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AULA 1 PLANEJAMENTO URBANO Profª Michela Rossane Cavilha Scupino 2 INTRODUÇÃO Planejar, em linhas gerais, está associado a um determinado objetivo, a uma organização e estruturação para determinado fim. Entender as linhas gerais do processo histórico do planejamento urbano e como o Brasil se posiciona nesse contexto será relevante para o entendimento da organização espacial e as interfaces da cidade com a mobilidade, uso e ocupação do solo, entre outros elementos que compõe o território urbano. O planejamento urbano se ocupa de atividades relacionadas à pesquisa, planos setoriais, regulação e controle do uso do solo, e atividades tais como serviços (educação, saúde e segurança) e infraestrutura (redes de água, esgoto, pavimentação, transporte). Eminentemente multidisciplinar, o planejamento urbano acompanha a sociedade em diferentes momentos. TEMA 1 – HISTÓRICO DO PLANEJAMENTO URBANO A cidade enquanto espaço construído, bem como a sociedade que a constrói, passou por diferentes desenhos até os formatos atuais de assentamento urbano. 1.1 Histórico A cidade enquanto espaço social com determinada infraestrutura surge, conforme citam autores como Arruda (1993), da necessidade de segurança, convivência, permuta e alimentação acessível, levando os grupos humanos a deixarem o nomadismo para a fixação em locais específicos. Com o estabelecimento de técnicas de pastoreio e agricultura, passaram a organizar o espaço vivido, modificando seu meio ambiente (Arruda, 1993). A cidade nasce da aldeia, porém não apenas de seu crescimento, e sim a partir de quando os serviços já não são executados pelas pessoas que cultivam a terra, mas por outras que não têm esta obrigação, e que são mantidas pelas primeiras com o excedente do produto total. Nasce, assim, o contraste entre dois grupos sociais, dominantes e subalternos: os serviços já podem se desenvolver através da especialização, e a produção agrícola pode crescer utilizando estes serviços Benevolo (1993, p. 26). Assim, novas relações entre seus componentes sociais são estabelecidas. 3 Como exemplos da configuração de cidades, têm-se sítios arqueológicos como o de Jericó, localizado no vale do Jordão, região do mar Morto, entre Jerusalém e Amã, que é considerado o mais antigo do mundo (Abiko; Almeida, Barreiros, 1995). Segundo os autores, o “sítio de Jericó possuía uma área de 1,6 hectare, protegido por uma vala cortada na rocha e um muro de pedra com sólida torre circular. Existiam edifícios públicos e santuários em seu interior, alguns contendo estátuas de gesso”. Atualmente há um site interativo que retrata os principais fatos associados ao urbanismo em diferentes partes do mundo, acessível em <http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/>. 1.2 Conceitos Atualmente, o planejamento é pensado como algo complexo e abrangente, dada a multiplicidade de disciplinas envolvidas e suas interfaces físicas, biológicas, socioeconômicas e culturais. Souza (2006) ao expor sobre a democratização do planejamento expõe que planejar significa tentar prever a evolução de um fenômeno, explicitar intenções de ação, estabelecer metas e diretrizes. Ou, para dizer a mesma coisa de modo talvez mais direto: buscar simular os desdobramentos de um processo, com o objetivo de melhor se precaver contra prováveis problemas ou, inversamente, com o fito de melhor tirar partido de prováveis benefícios (Souza, 2006, p.149). Em consonância com o exposto acima, pode-se expor a fala de Ultramari (2009), na qual o planejamento urbano poderia estar vinculado “ao entendimento mais tradicional da cidade, ou seja, aquele que a planeja, que define como deverá ser seu futuro, quais os caminhos a seguir, as prioridades a adotar, os espaços a ocupar e a não ocupar, as obras a serem realizadas”. Ainda segundo o mesmo autor, ao buscar diferenciar urbanismo de planejamento urbano, indica que o primeiro estaria vinculado à técnica da engenharia e da arquitetura para a implementação do que é físico (a obra) e anteriormente determinado pelo planejamento (o plano) (Ultramari, 