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Agentes AntiPsicóticos Os agentes antipsicóticos têm a capacidade de reduzir os sintomas psicóticos em uma variedade de condições, inclusive esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão psicótica, psicoses senis, várias psicoses orgânicas e psicoses induzidas por substâncias. Além disso, são capazes de melhorar o humor e de reduzir a ansiedade e os distúrbios do sono, porém não constituem o tratamento de escolha quando esses sintomas representam o transtorno primário em pacientes não psicóticos. Um neuroléptico é um subtipo de agente antipsicótico que provoca elevada incidência de efeitos colaterais extrapiramidais (EEP) em doses clinicamente efetivas ou catalepsia em animais de laboratório. Os fármacos antipsicóticos “atípicos” constituem, na atualidade, o tipo mais usado de antipsicótico. História A reserpina e a clorpromazina foram os primeiros fármacos que demonstraram utilidade na redução dos sintomas psicóticos na esquizofrenia. A reserpina foi usada apenas por um CAPÍTULO breve período de tempo com esse propósito e não é mais de interesse como agente antipsicótico. A clorpromazina é um agente neuroléptico, ou seja, provoca catalepsia em roedores e EEP nos seres humanos. A descoberta de que sua ação antipsicótica relaciona-se com o bloqueio dos receptores de dopamina (D ou DA) levou à identificação de outros compostos como antipsicóticos entre as décadas de 1950 e 1970. A descoberta da clozapina em 1959 levou ao reconhecimento de que os antipsicóticos não precisam causar EEP em seres humanos em doses clinicamente efetivas. A clozapina foi designada como agente antipsicótico atípico devido a essa dissociação; provoca menos EEP em doses antipsicóticas equivalentes tanto nos seres humanos como em animais de laboratório. Em consequência, houve uma grande mudança na prática clínica, que passou a substituir os antipsicóticos típicos pelo uso de um número cada vez mais crescente de fármacos atípicos, que também apresentam outras vantagens. A introdução de fármacos antipsicóticos resultou em modificações pronunciadas no tratamento da doença, inclusive hospitalização de curta duração, em lugar de vitalícia. Esses fármacos também demonstraram grande valia no estudo da fisiopatologia da esquizofrenia e outras psicoses. É preciso ressaltar que muitas autoridades não acreditam mais que a esquizofrenia e o transtorno bipolar sejam transtornos separados, porém parte de um continuum de transtornos cerebrais com características psicóticas Natureza da psicose e da esquizofrenia O termo “psicose” denota uma variedade de transtornos mentais: a presença de delírios (crenças falsas), vários tipos de alucinações, geralmente auditivas ou visuais, porém algumas vezes táteis ou olfatórias, e desorganização manifesta do pensamento no contexto de um sensório claro. A esquizofrenia é um tipo particular de psicose, caracterizada principalmente por sensório claro, porém com transtorno pronunciado do pensamento. A psicose não é exclusiva da esquizofrenia e não está sempre presente em todos os pacientes com esquizofrenia. A esquizofrenia é considerada um transtorno de neurodesenvolvimento. Isso significa a presença de alterações estruturais e funcionais do cérebro até mesmo in utero em alguns pacientes, ou o seu desenvolvimento na infância e adolescência, ou ambos. Estudos de gêmeos, de adoção e de famílias, estabeleceram que a esquizofrenia é um transtorno genético com alta hereditariedade. Não existe um único gene envolvido. As teorias atuais sustentam a participação de múltiplos genes, com mutações comuns e raras, incluindo grandes deleções e inserções (variações no número de cópias), combinando- -se para produzir uma apresentação clínica e evolução muito variegadas. HIPÓTESE SEROTONINÉRGICA DA ESQUIZOFRENIA A descoberta de que alucinógenos indólicos, como o LSD (dietilamida do ácido lisérgico) e a mescalina, são agonistas da serotonina (5-HT) levou à pesquisa de alucinógenos endógenos na urina, no sangue e no cérebro de pacientes com esquizofrenia. Essa tentativa foi infrutífera, porém a identificação de muitos subtipos do receptor de 5-HT propiciou a descoberta fundamental de que a estimulação dos receptores 5-HT2A e, possivelmente, 5-HT2C constitui a base dos efeitos alucinatórios desses agentes. Foi constatado que o bloqueio dos receptores 5-HT2A representa um fator-chave no mecanismo de ação da principal classe de agentes antipsicóticos atípicos, dos quais a clozapina é o protótipo, e que incluem, por ordem de introdução na prática médica mundial, a melperona, risperidona, zotepina, blonanseína, olanzapina, quetiapina, ziprasidona, aripiprazol, sertindol, paliperidona, iloperidona, asenapina e lurasidona. Esses fármacos são agonistas inversos do receptor 5-HT2A, isto é, bloqueiam a atividade constitutiva desses receptores. Esses receptores modulam a liberação de dopamina, norepinefrina, glutamato, GABA e acetilcolina, entre outros neurotransmissores, no córtex, na região límbica e no estriado. A estimulação dos receptores 5-HT2A leva à despolarização dos neurônios glutamatérgicos, mas também à estabilização dos receptores N-metil-d-aspartato (NMDA) nos neurônios pós-sinápticos. Recentemente, foi constatado que os alucinógenos são capazes de modular a estabilidade de um complexo constituído por receptores 5-HT2A e NMDA. A estimulação dos receptores 5-HT2C proporciona um meio adicional de modular a atividade dopaminérgica cortical e límbica. A estimulação dos receptores 5-HT2C leva à inibição da liberação cortical e límbica de dopamina. Muitos agentes antipsicóticos atípicos, por exemplo, a clozapina, a asenapina e a olanzapina, são agonistas inversos do 5-HT2C.. Os agonistas do 5-HT2C estão sendo estudados como agentes antipsicóticos. HIPÓTESE DOPAMINÉRGICA DA ESQUIZOFRENIA A hipótese dopaminérgica da esquizofrenia foi o segundo conceito formulado baseado em neurotransmissores, porém deixou de ser considerada adequada como explicação para todos os aspectos da esquizofrenia, em particular o prejuízo cognitivo. Entretanto, continua muito relevante para a compreensão das principais dimensões da esquizofrenia, como sintomas positivos e negativos (embotamento emocional, isolamento social, falta de motivação), comprometimento cognitivo e, possivelmente, depressão. É também essencial para entender os mecanismos de ação da maioria e, provavelmente, de todos os fármacos antipsicóticos. Várias evidências sugerem que a atividade dopaminérgica límbica excessiva desempenha uma função na psicose: (1) muitos fármacos antipsicóticos bloqueiam acentuadamente os receptores D2 pós-sinápticos no sistema nervoso central (SNC), sobretudo no sistema mesolímbico e no estriatal-frontal, o que inclui agonistas parciais da dopamina, como o aripiprazol e o bifeprunox; (2) os fármacos que aumentam a atividade dopaminérgica, como a levodopa, as anfetaminas e a bromocriptina e apomorfina, agravam a esquizofrenia ou produzem psicose de novo em alguns pacientes; (3) foi constatado que a densidade de receptores de dopamina post mortem está aumentada nos cérebros de esquizofrênicos que não foram tratados com fármacos antipsicóticos; (4) alguns estudos post mortem de indivíduos esquizofrênicos, mas nem todos, relataram um aumento dos níveis de dopamina e da densidade de receptores D2 no nucleus accumbens, caudado e putame; (5) os exames de imagem demonstraram uma liberação aumentada de dopamina estriatal induzida por anfetaminas, aumento da ocupação basal dos receptores D2 estriatais pela dopamina extracelular e outras medidas compatíveis com aumento da síntese e liberação de dopamina estriatal. Entretanto, a hipótese dopaminérgica está muito