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APOSTILA DA DISCIPLINA DE:
Curso: Engenharia Química
8ª fase
Professora: Carolina Resmini Melo Marques
E-mail: carolina.melo@satc.edu.br
ENGENHARIA
BIOQUÍMICA
2
ÍNDICE
1. ENGENHARIA BIOQUÍMICA ............................................................................................................................. 4
1.1 ENGENHARIA BIOQUÍMICA: UMA APLICAÇÃO SUI GENERIS DA ENGENHARIA QUÍMICA ........................................................... 4
1.2 HISTÓRICO ............................................................................................................................................................ 4
1.3 PROCESSO BIOTECNOLÓGICO INDUSTRIAL GENÉRICO .......................................................................................................... 5
1.4 MICRORGANISMOS E MEIOS DE CULTURA PARA UTILIZAÇÃO INDUSTRIAL ................................................................................ 6
1.5 FONTES DE MICRORGANISMOS DE INTERESSE .................................................................................................................... 8
1.6 CARACTERÍSTICAS DESEJÁVEIS DE MICRORGANISMOS ......................................................................................................... 8
1.7 MEIOS DE CULTURA PARA APLICAÇÃO INDUSTRIAL ........................................................................................................... 13
1.8 MODOS DE FERMENTAÇÃO ......................................................................................................................................... 14
1.8.1 Operação em batelada ................................................................................................................................ 14
1.8.2 Operação em batelada alimentada ............................................................................................................. 15
1.8.3 Operação contínua ...................................................................................................................................... 15
2. CINÉTICA ENZIMÁTICA .................................................................................................................................. 16
2.1 MEDIDA DA VELOCIDADE ........................................................................................................................................ 16
2.2 INFLUÊNCIA DAS CONCENTRAÇÕES DA ENZIMA E DO SUBSTRATO. LEI DE MICHAELIS E MENTEN. ............................................... 18
2.3 INFLUÊNCIA DA PRESENÇA DE UM INIBIDOR .................................................................................................................... 24
2.4 INFLUÊNCIA DA TEMPERATURA .................................................................................................................................... 29
2.5 INFLUÊNCIA DO PH ................................................................................................................................................... 30
3. ESTEQUIOMETRIA E CINÉTICA DE PROCESSOS FERMENTATIVOS ................................................................... 32
3.1 PARÂMETROS DE TRANSFORMAÇÃO ............................................................................................................................. 33
3.1.1 As velocidades instantâneas de transformação .......................................................................................... 34
3.1.2 As velocidades específicas de transformação .............................................................................................. 34
3.1.3 Os fatores de conversão e os coeficientes específicos de manutenção ....................................................... 34
3.2 CÁLCULO DAS VELOCIDADES ........................................................................................................................................ 37
3.3 A CURVA DE CRESCIMENTO MICROBIANO ....................................................................................................................... 38
3.4 CLASSIFICAÇÃO DOS PROCESSOS FERMENTATIVOS ........................................................................................................... 41
3.5 INFLUÊNCIA DA CONCENTRAÇÃO DO SUBSTRATO SOBRE A VELOCIDADE ESPECÍFICA DE CRESCIMENTO ......................................... 43
3.5.1 A equação de Monod: interpretação da fase exponencial .......................................................................... 43
3.5.2 Outros modelos............................................................................................................................................ 45
4. BIORREATORES ............................................................................................................................................. 47
4.1 CLASSIFICAÇÃO DOS BIORREATORES .............................................................................................................................. 48
4.2 FORMAS DE CONDUÇÃO DE UM PROCESSO FERMENTATIVO ............................................................................................... 51
5. FERMENTAÇÃO DESCONTÍNUA ..................................................................................................................... 56
5.1 INÓCULO ................................................................................................................................................................. 56
5.2 MOSTO .................................................................................................................................................................. 58
5.3. CLASSIFICAÇÃO ....................................................................................................................................................... 60
5.4 NÚMERO DE DORNAS ................................................................................................................................................ 61
6. FERMENTAÇÃO DESCONTÍNUA ALIMENTADA ............................................................................................... 65
6.1 APLICAÇÕES ............................................................................................................................................................ 67
6.1.1 Minimização dos efeitos do controle do metabolismo celular .................................................................... 67
6.1.2 Prevenção da inibição por substrato ou precursores ................................................................................... 68
6.1.3 Minimização da formação de produtos de metabolismo tóxicos ................................................................ 68
6.1.4 Superação de problemas frequentes de estabilidade em processo contínuo .............................................. 69
6.1.5 Adequação do processo fermentativo a condições operacionais ................................................................ 69
6.1.6 Estudo de cinética de processos fermentativos ........................................................................................... 69
6.2 CLASSIFICAÇÃO ........................................................................................................................................................ 70
6.3 MODELOS MATEMÁTICOS .......................................................................................................................................... 71
6.3.1 Modelo para células .................................................................................................................................... 71
6.3.2 Modelo para substrato ................................................................................................................................ 72
3
6.3.3 Modelo para produto .................................................................................................................................. 73
7. FERMENTAÇÃOSEMICONTÍNUA ................................................................................................................... 75
7.1 PRODUTIVIDADE DO PROCESSO SEMICONTÍNUO .............................................................................................................. 75
8. FERMENTAÇÃO CONTÍNUA ........................................................................................................................... 78
8.1 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO PROCESSO CONTÍNUO EM RELAÇÃO AO DESCONTÍNUO ....................................................... 78
8.2 FORMAS DE OPERAÇÃO NO SISTEMA CONTÍNUO .............................................................................................................. 79
8.2.1 Equacionamento para o reator contínuo ideal sem reciclo de células ........................................................ 80
8.2.2 Desvios do comportamento ideal devido à manutenção e ao decaimento celular ..................................... 85
8.2.3 Sistema contínuo com reciclo de células...................................................................................................... 86
8.2.4 Sistema contínuo em múltiplos estágios ..................................................................................................... 92
8.3 FORMAÇÃO DE PRODUTOS NO SISTEMA CONTÍNUO ......................................................................................................... 93
9. TECNOLOGIA DOS BIORREATORES ................................................................................................................ 97
9.1 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DE REATORES PARA CULTIVO DE BACTÉRIAS OU CÉLULAS ANIMAIS ................................................... 98
9.1.1 Critérios primários do projeto .................................................................................................................... 100
9.1.2 Fluxograma do processo ............................................................................................................................ 100
9.1.3 Desenho mecânico ..................................................................................................................................... 100
9.2 CONSTRUÇÃO DO FERMENTADOR............................................................................................................................... 102
9.2.1 Materiais de construção ............................................................................................................................ 102
9.2.2 Outros materiais ........................................................................................................................................ 104
9.2.3 Vedações assépticas .................................................................................................................................. 106
9.2.4 Detalhes construtivos ................................................................................................................................ 108
10. REATORES IDEAIS ........................................................................................................................................ 119
11. REATORES REAIS ......................................................................................................................................... 121
12. REATORES COM CÉLULAS IMOBILIZADAS .................................................................................................... 125
12.1 MÉTODOS DE IMOBILIZAÇÃO ................................................................................................................................... 125
12.1.1 Adsorção .................................................................................................................................................. 126
12.1.2 Ligação covalente .................................................................................................................................... 127
12.1.3 Envolvimento ........................................................................................................................................... 127
12.2 TIPOS DE BIORREATORES EMPREGADOS ..................................................................................................................... 128
12.2.1 Leito fixo .................................................................................................................................................. 129
12.2.2 Leito fluidizado ........................................................................................................................................ 129
12.3 ASPECTOS RELATIVOS AO TRANSPORTE DE MASSA ....................................................................................................... 131
12.3.1 Efeitos difusivos ....................................................................................................................................... 131
12.3.2 Modelagem matemática ......................................................................................................................... 132
12.4 PROCESSOS QUE UTILIZAM CÉLULAS IMOBILIZADAS ...................................................................................................... 132
12.4.1 Produção de etanol .................................................................................................................................. 133
12.4.2 Produção de antibióticos ......................................................................................................................... 134
12.4.3 Tratamento de resíduos ........................................................................................................................... 135
12.4.4 Produção de metabólitos utilizando células animais ............................................................................... 135
12.5.5 Utilização de microrganismos geneticamente modificados .................................................................... 135
12.5 CONCLUSÕES ....................................................................................................................................................... 136
13. REATORES COM ENZIMAS IMOBILIZADAS ................................................................................................... 137
13.1 REATORES ENZIMÁTICOS ........................................................................................................................................ 138
13.1.1 Tipos ........................................................................................................................................................ 138
13.1.2 Fatores a considerar na escolha do reator .............................................................................................. 138
13.1.3 Cinética de reatores enzimáticos ............................................................................................................. 139
13.2 EXEMPLO DE PROCESSO ENZIMÁTICO ........................................................................................................................ 142
13.2.1 Isomerização da glicose ........................................................................................................................... 142
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1. Engenharia bioquímica
1.1 Engenharia Bioquímica: uma aplicação sui generis da engenharia química
Durante a Segunda Guerra (1939-1945), os então “Aliados” concentraram
esforços consideráveis na consecução de um objetivo muito específico: transferir para
escala industrial o processo de laboratório, então conhecido, de produção de penicilina
por fermentação.
Ao lado de profissionais já de longa data envolvidos no estudo de atividades
microbianas, passaram então a atuar engenheiros químicos, com vistas à solução de
questões bastante complexas inerentes à desejada ampliação de escala.
Foi nesse período que nasceu o ramo da Engenharia Química que, maistarde,
por suas peculiaridades, receberia o nome de Engenharia Bioquímica.
Neste meio século de existência, esse novo ramo da Engenharia Química
progrediu rapidamente, conduzindo a muitos resultados de indiscutível importância
prática.
O objetivo da Engenharia Bioquímica é a aplicação dos conhecimentos da
Engenharia Química na solução de problemas que se apresentam na implantação de
processos biotecnológicos em larga escala, e em sua otimização.
Os problemas que se apresentam no âmbito da Engenharia Bioquímica são, com
frequência, de difícil solução, dadas as peculiaridades e complexidade dos sistemas em
que se desenvolvem os processos biotecnológicos.
A célula microbiana responsável pela transformação que nos interessa em um
dado processo realiza, além dessa transformação, um grande número de outras reações
com o objetivo, para ela absolutamente primordial, de manter-se viva e multiplicar-se. Isso
pode dificultar o estabelecimento de balanços materiais, além de afetar o rendimento do
processo considerado. O conhecimento das prováveis vias metabólicas que se
desenvolvem nas células é, neste particular, de grande auxílio, fornecendo muitas vezes
informações que indicam a maneira mais adequada de conduzir o processo que nos
interessa.
O fato inevitável, apontado há pouco, de a célula ter a única “preocupação” de
manter-se viva e multiplicar-se, também pode acarretar sérios problemas no estudo da
cinética da transformação que se tem em vista, uma vez que a velocidade de formação
do produto que nos interessa pode ser profundamente afetada pelas velocidades de
outras reações integrantes do metabolismo do microrganismo. Isso pode dificultar o
estabelecimento de modelos matemáticos, cuja importância na otimização e no controle
de processos já foi constatada muitas vezes.
A manutenção de um razoável grau de “homogeneidade” no reator, para que
todos os agentes da transformação se encontrem, pelo menos aproximadamente, nas
mesmas condições (temperatura, pH, concentrações de substâncias do meio), é outro
problema a ser considerado, principalmente em reatores industriais.
1.2 Histórico
É interessante notar como se deu o desenvolvimento da biotecnologia ao longo
dos anos. Cronologicamente ela pode ser dividida em 6 fases.
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A primeira fase durou até 1900. Nessa época apenas dois produtos eram
fabricados em grande escala: o vinagre e o álcool (incluindo as bebidas alcoólicas). A
operação se dava em reator batelada utilizando-se cepas de culturas puras.
A segunda fase abrange o período de 1900 a 1940. Fabricava-se um número
maior de produtos. Os fermentadores eram equipados com agitadores mecânicos e
passou a ser feita a aeração do meio. O controle do processo era feito através da
monitoração fora de linha do pH e da temperatura. O biorreator batelada alimentada
passou a ser utilizado.
A terceira fase começou em 1940 e vai até os dias de hoje. Aos produtos que já
eram fabricados acrescentou-se os antibióticos, os aminoácidos, as enzimas, etc. A
assepsia dos equipamentos e do meio de cultura, o controle de pH, de O2 dissolvido e de
temperatura tornaram-se prática comum. Com o avanço das técnicas de medição em
linha, a tendência atual é a monitoração e o controle do processo utilizando-se o
computador. Alguns processos passaram a ser realizados em operação contínua. O
controle de qualidade passou a ser importante e começou-se a empregar plantas piloto.
Técnicas de mutação e programas de seleção passaram a ser essenciais no
desenvolvimento de novos processos.
A quarta fase começou em 1960 com aplicação de técnicas de engenharia
genética para produzir cepas mais eficientes.
A quinta fase começou em 1979 com a aplicação da tecnologia do DNA-
recombinante. Essa técnica de engenharia genética tem propiciado a alteração de
microrganismos de modo que estes produzam substâncias que não são fabricadas
naturalmente por eles. A aplicação desta técnica já obteve como resultado prático a
produção em escala comercial de insulina por microrganismos.
A sexta fase data do início dos anos 80. Ela baseia-se principalmente em
aplicações médicas, notadamente em diagnóstico de doenças de origem virótica tais como
AIDS, rubéola, hepatite, etc., e monitoração de níveis de compostos importantes tais como
colesterol, glicose, ureia, etc.
1.3 Processo biotecnológico industrial genérico
Em qualquer processo biotecnológico industrial, o elemento central é o reator, pois
nele se desenvolvem, devidamente controladas, as transformações que nos interessam.
Isso não quer dizer que o reator constitui a etapa mais importante do processo. Para que
o resultado que se tem em vista seja alcançado, dois outros conjuntos de operações
devem ser também cuidadosamente considerados, a saber:
a) Os tratamentos iniciais: que antecedem a operação do reator e cuja a
finalidade é colocar o sistema nas condições previamente escolhidas, para que
as transformações, no reator, se desenvolvam a contento.
b) Os tratamentos finais: que englobam a separação e purificação dos produtos
e subprodutos obtidos, bem como o tratamento dos resíduos formados.
A Figura 1.1 representa, esquemática e resumidamente, as etapas de um processo
biotecnológico industrial.
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Figura 1.1: Representação esquemática de um processo biotecnológico industrial
genérico.
Quando os agentes das transformações que ocorrem no reator são uma enzima
(purificada ou não), ou uma mistura de enzimas (também mais ou menos purificadas), ou
ainda células inativas ou mortas (que, neste caso, funcionam como simples suportes das
enzimas), o processo recebe a denominação genérica de processo enzimático.
Por outro lado, se os agentes das transformações são microrganismos vivos, de
modo que as reações que se desenvolvem no reator são consequências da atividade vital
das células microbianas, o processo é denominado processo fermentativo. Nesse caso, o
reator é, muito frequentemente, também chamado fermentador ou dorna.
Cumpre não esquecer que a atividade vital dos microrganismos responsáveis por
um processo fermentativo é sempre o resultado de considerável número de reações
enzimáticas. A rigor, portanto, quer nos processos chamados enzimáticos, quer nos
denominados fermentativos, enzimas são, em última análise, os catalisadores das
transformações que ocorrem no reator.
1.4 Microrganismos e meios de cultura para utilização industrial
O objetivo principal deste item é descrever as características gerais que
microrganismos e meios de cultura devem apresentar, a fim de ser possível utilizá-los em
uma operação industrial de grande porte, ou seja, executada em biorreatores com
volumes de dezenas de milhares de litros.
A Figura 1.2 apresenta um esquema geral de um processo fermentativo, na qual
buscou-se ressaltar alguns pontos essenciais, que permitem um início de discussão
dentro do objetivo acima traçado.
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Figura 1.2: Esquema geral de um processo fermentativo.
Como se pode observar na Figura 1.2, o sucesso de um dado processo
fermentativo depende muito de uma correta definição de quatro pontos básicos: o
microrganismo, o meio de cultura, a forma de condução do processo fermentativo e as
etapas de recuperação do produto.
Esses quatro pilares de um processo fermentativo interagem enormemente,
sendo necessário buscar defini-los de forma conjunta, levando em consideração aspectos
biológicos e econômicos, o que torna bastante complexa esta adequada definição. Para
tornar clara essa ideia, pode-se mencionar que sempre se pretende empregar meios de
cultura baratos, mas deve-se lembrar que o microrganismo deve encontrar neste meio
condições adequadas para realizar a conversão pretendida.
Em termos de forma de condução do processo fermentativo, seria difícil imaginar
a produção presente de etanol no Brasil (mais de 15 bilhões de litros por ano), caso não
se operasse os biorreatores em sistema descontínuo alimentado,ou mesmo contínuo,
porém com o reciclo das células. Da mesma forma, o grande avanço alcançado pela
digestão anaeróbia no tratamento biológico de águas residuais, deveu-se muitíssimo ao
surgimento dos reatores contínuos operados com fluxo ascendente e reciclo interno de
células.
As operações finais para a recuperação do produto são igualmente da mais alta
importância. Sabe-se que a melhor forma presentemente para a recuperação do etanol,
após uma fermentação alcoólica, é a operação de destilação, mas ela incide
significativamente no custo do produto final, em virtude da energia necessária para a sua
execução. No entanto, a importância de uma adequada definição das operações de
recuperação do produto, fica mais clara quando se aborda a produção de produtos de alto
valor agregado, como a produção de antibióticos, enzimas, ou outras proteínas. Para
esses casos, as operações de recuperação do produto podem ser responsáveis por 50 a
70% do custo do produto final, indicando, claramente, a sua importância em termos de
uma adequada definição.
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1.5 Fontes de microrganismos de interesse
Microrganismos que possam ter interesse industrial, podem ser obtidos
basicamente das seguintes formas:
- isolamento a partir de recursos naturais;
- compra em coleções de culturas;
- obtenção de mutantes naturais;
- obtenção de mutantes induzidos por métodos convencionais;
- obtenção de microrganismos recombinantes por técnicas de engenharia
genética.
O isolamento de microrganismos a partir de recursos naturais, tais como solo,
água, plantas, etc., sempre foi uma atividade de grande importância para a obtenção de
novas linhagens de interesse industrial. Trata-se de uma atividade que envolve muito
trabalho experimental, significando um custo relativamente elevado, porém pode conduzir
ao isolamento de linhagens melhor produtoras de um dado produto, mas, mais importante
do que isto, pode conduzir à descoberta de novos produtos, o que confere a esta
possibilidade uma relevância inquestionável.
Grandes empresas produtoras de antibióticos, ou enzimas, mantêm programas de
isolamento de linhagens de recursos naturais, justamente com o objetivo de incrementar
a produção de certos produtos, ou com o objetivo de encontrar linhagens produtoras de
novos antibióticos por exemplo.
É claro que o isolamento de linhagens deve ter início com certas premissas,
definindo-se o que se pretende obter, pois o simples isolamento poderá levar à
disponibilidade de um número inimaginável de culturas, o que dificulta a convergência
para o processo ou o produto que se pretende produzir.
Como se sabe, quando uma dada célula prolifera, há sempre uma pequena
possibilidade de surgimento de mutantes naturais, os quais podem ser isolados e
ensaiados objetivando a verificação de sua potencialidade de produção. Essas alterações
naturais não são, de forma alguma, interessantes do ponto de vista de um processo
fermentativo, mas eventualmente podem gerar novas linhagens que apresentem interesse
prático.
No entanto, aguardar o surgimento de mutantes naturais de interesse prático,
poderá significar o dispêndio de muito tempo, razão pela qual prefere-se, há já várias
técnicas, lançar mão de métodos que forcem o aparecimento de células mutadas, como é
o caso de submeter suspensões de células ou esporos a radiações ultravioleta ou a
substâncias químicas mutagênicas. Ao se permitir esta exposição ou contato, ocorre uma
drástica destruição da maioria das células, recuperando-se, a seguir, aquelas que
sobreviveram, verificando-se se mutaram na direção desejada.
Essa técnica para a obtenção de mutantes é obviamente aleatória, tratando-se de
recuperar as células sobreviventes em meios ou condições específicas, de forma a dirigir
este isolamento para as células que se pretende. Tais programas de mutação/seleção
costumam ser bastante dispendiosos, mas levaram a várias condições de sucesso
descritas na literatura.
1.6 Características desejáveis de microrganismos
Neste item serão abordadas algumas características gerais que microrganismos e
meios de cultura devem apresentar, a fim de que seja possível o estabelecimento de
processo produtivo em larga escala. No entanto, o desempenho de um dado
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microrganismo depende muito da composição do meio de cultura em que é colocado.
Como se pretende expor características gerais, quando da análise de um dado processo
fermentativo, é possível que algumas dessas características não se apliquem, enquanto
outras, não abordadas no presente texto, poderão ser de grande importância.
Para uma aplicação industrial, espera-se que microrganismos apresentem as
seguintes características gerais:
- apresentar elevada eficiência na conversão do substrato em produto;
- permitir o acúmulo do produto no meio, de forma a se ter elevada concentração do
produto no caldo fermentado;
- não produzir substâncias incompatíveis com o produto;
- apresentar constância quanto ao comportamento fisiológico;
- não ser patogênico;
- não exigir condições de processo muito complexas;
- não exigir meios de cultura dispendiosos;
- permitir a rápida liberação do produto para o meio.
De fato, uma célula deve permitir elevada conversão do substrato em produto, pois,
com muita frequência, as matérias-primas incidem pesadamente no custo do produto final,
podendo-se mencionar uma incidência de 38 a 73% do custo total de produção como
sendo devido às matérias-primas, em particular a fonte orgânica de carbono.
Por outro lado, é sempre desejável que o microrganismo permita um elevado
acúmulo do produto no meio, sem sofrer inibição mais acentuada em virtude deste
acúmulo, pois isto concorre para uma redução nos custos de recuperação, os quais
também podem ser muito acentuados.
Toma-se como exemplo o caso da fermentação alcoólica, aqui representada
simplificadamente pela equação química final (glicose em anaerobiose sendo convertida
em etanol e gás carbônico):
C6H12O6 → 2C2H5OH + 2CO2
Como se pode observar, o fator estequiométrico é igual a 0,511, ou seja, cada
grama de glicose convertida gera 0,511g de etanol, sendo que o Saccharomyces
cerevisiae, normalmente empregado nesta fermentação, com frequência permite obter um
rendimento da ordem de 90% deste valor estequiométrico, o que torna este microrganismo
o mais importante para realizar esta conversão, lembrando que vários outros também
podem acumular etanol, a partir da glicose, porém não com este rendimento tão elevado.
Obviamente, não se consegue manter um processo de fermentação alcoólica
obtendo-se 100% de rendimento, pois as células têm de proliferar, o que significa a síntese
de muitos outros compostos intermediários, sendo o acúmulo de etanol a via metabólica
que permite a geração de energia na forma de ATP (glicólise). Claro está que esse é um
ponto fundamental, pois a matéria-prima incide em algo como 60% do custo do etanol e,
desta forma, baixos rendimentos tornariam inviável a produção deste produto de baixo
valor agregado.
Por outro lado, sabe-se que quando se atinge 8 a 10% (em volume) em etanol no
vinho fermentado, já ocorre uma clara inibição da levedura, o que faz com que a
velocidade da conversão do açúcar em etanol fique prejudicada, razão pela qual procura-
se não ultrapassar estes valores, pelo menos na produção de álcool combustível (não se
está aqui comentando o caso de bebidas alcoólicas).
Isso significa a necessidade de destilar um líquido que contém apenas 10% de
etanol, o que – além do dispêndio de energia – ainda irá gerar 90% de resíduo na forma
de vinhaça, que necessita encontrar um destino adequado.
O ideal seria encontrar leveduras mais resistentes ao etanol, porém sem que ocorra
queda na velocidade da fermentação alcoólica (sem queda na produtividade), o que não
é tarefa simples.
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De qualquer forma, fica claro que a conversão da matéria-prima em produto já é
muito elevada, o que não permite visualizar grandes incrementos, lembrando, novamente,a necessidade de manter a viabilidade celular para que a fermentação não seja
interrompida.
Uma situação bem diversa é a que ocorre com os processos aeróbios, por exemplo,
na produção de enzimas ou antibióticos. Nesse caso, a conversão do açúcar pode ser
representada esquematicamente da seguinte forma:
Açúcar + O2 → células + CO2 + H2O + Intermediários + Produto
Nesse caso, por se operar em aerobiose, a quantidade de células geradas costuma
ser muito intensa, em relação ao açúcar consumido, ao lado de uma quantidade
relativamente pequena do produto alvo (antibiótico ou enzima). Se, por um lado, o custo
da matéria-prima incide menos pesadamente no custo do produto final, as operações de
recuperação do produto são necessariamente mais onerosas (chega-se a valores da
ordem de 70%), mas o produto alvo é de mais alto valor agregado.
Assim, ao se encontrar linhagens que cresçam relativamente menos, ou que
acumulem menos compostos intermediários, é possível visualizar grandes incrementos
na síntese do produto.
Mesmo permitindo o acúmulo do produto no meio, a célula produtora deve, ainda,
contar com a característica de não produzir substâncias que sejam incompatíveis com o
produto, pois isto pode levar a uma situação de desinteresse pelo processo produtivo.
Esse é o caso, por exemplo, de se estar interessado na produção de uma dada
enzima, ou proteína, mas se utilizar uma linhagem que também seja uma boa produtora
de proteases extracelulares. Assim, ao se produzir a enzima, separar as células e
armazenar o produto, pode-se ter uma redução sensível da atividade enzimática em
virtude da ação das proteases.
Um exemplo adicional, mais específico, é sobre a produção de glicoamilase por
Aspergillus. Como se sabe, a glicoamilase é a enzima que hidrolisa o amido gerando
glicose, sendo, pois, de muito interesse em várias aplicações, destacando-se o preparo
de xaropes de glicose para a indústria de alimentos. Ocorre que alguns microrganismos
produtores de glicoamilase também sintetizam a transglicosidase, enzima esta que,
quando na presença de glicose, volta a polimerizá-la, gerando moléculas que não são
mais hidrolisadas pela glicoamilase.
Na realidade, a presente característica desejável em uma célula pode ser bem mais
generalizada. Um microrganismo ideal, quanto ao aspecto agora abordado, deve produzir
o mínimo de outras substâncias, ao mesmo tempo em que sintetiza o composto
pretendido. Isso leva a uma maior disponibilidade de nutrientes para a síntese do produto,
mas também permite vislumbrar uma maior facilidade na recuperação deste produto.
Uma outra característica, da mais alta importância, refere-se à estabilidade
fisiológica da linhagem a ser empregada industrialmente. Isso significa que não basta que
se tenha uma linhagem hiperprodutora de uma dada substância de interesse, mas que se
conheça as técnicas mais adequadas para a sua conservação e, mais ainda, que ela se
mantenha como excelente produtora da substância de interesse ao longo de todas as
etapas envolvidas desde sua proliferação em nível de laboratório, germinadores e
biorreator principal.
Assim sendo, o constante estudo dessas formas de conservação mais adequadas
das linhagens é tarefa das mais importantes, mantendo-se, na indústria, aquelas
realmente de interesse, assim como o imediato descarte dos lotes que demonstrem
alguma tendência à atenuação quanto ao acúmulo do produto no meio. Para a célula há
sempre a tendência a otimizar o crescimento, em detrimento da síntese do produto, motivo
pelo qual não basta verificar, em termos de metodologias de conservação, se a célula
cresce, mas se ela continua a acumular o produto de maneira eficaz.
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A operação de biorreatores de grande porte, conforme mencionado anteriormente,
do ponto de vista técnico e econômico, praticamente exige o emprego de microrganismos
não patógenos, os quais possam ser manuseados sem riscos ambientais, particularmente
nas etapas seguintes em relação ao término do processo fermentativo. Mesmo durante a
fermentação, caso se manuseasse microrganismos patógenos em reatores de dezenas
de milhares de litros, os cuidados teriam de ser bastante aumentados, particularmente
com os gases efluentes, o que incidiria em custos adicionais.
O cultivo de patogênicos é efetuado, por exemplo, para a produção de vacinas, em
reatores de pequeno porte (da ordem de centenas ou poucos milhares de litros), porém
confinados em câmaras assépticas, tomando-se precauções necessárias para a não
ocorrência de contaminação do meio ambiente. Isso, logicamente, significa custo
adicional, o qual pode ser justificado no caso de produção de vacinas, mas tornaria inviável
a produção de uma enzima ou mesmo um antibiótico.
Um microrganismo também não deve exigir condições de processo muito
complexas, por motivos claros de economicidade da produção, sendo que dentro deste
tópico muitos aspectos podem ser abordados.
Como se sabe, sempre existem valores ótimos do pH e da temperatura, por
exemplo, em termos do acúmulo do produto. No entanto, também se sabe que o controle
preciso do pH e da temperatura apenas é possível em reatores de bancada, sendo que
em reatores de grande porte (dezenas de milhares de litros), deverá ocorrer uma certa
heterogeneidade ao longo da altura do reator, de forma que a célula deverá manter o seu
desempenho, apesar de uma certa flutuação nos valores destas grandezas tomadas como
exemplo. Em outras palavras, o ideal é que o microrganismo tenha uma faixa de valores
ótimos dessas grandezas e não valores pontuais, particularmente no que se refere ao
acúmulo do produto. Os microrganismos podem ser classificados de acordo com a
temperatura em que seu crescimento é pleno em:
- Mesófilos: se desenvolvem em temperaturas médias entre 20°C e 40°C.
- Termófilos: se desenvolvem em temperaturas entre 45°C e 100°C. A principal vantagem
desses microrganismos sobre os outros que crescem em temperaturas inferiores é o
metabolismo mais rápido.
- Psicrófilos: se desenvolvem em temperaturas baixas entre -4°C e 15°C. Estes
microrganismos, por sua vez, apresentam taxas metabólicas bastante reduzidas.
Quanto ao pH, existe uma faixa ótima de concentração de íons hidrogênio para o
desenvolvimento de microrganismos, embora a faixa de pH em que eles se desenvolvam
seja relativamente ampla. As bactérias preferem os meios neutros (pH 7 – 7,5), sendo a
maioria tolerantes a pH entre 6 e 9. As leveduras e os mofos preferem meios relativamente
ácidos de pH 3 a 6. Os microrganismos geralmente crescem melhor no pH do seu habitat
natural. Em muitos casos, o próprio microrganismo, como resultado do seu metabolismo,
exerce papel preponderante na definição do pH ideal para o seu crescimento. Bactérias
produtoras de ácido, mofos e leveduras aumentam a concentração de íons hidrogênio no
ambiente e tendem a crescer melhor em valores de pH moderadamente baixos. Outras
bactérias, especialmente as putrefativas que decompõem proteínas em aminoácidos e
amônia, aumentam o pH do ambiente e vivem bem em condições alcalinas.
Nessa direção, são igualmente muito interessantes os microrganismos que
conseguem manter um bom desempenho, quando cultivados em baixas concentrações
de oxigênio dissolvido. A necessidade de manutenção de altas concentrações de oxigênio
dissolvido traz problemas bastante sérios no tocante a um maior dispêndio de energia, em
virtude de uma maior agitação e aeração do meio. Nesse sentido, os microrganismos que
crescem de forma aglomerada (forma miceliar, por exemplo), são sempre mais
complicados, pois a concentração de oxigênio no meio de cultivo terá de ser mais elevada,
12
a fim de que as células mais internas destes aglomerados tenham acesso a este oxigênio,
quando comparadas às células que crescem isoladamente.
Quanto ao requerimento de oxigênio, os microrganismos podem ser classificados
em:
- Aeróbios: necessitam de oxigênio para sua sobrevivência. O oxigênio participa do
metabolismodesses microrganismos como receptor final de elétrons. Bacillus;
Pseudomonas e Streptomyces pertencem a esta classe.
- Anaeróbios: não sobrevivem na presença de oxigênio, que é tóxico para esta classe de
microrganismos. As espécies do gênero Clostridium incluem-se nesta classe.
- Anaeróbios facultativos: sobrevivem na ausência ou na presença de oxigênio. Tais
organismos podem ser subdivididos em dois grupos, dependendo se o oxigênio é
ativamente metabolizado ou é meramente tolerado. As bactérias acéticas (Streptococcus,
Leuconostoc e Lactobacillus) pertencem ao grupo que obtém energia exclusivamente de
fermentação, embora não sejam prejudicadas pelo oxigênio. Por outro lado, bactérias
coliformes, tal como Escherichia coli, podem obter energia de fermentação ou respiração.
O desenvolvimento ótimo destes microrganismos geralmente acontece em uma das duas
condições. Zymomonas mobilis, por exemplo, se desenvolve na presença de oxigênio,
porém não o utiliza no seu metabolismo e a taxa de crescimento é inferior quando na sua
ausência.
- Microaerófilos: precisam de oxigênio para sobreviver, mas a concentrações muito baixas.
- Aerotolerantes: são bactérias anaeróbias que crescem em pressões de oxigênio
inferiores à da atmosfera terrestre.
Quanto à pressão osmótica, a pressão osmótica de microrganismos é
independente da pressão do meio de cultura em que eles estão suspensos. Quando uma
célula é colocada em um meio, uma pressão osmótica é exercida através de sua
membrana semipermeável. Um microrganismo normalmente cresce melhor em meios que
tenham concentrações osmóticas levemente inferiores à sua própria. Isso causa o fluxo
de água para o interior da célula, condição essencial para a difusão de nutrientes e
manutenção de uma pressão exercida de dentro para fora da célula.
Quando se opera com linhagens que excretam quantidades exageradas de
proteínas para o meio, há uma questão adicional, pois a geração de espuma
frequentemente se atribui à presença de proteínas no meio de cultivo, situação ainda mais
complexa para os processos aeróbios, devido à necessidade de aerar e agitar o conteúdo
do biorreator.
Em geral, a geração de espuma pode ocorrer no início de um processo fermentativo
aeróbio, quando se empregam meios de cultivo contendo extratos de carne ou de
levedura, ou água de maceração de milho, e nas etapas mais avançadas de um processo
em virtude da presença de proteínas. Isso causa sérios problemas, como a necessidade
de empregar um menor volume útil do reator, a fim de ter condições de controlar a espuma,
além da frequente necessidade de empregar antiespumantes que, além de onerarem o
produto final, ainda podem causar dificuldades nas etapas de recuperação do produto e
uma redução na transferência de oxigênio, o que exige o aumento da agitação e da
aeração, agravando a situação. Assim, é importante a seleção de microrganismos que
excretem poucas proteínas juntamente com o produto desejado.
As características que um meio de cultivo deve apresentar serão discutidas a
seguir, neste momento convém mencionar que o microrganismo selecionado para um
processo industrial não deve exigir meio de cultura extremamente oneroso, por questões
claramente de economia do processo produtivo. Essa é a razão pela qual um maior
conhecimento das necessidades nutricionais de uma linhagem é estudo de vital
importância, objetivando o fornecimento dos nutrientes apenas necessários.
13
1.7 Meios de cultura para aplicação industrial
É sempre muito difícil mencionar características de microrganismos, sem associá-
los a um determinado meio de cultivo.
Algumas características gerais que devem ser consideradas são:
- ser o mais barato possível;
- atender às necessidades nutricionais do microrganismo;
- auxiliar no controle do processo, como é o caso de ser ligeiramente tamponado, o que
evita variações drásticas de pH, ou evitar uma excessiva formação de espuma;
- não provocar problemas na recuperação do produto;
- os componentes devem permitir algum tempo de armazenagem, a fim de estarem
disponíveis todo o tempo;
- ter composição razoavelmente fixa;
- não causar dificuldades no tratamento final do efluente.
Todas essas características são importantes, destacando-se o custo do meio de
cultura, que deve ser o menor possível, desde que atenda às necessidades do
microrganismo selecionado. Justamente essa combinação de atender às necessidades
nutricionais do microrganismo, a fim de que o produto possa ser sintetizado, e ser
minimamente oneroso, é que, com frequência, acaba por causar certas complicações.
Os microrganismos retiram do meio ambiente todas as substâncias necessárias
para a síntese de material celular e de obtenção de energia. As necessidades dos
microrganismos variam muito. Organismos autotróficos podem sintetizar todos os
metabólitos necessários pela célula a partir de compostos inorgânicos; os heterótrofos
requerem um ou mais nutrientes orgânicos. Essas diferenças nutricionais refletem
diferenças na habilidade de síntese dos microrganismos. A habilidade em usar diferentes
compostos como fonte de energia e de sintetizar proteínas e compostos do citoplasma a
partir de compostos inorgânicos depende da presença de uma série de enzimas, sem as
quais as células tornam-se mais exigentes nutricionalmente. A formação dessas enzimas
é diretamente controlada pela genética da célula. A falta ou a repressão de um ou mais
genes que codificam a formação de uma destas enzimas reflete-se diretamente nas
necessidades nutricionais da célula.
Como se sabe, os microrganismos utilizam como fonte de carbono, e
frequentemente de energia, diversos açúcares, tais como: glicose, sacarose, frutose, ou
ainda polissacarídeos, como o amido. Outras fontes de carbono menos comuns abrangem
uma faixa de compostos, indo desde os mais simples como metano e metanol às mais
complexas como celulose e hemicelulose. No entanto, a eficiência de assimilação destes
compostos, do ponto de vista biotecnológico, é muito menor do que as fontes tradicionais.
O carbono representa de 45 a 50% do peso seco celular. É o componente básico para a
biossíntese, fazendo parte de todos os compostos sintetizados pela célula.
Como fonte de nitrogênio são frequentemente utilizados sais, como o (NH4)2SO4 (o
qual costuma provocar reduções significativas no pH e, em alguns casos, fenômenos de
inibição pelo sulfato), o (NH4)2HPO4, ou aminoácidos, ou a ureia (a qual permite reduzir os
problemas de controle do pH). O nitrogênio consiste de 10 a 15% do peso seco das
células. É assimilado sob forma amoniacal. Fontes de nitrogênio em outras formas que
não a amoniacal são primeiro transformadas em íons amônio sendo então utilizadas
normalmente no metabolismo celular.
Como fonte de fósforo utilizam-se os fosfatos solúveis, como o monoamônio fosfato
(MAP), ou o diamônio fosfato (DAP), os quais passam a ser fontes de nitrogênio e fósforo
simultaneamente. O fósforo é importante na regulação do metabolismo celular e no
fornecimento de fosfatos para a geração de energia.
14
Ainda, necessita-se adicionar outros elementos, como: Na, K, Ca, Fe, Cu, Mg, Mn,
Co, etc, em concentrações frequentemente muito reduzidas (na ordem de miligramas por
litro de cultura), na forma de seus sais solúveis. Estes compostos, às vezes, estão
presentes como impurezas de outros ingredientes do meio de cultura.
Meios de cultura constituídos apenas por essas substâncias costumam ser
chamados de meios definidos, ou meios sintéticos, cuja composição química é sempre
muito bem conhecida e pode ser reproduzida a qualquer instante. Por essa razão, para as
células que apresentam bom desempenho em meios desse tipo, espera-se a ocorrência
de um sistema produtivo muito estável além de, em geral, não apresentarem problemas
quanto à recuperação e purificação do produto final. Esses meios, mesmo sendo mais
onerosos, podem ser preferidos, caso realmente permitam uma maior economia nas
etapas de recuperaçãodo produto.
No entanto, para uma grande variedade de linhagens, há a necessidade da adição
de certos “fatores de crescimento”, ou seja, alguns aminoácidos específicos ou vitaminas.
Claro está que, quando se conhecem essas necessidades específicas, o que nem sempre
é o caso, é possível adicionar essas substâncias puras, afim de manter o meio em sua
forma mais definida, mas o custo destes meios pode tornar-se inviável, particularmente
para instalações de grande porte, a menos que isto signifique um enorme ganho
econômico na recuperação do produto, ou preserve alguma característica fundamental
deste produto, necessariamente de alto valor agregado.
Alternativamente, para suprir as necessidades de linhagens mais exigentes e, em
geral, com características nutricionais mal conhecidas, pode-se adicionar certos materiais
complexos como: extrato de levedura, extrato de carne, extrato de malte, peptona
(hidrolisado de proteínas), etc. Esses materiais (individualmente ou adicionados
conjuntamente) permitem introduzir no meio de cultura os fatores faltantes em um meio
definido, mas, além de onerosas, são complexas e de composição variável ao longo do
tempo de armazenagem e na dependência do fabricante e do lote empregado. Assim,
pode-se imaginar a ocorrência de oscilações no processo fermentativo, além de possíveis
dificuldades nas operações de recuperação do produto final, dependendo das
características deste produto e das operações de recuperação.
É frequente observar-se, nos trabalhos básicos de isolamento ou seleção de
linhagens, o emprego de meios contendo quantidades muito grandes desses extratos ou
hidrolisados (vários gramas por litro, ou mesmo dezenas de gramas por litro). Dessa
forma, no desenvolvimento do processo produtivo, uma das tarefas iniciais é verificar a
possibilidade da obtenção de iguais desempenhos, porém em meios isentos desses
materiais, ou com a adição de quantidades mínimas, tendo em vista o custo envolvido.
1.8 Modos de fermentação
Os modos de fermentação podem ser classificados como descontínuos ou
batelada, semi-contínuo ou contínuo.
1.8.1 Operação em batelada
Na operação em batelada todos os nutrientes e substratos são alimentados ao
reator antes da inoculação das células, durante a operação não há adição de nutrientes
e/ou substratos, embora adiciona-se ácidos ou base para controle de pH, gases para
manter aerobicidade (ar ou oxigênio puro) ou anaerobicidade (CO2, N2, etc.), conforme o
caso, e retira-se os gases provenientes da fermentação. A maioria dos processos
15
fermentativos tradicionais são conduzidos em batelada. Um bom exemplo é a produção
de etanol nas destilarias brasileiras.
A destilação em batelada oferece grande flexibilidade operacional: o vaso de
reação e os equipamentos associados podem produzir uma única batelada de um produto,
podendo ser utilizado imediatamente para a fabricação de um outro produto de maior
demanda. Essa versatilidade é particularmente importante na indústria farmacêutica, onde
a variedade de produtos é grande, mas a quantidade de cada produto é pequena.
1.8.2 Operação em batelada alimentada
Consiste em adicionar contínua ou intermitentemente, um ou mais nutrientes
precursores ou substrato ao reator durante a fermentação. A melhor forma de adicionar
os nutrientes é fortemente dependente da cinética de crescimento e de formação do
produto apresentada pelo microrganismo.
A operação em batelada alimentada é particularmente eficiente na redução dos
efeitos indesejáveis causados pela concentração elevada no meio de cultura de
compostos nocivos, mas essenciais, aos microrganismos, através da adição controlada
dos mesmos. Este tipo de operação é também eficiente na redução da fase de adaptação,
no aumento do período de operação devido à manutenção da viabilidade das células por
períodos prolongados, e na redução da viscosidade em fermentação de polissacarídeos.
O potencial da técnica de operação em batelada alimentada foi percebido no início
deste século, quando observou-se que a adição incremental de malte resultava em
aumento no rendimento de leveduras sem o acúmulo excessivo de etanol. Desde esta
época, a fermentação em batelada alimentada tem sido usada para fabricar uma grande
variedade de produtos tais como antibióticos, enzimas, aminoácidos, álcoois, etc.
1.8.3 Operação contínua
Na operação contínua substratos e nutrientes são continuamente alimentados ao
reator e substratos e nutrientes são consumidos, produtos e células são retirados do
reator. Em operação estacionária a vazão de retirada iguala-se à vazão de entrada.
