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Natalia Quintino Dias A anafilaxia é uma reação multissistêmica grave de início agudo e potencialmente fatal. Apresenta-se com as seguintes manifestações clínicas: ● urticária; ● angioedema; ● comprometimento respiratório e gastrointestinal; ● hipotensão arterial. A ocorrência de 2 ou mais sintomas, imediatamente após a exposição a um alérgeno suspeito, alerta para o diagnóstico e a necessidade do tratamento imediato. Na faixa etária pediátrica, os alimentos estão relacionados com frequentes casos de anafilaxia, e são os principais desencadeantes. ● Nos lactentes, os alimentos mais implicados são o leite e os seus derivados, seguidos de amendoim, nozes, soja e ovos. Nos pré-escolares e escolares, o amendoim torna-se mais importante, ao lado das nozes. Já nos adolescentes, temos como destaque amendoim, nozes, peixes e frutos do mar. A segunda causa mais importante de anafilaxia na Pediatria é a hipersensibilidade ao veneno de insetos da ordem Hymenoptera, como abelhas, marimbondos e formigas. Em seguida, os medicamentos, principalmente os antibióticos (betalactâmicos, quinolonas e vancomicina) e os Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINES). Os coloides, os radiocontrastes, os opiáceos e o látex também estão envolvidos com reações anafiláticas, principalmente em situações perioperatórias. A principal causa de morte, nos casos mais graves, é o choque proveniente da intensa vasodilatação e da redistribuição do volume circulante. A segunda maior causa é a parada respiratória secundária ao broncoespasmo ou à obstrução pelo edema de vias aéreas superiores. Em cerca de 25% dos casos de anafilaxia, o agente causador não é identificado e tem-se a chamada anafilaxia idiopática. Na maioria das vezes, a anafilaxia é desencadeada por mecanismo imunologicamente mediado pela imunoglobulina E (IgE) contra os mais variados antígenos. Outros mecanismos imunológicos; entretanto, também podem estar relacionados, como no caso de reações por imunocomplexos circulantes a produtos biológicos. Em poucos casos, a anafilaxia se relaciona com mecanismos não imunológicos, sendo o mais comum a ativação direta de mastócitos. Os componentes do sistema complemento também podem estar envolvidos, assim como leucotrienos, prostaglandinas, cininas, fatores de coagulação e da fibrinólise. Independentemente do fator etiológico, o quadro clínico e os mediadores químicos envolvidos são similares. Natalia Quintino Dias As manifestações clínicas costumam surgir entre 5 e 10 minutos após a exposição ao alérgeno desencadeante, mas, algumas vezes, esse intervalo pode ser maior. O espectro das manifestações é muito amplo, pode ocorrer desde reações leves até graves e potencialmente fatais. O início, normalmente, é súbito, ocorre em segundos/minutos, podendo ocorrer até horas após a exposição ao agente causal. As reações bifásicas estão relacionadas com maior intensidade dos sintomas por volta de 8 a 12 horas após o início do quadro agudo inicial e podem ocorrer em cerca de 10% dos casos. Por conta disso, é importante manter o paciente em observação na unidade de saúde por um período Natalia Quintino Dias mínimo de 6 a 8 horas, para casos leves, e de 24 a 48h, para os casos graves. É eminentemente clínico. A anamnese realizada dever ser breve e focada nos seguintes aspectos: agente suspeito, via de administração, dose, sequência dos sintomas, tempo para início dos sintomas, história de episódio prévio, uso de medicações, condutas tomadas após o início do quadro e diagnóstico prévio de alguma alergia. O diagnóstico é clínico, pela presença de, pelo menos, 1 dos critérios: ● Início agudo (minutos a horas) com envolvimento de pele, mucosa ou ambos. E pelo menos um dos seguintes: a) comprometimento respiratório (dispneia, broncoespasmo, estridor, hipóxia); b) redução da Pressão Arterial (PA) ou sintomas de disfunção de órgãos-alvo (hipotonia, colapso, síncope). ● Duas ou mais das seguintes situações que ocorrem rapidamente após a exposição a um alérgeno provável: a) envolvimento mucocutâneo (urticária generalizada, prurido, rubor, edema de lábios/língua); b) comprometimento respiratório (dispneia, broncoespasmo, estridor, hipoxemia); c) redução da pressão arterial ou sintomas associados (hipotonia, colapso, síncope); d) sintomas gastrointestinais persistentes (cólicas abdominais recorrentes e vômitos). ● Hipotensão após exposição a alérgeno conhecido para aquele paciente. Em crianças: PA baixa para a idade, ou queda de 30% na PA sistólica. Em adolescentes: PA 30% na PA sistólica. Exames complementares o diagnóstico da anafilaxia é clínico, mas algumas alterações laboratoriais podem ser observadas, como o aumento nos níveis séricos de triptase e histamina. Para a confirmação da etiologia, são necessários exames complementares que, no momento do quadro anafilático agudo, podem estar negativos. A dosagem da imunoglobulina E (IgE) sérica total ou específica