2009). A cidade como objeto e o urbano como fenômeno foi uma distinção conceitual proposta por Henri Lefebvre já nos anos 1960. Araujo (2012), ao discutir a obra de Lefebvre, destaca as definições extraídas da obra do filósofo francês, nas quais “urbano é a simultaneidade, a reunião, é uma forma social que se afirma” (Lefebvre citado por Araujo, 2012), enquanto a cidade “é um objeto 4 espacial que ocupa um lugar e uma situação” (Lefebvre citado por Araujo, 2012) ou “a projeção da sociedade sobre um local” (Lefebvre citado por Araujo, 2012). Assim o urbano poderia se configurar como conjunto construído sobre bases culturais, sociais e econômicas, cuja expressão física, responsável, inclusive, pela reprodução desse fenômeno, era a cidade (Ultramari, 2009). TEMA 2 – O PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL Nos tempos recentes, a Revolução Industrial é um marco para o pensar no urbano, na cidade. Tornou-se proeminente a necessidade de buscar soluções para os problemas provenientes da mudança, não só no formato de produção, mas nos padrões e relações estabelecidas até então com os recursos naturais e a sociedade. Além do aspecto sanitário vinculado às cidades, a urbanização acelerada, sem planejamento ou pouco planejada, com índices de qualidade de vida bastante baixos, incentivou a necessidade do planejamento urbano. A seguir são apresentados elementos para discussão do planejamento urbano no Brasil. 2.1 Marcos do planejamento urbano no Brasil Em se tratando do planejamento urbano no Brasil, Pires (2010) apresenta a periodização a partir de autores como Flávio Villaça e Ermínia Maricato, subdividindo-a em três grandes fases: 1875 a 1930 – este período se caracterizou pela influência do movimento das “Cidades Jardins”, com planos de melhoramentos e embelezamento, sendo aplicados em diferentes cidades brasileiras. Nesse contexto, cidades brasileiras sofreram surtos epidêmicos (Florianópolis, Santos, Rio de Janeiro etc.) experimentando mudanças estéticas e higiênico-sanitárias. 1930 a 1990 – período representado por investimentos em obras de infraestrutura, e também caracterizado pelo predomínio dos planos diretores e pelo discurso de planejamento. Intervenções urbanas foram marcadas pelo planejamento como técnica de base científica, indispensável para a solução dos chamados problemas urbanos (Pires, 2010). No inicio dos anos 70, houve uma relativa proliferação de Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado, representando instrumentos jurídicos de legitimação dos governos. Durante o regime militar no Brasil, 5 as políticas do nacional-desenvolvimentismo contribuíram para o grande crescimento da escala do planejamento territorial. 1990 até os dias atuais – representada pelo surgimento dos planos ou planejamentos estratégicos em oposição aos diretores. Com a democratização, o planejamento urbano passa a ser visto como um processo político (Pires, 2010). Problemas, como trânsito, violência, falta de esgoto e água tratada (saneamento básico), entre outros estão presentes desde os tempos mais remotos do planejamento. A participação social cada vez mais se torna elemento necessário na elaboração de políticas públicas, tendo como referencial inicial a Constituição Federal de 1988 e reforçado pelos diferentes instrumentos legais que fortalecem e legitimam as consultas públicas e a construção coletiva do planejamento. 2.2 Dados populacionais Analisando dados do IBGE que compilam estimativas da população brasileira por meio de censo realizado a cada 10 anos, observa-se que nas décadas de 1960-1970 há inversão dos quantitativos rurais para os urbanos. Em 2010, aproximadamente 70% da população residia em áreas urbanas. Figura 1 – População brasileira por situação de domicílio (1960 a 2010) Fonte: IBGE,2019. Nas décadas de 1970 e 1980, observa-se um intenso processo de êxodo rural associado em partes à mecanização da produção agrícola e à busca de oportunidades de trabalho nas cidades (Figura 2). O fenômeno da metropolização 0 50.000.000 100.000.000 150.000.000 200.000.000 Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural 1960 1970 1980 1991 2000 2010 h ab it an te s Ano - Censo BRASIL 6 se torna presente em centros como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, entre outros. Analisando as regiões individualmente, a região Sudeste apresenta os maiores percentuais de pessoas residindo em áreas urbanas (93%). Configura-se como a única a apresentar tais valores antes da década de 1960. Figura 2 – População por regiões por situação de domicílio (1960 a 2010) Fonte: IBGE, 2019. 