longe de fornecer uma explicação completa de todos os aspectos da esquizofrenia. Foi sugerido que a diminuição da atividade dopaminérgica cortical ou hipocampal está subjacente ao prejuízo cognitivo e sintomas negativos da esquizofrenia. Exames de imagem post mortem e in vivo da neurotransmissão dopaminérgica cortical, límbica, nigral e estriatal em indivíduos esquizofrênicos forneceram achados compatíveis comuma atividade dopaminérgica diminuída nessas regiões. Em estudos post mortem, foi relatada uma diminuição da inervação dopaminérgica no córtex temporal medial, córtex pré-frontal dorsolateral e hipocampo, bem como níveis diminuídos de DOPAC, um metabólito da dopamina, no cingulado anterior. Os exames de imagem realizados revelaram níveis aumentados de receptor D1 pré-frontal, correlacionados com prejuízo da memória de trabalho. O fato de que vários dos fármacos antipsicóticos atípicos exercem muito menos efeito sobre os receptores D2, embora ainda sejam efetivos na esquizofrenia, redirecionou a atenção para a atuação dos demais receptores de dopamina e de outros receptores. Os receptores de serotonina – em particular o subtipo de receptor 5-HT2A – podem mediar os efeitos sinérgicos ou proteger contra as consequências extrapiramidais do antagonismo de D2. Como resultado dessas considerações, a pesquisa passou a focar compostos passíveis de atuação sobre vários sistemas de transmissores-receptores, como a serotonina e o glutamato. Os fármacos antipsicóticos atípicos compartilham a propriedade de antagonismo fraco dos receptores D2 e bloqueio mais potente dos receptores 5-HT2A. HIPÓTESE GLUTAMATÉRGICA DA ESQUIZOFRENIA O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório no cérebro (ver Capítulo 21). A fenciclidina (PCP) e a cetamina são inibidores não competitivos do receptor NMDA, que exacerbam tanto o comprometimento cognitivo como a psicose em pacientes com esquizofrenia. A PCP e uma substância relacionada, MK-801, aumentam a atividade locomotora e, de forma aguda ou crônica, uma variedade de prejuízos cognitivos em roedores e primatas. Esses efeitos foram amplamente utilizados como meio para desenvolver novos fármacos antipsicóticos capazes de aumentar a atividade cognitiva. Os antagonistas seletivos de 5-HT2A, bem como os fármacos antipsicóticos atípicos, são muito mais potentes do que os antagonistas D2 no bloqueio desses efeitos da PCP e MK-801. Esse foi o ponto inicial para a hipótese de que a hipofunção dos receptores NMDA, localizados nos interneurônios GABAérgicos, resultando em diminuição das influências inibitórias na função neuronal, contribui para a esquizofrenia. A diminuição da atividade GABAérgica pode induzir uma desinibição da atividade glutamatérgica distal, podendo levar a uma hiperestimulação dos neurônios corticais por meio de receptores não NMDA. As evidências preliminares sugerem que o LY2140023, um fármaco que atua como agonista do receptor de glutamato metabotrópico 2/3 (mGLuR2/3), pode ser efetivo na esquizofrenia. O receptor NMDA, um canal iônico, necessita da glicina para a sua atividade integral. Foi sugerido que, em pacientes com esquizofrenia, o sítio de glicina do receptor NMDA não está totalmente saturado. Foram efetuados vários ensaios clínicos com altas doses de glicina para promover a atividade glutamatérgica, porém os resultados estão longe de serem convincentes. Na atualidade, inibidores do transporte da glicina estão em fase de desenvolvimento como possíveis agentes antipsicóticos. As ampaquinas são fármacos que potencializam as correntes mediadas pelos receptores de glutamato do tipo AMPA. Em testes comportamentais, as ampaquinas mostram-se efetivas na correção de comportamentos em vários modelos animais de esquizofrenia e depressão. Eles protegem os neurônios de agressões neurotóxicas, em parte ao mobilizarem fatores de crescimento, como o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF, ver também Capítulo 30). FARMACOLOGIA BÁSICA DOS AGENTES ANTIPSICÓTICOS Tipos químicos Diversas estruturas químicas foram associadas a propriedades antipsicóticas. Os fármacos podem ser classificados em vários grupos, como mostram as Figuras 29-1 e 29-2. A. Derivados da fenotiazina Três subfamílias de fenotiazinas, baseadas sobretudo na cadeia lateral da molécula, já foram, entre os agentes antipsicóticos, os mais usados. Os derivados alifáticos (p. ex., clorpromazina) e os derivados da piperidina (p. ex., tioridazina) são os menos potentes. Esses fármacos produzem mais sedação e ganho de peso. Os derivados da piperazina são mais potentes (efetivos em doses mais baixas, porém não necessariamente mais eficazes). Os derivados da piperazina também são mais seletivos nos efeitos farmacológicos (Tabela 29-1). Os Clinical Antipsychotic Trials of Intervention Effectiveness (CATIE), financiados pelo National Institute of Mental Health (NIMH), relataram que a perfenazina, um derivado da piperazina, foi tão efetiva quanto os fármacos antipsicóticos atípicos, com a modesta exceção da olanzapina, e concluíram que os fármacos antipsicóticos típicos constituem o tratamento de escolha para a esquizofrenia, com base em seu menor custo. Entretanto, houve inúmeras falhas no planejamento, na execução e na análise do estudo, razão pela qual só teve um impacto modesto na prática clínica. Em particular, deixou de considerar questões como dosagem da olanzapina, inclusão de pacientes resistentes ao tratamento, incentivo de pacientes a mudarem para medicações inerentes no planejamento, risco de discinesia tardia após uso prolongado de antipsicóticos típicos, até mesmo em baixas doses, e necessidade de tamanho grande das amostras em estudos de equivalência. B. Derivados do tioxanteno Esse grupo de fármacos é exemplificado principalmente pelo tiotixeno. C. Derivados da butirofenona Esse grupo, do qual o haloperidol é o mais usado, apresenta uma estrutura muito diferente daquela dos dois grupos precedentes. O haloperidol, uma butirofenona, é o fármaco antipsicótico típico mais usado, apesar de seu elevado nível de EEP em relação aos fármacos antipsicóticos típicos. As difenilbutilpiperidinas são compostos estreitamente relacionados. As butirofenonas e congêneres tendem a ser mais potentes e a ter menos efeitos autônomos, porém apresentam maiores efeitos extrapiramidais do que as fenotiazinas (ver Tabela 29-1). D. Outras estruturas A pimozida e a molindona são fármacos antipsicóticos típicos. Não existe nenhuma diferença significativa quanto à eficácia entre esses fármacos antipsicóticos típicos mais recentes e os mais antigos. E. Fármacos antipsicóticos atípicos Clozapina, asenapina, olanzapina, quetiapina, paliperidona, risperidona, sertindol, ziprasidona, zotepina e aripiprazol são fármacos antipsicóticos atípicos (alguns dos quais são mostrados na Figura 29-2). A clozapina é o protótipo. A paliperidona é a 9-hidroxi-risperidona, o metabólito ativo da risperidona. A risperidona é rapidamente convertida em 9-hidroxi-risperidona in vivo na maioria dos pacientes, à exceção de cerca de 10% deles, que são metabolizadores fracos. O sertindol está aprovado em alguns países da Europa, mas não nos Estados Unidos. Esses fármacos apresentam farmacologia complexa, porém compartilham uma maior capacidade de alterar a atividade dos receptores 5-HT2A do que de interferir na ação dos receptores D2. Na maioria dos casos, atuam como agonistas parciais no receptor 5-HT1A, produzindo efeitos sinérgicos com antagonismo dos receptores 5-HT2A. A maioria consiste em antagonistas dos receptores 5-HT6 ou 5-HT7. A sulprida e a sulpirida constituem outra classe de agentes atípicos. Apresentam potência equivalente para os receptores D2 e D3, mas também são antagonistas 