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Asfixia por Constrição Cervical
Gabriella R Oliveira – Bioética e Ética Médica – 4º período
Podem ser estudadas em conjunto, pois o mecani mo de
morte, qualquer que seja o ti po, resulta da interação de fatore
respiratórios. vascularc!> e nervoso . d iferindo apenas no
que di L respeito à predominância de cada um dele ·.
Os autore . em geral. di stinguem dua modalidades. que
são o enforcamento c o estrangulamento. o enforcame nto.
o laço é acionado pe lo próprio peso da vítima; no estra ngulamento,
por força diversa do seu peso. Por sua vez. o estrangulamento
é dividido em dois tipos principai~: com laço e com
a:. mão~. O t:~t rangu larm:ntu l:UIII a~ mãu~ também recebe a
denominação de esganadurax. Alguns autores de língua inglesa
admitem usar o termo throulinR no mesmo sentido12·1x.
Mas há forma~ de estra ng ulamento que são difícei · de se
classilicar. por não serem fe ita com laço nem com as mão .
m tipo é a con trição do pe coço feita com o membro uperiore!..
em que um de le~ faz uma pinça tendo o cotovelo
como ponto lixo, enquanto o outro a aperta puxando o punho
para fechar o ângulo. a popular '"gravata". Outra forma
é a con ~trição com as coxas aplicada<, na face lateral do pescoço.
como ocorre em golpe de luta livre. Almeida Júnior' os
inclui na!. esganaduras. Também é difícil de classificar o estra
ngulamento praticado pelo. lutadores de jiu-jitsu e de judô.
no qual parte da pressão é exercida pela gola do quimono e o
resto do laço completado pela força das mão~ e antebraço
do lutador agressor ao tracionar a referida gola.
Em face dessa dificuldade . achamos melhor usar apcna
três termos: enforcamento. estrangulamento e esRanadura.
ENFORCAMENTO
É uma fom1a de asfixia mecânjca produzida por constrição
do pescoço por meio de um laço acionado pe lo peso da própria
vítima. O corpo pode estar totalmente suspenso. ou
apoiado parcialmente obre o solo. o primeiro caso. di7- c
que o enforcamento é completo; no . cgundo, incompleto. Às
vezes. a suspensão é comple ta, mas a poucos centímetros do
solo. Assim. se o material da corda ceder e e~ticar um pouco
com o tempo. um enforcamento completo pode-se tornar incomplcto
12. Como veremos no estudo dos mecani smos de
morte do!> enforcados. não há nece!.~ id ade da força de todo
o peso do indivíduo para que e la ocorra. os enforcamentos
incompletos, o ponto de suspe nsão não está muito di stante
do olo, de modo que os membro inferiores. c às vezes mesmo
o quadri . tocam a <;ua uperfície . e. se casos. <.e a
u pe nsão durar pouco tempo. o sulco pode ser mai. ra~o e
se confundir com estrangulamento. princ ipalmente se tiver
direção horizontal. como ocorre no caso em que o indivíduo
se apóia no joelhos c joga o corpo para diante. Knight 12
refere que isso aconteceu com o nazis ta Rudolf Hcss, em
1987, na prisão de Spandau.
Em certo caso de execuçõe judiciai . orna- e ao pc!.o
da vítima o do carrasco. que :,e pendura no corpo do condenado
pouco a ntes de se abrir o alçapão. Seja completo ou incompleto,
o mecanismo de morte nos enforcamentos depende
tanto da tcn!>ão suportada pela corda como da posição relativa
do nó c da alça.
ALTERAÇÕES EXTERNAS
Seu estudo inclui as características do dispositivo de suspensão,
formado pe lo laço. o nó e o ponto de s uspen~ão. a),
lesõe prc!>entes no corpo e peculiaridades dos fe nômeno),
cad avérico~.
Dispositivo de suspensão
· O Laço
Em geral. é formado por apenas uma volta e dotado de um
nó, que pode ser fixo ou deslizante. Ao nó, opõe-se a alça do
laço. Se o nó estiver para trás. na nuca. c a a lça para diante, o enforcamento será chamado de típico. Fora dessa posição,
será atípico. Nesse caso, o nó pode estar colocado lateral ou
anteriormente. Em nosso meio, temos observado que o mais
comum é o nó estar situado entre a orelha e a protuberância
occipital. Os menos freqüentes são os enforcamentos com o
nó situado anteriormente.
O laço pode ser confeccionado com cordas de náilon, de
fibra ou de cânhamo, cordões, fi os, arames e outros materiais
disponíveis, como toalhas, tiras de lençol, cintos, suspensórios,
cadarços, gravatas, cachecol, lenços ou qualquer outro
improvisado para esse fun. Em 1979, na Barra da Tijuca, um
servente, acusado de violar a própria filh a adolescente, foi
achado enforcado no interior de uma cela da J6a DP. O laço
era formado por sua calça comprida, que tinha sido colocada
com a cintura a cavaleiro por fora de uma das barras de
ferro da janela e as pernas caídas para o interior do cômodo,
amarradas pela extremidade, de modo a formar uma alça que
passava por diante e lateralmente ao pescoço da vítima. O
caso suscitou dúvidas quanto à causa jurídica da morte por
parte da magistratura e teve grande repercussão na imprensa
nacional16 (Figs. 24.1, 24.2 e 24.3).
· O Nó
Como já referimos, pode ser fixo ou deslizante, simples ou
múltiplo. Certos tipos de nós são característicos de determinadas
atividades laborativas ou esportivas. Escoteiros, vaqueiros,
bombeiros e marinheiros conhecem tipos especiais
Nó deslizante
Sheepshank
de nós. Se uma pessoa leiga nessas ati vidades aparece
enforcada com um laço cujo nó tem tais peculiaridades, é
provável que se trate de simulação de suicídio. Os peritos,
nesses casos, devem estar ainda mais atentos para os detalhes
do local onde o corpo esti ver. Entre os nós corrediços,
o mais comum é constituído por uma extremidade amarrada em
forma de alça fechada, por dentro da qual se passa e corre a
outra ponta (Fig. 24.4).
· O Ponto de Suspensão
Para que se processe o enforcamento, é necessário que
haja um ponto fixo mais elevado que ofereça resistência ao
peso do corpo. Quando o ato é consumado dentro de casa,
são usados elementos como portas, maçanetas, janelas de
grades, ganchos para redes, chapeleiros, haste da cabeceira
da cama e outros. Se ao ar livre, são mais comuns galhos de
árvores ou postes. Knight12 refere um caso em que o indivíduo
valeu-se de uma corda estendida entre dois postes de um jardim.
No caso de serem usados galhos, a subida da vítima pode
deixar marcas na árvore e escoriações no seu corpo.
Lesões Externas
O corpo dos enforcados não costuma apresentar outros
sinais de violência que não os causados pelo laço. A lesão
mais importante é o sulco produzido pelo laço ao redor do
pescoço. Além do sulco, devem ser estudadas outras alterações presentes no pescoço e nos outros segmentos do corpo
como, por exemplo, lesões por ação contundente decorrentes
das convulsões que costumam anteceder a morte.
· Sulco
É a alteração mais característica encontrada nos enforcados.
Tem grande importância médico-legal, tanto por ser constante
como por ser, via de regra, patognomônico. Em raras
ocasiões, pode ser tão superficial que passe despercebido a
um exame pouco minucioso, o que ocorre nos casos de enforcamento
incompleto com laço feito de material mole, ou
quando houver interposição de roupa ou outros materiais
entre ele e a pele. Em condições habituais, é oblíquo com relação
ao eixo do pescoço e ascende desde a posição da alça
até o local do nó. Quando esse é fixo, o sulco costuma ser
incompleto, porque se toma superficial à medida que dele se
aproxima, podendo interromper-se12 (Figs. 24.5 e 24.6). Por
outro lado, se o nó for de correr, quando o corpo fizer tração
sobre a corda, o laço apertar-se-á de modo a comprimir toda
a circunferência do pescoço. Tanto com nó fixo como no corrediço,
o sulco sempre é mais profundo na área pressionada
pela alça (Figs. 24. 7, 24.8 e 24.9). O aspecto geral do sulco
depende de vários fatores ligados à natureza do laço e ao tipo
de enforcamento, conforme veremos a seguir.
Natureza do Laço
Se o laço for constituído por material áspero, o sulco apresentará
largas áreas de escoriação, que terão cor pardo-avermelhada.
Se for fe ito de material mais mole, ou liso, o
arrancamento da epiderme será muito menor ou nulo.
