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AULA 5 EPISTEMOLOGIA GENÉTICA Prof. Adjuto Fabri 2 INTRODUÇÃO Piaget (1978) desenvolveu um método de investigação denominado Método Clínico com a finalidade de compreender a gênese dos processos cognitivos na criança. A construção desse método passou por diferentes fases até se estabelecer de modo definitivo nas pesquisas que envolvem a Epistemologia Genética. Pode-se considerar que as investigações sobre o pensamento e raciocínio infantil que implicavam “erros” de análise foram os precursores do Método Clínico. Piaget (2003) aliou seu conhecimento biológico aos conceitos dos testes com os quais trabalhou em Paris e foi ao longo do tempo adaptando o método à medida que construía sua teoria psicológica. TEMA 1 – MÉTODO CLÍNICO Os primórdios do Método Clínico piagetiano foram construídos historicamente nos estudos que envolviam o raciocínio infantil por meio do uso de testes padronizados. Nesses testes, os equívocos produzidos pelas crianças mobilizaram Piaget (1967) para a necessidade de um melhor caminho investigativo, pois considerava que os resultados obtidos nos testes eram insuficientes para a compreensão do que ocorria nos processos intelectuais da criança. Piaget (1976a) fez reformulações nos testes que utilizava e elaborou novas provas com a finalidade de um maior aprofundamento conceitual em relação ao modo como as crianças raciocinavam diante dos problemas apresentados, acrescentando a necessidade de uma boa formulação explicativa por parte do pesquisador. O interesse de Piaget (1970c) por um instrumento adequado de investigação fez com que ele buscasse constantemente inovações e aprimoramentos em seu método, aliados ao modo como elaborava a Epistemologia Genética e seus construtos teóricos. Assim, o Método Clínico foi construído com base em técnicas de observação, em conceitos da Biologia, em Psicologia e em Lógica, resultando em um método de análise qualitativo do desenvolvimento intelectual da criança. 3 1.1 Construção do Método Clínico Em sua construção do Método Clínico, Piaget (2005) considerou importante o uso de técnicas adequadas em relação ao momento vivido pela criança que pudessem identificar diagnosticamente em que nível ela se encontrava em seu plano de desenvolvimento intelectual. Além disso, destacava a importância da observação e do uso de testes adaptados à idade da criança. É em Paris que as bases do Método Clínico são elaboradas e começam a ser aplicadas ao desenvolvimento infantil e adolescente. Contudo, a nomenclatura do método nem sempre foi a mesma. Piaget (1967) inicialmente passou a utilizar o termo “Método Clínico” e, posteriormente, modificou para Método Crítico e também fez uso do termo “Método Clínico-Crítico”. Além disso, outra expressão adotada foi Entrevista Clínica. Apesar das dúvidas iniciais quanto ao termo, Piaget (2005) passou a usar com regularidade a denominação Método Clínico, considerando-o como um procedimento de diagnóstico que possibilitava um melhor conhecimento clínico dos processos cognitivos da criança. 1.2 Etapas do Método Clínico À medida que amadurecia em relação aos procedimentos, Piaget (1967) foi estabelecendo algumas ênfases no Método Clínico em conformidade com suas investigações em relação ao desenvolvimento infantil e em relação à construção da Epistemologia Genética. Quando as investigações piagetianas (1967; 1986) envolviam questões sobre linguagem, raciocínio, juízo e pensamento infantil, o Método Clínico em sua primeira ênfase caracterizava-se por observações e uso de perguntas previamente formuladas. Posteriormente, Piaget (1976a; 1994; 2005) abordou temas como causalidade física, juízo moral e representação. A segunda ênfase foi investigativa e dava-se na elaboração do modo como, por meio da verbalização, se poderia chegar aos conteúdos do pensamento, com uma elaboração detalhada do Método Clínico e também da avaliação das dificuldades que esse tipo de investigação apresentava. 