2.3 Taxa de urbanização O percentual da população urbana em relação à população total de uma dada região representa a taxa de urbanização. No Brasil, segundo Moura, Oliveira e Pêgo (2018, p. 8), os perímetros urbanos são definidos por leis municipais, sob parâmetros singulares, o que tem gerado polêmicas acerca do que efetivamente é urbano. Tradicionalmente, urbanização é compreendida como o deslocamento da população das áreas rurais para as áreas urbanas, elevando o que se chama de grau de urbanização, ou seja, a proporção da população urbana sobre a população total do município. Ainda conforme os mesmos autores, “urbanização corresponde a um processo que promove a reorganização das bases econômica, social e política dos países, transformando os padrões de renda, consumo e produção, o exercício do poder e a própria percepção da identidade cultural e nacional a partir da perspectiva urbana”. Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural 1960 1970 1980 1991 2000 2010 Região Norte 1.041.21 1.888.79 1.784.22 2.404.09 3.398.89 3.368.35 5.931.56 4.325.69 9.002.96 3.890.59 11.664.5 4.199.94 Região Nordeste 7.680.68 14.748.1 11.980.9 16.694.1 17.959.6 17.459.5 25.753.3 16.716.8 32.929.3 14.763.9 38.821.2 14.260.7 Região Sudeste 17.818.6 13.244.3 29.347.1 10.984.7 43.550.6 9.029.86 55.149.4 7.511.26 65.441.5 6.855.83 74.696.1 5.668.23 Região Sul 4.469.10 7.423.00 7.434.19 9.249.35 12.153.9 7.226.15 16.392.7 5.724.31 20.306.5 4.783.24 23.260.8 4.125.99 Região Centro-Oeste 995.171 1.683.20 2.358.21 2.271.42 4.950.20 2.053.31 7.648.75 1.763.48 10.075.2 1.541.53 12.482.9 1.575.13 0 10.000.000 20.000.000 30.000.000 40.000.000 50.000.000 60.000.000 70.000.000 80.000.000 h ab it an te s Ano - Censo 7 A taxa de urbanização no Brasil em 2010 era de 84% (Figura 3), elevada pelas condições das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste (Figura 4). Figura 3 – Taxa de urbanização no Brasil de 1960 a 2010 Figura 4 – Evolução da densidade demográfica no Brasil de 1960 a 2010 Fonte: IBGE, 2019. As configurações espaciais da urbanização no Brasil se dão por uma rede de articulação e arranjos, conforme expõem Moura, Oliveira e Pêgo (2018): 1960 1970 1980 1991 2000 2010 BRASIL 45% 56% 68% 75% 81% 84% Região Norte 36% 43% 50% 58% 70% 74% Região Nordeste 34% 42% 51% 61% 69% 73% Região Sudeste 57% 73% 83% 88% 91% 93% Região Sul 38% 45% 63% 74% 81% 85% Região Centro-Oeste 37% 51% 71% 81% 87% 89% 0% 20% 40% 60% 80% 100% P e rc e n tu al Taxa de Urbanização 1872 1890 1900 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 BRASIL 1,17 1,68 2,05 3,60 4,84 6,10 8,34 11,10 14,23 17,26 19,92 22,43 Região Norte 0,09 0,12 0,18 0,37 0,42 0,53 0,76 1,09 1,76 2,66 3,35 4,12 Região Nordeste 2,99 3,86 4,34 7,24 9,29 11,57 14,43 18,45 22,79 27,33 30,69 34,15 Região Sudeste 4,34 6,60 8,46 14,77 19,84 24,39 33,60 43,62 56,87 67,77 78,20 86,92 Região Sul 1,25 2,48 3,12 6,14 9,95 13,61 20,64 28,95 33,63 38,38 43,54 48,58 Região Centro-Oeste 0,14 0,20 0,23 0,47 0,68 0,95 1,67 2,88 4,36 5,86 7,23 8,75 0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00 70,00 80,00 90,00 100,00 D e n si d ad e Evolução da Densidade Demográfica 8 A urbanização brasileira se apoia em uma rede de centros diversos, entre os quais se dá a convivência de povoados, pequenas cidades e cidades médias isoladas, com áreas de elevada concentração populacional em aglomerações urbanas de distintos portes e natureza. Algumas dessas se articulam entre si e configuram unidades expandidas e multipolarizadas, além de serem percebidas majoritariamente nas áreas onde predominam municípios em