5-HT7. Dissociam os EEP e a eficácia antipsicótica. Todavia, produzem também um aumento pronunciado nos níveis séricos de prolactina e não são tão desprovidos do risco de discinesia tardia quanto outros fármacos, como a clozapina e a quetiapina. Não foram aprovados nos Estados Unidos. A cariprazina representa outra classa de agentes atípicos. Além do antagonismo D2/5-HT2, a cariprazina também é um agonista D3 parcial com seletividade para o receptor D3. A seletividade da cariprazina pelo receptor D3 pode estar associada a maiores efeitos sobre os sintomas negativos da esquizofrenia. F. Antipsicóticos glutamatérgicos Atualmente, não existe nenhum agente específico do glutamato aprovado para o tratamento da esquizofrenia. Entretanto, vários fármacos estão em faseavançada de testes clínicos. Entre eles está a bitopertina, um inibidor do receptor do transportador de glicina 1 (GlyT1). A glicina é um coagonista necessário com o glutamato nos receptores NMDA. Estudos de fase 2 indicaram que a bitopertina usada de modo adjuvante com antipsicóticos convencionais melhorou significativamente os sintomas negativos da esquizofrenia. A sarcosserina (N-metilglicina), outro inibidor do GlyT1, em associação com um antipsicótico convencional, também demonstrou ter benefício, melhorando os sintomas tanto positivos como negativos da esquizofrenia em pacientes agudamente enfermos e pacientes mais crônicos com esquizofrenia. Outra classe de agentes antipsicóticos em fase de investigação inclui os agonistas dos receptores de glutamato metabotrópicos. Oito receptores de glutamato metabotrópicos são divididos em três grupos: o grupo I (mGluR1,5), o grupo II (mGluR2,3) e o grupo III (mGluR4,6,7,8). O mGluR2,3 inibe a liberação pré-sináptica de glutamato. Vários agentes mGluR2,3 estão sendo pesquisados no tratamento da esquizofrenia. Um deles, pomaglumetade metionila, mostrou ter eficácia antipsicótica em ensaios clínicos iniciais de fase 2; todavia, ensaios clínicos subsequentes não conseguiram demonstrar qualquer benefício no tratamento dos sintomas positivos ou negativos da esquizofrenia. Outros agonistas dos receptores de glutamato metabotrópicos estão sendo explorados para o tratamento dos sintomas negativos e cognitivos da esquizofrenia. Farmacocinética A. Absorção e distribuição Os fármacos antipsicóticos são, em sua maioria, absorvidos rapidamente, porém de modo incompleto. Além disso, muitos sofrem metabolismo de primeira passagem significativo. Por conseguinte, doses orais de clorpromazina e tioridazina apresentam uma disponibilidade sistêmica de 25 a 35%, ao passo que o haloperidol, cujo metabolismo de primeira passagem é menor, apresenta uma disponibilidade sistêmica média de cerca de 65%. A maioria dos fármacos antipsicóticos é altamente lipossolúvel e liga-se às proteínas (92 a 99%). Esses fármacos tendem a ter grandes volumes de distribuição (geralmente mais de 7 L/kg). Em geral, apresentam uma duração de ação clínica muito mais longa do que seria estimado a partir de suas meias-vidas plasmáticas. Isso se equipara à ocupação prolongada dos receptores de dopamina D2 no cérebro pelos fármacos antipsicóticos típicos. Os metabólitos da clorpromazina podem ser excretados na urina várias semanas após a última dose do fármaco administrado cronicamente. As formulações injetáveis de ação longa podem causar algum bloqueio dos receptores D2 no decorrer de 3 a 6 meses após a última injeção. O intervalo de tempo até a ocorrência de recidiva dos sintomas psicóticos é muito variável após a interrupção dos fármacos antipsicóticos. O tempo médio para a ocorrência de recidiva é de 6 meses em pacientes estáveis com esquizofrenia que interrompem o uso de medicação. A clozapina é uma exceção, visto que a ocorrência de recidiva após a sua suspensão é geralmente rápida e grave. Por conseguinte, a clozapina nunca deve ser interrompida de modo abrupto, a não ser que haja necessidade clínica devido à ocorrência de efeitos colaterais, como miocardite e agranulocitose, que constituem verdadeiras emergências médicas. B. Metabolismo Os fármacos antipsicóticos são, em sua maioria, quase totalmente metabolizados por oxidação ou desmetilação, catalisadas por enzimas microssômicas hepáticas do microssomo P450. A CYP2D6, a CYP1A2 e a CYP3A4 são as principais isoformas envolvidas (ver Capítulo 4). Deve-se considerar a possibilidade de interações medicamentosas quando os fármacos antipsicóticos são combinados com outros agentes psicóticos ou fármacos – como o cetoconazol – que inibem várias enzimas do citocromo P450. Nas doses clínicas típicas, os fármacos antipsicóticos não costumam interferir no metabolismo de outros fármacos. Farmacodinâmica Os primeiros fármacos antipsicóticos fenotiazínicos, cujo protótipo é a clorpromazina, demonstraram ampla variedade de efeitos no sintoma nervoso central, autônomo e endócrino. Embora a eficácia desses fármacos seja principalmente impulsionada pelo bloqueio do receptor D2, suas ações adversas foram atribuídas aos efeitos bloqueadores de uma ampla variedade de receptores, inclusive de receptores α-adrenérgicos e muscarínicos, histamínicos H1 e 5-HT2. A. Sistemas dopaminérgicos Cinco sistemas ou vias dopaminérgicas são importantes para a compreensão da esquizofrenia e do mecanismo de ação dos fármacos antipsicóticos. A primeira via – aquela mais estreitamente relacionada com o comportamento e com a psicose – é a via mesolímbica-mesocortical, que se projeta dos corpos celulares no tegmento ventral em feixes distintos de axônios até o sistema límbico e o neocórtex. O segundo sistema – a via nigroestriatal – consiste em neurônios que se projetam da substância negra para o estriado dorsal, que inclui o caudado e o putame; essa via está envolvida na coordenação do movimento voluntário. O bloqueio dos receptores D2 na via nigroestriatal é responsável pelos EEP. A terceira via – o sistema tuberoinfundibular – surge nos núcleos arqueados e neurônios periventriculares e libera dopamina na circulação portal hipofisária. A dopamina liberada por esses hormônios inibe fisiologicamente a secreção de prolactina pela adeno-hipófise. O quarto sistema dopaminérgico – a via medular-periventricular – consiste em neurônios do núcleo motor do vago, cujas projeções não estão bem definidas. Esse sistema pode estar envolvido no comportamento alimentar. A quinta via – a incerto-hipotalâmica – estabelece conexões a partir da zona incerta medial até o hipotálamo e as amígdalas. Parece regular a fase motivacional antecipada do comportamento copulatório nos ratos. Após a identificação da dopamina como neurotransmissor em 1959, foi constatado que seus efeitos sobre a atividade elétrica nas sinapses centrais e sobre a produção do segundo mensageiro AMPc sintetizado pela adenililciclase poderiam ser bloqueados por fármacos antipsicóticos, como a clorpromazina, o haloperidol e o tiotixeno. Essas evidências levaram à conclusão, no início da década de 1960, de que esses fármacos deveriam ser considerados como antagonistas dos receptores de dopamina e constituiriam um fator-chave no desenvolvimento da hipótese dopaminérgica da esquizofrenia, descrita anteriormente. Hoje, acredita-se que a ação antipsicótica seja produzida (pelo menos em parte) por sua capacidade de bloquear a dopamina para inibir a atividade da adenililciclase no sistema mesolímbico. B. Receptores de dopamina e seus efeitos No momento, já foram descritos cinco receptores de dopamina, consistindo em duas famílias separadas, os grupos de receptores semelhantes a D1 e a D2. O receptor D1, que é codificado por um gene no cromossomo 5, aumenta o AMPc pela ativação acoplada à Gs da adenililciclase e está localizado sobretudo no putame, no