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DESENVOLVIMENTO COGNITIVO 1 1 1 Sumário O Desenvolvimento da Criança nos Primeiros Anos de Vida .................. 3 Os Estádios No Desenvolvimento Cognitivo ............................................ 5 Os Fatores do Desenvolvimento e O Processo de Equilibração ........... 17 O Papel da Interação no Desenvolvimento da Criança e na Construção do Conhecimento ............................................................................................. 20 O CONCEITO DE CONSTRUTIVISMO EM JEAN PIAGET .................. 21 EPISTEMOLOGIA GENÉTICA .......................................................... 21 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO EM PIAGET .... 26 AS INTERAÇÕES SOCIAIS NA TEORIA DE PIAGET ...................... 34 AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE PIAGET PARA AS QUESTÕES EDUCACIONAIS .......................................................................................... 35 O SOCIOINTERACIONISMO DE VYGOTSKY ...................................... 36 TEORIA HISTÓRICO CULTURAL ..................................................... 36 PENSAMENTO E LINGUAGEM ........................................................ 39 A APRENDIZAGEM ........................................................................... 41 A APLICABILIDADE DAS TEORIAS DE VYGOTSKY NO ENSINO SUPERIOR ................................................................................................... 43 AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE VYGOTSKY PARA AS QUESTÕES EDUCACIONAIS ...................................................................... 44 BREVE HISTÓRICO DA NEUROCIÊNCIA COGNITIVA ....................... 46 DESENVOLVIMENTO PERCEPTIVO E COGNITIVO ....................... 50 Referências ............................................................................................ 54 2 2 2 FACULESTE A história do Instituto Faculeste, inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender a crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a Faculeste, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A Faculeste tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 3 3 O Desenvolvimento da Criança nos Primeiros Anos de Vida Um primeiro aspecto geral que merece ser explicitado refere-se à concepção de conhecimento proposta por Piaget. Um dos pontos fundamentais desta concepção diz respeite ao sentido atribuído por Piaget à palavra ―conhecer‖: organizar, estruturar e explicar o mundo em que vivemos — incluindo o meio físico, as ideias, os valores, as relações humanas, a cultura de um modo mais amplo — a partir do vivido ou experienciado. Se, para Piaget, o conhecimento se produz a partir da ação do sujeito sobre o meio em que vive, só se constitui com a estruturação da experiência que lhe permite atribuir significação. A significação é resultado da possibilidade de assimilação. Conhecer significa, pois, inserir o objeto num sistema de relações, a partir de ações executadas sobre esse objeto. A pergunta fundamental, que Piaget formulou pela primeira vez aos 15 anos de idade (em 1911), orientou suas pesquisas ao longo de toda a sua vida: como o ser vivo consegue adaptar-se ao meio ambiente? A partir dessa pergunta liga, rapidamente, o problema da adaptação biológica ao problema do conhecimento, chegando a duas de suas ideias centrais. A primeira é que a adaptação biológica de todo organismo vivo, assim como toda conquista intelectual, se faz através da assimilação de um dado exterior, no sentido de transformação. O conhecimento não é uma cópia, mas uma integração em uma estrutura mental pré-existente que, ao mesmo tempo, vai ser mais ou menos modificada por esta integração. A segunda ideia central é que os fatores normativos do pensamento correspondem às relações, às necessidades de equilíbrio que se observam no plano biológico. 4 4 4 Para Piaget o conhecimento é fruto das trocas entre o organismo e o meio. Essas trocas são responsáveis pela construção da própria capacidade de conhecer. Produzem estruturas mentais que, sendo orgânicas não estão, entretanto, programadas no genoma, mas aparecem como resultado das solicitações do meio ao organismo. A alteração organismo-meio ocorre através do que Piaget chama processo de adaptação, com seus dois aspectos complementares: a assimilação e a acomodação. O conceito de adaptação surge, inicialmente, na obra de Piaget com o sentido que lhe é dado na Biologia clássica, lembrando um fluxo irreversível; vai se explicitando em momentos posteriores de sua obra, quando adquire o sentido de equilíbrio progressivo (equilíbrio majorante); finalmente, adquire o sentido de um processo dialético através do qual o indivíduo desenvolve as suas funções mentais, ao qual denomina ―abstração reflexiva‖. Esta adaptação do ser humano ao meio ambiente se realiza através da ação, elemento central da teoria piagetiana, indicando o centro do processo que transforma a relação com o objeto em conhecimento. Ao tentar se adaptar ao meio ambiente o indivíduo utiliza dois processos fundamentais que compõem o sistema cognitivo a nível de seu funcionamento: a assimilação ou a incorporação de um elemento exterior (objeto, acontecimento etc.), num esquema sensório-motor ou conceituai do sujeito e a acomodação, quer dizer, a necessidade em que a assimilação se encontra de considerar as particularidades próprias dos elementos a assimilar. No sistema cognitivo do sujeito esses processos estão normalmente em equilíbrio. A perturbação desse equilíbrio gera um conflito ou uma lacuna diante do objeto ou evento, o que dispara mecanismos de equilibração. A partir de tais perturbações produzem-se construções compensatórias que buscam novo equilíbrio, melhor do que o anterior. Nas sucessivas desequilibrações e reequilibrações o conhecimento exógeno é complementado pelas construções endógenas, que são incorporadas ao sistema cognitivo do sujeito. Nesse processo, que Piaget denomi no processo de equilibração, se constroem as estruturas cognitivas que o sujeito emprega na compreensão dos objetos, fatos e acontecimentos, levando ao progresso na construção do conhecimento. 5 5 5 Os Estádios No Desenvolvimento Cognitivo A capacidade de organizar e estruturar a experiência vivida vem da própria atividade das estruturas mentais que funcionam seriando, ordenando, classificando, estabelecendo relações. Há um isomerismo entre a forma pela qual a criança organiza a sua experiência e a lógica de classes e relações. Os diferentes níveis de expressão dessa lógica são o resultado do funcionamento das estruturas mentais em diferentes momentos de sua construção. Tal funcionamento, explicitado na atividade das estruturas dinâmicas, produz, no nível estrutural, o que Piaget denomina os ―estádios‖ de desenvolvimento cognitivo. Os estádios expressam as etapas pelas quais se dá a construção do mundo pela criança. Para que se possafalar em estádio nos termos propostos por Piaget, é necessário, em primeiro lugar, que a ordem das aquisições seja constante. Trata-se de uma ordem sucessiva e não apenas cronológica, que depende da experiência do sujeito e não apenas de sua maturação ou do meio social. Além desse critério, Piaget propõe outras exigências básicas para caracterizar estádios no desenvolvimento cognitivo: 1o) todo o estágio o tem de e ser integrador, ou u seja, as estruturas elaboradas em determinada etapa devem tornar-se parte integrante das estruturas das etapas seguintes; 2o) um estádio corresponde a uma estrutura de conjunto que se caracteriza por suas leis de totalidade e não pela justaposição de propriedades estranhas umas às outras; 3o) um estádio compreende, ao mesmo tempo, um nível de preparação e um nível de acabamento; 4o) é preciso distinguir, em uma sequência de estádios, o processo de formação ou génese e as formas de equilíbrio final. Com estes critérios Piaget distinguiu quatro grandes períodos no desenvolvimento das estruturas cognitivas, intimamente relacionados ao desenvolvimento da afetividade e da socialização da criança: estádio da 6 6 6 inteligência sensório-motora (até, aproximadamente, os 2 anos); estádio da inteligência simbólica ou pré-operatória (2 a 7-8 anos); estádio da inteligência operatória concreta (7-8 a 11-12 anos); e estádio da inteligência formal (a partir, aproximadamente, dos 12 anos). O desenvolvimento por estádios sucessivos realiza em cada um desses estádios um ―patamar de equilíbrio‖ constituindo-se em ―degraus‖ em direção ao equilíbrio final: assim que o equilíbrio é atingido num ponto a estrutura é integra da em novo equilíbrio em formação. Os diversos estádios ou etapas surgem, portanto, como consequência das sucessivas equilibrações de um processo que se desenvolve no decorrer do desenvolvimento. Seguem itinerário equivalente a um ―creodo‖ (sequência necessária de desenvolvimento) e supõem uma duração adequada para a construção das competências cognitivas que os caracterizam, sendo que cada estádio resulta necessariamente do anterior e prepara a integração do seguinte. O ―creodo‖ é, então, o caminho a ser percorrido na construção da inteligência humana, que vai do período sensório-motor (0-2 anos) aos Períodos simbólico ou pré- operatório (2-7 anos), lógico-concreto (7-12 anos) e formal (12 anos em diante). É preciso esclarecer que os estádios indicam as possibilidades do ser humano (sujeito epistêmico), não dizendo respeito aos indivíduos (sujeitos psicológicos) em si mesmos. A concretização ou realização dessas possibilidades dependerá do meio no qual a criança se desenvolve, uma vez que a capacidade de conhecer é resultado das trocas do organismo com o meio. Da mesma forma, essa capacidade de conhecer depende, também, da organização afetiva, uma vez que a afetividade e a cognição estão sempre presentes em toda a adaptação humana. O Estádio da Inteligência Sensório-Motora (0 a 2 anos) O período sensório-motor é de fundamental importância para o desenvolvimento cognitivo. Suas realizações formam a base de todos os processos cognitivos do indivíduo. Os esquemas sensório-motores são as primeiras formas de pensamento e expressão; são padrões de comportamento que podem ser aplicados a diferentes objetos em diferentes contextos. A 7 7 7 evolução cognitiva da criança nesse período pode ser descrita em seis subestádios nos quais estabelecem-se as bases para a construção das principais categorias do conhecimento que possibilitam ao ser humano organizar a sua experiência na construção do mundo: objeto, espaço, causalidade e tempo. Subestádio I: O Exercício dos Reflexos (até 1 mês) Os primeiros esquemas do recém-nascido são esquemas reflexos: ações espontâneas que surgem automaticamente em presença de certos estímulos. Nas primeiras vezes que se manifestam os esquemas reflexos apresentam uma organização quase idêntica. A estimulação de qualquer ponto de zona bucal do bebé, por exemplo, desencadeia imediatamente o esquema reflexo de sucção; uma estimulação da palma da mão provoca, automaticamente, a reação reflexa de preensão. Os esquemas reflexos caracterizam a atividade cognitiva da criança no seu primeiro mês de vida. Subestádio II: As Primeiras Adaptações Adquiridas e a Reação Circular Primária (1 mês a 4 meses e meio) No transcorrer dos intercâmbios da criança com o meio ambiente logo os esquemas reflexos vão mostrar certos desajustes, exigindo transformações. O que provoca tais desajustes são as resistências encontradas na assimilação dos objetos ao conjunto de ações. Estes desajustes vão ser compensados por uma acomodação do esquema. Correspondem a uma perda momentânea de equilíbrio dos esquemas-reflexos. Os reajustes que possibilitam o êxito consistem na obtenção momentânea de um novo equilíbrio. É através desse jogo de assimilação e acomodação, de desequilíbrios e reequilíbrios, que os esquemas reflexos passam por um processo de diferenciação possibilitando a construção de novos esquemas adaptados a novas classes de situações e objetos que vão caracterizar o início do segundo subestádio. Estes novos esquemas já não são apenas esquemas reflexos, uma vez que resultam de uma construção. São os esquemas de ação: novas organizações de ações que se conservam através das situações e objetos aos quais se aplicam. Simultaneamente a esse processo de diferenciação dos 8 8 8 esquemas reflexos iniciais há, também, um processo de coordenação dos esquemas disponíveis que dá origem, igual mente, a novos esquemas. A coordenação entre os esquemas de olhar e pegar é um exemplo de um novo esquema desse tipo que será seguido por muitos outros de complexidade crescente nas etapas seguintes: apanhar o que vê e levar à boca, apanhar o que vê para esfregar na grade do berço e explorar o ruído que isso provoca etc. No decurso do segundo mês surgem duas novas condutas típicas do início desse período: aprotusão da língua e a sucção do polegar, que caracterizam a reação circular primária na qual o resultado interessante descoberto por acaso é conservado por repetição. A reação circular primária refere-se a procedimentos aplicados ao próprio corpo da criança. Esta é a fase em que as ações ou operações de desloca mento da criança são realizadas mediante ―grupos práticos‖, através da coordenação motora, sem dar origem ainda à representação mental. A ação é que cria o espaço, a criança não tem consciência dele. Os espaços criados pela ação — oral, visual, tátil, postural, auditivo etc. — ainda não são coordenados entre si, portanto, são heterogéneos. A criança parece considerar o mundo como um conjunto de quadros que aparecem e desaparecem. O tempo é simples duração sentida no decorrer da ação própria. Neste subestádio das primeiras adaptações adquiridas as condutas