Combinações dos modos de operação apresentados acima são possíveis. Dentre
estas merece destaque a operação tendo reatores batelada em série, repetidas bateladas
e reator contínuo com reciclo.
O modo ideal de operação do reator biológico é fortemente dependente do tipo de
processo que se está conduzindo.
16
2. Cinética Enzimática
A Cinética de Reações Enzimáticas é, a vigor, um caso particular da Cinética
Química. Seus objetivos são:
a) Medir as velocidades das transformações que se processam;
b) Estudar a influência de condições de trabalho (como, por exemplo,
concentrações dos reagentes e das enzimas, temperatura, pH, concentrações
de ativadores e de inibidores) naquelas velocidades;
c) Correlacionar (quer por meio de equações empíricas, quer por meio de
modelos matemáticos) as velocidades das transformações com alguns dos
fatores que as afetam;
d) colaborar na otimização do processo considerado;
e) estabelecer critérios para o controle do processo;
f) projetar o reator mais adequado.
Esses objetivos, resumidamente apontados, dispensam comentários adicionais
relativos à importância prática desse estudo.
Em um curso de graduação não cabe um estudo aprofundado, com vistas ao exame
de todos os casos conhecidos e de todos os importantes pormenores inerentes a sistemas
complexos. Visa-se, tão somente, estudar alguns casos simples, com o principal objetivo
de adquirir e consolidar conhecimentos fundamentais indispensáveis a futuros
desenvolvimentos.
2.1 Medida da velocidade
Consideremos o caso em que, em solução aquosa, um dado substrato, de fórmula
molecular S, é transformado em produtos de fórmulas moleculares P, Q, etc., em uma
reação catalisada por uma enzima de fórmula molecular E. Esquematicamente:
S → P + Q + ...
Como exemplo, poderíamos citar a decomposição da água oxigenada em água e
oxigênio, na presença da enzima catalase:
H2O2 → H2O + 1/2O2
O primeiro problema que nos apresenta, ao pretendermos estudar a cinética da
reação, é a medida de sua velocidade em condições experimentais conhecidas.
Suponhamos que seja possível, no sistema que nos interessa, medir a
concentração do substrato (ou de um dos produtos) durante o desenvolvimento da reação
a partir de seu início. Essas medidas conduzirão a curvas do tipo das representadas na
Figura 2.1. Essas cursas nos mostram que a velocidade de consumo do substrato (ou de
formação do produto escolhido) varia com o tempo, porque, como consequência da
reação, variam as condições em que o sistema se encontra. De fato, durante o
desenvolvimento da reação, mesmo mantendo-se constantes a temperatura e o pH, a
concentração do substrato decresce e a concentração da enzima, levando em conta sua
17
habilidade, também pode diminuir consideravelmente, sem esquecer que, em muitos
casos, os produtos formados podem atuar como inibidores da ação catalítica da enzima.
Figura 2.1: Representação esquemática das variações das concentrações do
substrato e do produto. Medidas das velocidades no instante t e das velocidades iniciais
(t=0).
A rigor, portanto, o único instante em que as condições experimentais são
conhecidas é no instante inicial. Por este motivo a velocidade da reação enzimática deve
ser calculada,sempre que possível, no instante t=0, obtendo-se assim a velocidade inicial
ou de consumo do substrato, ou de formação do produto (ver Figura 2.1).
Muitas são a reações enzimáticas cujas velocidades iniciais podem ser
determinadas, desde que se tomem os devidos cuidados experimentais. Além da já citada
decomposição da água oxigenada, poderíamos citar, a título de exemplos, a hidrólise da
sacarose catalisada pela invertase e a hidrólise da ureia, catalisada pela urease.
Há, porém, casos mais complexos, em que a velocidade inicial não pode ser
medida, ou porque não existe uma técnica experimental que permita acompanhar as
variações das concentrações no sistema em estudo ou porque a transformação não pode
ser representada por uma equação química com reagentes e produtos bem definidos. A
velocidade da reação, nesses casos, é frequentemente representada por uma velocidade
média de consumo, ou de produção, de substâncias convenientemente escolhidas (ver
Figura 2.2) ou, ainda, de variação de uma propriedade do sistema (viscosidade, textura,
absorbância, etc.) em um intervalo de tempo prefixado. O amolecimento de carnes pela
ação da papaína é um exemplo de processo enzimático em que não há condições de
medir uma velocidade inicial.
18
Figura 2.2: Medida da velocidade média de formação do produto no intervalo de tempo
∆t.
2.2 Influência das concentrações da enzima e do substrato. Lei de Michaelis e
Menten.
Consideremos uma dada reação enzimática cuja velocidade inicial pode ser
determinada experimentalmente. Imaginemos vários ensaios diferindo, um do outro,
apenas pela concentração inicial da enzima. A experiência mostra que, dentro de certos
limites, a velocidade da reação é proporcional à concentração da enzima (Figura 2.3).
Figura 2.3: Representação esquemática da influência da concentração da enzima na
velocidade da reação.
Se, porém, os ensaios realizados diferirem entre si apenas pela concentração inicial
do substrato, a velocidade inicial da reação será afetada, como indica a Figura 2.4. Em
outras palavras, a curva obtida é análoga à que se observa em fenômenos em que ocorre
saturação: a velocidade da reação é função crescente da concentração do substrato até
um determinado valor dessa concentração, mantendo-se praticamente constante para
concentrações de substrato superiores a esse valor.
19
Figura 2.4: Representação esquemática da influência da concentração do substrato na
velocidade da reação.
O modelo cinético de Michaelis e Menten é, ainda hoje, um dos mais aceitos com
o objetivo básico de explicar a influência das concentrações iniciais de enzima e de
substrato na velocidade inicial da reação enzimática. As hipóteses básicas desse modelo
são:
a) o substrato e a enzima reagem reversivelmente entre si formando um composto
intermediário denominado complexo enzima-substrato;
b) o complexo formado ou se decompõe, ou reage com outra substância,
regenerando a enzima e formando os produtos da reação.
Consideremos o caso mais simples possível, caracterizado pelos seguintes pontos:
a) a formação do complexo enzima-substrato se dá na proporção de 1 mol de
substrato para 1 mol de enzima, produzindo 1 mol do complexo;
b) o complexo formado se decompõe, sem reagir com outras substâncias existentes
no sistema.
Esquematicamente, teremos, em um dado instante t:
𝐸⏟
𝑒−𝑥
+ 𝑆⏟
𝑠−𝑥
𝑘1𝑒𝑘2
⇔ 𝐸𝑆⏟
𝑥
𝑣 𝑒 𝑘3
⇒ 𝐸 + 𝑃
sendo;
k1 = constante de velocidade de formação do complexo
k2 = constante de velocidade de dissociação do complexo
k3 = constante de velocidade de decomposição do complexo formando o produto
𝑣 = velocidade de formação do produto
s = molaridade inicial do substrato
e = molaridade inicial da enzima
x = molaridade do complexo no instante t
Podemos, então, escrever:
𝑑𝑥
𝑑𝑡
= 𝑘1(𝑒 − 𝑥)(𝑠 − 𝑥) − 𝑘2. 𝑥 − 𝑘3. 𝑥
Admitindo, o que é muito comum na prática, que a concentração do substrato é
muito maior que a da enzima e, portanto, muito maior que a do complexo, podemos
desprezar x em relação a s. A equação acima será, então:
𝑑𝑥
𝑑𝑡
= 𝑘1(𝑒 − 𝑥). 𝑠 − (𝑘2 + 𝑘3). 𝑥
20
Supondo, ainda, que após um regime transiente inicial muito curto (da ordem de alguns
microssegundos), a concentração do complexo se mantém constante (hipótese de Briggs
e Haldane), isto é, dx/dt = 0, a equação anterior fornece:
𝑥 =
𝑘1. 𝑒. 𝑠
𝑘2 + 𝑘3 + 𝑘1. 𝑠
=
𝑒. 𝑠
𝐾𝑚 + 𝑠
sendo:
𝐾𝑚 =
𝑘2 + 𝑘3
𝑘1
A equação 𝑥 =
𝑘1.𝑒.𝑠
𝑘2+𝑘3+𝑘1.𝑠
=
𝑒.𝑠
𝑘𝑚+𝑠
permite, agora calcular a velocidade de formação do
produto:
𝑣 = 𝑘3. 𝑥 = 𝑘3. 𝑒.
𝑠
𝐾𝑚 + 𝑠
O máximo valor da velocidade será alcançado quando toda a enzima se encontrar na
forma de complexo, isto é, quando x = e. Indicando-se com V essa velocidade máxima,
teremos V = k3.e.
Logo, a equação anterior dará:
𝑣 = 𝑉.
𝑠
𝐾𝑚 + 𝑠
que é a equação de Michaelis e Menten, representada na Figura 2.5.
Figura 2.5: Representação esquemática da equação de Michaelis e Menten.
A constante km, denominada constante de Michaelis da enzima (ou, segundo alguns
autores, constante de Michaelis do substrato, ou ainda constante de Michaelis do sistema
enzima-substrato), é a concentração de substrato à qual corresponde uma velocidade
igual à metade da máxima. De fato, fazendo s = Km na equação anterior, resulta 𝑣 =V/2.
A Tabela 2.1 reúne alguns valores de Km.
21
Tabela 2.1: Valores da constante de Michaelis.
Se a constante de velocidade k3 for muito menor do que k2, a equação 𝐾𝑚 =
𝑘2+𝑘3
𝑘1
dará:
𝐾𝑚 ≅
𝑘2
𝑘1
isto é, Km será, neste caso, praticamente igual à constante de equilíbrio de dissociação do
complexo ES.
Quanto menor for o valor de Km, maior será a afinidade da enzima pelo substrato.
A determinação de Km e V a partir de valores experimentais de s e 𝑣, pode ser efetuada
linearizando-se a equação 𝑣 = 𝑉.
𝑠
𝐾𝑚+𝑠
Para tanto, um método muito utilizado, chamado método de Lineweaver-Burk,
consiste em inverter ambos os membros da equação 𝑣 = 𝑉.
𝑠
𝐾𝑚+𝑠
:
1
𝑣
=
1
𝑉
+
𝐾𝑚
𝑉
.
1
𝑠
Essa última equação nos diz que 1/ 𝑣 varia linearmente com 1/s. Os coeficientes
linear e angular dessa reta são iguais a 1/V e Km/V, respectivamente.
Tendo-se os valores experimentais de s e os correspondentes valores de 𝑣
determina-se, por regressão linear, os valores de 1 / V e Km/V e, consequentemente, V e
Km (ver Figura 2.6).
Figura 2.6: Representação esquemática da determinação de V e Km pelo método
de Lineweaver-Burk.
22
A linearização da equação 𝑣 = 𝑉.
𝑠
𝐾𝑚+𝑠
pode ser realizada por outros métodos, além
do de Lineweaver-Burk já citado. Faremos referência apenas a mais um deles, o método
de Hanes, que consiste simplesmente em multiplicar por s ambos os membros da equação
anterior (linearizada):
𝑠
𝑣
=
𝐾𝑚
𝑉
+
1
𝑉
. 𝑠
Neste último método, s/ 𝑣 varia linearmente com s e os coeficientes linear e angular
da reta correspondente são respectivamente iguais a Km/V e 1 /V.
Qualquer que seja o método utilizado, uma boa determinação de Km e V requer
uma cuidadosa análise estatística dos valores experimentais.
A título de exemplo, consideremos os valores da Tabela 2.2, que nos dá, em uma
reação enzimática, a velocidade inicial de formação do produto para diversos valores da
concentração inicial do substrato (ver Figura 2.7).
Tabela 2.2: Velocidade inicial de formação do produto em função da
concentração inicial do substrato.
Figura 2.7: Representação gráfica dos valores da Tabela 2.2.
Se aplicarmos, aos valores da Tabela 2.2, o método de Lineweaver-Burk e o de
Hanes, obteremos os resultados representados, respectivamente, nas Figuras 2.8 e 2.9.
23
Figura 2.8: Determinação de V e Km pelo método de Lineweaver-Burk aplicado aos
valores da Tabela 2.2 (r = coeficiente de correlação).Figura 2.9: Determinação de V e Km pelo método de Hanes aplicado aos valores da
Tabela 2.2 (r = coeficiente de correlação).
Resta-nos examinar a ordem da reação enzimática em duas situações particulares.
Se a concentração do substrato for muito menor que Km, isto é, se 𝐾𝑚 + 𝑠 ≅ 𝐾𝑚, a
equação 𝑣 = 𝑉.
𝑠
𝐾𝑚+𝑠
nos dará:
𝑣 ≅
𝑉
𝐾𝑚
. 𝑠
isto é, a reação se comporta corno se fosse de primeira ordem.
Se, porém, a concentração do substrato for muito maior do que Km, de modo que
𝐾𝑚 + 𝑠 ≅ 𝑠, teremos, pela equação 𝑣 = 𝑉.
𝑠
𝐾𝑚+𝑠
:
𝑣 ≅ 𝑉
ou seja, a reação se comporta como se fosse de ordem zero.
24
2.3 Influência da presença de um inibidor
Chama-se inibidor da reação enzimática uma substância que acarreta diminuição
da velocidade da reação. Quando o inibidor reage irreversivelmente com a enzima,
bloqueando-a parcial ou totalmente, a inibição é do tipo denominado irreversível. Se,
porém, o inibidor reage reversivelmente com a enzima, a inibição é do tipo chamado
reversível. Esse último caso é o que terá interesse prático e, por este motivo, será
considerado neste item.
Cumpre destacar que, em alguns casos, o inibidor pode ser uma das substâncias
que participa da reação, quer como substrato, quer como produto. Assim, por exemplo, a
invertase (que catalisa a hidrólise da sacarose, formando glicose e frutose) pode ser
inibida pela sacarose quando esta se encontra presente em concentrações relativamente
altas, enquanto a alfaamilase (que catalisa a hidrólise do amido produzindo dextrinas e
maItose) é inibida pelas dextrinas e pela maltose.
Consideraremos, entre os muitos tipos de inibição reversível de reações
enzimáticas, apenas dois: inibição competitiva e inibição não-competitiva.
Comecemos pela inibição competitiva.
Diz-se que um inibidor é competitivo quando compete com o substrato, ocupando
o sítio ativo da enzima.
Indicando-se com I a fórmula molecular do inibidor e com i sua molaridade inicial, o
modelo de Michaelis e Menten, no caso mais simples possível, pode ser representado
pelas seguintes equações químicas:
𝐸⏟
𝑒−𝑥−𝑦
+ 𝑆⏟
𝑠−𝑥
𝑘1𝑒𝑘2
⇔ 𝐸𝑆⏟
𝑥
𝑣𝑖 𝑒 𝑘3
⇒ 𝐸 + 𝑃
𝐸⏟
𝑒−𝑥−𝑦
+ 𝐼⏟
𝑖−𝑦
𝑘4𝑒𝑘5
⇔ 𝐸𝐼⏟
𝑦
𝑘6
⇒ 𝐸 + 𝑃′
onde 𝑣𝑖 é a velocidade de formação do produto P, é obviamente menor que 𝑣 (ver item
2.2), uma vez que parte da enzima está “bloqueada” na reação com o inibidor I.
Teremos então, uma vez que, na prática:𝑠 ≫ 𝑥 e 𝑖 ≫ 𝑦 :
𝑑𝑥
𝑑𝑡
= 𝑘1(𝑒 − 𝑥 − 𝑦). 𝑠 − (𝑘2 + 𝑘3). 𝑥
𝑑𝑦
𝑑𝑡
= 𝑘4(𝑒 − 𝑥 − 𝑦). 𝑖 − (𝑘5 + 𝑘6). 𝑦
Cumpre destacar que na reação entre a enzima e o inibidor pode não ocorrer a
formação do produto P’, isto é, pode-se ter apenas:
𝐸 + 𝐼
𝑘4𝑒𝑘5
⇔ 𝐸𝐼
e, consequentemente, k6 = 0.
Sendo dx/dt = dy/dt = 0, as equações anteriores nos darão:
𝑥 =
𝑒. 𝑠
𝐾𝑚 (1 +
𝑖
𝐾𝑖
) + 𝑠
sendo 𝐾𝑚 = (𝑘2 + 𝑘3)/𝑘1 e 𝐾𝑖 = (𝑘5 + 𝑘6)/𝑘4.
25
A velocidade 𝑣𝑖 será, então:
𝑣𝑖 = 𝑘3. 𝑥 = 𝑉.
𝑠
𝐾𝑚 (1 +
𝑖
𝐾𝑖
) + 𝑠
onde V=k3.e.
Aplicando-se na equação anterior, o método de Lineweaver-Burk, teremos:
1
𝑣𝑖
=
1
𝑉
+
𝐾𝑚(1 +
𝑖
𝐾𝑖
)
𝑉
.
1
𝑠
representada esquematicamente na Figura 2.10.
A equação anterior pode ainda ser graficamente representada colocando-se, em
abcissas, a concentração do inibidor em vez de 1/s, como nos mostra a Figura 2.11. Pode-
se aqui demonstrar que as retas obtidas para diferentes concentrações de substrato
cruzam-se no ponto de abcissa -Ki e ordenada, 1/V.
Figura 2.10: Representação esquemática da aplicação do método de
Lineweaver-Burk ao caso de inibição competitiva.
Figura 2.11: Representação esquemática da aplicação do método de
Lineweaver-Burk ao caso de inibição competitiva. Determinação de Ki.
26
As equações 𝑣 = 𝑉.
𝑠
𝐾𝑚+𝑠
e 𝑣𝑖 = 𝑘3. 𝑥 = 𝑉.
𝑠
𝐾𝑚(1+
𝑖
𝐾𝑖
)+𝑠
nos permitem calcular a
relação entre as velocidades da reação sem inibidor e com inibidor:
𝑣
𝑣𝑖
= 1 +
𝐾𝑚
𝐾𝑖(𝐾𝑚 + 𝑠)
. 𝑖
Essa última equação, representada na Figura 2.12 nos mostra a influência das
concentrações do substrato e do inibidor na relação 𝑣/𝑣𝑖. Em particular, se for possível
trabalhar com concentrações de substrato relativamente altas (matematicamente, s →∞),
a influência do inibidor pode se tornar desprezível. Essa tendência pode ser também
observada no exemplo numérico representado na Figura 2.13, no qual V = 6,10 mg/L.min,
Km = 2,50 mg/L e Ki = 1,60 mg/L.
Figura 2.12: Representação esquemática da influência das concentrações do
substrato e do inibidor competitivo na relação 𝑣/𝑣𝑖.
Figura 2.13: Exemplo numérico da influência das concentrações do substrato e do
inibidor competitivo na velocidade da reação.
27
Um exemplo de inibição competitiva é o observado no efeito inibidor da glicose na
hidrólise da sacarose, catalisada pela invertase. A inibição, provocada pela alfadextrina
na hidrólise de amido catalisada pela alfaamilase, é outro exemplo de inibição competitiva.
Uma vez examinados os pontos fundamentais da influência de um inibidor
competitivo na velocidade da reação enzimática, passemos ao exame de um caso simples
de inibição não competitiva.
Nesse tipo de inibição, o inibidor não compete com o substrato pelo sítio ativo, mas
vai ocupar outro sítio da enzima (sítio regulativo ou de inibição) como indicado,
esquematicamente, a seguir:
𝐸 + 𝑆 ↔ 𝐸𝑆
𝑣
→ 𝐸 + 𝑃
𝐸 + 𝐼 ↔ 𝐸𝐼
𝐸𝑆 + 𝐼 ↔ 𝐸𝐼𝑆
𝐸𝐼 + 𝑆 ↔ 𝐸𝐼𝑆
formando-se, além dos complexos ES e EI, um terceiro complexo, enzima-inibidor-
substrato (EIS). A velocidade da reação enzimática será, neste caso:
𝑣 = 𝑉.
𝐾𝑖
𝐾𝑖 + 𝑖
.
𝑠
𝐾𝑚 + 𝑠
Como exemplos de inibição não competitiva podem ser citados os efeitos
inibidores, tanto da maltose quanto da dextrina limite na hidrólise do amido catalisada pela
alfaamilase.
Finalmente, parece-nos aconselhável examinar o caso de inibição não competitiva
irreversível, ou seja, quando o inibidor reage irreversivelmente com a enzima bloqueando-
a em parte, como acontece quando o inibidor é um metal pesado.
Sendo i a molaridade inicial do inibidor e indicando com z.i a molaridade de enzima
por ele bloqueada, o modelo de Michaelis e Menten pode ser representado pelas
seguintes equações químicas:
𝐸⏟
𝑒−𝑥−𝑧.𝑖
+ 𝑆⏟
𝑠−𝑥
𝑘1𝑒𝑘2
⇔ 𝐸𝑆⏟
𝑥
𝑣𝑖 𝑒 𝑘3
⇒ 𝐸 + 𝑃
Considerando que 𝑠 − 𝑥 ≅ 𝑠, podemos escrever:
𝑑𝑥
𝑑𝑡
= 𝑘1(𝑒 − 𝑥 − 𝑧. 𝑖). 𝑠 − (𝑘2 + 𝑘3). 𝑥 = 0
Logo:
𝑥 =
(𝑒 − 𝑧. 𝑖). 𝑠
𝐾𝑚 + 𝑠
Onde: 𝐾𝑚 =
𝑘2+𝑘3
𝑘1
Teremos, então:
𝑣𝑖 = 𝑘3. 𝑥 = (𝑘3. 𝑒 − 𝑘3. 𝑧. 𝑖).
𝑠
𝐾𝑚 + 𝑠
Considerando que 𝑘3. 𝑒 = 𝑉, resulta:
𝑣𝑖 = (𝑉 − 𝑘3. 𝑧. 𝑖).
𝑠
𝐾𝑚 + 𝑠
representada graficamente na Figura 2.14.
28
Figura 2.14: Representação esquemática da influência da concentração do substrato na
velocidade da reação na presença de um inibidor não-competitivo, que reage
irreversivelmente com a enzima.
A aplicação do método de Lineweaver-Burk à equação anterior nos dá:
1
𝑣𝑖
=
1
𝑉 − 𝑘3. 𝑧. 𝑖
+
𝐾𝑚
𝑉 − 𝑘3. 𝑧. 𝑖
.
1
𝑠
esquematicamente representada na Figura 2.15.
Figura 2.15: Representação esquemática da aplicação do método de Lineweaver-Burk
ao caso da inibição não competitiva, em que o inibidor bloqueia irreversivelmente parte
da enzima.
29
As equações 𝑣𝑖 = 𝑘3. 𝑥 = 𝑉.
𝑠
𝐾𝑚(1+
𝑖
𝐾𝑖
)+𝑠
e 𝑣 = 𝑉.
𝐾𝑖
𝐾𝑖+𝑖
.
𝑠
𝐾𝑚+𝑠
nos mostram ainda que,
enquanto na inibição competitiva a velocidade máxima não é afetada e a constante de
Michaelis é multiplicada por um fator maior que 1, na inibição não-competitiva a constante
de Michaelis não é afetada e a velocidade máxima é menor do que V.
2.4 Influência da temperatura
Na reação enzimática:𝐸 + 𝑆 ↔ 𝐸𝑆
𝑘
→ 𝐸 + 𝑃
a constante de velocidade k, dentro de certos limites, é função crescente da temperatura
do sistema.
A experiência mostra que a influência da temperatura na constante de velocidade
k obedece à lei de Arrhenius, representada pela equação abaixo e pela Figura 2.16:
𝑘 = 𝑘0. 𝑒
−𝛼 𝑅𝑇⁄
onde α é a energia de ativação, R é a constante dos gases perfeitos e T é a temperatura
absoluta do sistema.
Figura 2.16: Representação esquemática da variação da constante de velocidade (k)
com a temperatura absoluta (T).
Lembrando, porém, que as enzimas são termolábeis, ao mesmo tempo que ocorre
a reação enzimática que nos interessa, desenvolve-se também a reação de inativação
térmica da enzima que atua no sistema:
𝐸
𝑘′
→ 𝐸𝑛𝑧𝑖𝑚𝑎 𝑖𝑛𝑎𝑡𝑖𝑣𝑎
e a constante de velocidade desta reação (k’) também é afetada pela temperatura de
acordo com a lei de Arrhenius:
𝑘′ = 𝑘′0. 𝑒
−
𝛽
𝑅𝑇⁄
sendo β a correspondente energia de ativação.
A experiência mostra que, enquanto o valor de α se situa no intervalo 4 a 20
kcal/mol, o de β é consideravelmente maior, atingindo 40 a 200 kcal/mol.
Levando em conta esses fatos, suponhamos uma dada reação enzimática com α =
12 kcal/mol e β = 120 kcal/mol, desenvolvendo-se a 20°C e a 30°C. Tanto o valor de k
30
quanto o de k’ aumentam quando a temperatura passa de 20°C a 30°C, e as equações de
Arrhenius permitem calcular esses aumentos: enquanto k (constante de velocidade de
formação do produto) se torna aproximadamente 2 vezes maior, k’ (constante de
velocidade de inativação térmica da enzima) se torna cerca de 860 vezes maior.
Compreeende-se, assim, por que motivo a elevação da temperatura acima de um certo
valor acarretará, devido às altas velocidades de inativação térmica da enzima, diminuição
da velocidade de formação do produto. Gráficos como o da Figura 2.17 representam esse
fenômeno.
Figura 2.17: Representação esquemática da influência da temperatura absoluta (T) na
velocidade de formação do produto (v).
2.5 Influência do pH
Partindo-se do fato, bem conhecido, de que o pH do meio aquoso em que se
desenvolve uma reação enzimática afeta tanto o estado de ionização da enzima quanto a
velocidade da reação, pode-se supor que a atividade catalítica da enzima depende de seu
estado de ionização.
Imaginemos, então, o seguinte sistema relativamente simples:
1) A enzima se encontra em três estados de ionização, representados por E(0), E(-1) e
E(-2);
2) Somente E(-1) apresenta atividade catalítica;
3) Os seguintes equilíbrios coexistem no sistema
𝐸(0) ↔ 𝐸(−1) + 𝐻+ 𝐸(−1) ↔ 𝐸(−2) + 𝐻+
e as respectivas constantes de equilíbrio são k1 e k2;
4) As molaridades de E(0), E(-1), E(-2) e H+ são, respectivamente, e0, e1, e2 e h;
5) A molaridade total da enzima presente no sistema é e,
Podemos, então, escrever:
𝐾1 =
ℎ. 𝑒1
𝑒0
𝐾2 =
ℎ. 𝑒2
𝑒1
31
𝑒 = 𝑒0 + 𝑒1 + 𝑒2
que nos permitem calcular e1 (concentração da fração da enzima que apresenta atividade
catalítica) em função de e (concentração total da enzima no sistema) e de h (e,
consequentemente, do pH). O valor de e1 vai determinar a velocidade 𝑣 na equação
𝑣 = 𝑘3. 𝑥 = 𝑘3. 𝑒.
𝑠
𝐾𝑚+𝑠
.
32
3. Estequiometria e Cinética de processos fermentativos
O estudo cinético de um processo fermentativo consiste inicialmente na análise da
evolução dos valores de concentração de um ou mais componentes do sistema de cultivo,
em função do tempo de fermentação. Entende-se como componentes, o microrganismo
(ou a biomassa), os produtos do metabolismo (ou metabólitos) e os nutrientes ou
substratos que compõem o meio de cultura.
Tais valores experimentais de concentração (X, P e S respectivamente), quando
representados em função do tempo, permitirão os traçados das curvas de ajuste,
conforme ilustrado na Figura 3.1 e indicados por X = X(t), P = P(t) e S = S(t).
Figura 3.1: Curvas de ajuste dos resultados de uma experiência idealizada de
fermentação. X, P e S são as concentrações do microrganismo, do produto e do
substrato residual no meio, respectivamente.
Dentre os produtos formados, escolhe-se para o estudo cinético, o produto de
interesse econômico. Quanto aos substratos, adota-se o denominado substrato limitante.
Quando as conclusões sobre um cultivo forem baseadas unicamente em dois
valores de X, S ou P (como é comum, por exemplo, sobre valores finais e iniciais), não se
pode afirmar que um estudo cinético do processo tenha sido realizado; é necessário,
outrossim, o conhecimento dos valores intermediários, que permitam definir os perfis das
curvas ou a forma matemática destas, para uma análise adequada do fenômeno sob o
ponto de vista cinético.
Assim, tais perfis representam o ponto de partida para a descrição quantitativa de
uma fermentação como, por exemplo, a identificação da duração do processo, geralmente
baseada no instante em que X e P apresentam valores máximos (Xm e Pm da Figura 3.1).
Uma vez que esses valores representam parte de um conjunto de dados,
necessários ao dimensionamento de uma instalação produtiva, fica evidente que sem o
conhecimento da cinética torna-se inviável a transposição de um experimento de
laboratório para a escala industrial.
Além desse aspecto, cabe mencionar que a cinética possibilita também uma
comparação quantitativa entre as diferentes condições de cultivo (pH, temperatura, etc),
por intermédio de variáveis, como: as velocidades de transformação e os fatores de
conversão, obtidos também a partir das curvas de ajuste X = X(t), P = P(t) e S = S(t).
33
Afirmar que um determinado valor de pH, por exemplo, é melhor que um outro,
equivale a dizer que o fator de conversão (substrato em produto, por exemplo) é maior no
primeiro que no segundo caso. O mesmo pode ser afirmado quando se comparam os
desempenhos de cultivos sob diferentes variedades de uma dada espécie de
microrganismo, diferentes composições de meio, etc.
Convém frisar, entretanto, que os critérios de comparação entre diferentes
condições são relativos, isto é, dependem do que se espera obter de um determinado
processo fermentativo. Assim, quando o tempo de duração da fermentação for de
primordial importância por razões econômicas, as produtividades devem ser empregadas
como referências numéricas, em vez de algum fator de conversão.
Outro aspecto que merece atenção é que os métodos comumente utilizados para
a medida da concentração celular X, a saber: turbidimetria ou espectrofotometria,
biomassa seca, número total de células, número de células viáveis ou unidades
formadoras de colônias, volume do sedimento obtido por centrifugação, teor de um
componente celular, etc, representam uma informação muito simples do que ocorre em
um fenômeno biológico.
O microrganismo ou agente ativo promove a transformação dos componentes do
meio em produtos, graças às atividades de milhares de enzimas que, por sua vez, são
sintetizadas pelo próprio microrganismo. Sendo estas sínteses controladas pelo meio
externo (fenômenos de indução e repressão), torna-se assim muito difícil, senão
impossível, identificar qual medida ou medidas são realmente representativas da
transformação em estudo.
Essa dificuldade ocorre mesmo nos sistemas mais homogêneos, quando o meio de
fermentação for límpido, com as células isoladas umas das outras e quando só uma dada
espécie de microrganismo estiver suspensa no meio aquoso.
A questão complica ainda mais quando o sistema for constituído por uma cultura
mista e, além disto, contiver sólidos em suspensão (além do microrganismo), como nos
processos biológicos de tratamento de resíduos domésticos e industriais. Nesse caso,
medidas de sólidos suspensos voláteis, durante tal processo, são adotadas como uma
avaliação indireta da biomassa presente. Os substratos a serem decompostos são
simplesmente avaliados pelas determinações conhecidascomo demandas química e
biológica de oxigênio (DQO e DBO, respectivamente).
Outros sistemas de fermentação, onde as medidas de biomassa são problemáticas,
compreendem: células suspensas em meio aquoso, porém sob forma de flocos ou células
filamentosas; células imobilizadas na superfície de materiais inertes ou biodegradáveis
contidas no biorreator; células na presença de meio, conhecido como semi-sólido, onde a
matéria-prima é constituída por material amiláceo, por exemplo. Neste último caso, a
presença do microrganismo, traduzida pela concentração de algum componente do
mesmo (como proteína total), não pode ser interpretada como se a célula estivesse
suspensa no meio aquoso.
Finalmente, se o material a ser transformado pelo microrganismo (substrato) for
parcialmente insolúvel no meio aquoso, como hidrocarbonetos líquidos ou sólidos,
polímeros, minérios, etc, a concentração do substrato não possui significado. Juntamente
com essa variável será necessário avaliar a área de interface do material insolúvel com o
meio aquoso, bem como a sua variação, à medida que o microrganismo promove a
degradação do mesmo.
3.1 Parâmetros de transformação
34
3.1.1 As velocidades instantâneas de transformação
A Figura 3.1 ilustra as definições das velocidades instantâneas de crescimento ou
reprodução do microrganismo, consumo de substrato e formação de produto, traduzidas
respectivamente pelas seguintes expressões, para um tempo t:
𝑟𝑋 =
𝑑𝑋
𝑑𝑡
𝑟𝑆 =
−𝑑𝑆
𝑑𝑡
𝑟𝑃 =
𝑑𝑃
𝑑𝑡
Tais velocidades, traduzidas pelos valores das inclinações das tangentes às
respectivas curvas (Figura 3.1) são também conhecidas como velocidades volumétricas
de transformação, cujas unidades correspondem a (massa)x(comprimento)-3x(tempo)-1.
Uma definição especial de velocidade, cujo interesse prático está na avaliação do
desempenho de um processo fermentativo, é a produtividade em biomassa, definida por:
𝑃𝑋 =
𝑋𝑚 − 𝑋0
𝑡𝑓
Os termos dessa equação, definidos na Figura 3.1, mostram que a produtividade
representa a velocidade média de crescimento referente ao tempo total ou final de
fermentação, tf.
A mesma definição pode ser aplicada à concentração do produto, denominada
produtividade do produto:
𝑃𝑃 =
𝑃𝑚 − 𝑃0
𝑡𝑓 𝑃
onde t f P não é necessariamente igual a tf. A concentração inicial do produto é geralmente
desprezível frente ao valor final ou máximo, Pm.
3.1.2 As velocidades específicas de transformação
Devido ao fato de que a concentração microbiana X aumenta durante um cultivo
descontínuo, aumentando consequentemente a concentração do complexo enzimático
responsável pela transformação do substrato S no produto P, é mais lógico analisar os
valores das velocidades instantâneas com relação à referida concentração microbiana, ou
seja, especificando-as com respeito ao valor de X em um dado instante, conforme indicam
as expressões:
𝜇𝑋 =
1
𝑋
.
𝑑𝑋
𝑑𝑡
𝜇𝑆 =
1
𝑋
.
−𝑑𝑆
𝑑𝑡
𝜇𝑃 =
1
𝑋
.
𝑑𝑃
𝑑𝑡
Essas são denominadas velocidades específicas de crescimento, consumo de
substrato e formação de produto respectivamente.
3.1.3 Os fatores de conversão e os coeficientes específicos de manutenção
35
Ainda com referência à Figura 3.1, considerando um determinado tempo t de
fermentação, os correspondentes valores de X, S e P podem ser relacionados entre si,
através dos fatores de conversão definidos por:
𝑌𝑋/𝑆 =
𝑋−𝑋0
𝑆0−𝑆
𝑌𝑋/𝑃 =
𝑋−𝑋0
𝑃− 𝑃0
𝑌𝑃/𝑆 =
𝑃−𝑃0
𝑆0−𝑆
Se tais fatores permanecerem constantes durante o cultivo, o que não ocorre com
frequência, as três expressões anteriores podem ser aplicadas também no tempo final de
fermentação, onde X = Xm, P = Pm e S = 0, resultando:
𝑌𝑋/𝑆 =
𝑋𝑚−𝑋0
𝑆0
𝑌𝑋/𝑃 =
𝑋𝑚−𝑋0
𝑃𝑚− 𝑃0
𝑌𝑃/𝑆 =
𝑃𝑚−𝑃0
𝑆0
Eliminando-se a grandeza X0, pela combinação das equações de conversão de
YX/S, obtém-se:
𝑌𝑋/𝑆 =
𝑋𝑚 − 𝑋
𝑆
como uma forma alternativa para a definição deste fator. A equação acima poderá ser
mais conveniente para a avaliação de YX/S, tendo em vista que as medidas de X0
apresentam, na maioria dos casos, erros experimentais mais elevados do que Xm.
Entretanto, nem sempre o substrato se esgota completamente quando a
concentração celular apresentar seu valor máximo, podendo ainda existir uma
concentração residual daquela substância no meio de cultura, ao término da fermentação.
Isso ocorre porque à medida que o microrganismo se reproduz, são formados produtos
do metabolismo que inibem o crescimento celular, sem mencionar o próprio substrato, que
pode dificultar a atividade microbiana.
O fator de conversão YX/S foi originalmente definido por Monod, tendo sido útil na
análise de alguns processos como, por exemplo, na produção de proteínas unicelulares a
partir de carboidratos ou hidrocarbonetos. Desde que seu valor seja conhecido, é possível
calcular o valor de X, a partir de um valor conhecido de S e vice-versa.
Igualmente útil é o emprego do referido fator na definição do substrato, denominado
limitante.
Como o próprio nome indica, é o valor da sua concentração inicial S0 que definirá
a concentração máxima Xm da população microbiana. Em outras palavras, em uma outra
experiência de um cultivo descontínuo, onde a concentração S0 seja inferior à precedente,
porém com concentrações idênticas dos demais componentes (incluindo a concentração
inicial da biomassa, X0), resultará um valor de Xm proporcionalmente menor, no final do
cultivo.
Isso equivale a colocar a expressão 𝑌𝑋/𝑆 =
𝑋𝑚−𝑋0
𝑆0
sob a forma:
𝑋𝑚 = 𝑌𝑋/𝑆. 𝑆0 + 𝑋0
No decurso de um cultivo descontínuo, sob condições especiais (meio tamponado,
concentração de S não muito elevada, agitação perfeita do meio), é possível verificar
experimentalmente a constância do valor de YX/S com o auxílio da expressão 𝑌𝑋/𝑆 =
𝑋𝑚−𝑋
𝑆
36
sob a forma:
𝑋 = 𝑋𝑚 − 𝑌𝑋/𝑆. 𝑆
Uma representação dos valores experimentais de X, em função dos valores
experimentais de S, deverá resultar em uma reta, com coeficiente angular igual à YX/S e a
ordenada na origem igual à Xm.
As mesmas considerações se aplicam aos demais fatores (YX/P e YP/S).
Contudo, se YX/S, YX/P ou YP/S não forem constantes, então somente seus valores
instantâneos deverão ser levados em conta, ou seja:
𝑌𝑋/𝑆 =
𝑑𝑋
−𝑑𝑆
𝑌𝑋/𝑃 =
𝑑𝑋
𝑑𝑃
𝑌𝑃/𝑆 =
𝑑𝑃
−𝑑𝑆
Considerando as definições de velocidades (𝑟𝑋 =
𝑑𝑋
𝑑𝑡
; 𝑟𝑆 =
−𝑑𝑆
𝑑𝑡
; 𝑟𝑃 =
𝑑𝑃
𝑑𝑡
) e
velocidades específicas (𝜇𝑋 =
1
𝑋
.
𝑑𝑋
𝑑𝑡
; 𝜇𝑆 =
1
𝑋
.
−𝑑𝑆
𝑑𝑡
; 𝜇𝑃 =
1
𝑋
.
𝑑𝑃
𝑑𝑡
), resultam as
seguintes relações:
𝑌𝑋/𝑆 =
𝑟𝑋
𝑟𝑆
=
𝜇𝑋
𝜇𝑆
𝑌𝑋/𝑃 =
𝑟𝑋
𝑟𝑃
=
𝜇𝑋
𝜇𝑃
𝑌𝑃/𝑆 =
𝑟𝑃
𝑟𝑆
=
𝜇𝑃
𝜇𝑆
Ainda, dessas expressões:
𝑌𝑋/𝑆 = 𝑌𝑋/𝑃 . 𝑌𝑃/𝑆
Em fermentações industriais, dificilmente são observados valores constantes
desses fatores de conversão. Embora dependam da espécie do microrganismo, com
relação a um determinado substrato, não dependem somente da natureza deste; os
demais componentes do meio também exercem influência sobre tais conversões, bem
como o tempo de mistura e a transferência de oxigênio do sistema de agitação do
biorreator.
Além dessas influências, há de se considerar o fenômeno em que as células
utilizam a energia de oxidação do substrato, não somente para o crescimento, mas
também para finalidades de manutenção.
Em outras palavras, um determinado consumo de substrato (S0 – S), não produzirá
sempre um aumento proporcional na biomassa (X – X0), sendo que uma parcela da
energia, proveniente daquele consumo, é destinada a manutenção das funções vitais do
microrganismo.
37
Essas funções vitais compreendem: o trabalho osmótico para manter os gradientes
de concentraçãode substâncias entre o interior da célula e o seu meio ambiente, as
modificações de componentes celulares que requeiram energia e a mobilidade celular.
3.2 Cálculo das velocidades
Pelas definições apresentadas nos subitens anteriores, conclui-se que os cálculos
das velocidades e velocidades específicas de transformação necessitam, em primeiro
lugar, dos traçados das curvas a partir dos pontos experimentais (Figura 3.1).
Esses traçados ou ajustes podem ser realizados manualmente, com programas de
computador ou através de curvas representadas por equações conhecidas.
Iniciaremos pelas considerações referentes aos traçados manuais.
O traçado manual exige um bom conhecimento do processo em estudo. Como uma
experiência inicial, deve-se ter em mente que para um grande número de casos os perfis
apresentados na Figura 3.1 são característicos, isto é, as curvas de formação do
microrganismo (X = X(t)) e do produto (P = P(t)) exibem a forma “S” ou sigmoidal
crescente, enquanto a do substrato residual no meio (S = S(t)) se caracteriza pelo perfil
em “S” decrescente.
Os instantes em que P e X são máximos poderão não coincidir, isto é, ambas as
curvas não serão necessariamente sempre semelhantes.
Para exemplificar o cálculo das velocidades e velocidades específicas, estão
representados na Figura 3.2 os resultados experimentais obtidos em uma fermentação
alcoólica descontínua.
Figura 3.2: Resultados obtidos em uma fermentação alcoólica. S, concentração
de açúcar; P, concentração de etanol; X, concentração de levedura (expressa em
gramas de matéria seca por litro).
Para t = 5 horas, por exemplo, a velocidade de consumo de açúcar é calculada pela
inclinação da reta tangente AB à curva S = S(t), a saber:
−𝑑𝑆
𝑑𝑡
=
100 − 70
7,1 − 3,3
=
30𝑔/𝐿
3,8ℎ
= 7,9𝑔/𝐿 ℎ
38
onde os valores numéricos de cada parcela correspondem às coordenadas dos pontos
arbitrários A e B, escolhidos sobre a reta.
De modo semelhante, para as velocidades de produção de etanol e crescimento da
levedura, no instante t = 5h tem-se, respectivamente:
𝑑𝑃
𝑑𝑡
=
20 − 0,0
8,3 − 3,3
=
20𝑔/𝐿
5,0ℎ
= 4,0𝑔/𝐿 ℎ
𝑑𝑋
𝑑𝑡
=
4,0 − 2,0
6,2 − 1,8
=
2,0𝑔/𝐿
4,4ℎ
= 0,45𝑔/𝐿 ℎ
calculadas com as coordenadas dos pontos arbitrários sobre as retas C, D e E, F
respectivamente.
