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EPISTEMOLOGIA GENÉTICA Prof. Adjuto de Eudes Fabri AULA 6 2 INTRODUÇÃO A tomada de consciência envolvia um debate superficial, em que se considerava apenas a percepção da realidade, sem alterá-la. A questão de como o processo ocorria não era abordada de modo adequado. Piaget (1978) buscou definir o processo de tomada de consciência e destacou como ela se processava. Em seu entendimento, a tomada de consciência faz com que a abstração refletida se torne abstração reflexionante e envolve a interação do sujeito com o objeto. Para ele (1978), a tomada de consciência está relacionada às condutas e às operações, pois o modo como o processo ocorre tem por base a conceituação. Ou seja, desde os primeiros dias de vida, a criança vai formando conceitos iniciais sobre a realidade e, ao longo do tempo, chega a um processo mais elaborado, que culmina nas operações formais, com conceitos aprofundados sobre a realidade. Piaget (1994, p. 23) também destaca questões relacionadas à moralidade. Para ele, “toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras”. Em suas investigações, Piaget (1994) estudou a formação do juízo moral, observando como a criança se adapta às regras e como entende a regra de acordo com seu desenvolvimento cognitivo, implicando em uma ação considerada adequada no seu meio social. TEMA 1 – TOMADA DE CONSCIÊNCIA A epistemologia genética se dedica ao estudo da tomada de consciência, destacando o estudo do processo de como ela ocorre. Piaget (1977) salientou que: Os psicólogos interessaram-se, sobretudo, por saber em que ocasiões há ou não tomada de consciência, mas negligenciaram demasiadamente a outra questão, que lhe é complementar e consiste em estabelecer “como” ela se processa. Disto deveremos ocupar-nos com o mesmo empenho. (Piaget, 1977, p.11) Piaget (1977) considerava que o estudo sobre a tomada de consciência era uma área de investigação pouco conhecida; porém, era uma área que poderia 3 propiciar uma ampliação do conhecimento, em especial para a Psicologia e para a Epistemologia Genética. As análises sobre a tomada de consciência foram desdobradas por Piaget (1977; 1978) especialmente em dois livros: A tomada de consciência e Fazer e compreender. Em A tomada de consciência, Piaget (1977) desenvolveu atividades em que crianças obtiveram êxito prático nos experimentos. Todavia, elas não apresentavam domínio conceitual para explicar como chegaram ao resultado. À medida que as crianças amadureciam, pouco a pouco passavam a entender o experimento, ampliando o domínio conceitual. O entendimento da complexidade que envolvia as atividades teve as melhores análises no período operatório- formal, com plena tomada de consciência. No livro Fazer e compreender, Piaget (1978) destaca o processo em que a tomada de consciência implica na consciência da ação, ou seja, a criança atinge um nível de conceitos que influencia sua própria ação, justamente pelo domínio do processo cognitivo em que a ação é planejada com antecedência. Assim, a tomada de consciência se torna um processo que nutre a si mesmo, implicando em um domínio de conceitos, que faz com que surja um novo esquema embasado nas ações anteriores. 1.1 Tomada de consciência e conceituação Piaget (1977) estudou o modo como a tomada de consciência ocorre, destacando que ela é um produto da conceituação. Tomada é entendida como construção do conceito e consciência como o domínio do conceito. A criança interage com o mundo e vai construindo conceitos em seus vínculos, desde o estágio sensório-motor. À medida que se depara com novos problemas, ela vai reelaborando sua compreensão do mundo até atingir o estágio operatório-formal. Todo esse caminhar demonstra que a consciência não é um todo pensado, porém é um processo que se nutre a partir das descobertas anteriores e que possibilita a sistematização e organização do planejamento. Piaget (1977) aborda o tema do inconsciente como um processo que orienta a tomada de consciência em direção a uma elaboração adequada dos fenômenos que ocorrem na realidade, pois são necessárias reconstruções constantes nos conceitos. Nesse processo, a finalidade é alcançar o estágio operatório-formal que possibilite à criança, ao jovem, a conquista de sua evolução 4 mental, que é inconsciente quando o sujeito não tem domínio do pensamento hipotético-dedutivo. Assim, ação e reflexão convivem com os processos inconscientes, que, ao serem compreendidos, demonstram o grau de consciência por parte da criança, na formação de esquemas e domínio da conceituação. A tomada de consciência leva em conta um sujeito ativo e que estabelece ações intencionais em sua realidade, transformando a própria compreensão do mundo a partir de suas escolhas. Esse processo de regulação ativa implica nas ações da criança em relação a sua intencionalidade, escolhendo contextos que melhor chamam a sua atenção e que se tornam fundamentais para a tomada de consciência. 