Número de Voltas
O enforcamento com laço múltiplo não constitui raridade,
embora não seja freqüente. Mas nem sempre o número de
sulcos corresponde ao número de voltas do laço ao redor
do pescoço. Quando há várias voltas, algumasse superpõem
e deixam impressão única. É possível que a pele entre uma
volta e outra fique pinçada, formando uma crista ao longo do
sulco. Nesse local, podem-se formar pequenas vesículas
de conteúdo seroso19. Além do mais, a ocorrência de mais de
uma volta dilui a força exercida pelo laço, de modo que os
sulcos ficam menos profundos. Por vezes, nos laços com mais
de uma volta, um dos componentes pode apresentar direção
horizontal, geralmente a primeira laçada19.
Largura do Laço
O sulco deixado por laços largos é menos profundo do
que o causado por laços mais estreitos. Isso ocorre porque
a pressão exercida em cada centímetro quadrado da pele é
inversamente proporcional à largura do laço, já que o peso
do corpo é uma constante. O aspecto do fundo do sulco depende
dessa relação. Em geral, é de aspecto apergaminhado,
consistência firme e cor pardo-amarelada quando o laço é
duro e de pouca largura. Sua superfície apresenta depressões
e saliências que correspondem às irregularidades do
laço (Figs. 24.10 e 24.1 I).
Peso do Corpo, Tempo e Grau de Suspensão
Interferem no aspecto do sulco porque são condições que
modificam a intensidade da força exercida pelo laço. Os indivíduos
gordos sofrem t raçõe ~ muito intensas, de modo
que o sulco formado é bem mais profundo. No caso de se
tratar de enforcamento incompleto, até mesmo indivíduos
obesos podem apresentar sulco pouco intenso. Os sulcos
menos nítidos são encontrados em pessoas magras submetidas
a enforcamento incompleto durante curto tempo. Quanto
maior o tempo entre a suspensão e a remoção do corpo,
mais profundo será o sulco. As partes moles do pescoço vão
cedendo gradualmente à pressão, a ponto de o sulco ter aspecto
apergaminhado e maior transparência, em função da
expulsão dos líquidos da pele por expressão. Olhando-se
essa área de pele pela face profunda, contra a luz, vê-se uma
linha mais transparente e clara, brilhante, que se chama de
linha argentina19
Extensão da Alça
Em alguns casos, o nó é fixo e o laço, muito longo, de
modo que a alça entra em contato com o pescoço em menor
extensão. Assim, a profundidade atingida pelo sulco é maior
do que seria se o laço fosse menor e permitisse haver área
mais extensa de contato com a pele. Nesses casos, o sulco
costuma interromper-se antes de atingir o nó, sendo mais
brusca a superficialização (Figs. 24.5 e 24.6).
Posição do Nó
As partes moles da metade posterior do pescoço são mais
resistentes à compressão do que as da metade anterior. Por
isso, quando o nó está situado por trás- enforcamento típico
- , o sulco é mais profundo do que seria se o nó estivesse
por diante - enforcamento atípico anterior. Na nuca,
o sulco tende a ser pouco profundo e menos nítido, qualquer
que seja o tipo de enforcamento.
Topografia e Deslizamento do Laço após a Suspensão
O sulco dos enforcamentos típicos costuma situar-se entre
a borda superior da laringe e a topografia do osso hióide. Em
geral, desloca-se um pouco para cima do ponto inicial de contato,
em virtude da força constante exercida pelo peso da vítima19.
Esse deslizamento ocorre mais na zona do sulco
relacionada com o nó. Na alça, o deslizamento é mínimo, se
houver. Pode ocorrer que se formem dois sulcos nas imediações
do nó, um deles mais baixo e de menor intensidade e o
outro mais acima e de maior profundidade. Por vezes, é possível
encontrar estrias de arrancamento da epiderme unindo
os dois sulcos. Isso tem levado à suspeita de tentativa prévia
de estrangulamento Face
O aspecto geral da face varia muito. Pode estar cianótica,
ou não. Depende de ter havido constrição capaz de bloquear
o retomo venoso sem comprometer significativamente o fluxo
de sangue pelas artérias carótidas. Com base nesse aspecto,
os enforcados foram classificados em brancos e azuis.
Hofinann10 afirmava que os enforcamentos típicos produziam
enforcados azuis, o que não era observado nos atípicos. Mas
a experiência posterior veio demonstrar que tal regra não
correspondia à realidade. A maioria dos enforcados tem a
face pálida. James e Silcocks11 revisaram os casos de enforcamento
examinados durante 15 anos, em Cardiff, e só encontraram
27% de enforcados azuis. Na verdade, a cianose da
face não depende de ter sido a morte causada predominantemente
por asfixia e, sim, do bloqueio do retomo venoso.
Essa compressão venosa provoca edema das partes moles e
forma petéquias na pele e nas mucosas, principalmente nas
conjuntivas oculares. A língua, de tonalidade violácea, aumenta
de volume e pode projetar-se para fora, de modo a ficar
presa entre as arcadas dentárias (Figs. 24.12 e 24.13).
Por vezes, surde líquido sanguinolento das narinas e da boca.
Em alguns casos, existem pequenas escoriações compatíveis
com estigmas ungueais um pouco acima ou abaixo do
sulco. Indicam possível arrependimento tardio do indivíduo,
que tenta afrouxar o laço com as próprias mãos. Não devem
ser interpretadas como sinais de esganadura, a não ser que
haja outras marcas evidentes de violência, incompatíveis com
a hipótese de suicídio. Nesse caso, estariam lesões incapacitantes,
que tomariam impossíveis as manobras necessárias
ao enforcamento, e outras que, pela localização e extensão,
não poderiam ter sido produzidas pela própria pessoa. Por
exemplo, lesões típicas de defesa nos antebraços e nas mãos,
e fraturas de ossos longos, ou mesmo do crânio.
Membros
No enforcamento completo, os membros costumam ficar
estendidos ao longo do corpo. É possível encontrar pequenas
escoriações ou equimoses discretas caso o corpo esteja
próximo de anteparos capazes de causá-las de modo passivo
no momento das convulsões que antecedem a morte.
ALTERAÇÕES INTERNAS
O exame interno dos enforcados costuma ser pobre. Com
exceção das alterações presentes no pescoço, não se observam
lesões importantes. Na maioria das vezes, faltam até os
sinais gerais de asfixia. No pescoço, os achados variam conforme
a posição do nó e da alça, e com o mecanismo de suspensão
do corpo. Para maior clareza, faremos pequena
descrição da anatomia do pescoço.
Esboço da Anatomia Cervical
A anatomia topográfica do pescoço inclui, da superficie
para o interior do corpo, os planos cutâneo, muscular, visceral
e esquelético. A pele é mais fina nas faces anterior e laterais,
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sendo mais espessa na face posterior, que é um prolongamento
do couro cabeludo. Nas faces em que é mais delgada, a
pele desliza com facilidade sobre o plano, muscular. Este consta
de músculos que formam, grosso mo'do, dois níveis principais.
O mais superficial é representado pelos músculos
estemocleidomas tóideos nas faces laterais, e o trapézio posteriormente.
O outro nível que nos interessa está representado
pelos músculos que unem o assoalho da boca, o osso
hióide, a laringe e o estemo. Existe, ainda, um grupo muscular
que tem menor interesse para o nosso estudo, os músculos
pré-vertebrais (Fig. 24.14).
O plano visceral contém os órgãos que estabelecem continuidade
entre as vias aéreas superiores e a traquéia: faringe
e laringe. E entre a boca e o estômago: faringe e esôfago
(Fig. 24.15).
O plano esquelético é formado pelo setor cervical da coluna
vertebral. Mas é preciso lembrar que o osso hióide tem
posição estratégica no plano visceral. Além desses elementos,
no plano muscular, logo abaixo do músculo estemocleidomastóideo,
está o feixe vasculonervoso representado pelas
artérias carótidas primitivas, as veias jugulares profundas e
o nervo vago (ou pneumogástrico) (Fig. 24.14).
Lesões Cervicais Internas
O exame interno dos enforcados tem por finalidade achar
lesões que confirmem a causa da morte e que atestem a reação
vital. Os aspectos mais importantes são encontrados no
pescoço. Conforme a posição do nó e da alça, bem como o
mecanismo de suspensão do corpo, as lesões observadas
são diferentes.
Convém examinar em primeiro lugar a cavidade craniana.
A remoção do encéfalo, além de possibilitar a detecção delesões
de outra natureza, é muito importante porque faz uma
drenagem do sangue do sistema venoso da cabeça e do pescoço.
Com isso, ao se dissecar o pescoço, as veias já estarão
vazias e, quandoseccionadas, não haverá sangramento.
O sangue que flui das veias seccionadas durante a necrópsia
costuma sujar a área examinada e mascarar possíveis focos
de infiltração equimótica dos planos profundos, com evidente
prejuízo para a perícia. A maioria dos patologistas forenses
conhece as dificuldades diagnósticas causadas por esse
tipo de artefato.
