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56 Unidade II Unidade II 5 CONTROLE DE QUALIDADE DE MATÉRIAS-PRIMAS O controle de qualidade físico-químico de matérias-primas, ou seja, de insumos farmacêuticos ativos (IFA), excipientes e adjuvantes, envolve os ensaios de identificação, pureza e doseamento. Os ensaios de identificação contemplam métodos visuais e analíticos qualitativos ou quantitativos, baseados nas características físicas ou físico-químicas das matérias-primas. Quando uma matéria-prima chega numa farmácia de manipulação ou numa indústria farmacêutica, sua identificação é o primeiro ensaio de caracterização empregado. Isso porque, muitas vezes, a simples verificação da cor e do aspecto da matéria-prima auxilia para saber se foi entregue aquilo que efetivamente foi comprado ou se não houve algum tipo de adulteração. Os ensaios de pureza são de natureza qualitativa, semiquantitativa e quantitativa. Visam determinar a presença de determinado contaminante ou se seu percentual na matéria-prima se encontra dentro de limites especificados. Os ensaios de doseamento compreendem os testes de titulação, principalmente do IFA, mas também são empregados no doseamento de excipientes e adjuvantes. Trata-se de um ensaio que visa determinar o percentual da substância na amostra analisada. As farmacopeias trazem os métodos e especificações de teor das matérias-primas. 5.1 Ensaios de identificação Serão abordados os ensaios de identificação de matérias-primas envolvendo as análises das características organolépticas e os ensaios analíticos de identificação. 5.1.1 Análise das características organolépticas As características organolépticas de uma matéria-prima (fármaco, excipiente ou adjuvante farmacotécnico) correspondem a aquelas que auxiliam na sua identificação, particularmente numa análise visual, tais como sua cor, odor, consistência, forma, além de características como ser ou não um pó cristalino, no caso de matérias-primas sólidas. Na 6ª edição da Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019a), tais características são encontradas como características físicas de cada monografia de matéria-prima no item Descrição. No quadro a seguir são apresentadas as descrições das características organolépticas de dois fármacos, o acetato de dexametasona e o aciclovir, e de um conservante, o ácido sórbico, disponíveis em suas monografias na Farmacopeia Brasileira. 57 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Quadro 11 – Descrição das características organolépticas dos fármacos aciclovir e acetato de dexametasona e do conservante ácido sórbico Matéria-prima Características organolépticas Acetato de dexametasona Pó cristalino branco ou quase branco Aciclovir Pó cristalino branco ou quase branco Ácido sórbico Pó cristalino branco ou quase branco Adaptado de: Anvisa (2019a). Os ensaios de análise de características organolépticas são utilizados como uma identificação inicial da matéria-prima, ou seja, não são conclusivos, uma vez que matérias-primas diferentes podem apresentar a mesma descrição organoléptica, conforme mostrado no quadro. 5.1.2 Ensaios analíticos de identificação 5.1.2.1 Reações químicas de identificação As reações químicas de identificação de matérias-primas envolvem ensaios caracterizados por alterações de coloração (mudança ou desaparecimento de cor), além das reações de precipitação e produção de gás (GIL; MATIAS; ORLANDO, 2010). Esse tipo de identificação é possível devido à presença de certos cátions, ânions ou mesmo grupamentos químicos de determinada molécula, que irão reagir na presença de outras substâncias. Apesar disso, seu uso como um método confirmatório é desencorajado, uma vez que matérias-primas diferentes podem conter cátions, ânions ou grupamentos químicos em comum. A 6ª edição da Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019a) traz, por exemplo, um método de identificação de ácido ascórbico empregando reação de identificação. No método é recomendada a adição de tartarato cúprico alcalino solução reagente (SR) a uma alíquota da solução a 2% (p/v) de ácido ascórbico em água, devendo, em seguida, deixar em repouso a temperatura ambiente. É relatada no método a mudança de coloração, ocasionada pela redução do tartarato cúprico. A monografia do ácido cítrico, na mesma obra, traz dois métodos de identificação por meio de reações químicas de identificação. O primeiro recomenda dissolver 0,5 g de ácido cítrico em 5 mL de água e neutralizar com solução de hidróxido de sódio. Em seguida, deve-se adicionar 10 mL de cloreto de cálcio SR e submeter a aquecimento até ebulição, para a formação de um precipitado branco. O segundo está relacionado com reações do íon citrato, uma vez que ele está presente no ácido cítrico. 58 Unidade II 5.1.2.2 Solubilidade Assim como os ensaios baseados em reações químicas, para a determinação da solubilidade no contexto da identificação de substâncias não se faz necessária a utilização de qualquer equipamento. Por outro lado, esse não é considerado um teste confirmatório, mas serve como um ensaio complementar, sendo facilmente realizado. A solubilidade está relacionada à capacidade de solubilização da substância num determinado solvente a uma dada temperatura, em função de uma reação química ou miscibilidade (GIL; MATIAS; ORLANDO, 2010). As monografias farmacopeicas trazem a informação da solubilidade para o teste de identificação, considerando a temperatura de 25 °C ± 5 °C (ANVISA, 2019a). Essa informação traz dados aproximados, nos quais se baseia a tabela a seguir. Tabela 3 – Termos descritivos de solubilidade e seus significados Termo descritivo Volumes aproximados de solvente em mililitros por grama de substância Muito solúvel Menos de 1 parte Facilmente solúvel De 1 a 30 partes Solúvel De 10 a 30 partes Moderadamente solúvel De 30 a 100 partes Pouco solúvel De 100 a 1.000 partes Muito pouco solúvel De 1.000 a 10.000 partes Praticamente insolúvel ou insolúvel Mais de 10.000 partes Fonte: Anvisa (2019a, p. 58). No quadro a seguir são apresentados alguns exemplos de testes de solubilidade disponibilizados na parte de identificação das monografias. Como pode ser observado, no caso da loratadina, são necessários mais de 10.000 mL para solubilização de 1 g da substância, enquanto no caso do álcool metílico essa mesma quantidade é solúvel em menos de 30 mL. Quadro 12 – Exemplos de dados de solubilidade utilizados na identificação de substâncias Substância Descrição Cloridrato de clindamicina Facilmente solúvel em água e álcool metílico, ligeiramente solúvel em álcool etílico Loratadina Insolúvel em água, facilmente solúvel em álcool etílico Furosemida Praticamente insolúvel em água, solúvel em álcool metílico, ligeiramente solúvel em álcool etílico. Facilmente solúvel em soluções aquosas de hidróxidos alcalinos Adaptado de: Anvisa (2019a). 59 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS 5.1.2.3 Determinação do ponto de fusão O ponto de fusão de uma matéria-prima é uma constante física que corresponde à temperatura na qual essa substância passa do estado sólido para o estado líquido. A presença de impurezas numa matéria-prima, assim como o polimorfismo, poderá alterar o seu ponto de fusão. Dessa forma, a determinação do ponto de fusão pode auxiliar na identificação de uma substância, além de ser um indicativo do grau de pureza da matéria-prima. É comum encontrar o ponto de fusão da matéria-prima na descrição das suas características físico-químicas na monografia farmacopeica. No caso do ácido cítrico, seu ponto de fusão é descrito na Farmacopeia Brasileira como de aproximadamente 153 °C, com decomposição. Já para o fármaco albendazol, é descrita sua faixa de fusão entre 208 °C e 210 °C (ANVISA, 2019a). O ponto de fusão pode ser determinado de forma rápida empregando equipamentos de baixo custo, o que torna bastante comum sua utilização em farmácias de manipulação como método de identificação (GIL; MATIAS; ORLANDO, 2010). 5.1.2.4 Densidade relativa Considerando-se que a densidade deuma substância é calculada pela razão entre sua massa e volume a 20 °C, a densidade relativa é definida pela Farmacopeia Brasileira como a relação entre a massa de uma substância e a massa de igual volume de água, ambos a uma temperatura de 20 °C (ANVISA, 2019a). No quadro a seguir são elencados alguns exemplos de valores de densidade relativa de matérias-primas descritos na Farmacopeia Brasileira juntamente com as suas características físicas. Quadro 13 – Valores de densidade relativa de matérias-primas e suas características físicas descritos em monografias da 6ª edição da Farmacopeia Brasileira Matéria-prima Característica física e densidade relativa Ácido undecilênico Líquido incolor ou amarelo pálido, ou massa cristalina branca ou amarela pálida, dependendo da temperatura Densidade relativa: 0,910 g/mL a 0,913 g/mL Álcool benzílico Líquido oleoso, límpido e incolor Densidade relativa: 1,043 g/mL a 1,049 g/mL Álcool etílico Líquido incolor, límpido, volátil, inflamável e higroscópico Densidade relativa: 0,805 g/mL a 0,812 g/mL a 20 °C Benzoato de benzila Líquido oleoso, límpido e incolor de odor fracamente aromático. Pelo resfriamento, forma cristais incolores Densidade relativa: 1,116 g/mL a 1,120 g/mL Adaptado de: Anvisa (2019a). 60 Unidade II 5.1.2.5 Determinação do índice de refração O índice de refração (n) é uma constante físico-química empregada na identificação de matérias-primas na forma líquida. É característica de substâncias como as gorduras e óleos, entre outras, como as ceras e os açúcares. A Farmacopeia Brasileira o define como uma medida da velocidade da luz no vácuo e a sua relação com a velocidade no interior de uma substância (ANVISA, 2019a). Ele é calculado por meio da equação a seguir e medido com um equipamento denominado refratômetro (ANVISA, 2019a; GIL; MATIAS; ORLANDO, 2010; KOROLKOVAS, 1988). n sen i sen r = Onde: sen i = seno no ângulo de incidência da luz; sen r = seno do ângulo de refração da luz. Seu valor é encontrado nas monografias farmacopeicas na parte da Descrição, como uma constante físico-química. Na tabela a seguir são contemplados alguns exemplos de valores de índice de refração descritos em monografias de matérias-primas na Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019a). Tabela 4 – Valores de índice de refração de matérias-primas listados em monografias da Farmacopeia Brasileira Matéria-prima Índice de refração Álcool benzílico 1,538 a 1,541 determinado a 20 °C Esqualeno 1,4510 a 1,4525 Óleo de amendoim 1,462 a 1,464 determinado a 40 °C Adaptada de: Anvisa (2019a). 5.1.2.6 Determinação do espectro de absorção no infravermelho A determinação do espectro de absorção na região do infravermelho é uma técnica analítica instrumental. Cada matéria-prima apresentará um espectro na região do infravermelho característico dos grupamentos e ligações químicas presentes na molécula. Como pode ser observado na figura a seguir, esse gráfico pode ser dividido em duas zonas, sendo que aquela chamada de impressão digital é de bastante especificidade e pode ser considerada confirmatória para a identificação de uma matéria-prima. 61 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Número de onda cm-1 % T ra ns m itâ nc ia Zona de diagnóstico Zona de impressão digital 4.000 0 20 40 60 80 100 3.500 3.000 2.500 2.000 1.500 1.000 500 Figura 19 – Espectro de FTIR e suas respectivas zonas Fonte: Dias, Vaghetti e Lima (2016, p. 272). Na Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019a) há a descrição do método de identificação nas monografias. Por exemplo, para o mebendazol, é descrito no método que no espectro de absorção no infravermelho da amostra deve haver máximos de absorção somente nos mesmos comprimentos de onda e na mesma intensidade que os observados no espectro da respectiva substância química de referência, desde que preparada da mesma maneira e empregando o mesmo método. Há duas possibilidades para o preparo da amostra para a realização do ensaio: a obtenção de uma pastilha da substância misturada com brometo de potássio e a análise direta, quando o equipamento possui uma célula de ATR (reflectância atenuada) acoplada (DIAS et al., 2016). Atualmente, a obtenção do espectro se dá pela utilização de um equipamento FTIR (infravermelho por transformada de Fourier). 5.1.2.7 Determinação do espectro de absorção na região do ultravioleta-visível (UV-VIS) Em algumas monografias farmacopeicas é possível encontrar, além da identificação por infravermelho, métodos via espectros na região do UV-VIS. Para que seja possível a utilização desta técnica é necessária a presença de grupamentos cromóforos na molécula. Na tabela a seguir são apresentados alguns exemplos de substâncias em que esse tipo de identificação consta da monografia. O resultado sempre se dá pela comparação do espectro obtido por uma substância química de referência (padrão), na mesma concentração da amostra. 62 Unidade II Tabela 5 – Exemplos de substâncias em que a identificação do espectro de absorção na região do UV-VIS consta na monografia farmacopeica Substância Estrutura química Máximos de absorção Metotrexato H2N NH2 OH OH H N CH3 N H O O O N N N N Entre 200 nm e 400 nm Ofloxacino COOH CH3H3C F O O NN N Entre 200 nm e 400 nm Vermelho de Pounceau NaO3S SO3Na SO3Na OH N N 215 nm, 245 nm, 332 nm e 507 nm Adaptada de: Anvisa (2019a). 5.2 Ensaios de pureza Do ponto de vista farmacêutico, a pureza de uma matéria-prima é definida como o grau em que ela possui materiais estranhos a ela mesma. Dessa forma, as monografias farmacopeicas trazem os limites de impurezas, ou seja, as especificações de outras substâncias que podem estar presentes numa matéria-prima, além dos testes para determiná-las. Os ensaios de pureza de matérias-primas englobam a avaliação de impurezas orgânicas e inorgânicas. As primeiras, em geral, são bastante específicas de cada matéria-prima, como alguma impureza decorrente da decomposição de um fármaco, sendo também chamadas de substâncias relacionadas. Já as impurezas inorgânicas são contaminantes provenientes do processo de síntese do material, como a água e alguns íons (GIL, 2010b; GIL, 2010c). 5.2.1 Determinação do pH Independentemente da natureza da impureza presente na matéria-prima, algumas monografias constantes da Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019a) trazem a determinação do pH como um método de ensaio de pureza. 63 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS O pH de uma solução de uma determinada matéria-prima está relacionado com sua concentração e com seu pKa, ou seja, com a sua força ácida ou básica (GIL; MATIAS; ORLANDO, 2010). Assim, quando em solução, os fármacos que em geral são ácidos ou bases fracas desenvolverão um pH próprio em solução (FLORENCE; ATTWOOD, 2003), e uma eventual alteração desse pH pode estar relacionada com a presença de uma impureza na matéria-prima. Para atestar a pureza, por exemplo, de uma amostra de ácido ascórbico, pode-se determinar o pH de uma solução aquosa de ácido ascórbico a 5% (p/v). A especificação presente na monografia do fármaco na Farmacopeia Brasileira é que a solução deve apresentar pH entre 2,2 e 2,5 (ANVISA, 2019a). 5.2.2 Impurezas orgânicas: substâncias relacionadas Por serem impurezas bem específicas de cada matéria-prima, as técnicas cromatográficas como a cromatografia líquida de alta eficiência (Clae) e a cromatografia em camada delgada (CCD) são as mais empregadas para tal finalidade, uma vez que apresentam adequada capacidade de separação. Dessa forma, são apresentados no quadro alguns exemplos de fármacos e as técnicas descritas em monografias farmacopeicas para ensaio de pureza para substâncias relacionadas. Quadro 14 – Exemplos de fármacos e métodos farmacopeicos para determinação de substâncias relacionadas em matérias-primas Fármaco Método Exemplos de substâncias relacionadas Aciclovir CCD Soma das impurezas observadas máx. 2% Etinilestradiol CCD Estrona CaptoprilClae Dissulfeto de captopril Diazepam Clae A: 7-cloro-5-fenil-1,3-dicloro-2H-1,4-benzodiazepin-2-ona (nordazepam) B: (2-cloro-N-(4-cloro-2-benzoilfenil)-N-metilacetamida) C: (6-cloro-1-metil-4-fenilquinazolin-2-(1H)-ona) Sinvastatina Clae Hidroxiácido de sinvastatina Epilovastatina e lovastatina Acetilsinvastatina Adaptado de: Anvisa (2019a). Para ilustrar a capacidade de separação dessas técnicas analíticas na determinação de pureza de matérias-primas, a figura a seguir traz a imagem de uma placa de sílica, na qual é possível observar que na análise da amostra foram detectadas as presenças da substância ativa e da impureza. A comprovação foi possível pela comparação com as manchas decorrentes do padrão da substância relacionada e da substância química de referência (SQR). 