ao id e, deste, tanto ao ego como ao superego. É neste sentido que a nova concepção freudiana do aparelho psíquico se presta mais facilmente do que a primeira a uma interpretação “biologizante” ou “naturalizante”. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 147 http://psicanaliseclinica.com 10.2.2. O Ego O ego é, falando em sentido figurado, uma camada diferenciada que se desenvolveu a partir do id. Para aqueles que compreendem a estrutura psíquica como um contínuo, o ego é a parte que nasce do id e se especializa ainda na infância, para que o sujeito possa lidar com o mundo externo. O ego não está separado do id de forma nítida; na sua parte inferior, [o ego] mistura-se com ele [id]. Mas o recalcado mistura-se igualmente com o id, do qual é apenas uma parte. O recalcado só se separa do ego de forma clara pelas resistências de recalcamento, e pode comunicar-se com ele pelo id. (...) [O ego é] a parte do id que foi modificada sob a influência direta do mundo exterior, por intermédio do sistema percepção-consciência.” (FREUD) O ego é a instância que Freud, na sua segunda teoria do aparelho psíquico (segunda tópica), distingue do id e do superego. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 148 http://psicanaliseclinica.com Do ponto de vista tópico, o ego está numa relação de dependência: ● tanto para com as reivindicações do id, ● como para com os imperativos do superego e exigências da realidade. Embora se situe como mediador, encarregado dos interesses da totalidade da pessoa, a autonomia do ego é apenas relativa. Do ponto de vista dinâmico, o ego representa eminentemente, no conflito neurótico, o pólo defensivo da personalidade; põe em jogo uma série de mecanismos de defesa, estes motivados pela percepção de um afeto desagradável (sinal de angústia), que precisa ser evitado, escondido. O ego, então, empurra a presença deste afeto desagradável para o id, que é um lugar que não vem à tona do consciente, permitindo ao ego “seguir em frente” com a vida prática, apesar dos sintomas que a manutenção deste recalcamento no id irá causar. Do ponto de vista econômico, o ego surge como um fator de ligação entre os processos psíquicos (isto é, o ego “cuida” de si mesmo e faz a mediação entre as demandas sociais do superego e as demandas pulsionais do id). Em comparação à primeira tópica, na segunda o ego é mais vasto do que o sistema pré-consciente/consciente, na medida em que as suas operações defensivas são em grande parte inconscientes. Ou seja, apesar do ego ser responsável por boa parte do que a 1ª tópica atribuía ao par Pcs-Cs, ego (na 2ª tópica) é mais amplo que isso, porque, além da dimensão do consciente, também lida com os imperativos morais (superego) e com os mecanismos de defesa (em boa parte, inconsciente) que conduzem o “lixo” consciente para o id. De um ponto de vista histórico, o conceito tópico do ego é o resultado de uma noção constantemente presente em Freud desde as origens do seu pensamento. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 149 http://psicanaliseclinica.com O papel determinado pelo Ego na vida psíquica desenvolve-se gradativamente. A princípio, o ego é representado por um grupo de funções sensoriais e motoras que atuam como reservas obedientes do id e, assim dizendo, como suas representantes junto ao mundo externo. Parece fora de dúvida que numerosos fatores acham-se envolvidos na evolução do ego para uma organização coerente das funções mentais. Um desses fatores é o amadurecimento do sistema nervoso. Igualmente indispensável ao desenvolvimento normal do ego são o que chamamos de boas relações objetais primitivas. Queremos referir-nos aqui a um conjunto de experiências com pessoas de seu meio ambiente capaz de oferecer ao indivíduo, enquanto bebê, gratificação e frustração em doses adequadas ou favoráveis (Spitz, 1945 e Kris, 1950). Um passo especialmente significativo no desenvolvimento do Ego é a aquisição da linguagem, que segundo Freud, é um processo elaborado pelo ego que resulta em incalculável facilitação do pensamento. Não confundir o ego com narcisismo (ego narcísico ou ego narcisista). O ego é parte essencial de autoproteção, de desenvolvimento psicossocial, de aprendizadoe de autoidentificação (“saber quem sou”). Para isso, o ego transforma a energia pulsional do id para usá-la como energia motriz para todas ações humanas (como o trabalho, a arte, a religiosidade, o estudo, o lazer, o afeto amoroso, a amizade, a participação política etc.). Já o narcisismo é uma condição “patológica” do ego, quando esta pulsão libidinal do ego volta-se excessivamente para o próprio ego, isto é, o sujeito volta sua energia basicamente em favor de si mesmo (o sujeito que ama coincide com o sujeito amado), o que o coloca em confronto com o mundo e numa condição de distorção da realidade. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 150 http://psicanaliseclinica.com 10.2.3. O Superego Da mesma forma que o ego, o superego não constitui uma instância francamente autônoma do id; em grande parte inconsciente, o superego “mergulha no id” (nas palavras de Freud). Pode ser definido como grupo de funções psíquicas ligado às aspirações ideais [ideal: aquilo que “deveria ser”], aos padrões de exigências e às proibições morais. Podemos acrescentar que constituem o Superego todo o processo de educação e controle da sociedade, exercido de modo sistemático e assistemático. O Complexo de Édipo é uma metáfora da formação do Superego: o filho deseja a mãe e rivaliza com o pai; mas, como não pode vencer o pai, acaba se sujeitando e buscando aprendizado e autodesenvolvimento fora desta relação. Mas, antes, para de fato poder “seguir em frente”, deverá aceitar a hegemonia do pai. Como regra, tanto na psicanálise quanto no senso comum, temos a figura do pai como aquela ligada à moral (certo ou errado) e à sanção pelo MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 151 http://psicanaliseclinica.com descumprimento desta moral, enquanto à mãe atribui-se mais um papel da permissão e da acolhida. Encontramos o rival edipiano (o pai) como a fonte principal das identificações que formam o núcleo do superego. A mesma voz “autoritária” do pai vai ser, depois, percebida pela criança em outros contextos sociais, nas figuras: do professor, da autoridade religiosa (como um padre ou um pastor), da propaganda (nossos ideais de consumo e de estética), da pátria (suas regras e leis), enfim, de outras fontes de padrões de conduta moral, de normas para funcionamentos de grupos sociais, entre outros. Freud imaginou o superego como sendo uma parte especializada do Ego. Assim como o Ego se desenvolve do Id, o Superego seria uma especialização do Ego, isto é, uma parte do Ego destinada a reger a internalização das condutas, dos padrões ideais e das