Em se tratando de execução judicial, em que o corpo do
condenado cai de uma altura aproximada de 2 m, dentro de um
alçapão, como na Inglaterra, ocorrem graves lesões na coluna
cervical. O laço é colocado de modo atípico, com o nó na
direção de uma das orelhas. Há luxação e/ou fratura ao nível
das vértebras C2-C3, ou C3-C4, e conseqÜente rotura da medula
cervical ou do bulbos. Ocorre parada respiratória imediata,
à qual se segue a parada cardíaca após tempo variado, que
pode chegar a 20 minutos12
• A violenta distensão das partes
moles do pescoço causa estiramento dos vasos profundos,
com lesão das artérias carótidas primitivas, que podem sofrer
rotura transversal completas. Conforme o peso da vítima, pode
haver até decapitaçào 12•
Nos enforcamentos comuns, em que não ocorre a queda
do corpo num espaço vazio, podem ocorrer lesões nas partes moles do pescoço, lesões vasculares e fraturas tanto da
ca1ti lagem tireóide da laringe como do osso hióide. É raro encontrarem-
se focos de hemorragia ou roturas musculares, que
são mais comuns em outras formas de constrição. Quando
presentes, situam-se mais sobre os músculos digástrico, estilo-
hióideo e estemocleidomastóideo (Fig. 24.1 4). Hofmann10
nunca as encontrou em casos de suicídio. Principalmente no
enforcamento típico, ocorre grande pressão da base da língua
e da laringe sobre a parede posterior da faringe, onde se encontra,
por vezes. uma infiltração hemorrágica q ue costuma
ser referida como equimose retrofaríngea de Brouardef2. A
língua pode apresentar edema e coloração cianótica nos enforcados
azuis. Em alguns casos, acha-se uma zona de contusão
na sua borda lateral, com infiltração equimótica e, às
vezes, pequena rotura da mucosa, relacionada com as arcadas
dentárias. É causada por mo rdedura no momento das
convulsões e serve como bom indicador de reação vital.
A força exercida pelo laço sobre o feixe vasculonervoso do
pescoço pode causar algumas lesões. De acordo com Hofmann10
e Thoinot19, Amussat descreveu uma rotura transversal
da túnica interna da arté1ia carótida primitiva, situada logo
abaixo da sua bifurcação, onde o sangue faz pequena dissecção
na túnica média, que abrange extensão variada da circunferência
do vaso. Se se estender por toda a circunferência, a
íntima enrola-se sobre si mesma10
• É lesão pouco freqüente e
requer busca cuidadosa para não ser confundida com lesões
acidentais feitas com a ponta da tesoura no momento da abertura
do vaso. Balthazard2 cita Pehan, que a encontrou em 8%
dos casos de execução judicial que examinou. Alguns autores
mencionam a presença de foco de hemorragia na túnica adventícia
da carótida, referida como sinal de Friedberg. O plano víscera! apresenta um esque leto formado pelas
cani lagens da laringe e pelo osso hióide (Fig. 24. 16). Nos jovens,
apenas o osso hióide está calcificado; as peças cartilaginosas ainda estão bastante flexívei s. O osso hióide é formado
a partir de seis pontos de ossificação. Dois deles formam
o corpo central, ao qual se unem dois prolongamentos
a cada lado, um pequeno e outro longo, formados pelos outros
pontos. São os cornos menor e maior. A fusão dos cornos
maiores com o corpo do osso faz-se ao longo da vida.
Pode ser uni ou bilateral. Estudo fe ito com 300 hióides
demonstrou que havia algum grau de fusão em 3 1% dos indivíduos
entre 20 e 29 anos e em 86% daqueles entre 60 e
69 anos20
• Ass.im, em algumas pessoas, permanece um tipo
de articulação entre o como maior e o corpo do osso durante
toda a vida. É importante saber dessa particularidade para
não confundir uma articulação persistente com foco de fratura
do osso.
As cartilagens da laringe aumentam de consistência ao
longo da vida, por calcificação, começando por volta dos 30
anos18
• Podem sofrer até ossificação parcial nas pessoas idosas.
Tal fato faz com que fiquem mais vulneráveis a fraturas,
principalmente os cornos superiores da cartilagem tireóide
pelo fato de estarem presos ao osso hióide pela membrana e
ligamentos tireo-hióideos (Fig. 24. 16).
9
Laço
496
A dissecção do pescoço dos enforcados permite localizar
os pontos de fratura tanto da cartilagem tireóide como do
osso hióide. Knight12 aconse lha que se remova o bloco
dos órgãos do pescoço para exame radiológico antes de se
fazer a dissecção, pois faci lita a busca das fraturas. Mas há
discordância quanto à incidência e locali zação dessas fraturas.
Provavelmente, as diferenças encontradas entre os
diversos autores resulte do tipo de enforcamento, da ac ui dade
da pesquisa e da média de idade da amostragem. A
maioria dos trabalhos é retrospectiva, o que significa que
depende de laudos arquivados nos di versos serviços. Por
isso, não há uniformidade na metodologia, pois o denodo
com que tais lesões são procuradas depende da boa vontade
de cada patologista. De um modo geral, há concordância
de que as fraturas s ituam-se nos cornos maiores do
osso hióide e nos cornos superiores da cartilagem tireóide.
Numa revisão recente da literatura, em média, houve fratura
em 8% dos hióides e 15% das cartilagens tireóides20
•
Knight12 refere um estudo prospectivo de 61 casos, feito por
Luke em 1985, que revelou fratura do hióide em 23% e da
tireóide em 13% dos casos. Acreditamos que esses últimos
resultados sejam ma is fiéis à realidade por estarem baseados
em casos estudados de modo semelhante em função de
um protocolo de pesquisa. Quanto ao local da fratu ra, alguns
afirmam serem ma is freqüentes próximo à origem dos
cornos, ta nto no hió ide como na laringe\ enquanto outros
referem maior incidênc ia no seu terço di stal'2•
Quando a fratura ocorre no indivíduo vivo, o angue do
osso e das áreas calcificadas da cartilagem infiltra os tecidos
vizinhos. É bom sinal de reação vital. Mas é preciso caute la
na interpretação das fraturas sem hemorragia. Elas podem ter
ocorrido depois da morte e antes de se retirar o corpo da forca.
É preciso não esquecer que a força do peso da vítima continua
a atuar enquanto durar a suspensão. E que a resistência
dos cornos pode ser venc ida somente depois de estar morto
o indivíduo.
FENÔMENOS CADAVÉRICOS
Se o corpo permanecer suspenso por tempo prolongado,
o sinais cadavérico tardio in talar-se-ão de modo peculi ar.
O livores hipo táticos tendem a se formar primeiro nos membros
inferiores e nas extremidades dos superiores. São tanto
mais intensos q ua nto mais baixo estiver o segmento e mais
duradoura a suspensão. Com o correr do tempo, surgem nume
rosas petéquias nos pés e nas pernas, seguido das
mãos e antebraços (Figs. 24. 17 e 24. 18).
Quando o laço é completo, os livores formam-se na pele
das regiões do pescoço situadas logo acima, que contrastam
com a palidez das situadas inferiormente. Sendo incompleto,
tal efe ito só é observado na região da alça.
O acúmulo de lfquidos na metade inferior do corpo re ta rda
o aparecime nto da rigidez muscular nesses segmentos,
principalme nte nos membros inferiores. A putrefação tende
a ser coliquativa nessas áreas e mumificativa na me tade superior
do corpo. menos hidratada. Tratando-se de enforcame
nto incomple to, a di stribuição desses fenômenos varia
com a posição do corpo.
MECANISMOS DE MORTE
O mecanismo de · morte nos enforcamentos, excluídos os
judiciais, é complexo e depende de três tipos de fatores: respiratório,
c irculatório e nervoso. Passaremos a estudá-los de
modo mais detalhado.
· Fator Respiratório
Depende de uma e levação e deslocamento da base da língua
para trás e para cima de modo a fechar a passagem do ar
na faringe (Fig. 24. 14). Ocorre de modo mais intenso nos enforcamentos
típico . em que a alça pressiona forteme nte o
espaço correspondente à membrana tireo-hióidea (Fig. 24. 15).
Mas não é o responsável pela morte. Se assim fosse,a maioria
dos enforcados típicos seria azu l. Além disso, ind ivíduos
traqueostomizados antes do enforcamento não morreri am19
•
A laringe não costuma ser oblite rada porque o laço situa-se
em nível mais alto e o esqueleto carti laginoso do órgão resiste
basta nte à compressão12
•
Nos enforcamentos com o nó situado lateralmente, a força
exercida pela verte nte anterior da alça é capaz de elevar a
base da língua o suficiente para obstruir a passagem do ar na
faringe. Contudo, se o nó situar-se anteriormente, na direção
do mento, é difícil aceitar que haja impedimento à entrada dos
ar nas vias respiratórias.