observadas ainda não são inteligentes no seu ver dadeiro sentido. Elas fazem a transição entre o orgânico e o intelectual, preparando a inteligência. Subestádio III: As Adaptações Sensório-Motoras Intencionais e as Reações Circulares Secundárias (4 meses e meio a 8-9 meses) A terceira etapa desse período caracteriza-se pelo surgi mento das reações circulares secundárias voltadas para os objetos. Pode-se definilas como movimentos centralizados sobre um resultado produzido no ambiente exterior, com o único propósito de manter esse resultado. Após ter aplicado as reações circulares sobre o corpo próprio, a criança vai, pouco a pouco, 9 9 9 utilizando esse procedimento sobre os objetos exteriores. Vai, então, elaborando o que Piaget chama de reações circulares secundárias, que marcam a passagem entre a atividade reflexa e a atividade propriamente inteligente. Pela primeira vez aparece um elementode previsão de acontecimentos. A reação circular só começa quando um efeito casual, provocado pela ação da criança, é percebido como resultado desta ação. Por isso, se até então tudo era para ser visto, escutado, tateado, agora tudo é para ser sacudido, balançado, esfregado etc., conforme as diversas diferenciações dos esquemas manuais e visuais. Os esquemas secundários são o primeiro esboço do que serão as classes ou os conceitos da inteligência refletida do jovem adulto. Apreender um objeto como sendo para sacudir, esfregar etc., é o equivalente funcional da operação de classificação do pensamento conceptual. Paralelamente a esta construção, constitui-se a conservação do objeto permanente. Nesse período as crianças têm as primeiras antecipações de movimentos relacionados à trajetória de um objeto e já conseguem distingui-lo quando semioculto. Mas o objeto existe apenas em ligação com a ação própria. O mundo é, portanto, um mundo de quadros cuja permanência é mais longa, mundo que a criança procura fazer durar mais longa mente, mas que se desvanece como antes. No terreno espacial a criança mostra-se capaz de perceber, de modo prático, um conjunto de relações centralizadas em si própria (grupos subjetivos). A visão e a preensão já estão coordenadas. Começa a formar-se a noção de sucessão e há o início de consciência de ―antes‖ e o ―depois‖ embora, para a criança dessa fase, o tempo das coisas seja apenas a aplicação a estas do tempo próprio: o ―antes‖ e o ―depois‖ são relativos à sua própria ação. Há, também, alguma apreciação da causalidade, em ligação com as ações imediatas da criança, na procura das causas de acontecimentos e percepções inesperados. A causalidade é experimentada como resultado da própria ação. Subestádio IV: A Coordenação dos Esquemas Secundários e sua Aplicação Às Situações Novas (8-9 Meses A 11-12 Meses) 10 1 0 10 A principal novidade do quarto subestádio é a busca, pela criança, de um fim não imediatamente atingível através da coordenação de esquemas secundários. A coordenação de esquemas observa-se no fato da criança se propor a atingir um objetivo não diretamente acessível pondo em ação, nessa intenção, esquemas até então relativos a outras situações. Há uma dissociação entre os meios e os fins e uma coordenação intencional dos esquemas. Já é possível, também, a imitação de respostas que a criança não vê em si mesma. A subordinação dos meios aos fins já é observada na atividade lúdica da criança. Quanto à construção do objeto, há a busca de objetos ocultos atrás de anteparos, apesar da procura sempre recair sobre o primeiro anteparo usado para esconder o objeto. A criança é capaz, por exemplo, de esconder um objeto sob um anteparo e depois retirá-lo novamente; mas, se o objeto escondido for deslocado para outra posição, ela ainda o procurará na primeira posição. Há, portanto, a busca do objeto desaparecido, porém, sem considerar a sucessão dos deslocamentos visíveis. A permanência do objeto ainda é subjetiva, isto é, ligada à própria ação da criança. Ao lidar com as relações espaciais a criança se encontra numa situação intermediária aos grupos subjetivos e objetivos examinando a constância dos objetos. O mesmo ocorre em relação à causalidade: a criança aplica os meios conhecidos às situações novas e começa a atribuir aos objetos e às pessoas uma atividade própria, o que indica a transição entre a causalidade mágicofenomenista (que caracteriza o subperíodo anterior) e a causalidade objetiva. Ela deixa de considerar suas ações como única fonte de causalidade e considera o corpo de outra pessoa como um centro autónomo de atividade causal apreciando o arranjo espacial necessário para a ação bem-sucedida. O tempo também começa a se aplicar aos aconteci mentos independentes do sujeito e a constituir séries objetivas. Este é, portanto, um subestádio de transição, no qual a eficiência da ação da criança ainda está marcada pelas características da ação própria. 11 1 1 11 Subestádio V: A Reação Circular Terciária e a Descoberta dos Meios Novos por Experimentação Ativa (11-12 Meses A 18 Meses) Na quinta etapa a atividade imitativa apresenta a imitação deliberada e a atividade lúdica apresenta a reação circular terciária, na qual a criança explora objetos desconhecidos por todos os meios que conhece: pegar, levantar, soltar, sacudir e repetições destes esquemas. Este é o subestádio da elaboração do objeto e se caracteriza pela experimentação e pela busca da novidade. O efeito novo não é apenas reprodução, mas é modificado a fim de observar a sua natureza: são as chamadas ―experiências para ver‖. A reação circular aparece como um esforço para captar as novidades em si mesmas. A descoberta dos meios novos por experimentação ativa explicita-se em condutas que indicam as formas mais elevadas de atividade intelectual da criança, antes do aparecimento da inteligência sistemática. São exemplos característicos desta atividade: a conduta dos suportes (a criança descobre a possibilidade de atrair para si um objeto afastado puxando a seu encontro o suporte sobre o qual está colocado); a conduta do barbante (a criança puxa para si um barbante ao qual está amarrado um objeto, para atraí-lo em sua direção); e a conduta do bastão (utilização de um bastão como instrumento intermediário para alcançar um objeto distante, fora do campo de preensão da criança). Quanto à construção do objeto, há busca de objetos ocultos atrás de um anteparo, apesar da procura sempre recair no primeiro anteparo usado para esconder o objeto. Mas a criança considera os deslocamentos sucessivos do objeto, passando a buscá-lo na posição resultante do último deslocamento. Há, portanto, a descoberta da atuação sobre os objetos por meio de intermediários e se inicia o reconheci mento de que os objetos podem causar fenômenos independentemente de sua ação, bem como o domínio sobre objetos que foram ocultos sob anteparos. A criança leva em conta relações espaciais, conseguindo fazer grupos espaciais objetivos; ela agora está interessada não mais apenas em sua ação, 12 1 2 12 mas, sobretudo, no objeto. Adquire a noção de deslocamento dos objetos em relação uns aos outros por contato direto. Mas, apesar de perceber as relações espaciais entre as coisas, ainda não consegue representá-las na ausência do contato direto: ela só considera os deslocamentos realizados dentro do seu campo perceptivo. Começa a ter percepção de certa sucessão no tempo e memória mais prolongada de uma sequência de deslocamentos. O tempo agora engloba sujeito e objeto, constituindo-se o elo contínuo e sistemático que une os acontecimentos do mundo exterior uns aos outros. A causalidade é objetiva sobre os objetos e as pessoas e situada no quadro espaço-temporal. Subestádio Vi: A Invenção dos Meios Novos por Combinação Mental e a Representação (1 Ano E Meio A 2 Anos) Neste subestádio ocorre a transição entre a inteligência sensório-motora e a inteligência representativa, que começa em torno dos dois anos, com o aparecimento da função simbólica. A novidade, em relação ao subperíodo anterior é que as invenções já não se efetuam de modo prático, mas passam ao nível mental. A criança começa a ser capaz de representar o mundo exterior mentalmente em imagens, memórias e símbolos, que é capaz de combinar sem o auxílio de outras ações físicas. Na atividade lúdica ela é capaz de ―fingir‖, ―fazer de conta‖, fazer ―como se‖: é o ―símbolo motivado‖. Invenção e representação seguem juntas, anunciando a passagem a um nível superior. A invenção aparece como uma acomodação mental brusca do conjunto de esquemas à situação nova, diferenciando os esquemas de acordo com a situação. O objeto agora já está definitivamente constituído: há a representação dos deslocamentos invisíveis de objetosocultos, que procura a partir da ideia de sua permanência. Igualmente, procura causas que não percebeu: sendo capaz de representar os objetos ausentes, pode reconstituir causas em presença de seus efeitos, sem percepção dessas causas. Assim, ela pode prever os efeitos futuros do objeto percebido, que é capaz de representar. As relações do antes e do depois se constituem a partir da evocação dos objetos ou das situações ausentes: a criança é capaz de situá-las num tempo 13 1 3 13 representativo que engloba a si mesma e ao mundo. A representação mental estende o tempo a acontecimentos lembrados. Em resumo, nestes dois primeiros anos de vida a criança se desenvolve no sentido de uma descentração progressiva. No início está num estado de confusão total, possuindo apenas seus reflexos hereditários. É a partir de sua tomada de contato com o mundo exterior que ela vai desenvolver condutas de adaptação: seus reflexos transformam-se em hábitos, depois, pouco a pouco, os processos de acomodação e assimilação levam-na a estabelecer com o mundo relações de objetividade e, ao mesmo tempo, a construir sua própria subjetividade. Os três primeiros subestádios são de elaboração: a criança assimila o real a si própria. No terceiro já se percebe uma transição, na qual ocorre a dissociação para, no quarto subestádio, vermos a criança oscilar entre a descentralização objetiva que termina com o sexto subestádio, pela representação. No estádio sensório-motor o instrumento principal de apoio e de constituição de si mesma e do mundo é a percepção, pela qual a criança estabelece relações diretamente com o mundo exterior. A partir deste estádio essas relações com o mundo serão mediadas pela função simbólica, no plano das representações. Até o final do segundo ano de vida, uma observação cuidadosa do comportamento da criança revela a existência de um grande número de esquemas de ação diferenciados. Esses esquemas vão se combinando entre si e se coordenando, traduzindo o aparecimento das primeiras estruturas intelectuais equilibradas, que permitem à criança a estruturação espaço- temporal e causal da ação prática. A criança construiu um universo estável onde os movimentos do próprio corpo e dos objetos exteriores estão organizados em um todo presidido por leis (leis dos ―grupos de deslocamento‖). O aparecimento da função simbólica, por volta do final do segundo ano tem, entre outras consequências, a de possibilitar que os esquemas de ação, característicos da inteligência sensório-motora, possam transformar-se em esquemas representativos, ou seja, esquemas de ação interiorizados. Esses esquemas interiorizados desempenham a mesma função que os esquemas de ação do período sensório-motor: atribuir significação à realidade. 14 1 4 14 O Estádio Pré-Operatório ou Simbólico (2 a 6-7 anos) O período pré-operatório realiza a transição entre a inteligência propriamente sensório-motora e a inteligência representativa. Essa passagem não ocorre através de mutação brusca, mas de transformações lentas e sucessivas. Ao atingir o pensamento representativo a criança precisa reconstruir o objeto, o tempo, o espaço, as categorias lógicas de classes e relações nesse novo plano da representação. Tal reconstrução estende-se dos dois aos doze anos, abrangendo os estádios pré-operatório e operatório concreto. A primeira etapa dessa reconstrução, que Piaget denomina período pré- operatório, é dominada pela representação simbólica. A criança não pensa, no sentido estrito desse termo, mas ela vê mentalmente o que evoca. O mundo para ela não se organiza em categorias lógicas gerais, mas distribui-se em elementos particulares, individuais, em relação com sua experiência pessoal. O egocentrismo intelectual é a principal forma assumida pelo pensamento da criança neste estádio. Seu raciocínio procede por analogias, por transdução, uma vez que lhe falta a generalidade de um verdadeiro raciocínio lógico. O advento da capacidade de representação vai possibilitar o desenvolvimento da função simbólica, principal aquisição deste período, que assume as suas diferentes formas — a linguagem, a imitação diferida, a imagem mental, o desenho, o jogo simbólico — compreendidas como diferentes meios de expressão daquela função. Para Piaget a passagem da inteligência sensório-motora para a inteligência representativa se realiza pela imitação. Imitar, no sentido estrito, significa reproduzir um modelo. Já presente no estádio sensório-motor, a imitação só vai se interiorizar no sexto subestádio, quando a criança pode praticar o ―faz-de-conta‖, agir ―como se‖, por imitação deferida ou imitação interiorizada. Interiorizando-se a imitação, as imagens elaboram-se e tornam-se substitutos dos objetos dados à percepção. O significante é, então, dissociado do significado, tornando possível a elaboração do pensamento representativo. 