punições. O sentimento de culpa é um exemplo de regras que o superego interiorizou no aparelho psíquico. No livro “O mal-estar da civilização” (também traduzido como “O mal-estar da cultura”), Freud dirá que, após sobreviver ao Complexo de Édipo, o sujeito vê que precisa aceitar adiar a satisfação imediata do desejo (id) e admitir as regras externas, para usufruir dos benefícios menos explosivos porém mais perenes (permanentes) da ajuda mútua que (ao menos teoricamente) a vida em sociedade lhe oferece. Normalmente, atribui-se a psicopatas a característica de não terem um superego interiorizado e, em função disso, não terem regras morais rígidas tampouco empatia (que também é uma afeição socialmente aprendida). Assim, esses sujeitos dão satisfação imediata às suas pulsões de libido e de agressividade instintiva em relação a outras pessoas. Como o superego não internalizou as regras morais, só resta a punição social exterior para lhes ser aplicada. Tal punição é exterior em relação a esses psicopatas, mas será internalizada por outros sujeitos (servindo de “exemplo”), pois a punição reforça em outras pessoas a necessidade de ter um superego bem formado. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 152 http://psicanaliseclinica.com Assim, constitui-se para Freud a noção de “civilização” (sinônimo de “cultura”), em oposição à barbárie (que é um contexto em que prevalece os instintos do id dos indivíduos mais fortes). Pela instância do superego, Freud faz uma ponte entre a dimensão do indivíduo e a dimensão sociológica, firmando a Psicanálise como (a) método terapêutico, (b) teoria sobre o sujeito e (c) forma de interpretar a cultura e as relações sócio-históricas (uma teoria social). A atividade do Superego pode manifestar-se de várias maneiras. Assim, pode reger as atividades do Ego – em particular as atividades anti-instintivas (isto é, de adiamento do prazer) – de acordo com os seus padrões morais. O Superego funciona, também, de maneira a dar origem, dentro do Ego, a um sentimento de culpa, de remorso, ou a um desejo de penitenciar-se ou de fazer uma reparação. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 153 http://psicanaliseclinica.com 10.3. O funcionamento das instâncias Veremos a seguir o funcionamento do id, ego e superego. 10.3.1. O funcionamento do Id O id constitui o pólo pulsional da personalidade. Os conteúdos, expressão psíquica das pulsões, são inconscientes, por um lado hereditários e inatos (nascidos com o sujeito), e por outro, recalcados e adquiridos (resultado das experiências da vida). Do ponto de vista econômico, o id é, para Freud, o reservatório inicial da energia psíquica. A denominação id foi introduzida na terminologia psicanalítica por George Groddeck, que por sua vez a tomou de Nietzsche, sendo legitimada por Freud em seu livro “O ego e o id”, ao lhe conferir um determinado conteúdo conceitual. O id está integrado pela totalidade dos impulsos instintivos. Tem conexão íntima com o biológico, de onde extrai as energias distintivas que, por intermédio do id, adquirem sua exteriorização psíquica. As tendências do id coexistem de forma independente e não são regidas por nenhuma organização unitária. Tudo o que se desenvolve no id está submetido ao processo primário, por isso é regido pelo princípio do prazer e é, em suma, o ser primitivo sem freios. Isso nos leva à questão do instinto, o qual é considerado um excitante interno contínuo que produz, quando é respondido de forma adequada, um MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 154 http://psicanaliseclinica.com gozo específico. Os instintos fazem parte do id, que está totalmente submerso no inconsciente, são regidos pelas leis desse sistema. Todo instinto tende a chegar a um fim – estado de prazer, sendo o exemplo mais típico o do orgasmo genital. Os instintos têm características que lhe são próprias e distintivas: fonte de origem, impulso, objeto e fim. Quando este estado de prazer lhe é vedado, sua energia passa à instância do ego, para ser elaborada na forma de sintoma ou outra forma de ação. Para Freud, são características do id (em muito semelhantes ao que Freud propôs ao Ics, na 1ª tópica): 1. O id é o responsável pelo processo primário. Diante da manifestação do desejo, forma, no plano do imaginário, objeto que permitirá sua satisfação. Um exemplo ilustrativo é o sonho, onde os desejos vão tentando uma satisfação alucinatória ao nível das imagens geradas. Um desejo corresponde a uma carência que, ao ser satisfeita, gerará prazer. 2. O id funciona pelo princípio do prazer. Busca a satisfação imediata das necessidades. Não questiona qualquer aspecto da adaptação do desejo à realidade física, social ou moral. As interdições virão do ego ou do superego, jamais do id. O id sempre manterá o modelo de querer, e de querer a qualquer preço. 3. No id, inexiste o princípio da não-contradição, que é o princípio racional e lógico por excelência. Como não é dimensionado pela realidade, podem estar presentes desejos ou fantasias mutuamente excludentes do ponto de vida lógico, como o de desejar uma pessoa e, ao mesmo tempo, desejar sua morte. Não fosse a “civilização” promovida pelo ego e superego, haveria a “barbárie” provocadapelo id. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 155 http://psicanaliseclinica.com Voltemos aos sonhos, que são a melhor maneira de exemplificarmos os processos do id. Neles podemos estar mortos e vivos ao mesmo tempo. Podemos entrar no fogo, e o fogo ser frio. Podemos nos ver em dois lugares ao mesmo tempo. Na medida em que o princípio da não-contradição inexiste, todas as coisas são possíveis ao nível do id. 4. O id é atemporal. A única dimensão da vivência é o presente. Não há passado ou futuro. Existe a elaboração de uma única dimensão, vivida como presente. Reviver (recordar) é o mesmo que viver nos sonhos, a recapitulação de um acidente é vivida como o próprio acidente. Nos sonhos, um projeto de realização futura ou os eventos passados são vividos como realização presente: exemplo é quando o sujeito sonha com filhos e netos que ainda não nasceram, ou quando sonha com antepassados já falecidos há anos. Nos próprios devaneios que temos, ou seja, quando sonhamos acordados, transformamos em realizações presentes os desejos com perspectivas realizações futuras. Fantasiamos também em relação aos desejos socialmente produzidos, como por meio da propaganda. Quando o sujeito compra um bilhete de loteria faz planos para a utilização do dinheiro, “vivenciando” a ilusão de real daquele sonho (pelo menos no mundo mental e por uma fração pequena de tempo). 