Por outro lado, para t = 5,0h tem-se X = 3,5 g/L (Figura 3.2). Assim, os valores das
velocidades específicas de consumo de açúcar, produção de etanol e crescimento da
levedura, no instante t = 5h, serão, respectivamente:
𝜇𝑆 =
7,9
3,5
= 2,3ℎ−1 𝜇𝑃 =
4,0
3,5
= 1,1ℎ−1 𝜇𝑋 =
0,45
3,5
= 0,13ℎ−1
Esses cálculos, aplicados em cada instante de fermentação, permitem determinar
as formas das funções μS = μS (t), μP = μP (t) e μX = μX (t). O cálculo das mesmas depende
não somente dos ajustes manuais efetuados, mas também do traçado das retas
tangentes, em um dado instante t do cultivo.
Essa última operação, tão subjetiva quanto os ajustes manuais, pode ser efetuada
por outros métodos, que devem atenuar as discrepâncias entre os resultados de cálculo
de um mesmo conjunto de dados experimentais, provenientes de operadores diferentes.
3.3 A curva de crescimento microbiano
Após a inoculação de um meio de cultura, favorável ao desenvolvimento do
microrganismo em estudo, sob temperatura controlada e agitação adequada, observa-se
um comportamento nos valores da concentração celular, conforme a Figura 3.3.
As seguintes fases no crescimento são observadas:
Fase 1 – Conhecida como fase “lag” ou de latência, que se segue imediatamente
após a inoculação do meio com o microrganismo em questão. Trata-se de um período de
adaptação durante o qual a célula sintetiza as enzimas necessárias ao metabolismo dos
componentes presentes no meio.
Durante essa primeira fase, não há reprodução celular e, assim, X = X0 = constante.
A duração dessa fase varia principalmente com a concentração do inóculo (e,
portanto, com o valor de X0), com a idade do microrganismo (tempo de pré-cultivo) e com
o seu estado fisiológico.
Com efeito, se as células forem pré-cultivadas em um meio de composição
diferente, o tempo referente ao fenômeno de indução pode ser apreciável; caso contrário,
é possível que tal fase não exista.
39
Figura 3.3: Curva de crescimento do microrganismo em cultivo descontínuo,
representada em ordenadas lineares (A) e semilogarítmica (B). As sete fases estão
descritas no texto.
Fase 2 - Essa é a fase de transição (Figura 3.3) em que se observa o início da
reprodução microbiana propriamente dita.
Há um aumento gradual, tanto da velocidade de reprodução como da velocidade
específica de crescimento, onde nem todos os microrganismos completam a fase anterior
simultaneamente. No fim dessa fase, a população inteira começa a se dividir em um
intervalo regular médio de tempo.
Fase 3 – É denominada fase logarítmica ou exponencial onde a velocidade
específica de crescimento (𝜇𝑋 = 𝜇𝑚) é constante e máxima. Nessas circunstâncias, a
velocidade de crescimento é diretamente proporcional à concentração X, isto é:
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= 𝜇𝑚. 𝑋
Uma integração da equação acima, entre o início dessa fase (de coordenadas (t i,
Xi), Figura 3.3) e um instante arbitrário t, compreendido entre ti e tc resulta em:
𝑙𝑛
𝑋
𝑋𝑖
= 𝜇𝑚. (𝑡 − 𝑡𝑖)
ou
𝑋 = 𝑋𝑖 + 𝑒
[𝜇𝑚.(𝑡−𝑡𝑖)]
Desse modo, pela expressão 𝑙𝑛
𝑋
𝑋𝑖
= 𝜇𝑚. (𝑡 − 𝑡𝑖), uma representação
semilogarítmica da concentração celular com o tempo de cultivo deverá resultar em uma
reta (Figura 3.3 B), válida até tC, também denominada tempo crítico.
Ao lado da velocidade específica μm, a fase exponencial também é caracterizada
frequentemente pelo tempo de geração tg, que é o intervalo de tempo necessário para
dobrar o valor da concentração celular.
Aplicando essa definição na equação 𝑙𝑛
𝑋
𝑋𝑖
= 𝜇𝑚. (𝑡 − 𝑡𝑖), tem-se:
40
𝑙𝑛
2. 𝑋𝑖
𝑋𝑖
= 𝜇𝑚. 𝑡𝑔
ou
𝜇𝑚 =
𝑙𝑛2
𝑡𝑔
=
0,693
𝑡𝑔
Da equação acima, conclui-se que o tempo de geração é constante, pelo fato de
μm ser constante nessa fase.
Para certas bactérias o tempo de geração é relativamente curto, como no caso da
Escherichia coli, que pode apresentar um valor da ordem de 20 minutos na temperatura
de cultivo em 37°C. Outras bactérias, do tipo termófilas, cultivadas a 55°C, chegam a
apresentar um tempo de geração de cerca de 15 minutos.
Para as leveduras, o valor mínimo está compreendido entre 1,5 e 2 horas.
Fase 4 – Conhecida como fase linear de crescimento, por apresentar a velocidade
de reprodução constante (rX = rk). Essa fase pode ocorrer sem a prévia existência da fase
logarítmica, como é o caso de microrganismos filamentosos, onde há limitação no
transporte de nutrientes do meio para o interior da célula.
Integrando a referida equação a partir do início dessa fase (de coordenadas (tc, Xc))
e um instante arbitrário t, compreendido entre tc e td, tem-se:
∫ 𝑑𝑋
𝑋
𝑋𝑐
= 𝑟𝑘. ∫ 𝑑𝑡
𝑡
𝑡𝑐
ou
𝑋 = 𝑋𝑐 + 𝑟𝑘. (𝑡 − 𝑡𝑐) = 𝑟𝑘. 𝑡 + 𝑋𝑐 − 𝑟𝑘. 𝑡𝑐
Da equação anterior, deduz-se que a concentração celular X é uma função linear
do tempo de cultivo t (Figura 3.3 A), justificando-se assim a denominação de crescimento
linear para esta fase.
Contrariamente à fase exponencial antes comentada, a velocidade específica de
crescimento não é constante na fase linear, conforme se pode deduzir das equações 𝜇𝑋 =
1
𝑋
.
𝑑𝑋
𝑑𝑡
e 𝑋 = 𝑋𝑐 + 𝑟𝑘 . (𝑡 − 𝑡𝑐) = 𝑟𝑘 . 𝑡 + 𝑋𝑐 − 𝑟𝑘 . 𝑡𝑐:
1
𝑋
𝑑𝑋
𝑑𝑡
=
𝑟𝑘
𝑋
=
𝑟𝑘
𝑟𝑘. 𝑡 + 𝑋𝑐 − 𝑟𝑘. 𝑡𝑐
De acordo com essa equação, a velocidade específica decresce com o aumento
da concentração celular e, portanto, com o tempo t de cultivo.
A existência do crescimento linear indica, conforme mencionado, a presença de
certas limitações no transporte de nutrientes à interface microrganismo-meio como, por
exemplo, com respeito ao oxigênio dissolvido nomeio.
Alguns pesquisadores verificaram que um aumento no coeficiente volumétrico de
transferência de oxigênio dissolvido, entre o meio e a citada interface, provocava o
desaparecimento do crescimento linear.
Outro caso de limitação do transporte de nutrientes ao microrganismo ocorre
quando este se desenvolve na forma de um biofilme, imobilizado na superfície da parede
do reator, ou sobre partículas sólidas em suspensão, empregadas como suporte.
Fase 5 – Desaceleração. Devido ao esgotamento de um ou mais componentes do
meio de cultura, necessários ao crescimento e, também, devido ao acúmulo de
metabólitos inibidores, ambas as velocidades (de crescimento e específica) diminuem até
se anularem, no tempo tf.
41
Durante essa fase, o tempo de geração aumenta no decurso do cultivo, pois nem
todos os microrganismos se reproduzem em intervalos regulares de tempo.
Fase 6 - Estacionária. Nessa fase, X atinge o valor máximo e constante Xm (Figura
3.3), onde há um balanço entre a velocidade de crescimento e a velocidade de morte do
microrganismo, ocorrendo também modificações na estrutura bioquímica da célula.
Fase 7 - Declínio ou lise. O valor da concentração celular diminui a uma velocidade
que excede a velocidade de produção de células novas.
Pode-se observar, às vezes, entre a fase anterior e a de declínio, uma “lise” celular,
autólise ou rompimento dos microrganismos, provocado pela ação de enzimas
intracelulares.
3.4 Classificação dos processos fermentativos
Os comportamentos relativos das funções μ = μ(t), fornecem a base para uma
importante classificação dos processos fermentativos. As Figuras 3.4, 3.5 e 3.6
representam, esquematicamente, a variação das velocidades específicas para três tipos
característicos de fermentações.
No primeiro caso (Figura 3.4), as velocidades específicas de consumo de açúcar
(μS) e a produção de etanol (μP), apresentam perfis semelhantes, correlacionando-se
assim muito bem. A velocidade específica de crescimento (μX) do microrganismo
apresenta, aproximadamente, o andamento das outras duas curvas. Diz-se então que a
formação de produto (o metabólito primário) está associada ao crescimento.
Essa configuração representa o caso em que o produto formado (o metabólito
primário) está diretamente ligado às reações do catabolismo ou decomposição do
substrato (os açúcares).
As produções de certas vitaminas e aminoácidos também se enquadram nesse tipo
de cinética de fermentação.
Figura 3.4: Variação das velocidades específicas em uma fermentação alcoólica.
No segundo caso (Figura 3.5), observam-se duas fases distintas: uma 1°fase, onde
a velocidade específica de consumo do açúcar está diretamente relacionada à de
crescimento do microrganismo, não havendo praticamente formação do produto (ácido
cítrico); uma segunda fase, em que há uma boa semelhança entre os perfis das três
velocidades específicas e que, portanto, se correlacionam bem. Esse é o caso conhecido
como formação do produto parcialmente associada ao crescimento; sua formação não
está diretamente ligada ao caminho metabólico produtor de energia.
42
Figura 3.5: Variação das velocidades específicas em uma fermentação cítrica.
Além da produção do ácido cítrico por fermentação, pode-se incluir a do ácido lático
como pertencente a este grupo.
Neste caso particular foi obtida uma expressão empírica que relaciona a velocidade
específica de formação do ácido lático (μP), com a velocidade específica de crescimento
do microrganismo (μX), na produção descontínua desta substância pelo Lactobacillus
delbrueckii em pH constante, a saber:
𝜇𝑃 = 𝛼. 𝜇𝑋 + 𝛽
Essa equação, onde α e β são constantes empíricas funções do pH, indica a
existência de dois mecanismos de produção de ácido lático: um deles associado à
reprodução de bactérias (representado pela parcela α. μX) e outro independente do
crescimento do microrganismo (representado pelo termo β).
Finalmente, no terceiro caso, se enquadram as fermentações complexas, aqui
exemplificadas pela reprodução de penicilina (Figura 3.6). A máxima velocidade específica
de produção do antibiótico ocorre quando as demais velocidades específicas, indicadas
na Figura 3.6, sofreram uma redução significativa. No começo da fermentação
predominam transformações produtoras de energia com formação de biomassa, sendo
que o antibiótico é formado quando o metabolismo oxidativo se encontra atenuado.
Obviamente, nesse grupo de fermentações não há uma associação clara entre as
referidas velocidades que permita estabelecer alguma relação cinética definida, como no
caso da equação 𝜇𝑃 = 𝛼. 𝜇𝑋 + 𝛽. O produto formado é historicamente denominado como
metabólito secundário.
Além dos antibióticos, as toxinas microbianas pertencem a esse grupo.
É importante frisar que esta classificação não enquadra, de um modo absoluto, um
determinado processo fermentativo em um dos três grupos antes citados.
Como exemplo, merece ser comentado novamente o caso da fermentação
alcoólica onde, dependendo das condições de operação, a produção do etanol poderá
não estar inteiramente associada à reprodução do microrganismo e ao consumo do
açúcar, enquadrando-se assim no segundo caso (Figura 3.5) em vez de no primeiro
(Figura 3.4).
43
Figura 3.6: Variação das velocidades específicas em uma fermentação penicilínica.
Curva I – produção de antibiótico; curva 2 – consumo de açúcar; curva 3 – consumo de
oxigênio; curva 4 – crescimento de microrganismo.
3.5 Influência da concentração do substrato sobre a velocidade específica de
crescimento
3.5.1 A equação de Monod: interpretação da fase exponencial
A seguinte equação empírica, proposta por Monod, tem sido comumente
empregada para explicar a relação entre a concentração S do substrato limitante no meio,
com a velocidade específica μX de reprodução do microrganismo:
𝜇𝑋 =
𝜇𝑚. 𝑆
𝐾𝑆 + 𝑆
onde μm representa a máxima velocidade específica de crescimento ou reprodução, e KS
a constante de saturação.
Na Figura 3.7 está representada a equação de Monod. O significado de KS pode
ser deduzido fazendo-se S = KS na equação de Monod. Resulta imediatamente que: μX=
μm/2, isto é, a referida constante representa a concentração do substrato na qual a
velocidade específica de crescimento é a metade do seu valor máximo.
Figura 3.7: Equação de Monod para μm=0,14h-1 e KS=0,60mg/L (valores hipotéticos).
44
Esta condição está assinalada na Figura 3.7 onde, para KS=0,60mg/L, tem-se μX=
μm/2 = 0,07h-1.
A expressão de Monod é formalmente igual à expressão de Michaelis-Menten.
No início do cultivo, onde S é alto, o microrganismo apresenta uma velocidade
específica próxima à máxima, podendo a mesma situar-se nessa região durante uma boa
parte do processo, mesmo que o metabolismo celular provoque uma diminuição
apreciável no valor de S.
Quanto menor for o valor da constante de saturação KS, tanto mais amplo será este
“patamar” quase horizontal da curva e que se encontrará mais próximo do valor de μm,
conforme ilustra a Figura 3.8 (curva A).
Figura 3.8: Equação de Monod para os valores hipotéticos de: μm=0,14h-1, KS=0,60mg/L
(curva B), KS=0,030mg/L (curva A).
Embora, a vigor, pela equação de Monod, nunca seja atingido o valor de μm, por
mais alta que seja a concentração inicial S, na prática, os valores experimentais podem
ser considerados como tal, tendo em vista os erros que afetam os valores calculados da
velocidade específica de crescimento.
Nessas circunstâncias, a curva apresentada pela velocidade específica de
crescimento em função do tempo (Figura 3.9), poderá apresentar um trecho máximo
constante (AB), após um curto período inicial de transição ou adaptação do microrganismo
ao meio.
Essa fase inicial do crescimento (0 a 4 horas, Figura 3.9), corresponde à fase 1
(“lag”) e à fase 2 (de transição) da Figura 3.3, não previstas pela expressão de Monod.
A citada expressão da equaçãode Monod considera μX elevado e próximo do valor
máximo, logo que o microrganismo é colocado na presença de um meio, com uma
concentração inicial de substrato relativamente elevada. O microrganismo é, nessas
circunstâncias, considerado adaptado.
45
Figura 3.9: Variação da velocidade específica de crescimento (μX) e do tempo de
geração (tg), no cultivo descontínuo.
Uma baixa constante de saturação KS implica em uma maior duração da fase
exponencial, conforme ilustra a Figura 3.8: para KS=0,60mg/L, os valores de μX logo se
distanciam de μm, à medida que o substrato vai sendo consumido; para KS=0,030mg/L, μX
é praticamente igual à μm para uma mesma variação de S (entre 1,20 e 0,50mg/L).
Assim, a duração do “patamar” AB (Figura 3.9), dependerá da magnitude desta
constante de saturação.
3.5.2 Outros modelos
A expressão de Monod é um modelo que não leva em conta o efeito inibidor, tanto
pelo substrato como pelo produto formado. Essa, porém, não é a única interpretação
referente a uma tal condição ideal de cultivo.
Outras equações foram propostas e que merecem ser citadas:
- Equação de Teissier: 𝜇𝑋 = 𝜇𝑚. (1 − 𝑒
−
𝑆
𝐾𝑆)
- Equação de Moser: 𝜇𝑋 = 𝜇𝑚.
𝑆𝑛
𝐾𝑆+𝑆𝑛
- Equação de Contois e Fujimoto: 𝜇𝑋 = 𝜇𝑚.
𝑆
𝐾𝑆.𝑋+𝑆
- Equação de Powell: 𝜇𝑋 = 𝜇𝑚.
𝑆
(𝐾𝑆+𝐾𝐷)+𝑆
Há pelo menos mais seis outras expressões, propostas por outros autores que não
levam em conta o fenômeno da inibição.
A ausência da inibição é, na verdade, uma situação pouco comum na prática,
principalmente durante um cultivo descontínuo, onde há um crescente acúmulo de
46
metabólitos que acabam interferindo desfavoravelmente sobre o metabolismo e
crescimento microbianos.
O problema poderia ser atenuado se fosse, por exemplo, utilizado um valor inicial
relativamente baixo da concentração de substrato e que assim resultasse em baixas
concentrações de produtos inibidores.
Essa é, entretanto, uma alternativa pouco interessante do ponto de vista industrial,
onde baixas concentrações de produtos acarretariam custos elevados, na fase posterior
de separação e purificação da substância de interesse.
47
4. Biorreatores
Denominam-se "biorreatores", "reatores bioquímicos", ou ainda "reatores
biológicos", os reatores químicos nos quais ocorrem uma série de reações químicas
catalisadas por "biocatalisadores". Esses biocatalisadores podem ser enzimas ou células
vivas (microbianas, animais ou vegetais). Assim, logo de início, pode-se classificar os
biorreatores em dois grandes grupos:
Grupo 1: Biorreatores nos quais as reações ocorrem na ausência de células vivas,
ou seja, são tipicamente os "reatores enzimáticos";
Grupo 2: Biorreatores nos quais as reações se processam na presença de células
vivas".
Embora não seja totalmente generalizado, há alguns autores, porém, que utilizam
a denominação "reatores bioquímicos" para se referirem apenas ao primeiro grupo,
restringindo assim a denominação "reatores biológicos" apenas aos reatores que operam
com células vivas. Com relação aos reatores com células vivas, pode-se afirmar que os
mais amplamente conhecidos e com uso bastante difundido, são os reatores com
microrganismos, os quais vêm sendo empregados desde a década de 1940 para a
produção industrial de uma grande diversidade de produtos, tais como enzimas,
antibióticos, vitaminas, ácidos orgânicos, solventes, ou ainda no tratamento de resíduos
orgânicos industriais ou domésticos. Embora se fale globalmente em "reatores com
microrganismos", é muito importante destacar que, do ponto de vista da engenharia,
dependendo do tipo de microrganismo utilizado, tais reatores podem ter características
bastante distintas no que se refere aos fenômenos de transporte que ocorrem no reator
(calor, massa e quantidade de movimento). Assim, por exemplo, reatores que operam com
organismos unicelulares como bactérias e leveduras possuem, em geral, um
comportamento reológico bastante distinto daqueles que empregam fungos filamentosos
(bolores).
Deve-se mencionar ainda os biorreatores que operam com elevadas
concentrações celulares ("high cell density cultures"), o que propicia altas velocidades de
conversão do substrato em produto. Um exemplo dessa situação é a fermentação
alcoólica, na qual se opera com cerca de 30g células/litro de meio (matéria seca).
Particularmente, no caso de biorreatores que empregam microrganismos recombinantes,
em virtude de uma possível baixa produção específica da proteína heteróloga de
interesse, busca-se operar com concentrações celulares da ordem de 100g/L, o que exige
condições especiais de operação.
Outro campo de recente desenvolvimento é o cultivo de células animais e
vegetais, tendo alcançado rápido progresso nos últimos dez anos, constituindo-se hoje
em um dos grandes temas de aplicação da Biotecnologia Moderna. Assim, pode-se citar
o emprego de biorreatores com células animais para a produção de uma série de produtos
ligados à saúde humana e animal, tais como vacinas virais, anticorpos monoclonais,
hormônios e fatores de crescimento. No que se refere às células vegetais, há exemplos
de produção de princípios ativos de medicamentos, como morfina e quinina, e outros
produtos de utilização na indústria cosmética. Os reatores que empregam células animais
ou vegetais; em geral possuem várias particularidades, tendo em vista as diferentes
características apresentadas por este tipo de células em relação às células microbianas,
destacando-se entre elas a elevada sensibilidade ao cisalhamento, característica que, em
casos extremos, leva à necessidade da utilização de biorreatores não-convencionais,
como reatores "air-lift", ou ainda os reatores com membranas, nos quais não se tem
agitação mecânica e, consequentemente as tensões de cisalhamento são menores.
48
4.1 Classificação dos biorreatores
Encontram-se indicadas na literatura várias formas possíveis de classificar os
biorreatores, como por exemplo:
• quanto ao tipo de biocatalisador (células ou enzimas);
• quanto à configuração do biocatalisador (células/enzimas livres ou imobilizadas);
• quanto à forma de se agitar o líquido no reator.
Dentre as várias classificações encontradas nos livros-textos que abordam o tema
biorreatores, uma das mais abrangentes é a de KLEINSTREUER, que apresenta uma
classificação mista, com base no tipo de biocatalisador empregado (enzima,
microrganismo aeróbio ou anaeróbio) e na configuração deste (livre, imobilizado ou
confinado entre membranas). Considerando-se, pois, as várias propostas usualmente
encontradas, propõe-se no presente capítulo uma classificação mista, a qual pretende ser
mais abrangente que as anteriormente citadas, conforme esquematizado a seguir.
CLASSIFICAÇÃO GERAL DOS BIORREATORES
(I) Reatores em fase aquosa (fermentação submersa)
(I.1) Células/enzimas livres
• Reatores agitados mecanicamente (STR: "stirred tank reactor")
• Reatores agitados pneumaticamente
• Coluna de bolhas ("bubble column")
• Reatores "air-lift"
• Reatores de fluxo pistonado ("plug-flow")
(I.2) Células/enzimas imobilizadas em suportes
• Reatores com leito fixo
• Reatores com leito fluidizado
• Outras concepções
(I.3) Células/enzimas confinadas entre membranas
• Reatores com membranas planas
• Reatores de fibra oca ("hollow-fiber")
(II) Reatores em fase não-aquosa (fermentação semi-sólida)
• Reatores estáticos (reatores com bandejas)
• Reatores com agitação (tambor rotativo)
• Reatores com leito fixo
• Reatores com leito fluidizado gás-sólido
Conforme se pode verificar, a partir da classificação proposta, há uma grande
variedade de configurações possíveis para os biorreatores mas, no entanto, pode-se
afirmar que os mais amplamente empregados são os reatores agitados mecanicamente
(STR), conhecidos também como reatores de mistura,constituindo cerca de 90% do total
de reatores utilizados industrialmente.
A capacidade dos biorreatores é bastante variável, conforme o processo em
questão, podendo-se distinguir três grandes grupos no que se refere à escala de produção
industrial. Reatores da ordem de algumas centenas de litros até 1 a 2 m3 de capacidade,
são empregados no cultivo de microrganismos patogênicos, ou para o crescimento de
células animais ou vegetais, em geral objetivando a produção de produtos ligados à área
de saúde. Uma escala intermediária, na qual se opera com reatores da ordem de algumas
dezenas de metros cúbicos até 100 a 200 m3, é especialmente empregada na produção
de enzimas, antibióticos e vitaminas. Finalmente, para processos que exigem poucos ou
até mesmo nenhum cuidado de assepsia, como é o caso da fermentação alcoólica ou do
49
tratamento biológico de resíduos, pode-se atingir reatores com alguns milhares de metros
cúbicos de capacidade.
Conforme indicado na Figura 4.1(a), o reator do tipo STR consiste em um tanque
cilíndrico, no qual são comuns relações entre a altura e o diâmetro de 2:1 ou 3:1.
Normalmente o reator é equipado com chicanas ("baffles"), cuja função é evitar a formação
de vórtice durante a agitação do líquido. O agitador é montado num eixo central ao
fermentador, possuindo, ao longo de sua altura, uma série de turbinas, as quais podem
ser de diferentes tipos, sendo porém a mais amplamente utilizada a turbina de pás planas
("flat blade"), também conhecida como turbina "Rushton".
Os reatores agitados pneumaticamente se caracterizam basicamente pela
ausência do agitador mecânico, sendo a agitação do líquido efetuada apenas pelo
borbulhamento de um gás (normalmente ar) no reator. Como consequência da ausência
do agitador mecânico, resultam, nesse tipo de reator, menores tensões de cisalhamento,
o que os torna atraentes para o cultivo de células animais e vegetais.
Há na literatura uma considerável diversidade de nomenclaturas para designar os
reatores agitados pneumaticamente, não havendo uma clara diferenciação entre eles. A
diferenciação básica entre os reatores coluna de bolhas ("bubble column") e os reatores
"air-lift", é que nestes últimos tem-se uma movimentação cíclica do fluido, bem definida,
através de dispositivos e arranjos internos construídos especialmente para este propósito,
enquanto que na coluna de bolhas tem-se um movimento aleatório do líquido no reator.
As Figuras 4.1(b) e 4.1(c) ilustram esquematicamente tais tipos de reatores, os quais
possuem uma grande variedade de configurações. Convém ainda mencionar que os
reatores tipo coluna de bolhas são frequentemente chamados de reatores tipo torre,
enquanto que os reatores "air-lift" são designados "loop reactors".
Nos reatores de fluxo pistonado ("plug-flow"), conforme indicado
esquematicamente na Figura 4.1(d), o inóculo e o meio de cultura são misturados na
entrada do sistema, sendo que idealmente a cultura flui com uma velocidade constante,
sem ocorrer mistura longitudinal ("backmix"). Há, portanto, uma variação da concentração
dos nutrientes e das células ao longo do comprimento do reator, sendo este sistema
comparável a um processo contínuo realizado em múltiplos estágios, com um elevado
número de reatores ligados em série.
Conforme indicado na classificação geral dos biorreatores, apresentada
anteriormente, é possível dispor de reatores nos quais o biocatalisador se encontra
imobilizado em um suporte inerte, como, por exemplo, alginato, K-carragena, pectina, ou
ainda materiais cerâmicos, vidro, sílica e outros.
A finalidade básica do emprego de células imobilizadas num biorreator é a
manutenção de elevadas concentrações celulares, podendo-se atingir,
consequentemente, elevadas produtividades no processo em questão. Dependendo da
movimentação relativa das partículas ("pellets"), distinguem-se os reatores de leito fixo,
onde a movimentação é praticamente inexistente, e os de leito fluidizado, onde há uma
movimentação intensa das partículas, sendo que a fluidização do leito pode ser provocada
pela injeção de ar, ou de um gás inerte, ou ainda pode ser obtida por uma corrente de
recirculação de líquido no reator. As Figuras 4.1(e) e 4.1(f) ilustram as configurações
mencionadas. Deve-se mencionar, ainda, o desenvolvimento recente de alguns
biorreatores que empregam células e enzimas co-imobilizadas, no qual se emprega, por
exemplo, a co-imobilização de glicoamilase e células de Saccharomyces cerevisiae para
a produção contínua de etanol.
Por sua vez, os reatores com lâminas de membranas planas e os reatores de fibra
oca ("hollow-fiber"), caracterizam-se por manterem as células confinadas entre
membranas semipermeáveis ("entrapped biocatalyst"), as quais permitem o fluxo de
líquido, mas não a passagem de células. Esse tipo de reator normalmente prevê a
50
separação entre os fluxos de nutrientes e produtos metabólicos, conforme se pode
visualizar nas Figuras 4.1(g) e 4.1(h), o que permite imaginar uma primeira operação de
separação do produto desejado, podendo contribuir para a simplificação das etapas de
purificação do produto ("downstream").
Como ocorre a passagem de nutrientes e produtos através de membranas, esse
tipo de reator costuma ser designado por "reator de perfusão". No entanto, o termo reator
ou sistema de perfusão, tem sido empregado de forma mais genérica, incluindo a situação
de um reator STR com reciclo externo de células por filtração em membranas, ou ainda,
simplesmente designando um reator com células imobilizadas.
Nesse tipo de reatores com membranas, as tensões de cisalhamento são mínimas,
inferiores àquelas obtidas nos reatores "air-lift", o que os torna indicados para utilização
com alguns tipos de células animais extremamente sensíveis ao cisalhamento.
Comparativamente aos típicos reatores com células imobilizadas em suportes inertes,
tem-se neste tipo de reatores menores obstáculos difusionais, podendo-se igualmente
manter elevadas concentrações celulares. Particularmente, o reator de fibra oca consiste
em um feixe de fibras capilares de material semipermeável, no interior das quais ocorre
escoamento laminar do meio de cultura, permanecendo as células retidas na região anular
entre as fibras, conforme indicado na Figura 4.1(h).
Todos os tipos de reatores mencionados até o presente são ditos reatores em fase
aquosa, ou seja, empregados nos processos de fermentação submersa. Entretanto, há
ainda os reatores em fase não-aquosa, empregados para os processos de fermentação
semi-sólida, os quais se caracterizam pela ausência de "água livre", podendo o teor de
umidade variar de 30 a 80%, dependendo das características de retenção de água do
substrato sólido empregado, embora o processo semi-sólido apresente uma série de
dificuldades, especialmente no que se refere ao controle das condições de operação; por
outro lado, este processo apresenta uma série de aspectos interessantes, os quais podem
torná-lo, em alguns casos, mais econômico do que o tradicional processo submerso.
Dentre os itens que necessitam de um maior desenvolvimento, encontra-se o estudo de
novas concepções de reatores para a fermentação semi-sólida, encontrando-se na
literatura um grande número de trabalhos nos quais se emprega o "reator de bandejas"
("stationary trays"), o qual é bastante limitado no que se refere às condições de
transferência de oxigênio e controle das condições ambientais. Nesse sentido é possível
obter-se uma melhoria, quando se procede à agitação do meio de cultivo, por exemplo,
empregando-se tambores rotativos. Mais recentemente, foram propostos os reatores de
leito fixo ou de leito fluidizado gás-sólido, nos quais se promove a passagem de ar ou de
um gás inerte através de um leito de partículas sólidas. No caso do leito fluidizado, a vazão
do gás é suficientemente elevada, de maneira a propiciar a suspensão dos sólidos na
corrente gasosa, promovendo desta maneira, uma melhor condição detransferência de
massa no sistema (nutrientes, oxigênio) e ainda auxiliando no controle da temperatura.
51
Figura 4.1: Tipos de biorreatores (a) STR; (b) coluna de bolhas; (c) "air-lift"; (d)
"plug-flow"; (e) com células imobilizadas (leito fixo); (f) com células imobilizadas (leito
fluidizado); (g) reator com membranas planas; (h) "hollow-fiber".
Conforme visto no presente item, há uma grande diversidade possível de
biorreatores a serem empregados em um determinado processo fermentativo, sendo que
a melhor opção dependerá das características do processo em questão, bem como do
microrganismo utilizado.
No item seguinte pretende-se mostrar que existem numerosas opções quanto à
forma de condução do processo, ou seja, quanto à forma de operação de um dado
biorreator, e que a forma ideal de operação, isto é, aquela que conduzirá a um
desempenho ótimo do processo, será função novamente das particularidades do material
biológico empregado.
4.2 Formas de condução de um processo fermentativo
52
Quando se pensa em executar um processo fermentativo, normalmente se
imagina preparar um certo meio de cultura que seja adequado à nutrição e
desenvolvimento do microrganismo, bem como ao acúmulo do produto desejado; colocar
este meio de cultura em um biorreator (fermentador); adicionar o microrganismo
responsável pelo processo biológico (inocular) e aguardar que o processo ocorra. Após
um determinado tempo de fermentação, imagina-se retirar o caldo fermentado do reator e
executar as operações unitárias necessárias para a recuperação do produto.
A descrição acima é aquela típica de um processo descontínuo simples, ou
descontínuo tradicional, que é também designado como processo em batelada. No
entanto, essa descrição é também típica de pessoas não ligadas à Engenharia
Bioquímica, ou com experiência em processos fermentativos, pois, sem querer recair em
afirmações dotadas de extremo exagero, pode-se dizer que existem infinitas formas de se
conduzir um reator biológico, dependendo das características próprias do microrganismo,
meio de cultivo e dos objetivos específicos do processo que se pretende executar.
Inclusive, ao se imaginar o descontínuo como única alternativa para a condução
do processo fermentativo, pode-se incorrer no engano de concluir, precocemente, sobre
a inviabilidade do processo produtivo, em virtude de sua baixa produtividade.
Com base nessas considerações iniciais, fica clara a necessidade de uma maior
reflexão sobre os reatores biológicos, tendo em vista sua enorme flexibilidade de
operação, bem como sua incidência imediata quanto à economicidade de um dado
processo fermentativo.
Pode-se afirmar que, a partir da década de 1950, ocorreu um maior
desenvolvimento da área de reatores, encontrando a mesma, desde então, um formidável
avanço, sendo responsável pelo sucesso de muitos processos fermentativos, obviamente
ao lado dos demais desenvolvimentos das áreas mais básicas, como por exemplo a
microbiologia destes processos.
Não é objetivo do presente texto abordar todas as formas de operação de um
biorreator, mesmo porque isto seria inviável, tamanha a diversidade hoje observada,
dependendo das características próprias de cada processo. O que se pretende é abordar
as formas mais gerais, entendendo que tal estratégia permitirá as particularizações que
se fizerem necessárias. Com essa ideia em mente, pode-se dizer que, de uma forma geral,
um reator biológico pode ser operado das seguintes formas:
— Descontínuo
• com um inóculo por tanque
• com recirculação de células
— Semicontínuo
• sem recirculação de células
• com recirculação de células
— Descontínuo alimentado
• sem recirculação de células
• com recirculação de células
— Contínuo
• executado em um reator (com ou sem recirculação de células)
• executado em vários reatores (com ou sem recirculação de células)
O processo descontínuo simples, ou seja, aquele efetuado com um inóculo por
tanque, já foi descrito no início deste item. No entanto, cabe ainda acrescentar que esse
processo é o mais seguro quando se tem o problema de manutenção de condições de
assepsia, pois ao final de cada batelada imagina-se que o reator deverá ser esterilizado
juntamente com o novo meio de cultura, recebendo um novo inóculo, o qual poderá sofrer
todos os controles necessários, a fim de assegurar a presença única do microrganismo
responsável pelo processo.
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Deve-se salientar que o conhecimento do processo descontínuo simples significa o
conhecimento básico da cinética do processo, sendo, portanto, de extremo interesse, não
se recomendando o estudo dos reatores alternativos sem que se domine razoavelmente
bem o descontínuo, mesmo porque as demais alternativas pressupõem este
conhecimento cinético.
Por outro lado, no nível de aplicações práticas, pode-se dizer que, para um
processo fermentativo razoavelmente evoluído, dificilmente ele será conduzido como um
reator descontínuo simples, havendo com muita frequência alguma elaboração adicional.
O descontínuo será sempre a base para as comparações de eficiências atingidas nessas
elaborações, mas a sua baixa eficiência estimula o surgimento das formas alternativas.
A primeira dessas alternativas é, quando o microrganismo permite, recircular as
células, ou seja, ao se encerrar a batelada efetua-se a separação das células por
centrifugação ou mesmo sedimentação no interior do próprio reator, enviando apenas o
líquido fermentado para a recuperação do produto. Com isso se busca evitar o preparo de
um novo inóculo para cada batelada, o que sempre significa custo adicional para o
processo, além de significar também um certo tempo para a obtenção de altas
concentrações celulares no reator, bem como consumo de substrato para isto. Essa
estratégia de operação é frequentemente designada como batelada repetida.
Assim, a ideia de se recircular as células, mesmo para um processo descontínuo é
possível e mesmo interessante, desde que se possa manter as condições de assepsia, e
igualmente se possa manter o microrganismo suficientemente ativo para a síntese do
produto.
Se um processo descontínuo é entendido como um sistema fechado, devido às
suas características, um processo contínuo, por outro lado, é o exemplo típico de um
sistema aberto. No processo contínuo procura-se estabelecer um fluxo contínuo de líquido
através do reator, ou reatores dispostos em série. Claro está que, caso o processo assim
o exija, o meio a ser introduzido no reator deve ser devidamente esterilizado, assim como
se deve manter as condições de assepsia nestas operações de alimentação e retirada do
produto fermentado.
A opção pela operação de um sistema contínuo, constituído por vários reatores em
série, no qual a alimentação de um dado reator da série é o efluente do reator anterior,
visa frequentemente o estabelecimento de diferentes condições nos vários biorreatores
da série. Inclusive, nessa opção de operação, abre-se a possibilidade de distribuir a
alimentação do meio de cultura inicial entre reatores da série, o que pode justamente
contribuir para o aparecimento destas diferentes condições entre os vários reatores.
Ainda, o reator contínuo permite visualizar o reciclo de células. De fato, o líquido
fermentado, efluente de um dado reator, pode ser submetido a um sistema de separação
dos microrganismos (por sedimentação, centrifugação ou separação por membranas), os
quais podem ser retornados ao volume de reação, sendo o líquido enviado para a
recuperação do produto. Em se tratando de reatores em série, essa operação pode ser
efetuada em qualquer reator da série, retornando-se o microrganismo para o fermentador
mais adequado, evidenciando, assim, a enorme flexibilidade de operação disponível.
O reator descontínuo alimentado ("fed batch") é aquele no qual se imagina
inicialmente introduzir o inóculo, o qual deverá ocupar uma fração do volume útil da ordem
de 10a 20%, iniciando-se então a alimentação com o meio de cultura, empregando uma
vazão adequada, sem ocorrer a retirada de líquido fermentado. Essa operação prolonga-
se até o preenchimento do volume útil do reator, quando então inicia-se a retirada do caldo
fermentado para a recuperação do produto.
Essa forma de operação é típica da área de Engenharia Bioquímica, e foi
praticamente desenvolvida para os processos fermentativos, sendo muito pouco frequente
para os reatores químicos não biológicos. A descrição acima para o reator "fed batch",
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consiste — na verdade — na forma mais simples de operação deste reator. Pode-se
imaginar a separação das células e retorná-las ao volume de reação, a fim de se iniciar
um novo período de alimentação, o que evita o preparo de um novo inóculo. A ideia acima
também sugere que se alimente o reator com vazão constante, o que não é
necessariamente obrigatório.
As alternativas mencionadas indicam a grande flexibilidade de operação, que
também se observa para o "fed batch", a exemplo do reator contínuo.
No entanto, cumpre destacar que se pode ainda, ao terminar o preenchimento do
reator, proceder-se à retirada de uma certa fração do líquido fermentado, iniciando-se
então um novo período de alimentação. Essa alternativa é frequentemente indicada na
literatura como descontínuo alimentado repetido. Novamente convém esclarecer que esse
estilo de condução do reator depende fundamentalmente das características do
microrganismo, que deverá permanecer suficientemente ativo no sistema. Caso o
microrganismo apresente sintomas de atenuação quanto à sua capacidade de síntese do
produto, o processo deverá ser interrompido, para se reiniciar com um novo inóculo.
Assim, é fácil compreender que o interesse por um processo contínuo, ou
descontínuo alimentado repetido, depende da possibilidade de se prolongar ao máximo o
tempo de operação, mantendo-se o processo em condições de elevado desempenho,
quanto ao produto desejado e isento de contaminações.
Finalmente, o sistema de reação em contínuo, diferencia-se do descontínuo
alimentado, pelo fato de se retirar o líquido fermentado e se proceder ao preenchimento
do reator empregando-se uma vazão muito elevada, de forma a se imaginar que o reator
esteja sendo preenchido instantaneamente. Ao final do novo período de fermentação,
procede-se novamente à retirada de uma dada fração do volume (30 a 60%, por exemplo)
e se preenche o reator instantaneamente.
Na verdade, como - do ponto de vista prático - trabalhando-se com reatores de
dezenas de milhares de litros, este preenchimento dificilmente pode ser efetuado
instantaneamente, com frequência acaba-se recaindo no reator descontínuo alimentado,
motivo pelo qual alguns autores não utilizam a designação de ser contínuo. De qualquer
maneira, trata-se de uma técnica distinta, na qual está embutida a ideia da operação por
choques de carga de substrato, o que pode ser interessante em algumas situações, como
na produção de enzimas sujeitas ao controle por indução.
Da mesma forma, um reator descontínuo alimentado, dependendo da vazão
empregada, que possibilite um certo acúmulo do substrato limitante quando do término do
período de alimentação do reator, pode ter seu tempo de fermentação concluído em
sistema descontínuo, a fim de que o substrato residual possa ser totalmente consumido.
Essas últimas considerações pretendem alertar para as possibilidades de utilização
de misturas de conceitos (descontínuo, contínuo, descontínuo alimentado), a fim de se
conseguir o máximo de desempenho de um dado sistema biológico. Elas também
reforçam a ideia sobre a enorme flexibilidade que se dispõe para a operação de um
biorreator. Alguns processos tradicionais servem como exemplo dessa afirmação, como é
o caso da fermentação alcoólica executada segundo o processo Melle-Boinot. Nesse
processo, ao término de uma fermentação, o vinho é centrifugado, retornando-se as
células ao reator após tratamento adequado. A seguir inicia-se a alimentação do mosto a
ser fermentado (na verdade, a introdução do inóculo e a alimentação de mosto ocorrem
simultaneamente desde o início do processo), operando-se grande parte do tempo na
forma de um reator descontínuo alimentado. Quando as dornas encontram-se
preenchidas, aguarda-se tempo suficiente para o consumo dos açúcares fermentescíveis,
operando-se, portanto, na forma descontínua.
Os sistemas de tratamento de resíduos também podem ser considerados como
exemplo, pois os enormes volumes de reação, frequentes nesta área, exigem que sejam
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preenchidos de forma controlada segundo o sistema descontínuo alimentado, mesmo que
sua operação em regime seja obrigatoriamente em sistema contínuo. Frequentemente a
operação em descontínuo alimentado é importante, pois espera-se atingir o completo
preenchimento do reator contando-se com um sistema biológico equilibrado, a fim de se
poder iniciar a operação contínua em condições de estabilidade (ausência de matéria
orgânica acumulada, ou de produtos intermediários não completamente convertidos a gás
ou biomassa).
Cabe, finalmente, comentar que as diferentes formas de operar um certo biorreator
são, em princípio, aplicáveis a qualquer tipo de reator dentre os mencionados no item 4.1,
ficando esta flexibilidade mais ou menos evidente, dependendo do tipo de reator
considerado.
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5. Fermentação Descontínua
As fermentações descontínuas clássicas, ou simplesmente, fermentações
descontínuas, vêm sendo utilizadas pelo homem desde a Antiguidade e, ainda hoje, são
as mais empregadas para obtenção de vários produtos fermentados. São também
conhecidas por fermentações por batelada ou processo descontínuo de fermentação.
Seu modo de operação pode ser descrito assim: no instante inicial a solução
nutriente esterilizada no fermentador é inoculada com microrganismos e incubada, de
modo a permitir que a fermentação ocorra sob condições ótimas. No decorrer do processo
fermentativo nada é adicionado, exceto oxigênio, no caso de processos aeróbicos (na
forma de ar), antiespumante, e ácido ou base para controle do pH.
Terminada a fermentação, descarrega-se a dorna, e o meio fermentado segue
para os tratamentos finais. Então, deve-se lavar a dorna, esterilizá-la e recarregá-la com
mosto e inóculo.
Conclui-se, pela descrição acima, que se não houver adição de soluções para
controle do processo, nem perda de líquido por evaporação, o volume no decorrer da
fermentação permanece constante, o que pode ser considerado mais uma das
características do processo descontínuo de fermentação.
A fermentação descontínua pode levar a baixos rendimentos e/ou produtividades,
quando o substrato adicionado de uma só vez no início da fermentação exerce efeitos de
inibição, repressão, ou desvia o metabolismo celular a produtos que não interessam. Além
disso, apresenta "tempos mortos", ou seja, tempos em que o fermentador não está sendo
usado para o processo fermentativo propriamente dito, tais como tempo de carga e
descarga de dorna e período correspondente à lavagem e esterilização do fermentador.