nucleus accumbens e no tubérculo olfatório. O outro membro dessa família, D5, codificado por um gene no cromossomo 4, também aumenta o AMPc e é encontrado no hipocampo e no hipotálamo. A potência terapêutica dos fármacos antipsicóticos não se correlaciona com a sua afinidade pela ligação ao receptor D1 (Figura 29-3, parte superior), e tampouco um antagonista D1 seletivo demonstra ser um antipsicótico efetivo em pacientes com esquizofrenia. O receptor D2, codificado no cromossomo 11, diminui o AMPc (por inibição acoplada à Gi da adenililciclase) e inibe os canais de cálcio, porém abre os de potássio. É encontrado em neurônios pré e pós-sinápticos no caudado-putame, no nucleus accumbens e no tubérculo olfatório. Acredita-se que um segundo membro dessa família, o receptor D3, também codificado por um gene no cromossomo 11, diminui o AMPc e localiza-se no córtex frontal, no bulbo e no mesencéfalo. Os receptores D4 também diminuem o AMPc e estão concentrados no córtex. Os agentes antipsicóticos típicos bloqueiam os receptores D2 em sua maior parte de modo estereosseletivo, e a sua afinidade de ligação correlaciona-sefortemente com a potência antipsicótica clínica e extrapiramidal (Figura 29-3, parte inferior). Exames de imagem in vivo de ocupação dos receptores D2 indicam que, quanto à sua eficácia antipsicótica, os fármacos antipsicóticos típicos devem ser administrados em doses suficientes para alcançar uma ocupação de pelo menos 60% nos receptores D2 estriatais. Isso não é necessário no caso de fármacos antipsicóticos atípicos, como a clozapina e a olanzapina, que são efetivos em níveis mais baixos de ocupação, de 30 a 50%, provavelmente devido à elevada ocupação concomitante dos receptores 5-HT2A. Os fármacos antipsicóticos típicos produzem EEP quando a ocupação dos receptores D2 estriatais alcança 80% ou mais. A tomografia por emissão de pósitrons (PET) com aripiprazol mostra uma ocupação muito alta dos receptores D2; todavia, esse fármaco não provoca EEP, visto que se trata de um agonista parcial dos receptores D2. O aripiprazol também apresenta eficácia terapêutica por meio do antagonismo 5-HT2A e, possivelmente, agonismo parcial de 5-HT1A. Esses achados foram incorporados na hipótese dopaminérgica da esquizofrenia. Todavia, outros fatores complicam a interpretação dos dados sobre os receptores de dopamina. Por exemplo, os receptores de dopamina existem em formas de alta e baixa afinidade, e não se sabe se a esquizofrenia ou os fármacos antipsicóticos alteram as proporções de receptores nessas duas formas. Não foi demonstrado de modo convincente que o antagonismo de qualquer receptor de dopamina, exceto o receptor D2, possa desempenhar uma função na ação dos fármacos antipsicóticos. Os antagonistas seletivos e relativamente específicos dos receptores D1, D3 e D4 foram repetidamente testados, sem qualquer evidência de ação antipsicótica. A maioria dos agentes antipsicóticos atípicos recentes e alguns dos agentes tradicionais exibem maior afinidade com o receptor 5-HT2A, do que com D2 (Tabela 29-1), sugerindo uma função importante para o sistema 5-HT serotoninérgico na etiologia da esquizofrenia e na ação desses fármacos. C. Diferenças entre fármacos antipsicóticos Embora todos os fármacos antipsicóticos efetivos bloqueiem os receptores D2, o grau desse bloqueio em relação a outras ações nos receptores varia de modo considerável entre os fármacos. Foram realizados vários experimentos de associção ligante-receptor, no esforço de descobrir uma única ação do receptor que indicasse melhor a eficácia antipsicótica. Um resumo das afinidades relativas de ligação a receptores de vários agentes importantes nessas comparações ilustra a dificuldade de formular conclusões simples a partir desses experimentos: Clorpromazina: a1 = 5-HT2A> D2 > D1 Haloperidol: D2 > a1 > D4 > 5-HT2A > D1 > H1 Clozapina: D4 = a1 > 5-HT2A > D2 = D1 Olanzapina: 5-HT2A > H1 > D4 > D2 > a1 > D1 Aripiprazol: D2 = 5-HT2A > D4 > a1 = H1 >> D1 Quetiapina: H1 > a1 > M1,3 > D2 > 5-HT2A Por conseguinte, a maioria dos agentes antipsicóticos atípicos e alguns típicos são, pelo menos, tão potentes na inibição dos receptores 5-HT2 quanto na inibição dos receptores D2. O mais recente deles, o aripiprazol, parece ser um agonista parcial dos receptores D2. São também observados graus variáveis de antagonismo dos receptores a2-adrenérgicos com a risperidona, clozapina, olanzapina quetiapina e aripiprazol. Pesquisas atuais estão direcionadas para a descoberta de compostos antipsicóticos atípicos mais seletivos para o sistema mesolímbico (com vistas à redução de seus efeitos sobre o sistema extrapiramidal) ou com efeitos sobre os receptores dos neurotransmissores centrais – como os de acetilcolina e aminoácidos excitatórios – que foram propostos como novos alvos para a ação antipsicótica. Ao contrário da pesquisa difícil de receptores responsáveis pela eficácia antipsicótica, as diferenças nos efeitos dos vários antipsicóticos nos receptores explicam efetivamente muitas de suas toxicidades (Tabelas 29-1 e 29-2). Em particular, a toxicidade extrapiramidal parece estar associada a uma alta potência D2. D. Efeitos psicológicos A maioria dos fármacos antipsicóticos produz efeitos subjetivos desagradáveis em indivíduos não psicóticos. Os EEP leves a graves, inclusive acatisia, sonolência, inquietação e efeitos autônomos, diferem daqueles associados a sedativos ou hipnóticos mais familiares. Entretanto, são utilizadas baixas doses de alguns desses fármacos, em particular da quetiapina, para promover o início e a manutenção do sono, embora não haja nenhuma indicação aprovada quanto a esse uso. Indivíduos sem doença psiquiátrica aos quais se administram fármacos antipsicóticos, mesmo em baixas doses, apresentam prejuízo do desempenho, com base em vários testes psicomotores e psicométricos. Entretanto, os indivíduos psicóticos podem, na verdade, demonstrar uma melhora no seu desempenho com o alívio da psicose. A capacidade dos fármacos antipsicóticos atípicos de melhorar algumas áreas da cognição em pacientes com esquizofrenia e transtorno bipolar é controversa. Alguns indivíduos exibem uma acentuada melhora, e, por esse motivo, a cognição deve ser avaliada em todos os pacientes com esquizofrenia; deve-se considerar uma prova terapêutica com um agente atípico, mesmo se os sintomas positivos estiverem bem controlados com agentes típicos. E. Efeitos eletrencefalográficos Os fármacos antipsicóticos produzem desvios no padrão de frequências eletrencefalográficas (EEG), lentificando-as habitualmente e aumentando a sua sincronização. O alentecimento (hipersincronia) é algumas vezes focal ou unilateral, o que pode levar a interpretações diagnósticas errôneas. As mudanças tanto da frequência como da amplitude induzidas por fármacos psicotrópicos são evidentes de imediato e podem ser quantificadas por técnicas eletrofisiológicas sofisticadas. Alguns dos agentes neurolépticos reduzem o limiar convulsivo e induzem padrões do EEG típicos de transtornos convulsivos; todavia, com ajuste cuidadoso da dosagem, a maioria desses fármacos pode ser usada com segurança em pacientes epilépticos. F. Efeitos endócrinos Os fármacos antipsicóticos típicos mais antigos, bem como a risperidona e a paliperidona, produzem elevações da prolactina (ver “Efeitos colaterais”, adiante). Os antipsicóticos mais recentes, como a olanzapina, a quetiapina e o aripiprazol, causam elevações mínimas ou nenhum aumento da prolactina e riscos reduzidos de disfunção do sistema extrapiramidal e discinesia tardia, refletindo seu antagonismo D2 diminuído. G. Efeitos cardiovasculares As fenotiazinas de baixa potência com frequência causam hipotensão ortostática e