4 Em uma terceira ênfase, o Método Clínico caracterizou-se com as observações realizadas por Piaget (1970a; 1975a; 1996) em relação aos seus filhos, destacando o processo mental da criança que ainda não falava e que expressava suas formas de pensamento por meio da ação motora. As investigações clínicas tinham como temática o nascimento da inteligência, a construção do real e a formação do símbolo na criança. Piaget (1970b; 1975b; 1976b) investigou aspectos como quantidade, número e lógica em seu Método Clínico, construindo sua quarta ênfase, em que destacou a necessidade de a criança agir com autonomia para a resolução de um problema, verbalizando e explicando seu entendimento ao pesquisador. A consolidação do Método Clínico dá-se na quarta ênfase e nas investigações de Piaget (1970c; 1977; 1979) sobre estrutura lógica, imagem mental, inteligência e memória, com destaque ao uso experimental estatístico para validação dos caminhos cognitivos elaborados pela criança e para uma valorização qualitativa do processo e da resposta em relação ao problema proposto em acordo com o estágio de desenvolvimento em que ela se encontrava (sensório-motor, pré-operatório, operatório-concreto e operatório- formal). 1.3 Composição do Método Clínico Embora inicialmente não houvesse uma sistematização do Método Clínico, a observação e a entrevista destacaram-se como elementos essenciais para a compreensão dos processos envolvendo a ação motora e a ação mental da criança. Piaget (1980) explica como isso ocorreu. Senti imediatamente que ali estava o meu caminho e que, utilizando em experimentação psicológica os hábitos mentais que adquirira na Zoologia, talvez eu pudesse ter êxito em resolver problemas de estruturas-do-todo aos quais fui levado pelo meu pensamento filosófico. Mas, para dizer a verdade, senti-me meio perdido no início (Piaget, 1980, p. 134) Assim, a composição do Método Clínico não foi uniforme, pois Piaget (1980) foi modificando e acrescentando novos elementos à medida que novas perspectivas de análise surgiam. Ele aplicou técnicas que pudessem contribuir com suas investigações epistemológicas em relação ao nascimento da inteligência na criança e foi reafirmando conceitos que contribuíam com suas perspectivas teóricas. 5 TEMA 2 – O ENTREVISTADOR NO MÉTODO CLÍNICO O Método Clínico considera o modo de atuação do entrevistador como fundamental, ele age de modo sistemático durante os questionamentos formulados para a criança em busca de respostas consistentes. O entrevistador não avalia o conteúdo da resposta, mas a ação da criança em busca de uma resposta adequada ao problema. É importante destacar que o entrevistador tem como meta o estudo do desenvolvimento cognitivo da criança e, por isso, é importante extrair dela argumentos diante do problema apresentado. Delval (2002) salienta que Piaget iniciou um método de conversas abertas com as crianças para tentar apreender o curso de seu pensamento. Não se tratava simplesmente de contar o número de sujeitos que respondiam de forma correta, mas de indagar as justificativas que as próprias crianças ofereciam de suas respostas. (Delval, 2002, p. 55) O entrevistador intervém durante a aplicação do Método Clínico sem o uso de perguntas previamente padronizadas, pois quer compreender o significado das ações da criança por meio dela mesma, bem como o significado que ela atribui às suas ações. O Método Clínico piagetiano diferencia-se de outros métodos investigativos por ser flexível tanto na intervenção quanto na elaboração das perguntas, que dependem e muito do contexto de atuação do entrevistador. Um método padronizado, de acordo com Piaget (1967), limita qualquer perspectiva de entendimento sobre o desenvolvimento infantil. 2.1 O modo de intervenção do entrevistador O entrevistador não age de qualquer modo durante a entrevista,ele atua de modo a controlar a aplicação de uma avaliação para com a criança. Esse controle não significa imposições, mas orientações para que ela possa se aplicar na busca por respostas em relação ao problema apresentado. Porém, o envolvimento no raciocínio em busca de respostas adequadas depende e muito do grau de maturidade da criança e não somente das proposições e orientações do entrevistador. 6 A atuação do entrevistador está relacionada ao controle da qualidade de formulação dos questionamentos e a orientações para que a criança possa agir adequadamente no problema. Desse modo, o importante não é padronizar perguntas (para uma ou mais crianças), mas possibilitar à criança que entenda o conteúdo da pergunta e, assim, possa agir em conformidade com o tema perguntado, independentemente da qualidade da resposta. Quanto melhor a formulação dos questionamentos por parte do entrevistador, melhor será a qualidade da resposta da criança. O entendimento do problema remete a uma compreensão adequada por parte do entrevistado e, assim, ele pode construir respostas seguras em relação ao que pensa sobre um problema, seja um problema já vivido ou uma novidade. 