Por outro lado, apresenta menores riscos de contaminação (se comparados com
processos contínuos de fermentação), grande flexibilidade de operação, devido ao fato de
poder utilizar os fermentadores para a fabricação de diferentes produtos, a possibilidade
de realizar fases sucessivas no mesmo recipiente, condição de controle mais estreito da
estabilidade genética do microrganismo, assim como a capacidade de identificar todos os
materiais relacionados quando se está desenvolvendo um determinado lote de produto, o
que é vital para a indústria farmacêutica.
Ademais, é o mais utilizado na indústria de alimentos. Alguns dos alimentos e
bebidas produzidos por esse processo fermentativo são iogurte, chucrute, picles, cerveja,
vinho, entre outros.
5.1 Inóculo
Chama-se inóculo,pé-de-cuba ou pé-de-fermentação um volume de suspensão de
microrganismo de concentração adequada capaz de garantir, em condições econômicas,
a fermentação de um dado volume de mosto.
Para que se obtenha um inóculo com capacidade produtiva elevada, deve-se dar
condições para que o microrganismo desejado seja propagado, que incluem desde sua
manutenção até a propagação propriamente dita.
Há muitas técnicas para o armazenamento de microrganismos, sendo que cada
uma delas pode ser indicada levando em conta a cepa do microrganismo e as condições
laboratoriais disponíveis para mantê-la. Têm por finalidade conservar a cepa viável e com
capacidade produtiva, mantendo-a, portanto, dentro do possível, com o mínimo de
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divisões celulares, uma vez que, quando estas ocorrem, há possibilidade de haver
mutações. Algumas delas são: secagem de microrganismos em terra, areia, sílica ou outro
material sólido, conservação em ágar inclinado ou outras que limitem o metabolismo e
respiração microbiana (aqui se incluem congelamento em congeladores ou em nitrogênio
líquido, e manutenção de esporos ou células em água) e remoção da água de células ou
esporos por liofilização e manutenção do material seco sob diferentes condições. A
recuperação do microrganismo é feita de diferentes maneiras, dependendo da técnica que
se adotou para preservá-lo.
Tão importante é a manutenção da cepa, que muitas empresas de fermentação
possuem centros especializados que têm esta função, distribuindo os microrganismos
para suas fábricas localizadas nacionalmente ou, mesmo, internacionalmente.
Paralelamente, fazem testes de viabilidade, de estabilidade genética, além de empregar
metodologias para melhoramento genético. Dessa forma, garantem a qualidade e a
reprodutibilidade das cepas microbianas, o que não significa que as fábricas não tenham
o seu próprio controle na propagação desses microrganismos.
Durante a fase de propagação do inóculo deve-se tomar cuidados especiais de
modo a evitar contaminação, pois comprometeria a produção industrial. Nessa fase, em
processos aeróbios, um foco potencial de contaminação é o ar fornecido ao sistema, o
qual deve ser esterilizado.
Quando o microrganismo produtor é uma espécie mutante, se ele for auxotrófico,
deve-se garantir o suprimento de substâncias requeridas para o crescimento no meio
durante a propagação do inóculo. Além disso, deve-se acompanhar se os microrganismos
continuam com capacidade produtiva durante a fase de propagação, pois mutações não
são sempre estáveis e eles podem perdê-la, deixando de apresentar capacidade
produtiva.
O volume de inóculo introduzido no fermentador de produção está comumente ao
redor de 10% de sua capacidade útil. No entanto, pode variar de 0,5 a 50%. A técnica de
preparo do inóculo compreende duas fases: a de laboratório e a industrial (ver Figura 5.1).
Figura 5.1: Representação esquemática do preparo do inóculo.
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A partir da cultura estoque, propaga-se o microrganismo por meio de metodologia
conveniente. Normalmente na fase inicial passa-se do meio sólido, em condições
assépticas, para um tubo de ensaio contendo meio líquido esterilizado, adequado para o
desenvolvimento microbiano. Após incubação por um determinado tempo, que depende
do tipo de microrganismo cultivado (pois cada espécie microbiana possui velocidade de
crescimento diferente), transfere-se o conteúdo desse tubo a frascos apropriados para
agitadores rotativos ou recíprocos — "shakers" — contendo meio esterilizado (podem ser
erlenmeyers lisos ou chanfrados, sendo que estes são utilizados quando se têm
microrganismos mais exigentes quanto à aeração).
Após incubação, transfere-se a suspensão microbiana para frascos maiores
contendo meio nutriente esterilizado. O número de transferências vai depender do volume
útil do pré-fermentador (germinador). Todas as transferências devem ser feitas em
condições assépticas (cujos cuidados variam com o processo fermentativo que se deseja
realizar) e os frascos devidamente fechados, mas permitindo entrada de ar para
microrganismos aeróbios, de modo a evitar contaminação. Dependendo do volume do
fermentador de produção, poderá ser necessário mais de um germinador.
A cada passo, os organismos devem crescer rapidamente, sendo as transferências
feitas na fase logarítmica de crescimento. Apenas na fase que corresponde ao inóculo que
será adicionado ao fermentador de produção, pode-se deixar que a cultura atinja a fase
de declínio de velocidade de crescimento, caso seja interessante iniciar a fase de
produção com células de um estágio mais avançado da curva de crescimento microbiano.
Sugestões para relação entre volume que receberá a suspensão microbiana e o
volume desta nas várias etapas de propagação de inóculo são da ordem de 10 vezes, 20
vezes, mas há indicações para valores possíveis de 100 a 200 vezes.
5.2 Mosto
Como já se sabe, cada microrganismo possui condições ótimas de crescimento tais
como: temperatura, pH, nível de oxigênio dissolvido, entre outras. O meio de cultivo, por
sua vez, tem influência marcante nesse processo. Em microbiologia, é chamado de meio
de cultura. Aqui, na área de fermentações industriais, é chamado de mosto ou meio de
fermentação. Deve possuir nutrientes requeridos para o crescimento celular, que, à parte
das fontes de energia, pode ser classificado nos seguintes grupos: a) fontes dos
elementos "principais" — C, H, O e N; b) fonte dos elementos "secundários" — P, K, S,
Mg; c) vitaminas e hormônios; d) fontes de "traços" de elementos, ou seja, requerimentos
de elementos em quantidades mínimas para o crescimento microbiano (por exemplo, Ca,
Mn, Fe, Co, Cu, Zn são frequentemente essenciais para o crescimento microbiano).
Na formação de um meio de fermentação (mosto) deve-se levar em conta a
necessidade desses nutrientes, lembrando que o meio, além de propiciar o
desenvolvimento microbiano, deve favorecer a formação do produto que se deseja.
A composição elementar de uma célula microbiana depende de muitos fatores,
como condições de cultivo, espécie do microrganismo, e até mesmo do substrato utilizado
para seu crescimento. Porém, a título de orientação, é apresentada na Tabela 5.1 a
composição elementar típica de um microrganismo.
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Tabela 5.1: Composição elementar típica de microrganismos.
Um meio para crescimento microbiano deve, no mínimo, conter os elementos
presentes na célula na proporção correta. Exceto para carbono, oxigênio e hidrogênio, a
formulação de meio nutriente é baseada na Tabela 5.1. As fontes de nitrogênio podem ser
orgânicas ou inorgânicas e de modo algum devem faltar na composição do meio de cultivo,
sob pena de limitar o crescimento celular. Traços de elementos (Cu, Co, Fe, Ca, Zn, Mo,
Mn), em princípio, podem ser utilizados em concentrações da ordem de 10-4 e 10-5 M para
concentrações de 30 g de células secas/L e 3 g de células secas/L, respectivamente. No
entanto, alguns microrganismos necessitam de concentrações maiores de alguns desses
elementos, e adaptações devem ser feitas nesse sentido.
Quanto a substâncias orgânicas, tais como vitaminas e aminoácidos, devem fazer
parte da constituição do mosto se os microrganismos não os sintetizarem, a menos que
se opte pela adição parcelada deles.
Os microrganismos, para seu crescimento, coordenam eficientemente o
catabolismo (que tem como funções principais fornecer energia — em células
heterotróficas — e intermediários de vias metabólicas) e o anabolismo (onde se dá a
formação de biomoléculas que farão parte da constituição do microrganismo, tais como
polissacarídeos, lipídeos, proteínas e ácidos nucléicos). O substrato limitante para
microrganismos heterotróficos, além de ser a fonte de energia para essas vias do
metabolismo, normalmente supre necessidades da célula de carbono, oxigênio e
hidrogênio, que integrarão a composição celular e/ou o produto.
Portanto, sua quantidade no meio de cultivoserá uma função de quanto se deseja
produzir de microrganismo, ou de produto, levando em conta a relação estequiométrica
entre substrato e quantidade possível de se produzir de células ou de produto. No entanto,
é conveniente lembrar que não se pode ter um mosto com concentrações elevadas de
substrato, pois, nestas condições, pode se tornar inibitório para o crescimento microbiano.
Sabendo quais os componentes que devem estar presentes num meio, podem-se
lançar mão de dois procedimentos para obtê-lo: a partir de extratos de plantas ou animais,
chamados de meios "naturais" (suco de uva, leite, água de maceração de milho, etc.), ou
a partir da elaboração de meios quimicamente definidos, chamados de meios "sintéticos".
Com a finalidade de elucidar efeitos nutricionais, à medida do possível, estes devem ser
os escolhidos, pois aqueles têm a desvantagem de serem de composição indefinida e
variável. Por outro lado, podem ser meios bastante ricos e que geralmente não necessitam
de complementação para sua utilização como mosto.
Do ponto de vista industrial, vários fatores devem ser considerados. O custo do
substrato pode ser crucial, devendo também ser levada em conta a quantidade de carbono
disponível, bem como as exigências para sua fermentação (por exemplo, o fornecimento
de oxigênio ao sistema deve ser aumentado, caso utilize um substrato de cadeia carbônica
em menor grau de oxidação, como na utilização de hidrocarbonetos como fonte de
carbono). O custo é o fator limitante da utilização de meios sintéticos em escala industrial.
Outros fatores incluem: suprimento do substrato (a maioria das empresas opta por
comprar o substrato no mercado aberto, com possibilidade de comprar de vários
fornecedores), disponibilidade (onde se considera se a matéria-prima é sazonal ou não e
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a possibilidade de seu armazenamento), variabilidade na composição da matéria-prima,
condições de armazenamento, dificuldades de esterilização do mosto, fermentescibilidade
(aqui se deve lembrar que uma aparente não fermentescibilidade não é necessariamente
uma restrição se microrganismos alternativos puderem ser encontrados), exigência de
tratamentos para tornar o substrato presente na matéria-prima fermentescível (por
exemplo, num processo de fermentação alcoólica com levedura como inóculo, materiais
amiláceos devem ser hidrolisados a fim de se obter açúcares de pequena cadeia
carbônica, que serão fermentados) e comportamento do mosto durante e após a
fermentação (por exemplo, produção excessiva de espuma e possibilidade de reciclar
água residuária). Ainda é importante destacar que o melhor substrato para uma indústria
não é necessariamente o melhor para outra que produz o mesmo produto, pois cada uma
tem seu microambiente, onde o custo de transporte, combustível e potência,
disponibilidade de água, entre outras, determinam a escolha do substrato.
Alguns dos substratos e/ou matérias-primas, possíveis para utilização em cultivos
microbianos, são: açúcares, melaços, soro de leite, celulose, amido, resíduos como liquor
sulfítico e água de maceração de milho, metanol, etanol, alcanos, óleos e gorduras, etc.
5.3. Classificação
Em escala industrial, muitos processos são adaptados com vistas a otimizar a
produção. O processo descontínuo, por sua vez, também foi sendo adaptado de modo a
atender ao objetivo de diferentes indústrias. Os processos descontínuos podem ser
classificados em três grandes grupos: aqueles em que cada dorna recebe um inóculo,
processos com recirculação do microrganismo e processo por meio de cortes.
O primeiro grupo consiste na inoculação de uma dorna com um microrganismo
que foi propagado a partir de uma cultura pura, como já comentado anteriormente. Oferece
poucos riscos de contaminação se a propagação do inóculo foi feita em boas condições
de assepsia. Nas fermentações em que o meio é rico e o microrganismo é altamente
suscetível a contaminação, a utilização deste processo é indicada, a menos que o
substrato adicionado de uma só vez no início da fermentação leve a resultados
insatisfatórios.
Os processos com recirculação do microrganismo, como o próprio nome indica,
reaproveitam como inóculo o microrganismo da batelada anterior. Para tanto, ou se espera
que o microrganismo sedimente no fermentador (como é o caso de cervejarias), ou se
centrifuga o meio fermentado, separando assim as células e reutilizando-as. Esse
procedimento é comum em destilarias de álcool. No entanto, como há tendência de
aumentar o número de contaminantes a cada nova batelada, as usinas normalmente
empregam uma metodologia com vistas a eliminá-los. Consiste num tratamento do leite
de lêvedo (suspensão de leveduras altamente concentrada, obtida a partir da
centrifugação do meio fermentado) com água e ácido sulfúrico. Deixado nessas
condições, sob agitação por 2 a 3 horas, proporciona a eliminação de contaminantes, bem
como de células que já se apresentem em fase de degeneração.
O último grupo da classificação apresentada é assim descrito: "Na fermentação
por meio de cortes, opera-se do seguinte modo: inicia-se o trabalho inoculando-se uma
dorna (que será chamada de dorna A) com pé-de-cuba; quando a fermentação atinge um
estágio apropriado, passa-se parte do conteúdo do fermentador A para um fermentador
vazio (que será chamado de dorna B) e, em seguida, enchem-se as duas dornas com
meio a fermentar. Essa operação recebe o nome de corte. Diz-se que a dorna A foi cortada
para a dorna B ou, ainda, que B recebeu um corte de A".
Esses cortes podem ser feitos na fase de crescimento mais intenso quando se
deseja propagar o inóculo, ou após o término do processo fermentativo. A sucessão de
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cortes pode acarretar sérias quedas no rendimento, principalmente quando se trabalha
com meio não esterilizado. Além disso, o número de cortes sucessivos não pode ser
previsto, sendo que o controle do rendimento poderá indicar em que momento deve-se
suspender o trabalho por meio de cortes e se iniciar nova fermentação com inóculo novo.
No entanto, a produção de cada produto tem suas particularidades e a experiência
adquirida ao longo do tempo na fábrica leva o pessoal a decidir quais as modificações que
devem ser feitas no processo, aumentando, dia após dia, o rendimento e/ou a
produtividade do mesmo.
5.4 Número de dornas
Tendo em vista o alto custo de um fermentador, bem como o espaço que ocupa,
desnecessário é justificar a importância para uma empresa determinar o número de
fermentadores que necessita para produzir o que deseja.
Foi sugerido uma metodologia para o cálculo do número de fermentadores, a qual
pode ser utilizada como caminho para se chegar ao número ideal de fermentadores numa
empresa que trabalha com processo descontínuo e que será transcrita a seguir. As
pequenas modificações, em relação a seu trabalho original publicado, são, basicamente,
algumas passagens matemáticas que serão aqui apresentadas.
Consideremos uma instalação de fermentação, funcionando por processo
descontínuo, que deva fornecer, de maneira ininterrupta, líquido fermentado ao setor
encarregado dos tratamentos finais. Suponhamos, ainda, para simplificar, que não esteja
sendo utilizado o processo de cortes. Sejam dados:
F = vazão média de líquido fermentado que deve ser fornecido ininterruptamente
ao setor de tratamentos finais;
tf = tempo necessário para que o conteúdo de uma dorna fermente completamente;
V = capacidade útil de cada dorna;
D = número de dornas, de capacidade útil V, necessário para garantir a vazão F de
líquido fermentado;
td = tempo necessário para se descarregar uma dorna;
tc= tempo necessário para se limpar e carregar uma dorna.
O valor da vazão F depende dos seguintes fatores:
a) da quantidade de produto final que se deseja obter na unidade de tempo;
b) do rendimento dos tratamentos finais que devem conduzir ao produto desejado;
c) da concentração do produto final no líquido fermentado que, por sua vez, éfunção do processo de fermentação.
Se indicarmos com M a massa de produto final que interessa produzir em um tempo
t, com r o rendimento dos tratamentos finais e com C a concentração de produto final no
líquido fermentado, teremos:
𝐹 =
𝑀
𝐶. 𝑡. 𝑟
O valor médio de tf, por sua vez, depende do processo de fermentação, enquanto
que o tempo de descarga td pode ser calculado por:
𝑡𝑑 =
𝑉
𝐹
A capacidade útil de cada dorna, na prática, não pode ser escolhida de maneira
completamente arbitrária. Há fabricantes que fixam os tamanhos de dornas que podem
oferecer dentro de sua linha normal de trabalho. Há, por outro lado, experiência
relativamente pequena na construção de fermentadores de grandes capacidades
(diversas centenas de metros cúbicos), principalmente nos processos que exigem
borbulhamento de ar e agitação mecânica. Torna-se muito difícil estabelecer, nesse caso,
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recomendações gerais. A experiência já adquirida no funcionamento de instalações
análogas constitui critério mais seguro de escolha de um valor adequado de V dentre os
possíveis.
O valor de tc (tempo necessário para limpar uma dorna descarregada e carregá-
la novamente) varia de caso para caso. Quando se pretende, no dimensionamento de
uma instalação, calcular o número de dornas, toma-se como ponto de partida:
𝑡𝑐 = 𝑡𝑑
Essa igualdade, totalmente arbitrária, facilita a avaliação de D e pode ser, em
muitos casos, obedecida na prática industrial. Feitas essas observações iniciais,
necessárias para que se possam interpretar com cautela os resultados obtidos no cálculo
de D, passemos a esse cálculo.
Consideremos uma dorna, que será chamada de dorna número 1, em início de
trabalho; no intervalo de tempo tc = td, ela será limpa e carregada; decorrido um intervalo
de tempo tf, o líquido nela contido estará completamente fermentado e, após outro
intervalo de tempo td, ela se encontrará vazia e em condições de reiniciar seu ciclo de
trabalho. Para que não haja interrupção de fornecimento de material fermentado ao setor
dos tratamentos finais, quando terminar a descarga da dorna número 1 deverá existir urna
outra (que será indicada por dorna número 2) pronta para ser descarregada. Quando a
dorna número 2 tiver sido descarregada, deverá existir uma terceira em condições de
iniciar sua descarga. Essa sequência de operações pode ser visualizada na Figura 5.2.
Figura 5.2: Cronograma de funcionamento de dornas em um processo descontínuo. (1)
Início do preparo da dorna; (2) fim da carga; (3) fim da fermentação; (4) fim da descarga.
Deverá existir, portanto, um intervalo de tempo td separando o início de
funcionamento de duas dornas consecutivas. Nessas condições, tomando-se
convencionalmente como instante zero o início de trabalho da dorna número 1, a dorna D
deverá começar a funcionar no instante (D-1)td. Por outro lado, como indica a Figura 5.3,
a dorna D deverá iniciar seu funcionamento no instante td + tf. Logo, podemos escrever:
(𝐷 − 1). 𝑡𝑑 = 𝑡𝑑 + 𝑡𝑓 (𝐷 ≥ 3)
∴ 𝐷 = 2 +
𝑡𝑓
𝑡𝑑
⁄
∴ 𝐷 = 2 +
𝐹. 𝑡𝑓
𝑉
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Figura 5.3: Cronograma de funcionamento das dornas número 1 e número D. (1) Início
do preparo da dorna; (2) fim da carga; (3) fim da fermentação; (4) fim da descarga.
Ao procurarmos dimensionar uma instalação, os valores de F e de t são
conhecidos, mas os de V podem variar em intervalos muito amplos. Surge, portanto, a
necessidade de escolher um valor de V para podermos dar andamento ao projeto que nos
interessa.
Desde que não exista um critério que nos leve a atribuir a V determinados valores,
poderemos, com o objetivo de iniciar o dimensionamento que temos em vista, calcular o
chamado número econômico de dornas, definido como sendo o número de dornas de
custo total mínimo capaz de atender às necessidades da instalação. Esse número
econômico, indicado por E, pode ser calculado como segue: sendo p o custo de um
fermentador de capacidade útil V, é válida a equação empírica
𝑝 = 𝑘. 𝑉𝑎
sendo k e a dois parâmetros que dependem das condições econômicas locais no
momento considerado, e 0 < a < 1. Indicando com P o custo de D fermentadores, temos,
combinando as duas equações anteriores:
𝑃 = 𝑝.𝐷 = 𝑘. (𝐹. 𝑡𝑓)
𝑎
. 𝐷/(𝐷 − 2)𝑎
Derivando essa equação e igualando a derivada a zero, obtém-se o ponto de
mínimo (menor valor de P), caso em que D é, por definição, igual a E.
Como os termos k, F, tf e a são constantes, pode-se substitui-los por K, que é um
constante fruto das operações que envolvem as constantes acima. Portanto, chega-se a:
𝑃 = 𝐾.𝐷/(𝐷 − 2)𝑎
Derivando a equação acima, tem-se:
𝑑𝑃
𝑑𝐷
=
𝐾. 𝐷. 𝑎. (𝐷 − 2)𝑎−1 − (𝐷 − 2)𝑎. 𝐾
(𝐷 − 2)2𝑎
Considerando (𝑑𝑃 𝑑𝐷⁄ )= 0, obtém-se:
64
𝐷 = 𝐸 = 2 (1 − 𝑎)⁄
Substituindo a equação anterior na equação 𝐷 = 2 +
𝐹.𝑡𝑓
𝑉
, calcula-se a capacidade
útil de cada um dos E fermentadores (Ve). Ou seja,
𝑉𝑒 = 𝐹. 𝑡𝑓 . (1 − 𝑎)/2𝑎
Pode-se também avaliar o número econômico de dornas, sem determinar os
parâmetros da correlação empírica (equação 𝑝 = 𝑘. 𝑉𝑎), da seguinte maneira: tendo-se
uma lista de preços de dornas de diversas capacidades, calcula-se, para cada valor de V
desta lista, o correspondente D; tendo-se D e o preço unitário, calcula-se o preço das D
dornas; escolhe-se então, entre os diversos valores calculados, o valor de V, e
consequentemente de D, que tenha conduzido ao custo total mínimo.
Convém salientar que o valor de E poderá não atender a outros requisitos do
processo. Quando tal fato acontecer, escolher-se-á então um valor de D que satisfaça a
esses outros requisitos e que se situe tão próximo de E quanto possível.
Finalizando, as dimensões comumente utilizadas industrialmente para alguns
processos fermentativos são apresentadas na Tabela 5.2.
Tabela 5.2: Dimensões de fermentadores para alguns processos fermentativos.
65
6. Fermentação Descontínua Alimentada
Vários processos fermentativos têm sido desenvolvidos em função de diferentes
aplicações. Um desses, que tem importância tanto em escala industrial como em nível de
pesquisa, é o processo descontínuo alimentado, também conhecido como processo por
batelada alimentada ou, simplesmente, fermentação descontínua alimentada.
Embora a utilização desse processo venha desde cerca de 1900 para regular
crescimento de Saccharomyces cerevisiae, os primeiros a utilizarem o termo "cultura por
processo descontínuo alimentado" a título de catalogação foram YOSHIDA et al., para se
referirem a uma fermentação descontínua continuamente alimentada com meio nutriente.
Figura 6.1: Esquema ilustrativo do modo de operação de uma fermentação descontínua
alimentada.
Basicamente, o processo descontínuo alimentado é definido como uma técnica
em processos microbianos, onde um ou mais nutrientes são adicionados ao fermentador
durante o cultivo e em que os produtos aí permanecem até o final da fermentação. Em
alguns casos, todos os nutrientes são gradualmente alimentados à dorna (Figura 6.1).
Adicionalmente, outros autores estendem esse conceito para o acréscimo de aditivos, tais
como precursores de produtos. A vazão de alimentação pode ser constante ou variar com
o tempo, e a adição de mosto pode ser de forma contínua ou intermitente. Mudança de
volume pode ou não ocorrer, dependendo da concentração de substrato e da taxa de
evaporação do sistema.
Devido à flexibilidade de utilização de diferentes vazões de enchimento de dornas
com meio nutriente, é possível controlar a concentração de substrato no fermentador, de
modo que, por exemplo, o metabolismo microbiano seja deslocado para uma determinada
via metabólica, levando ao acúmulo de um produto específico.
Cada condição de trabalho pode levar a diferentes perfis de concentração não só
de substrato, mas também de células e produto. Uma representação esquemática de um
comportamentopossível para o processo pode ser observada nas Figuras 6.2 e 6.3. Num
cultivo, sabe-se que é crescente o número de microrganismos ao longo do tempo, o que
leva ao aumento da massa celular na dorna. No entanto, a concentração de
microrganismos pode ter um perfil decrescente durante o período correspondente ao
enchimento da dorna (Figura 6.2). Isso pode ocorrer, pois a concentração celular não
66
depende somente da massa de microrganismos, mas também da variação de volume
decorrente da adição de mosto a dorna. Por outro lado, deve-se lembrar que, após a fase
de enchimento da dorna, o processo passa a ter característica de processo descontínuo
clássico (sem entrada ou saída de fluido da dorna) e a fermentação termina no instante a
partir do qual a massa de produto na dorna permanece constante (Figura 6.3).
Figura 6.2: Massa celular (Mx) e concentração celular (X) em função do tempo para
um processo descontínuo alimentado (curvas hipotéticas, pois X, por exemplo,
poderia ser constante ou crescente no período de enchimento da dorna).
Deve-se salientar que parte do desenvolvimento do processo descontínuo
alimentado tem se dado empiricamente em escala industrial, e estas informações, quase
sempre determinantes da viabilidade da produção industrial, constituem segredo industrial
e dificilmente são divulgadas.
Figura 6.3: Volume de meio (V), concentração de substrato (S) e massa de
produto (Mp) na dorna em função do tempo para um processo descontínuo alimentado
(curvas hipotéticas, neste caso, com vazão constante de alimentação).
67
6.1 Aplicações
Antes de 1940 a maioria dos processos fermentativos envolvia a conversão de
carboidratos a outros compostos orgânicos simples. Seguindo o sucesso da aplicação das
fermentações descontínuas alimentadas para produção de levedura, tentou-se a
utilização destas (com adição de um ou mais componentes necessários ao metabolismo
do microrganismo) para a produção de glicerol, acetona, butanol, ácido lático e outros
materiais, resultando, em muitas ocasiões, em um melhor controle do processo de
fermentação e mais eficientes utilizações dos componentes do meio.
Esse êxito se deve a inúmeros fatores, discutidos amplamente na literatura, que
podem agir isoladamente ou em conjunto para os mais diversos tipos de produtos e/ou
células obtidos por fermentação. Algumas das finalidades ao se empregar as
fermentações descontínuas alimentadas são relacionadas a seguir.
6.1.1 Minimização dos efeitos do controle do metabolismo celular
Para que um microrganismo tenha sua sobrevivência garantida no meio ambiente,
ele tem necessariamente de ser eficiente, ou seja, não deve desperdiçar energia. Devido
a isso, dispõe de mecanismos regulatórios em seu metabolismo, que previnem que não
haja superprodução de um determinado produto ou síntese de uma enzima
desnecessária, entre outros. A utilização do processo descontínuo alimentado de
fermentação pode ser útil quando se procura contornar alguns desses mecanismos.
Em microrganismos, glicose ou outras fontes de carbono rapidamente
metabolizáveis reprimem a expressão de genes que codificam enzimas relacionadas ao
metabolismo de outras fontes de carbono. Esse fenômeno é conhecido como repressão
catabólica. Muitas enzimas, especialmente aquelas envolvidas em caminhos catabólicos,
estão sujeitas a essa regulação repressiva. Uma importante técnica para superar
repressão catabólica na biossíntese de enzimas é a cultura por batelada alimentada em
que a concentração de glicose no meio em fermentação é mantida baixa, onde o
crescimento é restringido, e a biossíntese de enzima desreprimida.
Na produção de levedura de panificação procura-se minimizar o efeito glicose
através da utilização de diversas técnicas de alimentação de dornas, mantendo-se baixos
os níveis de concentração de açúcar no meio em fermentação. Evitando que esse
substrato seja deslocado para produção de etanol, aumenta-se a eficiência de
transformação da fonte de carbono em células.
Muito ligado à repressão catabólica está um mecanismo de regulação
denominado indução. Também é chamado de desrepressão, uma vez que os genes que
codificam a síntese de enzimas induzidas estão usualmente reprimidos e, em presença
de um substrato e/ou indutor, são desreprimidos, liberando a síntese da respectiva
enzima. Diversas enzimas do catabolismo têm sua biossíntese regulada desse modo. Por
exemplo, em processos fermentativos cujo produto seja uma proteína recombinante, a
indução de proteases se dá quando ocorre a diminuição da concentração de nitrogênio no
meio. Cientistas trabalhando com E. coli recombinante para produção de somatotropina
bovina, conseguiram evitar que esta fosse degradada por proteases, por meio da adição
de extrato de levedura como fonte de nitrogênio orgânica, o que evitou a indução
(desrepressão) dos genes que controlam a formação de proteases.
Repressão catabólica também tem influência na produção de metabólitos
secundários. Glicose tem efeito repressor na formação de alcalóides de ergot,
cefalosporina C, indolmicina, bacitracina, estreptomicina, neomicina, novobiocina,
68
penicilina, entre outras. Também nesses casos a utilização do processo descontínuo
alimentado com a finalidade de manter baixas concentrações de glicose pode ser
indicada, em vez de se utilizar uma fonte de carbono que não seja repressora.
Como normalmente as maiores velocidades de crescimento microbiano ocorrem
com valores de concentração de substrato no meio em fermentação maiores que aqueles
onde os efeitos de repressão catabólica são minimizados, há sugestão que se conduza o
processo fermentativo em duas fases: a primeira, onde se forneça mais substrato e se
obtenha o aumento da biomassa e outra, onde se diminua o fornecimento de substrato de
tal forma a limitar a concentração de substrato e a velocidade do crescimento celular, de
modo que haja desrepressão e a enzima e/ou produto desejado seja produzido. Essa
técnica permite, portanto, que alguns processos fermentativos, principalmente aqueles em
que a formação de produto não seja associada ao crescimento, sejam estendidos,
trabalhando por um período maior com as células em condições onde ocorra a produção
do produto desejado.
Outro mecanismo de regulação que a célula microbiana possui, especialmente útil
no anabolismo, é a inibição por "feedback" (retroinibição). Muitas enzimas biossintéticas
são inibidas por produtos finais. Um meio de reduzir a formação de produtos finais
indesejáveis (que exercem inibição e/ou repressão das enzimas que levam à formação do
produto desejado) é trabalhar com mutantes auxotróficos (mutantes nutricionais),
controlando a alimentação do nutriente requerido para seu crescimento. Essa técnica é
comumente utilizada na produção industrial de aminoácidos.
6.1.2 Prevenção da inibição por substrato ou precursores
Nutrientes tais como metanol, etanol, ácido acético e compostos aromáticos
inibem o crescimento de microrganismos, mesmo a concentrações relativamente baixas.
Por outro lado, qualquer fonte nutriente pode se tornar inibitória, dependendo de sua
concentração no meio, do microrganismo e das condições de fermentação. Por exemplo,
muitos pesquisadores concordam, de um modo geral, que a inibição pelo substrato
começa a ser significativa para valores superiores a 100 g/L em fermentações alcoólicas
com Saccharomyces cerevisiae e glicose como substrato. Adicionalmente, em muitas
fermentações, deve-se adicionar precursores para se obter maior quantidade de produto,
os quais, muitas vezes, são tóxicos para o microrganismo a partir de determinadas
concentrações no caldo de cultivo. Em todos esses casos, o controle da vazão de
alimentação permite que se evite o trabalho em condições inibitórias, melhorando a
produtividade e/ou rendimento desses processos fermentativos.
6.1.3 Minimização da formação de produtos de metabolismo tóxicos
A produção de produtosde metabolismo tóxicos é particularmente crítica em
processos onde se deseja a obtenção de altas densidades celulares. Alguns dos casos
onde se visa tais níveis de concentrações celulares são fermentações com
microrganismos recombinantes e com células animais, uma vez que, geralmente, esses
agentes de fermentação produzem pouco produto. O aumento do número de células
compensaria essa deficiência. Para se conseguir tal objetivo é necessário restringir a
velocidade de crescimento devido a limitações de transferência de oxigênio, bem como
transferência de calor. Em E. coli, fonte de carbono em excesso, mesmo em aerobiose,
leva a formação de ácido acético (inibidor de crescimento), que de certa forma está
69
relacionada ao aumento da velocidade de crescimento do microrganismo. Por outro lado,
no cultivo de células animais, os produtos tóxicos mais comuns são lactato e amônia.
Em ambos os casos acima, o controle da velocidade de fornecimento de substrato
ao sistema permite que se mantenha a velocidade de crescimento celular em intervalos
desejados e/ou minimize a formação de produtos tóxicos para as células, possibilitando
que se consiga altas concentrações destas e, também, aumento na quantidade de produto
formado.
6.1.4 Superação de problemas frequentes de estabilidade em processo contínuo
Contaminação, mutação e instabilidade de plasmídeo são algumas das
dificuldades de manter estável um processo contínuo. Nesses casos, utiliza-se o processo
descontínuo alimentado com a finalidade de superá-las.
6.1.5 Adequação do processo fermentativo a condições operacionais
No Brasil, o aumento da capacidade de produção de etanol das unidades
industriais forçou o aumento da capacidade volumétrica e do número de fermentadores.
Apesar de grande parte das instalações industriais anteriormente virem trabalhando com
o processo descontínuo clássico, não foi mais possível mantê-lo, devido à problema de
intensa formação de espuma, que era menos significativo quando se operava com dornas
de pequena capacidade volumétrica, sem levar em conta efeitos de inibição pelo
substrato, que pode ocorrer quando a concentração de substrato atinge maiores valores
no meio de fermentação. Surgiu, então, a aplicação do processo descontínuo alimentado
para contornar esses problemas. Em estudo de vazões de enchimento de dornas, vazões
decrescentes levaram a maiores produtividades em etanol. Alguns autores concluíram que
vazões decrescentes levam a maiores produtividades em etanol e minimizam problemas
com espuma, pois a velocidade de adição de açúcar é máxima no início, quando se tem
menores volumes de meio em fermentação e ainda não há inibição por etanol, e mínima
no final da fase de enchimento.
No caso de ter-se um nutriente que seja instável nas condições de fermentação,
e cujo custo justifique sua utilização, ele pode ser usado, desde que seja adicionado aos
poucos, ajustando a velocidade de adição a velocidade de consumo pelo microrganismo.
Também em processos aeróbios de períodos mais extensos, tais como em
fermentações de antibióticos (1 a 2 semanas), pode-se incorporar o substrato a ser
adicionado no líquido de reposição de perda por evaporação. Aqui o processo descontínuo
alimentado concatena dois objetivos: repõe líquido que o sistema perde e alimenta-o com
o substrato.
6.1.6 Estudo de cinética de processos fermentativos
Processo descontínuo alimentado é útil para o estudo de cinética de processos
fermentativos, pois permite a manutenção de baixos níveis de substrato por longo período
de tempo, que é favorável à estimação de parâmetros cinéticos, permite manter
concentração celular constante e controlar velocidade de crescimento em condições
transientes. Ademais, há evidências que as máximas velocidades de alguns processos
podem ser encontradas somente nessas circunstâncias.
70
6.2 Classificação
Devido à diversidade de aplicações do processo descontínuo alimentado,
algumas variações podem decorrer com a finalidade de ajustá-lo a produção de diversos
produtos obtidos por fermentação, sendo qualificados na literatura por terminologias
complementares.
Processo descontínuo alimentado repetitivo é aquele em que uma fração
constante de volume de cultura é removida a intervalos de tempo fixos, podendo ser
mantido indefinidamente. Em outras palavras, de tempos em tempos, retira-se
rapidamente um determinado volume de meio fermentado da dorna (o qual será destinado
a separação do produto fermentado), sendo recomposto até seu valor máximo através da
adição de mosto com vazão de alimentação conveniente. Terminada a fermentação,
repete-se o procedimento, que será interrompido se cair a produtividade e/ou rendimento
do sistema, que podem ocorrer, por exemplo, se houver contaminação. Enchimentos e
esvaziamentos repetidos de volumes específicos resultam numa operação cíclica de
variação de volume, sendo designado por estes autores como processo descontínuo
alimentado cíclico. Esse tipo de processo tem sido utilizado industrialmente para produção
de levedura e de antibióticos, com o intuito de aproveitar como inóculo o microrganismo
que está crescendo com alta velocidade de crescimento e de trabalhar com as células que
estão na fase produtiva por mais tempo, respectivamente, levando ao aumento de
produtividade do sistema.
Processo descontínuo alimentado estendido descreve o modo de operação em
que a concentração de substrato limitante é mantida constante no meio em fermentação
pelo suprimento contínuo do nutriente. Como o próprio nome sugere, tem por finalidade
estender o período, de fermentação; mantendo níveis de concentração de substrato no
reator adequados para que as células continuem com atividade fermentativa direcionada
para a formação do produto desejado.
Tanto a fermentação descontínua alimentada como a descontínua alimentada
estendida usualmente cobrem somente um ciclo de operação e diferem do processo
descontínuo alimentado repetitivo (cíclico) quanto a duração da periodicidade aplicada a
cultura.
O processo descontínuo alimentado pode ser dividido em dois grupos, baseados
no fato de a adição de substrato ser ou não controlada por um mecanismo de
retroalimentação (Tabela 6.1).
No modo de operação com controle por retroalimentação, o fornecimento de
substrato pode ser controlado em função da concentração deste no meio de fermentação
(controle direto) ou em função de outros parâmetros (controle indireto), tais como
densidade óptica, pH, quociente respiratório, entre outros.
Por outro lado, o suprimento de substrato ao sistema é feito intermitentemente ou
de forma ininterrupta, até o final da fase de enchimento da dorna nos processos não
sujeitos ao controle por retroalimentação. Além disso, pode-se alimentar com vazões
constantes ou variáveis.
Em ambos os modos de operação, o que se visa é a otimização dos valores da
concentração de substrato no fermentador, com vistas a aumentar o rendimento e/ou
produtividade do processo fermentativo. Há casos em que se visa manter uma
determinada concentração de nutriente no caldo em fermentação e outros em que se
deseja que ela oscile de acordo com um perfil definido, considerado como ótimo.
71
Tabela 6.1: Classificação de técnicas de processo descontínuo alimentado.
6.3 Modelos matemáticos
A utilização de equações que representam um processo pode permitir a estimação
de parâmetros, bem como sua otimização. Consideraremos aqui modelos que foram
desenvolvidos para fermentadores agitados (homogêneos), alimentados com mosto
constituído de um substrato limitante.
6.3.1 Modelo para células
Tem-se que a velocidade de variação de massa de células no reator corresponde
à massa celular formada decorrente do crescimento microbiano. Algebricamente:
(
𝑑𝑀𝑥
𝑑𝑡
) = (
𝑑𝑀𝑥
𝑑𝑡
)
𝑐
(
𝑑𝑀𝑥
𝑑𝑡
) = 𝜇. 𝑉. 𝑋
𝑑(𝑉. 𝑋)
𝑑𝑡
= 𝜇. 𝑉. 𝑋
𝑑𝑉
𝑑𝑡
. 𝑋 +
𝑑𝑋
𝑑𝑡
. 𝑉 = 𝜇. 𝑉. 𝑋Considerando que a variação de volume na dorna deve-se exclusivamente a
alimentação:
𝐹. 𝑋 +
𝑑𝑋
𝑑𝑡
. 𝑉 = 𝜇. 𝑉. 𝑋
𝐹
𝑉
. 𝑋 +
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= 𝜇. 𝑋
72
onde 𝜇. 𝑋 = 𝑟𝑋 e 𝐷 = 𝐹 𝑉⁄
∴ 𝐷. 𝑋 +
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= 𝜇. 𝑋
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= (𝜇 − 𝐷). 𝑋
Notar, pela equação anterior, que se não houver variação da concentração celular
no decorrer do tempo, isto é, dX/dt = 0, tem-se a igualdade µ = D. Nessa condição, a
velocidade específica de crescimento celular é numericamente igual à vazão específica
de alimentação.
Exemplificando: Num processo onde o volume varie de Vi a Vf e se alimente a
dorna com vazão constante F temos que V = Vi + F.t. Assim, D decresce com o tempo de
acordo com a expressão:
𝐷 =
𝐹
(𝑉𝑖 + 𝐹. 𝑡)
Desta forma, se dX/dt = 0, µ = D = F /(Vi +F.t), decrescendo, neste caso, ao longo
do tempo.
6.3.2 Modelo para substrato
A velocidade de variação da massa de substrato no fermentador corresponde a
diferença entre a massa de substrato adicionada por tempo e a utilizada para o
crescimento celular. Pode ser representada pela expressão:
𝑑𝑀𝑠𝑟
𝑑𝑡
= 𝐹. 𝑆𝑚 −
𝑑𝑀𝑠𝑐
𝑑𝑡
𝑑(𝑉. 𝑆)
𝑑𝑡
= 𝐹. 𝑆𝑚 −
𝑑𝑀𝑠𝑐
𝑑𝑡
𝑑𝑉
𝑑𝑡
. 𝑆 +
𝑑𝑆
𝑑𝑡
. 𝑉 = 𝐹. 𝑆𝑚 −
𝑑𝑀𝑠𝑐
𝑑𝑡
Considerando que a variação de volume na dorna deve-se exclusivamente à
alimentação:
𝑆
𝑉
. 𝐹 +
𝑑𝑆
𝑑𝑡
=
𝐹
𝑉
. 𝑆𝑚 −
1
𝑉
𝑑𝑀𝑠𝑐
𝑑𝑡
𝐷. 𝑆 +
𝑑𝑆
𝑑𝑡
= 𝐷. 𝑆𝑚 − 𝑟𝑆
onde: 𝑟𝑆= velocidade de consumo de substrato
𝑑𝑆
𝑑𝑡
= 𝐷. (𝑆𝑚 − 𝑆) − 𝑟𝑆
Sabendo que 𝑌𝑋 𝑆⁄ = 𝑟𝑋 𝑟𝑆⁄ , chega-se a:
73
𝑑𝑆
𝑑𝑡
= 𝐷. (𝑆𝑚 − 𝑆) −
1
𝑌𝑋 𝑆⁄
. 𝑟𝑋
𝑑𝑆
𝑑𝑡
= 𝐷. (𝑆𝑚 − 𝑆) −
1
𝑌𝑋 𝑆⁄
. 𝜇. 𝑋
A equação anterior é uma equação simplificada, estando de acordo com trabalhos
descritos na literatura. Há autores, entretanto, que sugerem equações mais completas,
onde consideram que uma parcela do substrato vai para crescimento celular e outra para
a manutenção, e até parcela que considera substrato destinado à formação de produtos
complexos. Também aqui, vale lembrar que o valor de D é variável com o tempo,
diferenciando a equação acima daquela proposta para balanço de substrato de um
processo contínuo com dorna única, onde o valor de D é fixo.