metropolização e fortemente urbanizados (Moura; Oliveira; Pêgo, 2018, p. 36). Figura 5 – Configuração espacial segundo regiões de articulação ampliada Fonte: Moura; Oliveira; Pêgo, 2018. TEMA 3 – O FENÔMENO URBANO (DIMENSÃO SOCIAL) O fenômeno urbano está pautado na dimensão social. Surge após a Revolução Industrial, a partir da qual a cidade passou a ser foco de estudos e atenção. É discutido sob diferentes óticas e conceitos. Ferreira (1970, p. 123) expõe que “a caracterização do fenômeno urbano, obtida através do estabelecimento e compreensão das características fundamentais definidoras dos agregados urbanos, tem de ser entendida, num primeiro momento, como uma descrição predominantemente sociológica e sincrônica da ‘realidade urbana’”. Já em 1916, autores como Parker expõem a cidade como sendo um estado de espírito, um corpo de costumes e tradições e dos sentimentos e atitudes organizados, inerentes a esses costumes e transmitidos por essa tradição. Em outras palavras, a cidade não é meramente um mecanismo físico e uma construção artificial. Está 9 envolvida nos processos vitais das pessoas que a compõem (Velho, 1967). Mais recentemente as cidades têm sido discutidas a partir da conjugação de “fenômenos físicos, químicos, biológicos, sociais e culturais estudados por diversas ciências e técnicas, como a geografia, as engenharias, a arquitetura, o urbanismo, a sociologia, a ciência política, a economia, o direito e a administração” (Pinto, 2017). Isso porque, de forma isolada, não há como abarcar a “realidade multifacetada da cidade, o que torna indispensável o diálogo e a busca de uma integração entre essas diversas abordagens” (Pinto, 2017). Essas interfaces e multidisciplinariedade são também expostas por Latouche (1994, p.73) ao retratar que “o crescimento demográfico, o sistema político, as estratégias econômicas, as catástrofes naturais, o sistema educativo, as telecomunicações e as miragens das vitrines” contribuem para acelerar o processo de urbanização. Ao mesmo tempo em que no espaço urbano ocorre a produção, a comercialização, os investimentos e as transações que configuram a dinâmica da circulação do dinheiro sobre o território, são desenvolvidas as ações dos agentes atuam no e com o espaço (Santos, 2006). Suas ações envolvem processos sociais, como o uso, a apropriação, a construção de significados. TEMA 4 – PLANEJAMENTO URBANO E A DIMENSÃO AMBIENTAL A dimensão ambiental está cada vez mais presente no planejamento urbano. Conforme expõem Lima e Mendonça (2001), a “cidade atingiu papel determinante no mundo contemporâneo. Segundo Choay (1985), a cultura ocidental, ao aprofundar o conhecimento de si e de suas realizações, percebe a cidade como seu símbolo mais eloquente”. Nessa eloquência, pode-se inferir que a dimensão ambiental interfere diretamente na dinâmica da cidade e vice-versa. Os mesmos autores supracitados expõem uma série de falas de outros autores, nas quais é possível observar a multidisciplinariedade no espaço urbano incluindo a dimensão ambiental. Conforme Santos (1994), nas novas conformações da urbanização (Sposito, 1999, p. 86) da contemporaneidade, a cidade incorpora representações diferenciadas, materiais ou não: internamente, na fragmentação do tecido e morfologia urbana e, externamente, pela extrapolação dos limites físicos por meio do fluxo da comunicação mediatizada nos âmbitos nacional e internacional.O espaço urbano globalizado é marcado por relações sociais, econômicas e culturais em constante e acelerada mutação (Santos, 1994). A par desses processos, também a questão relativa ao meio ambiente é evidenciada pela degradação socioambiental generalizada. 