64 Unidade II SQR Padrão da substância relacionada Manchas presentes na amostra Ponto de aplicação Figura 20 – Representação da CCD na determinação de impureza de matéria-prima Lembrete Padrões de referência são materiais fornecidos por comissões especializadas que possuem um alto teor de pureza, servindo de base para a detecção e quantificação de substâncias. Na figura a seguir é possível verificar a separação de uma matéria-prima de suas substâncias relacionadas em um ensaio de Clae. 0.14 0.12 0.10 0.08 0.06 0.04 0.02 5.00 10.00 15.00 20.00 25.00 30.00 35.00 40.00 0.00 Ativo = 95,1% Substâncias relacionadas = 4,3% Gradient artifact A B D C E F GA U Figura 21 – Cromatograma resultante de uma análise de determinação de impurezas Adaptada de: Jansen, Smith e Baertschi (2011, p. 156). 65 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS 5.2.3 Impurezas inorgânicas Em geral, as impurezas inorgânicas são aquelas resultantes da rota de síntese das matérias-primas. Entre as substâncias encontradas são relatadas a água, em maior relevância, além de íons, entre outras. Para o estabelecimento das especificações de impurezas inorgânicas, adicionalmente à consulta às farmacopeias, se faz muito importante a análise da rota de síntese no dossiê fornecido pelo fabricante da matéria-prima, um documento chamado DMF (Drug Master File). A quantificação dessas substâncias tem importância em relação à dosagem e estabilidade no caso da água e estabilidade e/ou toxicidade no caso de metais pesados, arsênio, amônia, entre outros íons (GIL, 2010b). A Farmacopeia Brasileira descreve os métodos específicos para a determinação de água: o método volumétrico (método de Karl Fischer), o método de destilação azeotrópica (destilação com tolueno) e o método de determinação de água pelo método semimicro (titulação potenciométrica). Entre os métodos citados, o de Karl Fischer é o mais comumente utilizado, sendo encontrado como método recomendado em diversas monografias da Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019a). Para a realização desse método, há necessidade de equipamento e reagente específicos. Este consiste em uma solução anidra de iodo, dióxido de enxofre, piridina e metanol (reagente de Karl Fischer). A determinação da quantidade da água se dá pela titulação da amostra com esse reagente que vai sendo consumido através de uma reação de oxirredução. O ponto final da viragem ocorre quando não há mais água presente na amostra, havendo sobra do reagente, e a solução passa da coloração amarela para a marrom. A equação a seguir mostra de maneira resumida a equação da reação (SKOOG et al., 2015): I2 + SO2 + 2H2O → 2HI + H2SO4 Vejamos alguns exemplos de matérias-primas com o respectivo método farmacopeico recomendado para determinação de água e especificação. Quadro 15 – Matéria-prima, método recomendado para determinação de água e especificação farmacopeica Matéria-prima Método recomendado Especificação Amoxicilina Método de Karl Fischer (determinar em 0,3 g da amostra) De 11,5% a 14,5% Glicerol Método de Karl Fischer (determinar em 1 g da amostra) No máximo, 2,0% Lidocaína Método de Karl Fischer (determinar em 1 g da amostra) No máximo, 1,0% Folinato de cálcio Método semimicro (determinar em 0,1 g da amostra) No máximo, 17,0% Adaptado de: Anvisa (2019a). 66 Unidade II Existem ainda outros ensaios de perda de peso que visam determinar a quantidade de substâncias voláteis na matéria-prima, conforme especificado em monografias farmacopeicas. São exemplos desses tipos de ensaios a perda por dessecação por gravimetria, por termogravimetria (análise térmica) ou por uso de balança por infravermelho ou com lâmpada halógena. Um exemplo de monografia que traz especificação de perda por dessecação é a do lauril sulfato de sódio. A recomendação na monografia é fazer a determinação utilizando 1 g da amostra em estufa a 105 °C, por duas horas, sendo especificado um limite máximo de 3% de perda. A seguir, são elencados os passos para a realização do ensaio de perda por dessecação: • transferir a quantidade de amostra especificada na monografia para um pesa-filtro previamente dessecado e tarado; • deixar a amostra na estufa pelo tempo e temperatura especificados; • resfriar a amostra no dessecador; • determinar a massa do pesa-filtro tampado. O cálculo é feito tendo como base a seguinte equação: % vol teis P P P xa s a á = − 100 Onde: Pa = pesa-filtro com a amostra; Ps = pesa-filtro com a amostra seca. Em alguns casos, a temperatura do ensaio pode ser mais baixa. Um exemplo é o caso do maleato de enalapril, em que a temperatura especificada na monografia da matéria-prima é de 60 °C e o ensaio deve ser conduzido por duas horas, sob pressão reduzida inferior a 5 mmHg (ANVISA, 2019a). Exemplo de aplicação Suponha que, ao realizar um ensaio para a determinação de substâncias voláteis de uma determinada matéria-prima, os valores de Pa e Ps tenham sido de 1.000 mg e 958 mg, respectivamente. Sabendo que a especificação para esse ensaio é de no máximo 0,5%, faça o cálculo e responda se o material passa no teste de perda por dessecação. Resolução % vol teis P P P x x xa s a á = − = − =100 1 000 958 1 000 100 42 1 000 100 . . . == 4 2, % 67 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS A amostra não passa na especificação, pois o resultado foi de 4,2%, ficando muito acima da especificação. Ainda em relação à perda de peso, algumas monografias trazem especificações da perda de peso por ignição, que corresponde a uma determinação da quantidade de substância que se volatiliza durante o procedimento. Um exemplo desse tipo de ensaio de pureza por meio da avaliação da perda de peso por ignição se encontra na monografia do fosfato de cálcio tribásico. Segundo o método, deve-se determinar a perda por ignição em 1 g de amostra, a qual deve se incinerada em mufla a 800 ± 25 °C até peso constante. A especificação é de no máximo 8% de perda por ignição e o cálculo é realizado conforme a equação a seguir: % vol teis P P P xá = −2 1 3 100 Onde: P1 = peso do cadinho depois da calcinação; P2 = peso do cadinho com a amostra após a calcinação; P3 = peso inicial da amostra. Além desses métodos, também constam das monografias a determinação de substâncias solúveis e insolúveis, assim como o teor de cinzas e cinzas sulfatadas, que se relacionam com a quantidade de resíduos sólidos inorgânicos metálicos. Ensaios limites, específicos para determinadas substâncias, inclusive para metais pesados, também são recomendados nas monografias. Esse tipo de ensaio tem por objetivo avaliar se uma determinada amostra apresenta quantidades de um ou mais íons acima de um determinado limite. A Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019a) descreve, por exemplo, os métodos de ensaios limite para cloretos, sulfatos, metais pesados, ferro, arsênio, amônia, cálcio, magnésio, entre outros. A monografia do cloridrato de tramadol, por exemplo, traz o ensaio limite para metais pesados, tendo como especificação, no máximo, 0,002%, o que corresponde a 20 ppm. Saiba mais Para saber mais detalhes sobre os métodos utilizados na determinação de impurezas, consulte: ANVISA. FarmacopeiaBrasileira, 6ª edição. v. I-II. Brasília, 2019a. 68 Unidade II 5.3 Ensaios de doseamento A quantificação de um IFA em uma amostra da mesma substância é denominada ensaio de doseamento, ensaio de potência ou determinação do teor. A Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019a) descreve, em suas monografias, métodos específicos para cada IFA e as suas especificações. Os métodos utilizados para tal finalidade são divididos em métodos não instrumentais, também denominados métodos clássicos de doseamento, e métodos instrumentais, conforme apresentado na figura a seguir. Métodos de doseamento de IFA – matéria-prima Métodos não instrumentais Métodos instrumentais Titulação Gravimetria Espectroscópicos Eletroanalíticos Cromatográficos Figura 22 – Métodos não instrumentais e métodos instrumentais de doseamento de IFA Entre os métodos não instrumentais serão abordadas as técnicas de titulação, também denominada titimetria, titulometria ou volumetria, e os métodos gravimétricos de doseamento. Entre os métodos instrumentais utilizados em doseamento, serão abordadas as técnicas de espectroscopia (espectrofotometria de absorção nas regiões do ultravioleta – UV e visível, espectrometria de absorção atômica com chama) e os métodos cromatográficos. 5.3.1 Métodos não instrumentais 5.3.1.1 Titulação A técnica de titulação envolve as vidrarias e materiais apresentados na figura a seguir. Em geral são utilizadas buretas de 10, 25 ou 50 mL de capacidade, onde é inserido o mesmo volume de solução titulante. Ela é denominada solução padrão, ou seja, uma solução de concentração conhecida preparada utilizando-se um padrão primário, que é uma substância com alto grau de pureza. 69 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Suporte universal Bureta Solução titulante Erlenmeyer Figura 23 – Vidrarias e materiais utilizados em titulação Fonte: Fiorotto (2019, p. 39). A solução, denominada solução titulada, da qual se deseja determinar o teor do IFA, é inserida no Erlenmeyer, juntamente com um indicador, que é uma substância que irá auxiliar o analista a detectar visualmente o ponto final da titulação, o qual pode ocorrer por meio da mudança de coloração da solução titulada. Existem diversos tipos de titulação, como a de neutralização, a titulação em meio não aquoso, a titulação de complexação, a de precipitação e a de oxirredução (GIL; MATIAS, 2010). Devido ao fato de praticamente não ser mais utilizada, uma vez que o aparecimento de um precipitado durante a titulação é bastante impreciso, a titulação de precipitação não será detalhada. Titulação de neutralização Nesse tipo de titulação ocorre uma reação de neutralização entre um ácido e uma base. Se a solução titulada for uma base, a solução titulante utilizada deve ser um ácido e vice-versa. No primeiro caso, a titulação é denominada acidimetria, e no segundo, alcalimetria. O ensaio de doseamento do ibuprofeno, descrito na Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019a), é um exemplo de titulação de neutralização. De acordo com o método, deve-se preparar a solução titulada, pesando-se cerca de 0,5 g da amostra do IFA, e dissolver em 100 mL de álcool etílico. A essa solução devem ser adicionados 3 mL de solução indicadora (SI) de fenolftatleína. A solução titulante deverá ser o hidróxido de sódio 0,1 M SV. Deve-se proceder com a titulação até a viragem para coloração rosa. 70 Unidade II Titulação em meio não aquoso A titulação em meio não aquoso é utilizada nos casos em que o IFA a ser quantificado é um ácido ou uma base muito fraca. Isso ocorre, principalmente, no segundo caso. Se um IFA com característica básica muito fraca for colocado numa solução titulada aquosa, a água terá maior capacidade de reagir com o titulante ácido do que o IFA. Dessa forma, a titulação em meio não aquoso é uma forma de contornar esse problema (ANVISA, 2019a; GIL; MATIAS, 2010). Um exemplo é o ensaio de doseamento do albendazol (C12H15N3O2S), descrito na Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019a). Nesse ensaio, recomenda-se dissolver o IFA em ácido acético glacial e adicionar cloreto de metilrosanilínio SI. A titulação dessa solução deve ser feita com ácido perclórico 0,1M SV, até obtenção de coloração verde esmeralda. Ainda segundo essa obra, deve-se realizar ensaio em branco, e cada mL da solução titulante equivale a 26,533 mg de C12H15N3O2S. Titulação de complexação Esse método envolve a titulação de íons metálicos com um agente complexante, como o ácido etilenodiaminotetracético (EDTA). O método de doseamento do hidróxido de magnésio, descrito na Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019a), é por titulação de complexação. De acordo com o método, deve-se dissolver 0,1 g da amostra de hidróxido de magnésio em 2 mL de ácido clorídrico 2 M e proceder conforme descrito no item de titulações complexométricas da obra. Titulação de oxirredução A titulação de oxirredução envolve a aplicação da iodometria. Essa técnica é utilizada no doseamento do ácido ascórbico, conforme descrito em sua monografia na Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019a). De acordo com o método, deve-se pesar 200 mg da amostra de ácido ascórbico (C6H8O6), devendo dissolvê-la em uma mistura contendo 100 mL de água purificada e 25 mL de ácido sulfúrico 1 M. A essa solução titulada deve-se adicionar 3 mL de amido SI e titular rapidamente com solução de iodo 0,05 M SV. O teor de ácido ascórbico é calculado considerando que cada mL de solução de iodo 0,05 M SV equivale a 8,806 mg de C6H8O6. Essa titulação se baseia na característica redutora do ácido ascórbico e na capacidade oxidante do iodo (I2). O ácido ascórbico é oxidado a ácido deidroascórbico de acordo com a reação apresentada na figura a seguir. 71 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS O O O O CH CHOH OH OH OH HO HO H2C H2C Oxidação Ácido ascórbico Ácido deidroascórbico HO O C H O I C H O HI S O I S O aq aq aq aq aq aq 6 8 6 2 6 6 6 2 3 2 2 4 6 2 2 + ↔ + + ↔ ( ) ( ) ( ) ( ) − ( ) ( )) − ( ) −+2 2I aq Figura 24 – Reação de oxidação do ácido ascórbico a ácido deidroascórbico na titulação de oxirredução Adaptada de: Dias et al. (2016); Yoshioka e Stella (2002). A presença de ácido sulfúrico na solução titulada contendo o ácido ascórbico gera um excesso de prótons (H+). Isso desloca o equilíbrio da reação no sentido da maior presença de ácido ascórbico do que de ácido deidroascórbico, o que, de certa forma, reduz a interferência da oxidação pelo oxigênio do ar (GIL; MATIAS, 2010). Dessa forma, o iodo irá reagir com o ácido ascórbico, oxidando-o, e assim que todo o ácido ascórbico for consumido, o excesso de iodo que entrar em contato com a solução titulante irá reagir com o amido da solução indicadora, formando um complexo de coloração azul escura. Exemplo de aplicação Suponha que você seja analista responsável pela análise de matérias-primas do setor de controle de qualidade físico-químico de uma empresa e tenha que determinar o teor de um lote de cloroquina que acabou de ser recebido. Procedimento (ANVISA, 2019a): Pesar 0,25 g da amostra e solubilizar em 50 mL de diluente, utilizando como substância indicadora metilrosanilínio. Realizar a titulação com ácido perclórico 0,1 M SV. Observação: cada mL de ácido perclórico 0,1 M SV equivale a 15,99 mg de cloroquina. Sabendo que o volume de ácido perclórico gasto com o branco (VB) foi de 0,3 mL e que em cada uma das análises foram utilizados 15,4 – 15,8 – 15,1 mL, faça o que se pede a seguir: 72 Unidade II A) Indique o volume de ácido perclórico efetivamente gasto com a matéria-prima (VMP). B) Calcule a quantidade de matéria-prima na amostra analisada (QMP). C) Sabendo que a especificação da matéria-prima é de 98% a 102%, calcule o teor encontrado e indique se a amostra passa no teste de doseamento. Resolução A) Média do volume de titulante gasto com as análises (VT) = (15,4+15,8+15,1)/3 = 15,4 VMP = VT - VB VMP = 15,4 - 0,3 = 15,1 mL B) 1 mL de solução titulante __________ 15,99 mg do fármaco15,1 mL __________ QMP QMP = 241,45 mg C) Teor = (Vobservado / Vteórico) x 100 Teor = (241,45 / 250,0) x 100 Teor = 96,6% (amostra reprovada) 5.3.1.2 Gravimetria A gravimetria é uma técnica analítica que envolve a determinação de massa, que pode ser realizada por meio da gravimetria de precipitação ou da gravimetria de volatilização, sendo a primeira a mais utilizada. Para que essa técnica seja utilizada, é necessário que a substância que se deseja quantificar tenha uma composição química definida e possua um certo grau de pureza, pois será quantificada estequiometricamente, por meio de reações químicas. Na figura a seguir são representadas as etapas da técnica de gravimetria de precipitação. 