· Fator Circulatório
Experiências feitas por Hofmann em cadáveres. nos quais
e le fazia suspensão do corpo por um laço ao redor do pescoço
e injetava líquido nos grandes vasos, mostraram que as veias
jugulares internas são fechadas com força de 2 kg, as caróti das
pri mitiva<; com 5 kg, e as vertebrais com 25 kg. O nível de
obstrução situava-se um pouco abaixo da sua bifurcação, local
onde são encontradas a rotu ras da íntima descritas por
Amussat 2• Atualmente, sabe-se que o fiuxo pelas ru1éri as vertebrais
é insuficiente para manter a oxigenação do cérebro. Por
es a razão, o enforcado típico perde a consciência logo em seguida
à suspensão, em menos de um minuto12• A isquemia cerebral
conseqüente ao fechamento das carótidas é sufic iente
para matar, independentemente de outros fatores. Por isso, os
enforcamento típicos incompletos podem er bem-sucedidos o enforcamentos com o nó lateral, há compressão apenas
da carótida do lado c orrespondente à alça. A do outro
lado sofre um estiramento. mas não é comprimida. Por is o,
não há grande prejuízo da irrigação cerebral, inclusive no hemi
fé rio corresponde nte à alça, poi há passagem de sangue
da artéria não-obstruída para o hemisfério oposto através de
anastomoses no círculo arterial cerebral 14 (Fig . 24. 19). Essa
transferê nc ia do sangue, porém, não ocorre de modo satisfatório
se as artérias estiverem estreitadas por processo de aterosclerose.
Sendo o enforcamento feito com o nó em posição
anterior, o fator vascular é de prezível.
· Fator Nervoso
Os autores antigos achavam que a compressão do nervo
vago era re ponsável pe las alterações dos batimentos cardíacos
que ocorriam nos enforcados• Mas estudos posteriores
mostraram a importânc ia dos pre sorreceptore localizados
nos seios carotídeo . A compressão des es e lementos gera
impu I os nervosos que . ão conduzidos pelo nervo glossofaríngeo
e terminam no núcleo do nervo vago. Resulta uma
descarga de impulsos parassimpáticos que causam parada
cardíaca. Alguns acreditam que o medo e a embriaguez alcoólica
favoreçam o mecanismo nervoso por cau a do aumento
de atividade do sistema simpático, mas isso não tem comprovação
experime ntaJI 2. Também não se sabe se a parada cardíaca
é precedida por algum tipo de arritmia, nem se ela pode
reverter espontaneamente12
• A compressão de um ou de ambos
os seios carotídeos sempre ocorre, qua lquer que seja o
tipo de e nforcame nto.
Do que foi expos to anteriormente, percebe-se que ora um.
ora outro mecanjsmo predomina, conforme o tipo de enforcamento.
Mas, como a maioria dos e nforcados não apresenta
c ianose, o fator respiratório não parece ser o mrus impottante.
Nos c asos em que a pes oa é retirada do laço a inda
com vida, ma em coma por lesão irreve rsível do cérebro,
o da no ao tecido ne rvoso tan to pode ter sido causado por
parada cardíaca como por i quemia cere bral decorrente da
obs trução das arté rias carótidas pri miti vas.
CAUSA JURIDICA DA MORTE
A maioria dos enforcamentos deve-se a suicídio. A incidência
era tão grande que Simonin referia chegar à metade do
total anual de suicídios na França, no in ício do século XX.
Trabalho mais recente indica que 95% dos enforcamentos em
Londres são por suicídios, e que esse é o segundo ma ior método
usado no auto-exte rmínio, pe rdendo apenas para os envene
name ntos20. Os 5% restante devem-se a acidentes.
Em todos os trabalhos antes citados, houve predominânc
ia do sexo masculino.
Considerando-se a extrema raridade de homicídios por enforcamento,
podemos afirmar que o resta nte dos casos de
enforcamento deve-se a acidentes. Basicamente. há duas
modalidades de acidentes de enforcamento. Uma dela~ é mais
comum em c rianças pequenas e resulta de queda do menor
para fora do berço, ficando com o corpo preso pelo pescoço
entre as barras verticais latera is e pe ndurado para fora. Por
vezes, é um ad ulto embriagado que te nta e ntrar em casa
por uma j anela de deslocamento venical, escorrega. lica preso
pe lo pescoço e perde a consciência rapidamente6.
A outra forma está associada a prá ticas masturbatórias e
é muito mais comum em homens. Deve-se à crença de que a
as tix ia aumenta o orgasmo. ou que cause alucinações de conteúdo
erótico. Não é comum em nosso meio, mas recebe
consideração especial de autores estrangeiros. A morte resulta
de pe rda súbita da consciênc ia ou de fal ha dos mecani
smos q ue deveriam afrouxar o laço. É mais comum no
e. trangulamento. onde voltaremos ao assunto.
Entre as questões mais importantes na elucidação da causa
jurídica, a primeira é determinar se a suspensão ocorreu em
vida. Algun s s ina is são categóricos quando presentes. A
existência de um quadro típico de cianose e petéquias acima
do laço, com aumento de volume da língua e edema inclus ive
palpebral, caracte riza a reação vital. Do mesmo modo, o
achado de nítida hemorragia ao redor de focos de fratura do
osso hió ide, ou dos cornos da cartilagem ti reóide, e da equimose
re trofaríngea de Brouardel (Fig. 24.20). Em a lguns casos, é possível ver foco de laceração e equimose da borda
da língua em relação com as arcadas dentárias. Tratando-se de
laço duplo, ou múltiplo, a presença de edema e de bolhas
serosas na pele espremida entre duas voltas mostra que havia
circulação.
A suspensão e o enforcamento por homicídio requer que
o agressor incapacite a vítima de algum modo antes de
suspendê-la, ou que o ato seja efetuado por mais de uma pessoa.
De qualquer modo, as lesões incapacitantes e as de contenção
servem para o diagnóstico diferencial. Além do mais,
é hipótese muito rara.
No caso de se suspender um cadáver para simular um suicídio
e ocultar um homicídio, os sinais referidos faltam. Além
disso, as lesões relacionadas com a verdadeira causa da morte
costumam estar presentes. Ora são causadas por ação
contundente, como contusão ou fratura do crânio, ora são
devidas a outra modalidade de asfixia, como o estrangulamento.
Algumas tornam impossível a execução dos atos necessários
ao suicídio por enforcamento. A presença de lesões
de defesa e de contenção atesta a agressão. Em situações
especiais, o exame do ponto de suspensão pode ajudar se
feito antes de se cortar a corda. Tratando-se de corda de cânhamo
ou de outro material felpudo que passe por cima
de uma trave horizontal, a orientação dos fiapos no ponto de
contato indica a direção do movimento - se foi o corpo que
puxou a corda para baixo ou se foi uma força estranha
que suspendeu o cadáver. Conforme já referimos, nós peculiares
a certas atividades profissionais em enforcados leigos
no assunto sugerem fortemente suspensão de cadáver.
A distribuição dos livores hipostáticos pode revelar a dissimulação
de um crime. Basta que o corpo tenha sido mudado
de posição depois que eles já se tenham fixado. A nova
posição, em suspensão, fica em contradição com a distribuição
prévia, mesmo que se formem novos livores nos membros
inferiores. Mas é um sinal que só tem valor se percebido no
local em que se achar o corpo, pois pode haver nova distribuição
de livores durante o tempo transcorrido entre a retirada
do corpo do ponto de suspensão, o transporte e a
realização da necrópsia.
O diagnóstico diferencial com o estrangulamento
está baseado no aspecto do sulco e será abordado na seção
seguinte.
ESTRANGULAMENTO
É a forma de asfixia em que a constrição do pescoço é
feita por meio de um laço acionado por força diversa do peso
da vítima. Conforme observamos na introdução deste capítulo,
esselaço é formado simplesmente por qualquer material
em forma de tira, fio ou faixa. Mas pode, eventualmente, ser representado
por meios mais complexos que empregam segmentos
dos membros, com ou sem o auxílio da roupa da vítima.
A maioria dos estrangulamentos tem causa homicida. Mas
uma pequena proporção deve-se a suicídios, sendo raros os
estrangulamentos acidentais. O suplício por estrangulamento
foi usado no Império Romano como uma forma de execução
dos patrícios4 e persistiu na Espanha contemporânea,
sendo abolido com a queda do ditador Franco. Era conhecido
então como garrote vil. O condenado era sentado em uma
cadeira, colocada de tal modo que as costas do supliciado ficavam
em contato com um poste situado por trás. Passavase
uma alça de aço ao redor do pescoço e do poste em forma
de braçadeira, que era apertada progressivamente por meio de
parafusos2.4. O diagnóstico diferencial entre estrangulamento
homicida e suicida será feito na seção referente à causa
jurídica.
ALTERAÇÕES EXTERNAS
O exame externo evidencia, além dos sinais gerais de asfixia,
outras forn1as de violência e, principalmente, alterações
relacionadas com o tipo de constrição cervical.