taquicardia. Ocorrem diminuição da pressão arterial média, da resistência periférica e do volume sistólico. Esses efeitos são previsíveis com base nas ações autônomas dos fármacos (Tabela 29-2). Foram registrados eletrocardiogramas anormais, sobretudo com tioridazina. As alterações consistem em prolongamento do intervalo QT e configurações anormais do segmento ST e das ondas T. Essas alterações são prontamente revertidas com a suspensão do fármaco. Entretanto, a tioridazina não está associada a um risco aumentado de torsades de pointes em comparação com outros antipsicóticos típicos, ao passo que o haloperidol, que não aumenta o QTc, está associado a esse risco. Entre os antipsicóticos atípicos mais recentes, o prolongamento do intervalo QT ou QTc recebeu maior atenção. Como se acreditava que isso indicava um risco aumentado de arritmias perigosas, a aprovação do sertindol foi adiada, e a de ziprasidona e quetiapina foi acompanhada de advertências. Todavia, não há evidências de que isso possa realmente se traduzir em incidência aumentada de arritmias. Os antipsicóticos atípicos também estão associados a uma síndrome metabólica, que pode aumentar o risco de doença arterial coronariana, acidente vascular encefálico e hipertensão. FARMACOLOGIA CLÍNICA DOS AGENTES ANTIPSICÓTICOS Indicações A. Indicações psiquiátricas A esquizofrenia é a principal indicação para o uso de agentes antipsicóticos. Entretanto, nessa última década, o uso de antipsicóticos no tratamentodos transtornos do humor, como o transtorno bipolar (BP1), a depressão psicótica e a depressão resistente ao tratamento eclipsou o seu uso no tratamento da esquizofrenia. As formas catatônicas de esquizofrenia são mais bem tratadas com benzodiazepínicos por via intravenosa. Pode ser necessária a administração de fármacos antipsicóticos para o tratamento de componentes psicóticos, dessa forma da doença após o término da catatonia e esses fármacos continuam sendo a base do tratamento para o transtorno. Infelizmente, muitos pacientes exibem pouca resposta, e quase nenhum apresenta resposta completa. Os fármacos antipsicóticos também estão indicados para transtornos esquizoafetivos, que compartilham características da esquizofrenia e dos transtornos afetivos. Nenhuma diferença fundamental foi demonstrada de modo confiável entre esses dois diagnósticos. É mais provável que façam parte de um continuum com o transtorno bipolar. Os aspectos psicóticos da doença exigem tratamento com fármacos antipsicóticos, que podem ser usados com outros fármacos, como antidepressivos, lítio ou ácido valproico. A fase maníaca no transtorno afetivo bipolar com frequência exige tratamento com agentes antipsicóticos, embora o lítio ou o ácido valproico suplementado com benzodiazepínico de alta potência (p. ex., lorazepam ou clonazepam) sejam suficientes nos casos mais leves. Estudos clínicos controlados recentes sustentam a eficácia da monoterapia com antipsicóticos atípicos na fase aguda (até 4 semanas) da mania. Além disso, vários antipsicóticos de segunda geração foram aprovados para o tratamento de manutenção do transtorno bipolar. Parecem ser mais efetivos na prevenção da mania do que na prevenção da depressão. À medida que a mania diminui, o fármaco antipsicótico pode ser suspenso, embora a manutenção com fármacos antipsicóticos atípicos tenha se tornado comum. Os estados não maníacos de excitação também são tratados com antipsicóticos, frequentemente em associação com benzodiazepínicos. Um uso cada vez mais comum dos antipsicóticos consiste na monoterapia da depressão bipolar aguda e no seu uso adjuvante com antidepressivos no tratamento da depressão unipolar. Atualmente, vários antipsicóticos estão aprovados pela FDA para o tratamento da depressão bipolar, incluindo quetiapina, lurasidona e olanzapina (em associação com fluoxetina). Os antipsicóticos parecem ser mais consistentemente efetivos do que os antidepressivos no tratamento da depressão bipolar e, além disso, não aumentam o risco de induzir mania ou de aumentar a frequência de ciclagem bipolar. De forma semelhante, vários antipsicóticos, incluindo aripiprazol, quetiapina e olanzapina, já estão aprovados para o tratamento adjuvante da depressão unipolar. Embora muitos fármacos sejam associados aos antidepressivos no tratamento adjuvante da depressão maior, os antipsicóticos constituem a única classe de agentes que foram formalmente avaliados quanto à sua possível aprovação para esse propósito. Os sintomas residuais e a remissão parcial são comuns, e os antidepressivos demonstram um benefício consistente na melhora da resposta antidepressiva global. Alguns dos antipsicóticos usados por via intramuscular foram aprovados no controle da agitação associada ao transtorno bipolar e à esquizofrenia. Antipsicóticos como o haloperidol foram usados durante muito tempo no ambiente da UTI para o controle da agitação em pacientes com delírio e no pós-operatório. As formas intramusculares da ziprasidona e do aripiprazol demonstraram melhorar a agitação dentro de 1 a 2 horas, com menos sintomas extrapiramidais do que os agentes típicos como o haloperidol. Outras indicações para o uso de antipsicóticos incluem a síndrome deTourette e, possivelmente, transtorno do comportamento em pacientes com doença de Alzheimer. Entretanto, ensaios clínicos controlados dos antipsicóticos no manejo dos sintomas comportamentais em pacientes com demência geralmente não demonstraram nenhuma eficácia desses fármacos. Além disso, os antipsicóticos de segunda geração, bem como alguns de primeira geração, foram associados a um aumento da mortalidade nesses pacientes. Os antipsicóticos não estão indicados para o tratamento de várias síndromes de abstinência, por exemplo, de opioides. Em pequenas doses, os fármacos antipsicóticos foram promovidos (erroneamente) para o alívio da ansiedade associada a transtornos emocionais menores. Os sedativos ansiolíticos (ver Capítulo 22) são preferidos em termos de segurança e de aceitabilidade pelos pacientes. B. Indicações não psiquiátricas Os fármacos antipsicóticos típicos mais antigos, com exceção da tioridazina, apresentam, em sua maioria, acentuado efeito antiemético. Essa ação deve-se ao bloqueio dos receptores de dopamina, tanto central (na zona de gatilho quimiorreceptora do bulbo) como perifericamente (nos receptores do estômago). Alguns fármacos, como a proclorperazina e as benzquinamida, são apenas promovidos como antieméticos. As fenotiazinas com cadeias laterais mais curtas apresentam considerável ação de bloqueio dos receptores H1 e têm sido usadas para alívio do prurido ou, no caso da prometazina, como sedativos pré-operatórios. O droperidol, uma butirofenona, é usada em associação com um opioide, a fentanila, na neuroleptanestesia. O uso desses fármacos na prática da anestesia é descrito no Capítulo 25. Escolha do fármaco A escolha entre os fármacos antipsicóticos baseia-se sobretudo nas diferenças dos efeitos colaterais e possíveis diferenças na sua eficácia. Além disso, o custo e a disponibilidade de determinado agente nos formulários também influenciam a escolha de um antipsicótico específico. Como o uso dos fármacos mais antigos ainda é disseminado, particularmente para pacientes tratados no setor público, o conhecimento de fármacos como a clorpromazina e o haloperidol continua relevante. Por conseguinte, deve-se estar familiarizado com um membro de cada uma das três subfamílias de fenotiazinas, com um membro do grupo do tioxanteno e butirofenona e com todos os compostos recentes – clozapina, risperidona, olanzapina, quetiapina, ziprasidona e aripiprazol. Cada um pode ter vantagens especiais para determinados pacientes. A Tabela 29-3 apresenta