5. O id não é verbal. Funciona pela produção de imagens e, para alguns psicanalistas, por frações de palavras, mas sem formar um discurso coerente. Temos utilizado os sonhos para exemplificar o Id. Mas quando nos recordamos de um sonho, já efetuamos uma elaboração secundária sobre ele, ou seja, já o reduzimos ao domínio da linguagem. Em sua forma original, os sonhos são basicamente plásticos. As imagens são criadas, fragmentadas, deslocadas, combinadas, de forma a se adequarem à satisfação do desejo. O enredo do sonho é o que nos é acessível, mas os mecanismos que geraram o sonho permanecem inalcançáveis. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 156 http://psicanaliseclinica.com 6. O id funciona basicamente pelos processos de condensação e deslocamento, que são os processos básicos do inconscientes. Na condensação, agrupamos, dentro de uma imagem, características pertencentes a vários processos inconscientes, como fragmentos empilhados uns sobre os outros. No deslocamento, as características de uma imagem são transferidas para outra, com a qual o sujeito estabelece relações como se fosse a primeira. A diferenciação é enquanto modelo, porque dentro do funcionamento real os processos de condensação e deslocamento são superpostos, simultâneos. 7. Finalmente, o id é uma instância estruturalmente inconsciente, está todo imerso no inconsciente. O ego e o superego também têm parte inconsciente, porém essas instâncias têm uma outra parte consciente, que o id não tem. Isto é, todos os processos descritos sobre o id são estruturados sem percepção ou participação do consciente. Os desejos oriundos do id podem ser percebidos pela consciência (podem alcançar o ego), quando não sofrem repressão. Por exemplo, o sujeito pode perceber que parte de sua angústia advém de reprimir um determinado desejo sexual. Às vezes, o desejo toma uma forma compulsiva de realização: um exemplo seria um sujeito com um desejo sexual reprimido que “realiza” o desejo de forma deslocada, por meio da compulsão (por comida, por bebida, por trabalho ou por hábitos ilógicos de TOC, por exemplo). Veremos a seguir que as outras instâncias, o Ego e o Superego, são em parte consciente e inconsciente. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 157 http://psicanaliseclinica.com Associe assim (demais colunas serão preenchidas mais abaixo, nesta apostila): Características do id: Processo primário Princípio do prazer Não segue a lógica Atemporal Não é verbal Processos de condensação e deslocamento Nível inconsciente 10.3.2. O funcionamento do Ego De um ponto de vista histórico, o conceito tópico do ego é o resultado de noção constantemente presente em Freud desde as origens do seu pensamento, mas que se tornou mais evidente no contexto da segunda tópica. Para Freud, o ego nada mais é do que uma parte do id modificada pelo impacto ou interação das pulsões internas e dos estímulos externos. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 158 http://psicanaliseclinica.com Durante as primeiras etapas da Psicanálise, identificava-se todo o ego com o consciente. Mas posições posteriores do próprio Freud colocaram essa instância como tendo partes que no pré-consciente e até mesmo no inconsciente. O principal papel do ego, portanto, é coordenar funções e impulsos internos, e fazer com que os mesmos possam expressar-se no mundo exterior sem conflitos. Uma força do ego – que foi tomada do id – opõe-se aos impulsos instintivos que tentam expressar-se. O ego dispõe de uma organização e é capaz de dirigir todas as tendências do id para uma finalidade determinada. O ego representa eminentemente, no conflito neurótico, o pólo defensivo da personalidade. Isto é, usa de mecanismos de defesa para refrear o id e para reprimir afetos desagradáveis, chamados de sinais de angústia. Freud não teve a preocupação de delimitar pedagogicamente as características do Ego. De seus vários trabalhos, podemos enumerar as seguintes características como constituintes do Ego: 1. O ego dá o juízo de realidade ou senso de realidade, funcionando pelo processo secundário. Vimos que o id dá o nível do desejo, o nível do querer, independentemente das possibilidades reais de o desejo ser satisfeito ou não. Já o ego partirá do desejo da imagem formada pelo processo primário, para tentar construir na realidade caminhos que possibilitem a satisfação do desejo (ou uma consumação real do desejo ou, se não for possível, o ego buscará realizar o desejo da forma permitida, por meio de trabalho, arte, lazer, sintomas etc.). 2. Num esquema mais simples, o processo seria assim: MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 159 http://psicanaliseclinica.com Diante da manifestação do desejo, duas proibições podem opor-se: (1) as proibições morais (oriundas do superego) e as (2) interdições da realidade objetiva (não ser possível ou factível a realização do desejo). Por exemplo, é um sonho humano voar. Quantas vezes, nos nossos sonhos magicamente alçamos voo sem que tenhamos asas. O desejo não conhece proibições. É necessário que o Ego, instância de realidade, nos estabeleça limites, ou possibilita-nos a aquisição de instrumentos de vôo. Se estivermos apenas no nível do desejo, faríamos de tudo para realizar tal desejo, mas o ego (e sua dimensão moral: o superego) surgem para mostrar que determinado ato não é permitido ou não é factível por outras razões lógicas. Daí, o ego vai buscar uma outra forma de dar vazão à energia que lhe chegou a partir do desejo não realizado. Cabe exatamente ao Ego efetuar a conciliação entre os desejos e proibições internas e os desejos e proibições da realidade objetiva, de forma a possibilitar a atuação conciliatória mais produtiva para o sujeito, dentro dos cenários possíveis. 3. O ego é o segmento mais organizado e atual da personalidade. Mais “atual” no sentido de estar presente, de se confundir com o que sabemos sobre nós. Vimos que o id é uma matriz instintiva, é uma estrutura arcaica, filogenética. O superego contém proibições que também são oriundas da evolução, por exemplo, os tabus contra o incesto, o parricídio (morte ao pai), o matricídio (morte à mãe), o filicídio (morte ao filho). Os valores morais a serem internalizados são o produto dos valores morais dos diversos grupos sociais ao qual o sujeito pertence (família, escola, igreja, mídia e outros grupos que o sujeito escolha ou não pertencer), portanto, sãovalores também anteriores a ele. Cabe ao Ego organizar uma síntese atual, tornando o sujeito único e original (ou melhor, dando-lhe esta ilusão de “exclusividade”) e permitindo-lhe uma adaptação ativa ao mundo presente em que vive. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 160 http://psicanaliseclinica.com 4. O ego domina a capacidade da síntese. Aqui englobam todas as funções lógicas do funcionamento mental, que para a Psicanálise são atributos do Ego. A memória e o desenvolvimento do pensamento lógico e operatório (isto é, a habilidade técnica) estão aqui contidos. Resta lembrar que o conhecimento epistemológico da construção do real é obra de Piaget. Para a Psicanálise, a organização destas funções interessa especialmente ao nível individual, quando as perturbações afetivas comprometem seu funcionamento. 