· Aspecto Geral
Entre as fo~as de constrição do pescoço, o estrangulamento
é a que apresenta sinais de asfixia com maior constância.
Os livores são de cor violácea escura. Nota-se cianose
das extremidades, principalmente na face. Há congestão e
petéquias, por vezes numerosas, na pele e nas conjuntivas
oculares. Nessas, podem confluir e formar áreas mais extensas
de hemorragia (Fig. 24.2 1). As pálpebras podem estar
tumefeitas, o mesmo ocorrendo com os lábios. Das narinas e
da boca surde líquido serossanguinolento arejado em quantidade
variada de um para outro casô. Não é raro que se encontrem
lesões de defesa, sinais de contenção e alterações
da roupa que indiquem luta.
· Pescoço
É o segmento mais importante em função do laço e do
sulco. Mas, em casos de suicídio, o laço pode envolver outros
segmentos corporais.
· Laço
Pode ser constituído por qualquer tipo de material em forma
de tiras, cordões ou faixas. Cordas, fios elétricos, arames,
gravatas, cintos, lenços, meias, cachecol e lençois têm sido
empregados (Fig. 24.22).
Quando premeditado, o material escolhido costuma ser
leve e de uso fácil para surpreender a vítima, como acontecia
com freqüência, em meados do século XIX, na Inglaterra1
9. Os agressores eram ladrões que atacavam a vítima por
trás e lhes apertavam o pescoço até que perdessem a consciência
para poderem despojá-las de seus pertences. Embora
seu objetivo não fosse matar, várias pessoas morriam.
O laço costuma dar apenas uma volta ao redor do pescoço.
Mas há laços múltiplos, tanto em homicídios como em
casos de suicídio (Fig. 24.23). Nos casos de homicídio, é
possível que o estrangulamento seja praticado após agressão
por outros meios que tornem a vítima inconsciente. Nesses
casos, é comum que o laço seja muito apertado e mantido por
um ou vários nós. Já vimos vários casos de pessoas baleadas
mortalmente que apresentavam uma corda amarrada fortemente
ao redor do pescoço (Fig. 24.23).
Os laços feitos por suicidas apresentam dispositivos variados
que visam a impedir que se afrouxem após a perda da consc
iência. Para isso, o indivíduo pode dar nós ou, com maior
freqüência, se valer de torniquetes, ou ainda usar materiais
que, uma vez apertados, não afrouxem, como toalhas molhadas.
Thoinot19 refere o caso de um soldado que se suicidou com um
laço apertado no pescoço por meio de um torniquete feito com
o sabre embainhado. Tivemos oportunidade de autops iar um
senhor idoso que se estrangulou com cordas de persiana passadas
ao redor do pescoço e das axilas de modo a serem apertadas
por movimentos dos ombros para trás (Figs. 24.24 e
24.25). Deitado em decúbito dorsal, o laço não se afrouxou
após a perda da consciênc ia. A constrição foi intensa o suficiente
para interromper o retorno venoso, mas não o fluxo arterial
para os membros superiores, o que produziu numerosas
petéquias nas mãos e nos antebraços (Fig. 24.26).
Sulco
Tem aspecto variado porque depende da dinâmica do estrangulamento,
que é, na maioria das vezes, homicida. Mas
apresenta a lgumas caracterís ticas constantes para essa forma
de constrição e que servem para se fazer o diagnóstico
diferencial com o enforcamento. Situa-se na topografia da laringe
ou entre ela e o osso hióide. Logo, é mais baixo que o
do enforcamento. Sua direção é horizontal, mesmo que tenha
mais de uma volta. A profundidade é regular e uniforn1e, em
geral pouco acentuada (Fig. 24.27).
Na maioria das vezes é completo. Se for feito com apenas
uma volta do laço, costuma haver trespassamento de uma
extremidade sobre a outra antes de desaparecer (Fig. 24.28).
Sua largura é seme lhante à do material do laço, mas pode ser
maior se houver des lizamento durante a luta (Fig. 24.22). Ou
menor. Quando o laço é feito de pano ou qualquer material
mole e e lástico, fica pregueado longitudinalmente e mais fino,
penetrando mais fundo na pele. Por isso, o sulco é bem mais
estreito do que o pa no desdobrado (Fig. 24.29).
O fundo é, em geral, escoriado e de cor pardo-avermelhada
quando o laço for áspero como uma corda de s isal, por exemplo,
e se tratar de homicídio. A luta da vítima para se livrar do
laço faz com que esse deslize sobre a pele, arrancando a epiderme
(Fig. 24.22). Mas pode apresenta r-se apergaminhado
quando o laço for mantido muito apertado ao redor do pescoço
após a morte. Nesse caso, o aspecto fica parecido com
o do sulco do enforcamento e apresenta imagem da textura
do material do laço em baixo-relevo. Se houver torniquete ou
nós, esses de ixarão sua imagem na pele subjacente em baixo-
relevo (Fig. 24.40).
A permanência do laço após a morte faz com que o s ulco
se torne mais profundo com o passar do tempo. A pele
adjacente pode apresentar uma fa lsa hiperemia decorrente
da migração do sangue pela expressão dos tecidos do fundo
do sulco12
• Sobrevindo a putrefação, a profundidade do sulco
fica muito maior, por vezes chegando a esconder o laço.
A região próxima das margens do sulco pode apresentar
equimoses e escoriações (Fig. 24.3 1).
A presença de escoriações em forma de estigmas ungueais
ou de pequenas faixas para lelas e no sentido longitu-
500
dinal ao pescoço pode indicar tentativa da vítima de puxar e
se livrar do laço.
Nos laços múltiplos que ficam amarrados no pescoço
após a morte, é possíve l ver a pe le insi nuada entre duas
voltas vizinhas, formando uma cri sta que pode a presentar
edema, infiltração equimótica e bo lhas de conteúdo
seroso (Fig. 24.32).
Nos casos em que o agressor fica por trás e em plano
superior ao pescoço da vítima, o sulco pode ser oblíquo e
interrompido porque o laço tem forma de "U", o que dificulta
muito o diagnóstico diferencial com o do enforcamento.
O sulco pode faltar em alguns casos. Em primeiro lugar,
quando o material que constitui r o laço for largo e liso, e a
duração e inte nsidade da constrição forem pequenas, como
nos casos de infanticídio. Mas é mais comum que fa lte nos
estrangulamentos feitos com técnicas de luta livre. O braço
e o antebraço do agressor são muito largos e moles, costumam
atuar por pouco tempo, e, em geral, a finalidade é apenas
conter a vítima, como ocorre pela ação de policia is
durante tumultos e de e nferme iros contendo pacientes em
agitação psicomotora. No caso de haver interposição da roupa,
da barba ou da mão da vítima, o sulco não desaparece,
fica apenas interrompido (Fig. 24.33).
Antes de se interpretar uma lesão c ircular no pescoço
como sulco de estrangulamento, é preciso afastar a possibilidade
de se tratar de falsos sulcos. Algumas pessoas, principalmente
as idosas e alguns indivíduos obesos, apresentam
pregas naturais, únicas ou múltiplas, paralelas entre si, geralmente
pouco profundas, situadas horizontalmente no pescoço
(Fig. 24.34). Seu fundo corresponde ao vértice do "V"
formado pe las duas vertentes e não tem escoriação. Alguns
lactentes também as apresentam. No período enfisematoso
da putrefação, podem-se formar pregassemelhantes pelo aumento
de volume das partes moles.
ALTERAÇÕES INTERNAS
Devem ser procuradas as relacionadas com o processo
de asfixia e as relacionadas com o laço.
· Sinais Gerais de Asfixia
Em geral estão presentes. Há congestão polivisce ral generalizada,
o sangue costuma ser líquido e escuro nas cavidades
cardíacas e nas grandes veias. As serosas apresentam
número variado de manchas de Tardieu. Os pulmões evidenciam
grau variado de edema, que faz com que a árvore brônquica
contenha líquido espumoso serossanguinole nto em
quantidade variada de um para outro caso. Nos casos menos
comuns em que a morte seja por mecanismo não-asfixico, ta is
a lterações faltam.
· Pescoço
Nos estrangulamentos puros, não-associados à esganadura,
o exame dos planos profundos do pescoço é pobre na
maioria das vezes. Contudo, quando o estrangulamento é feito
com o auxílio de um torniquete, a pressão desenvolvida é muito maior do que a gerada pe la força de um agressor. Assim,
é possível visualizar focos de hemorragia por debaixo do
sulco, no tecido subc utâneo e na musculatura adjacente
(Fig. 24. 35). A laringe pode apresentar focos de hemorragia
na mucosa, na musculatura intrínseca e fratura do escudo ou
dos cornos da cartilagem tireóide.
ALTERAÇÕES EM SOBREVIVENTES
Nem sempre o estrangulamento termina com a morte da
vítima. Algumas pessoas mais afortunadas conseguem escapar.