2.2 As respostas no Método Clínico O Método Clínico não considera as respostas como elemento essencial, sendo necessário que o entrevistador, ao propor um problema, procure desdobrar o raciocínio da criança, de tal modo que ela expresse o seu grau de conhecimento e de análise. O objetivo do método não é classificar as respostas em corretas ou incorretas, mas avaliar o modo como a criança pensa e busca analisar um problema e o modo como constrói o conteúdo que apresenta em sua resposta. Mesmo que a criança apresente respostas inconsistentes ao problema, as respostas são consideras adequadas ao modo de pensar da criança, cabendo ao entrevistador questionar os caminhos que a levaram a responder o problema daquela maneira. É importante destacar que cada criança diante de um mesmo problema pode apresentar respostas distintas, o que implica que o Método Clínico não procura padronizar as crianças, mas essencialmente entender o caminho do seu processo cognitivo. 2.3 Método Clínico: fala e enquadramento Piaget (2005) considera dois desdobramentos que ocorrem durante a entrevista e durante a aplicação do Método Clínico: falas úteis e enquadramento conceitual. As falas úteis têm por base a construção de respostas que podem se apresentar como espontâneas, fabuladas, sugeridas ou desencadeadas. 7 Essas falas podem ser superficiais ou aprofundadas, dependendo do grau de maturidade infantil. O importante é o modo como o entrevistador vai atuar para que a criança se sinta à vontade para aprofundar sua leitura em relação ao problema apresentado. Já o enquadramento conceitual no Método Clínico leva em conta o modo como a inteligência infantil vai se desenvolvendo em acordo com o estágio de desenvolvimento cognitivo em que a criança se encontra. Isso não implica menosprezar as respostas infantis, mas entender a relação das respostas com o momento em que a criança vive seu desenvolvimento. TEMA 3 – PROVAS PIAGETIANAS As provas piagetianas têm a finalidade de auxiliar o pesquisador na investigação das habilidades e do uso da lógica por parte das crianças, bem como na compreensão do funcionamento de seus processos cognitivos. Com a aplicação das provas é possível identificar o estágio do desenvolvimento em que a pessoa está e compreender possíveis dificuldades no raciocínio de um problema. Por exemplo: uma criança pode apresentar dificuldades para compreender uma tarefa porque o conteúdo do problema apresentado é complexo diante do estágio de desenvolvimento cognitivo em que ela se encontra. As provas piagetianas são classificadas em conservação, classificação, seriação e mensuração espacial, sendo subdivididas em 13 categorias operatórias. Essas categorias são: conservação de massa; conservação de superfície; conservação de comprimento; conservação de peso; conservação dos líquidos; conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos; conservação de volume; intersecção de classes; combinação de fichas; seriação de varetas; predição; e inclusão de classes. 3.1 Provas de conservação As provas de conservação avaliam diferentes aspectos do processo cognitivo da criança e podem apresentar-se como contínuas ou descontínuas. O que se observa na aplicação de um teste de conservação é se um objeto se mantém de modo constante, mesmo que o volume ou o formato ou a distribuição dos elementos sejam alterados. 8 O que se espera é que a criança compreenda que o objeto preserva sua identidade independentemente da forma como foi apresentado. Em um processo de conservação contínua, a criança mantém um conceito mesmo que haja alteração do formato do objeto em que um volume é disposto. Por exemplo: apresenta-se a uma criança um copo, um prato e uma caneca (todos com formatos distintos entre si) e coloca-se uma quantidade de água que preenche o copo na frente da criança. Posteriormente, a água é transferida para o prato e, em seguida, para a caneca. A criança observa o processo e é instada a responder em cada transferência de líquido onde tem mais água. Se ela responde que a quantidade de água é a mesma e explica adequadamente o porquê, significa que ela apresenta domínio de conservação contínua. Já na conservação descontínua, a criança apega-se ao formato dos objetos e sua resposta indica que a quantidade de água se altera nos momentos de passagem entre os objetos. Sua argumentação e explicação indica sua forma de raciocínio e demonstra um processo lógico descontínuo. 