5. O ego detém o domínio da motilidade (capacidade do indivíduo se mover). O domínio do esquema corporal instrumental (o domínio das praxias) é uma função do Ego. A nossa atuação corporal é o nosso instrumento prático de realização do processo secundário. E é exatamente por estar o domínio da motilidade situado no Ego, que quando o ego se vê enfraquecido por distúrbios afetivos a atuação corporal fica prejudicada, rígida, estereotipada, perturbada em suas relações práxicas. Exemplos de transtorno desta função é quando há movimentos aparentemente involuntários, como ocorre na histeria ou na síndrome da perna inquieta ou na paralisia corporal temporária após um forte abalo emocional. 6. O ego organiza a simbolização. O processo primário do id é plástico, não forma discursos complexos e coerentes. Já o processo secundário, ao qual o ego está associado, é responsável por organizar a linguagem, organizar o domínio sobre a realidade física e psíquica, formar gêneros e discursos que permitem as ideias serem elaboradas e comunicadas, além do fato de que esses discursos formam a própria subjetividade das pessoas. 7. O ego é uma sede da angústia, isto é, quando alguém relata que tem uma angústia, é no ego que este sintoma se manifesta, ainda que, na origem, tal fato tenha surgido no id. Como instância adaptativa, o Ego é o responsável MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 161 http://psicanaliseclinica.com pela detecção dos perigos reais e psicológicos que ameacem a integridade do indivíduo. De acordo com a origem do perigo, classificamos a angústia em: a) Angústia real – normalmente denominada “medo”. É o sinal que mobiliza o indivíduo diante da perspectiva de uma agressão real. Tem inclusive uma dimensão biológica bem definida. Diante do perigo, uma descarga de adrenalina na corrente sanguínea mobiliza uma vasodilatação muscular e uma vasoconstrição periférica e visceral, propiciando ao organismo condições para lutar ou fugir. b) Angústia neurótica. É o temor existente no ego de que o id, ou seja, os desejos, prevaleçam sobre os dados da realidade. Na prática isto acontece numa espécie de sentimento de que estamos enlouquecendo, ou de que não resistiremos ao impulso de matar alguém ou de aceitarmos uma dimensão reprimida de nossa sexualidade ou de fazer quaisquer atos em que estejamos fora do controle. c) Angústia moral. É um sentimento acusatório no qual sentimos que erramos, que somos maus, e nada mais poderá ser feito a não ser expiar a culpa. Este sentimento provém da atuação de um superego rigoroso que, ao perceber os desejos que condena, passa a punir permanentemente o sujeito que deseja, como se a transgressão houvesse já ocorrido. A confissão dos pecados por pensamento existe em diversas religiões, é um bom exemplo do processo. Por imaginar um ato desonesto, a acusação superegóica de criminoso nos perseguirá, ao imaginar uma atuação sexual nos sentimos imorais e desmerecedores do amor das outras pessoas. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 162 http://psicanaliseclinica.com Associe assim (a última coluna será preenchida mais abaixo, nesta apostila): Características do id Características do ego Processo primário Processo secundário Princípio do prazer Princípio da realidade Não segue a lógica Segue a lógica, detém capacidade de síntese Atemporal Temporal Não é verbal Verbal, discursivo, organiza o simbólico; controla a motilidade Processos de condensação e deslocamento Responde pela nossa autoimagem (“eu sou”) e negocia com o id a possibilidade de realizar os desejos, por isso é também onde se formam as angústias. Nível inconsciente Nível consciente e inconsciente MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 163 http://psicanaliseclinica.com 10.3.3. O funcionamento do Superego Para os teóricos, é uma parte do ego que pertence ao desenvolvimento mental considerado sadio. Está integrado ao id e ao ego. É comparado a um filtro ou sensor, e é influenciado pelos princípios religiosos, cultural, história do povo etc. Esse estatuto para “viver bem em relação” denomina-se “consciência” ou “voz da consciência”, e é o conhecido na nomenclatura psicanalítica, desde a publicação de o Ego e o Id, de Freud, em 1923, como superego, a terceira das instâncias em que consiste o aparelho psíquico na teoria estrutural de Freud. Para ficar mais claro, vamos usar uma imagem pertinente ao imaginário popular. Na cena (muito comum dos desenhos animados) em que um diabinho e um anjinho ficam tentando convencer uma pessoa (um de cada lado do seu ombro), o diabinho seria o id (seus desejos de libido ou agressão, seus instintos), o anjinho seria o superego (suas regras de conduta) e a pessoa “concreta” seria o ego (que vai mediar os conflitos do superego e do id, atendendo-os na medida do possível). O Superego representa todas as restrições morais e todos os impulsos para a perfeição (ideal do que é certo, do que é belo etc.). O conhecimento de sua existência e suas formas de atuação constitui uma grande ajuda para a compreensão de diferentes sintomas, da conduta social do homem, das ciências humanas (sociologia, pedagogia, artes, história, economia, filosofia etc.) e de problemas sociais agudos, como a delinquência e a criminalidade. Segundo Freud, a formação do superego é correlativa do declínio do Complexo de Édipo. A criança, renunciado a satisfação dos seus desejos edipianos marcados pela interdição, transforma seu investimento nos pais em MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 164 http://psicanaliseclinica.com identificação com os pais, isto é, a criança interioriza a interdição e “segue sua vida”, buscando outros objetos (pessoas, coisas, profissão etc.) para investir seu desejo. Um Complexo de Édipo não superado ou mal resolvido (fase fálica) tende a estar na base de um superego fragilizado. Por outro lado, um superego extremamente rígido impõe ao sujeito e à sociedade resultados nada agradáveis, como a angústia pela autocobrança, a autopunição, o autoflagelo, o perfeccionismo exacerbado, a inação (dificuldade em tomar decisões e praticar ações), a baixa autoestima (por não alcançar os ideais de padrão), a tendência ao autoritarismo, o fanatismo, o aniquilamento do desejo do outro, o antropocentrismo e o desrespeito à diversidade (cultural, sexual, racial e de gênero). Em síntese, são funções do Superego: a auto-observação, autocrítica, a consciência moral, a censura onírica, a influência principal na repressão e a exaltação dos ideais (criação dos “padrões”, como