para um alérgeno pode estar normal no momento da reação; por isso, só deve ser realizada em um momento oportuno ambulatorialmente. Diagnóstico diferencial Deve ser feito com a reação vasovagal, que é uma frequente causa de confusão diagnóstica; entretanto, na reação vasovagal, tem-se: sudorese, náusea, hipotensão e bradicardia. Enquanto na anafilaxia, tem-se taquicardia, ocorrendo bradicardia apenas em casos pré-falência cardiorrespiratória. Na reação vasovagal não haverá o acometimento cutâneo, como urticária e angioedema. Outras doenças menos frequentes: exacerbação de asma, angioedema hereditário, feocromocitoma, mastocitose sistêmica, ansiedade/crise de pânico, entre outras. A conduta médica não deve ser retardada devido à ampla variedade de possíveis diagnósticos diferenciais. A anafilaxia pode ser fatal e, diante de uma suspeita, a conduta deve ser tomada imediatamente. O diagnóstico é clínico e não há necessidade de exames laboratoriais complementares. O pronto reconhecimento do quadro clínico deve ser seguido pela retirada do fator causal, solicitação de ajuda, manutenção da permeabilidade das vias respiratórias, com adequada oxigenação e manutenção da pressão sanguínea. Três aspectos são fundamentais para o manejo inicial: ● administração rápida da adrenalina por via intramuscular; --> A adrenalina deve ser feita na dose de 0,01 mg/ Kg da solução 1:1.000 (1 mg/mL), que corresponde a 0,01 mL/Kg desta apresentação. Em menores de 12 anos, temos a dose máxima de 0,3 mg, e nos maiores de 12 anos, podemos fazer no máximo 0,5 mg. A via utilizada deve ser a intramuscular, no vasto lateral da coxa. Essa dose pode ser repetida a cada 5 a 15 minutos, caso seja necessário. ● decúbito dorsal com membros inferiores elevados; ● manutenção adequada da volemia. --> A expansão volumétrica, quando necessária, pode ser feita com solução salina ou Ringer Natalia Quintino Dias Lactato, na dose de 5 a 10 mL/kg, via endovenosa, nos primeiros 5 minutos, e 30 mL/kg na primeira hora. Em adolescentes, pode-se usar de 1 a 2 litros rapidamente, via endovenosa. O paciente deve estar com um acesso venoso com o maior calibre possível, com monitorização contínua e com avaliação da sobrecarga de volume. A taxa de infusão de volume deve ser regulada pelo pulso e pela pressão arterial. A adrenalina é considerada a droga de primeira linha no manejo da anafilaxia. Seu efeito beta- adrenérgico reverte a vasodilatação periférica, diminui o edema da mucosa, a obstrução das vias aéreas superiores, assim como a hipotensão. Está relacionada à redução dos sintomas de urticária e de angioedema, assim como ao aumento da contratilidade miocárdica, do débito cardíaco e do fluxo coronariano. Além disso, causa broncodilatação e suprimea liberação de mediadores de mastócitos e basófilos. Diante de tantos mecanismos de ação, a prescrição precoce da adrenalina intramuscular é essencial para a reversão do quadro anafilático e o desfecho satisfatório para o paciente. Quanto mais a hipotensão se agrava na evolução da reação, menor será a resposta ao tratamento com a adrenalina. Mesmo com a administração rápida desse agente, em cerca de 10% dos casos, as reações anafiláticas podem não ser revertidas. Nos pacientes com uso prévio de betabloqueadores, doses maiores de adrenalina podem ser necessárias para obtenção dos efeitos esperados. Nesses casos, pode-se usar o glucagon, por infusão contínua, na dose de 5 a 15 μg/minuto, via endovenosa. Os vasopressores estão indicados apenas se a hipotensão for refratária à adrenalina. A oxigenioterapia, quando necessária, deve ser ofertada mediante cânula nasal ou máscara, objetivando uma saturação de oxigênio acima de 95%. Em situações em que há a presença de broncoespasmo, o uso de broncodilatadores pode ser benéfico para o paciente. Assim como os broncodilatadores, os anti-histamínicos e os glicocorticosteroides são drogas adjuvantes ao tratamento e que podem ser usadas; entretanto, ainda existem controvérsias com relação aos mecanismos de ação na anafilaxia aguda. Os glicocorticoesteroides têm relação com a redução das reações bifásicas. Alta com orientações É fundamental que a família seja orientada sobre os riscos de reações bifásicas (recorrência dos sintomas entre 8 e 12 horas do episódio agudo). Natalia Quintino Dias A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que, no momento da alta hospitalar, sejam prescritos: ● Corticosteroides por via oral (prednisona ou prednisolona 1-2 mg/Kg/dia em dose única) pelo período de 5 a 7 dias; ● Anti-histamínicos H1 de 2ª geração (fexofenadina, cetirizina, deslotaradina) nas doses habituais, para todas as faixas etárias por pelo menos 7 dias. Os familiares e a escola devem ser orientados sobre o risco de novas reações anafiláticas e o paciente deve ser acompanhado no seguimento ambulatorial por um pediatra e, em alguns casos, pelo especialista em alergia/imunologia para investigação diagnóstica direcionada e orientações específicas.