3.2 Provas de classificação A classificação envolve a ordenação de objetos por semelhanças, separando-os daqueles que não apresentam as mesmas características. Os objetos formam classes homogêneas e fazem parte de uma estrutura lógico- matemática elementar do desenvolvimento cognitivo da criança. Um modo de avaliar o domínio de classificação por parte da criança é propondo uma atividade em que ela deva reconhecer diferentes formatos de objetos (por exemplo: quadrados, círculos e retângulos). Os objetos podem ser colocados em um recipiente fechado diante da criança. Logo após, a criança é vedada e deve pegar os objetos dentro do recipiente e ordená-los em acordo com o formato de cada um, nominando-os e explicando o critério adotado para classificá-los. Quando há um domínio do conceito de classificação, a criança já faz uso de funções simbólicas e demonstra entendimento em relação às proposições realizadas durante o experimento. 9 3.3 Provas de seriação Na seriação, os objetos são comparados e agrupados entre si e envolvem princípios lógico-matemáticos do desenvolvimento cognitivo da criança. A seriação pode ser simples ou complexa. Um exemplo de seriação simples envolve a realização de uma tarefa em que a criança deva encaixar diferentes tamanhos de quadrados nos lugares adequados para cada um. A criança usa uma lógica simples, pois observa o tamanho dos espaços e o tamanho dos quadrados e encaixa-os corretamente. Ela pode no início apresentar alguma confusão, mas logo entende o modo de agir e responde em conformidade com a operação, generalizando sua lógica para outras atividades similares. Já a seriação complexa exige um domínio de aprofundamento lógico, como ocorre na atividade de comparação com varetas. A criança recebe nove varetas de tamanhos diferentes e deve ordená-las da menor para a maior e da maior para a menor. Pode-se também pedir que ele agrupe as varetas formando grupos crescentes (e/ou decrescentes) de três em três varetas (as três menores, as três intermediárias e as três maiores). A complexidade da tarefa demonstra o grau de aprofundamento cognitivo por parte da criança, que precisa analisar os elementos dispostospara apresentar uma resposta adequada ao problema proposto. 3.4 Provas de mensuração espacial A mensuração espacial tem por base o domínio de medidas e o domínio da espacialidade, o que faz com que a criança possa entender os diferentes tamanhos, perceber-se e perceber aos outros nos diferentes espaços em que pessoas e objetos possam estar. Um exemplo de tarefa que pode ser realizada com a criança é apresentar a ela uma imagem de um cachorro e pedir-lhe que desenhe um maior que aquele que observa. A seguir, na mesma tarefa, solicita-se a ela que o desenho seja realizado com o cachorro sobre o sofá da sala de sua casa. A criança deve entender a noção de tamanho e a noção de espaço para que a atividade seja elaborada de modo adequado. Aqui não se tem a preocupação com a qualidade do desenho, o que se observa é o domínio da tarefa proposta em relação aos princípios da mensuração espacial. 10 TEMA 4 – ESQUEMAS: ASSIMILAÇÃO, ACOMODAÇÃO E EQUILIBRAÇÃO A Epistemologia Genética estuda os esquemas caracterizando-os como estruturas cognitivas que possibilitam a adaptação da criança ao seu meio. Os esquemas estão relacionados aos processos que envolvem o sistema nervoso, são elaborações conceituais e hipotéticas, ou seja, não são objetos reais observáveis. A organização do pensamento com padrões que avançam de um domínio simples para um domínio complexo refletem o conceito de esquema. Vale salientar que os esquemas se modificam regularmente, fazendo com que a criança avance na compreensão de novos problemas em seu meio. 4.1 Assimilação A assimilação caracteriza-se pelo domínio cognitivo de um novo conhecimento, pois quando a criança se depara com algo diferente daquilo que conhece, ela vai adaptando essa novidade ao seu processo mental em acordo com seu grau de maturidade. Quando a criança já domina um conhecimento, ela forma um esquema do mesmo. Por exemplo, a criança já tem um esquema do que é um gato. Quando ela vê pela primeira vez um rato, ele vai nominá-lo de gato porque é esse o animal que ela conhece. Todavia, o adulto pode falar à criança que não se trata de um gato, mas de um rato, mostrando-lhe as diferenças. Esse é o processo de assimilação. Posteriormente, quando a criança observar um rato e um gato, ela os chamará pelo devido nome e entenderá os conceitos aplicados a cada um, implicando outro processo, agora chamado acomodação. 