73 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Amostra em solução Formação de precipitado Filtração com papel de filtro e funil de Bückner Adição de agente precipitante Lavagem Aquecimento Pesagem e cálculos estequiométricos Figura 25 – Representação da técnica de gravimetria de precipitação Nessa técnica apresentada na figura, a quantidade de um dos constituintes de uma amostra é medida de forma indireta, por meio, por exemplo, de um íon presente nele. Adiciona-se à amostra uma substância (agente precipitante) que irá reagir com esse íon e formar um precipitado, que deverá ser recolhido por meio do uso de um filtro. O material recolhido no filtro, ainda úmido, é lavado para remoção de impurezas e depois submetido a aquecimento em estufa ou mufla, para eliminar o líquido residual, sendo depois pesado. Essa técnica pode ser utilizada para a determinação de cálcio em uma amostra. Nesse caso, adiciona-se excesso de ácido oxálico (H2C2O4) à solução contendo a amostra. Em seguida, adiciona-se amônia (NH3) para neutralizar o ácido oxálico e provocar a precipitação do cálcio (CaC2O4). Após aquecimento do CaC2O4, ocorre evaporação de monóxido de carbono (CO) e de dióxido de carbono (CO2), formando óxido de cálcio (CaO). Após o resfriamento do material, o óxido de cálcio é pesado, sendo determinada a quantidade de cálcio presente na amostra estequiometricamente (SKOOG et al., 2015). 5.3.2 Métodos instrumentais Os métodos instrumentais de análise são aqueles em que são utilizados equipamentos específicos para cada técnica analítica. Possuem como vantagens utilizarem quantidades muito pequenas de amostras, detectarem os analitos em quantidades na ordem de microgramas, além de apresentarem alta sensibilidade e serem empregados em rotina laboratorial para ensaios de doseamento (GIL; MATIAS; ORLANDO, 2010). 74 Unidade II 5.3.2.1 Métodos espectroscópicos Compreendem os métodos de espectrofotometria de absorção nas regiões do UV e visível, espectrometria de chama e espectrometria de absorção atômica. Espectrofotometria UV-visível A técnica de espectrofotometria na região do UV-visível considera a capacidade de os átomos e grupamentos químicos das moléculas analisadas absorverem e emitirem energia na região do UV-visível do espectro eletromagnético. A região do UV compreende a faixa de cerca de 200 nm a 400 nm de comprimento de onda. Já a região do visível compreende a faixa que vai de 400 nm a 700 nm de comprimento de onda. A aplicação da espectrofotometria na região do UV-visível como método analítico de doseamento é possível mediante o uso da Lei de Lambert-Beer (veja a equação a seguir). A = a x b x c Onde: A = absorbância da solução; a = absortividade molar da substância; b = caminho óptico percorrido pela luz; c = concentração da solução. De acordo com a Lei de Lambert-Beer, a absorbância da solução é diretamente proporcional ao produto da absortividade molar da substância em solução, o caminho óptico percorrido pela luz incidente na amostra e a concentração da solução. Considerando o exposto, é possível aplicar a Lei de Lambert-Beer para quantificar um IFA em solução por meio da leitura da sua absorbância. Para isso, é necessário utilizar uma equação proveniente de uma curva analítica. Uma curva analítica é construída por meio da leitura de soluções-padrões de um IFA num determinado solvente, em diferentes concentrações. As soluções-padrões devem ser preparadas com um padrão primário ou secundário do IFA, para que tenham concentração exata. Observação O caminho óptico está relacionado com o tamanho da cubeta utilizada na medida das absorbâncias. As leituras do padrão e da amostra devem ser efetuadas em cubeta de mesmo tamanho. 75 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Na figura a seguir é apresentada uma curva analítica de um IFA, a indapamida, em solução tampão fosfato pH 6,8, e a equação gerada. y = 0,0598x - 0,0039 R2 = 0,9987 Concentração (µg/mL) Ab so rb ân ci a 1,4 1,2 0 5 10 15 20 25 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 Figura 26 – Curva analítica da indapamida em solução tampão fosfato pH 6,8 No exemplo, a curva analítica foi construída por meio da análise, utilizando espectrofotometria UV, no comprimento de onda de 239 nm, de soluções de indapamida padrão secundário nas concentrações de 1,0 – 20,0 µg/mL, em solução tampão fosfato pH 6,8. Após regressão dos dados, foi obtida a equação coeficiente de determinação (R2) de 0,9987. Na equação, o eixo x representa a concentração das soluções e o eixo y, a absorbância. Dessa forma, como há uma linearidade entre as concentrações das soluções do IFA e os valores de absorbância, na faixa em que a curva analítica foi construída (1,0 – 20,0 µg/mL) é possível utilizar a equação para o doseamento desse IFA. Para isso, é necessário que a solução a ser analisada tenha concentração dentro dessa faixa. Espectrometria de absorção atômica com chama Método utilizado para determinar a concentração de íons metálicos em soluções, por meio da medida da absorção da radiação eletromagnética por átomos, empregando um atomizador de chama. É utilizado para quantificar íons metálicos em soluções, porém trata-se de um método de alto custo para uso em rotina de doseamento de IFA em controle de qualidade. 5.3.2.2 Métodos cromatográficos Os métodos cromatográficos encontram grande aplicação no doseamento de IFAs, devido a sua grande sensibilidade e especificidade, sendo possível quantificar o IFA na matéria-prima, mesmo na presença de impurezas de composição química semelhante, uma vez que se trata de uma técnica de separação contendo um sistema de detecção (GIL; MATIAS; ORLANDO, 2010). Para ensaios de doseamento, os ensaios cromatográficos com maior aplicação são a cromatografia líquida de alta eficiência (Clae) e a cromatografia gasosa (CG), sendo a primeira a mais utilizada. A CG é mais usada em ensaios de determinação de impurezas orgânicas voláteis do que em ensaios de doseamento, uma vez que requer que o analito possua alta volatilidade. 76 Unidade II Tanto na Clae quanto na CG, são gerados no ensaio gráficos que apresentam picos das substâncias analisadas. É possível calcular as áreas dos picos em determinados tempos de retenção e estimar a concentração do analito na solução analisada. Assim como na espectrofotometria, para utilizar as técnicas cromatográficas nos ensaios de doseamento, são necessárias a leitura de soluções-padrões e a obtenção de uma curva analítica e da equação proveniente da regressão correspondente. No entanto, em cromatografia, as curvas analíticas relacionam a concentração da solução com as áreas dos picos (GIL; MATIAS; ORLANDO, 2010). 6 CONTROLE DE PRODUTOS ACABADOS Os ensaios de qualidade de produtos acabados apresentam o objetivo de avaliar os atributos e as características dos produtos, que devem estar em conformidade com o que foi estabelecido como especificação pelo próprio fabricante ou de acordo com a monografia individual do produto publicada em compêndios oficiais. Essas análises englobam os ensaios físicos e físico-químicos, incluindo os ensaios de identidade, pureza e potência, que são importantes como parte da garantia de qualidade, segurança e, indiretamente, eficácia do produto. 6.1 Líquidos As formas farmacêuticaslíquidas são as preparações contendo um ou mais ingredientes ativos dissolvidos ou dispersos em um ou mais solventes ou veículos. Podemos dividir essas preparações em dois grandes grupos, as soluções e os sistemas dispersos. As soluções são preparações líquidas que contêm uma ou mais substâncias químicas dissolvidas em um solvente ou uma mistura de solventes adequados e que sejam mutuamente miscíveis. Dependendo da composição dessas preparações, podemos classificar esses produtos como xaropes, elixires, tinturas, extratos fluídos, espíritos, águas aromáticas ou soluções propriamente ditas. Já os sistemas dispersos são preparações líquidas contendo fármacos não dissolvidos ou imiscíveis que se encontram uniformemente em um veículo e podem ser denominadas como suspensões ou emulsões, quando temos um sólido ou um outro líquido disperso, respectivamente, sendo que as emulsões podem ser classificadas como formas farmacêuticas líquidas ou semissólidas, dependendo da consistência do produto. Ainda temos as formulações para uso extemporâneo, que são dispensadas como sólidos, porém são reconstituídas para formar uma solução ou uma suspensão. Portanto, são avaliadas primeiramente como sólidos e depois reconstituídas e avaliadas como líquidos. As metodologias para o controle de qualidade para as várias formas farmacêuticas líquidas não irão diferenciar muito em termos físico-químicos; o que muda é a exigência para a metodologia microbiológica para alguns produtos conforme a via de administração – por exemplo, uma solução injetável precisa ser estéril, enquanto uma solução de uso oral não tem este requisito. 77 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS A seguir, discutiremos algumas das técnicas empregadas para a avaliação de formas farmacêuticas líquidas. 6.1.1 pH A medida de pH pode ser uma ferramenta auxiliar útil em ensaios de identificação de matérias-primas de caráter básico ou ácido. Em relação aos produtos acabados, o valor de pH pode ser atribuído a uma característica de qualidade e é aplicável a soluções, suspensões e emulsões O/A. Em relação ao fármaco, a variação do pH pode modificar a estabilidade de uma forma farmacêutica no qual se encontra, alterando a solubilidade e consequentemente a biodisponibilidade. Isso porque a absorção do fármaco é alterada em decorrência do grau de ionização do fármaco que é dependente do pH do meio no qual se encontra e de seu pKa. Assim, é fundamental que haja compatibilidade com o pH fisiológico. Para esse ensaio, emprega-se um aparelho denominado pHmetro (veja a figura a seguir). É um aparelho versátil e que pode ser adaptado a diferentes necessidades através do emprego de diferentes eletrodos. Esse aparelho deve ser calibrado diariamente antes do início das atividades, empregando-se soluções com pH conhecidos, sendo usualmente empregadas soluções com pH 4, 7 e 10. O procedimento de calibração consiste em selecionar pelo menos duas soluções-tampão para calibração que não excedam quatro unidades e que contemplem o valor esperado da solução a ser testada. Deve-se imergir o eletrodo na solução-tampão de calibração na mesma temperatura em que a solução a ser testada deve ser medida e ajustar o valor de pH para o valor tabelado; lavar o eletrodo com água e então imergir na segunda solução-tampão de calibração; imergir o eletrodo e verificar o valor de pH, que deve estar dentro do valor tabelado. Quando o sistema estiver então adequadamente calibrado, deve-se determinar o valor de pH da solução a ser testada. Figura 27 – Foto do pHmetro 78 Unidade II 6.1.2 Aspectos reológicos Os aspectos reológicos são avaliados pela viscosidade, plasticidade, elasticidade e escoamento da matéria, ou seja, um estudo das mudanças na forma e no fluxo de um material, englobando todas essas variantes. Esses aspectos estão relacionados, principalmente, com a estabilidade física e aceitabilidade pelo paciente no momento da administração. Os aspectos reológicos avaliados segundo a forma farmacêutica estão apresentados no quadro a seguir. Quadro 16 – Aspectos reológicos que influenciam a aceitabilidade pelo paciente no momento da administração por forma farmacêutica Forma farmacêutica Aspectos reológicos Soluções Viscosidade aparente empregando viscosímetro de Ostwald e dados de densidade Suspensões e emulsões Viscosidade, consistência ou mesmo o comportamento reológico empregando viscosímetro de Brookfield ou copo de Ford Fonte: Gil (2010a, p. 287-288). 6.1.2.1 Viscosidade (assegurar a homogeneidade, estabilidade e posologia do produto, sendo aplicável a xaropes e suspensões) A viscosidade é a propriedade física que caracteriza a resistência de um fluido ao escoamento, ou seja, ao transporte microscópico de quantidade de movimento por difusão molecular. Isso quer dizer que quanto maior a viscosidade, menor será a velocidade com que o fluido se movimenta. O viscosímetro de Ostwald é o aparelho mais simples e popular para determinação da viscosidade de óleos e outras matérias-primas líquidas. Ele está apresentado na figura a seguir. Figura 28 – Viscosímetro de Ostwald Disponível em: https://cutt.ly/VS8jBeY. Acesso em: 25 mar. 2022. 79 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS O viscosímetro de Ostwald consiste em um sistema de tubulações no qual é cronometrado o tempo de escoamento de um fluido do menisco de referência superior até o menisco inferior, sendo esse resultado comparado com o da água, realizado nas mesmas condições. A unidade de viscosidade usual é o centipoise (cP). Para suspensões e emulsões, as propriedades reológicas, como a viscosidade, podem influenciar a liberação do fármaco a partir do veículo empregado, isso porque a viscosidade pode influenciar a taxa de difusão. Assim, manter a reprodutibilidade do comportamento reológico é um fator importante para o controle de qualidade demonstrado entre os diferentes lotes do produto. Para avaliar a viscosidade desses produtos, podemos empregar o viscosímetro de Brookfield ou o viscosímetro de copo Ford, que está apresentado na figura a seguir. Figura 29 – Viscosímetro de copo Ford Disponível em: https://cutt.ly/KS8bA4W. Acesso em: 25 mar. 2022. 6.1.2.2 Densidade (assegurar a homogeneidade do produto) A densidade (p) pode ser definida como a razão entre a massa (m) de um corpo e seu volume (V) a 20 °C, conforme a fórmula a seguir: p m V = Usualmente, a medida é feita empregando-se um picnômetro, o qual está apresentado na figura a seguir, mas também podemos empregar a balança de densidade e densímetro. O densímetro mais conhecido é o alcoômetro de Gay-Lussac, empregado para a determinação da concentração do etanol em uma solução aquosa. 80 Unidade II Figura 30 – Picnômetro Disponível em: https://cutt.ly/GS8WGSf. Acesso em: 25 mar. 2022. Já a densidade relativa é a razão entre duas densidades, sendo uma referência, e normalmente emprega-se água. Portanto, trata-se de um número adimensional. 6.1.3 Características organolépticas e sensoriais As características organolépticas devem ser avaliadas, pois esses aspectos são inclusive indicativos de estabilidade do produto. Os aspectos organolépticos envolvem a avaliação de odor, sabor e cor. Adicionalmente, podem ser avaliados alguns aspectos sensoriais, como espalhabilidade e arenosidade. Alguns aspectos organolépticos e sensoriais específicos do tipo de forma farmacêutico estão apresentados no quadro a seguir. 81 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Quadro 17 – Aspectos organolépticos e sensoriais específicos para algumas formas farmacêuticas Forma farmacêutica Ensaios específicos Suspensões Sedimentação e estado de divisão Emulsões Equilíbrio entre fases Soluções Coacervação, transparência, sedimentação e coloração Muitos fármacos ou adjuvantes farmacêuticos podem apresentar sabor desagradável. Assim, um dos grandes desafios no desenvolvimento de soluções de uso oral, especialmente para uso pediátrico, é a garantia de adequada palatabilidade,que pode ser contemplada em função das características sensoriais, como visuais, olfativas, gustativas e táteis. Elas são fundamentais a fim de garantir a aceitabilidade do medicamento e a adesão aos esquemas terapêuticos, principalmente em relação às crianças. Considera-se um medicamento palatável aquele em que as propriedades sensoriais aversivas foram minimizadas, mascaradas ou eliminadas. Assim, dentre os adjuvantes empregados com a finalidade de mascarar as características sensoriais desagradáveis, destacam-se os edulcorantes, flavorizantes e corantes. Cabe ao controle de qualidade avaliar e garantir que os aspectos sensoriais sejam garantidos e reprodutíveis entre os diferentes lotes produzidos. 