15 1 5 15 A inteligência tem acesso, então, ao nível da representação, pela interiorização da imitação (que, por sua vez, é favorecida pela instalação da função simbólica). A criança tem acesso, dessa forma, à linguagem e ao pensamento. Ela pode elaborar, igualmente, imagens que lhe permitem, de certa forma, transportar o mundo para a sua cabeça. Entre 2 e 5 anos, aproximadamente, a criança adquire a linguagem e forma, de alguma maneira, um sistema de imagens. Entretanto, a palavra não tem ainda, para ela, o valor de um conceito; ela evoca uma realidade particular ou seu correspondente imagístico. Tendo que reconstruir o mundo no plano representativo, ela o reconstrói a partir de si mesma. O egocentrismo intelectual está no auge no decurso dessa etapa. A dominação do pensamento por imagens encerra a criança em si mesma. O pensamento imagístico egocêntrico, característico desta fase, pode ser observado no jogo simbólico, no qual a criança transforma o real ao sabor das necessidades e dos desejos do momento. O real é transformado pelo pensamento simbólico, na medida em que o jogo se desenvolve, ao sabor das exigências do desejo expresso no e pelo jogo. É por isso que Piaget considera o jogo simbólico como o egocentrismo no estado puro. Um pensamento assim dominado pelo simbolismo essencialmente particular, pessoal e, por isso, incomunicável, não é um pensamento socializado. Ele não repousa em conceitos, mas no que Piaget chama pré- conceitos, que são particulares, no sentido em que evocam realidades particulares, tendo seu correlato imagístico ou simbólico próprio à experiência, de cada criança. Entre os 5 e 7 anos, período geralmente chamado de ―intuitivo‖, ocorre uma evolução que leva a criança, pouco a pouco, à maior generalidade. Seu pensamento agora repousa sobre configurações representativas de conjunto mais amplas, mas ainda está dominado por elas. A intuição é uma espécie de ação realizada em pensamento e vista mental mente: transvasar, encaixar, seriar, deslocar etc. ainda são esquemas de ação aos quais a representação assimila o real., mas a, intuição é, também, por outro lado, um pensamento 16 1 6 16 imagístico, versando sobre configurações de conjunto e não mais sobre simples coleções sincréticas, como no período anterior. O pensamento da criança entre dois e sete anos é dominado pela representação imagística de caráter simbólico. A criança trata as imagens como verdadeiros substitutos do objeto e pensa efetuando relações entre imagens. A criança é capaz de, em vez de agir em atos sobre os objetos, agir mentalmente sobre seu substituto ou imagem, que ela no meia. Proveniente da interiorização da imitação, a representação simbólica possui o caráter estático da imitação, motivo pelo qual versa, essencialmente, sobre as configurações, por oposição às transformações. Com a instalação das estruturas operatórias do períodoseguinte, a imagem vai ser subordinada às operações. Na passagem da ação sensório-motora para a representação, pela imitação, é possível apreender melhor as ligações entre as operações e a ação, tornando mais compreensível a origem de certos distúrbios dos processos figurativos: espaço, tempo, esquema corporal etc. O Estádio Operatório Concreto (7 a 11-12 anos) Por volta dos sete anos a atividade cognitiva da criança torna-se operatória, com a aquisição da reversibilidade lógica. A reversibilidade aparece como uma propriedade das ações da criança, suscetíveis de se exercerem em pensa mento ou interiormente. O domínio da reversibilidade no plano da representação — a capacidade de se representar uma ação e a ação inversa ou recíproca que a anula — ajuda na construção de novos invariantes cognitivos, desta vez de natureza representativa: conservação de comprimento, de distâncias, de quantidades discretas e contínuas, de quantidades físicas (peso, substância, volume etc.). O equilíbrio das trocas cognitivas entre a criança e a realidade, característico das estruturas operatórias, é muito mais rico e variado, mais estável, mais sólido e mais aberto quanto ao seu alcance do que o equilíbrio próprio às estruturas da inteligência sensório-motora. O Estádio das Operações Formais (11 a 15-16 anos) Tanto as operações como as estruturas que se constroem até aproximadamente os onze anos, são de natureza concreta; permanecem 17 1 7 17 ligadas indissoluvelmente à ação da criança sobre os objetos. Entre os 11 e os 15-16 anos, aproximada mente, as operações se desligam progressivamente do plano da manipulação concreta. Como resultado da experiência lógico- matemática, o adolescente consegue agrupar representações de representações em estruturas equilibradas (ocorrendo, portanto, uma nova mudança na natureza dos esquemas) e tem acesso a um raciocínio hipotético- dedutivo. Agora, poderá chegar a conclusões a partir de hipóteses, sem ter necessidade de observação e manipulação reais. Esta possibilidade de operar com operações caracteriza o período das operações formais, com o aparecimento de novas estruturas intelectuais e, consequentemente, de novos invariantes cognitivos. A mudança de estrutura, a possibilidade de encontrar formas novas e originais de organizar os esquemas não termina nesse período, mas continua se processando em nível superior. As estruturas operatórias for mais são o ponto de partida das estruturas lógico-matemáticas da lógica e da matemática, que prolongam, em nível superior, a lógica natural do lógico e do matemático. Os Fatores do Desenvolvimento e O Processo de Equilibração Para compreender melhor a resposta de Piaget ao problema do desenvolvimento do pensamento racional é preciso explicitar os fatores considerados por ele como responsáveis por tal desenvolvimento. Podem-se identificar quatro fatores gerais do desenvolvimento das funções cognitivas, cuja responsabilidade nesse processo é, entretanto, variável. O primeiro fator a considerar é a maturação nervosa. A maturação abre possibilidades, aparecendo como condição necessária para o desenvolvimento de certas condutas. Entretanto, não é sua condição suficiente. Não se sabe, sequer, das condições específicas de maturação que tornam possível a constituição das estruturas operatórias da inteligência. Além disso, se é certo que o cérebro contém conexões hereditárias, ele contém sempre um número crescente de conexões, a maioria das quais adquirida pelo exercício e reforça da pelo funcionamento. Portanto, a maturação é um fator necessário na 18 1 8 18 génese, mas não se sabe exatamente qual o seu papel além da abertura de possibilidades. Um segundo fator é o do exercício e da experiência adquirida na ação sobre os objetos e acontecimentos. A experiência comporta dois polos diferentes: a experiência física (que consiste em agir sobre os objetos para abstrair suas propriedades) e a experiência lógico-matemática (agir sobre os objetos para conhecer o resultado da coordenação das ações). O exercício implica a presença de objetos sobre os quais a ação é exercida, mas não implica necessariamente que todo conhecimento seja extraído destes objetos. O exercício tem um efeito positivo na consolidação, quer dos reflexos quer das operações intelectuais, que podem ser aplica das a objetos; ele relaciona-se mais com as estruturas de pendentes da atividade do sujeito do que com um aumento do conhecimento do ambiente externo. Quanto à experiência propriamente dita, no sentido de aquisição de conhecimento novo através da manipulação dos objetos, é preciso considerar os dois aspectos indicados desta experiência — a experiência física e a experiência lógico--matemática — que expressam a complexidade desse fator. Ela envolve, pois, sempre dois polos: aquisições derivadas dos objetos e atividades construtivas do sujeito. Mesmo a experiência física nunca é pura; ela implica sempre um quadro lógico-matemático que a organiza. A experiência física é uma estruturação ativa e assimiladora a quadros lógico-matemáticos. Portanto, nesse sentido, a elaboração das estruturas lógico-matemáticas precede o conhecimento físico. O terceiro fator é o das interações e das transmissões sociais. A linguagem é, inegavelmente, um fator de desenvolvimento, embora não seja sua fonte. Para poder assimilar a linguagem e, especificamente, as estruturas lógicas que ela veicula, são necessários instrumentos de assimilação adequados, que lhe são anteriores na génese. A socialização começa pelas condutas, mas a socialização do pensamento só se torna possível quando as estruturas de reversibilidade estão adquiridas. Assim, a reciprocidade nas trocas só aparece em torno dos oito anos. Um terceiro aspecto das interações 19 1 9 19 e transmissões sociais é constituído pela educação, cuja ação versa sobre inúmeros fatores e assume varia das formas. No que se refere às transmissões escolares (aprendizagem), elas só são possíveis e eficazes se se apoiarem sobre estruturas já presentes e se contribuírem, tanto para reforçá-las pelo exercício, quanto para favorecer o seu desenvolvimento. De todo modo, para assimilar é preciso ter desenvolvido estruturas de assimilação. Aos três fatores indicados, que explicitam três condições do desenvolvimento representados pela herança, o meio e o funcionamento, é preciso, entretanto, acrescentar uma terceira característica essencial dos sistemas vivos, que é a autorregularão, chamada por Piaget de fator de equilibração. É a autorregularão que explica a evolução e define o estado mesmo do vital. Embora não se possam identificar os órgãos mentais com os órgãos físicos, é possível estabelecer uma correspondência entre os fatores responsáveis pelo desenvolvimento morfogenético e aqueles que entram no desenvolvimento psicológico. Assim, à noção de herança ou estrutura préconstruída corresponde a de maturação orgânica que em bora não dependa apenas de programação hereditária desempenha, em relação ao comportamento, o mesmo papel de fator preliminar que os gens em relação à epigênese. Ao fator funcionamento corresponde o de atividade e ao meio físico se acrescentam as transmissões sociais e culturais. Estes três fatores, entretanto, só podem operar de forma coordenada, e é essa a função do quarto fator — a auto regulação ou equilibração —que também é fundamental no caso do desenvolvimento psicológico. A equilibração é, pois, o processo pelo qual se formam as estruturas cognitivas e constitui, em última análise, a expressão da lei funcional que afirma a atuação das estruturas. É esse fator interno do desenvolvimento, espécie de dinâmica, de processo que conduz, por desequilíbrios e reconstruções, a estados de estruturações superiores o fator determinante doprogresso no desenvolvimento cognitivo. 20 2 0 20 Se a perspectiva de Piaget sobre o desenvolvimento mental é a do conhecimento, e como só pode haver conhecimento por parte do indivíduo que conhece, é preciso partir da perspectiva do sujeito e tentar identificar que estruturas ele põe em ação para constituir o saber. Inicialmente vemos um ser estruturado por seus componentes hereditários, que se adapta assimilando-se e acomodando-se e, fazendo isso, vai modificando suas estruturas de assimilação para melhor assimilar, num círculo sem-fim, cujo movimento vai alargando o processo numa espécie de espiral. Este processo ex pressa o que Piaget indicou, ao afirmar que não há génese sem estrutura nem estrutura sem génese. Se a inteligência, como instrumento de adaptação, é pensada em termos de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, resultado disso é o conhecimento, meio que possui a mente humana para se adaptar. Assim, se o sujeito constitui o objeto, ele se constitui ao se reconstituir de volta. O Papel da Interação no Desenvolvimento da Criança e na Construção do Conhecimento Para Piaget, a interação apresenta-se como o principal elemento estimulador do desenvolvimento intelectual. A concepção construtivista do conhecimento, postulada por Piaget, tem como ponto central o fato de que o ato de conhecimento consiste em apropriação progressiva do objeto pelo sujeito; de tal maneira que a assimilação do objeto às estruturas do sujeito é indissociável da acomodação destas últimas às características próprias do objeto. O caráter construtivo do conhecimento se refere tanto ao sujeito que conhece quanto ao objeto conhecido; ambos aparecem como resulta do de um processo permanente de construção. O construtivismo subjacente à teoria piagetiana supõe a adoção de uma perspectiva ao mesmo tempo relativista — o conheci mento é sempre relativo a um momento determinado do processo de construção — e interacionista — o conhecimento surge da interação contínua entre sujeito e o objeto ou, mais precisamente, da interação entre os esquemas de assimilação do sujeito e as propriedades do objeto. 