6.3.3 Modelo para produto
A velocidade de variação de massa de produto no fermentador depende da massa
que é formada devido ao metabolismo microbiano. Ou seja:
(
𝑑𝑀𝑃
𝑑𝑡
) = (
𝑑𝑀𝑃
𝑑𝑡
)
𝑐
𝑑(𝑉. 𝑃)
𝑑𝑡
= 𝜇𝑃. 𝑉. 𝑋
𝑑𝑉
𝑑𝑡
. 𝑃 +
𝑑𝑃
𝑑𝑡
. 𝑉 = 𝜇𝑃. 𝑉. 𝑋
Considerando que a variação de volume na dorna deve-se exclusivamente à
alimentação, tem-se:
𝐹. 𝑃 +
𝑑𝑃
𝑑𝑡
. 𝑉 = 𝜇𝑃. 𝑉. 𝑋
𝐷. 𝑃 +
𝑑𝑃
𝑑𝑡
= 𝜇𝑃. 𝑋
𝑑𝑃
𝑑𝑡
= 𝜇𝑃. 𝑋 − 𝐷. 𝑃
onde:𝜇𝑃. 𝑋 = 𝑟𝑃
Nomenclatura:
D: Vazão específica de alimentação (h-1)
F: Vazão volumétrica de alimentação (L/h)
MP: Massa de produto no fermentador (g)
Msc: Massa de substrato consumida pelo microrganismo (g)
Msr: Massa de substrato (residual) no fermentador (g)
Mx: Massa celular no fermentador (g de matéria seca)
P: Concentração de produto no fermentador (g/L)
rP: Velocidade de formação de produto (g/L.h)
74
rS: Velocidade de consumo de substrato (g/L.h)
rx: Velocidade de crescimento celular (g de matéria seca/L.h)
S: Concentração de substrato residual no fermentador (g/L)
Sm: Concentração de substrato no mosto de alimentação (g/L)
t: Instante t (h)
TE: Tempo de enchimento do fermentador (h)
TF: Tempo de fermentação (h)
V: Volume de meio no fermentador (fase líquida + fase sólida) (L)
Vi: Volume de inóculo (L)
Vf: Volume final de meio no fermentador (máximo valor de V) (L)
X: Concentração celular no fermentador (g de matéria seca/L)
μ: Velocidade específica de crescimento celular (h-1)
μP: Velocidade específica de formação de produto (h-1)
YX/S: Fator de conversão de substrato limitante em células (g de massa celular seca
formada/g de substrato consumido)
(𝑑𝑀𝑝 𝑑𝑡⁄ ): Velocidade de variação da massa de produto no fermentador (g/h)
(𝑑𝑀𝑝 𝑑𝑡⁄ )𝑐: Velocidade de formação de produto em termos mássicos (g/h)
(𝑑𝑀𝑠𝑐 𝑑𝑡⁄ ): Velocidade de consumo de substrato em termos mássicos (g/h)
(𝑑𝑀𝑠𝑟 𝑑𝑡⁄ ): Velocidade de variação da massa de substrato residual no fermentador
(g/h)
(𝑑𝑀𝑋 𝑑𝑡⁄ ): Velocidade de variação de massa celular seca no fermentador (g de matéria
seca/h)
(𝑑𝑀𝑋 𝑑𝑡⁄ )𝐶: Velocidade de crescimento celular em termos mássicos (g de matéria
seca/h)
(𝑑𝑃 𝑑𝑡⁄ ): Velocidade de variação da concentração de produto no fermentador (g/L.h)
(𝑑𝑆 𝑑𝑡⁄ ): Velocidade de variação da concentração de substrato residual no fermentador
(g/L.h)
(𝑑𝑉 𝑑𝑡⁄ ): Velocidade de variação de volume na dorna (L/h)
(𝑑𝑋 𝑑𝑡⁄ ): Velocidade de variação da concentração celular no fermentador (g de matéria
seca/L.h)
75
7. Fermentação Semicontínua
O processo fermentativo recebe a denominação de semicontínuo quando, uma
vez colocados no reator o meio de fermentação e o inóculo, as operações que se seguem
obedecerem à seguinte ordem:
Operação n.° 1— Aguarda-se o término da fermentação.
Operação n.° 2 — Retira-se parte do meio fermentado, mantendo-se, no reator o
restante de mosto fermentado.
Operação n.° 3 — Adiciona-se ao reator um volume de meio de fermentação igual
ao volume de meio fermentado retirado na Operação n.° 2.
O meio de fermentação adicionado na Operação n.° 3 encontra, no reator as
células microbianas existentes no meio fermentado que nele foi mantido. Em outras
palavras, o meio fermentado não retirado do fermentador na Operação n.° 2 serve de
inóculo ao meio de fermentação adicionado na Operação n.° 3. Reinicia-se, desse modo,
a sequência de operações acima descrita, que será repetida enquanto não houver queda
da produtividade do processo.
Em alguns casos o meio fermentado retirado do fermentador (Operação n.° 2) é
submetido a uma centrifugação, para separar os microrganismos nele existentes,
microrganismos estes que voltam ao reator juntamente com o meio de fermentação citado,
na Operação n.° 3.
Um processo como o aqui descrito chama-se semicontínuo, porque são
intermitentes tanto o fluxo de entrada do meio no reator quanto o de saída de material
fermentado.
O antigo processo de fabricação de vinagres a partir de vinho, conhecido como
processo lento (ou processo francês ou, ainda, processo de Orleans), é um exemplo típico
de processo semicontínuo.
7.1 Produtividade do processo semicontínuo
A produtividade de um processo fermentativo depende de muitos fatores, tais como:
microrganismo utilizado, método de preparo do inóculo, concentração microbiana no
fermentador, composição do meio, temperatura, pH, fornecimento de oxigênio e de
nutrientes durante o desenvolvimento da fermentação, e outros mais.
Nosso objetivo neste momento, é, porém, bastante específico. Para definir esse
objetivo de maneira a não deixar margem a dúvidas, chamemos de V o volume total de
meio inoculado existente no reator e já completamente fermentado (Operação n.° 1), e de
α.V (sendo 0 < α < 1) o volume de meio fermentado retirado do reator na Operação n.° 2.
Interessa-nos saber de que maneira a fração α afeta a produtividade do processo.
Não é difícil mostrar que α afeta a produtividade. Para tanto, indiquemos por:
S0 = concentração do substrato principal (geralmente, a fonte de carbono) no meio
de fermentação, substrato este que será totalmente consumido.
N0 = concentração de outro nutriente importante para a atividade vital do
microrganismo (como a fonte de nitrogênio, por exemplo) no meio de fermentação.
Pf = concentração do produto no meio fermentado.
76
Nf = concentração, no meio fermentado, do outro nutriente importante para a
atuação do microrganismo.
Xf = concentração microbiana no meio fermentado.Se, na Operação n.° 2, o volume de meio retirado do reator é α.V, o volume de meio
remanescente será (1-α).V.
Consequentemente, na Operação n.° 3 serão misturados um volume (1-α).V de
meio fermentado e um volume α.V de meio de fermentação.
Podemos então calcular, na mistura resultante:
a) concentração do substrato principal (Si):
𝑆0. 𝛼. 𝑉 = 𝑆𝑖. 𝑉 ∴ 𝑆𝑖 = 𝛼. 𝑆0
b) concentração do outro nutriente já citado (Ni):
𝑁0. 𝛼. 𝑉 + 𝑁𝑓(1 − 𝛼). 𝑉 = 𝑁𝑖 . 𝑉 ∴ 𝑁𝑖 = 𝛼.𝑁0 + (1 − 𝛼).𝑁𝑓
c) concentração microbiana (Xi), admitindo-se que não haja retorno, ao reator, dos
microrganismos existentes no volume de meio fermentado α.V:
𝑋𝑓(1 − 𝛼). 𝑉 = 𝑋𝑖. 𝑉 ∴ 𝑋𝑖 = (1 − 𝛼)𝑋𝑓
d) concentração do produto (Pi):
𝑃𝑓(1 − 𝛼). 𝑉 = 𝑃𝑖 . 𝑉 ∴ 𝑃𝑖 = (1 − 𝛼)𝑃𝑓
O tempo para se completar a fermentação da mistura resultante da Operação n.° 3
(e, consequentemente, a produtividade do processo) depende:
a) do valor de Xi, porque quanto maior for a concentração microbiana inicial, menor
será o tempo de fermentação.
b) do valor de Si, uma vez que quanto maior for a concentração inicial do substrato,
maior será o tempo necessário à sua transformação em produto;
c) do valor de Ni, pois se a concentração inicial do outro nutriente já referido não for
adequada, as células microbianas trabalharão mais lentamente;
d) do valor de Pi porque o produto da fermentação é, muito frequentemente, um
inibidor da atividade microbiana, o que pode acarretar maior tempo para se atingir
fermentação completa.
Mas as equações acima nos mostram que Si, Ni, Xi e P1 dependem de α. Logo, α
afetará a produtividade do processo.
A Figura 7.1 mostra, esquematicamente, de que maneiras α pode influir na
produtividade.
Figura 7.1: Representação esquemática de possíveis influências de α na produtividade
do processo semicontínuo.
77
Duas situações particulares devem ser comentadas, a saber:
a) Se α = 1, isto é, se na Operação n.° 2 retirarmos todo o meio fermentado
existente no reator e o substituirmos por meio de fermentação, não se processará mais
qualquer transformação, porque não haverá células microbianas para servirem de inóculo
ao meio adicionado. Em outras palavras, a produtividade será nula.
b) Se α se aproximar de zero, o volume de meio fermentado periodicamente retirado
do reator (Operação n.° 2) será muito pequeno quando comparado com o volume de meio
fermentado remanescente, e o processo semicontínuo se aproximará do contínuo.
Em que pese o fato de o processo semicontínuo apresentar relativamente poucas
aplicações, seu emprego, principalmente quando o volume de produção é relativamente
pequeno, pode apresentar algumas vantagens significativas, destacando-se:
a) possibilidade de operar o fermentador por longos períodos (às vezes, alguns
meses) sem que seja necessário preparar um novo inóculo;
b) possibilidade de aumentar a produtividade do reator apenas modificando-se o
cronograma de trabalho;
c) possibilidade de, uma vez conhecidas as melhores condições de operação,
conseguir produtividade significativamente maior do que a obtida em processo
descontínuo.
78
8. Fermentação Contínua
O processo de fermentação contínua caracteriza-se por possuir uma alimentação
contínua de meio de cultura a uma determinada vazão constante, sendo o volume de
reação mantido constante através da retirada contínua de caldo fermentado.
A manutenção de volume constante de líquido no reator é de primordial
importância, a fim de que o sistema atinja a condição de estado estacionário ou regime
permanente ("steady state"), condição na qual as variáveis de estado (concentração de
células, de substrato limitante e de produto) permanecem constantes ao longo do tempo
de operação do sistema.
De fato, o processo contínuo caracteriza-se fundamentalmente por ser um sistema
que pode operar por longos períodos de tempo em estado estacionário, decorrendo desta
situação uma série de vantagens em relação ao processo descontínuo tradicional,
conforme será visto adiante.
Entretanto, a manutenção de volume constante no reator significa teoricamente a
necessidade de se contar com vazões idênticas de alimentação e de retirada de meio, o
que é praticamente impossível de se obter na prática. Por essa razão, utilizam-se em geral
sistemas de retirada de líquido por transbordamento ("ladrão"), de forma a manter o nível
de líquido constante ou, ainda pode-se empregar bombas de alta vazão na saída,
acionadas intermitentemente, de forma a manter uma massa constante no reator. Para
essa finalidade, alguns fermentadores de laboratório mais modernos contam com um
sistema automático de controle da massa do reator, através da manutenção do mesmo
sobre uma balança, a qual comanda o acionamento das bombas de alimentação e de
retirada de líquido.
Outro problema que pode igualmente comprometer a manutenção de volume
constante, principalmente em processos aerados, é a formação intensa de espuma, que
deve ser evitada, seja através da utilização de antiespumantes apropriados, ou através de
sistemas mecânicos de quebra de espuma.
Tais problemas tornam-se particularmente críticos quando se opera em reatores
de pequena capacidade, onde se torna de vital importância a precisão no estabelecimento
das vazões de alimentação e de retirada do caldo fermentado.
8.1 Vantagens e desvantagens do processo contínuo em relação ao descontínuo
Conforme mencionado anteriormente, as principais vantagens apresentadas pelo
processo contínuo de fermentação, em relação ao descontínuo tradicional, são
decorrentes da operação em estado estacionário, podendo-se destacar:
• aumento da produtividade do processo, em virtude de uma redução dos tempos
mortos ou não-produtivos;
• obtenção de caldo fermentado uniforme, o que facilita o projeto das operações de
recuperação do produto de interesse ("downstream");
• manutenção das células em um mesmo estado fisiológico, o que torna o processo
contínuo uma excelente ferramenta para estudos de mecanismos de regulação metabólica
ou, ainda, para estudos de otimização da composição de meio de cultura;
• possibilidade de associação com outras operações contínuas na linha de
produção;
• maior facilidade no emprego de controles avançados;
• menor necessidade de mão-de-obra.
79
Entretanto, ao lado das inúmeras vantagens apontadas, o processo contínuo de
fermentação apresenta também algumas desvantagens ou problemas práticos, que
podem limitar o emprego deste tipo de sistema em escala industrial, para alguns
processos fermentativos. Assim, podem-se destacar:
• maior investimento inicial na planta;
• possibilidade de ocorrência de mutações genéticas espontâneas, resultando na
seleção de mutantes menos produtivos;
• maior possibilidade de ocorrência de contaminações, por se tratar de um sistema
essencialmente aberto, necessitando, pois, de manutenção de condições de assepsia nos
sistemas de alimentação e retirada de meio, desde que o processo assim o exija;
• dificuldades de manutenção de homogeneidade no reator, quando se trabalha
com baixas vazões, ou quando o caldo adquire comportamento pseudoplástico, como é o
caso do cultivo de fungos filamentosos;
• dificuldades de operação em estado estacionário em determinadas situações
(formação de espuma, crescimento do microrganismo nas paredes do reator, ou ainda,
nos sistemas de entrada e saída de líquido).
Apesar dos problemas acima mencionados, a utilização do processo contínuo de
fermentação encontra grande aplicação prática, podendo-se citar como exemplo típico a
fermentação alcoólica, onde se utiliza normalmente, em escala industrial, o processo
contínuo com reciclo de células ou, ainda, o processo contínuo em múltiplos estágios,
permitindo, desta forma, a obtenção de elevados rendimentos,bem como elevadas
produtividades do processo. Outro importante exemplo de utilização do processo contínuo
em larga escala é o tratamento biológico de resíduos, em reatores de fluxo ascendente
(tipo UASB), empregados para o tratamento de uma grande variedade de efluentes
industriais, tais como os oriundos de fábricas de cervejas e refrigerantes, de fábricas de
laticínios e de indústrias alimentícias de um modo geral.
Deve-se ressaltar que ambos os casos de emprego da fermentação contínua acima
citados, são processos não assépticos, nos quais se empregam reatores de enormes
capacidades, podendo chegar a até alguns milhões de litros. Por outro lado, para
processos exigentes em termos de manutenção de condições de assepsia, como é o caso
da produção de enzimas e antibióticos, o processo contínuo encontra ainda aplicação
restrita, devido principalmente à possibilidade de ocorrência de contaminações, conforme
mencionado anteriormente.
8.2 Formas de operação no sistema contínuo
O processo de fermentação contínua normalmente tem início em um processo
descontínuo, ou seja, carrega-se inicialmente o reator com meio de cultura, procede-se à
inoculação com o microrganismo responsável pela conversão, sendo que, após algum
período de operação descontínua, inicia-se a alimentação de meio de cultura e retirada
de caldo, dando-se início efetivamente ao processo contínuo.
Dependendo do instante em que se inicie o processo contínuo propriamente dito,
bem como da vazão de alimentação empregada, o sistema poderá convergir com maior
ou menor rapidez à situação de estado estacionário. Assim, recomenda-se usualmente
que se inicie a alimentação com o cultivo em fase exponencial, e contendo uma
concentração celular a mais elevada possível.
O sistema contínuo de fermentação é extremamente versátil quanto às suas várias
possibilidades de operação, tais como:
• Contínuo em um único estágio (um único reator):
80
• sem reciclo de células
• com reciclo de células
• Contínuo em múltiplos estágios (n reatores em série):
• com uma única alimentação (com ou sem reciclo de células)
• com múltiplas alimentações (com ou sem reciclo de células)
Cada uma dessas diferentes opções irá resultar em distintos comportamentos das
variáveis de estado (concentração de células, de substrato e de produto) nos diversos
estados estacionários possíveis, podendo-se, assim, definir faixas ideais de operação do
sistema, tendo como objetivo básico a obtenção de elevadas produtividades do processo.
Nos subitens seguintes, focalizar-se-á, com detalhes, cada uma destas diferentes
formas de operação no sistema contínuo.
8.2.1 Equacionamento para o reator contínuo ideal sem reciclo de células
A Figura 8.1 mostra, esquematicamente, um sistema empregado para a realização
de um cultivo contínuo em um único estágio, sem recirculação de células. O meio de
cultura contendo o substrato limitante em uma determinada concentração, é alimentado a
uma vazão constante. Admite-se agitação perfeita, de forma que o reator possa ser
considerado como homogêneo. Assim, portanto, admite-se que cada porção de meio
alimentada no reator seja instantaneamente misturada no volume de reação, de forma que
o líquido efluente possuirá as mesmas concentrações de células, substrato e produto, que
aquelas existentes no meio de reação.
Figura 8.1: Sistema contínuo em um único estágio, sem reciclo de células.
Definem-se, pois, as seguintes variáveis:
F = vazão volumétrica de alimentação de meio (L/h)
V = volume de meio no reator (L)
X = concentração de células no reator (g/L)
X0 = concentração de células no meio de alimentação (g/L)
S = concentração do substrato limitante no reator (g/L)
S0 = concentração do substrato limitante no meio de alimentação (g/L)
P = concentração do produto P no reator (g/L)
P0 = concentração do produto P no meio de alimentação (g/L)
μ = velocidade específica de crescimento = (1/X).(dX/dt) (h-1)
μp= velocidade específica de produção do produto P genérico = (g produto/g
células.h ou simplesmente g/g.h)
81
μs= velocidade específica de consumo de substrato = (1/X).(-dS/dt) (g substrato/g
célula.h ou simplesmente g/g.h)
Yx/s = fator de conversão substrato a células = ∆X/(∆S)total (g célula/g substrato ou
simplesmente g/g)
Assim, pode-se escrever o seguinte balanço material para o microrganismo,
considerando o reator como volume de controle:
(
𝑉𝑎𝑟𝑖𝑎çã𝑜 𝑑𝑎
𝑚𝑎𝑠𝑠𝑎 𝑑𝑒
𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠 𝑛𝑜
𝑟𝑒𝑎𝑡𝑜𝑟
) = (
𝑚𝑎𝑠𝑠𝑎 𝑑𝑒
𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠
𝑞𝑢𝑒 𝑒𝑛𝑡𝑟𝑎
) − (
𝑚𝑎𝑠𝑠𝑎 𝑑𝑒
𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠
𝑞𝑢𝑒 𝑠𝑎𝑖
) + (
𝑚𝑎𝑠𝑠𝑎 𝑑𝑒
𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠 𝑞𝑢𝑒
𝑎𝑝𝑎𝑟𝑒𝑐𝑒 𝑑𝑒𝑣𝑖𝑑𝑜
𝑎𝑜 𝑐𝑟𝑒𝑠𝑐𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜
)
Portanto, considerando-se volume constante, tem-se:
𝑉
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= 𝐹𝑋0 − 𝐹𝑋 + 𝑉 (
𝑑𝑋
𝑑𝑡
)
𝑐𝑟𝑒𝑠𝑐𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜
A velocidade global instantânea de crescimento, por sua vez, pode ser expressa
como:
(
𝑑𝑋
𝑑𝑡
)
𝑐𝑟𝑒𝑠𝑐𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜
= 𝜇𝑋
Define-se a "vazão específica de alimentação" (D) ("dilution rate"), como sendo a
relação entre a vazão volumétrica de alimentação e o volume de meio no reator. Assim,
tem-se que:
𝐷 =
𝐹
𝑉
(ℎ−1)
sendo que (1/D)= tempo de residência hidráulico no reator.
Assim, substituindo-se as duas equações acima na equação 𝑉
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= 𝐹𝑋0 − 𝐹𝑋 + 𝑉 (
𝑑𝑋
𝑑𝑡
)
𝑐𝑟𝑒𝑠𝑐𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜
obtém-se:
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= 𝐷. (𝑋0 − 𝑋) + 𝜇𝑋
Como frequentemente se procede à alimentação de meio de cultura esterilizado,
tem-se normalmente X0 = 0. Assim, tem-se:
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= 𝜇𝑋 − 𝐷𝑋
Considerando, pois, que se tenha atingido uma situação de estado estacionário no
reator, na qual a concentração celular permanece constante (e, portanto, dX/dt = 0),
obtém-se que:
𝜇𝑋 = 𝐷𝑋
ou, ainda:
𝜇 = 𝐷
As equações acima são de fundamental importância na análise do processo
contínuo de fermentação, pois indicam que, na condição de regime permanente, a
concentração celular se mantém constante graças a um equilíbrio entre a velocidade de
crescimento celular e a velocidade de retirada de células do fermentador e, ainda, que a
velocidade específica de crescimento (μ) é igual à vazão específica de alimentação (D).
Ou seja, significa que através da imposição de uma determinada vazão de alimentação
82
ao reator, consegue-se controlar a velocidade específica de crescimento das células,
significando que é possível, em princípio, fixar o estado fisiológico dás células, o que é
sem dúvida de primordial importância.
De forma análoga ao que foi efetuado para o microrganismo, pode-se equacionar
os balanços materiais para o substrato limitante e para o produto P genérico, de forma a
se obter as expressões a seguir:
𝑑𝑆
𝑑𝑡
= 𝐷(𝑆0 − 𝑆) − 𝜇𝑆𝑋 = 𝐷(𝑆0 − 𝑆) −
𝜇𝑋
𝑌𝑋 𝑆⁄
𝑑𝑃
𝑑𝑡
= 𝐷(𝑃0 − 𝑃) + 𝜇𝑃𝑋
Deve-se observar que, na equação
𝑑𝑆
𝑑𝑡
= 𝐷(𝑆0 − 𝑆) − 𝜇𝑆𝑋 = 𝐷(𝑆0 − 𝑆) −
𝜇𝑋
𝑌𝑋 𝑆⁄
, o último
termo representa a velocidade de consumo do substrato para crescimento das células,
sendo que não se considerou o consumo de substrato para a manutenção destas.
Por outro lado, na equação
𝑑𝑃
𝑑𝑡
= 𝐷(𝑃0 − 𝑃) + 𝜇𝑃𝑋 o último termo representa a velocidade
global de síntese do produto P pelas células. Conforme será visto adiante, dependendo
da cinética de formação do produto, dada por diferentes correlações entre 𝜇𝑃 e 𝜇, poder-
se-ão ter distintos comportamentos da concentração de produto no reator. Deve-se
esclarecer, ainda, que também não se considerou que haja decomposição ou degradação
do produto, o que eventualmente poderá ocorrer e, obviamente, nestes casos, será
necessário incluir um termo adicional na equação
𝑑𝑃
𝑑𝑡
= 𝐷(𝑃0 − 𝑃) + 𝜇𝑃𝑋.
Considerando-se, pois, a equação
𝑑𝑆
𝑑𝑡
= 𝐷(𝑆0 − 𝑆) − 𝜇𝑆𝑋 = 𝐷(𝑆0 − 𝑆) −
𝜇𝑋
𝑌𝑋 𝑆⁄
em estado
estacionário (dS/dt = 0), pode-se escrever:
𝜇𝑋 = 𝑌𝑋 𝑆⁄ 𝐷(𝑆0 − 𝑆)
Assim,fazendo-se μ = D, obtém-se a expressão:
𝑋 = 𝑌𝑋 𝑆⁄ (𝑆0 − 𝑆)
No que se refere à operação do biorreator em regime contínuo, é da mais alta
importância que se procure conhecer o comportamento das variáveis de estado X, S e P,
em estado estacionário, em função da vazão específica de alimentação D, a fim de que
se possam estabelecer faixas ideais de operação do sistema, tendo em vista a obtenção
de altas produtividades do processo.
Nesse sentido, torna-se necessário o conhecimento da cinética do processo, o que
significa dispor de uma correlação entre a velocidade específica de crescimento (μ) e a
concentração do substrato limitante (S).
Como se sabe, embora existam várias propostas na literatura, o modelo cinético de
MONOD é o mais amplamente empregado, adequando-se para um grande número de
processos fermentativos. Por essa razão, é de grande interesse obter-se as curvas de X
e S em estado estacionário, quando se considera válido o modelo de Monod, dado pela
equação abaixo:
𝜇 =
𝜇𝑚𝑎𝑥𝑆
𝐾𝑆 + 𝑆
onde:
𝜇𝑚𝑎𝑥 = velocidade específica máxima de crescimento (h
-1)
83
Ks = constante de saturação de Monod (g/L)
Assim, fazendo-se 𝜇 = D e isolando-se S, obtém-se:
𝑆 =
𝐾𝑆𝐷
𝜇𝑚𝑎𝑥 − 𝐷
Substituindo-se a equação anterior na equação 𝑋 = 𝑌𝑋 𝑆⁄ (𝑆0 − 𝑆), obtém-se a
seguinte equação para X em função de D:
𝑋 = 𝑌𝑋 𝑆⁄ (𝑆0 −
𝐾𝑆𝐷
𝜇𝑚𝑎𝑥 − 𝐷
)
Por outro lado, a produtividade em células, no sistema contínuo sem reciclo de
células, é dada por:
𝑃𝑋 = 𝐷𝑋 = 𝐷𝑌𝑋 𝑆⁄ (𝑆0 −
𝐾𝑆𝐷
𝜇𝑚𝑎𝑥 − 𝐷
)
Dessa forma, a partir das três equações acima, pode-se prever o comportamento
de X, S e PX, em função da vazão específica de alimentação D, conforme indicado na
Figura 8.2, onde se apresentam as curvas obtidas por simulação das citadas equações.
A partir da Figura 8.2, observa-se que os valores de X permanecem praticamente
constantes em uma grande faixa de valores de D, ocorrendo uma brusca queda até o valor
zero, quando D se aproxima do valor de 𝜇𝑚𝑎𝑥. Por outro lado, a equação 𝑆 =
𝐾𝑆𝐷
𝜇𝑚𝑎𝑥−𝐷
indica
que quando D = 𝜇𝑚𝑎𝑥, o valor de S tende ao infinito, o que na prática significa tender para
o máximo valor possível, ou seja, o valor S0, isto é, a concentração do substrato na
alimentação.
Nesse caso, quando S = S0 observa-se, a partir da equação 𝑋 = 𝑌𝑋 𝑆⁄ (𝑆0 −
𝐾𝑆𝐷
𝜇𝑚𝑎𝑥−𝐷
),
que se obtém um valor nulo para a concentração celular em estado estacionário. Tal
condição de operação é conhecida como "estado estacionário de lavagem", ou
simplesmente "lavagem" ("wash-out"), situação na qual ocorre um arraste das células do
reator. O valor da vazão específica de alimentação no qual se tem a máxima velocidade
específica de crescimento é denominado "D crítico"(Dc).
Figura 8.2: Sistema contínuo em um único estágio, sem reciclo de células (simulação
das últimas três equações, com 𝜇𝑚𝑎𝑥= 0,5 h
-1; Ks = 0,1g/L ; Yx/s = 0,5; S0 = 10 g/L)
84
Assim, a condição de lavagem do reator permite estabelecer a faixa de operação
do reator contínuo que, no caso do reator ideal, sem reciclo de células, está entre zero e
𝜇𝑚𝑎𝑥, obedecendo-se, portanto, à condição D < Dc.
Entretanto, dentro dessa ampla faixa de operação, verifica-se, a partir da Figura
8.2, que os mais altos valores de produtividade em células são obtidos quando D está
muito próximo a 𝜇𝑚𝑎𝑥, ou seja, numa região de grande instabilidade de operação do reator,
pois uma flutuação mínima na vazão específica de alimentação, poderá ocasionar a
lavagem do reator. Por essa razão, caso o objetivo do processo seja a produção de
células, recomenda-se a operação do reator em valores um pouco menores de D (em
torno de 10 a 15% menor), obtendo-se assim uma produtividade em células menor que a
máxima, porém ainda suficientemente elevada.
O arraste das células, embora obviamente indesejável quando se está operando
um reator contínuo, é usualmente empregado para a determinação da velocidade
específica máxima de crescimento (𝜇𝑚𝑎𝑥), sendo esta técnica conhecida como "método
dinâmico de determinação de 𝜇𝑚𝑎𝑥" sendo amplamente descrita na literatura. Essa técnica
consiste em, partindo-se de um dado estado estacionário com μ = D, impor-se uma vazão
específica de alimentação nitidamente superior a 𝜇𝑚𝑎𝑥, de forma a se obter um decréscimo
da concentração celular no reator, conforme pode ser verificado a partir da equação
𝑑𝑋
𝑑𝑡
=
𝜇𝑋 − 𝐷𝑋, reescrita abaixo:
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= (𝜇𝑚𝑎𝑥 − 𝐷)𝑋
Assim, integrando-se a equação acima entre t0 a t, sendo t0 o instante em que se
fez D > 𝜇𝑚𝑎𝑥, no qual se tinha uma concentração celular igual a Xi, tem-se:
𝑙𝑛
𝑋
𝑋𝑖
= (𝜇𝑚𝑎𝑥 − 𝐷)(𝑡 − 𝑡0)
Assim, plotando-se ln(X/Xi) em função do tempo, obtém-se uma reta, cujo
coeficiente angular é igual a (𝜇𝑚𝑎𝑥 − 𝐷). Como D é conhecido, calcula-se assim o valor
de 𝜇𝑚𝑎𝑥. A Figura 8.3 ilustra o procedimento descrito.
Convém ainda, aproveitar a Figura 8.2 para colocar as definições de "quimiostato"
e "turbidostato", frequentemente mencionadas na literatura. Por quimiostato entende-se
um reator contínuo operando na região de valores de D para os quais X varia pouco e,
portanto, é um processo cuja composição química é mantida constante (X e S constantes),
através da introdução de substrato pela alimentação. Por turbidostato, por outro lado,
designa-se o processo contínuo operando na região de grande variação de X, isto é, na
região de D próximo a 𝜇𝑚𝑎𝑥. Nesse caso, ajusta-se a vazão de alimentação de forma a
manter X constante, o que em alguns casos, corresponde a manter a turbidez do meio
constante.
Para finalizar o presente item, convém mencionar que, no caso do tratamento
biológico de resíduos, deve-se operar o reator com baixos valores de D, pois o objetivo,
neste caso, é obter um efluente com baixos valores da concentração do substrato. Nessa
situação de baixos valores de S, todavia, tornam-se críticos certos fenômenos, tais como,
metabolismo endógeno, lise celular e consumo de substrato para manutenção, cujas
consequências para o desempenho do reator serão analisadas no próximo item.
85
Figura 8.3: Método dinâmico de determinação 𝜇𝑚𝑎𝑥 (simulação da equação 𝑙𝑛
𝑋
𝑋𝑖
=
(𝜇𝑚𝑎𝑥 − 𝐷)(𝑡 − 𝑡0), com 𝜇𝑚𝑎𝑥 = 0,5 h
-1; D 1,5 h-1; Xi= 5,0 g/L; t0 = 0).
8.2.2 Desvios do comportamento ideal devido à manutenção e ao decaimento
celular
No desenvolvimento apresentado no item anterior, considerou-se um reator
contínuo ideal, sem levar em consideração o consumo de substrato para manutenção,
bem como sem considerar a possível ocorrência de decaimento celular ("decay"), seja
como consequência do metabolismo endógeno, ou ainda, resultante de lise celular.
No presente item pretende-se, pois, verificar quais os tipos de alterações
resultantes no comportamento das variáveis de estado X e S, em função da vazão
específica de alimentação, quando se levam em consideração os aspectos mencionados.
Assim, as equações de balanço material para o microrganismo e para o substrato
limitante, adquirem o seguinte formato:
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= (𝜇 − 𝐷 − 𝑘𝑑)𝑋
𝑑𝑆
𝑑𝑡
= 𝐷(𝑆0 − 𝑆) − (
𝜇
𝑌𝐺
+𝑚𝑆)𝑋
onde:
kd = velocidade específica de decaimento celular (h-1)
YG = fator de conversão verdadeiro substrato a células (g/g)
ms = coeficiente de manutenção (h-1)
Considerando-se as duas equações anteriores em estado estacionário e admitindo-
se válida a cinética de Monod, obtêm-se as seguintes expressões para X e S:
𝑋 =
𝑌𝐺𝐷(𝑆0 − 𝑆)
𝑌𝐺𝑚𝑆 + (𝐷 + 𝑘𝑑)
𝑆 =
𝐾𝑆(𝐷 + 𝑘𝑑)
𝜇𝑚𝑎𝑥 − (𝐷 + 𝑘𝑑)
sendo que, em estado estacionário, tem-se 𝜇 = 𝐷 + 𝑘𝑑.
86
Assim, na Figura 8.4 apresentam-se as curvas de X e S obtidas por simulação das
duas equações acima, nas quais se considerou diferentes valores para kd e ms.
Figura 8.4: Influência da manutenção e do decaimento celular no sistemacontínuo em
um único estágio, sem reciclo de células (simulação das duas últimas equações, com
𝜇𝑚𝑎𝑥= 0,5h
-1; Ks = 0,1 g/L; YG = 0,5; S0 = 10 g/L)
Conforme se pode verificar através dessa figura, as alterações mais significativas
no comportamento da concentração celular ocorrem na região de baixos valores de D e,
portanto, onde se têm baixas concentrações de substrato, situação na qual o substrato é
utilizado preferencialmente para manutenção da viabilidade celular.
Portanto, em processos nos quais se trabalha com baixas vazões específicas de
alimentação, cujo exemplo típico é o tratamento biológico de resíduos, nos quais se opera
na região de baixos valores de S, há necessidade de se tomar uma certa cautela no
estabelecimento da vazão de operação, pois se poderá obter, em estado estacionário,
concentrações celulares significativamente inferiores às prevista quando não se considera
o decaimento celular e o consumo de substrato para manutenção. Deve-se mencionar,
ainda, que nas simulações apresentadas na Figura 8.4, considerou-se kd e mS constantes.
Entretanto, para um tratamento mais rigoroso, se poderia considerá-los como sendo
funções de S e, portanto, variáveis com D, conforme indicam algumas propostas na
literatura.
Convém mencionar, ainda, que uma série de consequências importantes são
observadas, quando se analisa a ocorrência de perda de viabilidade celular no reator
contínuo.
8.2.3 Sistema contínuo com reciclo de células
A operação do sistema contínuo com recirculação de células tem como objetivo a
obtenção de alta densidade celular no reator, aumentando-se assim consideravelmente
as velocidades e, portanto, em última análise, a produtividade do processo. O reciclo de
células pode ser interno ou externo ao reator.
Por recirculação interna entende-se a situação na qual uma fração das células é
mantida no reator, seja através de uma simples sedimentação, ou através do emprego de
um filtro na saída de líquido do reator. No caso do reciclo externo o líquido efluente circula
através de um "separador de células" (sedimentador, centrífuga ou sistema de filtração
87
por membranas), de maneira que uma corrente concentrada em células retorna ao
fermentador, enquanto uma outra (filtrado ou permeado), sai praticamente isenta de
células.
Deve-se ressaltar que a recirculação interna de células representa uma situação
comparativamente mais segura em termos de manutenção de condições de assepsia,
quando comparada com o reciclo externo, sendo por esta razão mais adequada no caso
de processos exigentes em termos de assepsia, como é o caso da produção de enzimas
e antibióticos. Por outro lado, o reciclo externo torna-se uma alternativa bastante viável no
caso de processos em que esta preocupação não seja tão intensa, ou até mesmo não
exista, como por exemplo na fermentação alcoólica, ou, ainda, no tratamento biológico de
resíduos (processo de lodos ativados), os quais são exemplos práticos de utilização do
processo contínuo com reciclo externo de células em escala industrial, com reatores de
grandes capacidades, podendo-se chegar a até alguns milhares de metros cúbicos.
8.2.3.1 Sistema com reciclo interno
Considerando-se o sistema contínuo com reciclo interno de células indicado na
Figura 8.5, no qual a retenção de células ocorre através do emprego de uma filtração
interna do líquido efluente, definem-se os seguintes parâmetros:
c = fração do líquido efluente removida diretamente do fermentador, sem passar
pelo filtro ("purga")
h = fator de diluição da concentração celular obtido no líquido filtrado
Figura 8.5: Sistema contínuo em um único estágio, com reciclo interno de células.
Assim, pode-se escrever a seguinte equação de balanço material para o
microrganismo no fermentador, considerando-se X0 = 0:
𝑉
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= 𝑉𝜇𝑋 − 𝑐𝐹𝑋 − (1 − 𝑐)𝐹. ℎ𝑋
Deve-se observar que o segundo termo do membro direito da equação acima
representa a massa de células que é removida através da purga, enquanto que o último
se refere à massa de células removida através do efluente filtrado, com uma vazão
(1 − 𝑐)𝐹 e com uma concentração de células igual a ℎ𝑋.
À primeira vista pode parecer estranho o fato de se considerar a existência de uma
"purga", conforme representado na Figura 8.5. De fato, a sua existência não é estritamente
necessária. Entretanto, conforme será visto adiante, essa saída direta de caldo
fermentado, sem filtração, permite uma maior controlabilidade do processo em termos de
manutenção do estado estacionário neste sistema.
88
A seguir, dividindo-se os termos da equação anterior pelo volume de meio no reator
(V), obtém-se, após alguns rearranjos:
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= {𝜇 − 𝐷[𝑐 + ℎ(1 − 𝑐)]}𝑋
Seja:
𝐴 = [𝑐 + ℎ(1 − 𝑐)]
Assim, pode-se escrever que:
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= (𝜇 − 𝐴𝐷)𝑋
Portanto, em estado estacionário (dX/dt = 0), obtém-se:
𝜇 = 𝐴𝐷
A equação acima indica, que, em estado estacionário, não é mais válida a
igualdade entre 𝜇 e D, conforme ocorre para o sistema contínuo simples sem reciclo de
células. Além disso, pode-se observar que A será sempre menor do que 1, pois
considerando-se as duas situações extremas possíveis, quais sejam: h=0 (retenção total
de células através do filtro) e h = 1 (retenção nula de células, recaindo portanto, no sistema
sem reciclo), verifica-se que c < A < 1, significando portanto, que 𝜇 < D. Essa desigualdade
possui um significado prático de grande importância, pois indica que, para esse sistema,
o valor de D no qual ocorrerá a lavagem, isto é, D crítico, será superior ao valor de 𝜇𝑚𝑎𝑥,
pois:
𝐷𝑐 =
𝜇𝑚𝑎𝑥
𝐴
Significa, portanto, na prática, uma ampliação na faixa de operação da vazão
específica de alimentação, podendo-se operar com valores de D superiores a 𝜇𝑚𝑎𝑥.
Com relação à equação de balanço material para o substrato limitante, pode-se
verificar que não há alteração desta em relação à anteriormente desenvolvida para o
sistema sem reciclo de células (equação
𝑑𝑆
𝑑𝑡
= 𝐷(𝑆0 − 𝑆) − 𝜇𝑆𝑋 = 𝐷(𝑆0 − 𝑆) −
𝜇𝑋
𝑌𝑋 𝑆⁄
).
Assim, considerando-se válida a cinética de Monod, obtém-se em estado
estacionário:
𝑋 =
𝑌𝑋 𝑆⁄ (𝑆0 − 𝑆)
𝐴
𝑆 =
𝐾𝑆𝐴𝐷
𝜇𝑚𝑎𝑥 − 𝐴𝐷
𝑃𝑋 = 𝐴𝐷𝑋
Através das equações acima, torna-se possível verificar algumas consequências
práticas adicionais advindas do reciclo de células, além da ampliação da faixa de operação
da vazão específica de alimentação, discutida anteriormente. Dessa maneira, pode-se
observar, comparando-se as equações 𝑋 =
𝑌𝑋 𝑆⁄ (𝑆0−𝑆)
𝐴
e 𝑆 =
𝐾𝑆𝐴𝐷
𝜇𝑚𝑎𝑥−𝐴𝐷
com as equações 𝑋 =
𝑌𝑋 𝑆⁄ (𝑆0 − 𝑆) e 𝑆 =
𝐾𝑆𝐷
𝜇𝑚𝑎𝑥−𝐷
, que no sistema com recirculação de células tem-se, em estado
estacionário, uma maior concentração de células, ao lado de uma menor concentração de
substrato, sendo que a concentração celular no sistema com reciclo é aproximadamente
igual à do sistema sem reciclo, multiplicada pelo fator (1/A).
89
No que se refere à produtividade em células, verifica-se que para valores de D
inferiores a 𝜇𝑚𝑎𝑥, a produtividade no sistema com reciclo é praticamente igual à do
sistema sem reciclo. Já para valores de D superiores a 𝜇𝑚𝑎𝑥, verificam-se elevadas
produtividades no sistema com reciclo, enquanto que obviamente se observam valores
nulos no sistema sem reciclo, devido à ocorrência de lavagem de células.
Pode-se concluir, portanto, que caso o objetivo do processo seja a produção de
células, então o sistema com reciclo oferecerá vantagens realmente efetivas em relação
ao sistema sem reciclo, isto é, maiores valores de X e PX, apenas caso se opere na região
de valores de D superiores a 𝜇𝑚𝑎𝑥, até o limite de 𝜇𝑚𝑎𝑥/A, conforme se pode verificar através
da Figura 8.6, na qual se apresentam as curvas de X e PX, obtidas por simulação das
equações 𝑋 =
𝑌𝑋 𝑆⁄ (𝑆0−𝑆)
𝐴
e 𝑃𝑋 = 𝐴𝐷𝑋 (Xc/rec, e Pxc/rec), bem como se indicam ainda, as curvasrespectivas para o sistema sem reciclo (Xs/rec e Pxs/rec)
Por outro lado, no caso de tratamento de resíduos, onde o objetivo é a degradação
da matéria orgânica, pode-se observar que, comparativamente ao sistema sem reciclo, é
possível a obtenção de concentrações residuais de substrato ainda bastante baixas, para
valores mais altos de D, significando desta maneira uma sensível redução no tempo de
residência necessário para se atingir a degradação desejada da matéria orgânica do
resíduo.
Com relação ao acúmulo de um determinado produto de interesse, a faixa ideal de
operação em termos de D irá depender da cinética de formação desse produto.
Convém ressaltar que nas equações desenvolvidas para o sistema com reciclo de
células, não se considerou a ocorrência de decaimento celular, bem como o consumo de
substrato para manutenção celular, os quais podem ser particularmente críticos quando
se empregam valores muito baixos de D.
Figura 8.6: Sistema contínuo em um único estágio, com reciclo de células (simulação
das equações 𝑋 =
𝑌𝑋 𝑆⁄ (𝑆0−𝑆)
𝐴
e 𝑃𝑋 = 𝐴𝐷𝑋, com 𝜇𝑚𝑎𝑥= 0,5h
-1; KS = 0,1 g/L; YX/S = 0,5; S0=
10 g/L; c = 0; h = 0,2).