Nessas, observam-se alterações decorrentes das lesões
cervicais e distúrbios neurológicos relacionados com sofrimento
do cérebro durante o período de asfixia.
· Distúrbios Locais
O sulco costuma ficar muito mais nítido no dia seguinte.
Há hiperemia, que pode revelar ter havido várias constrições
pe la multiplic idade de sulcos revelados e que não eram visíveis
por ocasião do primeiro exame. Podem aparecer novas
equimoses e início de formação de crostas se tiver havido
escoriação pelo laço. Tivemos a oportunidade de examinar, no
Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira, um
menino que fora encontrado chorando no meio de uma área
erma da Ilha do Fundão, depois de ter sido espancado e estrangulado
por uma mulher que saía com seu pa i. Havia discretas
marcas de sulcos no pescoço e uma ferida contusa no
setor parietal direito do couro cabeludo. No dia seguinte, nós
o encontramos na enfermaria do Instituto e pudemos documentar
vários sulcos avermelhados, nítidos, ao redor de
toda a circunferência do pescoço, a lguns interrompidos. Sua
face apresentava petéquias minúsculas e numerosas (Figs.
24.36 e 24.37).
A forte constrição sobre a laringe faz com que haja edema
da mucosa e, por conseguinte, das cordas vocais. Tal
edema pode causar dificuldade respiratória por estreitamento
da passagem do a r. A respiração fica ruidosas, e é possível
notar depressão das fossas supraclaviculares e dos
espaços intercostais na inspiração (sinal de tiragem) . O indivíduo
pode apresentar tosse com eliminação de secreção
serossanguinolenta. Em casos extremos, pode haver complicação
pneumônica. Há disfonia de grau variado, pode ndo
chegar à afonia. A compressão das pa rtes moles e da
musculatura do pescoço, da fa ringe e do esôfago faz com
que o indivíduo apresente dor à manipulação e movimentação
do pescoço. A deglutição costuma ser muito do lorosa
(odinofagia). O ed ema das partes moles do pescoço
e da face torna-se mais nítido. As conjuntivas oculares
evidenc iam congestão, edema e grande alargamento dos
focos hemorrágicos. Em 1995, fo i examinado no Serv iço
de Clínica do IMLAP um homem que fora assaltado e estrangulado
pelos ladrões, que o abandonaram no local, pensando
que es tivesse morto. No dia seguinte, apresentava
edema moderado e petéquias na face, infiltração equimótica
e tumefação palpebra l, e extensas hemorragias conjuntivais
que cobriam toda a parte branca de ambos os o lhos
(Fig. 24.38).
· Distúrbios Neurológicos
A perda da consciência pode durar horas. Dependendo
do tempo de isquemia cerebral e do grau da asfixia, podem
ocorrer seqüelas gravíssimas ou apenas sinais de sofrime nto
cerebral. Assim, o indivíduo pode ter convulsões e ficar
em coma profundo por tempo indeterminado, ou, se recuperar
logo a consciência, apresentar sintomas leves, principalmente
amnésia com relação ao fato, confusão mental ou crises
de agitação e de pânico.
MECANISMOS DE MORTE
Teoricamente, são possíveis os três mecanismos já referidos
para o enforcamento. Mas as condições do estrangulamento
variam muito em razão do tipo de laço, do uso de
dispositivos capazes de ampliar a força constritora e da luta
da vítima para escapar.
Os estrangulamentos fe itos com laço acionado pela força
simples do agressor causam, inic ialmente, bloqueio do
retorno venoso. Isso explica por que a maioria dos casos
apresenta congestão intensa e petéquias na face e nas conjuntivas
oculares. Aumentando a força, há redução do fluxo
de sangue pelas artérias carótidas, podendo chegar à obstrução
completa. Nos casos em que se usa torniquete, é o que
ocorre depois da obstrução venosa. Knight12 admite que haja
perda da consciênc ia mesmo sem obs t rução to ta l das
carótidas. A pressão exercida distribui-se igualmente pela circunfe
rência do pescoço, de modo que a compressão em
cada setor não é tão intensa como a que ocorre na região da
alça nos casos de enforcamento. Mas o componente de pressão
sobre a laringe, deslocando-a de diante para trás, leva à
obstrução da faringe acima da glote. O fechamento da laringe,
nesses casos, é menos provável. Além do ma is, não há
necessidade de obstrução completa do fluxo aéreo para que
o indivíduo morra4
•
O mesmo, no entanto, não se pode dizer quando a constrição
é fe ita com o braço e o antebraço do agressor ("gravata").
Nesses casos, se o antebraço situar-se transversalme nte
na face anterior do pescoço, pode haver bloqueio da glote sem
que haja impedimento ao fluxo de sangue pelas artérias carótidas
'8. Contudo, se a posição for lateral, com o cotovelo do
agressor na direção da linha mediana da vítima, dar-se-á o contrário.
Haverá fechame nto dos vasos e pouca obs trução da
passagem do ar18• É o que ocorre nos estrangulamentos aplicados
por lutadores de jiu-j itsu e de j udô. Várias são as pegadas,
mas o objetivo é cortar o fluxo de sangue para o cérebro,
de modo a fazer o contendor "apagar". Uma das técnicas consiste
em cruzar os antebraços por diante do pescoço do oponente
e segurar a gola do seu quimono na parte da nuca. Isso
feito, os antebraços dispostos em "X" comprimem a face lateral
do pescoço quando se afastam os cotovelos (Fig. 24.39).
Ora, tendo em mente que as ações são muito dinâmicas,
com mudança de posição durante a luta, toma-se dificil afirmar
qual mecanismo foi mais importante na causa da morte
em cada caso concreto. Como a maioria apresenta sinais gera
is de asfixia, devemos admitir que haja uma associação dos
fatores respiratório e vascular na ma ioria dos casos.
Embora não se possa afastar a participação do fator nervoso,
já que sempre há compressão dos seios carotídeos,
parece que ele não é tão importante no casos de estrang ulamento,
como o é no enforcamento e na esganadura. Mas
pode explicar os casos de estrangulados pálidos.
CAUSA JURIDICA
Confonne já mencionamos. poucos são os estrangulamentos
que não são por homicídio. Por isso, o di agnóstico da
cau a jurídica é fácil na maioria do casos. Vários aspectos
confinnam a hipótese. Entre ourros. a au ência do laço. a presença
de outras le. ões violentas que não poderiam ter sido
auto-intligidas, os sinais de luta no ambiente onde está o corpo
e a presença de lesões típicas de defesa ou de contenção,
todos falam em favor de homicídio.
Alguns autores admitem que, no e trangulamentos. os
suicídios são mais freqüentes q ue os acidentes5· 12 , enquanto
ourros afirmam o contrário18
• Na verdade. a divergência
depende da dificuldade encontrada na detenninação da causa
jurídica de certos estrangulamentos feitos com laços muito
elaborados. Havendo s inais de prática masturbatória.
devem ser con iderados acidentais. De um modo geral, o indivíduo
arma dispositivos com cordas que passam ao redor502
do pescoço e outros segmentos do corpo, por vezes os membros
inferio res. A contração desses segme ntos aperta ou
afrouxa a corda no pescoço, de modo a provocar uma asfi xia
controlada enquanto ele se masturba. O local onde se acha
o corpo mostra sinais claros do caráter sexual do ato. Há material
pornográfico, como revistas de mulhere nuas, escritos
obscenos. e até peças de roupa íntima feminina espalhados
ao redor. Ocasio nalmente, a vítima está travestida com roupas
de mulher. Com freqüência, há proteção da pele do pescoço
por meio de panos e acolchoamentos por debaixo da
corda12. A preocupação em não ficar com o pescoço marcado,
a fa lta de um bilhete de despedida e de registro de outras
tentativas prévias afastam a hipótese de suicídio.
São mais raros os casos de acidente sem conotação sexual.
É clássico o da famosa dançarina americana lsadora
Duncan, que morreu na cidade francesa de Nice, estrangul ada
por uma echarpe comprida que trazia ao redor do pescoço
quando viajava em um automóvel de capota arriada. O
lenço foi levado pelo vento para as rodas c. tracionado, matou
a estrela. Ela revolucionara a dança no início do século
XX, abrindo caminho para a forma moderna de expressão15
•
As circunstâncias do acidente e. com freqüênc ia, o testemunho
de o utras pes oas fac ilitam o esclarecimento da causa
jurídica. Uma forma de acidente em que há. quase sempre, testemunhas é a que ocorre em academias de artes marciais.
Nesses casos, pode estar envolvido o mecanismo de morte
por inibição.