21 2 1 21 Essa concepção tem como principal consequência a afirmação de que o ser humano — criança, adulto ou adolescente — constrói seu próprio conhecimento através da ação. A natureza da atividade necessária a essa construção vai de pender, evidentemente, da natureza do conhecimento que se pretende seja construído. A interação com objetos vai facilitar o desenvolvimento do conhecimento — tanto físico como lógico-matemático — que diz respeito aos objetos, suas propriedades e as relações que se estabelecem entre eles. Entretanto, conhecimento de natureza social e afetiva só pode se desenvolver a partir da interação com pessoas. Este aspecto do desenvolvimento da criança é tratado por Piaget especialmente num texto de 1932, O Julgamento Moral na Criança, que serviu de ponto de partida para muitas pesquisas e trabalhos teóricos sobre o assunto. Nesse texto, Piaget mostra como a interação que se estabelece entre as crianças vai tornar possível o desenvolvimento de relações cooperativas no plano social, correspondendo às relações de coordenação de perspectivas do pensamento operatório no plano do desenvolvimento intelectual. Isso significa que, além de possibilitar o desenvolvimento afetivo e social, as interações entre as crianças constituem um fator fundamental para o seu desenvolvimento cognitivo. O CONCEITO DE CONSTRUTIVISMO EM JEAN PIAGET EPISTEMOLOGIA GENÉTICA A EPISTEMOLOGIA DA PALAVRA CONHECIMENTO DEFINE QUE O MESMO É FRUTO DA relação do homem com os objetos do meio, não estando PREVIAMENTE DEFINIDO, ASSIM COMO NÃO ESTÁ O SUJEITO QUE O CONSTRÓI. De acordo com Rodrigues et. al. (2005, p. 121), apesar da experiência ser externa ela está inter-relacionada com a base cognitiva interna da estrutura biológica do homem, de tal forma que a experiência sensível não pode ser tomada como único mecanismo que viabiliza o processo de construção do saber, porém não se confirma a existência de uma composição cognitiva totalmente formada ao nascimento, pois grande parte dessa estrutura é construída e melhorada a partir da experiência com objetos. Mesmo que 22 2 2 22 alguns aspectos primários da cognição estejam presentes no neonato, somente se desenvolverão no contato com o mundo. Piaget na condição de epistemologia, buscava compreender o ―sujeito epistêmico‖, tendo fundamentado os seus estudos sobre o desenvolvimento na ideia do indivíduo em processo de construção do conhecimento (BALESTRA, 2007, p. 145). A ―epistemologia genética‖ emergiu a partir das frequentes afirmações de Piaget (1971) no fato em que ―não há gênese sem estrutura, nem estrutura sem gênese‖. Exposto isso, é preciso compreender, de acordo com o mesmo autor, que conhecimento é resultado de uma construção simultânea, tendo relação entre desenvolvimento e aprendizagem e que para ser estudada de forma abrangente necessita da contribuição teórica e o intenso intercâmbio das disciplinas de biologia e psicologia, haja visto que são as áreas onde o autor dedicou seus estudos. Segundo Terra (2011), a epistemologia genética destaca-se por superar as posições dicotômicas entre o materialismo mecanicista e o idealismo, o objetivismo e subjetivismo, ou seja, por sobrepujar a dualidade corpo versus mente. Nesse contexto ela vem para contrastar tais correntes e gerar a partir delas uma base teoria de apoio a epistemologia genética. Nesse contexto a epistemologia genética: tem como objetivo estudar a gênese das estruturas cognitivas, explicando-a pela construção, surgindo assim o conceito de construtivismo. Tal estudo é mediante a interação radical entre sujeito e objeto. Para a perspectiva interacionista, o conhecimento deve ser considerado como uma relação de interdependência entre o sujeito conhecedor e o objeto a ser conhecido, e não como a justaposição de duas entidades dissociáveis (INHELDER, BOVET e SINCLAIR, 1977, p. 17). Nesse sentido, Piaget (1971) busca ultrapassar tanto a ideia de que todo o conhecimento provém unicamente da experiência, e o argumento de que todo conhecimento é anterior à experiência, tendo o indivíduo assim a primazia sobre o objeto, considerando insuficientes essas duas posições, e propondo, originalmente, suas teorias de que ocorrem construções sucessivas a partir de 23 2 3 23 uma origem biológica ativada pela interação com o meio, resultando na construção de um novo conhecimento. Compreende-se, então, que as formas biológicas e primitivas da mente, estão reorganizadas pela psique em socialização, sendo o indivíduo o conhecedor e o objeto a ser conhecido aspectos interdependentes. Rodrigues (2005), explique que a criança desenvolve seus equipamentos neurológicos herdados geneticamente, sendo que desde tenra idade, os indivíduos exercem o controle sobre a aquisição e a organização de sua experiência com o mundo externo. Tal ação realiza a adaptação dos conhecimentos na estrutura cognitiva já pré-definida. Ainda segundo mesmo autor, as definições e conceitos de Piaget dão primazia a condição ativa do homem no processo de produção do próprio conhecimento. Nesse contexto, a inteligência não é herdada, e sim construída no processo interativo entre o indivíduo e o meio ambiente em que este está incluído. O desenvolvimento humano se estabelece, a partir de uma conjuntura de relações interdependentes entre o indivíduo conhecedor e o objeto a ser conhecido, que envolve mecanismos extremamente complexos de entrelaçamento entre os fatores como a maturação do organismo, a experiência vivida com objetos, o contexto social e principalmente a adaptação e a equilibração do organismo ao meio. A ADAPTAÇÃOE A EQUILIBRAÇÃO EM PIAGET De acordo com os conceitos de Balestra (2007), a formação teórica em Biologia de Piaget o influenciou na elaboração do conceito de adaptação que se desdobra no entendimento de que a inteligência é uma adaptação que possui a função de estruturar a organização do universo, visando a sobrevivência. Na formação de Piaget nota-se a presença de elementos teóricos e práticos, devido ao fato de ter utilizado seus filhos como método de observação participativa. Suas observações chegaram à conclusão de que a inteligência é a resolução de um novo problema, sendo um instrumento de coordenação dos meios para que se atinja determinado objetivo. 24 2 4 24 Ainda de acordo com Balestra (2007), a equilibração é resultado da reestruturação do conhecimento após a resolução de um problema prático e da realização de uma nova experiência. O Construtivismo tem a equilibração como um conceito de importância central, pois de acordo com Rodrigues (2005) ele é o fundamento que explica todo o processo de desenvolvimento humano, sendo a equilibração o direcionamento do organismo em busca do pensamento lógico, caracterizando- se como universal para todos os indivíduos. Porém é importante ressaltar que o termo sofre variações em função de conteúdos culturais do meio em que se está inserido. Piaget ainda observa que o Construtivismo diferencia fatores invariantes de variantes no desenvolvimento cognitivo humano. Para Piaget (1971) os fatores invariantes são aqueles que ao nascer, o indivíduo recebe como herança uma série de estruturas biológicas pré- determinadas – sensoriais e neurológicas –, que irão permanecer constantes ao longo de sua vida. Tais estruturas biológicas vão predispor o surgimento das estruturas mentais. Partindo desse pressuposto, na corrente piagetiana, considera-se que o indivíduo carrega consigo duas marcas inatas que são a tendência natural à organização e à adaptação, onde, portanto, que, em última instância, o motor do comportamento básico do sujeito é inerente ao ser. Já os fatores variantes, podem ser representados pelo conceito de esquema, que conota a unidade básica de pensamento e ação estrutural do modelo piagetiano, caracterizando-se como um elemento que se transforma no processo de interação com o meio, buscando a adaptação do indivíduo ao que está em sua volta – real -, onde a busca do equilíbrio que paradoxalmente, segundo Terra (2011), nunca alcança, devido ao fato de que nesse processo de interação sempre ocorrem desajustes que rompem o equilíbrio do organismo, delegando esforços para que a adaptação seja reestabelecida. Tal busca do organismo por novas formas de adaptação é constante e envolve dois mecanismos indissociáveis e complementares: a assimilação e a acomodação, também conceitos centrais do pensamento piagetiano. 25 2 5 25 A assimilação é a tentativa de o indivíduo em solucionar uma determinada situação a partir da estrutura cognitiva que este possui naquele dado momento de sua vida. Tal conceito representa um processo contínuo, onde na medida em que se está em constante atividade de interpretação da realidade e consequentemente, busca-se se adaptar a ela. Nesse contexto, isso é uma tentativa de integração de aspectos experienciais aos esquemas previamente estruturados. Conforme Balestra (2007) a assimilação é à entrada de novos elementos ao contexto e a estrutura mental já existente, onde assimilar significa apreender novas experiências. Na tentativa de manter sempre o equilíbrio do organismo, a acomodação é responsável por modificar a estrutura mental antiga para acomodar um novo objeto de conhecimento. Isso mostra que esta é intimamente relacionada com a ação do objeto sobre o indivíduo, eclodindo como elemento complementar da interação entre homem e o mundo. Para Rodrigues et al (2005), a acomodação é a alteração da estrutura, ou seja, o ajuste que é feito pela cognição para receber novas informações no subconsciente do indivíduo. Ao analisarmos ambos os conceitos se concluem que toda experiência nova é interligada a uma estrutura de ideias preexistentes, os denominados esquemas, podendo realizar uma transformação nesses esquemas, causando, assim, a acomodação. Por esses fatores, pode-se dizer que a assimilação e a acomodação são interdependentes e complementares, pois perante a uma situação nova e desafiadora, o indivíduo depara-se com um problema novo e esse contexto exerce certa desorganização em sua mente (desequilibração), sendo que um novo equilíbrio nas estruturas mentais somente irá ocorrer quando estiver concretizada a reestruturação do pensamento por meio dos processos de assimilação e acomodação. De acordo com Balestra (2007), a busca pela equilibração desenvolve as ações nos sujeitos, estimulando o desenvolvimento das estruturas mentais, psíquicas e intelectuais, de modo que quanto mais desafios são propostos, maior é a ampliação do conhecimento do indivíduo. 26 2 6 26 Como resultado da adaptação e por meio da assimilação e da acomodação indivíduo ajusta-se ao ambiente, estabelecendo e equilibrando uma descoberta com outras, possibilitando a reversão do pensamento. Ainda na teoria piagetiana, de acordo com Basso (2011), o desenvolvimento ocorre espontaneamente a partir de suas potencialidades neuronais e a interação com o meio, sendo o processo lento, ocorrendo por meio de graduações sucessivas através de estágios. ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO EM PIAGET Piaget, ao propor que o desenvolvimento precede a aprendizagem, considerou o desenvolvimento relativamente previsível e linear, visto que determinados conhecimentos só são adquiridos após a maturação das estruturas biológicas, sendo essas lineares e previsíveis; sequentemente a esse conceito Piaget (1971) elaborou os estágios do desenvolvimento cognitivo, sendo um dos principais pontos de suas teorias. Ao conceituar como se estabelece o desenvolvimento mental, Piaget (1971) considerou quatro períodos no processo evolutivo do desenvolvimento do homem, que se desmembram no decorrer das faixas etárias: estágio da inteligência Sensório-motora (0 – 2 anos), estágio Pré-operatório (2 – 6 anos), estágio operatório concreto (6 – 12 anos) e estágio operatório formal (12 anos em diante). Mas vale ressaltar que os valores cronológicos são estreitados e podem variar individualmente, mas a sequência em que ocorrem é invariável. Antes de detalhar as características e o funcionamento de cada fase é importante ressaltar alguns critérios utilizados na descrição e classificação de tais estágios. Os critérios pontuados por Balestra (2007, p. 185) são: A ordem em que as estruturas mentais se sucedem e evoluem é sempre constante, mesmo que cronologicamente não seja exata podendo a idade variar, mas não a ordem de sucessão das aquisições. A cada nova fase os novos conhecimentos se integram ao saber pré- existente, ou seja, há um caráter integrativo em cada estágio. Cada estágio apresenta-se como uma estrutura de conjunto, pois as aquisições se integram e passam a formar um todo. Os estágios estão interligados no sentido de que cada estágio compreende um nível de preparação de uma nova etapa e de acabamento de outra. 27 2 7 27 Estágio de Desenvolvimento Cognitivo Sensório-motor O estágio inicial do desenvolvimento é o sensório-motor onde, como o próprio nome prevê, a inteligência da criança é essencialmente constituída, conforme descreve Rodrigues et al (2005), por uma sequência de práticas e as ações reflexivas. Nesse momento as funções mentais limitam-se ao exercício dos aparelhos reflexos inatos, onde o universo é tido como a percepção de movimentos que vão se aperfeiçoando e adquirindo novas habilidades. As realizações do bebê consistem em grande parte na coordenaçãode suas percepções sensoriais e em comportamentos motores simples. Neste período, conforme Balestra (2007), o bebê não demonstra possuir consciência da fronteira entre seu mundo interno e o mundo externo, onde psicologicamente não se distingue do mundo, e a toda referência que tem do mundo externo é o seu próprio corpo, devido à ausência de experiências, como se ele fosse centro do universo, acarretando em uma indiferenciação completa entre os aspectos subjetivos e objetivos (egocentrismo) sendo que esse se prolonga até o início das operações concretas do sujeito. Nesse contexto, o egocentrismo se define essencialmente pelo artificialismo, onde a criança acredita que tudo que ocorre ao seu redor é provocado intencionalmente por alguém e destinado a ela; pelo finalismo, onde tudo tem uma finalidade estabelecida; pelo animismo em que a compreensão de que tudo ao redor tem vida própria, tal como ela tem e o realismo infantil, que se define em uma concepção particular e subjetiva do meio onde está inserida. Nesse estágio as atividades são de natureza prática, e ocorrem manifestações bem específicas dessa fase do desenvolvimento divididas em reações circulares, sendo primárias, secundárias e terciárias. Reações circulares primárias são os reflexos e hábitos que marcam os primeiros dias de vida do bebê, que com o tempo (3 a 6 meses) vão se transformando em ações inteligentes e práticas. 