um grupo representativo de fármacos antipsicóticos. Os fármacos antipsicóticos típicos e atípicos apresentam igual eficácia no tratamento dos sintomas positivos em cerca de 70% dos pacientes com esquizofrenia e, provavelmente, em uma proporção semelhante de pacientes com transtorno bipolar com características psicóticas. Entretanto, as evidências favorecem os fármacos atípicos quanto à obtenção de benefício para sintomas negativos e cognição, risco diminuído de discinesia tardia e outras formas de EEP e elevações menos acentuadas dos níveis de prolactina. Alguns dos fármacos antipsicóticos atípicos produzem mais ganho de peso e aumento dos lipídeos em comparação com alguns fármacos antipsicóticos típicos. Em uma pequena porcentagem de pacientes, verifica-se o desenvolvimento de diabetes melito, com mais frequência observado durante o uso de clozapina e olanzapina. A ziprasidona é o fármaco atípico que produz o menor ganho de peso. A risperidona, a paliperidona e o aripiprazol produzem habitualmente pequenos aumentos do peso corporal e dos lipídeos. A asenapina e a quetiapina apresentam efeito intermediário. Com frequência, a clozapina e a olanzapina resultam em maiores aumentos do peso corporal e dos lipídeos. Por conseguinte, esses fármacos devem ser considerados como de segunda linha, a não ser que exista alguma indicação específica. Este é o caso da clozapina, que, quando administrada em altas doses (300 a 900 mg/dia), é efetiva na maioria dos pacientes com esquizofrenia refratária a outros fármacos, contanto que se continue o tratamento por um período de até 6 meses. Relatos de casos e vários estudos clínicos conduzidos sugerem que a olanzapina em altas doses, isto é, em doses de 30 a 45 mg/dia, também pode ser eficaz na esquizofrenia refratária, quando administrada durante um período de 6 meses.A clozapina é o único fármaco antipsicótico atípico indicado para a redução do risco de suicídio. Todos os pacientes com esquizofrenia que efetuaram tentativas de suicídio devem ser seriamente avaliados quanto ao possível uso de clozapina. Em alguns estudos clínicos, demonstrou-se que os fármacos antipsicóticos recentes são mais efetivos do que os antigos no tratamento dos sintomas negativos. A forma psicótica da doença acompanhada de comportamento incontrolável provavelmente responde de modo satisfatório a todos os antipsicóticos potentes, porém com frequência ainda é tratada com fármacos antigos que oferecem formulações intramusculares para tratamento agudo e crônico. Além disso, o baixo custo dos fármacos antigos contribui para o seu uso disseminado, a despeito do risco de EEP adversos. Vários dos antipsicóticos recentes, inclusive clozapina, risperidona e olanzapina, exibem uma superioridade em relação ao haloperidol em termos de resposta global em alguns estudos clínicos controlados. São necessários mais estudos comparativos com o aripiprazol para avaliar a sua eficácia relativa. Além disso, o perfil superior de efeitos colaterais dos agentes mais recentes e o risco baixo ou ausente de discinesia tardia sugerem que esses fármacos devem constituir a primeira linha de tratamento. O melhor guia para a seleção de um fármaco para determinado paciente consiste nas respostas precedentes do paciente aos fármacos. Na atualidade, a clozapina limita-se aos pacientes que não responderam a doses substanciais de fármacos antipsicóticos convencionais. A agranulocitose e as convulsões associadas ao fármaco impedem o seu uso disseminado. O perfil superior de efeitos colaterais da risperidona (em comparação com o do haloperidol), em doses de 6 mg/dia ou menos, e o menor risco de discinesia tardia contribuíram para o seu uso disseminado. A olanzapina e a quetiapina podem apresentar um risco ainda menor e também tem o seu uso disseminado. Dosagem A faixa de doses efetivas entre os vários agentes antipsicóticos é ampla. As margens terapêuticas são substanciais. Em doses apropriadas, os antipsicóticos – com exceção da clozapina e, talvez, da olanzapina – apresentam eficácia igual em grupos de pacientes selecionados. Todavia, alguns pacientes que não respondem a um fármaco podem responder a outro; por esse motivo, há necessidade de se testar o uso de vários fármacos a fim de se encontrar o mais efetivo a determinado paciente. Os pacientes que se tornaram refratários a dois ou três agentes antipsicóticos administrados em doses substanciais tornam-se candidatos ao tratamento com clozapina ou olanzapina em altas doses. Verifica-se uma resposta a esses fármacos em 30 a 50% dos pacientes anteriormente refratários a doses padrão de outros fármacos antipsicóticos. Nesses casos, o risco aumentado da clozapina pode ser justificado. Algumas relações de dosagem entre vários fármacos antipsicóticos, bem como as possíveis faixas terapêuticas, são apresentadas na Tabela 29-4. Preparações parenterais Dispõe-se de formas parenterais bem toleradas dos fármacos de alta potência mais antigos haloperidol e flufenazina, para início rápido do tratamento, bem como para o tratamento de manutenção de pacientes que não aderem à terapia. Como os fármacos administrados por via parenteral podem ter uma biodisponibilidade muito maior do que por via oral, as doses devem corresponder a apenas uma fração daquelas administradas oralmente; além disso, deve-se consultar a literatura do fabricante. Os decanoatos de flufenazina e de haloperidol são adequados para a terapia de manutenção parenteral em longo prazo em pacientes que não conseguem ou que não irão tomar a medicação oral. Além disso, antipsicóticos de segunda geração injetáveis de ação longa (IAL) mais recentes estão hoje disponíveis, incluindo formulações de risperidona, olanzapina, aripiprazol e paliperidona. No caso de alguns pacientes, os fármacos IAL mais recentes podem ser mais bem tolerados do que os injetáveis de depósito mais antigos. Esquemas de dosagem Os fármacos antipsicóticos são com frequência administrados em doses diárias fracionadas, com titulação para uma dose efetiva. Deve-se tentar o uso do limite inferior da faixa posológica constante na Tabela 29-4 durante pelo menos várias semanas. Definida uma dosagem diária efetiva para determinado paciente, as doses podem ser administradas com menos frequência. Doses únicas diárias, habitualmente administradas à noite, são praticáveis para muitos pacientes durante o tratamento de manutenção crônico. A simplificação dos esquemas de dosagem leva a uma melhor adesão do paciente ao tratamento. Tratamento de manutenção Uma minoria de pacientes esquizofrênicos pode recuperar-se de um episódio agudo e não necessitar de tratamento farmacológico adicional por períodos prolongados. Na maioria dos casos, a escolha fica entre o aumento de doses, uso “quando necessário” ou adição de outros fármacos para tratamento de exacerbações versus tratamento de manutenção contínuo com doses terapêuticas integrais. A escolha depende de fatores sociais, como disponibilidade da família ou de amigos familiarizados com os sintomas de recidiva inicial e pronto acesso ao tratamento. Combinações de fármacos A combinação de fármacos antipsicóticos confunde a avaliação da eficácia dos fármacos utilizados. Entretanto, o uso de combinações é disseminado e consiste em uma prática sustentada por dados experimentais emergentes. Os antidepressivos tricíclicos ou, com mais frequência, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) são usados comumente com agentes antipsicóticos para sintomas de depressão que complicam a esquizofrenia. A evidência quanto à utilidade dessa polifarmácia é mínima. A eletroconvulsoterapia (ECT) constitui um adjuvante útil dos fármacos antipsicóticos, não apenas para o tratamento dos sintomas de