Os sÚicídios seguem uma história de vida que, com freqüência,
vem marcada por outras tentativas. Os sinais dessas
tentativas podem estar presentes no corpo, conforme já
vimos no Capítulo 7. Além disso, faltam outros sinais de violência,
e o ambiente não revela sinais de luta. O laço está presente
sempre, a menos que alguém o tenha removido antes
do exame pelos peritos. Como regra, há um dispositivo qualquer
que impede seu afrouxamento, como torniquete, nós,
várias voltas etc. Mas a simples presença desses dispositivos
não garante que se trate de suicídio, pois já os vimos em
casos de homicídio (Figs. 24.40 e 24.41).
O fato de o laço estar muito apertado não afasta a hipótese
de suicídio, pois, como vimos, ele pode continuar a se
aprofundar no período post mortem. Os muito complicados,
com várias voltas e de características inusitadas, fogem ao
padrão esperado nos homicídios. Já referimos o uso de cordas
de persiana em volta do pescoço e das axi las por um homem
idoso (Figs. 24.24 e 24.25). Em um outro caso, uma
mulher suicidou-se com uma echarpe de náilon estampada,
que ela prendeu ao redor do pescoço e no sulco hel icoidal de
uma máquina manual de moer carne. Em seguida, acionou a
manivela com uma das mãos de modo a tracionar o pano e
apertar o laço. Seu corpo foi achado debruçado sobre a borda
de uma caixa-d'água (Figs. 24.42 e 24.29).
ESGANADURA
É a fonna menos comum de constrição cervical, mas pode
vir associada aos estrangulamentos. Para que se realize, é
preciso que haja grande superioridade de forças do agressor
com relação à vítima. Assim, pode ocorrer quando a vítima for
uma criança, uma pessoa idosa, ou quando for um indivíduo
franzino diante de um homem forte. Também é possível se a
vítima estiver entorpecida por alguma substância depressora,
ou impedida de reagir por algum outro motivo, por exemplo
em coma. Se houver mais de um agressor, a vítima pode ser
subjugada mais rapidamente.
Não é possível haver esganadura suicida nem acidental.
Mesmo que alguém tente apertar o próprio pescoço com as
mãos e o faça, no momento em que houver asfixia su fic iente
para causar perda da consciência a constrição cessará.
O local onde ocorre a esganadura apresenta, em geral,
móveis em desalinho, e outros elementos, conforme já abordamos
no Capítulo 7.
ALTERAÇÕES EXTERNAS GERAIS
Como se trata de um tipo de constrição essencialmente
homicida, haverá reação da vítima e luta, desde que ela esteja
consciente. Mesmo os indivíduos muito ffacos acabam lutando
pela sobrevivência. Dessa luta, resultam outras lesões
além das características da esganadura. Qualquer tipo de lesão
por ação contundente pode ser encontrada, inclusive as
causadas por instrumentos como pedaços de pau, pedras etc.
São menos freqüentes aquelas causadas por outros tipos de
agentes vulnerantes. Às vezes, as lesões decorrentes da luta
são graves o suficiente para impedir o prosseguimento da reação.
A face costuma apresentar cianose e petéquias, que
estão presentes também nas conjuntivas oculares10
Locais
O pescoço apresenta as marcas deixadas pelas mãos do
agressor, traduzidas por equimoses, escoriações e eventuais
manchas. As equimoses costumam ser pequenas, pouco numerosas
e distribuídas principalmente na face anterior e nas
faces laterais. São mais concentradas na topografia da laringe,
mas também podem ser observadas nas regiões suprahióideas,
carotídeas e até nas fossas supraclaviculares12
• Mas
as lesões mais freqüentes e importantes são as escoriações
deixadas pelas unhas do agressor: os estigmas ungueais. Seu
número depende, em parte , do tamanho das unhas do
agressor. Localizam-se preferencialmente na projeção da laringe,
podendo predominar em um dos lados, direito ou esquerdo.
Porém, podem ser encontradas junto à borda
ma ndibul ar, nas regiões carotí deas, nas fossas
supraclaviculares e, inclusive, nos lábios19
• Afirmar porém
que o agressor era destro ou canhoto por meio dessa distribuição
é temerário, conforme já assinalava Vibert21 no fim do
século XtX. Em casos de infa nticídio, é possível encontrar
tais escoriações na nuca por causa da desproporção entre a
mão do agressor e o pescoço do recém-nato19•
A forma dessas escoriações varia. Tanto podemos encontrar
os estigmas típicos, que imitam a forma das unhas,
côncavo-convexas, como escoriações lineares ou em forma
de fa ixa, pelo deslizamento dos dedos do agressor na dinâmica
da agressão. Na verdade, as escoriações de forma irregular
são mais ffeqüentes do que os estigmas típicos. A
orientação da concavidade indica a posição da palma da mão
do agressor, mas é possível que seja o contrário. Knight12 refere
que, eventualmente, a concavidade pode estar voltada
para o dorso da mão. Explica que, havendo deslizamento da
pele sobre o tecido subcutâneo no momento de sua formação,
a epiderme em contato com a porção central da unha é
presa e puxada, enquanto a que é pressionada pelas porções
laterais da unha tende a ficar no mesmo local e ser escoriada
logo após.
Os estigmas pqdem faltar se a vítima estiver vestida com
roupa de gola muito alta, mas isso não impede a formação
de equimoses.
Às vezes, o agressor está com as mãos sujas de terra,
carvão, tinta, gesso, e deixa marcas desses materiais no
pescoço e na roupa da vítima. Isso pode sugerir a profissão
do assassino.
ALTIRAÇÕES INTERNAS Gerais
Com ffeqüência, estão presentes os sinais gerais de as fixia.
Também é possível encontrar equimoses profundas em várias partes do corpo, assim como lesões viscerais decorrentes
da luta. O rebatimento do couro cabeludo evidencia
focos de hemorragia na face profunda em vários casos.
O exame da língua pode mostrar focos de infiltração
equimótica na base12 ou na sua borda, esses relacionados com
as arcadas dentárias (Fig. 24.43). A face vestibular dos lábios
pode mostrar focos equimóticos e tumefação.
Locais
As alterações mais freqüentes são os focos de infiltração
equimótica no plano subcutâneo e na bainha dos músculos,
com ou sem relação com os estigmas ungueais (Fig. 24.44).
Em alguns casos, notam-se focos de hemorragia na cápsula
da glândula tireóide12
•
19
• Mas as lesões mais importantes
são as da laringe e do osso hióide. A esganadura é a forma
de constrição cervical que mais apresenta fratura dos elementos
do plano víscera! do pescoço. Revendo a literatura,
Ubelaker0 achou, nas esganaduras, uma incidência de fraturas
nas cartilagens da laringe que variou de 50 a 7 1% dos casos
e de 17 a 7 1% no osso hióide. Atribuiu as diferenças na
incidência à faixa etária da amostragem de cada autor, pois os
jovensapresentam cartilagens muito mais flexíveis do que os
idosos. Tais fraturas são raras em crianças. Há quem dê uma
predominância muito maior ainda das fraturas da laringe,
como Simpson17
, que encontrou 22 fraturas na laringe e apenas
uma no osso hióide, em 25 casos de esganadura.
A laringe é o órgão mais atingido na esganadura. As fraturas
situam-se com maior freqüência nos cornos superiores
da cartilagem tireóide. São incomuns as fraturas da cartilagem
cricóide e do escudo da cartilagem tireóide porque requerem
uma força direta muito intensa. Ocorrem mais facilmente nos
traumas diretos por ação contundente12
• As da cricóide, nas
séries revistas por Ubelaker0
, tinham incidência de O a 6%
dos casos, conforme o autor. As cordas vocais apresentam,
freqüentemente, focos de hemorragia.
As fraturas do osso hióide, nos casos de esganadura,
ocorrem mais por pressão lateral sobre os cornos maiores,
de modo que o segmento fraturado fica deslocado na direção
da linha média. Se houver articulação entre o como maior e
o corpo do osso hióide, a mobilidade pode proteger o osso
e impedir a fratura12
• O diagnóstico de reação vital nas fraturas
desses elementos está baseado na presença de hemorragia
perifocal.