28 2 8 28 Na próxima fase ocorrem as reações circulares secundárias, onde as ações do bebê ainda estão marcadas por hábitos básicos, mas já é perceptível o surgimento da intencionalidade em torno de um objetivo, com a intenção de mantê-lo, visto que já ocorre a assimilação dos objetos e consequentemente a construção de esquemas de ação por parte do bebê. Dos 10 aos 24 meses de vida é observada a presença das reações circulares terciárias, onde as ações que a criança reproduz, intencionalmente, é observado um dado movimento e repete esse comportamento de forma variada sempre que desejar novo objetivo, demonstrando que a criança já utiliza esquemas conhecidos e mais complexos frente as novas situações, com intencionalidade para a obtenção de um novo resultado, sendo o ponto-de- partida para o alicerçamento de novas estruturas que marcam o juízo experimental. No estágio de desenvolvimento sensório-motor existem subestágios que são importantes para compreender como o bebê se adapta ao mundo e nele se desenvolve. Conforme Piaget (1971) são os seguintes subestágios: Subestágio 1 (0 a 1 1½ mês): o recém-nascido possui esquemas de reflexos como giro involuntário da cabeça, sucção, movimentos de agarrar e olhar. Subestágio 2 (1½ a 4 meses): surgem as reações circulares primárias e há a repetição de reações agradáveis. Subestágio 3 (4 a 8 meses): já se inscrevem as reações circulares secundária, e começa a existir uma consciência ampliada dos efeitos das próprias ações sobre o ambiente. Subestágio 4 (8 a 12 meses): ocorre a coordenação das reações circulares secundárias e o bebê realiza combinação de esquemas para atingir um efeito desejado. Subestágio 5 (12 a 18 meses): é o início das reações circulares terciárias em que é possível à criança variar deliberadamente os meios de resolução de problemas e também experimentar consequências. Subestágio 6 (18 a 24 meses): surge a representação simbólica e as imagens e palavras passam a representar objetos familiares e a possibilidade de invenção de novos meios de resolução de problemas através de combinações simbólicas. Assim, como explica Balestra (2007), a criança vai se diferenciando do mundo e tornando possível a permanência do objeto, onde ele permanece existindo mesmo quando desaparece de seu campo visual, ganhando assim a noção de que o mundo não está mais concentrado em seu ser. É o processo 29 2 9 29 de descentralização, um domínio que proporciona para a criança a condição de deslocar seu pensamento livremente entre passado, presente e futuro. No estágio sensório motor, segundo a mesma autora é alcançado o equilíbrio quando a criança consegue atingir objetos afastados ou escondidos pelas pessoas que a rodeiam, pois ao conquistar isso o bebê demonstra que sua ação se apresenta estruturada quanto aos aspectos espaço-tempo-causa, ressaltando também a capacidade de permanência do ser e a superação do egocentrismo, e consequentemente o aparecimento da função simbólica. Estágio Cognitivo Pré-operatório Com o aparecimento da capacidade simbólica por volta dos dois anos ocorre, como ressalta Terra (2011), o surgimento da linguagem, que traz modificações importantes nos aspectos cognitivos, afetivos e sociais da criança, visto que há a possibilidade de interações interindividuais e que consequentemente propicia, principalmente a capacidade de trabalhar com representações para atribuir significados à realidade, haja visto que o desenvolvimento do pensamento é mais acelerado nessa fase devido aos contatos sociais possibilitados pela linguagem. Nesse momento a situação muda drasticamente, pois com a linguagem e a capacidade de representação por meio do jogo simbólico e da imagem mental a criança pode internalizar as ações, ganhando assim significado. O estágio pré-operacional é representado por um grande avanço para o desenvolvimento com a gênese da capacidade simbólica. O desenvolvimento da linguagem traz consigo três consequências para a vida mental da criança, sendo: a socialização da ação com trocas entre os indivíduos; o desenvolvimento da intuição e desenvolvimento do pensamento a partir do pensamento verbal que traz consigo o finalismo (porquês), e os animismos, e por fim o artificialismo. Segundo Papallia (2000), além da função simbólica (pensar em algo sem precisar vê-lo), as crianças nessa fase podem desenvolver a compreensão de identidades (ideia de que as pessoas e muitas coisas continuam as mesmas, mesmo mudando aparência), de causa e efeito (o mundo é 30 3 0 30 organizado e que ela pode fazer as coisas acontecerem), capacidade de classificar (organizar objetos, pessoas e eventos em categorias de significado) e compreensão de números (contar e lidar com quantidades). Esse avanço todo ocorre porque segundo Biaggio (2000), esse período a criança já não lida apenas com sensações e movimentos, mas já distingue um significador (imagem, palavra ou símbolo) de um significado concreto (objeto ausente), ampliando assim em muito o seu vocabulário e formando sentenças mais complexas. Embora Papallia (2000) mostre que a segunda infância é uma fase de grandes realizações, Biaggio (2000) acrescenta que, além disso, o estágio pré- operacional também é definido em termos negativos, ou seja por meio de tarefas não realizáveis por crianças dessa idade. São elas conforme Papallia (2000): a) centração: não pensam simultaneamente sobre vários aspectos, focam-se em apenas um. b) confusão entre aparência e realidade: é a incompreensão entre o que parece ser e o que é, por exemplo, se uma criança vê um recipiente com leite e em seguida é lhe dado uns óculos que faz o leite parecer verde e lhe é perguntado que cor é o leite, ela responde que é verde. c) irreversibilidade: a criança não compreende que uma operação pode ter dois ou mais sentidos, que certos fenômenos são reversíveis, como a água que vira gelo e pode vir a ser água novamente. d) foco, mas nos estados do que nas transformações: a criança vê um mundo em quadros estáticos, não compreendem o processo de transformação que leva de um estado para outro. e) raciocínio transdutivo: a criança vê uma situação como base para outra, e estabelece um relacionamento causal entre essa situação como por exemplo a criança que acha que seus pais se divorciaram porque ela se comportou mal. 31 3 1 31f) egocentrismo: se caracteriza pela incapacidade da criança ver o ponto de vista do outro, a compreensão do mundo é centrada em si. Embora o pensamento da criança se transforme rapidamente, o egocentrismo ainda continua presente, pois observa-se que nesse estágio, o sujeito ainda não concebe uma realidade da qual não faça parte devido a ausência de esquemas conceituais e da lógica. Rodrigues et al (2005) acrescenta que nesse estágio, a leitura da realidade é incompleta e parcial, pois a criança prioriza aspectos que são mais relevantes aos seus olhos e também não é possível a reversibilidade do pensamento, pois a criança não consegue organizar os objetos e acontecimentos em categorias lógicas gerais. O aspecto central dessa fase é mesmo o desenvolvimento da linguagem que de acordo com Balestra (2007) gera novos esquemas e favorece a reconstrução daqueles anteriormente formados, oportunizando a edificação do pensamento simbólico em substituição à ação direta do sujeito sobre o objeto pela sua evocação e representação mental. O pensamento simbólico possibilita a superação dos limites referentes a noção de tempo e espaço da fase anterior, e essa nova habilidade de operar a partir de representações mentais conduz à superação gradativa do subjetivismo da criança, possibilitando maior objetividade na aquisição de conhecimento. Estágio de Desenvolvimento Cognitivo Operatório-concreto Quando entram na segunda infância, entre aproximadamente os 06 a 12 anos as crianças tornam-se capazes de realizar operações mentais, ações internalizadas que se ajustam a um sistema lógico. O pensamento operatório permite às crianças combinar mentalmente, separar, ordenar e transformar objetos e ações. Essas operações são consideradas concretas porque são realizadas na presença de objetos e eventos sobre os quais se está pensando. O pensamento nesse estágio apresenta novas características como a descentração que permite à criança perceber e considerar mais de um atributo de um mesmo objeto de uma vez e formar categorias de acordo com critérios 32 3 2 32 múltiplos e a conservação que consiste no entendimento de que algumas propriedades de um objeto vão permanecer as mesmas, mesmo quando outras são alteradas. A partir da ocorrência do estágio de desenvolvimento cognitivo Operatório-concreto, a criança adquire a convicção de que é logicamente necessário que algumas qualidades sejam conservadas, apesar da mudança de aparência (conservação) e pode comparar mentalmente as mudanças em dois aspectos de um problema e ver como um compensa o outro (compensação), além de entender que algumas operações podem negar ou reverter os efeitos de outras (reversibilidade). É marcante nesse estágio o declínio do egocentrismo, pois conseguem se comunicar de maneira mais eficaz sobre objetos que um ouvinte não consegue ver podendo pensa sobre a maneira como os outros a percebem e entendem que uma pessoa pode sentir de uma maneira e agir de outra. Assim, conseguem regular melhor as interações sociais umas com as outras através de regras e começam a brincar de jogos baseados em regras. Levam em conta as intenções ao julgar o comportamento e acreditam que o castigo deve adequar-se ao crime. Conforme a explicação de Terra (2011), nesse estágio a criança adquire capacidade de estabelecer e coordenar pontos de vista diferentes e de integrá- los de modo lógico e coerente e de integrá-los de modo lógico e coerente, além de interiorizar ações, sendo possível, conforme Balestra (2007) construir raciocínios com arcabouço lógico. Estágio de Desenvolvimento Cognitivo Operatório Formal No período operatório formal que se inicia por volta dos 12 anos e segue durante a vida, as estruturas cognitivas da criança estão mais maduras e seu pensamento não está ligado às experiências diretas. O pensamento também atinge seu grau máximo quando as operações formais se desenvolvem completamente, o pensamento se formaliza. Nesta fase, o pensamento lógico já consegue ser aplicado a todos os problemas que surgem e o sujeito pode elaborar operações de lógica proposicional e não somente as operações de 33 3 3 33 classe, ordem e número. O raciocínio é baseado em hipóteses verbais e não somente em objetos. De acordo com Balestra (2007) são as estruturas formadas nos estágios anteriores que constroem as possibilidades de pensamento existentes nesse estágio, as aquisições estruturais formadas nesses períodos ocorrem de forma integrada, sendo que as operações formais são possíveis a partir da ordem de sucessão das aquisições dos períodos precedentes. O sujeito nessa etapa exibe facilidade em elaborar teorias abstratas. A passagem para o pensamento formal torna o raciocínio hipotético-dedutivo, isto é, capaz de deduzir conclusões de puras hipóteses e não apenas por uma observação real. Sendo assim, as operações lógicas começam a ser transportadas do plano da manipulação concreta/direta para a das ideias, expressas em linguagem, mas sem o apoio da percepção, da experiência, da crença. No estágio das operações concretas havia uma representação de uma ação possível. Agora, no estágio das operações formais, há uma ―representação de uma representação‖ de ações possíveis, ou seja, ocorrem os mesmos tipos de operações do nível anterior aplicadas agora a hipóteses ou proposições. Nesse estágio, as operações lógicas eram aplicadas simplesmente às operações de classe, relações e números. No estágio operatório formal serão construídas novas operações, de lógica proposicional, ou seja, a lógica de todas as combinações possíveis de pensamento. Sobre a universalidade do pensamento operacional formal, mesmo entre os adultos é assunto de muitas discussões, pois os três primeiros estágios do desenvolvimento cognitivo são impostos a maioria das pessoas pelas realidades físicas, ou seja, os objetos são realmente permanentes, a quantidade de água não muda quando é passada para outro copo. As operações formais, no entanto, não estão ligadas ao mundo físico, elas podem ser o produto da experiência e da prática com a solução de problemas hipotéticos e do uso do pensamento científico formal, sendo que essas 34 3 4 34 habilidades tendem a ser valorizadas e desenvolvidas nas culturas intelectualizadas, particularmente nas universidades. O próprio Piaget (1971) sugeriu que a maioria dos adultos pode ser capaz de usar o pensamento operacional formal em apenas algumas áreas nas quais eles tenham mais experiência ou interesse. Portanto, não se espera que todos os alunos do ensino médio sejam capazes de pensar hipoteticamente sobre todos os problemas que forem apresentados. Alunos que não aprendem ir além das informações repassadas a eles provavelmente vão ficar no meio do caminho. Alguns alunos encontram atalhos para lidar com problemas que estão além de sua compreensão e podem memorizar fórmulas ou listas de passos, o que pode ser útil para realizar provas, porém a compreensão do real só ocorre se forem capazes de ir além do uso superficial da memorização, usando de fato o pensamento operatório formal. AS INTERAÇÕES SOCIAIS NA TEORIA DE PIAGET É fácil observar, mesmo através do senso comum, que as diferentes interações sociais vividas influenciam expressivamente os sujeitos, sendo que a própria humanização e, consequentemente, o aprendizado resultante das interações humanas. Rodrigues et al (2005) acrescentam que as interações sociais que ocorrem em cada momento da vida são elementos definidores das ações e comportamentos humanos. O mesmo autor conceitua que a teoria piagetiana entende o homem como um ser social que se relaciona com os outros de forma equilibrada, sendo que essa ―relação equilibrada‖, somente pode existir entre pessoas que estejam no mesmo estágio de desenvolvimento, pois énecessário haver um equilíbrio nas trocas intelectuais. Isso porque, dependendo do estágio de desenvolvimento em que o sujeito se encontra pode se identificar um grau maior ou menor de socialização, ou seja, a socialização possui vários graus, entendendo-se que o ―zero‖ é o pertencente ao recém-nascido, e o máximo, está relacionado à definição da personalidade, em que o egocentrismo já foi superado e é possível estabelecer relações de trocas intelectuais recíprocas. 