1.2 Tomada de consciência e o estágio operatório-formal Ao acompanhar as atividades infantis Piaget (1977) percebeu que as ações motoras são predominantes nos estágios sensório-motor, pré-operatório e operatório-concreto; sendo que a conceituação se destaca no estágio operatório- formal. Por volta dos 12 anos, os jovens passam a realizar ações mentais que implicam em planejamentos para o exercício das ações motoras. Desse modo, os jovens fazem uso do pensamento hipotético-dedutivo e apresentam um ganho qualitativo na análise dos fenômenos a sua volta. A tomada de consciência implica no reconhecimento de um problema e o domínio de experiência para agir diante dele. No estágio operatório-formal, o jovem age de modo bem-sucedido em seu processo cognitivo, pois, ao pensar sobre um problema, ele foge do automatismo (com predomínio dos processos inconscientes) e passa a elaborar caminhos de análise, o que possibilita a tomada de consciência sobre a realidade. O estágio operatório-formal implica na regulação ativa por parte do sujeito em relação à sua intencionalidade e escolhas, fazendo com que a tomada de consciência se torne um processo comum de análise, sendo reelaborada diante de novos problemas. 5 1.3 A tomada de consciência e fazer e compreender No livro A tomada de consciência, Piaget (1977) apresentou diversas experiências que tinham como finalidade entender o processo que envolve a tomada de consciência por parte das crianças, bem como suas razões funcionais. Durante os experimentos, as crianças com domínio locomotor eram solicitadas a realizar tarefas simples, como engatinhar, e faziam a tarefa de modo adequado. Todavia, quando se solicitava a elas que explicassem o que acabaram de fazer, elas não respondiam em acordo com a ação executada. Nos estágios anteriores ao operatório-formal, Piaget (1977) destacou que há uma dificuldade nos processos reflexionantes, que inviabilizam uma explicação adequada e abstrata em relação à tarefa realizada. Já os jovens apresentam uma maior elaboração e precisão em relação ao comportamento de engatinhar, demonstrando o domínio consciente de suas ações. Já no livro Fazer e compreender, Piaget (1978) continuou com atividades que apresentavam certas dificuldades de execução, em que as crianças, ao realizarem a tarefa, não obtinham uma resposta adequada de imediato. A finalidade do livro foi estudar analogias e diferenças em relação à ação e à conceituação, caracterizando os aspectos positivos e negativos. Foram apresentadas às crianças 12 atividades, em todas elas o pesquisador fazia perguntas com o objetivo de entender cada ação realizada para resolução do problema, independentemente de a ação ser correta ou incorreta. O que pôde ser observado é que as crianças passavam a explicarsuas ações com base na causalidade e no pensamento lógico-matemático, o que implicava na tomada de consciência em relação à atividade realizada, com a ação (ação motora) e a reflexão (ação mental) trabalhando juntas. TEMA 2 – O MECANISMO DA TOMADA DE CONSCIÊNCIA O mecanismo para a tomada de consciência é um processo que se reconstrói diante de novos problemas e é gradativo, até que o sujeito chegue a uma conceituação. A tomada de consciência molda esquemas de ação, que, por sua vez, transformam-se em conceitos, formando a conceituação. Assim, a passagem da ação para a conceituação implica na tomada de consciência. 6 2.1 A tomada de consciência e seus níveis Piaget (1977) elaborou três níveis para a tomada de consciência, considerando que essa construção é um processo e não algo que ocorre de modo repentino e sem articulação com o problema a ser resolvido. No primeiro nível, a motivação e os meios utilizados para a resolução de um problema são inconscientes. Contudo, como a criança ao agir estabelece um objetivo, a ação não é inconsciente em sua totalidade e há a busca por um resultado para a tarefa. Além disso, a ação, independentemente do resultado, não leva em conta a conceituação. A tomada de consciência, no segundo nível, está associada à ação. É uma consciência que ainda está se formando e que é dependente do objeto, a fim de que possam explicar os caminhos para que a ação seja realizada. Ou seja, a conceituação não define a ação, ela é dependente tanto da ação quanto do objeto para que a tarefa seja executada. Já o terceiro nível tem como característica a independência da conceituação em relação à ação e ao objeto. O processo na resolução de uma tarefa é cognitivo e o sujeito racionaliza suas decisões antes mesmo de agir. A tomada de consciência antecipa as ações a serem realizadas e o sujeito estabelece um planejamento para a resolução do problema. 