humor, mas também para o controle dos sintomas positivos. A ECT pode aumentar os efeitos da clozapina quando as doses máximas do fármaco não são efetivas. Em contrapartida, a adição de risperidona à clozapina não é benéfica. Algumas vezes, acrescenta-se lítio ou ácido valproico aos agentes antipsicóticos com benefício para os pacientes que não respondem aos últimos fármacos isoladamente. Há algumas evidências de que a lamotrigina é mais efetiva do que qualquer um dos outros estabilizadores do humor em tais casos (ver adiante). Não se sabe ao certo se esses casos de terapia de combinação bem-sucedida constituem diagnósticos errôneos de mania ou transtorno esquizoafetivo. Os benzodiazepínicos podem ser úteis para pacientes com sintomas de ansiedade ou insônia não controlados por antipsicóticos. Efeitos colaterais Os efeitos indesejáveis dos fármacos antipsicóticos representam, em sua maioria, extensões de suas ações farmacológicas conhecidas (Tabelas 29-1 e 29-2), porém alguns efeitos são de natureza alérgica, e outros, idiossincrásicos. A. Efeitos comportamentais É desagradável tomar os fármacos antipsicóticos típicos mais antigos. Muitos pacientes interrompem o uso em virtude dos efeitos colaterais, que podem ser atenuados pela administração de pequenas doses durante o dia, sendo a porção principal administrada ao deitar. Uma “pseudodepressão” causada pela acinesia induzida por fármaco costuma responder ao tratamento com fármacos antiparkinsonianos. Outras pseudodepressões são causadas por doses mais altas do que o necessário em um paciente com remissão parcial, no qual a redução da dose aliviaria os sintomas. Podem ocorrer estados tóxico-confusionais durante a administração de doses muito altas de fármacos que apresentam ações antimuscarínicas proeminentes. B. Efeitos neurológicos As reações extrapiramidais que ocorrem no início do tratamento com os agentes mais antigos incluem a síndrome de Parkinson típica, acatisia (inquietação incontrolável) e reações distônicas agudas (retrocolo espástico ou torcicolo). O parkinsonismo pode ser tratado, quando necessário, com fármacos antiparkinsonismo convencionais, do tipo antimuscarínicos ou, emraros casos, com amantadina. (A levodopa nunca deve ser utilizada nesses pacientes.) O parkinsonismo pode ser autolimitado, de modo que se deve efetuar uma tentativa de suspensão dos fármacos antiparkinsonismos a cada 3 a 4 meses. A acatisia e as reações distônicas também respondem a esse tratamento, porém muitos médicos preferem usar um anti-histamínico sedativo com propriedades anticolinérgicas, por exemplo, difenidramina, que pode ser administrada por via parenteral ou oral. A discinesia tardia, como o próprio nome sugere, é uma síndrome de ocorrência tardia de movimentos coreatetoides anormais. Trata-se do efeito indesejável mais importante dos fármacos antipsicóticos. Foi proposto que a discinesia tardia é causada por uma deficiência colinérgica relativa, secundária à supersensibilidade de receptores de dopamina no caudado-putame. A prevalência varia enormemente, porém estima-se que a discinesia tardia tenha ocorrido em 20 a 40% dos pacientes sob tratamento crônico antes da introdução dos antipsicóticos atípicos mais recentes. O reconhecimento precoce é importante, diante da dificuldade de reversão dos casos avançados. Todo paciente com discinesia tardia tratado com um fármaco antipsicótico típico ou, possivelmente, com risperidona ou paliperidona deve passar para a quetiapina ou clozapina, os agentes atípicos com menor probabilidade de causar discinesia tardia. Muitos tratamentos foram propostos, porém a sua avaliação apresenta limitações em virtude de a evolução do transtorno ser variável e, algumas vezes, autolimitada. Pode-se considerar também a redução da dose. A maioria das autoridades concorda que a primeira etapa deve consistir na interrupção ou redução da dose do agente antipsicótico atual ou mudança para um dos fármacos atípicos mais recentes. Uma segunda etapa lógica seria eliminar todos os fármacos com ação anticolinérgica central, em particular os fármacos antiparkinsonismos e os antidepressivos tricíclicos. Essas duas etapas são, com frequência, suficientes para obtenção de uma melhora. Se falharem, a adição de diazepam em doses altas de até 30 a 40 mg/dia pode contribuir para a melhora aumentando a atividade GABAérgica. As convulsões, embora reconhecidas como uma complicação do tratamento com clorpromazina, eram tão raras com os fármacos mais antigos de alta potência que merecem pouca consideração. Entretanto, podem ocorrer convulsões de novo em 2 a 5% dos pacientes tratados com clozapina. Na maioria dos casos, o uso de anticonvulsivante controla as convulsões. C. Efeitos sobre o sistema nervoso autônomo A maioria dos pacientes é capaz de tolerar os efeitos colaterais antimuscarínicos dos fármacos antipsicóticos. Os pacientes que se sentem excessivamente desconfortáveis ou que desenvolvem retenção urinária ou outros sintomas graves podem mudar para um fármaco sem ação antimuscarínica significativa. A hipotensão ortostática ou o comprometimento da ejaculação – complicações comuns da terapia com clorpromazina ou mesoridazina – devem ser tratadas pela troca por fármacos com ações bloqueadoras menos acentuadas dos receptores adrenérgicos. D. Efeitos metabólicos e endócrinos O ganho de peso é muito comum, sobretudo com clozapina e olanzapina, e exige monitoração da ingestão de alimentos, especialmente de carboidratos. Pode-se observar o desenvolvimento de hiperglicemia, porém ainda não foi esclarecido se ela é secundária à resistência à insulina associada ao ganho de peso ou se é causada por outros mecanismos potenciais. Pode ocorrer hiperlipidemia. O tratamento do ganho de peso, da resistência à insulina e dos níveis elevados de lipídeos deve incluir a monitoração do peso a cada visita e a medição dos níveis de glicemia e lipídeos em jejum a intervalos de 3 a 6 meses. A determinação da hemoglobina A1C pode ser útil quando é impossível certificar-se da obtenção de um nível de glicemia em jejum. Foi relatada a ocorrência de cetoacidose diabética em alguns casos. A razão de triglicerídeos:HDL deve ser inferior a 3,5 nas amostras em jejum. Níveis mais altos indicam risco aumentado de doença cardiovascular aterosclerótica. A hiperprolactinemia em mulheres resulta em síndrome de amenorreia-galactorreia e em infertilidade; nos homens, podem ocorrer perda da libido, impotência e infertilidade. A hiperprolactinemia pode causar osteoporose, em especial em mulheres. Se não for indicada a redução da dose, ou se esta não for efetiva no controle desse padrão, recomenda-se a troca por um dos fármacos atípicos que não provocam elevação nos níveis de prolactina, como o aripiprazol. E. Reações tóxicas ou alérgicas Raramente, ocorrem agranulocitose, icterícia colestática e erupções cutâneas durante o uso de fármacos antipsicóticos de alta potência atualmente utilizados. Diferentemente de outros agentes antipsicóticos, a clozapina causa agranulocitose em uma porcentagem pequena, porém significativa, de pacientes – cerca de 1 a 2% daqueles tratados. Esse efeito grave e potencialmente fatal pode desenvolver-se com rapidez, em geral entre 6 a 18 semanas de terapia. Não se sabe se representa uma reação imune, mas parece reversível com a suspensão do fármaco. Devido ao risco de agranulocitose, os pacientes em uso de clozapina precisam efetuar hemogramas completos semanalmente nos primeiros 6 meses de tratamento e, em seguida, a cada 3 semanas. F. Complicações oculares Depósitos nas porções anteriores do olho (córnea e cristalino) constituem uma complicação comum da terapia com clorpromazina. O fármaco pode acentuar o processo normal de