35 3 5 35 Assim, a compreensão da socialização da pessoa depende da definição do estágio de desenvolvimento em que ela se encontra. Entendendo que a socialização vai se consolidando durante a infância, é importante considerar que o trabalho coletivo medeia as relações e possibilita a capacidade de participação, cooperação e respeito mútuo. ―O trabalho coletivo socializa, estabelece laços de afetividade e permite, à criança, perceber-se como parte de uma coletividade, superando o egocentrismo‖ (RODRIGUES et al, 2005, p.119). AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE PIAGET PARA AS QUESTÕES EDUCACIONAIS Ao entrar em contato com a obra de Piaget fica claro que o conhecimento deve ser entendido como uma ampla construção que vai se solidificando com o tempo e com a interação do sujeito com os objetos a serem conhecidos. Assim, como explica Rodrigues et al (2005), isso implica que o professor não é o possuidor de todo o saber, mas o facilitador da aprendizagem, pois o aluno é um agente ativo que constrói o conhecimento, e não um mero receptor. Nesse sentido, o erro não deve ser visto como falha, defeito e/ou incapacidade, mas, sim, como algo necessário à aprendizagem, sendo que a inexistência de erro indica a possibilidade de ausência de experimentação, e consequentemente ausência de aprendizagem. A própria prática pedagógica deve se valer desse conceito e se prover de experimentações que possam renovar o ato de ensinar. O mesmo autor supracitado pontua que o conhecimento é resultado do esforço do homem em compreender e dar significado ao mundo, sendo que a ―organização seletiva que a cognição realiza dá-se em um processo permanente de interação do homem com o meio ambiente, através da apreensão do que é útil e necessário à adaptação do homem ao mundo.‖ (RODRIGUES et al, 2005, p.119) 36 3 6 36 Terra (2011) descreve contribuições da teoria piagetiana para o processo de aprendizagem, como a possibilidade de estabelecer parâmetros a partir dos estágios de desenvolvimento, a valorização dos erros como estratégias durante as tentativas de aprendizagem e a compreensão sobre os diferentes estilos individuais de aprender. Em complemento a isto, Balestra (2007) explica que o educador piagetiano tenta fazer de suas aulas momentos dinâmicos, eliminando rituais tradicionais e preza pelas diferenças individuais, pois considera que existem diversas maneiras de aprender e de expressar um mesmo conhecimento e que ensinar é socializar o conhecimento através de práticas cooperativas. Assim, ao mesmo tempo em que ensina, está atento as diferentes maneiras de aprendizado expressadas pelos alunos e a partir disso propõe estratégias de ensino diversificadas. Em resumo, as implicações da teoria de Piaget para o processo de aprendizagem escolar dizem respeito a estudos e teorizações que dão um direcionamento bastante específico sobre como ocorre a evolução do pensamento humano, como o conhecimento é adquirido, as possibilidades e impossibilidades de aprendizagem em cada estágio e a importância da estimulação e vivência constante de novas experiências. O SOCIOINTERACIONISMO DE VYGOTSKY TEORIA HISTÓRICO CULTURAL Não há como introduzir as conceituações vygotskyanas sobre o desenvolvimento sem pontuar a centralidade do histórico e do cultural nessa teoria em que o homem é concomitantemente produto e produtor de sua história pela e na interação social. Com influências da teoria marxista e materialismo histórico-dialético, Vygotsky (1991) acredita que as alterações históricas na sociedade e a vida material produzem mudanças na natureza humana. 37 3 7 37 As concepções desse autor sobre o desenvolvimento cognitivo trazem que esse é produzido pelo processo de internalização da interação social com materiais fornecidos pela cultura, sendo que esse processo se constrói de fora para dentro. Para ele, o cérebro humano é a base biológica, e sua especificidade define limites e possibilidades para o desenvolvimento humano. Esse entendimento fundamenta a ideia de que as funções psicológicas superiores como a linguagem e a memória são construídas ao longo da história social do homem em sua relação com o mundo, assim, essas funções referem- se a processos voluntários, ações conscientes, mecanismos intencionais e dependem de processos de aprendizagem. Assim, o papel do social no desenvolvimento é muito mais marcante para Vygotsky do que para Piaget. O pensamento de Vygotsky sobre o desenvolvimento humano se relaciona fortemente, como explica Leite et al (2009), à ideia da produção da cultura a partir das relações humanas, buscando conceituar o desenvolvimento intelectual a partir das relações histórico-sociais, de forma que, para ele, o conhecimento humano é formado pelas e nas relações sociais. Assim, com a aprendizagem, o sujeito internaliza as determinações históricas e culturais do contexto em que vive e as recria, sendo produto e produtor da realidade histórica. Conforme os mesmos autores, tendo sua base teórica no materialismo histórico, Vygotsky demonstrou que as origens das formas superiores de comportamento consciente deveriam ser buscadas na atividade prática, nas relações sociais que os sujeitos mantêm com o mundo exterior. Assim, para entender o que é especificamente humano é preciso, para esse autor, se libertar das limitações do organismo tecendo formulações que compreendam como os processos orgânicos/maturacionais entrelaçam-se aos processos culturalmente determinados para produzir funções superiores. Entende-se que o desenvolvimento não precede a socialização, são as estruturas e relações sociais que levam ao desenvolvimento das funções mentais, ou seja, a aprendizagem é a força propulsora do desenvolvimento intelectual. 38 3 8 38 Sendo o desenvolvimento socialmente construído o que é inato, ou seja a estrutura fisiológica é insuficiente para produzir o que chamamos de humano, dessa forma o desenvolvimento não é um processo previsível e gradual, mas sim depende de como o indivíduo interage com o meio, já que o desenvolvimento do psiquismo humano é sempre mediado pelo outro. Para Vygotsky (1991) a aprendizagem provoca, precede força para que o desenvolvimento aconteça. Sobre isso, Davis et al (1989) corrobora dizendo que a interação social está intimamente ligada à proposta de Vygotsky (1991), já que esse se utiliza de uma visão de homem essencialmente social que prega que é na relação com o próximo, numa atividade prática comum, que os sujeitos, por intermédio da linguagem, se constituem e se desenvolvem. Assim, o ser humano, difere dos outros animais por não estar limitado a sua própria experiência pessoal e/ou suas próprias reflexões. Ao contrário, a experiência individual alimenta-se, expande-se e aprofunda-se graças à apropriação da experiência social que é veiculada pela linguagem, estando as origens das formas superiores de pensamento e comportamento nas relações sociais que o sujeito mantém com o mundo exterior e, consequentemente, o homem só se torna homem pelo contato social. Assim é correto afirmar, a partir da teoria Histórico-cultural, que a forma que possui as funções psicológicas superiores estão intrinsecamente ligadas a história social do homem. O conhecimento se dá nas relações sociais, produzido na intersubjetividadee marcado por condições culturais, sociais e históricas. Para Vygotsky (1991), a criança nasce apenas com as funções cognitivas elementares que se ampliam para as funções complexas a partir do contato com a cultura, o que não acontece automaticamente, mas sim por meio de intermediações de outros sujeitos, sendo essas intermediações responsáveis por formar significados e valores sociais e históricos. O que proporciona a particularidade das subjetividades individuais é a forma como os conteúdos culturais são combinados e processados no interior 39 3 9 39 de cada um de nós. Da mesma forma, o desenvolvimento mental ocorre de maneira única em cada pessoa, a partir de como o mundo é experienciado, e ―a cultura se torna parte da natureza humana, num processo histórico, que ao longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do homem‖. (OLIVEIRA, 1992, P.24) Como explica Kramer et al (1991), a teoria sócia histórica busca a compreensão de aspectos da dinâmica da sociedade e da cultura que interferem ativamente no curso do desenvolvimento do sujeito, transformando tanto sua relação com a realidade como sua consciência sobre ela. Para Vygotsky (1991), as estruturas do pensamento dos sujeitos se alteram ao longo da história e essas mudanças estão enraizadas na cultura que fornece elementos que circulam e integram as subjetividades. PENSAMENTO E LINGUAGEM As análises de Vygotsky (1989), sobre a construção do conhecimento e do pensamento estabelece a unidade dinâmica entre pensamento e linguagem que diferem em sua gênese, mas que ao longo do desenvolvimento se transformam em um todo indissociável. Pensamento e linguagem são processos interdependentes, sendo que a aquisição da linguagem pela criança modifica suas funções mentais superiores, dando forma definida ao pensamento, possibilitando a imaginação, a memória e o planejamento da ação. No contexto das relações sociais, de acordo com Oliveira (1992), a linguagem é essencial como sistema simbólico de mediação dos homens entre si, e entre esses e o mundo. Possui as funções de pensamento generalizante e intercambio social, pois ao ordenar as experiências produz significados que podem ser compartilhados, e assim intermediam as relações sociais. Nas palavras de Vygotsky: O sistema de signos reestrutura a totalidade do processo psicológico, tornando a criança capaz de dominar seu movimento. Ela reconstrói processo de escolha em bases totalmente novas. O movimento descola-se, assim, da percepção direta, submetendo-se ao controle das funções simbólicas incluídas 40 4 0 40 na resposta de escolha. Esse desenvolvimento representa uma ruptura fundamental com a história do comportamento e inicia a transição do comportamento primitivo dos animais para as atividades intelectuais superiores dos seres humanos (VYGOTSKY, 1984, p.39-40). Ao se pressupor, conforme Rodrigues et al (2005), a internalização da língua como discurso interior, entende-se que a linguagem é um instrumento do pensamento. Assim, tudo o que é produzido culturalmente e está conectado à linguagem afeta o modo de pensar dos sujeitos. De acordo com Basso (2011), a teoria histórico-cultural entende que o homem se produz na e pela linguagem, pois a relação entre o homem e o mundo é uma relação mediada na qual entre o sujeito e a experiência existem elementos que auxiliam a atividade humana. Estes elementos são os signos e os instrumentos. Os instrumentos são objetos sociais por ampliarem as possibilidades de transformar a natureza, e os signos por auxiliarem nas ações concretas e processos psicológicos superiores, organizando-as. Os signos de acordo com Vygotsky (1989) constituem ao mesmo tempo como fenômeno do pensamento e da linguagem, estão intercruzados através da fala significativa e o pensamento verbal, porém preservam características estruturais específicas, na medida em que: A estrutura da linguagem não é um simples reflexo especular da estrutura do pensamento. Por isto o pensamento não pode usar a linguagem como um traje sob medida. A linguagem não expressa o pensamento puro. O pensamento não se expressa na palavra, mas se realiza nela (VYGOTSKY, 1993, p.298). Porém, é relevante destacar, pela utilidade prática que esse entendimento possui, que, conforme Siqueira e Nuernberg (1998), a expressão do pensamento por meio da linguagem promove a reorganização deste. O trânsito dos significados das palavras possui um caráter de constante transformação. 