10 Paralelamente à aceleração do consumo do solo metropolitano e à consequente degradação ambiental, vem se configurando, há cerca de duzentos anos, o Planejamento Ambiental, em resposta a situações urbanas de crise provenientes do ambiente urbano da Revolução Industrial e tendências já materializadas na cidade barroca, como observa Franco (2000), ao serem derrubados os limites da cidade medieval, propiciando a prevalência dos interesses empresariais, que valorizaram o traçado geométrico e a perspectiva horizontal das grandes avenidas, em detrimento da malha urbana que favorecia a integração social. O Planejamento Ambiental recupera a razão social da cidade, ao se caracterizar pela abordagem conjunta dos elementos do ambiente, pois assume que poucos processos se desenvolvam isoladamente (Lima e Mendonça, 2001). Um exemplo da dimensão ambiental é trazido por Denaldi e Ferrara (2018), ao tratar sobre a urbanização de favelas. Os autores retratam que parcela da população residente em favelas ocupa territórios ambientalmente sensíveis e protegidos por lei, reforçando que a formação de favelas constituiu-se historicamente no processo de urbanização brasileiro, assumindo características locais ou regionais, como parte da formação de cidades desiguais, ou seja, moradias com boa qualidade e infraestruturas urbanas não se distribuem equitativamente no território, concentrando-se nas áreas com elevado preço da terra e onde vive a população de maior renda (Denaldi; Ferrara, 2018). É importante pensar o planejamento como inclusivo de todas as dimensões factíveis. Isto exige adotar princípios amplos, de cunho socioambiental, como os privilegiados pela “Agenda 21”. Segundo o MMA, a Agenda 21 pode ser definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica, que aborda as dimensões sociais e econômicas, a conservação e o gerenciamento dos recursos para desenvolvimento o fortalecimento do papel dos grupos principais, como a infância e a mulher (MMA, s. d.). Para o urbano, é um guia para a articulação de diferentes políticas e pensar sobre as dimensões que interagem entre si. Em uma perspectiva municipal de incorporação da dimensão ambiental, tem-se o zoneamento Ambiental Municipal (MMA, 2012), que está alinhado aos instrumentos da política urbana previstos no Estatuto da Cidade e na Política Nacional de Meio Ambiente. Segundo a mesma fonte, foi criado como resposta a uma série de demandas de planejamento ambiental urbano, buscando subsidiar o ordenamento do uso e ocupação do solo, especialmente advindos do processo de implementação dos Planos Diretores municipais aportando a dimensão ambiental, na sua plenitude de planejamento, gestão e implementação (MMA, 2012). 11 A salvaguarda dos recursos naturais está em consonância com a Meta 11, que trata das “Cidades e Comunidades Sustentáveis”, prevista nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos no âmbito das Nações Unidas (MMA, 2012). Nesse contexto de sustentabilidade, as dimensões ambiental e urbana são indissociáveis. Como exemplos da inter-relação, tem-se as áreas verdes urbanas, a existência de áreas de mananciais, a poluição sonora, atmosférica e do solo, entre outros fatores que contribuem com a sustentabilidade. Por vezes a dimensão ambiental impõe ao planejamento urbano ações de um “alcance territorial que ultrapassa a capacidade de ação de um município isolado, trazendo a necessidade de uma articulação urbano-regional” (Farah, 2003; Carter, 2005 citados por Peres; Silva, 2010). Temas como recursos hídricos, saneamento ambiental (envolvendo abastecimento de água, resíduos sólidos, esgotamento sanitário e drenagem), conservação de áreas verdes e arborização urbana estão presentes nas discussões do planejamento (Peres; Silva, 2010). TEMA 5 – TRANSFORMAÇÕES URBANAS: DESAFIOS ATUAIS Atualmente, o planejamento urbano perfaz uma série de desafios que somente serão resolvidos via multidisciplinariedade. Diferentes conceitos e agendas estão cada vez mais presentes, como é o caso das cidades sustentáveis, cidades inteligentes, diferentes planos criados por instrumentos legais específicos (Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, Plano de Conservação da Biodiversidade, Plano de Gerenciamento de Resíduos, Plano Diretor, Plano Estratégico, Plano de Bacia Hidrográfica entre outros). Ainda que necessários, por vezes, essa quantidade de planos dificulta sobremaneira a compatibilização de todos os temas. Além dos planos, há ainda uma série de agendas a serem cumpridas, como a Agenda 21, a Agenda Climática e outras. Um exemplo de município que congrega todos esses planos é Toledo, no interior do Paraná. O município elaborou recentemente seus Planos de Biodiversidade, de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, de Recursos Hídricos, Plano Municipal de Saneamento Básico, Plano de Arborização, além de atualizar seu Plano Diretor com diretrizes até 2050. Além desses instrumentos, a cidade compõe o grupo de cidades sustentáveis com índices e metas arrojadas para um futuro próximo, com foco na melhoria da qualidade de vida e ambiental. 