morais e estéticos). MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 165 http://psicanaliseclinica.com Associe assim: Características do id Características do ego Características do superego Processo primário Processo secundário Processo secundário Princípio do prazer Princípio da realidade Princípio da realidade Não segue a lógica Segue a lógica, detém capacidade de síntese Segue a lógica,detém capacidade de síntese Atemporal Temporal Temporal Não é verbal Verbal, discursivo, organiza o simbólico; controla a motilidade Verbal, discursivo, organiza o simbólico especialmente em relação à moral e aos padrões Processos de condensação e deslocamento Responde pela nossa autoimagem (“eu sou”) e negocia com o id a possibilidade de realizar os desejos, por isso é também onde se formam as angústias. É uma derivação do ego, por isso tem muito em comum com ele. Recebe, organiza e interioriza as regras de conduta e os ideais. Nível inconsciente Nível consciente e inconsciente Nível consciente e inconsciente MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 166 http://psicanaliseclinica.com 10.4. A personalidade e sua dinâmica na Teoria Estrutural A energia psíquica, de que, mais acima, já se falou, aparece, subjetivamente, nas manifestações de força, de motivação e de entusiasmo. É universal e indiscutivelmente reconhecida, mas é, também, intraduzível em termos fisiológicos. Constitui-se uma hipotética força propulsora originária no id, responsável por todas as ações psicológicas. No interior da personalidade, encontram-se, em plena atividade, os instintos e a ansiedade pela não vazão desses instintos. Os instintos emanam do id, dispostos de dois pólos pulsionais: o sexual e o agressivo. ● O Sexual (libido, instinto de vida; Eros: o deus grego do amor) compreende o conjunto de energias instintivas que produzem a gratificação individual e a perpetuação da espécie. Sua parte principal está relacionada ao impulso sexual, que tem suas fontes nas zonas erógenas do corpo (genital, oral e anal), cujo estímulo ou manipulação pode produzir sensações agradáveis. Temos como derivados desse instinto: o afeto, o amor, o prazer sexual, o desejo de reprodução, a necessidade de nos associarmos à outras pessoas, a criatividade no trabalho, a prática das artes etc. ● O Agressivo (instinto de morte, Thanatos: o deus grego da destruição): compreende todas as forças destrutivas e hostis da psique humana e seus derivados compreendem o impulso de auto-afirmação, a ambição, a competição, o desejo de vencer, o impulso para rivalizar e para triunfar. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 167 http://psicanaliseclinica.com Frequentemente ocorrem fusões entre os impulsos sexuais e os agressivos, que é o que se observa quando alguém compete na conquista de alcançar um objeto de amor, ou quando luta para preservar a integridade do lar e, ainda, as atividades sadomasoquistas. Constituem exemplos da fusão referida, com a agressão contra os outros ou ao próprio ego. Quanto à ansiedade, sob condições normais, ela previne contra um perigo iminente, pois ao ser despertada motiva a pessoa a se pôr em condições de luta ou fuga. Mas, quando perpetuada, acarreta um mal-estar, porque a energia pulsional não encontra a adequada liberação. Há três tipos de ansiedade: ● A ansiedade real, que é o medo de perigos reais do mundo exterior, assim é que, ao sentirmos o cheiro da fumaça, teremos o fogo. ● A ansiedade neurótica: que é o medo de que os instintos escapem do controle, obrigando a pessoa a fazer algo que não a leve a punição. É o caso do indivíduo que odiando um chefe, tema que por meio de seus atos transpareça o ódio, o que poderia resultar na sua demissão do emprego. ● A ansiedade moralística: que é o medo do Superego, que sente o indivíduo quando faz algo que fira seu código moral. Pode acontecer que a ansiedade neurótica se torne em ansiedade livremente flutuante. Isso ocorre quando os sentimentos ansiosos que emanam de um conflito específico se expandem para uma série de situações aparentemente neutras ou irrelevantes, de tal modo que o indivíduo não consegue explicar qualquer ligação entre os sentimentos ansiosos e quaisquer outras situações específicas. A ansiedade se generaliza e o indivíduo fica aflito em relação a situações diversificadas da vida. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 168 http://psicanaliseclinica.com 11. Uma representação visual para as duas tópicas MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 169 http://psicanaliseclinica.com Vamos comentar a imagem acima, que servirá para fazermos uma revisão da matéria estudada neste Módulo. O id é a primeira instância psíquica da vida do sujeito. O sujeito é puro desejo e instinto, busca a satisfação imediata (“eu quero”), impulsionado pela pulsão sexual (Eros ou libido) e a pulsão de agressividade (Tânatos). Com o amadurecimento da vida psíquica (ainda na primeira infância), o id se desdobra em ego (a autoconsciência) e o superego (as limitações de autopunição e os ideais de padrão), aquilo que o sujeito pode/deve e não pode/deve ser e fazer. O id, que, desde o nascimento da pessoa, era apenas pulsional, com o amadurecimento do sujeito (ainda na infância) passa a ser também o lugar dos conteúdos reprimidos. Para isso, o ego se baseará nas regras e padrões do superego para adiar a satisfação imediata, para direcionar a energia do id para “afetos legítimos” de serem realizados e para reprimir ao id aquelas dores que seriam insuportáveis à consciência. A figura acima mescla a teoria estrutural (sintetizada no parágrafo anterior) e a teoria topográfica. Em tal mescla, o id estaria todo inconsciente (e muito do que falamos sobre o Ics na 1ª tópica se aplicaria ao id na 2ª tópica), enquanto o ego e o superego seriam parte consciente, parte inconsciente. Por exemplo, o superego tem uma parte consciente (das regras morais e dos padrões ideais que estão presentes no “eu” consciente) e uma parte inconsciente (as ameaças de punição e os padrões ideais que foram interiorizados como regras que o sujeito incorporou como legítimos, como se fossem originariamente seus, sem mais questioná-los). Ainda considerando a figura acima, o ego tem uma parte consciente que responde pelo racional e pela vida prática (self) e outra que gerencia os mecanismos de defesa e que ajudam a empurrar para as profundezas do id os conteúdos que devam ser reprimidos. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 170 http://psicanaliseclinica.com 11.1. Revisão: Primeira e Segunda Tópicas Vamos repassar alguns dos principais pontos estudados sobre Primeira e Segunda Tópicas Freudianas. Esta é a diferenciação entre 1a e 2a tópicas freudianas: ● Primeira Tópica: primeira fase da obra de Freud, em que ele dividia as instâncias do aparelho psíquico em Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente. ● Segunda Tópica: segunda fase da obra de Freud, em que o autor estabelece as instâncias do aparelho psíquico como sendo Id, Ego e Superego. Sobre os termos mais relacionados a cada tópica: Modelo Instâncias Primeira Tópica Topográfico Ics, Pcs e Cs Segunda Tópica Estrutural Ego, Id e Superego São as três instâncias do aparelho psíquico de acordo com a 1a tópica (modelo topográfico): MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 171 http://psicanaliseclinica.com ● Inconsciente (Ics): Constituído por conteúdos reprimidos e que não têm acesso direto ao sistema Pcs/Cs. ● Pré-consciente (Pcs): instância que mantém conteúdos acessíveis ao nível consciente, ou seja, disponibiliza os conteúdos, mas não pertence à consciência no atual momento. Mantém parte de sua estrutura ligada tanto ao Ics quando ao Cs. ● Consciente (Cs): Instância que se relaciona aos estímulos/informações provenientes do mundo externo e do mundo interno. É responsável pela percepção, atenção e raciocínio. Um quadro comparativo entre as três instâncias da 1a tópica: Inconsciente Pré-consciente Consciente Processos primários Processos secundários Processos secundários Representação de coisa Representação de palavra e de coisa Representação de palavra e de coisa Funcionamento atemporal, ambivalentee composto só de afirmações Fronteira entre Ics e Cs Linguagem racional, temporal e espacial As três instâncias psíquicas de acordo com a Segunda Tópica: ● ID: instância psíquica mais profunda e vasta, a qual contém reservada a energia psíquica, ou seja, as pulsões que, aqui, se configuram regidas pelo princípio do prazer, em busca da satisfação do desejo, alheios à realidade e à moral. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 172 http://psicanaliseclinica.com ● EGO: instância psíquica que tem como principal função buscar um equilíbrio entre as descargas de excitações. Orientado pelo princípio da realidade, o ego é um regulador que busca atender os desejos, considerando as condições objetivas da realidade. Portanto, situa-se entre a satisfação do id e as impossibilidades advindas do superego. Além disso, atua como um supervisor dos processos psíquicos, evitando um sofrimento psíquico exacerbado que leve à desorganização, a exemplo das censuras presentes nos sonhos. ● SUPEREGO: instância psíquica que busca a regulação moral condicionada pelas exigências sociais e culturais. Surge com a internalização de conteúdos como limitações, proibições e autoridade, em geral a partir da relação com os pais. Sobre as características mais marcantes de cada uma das instâncias da teoria estrutural: Características do id Características do ego Características do superego Processo primário Processo secundário Processo secundário Princípio do prazer Princípio da realidade Princípio da realidade Não segue a lógica Segue a lógica, detém capacidade de síntese Segue a lógica, detém capacidade de síntese Atemporal Temporal Temporal Não é verbal Verbal, discursivo, organiza o simbólico; controla a motilidade Verbal, discursivo, organiza o simbólico especialmente em relação à moral e aos MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 173 http://psicanaliseclinica.com padrões Processos de condensação e deslocamento Responde pela nossa autoimagem (“eu sou”) e negocia com o id a possibilidade de realizar os desejos, por isso é também onde se formam as angústias. É uma derivação do ego, por isso tem muito em comum com ele. Recebe, organiza e interioriza as regras de conduta e os ideais. Nível inconsciente Nível consciente e inconsciente Nível consciente e inconsciente MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 174 http://psicanaliseclinica.com 12. Quizzes (Enquetes) Estamos adicionando quizzes (enquetes) nos módulos. O módulo 4 conta com as enquetes abaixo. Servem para revisar e fixar conteúdos. Importante: a prova do módulo (contendo 10 perguntas de múltipla escolha e uma redação) é diferente das enquetes (que são perguntas de verdadeiro ou falso). As partes obrigatórias para você concluir o Curso de Formação são as 12 provas (uma por módulo), não as enquetes abaixo. As enquetes são opcionais: servem de revisão e fixação do aprendizado, mas não fazem parte de nenhuma avaliação para fins de conclusão do Curso. As enquetes abaixo são somente afirmações, sobre as quais você deve responder Verdadeiro ou Falso. A resposta é feita no Telegram do projeto Psicanálise Clínica. Isso porque o Telegram tem o recurso interativo de enquetes: você responde e, depois, pode verificar se acertou e pode também ler um comentário explicando a questão. Você deve clicar no link da enquete abaixo usando um celular com Telegram instalado (o Telegram é gratuito e você pode baixar em qualquer “loja” de aplicativos, como Google Play ou Apple Store), ou estando conectado no Web Telegram no seu computador. Como ver a resposta? Depois de responder, atualize a página do Telegram (ou clique em outra conversa do Telegram e depois volte ao canal Psicanálise Clínica no Telegram) e clique no desenho de lâmpada que MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 175 http://psicanaliseclinica.com aparecerá entre a pergunta e a resposta, do lado direito: você já verá o gabarito com um breve comentário. [Módulo 4, Quiz 1] Na obra "A Psicopatologia da Vida Cotidiana" (Freud, 1901), o inconsciente aparece relacionado a erros e falhas do dia-a-dia, como nos chamados atos falhos. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1771 Obs.: Depois de responder cada quiz no telegral, clique no desenho de lâmpada que aparecerá entre a pergunta e a resposta, para ver o gabarito comentado. [Módulo 4, Quiz 2] Os atos falhos designam erros na linguagem (escrita, fala, leitura). Já os erros de memória e de comportamento não são atos falhos, mas sim chistes. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1778 [Módulo 4, Quiz 3] O erro que surge dos atos falhos é, de certa forma, um acerto. É sem querer (conscientemente falando) mas também é querendo (inconscientemente). ( ) Verdadeiro ( ) Falso MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 176 https://t.me/psicanaliseclinica/1771 https://t.me/psicanaliseclinica/1778 http://psicanaliseclinica.com Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1793 [Módulo 4, Quiz 4] Quanto à Primeira Tópica, o consciente é a instância psíquica cuja acessibilidade à consciência é, para muitos autores, impossível de ser acessada de forma direta, racional e clara. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1797 [Módulo 4, Quiz 5] O inconsciente compreende os elementos mentais prontamente acessíveis à mente atenta; segundo a metáfora freudiana do iceberg, esta instância seria a parte do iceberg que fica para fora d'água. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1800 [Módulo 4, Quiz 6] No Pré-Consciente, está o material que fora consciente, e no momento seguinte passou para o PCs. É instância intermediária. Nela estão conteúdos que não estão conscientes, embora possam se tornar conscientes sem barreiras do recalque. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1806 [Módulo 4, Quiz 7] O deslocamento é um mecanismo de elaboração do Inconsciente que consiste na mobilização e mudança de lugar de uma carga psíquica. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1812 MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 177 https://t.me/psicanaliseclinica/1793 https://t.me/psicanaliseclinica/1797 https://t.me/psicanaliseclinica/1800 https://t.me/psicanaliseclinica/1806 https://t.me/psicanaliseclinica/1812 http://psicanaliseclinica.com [Módulo 4, Quiz 8] A condensação é um mecanismo de elaboração do consciente que agrupa vários elementos separados sem a mínima afinidade. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1817 [Módulo 4, Quiz 9] A projeção é mecanismo de elaboração do inconsciente que nunca se produz na paranoia: o sujeito projeta seus impulsos agressivos sobre outro ou outros, e depois sente-se perseguido e acusado por esses mesmos impulsos que ele projetou. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1825 [Módulo 4, Quiz 10] A identificação ou transferência da ênfase do objeto para o sujeito constitui mecanismo em que uma pessoa se considera, em certa medida, semelhante a outra, como quando o menino imita certos modos de agir do pai. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1829 [Módulo 4, Quiz 11] A ausência de cronologia é um processo secundário do inconsciente. No ICs, tempo e espaço estariam desorganizados ou seriam até mesmo inexistentes. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1833 [Módulo 4, Quiz 12] Em Psicanálise, entende-se que o inconsciente não reconhece passado nem futuro, mas apenas uma espécie de "presente", elaborado numa “linguagem” própria que seria distintado tempo-espaço da lógica racional. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 178 https://t.me/psicanaliseclinica/1817 https://t.me/psicanaliseclinica/1825 https://t.me/psicanaliseclinica/1829 https://t.me/psicanaliseclinica/1833 http://psicanaliseclinica.com ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1841 [Módulo 4, Quiz 13] Um dos processos primários do ICs é a ausência do juízo de contradição. O princípio da não-contradição não funciona no inconsciente, pois neste não haveria lugar para negação. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1846 [Módulo 4, Quiz 14] A linguagem simbólica é parte do processo primário do ICs. O ICs expressa-se de forma lógica, raramente usando símbolos, por isso é possível conhecer a exatidão lógico-racional da mensagem inconsciente. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1851 [Módulo 4, Quiz 15] Nos psicóticos e neuróticos, a realidade interna tende a ser tão ou mais valorizada que a externa. Isso é mais severo no psicótico, que literalmente "vive" sua fantasia. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1855 [Módulo 4, Quiz 16] É um princípio entre psicanalistas freudianos e lacanianos que o analista não deve negar nenhum paciente, por isso seria desnecessária a entrevista psicanalítica preliminar. ( ) Verdadeiro ( ) Falso MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 179 https://t.me/psicanaliseclinica/1841 https://t.me/psicanaliseclinica/1846 https://t.me/psicanaliseclinica/1851 https://t.me/psicanaliseclinica/1855 http://psicanaliseclinica.com Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1863 [Módulo 4, Quiz 17] O imperativo do prazer a qualquer custo constitui o que se denomina o predomínio do princípio do prazer. Sua total supressão representaria um superego hiper-rígido e o aniquilamento do desejo. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1865 [Módulo 4, Quiz 18] De acordo com a teoria estrutural, o id em sua totalidade, parte do ego e parte do superego estão fora do sistema inconsciente. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1868 [Módulo 4, Quiz 19] Direcionar a transferência a um analista específico e elaborar uma hipótese diagnóstica são algumas das tarefas das entrevistas preliminares, mas não se aplicam ao tratamento de ensaio. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1874 [Módulo 4, Quiz 20] O método da associação livre foi abandonado por Freud em favor da atenção flutuante, que mescla o método catártico e a sugestão hipnótica. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1880 MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 180 https://t.me/psicanaliseclinica/1863 https://t.me/psicanaliseclinica/1865 https://t.me/psicanaliseclinica/1868 https://t.me/psicanaliseclinica/1874 https://t.me/psicanaliseclinica/1880 http://psicanaliseclinica.com [Módulo 4, Quiz 21] No modelo estrutural ou segunda tópica freudiana, há uma instância psíquica que nos ajuda a entender o Complexo de Édipo, as regras morais e os ideais de perfeição. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1886 [Módulo 4, Quiz 22] Na visão de Laplanche & Pontalis: “Se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, seria incontestavelmente na palavra consciente". ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1894 [Módulo 4, Quiz 23] A estrutura psíquica inconsciente compreende os impulsos e sentimentos dos quais o indivíduo não tem consciência. É a base para entendimento de toda a teoria da psicanálise. Em alemão, é o não sabido. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1897 [Módulo 4, Quiz 24] São definições corretas sobre os processos primários: correspondem ao nível inconsciente, regem-se pelo princípio da realidade e usam mecanismos como condensação e deslocamento. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1906 [Módulo 4, Quiz 25] Freud propôs o ego como sendo uma parte especializada do superego, destinada a reger a internalização das condutas, dos padrões ideais e das punições. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 181 https://t.me/psicanaliseclinica/1886 https://t.me/psicanaliseclinica/1894 https://t.me/psicanaliseclinica/1897 https://t.me/psicanaliseclinica/1906 http://psicanaliseclinica.com ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1909 [Módulo 4, Quiz 26] O ideal de eu e o sentimento de culpa são exemplos de regras que o id interiorizou no aparelho psíquico. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1916 [Módulo 4, Quiz 27] Tendo em vista que Freud utilizou os métodos catártico e da sugestão hipnótica, o psicanalista hoje pode escolher um desses dois métodos para sua atuação. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1921 [Módulo 4, Quiz 28] A atenção flutuante, a interpretação dos sonhos e a maiêutica são métodos da psicanálise, em oposição à Associação Livre. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1930 [Módulo 4, Quiz 29] Depois de praticar a associação livre, o analisando aprende a "falar tudo o que lhe vem à cabeça" em qualquer ambiente de sua vida social, sem se preocupar em como isso afeta os outros. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1935 MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 182 https://t.me/psicanaliseclinica/1909 https://t.me/psicanaliseclinica/1916 https://t.me/psicanaliseclinica/1921 https://t.me/psicanaliseclinica/1930 https://t.me/psicanaliseclinica/1935 http://psicanaliseclinica.com [Módulo 4, Quiz 30] Podemos entender como ideias equivalentes em muitos autores: "tratamento de ensaio", "entrevistas psicanalíticas" ou "entrevistas preliminares".* ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1941 [Módulo 4, Quiz 31] Nas entrevistas preliminares, o analista deverá decidir se irá ou não acatar aquela demanda de análise. O fato de receber alguém em seu consultório não significa que o analista já o tenha aceito em análise. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1944 [Módulo 4, Quiz 32] Quando o sujeito procura o analista, ele se apresenta a este através de seu sintoma, que é expresso como um significante. Esta demanda traz consigo uma demanda de cura, por vezes chamada também de demanda de amor. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1955 [Módulo 4, Quiz 33] O analista passa a ser, na visão do analisando (paciente), o sujeito suposto-saber. Isto é, o analista é o sujeito que o analisando (via de regra) supõe ter um notório saber e uma capacidade para encaminhar sua demanda. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1961 [Módulo 4, Quiz 34] A retificação subjetiva fará com que o sintoma inicial trazido pelo analisando passe ao estatuto de sintoma analítico: um sintoma que agora estabelece o vínculo entre analista e analisando e que constitui uma demanda ao analista. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 183 https://t.me/psicanaliseclinica/1941 https://t.me/psicanaliseclinica/1944 https://t.me/psicanaliseclinica/1955 https://t.me/psicanaliseclinica/1961 http://psicanaliseclinica.com ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1968 [Módulo 4, Quiz 35] No início do tratamento, ao se configurar o sintoma analítico, este passa a ser um enigma a serdecifrado exclusivamente pelo analista, nas duas sessões seguintes. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1971 [Módulo 4, Quiz 36] Em análise, há uma cisão do analisando: uma parte de si é o paciente que livre-associa, a outra parte de si é aquele enigma (sintoma) que buscará ser desvendado. É o que se chama de histericização do discurso. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1977 [Módulo 4, Quiz 37] Instaurar a transferência num nível simbólico e estabelecer o vínculo terapêutico são dois dos objetivos das entrevistas preliminares. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1981 [Módulo 4, Quiz 38] No início do tratamento, o analisando apresenta a demanda de cura, acolhida pelo analista; depois, realiza-se a retificação subjetiva dessa demanda, transformando a demanda de cura em demanda de análise. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1986 MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 184 https://t.me/psicanaliseclinica/1968 https://t.me/psicanaliseclinica/1971 https://t.me/psicanaliseclinica/1977 https://t.me/psicanaliseclinica/1981 https://t.me/psicanaliseclinica/1986 http://psicanaliseclinica.com [Módulo 4, Quiz 39] A chamada histerização do discurso pelo analisando coloca-o a questionar-se sobre seu sintoma, permitindo certo "olhar de fora" durante a análise. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1991 [Módulo 4, Quiz 40] A entrevista preliminar dura exatamente uma sessão. Nela, o psicanalista falará por quase todo o tempo, explicando sobre o método psicanalítico, o preço do serviço e os horários de atendimento. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/1997 [Módulo 4, Quiz 41] Dentre os objetivos do tratamento de ensaio, temos: estabelecer o vínculo terapêutico, recolher e retificar a demanda de cura e firmar o diagnóstico definitivo baseado em CID ou DSM. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/2007 [Módulo 4, Quiz 42] Os princípios da neutralidade e abstinência devem ser rigorosamente seguidos pelo analisando durante as sessões. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/2015 [Módulo 4, Quiz 43] A conduta identificada como “psicanálise selvagem” revela certo narcisismo do analista: este se coloca como apressado em julgar o analisando, apresentando-se como paradigma à ordem desejante do analisando. ( ) Verdadeiro MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 185 https://t.me/psicanaliseclinica/1991 https://t.me/psicanaliseclinica/1997 https://t.me/psicanaliseclinica/2007 https://t.me/psicanaliseclinica/2015 http://psicanaliseclinica.com ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/2022 [Módulo 4, Quiz 44] Em psicanálise, concebe-se a existência do outro em nós mesmos: nosso desconhecido, inconsciente ou mesmo nosso id. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/2040 [Módulo 4, Quiz 45] O Grande Outro é o lugar daquilo que rege consciente ou inconsciente nossos valores (como os morais e estéticos) e nosso ideal de eu. Para isso, é preciso que exista uma norma escrita e a ameaça de punição física. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/2051 [Módulo 4, Quiz 46] Numa linha lacaniana, nascemos imersos em discursos (e desejos) de outras pessoas, que incorporamos como discursos (e desejos) nossos. ( ) Verdadeiro ( ) Falso Responda no Telegram: https://t.me/psicanaliseclinica/2063 Este material é parte das aulas do Curso de Formação em Psicanálise. Proibida a distribuição onerosa ou gratuita por qualquer meio, para não alunos do Curso. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 186 https://t.me/psicanaliseclinica/2022 https://t.me/psicanaliseclinica/2040 https://t.me/psicanaliseclinica/2051 https://t.me/psicanaliseclinica/2063 http://psicanaliseclinica.com 13. Referências bibliográficas COLLIN, C.; GRAND, V.; BENSON, N.; LAZYAN, M.; GINSBURG, J.; WEEKS, M. O livro da Psicologia. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2012. FINE, R. A história da psicanálise. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1981. FREUD, S. Estudos sobre a histeria (1893). Obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. ________ A interpretação dos sonhos (1900). Obras completas de Sigmund Freud. 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