Um aspecto adicional que merece ser comentado, diz respeito à importância da
existência da "purga" no sistema contínuo com reciclo, isto é, de uma saída direta de
líquido efluente do reator, sem passar pelo filtro. Caso essa não exista, tem-se c = 0,
podendo-se observar, a partir das equações 𝐴 = [𝑐 + ℎ(1 − 𝑐)] e 𝜇 = 𝐴𝐷 que, em estado
estacionário, a velocidade específica de crescimento será igual ao parâmetro h, o qual
depende diretamente da eficiência do filtro empregado. Assim, caso ocorra um
entupimento desse filtro, o que significa ter-se h = 0, isto resulta teoricamente na
90
impossibilidade de se atingir uma condição de estado estacionário, conforme se pode
verificar através da equação 𝑋 =
𝑌𝑋 𝑆⁄ (𝑆0−𝑆)
𝐴
, pois tem-se A = 0 e X = ∞). No entanto, se
houver uma purga, mesmo que se tenha h = 0, ter-se-á A ≠ 0 e, portanto, torna-se possível
atingir a condição de estado estacionário.
Para finalizar o presente item, convém esclarecer que, no caso de se executar o
reciclo de células através da sedimentação de células no reator, conforme indicado na
Figura 8.7, as equações de balanço material para este tipo de situação são as mesmas
desenvolvidas, considerando-se a filtração interna das células, sendo que neste caso,
entretanto, o volume V refere-se ao volume da "zona de reação" ou "zona de crescimento"
apenas.
Figura 8.7: Sistema contínuo com sedimentação interna de células.
8.2.3.2 Sistema com reciclo externo
A Figura 8.8 representa esquematicamente um sistema contínuo com reciclo
externo de células, definindo-se os seguintes parâmetros adicionais:
Fs= vazão de saída do líquido efluente (L/h)
a = fração da vazão do líquido efluente que é reciclada
g = fator relativo ao incremento da concentração celular obtido no "separador"
(centrífuga, sedimentador ou filtro de membranas), sendo g>1.
Os parâmetros c e h possuem significado análogo ao visto anteriormente para o
sistema com reciclo interno de células.
Figura 8.8: Sistema contínuo em um único estágio com reciclo externo de células.
Tem-se, pois:
𝐹𝑆 = 𝐹 + 𝑎𝐹𝑆
Portanto:
91
𝐹𝑆 =
𝐹
(1 − 𝑎)
Assim, efetuando-se um balanço material para as células, considerando-se o reator
como volume de controle, obtém-se:
𝑉
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= 𝑉𝜇𝑋 + 𝑎𝐹𝑆. 𝑔𝑋 − 𝐹𝑆𝑋
Assim, dividindo-se ambos os membros da equação acima por V, e ainda
utilizando-se a equação 𝐹𝑆 =
𝐹
(1−𝑎)
, obtém-se após alguns rearranjos:
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= {𝜇 − [𝐷 (
1 − 𝑎𝑔
1 − 𝑎
)]} 𝑋
Seja:
𝐵 =
1 − 𝑎𝑔
1 − 𝑎
Assim, pode-se escrever que:
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= (𝜇 − 𝐵𝐷)𝑋
Deve-se, pois, observar que a equação acima, é formalmente idêntica à equação
𝑑𝑋
𝑑𝑡
= (𝜇 − 𝐴𝐷)𝑋, desenvolvida anteriormente para o sistema com reciclo interno de células
e, consequentemente, serão obtidas para o sistema com reciclo externo, conclusões
análogas àquelas discutidas anteriormente. Assim, em estado estacionário tem-se:
𝜇 = 𝐵𝐷
𝑋 =
𝑌𝑋 𝑆⁄ (𝑆0 − 𝑆)
𝐵
𝑆 =
𝐾𝑆𝐵𝐷
𝜇𝑚𝑎𝑥 − 𝐵𝐷
𝑃𝑋 = 𝐵𝐷𝑋
O valor de D crítico nesse sistema será, portanto:
𝐷𝑐 =
𝜇𝑚𝑎𝑥
𝐵
Verifica-se, pois, que as cinco equações anteriores são análogas àquelas
previamente desenvolvidas para o sistema contínuo com reciclo interno de célula, sendo
que formalmente tem-se a variável B em vez de A. Consequentemente, o comportamento
de X, S e PX em estado estacionário, em função da vazão específica de alimentação, será
o mesmo visto anteriormente.
Entretanto, deve-se salientar que como (1 - ag) < (1- a), significa que B < 1, ou seja,
significa que necessariamente se deve ter o produto ag < 1, pois ag = 1 indicaria uma
situação hipotética, na qual todas as células estariam sendo recicladas ao reator, não
sendo possível atingir-se a condição de estado estacionário.
92
Convém esclarecer ainda que, no sistema esquematizado na Figura 8.8,
considerou-se a existência de uma purga após o processo de separação de células.
Todavia, poder-se-ia imaginar a alocação dessa purga diretamente no reator, da mesma
forma como foi efetuado para o sistema com reciclo interno de células, sendo que
obviamente se teria uma alteração nas equações de balanço material desenvolvidas.
De fato, em alguns textos encontra-se a mencionada situação, sendo que alguns
autores optam ainda por fazer os balanços materiais considerando-se conjuntamente o
reator mais o separador como volume de controle. Tais estilos diferentes de abordagem
conduzem, no entanto, às mesmas conclusões indicadas no presente texto, com relação
ao desempenho do processo de fermentação contínua com reciclo externo de células.
8.2.4 Sistema contínuo em múltiplos estágios
Quando se imagina a operação do sistema contínuo em múltiplos estágios, isto é,
com n-reatores acoplados em série, conhecido também como sistema em "cascata",
diversas são as opções de condução do processo, podendo-se ter:
• sistema com uma única alimentação ("single-stream multi-stage")
• sistema com múltiplas alimentações ("multi-stream multi-stage")
• sistema com reciclo de células, com uma ou com múltiplas alimentações
Essas diferentes possibilidades estão esquematizadas nas Figuras 8.9 e 8.10, onde
se observa que no caso do sistema com uma única alimentação tem-se a alimentação de
meio esterilizado apenas no primeiro estágio, enquanto que nos demais reatores a
alimentação é o líquido efluente do reator imediatamente anterior a este. Já no caso do
sistema com múltiplas alimentações tem-se, num dado reator intermediário, duas
alimentações, sendo uma o meio de cultura esterilizado e a segunda o efluente do
fermentador anterior.
Figura 8.9: Sistema contínuo em múltiplos estágios, com uma única alimentação e com
reciclo.
Figura 8.10: Sistema contínuo em múltiplos estágios, com múltiplas alimentações e com
reciclo.
93
No caso do sistema com reciclo de células, embora nas Figuras 8.9 e 8.10 esteja
representado esquematicamente o reciclo do último para o primeiro estágio, pode-se ter
na realidade inúmeras outras possibilidades, imaginando-se por exemplo a existência de
reciclos intermediários entre os estágios, caso esta configuração seja interessante em
termos de permitir uma melhoria no desempenho do processo.
Tais sofisticações, entretanto, em nível do arranjo dos reatores, nem sempre são
de fácil implantação e execução em nível industrial, podendo acarretar custos adicionais
consideráveis. Por essa razão, a utilização do sistema contínuo em múltiplos estágios
encontra ainda aplicação restrita, apresentando, no entanto, uma grande potencialidade,
em vista da grande versatilidade do sistema e das vantagens que pode apresentar no que
se refere ao desempenho do processo.
De um modo geral, ossistemas em múltiplos estágios proporcionam diferentes
ambientes para o desenvolvimento das células, ao se mudar de um estágio para outro,
aproximando-se assim de um reator de fluxo pistonado ("plug-flow") e, permitindo,
portanto, que se empreguem condições otimizadas distintas nos vários reatores. Assim,
por exemplo, no caso da produção de um determinado metabólito, cuja cinética de
formação seja não-associada ao crescimento, pode-se imaginar a utilização de dois
reatores em série, sendo que no primeiro se poderia otimizar as condições de cultivo de
forma a se maximizar o crescimento celular, enquanto que no segundo se poderiam
empregar condições que levassem a uma maximização da produção do produto de
interesse.
Um outro exemplo de aplicação do sistema contínuo em múltiplos estágios,
frequentemente mencionado na literatura, é a sua utilização para processos com inibição
pelo produto, como é o caso da produção de etanol. Nesses casos, tem-se normalmente
elevadas velocidades de conversão nos estágios iniciais, pois as concentrações do
produto são ainda relativamente baixas, ao passo que nos estágios finais têm-se baixas
velocidades, sendo denominados de estágios de "polimento", nos quais se verifica o
consumo do residual da fonte de carbono e se atingem, portanto, elevadas concentrações
do produto inibitório. Convém esclarecer que, o equacionamento para um sistema de
múltiplos estágios deve seguir a mesma estratégia utilizada nos itens anteriores, sendo
que, para os reatores intermediários da série, se deverá considerar, no balanço material
para as células, um termo relativo à entrada de células, provenientes do efluente do reator
anterior a este.
8.3 Formação de produtos no sistema contínuo
Neste item será abordada a formação de produtos no sistema contínuo sem reciclo
de células, com equacionamento correlacionando as velocidades específicas de
crescimento (𝜇) e de produção (𝜇𝑃), como especificamos a seguir:
• Produção associada ao crescimento: 𝜇𝑃 = 𝛼𝜇
• Produção não-associada ao crescimento: 𝜇𝑃 = 𝛽
• Produção parcialmente associada: 𝜇𝑃 = 𝛼𝜇 + 𝛽
onde 𝛼 e 𝛽 serão considerados constantes.
Considerando-se a equação
𝑑𝑃
𝑑𝑡
= 𝐷(𝑃0 − 𝑃) + 𝜇𝑃𝑋 de balanço material para o
produto, fazendo-se P0 = 0, obtém-se a seguinte expressão para a concentração do
produto P em estado estacionário (dP/dt = 0):
𝑃 =
𝜇𝑃𝑋
𝐷
94
Por outro lado, a produtividade deste produto será dada por:
(𝐷𝑃) =
𝜇𝑃𝑋
𝐷
Substituindo-se, pois, as equações 𝜇𝑃 = 𝛼𝜇, 𝜇𝑃 = 𝛽 e 𝜇𝑃 = 𝛼𝜇 + 𝛽 nas duas
equações anteriores, e lembrando que 𝜇 = 𝐷, obtêm-se as seguintes expressões para a
concentração do produto (P) e a sua produtividade (DP), em estado estacionário, em
função de D:
• Produção associada:
𝑃 = 𝛼𝑋
(𝐷𝑃) = 𝛼(𝐷𝑋) = 𝛼𝑃𝑋
• Produção não-associada:
𝑃 =
𝛽𝑋
𝐷
(𝐷𝑃) = 𝛽𝑋
• Produção parcialmente associada:
𝑃 = 𝑋 (𝛼 +
𝛽
𝐷
)
(𝐷𝑃) = 𝑋(𝛼𝐷 + 𝛽)
As Figuras 8.11 a 8.13 indicam as curvas de P e (DP) obtidas por simulação das
equações anteriores.
Dessa maneira, conforme se pode observar a partir da Figura 8.11, bem como
através das equações 𝑃 = 𝛼𝑋 e (𝐷𝑃) = 𝛼(𝐷𝑋) = 𝛼𝑃𝑋, no caso de produção associada
ao crescimento, o comportamento matemático de P e (DP) é análogo ao observado para
X e PX, respectivamente, obviamente multiplicados por um fator α, aqui considerado
constante. Portanto, interessa nesse caso a operação do sistema contínuo em valores
relativamente elevados de D, situação na qual se poderão obter, ao mesmo tempo,
elevada concentração do produto, bem como elevada produtividade deste.
No caso de produção não-associada ao crescimento, conforme indicado pelas
equações 𝑃 =
𝛽𝑋
𝐷
e (𝐷𝑃) = 𝛽𝑋, bem como pela Figura 8.12, observa-se que a
concentração do produto P varia inversamente com D, ao passo que a produtividade (DP)
é proporcional a X, ou seja, permanece praticamente constante para uma ampla faixa de
variação de D, decaindo bruscamente próximo a 𝜇𝑚𝑎𝑥 , isto é, próximo à lavagem. Conclui-
se, portanto, que neste caso é interessante trabalhar-se com valores relativamente baixos
de D, no sentido de se conciliar altos valores de P e (DP).
Por último, no caso de produção parcialmente associada ao crescimento, pode-se
verificar através das equações 𝑃 = 𝑋 (𝛼 +
𝛽
𝐷
) e (𝐷𝑃) = 𝑋(𝛼𝐷 + 𝛽), bem como através da
Figura 8.13, que P varia inversamente com D, enquanto que a produtividade (DP) é
constituída pela soma de dois termos, sendo um deles a produtividade em células
multiplicada por α, e o outro o termo 𝛽𝑋, o qual é aproximadamente constante para uma
ampla faixa de valores de D, desde que 𝛽 seja constante. Dessa forma, conforme se
verifica na Figura 8.13, a região de operação mais favorável situa-se na faixa de valores
intermediários de D.
95
O tratamento apresentado no presente item indica, portanto, que dependendo do
tipo de cinética de formação do produto, haverá determinadas faixas mais adequadas de
operação do sistema contínuo, de forma a se buscar a obtenção de elevadas
concentrações e produtividades do produto de interesse. Deve-se destacar ainda, que as
curvas apresentadas nas Figuras 8.11 a 8.13 são válidas, desde que a cinética de Monod
seja adequada para representar o processo, uma vez que esta hipótese foi considerada
no desenvolvimento do presente capítulo.
Figura 8.11: Produção associada ao crescimento (simulação das equações
𝑃 = 𝛼𝑋 e (𝐷𝑃) = 𝛼(𝐷𝑋) = 𝛼𝑃𝑋,com µmax=0,5h
-1; KS=0,1g/L; YX/S=0,5; S0=10 g/L;
α=1,6g/g)
Figura 8.12: Produção não-associada ao crescimento (simulação das equações 𝑃 =
𝛽𝑋
𝐷
e (𝐷𝑃) = 𝛽𝑋, com µmax=0,5h-1; Ks=0,1g/L; YX/S=0,5; S0=10g/L; β=0,5 g/g.h).
96
Figura 8.13: Produção parcialmente associada ao crescimento (simulação das
equações 𝑃 = 𝑋 (𝛼 +
𝛽
𝐷
) e (𝐷𝑃) = 𝑋(𝛼𝐷 + 𝛽), com µmax=0,5h-1; Ks=0,1g/L; YX/S=0,5;
S0=10g/L; α=1,83 g/g; β=0,155 g/g.h).
Claro está, portanto, que caso outro modelo cinético seja mais adequado para a
descrição do processo, tais como as propostas de Teissier, Contois, Andrews e outros,
este deverá ser introduzido no conjunto de equações, no lugar da equação de Monod, de
maneira que assim se possam obter os novos perfis de concentração celular,
concentração de substrato e produto, e de produtividades, em função da vazão específica
de alimentação, de forma a se definir as faixas ideais de operação do sistema contínuo
para cada caso específico.
97
9. Tecnologia dos Biorreatores
O desenvolvimento dos equipamentos de fermentação, tal como são concebidos
atualmente, foi lento e em grande parte empírico. Os primeiros produtos obtidos por
fermentação, como por exemplo, a produção de vinho, cerveja, queijos, iogurte, vinagre,
chucrute, etc., se processavam satisfatoriamente mesmo sob condições precárias de
assepsia. A natureza específica do substrato empregado, o crescimento vigoroso do
microrganismo utilizado, ou ainda a ação inibidora do produto final, contribuíram,
separadamente ou em conjunto, para o bom andamento dos processos fermentativos.
A passagem desses processos artesanais de fermentação a escalas comerciais
mais evoluídas, aportou poucos melhoramentos ao desenvolvimento dos equipamentos
utilizados. Um primeiro passo no melhoramento e na maior sofisticação dos processos
fermentativos ocorreu com a introdução de culturas puras na produção de cerveja.
Contudo, foi realmente com os trabalhos pioneiros de CHAIM WEIZMANN e
colaboradores, na Inglaterra, durante os anos de 1914-1918, desenvolvendo processo
submerso anaeróbio de produção de acetona-butanol, que o conceito e condições de
fermentação controlada se afirmaram. Podemos considerar a fermentação acetona-
butanol como representando o marco inicial da primeira fermentação industrial em grande
escala, empregandocondições de total assepsia. As condições de estrita anaerobiose,
essenciais ao desenvolvimento do Clostridium acetobutylicum, serviam ao mesmo tempo
de proteção contra um grande número de contaminantes ambientais aeróbicos, mas não
impediam a contaminação da fermentação por bacteriófagos, que passaram a ser um dos
problemas mais sérios. Ainda hoje, com todos os avanços, melhoramentos e sofisticação,
a infecção fágica de fermentações de antibióticos pode apresentar sérios problemas, que
são eliminados unicamente com a seleção e introdução de cepas fago resistentes.
É muito difícil imaginarmos hoje a variedade de problemas que se apresentaram
na implantação das primeiras fermentações industriais e para os quais soluções
satisfatórias tinham de ser encontradas rapidamente, para garantir o sucesso de um
processo.
Para realizar a fermentação acetona-butanol, reatores adequados não eram
disponíveis e tentativas de adaptar os reatores utilizados na fermentação alcóolica,
dotando-os com tampas, simplesmente eram inviáveis pela impossibilidade de proceder a
uma esterilização adequada com vapor. A construção de grandes reatores em aço-
carbono, com fundo e tampa torriesféricos esterilizáveis com vapor sob pressão, com
tubulações também esterilizáveis para a adição de inóculo, antiespumante, coleta de
amostras, descarga e saída dos gases formados durante a fermentação, etc., foram
passos de gigante. Apesar de os reatores utilizados na fermentação acetona-butanol não
serem dotados de sistema de agitação (os grandes quantitativos de gás produzidos
durante o processo fermentativo mantinham o conteúdo dos reatores em contínua
agitação e homogeneização), permitiram acumular uma gama considerável de expertise
na condução e construção de equipamentos, beneficiando o desenvolvimento de outros
processos fermentativos (leveduras de panificação, ácido cítrico e outros ácidos
orgânicos, enzimas, etc.).
Assim, no início da década o cenário estava pronto para um novo e decisivo
desenvolvimento no campo das fermentações, qual seja, a adaptação e aperfeiçoamento
das técnicas de cultivo submerso, aeróbico e sob condições estéreis à produção de
penicilina e logo a seguir de outros antibióticos, aminoácidos e transformação de
esteróides. Em setembro de 1943 foi iniciada, em Terre Haute, Estados Unidos, a primeira
planta industrial de fermentação de penicilina com fermentadores de aço-carbono, com 54
98
m3 dotados de sistema de agitação, aeração e outros aperfeiçoamentos necessários à
condução do novo processo fermentativo.
Durante os decênios subsequentes, muita atenção foi dedicada a problemas
relacionados com a substituição dos processos de batelada por batelada alimentada e
processos contínuos, utilização de novos substratos como hidrocarbonetos e estudos de
novas configurações dos reatores, agitadores, filtração do ar, controle dos processos, etc.
Nos últimos anos, o desenvolvimento quase que explosivo do mercado de
produtos biotecnológicos, advindo dos resultados práticos do emprego das tecnologias do
DNA recombinante, influenciou novamente a concepção da construção dos equipamentos
de fermentação, principalmente no que diz respeito ao conceito de esterilidade e
contenção ambiental e o emprego de células animais ou humanas para a produção de
biofármacos.
9.1 Características básicas de reatores para cultivo de bactérias ou células animais
Para satisfazer a função primária de um reator de fermentação, que é a de fornecer
condições ambientais adequadas ao crescimento dos microrganismos, uma série de
parâmetros deve ser considerada e incorporada ao mesmo, durante a sua fase de projeto
e construção.
Os seguintes pontos devem ser observados:
1) O reator deve ser capaz de manter-se estéril por muitos dias, trabalhar sem
problemas por longos períodos e satisfazer todas as exigências legislativas de contenção
ambiental.
2) As exigências metabólicas dos microrganismos, quanto à aeração e agitação,
devem ser plenamente satisfeitas, mantendo, porém, a integridade física dos mesmos.
3) A potência absorvida deve ser a menor possível.
4) Um eficiente sistema de controle de temperatura deve ser disponível.
5) Um sistema de controle de pH deve ser disponível.
6) Um sistema de tomada de amostras à prova de contaminação, tanto do
conteúdo do fermentador como do meio ambiente, deve ser parte integrante do
equipamento.
7) Perdas por evaporação devem ser mantidas ao mínimo.
8) Eficiente sistema de controle dos gases de saída do fermentador deve estar
disponível.
9) O reator deve exigir o mínimo em mão-de-obra para sua operação, limpeza e
manutenção.
10) O reator deve preencher, sempre que possível, a característica de multi-
propósito, contudo, a regulamentação de contenção ambiental e a possibilidade de
contaminações cruzadas podem ser fatores limitantes.
11) O reator deve ter as superfícies internas polidas e todas as suas conexões, na
medida do possível, devem ser soldadas e não flangeadas ou rosqueadas.
12) Na medida do possível, o reator deve manter uma geometria similar à dos
reatores menores ou maiores, a fim de facilitar a ampliação de escala do processo.
Sem dúvida, os itens 1 e 2 são os mais críticos e também os mais difíceis de
satisfazer.
Um grande número de diferentes concepções de reatores tem sido descritos na
literatura, contudo somente algumas têm se mostrado satisfatórias e encontraram
aplicação industrial.
99
O tipo de reator mais difundido é baseado no modelo de tanque cilíndrico vertical,
agitado mecanicamente ou não, provido de sistema de aquecimento e resfriamento e
demais controles necessários ao processo.
A Figura 9.1, (a,b) mostra esquematicamente as características típicas de um reator
agitado mecanicamente e as suas relações dimensionais (Tabela 9.1).
Entre as novas configurações de reatores, duas em particular - o air lift e o tower
fermenter - têm encontrado aplicações comerciais.
Figura 9.1: (a) Diagrama de biorreator com turbinas múltiplas; (b) Visão geral de um
biorreator.
(a)
(b)
Tabela 9.1: Relações geométricas mais utilizadas em fermentadores.
100
Na presente apresentação vamos nos restringir mais especificamente à discussão
das características construtivas de fermentadores clássicos aerados, agitados e utilizados
no cultivo de bactérias ou fungos.
A introdução da penicilina durante a Segunda Guerra Mundial, iniciou uma corrida
para a descoberta de novos antibióticos, e evidenciou nitidamente a necessidade de
intensos trabalhos integrados de microbiologistas, geneticistas, bioquímicos e
engenheiros para completar, com sucesso, as etapas necessárias para culminar no
planejamento, "layout" e construção das plantas de fermentação e dos equipamentos.
Consideramos importante mencionar, mesmo que resumidamente, as etapas de
planejamento que fazem parte integrante de um projeto de construção de uma planta de
fermentação como um todo e não nos limitar exclusivamente à descrição do equipamento
de fermentação propriamente dito, ou seja, o reator.
Para uma adequada elaboração do projeto, diversas etapas devem ser cumpridas.
9.1.1 Critérios primários do projeto
Esta etapa representa a coleta de todos os dados relativos ao projeto, englobando
dados referentes ao processo biológico a ser desenvolvido, como também à planta a ser
construída.
Dados do processo englobam informações sobre a cinética do processo, balanços
térmicos das reações, condições de assepsia necessárias, propriedades fisiológicas do(s)
microrganismo(s), necessidade de matérias-primas e suas características, etc.
Todas essas informações e outras pertinentes ao processo, fazem parte do "know-
how" acumulado durante a fase experimental desenvolvida em nível de laboratório e
planta piloto. Quanto aos dados relacionados com o projeto da nova planta, estes se
relacionam fundamentalmente com a sua localização, capacidade instalada prevista,
disponibilidadeou não de água, vapor, eletricidade, volume e características dos
efluentes, tratamento dos mesmos, etc.
9.1.2 Fluxograma do processo
A elaboração de um fluxograma detalhado do processo, baseado nos dados
acumulados e estabelecidos na elaboração dos critérios primários, é fundamental. No
fluxograma, todos os equipamentos necessários ao processo são lançados em escala e
sua exata localização na planta.
Um diagrama das tubulações e instrumentação é elaborado, nele sendo incluídas
e detalhadas todas as linhas de processo, válvulas, dimensões, tipos, bitolas, materiais
de construção, características, etc. Enfim, todas as informações necessárias devem estar
disponíveis.
9.1.3 Desenho mecânico
Com os dados e informações disponíveis através dos levantamentos dos critérios
primários do projeto e do fluxograma do processo, o desenho mecânico enfim vai detalhar
as especificações de todo o projeto, tais como, por exemplo:
• Cálculo da pressão dos reatores
• Cálculo dos trocadores de calor
101
• Cálculo das estruturas metálicas
• Análise da expansão térmica das tubulações
• Cálculo dos agitadores
• Especificação das tubulações
• Especificação dos acabamentos internos dos reatores
• Especificação dos critérios de assepsia e esterilidade
• Especificação dos materiais de construção
• Especificação e dimensionamento da rede elétrica, etc.
Com essas informações e cálculos, são elaborados os desenhos definitivos com os
diversos cortes e elevações, onde necessários, compreendendo entre outros:
• "Layout" da planta
• "Layout" dos equipamentos
• "Layout" das tubulações
• "Layout" de águas pluviais, esgotos, etc.
Do exposto fica claro que os bioprocessos não diferem em muito de processos
químicos usuais, no que diz respeito à elaboração dos projetos, salvo pela característica
biológica dos mesmos, que deve ser levada em consideração em todas as etapas do
planejamento, principalmente nos itens: assepsia, esterilidade e limpeza.
A manutenção da esterilidade depende não somente de um acurado processo de
esterilização, como também, em grande parte, do correto planejamento e execução do
projeto. Frequentemente a causa do desenvolvimento de contaminações pode ser
encontrada em falhas no projeto construtivo, tanto do fermentador como dos
equipamentos auxiliares, bem como das tubulações e válvulas utilizadas.
Com a introdução de microrganismos recombinantes e o seu uso cada vez mais
generalizado pela indústria de fermentação, o conceito de esterilidade foi ampliado,
incluindo atualmente também aspectos de biossegurança e de contenção ambiental.
Antes do emprego de microrganismos recombinantes, a maior preocupação era evitar a
introdução no reator de microrganismos estranhos ao processo; atualmente existe a
preocupação adicional de evitar a contaminação do meio ambiente com formas viáveis do
microrganismo produtor.
As primeiras regulamentações sobre o manuseio e uso de microrganismos
recombinantes e medidas para o controle dos riscos envolvidos, foram elaboradas pelo
NIH americano (National Institute of Health) e gradativamente adotadas e implantadas
pela maioria dos países, inclusive o Brasil.
Para estabelecer o nível adequado de contenção ambiental necessário ao uso de
microrganismos recombinantes, as condições devem ser analisadas cuidadosamente, a
fim de levantar os pontos que podem ser fonte de contaminação ambiental. De acordo
com a maior ou menor gravidade do risco, foram estabelecidos níveis diversos de
contenção que devem ser seguidos.
Microrganismos modificados geneticamente pela tecnologia do DNA recombinante
são classificados como inócuos (grupo I), potencialmente patogênicos (grupo II), ou
patogênicos (grupo III).
Tudo indica que, no futuro, não será mais feita distinção entre microrganismos
recombinantes e não recombinantes. O caráter fundamental será se o microrganismo é
ou não patogênico ou potencialmente patogênico, independente de sua constituição
genética.
A maioria dos microrganismos utilizados em processos industriais estão incluídos
no grupo I.
As regulamentações do CDC (Center for Disease Control) (1994) especificam 4
níveis de contenção, indo do Nível 1, de risco mínimo, onde a aplicação de Good Industrial
Large Scale Practice (GILSP) é considerada adequada; Nível 2, onde microrganismos de
102
patogenicidade moderada são agrupados; Nível 3, requer condições especiais de
contenção para certos tipos de patógenos; Nível 4, descreve as condições drásticas de
contenção a serem adotadas.
9.2 Construção do fermentador
9.2.1 Materiais de construção
A escolha dos materiais de construção dos equipamentos de fermentação é de vital
importância, e deve ser feita levando em consideração as condições particulares às quais
os materiais serão expostos. Ao contrário das condições encontradas na indústria
química, nas indústrias de fermentação as variações de temperatura e pressão utilizadas
são bastante limitadas e o pH é mantido geralmente próximo ao neutro.
Contudo, ao contrário da indústria química, as exigências de operações assépticas
são fundamentais e condicionam profundamente a escolha dos materiais de construção.
Para reatores de volume limitado (1-20 L) (reatores de bancada) é perfeitamente
possível o emprego de vidro. A utilização de vidro apresenta uma série de vantagens:
superfícies lisas, facilidade de limpeza, não tóxico, resistente à corrosão e facilidade de
inspeção visual.
Fundamentalmente dois tipos básicos de fermentadores de bancada são utilizados:
1. Reatores em vidro com fundo arredondado ou chato e a tampa superior em inox ligada
ao corpo por uma flange. O vidro de borossilicato utilizado pode ser esterilizado em
autoclave. O inconveniente é a baixa resistência a choques e pressão. O diâmetro máximo
para reatores de vidro é de 60 cm2.
2. Reatores com corpo cilíndrico de vidro, com tampas superior e inferior em aço
inoxidável.
A parte inferior em reatores de volume maior (10-20 L) pode ser utilizada para a
entrada das sondas e coleta de amostras, localizando-se na tampa superior o sistema de
agitação, sonda de espuma e várias entradas para adições. Reatores desse tipo podem
ser frequentemente adaptados para esterilização in situ (Figura 9.2).
Figura 9.2: Fermentador de bancada esterilizável in situ de 20 litros, modelo LH 210,
com corpo de vidro, tampa superior em inox e parte inferior em inox com entrada dos
sensores-pH, Oxigênio, temperatura e coleta de amostra. (Inceltech, França).
Reatores piloto e industriais, onde os volumes podem variar de 50 L a 500 m3 ou
mais (Figura 9.3), são atualmente construídos em aço inoxidável 316. Na construção
103
desses reatores os materiais utilizados devem ser avaliados em função de sua capacidade
de resistir às pressões de esterilização, resistência à corrosão, toxicidade dos produtos
resultantes de uma eventual corrosão e custo do material.
Aço mole com menos de 0,25% de carbono foi utilizado na construção de
fermentadores de grande porte para a produção de penicilina, aparentemente sem efeitos
tóxicos.
Apesar de o aço inoxidável 316 ser considerado o material mais adequado, ele não
resolve todos os problemas. Na produção de ácido cítrico; a pH 1 ou pH 2, pode ocorrer
corrosão, e os metais pesados liberados podem interferir negativamente no processo.
Esse problema é mais acentuado em reatores menores (1.000 L) devido à relativamente
elevada relação entre área exposta/volume. O emprego de inox 317 contendo 3-4% de
molibdênio é aconselhável nestes casos.
Existem várias classes de aço inox, como também diversos sistemas de
classificação — a mais utilizada no Brasil é a da American Iron and Steel Institute (AISI).
Figura 9.3: Fermentador piloto de 75 L volume total, modelo LH 1075, (inceltech,
França)
A Tabela 9.2 relaciona a composição dos aços inoxidáveis mais comumente
empregados.
Tabela 9.2: Composição de alguns tipos de aços inoxidáveisAISI.
Em fermentações que utilizam células animais, a eliminação de uma possível
liberação de metais pesados, devido à corrosão dos metais utilizados, é extremamente
importante, pois pode ser a causa de insuspeitáveis problemas. A integridade das
104
superfícies metálicas deve ser garantida a todo custo, pois a corrosão de aços inoxidáveis
tem causado acúmulo de níquel e cromo em produtos como o plasma sanguíneo.
Atualmente o material mais utilizado na construção de reatores de fermentação é
sem dúvida o AISI 316, que possui uma boa resistência ao ataque pelos íons cloreto,
presentes em praticamente todos os meios de fermentação.
A Tabela 9.3 mostra vários sistemas internacionais correspondentes ao AISI 316.
Tabela 9.3: Sistemas de classificação utilizados para o inox 316.
A susceptibilidade dos aços inoxidáveis, principalmente os menos nobres, por
exemplo, AISI 304, ao ataque pelos íons cloreto, é extremamente importante no projeto
de equipamentos auxiliares, como por exemplo em depósitos de ácido para controle do
pH. O aço AISI 316 é adequado para soluções de ácido sulfúrico até 20% à temperatura
ambiente. Para soluções de ácido clorídrico, recipientes de plástico, fibra de vidro ou
reatores vitrificados são recomendados.
9.2.2 Outros materiais
• Cobre
Este material tem sido largamente empregado no passado pelas cervejarias.
Apesar da toxicidade, a resistência adquirida pelas leveduras a esse metal pode chegar a
30 ppm.
A tendência da formação de depósitos sobre a superfície exposta do cobre,
reduzindo o seu contato com o mosto, pode ser outro fator importante na redução da
toxicidade deste metal. Atualmente esse metal está tendo cada vez menos uso em
cervejarias, sendo substituído pelo aço inoxidável.
• Alumínio
Os ingredientes dos meios de fermentação podem atacar o alumínio, razão pela
qual ele raramente é empregado na construção de fermentadores. Na fermentação de
ácido cítrico feita pelo processo estático, foram utilizadas bandejas de alumínio. Contudo,
alumínio de altíssima pureza (< 99,9%) é largamente utilizado nas indústrias de alimentos
e farmacêutica.
• Níquel
Ligas de níquel apresentam elevada resistência à corrosão e resistência térmica.
Monel 400 (66% níquel, 33% cobre) é resistente a condições redutoras e o seu uso
complementa o do aço inoxidável; contudo, existem condições na indústria de alimentos
onde o cobre da liga é atacado, ocasionando escurecimento do produto.
105
Bombas de adição de ácidos minerais fortes são, às vezes, fabricadas em
Hastelloy C. Ligas mais complexas do Monel são extremamente resistentes à corrosão.
• Titânio
De custo muito elevado, sendo, portanto, empregado somente em situações muito
especiais. A grande vantagem das ligas de titânio é de não serem sujeitas ao tipo de
corrosão chamado de "pitting" (buraco) quando em contato com soluções contendo íons
cloreto. Por essa razão encontra algumas aplicações na indústria de alimentos, onde pode
ocorrer contato com salmouras a temperaturas acima de 80°C. É resistente também a
ácido acético, lático, cítrico, etc.
• Vidro
Como já mencionado anteriormente, o vidro borossilicato é largamente
empregado na construção de reatores de bancada. Em fermentadores piloto e industrial,
o seu uso fica fundamentalmente restrito à instalação de visores.
• Plásticos
Os plásticos, de um modo geral, são resistentes à corrosão, porém a resistência
a solventes de alguns tipos de plásticos é bastante limitada. A sua resistência a impactos,
mais baixa do que a dos metais, pode ser melhorada pela incorporação de fibras de vidro.
Existe uma grande variedade de plásticos — os mais importantes e algumas de suas
propriedades estão descritos na Tabela 9.4.
Tabela 9.4: Propriedades de alguns dos plásticos mais importantes.
Os plásticos e plásticos reforçados são mais frequentemente utilizados nas
indústrias alimentícias, em tubulações para a transferência de produtos e recipientes para
estocagem. Nas indústrias de fermentação não encontram aplicação significativa na
construção dos reatores (exceto o PTFE em válvulas, buchas para haste de agitadores,
etc.), porém têm aplicação na construção de reservatórios de algumas matérias-primas.
• Aço-carbono
O ferro é normalmente utilizado sob a forma de ligas com carbono, resultando
vários tipos de aço-carbono, Tabela 9.5.
106
Tabela 9.5: Conteúdo em carbono de diversos tipos de aço.
Aços moles com menos de 0,25% de carbono foram utilizados na construção dos
primeiros reatores empregados na produção de antibióticos (penicilina). Atualmente o aço-
carbono não é mais utilizado em reatores de fermentação, devido às especificações mais
rigorosas quanto à limpeza e não contaminação do produto, e também por reduzir a
flexibilidade na utilização do equipamento, pois muitas fermentações são suscetíveis a
altas concentrações de ferro. O emprego do aço-carbono se restringe atualmente à
construção de alguns equipamentos auxiliares: estruturas metálicas, tubulações de água,
de vapor e de resfriamento, etc.
9.2.3 Vedações assépticas
Os vários processos fermentativos, utilizados pelas indústrias biotecnológicas, até
recentemente, foram desenvolvidos tendo em vista mais a prevenção da contaminação
dos processos pelo meio ambiente do que vice-versa. Contudo, muitos processos
biotecnológicos têm o potencial de gerar aerossóis, que, contendo microrganismos ou
produtos de origem microbiológica, podem representar uma fonte de perigo em potencial,
tanto para os operadores como para o meio ambiente.
Aerossóis podem se formar durante o procedimento de inoculação, amostragem,
pressão em cúpula, saída dos gases, selos mecânicos defeituosos, guarnições, flanges,
conexões, transferência de líquidos, operações de recuperação do produto fermentado,
etc.
Para garantir a manutenção da esterilidade e das condições de contenção
ambiental, atenção especial deve ser dada à construção e ao tipo de material de vedação
empregado na junção entre as diversas partes, que pode ser entre vidro/vidro, vidro/metal
ou metal/metal.
As especificações do material utilizado nas juntas de vedação são extremamente
importantes, pois os selos estáticos (guarnições) formam frequentemente a única barreira
de que se dispõe para evitar a perda do produto em processamento e, por consequência,
também a quebra das condições de contenção ambiental. Vedações estáticas de vidro e
metal, largamente utilizadas em fermentadores de bancada, onde o corpo do reator é de
vidro e a tampa superior e/ou inferior de metal, podem ser de vários tipos (Figura 9.4).
107
Figura 9.4: Vedações estáticas entre vidro/metal e metal/metal.
Figura 9.5: Sistema de vedação em fermentadores pilotos entre tampa e corpo. A —
Selo estático com anel de vedação duplo. B — Anel de vedação duplo com circulação de
vapor entre os anéis.
Para vedações metal com metal, a utilização de anéis de vedação ("O" ring) é
sempre a mais indicada, podendo estes serem simples ou duplos, e neste caso ainda
providos de um selo interno de vapor (Figura 9.5).
Sob condições normais, o uso de selo de vedação simples quando utilizado
criteriosamente e com inspeções detalhadas e periódicas a fim de identificar eventual
degradação do material, é plenamente adequado para a grande maioria dos casos.
Existe atualmente uma grande variedade de borrachas sintéticas, com resistência
térmica superior contra ácidos e álcalis e vários solventes e óleos (Tabela 9.6).
108
Tabela 9.6:Polímeros sintéticos utilizados em guarnições.
9.2.4 Detalhes construtivos
A espessura do material de construção do corpo do reator varia de acordo com o
seu dimensionamento. Para reatores de 30-40 m3 de capacidade, normalmente chapas
de 7 mm de espessura são utilizadas para o corpo cilíndrico e de 10 mm para as calotas
hemisféricas superior e inferior.9.2.4.1 Solda e tratamento do aço inoxidável
O aço inoxidável, apesar da baixa concentração de carbono (<0,08%), ou no caso
do aço inoxidável classe "L", (< 0,03%), sofre transformações nos pontos de solda. Nas
temperaturas elevadas que ocorrem nesses pontos, o cromo combina com o carbono
formando precipitados, reduzindo assim a resistência à corrosão nestes pontos. O
problema pode ser evitado, utilizando aço inoxidável, estabilizado pela adição de titânio
(por exemplo 321) que se combina preferencialmente com o carbono. O emprego do
argônio nas soldas, impedindo uma oxidação excessiva nestes pontos, garante a
integridade das soldas, reduzindo o perigo de corrosão.
9.2.4.2 Chicanas ou quebra-vórtice
A colocação de chicanas, quebra-vórtice ou "baffles" em fermentadores agitados
mecanicamente é fundamental, para aumentar a turbulência e, por conseguinte, uma
melhor oxigenação do meio.
109
Normalmente são utilizadas 4 chicanas equidistantes uma das outras. A largura das
chicanas normalmente é de 10% do diâmetro do reator. Especial atenção deve ser dada
à fixação das chicanas ao corpo do fermentador, devendo-se deixar entre este e a chicana
um espaço de 1 a 2 cm, a fim de evitar a formação de zonas de estagnação. De preferência
as chicanas não devem ser soldadas diretamente ao corpo do fermentador, principalmente
se tratando de grandes reatores industriais agitados mecanicamente e fermentações de
características reológicas não newtonianas, mas aparafusadas a suportes reforçados,
soldados à parede do fermentador, conferindo uma maior resistência a deformações e
uma maior facilidade na manutenção.
9.2.4.3 Camisas e serpentinas
Tanto as camisas como as serpentinas, que podem ser internas como externas,
neste caso sob a forma de semitubos, têm a finalidade de fornecer calor durante a
esterilização como também retirar calor durante a fase de resfriamento e manutenção da
temperatura de fermentação. As camisas são cada vez menos utilizadas na construção
de reatores, pela sua reduzida eficiência na transferência de calor pela circulação irregular
do vapor ou da água de refrigeração nas mesmas.
As serpentinas internas permitem uma boa troca térmica e eficiente circulação do
fluido em alta velocidade. Têm, porém, alguns inconvenientes:
a) reduzem significativamente o volume útil do fermentador;
b) dificultam a sua limpeza interna;
c) dificultam a mistura eficiente do meio em fermentadores agitados
mecanicamente;
d) podem ser um foco adicional de contaminação por defeito nas soldas ("pitting"),
às vezes difíceis de detectar.
Atualmente é cada vez mais difundido o emprego de serpentinas externas, feitas
de semitubos helicoidais soldados externamente à parede do reator.
Essa solução apresenta uma série de vantagens:
a) permite o emprego de semitubos construídos em AISI 304;
b) elimina o perigo de contaminação;
c) permite a construção das serpentinas em seções, importante quando o
fermentador deve ser esterilizado com volume abaixo da capacidade nominal; evita-se
deste modo que ingredientes venham a ser queimados, reduzindo consideravelmente as
incrustações na parte superior do reator.
A eficiência das trocas térmicas, tanto para esterilização como refrigeração, pode
ser aumentada significativamente, equipando as chicanas com circulação interna de vapor
e (ou) solução refrigerante, caso se deseje.
9.2.4.4 Difusores de ar
O suprimento de ar aos fermentadores é feito através de difusores ou dispersores
de ar de vários tipos, sendo os de tubo aberto simples, em forma de Y ou anel de
distribuição, colocados sempre abaixo da última turbina, os mais frequentemente
utilizados (Figura 9.6). Os difusores de ar em anel apresentam o inconveniente de exigir
uma manutenção constante, pois podem entupir facilmente quando se utilizam meios ricos
em materiais em suspensão com farelos proteicos (amendoim, soja, algodão, etc.), ou
amiláceos (fubá, farelo, arroz, etc.).
Para reduzir este risco e facilitar a limpeza periódica do difusor eles são construídos
em segmentos flangeados e dotados de furos maiores na parte inferior do anel para
110
facilitar a saída de material em suspensão. O emprego de difusores de material poroso
em fermentações industriais é descartado, devido à obstrução dos poros tanto pelo meio
de cultivo como pelo crescimento do próprio microrganismo.
Difusores de ar em fermentadores sem agitação mecânica têm sido empregados
em alguns casos na produção de levedura," e mais largamente em "air lift fermenters".
Como já mencionado, os difusores de tubo aberto são os mais frequentemente
utilizados em fermentadores agitados. Nesses casos, o tubo difusor deve ser
preferivelmente afixado centralmente sob a turbina e o mais distante possível desta, a fim
de reduzir o perigo de inundar a turbina em uma grande bolha de ar com a consequente
queda na eficiência da transferência de oxigênio.