6.1.4 Limpidez das soluções O teste de limpidez de soluções, também denominado teste de claridade de soluções, é exigido para os estudos de estabilidade de formas farmacêuticas líquidas. Esse teste deve ser avaliado no desenvolvimento do produto, no controle de qualidade e, por fim, deve fazer parte do estudo de estabilidade do produto. Para esse ensaio, devem-se empregar tubos de vidro neutro, incolor transparente, nos quais é disposta a solução a ser analisada. Esses tubos devem ser observados verticalmente sob luz visível e contra fundo preto. A amostra analisada deve ser comparada com um tubo referência com água ou outro solvente que faça parte da composição do produto acabado. 6.1.5 Determinação de volume A determinação de volume é requerida para formulações líquidas dispostas em recipientes de dose única ou de doses múltiplas e é aplicável tanto para produtos comercializados na forma líquida quanto para produtos de uso extemporâneo que formam um produto líquido. A determinação do volume é realizada através da massa (m), em g, do produto descontando a massa da embalagem e é correlacionada ao volume (V), em mL, através da densidade do líquido (p), em g/mL, por meio da equação da densidade, conforme apresentado a seguir: V m p = 82 Unidade II Os limites permitidos de variação ficam entre 1% e 3%, dependendo do volume total do frasco. Os critérios de aceitação estão apresentados na tabela a seguir. Tabela 6 – Relação entre volume total, número de amostra e desvios tolerados Volume declarado (mL) Tamanho da amostra (n) Desvio máximo permitido Até 10 mL 12 3% Entre 10 mL e 30 mL 10 2,5% Entre 30 mL e 100 mL 6 2% Entre 100 mL e 250 mL 3 1,5% Acima de 250 mL 2 1% Adaptada de: Gil (2010a). 6.1.6 Teste de gotejamento O objetivo do teste de gotejamento é determinar a relação do número de gotas por mililitro e a quantidade de fármaco por gota em formas farmacêuticas líquidas acondicionadas em recipientes com dosador integrado. Nesse teste é necessário conhecer o número declarado de gotas por mL ou a quantidade de fármaco em massa por gota. O gotejamento deve ser realizado com o frasco invertido na posição vertical ou conforme o ângulo de gotejamento declarado pelo fabricante, permitindo assim o fluxo por gravidade, a uma taxa constante, sem qualquer tipo de pressão adicional. Adicionalmente, deve-se manter a temperatura controlada em 20 °C ± 2 °C. Saiba mais Para se aprofundar mais no assunto de controle de qualidade de formas farmacêuticas líquidas, consulte: ANVISA. Farmacopeia Brasileira, 6ª edição. v. I-II. Brasília, 2019a. 6.2 Semissólidos Produtos semissólidos são preparações farmacêuticas destinadas à administração tópica de medicamentos, os quais podem ser aplicados na pele e em mucosas (vaginal, retal, conjuntiva e nasal). São considerados medicamentos tópicos, ou seja, são aplicados externamente sobre uma região delimitada do corpo, onde não há absorção sistêmica dos fármacos ali contidos. Os medicamentos semissólidos são representados pelas seguintes formas farmacêuticas: cremes, pomadas, géis e pastas. 83 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS • Cremes: são formas semissólidas que contêm uma fase oleosa e uma fase aquosa, formando uma emulsão, onde há um componente na fase lipofílica que eleva consideravelmente sua viscosidade. • Pomadas: são formas semissólidas que contêm agentes medicamentosos ou não e possuem efeitos físicos protetor e emoliente. • Géis: são formas semissólidas que possuem um agente gelificante disperso em uma solução aquosa ou hidroalcóolica, o qual é responsável pela viscosidade alta. • Pastas: são formas semissólidas que apresentam uma grande concentração de pós dispersos, em torno de 25% ou mais. Ainda é relevante ressaltar que, além das formas farmacêuticas, há diversas vias pelas quais as formas semissólidas podem ser administradas, mesmo de ação local e efeito tópico, aplicadas na pele ou em mucosas, tais como: via nasal, mucosa oral (ou oromucosa), gengival, cutâneo, auricular, ocular e vaginal. Os ensaios de controle de qualidade compreendem os ensaios químicos, físicos e microbiológicos. Aqui serão abordados os testes de controle de qualidade para produtos acabados semissólidos, e os ensaios microbiológicos serão tratados detalhadamente na unidade III do livro-texto. Do ponto de visto regulatório, a Instrução Normativa n. 41/2019 foi redigida com o objetivo de regulamentar a produção de medicamentos nas formas de creme e pomadas, devido à sua grande predisposição de contaminação microbiana de produtos nessas formas. Os ensaios químicos normalmente tratam a quantificação ou detecção de certas substâncias presentes no produto. Frequentemente, determinam a concentração do fármaco contido no produto e se esta encontra-se de acordo com a quantidade declarada no rótulo. Esse tipo de ensaio, também denominado como teor, é descrito na monografia farmacopeica de cada produto, a depender do próprio fármaco que será quantificado. Outros ensaios químicos podem ser comuns a vários tipos de produtos. Os ensaios físicos em geral estão relacionados à estabilidade física, uniformidade ou biodisponibilidade. Como as formas farmacêuticas semissólidas são de administração tópica e efeito local, a biodisponibilidade de fármacos contidos nessas preparações não é considerada e o atendimento às especificações das características físicas de produtos semissólidos fornece a eles eficácia terapêutica e estabilidade. Os ensaios microbiológicos avaliam a ausência ou presença de microrganismos e, quando presentes, suas quantidades. Ainda, verificam espécies específicas de microrganismos, a depender do tipo do produto e da via de administração. Há, ainda, outra maneira de classificar os ensaios de controle de qualidade: como oficiais e não oficiais. Os primeiros encontram-se na Farmacopeia Brasileira, compêndio nacional aceito pela autoridade sanitária máxima no país, a Anvisa, e também são chamados de ensaios farmacopeicos. Entre esses ensaios, há aqueles que possuem um valor especificado, um limite de aceitação para que o produto seja considerado conforme, isto é, em tal teste é tido como aprovado, pois cumpre a 84 Unidade II especificação farmacopeica. Também há ensaios oficiais que não possuem uma especificação delimitada (um valor ou faixa em que o resultado deva ser encontrado) e isso determinaria sua aprovação ou reprovação. Todavia, esses ensaios farmacopeicos servem para caracterizar o produto fabricado. Quando o resultado desse tipo de ensaio é diferente dos resultados de lotes anteriores, isso pode indicar algum desvio de qualidade, que ocasionaria problemas na qualidade do produto. Já os ensaios não oficiais não são farmacopeicos, porém podem ser realizados para auxiliar na caracterização das propriedades dos produtos e fica a critério de cada fabricante. No quadro a seguir estão descritos os ensaios físicos oficiais e não oficiais para produtos semissólidos. Por fim, é válido ressaltar que a Anvisa publicou o Guia n. 20/2019, que aborda os requisitos de qualidade para produtos tópicos e transdérmicos, apesar de ser um compêndio oficial. Quadro 18 – Tipos de ensaios para produtos semissólidos: físicos, químicos oficiais e não oficiais Ensaios nãooficiais Ensaios oficiais Ensaios com especificações Ensaios para caracterização* Testes químicos Liberação do fármaco Teor** Determinação de pHUniformidade de conteúdo Testes físicos Caracterização sensorial Determinação de peso Viscosidade Caracterização reológica Determinação da faixa ou temperatura de fusãoEspalhabilidade Testes microbiológicos Não se aplica Limites microbianos Não se aplicaPesquisa de patogênicos Teste de esterilidade * Ensaios informativos, sem limites ou resultados especificados. ** De acordo com a monografia farmacopeica específica. 6.2.1 Ensaios físicos 6.2.1.1 Determinação de peso A determinação de peso é tida como ensaio físico oficial e que apresenta limite de aceitação para ser considerado em conformidade com teste. O ensaio de determinação de peso é executado para produtos de formas farmacêuticas semissólidas acondicionados em embalagens primárias para dose múltiplas. Para o ensaio de determinação de peso, primeiramente deve-se pesar individualmente 10 unidades do produto em questão, contemplando o medicamento e sua embalagem primária. Posteriormente, o medicamento deve ser removido por completo da embalagem, e a embalagem primária deve ser lavada com solvente apropriado, para que o produto seja totalmente retirado. 85 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Em seguida a embalagem deve ser seca à temperatura ambiente e novamente pesada. Faz-se, então, a diferença entre o peso inicial (produto e embalagem primária) e a embalagem primária vazia, limpa e seca. O valor encontrado será o peso do conteúdo (semissólido). Esse procedimento é feito em 10 unidades de produto e a média aritmética determinará o peso médio. O peso médio dos conteúdos não deve ser inferior ao peso declarado (que está contido no rótulo, também denominado peso líquido), e o peso individual de cada unidade não deve ser inferior a determinada porcentagem (descrita na tabela a seguir), de acordo com o peso declarado. Se os resultados desse ensaio estiverem em desacordo com os limites farmacopeicos, é obrigatório determinar o peso individual do conteúdo de mais 20 unidades do produto. Neste caso, o procedimento adotado deve ser o mesmo que o anterior: pesar as 20 unidades dentro de suas embalagens primárias; remover integralmente o conteúdo das embalagens; lavar as embalagens e deixar secá-las à temperatura ambiente; pesar as embalagens secas; calcular a diferença entre o peso inicial e o peso final. Porém, o cálculo do peso médio deve ser feito com as 30 unidades (as 10 unidades primeiras e as 20 unidades adicionais). Esse peso médio não deve ser inferior ao peso médio declarado na embalagem do produto e apenas o peso individual de 1 unidade das 30 pode ser inferior à porcentagem indicada na tabela a seguir em relação ao peso declarado. Tabela 7 – Especificação de peso médio para formas farmacêuticas semissólidas Peso declarado no rótulo Porcentagem mínima aceita em relação ao peso declarado Até 60 g 90% Entre 60 g e 150 g 92,5% Acima de 150 g 95% 6.2.1.2 Determinação da faixa ou temperatura de fusão Por definição, a temperatura ou ponto de fusão de uma substância é aquela temperatura na qual determinada substância encontra-se integralmente fundida. É uma propriedade relevante, pois pode configurar um teste indicativo da identidade de uma substância. Já a faixa de fusão compreende o intervalo de temperatura no qual uma substância inicia sua fusão (inicializa sua fluidificação) e a temperatura de término da fusão (temperatura na qual encontra-se completamente fundida). A transição de estado pode ser imediata para um material de alta pureza, porém em misturas de substâncias é comum observar um intervalo para que esse processo ocorra, como acontece em medicamentos. Na Farmacopeia Brasileira (ANVISA, 2019a), a determinação da faixa ou temperatura pode ser realizada por três métodos, porém apenas o método III é para produtos semissólidos e matérias-primas semissólidas. 86 Unidade II O método III consiste em fundir a amostra sob agitação até a faixa de temperatura de 90 °C a 92 °C e em seguida deixá-la esfriar até o intervalo entre 8 °C e 10 °C acima do ponto de fusão esperado. Deve-se também resfriar o bulbo do termômetro até 5 °C, secá-lo e, ainda frio, mergulhar na amostra fundida até sua metade. Posteriormente, deve ser retirado e colocado na posição vertical até que a superfície da amostra encontrada sobre o bulbo se solidifique, e colocado em banho-maria por 5 minutos à temperatura não maior que 16 °C. Na sequência, deve-se inserir o termômetro em um tubo de ensaio que tenha uma rolha perfurada (onde o termômetro irá ficar), de forma que o extremo inferior esteja em torno de 15 mm acima do fundo do tubo. Depois, é necessário posicionar o tubo em banho-maria a 16 °C e aumentar a temperatura até 30 °C, numa escala de 2 °C por minuto. Após essa temperatura, continuar a elevação da temperatura numa frequência de 1 °C por minuto até que a primeira gota da amostra se solte do termômetro. A temperatura em que esse evento ocorre é tida como o ponto de fusão. Deve-se realizar o ensaio em triplicata. Se a diferença máxima entre cada determinação for menor que 1 °C, deve-se realizar a média aritmética dos três valores. Se não, devem-se realizar mais duas determinações e calcular a média aritmética com os cinco valores. 6.2.1.3 Viscosidade A avaliação da viscosidade consiste em um ensaio físico, oficial e que não apresenta um valor especificado a ser seguido. A viscosidade é uma propriedade que expressa a resistência de um fluido ao escoamento. Se for considerado que um fluido se apresenta em camadas e que para cada camada é preciso deslizar uma camada sobre outra, a resistência nessa ação mecânica configuraria a viscosidade. Dessa forma, pode ser exemplificado que agitar a água é mais fácil do que a glicerina, pois a primeira possui menor resistência à ação mecânica, ou seja, tem menor viscosidade. A unidade adotada para aferição da viscosidade pelo sistema CGS (acrônimo para centímetro-grama- segundo, no qual se considera como unidade para comprimento o centímetro, para massa o grama e para tempo o segundo) é poise (P), porém pelo Sistema Internacional de Unidade (SI) emprega-se o pascal segundo (Pa.s). É comum utilizar a unidade centipoise (cP), onde 1 cp corresponde a 100 P, e o milipascal segundo (mPa.s), no qual 1 Pa.s equivale a 1.000 mPa.s. Notadamente, a unidade poise é considerada obsoleta, porém ainda é empregada. A relação entre essas unidades é descrita na equação a seguir: 1.000 mPa.s = 1 Pa.s = 10 P = 1.000 cP Na tabela a seguir são descritos valores de viscosidade de fluidos do campo farmacêutico. 87 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Tabela 8 – Valores de viscosidade em mPa.s de alguns fluidos empregados na área farmacêutica Fluido Viscosidade a 20 °C (mPa.s) Água 1,002 Etanol 1,20 Glicerina 1.490 Como descrito na tabela, o valor de viscosidade deve ser verificado junto com a temperatura onde a aferição é feita, pois a viscosidade relaciona-se com a temperatura de forma inversamente proporcional. A determinação da viscosidade pode ser efetuada com o emprego de alguns métodos e tipos de equipamentos – estes, conhecidos como viscosímetros. Todavia, para produtos semissólidos que notavelmente possuem alta consistência, alguns podem são ser indicados devido à metodologia usada. O viscosímetro de Brookfield (veja a figura a seguir) pode ser usado para esse tipo de amostra. Para tanto, utiliza-se a medição da resistência ao movimento de rotação de eixos metálicos (chamados spindles, na língua inglesa) no momento em que são submersos no fluido a ser analisado. Spindle Figura 31 – Viscosímetro de Brookfield Adaptada de: Lopes, Oliveira e Rocha (2017). 88 Unidade II Determinação da viscosidade com viscosímetro de Brookfield No viscosímetro de Brookfield, a viscosidade é determinada através da força necessária para que o spindle gire quandosubmerso no fluido (amostra). A resistência que essa ação mecânica encontra configura a viscosidade do produto analisado. O procedimento, então, consiste em transferir a amostra para um recipiente até um nível que permite que o spindle seja devidamente imerso dentro do produto. A escolha do spindle é fundamental para a correta aferição da viscosidade, pois para cada tipo de fluido, dependendo da consistência, um spindle mais adequado deve ser usado. Normalmente, o aparelho possui um conjunto de spindles para serem utilizados de acordo com cada tipo de fluido a ser analisado. Deve-se acoplar o spindle escolhido e programar o equipamento para uma rotação (previamente apropriada para tipo de fluido). Em seguida, o spindle é mergulhado na amostra; deve-se então operar o aparelho e verificar o valor que surge em seu visor. O valor encontrado é expresso em centipoise. 