envelhecimento do cristalino. A tioridazina é o único fármaco antipsicótico que provoca depósitos na retina, os quais, nos casos avançados, lembram a retinite pigmentosa. Os depósitos estão habitualmente associados a um “acastanhamento” da visão. A dose diária máxima de tioridazina foi limitada a 800 mg/dia para reduzir a possibilidade dessa complicação. G. Toxicidade cardíaca A tioridazina em doses acima de 300 mg ao dia está quase sempre associada a anormalidades menores das ondas T, facilmente reversíveis. As superdosagens de tioridazina estão associadas a arritmias ventriculares significativas, como torsades de pointes, bloqueio da condução cardíaca e morte súbita; não se sabe ao certo se o fármaco pode causar esses mesmos distúrbios quando administrado em doses terapêuticas. Tendo em vista as possíveis ações semelhantes à quinidina e antimuscarínicas aditivas com vários antidepressivos tricíclicos, a tioridazina só deve ser associada a esses fármacos com muita cautela. Entre os agentes atípicos, a ziprasidona comporta o maior risco de prolongamento do QT e, portanto, não deve ser associada a outros fármacos que prolongam o intervalo QT, incluindo a tioridazina, a pimozida e os fármacos antiarrítmicos do grupo 1A ou 3. A clozapina está algumas vezes associada à miocardite e precisa ser interrompida se houver manifestação da doença. A morte súbita causada por arritmias é comum na esquizofrenia. Nem sempre está relacionada com fármacos, e não foram conduzidos estudos que mostram definitivamente um risco aumentado decorrente de determinados fármacos. A monitoração do prolongamento do QTc demonstrou pouca utilidade, a não ser que os valores aumentem para mais de 500 mseg, e isso seja manifestado em múltiplas faixas de ritmo ou exame com monitor Holter. Um estudo da ziprasidona versus olanzapina em 20.000 pacientes mostrou um risco mínimo ou nenhum aumento de risco de torsades de pointes ou morte súbita em pacientes que foram randomizados para tratamento com ziprasidona. H. Uso durante a gravidez; dismorfogênese Embora os fármacos antipsicóticos pareçam relativamente seguros na gravidez, um pequeno aumento no risco teratogênico pode passar despercebido. Questões acerca do uso desses fármacos durante a gravidez e a decisão quanto ao aborto* em uma gravidez na qual o feto já foi exposto devem ser solucionadas individualmente. Se for possível manter uma mulher grávida sem uso de fármacos antipsicóticos durante a gravidez, essa conduta é desejável, devido aos efeitos desses medicamentossobre os neurotransmissores envolvidos no neurodesenvolvimento. I. Síndrome neuroléptica maligna Esse distúrbio potencialmente fatal ocorre em pacientes extremamente sensíveis aos efeitos extrapiramidais dos agentes antipsicóticos (ver Capítulo 16). O sintoma inicial consiste em acentuada rigidez muscular. Se a sudorese estiver reduzida, como ocorre frequentemente durante o tratamento com fármacos anticolinérgicos, pode-se verificar o aparecimento de febre, que muitas vezes alcança níveis perigosos. A leucocitose por estresse e a febre alta associadas a essa síndrome podem sugerir erroneamente um processo infeccioso. Com frequência, ocorre instabilidade autônoma, com alteração da pressão arterial e frequência do pulso. Os níveis de creatina-cinase do tipo muscular costumam estar elevados, refletindo uma lesão muscular. Acredita-se que essa síndrome resulte de um bloqueio excessivamente rápido dos receptores pós-sinápticos de dopamina. Em consequência, ocorre uma forma grave de síndrome extrapiramidal. No início da evolução, é válido o tratamento vigoroso da síndrome extrapiramidal com fármacos antiparkinsonismo. Os relaxantes musculares, em particular o diazepam, com frequência são úteis. Foi relatada a utilidade de outros relaxantes musculares, como o dantroleno, ou agonistas da dopamina, como a bromocriptina. Se houver febre, deve-se tentar o resfriamento do paciente com medidas físicas. Atualmente, são reconhecidas várias formas menores dessa síndrome. Indica-se a troca por um fármaco atípico após a recuperação. Interações medicamentosas Os antipsicóticos produzem interações farmacodinâmicas mais importantes do que interações farmacocinéticas devido a seus múltiplos efeitos. Observam-se efeitos aditivos quando esses fármacos são associados a outros com efeitos sedativos, ação bloqueadora dos receptores α-adrenérgicos, efeitos anticolinérgicos e – no caso de tioridazina e ziprasidona – ação semelhante à da quinidina. Foi relatada uma variedade de interações farmacocinéticas, porém nenhuma de grande importância clínica. Superdosagens As intoxicações com agentes antipsicóticos (diferentemente dos antidepressivos tricíclicos) raramente são fatais, com exceção daquelas causadas por mesoridazina e tioridazina. Em geral, a sonolência evolui para o coma, com um período intermediário de agitação. A excitabilidade neuromuscular aumenta e evolui para convulsões. As pupilas são mióticas, e os reflexos tendíneos profundos estão diminuídos. A hipotensão e a hipotermia são a *N. de R.T. A legislação brasileira só permite a realização de aborto em casos de risco de morte para a mãe, estupro ou em caso de feto anencéfalo. regra, embora possa ocorrer febre posteriormente no decorrer da evolução. Os efeitos letais da mesoridazina e da tioridazina estão relacionados com a indução de taquiarritmias ventriculares. Os pacientes devem receber o tratamento “ABCD”** habitual para intoxicações (ver Capítulo 58) e terapia de suporte. O tratamento das superdosagens de tioridazina e mesoridazina, complicadas por arritmias cardíacas, assemelha-se ao dos antidepressivos tricíclicos (ver Capítulo 30). Tratamento psicossocial e recuperação cognitiva Os pacientes com esquizofrenia necessitam de apoio psicossocial, baseado em atividades da vida diária, incluindo atividades domésticas, atividades sociais, retorno à escola, obtenção do nível ideal de trabalho passível de ser executado e restauração das interações sociais. Infelizmente, o financiamento desse componente crucial do tratamento foi reduzido nos últimos anos. Assistência individual e serviços de terapia constituem uma parte vital do programa de tratamento que deve ser oferecido a pacientes com esquizofrenia. Os pacientes com primeiro episódio necessitam particularmente desse suporte, visto que com frequência negam a doença e não aderem à medicação. Benefícios e limitações do tratamento farmacológico Conforme assinalado no início do capítulo, os fármacos antipsicóticos tiveram grande impacto no tratamento psiquiátrico. Em primeiro lugar, fizeram com que a maioria dos pacientes hospitalizados há um longo tempo pudesse ter uma vida em comunidade. Para muitos pacientes, essa mudança promoveu uma vida com mais qualidade em condições mais humanas e, em vários casos, tornou possível a sua vida sem o uso frequente de restrições físicas. Para outros, a tragédia de uma existência sem objetivo está sendo hoje vivida nas ruas de nossas comunidades, e não em instituições para transtornos mentais. Em segundo lugar, esses fármacos antipsicóticos determinaram uma mudança acentuada do pensamento psiquiátrico para uma orientação mais biológica. Em parte, como resultado da pesquisa estimulada pelos efeitos desses fármacos na esquizofrenia, hoje sabemos muito mais sobre a fisiologia e a farmacologia do SNC do que sabíamos antes da introdução desses fármacos. Todavia, apesar de muitas pesquisas, a esquizofrenia continua sendo um mistério científico e um desastre pessoal para o paciente. Embora a maior parte dos pacientes esquizofrênicos obtenha algum grau de benefício com o uso desses fármacos – em alguns casos, um benefício substancial –, nenhum deles torna-se saudável.