9.2.4.5 Agitadores (turbinas)
As funções do agitador ou agitadores em reatores de fermentação são múltiplas:
homogeneização do meio, mistura da fase gasosa e aquosa, dispersão do ar,
transferência de oxigênio e calor, suspensão de sólidos; enfim, manter as condições
ambientais no meio de fermentação o mais uniforme possível.
A função principal, que afeta o desenho do reator destinado a fermentações
aeróbias, é a eficiência com que o complexo agitadores/difusores conseguem transferir o
oxigênio aos microrganismos. A Tabela 9.7 mostra claramente que a disponibilidade de
oxigênio é geralmente mais crítica que a de outros substratos.
Figura 9.6: Tipos de difusores de ar. A - Tubo aberto (reto ou curvo); B - Tubo aberto em
Y; C - Difusor em anel.
111
Tabela 9.7: Comparação da concentração de glicose e assimilação de oxigênio por
leveduras.
Para obter as elevadas transferências de oxigênio necessárias, diferentes tipos de
turbinas têm sido utilizados. Desses, a turbina de disco com seis pás planas de Rushton
é o tipo mais frequentemente utilizado. A relação diâmetro da turbina e diâmetro do reator
(D/T) é um fator importante, e que determina a eficiência da agitação e, por conseguinte,
também da aeração.
Turbinas de Rushton, com diâmetro maior ao dado pela relação acima de 1/3,
promovem uma agitação mais eficiente, requerendo, porém, um consumo de energia mais
elevado.
Em reatores piloto ou industriais, normalmente a partir de volumes de 1 m3, há a
necessidade de utilizar duas ou mais turbinas. Nesses casos a turbina mais próxima ao
fundo do reator fica a uma distância deste de 1/3 a 1/2 vez o diâmetro do fermentador.
Nos casos de turbinas múltiplas, o espaçamento entre elas é importante para se obter o
máximo efeito de bombeamento e transferência de oxigênio, com um mínimo de potência
consumida.
A Figura 9.7 mostra os tipos mais comuns de turbinas utilizadas em fermentadores.
Nas turbinas constituídas por um disco rígido, é conveniente que o mesmo seja construído
em duas partes, para facilitar a sua montagem e desmontagem no eixo.
Normalmente são dotados de furos ou rasgos em posições simétricas, a fim de
permitir a colocação de pás adicionais ou mudar o posicionamento delas, de modo a
aumentar ou diminuir o diâmetro da turbina. O eixo, na posição de fixação das turbinas,
deve ser provido de um rasgo de cerca de 20-30 cm, para permitir um deslocamento da
turbina em posições diversas ao longo do eixo. A turbina é afixada por meio de chavetas.
As turbinas de disco rígido e pás planas, normalmente conhecidas como turbinas
Rushton, têm sido consideradas as mais adequadas, por apresentarem um melhor tempo
de mistura, boa capacidade de trabalhar com elevados volumes de ar e boas
características de transferência de calor, quando comparadas com os outros tipos de
turbinas (Figura 9.7). São três as características importantes para uma boa performance
de uma turbina operando em fermentações aeróbias:
112
Figura 9.7: Tiposde turbinas: (1) disco rígido com pás planas; (2) Idem, com pás
apenas na parte inferior; (3) turbina aberta com pás de inclinação variável; (4) hélice
marinha; (5) detalhe da turbina (1) ou de Rushton.
1 — Tempo de mistura
O tempo de mistura é o tempo necessário para obter uma perfeita homogeneização
do meio. Esse tempo aumenta progressivamente, à medida que aumenta o tamanho do
reator e pode chegar a algumas dezenas de segundos em reatores de grande volume
(p.ex., 100 m3). O aumento do tempo de mistura resulta em variações na concentração
de O2 dissolvido, pH e nutrientes em fermentações com batelada alimentada. A não
homogeneidade do meio de fermentação pode afetar seriamente a performance do
processo fermentativo.
2 — Dispersão de altos volumes de ar
Quando uma turbina não consegue mais dispersar eficientemente o volume de ar
que recebe, diz-se que ela está inundada ("flooded"), passando a trabalhar dentro de uma
grande bolha de ar. A agitação torna-se essencialmente ineficiente. Uma especificação
típica para o projeto da turbina é ela ser capaz de dispersar eficientemente volumes de ar
idênticos (0,5 — 1,0 vvm: volume de ar/volume de líquido/minuto) aos utilizados em escala
de laboratório.
Para alcançar esses valores de dispersão, durante a ampliação de escala seria
necessário um aumento progressivo da potência instalada por unidade de volume, o que
implicaria também em aumento adequado da agitação.
3 — Transferência de calor
Mantendo constante a performance, a evolução da temperatura de uma
fermentação aumenta proporcionalmente ao volume do fermentado. Assim, com o
113
aumento dos volumes, a manutenção da temperatura dentro dos limites do processo
necessita de um adequado fluxo do meio junto às superfícies de refrigeração, que
depende novamente de uma agitação que satisfaça esta exigência.
A clássica turbina Rushton é incapaz de satisfazer concomitantemente a todas
essas exigências (tempo de mistura, volumes de ar, transferência de calor). Mais
recentemente, quatro novos tipos de agitadores foram descritos: o Scaba 6 SRGT, o
Prochem Maxflo T., o Lightning A315 e o Ekato Intermig (Figura 9.8).
Convém lembrar que em uma fermentação a agitação constitui uma parte
importante do custo de produção industrial. Ela influi diretamente no dimensionamento do
motor, sistema de acoplamento, tipo e construção das turbinas, fiação elétrica,
dimensionamento da subestação, suprimento de água de refrigeração do reator, etc. Com
o aumento no dimensionamento do motor, todas essas variáveis e os seus custos também
aumentam. Por essa razão, atualmente atenção especial é dada à eficiência do consumo
de energia e transferência de massa do sistema de agitação dos reatores.
A recente introdução dos novos desenhos de agitadores, permitindo uma melhor
homogeneização, uma maior transferência de massa com baixa potência, absorvida
principalmente em fermentações viscosas, poderá trazer novas perspectivas de solução
ao difícil problema de promover uma eficiente agitação em reatores industriais, com
sensível redução no consumo de energia.
Figura 9.8: Desenho de novos tipos de agitadores: 1 - Scaba; 2 - Lightning A 315; 3 -
Prochem Maxflo; 4 - Ekato Interrnig.
Essas novas turbinas, que podem ser de diâmetro maior que a turbina Rushton,
ocasionando assim uma movimentação da massa do meio mais eficiente, promovem uma
dispersão maior do ar, com baixo consumo de energia.
9.2.4.6 Scaba 6SRGT
Esse tipo de turbina (Figura 9.8), apesar de ser bastante similar à turbina Rushton,
se distingue da mesma por diversas características:
- A curvatura das pás elimina a formação de cavidades, que normalmente se
formam na parte posterior das pás planas;
- Consegue dispersar volumes de ar até 5 vezes superiores, sem se inundar de ar;
- A variação entre a potência sem aeração e com aeração é muito menor. Essa
turbina realiza uma movimentação radial do meio mais eficiente que as turbinas Rushton.
O seu efeito de bombeamento no sentido axial não é muito diverso da turbina Rushton, o
114
que significa que também com esse tipo de turbina existem pontos de não homogeneidade
no meio.
9.2.4.7 Agitadores tipo hidrofoil
As turbinas Lightning A315 e Prochem Maxflo T, ambas do tipo hidrofoil (Figura
9.8), se caracterizam pela elevada capacidade de bombeamento (tempos de mistura
reduzidos), baixa potência absorvida e eficiente dispersão do ar.
Como essas turbinas são de fluxo axial descendente, quando é introduzido ar, este
forma um fluxo ascendente, podendo ocorrer vibrações capazes de ocasionar problemas
mecânicos que podem comprometer a sua integridade. A potência absorvida por parte
dessas turbinas é sensivelmente inferior à das turbinas Rushton, ao passo que a
transferência de O2 é significativamente aumentada.
9.2.4.8 Agitadores intermig
Este tipo de agitador (Figura 9.8), desenvolvido pela empresa alemã Ekato, é de
construção mais complexa. Como a potência absorvida é muito baixa, utilizam-se
geralmente duas turbinas Intermig com D/T de 0,6 a 0,7 em lugar de uma Rushton de
relação 0,3.
Para aeração, é utilizado difusor em anel perfurado com diâmetro igual ao diâmetro
interno da turbina.
A turbina Intermig efetua dois tipos de trabalho: a parte central, efetua o
bombeamento de fluxo ascendente, ao passo que as aletas posicionadas nas
extremidades impulsionam o líquido para o fundo. O tempo de mistura é menor que aquele
obtido com turbinas Rushton.
Com as turbinas Intermig podem também ocorrer fortes vibrações e flutuações no
tanque em meios muito viscosos.
9.2.4.9 Vedação dos eixos
A vedação adequada da entrada do eixo do fermentador é um dos problemas
maiores e de mais difícil solução no projeto de um fermentador, que deve operar por
longos períodos sob condições de completa assepsia.
Quanto à posição de entrada do agitador, esta pode ser pela parte superior, a mais
frequentemente utilizada, ou pelo fundo do fermentador, escolha esta que pode ser
vantajosa quando há necessidade de maior espaço livre na tampa superior. A entrada
pelo fundo permite o uso de eixos mais curtos, dispensando guia e menos sujeitos a
vibrações, mesmo em alta velocidade.
115
Figura 9.9: Sistema simples de vedação da haste do agitador. (1) Tampa superior do
fermentador; (2) Saia de proteção do rolamento inferior; (3) e (4) Rolamentos superior e
inferior respectivamente; (5) Haste do agitador; (6) Castelo.
A entrada da haste do agitador, pela parte superior do fermentador, necessita da
instalação de uma guia do eixo na parte inferior do reator (Figura 9.12), para evitar
vibrações do mesmo. A ponta do eixo está sujeita a fortes desgastes, que serão tanto
maiores quanto maior for a concentração de sólidos em suspensão. Para facilitar a
manutenção do eixo, é conveniente encamisar a sua extremidade e adotar a bucha de
teflon de ranhuras, para facilitar a eliminação de material abrasivo em suspensão do meio.
Os sistemas de vedação dos eixos de agitação evoluíram e se aperfeiçoaram
durante os anos. RIVETT e colaboradores foram os primeiros a descrever um sistema de
vedação para fermentadores de laboratório (Figura 9.9), consistindo basicamente em um
jogo de rolamentos fixados ao eixo e ao corpo do fermentador. Como proteção contra
contaminações, o rolamento inferior era coberto por uma saia metálica fixada ao eixo. O
sistema desenvolvido por CHAIN e colaboradores no Instituto Superior de Sanitá, em
Roma, já apresentava substanciais melhoramentos e encontra ainda hoje aplicações.
Os tipos de vedação mais utilizados para eixos de agitadores são: de gaxeta, de
selo mecânico e de acoplamento magnético.
9.2.4.10 Vedação de gaxeta
Este tipo de vedação é largamente utilizado na vedação de eixos pela indústria
química. Tem sido também utilizado em fermentadores. Nas construções mais simples o
eixo é vedado por diversas camadas de anéis de amianto,ou algodão teflonado
fortemente prensadas contra o eixo pelo preme-gaxeta.
A fim de reduzir o desgaste dos anéis, é conveniente submeter a parte do eixo em
contato com os mesmos a tratamento térmico e polimento. Sistemas mais elaborados
utilizam duas gaxetas separadas por espaço pelo qual circula vapor. Para fermentações
autoprotetoras, como, por exemplo, antibióticos, esse tipo de vedação tem dado bons
resultados. A grande dificuldade reside na baixa penetração térmica do material de
empacotamento e na necessidade de sua frequente substituição.
9.2.4.11 Selo mecânico
A necessidade de uma elevada garantia de esterilidade e de contenção ambiental,
principalmente com o emprego cada vez mais generalizado de microrganismos
recombinantes, tornou o emprego do selo mecânico, tanto em fermentadores
experimentais como industriais um item quase que obrigatório.
O selo mecânico é composto de duas partes: uma parte estacionária fixa ao corpo
do fermentador e a outra móvel, que gira juntamente com o eixo. As duas partes, a fixa e
a móvel são mantidas pressionadas por meio de molas. As superfícies de contato são
116
trabalhadas com precisão, sendo que a deslizante é composta geralmente de carvão
grafitado e a fixa de aço inox. Os selos mecânicos podem ser simples ou duplos.
Geralmente os selos mecânicos duplos, localizados na parte externa do reator, são
dotados de circulação de vapor ou condensado, cuja finalidade é de lubrificação do selo
e de contenção ambiental. A Figura 9.10 mostra esquematicamente as partes
fundamentais do selo mecânico e sua instalação; já a Figura 9.11, os seus detalhes
construtivos.
Figura 9.10: Esquema de vedação com selos mecânicos. (A) Selo simples entrada
superior; (B) Idem, entrada inferior; (C) Selo duplo, entrada inferior (Inceltech, França).
9.2.4.12 Agitadores magnéticos
A grande vantagem da utilização de agitadores magnéticos em reatores de
fermentação é a eliminação total da mais importante porta de entrada de contaminantes,
que é a abertura para a passagem do eixo do agitador.
Basicamente o agitador magnético consiste em um conjunto de dois ímãs: um
externo ao reator e o outro interno, que é o ímã acionado pelo externo. O emprego desse
tipo de agitação está limitado a reatores de pequeno volume (100-300 litros) e de baixa
viscosidade. É, contudo, a solução ideal onde o seu emprego é viável, como por exemplo
reatores para o cultivo de células animais e/ou vegetais.
Ultimada a construção de um novo equipamento de fermentação, piloto ou
industrial, o mesmo deve ser submetido a teste de pressão hidráulica, a frio, de pelo
menos 3 vezes a pressão de esterilização do reator. Os testes hidráulicos devem ser
validados e certificados por órgão governamental. Qualquer modificação introduzida a
posteriori, por exemplo, entradas adicionais não previstas no projeto construtivo e que
impliquem na confecção de novos furos no corpo do reator, requer uma nova inspeção.
Em vista disso, é sempre conveniente suprir o fermentador, já no momento de sua
construção, de entradas adicionais.
117
Figura 9.11: Vista geral de sistema de vedação da haste de agitador com entrada
superior. (1) Tampa do reator; (2) Eixo do agitador; (3) Castelo; (4) Selo mecânico; (5) e
(6) Rolamentos. (Inceltech, França)
118
Figura 9.12: Detalhes da guia da haste do agitador.
119
10. Reatores Ideais
Reatores ideais são reatores que permitem o perfeito controle sobre as condições
de mistura, transferência de massa e calor. São aqueles para os quais se desenvolve um
modelo matemático específico a partir de condições pré-estabelecidas e que aplicado às
condições reais se ajusta adequadamente.
Os 3 principais Reatores Ideais básicos (foco nas reações homogêneas) são:
- Reator descontínuo (ou batelada): é um tanque com agitação mecânica no qual
todos os reagentes são introduzidos no reator em uma única vez. Em seguida são
misturados e reagem entre si. Após um tempo, os produtos obtidos são descarregados
em uma única vez deste reator.
- Reator Tubular: é um tubo sem agitação no qual todas as partículas escoam com
a mesma velocidade na direção do fluxo. Em inglês é conhecido como PFR.
- Reator de mistura: é um tanque agitado com escoamento contínuo e sem acúmulo
de reagentes ou produtos e é operado de acordo com as seguintes características:
composição uniforme dentro do reator (composição de saída é igual à composição do
interior do reator), a taxa da reação é a mesma em todo o reator, inclusive na saída. Em
inglês a sigla é CSTR.
A Tabela 10.1 apresenta as principais diferenças entre os reatores que operam em
batelada e em sistema contínuo.
Tabela 10.1: Comparação de sistemas em batelada e contínuo.
Operação em Batelada Operação em sistema contínuo
Melhor para pequenos volumes. Melhor para a produção indefinidamente
longa de um produto ou conjunto de
produtos pela manutenção do “estado de
equilíbrio”.
Maior flexibilidade para geração de vários
produtos ao mesmo tempo.
Menos flexível.
Custo de produção usualmente mais
baixo.
Custo de produção usualmente mais alto.
Fácil de finalizar e limpar. Facilidade no
serviço de retirar incrustações.
Finalização do processo e limpeza muito
dispendiosa e exigente.
Tempo de preparo e finalização entre
lotes inerente ao processo.
Sem tempo de preparo e finalização,
exceto para programada e manutenção
de emergência. Contudo a perda de
produção em paradas longas pode gerar
custos altos.
A não ocorrência de estado de equilíbrio
significa a necessidade de controle do
processo e a obtenção de uniformidade
de produto é mais difícil.
Custo de operação baixo.
Inconsistência na produção devido a não
existência de um estado de equilíbrio.
A operação em estado de equilíbrio
permite maior uniformidade do produto.
120
O reator batelada é sem dúvida vantajoso para processos em pequena escala,
como produção de remédios e química fina. É muito útil para estudar a cinética do
processo, podendo-se variar vários parâmetros para determinar a cinética da reação. No
entanto, deve ser construído de tal maneira que não apresente caminhos preferenciais,
com sistema de agitação bastante eficiente para que a mistura seja homogênea. Podem
ser feitas amostragens intermitentes, ou no término da reação, determinando-se assim as
composições intermediárias ou do produto final. Para estudos cinéticos retiram-se
amostragens em diferentes tempos, permitindo acompanhar o sistema reacional com o
tempo de reação.
As desvantagens dependem da escala do sistema. O reator deve ser carregado e
descarregado, e limpo, resultando num tempo às vezes muito maior do que a própria
reação. Não exige mão de obra especializada, mas por outro lado exige cuidado especial
para evitar contaminações. Tem aplicação na indústria farmacêutica, na química fina, em
produtos naturais e em processos pouco conhecidos.
Os reatores contínuos são os mais usados industrialmente em grande escala e em
todos os processos industriais. Podem ser empregados processos homogêneos e
heterogêneos e operam durante vários meses ou anos com paradas intermediárias,
produzindo grandes quantidades de produtos. As condições operacionais são amplas,
mas exigem um controle contínuo e com sequentemente mão de obra qualificada.
Há sérios problemas de escoamento e de transferência de calor e massa. O regime
de escoamento afeta o sistema, principalmente quando são sistemas heterogêneos. As
variáveis mais importantes, como a vazão, temperatura e concentração devem ser
controladas continuamente, e exigem um instrumental de grande precisão.
A principal desvantagem é a ocorrência de entupimentos ou sobrecarga exigindo a
parada imediata do reator, principalmente nos sistemas de reações com perigo de
explosão.
O escoamento num reator do tipo tanque ou tubulardeve ser conhecido. Num reator
contínuo tipo tanque, o escoamento não pode ter caminhos preferenciais. No reator
contínuo tubular o escoamento pode ser nos casos limites, laminar, não desejado ou
turbulento (desejado), mas sem volumes mortos. A forma de escoamento pode causar
efeitos de difusão radial e longitudinal e, portanto, provocar gradientes de temperatura e
de concentração radiais e consequentemente afetar a reação química.
As condições para classificar os reatores ideais são:
- Reator tubular: o tempo de contato é igual para todas as moléculas ou elementos
de fluido ao longo do reator quando a velocidade for uniforme na secção transversal do
tubo, satisfazendo assim o escoamento empistonado. Todas as moléculas têm a mesma
velocidade. Logo, a concentração é uniforme numa secção transversal do tubo e varia
somente ao longo do reator. No caso isotérmico a temperatura permanece constante e
não há variação de temperatura na direção radial ou longitudinal. No caso não isotérmico
a temperatura varia ao longo do reator. Este reator será denominado PFR ideal.
- Reator tanque: as moléculas devem ter o mesmo tempo de residência médio no
tanque e, portanto, a concentração no tanque deve ser igual e a mesma na saída do reator.
Isto implica que a mistura deve ser uniforme, perfeita. Numa mistura perfeita devem ser
evitados os volumes chamados "mortos", para que o tempo de residência médio seja
uniforme. Este reator nestas condições será denominado CSTR ideal.
- Reator batelada: deve ser de mistura perfeita com concentração homogênea no
seu volume. Deve ser bem agitado e não deve possuir volumes mortos nos cantos ou nas
periferias. A temperatura também é uniforme.
121
11. Reatores Reais
Reatores Não Ideais (ou reais) são aqueles para os quais é necessário um
tratamento matemático específico em função de peculiaridades de reação e/ou reator.
Nos reatores industriais as reações podem ocorrer em fases múltiplas. É o caso
de reatores de leito fixo, leito fluidizado, leito de lama e leito trifásico. Nos reatores de leito
fluidizado e leito de lama o sólido (catalisador), na forma de partículas muito pequenas,
está em movimento no reator. O escoamento do fluido é complexo. Nestes sistemas o
escoamento da fase fluida não é homogêneo e há grandes desvios em relação ao
comportamento ideal de um PFR ou CSTR, caracterizando um reator não ideal.
Por outro lado, há vantagens excepcionais nestes reatores, onde há melhor
transferência de massa e calor, melhor e maior contato entre os reagentes, e
principalmente menor tempo de contato de reação.
Como nos reatores ideais, as cinéticas e as condições de reação são
semelhantes, no entanto, a distribuição dos produtos é completamente diferente e para
correlacioná-los com os experimentos, necessita-se de um estudo mais detalhado das
condições de não idealidade, levando-se em consideração os escoamentos, os
fenômenos interfaciais e superficiais e de transferência de calor e massa. Estes
fenômenos caracterizam a dispersão axial e radial, causados pela difusão e convecção.
Os exemplos mais conhecidos são mostrados na Figura 11.1. No reator PFR
vazio, o escoamento pode ocorrer com um perfil de velocidade laminar ou turbulento. O
escoamento laminar no PFR é caracterizado como um reator não ideal, já que o perfil de
velocidade numa secção transversal não é uniforme e, consequentemente, o tempo de
contato entre as moléculas é diferente no centro e próximo a parede. Num escoamento
turbulento o perfil de velocidade não é uniforme, mas na média pode comportar-se como
escoamento uniforme, estando mais próximo das condições ideais de um reator ideal, já
que o tempo de contato entre as moléculas dos reagentes é aproximadamente igual.
Figura 11.1: Tipos de reatores.
122
Diferentes são os escoamentos em leitos catalíticos, tanto de leito fixo como de
leito fluidizado ou de lama. Os escoamentos são aleatórios, dependem dos espaços
vazios no leito fixo por onde fluem os gases ou líquidos reagentes, ou mesmo da
velocidade aparente do sólido num leito fluidizado ou de lama. Estes são conhecidos como
reatores não ideais.
Há duas maneiras que permitem caracterizar os reatores não ideais:
- Analisando os efeitos de dispersão que causam o desvio do comportamento
ideal. Esta análise é feita, determinando-se a distribuição do tempo de residência num
sistema sem reação e determinando o efeito causado sobre a reação, comparando-se as
conversões calculadas com as experimentais. Isto será feito analisando-se os sistemas
separadamente, os modelos segregados (micromistura) e não segregados
(macromistura).
- Analisando pelas equações básicas de quantidade de movimento, de energia e
massa os efeitos de difusão e convecção radial e axial, com ou sem reação química sobre
a reação, avaliando os parâmetros que causam o desvio do comportamento ideal e
adotando critérios que permitam estimar os efeitos de dispersão radial e axial sobre o
reator.
No primeiro caso, a análise é feita através dos modelos segregados e não
segregados, utilizando-se resultados experimentais de distribuição de tempo de residência
(RTD). No segundo caso, utiliza-se as equações de balanço de massa, calor e quantidade
de movimento.
Ao estudarmos os reatores ideais, que são casos limites, não verificamos a
influência de outros fenômenos causados pelo escoamento, pela transferência de massa
e de calor. Portanto, os parâmetros que são estudados são determinados em regime
cinético sem considerar os efeitos de fenômenos de transporte. Quando isto acontece a
taxa real é menor que a taxa cinética intrínseca. Nos reatores contínuos CSTR o
escoamento tem caminhos preferenciais. Nos reatores contínuos tubulares vazios o
escoamento pode ser laminar, turbulento e ter volumes mortos. O escoamento pode
causar efeitos de difusão radial e longitudinal e, portanto, provocar gradientes de
temperatura e de concentração radiais ou axiais, consequentemente afetando a reação
química.
O reconhecimento do reator pode ser feito recorrendo-se ao chamado "balanço
populacional". O que significa isto? Consideremos uma reação química irreversível de
primeira ordem, sob condições isotérmicas, cuja solução é:
𝜏 = −
1
𝑘
ln (1 − 𝑋𝐴)
Onde:
𝑋𝐴 = conversão do reagente A
𝑘 = constante cinética (velocidade específica)
t = tempo de reação
O tempo t é o tempo de contato ou o tempo de residência das moléculas dentro do
reator. No reator batelada, admite-se que o tempo medido seja igual ao tempo médio de
contato. Porém, num sistema contínuo, este tempo medido pode ou não ser igual ao tempo
de contato, pois a distribuição das moléculas ou das propriedades no interior do reator
pode não ser uniforme ou homogêneo e depende do escoamento. Portanto, é impossível
determinar as propriedades cinéticas sem conhecer o "verdadeiro" tempo de reação.
Na realidade o escoamento de um elemento de fluido, constituído por um conjunto
de moléculas, não é uniforme, fluindo ao longo do reator com tempos de permanência
diferentes, caracterizando assim os reatores não ideais.
123
O escoamento ou fluxo depende da forma do reator. O reator tubular cilíndrico é o
mais usado, mas há outras formas, em particular, tronco cônicas ou cilíndricas com
escoamentos transversais, que mudam o perfil de velocidade e, portanto, afetam o
escoamento.
A escolha do tipo de reator não depende somente do fluxo, mas há vários outros
fatores, como por exemplo:
a) Fluxo mais próximo das condições ideais e tempos de residências iguais.
b) Menor queda de pressão no reator.
c) Carga do reator (recheio ou catalisador), visando melhor escoamento e menor
perda de carga.
d) Troca de calor interno ou externo, que depende se a reação é exotérmica,
endotérmica e se a operação é isotérmica ou adiabática.
O fluxo no reator e, portanto, as velocidades superficiais numa secção transversal
do reator, variam com as condições e a forma do reator.O perfil de velocidade no fluxo laminar em tubo cilíndrico pode ser calculado
apresentando uma distribuição de velocidade variável na secção transversal, causando
variação no tempo de contato das moléculas ao longo do reator e, portanto, não pode ser
considerado reator ideal.
No escoamento turbulento, ou seja, quando o número de Reynolds é alto, a
distribuição de velocidade varia na direção axial e radial, com maiores velocidades
próximas as paredes, sendo mais uniforme na parte central do tubo.
Quanto maior for a velocidade ou o número de Reynolds, mais uniforme se torna o
perfil de velocidade no reator, aproximando-se bastante do escoamento ideal,
favorecendo um contato uniforme e, portanto, um tempo de residência médio ideal das
moléculas.
Os reatores com colunas de recheio, particularmente os reatores catalíticos,
apresentam uma distribuição de velocidade bastante heterogênea e é bastante difícil
prever os espaços vazios e caminhos preferenciais, que dependem do tipo e forma do
recheio ou partículas de catalisadores e a sua colocação no interior do reator. No entanto,
o contato das moléculas é muito maior, devido ao aumento da área de contato,
favorecendo a reação entre as moléculas. Mesmo assim, quanto maior o número de
Reynolds, ou seja, quanto maior o fluxo, o reator se aproxima mais do escoamento
turbulento e, portanto, das condições ideais de reator.
Além do escoamento, devem-se considerar os efeitos de transferência de massa e
de calor. Nos reatores sem recheio consegue-se prever a troca de calor e, assim,
determinar as condições para uma operação isotérmica ou adiabática, conhecendo-se o
perfil de temperatura no leito catalítico. Para fluxos uniformes a transferência de calor
depende da capacidade calorífica e, portanto, o perfil de temperatura pode ser uniforme,
havendo grandes desvios, caso a capacidade calorífica seja muito elevada.
Nos reatores catalíticos ou com recheio, há ainda a influência da condução de calor
das partículas. A temperatura afeta sensivelmente a constante cinética e
consequentemente a taxa de reação. Paralelamente, há efeitos de transferência de massa
por convecção e por difusão nos poros das partículas que dependem do escoamento e
das propriedades de difusão, afetando sensivelmente a constante cinética e, por
conseguinte, a taxa de reação química, devido aos diferentes tempos de residência das
moléculas.
Estas considerações também valem para os escoamentos em tanques e para o
reator batelada. No entanto, o contato entre as moléculas depende ainda da forma
geométrica dos reatores. Devem-se evitar os volumes chamados "mortos". Quanto maior
a agitação, maior é o contato entre as moléculas e menor é a probabilidade de ocorrerem
124
volumes mortos. O contato é instantâneo e a concentração na saída do tanque ou no
reator batelada deve ser o mais uniforme possível. Atinge-se a condição ideal quando a
mistura for perfeita. A Figura 11.2 ilustra os diferentes casos.
Figura 11.2: Características de escoamentos.
125
12. Reatores com Células Imobilizadas
Os sistemas com células imobilizadas têm como principal característica o uso de
alguma estrutura física de confinamento e que obriga as células a permanecerem em uma
região particular de um biorreator.
Devemos distinguir essencialmente dois tipos de processos fermentativos
realizados através de células imobilizadas.
O primeiro é aquele que utiliza uma ou algumas das enzimas contidas nas células,
não havendo necessidade da existência de coenzimas (ATP, NADH e outros) e vias
anabólicas presentes na replicação celular.
Em outras palavras, as células não necessitam estar vivas quando imobilizadas;
somente deve estar ativo o sistema enzimático envolvido na conversão bioquímica
requerida.
Exemplo marcante desse processo é a produção industrial de ácido málico, ácido
aspártico e o xarope de frutose de milho (High Fructose Com Syrup).
O segundo tipo de processo que utiliza células imobilizadas é aquele em que se
impõe a necessidade de manter a viabilidade celular, uma vez que os produtos a serem
formados requerem múltiplos passos de transformações, regeneração de coenzimas,
presença de cadeia respiratória, vias metabólicas geradoras de intermediários e outros
mecanismos inerentes às células vivas.
As principais vantagens dos sistemas com células imobilizadas citadas na
literatura são as seguintes:
a) possibilidade de utilização de altas concentrações celulares no volume
reacional, implicando em maiores velocidades de processamento;
b) operação de sistemas contínuos à vazão específica de alimentação acima da
velocidade específica máxima de crescimento, 𝜇𝑚á𝑥, característica da célula não
imobilizada;
c) eliminação de problemáticos reciclos externos de células através de uso de
sedimentadores, filtros e centrífugas;
d) provável obtenção de maiores fatores de conversão de substrato ao produto
desejado;
e) possibilidade de utilização de projeto de biorreatores mais adequados à cinética
do sistema biológico utilizado;
f) maior proteção ao sistema biológico em relação ao estresse ambiental,
ocasionado por elevadas concentrações de substratos, pH e cisalhamento.
Além disso, esse sistema é único no sentido de possibilitar a utilização de
fermentação submersa, para o cultivo de linhagens de células de mamíferos dependentes
de ancoragem em um suporte para seu desenvolvimento adequado.
Este capítulo tem como objetivo abordar os principais aspectos relacionados com
os processos que utilizam o sistema de células imobilizadas que detêm sua capacidade
vital.
12.1 Métodos de imobilização
A imobilização é geralmente conseguida através do contato de um material utilizado
para a imobilização com as células vivas que se pretende imobilizar, sob condições
ambientais controladas. O material utilizado para a imobilização é denominado suporte.
126
As principais características de um suporte para a imobilização de células vivas são
as seguintes: a) não toxidez às células; b) alta capacidade de retenção; c) resistência ao
ataque químico e microbiano; d) pouca sensibilidade às possíveis solicitações mecânicas,
seja de compressão por peso, de tensões de cisalhamento ou eventuais pressões internas
e externas de gases; e) alta difusividade de substratos e produtos.
Os suportes mais utilizados na imobilização de células vivas estão apresentados
na Tabela 12.1. Deve-se destacar que existe possibilidade de se utilizar combinação
desses materiais para produção de novas matrizes imobilizadoras e de se proceder à
modificação da superfície dos suportes, com a finalidade de se introduzir grupos
funcionais que serão responsáveis pela imobilização.
Existem basicamente três métodos de imobilização de células em suportes, a
saber, adsorção, ligação covalente e envolvimento.
Os mecanismos de interação célula-suporte são diferenciados para cada uma
dessas técnicas.
12.1.1 Adsorção
As forças de interação entre a superfície celular e a superfície do suporte no método
da adsorção são complexas e envolvem múltiplos tipos de formação de ligações. Deve-se
destacar aqui as interações eletrostáticas entre cargas opostas de parede celular e
superfície do suporte, a formação de ligações iônicas entre grupos amínicos e carboxílicos
da parede celular e um grupo reativo da superfície do suporte e a formação de ligações
covalentes parciais entre grupos amínicos da parede celular e grupo hidroxila ou silano
(SiO-) da superfície do suporte. Considera-se, então, adsorção a adesão de células em
suportes que não foram especialmente funcionalizados para a ocorrência de ligação
covalente. A principal limitação da técnica reside no fato de que existe influência bastante
acentuada das condições ambientais promovidas pelo meio de cultivo na capacidade de
retenção das células no suporte, principalmente as relacionadas com concentração iônica,
pHe idade da população celular que se deseja imobilizar.
Tabela 12.1: Materiais utilizados na produção de suportes para imobilização de células
vivas.
Os materiais mais comumente utilizados na adsorção são os inorgânicos e os
polímeros sintéticos mostrados na Tabela 12.1. Deve-se salientar que esses materiais têm
sido submetidos a tratamentos superficiais, visando a obtenção de estruturas
macroporosas, com o intuito de se incrementar a capacidade de retenção do suporte. A
Tabela 12.2 dá alguns exemplos ilustrativos de suportes comerciais utilizados no método
de adsorção e suas principais características.
127
12.1.2 Ligação covalente
No método da ligação covalente, os suportes são especialmente funcionalizados
para conter um grupamento químico, que será responsável pela imobilização da célula ao
suporte. A literatura descreve várias técnicas que se utilizam desse princípio. Uma das
mais utilizadas é a sinalização de esferas de vidro, seguida de reação com glutaraldeído.
Nessa metodologia, esferas de vidro de cerca de 100 a 500 micra são
primeiramente tratadas com o reagente 𝛾-aminopropil-trietoxisilano (APTS).
Posteriormente, o grupamento amina resultante reage com glutaraldeído, de forma a se
produzir uma estrutura espacial que possui um grupamento -HC=O altamente reativo
(Figura 12.1). A interação da célula com o suporte se dá pela ligação da carbonila do
suporte com aminas da parede celular.
Tabela 12.2: Suportes comerciais utilizados no método de adsorção.
A grande limitação dessa metodologia para imobilização de células vivas é a
potencial toxicidade do sistema, conferida pela presença do glutaraldeído.
12.1.3 Envolvimento
O envolvimento é o mais utilizado dos métodos de imobilização de células vivas
pela sua facilidade, baixíssima toxidez e alta capacidade de retenção celular. A técnica
consiste no confinamento físico de uma população celular em uma matriz polimérica
formadora de um gel hidrofílico. Os poros da matriz formada são menores que as células
contidas em seu interior.
Em contato com o meio de cultura, há o estabelecimento de um fluxo de substratos
para dentro das partículas de gel, onde são consumidos pela população imobilizada. Os
produtos formados no interior da matriz difundem-se através do gel e se acumulam no
meio de cultura. Os materiais mais utilizados para produção das partículas de gel são os
polímeros naturais ágar, k-carragenana, alginato e pectina. A gelificação do primeiro é
realizada simplesmente pelo abaixamento de temperatura e, dos últimos, através da ação
de um cátion mono ou bivalente, como K+ ou Ca2+. O método consiste em se preparar
inicialmente uma solução do polímero em água a 1 a 4% em peso. Em seguida suspende-
se nessa solução uma população celular previamente crescida. Procede-se então ao
gotejamento da suspensão células-polímero em uma solução aquosa de CaCl2 ou KCl
0,05 a 0,5 M, sob agitação branda. As partículas formadas têm diâmetro de 0,5 a 5 mm e
densidade populacional até cerca de 250 mg de biomassa seca g-1 de matriz. A Figura
12.2 ilustra o procedimento.
O gel de poliacrilamida é utilizado para o envolvimento das células vivas de uma
maneira diferenciada. Uma solução aquosa do monômero acrilamida é pré-polimerizada
em presença de um catalisador orgânico que possui um radical amina. A cultura celular é
128
então suspensa na solução do polímero, efetuando-se a seguir a adição de um agente
para produzir as ligações cruzadas responsáveis pela gelificação da matriz.
Posteriormente, a matriz obtida é granulada e utilizada nos biorreatores.
Figura 12.1: Preparação de suporte para imobilização de células por ligação covalente.
A principal desvantagem da técnica de imobilização por envolvimento é a limitação
imposta pela difusão intraparticular de substratos e produtos metabólicos.
O tamanho da partícula, a difusividade das espécies através da matriz polimérica
e a concentração celular na partícula devem ser otimizadas, no sentido de se minimizar
esses efeitos.
Figura 12.2: Imobilização de células por envolvimento em gel hidrofílico induzida por
Ca2+ e K+.
12.2 Tipos de biorreatores empregados
O confinamento celular, ensejado pelas técnicas de imobilização, permite a
utilização de biorreatores de configuração bastante diferenciadas do tradicional
fermentador do tipo tanque continuamente agitado (STR). A maior parte dos biorreatores
estudados para sistemas com células imobilizadas, constituem-se de colunas operadas
129
continuamente, contendo um leito fixo ou fluidizado das partículas com as células
imobilizadas.
12.2.1 Leito fixo
O leito fixo disposto verticalmente tem sido o mais utilizado (Figura 12.3a).
Normalmente a coluna é esterilizada e empacotada com as partículas de gel hidrofílico
que contêm as células imobilizadas, no caso da utilização da técnica de envolvimento.
Quando o método escolhido é a adsorção ou ligação covalente, após o
empacotamento e eventual esterilização da coluna, faz-se circular através do leito uma
suspensão celular previamente cultivada, para a promoção de sua adesão às partículas.
Para prevenir a compactação do leito formado pelas partículas de gel hidrofílico,
tem sido proposta a utilização de colunas de seção circular ou retangular munidas de
chicanas transversais, ou de colunas em estágios.
Os leitos fixos de partículas imobilizadas, particularmente por adsorção,
apresentam também dificuldades operacionais quando em operação contínua de longa
duração, devido ao sobrecrescimento da biomassa celular dentro do leito fixo,
ocasionando o bloqueio físico do sistema, com a formação de caminhos preferenciais e
consequente queda de conversão. Alguns autores têm procurado contornar o problema,
através da admissão periódica ao sistema de meio de cultura limitado em algum nutriente,"
ou da passagem frequente de uma corrente gasosa (N2 ou CO2), visando a remoção do
excesso de biomassa formada.
Nos processos biológicos onde a evolução de CO2 é intensa, produzindo aumentos
indesejáveis de pressão e formação de caminhos preferenciais, tem sido proposta a
utilização do leito fixo horizontal (Figura 12.3b). Esse arranjo tem proporcionado
desempenhos mais satisfatórios para esse tipo de processo. A colocação de chicanas
nesse sistema também tem sido útil para a minimização de problemas de retromistura
("backmixing") do fluido que escoa através do leito. A eliminação desse fenômeno é
particularmente útil em processos fermentativos que possuam inibição pelo produto.
O controle dos principais parâmetros de processo (pH, oxigênio dissolvido e
temperatura) obviamente é bastante complicado de se efetuar no leito fixo. Uma
formulação bastante original desse tipo de biorreator é a utilização de um leito fixo de fluxo
paralelo, formado de placas de gel de resina de polietileno-glicol fotopolimerizada (Figura
12.3c).
Os autores sustentam que esse arranjo contém vários dos problemas encontrados
com os leitos fixos convencionais, quais sejam, entupimento por sobrecrescimento da
biomassa, necessidade de remoção do CO2 formado e formação de caminhos
preferenciais. O controle das principais variáveis de processo tende a ser também mais
fácil de se efetuar. O leito fixo proposto opera de forma vertical e a manufatura das placas
com as células imobilizadas, segundo os autores, pode ser efetivada em larga escala e
de forma asséptica.
12.2.2 Leito fluidizado
Outro tipo de biorreator bastante estudado é o leito fluidizado (ou expandido) de
partículas de células imobilizadas por adsorção ou envolvimento. A literatura descreve
configurações diversas desse tipo de fermentador.
130
Figura 12.3: (a) Leito fixo vertical; (b) Leito fixo horizontal; (c) Leito fixo de fluxo paralelo.
Basicamente o biorreator constitui-se de uma coluna vertical de seção circular,
dentro da qual as partículas com as células imobilizadas são carregadas, atécerca de
70% do volume útil do fermentador, e fluidizadas ou expandidas através de um dos
seguintes mecanismos: a) introdução na base da coluna de ar atmosférico ou de um gás
inerte (N2 ou CO2); b) reciclo parcial do efluente da coluna; c) movimentação interna do
fluido promovida por agitação mecânica (Figura 12.4a, b, c). Eventualmente a expansão
do leito pode ser promovida pelo próprio gás carbônico formado durante o processo, como
é o caso da fermentação alcoólica.
Figura 12.4: (a) Leitos fluidizados por reciclo, (b) gás e (c) agitador.
As principais dificuldades encontradas nos leitos fixos (remoção de gases e do
excesso de biomassa, dificuldade de controle de variáveis de processo) são facilmente
contornáveis nos leitos fluidizados.
É possível afirmar-se que, de uma maneira geral, os sistemas de leito fluidizado
possuem escoamento mais próximo do tipo mistura completa ("backmixing") e os de leito
fixo, do tipo pistonado ("plugflow"). Assim, biorreatores de leito fluidizado em série podem
eventualmente ser utilizados para aqueles processos que se beneficiem de um
escoamento mais próximo do tipo pistonado, como é o caso da fermentação alcoólica.
131
12.3 Aspectos relativos ao transporte de massa
12.3.1 Efeitos difusivos
Um dos aspectos mais importantes dos sistemas com células imobilizadas é o
efeito que as limitações de transporte de massa de reagentes e produtos podem impor
sobre a cinética das transformações bioquímicas realizadas pelas partículas. Essas
resistências são devidas ao filme de fluido que se forma ao redor das partículas (difusão
interparticular) e ao transporte condutivo através das partículas (difusão intraparticular),
como mostra a Figura 12.5. Assim, a eficiência (𝜂) de uma partícula que contém células
imobilizadas é definida como sendo a relação entre a velocidade real de reação, 𝑟𝑝, e a
velocidade reacional máxima possível na ausência de qualquer limitação de transporte de
massa, 𝑟𝑚á𝑥, dado por :
𝜂 = 𝑟𝑝 𝑟𝑚á𝑥⁄
A difusão interparticular depende das condições hidrodinâmicas do fluido ao redor
das partículas, a saber, velocidade do fluido, diâmetro da partícula e propriedades físicas
do fluido como viscosidade e densidade. A transferência de massa de uma molécula
(substrato ou produto) através do filme de fluido que se forma ao redor de uma partícula
é diretamente proporcional à diferença de concentração dessa molécula no seio do fluido
e na superfície externa da matriz imobilizadora.