6.2.1.4 Caracterização reológica Apesar de estar intimamente relacionado com a viscosidade, o comportamento reológico consiste em uma avaliação mais detalhada das propriedades viscoelásticas do produto e é considerado um ensaio físico e não oficial. Os equipamentos empregados são denominados reômetros. Podem-se encontrar os seguintes tipos: reômetro rotacional cilíndrico coaxial, reômetro rotacional sensores especiais, reômetro rotacional placa-cone (veja a figura a seguir) e reômetro rotacional placa-placa. A) B) Rp Ro Ri h(r) r θ H Rp C) ω, M ω, M ω, M Figura 32 – Esquema de reômetros rotacionais: A) cilíndrico coaxial; B) placa-placa; C) cone-placa, onde M é torque requerido para movimentar o topo da placa ou o centro do cilindro a uma velocidade ω; R é raio; h e H são altura; e θ é ângulo Adaptada de: Wilson (2018). 89 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Reologia é a ciência que estuda a deformação de um fluido frente a uma força sobre ele aplicada. Em termos quantitativos, pode-se enunciar que a velocidade de fluxo (Ɣ, unidade segundo recíproco, s-1) do fluido é diretamente proporcional à tensão (δ, unidade Pa, pascal) dinâmica, também conhecida como viscosidade (ɳ, unidade Pascal segundo, Pa.s), como demonstrado na equação a seguir: δ = η . Ɣ Essa equação foi proposta a primeira vez por Newton, e os fluidos que a seguem são denominados fluidos newtonianos. Na prática, a alteração da velocidade de cisalhamento não altera a viscosidade do fluido. Como exemplo de fluido newtoniano tem-se a água, o etanol e a solução de cloreto de sódio. Por outro lado, os fluidos que não a seguem são chamados de fluidos não newtonianos, ou seja, a viscosidade varia com a velocidade de cisalhamento. Vale destacar que boa parte dos fluidos que são medicamentos não segue a Lei de Newton; logo, são fluidos não newtonianos. Assim, a avaliação do comportamento reológico de uma forma farmacêutica semissólida se faz relevante, pois pode resultar no tempo de retenção no local de administração, o que pode impactar na diminuição da quantidade do fármaco, até abaixo dos níveis terapêuticos. No que se refere ao comportamento de um fluido frente a diferentes velocidades de cisalhamento, a determinação se ele é newtoniano ou não só é possível com a avaliação do seu comportamento reológico. Nesse tipo de ensaio determinam-se as características reológicas de um fluido, com emprego de inúmeras velocidades, e ao final uma curva de fluxo é construída. Assim, é possível analisar se houve alteração da viscosidade com alteração da velocidade de cisalhamento. Já na avaliação da viscosidade, apenas uma velocidade de cisalhamento é aplicada sobre o fluido, o que não permite elucidar e analisar esse aspecto do fluido. Os fluidos de fluidos não newtonianos podem ser agrupados nos seguintes tipos: fluidos plásticos, fluidos pseudoplásticos e fluidos dilatantes (veja a figura a seguir). Os fluidos plásticos são aqueles em que a viscosidade diminui com o aumento da velocidade de cisalhamento, porém só a partir de determinada velocidade. Já os fluidos pseudoplásticos são aqueles em que a viscosidade diminui com o aumento da velocidade de cisalhamento, assim que a velocidade é aplicada sobre ele. E nos fluidos dilatantes, a viscosidade aumenta com o aumento da velocidade de cisalhamento. Para a avaliação do comportamento reológico de produtos semissólidos medicamentosos, o ensaio determina uma curva de fluxo em escala logarítmica, realizado em reômetro, onde deve-se determinar em qual temperatura será realizado (unidade grau Celsius, °C), o número de pontos usados, o intervalo de tempo para cada ponto a ser coletado (unidade segundos, s), o intervalo de tensão de cisalhamento (unidade Pascal, Pa) e o intervalo de taxa de cisalhamento (unidade segundo recíproco, s-1). Ainda, alguns parâmetros deverão ser verificados, a depender do tipo de reômetro e do seu software. 90 Unidade II A) B) C) D) Te ns ão d e ci sa lh am en to (P a) Te ns ão d e ci sa lh am en to (P a) Te ns ão d e ci sa lh am en to (P a) Te ns ão d e ci sa lh am en to (P a) Velocidade de cisalhamento (S-1) Velocidade de cisalhamento (S-1) Velocidade de cisalhamento (S-1) Velocidade de cisalhamento (S-1) Figura 33 – Curvas de fluxo de tipos de fluidos: A) plástico; B) pseudoplástico; C) newtoniano; D) dilatante 6.2.1.5 Caracterização sensorial A caracterização sensorial é um tipo de avaliação física e não oficial. Também conhecida como organoléptica, refere-se às propriedades detectáveis de um produto usando os órgãos do sentido e compreende aspecto, cor, odor e tato (sensação ao toque). Como refere-se a uma análise particular de cada produto e por não ser oficial, não há metodologia padronizada para sua realização. No entanto, considerando que grande parte deles é encontrada nas formas semissólidas, a caracterização sensorial pode ser realizada usando o Guia de Controle de Qualidade de Produtos Cosméticos, publicado pela Anvisa, como roteiro para que cada fabricante crie seus procedimentos próprios. Esses ensaios podem não ser determinantes e confirmatórios, mas com seu uso é possível verificar alterações físicas, como turvação, separação de fases e precipitação, o que já configura desvios de qualidade. É aconselhável empregar uma amostra padrão, que deve ser mantida nas condições apropriadas e controladas para o produto. A caracterização sensorial pode abranger as seguintes propriedades: • presença de bolhas e sedimentos; • homogeneidade de cor; • tipo de toque do produto (seco, molhado ou rubefaciente); • presença de brilho. 91 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Aspecto Realizada a observação das características macroscópicas da amostra, é necessário compará-la com o produto padrão e verificar se houve alguma alteração de cor, aspecto, aparência, precipitação, turvação, separação de fases, entre outras. Cor A avaliação da cor pode ser realizada com a colocação da amostra em recipiente incolor e do produto padrão também em recipiente de igual especificação, os quais serão comparados a olho nu. A análise da cor também pode ser feita com emprego das técnicas de colorimetria fotoelétrica ou colorimetria espectrofométrica. Na colorimetria fotoelétrica utiliza-se uma célula fotoelétrica como detector da cor, a qual consiste no uso de uma faixa estreita de comprimento de onda obtida pela passagem da luz branca. O equipamento usado é o fotômetro. Ademais, a colorimetria espectrofométrica emprega vários comprimentos de onda na região do visível, e o equipamento usado é o espectrofotômetro. 6.2.1.6 Avaliação da espalhabilidade A avaliação da espalhabilidade de produtos semissólidos pode ser realizada para alguns métodos encontrados na literatura científica. Esse ensaio é físico e não oficial. Vale ressaltar que independentemente do método usado a temperatura pode interferir no resultado; logo, ela deve ser aferida durante o ensaio, assim como na avaliação da viscosidade. Um dos métodos que podem ser feitos consiste no uso de placasde vidro, com as seguintes características: • uma placa de vidro circular, chamada de placa molde, de 20 cm de diâmetro e 0,2 mm de espessura, com orifício central de 1,2 cm de diâmetro; • uma placa de vidro quadrada, chamada de placa suporte, de 20 cm × 20 cm; • uma placa de vidro, de peso predeterminado, quadrada, chamada de placa carga. Para realizar o ensaio, a placa molde deve ser posicionada sobre a placa suporte, e sobre as placas deve ser colocada uma folha de papel milimetrado. A amostra do produto semissólido deve ser aplicada no orifício da placa molde, e sua superfície deve ser devidamente aplainada com auxílio de uma espátula. Em seguida, a placa molde deve ser delicadamente tirada sobre a placa suporte, e sobre a amostra uma nova placa deve ser disposta: a placa carga, que já tem seu peso determinado previamente. Nesse ponto, o produto semissólido é espalhado pela placa carga, devido ao seu peso, e as dimensões da espalhabilidade podem ser medidas com papel milimetrado (que está abaixo). Espera-se 1 minuto após a placa suporte ser colocada, medem-se as dimensões alcançadas pelo semissólido, pois ele se espalha sobre a superfície, e então medem-se os diâmetros das dimensões opostas (d1 e d2). Com esses valores é feita uma média, o diâmetro médio (d). 92 Unidade II Na sequência, nova placa carga é adicionada e novamente o diâmetro médio é calculado. Essa operação é continuadamente realizada até que o diâmetro médio seja constante. Nesse momento, o ensaio é finalizado. O último valor do diâmetro médio (unidade milímetros, mm) é empregado para calcular a espalhabilidade com a equação a seguir: E� d2� 4 Onde: E = espalhabilidade; d = diâmetro médio. Outro método para avaliação da espalhabilidade pode ser realizado do seguinte modo: coloca-se excesso de amostra de um produto semissólido entre duas lâminas de vidro, que comprimem para a amostra. Posteriormente, coloca-se sobre as lâminas um peso de massa conhecida por um tempo definido, até que se forme uma camada uniforme entre elas. Em seguida, as lâminas devem ser separadas e o tempo para tal procedimento deve ser medido, considerando a espalhabilidade. O menor tempo gasto para separar as duas lâminas resulta na melhor espalhabilidade (unidade segundos, s). O cálculo é feito usando a equação a seguir: E M L T . = Onde: E = espalhabilidade; M = massa do peso colocado sobre as lâminas; L = comprimento de cada lâmina; T = tempo gasto para separá-las (em segundos, s). 6.2.2 Ensaios químicos 6.2.2.1 Determinação de pH O pH, por definição, é o logaritmo negativo da concentração molar de íons de hidrogênio (H3O +), como demonstrado na equação a seguir: pH = —log [H3O 3] 93 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS A determinação de pH é um ensaio químico oficial, porém sem limite especificado, isto é, irá variar de acordo com cada produto. É estabelecida através da atividade de íons hidrogênio presentes de uma amostra. A concentração do íon hidrogênio é considerada conforme uma escala (pH), compreendida entre 1 e 14. A escala de pH é invertida, ou seja, quanto maior o valor, menor é a concentração de íons hidrogênio. A determinação de pH é realizada através da diferença de medida entre dois eletrodos imersos na amostra. O equipamento empregado para esse teste é chamado de peagômetro ou pHmetro, contendo eletrodo de vidro. Para aferição do pH de produtos semissólidos, é recomendado que seja preparada previamente uma solução ou dispersão em água destilada desprovida de CO2, a partir da amostra em dada concentração preestabelecida. No entanto, também é possível fazer a medição diretamente na amostra, a depender do tipo de equipamento empregado. O eletrodo do peagômetro deve ser retirado da solução de KCl (cloreto de potássio) em que fica armazenado, lavado em água destilada e seco delicadamente com papel fino. Em seguida, o eletrodo deve ser calibrado com as soluções padrão que normalmente acompanham o equipamento. Deve-se lavar o eletrodo novamente, como feito anteriormente, colocá-lo na amostra já preparada e conferir o valor que surge no visor do equipamento. É necessário realizar três medições consecutivas, não devendo haver variação maior que 0,05. 6.2.2.2 Avaliação da liberação do fármaco O ensaio de liberação de fármacos a partir de produtos acabados semissólidos não é um ensaio oficial, porém é um ensaio químico. Apesar de esse tipo de ensaio não ser farmacopeico, há grande discussão da importância de se avaliar a forma como o fármaco é liberado ao longo de um determinado período de tempo em produtos semissólidos. Mesmo esses produtos sendo de administração tópica, na pele ou mucosas, e de efeito no local de aplicação, é necessário conhecer a extensão da liberação (inclusive deve-se notar se ela ocorre) e se os excipientes não influenciam na liberação do fármaco. Caso haja alguma situação que comprometa a liberação do fármaco, provavelmente isso impactará no seu efeito terapêutico. Além disso, desde que a lei de criação dos medicamentos genéricos (Lei n. 9.787, de 10/02/1999) foi implementada, há um crescimento de registro e comercialização de produtos genéricos nas formas semissólidas, e o mesmo ocorre para medicamentos similares. Logo, esse ensaio é importante durante o desenvolvimento de produtos, no ato da solicitação de registro e para alterações pós-registro. Todavia, esse tipo de teste não é realizado rotineiramente para a liberação de medicamentos semissólidos após sua produção. A avaliação da liberação de fármaco pode ser realizada por algumas técnicas, conhecidas como: • o método de difusão in vitro, em que há o uso da célula de difusão, mais conhecida como célula de Franz (veja a figura a seguir); • o método de liberação com uso da célula de fluxo, também chamada de aparato IV. 94 Unidade II Figura 34 – Representação esquemática da célula de difusão vertical Adaptada de: Hanson Research Corporation (2004). No ensaio de difusão com uso de célula de Franz, uma membrana é empregada para simular a pele ou a mucosa e adiciona uma quantidade determinada do produto na parte do equipamento chamada compartimento doador. A liberação do fármaco vai sendo realizada através da sua saída do produto, passagem pela membrana e sua chegada a uma solução (meio receptor). O ensaio deve ter agitação e temperatura controladas, compatíveis com as condições corporais, pois esses parâmetros podem interferir na liberação do fármaco. Em intervalos de tempo estabelecidos, alíquotas do meio são retiradas, e posteriormente a quantificação do fármaco é realizada. No momento em que o meio é retirado, um novo volume de meio deve ser adicionado ao sistema. 6.2.3 Ensaios microbiológicos Embora seja na unidade III que os ensaios de controle de qualidade microbiológico serão abordados, aqui serão destacados brevemente os ensaios microbiológicos realizados em produtos semissólidos. Quando se refere à avaliação microbiológica de medicamentos, devem-se considerar dois tipos de produtos: os estéreis e os não estéreis. Os primeiros são aqueles nos quais não são encontradas partículas viáveis, que entendem-se por microrganismos, e os segundos são aqueles em que são encontradas partículas viáveis, porém há limites (farmacopeicos) quanto à quantidade e aos tipos que devem estar ausentes. Logo, tomando essa definição, os produtos semissólidos podem ser estéreis, como as pomadas oftálmicas, e não estéreis, como os cremes contendo um fármaco anti-inflamatório para uso na pele. Os métodos para análise microbiológica de produtos estéreis e não estéreis são ensaios oficiais e apresentam limites especificados. No que se refere à qualidade microbiológica de produtos, devem ser avaliados os limites microbianos, o tipo de contaminação mais provável e a via de administração do produto. Nessa situação, sendo os produtos semissólidos de administração tópica, é essa via que deverá ser considerada. Mesmo por via tópica, os produtos semissólidos podemser administrados por via nasal, oromucosa, gengival, cutânea, auricular e vaginal. No quadro a seguir estão reunidos os ensaios microbiológicos que são realizados para produtos semissólidos. 