2.2 O processo periférico e a tomada de consciência Piaget (1977) denominou de ponto periférico o processo que envolve a interação entre o sujeito e o objeto, pois: A tomada de consciência parte da parte da periferia (objetivos e resultados), orienta-se para as regiões centrais da ação quando procura alcançar o mecanismo interno desta: reconhecimento dos meios empregados, motivos de sua escolha ou de sua modificação durante a experiência. (Piaget, 1977, p.198) Dessa forma, a interação (ponto periférico) colabora com a tomada de consciência, gerando os mecanismos que envolvem a criança em suas ações para compreender o objeto. As ações da criança e suas características intrínsecas embasam o interesse e a curiosidade para a resolução de um problema não mais de modo superficial, pois agora ela está focada nos objetivos da ação e nos resultados que pode obter a partir dessa ação. 7 Piaget (1977) caracterizou o processo periférico como as ações e reações que a criança apresenta quando se depara com um objeto ou problema, gerando um mecanismo que orienta sua atividade e que vai constituindo a tomada de consciência, o que implica no domínio dos meios utilizados para o alcance de uma resposta, os motivos que orientam a escolha da alternativa mais adequada e as transformações cognitivas em busca de novos caminhos para a solução do problema. 2.3 Tomada de consciência e correções cognitivas A tomada de consciência orienta o sujeito inclusive na compreensão de uma resposta que não satisfaz ao problema, pois gera um mecanismo perceptivo de que o caminho seguido não é consistente em relação à elaboração proposta. Ao perceber a inconsistência, o sujeito reorganiza seu processo mental para entender por que seguiu aquela rota e reelabora uma ou mais alternativas em busca de solucionar o problema. Piaget (1977) destacou que: A partir do dado de observação relativo ao objeto (resultado falho), o sujeito vai, portanto, procurar os pontos em que houve falha da adaptação do esquema ao objeto; e, a partir do dado de observação relativo à ação (sua finalidade ou direção global), ele vai concentrar a atenção nos meios empregados em suas correções ou eventuais substituições. (Piaget, 1977, p.199). Esse processo implica em um ir e vir constante nas ações do sujeito em relação ao objeto, gerando mecanismos internos da ação mental que propiciam a tomada de consciência. O produto das ações que envolvem a tomada de consciência é a conceituação, que gera mudanças de rota para que novas respostas possam ser apresentadas diante das estruturas cognitivas já formadas, ampliando a interação do sujeito com seu ambiente. A conceituação orienta as correções cognitivas, embora a ênfase piagetiana não seja na resposta correta, mas na capacidade do sujeito se reorientar em direção à análise de um fenômeno, podendo perceber que o caminho seguido estava incorreto. Ou seja, a tomada de consciência necessita de uma revisão constante das respostas empregadas, para que se possam construir conceitos adequados ao problema, o que exige o uso frequente do pensamento lógico-matemático. 8 TEMA 3 – TOMADA DE CONSCIÊNCIA: PROCESSO A tomada de consciência é um processo em construção que se estabelece na conceituação, que, por sua vez, se renova diante da complexidade de um problema. A conceituação gera a representação da realidade, que é interiorizada a partir da interação do sujeito com o objeto. Nesse processo, a tomada de consciência revela o modo como a ação se torna uma representação, que reelabora a conceituação. De acordo com Piaget (1995), uma consciência elementar implica em uma ação imediata; já uma consciência construída nos processos de conceituação gera a necessidade dos processos cognitivos para a resolução de um problema e está embasada na abstração reflexionante e nos processos de representação da realidade. 