4.2 Acomodação A acomodação (mudanças qualitativas) ocorre em relação direta com a assimilação (mudanças quantitativas), estabelecendo o domínio de compreensão que a criança venha a ter sobre um problema. A acomodação orienta o desenvolvimento cognitivo, e a assimilação orienta o crescimento, ambas possibilitam a adaptação da criança ao meio e o seu amadurecimento intelectual. 11 Pode-se considerar que, na acomodação, a criança se envolve para que um problema seja entendido e adaptado a sua estrutura cognitiva; enquanto que, na assimilação, ela tem contato com algo novo, porém isso não implica um envolvimento com o problema, pois isso dependerá de sua maturidade. Ou seja, não é o meio que fará com que os processos de assimilação e acomodação aconteçam, o meio provoca o processo que se torna dependente do esquema de desenvolvimento cognitivo da criança. 4.3 Equilibração A equilibração é uma estrutura autorregularizadora dos processos de assimilação e acomodação que possibilita a ação da criança em seu meio. Piaget (1976c, p. 14) destaca duas considerações para a equilibração. Na primeira, ele argumenta que “todo esquema de assimilação tende a alimentar-se, isto é, a incorporar elementos que lhe são exteriores e compatíveis com a sua natureza”. Essa consideração implica que o esquema é amplo e geral e que pode ocorrer uma alteração do objeto ou da compreensão por parte da criança, mas isso não é uma garantia. Em sua segunda consideração, Piaget (1976c) destaca que Todo esquema de assimilação é obrigado a se acomodar aos elementos que assimila, isto é, a se modificar em função de suas particularidades, mas, sem com isso, perder sua continuidade (portanto, seu fechamento enquanto ciclo de processos interdependentes), nem seus poderes anteriores de assimilação. (Piaget, 1976c, p. 14) Ou seja, quando a criança se depara com um novo objeto ou conhecimento, ela busca assimilá-lo ao esquema cognitivo que já possui. Se o processo ocorrer de modo adequado, ela estabelece um equilíbrio momentâneo que possibilita o processo de acomodação. Para que a acomodação ocorra plenamente, a criança tem que alterar seu esquema cognitivo e vincular-se à novidade intencionalmente, assim, o processo de equilibração efetiva-se nela. Lima (1994) argumenta que a equilibração pode ser caracterizada pela interação entre a criança e o objeto (equilibração pela interação); pelas interações que envolvem os esquemas cognitivos e as diferenciações em suas partes (equilibração pela diferenciação); e pelas interações dos esquemas cognitivos que estabelecem as totalidades (equilibração pela integração). 12 TEMA 5 – O TEMPO E O DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL DA CRIANÇA Piaget (1973) aborda o desenvolvimento da criança como um processo de excelência, em que ele destaca o tempo em seus aspectos psicológicos e biológicos. Para ele (1973), a infância está relacionada à qualidade da espécie em termos de possibilidades para aprender, e, entre os seres humanos, demonstra a maior potencialidade ao desenvolvimento cognitivo. Outro aspecto salientado por Piaget (1973) diz respeito ao ritmo, especialmente o biológico, sobretudo na possibilidade de acelerá-lo ou diminuí- lo. Piaget (1973) destaca que, para uma investigação adequada em relação ao tempo e ao ritmo, deve-se considerar como essencial a compreensão sobre o desenvolvimento cognitivo da criança e sua espontaneidade. 5.1 Desenvolvimento intelectual psicossocial O desenvolvimento intelectual psicossocial está relacionado às influências que a criança recebe do meio externo: familiar, escolar, midiático e do contexto cultural. Piaget (1973) exemplifica o papel psicossocial da seguinte maneira. Numa coleção de objetos, por exemplo, um ramo de flores onde existem seis prímulas e seis flores que não são prímulas, descobrir que existem mais flores que prímulas, que o todo ultrapassa a parte. Isso parece tão evidente que ninguém tem ideia de ensinar a uma criança. Entretanto, como veremos, serão necessários vários anos para que a criança descubra leis desse gênero. (Piaget, 1973, p. 14, grifo do autor) Piaget (1973) considera que esse domínio infantil em relação ao conceito de gênero faz parte de uma dinâmica social e cultural e não implica desenvolvimento da inteligência pela própria ação da criança. Ou seja, ela reproduz o meio, entretanto, para dominar e compreender o conceito, terá que assimilar, acomodar e equilibrar a informação. De acordo com Piaget (1973), a escola é um exemplo de que não adianta