95 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Quadro 19 – Ensaios microbiológicos oficiais realizados em produtos semissólidos Ensaios microbiológicos para produtos semissólidos Produtos não estéreis Limite microbiano Filtração em membrana Contagem em placas Método dos tubos múltiplos (NMP) Pesquisa de patogênicos Produtos estéreis Teste de esterilidade Filtração em membrana Método da inoculação direta em meio de cultura No caso de produtos semissólidos não estéreis, há dois tipos de ensaios a serem verificados: o ensaio de limites microbianos aceitáveis e o ensaio de pesquisa de patógenos. O ensaio de limites microbianos pode ser realizado por três métodos a escolher: a filtração por membrana, a contagem por placa ou o método de tubos múltiplos ou número mais provável (NMP). Este deve ser realizado quando não for possível determinar o número de microrganismos pelos outros métodos, mesmo quando se acredita que a quantidade de bactérias é baixa. Independentemente do método usado, sua eleição deve ser feita de acordo com a natureza do produto e o número esperado de microrganismos. Para a pesquisa de microrganismos patogênicos, a presença vai depender da via de administração e do tipo de produto. • Base galênica na forma de semissólidos: ausência de Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa. • Produtos semissólidos acabados de origem sintética ou biológica, de administração tópica nasal, oromucosa, gengival, cutânea e auricular: ausência de Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa. • Produtos semissólidos acabados de origem sintética ou biológica, de administração tópica vaginal: ausência de Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e Candida albicans. • Produtos semissólidos acabados de origem vegetal, de administração tópica nasal, oromucosa, gengival, cutânea e auricular: ausência de Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e Clodtridium sp. • Produtos semissólidos acabados de origem vegetal, de administração tópica vaginal: ausência de Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e Candida albicans. 96 Unidade II Observação Base galênica não é um produto acabado. Apesar desse item se referir a produtos semissólidos acabados, as bases galênicas são muitas vezes empregadas para o preparo de produtos terminados nas formas semissólidas. Como definição, base galênica é uma preparação composta de um ou mais insumos farmacêuticos de formulação determinada, destinada para ser empregada como veículo ou excipiente de produto farmacêutico (BRASIL, 2007b). Para a avaliação da qualidade de produtos estéreis, é feito o teste de esterilidade, que pode ser feito através dos seguintes métodos: filtração por membrana e método da inoculação direta em meio de cultura. Em quaisquer dos métodos empregados, a quantidade de amostra deve seguir a recomendação farmacopeica, segundo o tipo de produto e o tamanho do lote. Monografias farmacopeicas de três medicamentos semissólidos Nistatina creme vaginal Contém, no mínimo, 90,0% e, no máximo, 130,0% da quantidade declarada de C47H75NO17. Características Determinação de peso (5.1.1). Cumpre o teste. Testes de segurança biológica Contagem do número total de micro-organismos mesofílicos (5.5.3.1.2). Cumpre o teste. Pesquisa de micro-organismos patogênicos (5.5.3.1.3). Cumpre o teste. Doseamento Proceder conforme descrito em Doseamento na monografia de Nistatina. Preparar Solução amostra como descrito a seguir. Solução amostra: misturar, com exatidão, em liquidificador de alta velocidade, quantidade de creme vaginal com dimetilformamida, de modo a obter concentração de cerca de 400 UI/mL de nistatina. Diluir, sucessivamente, essa solução em Tampão fosfato de potássio a 10%, estéril, pH 6,0 (solução 4) de modo a obter soluções na faixa de concentração adequada para a curva padrão. 97 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Embalagem e armazenamento Em recipientes bem fechados, protegidos da luz e em temperatura inferior a 25 °C. Rotulagem Observar a legislação vigente. Tiabendazol pomada Contém, no mínimo, 90,0% e, no máximo, 110,0% da quantidade declarada de C10H7N3S. Identificação A. No espectro de absorção no ultravioleta (5.2.14) na faixa de 200 nm a 400 nm, da solução amostra obtida em Doseamento, há máximo de absorção em 302 nm, idêntico ao observado no espectro da solução padrão. B. Dispensar quantidade da pomada equivalente a 10 mg de tiabendazol em 5 mL de ácido clorídrico M, adicionar 5 mg de cloridrato de dimetil-p-fenilenodiamina e homogeneizar. Adicionar 0,1 g de zinco em pó, agitar e deixar em repouso por dois minutos. Adicionar 5 mL de sulfato férrico amoniacal SR. Desenvolve-se coloração azul intensa ou azul-violeta. Características Determinação de peso (5.1.1). Cumpre o teste. Testes de segurança biológica Contagem do número total de micro-organismos mesofílicos (5.5.3.1.2). Cumpre o teste. Pesquisa de micro-organismos patogênicos (5.5.3.1.3). Cumpre o teste. Doseamento Proceder conforme descrito em Espectrofotometria de absorção no ultravioleta (5.2.14). Pesar quantidade da pomada equivalente a 50 mg de tiabendazol e transferir, quantitativamente, para funil de separação de 250 mL de capacidade, com auxílio de 50 mL de éter etílico. Agitar para dissolver a pomada e extrair com quatro porções de 40 mL de ácido clorídrico 0,1 M. Reunir o extrato aquoso em balão volumétrico de 250 mL e aquecer levemente para eliminar resíduos de éter etílico. Resfriar e completar o volume com ácido clorídrico 0,1 M. Transferir 5 mL desta solução para balão volumétrico de 200 mL e completar o volume com 98 Unidade II ácido clorídrico 0,1 M, de modo a obter solução a 0,0005% (p/v). Preparar solução padrão na mesma concentração, utilizando o mesmo solvente. Medir as absorvâncias das soluções resultantes em 302 nm, utilizando ácido clorídrico 0,1 M para ajuste do zero. Calcular a quantidade de C10H7N3S na pomada a partir das leituras obtidas. Embalagem e armazenamento Em recipientes perfeitamente fechados e ao abrigo do calor excessivo. Rotulagem Observar a legislação vigente. Piroxicam gel Contém, no mínimo, 95,0% e, no máximo, 105,0% da quantidade declarada de C15H13N3O4S. Identificação A. Proceder conforme descrito em Cromatografia em camada delgada (5.2.17.1), utilizando sílicagel GF254, como suporte, e mistura de acetato de etila, álcool metílico e ácido acético glacial (80:10:1), como fase móvel. Aplicar, separadamente, à placa, 5 μL de cada uma das soluções recentemente preparadas, descritas a seguir. B. Solução (1): misturar quantidade de gel contendo 10 mg de piroxicam com 0,1 mL da solução saturada de ácido clorídrico até que a solução fique turva. Diluir para 5 mL com ácido clorídrico metanólico 0,01 M. Agitar bem, centrifugar e utilizar a solução sobrenadante límpida. Filtrar, se necessário. Solução (2): preparar solução a 0,2% (p/v) de piroxicam SQR em ácido clorídrico metanólico 0,01 M. Desenvolver o cromatograma. Remover a placa, deixar secar ao ar. Examinar sob luz ultravioleta (254 nm). A mancha principal obtida com a solução (1) corresponde em posição e intensidade àquela obtida no cromatograma da solução (2). O tempo de retenção do pico principal do cromatograma da solução amostra, obtida em Doseamento, corresponde àquele do pico principal da solução padrão. Características pH (5.2.19). 7,2 a 8,2. Determinar em solução do gel a 10% (p/v). 99 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Determinação de peso (5.1.1). Cumpre o teste. Testes de segurança biológica Contagem do número total de micro-organismos mesofílicos (5.5.3.1.2). Cumpre o teste. Pesquisa de micro-organismos patogênicos (5.5.3.1.3). Cumpre o teste. Doseamento Proceder conforme descrito em Cromatografiaa líquido de alta eficiência (5.2.17.4). Utilizar cromatógrafo provido de detector ultravioleta a 248 nm; coluna de 250 mm de comprimento e 4,6 mm de diâmetro interno, empacotada com sílica quimicamente ligada a grupo octilsilano (3 μm a 10 μm), e pré-coluna de 100 mm de comprimento e 4,6 mm de diâmetro interno quimicamente ligada a octilsilano (5 μm), mantidas à temperatura de 40 °C, fluxo da Fase móvel de 1,0 mL/minuto. Fase móvel: mistura de fosfato de sódio dibásico di-hidratado 0,05 M, com o pH ajustado para 3,5 com ácido fosfórico, acetonitrila e álcool metílico (55:30:15). Solução amostra: transferir quantidade de gel equivalente a 5 mg de piroxicam para balão volumétrico de 100 mL, adicionar 5 mL de ácido clorídrico metanólico 0,01 M e agitar por 30 minutos. Adicionar 50 mL de Fase móvel e agitar vigorosamente por 30 minutos. Completar o volume com a Fase móvel e agitar. Filtrar a solução com filtro de microfibra de vidro de 1,0 μm de diâmetro de poro. Solução padrão: preparar uma solução a 1 mg/mL de piroxicam SQR em ácido clorídrico metanólico 0,01 M. Submeter a solução, se necessário, a banho de ultrassom à temperatura ambiente. Retirar alíquota de 5 mL dessa solução, transferir para balão volumétrico de 100 mL e completar o volume com Fase móvel. Procedimento: injetar, separadamente, 10 μL da solução padrão e da solução amostra, registrar os cromatogramas e medir as áreas sob os picos. Calcular a quantidade de C15H13N3O4S no gel a partir das respostas obtidas com a solução padrão e a solução amostra. Embalagem e armazenamento Em recipientes bem fechados, protegidos da luz e em temperatura ambiente. Rotulagem Observar legislação vigente. Adaptado de: Anvisa (2019a). 100 Unidade II 6.3 Sólidos Se considerarmos os produtos administrados por via oral, observaremos que as formas farmacêuticas preferidas pelos pacientes são as sólidas, e dentre elas os comprimidos e as cápsulas são os mais utilizados. Além dos comprimidos e cápsulas, temos os pós e grânulos disponíveis no mercado como produto acabado, mas também constituem etapas de processo de obtenção de produtos acabados como cápsulas e comprimidos. As formas farmacêuticas sólidas, como comprimidos, drágeas, cápsulas, pós e granulados, requerem variados ensaios de qualidade físicos oficiais e ensaios complementares não oficiais (testes ou especificações que não estão descritos nas farmacopeias, sendo estabelecidos pelos próprios fabricantes), conforme descrito no quadro a seguir. Quadro 20 – Ensaios físicos aplicados a comprimidos e cápsulas Formas farmacêuticas Oficiais Não oficiais Comprimidos - Peso - Desintegração - Dureza - Friabilidade - Dissolução - Dimensões - Aspectos - Cor Cápsulas - Peso - Desintegração - Dissolução - Aderência - Cor - Resistência ao choque Adaptado de: Anvisa (2019a). Lembrete O termo não oficial refere-se a testes ou especificações que não estão descritos nas farmacopeias, sendo estabelecidos pelos próprios fabricantes. Em relação aos pós e granulados, podem ser avaliadas a umidade e a granulometria, pois esses fatores influenciam no fluxo do pó ou do grânulo no preenchimento da embalagem do produto final, assim como nas diferentes máquinas empregadas nos processos de produção. Entretanto, esses parâmetros podem influenciar no processo de compressão, na dureza e na friabilidade dos comprimidos, podendo também impactar na biodisponibilidade dos fármacos presentes em comprimidos. 6.3.1 Peso O peso médio em embalagens e formas farmacêuticas deve ser executado em balanças de sensibilidade adequadas, tanto para produtos de dose única quanto para os produtos de doses múltiplas. Quando a embalagem que contém o produto é rotulada por peso, é necessário: selecionar uma amostra de 10 e remover o rótulo que possa resultar em alteração de peso durante a remoção do conteúdo 101 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS das embalagens; limpar e secar cuidadosamente a parte externa da embalagem e pesar a embalagem cheia, cada uma individualmente; remover quantitativamente o conteúdo de cada embalagem e lavar com um solvente adequado, tomando o cuidado de manter todas as partes da embalagem que foi pesada anteriormente; secar bem e pesar a embalagem vazia. O peso líquido do produto é representado pela diferença entre a embalagem cheia e a embalagem vazia, e a média de pesos obtida não pode ser inferior ao descrito no rótulo do produto. Caso a especificação não seja atendida, deve-se determinar o conteúdo de mais de 20 embalagens. A média será então executada com as 30 unidades e irá atender à especificação do produto. Já para medicamentos de doses individuais, como cápsulas, comprimidos ou drágeas, devem ser empregadas 20 unidades para cada formulação. A determinação de peso médio é dada pelo quociente da somatória dos pesos individuais de cada unidade pelo número de unidades amostradas. Quanto maior for o desvio padrão maior, menor será a uniformidade do envase. 6.3.2 Aspecto A análise visual é um ensaio de qualidade, quando se aplica a produtos acabados ou materiais de acondicionamento e embalagem. Para comprimidos e cápsulas, devemos considerar as características visuais como sendo essenciais tanto para a aceitação por parte do paciente como para a uniformidade entre os comprimidos ou entre os lotes avaliados no controle de qualidade. O controle de aspecto geral de comprimidos e cápsulas inclui a quantificação de algumas propriedades, tais como tamanho, forma, cor, presença ou ausência de cheiro e/ou sabor, rugosidade na superfície, brilho ou opacidade, defeitos físicos e facilidade de leitura e identificação de marcas. 6.3.2.1 Tamanho e forma A forma e o tamanho de um comprimido podem ser descritos dimensionalmente, observados e controlados. As dimensões e a forma de um comprimido são determinadas pelas punções e matrizes selecionadas para o processo de compressão, sendo que a altura de um comprimido é a única dimensão que pode variar, de acordo com a força aplicada no processo de compressão propriamente dito. Além da força, outros fatores podem influenciar a altura do comprimido durante a produção de diferentes lotes, tais como as mudanças no enchimento da matriz resultantes da mudança na distribuição de tamanho de partículas, o empacotamento das partículas a serem comprimidas e o peso do comprimido. A espessura só é consistente em um mesmo lote ou entre lotes se a granulação da mistura de pós a comprimir produzir grânulos com distribuição e tamanhos constantes, se as punções e matrizes estiverem em bom estado e se a máquina de compressão estiver limpa e funcionar perfeitamente. Em termos de controle de qualidade, a espessura do comprimido deve ser monitorada e deve estar entre ± 5% do valor padrão esperado. 102 Unidade II No caso de comprimidos, também são avaliados a uniformidade da coloração e revestimento, quando o produto é revestido; a presença de trincas; e a legibilidade, quando houver impressões sobre a forma farmacêutica. Na verificação visual de cápsulas são avaliados fatores como limpeza, deformações e rachaduras das cápsulas, enchimento e se a trava está funcionando de acordo. 6.3.3 Dureza A determinação da dureza está associada à resistência mecânica do comprimido ao esmagamento. Essa resistência está relacionada à estabilidade física e à biodisponibilidade do fármaco presente em formas farmacêuticas sólidas obtidas por compressão e é um parâmetro fundamental e imprescindível no caso de comprimidos que serão submetidos a processos de revestimento. A resistência de um comprimido define-se como a força necessária para esmagar o comprimido ao longo de seu diâmetro em um teste de compressão. Para a realização do teste de dureza, posicionamos o comprimido entre dois apoios (conforme apresentado no destaque da figura a seguir), aplicando-se, em seguida, uma força entre os apoios, a qual é transmitida para o comprimido até que ele seja esmagado, de forma que possamos registrar a força necessáriapara o rompimento da forma farmacêutica em questão. Para a medida de dureza, utiliza-se o durômetro apresentado na figura a seguir e avalia-se a média de 10 unidades de comprimidos ou drágeas. Figura 35 – Foto do durômetro 103 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS No entanto, a dureza de um comprimido não constitui um indicador absoluto da qualidade do comprimido, uma vez que os comprimidos com dureza adequada ainda podem apresentar outros problemas, tais como laminação, liberação de pó ou fragmentação quando manuseados ou por conta do próprio atrito, perdendo assim as características desejáveis. Dessa forma, outra medida que deve ser avaliada em conjunto é a friabilidade, a qual é discutida a seguir. 