3.1 Tomada de consciência: sujeito e objeto A tomada de consciência passa por dois processos: o primeiro está relacionado às ações da criança e o modo como ela faz para resolver um problema; e o segundo está relacionado às propriedades do objeto. Nesse contexto de interação, a criança vai compreendendo o seu modo de agir e, ao mesmo tempo, as particularidades do objeto. Ocorre uma troca regular e contínua de informações no âmbito sensorial e perceptivo que vai organizando as ações e a busca pela solução de um problema. Piaget destacou que: Os conhecimentos derivam da ação, não no sentido de meras respostas associativas, mas no sentido muito mais profundo da associação do real com as coordenações necessárias e gerais da ação. Conhecer um objeto é agir sobre ele e transformá-lo, apreendendo os mecanismos dessa transformação vinculados com as ações transformadoras. (Piaget, 1970, p. 30) O conhecimento que implica na tomada de consciência ocorre nas ações que a criança organiza e estabelece para (re)conhecer o objeto e a experiência que ela passou a ter com ele, transformando a ação motora em uma ação mental (abstrata). De acordo com Piaget (1995), à medida que a criança age regularmente com o objeto, ela avança em seu período de desenvolvimento cognitivo e, quando 9 atingir o estágio operatório-formal, ela fará uso da abstração reflexionante como característica de planejar a ação que irá realizar diante do objeto. Assim, a tomada de consciência não se estabelece de modo direto nos primeiros estágios de desenvolvimento da criança; entretanto, ao interagir com diferentes objetos e diferentes problemas, ela vai ganhando experiência e acumulando percepções de como agir. A plenitude do processo se dá quando o agora jovem alcança o estágio operatório-formal e começa a trabalhar com o pensamento lógico-dedutivo, realizando, no plano mental, as ações que irão dirigir a resolução dos problemas. 3.2 Tomada de consciência: significação A epistemologia genética estuda o conceito de significação e sua relação com atomada de consciência por parte do sujeito. Ela parte do pressuposto de que a significação se caracteriza por três aspectos: significado, significante e referente. O significado está relacionado ao conteúdo, o significante à forma e o referente ao objeto. A significação tem relação com os aspectos emocionais e afetivos, bem como cognitivos. No âmbito emocional e afetivo, envolve necessidades, desejos e interesses; no âmbito cognitivo, tem por base o domínio conceitual, cognitivo e perceptivo. O processo de tomada de consciência envolve o domínio de significação, que possibilita a compreensão de um problema e os caminhos possíveis para a sua solução. Assim, quanto maior o domínio consciente de uma situação, maior será o domínio de significação, o que faz com que o jovem trabalhe dentro de princípios lógico-matemáticos, que são base para a construção do pensamento científico. 3.3 Tomada de consciência: conceituação Quando a criança age diante de um objeto com ausência de conceituação, a ação é intuitiva e sua compreensão não implica em tomada de consciência. Ou seja, é a conceituação que possibilita a compreensão de um fenômeno ou objeto. Quando se atua em um nível abstrato, a conceituação age produzindo o reconhecimento de uma situação que representa a realidade. Contudo, quando a 10 ênfase está na execução de tarefas, o que se tem é o predomínio da ação motora, que faz com que a criança aja de modo intuitivo. A conceituação envolve tanto afirmações como negações para a elaboração de um problema. Na tomada de consciência, as afirmações implicam em um comportamento do sujeito destacando as características do que é o objeto. Já as negações em relação a um problema dificilmente são destacadas pelos aspectos do que não é o objeto em questão. De modo geral, as pessoas, ao explicarem um problema, tendem a valorizar as afirmações, deixando de lado os aspectos negativos do problema. Entretanto, a conceituação deve levar em conta os dois aspectos para que o processo lógico-matemático se estabeleça com profundidade. Para serem transformadas continuamente, as ações dependem da conceituação, pois quando o sujeito aplica um conceito para a ação que realiza, isso implica em uma modificação da ação, que se renova e dá maior qualidade ao processo cognitivo e à tomada de consciência. TEMA 4 – A QUESTÃO DA MORALIDADE Em seus estudos sobre a moralidade, Piaget (1994) buscou entender e caracterizar o processo de prática das regras, investigando como a maturidade vai guiando as ações da criança, que avança no domínio das regras e vai produzindo juízos de valor em relação às tarefas propostas. Piaget (1995) caracterizou a construção da moralidade por meio de atividades que envolviam a resolução de problemas com o uso de um jogo de bolinhas. Inicialmente, foi solicitado às crianças que explicassem o jogo e que ensinassem como ele deveria ser jogado, e o que predominou, nesse momento, foi a prática das regras. Assim, para explicar esse processo de prática das regras, Piaget (1995) estabeleceu quatro estágios que envolvem a construção da moralidade nas crianças: motor, egocêntrico, cooperação nascente e consciência das regras. 