12 Os recursos provêm de financiamentos junto a instituições como a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e das compensações ambientais, além dos recursos da própria prefeitura e de parcerias estabelecidas, como a com Itaipu, para o projeto de conservação das nascentes. Em todos os contextos inseridos na rede de planos e projetos municipais de Toledo, observa-se a preocupação com atualidades como a mobilidade urbana com a criação de ciclovias projetadas e a adaptação as mudanças climáticas. Esse exemplo de município que caminha para um futuro estruturado em metas e indicadores não é o que comumente se vê no Brasil. Autores como Rolnik (2014) apontam desafios que estão enraizados desde os princípios do planejamento urbano ou da formação das cidades. Figura 6 – Desafios para se mudar a cidade Fonte: Adaptado de Rolnik (2014). A mesma autora afirma que não existe cidade que funcione quando suas qualidades são privilégios de poucos e as maiorias são condenadas a viver em ‘puxadinhos de cidade’. A verdadeira reforma urbana pressupõe a extensão do direito à cidade para todos, concluindo um processo de democratização que ainda não ocorreu no território urbano brasileiro (Rolnik, 2014). Um dos maiores desafios é então projetar, influenciar e planejar espaços urbanos que conectem pessoas, bens e oportunidades. O World Resources Institute (WRI) Brasil apresenta ações de cunho atual e agregadoras aos desafios enfrentados pelas cidades. Um exemplo é o projeto Cities4Forest, que Desafio federativo •Administração do território - município/esta do/União-não dá conta da diversidade de realidades urbanas Desafio do financiamento •Dificuldade em possuir fontes estáveis e permanentes de financiamento da expansão e transformação urbana Desafio do planejamento de longo prazo •Transformaçõe s urbanas são processos longos, que envolvem no mínimo 15 anos para se consolidar Superação do controle da política urbana •“Negócios urbanos”: empreiteiras, concessionárias de serviços de transporte e coleta de lixo, incorporadores e loteadores, embora sejam atores importantes no desenvolviment o das cidades Desafio da construção do que é público •Vida urbana tem essencialmente uma dimensão pública e, nas cidades, os espaços e serviços públicos deveriam ser elementos estruturadore•propriedade coletiva 13 proporciona às cidades benefícios por meio de conhecimento técnico para lidar com o desafio de preservar e gerir as florestas urbanas (WRI). No Brasil algumas cidades estão inseridas no contexto do projeto, tais como Belo Horizonte, Campinas, Salvador e São Paulo. Figura 7 – Valor das Florestas em diferentes contextos e associação com os ODS Fonte: Cities4Forests, (s. d.). Atualmente, as cidades são as plataformas para mudanças globais e locais no século XXI. Paisagens urbanas são os espaços de convergência de economias, culturas, sistemas políticos e ecológicos. Ambientes construídos e ecologias naturais tornaram-se a infraestrutura da sociedade do século 21, moldando encontros, assimilação, resistência e inovação. A urbanização passiva (ou “espontânea”) como modelo provou ser insustentável (UN-Habitat, 2016). 14 REFERÊNCIAS ABIKO, A., ALMEIDA, M., BARREIROS, M. Urbanismo: história e desenvolvimento. 1995. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4405055/mod_resource/content/2/urba nismo-historiaedesenvolvimento.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2019. ARAUJO, J. A. Sobre a cidade e o urbano em Henri Léfèbvre. 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