41 4 1 41 A APRENDIZAGEM É essencial na teoria de Vygotsky a compreensão de que a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, é um processo contínuo e está intrinsecamente ligada às relações sociais, pois ao nascer a criança é mergulhada no universo simbólico e na linguagem, e ao se relacionar essa linguagem se torna sua também, organizando os processos mentais e impulsionando novas buscas. ―A aprendizagem desperta processos internos de desenvolvimento que somente podem ocorrer que somente podem ocorrer quando o indivíduo interagem com outras pessoas‖ (OLIVEIRA, 1992, p.33). A partir da explicação de Leite et al (2009), por meio do aprendizado a criança internaliza a vida intelectual dos que a cercam, e assim se constitui como algo universal e indispensável ao desenvolvimento das características psicológicas ―especificamente humanas e culturalmente organizadas‖ (p.206). Para lidar com a aprendizagem das crianças, na concepção sócio histórica, é preciso se atentar não apenas para o que ela realiza sozinha, mas para o que faz com ajuda, pistas e orientação de alguém mais habilidoso na tarefa a ser realizada. Para isso, Vygotsky (1984) diferencia Desenvolvimento Potencial, Desenvolvimento Real e Desenvolvimento Potencial. - Zona de desenvolvimento potencial: é toda atividade e/ou conhecimento que a criança ainda não domina, mas que se espera que seja capaz de saber e/ou realizar, independentemente da cultura em que está inserida. - Zona de desenvolvimento real: é tudo aquilo que a criança é capaz de realizar sozinha, conquistas já consolidadas, ―processos mentais que já se estabeleceram; ciclos de desenvolvimento que já se completara‖ (LEITE et al, 2009, p.206). Nessa zona, está pressuposto que a criança já tenha conhecimentos prévios sobre as atividades que realiza. - Zona de desenvolvimento proximal: é a distância entre o que a criança já pode realizar sozinha e aquilo que ela somente é capaz de desenvolver com auxílio de outra pessoa. Na zona de desenvolvimento proximal, o aspecto fundamental é a realização de atividades com a ajuda de um mediador que 42 4 2 42 possibilita a concretização do desenvolvimento que está próximo, ajuda a transformar o desenvolvimento potencial em desenvolvimento real. Assim, conforme Vygotsky (1984) essa é a zona cooperativa do conhecimento. Leite et al (2009) sinalizam a importância dessa zona para o entendimento do desenvolvimento infantil e seus desdobramentos educacionais, pois possibilita a compreensão da dinâmica interna do desenvolvimento individual, e não somente dos ciclos já completados, mas também os que estão em via de formação , permitindo o delineamento das competências atuais da criança e de suas possibilidades de conquistas futuras, possibilitando estratégias pedagógicas que auxiliem nesse processo. Assim, além de ser importante discriminar o nível de desenvolvimento real (o que a criança realiza sozinha), é preciso identificar o nível de desenvolvimento potencial (o que ela faz com ajuda). A distância entre no nível real e o potencial configura a zona de desenvolvimento proximal na qual ocorrem as aprendizagens, pois o que hoje a criança faz com ajuda, amanhã fará sozinha. A importância de considerarmos a zonade desenvolvimento proximal não significa que possamos ensinar qualquer coisa a qualquer criança, pois o auxílio deve ser significativo para ela para que possa apropriá-lo fazendo-o parte do seu desenvolvimento real. A criança não passa a ser social com o desenvolvimento, é um ser social desde que nasce e, ao longo do desenvolvimento vai intercambiando os significados dos objetos e das palavras com os parceiros de seu contexto cultural e a partir daí ocorre o aprendizado. Assim, é importante também conceituar a ideia de mediação que é elemento fundamental para a constituição dos processos mentais superiores. Segundo Oliveira (1997, p.26), a mediação consiste num ―processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento‖. 43 4 3 43 Na mediação simbólica, os signos ficam entre os sujeitos e os objetos do mundo, funcionando como representação social dos objetos e mediando a relação do homem com o mundo e com outros homens. É a partir da mediação simbólica que ocorrem as funções mentais superiores, e consequentemente o aprendizado. Os signos auxiliam os processos psicológicos organizando-os, também ―oferecem suporte concreto para a ação do homem no mundo‖ (OLIVEIRA, 1993. p.34). A APLICABILIDADE DAS TEORIAS DE VYGOTSKY NO ENSINO SUPERIOR Atualmente é notável a importância de Vygotsky nos cursos superiores, principalmente nos cursos de formação de professores, onde suas teorias são aplicadas nas mais diversas áreas do conhecimento, não somente da Pedagogia. Entre sua influência na formação da professores, algumas linhas defendem que ―a universidade necessita de uma nova organização, englobando e resinificando a maneira da sociedade produzir, criando e difundindo seus valores de forma a promover a melhoria da condição humana em suas múltiplas dimensões. (CARDOSO, 2004, p. 132). No entanto, o ensino superior no Brasil sofre um grande problema em relação aos alunos ingressantes nos cursos de licenciatura, pois muitas vezes acabam os escolhendo pelo menor investimento ou pela falta de disponibilidade de outros cursos, o que acaba deixando evidente [...] evidente que o aluno universitário necessita de uma atenção especial para que os desafios encontrados na adaptação ao curso superior estimulem a sua transição da adolescência para a vida adulta e não gerem consequências negativas no nível do aproveitamento acadêmico destes alunos. Em atenção especial a alunos recém-chegados ao ensino superior, a universidade deveria implementar programas de intervenção psicopedagógica que pudessem facilitar a adaptação acadêmica e minimizar o impacto educacional da universidade nestes estudantes (CARDOSO, 2004). 44 4 4 44 Esse processo só deixa evidente a questão preocupante em relação a educação brasileira, segundo. me recente trabalho na cidade de Curitiba, na qual coletou dados de 40 professores da rede pública de ensino e concluiu que No que diz respeito ao conhecimento sobre o autor, foram obtidos os seguintes resultados: 75% afirmam conhecer o Vygotsky e 25% afirmaram não conhecer nada sobre as teorias do autor. Na questão que se referia à linha pedagógica a qual seguem, foram mencionadas: a histórico crítica, a construtivista, e, principalmente, a sócio interacionista. Ainda, 100% dos educadores afirmaram considerar o contexto histórico de seus alunos e as informações que eles já detêm para trabalhar os conteúdos (OLIVEIRA, 1993). Constatando assim que mesmo com uma formação baseada em teorias ou ao menos parte dos trabalhos de Vygotsky, boa parte dos professores ainda conhece muito pouco sobre o assunto, que seria de extrema importância para seu trabalho pedagógico. Nesse contexto a teoria socioconstrutivista ainda é muito importante na formação do professor, pois segundo Pino Se ignorar a história do meio pode levar a ver a criança como uma ―abstração genérica‖ ou a implantar nela a ilusão de um ―futuro impossível‖; levar em conta a história do meio pode conduzir a implantar nela a consciência do próprio fracasso e à desistência de toda a educação. O desafio, enquanto essas condições não forem transformadas, é levar em conta a história do meio e conseguir implantar na criança a consciência da sua realidade e da sua possibilidade real de superação das limitações que ela lhe impõe. (PINO, 2002, p.60). AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE VYGOTSKY PARA AS QUESTÕES EDUCACIONAIS As imprescindíveis contribuições de Vygotsky (1991), para o entendimento dos processos mentais e da aprendizagem são essenciais para as práticas educacionais. A importância da cultura, da linguagem e das relações sociais na teoria de Vygotsky fornece, conforme Rodrigues et al (2005), a base para uma educação em que o homem seja visto na sua 45 4 5 45 totalidade: na multiplicidade de suas relações com os outros; na especificidade cultural, na dimensão histórica, ou seja, entendido em processo de construção e reconstrução permanente. São muito valiosas também as conceituações sobre as zonas de desenvolvimento, pois permitem uma visualização clara das possibilidades de aprendizado da criança, sendo especialmente importante a zona de desenvolvimento proximal na qual a ―interferência de outros indivíduos é mais transformadora. Isso porque os conhecimentos já consolidados não necessitam de interferência externa‖ (OLIVEIRA, 1993, p.61). Assim, a escola é fundamental para realizar esse papel, estimular e impulsionar o desenvolvimento dos conhecimentos que ainda estão na zona de desenvolvimento proximal e ainda não foram incorporados. Ao entender o homem como um ser essencialmente social, Vygotsky (1991) considera fundamental a interferência de pais, professores e colegas para o desenvolvimento da criança. O professor, especificamente, deve ser o estimulador da zona de desenvolvimento proximal, incentivando avanços que estão na iminência de ocorrer, mas ainda não aconteceu, isso implica em uma pedagogia não diretiva nem autoritária e muito menos hierárquica entre professores e alunos. Consequentemente, o ato de errar, conforme Oliveira (1993) deve ser entendido pelo professor como um elemento integrante do processo de ensino e aprendizagem, porém jamais ignorado, sendo a correção do erro um importante meio de fazer com que o aluno perceba a necessidade de melhorar e se dedicar mais aos conhecimentos que ainda não domina. Da mesma forma, a interação com os colegas e os trabalhos grupais é uma boa oportunidade para o amadurecimento, aprimoramento de ideias e conhecimentos, porém é no contato individualizado entre professor e aluno que é possível detectar o desenvolvimento real e proximal dos estudantes. A escola é um espaço privilegiado para as interações sociais, pois conforme Leite et al (2009), ela recebe as influências socioculturais da comunidade em que está inserida fazendo com que nela circulem valores, 46 4 6 46 informações, normas e modos de vida diversos, sendo um local propício ao desenvolvimento. BREVE HISTÓRICO DA NEUROCIÊNCIA COGNITIVA A neurociência moderna está construída sobre o forte fundamento de descobertas individuais, e cada uma dessas descobertas desempenhou sua função ao revelar os mistérios do cérebro e como este promove nossos pensamentos e comportamento. A visão acerca do funcionamento do cérebro mudou nos últimos 100 anos e continua a mudar. No século XIX, entre 1810 e 1819, Franz Joseph Gall, frenologista, acreditava que as saliências na superfície do crânio refletiam circunvoluções na superfície do cérebro e propôs que a propensão a certos traços de personalidade, como a generosidade, a timidez e a destrutividade podiam estar relacionadas às dimensões da cabeça. Assim, funçõesbásicas cognitivas como a linguagem e a percepção, esperança e autoestima, eram concebidas como sendo mantidas por regiões específicas do cérebro. Para sustentar sua alegação, Gall e seus seguidores coletaram e mediram cuidadosamente o crânio de centenas de pessoas representando uma variedade de tipos de personalidades, desde os mais privilegiados até os criminosos e loucos. Esta nova ―ciência‖ de correlacionar a estrutura da cabeça com traços da personalidade foi denominada de fenologia. (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002). Gall propôs ainda, que o centro para cada função mental aumentaria de tamanho como resultado do uso, de forma idêntica ao aumento do tamanho de um músculo pelo exercício esse aumento do tamanho de uma região cerebral causaria uma distorção no crânio. Assim Gall, há 200 anos, foi o pioneiro da noção de que diferentes funções mentais são realmente localizadas em diferentes partes do cérebro – localizacionismo cerebral, porém ele estava enganado em como isso é conseguido pelo cérebro. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997). Mais tarde a fenologia foi rejeitada e descartada pela comunidade científica como uma forma de charlatanismo e pseudociência, 47 4 7 47 tendo, portanto, uma importância histórica, sendo suplantada pelos campos em desenvolvimento da psicologia e da neurociência. Podemos, por assim dizer que os frenólogos desempenharam um papel relevante, ainda que equivocado, nos primeiros avanços da neurociência moderna. Hoje, sabemos que existe uma nítida divisão de trabalho no encéfalo, com diferentes partes realizando funções bem distintas. O cientista creditado por influenciar a comunidade científica a estabelecer a localização das funções cerebrais foi o neurologista francês Paul Broca, em 1861. Broca descreveu o caso de um paciente que era capaz de entender o que se dizia a ele, mas incapaz de falar. Esse paciente não apresentava qualquer problema motor convencional em sua língua, boca ou cordas vocais passível de interferir com sua fala. Era capaz de enunciar palavras isoladas e de cantar uma melodia sem dificuldade, mas não conseguia falar gramaticalmente ou em frases completas, nem conseguia expressar seus pensamentos por escrito. O exame do cérebro desse paciente, após sua morte, revelou uma lesão na região posterior do lobo frontal esquerdo – região que, hoje, é chamada de área de Broca e baseado em estudos em oito pacientes com quadros semelhantes, concluiu que esta região do cérebro humano era especificamente responsável pelo controle da expressão motora da fala. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997). O trabalho de Paul Broca estimulou a busca dos locais corticais de outras funções comportamentais específicas. Em 1870, na Alemanha, o fisiologista Gustav Fritsch e o psiquiatra Eduard Hitzig eletrizaram a comunidade científica com sua descoberta de que a estimulação elétrica de determinadas regiões do cérebro do cão produzia movimentos característicos dos membros. Essa descoberta levou os neuroanatomistas a uma análise mais detalhada do córtex cerebral e sua organização celular. Assim, no ser humano, a mão direita, usada comumente para a escrita e para os movimentos que exijam habilidades, é controlada pelo mesmo hemisfério esquerdo que controla a fala e na maioria das pessoas, o hemisfério esquerdo é considerado como 48 4 8 48 dominante (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997), responsável pelo pensamento lógico e competência comunicativa, enquanto o hemisfério direito é responsável pelo pensamento simbólico e criatividade. Nos canhotos as funções estão invertidas. O hemisfério esquerdo diz-se dominante, pois nele localiza-se a área de Broca, a área responsável pela motricidade da fala e a área de Wernicke, o córtex responsável pela compreensão verbal. Carl Wernicke, em 1876, propôs uma teoria para a linguagem a partir do estudo de um caso de uma vítima de acidente vascular cerebral. Nesse trabalho Wernicke descreveu um novo tipo de afasia, relacionado ao distúrbio da compreensão e não da execução. Enquanto os pacientes de Broca podiam entender, mas não conseguiam falar, o paciente de Wernicke podia falar, mas não compreendia a fala, já que o que o paciente dizia não fazia sentido nem pra ele mesmo. Segundo Wernicke as funções mentais não estariam localizadas em regiões cerebrais específicas, mas, sim, que cada função estaria difusamente representada por todo o córtex. Baseado em seus achados e nos resultados de Broca e de Fritsch e Hitzig, Wernicke propôs que apenas as funções mentais mais básicas, as relacionadas com as atividades perceptivas e motoras simples, estariam localizadas em áreas corticais únicas, e que as funções intelectuais mais complexas resultariam das interconexões entre várias regiões funcionais. Ao colocar o princípio da localização das funções dentro do arcabouço conexivo, Wernicke admitia que os diversos componentes de um mesmo comportamento seriam processados em regiões cerebrais distintas. Wernicke formulou, assim, a primeira evidência para a ideia de processamento distribuído, que é atualmente, a ideia central para nossa compreensão do funcionamento cerebral. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997). Assim como a linguagem apresenta evidências anatômicas convincentes, segundo as descobertas de Michael Posner e Marcus Raichle, em 1988, as características afetivas e traços de personalidade são também anatomicamente definidos. Embora a localização do afeto (emoções) ainda não esteja mapeada de maneira precisa, as funções motoras, sensórias e 49 4 9 49 cognitivas, foi demonstrada de maneira contundente. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). No entanto, a grande revolução na compreensão sobre o sistema nervoso ocorreu no final do século XIX quando Camillo Golgi e Santiago Ramón y Cajal fizeram descrições detalhadas das células nervosas. Golgi desenvolveu uma maneira de corar os neurônios com sais de prata, visualizando no microscópio sua estrutura: um corpo celular e ramificações dendríticas de um lado e um axônio em forma de cabo do outro. Cajal conseguiu corar os neurônios separadamente, usando as técnicas de Golgi. Ele foi o primeiro a identificar não somente a natureza unitária do neurônio, mas também a transmissão de informação elétrica em uma única direção, dos dendritos para a extremidade do axônio. (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006). No início do século XX, surgiu na Alemanha, uma nova escola de localização cortical, liderada pelo anatomista Korbinian Brodmann. Essa escola buscou diferenciar as diversas áreas funcionais do córtex cerebral com base nas diferenciações das estruturas celulares e na organização característica dessas células em camadas. Usando esse método cito arquitetônico, Brodmann distinguiu 52 áreas, funcionalmente distintas, no córtex cerebral humano (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997). Foi subsequentemente descoberto que muitas, porém não todas das áreas identificadas por Brodmann correspondem a áreas funcionalmente distintas e encontramos referência a áreas como BA17, que significa Área 17 de Brodmann (EYSENCK; KEANE, 2007). Assim, no começo do século XX, já existiam evidências convincentes, funcional e anatômica, para a existência de muitas áreas distintas no córtex, e para algumas delas podia ser atribuída participação específica em determinados comportamentos. No final de 1930, Edgar Adrian, na Inglaterra e Wade Marshall e Philip Bard, nos Estados Unidos, comprovaram que estímulos aplicados sobre a superfície corporal (no caso de um gato) geravam atividades elétricas em áreas específicas do córtex cerebral descritas por Brodman. No 50 5 0 50 final de 1950, Wilder Penfield usou pequenos eletrodos para estimular o córtex cerebral de pacientes que, em neurocirurgias, estavam despertos e assim, conseguiu confirmaras áreas descritas por Broca e Wernicke. Mais recentemente, George Ojemann descobriu outras áreas essenciais para a linguagem, indicando que as redes neurais para a linguagem são maiores do que aquelas delimitadas por Broca e Wernicke. (TABACOW, 2006). Assim, a neurociência continua a revelar a surpreendente complexidade e a especialização do córtex cerebral. A partir de 1990, ocorreu um grande avanço nos estudos sobre o cérebro, através do desenvolvimento tecnológico e uso de técnicas como a IRMf – Imagem por Ressonância Magnética Funcional e a Tomografia por Emissão de Pósitrons. Os avanços tecnológicos permitem várias maneiras de obter informações detalhadas sobre a estrutura e o funcionamento do cérebro, como por exemplo, nos ajuda a ver quais regiões do cérebro ficam relativamente mais ativas quando um pensamento, emoção ou comportamento correspondente acontece. Hoje, é possível estabelecer onde e quando ocorrem no cérebro os processos cognitivos específicos. Essa informação pode permitir determinar a ordem em que diferentes partes do cérebro se tornam ativas quando alguém está realizando uma tarefa, além de permitir também se duas tarefas envolvem as mesmas partes do cérebro da mesma maneira ou se há diferenças consideráveis. (EYSENCK; KEANE, 2007). DESENVOLVIMENTO PERCEPTIVO E COGNITIVO Entender sobre o desenvolvimento de habilidades mentais é fundamental para compreender a organização e o funcionamento da mente humana. Uma abordagem comum em neurociência é correlacionar à maturação de funções cognitivas específicas com um estágio particular do desenvolvimento neural. Segundo Gazzaniga, Ivry e Mangun (2006), a diferença existente entre as capacidades dos recém-nascidos e a dos adultos são visíveis. Recém- nascidos não caminham, não seguram objetos, não falam nem compreendem quando falamos com eles. Essas diferenças podem ser elucidadas de duas 51 5 1 51 maneiras: os recém-nascidos podem ter todas as capacidades dos adultos, mas ainda não obtiveram, pela experiência, suas habilidades; e, em contraste, recém-nascidos podem diferir dos adultos em capacidades neurais e/ou cognitivas. A primeira hipótese coloca os recém-nascidos como possuidores de um circuito neural completamente formado, à espera das aferências e dos sinais do ambiente para que o desenvolvimento ocorra. A última propõe que recém-nascidos ainda não possuem estruturas neurais e cognitivas para agir como um adulto e que esse desenvolvimento abarca mudanças radicais e qualitativas. Essa visão tem sido amplamente aceita pelas teorias do desenvolvimento com base em evidências tanto neurais quanto psicológicas. Uma teoria clássica de que recém-nascidos diferem significativamente dos adultos vem do cientista suíço Jean Piaget. Piaget considerava que a aquisição do conhecimento é um processo e como tal deveria ser estudado de maneira histórica, abarcando o modo como conhecimento muda e evolui. Desse modo, define sua epistemologia genética como a disciplina que estuda os mecanismos e processos mediante os quais se passa de ―[...] estados de menor conhecimento aos estados de conhecimento avançado.‖ (PIAGET, 1971, p.8). Para Piaget, no processo de aquisição de novos conhecimentos, sujeito é um organismo ativo que seleciona as informações que lhe chegam do mundo exterior, filtrando-as e dando-lhes sentido. (PIAGET, 1971). Conhecer, em sua percepção, é atuar diante da realidade modificando-a por meio de ações. Nesse sentido, atuar não significa essencialmente realizar movimentos e ações externas. Esse seria o caso de crianças pequenas que precisam manipular a realidade que as envolve, para entendê-la. Na maioria dos casos, essa atividade é interna, mental, ainda que possa se basear em objetos físicos. Ao contar, comparar, classificar, embora haja imobilidade do sujeito, ele está ativo mentalmente. De acordo com Piaget, todas as crianças passam por quatro estágios cognitivos mais ou menos na mesma idade, independentemente da cultura em 52 5 2 52 que vivem. Nenhum estágio pode ser omitido, uma vez que as habilidades adquiridas em estágios anteriores são essenciais para os estágios seguintes. No estágio sensório-motor a criança explora o mundo e desenvolve seus esquemas principalmente por meio de seus sentidos e atividades motoras. Vai do nascimento até o período de ―linguagem significativa‖ (por volta de 2 anos). Durante esse estágio, as crianças têm conceitos rudimentares dos objetos de seu mundo. Um conceito adquirido durante esse estágio é o de permanência do objeto: habilidade de saber que um objeto não deixa de existir simplesmente porque saiu de nosso campo de visão. Aos quatro meses, crianças que brincam com um objeto que será depois escondido, agem como se ele jamais estivesse existido. Ao contrário, um bebê com 10 meses procura ativamente um objeto que foi escondido embaixo de um pano ou por trás de uma tela. ―Ele tem a consciência de que o objeto continua existindo, mesmo quando não está visível.‖ (PIAGET; INHELDER, 2003, p.20). O sucesso em tarefas como essa marca o fim do estágio de inteligência sensório-motora, pois é o resultado de uma habilidade recém-desenvolvida para representar objetos e atos que não estão mais em seu campo de visão. Assim, as crianças exibem a permanência de objetos quando não tem mais dificuldade de conceitualizar a presença de um objeto fora do campo de visão. Estudos sugerem que Piaget possa ter subestimado as habilidades infantis, questionando sobre a natureza limitada das capacidades de um recém-nascido no domínio da integração sensório--motora, da integração intermodal e da percepção de objetos. Os críticos de Piaget argumentam que um recém-nascido tem alguma forma de integração de experiências sensoriais por meios das modalidades da visão, da audição e do tato. Por exemplo, crianças recém-nascidas, quando dado suporte de cabeça é adequado, podem buscar localizar, visualmente, a origem de sons emitidos no ambiente. Isso sugere uma habilidade bem-desenvolvida de integração intermodal visual e auditiva. (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006). Baillageron (1990) demonstrou que crianças pequenas de apenas alguns meses, normalmente percebem objetos parcialmente escondidos. Ela 53 5 3 53 mostrava um objeto para as crianças e colocava-o atrás de um painel vertical que impedia sua visão. O painel era, então, derrubado, de duas formas distintas. Na primeira, o painel era derrubado e batia no objeto colocado atrás dele, como seria esperado. Na segunda, o painel era derrubado, mas o objeto havia sido removido secretamente, fazendo com que o painel caísse direto na superfície da mesa. Nestas tarefas, as crianças mostravam mais surpresa na segunda condição que na primeira. Após vários estudos em cognição, Flavell et al. (1999) assim se manifestam a respeito da teoria de Piaget, quanto aos estágios: A teoria de Piaget, entretanto, não faz afirmações apenas gerais, mas muito fortes e específicas a respeito da preponderância dos estágios da cognição em bebês, e estas afirmações não têm se sustentado em pesquisas recentes. Existem simplesmente muitos exemplos de competência mais precoce do que a esperada, muitas discrepâncias no nível de desempenho que não parecem depender dos processos construtivos de ação sobre o mundo com os quais Piaget definiu seus estágios. (FLAVELL, et al., 1999, p.64). No modelo de Piaget, temos ainda três estágios que seguem o estágio de inteligência sensório-motora. No estágio pré-operacional (dos 2 aos 7 anos), a linguagem progride substancialmente e a criança começa a pensar simbolicamente, usando símbolos, tais como palavras, para representar conceitos. No entanto, a criança ainda não consegue fazer operações ou processos mentais reversíveis. Neste estágio, a criança tambémé egocêntrica, isto é, não consegue distinguir suas próprias perspectivas das de outras pessoas, nem consegue entender que há pontos de vista diferentes dos seus. (PIAGET, 1971). Dos 7 aos 11 anos, encontra-se o estágio de operações concretas. Nesse período, há a emergência de muitas habilidades importantes de raciocínio. O pensamento da criança, agora mais organizado, possui características de uma lógica de operações reversíveis. Entretanto, durante esse estágio, elas inicialmente podem realizar operações quantitativas somente com eventos concretos. Não é capaz de operar com hipóteses. (PIAGET, 54 5 4 54 1971). E dos 11 anos em diante, durante o estágio o estágio de operações formais, as crianças aprendem a fazer representações abstratas de relações, de acordo com Piaget. Crianças nessa idade podem generalizar relações matemáticas e manifestar pensamento hipotético-dedutivo – a habilidade de gerar e testar hipóteses sobre o mundo. Piaget trouxe contribuições importantes, delimitando a linha do tempo do desenvolvimento cognitivo e tentando mostrar quando as crianças são capazes de realizar tarefas perceptivos, motoras e cognitivas complexas. O fato de que a idade exata para um processo particular possa ocorrer ser antes do que Piaget propôs, ou de que os estágios descritos por Piaget possam ser mais graduais do que os mencionados, não diminui significativamente o valor de seu conceito de desenvolvimento cognitivo. Além disso, descrever uma linha do tempo de maturação cognitiva é, com modificações adequadas, útil, porque um objetivo da neurociência cognitiva é relacionar a linha do tempo de desenvolvimento cognitivo com o desenvolvimento neural para esclarecer as bases biológicas da cognição. Referências PIAGET, J. A Construção do real na criança. Rio de Janeiro, Zahar, 1970 _______, A representação do mundo na criança. Rio de Janeiro, Zahar, 1971. _______, Biologia e Conhecimento. Petrópolis, Vozes, 1973. _______, O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro, Zahar, 1974. _______, A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro, Zahar, 1976(a). _______, A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do desenvolvimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1976 (b) _______, O julgamento moral na criança. São Paulo, Mestre Jou, 1977. Neurociência cognitiva e desenvolvimento humano ______. Princípios da neurociência. 4. ed. São Paulo: Manole, 2003. 55 5 5 55 LEDOUX, J. 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