4.1 Estágio da prática de regras: motor Este estágio percorre o período do nascimento aos 2 anos. Piaget (1994) o define como motor, pois são ações motrizes que predominam nesse período, em que a criança os apresenta em forma de esquemas ritualizados. 11 Em suas ações, a criança não estabelece sequências organizadas e a direção delas é aleatória. Ela pode utilizar um objeto em diferentes situações e definir o uso em acordo com sua intencionalidade, sem que haja um domínio de regras para orientar o desenvolvimento da tarefa. Especialmente ao final do primeiro ano, surge o jogo simbólico, com predomínio de ações individualizadas. Quando a criança repete movimentos em suas atividades que, independentemente do resultado, estabelecem um padrão, ela transforma suas ações em ritos assimilados e acomodados em um novo sistema de regras. 4.2 Estágio da prática de regras: egocêntrico O estágio egocêntrico gira em torno de 2 a 5 anos e se refere à dificuldade que a criança tem em reconhecer o ponto de vista de outra pessoa, pois ela está voltada para si mesma na compreensão de um objeto ou de um problema. Entretanto, a criança começa a apresentar interação entre seu comportamento individualizado com as condutas sociais, o que faz com que ela preste atenção às regras construídas socialmente para a resolução de uma tarefa, mesmo ainda tendo dificuldades de entender o ponto de vista do outro. Quando participa de uma atividade, a criança ainda está sob a influência do estágio motor e, ao mesmo tempo, das influências de regras sociais, o que implica em um comportamento de realizar uma atividade em que se usa a lógica individual sem reconhecer as contribuições de outra criança que realiza a mesma ação. Tal contexto levou Piaget (1994) a denominá-lo de egocêntrico, pois a criança faz uso de regras em conformidade com suas intenções, desconsiderando qualquer influência externa. Piaget (1994) destacou que, nesse estágio, surgem os monólogos coletivos, em que as crianças, mesmo estando em um grupo, falam individualmente consigo mesmas e agem para resolver os problemas em conformidade com o que compreendem sobre as regras. Esse processo gera um comportamento em que elas replicam as regras sociais; contudo, o uso das regras é particular e individual. 12 4.3 Estágio da prática de regras: cooperação nascente Este estágio ocorre a partir de 7 ou 8 anos e é caracterizado pelo domínio das regras sociais e pela cooperação em tarefas em que se busca uma compreensão compartilhada. A criança amplia seu comportamento imitativo das regras, observando o modo como as outras pessoas agem para alcançar seu objetivo na resolução de um problema. Ela também busca o diálogo para entender a lógica que foi adotada, mesmo que tenha dificuldades de compreender de modo abstrato a complexidade que envolvem as regras aplicadas na atividade. Pouco a pouco, os comportamentos cooperativos começam a predominar e vão auxiliando os processos cognitivos, fazendo com que a criança passe a pensar sobre a regra, questionando-a e redefinindo-a em conformidade com o espaço social com o qual convive. No final desse estágio, há o predomínio das regras sociais e a criança procura aplicá-las em conformidade com o contexto. Todavia, ela ainda não atingiu o pensamento lógico-matemático e a consciência sobre as regras. 4.4 Estágio da prática de regras: codificação das regras Neste estágio, o jovem a partir dos 11 e 12 anos passa a se interessar pelo entendimento das regras e procura debatê-las para uma melhor compreensão. Ele troca informações e incorpora os modos de ação adequados na solução de um problema com uso da lógica e do pensamento formal. O jovem age em concordância com as regras que codifica em seu meio, busca realizar um caminho explicativo quando elabora uma tarefa e passa a dominar a complexidade conceitual das regras para agir de modo adequado em sua realidade social. Assim, a codificação das regras possibilita a autonomia do jovem em relação ao modo de construir estratégias e planejamentos diante de um problema, bem como o orienta no sentido de cooperar e compartilhar a produção do conhecimento. TEMA 5 – CONSCIÊNCIA DAS REGRAS Em continuação e aprofundamento de seus estudos sobre a moralidade, Piaget (1994) investigou como o sujeito entende e tem consciência das regras e 13 das obrigações geradas por elas em seus comportamentos. Foi considerado também o processo de maturidade que orienta o sujeito em análises que envolvem o juízo moral e o juízo de valor em relação às tarefas propostas. Fazendo uso do mesmo jogo de bolinhas, Piaget (1995) problematizou sua investigaçãosolicitando que as crianças inventassem uma regra exclusivamente nova para o jogo, destacando, nesse processo, o domínio de consciência das regras. Nessa construção de consciência das regras, Piaget (1995) também explicou o processo por meio de três estágios: anomia, heteronomia e autonomia. 