6.3.4 Friabilidade (aparelho: friabilômetro) A friabilidade traduz a resistência do comprimido ao desgaste. Na prática, o teste de friabilidade se aplica apenas a comprimidos não revestidos, sendo esse parâmetro fundamental também no controle de processo intermediário de núcleos que serão submetidos ao revestimento. Para esse teste são usualmente empregadas 20 unidades de comprimidos ou núcleos, a depender do peso médio, e utiliza-se um aparelho denominado friabilômetro, o qual é apresentado na figura a seguir. Esse aparelho submete os comprimidos aos efeitos combinados de abrasão e choque por simulação de 100 quedas. Uma amostra de comprimido em análise, pesada previamente e colocada em uma câmara de plástico que roda a 25 rpm, durante 4 minutos, simula quedas de uma altura de 15 centímetros. A) 156,0 mm ± 2,0 mm altura da queda 287,0 mm ± 4,0 mm diâmetro interno 10,0 mm ± 0,1 mm diâmetro 80,5 mm ± 0,5 mm raio interno 25,0 mm ± 0,5 mm diâmetro 38,0 mm ± 2,0 mm B) Figura 36 – A) Especificação do aparelho para teste de friabilidade segundo a Farmacopeia Brasileira (2019); B) Foto do friabilômetro A) Adaptada de: Anvisa (2019a, p. 36). Para os comprimidos convencionais, são considerados aceitáveis quando perdem no máximo 1,5% do seu peso inicial. Para comprimidos mastigáveis, esperam-se resultados de friabilidade maiores, o que justifica o emprego de embalagens especiais. 6.3.5 Desintegração (aparelho: desintegrador) Para que aconteça o processo de absorção de um fármaco, um comprimido ou uma cápsula precisa se desintegrar em pequenas partículas ou grânulos de forma que esses pedaços possam se dissolver e se tornar biodisponíveis. Esse conceito também pode ser aplicado a formas plásticas, como supositórios e óvulos. O tempo em que esse processo ocorre é chamado de tempo de desintegração e normalmente 104 Unidade II é avaliado em 6 unidades da forma farmacêutica em teste. Ressalta-se aqui que o teste não se aplica a comprimidos ou cápsulas de liberação controlada ou prolongada. O aparelho empregado para tal avaliação é o desintegrador. Ele é compendiado e constituído por 6 tubos de vidro com 7,75 cm ± 2,50 cm de comprimento e diâmetro interno entre 2,07 cm e 2,30 cm, abertos na parte superior, aos quais estão fixados suportes na forma de rede de 10 mesh em seu fundo (veja a figura a seguir). 2 2 2 21,5 21,5 20,7 6 6 6 77,5 2,55 1,6 2,55 1,6 9,5 9,5 90 Tela de arame de aço inoxidável A) B) Figura 37 – A) Aparelho para teste de desintegração de comprimidos e cápsulas (dimensões em mm) segundo a especificação da Farmacopeia; B) Foto do desintegrador A) Adaptada de: Anvisa (2019a, p. 68). Para determinar o tempo de desintegração, posicionamos um comprimido ou uma cápsula em cada tubo e o suporte dos cestos é mergulhado em um recipiente contendo um litro de água ou outros meios simuladores de fluido gástrico ou intestinal, em quantidade suficiente para a imersão completa dos produtos durante todo o ensaio, mesmo quando ocorre a movimentação vertical, conforme descrito na monografia do produto. A temperatura do meio é ajustada em 37 °C ± 1 °C. Essa movimentação acontece a uma distância que varia de 5,3 cm a 5,6 cm e com frequência de 28 a 32 ciclos por minuto. Podem ser usados no ensaio discos de plástico perfurados colocados por cima dos comprimidos ou das cápsulas, impedindo assim sua flutuação. Para estarem de acordo com compêndios oficiais como a farmacopeia americana (USP), as formas farmacêuticas avaliadas devem se desintegrar e todas as partículas têm que passar através da rede com 10 mesh durante o tempo especificado na monografia do produto em questão, exceto revestimentos e materiais que compõem as cápsulas e sejam insolúveis. Para os comprimidos gastrorresistentes, não deve haver desintegração em suco gástrico por 1 hora, porém eles devem se desintegrar em fluido intestinal dentro do tempo especificado na monografia do produto. 105 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Os critérios de rejeição segundo a Farmacopeia Brasileira (2019) são: • Comprimidos de liberação imediata: não desintegrar em, no máximo, 30 minutos. • Comprimidos sublinguais: máximo 5 minutos. • Comprimidos entéricos: resistir sem desintegrar pelo menos 60 minutos em água ou em meio gástrico e não desintegrar em, no máximo, 45 minutos em meio tampão fosfato pH 8 ou em meio entérico. • Drágeas: máximo 60 minutos. • Cápsulas: máximo 45 minutos. • Óvulos e supositórios: quando ultrapassar o tempo especificado na monografia individual do produto para que haja a desintegração completa. Será considerada desintegração incompleta quando não houver dissolução completa da unidade, quando houver aglomeração de componentes ou se for observada presença de resíduos consistentes. 6.3.6 Dissolução (aparelho: dissolutor) O teste de dissolução baseia-se na dissolução do fármaco no meio a partir dos pequenos fragmentos originados no processo de desintegração. Esses pequenos fragmentos aumentam a área superficial, o que facilita o processo de dissolução. Esse processo está correlacionado com a disponibilidade do fármaco em ser absorvido e consequentemente com a sua biodisponibilidade. Os protocolos do ensaio de dissolução são desenvolvidos pensando nos limites do processo de dissolução para cada especialidade farmacêutica e especificados na monografia individual de cada produto. Esses ensaios podem ser empregados no controle de qualidade, em ensaios oficiais de equivalência farmacêutica e em perfil de dissolução, e para a avaliação da cinética de dissolução. Os métodos de dissolução adotados pelos compêndios oficiais, incluindo a Farmacopeia Brasileira (2019), são o aparato I (cesta) e o aparato II (pá), que ficam submersos em cubas nas quais é disposto o meio de dissolução adequado ao fármaco a ser analisado. Tanto a cesta quanto a pá são hastes de aço inoxidável que devem ser centralizadas de forma que não se afastem mais de 2 mm em relação ao eixo vertical. Esses aparatos possuem motor que rotaciona em torno do próprio eixo, e normalmente empregam-se velocidades de 50 rpm, 100 rpm ou 150 rpm. As cubas ficam sob banho maria a 37 °C ± 0,5 °C, e os aparelhos devem ser isentos de qualquer fonte de vibração, inclusive externa, que possa influenciar na dinâmica hídrica do sistema. Os dissolutores estão apresentados na figura a seguir. 106 Unidade II A) B) Ap. I cesta Ap. II pá Figura 38 – A) Dissolutor; B) aparatos I (cesta) e II (pá) Após finalizado o tempo indicado na monografia do produto, é retirada uma alíquota, que deve ser então quantificada por um método analítico validado e robusto. O resultado dissolvido é expresso em porcentagem em relação à dosagem descrita no rótulo, e a quantidade dissolvida do fármaco analisado deve atender à especificação indicada na monografia do produto. Em relação aos critérios de aceitação, o produto de liberação imediata cumpre o teste se os resultados atenderam às exigências descritas no quadro a seguir. Quadro 21 – Critérios de aceitação para o teste de dissolução de formas farmacêuticas de liberação imediata Estágios Nº de amostras testadas Critérios de aceitação E1 6 Cada unidade apresenta resultado maior ou igual a Q + 5% E2 6 Média de 12 unidades(E1 + E2) é igual ou maior que Q, e nenhuma unidade apresenta resultado inferior a Q – 15% E3 12 Média de 24 unidades (E1 + E2 + E3) é igual ou maior que Q. No máximo 2 unidades apresentam resultados inferiores a Q – 15% e nenhuma unidade apresenta resultado inferior a Q – 25% Fonte: Anvisa (2019a). O termo Q corresponde à quantidade dissolvida de fármaco, especificada na monografia individual, expressa como porcentagem da quantidade declarada. Os valores 5%, 15% e 25% também representam porcentagens de quantidade declarada (ANVISA, 2019a). 107 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Os produtos de liberação prolongada estão descritos no quadro a seguir. Quadro 22 – Critérios de aceitação para o teste de dissolução de formas farmacêuticas de liberação prolongada Estágios Nº de unidades testadas Critérios de aceitação L1 6 Cada resultado individual se insere no intervalo estabelecido (Q1 e Q2) para cada tempo e nenhum resultado individual é inferior ao Q do último tempo L2 6 As médias de 12 unidades (L1 + L2) se inserem no intervalo estabelecido (Q1 e Q2) para cada tempo e não são inferiores ao Q do último tempo. Nenhuma unidade individual apresenta resultado que supere os limites de Q1 e Q2 em 10% da quantidade declarada, para cada tempo determinado, e no máximo 2 unidades testadas apresentam resultados com valor inferior ao Q do último tempo que superem em 10% a quantidade declarada L3 12 A média de 24 unidades (L1 + L2 + L3) se insere no intervalo estabelecido (Q1 e Q2) para cada tempo e não é inferior ao Q do último tempo. No máximo 2 unidades das 24 testadas apresentam resultados que superam os limites de Q1 e Q2 em 10% da quantidade declarada, para cada tempo determinado, e no máximo 2 unidades das 24 testadas apresentam resultados com valor inferior ao Q do último tempo que superem em 10% a quantidade declarada. Nenhuma unidade individual apresenta resultado que supere os limites de Q1 e Q2 em 20% da quantidade declarada, para cada tempo determinado, e nenhum resultado individual fornece valor inferior ao Q do último tempo que supere em 20% a quantidade declarada Fonte: Anvisa (2019a, p. 78). Os valores de Q variam de acordo com a monografia individual do produto e correspondem aos índices percentuais de dissolução – ou seja, a liberação do fármaco a partir da forma farmacêutica avaliada – desejados para cada medicamento em função de um determinado tempo. Em relação aos meios de dissolução, eles devem ao menos em parte mimetizar as condições fisiológicas. Logo, invariavelmente, consistem em soluções aquosas. No quadro a seguir, apresentamos alguns exemplos de valores de Q e os respectivos meios de dissolução. Quadro 23 – Valores de Q para diferentes produtos, de acordo com a Farmacopeia dos Estados Unidos (USP, 24) Medicamento (fármaco) Forma farmacêutica Valor de Q (%) Tempo (minutos) Rotação (rpm) Meio de dissolução (volume) AAS Cápsula 80 30 100 Tampão acetato pH 4,5 (500 mL) AAS Comprimido 80 30 50 Tampão acetato pH 4,5 (500 mL) AAS (tamponado) Comprimido 80 30 75 Tampão acetato pH 4,5 (500 mL) AAS Comprimido de liberação prolongada Máximo 10 (ácido) 120 100 HCl 0,1N (500 mL) Máximo 75 (básico) 90 100 Tampão acetato pH 6,8 (500 mL) 108 Unidade II Medicamento (fármaco) Forma farmacêutica Valor de Q (%) Tempo (minutos) Rotação (rpm) Meio de dissolução (volume) AAS + Paracetamol Comprimido 75 (AAS)75 (paracetamol) 45 50 Água (900 mL) Paracetamol Comprimido 80 30 50 Tampão fostato pH 5,8 (900 mL) Mebendazol Comprimido 75 120 75 HCl 0,1N + lauril sulfato de sódio 1% (900 mL) Propranolol Comprimido 75 30 100 HCl 1% (1000 mL) Fonte: Gil (2010a, p. 281-282). 6.3.7 Teor do princípio ativo O teor do princípio ativo, ensaio de doseamento ou ensaio de potência para formas farmacêuticas contendo insumos farmacêuticos ativos é necessário para estabelecer e garantir a quantidade do princípio ativo presente no produto em relação ao teor declarado no rótulo. Diversos métodos de doseamento podem ser empregados para essa finalidade. No que se refere às análises quantitativas, elas são utilizadas com o objetivo de estabelecer a concentração dos componentes essenciais presentes em uma determinada amostra. Existem inúmeras formas de se realizar o doseamento, no entanto a escolha do método analítico deve ser criteriosa, já que ele não pode comportar falhas, pois a segurança e eficácia do medicamento dependem da fidedignidade do resultado fornecido. Entre os aspectos a serem considerados na seleção de um dentre os vários métodos disponíveis, destacam-se o tempo de análise, exatidão, precisão, robustez e custo. Adicionalmente, devemos considerar outros fatores, como: • a natureza de informações que são buscadas; • a quantidade de amostra disponível e a porcentagem do constituinte a ser determinado; • a utilização dos resultados da análise. Esses métodos podem ser classificados em métodos clássicos que envolvem reações químicas específicas, como volumetria, ou outros métodos, que são classificados em métodos instrumentais e, portanto, estão relacionados com as propriedades físico-químicas das substâncias a serem testadas, como a espectrometria no UV-visível e cromatografia. Esses métodos estão descritos a seguir. 109 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS 6.3.7.1 Métodos clássicos Os métodos clássicos baseiam-se em reações químicas, cujo equilíbrio deve ser bem definido e constante nas condições do ensaio. A detecção do ponto de viragem é visualizada pela mudança de cor, turbidez, formação de precipitado ou outro fenômeno que possa ser visualizado a olho nu. O emprego de indicadores auxilia no processo de melhor visualização. A seguir discutiremos a gravimetria e a volumetria. 6.3.7.1.1 Gravimetria A gravimetria ou análise gravimétrica é baseada na medida indireta de massa de um ou mais constituintes de uma amostra. Por medida indireta entende-se o uso da estequiometria de uma determinada reação para determinar a quantidade de um dado composto. A análise gravimétrica pode se dar por precipitação e segue a seguinte ordem: Precipitação → Filtração → Lavagem → Aquecimento → Pesagem Para ser realizada a separação, é adicionado um agente precipitante, então o íon de interesse é convertido em uma forma insolúvel no meio, de modo que ocorre surgimento de fases e não há perda apreciável por redissolução, permitindo o recolhimento do precipitado por filtração. A filtração pode ser executada por aparatos simples, como um funil ou um funil de Büchner, empregando papéis de filtro apropriados. A lavagem é realizada para a retirada de compostos solúveis. O aquecimento é feito porque muitos desses compostos apresentam alta capacidade higroscópica e absorvem água do ambiente, além do residual do meio que fica do processo de filtração. Esta etapa pode ser realizada em bancada por meio de um simples aparato, como estufas ou muflas, onde atinge temperaturas de 1.400 °C. Ainda assim, temos algumas limitações – por exemplo, quando há formação de precipitados gelatinosos que incorporam líquido na própria estrutura. Por fim, é realizada a pesagem, que deve considerar que se conhece a estrutura química do composto. A temperatura de pesagem deve ser realizada próxima à temperatura ambiente, não ser uma substância higroscópica e possuir partículas com dimensão que permaneçam retidas no filtro. Trata-se de um método interessante, pois é de fácil execução e envolve operações unitárias relativamente simples, de boa reprodutibilidade e de baixo custo. Entretanto, os pontos negativos do método são o tempo necessário para a execução, um grande número de operações unitárias necessárias para a execução, acúmulo de erros entre as operações unitárias e dificuldade em se trabalhar com amostras cuja concentração do analito de interesse seja muito baixa. 110 Unidade II 6.3.7.1.2 Volumetria (titulações) Já a volumetria, também conhecida como análise titrimétrica ou titulometria,é uma técnica muito útil no doseamento de diversos fármacos, pois é uma análise de baixo custo, simples e com boa precisão. Na titulação, a substância a ser determinada é tratada com um reagente apropriado, o qual é adicionado na forma de solução previamente padronizada, e determina-se o volume de solução necessário para completar a reação. Para uma análise volumétrica são necessários a escolha de vidrarias adequada para a titulação (bureta), preparo e padronização das soluções padronizadas (pipetas volumétricas e graduadas, provetas graduadas, balões volumétricos), uso de padrões primários, balanças analíticas e, frequentemente, soluções indicadoras. Neutralização Este método compreende todos os doseamentos volumétricos base em uma reação de neutralização. Por meio dele pode-se utilizar uma solução titulada de um ácido qualquer, fazer a determinação quantitativa das bases (acidimetria) ou, usando uma solução titulada de uma base, dosar quantitativamente os ácidos (alcalimetria). É também por este método que se fazem outros doseamentos volumétricos baseados em uma reação de neutralização, por exemplo, certos sais (tetraborato de sódio ou carbonato de sódio) que tenham uma reação fortemente básica, por causa da hidrólise por meio dos ácidos. Também é feito o doseamento dos sais de amônio. Na volumetria de neutralização, quando o titulante é um ácido ou uma base forte, temos a seguinte reação química: H3O + + OH- ↔ H2O As reações ácido-base são as mais comuns entre as empregadas em titulometria, dado que um número considerável de fármacos tem caráter ácido ou básico. O ponto de viragem se dá na condição de equilíbrio ou neutralidade, e os indicadores mais utilizados são a fenolftaleína (faixa de pH de viragem 8 a 9,6) e vermelho de metila (faixa de pH de viragem 4,8 a 6,0). Neutralização em meio aquoso No caso de ácidos orgânicos hidrossolúveis, como salicílico, cítrico, láctico, nicotínico, tartárico e tricloroacético, são doseados por titulação direta com hidróxido de sódio na presença de fenolftaleína como indicador. Já os ácidos de baixa solubilidade em água devem ser dissolvidos em solventes miscíveis em água, tais como o etanol. 