avançar com domínio de conhecimentos complexos quando a criança ainda não apresentar uma maturidade cognitiva para entendê-los. Se houvesse tal possibilidade de abordar desde cedo conhecimentos complexos, bastaria aplicá- los para pleno domínio infantil, e isso não acontece. Por isso, Piaget (1973) enfatizou seus estudos no desenvolvimento cognitivo psicológico (espontâneo) da criança, em que todo desenvolvimento psicossocial é subordinado a ele. 13 5.2 Desenvolvimento intelectual psicológico (espontâneo) Piaget (1973) denomina de desenvolvimento intelectual psicológico ou espontâneo a construção da inteligência por si mesma, ou seja, a criança desenvolve um raciocínio adequado diante de um problema que não foi ensinado a ela e busca pelo seu interesse e pela sua atividade encontrar uma resposta agindo sozinha. A criança vai descobrir o que é o objeto ou fenômeno com o tempo, aprendendo por ela mesma. Piaget(1973, p. 18) considera que a orientação escolar ou de um adulto não garante o domínio de um conhecimento por parte da criança, pois “o tempo é necessário como duração. É necessário esperar 8 anos para a noção de conservação da substância; 10 anos para a do peso, e isso em 75% dos indivíduos. E nem todos os adultos adquirirão a noção da conservação do peso. (grifos do autor) A orientação, por melhor que seja, é dependente do envolvimento da criança e da maturidade do seu sistema nervoso. Piaget (1973) explica que desenvolveu com seus colaboradores em diferentes países as mesmas investigações sobre conservação, classificação, seriação e mensuração espacial e não encontrou diferenças significativas, ou seja, a cultura e a educação não interferem no processo de desenvolvimento cognitivo da criança, elas são dependentes desse processo. Piaget (1973, p. 18) formulou a seguinte questão: “podemos acelerar tal evolução pela aprendizagem”? A resposta que ele encontrou em conjunto com seus colaboradores foi que mesmo que haja uma dedicação por parte de um educador para que a criança adquira conceitos de conservação, classificação, seriação e mensuração espacial, o máximo que se vai obter é a repetição do resultado, sem um domínio do processo cognitivo. O que ocorre é a aprendizagem do resultado, pois quando um problema similar é apresentado com uma construção diferente, a criança não consegue o mesmo desempenho. Piaget (1973) destaca que o domínio de conhecimentos deve levar em conta o tempo e o ritmo, que estão diretamente relacionados à maturidade do sistema nervoso e à iniciativa da criança em buscar o conhecimento sobre um objeto ou fenômeno que lhe chame à atenção. 14 REFERÊNCIAS DELVAL, J. Introdução à prática do método clínico: descobrindo o pensamento das crianças. Porto Alegre: Artmed, 2002. LIMA, L. O. Ensaios construtivistas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. PIAGET, J. O raciocínio na criança. Rio de Janeiro: Record, 1967. _____. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1970a. _____. O desenvolvimento das quantidades físicas na criança. Conservação e atomismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1970b. _____. Gênese das estruturas lógicas elementares. Rio de Janeiro: Zahar, 1970c. _____. O tempo e o desenvolvimento intelectual da criança. Rio de Janeiro: Forense, 1973. _____. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar; Brasília: INL, 1975a. _____. A gênese do número na criança. São Paulo: EDU, 1975b. _____. Ensaio de lógica operatória. São Paulo: Globo/Edusp, 1976a. _____. Da lógica da criança à lógica do adolescente. São Paulo: Pioneira, 1976b. _____. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1976c. _____. A imagem mental na criança. Porto: Livraria Civilização, 1977. _____. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1978a. _____. Memória e inteligência. Rio de Janeiro: Brasília: Universidade de Brasília, 1979. _____. Jean Piaget, uma autobiografia. In: EVANS, R. Jean Piaget: o homem e suas ideias. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1980. _____. A linguagem e o pensamento da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1986. 15 _____. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994. _____. A construção do real na criança. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1996. _____. Biologia e conhecimento: ensaio sobre as relações entre as regulações orgânicas e os processos cognoscitivos. Petrópolis: Vozes, 2003. _____. A representação do mundo na criança. Aparecida: Ideias e Letras, 2005.