O coeficiente de transporte de massa, nesse caso contido no adimensional
denominado número de Sherwood (𝑆ℎ = 𝑘𝑥𝐷 𝑐𝐷𝑠⁄ ), está relacionado com o número de
Reynolds (𝑅𝑒 = 𝐷𝑣𝜌 𝜇⁄ ) e com o número de Schmidt (𝑆𝑐 = 𝜇 𝜌𝐷𝑠⁄ ) através de uma
equação da seguinte forma:
𝑆ℎ = 𝑎 𝑅𝑒𝑛 𝑏 𝑆𝑐𝑚
onde:
D = diâmetro da partícula (m)
𝑣 = velocidade do fluido (m.s-1)
𝜌 = densidade do fluido (kg.m-3)
𝜇 = viscosidade do fluido (kg.m-1.s-1)
𝑘𝑥 = coeficiente de transferência de massa através do filme (moles m
-2.s-1)
𝐷𝑠= difusividade do substrato S (m
2.s-1)
c = concentração molar (moles m-3)
a, n, m = constantes da equação.
Figura 12.5: Efeito difusivo em partícula de células imobilizadas de diâmetro D.
Assim, o aumento do coeficiente de transporte de massa, 𝑘𝑥, através do filme de
fluido é proporcional ao aumento do número de Reynolds do sistema.
132
Esse efeito pode ser conseguido através do aumento da velocidade do fluido, 𝑣,
no caso de reatores de leito fixo e aumento da velocidade de agitação ou da vazão de
reciclo, no caso dos reatores de leito fluidizado. Nesse caso, 𝑟𝑝 → 𝑟𝑚á𝑥, e 𝜂 → 1, e a
velocidade de reação se torna a máxima possível 𝑟𝑚á𝑥.
A difusão intraparticular depende da concentração celular, da estrutura e do
tamanho da matriz que contém as células imobilizadas, e do tamanho das moléculas que
se difundem através das partículas. A transferência de massa de uma molécula (substrato
ou produto) através de uma partícula formada pela matriz imobilizadora e pelas células
imobilizadas é diretamente proporcional ao gradiente da concentração dessa molécula na
superfície externa da matriz imobilizadora e no centro da partícula (equação abaixo). O
coeficiente de transporte de massa nesse caso é dado pela difusividade efetiva 𝐷𝑒𝑓, e está
relacionado com outras propriedades das partículas, segundo a equação:
𝑁𝑠 = −𝐷𝑒𝑓(𝑑𝑠 𝑑𝑟⁄ )
onde: 𝑁𝑠= fluxo molar de S através da partícula (moles m
-2.s-1)
𝐷𝑒𝑓 = difusividade efetiva de S através da partícula (m
2.s-1)
𝑑𝑠 𝑑𝑟⁄ = gradiente de concentração de S.
O valor de 𝐷𝑒𝑓 deve ser medido experimentalmente, e metodologias são
apresentadas na literatura para sua determinação em matrizes de gel.
No caso da difusão intraparticular, a eficiência da reação 𝜂 está correlacionada com
um grupamento adimensional, denominado módulo de Thiele, (Φ), que é proporcional à
razão da velocidade real da reação e à velocidade de difusão do substrato ou do produto
através da partícula. A literatura descreve vários tipos desse adimensional, dependendo
do tipo da cinética do processo fermentativo em questão e da geometria da partícula com
as células imobilizadas.
12.3.2 Modelagem matemática
A modelagem matemática de sistemas com células imobilizadas é bastante
complexa.
Para a descrição dos reatores que se utilizam desse sistema, aos efeitos de inibição
por substratos e produtos de metabolismo que são tradicionalmente adicionados à cinética
clássica proposta por Monod, devem ser acrescidos também efeitos físicos.
Esses últimos estão relacionados com a transferência de massa de substratos e
produtos, com o desvio de comportamento ideal do fluxo de fluido através dos reatores e
com a mudança da fisiologia das células imobilizadas.
Esses fatores são normalmente descritos por sistemas de equações diferenciais
parciais, que podem ser resolvidas numericamente (método de colocação ortogonal e
método de Runge-Kutta de quarta ordem, por exemplo), utilizando-se computador. Está
além do escopo deste capítulo a exploração dessa metodologia, e a literatura possui vários
exemplos da técnica.
12.4 Processos que utilizam células imobilizadas
Provavelmente o mais antigo dos processos que faz uso das células imobilizadas
remonta ao século passado, e se constitui na fermentação acética de uma corrente de
vinho, que é reciclada através de um leito fixo formado de suporte, o qual abriga uma
população nativa de microrganismos acidogênicos.
133
Nos últimos anos, a partir de um trabalho pioneiro de imobilização de células
microbianas e de organelas em gel hidrofílico de alginato de cálcio, o tema ganhou novo
impulso e uma grande quantidade de informações, abrangendo virtualmente todos os
produtos de síntese realizadas por células livres, tem sido também experimentada por
células imobilizadas. O objetivo deste capítulo não é fazer uma revisão extensa do tema,
mas tão somente descrever alguns exemplos de aplicação, para apontar as
potencialidades do método.
12.4.1 Produção de etanol
A fermentação alcoólica contínua de carboidratos por leveduras e bactérias tem
sido, entre os sistemas imobilizados de células vivas, o mais estudado nos últimos anos.
A técnica de imobilização mais empregada é a de envolvimento em gel hidrofílico
onde se destacam as matrizes formadas por alginato, K-carragenana e pectina. Resinas
de troca jônica e polimerizadas por fotorradiação também têm obtido sucesso. Em
virtualmente todos esses sistemas, altas concentrações de células excedendo 100 g de
biomassa/litro de reator são alcançadas, com elevados valores de fator de conversão de
carboidratos a etanol e consumo da fonte de carbono quase que completo.
Produtividades, em etanol de cerca 20 a 30 g/litro de reator h para Saccharomyces
cerevisiae imobilizada em gel hidrofílico e de até 100 g/litro de reator h para Zymomonas
mobilis imobilizada emresina de troca iônica, são apontadas na literatura.
Reatores de leito fixo (vertical, horizontal ou de fluxo paralelo) e leito fluidizado têm
sido utilizados com sucesso, e vários são os dispositivos empregados para superar os
inconvenientes inerentes a esse processo, ligados principalmente à enorme produção de
gás carbônico associado ao etanol.
Pelo menos um processo, que utiliza levedura imobilizada em gel de alginato de
cálcio em reatores de leito fluidizado, desenvolvido pela Kyowa Hakko Kogyo Co. do
Japão, foi demonstrado em escala piloto (Figura 12.6). A imobilização das células foi
realizada através do gotejamento da suspensão de levedura e alginato de sódio dentro
dos reatores, que eram previamente preenchidos com uma solução de cloreto de cálcio.
O sistema operava com a alimentação contínua de uma solução de melaço diluída a uma
concentração de carboidratos de 150 g/L, alimentada na base do primeiro fermentador. A
fluidização dos leitos era alcançada devido à grande quantidade de CO2 formado.
A produtividade do sistema foi de 20 g de etanol/litro de reator h, a uma
concentração de etanol no caldo fermentado de 68 g/L e rendimento da fermentação de
95% do valor teórico.
Afirma-se que a planta piloto produzindo 12 m3 de etanol por dia operou, nas
condições acima descritas, por 6 meses, sem perda de estabilidade. Essa característica
foi conseguida, segundo os autores, graças à adição de esteróides na matriz de
imobilização e pela aeração adequada dos reatores, o que proporcionou uma população
de leveduras imobilizadas altamente viável.
Os valores de produtividade em etanol e de rendimento da fermentação são
superiores aos processos de produção de etanol do tipo batelada alimentada (processo
Melle-Boinot), hoje operando em nosso país, que são respectivamente da ordem de 6 g
de etanol/litro de reator h e 86%.
134
Figura 12.6: Fluxograma simplificado para produção de etanol utilizando levedura
imobilizada.
12.4.2 Produção de antibióticos
A produção de antibióticos com células imobilizadas também tem sido objeto de
estudo. Uma das abordagens mais interessantes nesse tema é a descrita por ARCURI et
al do Centro de Pesquisas da companhia Merck, Sharp & Dohme dos Estados Unidos.
Nesse trabalho, estudou-se a síntese do antibiótico thienamicina por células de
Streptomyces cattleya imobilizada em partículas de celite, de granulometria de 60 a 80
mesh. A imobilização se dava através do contato de uma suspensão celular, previamente
crescida em um meio de cultura completo, na qual se adicionava assepticamente uma
massa de celite esterilizada, que era posteriormente transferida para um reator constituído
de um leito fluidizado, como apresentado na Figura 12.3a. Meio de cultura completo era
então continuamente introduzido pela base da coluna, enquanto o efluente livre das
partículas de celite era retirado pelo topo da coluna, de maneira a se manter constante o
nível do sistema.
A fluidização do leito era conseguida através do reciclo parcial do efluente para a
base da coluna, e a aeração era feita através de dispersor localizado na base da coluna.
Após cerca de 4 a 5 dias, o reciclo, a aeração e a alimentação eram
descontinuados, as células imobilizadas eram decantadas, e o meio de cultura para
crescimento celular era retirado do sistema. Esse meio era, em seguida, substituído por
um outro meio de cultura limitado em vitaminas e sais minerais, com a finalidade de
promover a síntese do antibiótico. As operações de reciclo e aeração eram então
reiniciadas e, a cada 24 horas, um novo ciclo dessas operações, denominado pelos
autores de "sangria e alimentação", era refeito.
Análise dos dados indicou que foi possível separar a fase de crescimento da
biomassa e a fase de produção do antibiótico, através da manipulação de meios de cultura
diferenciados e da forma de operação do leito fluidizado. As partículas de celite, após a
fase de crescimento, possuíam cerca de 45% de sua superfície recoberta de biomassa de
Streptomyces, firmemente imobilizada a uma densidade de cerca de 240 mg de células/g
de suporte, comparável aos métodos de imobilização por gel hidrofílico. A estabilidade do
sistema era bastante grande, uma vez que os autores descreveram operações contínuas
por mais que 30 dias, produzindo o antibiótico.
É importante salientar que a estabilidade do sistema para produção desse
antibiótico, do mesmo modo que para a produção de etanol, pôde ser conseguida através
135
da manipulação de variáveis controláveis de processo, na qual se destaca o manejo de
meios de cultura.
12.4.3 Tratamento de resíduos
O tratamento de resíduos é visto como uma das áreas mais significativas de
aplicação para os processos com células imobilizadas.
A maior parte dos conceitos desenvolvidos são baseados em populações
bacterianas não definidas, que formam um filme de biomassa sobre superfícies sólidas,
retidas dentro de leitos fixos ou fluidizados. Processos de nitrificação e denitrificacão,8 e
produção de metano a partir de resíduos, encontram aplicação nesses sistemas.
Recentemente, o uso de populações microbianas, especializadas na degradação
de compostos recalcitrantes (xenobióticos), tem encontrado na imobilização celular uma
técnica extremamente útil para o projeto e operação de biorreatores de alto desempenho.
Esses compostos se constituem principalmente de resíduos de processamentos químicos,
como os organoclorados e os heteroaromáticos.
Devido à cinética desse tipo de processo ser altamente inibitória, em relação à
concentração desses substratos, reatores completamente agitados são preferíveis aos do
tipo escoamento pistonado. Assim, leitos fluidizados com reciclo parcial de efluente, e/ou
introdução de corrente gasosa, permitem aos sistemas operarem à máxima velocidade de
conversão.
Suportes de escolha para esse tipo de processo incluem partículas esféricas de
vidro poroso e blocos de espuma de poliuretano.
12.4.4 Produção de metabólitos utilizando células animais
O cultivo de células animais em fermentadores é realizado atualmente para
produção de diversas substâncias, como vacinas, a enzima proteolítica uroquinase,
anticorpos monoclonais e interferon. Alguns tipos de células animais necessitam estar
imobilizadas em suporte sólido compatível, para que possam se desenvolver.
A "ancoragem" ou imobilização de células animais em suportes tem merecido
atenção nos últimos anos.
Um dos métodos mais bem-sucedidos, na imobilização de hibridomas para a
produção de anticorpos monoclonais em larga escala se constitui numa variação do
envolvimento celular em gel de alginato de cálcio. De fato, as células são submetidas ao
envolvimento em gel, como apresentado na Figura 12.2. Um recobrimento posterior da
superfície das partículas com polilisina é efetuado, seguido da dissolução e remoção da
matriz de alginato. Durante a promoção do crescimento, as células ocupam todo o espaço
interno da partícula, formando uma densa população ativa.
Células animais também têm sido envolvidas em gel de polissacarídeos, e
adsorvidas em microssuportes especialmente projetados para essa finalidade. Os
reatores utilizados têm sido o leito fluidizado, (Figura 12.4b) e o expandido (Figura 12.4a),
para a produção de anticorpos monoclonais.
12.5.5 Utilização de microrganismos geneticamente modificados
Microrganismos geneticamente modificados têm propiciado oportunidades
extremamente interessantes para a produção industrial de metabólitos e de proteínas
136
especializadas. O desempenho dos biorreatores, que fazem uso de microrganismos que
albergam plasmídeos exógenos, é, entretanto, largamente influenciado pelo caráter
instável destes microrganismos. Dois tipos de instabilidade podem ocorrer: estrutural,
devido à instabilidade do próprio plasmídeo transferido e segregacional, devido à
insuficiência de transferência do plasmídeo para as células filhas durante a divisãocelular.
Nesse caso, devido às diferenças de velocidade específica de crescimento das células
transformadas e da população livre do plasmídeo, essas últimas têm capacidade de
rapidamente se tornar a população dominante, implicando em perda irreversível da
capacidade produtiva do biorreator. A utilização da pressão de seleção, via linhagens
transformadas, que levam marca de resistência a um antibiótico como método de
prevenção da predominância de linhagens não transformadas, é uma possibilidade
factível em nível de bancada. Todavia, devido ao elevado custo desse insumo, o método
tende a ser irrealista em escala industrial.
A imobilização de células microbianas pelo método de envolvimento, tem sido
reportada em literatura na produção de importantes produtos proporcionados pela
engenharia genética de microrganismos. A Tabela 12.3 ilustra algumas dessas
aplicações.
Tabela 12.3: Imobilização de microrganismos geneticamente modificados.
12.5 Conclusões
Nos últimos anos, a partir de trabalhos pioneiros na década de 70 sobre a imobilização
de células microbianas e de organelas em gel hidrofílico desenvolvidos por vários autores,
essa tecnologia vem ganhando importância crescente. Ela vem contribuindo para uma
nova abordagem dos sistemas biológicos, gerando uma família inteiramente diferente de
biorreatores de alto desempenho. Sua característica mais diferenciada é o confinamento
físico de elevadas densidades celulares em uma dada região do sistema, independente
dos fluxos de substratos e produtos, propiciando sua reutilização ilimitada.
A completa compreensão e domínio dessa tecnologia, principalmente no que se refere
à fisiologia das células imobilizadas e sua relação com as propriedades físicas das
matrizes de imobilização, ainda está para ser completamente elucidada, razão pela qual
a aplicação desse sistema está circunscrita ainda a poucos casos em escala comercial.
As potencialidades do método, entretanto, estão bastante bem demonstradas para a
biossíntese de virtualmente qualquer classe de metabólito celular. É provável que, em um
futuro próximo, produtos de alto valor agregado, bem como a utilização de microrganismos
especializados no tratamento de resíduos de difícil biodegradação, devam encontrar
nessa técnica uma alternativa de processo bastante interessante.
137
13. Reatores com Enzimas Imobilizadas
Conversões bioquímicas podem ser feitas em reatores, usando-se
microrganismos, organelas celulares ou enzimas isoladas como catalisadores.
No que tange às enzimas, tanto as extracelulares quanto várias intracelulares
encontram-se amplamente disponíveis, e são usadas em diversos processos industriais
(Tabela 13.1).
No momento é impensável o uso de enzimas isoladas em processos
multienzimáticos, tal como seria necessário, por exemplo, em processos de síntese
química.
O custo da fermentação, associado aos custos relacionados com o isolamento da
enzima e, nos casos pertinentes, os referentes à imobilização, devem ser minuciosamente
avaliados, frente às potenciais vantagens de se utilizar um processo enzimático.
Quando comparadas aos microrganismos, as enzimas isoladas poderão fornecer
maior rendimento num dado produto, já que substâncias colaterais contaminantes,
resultantes do metabolismo e/ou lise celular, não seriam formadas. No caso particular da
imobilização, há a possibilidade de se modificar as características cinéticas da enzima.
A escolha entre as formas solúvel e insolúvel de uma enzima depende da natureza
do processo de conversão e da estabilidade operacional das duas formas. Pela sua
natureza, alguns processos, como panificação e amaciamento de carnes, tornam inviável
a recuperação das enzimas, desde que as mesmas são usadas na forma solúvel e
adicionadas nos estágios finais dos processos. Embora em algumas situações a escolha
seria afetada pelo fato de ser possível a remoção da enzima imobilizada do produto final,
garantindo desta forma uma menor contaminação protéica, e/ou pela possibilidade de
mudança da cinética da reação, é inegável que a estabilidade operacional do sistema
imobilizado apresentaria um peso ponderável na decisão entre enzima solúvel versus
enzima insolúvel.
Tabela 13.1: Alguns exemplos de enzimas industriais.
138
13.1 Reatores enzimáticos
A princípio, quando se dispunha apenas de enzima na forma livre e solúvel, o único
tipo de reator utilizável era o de batelada. Contudo, com o advento das enzimas
imobilizadas, surgiu a possibilidade de se utilizar outros tipos de reatores.
Pode-se dizer, pela análise da literatura, que o número de reatores possíveis e
preconizados é no mínimo igual ao número de estudiosos do setor. No entanto, a maioria
deles são inviáveis economicamente, quer por exigirem grandes dimensões, quer por
apresentarem baixas porcentagens de conversão.
13.1.1 Tipos
13.1.1.1 Reator de batelada
Este tipo pode ser usado em processos onde, terminada a reação, a enzima
imobilizada pode ser separada da mistura final com relativa facilidade (filtração,
decantação, por exemplo).
13.1.1.2 Reator agitado contínuo
Neste caso há entrada e saída contínua de fluido. Eventualmente uma certa
quantidade de enzima pode ser arrastada no efluente, devendo-se, por isso, acoplar na
saída um sistema que permita recuperá-la (filtração, por exemplo).
13.1.1.3 Reator de leito fixo
Neste tipo de reator a enzima imobilizada é empacotada, permanecendo
estacionária, enquanto a solução de substrato é bombeada através dela.
13.1.1.4 Reator de leito fluidizado
A enzima imobilizada nesse caso encontra-se em suspensão no interior do reator,
sendo a solução de substrato bombeada através dela. A velocidade de fluxo da solução
de substrato é tal, que impede a deposição das partículas no fundo do reator, e é fraca o
suficiente para evitar que as mesmas sejam arrastadas no efluente.
13.1.2 Fatores a considerar na escolha do reator
13.1.2.1 Uso e custo do reator
Basicamente o modo de operação do reator estará na dependência do "out-put"
desejado. Nos casos em que o "output" é baixo, deve-se dar preferência ao reator tipo
batelada, que representa um sistema barato e flexível (no sentido de poder ser usado em
diferentes processos).
No caso do reator contínuo de qualquer tipo, o seu emprego usualmente será
planejado para um processo específico, o que eleva o custo do investimento inicial.
Contudo, um reator desse tipo apresenta as vantagens: de custo de mão-de-obra
reduzido, possibilita a automação e a constância das condições de reação.
139
13.1.2.2 Reutilização da enzima
A decisão de se reutilizar ou não uma enzima, dependerá de considerações de
ordem técnica e de custo. Com exceção de algumas enzimas extracelulares (por exemplo,
amilases, proteases), as demais são instáveis para uso prolongado em reatores, podendo
a imobilização, nestes casos, tornar-se uma alternativa atraente.
Considerando os custos totais referentes à enzima livre, suporte e imobilização, é
possível calcular o número de reutilizações em um reator batelada ou o tempo requerido
(no caso do reator contínuo), que tornariam o custo do processo da mesma ordem de
grandeza daquele apresentado pelo uso da enzima na forma solúvel. A economicidade da
reutilização estará na dependência da relação custo do catalisador/custo total do
processo. É claro que a reutilização limitará a escolha do reator àquele que propiciar o
modo de retenção do catalisador mais eficiente.
13.1.2.3 Requisitos operacionais
Os requisitos operacionais do processo podem limitar severamente a escolha do
reator. Lembrando que a maioria das reações bioquímicas requer controles de
temperatura e pH, então um reator tipo tanque-agitado poderá ser usado. Algumas vezes,
no entanto, é necessário fornecer substrato ao sistema de reação de um modo
intermitente, como no caso em que o substrato em elevada concentração inibe a enzima.
Issopode ser conseguido usando-se um reator tubular. No caso de tanques agitados
operados de forma contínua deve-se utilizar vários deles em série.
Caso no fluido de alimentação existam sólidos insolúveis, então o reator de leito
fixo não pode ser usado. Finalmente, em processos contínuos pode ser necessária a
adição de uma nova quantidade de enzima, para suprir a perda de atividade catalítica
durante o processo contínuo prolongado. No caso do reator continuo agitado, tal
acréscimo poderá ser feito a qualquer momento, sem a necessidade de interromper o
processo, que não é possível na maioria dos outros tipos de reatores, cujo funcionamento
deverá forçosamente ser interrompido.
13.1.3 Cinética de reatores enzimáticos
Para o desenvolvimento das equações de processos referentes aos reatores do
tipo batelada e contínuos (tubular e contínuo agitado) admitir-se-ão as seguintes
premissas: (a) condição de fluxo ideal; (b) reação irreversível; (c) ausência de efeitos
inibitórios; (d) reação do tipo S → P; (e) reação catalisada por uma só enzima, cuja cinética
obedece ao modelo de Michaelis-Menten.
13.1.3.1 Reator tipo batelada (RB)
Em primeiro lugar definamos os seguintes termos:
𝑉𝐵 = volume da mistura em reação (L);
𝑀 = massa total do sistema em reação (kg);
𝑅𝐴 = vazão mássica de entrada de substrato (kg/h);
𝑅𝑆 = vazão mássica de saída de substrato (kg/h);
𝑅𝐶 = razão de consumo do substrato no reator (kg/h);
𝑅𝐸 = razão de variação do substrato no reator (kg/h);
𝜌 = densidade (kg/L);
140
𝑆0 = concentração inicial de substrato (g/L);
𝑆 = concentração de substrato num instante qualquer (g/L);
𝑚 = massa inicial de substrato (kg);
𝑥′ = massa de substrato consumida/massa total (M)
𝑥 = massa de substrato consumida/massa inicial de substrato (𝑚)
𝑣 = massa de substrato consumida/tempo.unidade de volume (kg/L • h)
Seja a equação do balanço material em relação ao substrato:
𝑅𝐴 − 𝑅𝑆 − 𝑅𝐶 = 𝑅𝐸
Como 𝑅𝐴 = 𝑅𝑆 = 0 (nada entra e nada sai), temos:
−𝑅𝐸 = 𝑅𝐶
Lembrando que:
𝑅𝐶 = 𝑣. 𝑉𝐵
𝑅𝐸 = −𝑀. 𝑑𝑥
′ 𝑑𝑡⁄
Fazendo substituições entre as equações acima, temos:
−𝑣. 𝑉𝐵 = −𝑀. 𝑑𝑥
′ 𝑑𝑡⁄
e integrando:
∫ 𝑑𝑡 = 𝑀∫ 𝑑𝑥′ 𝑣. 𝑉𝐵⁄
𝑥′
0
𝑡
0
logo 𝑡 = 𝑀∫ 𝑑𝑥′ 𝑣. 𝑉𝐵⁄
𝑥′
0
ou
𝑡 = ∫ 𝜌. 𝑑𝑥′ 𝑣⁄
𝑥′
0
Sabendo que 𝑚𝑑𝑥 = 𝑀𝑑𝑥′ ou 𝑑𝑥′ = (𝑚 𝑀⁄ ). 𝑑𝑥 e substituindo na equação
anterior, tem-se (quando a densidade é constante):
𝑡 = 𝑆0∫ 𝑑𝑥 𝑣⁄
𝑥
0
como:
𝑆 = 𝑆0. (1 − 𝑥)
então, fazendo as devidas substituições entre as três últimas equações e resolvendo-se
as integrais, chega-se à equação de processo:
𝑡 = (𝑥𝑆0 𝑉𝑚á𝑥⁄ ) − (𝐾𝑚 𝑉𝑚á𝑥⁄ ). ln (1 − 𝑥)
onde 𝑉𝑚á𝑥 é a velocidade máxima da reação catalisada pela enzima e 𝐾𝑚 é a constante
de Michaelis-Menten (corresponde à concentração de substrato para a qual a velocidade
da reação é metade da velocidade máxima).
13.1.3.2 Reator tubular (RT)
O balanço será feito considerando o reator operando em regime permanente.
Além das definições apresentadas no item anterior, acrescentam-se as seguintes:
A= massa de alimentação total (kg);
141
x' (conversão) = massa de substrato consumida/ massa de alimentação total (A)
xs (fração mássica de substrato) = massa de substrato /massa de alimentação total
(A)
VR = volume do reator
Q = vazão volumétrica de alimentação (L/h)
ta (tempo de residência) = VR/Q (h)
𝑅𝐴 − 𝑅𝑆 − 𝑅𝐶 = 𝑅𝐸
Em regime permanente 𝑅𝐸 = 0 (não há acúmulo). Logo a equação acima fica:
𝑅𝐴 − 𝑅𝑆 − 𝑅𝐶 = 0
Como
𝑅𝐴 = 𝐴. 𝑥𝑆 − 𝐴. 𝑥
′
𝑅𝑆 = 𝐴. 𝑥𝑆 − (𝑥
′ + 𝑑𝑥′). 𝐴
𝑅𝐶 = 𝑣. 𝑑𝑉𝑅
Substituindo esses parâmetros na equação 𝑅𝐴 − 𝑅𝑆 − 𝑅𝐶 = 0, tem-se:
𝐴. 𝑑𝑥′ = 𝑣. 𝑑𝑉𝑅
Rearranjando e integrando a equação acima, obtém-se a equação de projeto para
o reator tipo tubular:
𝑉𝑅
𝐴
= ∫
𝑑𝑥′
𝑣
𝑥′𝑆
0
Como 𝐴 = 𝜌. 𝑄 e 𝑡𝑎 = 𝑉𝑅 𝑄⁄ , então:
𝑡𝑎 =
𝜌. 𝑉𝑅
𝐴
Define-se vazão específica de alimentação (𝑣𝑒) como sendo o inverso do tempo de
residência, ou seja, 1 𝑡𝑎 = 𝑄 𝑉𝑅 = 𝑣𝑒⁄⁄ , que representa a alimentação volumétrica máxima
permissível por unidade de volume do reator.
Assumindo que a reação enzimática obedeça ao modelo de Michaelis-Menten,
então:
𝑣 =
𝑉𝑀𝐴𝑋. 𝑆
𝐾𝑚 + 𝑆
Substituindo as duas últimas equações na equação
𝑉𝑅
𝐴
= ∫
𝑑𝑥′
𝑣
𝑥′𝑆
0
:
𝑡𝑎 = 𝜌∫ 𝑑𝑥
′ [
𝐾𝑚 + 𝑆
𝑉𝑚𝑎𝑥. 𝑆
]
𝑥′𝑆
0
Sabendo que 𝑑𝑥′ = (𝑚 𝑀)𝑑𝑥⁄ , 𝜌 = 1 e 𝑆 = 𝑆0(1 − 𝑥) integrando a equação acima
obtém-se a equação de processo:
𝑡𝑎 = (
𝑥. 𝑆0
𝑉𝑚𝑎𝑥
) − [
𝐾𝑚. ln (1 − 𝑥)
𝑉𝑚𝑎𝑥
]
Embora a equação acima seja parecida com a correspondente do reator tipo
batelada (𝑡 = (𝑥𝑆0 𝑉𝑚á𝑥⁄ ) − (𝐾𝑚 𝑉𝑚á𝑥⁄ ). ln (1 − 𝑥)), deve ser lembrado que nesta última t é o
tempo total de reação, enquanto que 𝑡𝑎 é o tempo de residência de uma partícula dentro
142
do reator. Caso não ocorra mistura durante o escoamento pelo reator (neste caso o reator
tubular recebe o nome particular de reator pistonado) e Q permaneça constante durante
a passagem da mistura pelo reator, então 𝑡𝑎 seria de fato o tempo de residência de cada
partícula no reator. Como a não idealidade é um fato mais corriqueiro, então o tempo de
residência representará um valor de permanência médio da partícula dentro do reator.
13.1.3.3 Reator agitado contínuo (RCA)
Neste tipo de reator vale o seguinte balanço material (no estado estacionário):
𝑄. (𝑆0 − 𝑆) = 𝑣. 𝑉𝐵
Sabendo que 𝑆 = 𝑆0. (1 − 𝑥) e admitindo que a reação enzimática segue o modelo
de Michaelis-Menten, a equação de processo para este tipo de reator é:
𝑥. 𝑆0 + 𝑘𝑚 [
𝑥
1 − 𝑥
] =
𝑉𝑚𝑎𝑥
𝑄
=
𝑉𝑚𝑎𝑥. 𝑡𝑎
𝑉𝐵
13.2 Exemplo de processo enzimático
13.2.1 Isomerização da glicose
A isomerização enzimática da glicose em frutose é executada em escala industrial
no mundo inteiro, sobretudo nos EUA. O produto comercial obtido (HIGH —FRUCTOSE
CORN SYRUP, HFCS), contém, em base seca, 42 ou 55% de frutose. Cerca de 70% do
HFCS produzido no mundo é usado na concentração de 55% em frutose, que é
enriquecido por técnica cromatográfica, a partir da mistura equimolecular de glicose e
frutose formada pela ação da glicoseisomerase (GI), sobre a glicose proveniente da
hidrólise do amido. O HFCS 55% é usado como adoçante em bebidas não alcoólicas,
enquanto que o HFCS 42% (resultante diretamente da ação da GI sobre a glicose) é usado
em panificação, laticínios e enlatados. Devido à alta higroscopicidade da frutose, o HFCS
não pode substituir a sacarose na manufatura de bombons rígidos. A partir de 1987 o
mercado passou a dispor de frutose pura obtida de HFCS.
O aparecimento em 1974 da GI imobilizada e o grande interesse da indústria de
refrigerantes pelo HFCS, fizeram com que o processo de isomerização da glicose fosse
aceito pelas principais indústrias processadoras de materiais amiláceos do Ocidente. Um
grande salto no consumo do HFCS ocorreu em 1978, quando foi introduzido o processo
de enriquecimento do HFCS em frutose, através da separação cromatográfica da mistura
glicose e frutose, aumentando o índice de dulçor deste xarope. Em 1988, a quantidade
total de HFCS produzida em escala mundial foi superior a 7 milhões de toneladas.
A glicoseisomerase (GI) é uma enzima intracelular de origem microbiana, que
catalisa a conversão de glicose em frutose e obedece à seguinte equação de velocidade:
𝑣 =
[
𝑉𝑓(𝑆)
𝐾𝑚𝑠
−
𝑉𝑟. (𝑃)
𝐾𝑚𝑝
]
[
1 + (𝑆)
𝐾𝑚𝑠
+
(𝑃)
𝐾𝑚𝑝
]
onde:
𝑉𝑓 = velocidade máxima da reação no sentido da formação da frutose;
𝑉𝑟 = velocidade máxima da reação no sentido da formação da glicose;
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𝐾𝑚𝑠 e 𝐾𝑚𝑝 = são, respectivamente, as constantes de Michaelis-Menten em relação
à glicose e à frutose.
No equilíbrio (𝑣 = 0) tem-se que:
𝑉𝑓 . 𝐾𝑚𝑝𝑉𝑟. 𝐾𝑚𝑠
=
(𝑃)𝑒𝑞
(𝑆)𝑒𝑞
= 𝐾𝑒𝑞
Substituindo a última equação na penúltima equação e rearranjando, tem-se:
𝑣 = {𝑉𝑓. [(𝑆) − (𝑆)𝑒𝑞]}/{(𝑆) + 𝐾𝑚𝑠. [1 + (𝑃)/𝐾𝑚𝑝]}
Da equação anterior fica evidenciada a ação inibitória competitiva do produto sobre
a GI. Ou seja, a velocidade inicial de isomerização depende do afastamento em relação
ao ponto de equilíbrio no qual o sistema se encontra.
A unidade de atividade para a GI é a "IGICU" ("Immobilized Glucoseisomerase
Column Unit"), definida como sendo a quantidade de sistema imobilizado que produz 1
micromol de frutose/min, sob condições de processo definidas.
A GI imobilizada é usada para converter um xarope de glicose 93-96% em HFCS,
sendo que a GI comercial é obtida de diferentes microrganismos.
Durante o estágio inicial da produção de HFCS, que remonta aos anos 60, ficou
claro que o emprego da GI solúvel requeria alta concentração de enzima ou longos tempos
de reação. Ambos os requisitos eram inaceitáveis, já que o tempo longo de reação
causava a formação de produtos colaterais indesejáveis (manose, cor, "off-flavors")
aumentando os custos de refino e o uso de solução concentrada de GI era dispendioso,
devido ao fato de a enzima ser intracelular e demandar, além do rompimento das células,
operações mais complexas de "downstream". Em consequência, o uso da GI imobilizada
foi o único caminho para tornar a isomerização exequível em escala industrial.
Demonstrou-se que o uso de um sistema de isomerização imobilizado apresentava
mais benefícios do que desvantagens. Por exemplo, o substrato usado para a produção
do HFCS é um fluido clarificado, refinado e de baixa viscosidade, que passa facilmente
através de um leito fixo. Além disso, tanto o substrato (glicose) como o produto (frutose)
são substâncias de baixo peso molecular, que se difundem com facilidade através dos
poros dos grânulos dos suportes usados na imobilização. Como a GI imobilizada possui
meia-vida entre 6 e 24 meses sob condições normais de processo, seu custo se reduz
significativamente. Estando a enzima imobilizada em concentração elevada e o processo
sendo contínuo, ocorre uma redução significativa no tempo de reação, com a consequente
baixa formação de produtos colaterais. A imobilização da GI segue um desses dois
processos:
a) Processo usando a célula total:
As células microbianas contendo a GI intracelular são recolhidas do caldo
fermentado, sendo, a seguir, tratadas adequadamente para reterem a enzima dentro da
célula. No processo, as células são concentradas por centrifugação, rompidas por
homogeneização, tratadas com glutaraldeído (para a formação de ligações cruzadas) e
floculadas com agente catiônico. O precipitado é filtrado, extrudado, seco e tamisado
(diâmetro das partículas: 300-1000 µm). Em outro tipo de processo, uma mistura de
células e gelatina é tratada com glutaraldeído, lavada e tamisada. Produtos celulares com
GI imobilizada são descartados após o uso e substituídos por material novo.
b) Processo usando enzima solúvel:
As células colhidas do caldo fermentado são rompidas para a liberação da GI. A
seguir, a enzima é recuperada por filtração/centrifugação e concentrada por ultrafiltração.
A enzima solúvel é, finalmente, ligada ao suporte. Em outro processo ainda, a GI é
recuperada por ultrafiltração e cristalização, sendo a seguir deixada em contato por 5 h
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com uma mistura (designada pela sigla CETIPO) constituída por DEAE-celulose, TiO2 e
poliestireno. No final, o material sólido é moído e tamisado (400-800 μm). Um modo
alternativo seria promover a adsorção de poliamina sobre alumina, a seguir, tratar com
glutaraldeído e adicionar a GI, que através de seus aminogrupos se liga aos grupos
carbonila do dialdeído. Em alguns casos, o suporte pode ser reaproveitado diversas
vezes, pela remoção da enzima residual com a introdução de nova carga de GI. Por
exemplo, a DEAE-celulose pode ser regenerada, lavando-se alternadamente com água e
com solução de NaOH (2%) até a remoção de toda a proteína e impurezas. Nova GI é,
então, ligada através de uma operação descontínua ou contínua, até reconstituir 95% da
atividade isomerásica inicial. Uma variante, seria adicionar a Gl periodicamente através
da corrente de alimentação do reator, sendo que a enzima vai se ligando ao suporte
(CETIPO), à medida que a isomerização transcorre. Esse procedimento é conhecido por
"on-column loading", apresenta como vantagens principais: o controle rigoroso da vazão
das colunas, facilidade de operação, baixo custo da isomerização e operação ininterrupta
por mais de dois anos. Nesse processo emprega-se GI concentrada (3500-4500 IGICU/g)
e o CETIPO usado possui as seguintes propriedades: incompressibilidade, volume
invariável e resistência a altas pressões operacionais. No "on-column loading" a solução
de substrato deve ter as seguintes especificações: glicose (94%, em base seca), matéria
seca (40-45%), condutividade (< 40 μS/cm), cálcio (< 1,5 ppm) e isenta de oxigênio
dissolvido.
Para otimizar a isomerização, devem ser mantidos sob controle os seguintes
parâmetros:
a) Pureza da solução substrato: o fluido de alimentação deve ser isento de material
insolúvel, que pode se acumular sobre as partículas do leito fixo, causando a inativação
da enzima e aumentando a pressão através da coluna. A passagem da solução substrato
por coluna de troca iônica é necessária para remover o Ca2+, que é um inibidor da GI, mas
que se encontra presente na solução de glicose, porque é usado como estabilizante da α-
amilase, usada nos estágios iniciais da hidrólise do amido, do qual provém o xarope de
glicose (XG) a ser isomerizado;
b) Sólidos solúveis: deve ser mantido em torno de 45%. Valores acima do referido,
causam aumento da viscosidade do XG, dificultando a difusão pelo leito fixo e provocando
queda no rendimento da isomerização. Valor inferior, no entanto, facilitaria a
contaminação microbiana;
c) Temperatura: é um parâmetro importante na otimização da produtividade e na
manutenção da vida útil da coluna. A faixa recomendável situa-se entre 55 e 61°C.
Temperatura mais baixa favorece a contaminação e temperatura mais alta, embora
estimule a atividade da GI, tende a reduzir a produtividade após longos períodos de
operação, devido à inativação da enzima. Recomenda-se o uso de temperatura alta
apenas quando se deseja um aumento de produtividade em curto espaço de tempo (por
exemplo, quando o desempenho do reator cai abaixo de um dado valor);
d) pH: embora dependa da origem da GI utilizada, a faixa considerada adequada
estaria entre 7,5 e 8,2. A atividade enzimática aumenta à medida que o pH aumenta, mas
a produtividade ao longo do tempo diminui como resultado da instabilidade da enzima,
quando exposta a um pH não favorável por longos períodos. O ideal seria manter o pH o
mais baixo possível, a fim de reduzir a formação de produtos colaterais e manter alta
produtividade. Pequenas quantidades de ácidos orgânicos são formados durante a
isomerização, devendo-se, portanto, ajustar o pH do XG com tampão de carbonato de
sódio;
e) Oxigênio: deve estar ausente no XG, para evitar a perda de atividade da GI
devido à oxidação dos resíduos de cisteína. Em geral, adiciona-se SO2 na concentração
entre 1-2 mM para contornar esse problema;
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f) Magnésio: a presença de Mg2+ é importante, pois é um ativador e estabilizador
da GI. Recomenda-se uma concentração de sal de magnésio entre 0,5 e 5 mM. Para
eliminar o efeito adverso causado pela presença de Ca2+,a quantidade de Mg2+ adicionada
é pelo menos 20 vezes maior. A GI é inibida pelos íons cobre, zinco, níquel, mercúrio e
prata;
g) Tempo de reação: a vazão de alimentação do reator (tempo de residência entre
0,5 e 5 h) é controlada de tal modo a obter um efluente com 42-45% de frutose (base
seca), ou seja, um pouco abaixo do valor da concentração de equilíbrio possível para esta
reação, visando não só reduzir o tempototal de processo, mas também, reduzir o possível
efeito inibitório da frutose sobre a GI imobilizada. Pela última que ação fica claro que [(S)
— (S)eq] > 0 implica que o processo seja direcionado no sentido glicose → frutose.
Todos os parâmetros do processo mencionado devem ser controlados ao mesmo
tempo, a fim de otimizar a conversão glicose/frutose. Caso um deles caia fora das faixas
recomendadas, uma queda temporária ou definitiva do desempenho do reator pode
acontecer. Redução temporária de produtividade pode resultar da variação moderada do
pH, diminuição da temperatura, aumento da concentração de sólidos, excesso de Ca2+
e/ou falta de Mg2+. Uma vez corrigido um ou mais desses problemas consegue-se
recuperar o desempenho do reator. Problemas sérios aparecem quando a temperatura
supera 65°C e o pH cai abaixo do valor mínimo (7,0) ou supera o valor máximo (8,2). A
principal desvantagem do reator tubular (coluna) é que vários meses de atividade
enzimática potencial podem ser perdidos, devido a flutuações indesejáveis do pH e da
temperatura.
No processo de isomerização observa-se que a atividade da GI imobilizada decai
exponencialmente com o tempo de operação, mesmo quando se usa um XG devidamente
tratado. Esse decaimento seria devido à desnaturação da enzima resultante das
oscilações da temperatura e/ou pH.
Se os parâmetros de reação são mantidos dentro dos limites recomendados pelo
fabricante, evidentemente a eficiência da operação será mantida por muitos meses, até
que a atividade da enzima seja reduzida a 10-20% da atividade inicial. Para manter
constante a concentração de frutose no efluente, a vazão de alimentação deve ser
compatível com a atividade enzimática real. Operando-se com um só reator, flutuações
amplas no teor de frutose do efluente são observadas. Para reduzir esse efeito, usam-se
vários reatores operados em série e/ou em paralelo, contendo GI imobilizada em atividade
por diferentes tempos. Por exemplo, com um conjunto de 8 reatores pode-se manter a
variação do fluxo do xarope efluente em torno de 13%.
O HFCS contendo 42% de frutose e 51-54% de glicose é tratado sucessivamente
com carvão ativo e resina trocadora de íons, para remover a cor, "off-flavors", sais e outras
impurezas. A seguir é concentrado até 70% de sólidos totais, sendo mantido entre 27°C
e 32°C, para evitar a cristalização da frutose.
Os xaropes contendo concentrações de frutose maiores que 42% são preparados,
passando-se o HFCS 42% (contendo 50% de sólidos totais em base seca) através de
adsorvente catiônico, onde a maior parte da frutose é retida. O eluato, constituído por 80-
90% de glicose, 5-10% de frutose e oligossacarídeos, é reciclado para os estágios de
sacarificação ou de isomerização. A frutose adsorvida é diluída com água, obtendo-se
uma solução contendo 80-90% de frutose e 7-19% de glicose. Essa solução enriquecida
em frutose é misturada com o HFCS a 42%, quando se deseja HFCS com teor de frutose
entre 45% e 85%, ou então, é concentrada para se obter a frutose na forma cristalizada.
Finalmente, as perspectivas de desenvolvimento no setor da produção de HFCS
poderão se dar no sentido de: (a) reduzir os custos da isomerização, através do
barateamento do preço da enzima, que deverá passar pelo melhoramento genético das
cepas produtoras de GI; (b) aumentar o rendimento em frutose, que poderia ser
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conseguido através do uso de GI termoestável (por exemplo, que resista à temperatura
de 90°C); (c) combinar os processos de liquefação, sacarificação e isomerização pelo uso
das enzimas correspondentes (α-amilase, glicoamilase e GI) numa única etapa; (d) usar
o HFCS como matéria-prima para a síntese do manitol, usando o Cu/sílica como
catalisador; (e) aperfeiçoar o processo da separação cromatográfica.