As artérias carótidas não costumam apresentar alterações,
uma vez que a pressão é exercida preferencialmente na parte
central do pescoço. Mas alguns autores referem pequenas
roturas da íntima, raramente12
ALTERAÇÕES EM SoBREVMNTES
As pessoas que sofrem esganadura e conseguem escapar
do agressor costumam apresentar sintomas gerais e os relacionados
com as lesões produzidas no pescoço. Os sintomas
gerais são semelhantes aos referidos no estrangulamento. Os
locais dependem da intensidade e duração da manipulação
das estruturas cercicais. Alguns resultam da compressão das
veias jugulares: tumefação da face e petéquias nas conjuntivas
504
do globo ocular. A pele apresenta aumento da visualização
das equimoses e escoriações, que se tomam recobertas por
crostas pardo-avermelhadas. O trauma no pescoço causa
tumefação das partes moles e dor tanto pela contusão dos
músculos como pelas fraturas e contusões da laringe e do
osso hióide. O paciente refere dor à deglutição e apresenta
disfonia intensa. Há dificuldade mais intensa para respirar do
que a observada nos estrangulados. Fato relevante é que alguns
indivíduos podem vir a morrer por edema das cordas vocais
algumas horas depois ou no dia seguinte19
•
M ECANISMos DE MoRTE
Dos três fatores invocados para esclarecer a morte nas
constrições cervicais, o vascular é o menos importante. A
obstrução respiratória é s ignificativa e resulta seja da compressão
diretamente exercida sobre a laringe, fechando a
glote, seja do seu deslocamento para cima e para trás de
modo a fechar a passagem do ar na faringe10
De modo semelhante
ao que ocorre no estrangulamento, e com mais razão,
essa obstrução costuma ser intermitente por causa da
luta. Assim, há prolongamento da asfixia por um tempo maior
do que o que se observa nas outras formas de constrição
cervical porque a vítima consegue fazer algumas inspirações.
O mecanismo nervoso é mais importante na esganadura
do que no enforcamento12
• Já era reconhecido pelos antigos
patologistas forenses como o responsável pelas mortes por
esganadura nos casos em que não achavam sinais gerais de
asfixia. Mas o atribuíam a uma excitação do nervo laríngeo
superior10• Hoje, sabemos que o fator nervoso de morte
é a excitação dos seios carotídeos, que produz resposta reflexa
através do nervo vago12•16• Há relatos muito marcantes
de pessoas que sofreram compressão fugaz na região da bifurcação
da carótida primitiva e morreram por parada cardíaca12.
Mas a morte por inibição pode ocorrer por contusão da
face anterior do pescoço com lesão da laringe, sem que haja
esganadura, como em certos golpes de luta marciatl 2
•
21
•
PER(CIA NAS CONSTRIÇÕES CERVICAIS
O objetivo da perícia é esclarecer primeiramente qual o tipo
de constrição. Em segundo lugar, verificar se foi feita em vida.
Por fim, determinar qual a causa jurídica. A seqüência do exame
é a mesma das outras formas de morte violenta, com ênfase à dissecção
do pescoço só depois do exame da cavidade craniana,
que deve ser a primeira a ser aberta. O exame dos sobreviventes
e do agressor, se houver suspeito, também se impõe.
ExAME N ECROSCÓPICO
Dla~nóstlco do Tipo de Constrição
O diagnóstico do tipo de constrição já é mais de meio caminho
andado para o diagnóstico da causa jurídica, uma vez
que o enforcamento é basicamente suicida e o estrangulamento,
homicida. A esganadura é sempre homicida.
O diagnóstico de enforcamento começa no local onde é
encontrado o corpo. É muito importante, principalmente se for um enforcamento incompleto e o corpo for encontrado
pouco tempo depois da morte, antes da formação dos
livores hipostáticos.
A disposição do laço e a morfologia do sulco são características
e dificilmente se prestam a confusão. Mas há casos
em que houve estrangulamento seguido de suspensão do cadáver
para simular enforcamento. O exame do ponto de suspensão
e da orientação dos fiapos da corda pode dizer se
houve suspensão de cadáver ou se o indivíduo se pendurou.
Além do mais, a existência de dois tipos distintos de sulco
é esclarecedora. A dificuldade é maior quando o estrangulamento
for feito por trás da vítima por um agressor situado
em plano superior. Nesses casos, o sulco fica oblíquo e
interrompido como se fosse um enforcamento típico. Mas os
sinais de luta no corpo e o desalinho dos elementos do local
podem esclarecer.
Reação VItal
O seu diagnóstico está baseado no achado de sinais de
que havia circulação sanguínea no momento da constrição.
Assim, devem ser pesquisados os relacionados com o laço
e a constrição e os que demonstrem estase venosa na cabeça.
O exame externo do sulco pode mostrar, caso haja mais
de uma volta, a insinuação da pele entre elas, com edema,
que chega a formar bolhas em alguns casos, e infiltração
equimótica na pele adjacente. É preciso cuidado para não interpretar
como hiperemia a cor avermelhada da pele adjacente
a sulcos muito profundos e apergaminhados. Ela pode
resultar da expressão e do deslocamento do sangue dos capilares
do fundo do sulco12•
O exame interno do pescoço deve ser precedido da abertura
da cavidade craniana para retirada e exame do encéfalo
e drenagem do sangue do sistema venoso. Isso impede o
sangramento quando da dissecção do pescoço. Todo patologista
forense sabe que o sangue extravasado pode simular
focos de equimose profunda se não observar o trabalho
do técnico na abertura dos planos anatômicos desde o início.
Isso é mais provável quando a necrópsia é feita nos primeiros
instantes após a morte. É aconselhável, quando
possível fazê- lo, o exame radiológico da laringe e do osso
hióide antes da dissecção para a localização de fraturas.
Serve, inclusive, para caracterizar fraturas fe itas durante a
necrópsia que, por certo, não aparecem nas radiografias feitas
antes da dissecção 12
•
A presença de fraturas sem hemorragia nos tecidos ao
redor não significa que houve a suspensão de um cadáver.
Ela pode ter ocorrido durante o período de suspensão após
a morte e antes do resgate do corpo. Mas a presença de hemorragia
em torno do foco de fratura serve para atestar a
reação vital. Há quem não valorize a hemorragia se for muito
discreta 12
•
Os sinais de compressão venosa servem para afirmar a
reação vital. A presença de tumefação da língua e dos lábios,
de edema e petéquias, conjuntivais e na pele, atesta que havia
circulação.
Outros sinais importantes de reação vital são a equimose
retrofaríngea de Brouardel nos enforcamentos e a presença
de contusão e hemorragia da borda da língua. A primeira
resulta da compressão da parede posterior da faringe contra
a coluna vertebral; a segunda, da ocorrência de mordedura da
língua durante convulsões ou luta com o agressor.
Causa jurídica
Na maioria dos casos está muito clara. Feito o diagnóstico
de esganadura, nada mais resta de dúvida. Mas, nas
constrições fe itas por laço, é preciso associar os dados do
exame delocal com os da necrópsia. Uma vez feito o diagnóstico
do tipo de constrição, a causa jurídica está praticamente
esclarecida.
O exame do local é fundamental para distinguir um enforcamento
suicida de um acidental. Nos acidentes relacionados
com práticas masturbatórias, os detalhes foram já descritos.
Nas outras formas de enforcamento acidental, a posição do
corpo também é esclarecedora, por exemplo, de crianças pequenas
em berços.
Nos casos de estrangulamento, é necessário, em alguns
casos, determinar se foi homicídio ou suicídio. Aqui, o tipo
de laço usado pode ser esclarecedor. Conforme já vimos anteriormente,
os laços muito complicados são mais dos suicidas.
É interessante que os peritos examinem o laço, que não
deve ser removido antes da perícia médico-legal. Havendo
necessidade de remover o laço, recomenda-se cortá-lo longe
do nó e enviá-lo aos legistas dentro de um saco lacrado10
•
Laços com nós peculiares a determinadas profissões também
podem ajudar muito quando se conhece a da vítima.
O exame dos outros segmentos do corpo costuma revelar
sinais de luta ou de contenção nos casos de homicídio, e
pode mostrar lesões, consolidadas ou não, de outras tentativas
anteriores de suicídio. Por isso, deve ser detalhado. A
colheita de material dos sulcos ungueais da vítima para pesquisa
de restos de epiderme do agressor pode fornecer um
padrão de DNA compatível.
EXAME Dos SoBREVMNTEs
Nos casos de esganadura, o exame comprova a constrição
do pescoço com as mãos pela presença dos estigmas
ungueais. Nas constrições por laço, o sulco fica mai~ nitido e,
pelas suas características, indica se foi enforcamento ou estrangulamento.
É preciso observar os outros segmentos do corpo
à procura de lesões que indiquem agressão ou tentativas prévias
de suicídio. O exame deve incluir a pesquisa de sinais de
crime sexual. É preciso fazer urna avaliação neurológica e psiquiátrica,
tanto para constatar seqüelas pela asfix ia prolongada
como para evidenciar possíveis distúrbios mentais que
pudessem levar ao suicídio. Algumas vezes, é preciso fazer
uma laringoscopia para avaliação do dano às cordas vocais.
EXAME Do SusPEITO DE AGRESSÃo
Serve para complementar as informações nos casos de
agressão confirmada ou suspeita. A presença de estigmas
ungueais na face, nas mãos, nos antebraços e no pescoço demonstra
que a pessoa examinada participou de uma luta corporal. Alguns autores aconselham pesquisar material dos sulcos
ungueais se o acusado for detido logo após o crime. Havendo
restos de epiderme, como pode acontecer nos casos
de esganadura, a pesquisa de DNA pode ligá-lo tecnicamente
à vítima.
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