5.1 Anomia Durante o estágio da anomia, a criança faz uso de ritos motores e age por agir, sem propósitos, e a ação é de modo aleatório em relação às regras sociais. As regras surgem e desaparecem de acordo com as necessidades da criança e apresentam um predomínio da invenção e do prazer. A criança age individualmente e forma hábitos relacionados às regras, não levando em conta as orientações para a execução da tarefa. A anomia, que implica em ações sem regras organizadas, convive em um ambiente em que o adulto impõe regras para a criança. Todavia, ela não tem o domínio da compreensão do que motiva essas regras e age em conformidade com seu próprio entendimento. Mesmo que a criança não se dê conta, as regras estão no seu cotidiano, como os horários das refeições, dos banhos e do sono, por exemplo. Ela vai reagindo a cada situação e, com o tempo, passa a se adaptar ao modo como as regras são impostas. Piaget (1994, p.52) destacou que “o sentimento de obrigação só aparece quando a criança aceita imposições de pessoas pelas quais demonstra respeito”. 5.2 Heteronomia A heteronomia tem por base a influência do outro na formação de regras por parte da criança e ela tende a realizar com frequência a imitação de comportamentos. Quando é proposto um problema à criança, ela procura agir em conformidade com as regras orientadas para a boa execução da tarefa e passa a 14 ter consciência do papel que as regras possuem para o desdobramento das ações. Mesmo tendo consciência das regras, a criança ainda as entende como imutáveis e considera que esse é um critério para sua validade, que está atrelada à autoridade do adulto. Piaget (1994, p. 58) destacou que “no tocante às regras morais, a criança intencionalmente se submete, mais ou menos por completo, às regras prescritas”. A autoridade gera na criança a condição de que quem estabelece a regra, domina a situação e sabe agir de modo adequado e, assim, acaba por aceitar o caminho que foi definido. Posteriormente, ela replica essa ação em relação a outras crianças e em outras situações, imitando o comportamento de quem ela julga representar o poder de decisão. Cabe salientar que a criança constrói sua moralidade na heteronomia, considerando que as regras não podem ser flexíveis e que não podem ser alteradas, pois o conhecimento das regras está instituído no adulto. 5.3 Autonomia Em torno dos 10 anos, o jovem começa a demonstrar sua consciência das regras e a agir com autonomia. Anteriormente, as regras associadas à autoridade do adulto eram inquestionáveis, porém, no estágio da autonomia, o jovem passa a refletir sobre a regra e, se segui-la, será por ter aceitado a sua validade. A autonomia envolve a aceitação de que as regras se modificam na cooperação com o outro e que também são flexíveis. Se as pessoas estabelecem um acordo em relação ao modo como a regra deve ser estabelecida, ela ganha reconhecimento. Piaget (1994, p.61) enfatizou que os jovens “não acreditam mais em que tudo tenha sido feito da melhor maneira no passado e que o único meio de evitar os abusos é respeitando religiosamente os costumes estabelecidos”. Assim, eles consideram que as regras não têm validade universal e que não são eternas. Nesse processo de autonomia, o modo de pensar as regras em conformidade ao modo de pensar do adulto passa a predominar, pois o jovem percebe que cabe ao ser humano – e não às forças ocultas – a produção de regras na sociedade. A autonomia gera a produção da consciência individual que é construída a partir da cooperação, dos vínculos e das trocas de experiências. Para Piaget 15 (1994, p. 64), “O caráter próprio da cooperação é justamente levar a criança à prática da reciprocidade, portanto, da universalidade moral e da generosidade em suas relações com os companheiros”. Segundo Piaget (1994), quanto maior e mais intenso for o comportamento autônomo, maior e mais intenso será o comprometimento moral e o respeito às regras na sociedade. 16 REFERÊNCIAS PIAGET, J. Psicologia e pedagogia. Rio de Janeiro: Forense, 1970. _____. A tomada de consciência. São Paulo: Melhoramentos, Edusp, 1977. _____. Fazer e compreender. São Paulo: Melhoramentos, Edusp, 1978. _____. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994. _____. Abstração reflexionante: relações lógico aritméticas e ordem das relações espaciais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.