111 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Na análise titrimétrica, a quantidade de um constituinte de interesse presente em uma amostra é determinada a partir de uma reação química com um volume determinado de solução padrão chamada de titulante. A titulação pode ser direta ou indireta, sendo direta quando o analito é titulado diretamente com uma solução padrão específica. Já a titulação indireta é adotada quando o caráter ácido ou básico do fármaco não é suficientemente forte para que a cinética de reação seja adequada ao método analítico. Nesse caso, adiciona-se um excesso volumetricamente, medido de base a fármacos ácidos ou de ácido a fármacos básicos, titulando-se o excesso, respectivamente, com solução volumétrica básica ou ácida. Neutralização em meio não aquoso Quando um fármaco de caráter básico demasiadamente fraco é titulado em meio aquoso (neutro), a característica aceptora de próton da água é suficientemente grande para competir com o fármaco pelo titulante ácido. Assim, nesses casos recomenda-se proceder a titulação em meio acético, titulando-se a base com ácido perclórico ou outro ácido igualmente forte. No caso de fármacos de caráter ácido fraco, utilizam-se solventes apróticos como a dimetilformamida. Oxirredução A titulometria de oxirredução envolve reações em que ocorre transferência de elétrons. Existem várias titulações com reações de oxirredução com aplicação farmacêutica; entretanto, a que mais se destaca em termos de importância é a iodometria. Na iodometria, procede-se a adição de um excesso conhecido de solução volumétrica de iodo, com posterior titulação padronizada de tiossulfato de sódio, empregando solução indicadora de amido. A viragem acontece do incolor até azul escuro. Um exemplo de iodometria é a análise de ácido ascórbico realizada por meio de reação com um agente oxidante. Essa reação deve ser realizada o mais rápido possível, pois o ácido ascórbico é facilmente oxidado pelo oxigênio presente no ar, formando o ácido deidroascórbico. Entretanto, a iodometria apresenta algumas dificuldades como perda de iodo como titulante por volatilização, necessidade de padronização da solução e realização da análise o mais rápido possível. Para contornar esses problemas, uma alternativa é adicionar excesso de íons iodeto à solução de iodo, formando o triiodeto, que também é um agente oxidante semelhante ao iodo. Outra alternativa é gerar o iodo durante a titulação, empregando-se como titulante uma solução padrão de iodato de potássio em presença de excesso de iodeto, liberando assim o iodo na presença de ácido forte. O iodo formado reage com a espécie redutora da amostra, formando iodeto. Como a titulação ocorre em meio ácido, o equilíbrio da reação de oxidação do ácido ascórbico, que formaria o ácido deidroascórbico, é deslocado então no sentido de formação do ácido ascórbico, diminuindo assim a oxidação do analito. 112 Unidade II Precipitação É a menos precisa entre as técnicas titulamétricas. Um exemplo clássico é a titulação de cloreto com solução volumétrica de nitrato de prata e dicromato de potássio como indicador. Normalmente, mesmo em análises farmacêuticas, quando a reação produz precipitado recorre-se à gravimetria. Esse método analítico fundamenta-se em reações químicas em que, no ponto de equivalência, se formam quantitativamente produtos insolúveis no meio aquoso. A argemetria ou argentimetria é o principal método titulométrico de precipitação que tem por objetivo dosear substâncias precipitáveis pelo emprego da solução padrão de nitrato de prata. A argentimetria é classificada em dois métodos, descritos a seguir. • Indireto (método Volhard): é aplicável a cloretos e brometos. Consiste em precipitar o haleto com excesso de nitrato e titular esse excesso em meio ácido com solução auxiliar de tiocianato de amônio, empregando como indicador o ferro (III). • Direto: a substância doseável é titulada com solução padrão de nitrato de prata até o ponto de equivalência que se identifica pelo uso de indicadores ou pela adição de nitrato de prata até não observar mais a formação de precipitado. Complexação A complexometria ou a titulação com formação de complexos baseia-se em reações que envolvem um agente ligante com formação de complexo estável e um íon metálico. Mesmo existindo muitos compostos usados na complexometria, os complexos formados com o ácido etilenodiamenotetracético (o EDTA) são os mais comuns. Isso porque vários íons metálicos reagem estequiometricamente com o EDTA. O EDTA é um ácido fraco para o qual o pK1 = 2,0; o pK2 = 2,7; o pK3 = 6,2; e o pK4 = 10,3. Esses valores demonstram claramente que os dois primeiros prótons são mais facilmente ionizáveis do que os outros dois. Adicionalmente, o EDTA na forma de ácido ou sal dissódico pode ser obtido em alto grau de pureza, podendo ser usado com padrão primário, porém, se necessário, deve-se padronizar contra solução padrão de zinco. Portanto, esse reagente possui uma grande versatilidade que provém da sua potência como agente complexante e da disponibilidade de numerosos indicadores íon-metal, cada um efetivo em um intervalo limitado de pH. 113 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS 6.3.7.2 Métodos instrumentais Os métodos instrumentais são baseados no uso de um instrumento apropriado, seja para a detecção do ponto de equilíbrio de uma reação, seja para a detecção de um determinado analito. As vantagens dos métodos instrumentais que podem ser ressaltadas em detrimento dos métodos clássicos estão relacionadas com a rapidez da análise e a aplicação em amostras com baixas concentrações do analito a ser determinado. 6.3.7.2.1 Fotometria de chama Para cada metal há um valor mínimo de frequência n, abaixo do qual não é possível obter emissão de elétronspor mais intenso que seja o feixe de radiações, isto é, a energia capaz de arrancar um elétron está associada à frequência e não à intensidade de luz. Existem dois métodos principais de espectroscopia de emissão de chama. O método original é conhecido como fotometria de chama e é empregado principalmente para análise de metais alcalinos. A espectroscopia de emissão atômica (AES) utiliza a medicação quantitativa da emissão óptica de átomos excitados para determinar a concentração da substância a ser analisada. O emprego da espectroscopia de emissão por chama (FES) é de ampla aplicação em análise elementar. Pode ser empregado para análises qualitativas e quantitativas e é um método de elemento simples. Seu uso mais importante é para determinação de sódio, potássio, lítio e cálcio em fluidos biológicos e tecidos. 6.3.7.2.2 Polarimetria Muitas substâncias farmacêuticas são opticamente ativas; logo, desviam a luz plano-polarizada de modo que a luz transmitida é desviada em um determinado ângulo em relação à incidente. A medição do poder rotatório de uma substância com polarímetro denomina-se polarimetria e é útil na identificação, caracterização e determinação de pureza enantiométrica dos fármacos. 6.3.7.2.3 Espectroscopia A espectroscopia avalia a interação entre a natureza da radiação eletromagnética e sua interação com a matéria por meio da quantidade de radiação produzida ou absorvida pelas moléculas, íons ou átomos. Em termos de ondas eletromagnéticas, a distância entre uma crista e outra crista adjacente é denominada comprimento de onda (λ). A frequência (ν) corresponde ao número de ondas que passam por um determinado espaço de tempo (ondas por segundo ou hertz). A frequência é determinada pela fonte que emite e independe do meio que atravessa. Já a velocidade de propagação (vi) depende do meio que a radiação atravessa e da frequência. No vácuo, a luz se move com sua velocidade máxima (2,988 x 108 m/s), e em outros meios essa velocidade é menor. 114 Unidade II A energia eletromagnética luminosa, quando descrita como partícula, é caracterizada pela energia dos fótons. Essas partículas transportam quantidades de energia distintas que estão relacionadas com as características de cada radiação. A energia de um fóton é proporcional à sua frequência. O aumento da frequência é correlacionado ao maior número de ondas que passam por segundo; assim, maior energia é transportada. Essa energia, ao atravessar uma solução contendo átomos e moléculas, pode interagir com os elétrons e ser absorvida. O átomo ou molécula passa do estado fundamental para o estado excitado ou de maior energia. No estado excitado, o analito é altamente instável. Após absorver a radiação, o elétron sofre relaxação e a energia em excesso é liberada, e o analito retorna ao estado fundamental. Dessa forma, considerando I0 a potência da radiação incidente e I a potência de radiação transmitida, a potência da radiação transmitida decai exponencialmente com o aumento percorrido na solução e com o aumento da concentração (veja a figura a seguir). I0 I Figura 39 – Absorção da energia radiante que atravessa uma solução A transmitância (T) dessa amostra corresponde à reação da luz que atravessa a amostra, conforme a equação a seguir: T I I = 0 Foi observado pelos físicos Johann Lambert e August Beer que a intensidade da radiação eletromagnética diminui exponencialmente com o aumento da espessura do meio absorvente. Beer observou a relação existente entre a transmissão e a concentração do meio onde passa o feixe de luz, determinando que a intensidade da luz de um feixe monocromático diminui exponencialmente com o aumento da concentração da substância absorvente. Assim, a Lei de Lambert-Beer, também conhecida como Lei de Beer, estabelece a razão quantitativa da relação entre a atenuação da radiação com a concentração da amostra (C) e a extensão do caminho óptico (b) expresso em centímetros. A absorbância (A) corresponde ao logaritmo do inverso da transmitância (T) e é diretamente proporcional à concentração (veja a equação a seguir). A absortividade molar (a) corresponde a um valor 115 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS característico de uma substância; este indica a quantidade de radiação eletromagnética que é absorvida em um determinado comprimento de onda. A I I T a b c= = − = ⋅ ⋅log log0 Espectrofotometria no UV-vis A espectrofotometria no ultravioleta-vísivel (UV-vis) é um dos métodos analíticos mais usados nas determinações analíticas na área farmacêutica, sendo empregado principalmente em análises quantitativas. Quando a energia eletromagnética atravessa uma solução contendo moléculas presentes em uma cubeta, recipiente contendo a solução e apresentado na figura a seguir, parte da radiação pode ser absorvida. A quantidade absorvida está relacionada com a concentração da solução. Figura 40 – Foto de cubetas com diferentes tamanhos de caminhos ópticos (b) A região do espectro correspondente à radiação ultravioleta é considerada aproximadamente 200 nm a 400 nm, e a região do visível entre aproximadamente 400 nm a 800 nm. A luz branca contém todas as cores presentes no espectro visível. A cor aparente de uma substância corresponde ao complemento da cor absorvida. A absorção da radiação envolve a transição dos elétrons da camada de valência. Os elétrons compartilhados em ligações simples estão fortemente ligados. Dessa forma, a energia requerida para essa transição é muito alta. Já os elétrons de ligações duplas e triplas são facilmente excitáveis pela radiação, e a presença deles está relacionada com o comprimento de onda no qual a molécula absorve. Assim, determinam-se cromóforos os grupos que absorvem na região do ultravioleta e visível. As principais características de uma banda de absorção correspondem à sua posição e intensidade. 116 Unidade II Na análise, deve-se considerar que o solvente utilizado deve ser capaz de dissolver o analito de interesse e não pode absorver na mesma região. Assim, o solvente deve ser transparente na região do espectro que o analito absorve. O equipamento para espectrofotometria de UV-vis (veja a figura a seguir) consiste em uma fonte de radiação eletromagnética, um seletor de comprimento de onda, compartilhamento para as cubetas e detector. A fonte de energia emite uma radiação que passa pelo monocromador, o qual separa a radiação em pequenos comprimentos de onda que passam pela amostra contida na cubeta. A radiação não absorvida segue para o detector. Figura 41 – Foto do espectrofotômetro UV-vis Espectrofluorimetria: absorção atômica O método de absorção atômica é o mais exato para determinar a concentração de íons metálicos em solução, mas os instrumentos são dispendiosos e baseados em modelos de feixes simples e duplo. Este método é espectroanalítico e se baseia na atomização, ou seja, na volatilização do íon ou metal a ser analisado. A técnica consiste em medir a atenuação da radiação em função do comprimento de onda, sendo que cada elemento químico tem estrutura eletrônica e níveis de energia diferenciados, além de possuir uma energia de ionização característica. O método se aplica a qualquer tipo de metal, podendo ser utilizado na análise de sulfato ferroso, nitrato de prata, cisplatina, aurotioglicolato e outros fármacos ou compostos bioinorgânicos. 6.3.7.2.4 Cromatografia Os métodos cromatográficos são os mais aplicados pelas indústrias farmacêuticas no doseamento de fármacos. As técnicas de cromatografia líquida de alta eficiência (Clae) e a cromatografia gasosa (CG) são as mais empregadas com essa finalidade de doseamento e serão discutidas a seguir. Já a cromatografia em camada delgada (CCD) acaba sendo mais empregada com a finalidade de identificação de compostos e não será aqui discutida. 117 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Cromatografia líquida de alta eficiência (Clae) A cromatografia líquida de alta eficiência (Clae) – do inglês high performanceliquid chromatography (HPLC) – está presente como método de escolha em mais de 90% das monografias de produtos publicados na farmacopeia americana (GIL, 2010a). A razão pelo sucesso da Clae no controle de qualidade de medicamentos em ensaios de doseamento deve-se à boa sensibilidade e baixa vulnerabilidade da técnica a interferentes, já que se trata de uma técnica de separação acoplada a uma técnica de detecção. Para isso é necessário apenas que o analito de interesse seja solúvel em um dos diferentes solventes cromatográficos e que possa ser detectado por um dos diferentes detectores existentes. A separação cromatográfica é um método físico no qual os componentes a serem separados interagem entre duas fases imiscíveis: a fase móvel (FM) e a fase estacionária (FE), que está disposta na coluna cromatográfica. O interior da coluna cromatográfica é normalmente preenchido com uma sílica, e a FM é impulsionada através da coluna pelo sistema de bombas. O sistema de Clae (veja a figura a seguir) é composto por: um reservatório de FM; uma bomba de alta pressão, responsável por infundir a FM através da coluna; um injetor, no qual será infundida a amostra a ser avaliada; uma coluna, que pode estar disposta ou não em um forno, para o controle de temperatura; um sistema detector; um integrador, que faz a conexão de todos os módulos ao computador, permitindo o controle e a aquisição e tratamento dos dados; e, por fim, um sistema de descarte de solventes. Figura 42 – Foto do sistema de cromatografia líquida de alta eficiência 118 Unidade II Vários métodos de detecção estão disponíveis comercialmente para HPLC, mas os mais utilizados são sensíveis às concentrações dos analitos, em especial os baseados na absorção da radiação ultravioleta e visível. Nesses detectores, o sinal gerado pelo detector se dá em função das concentrações dos analitos que passam pela célula de detecção e é registrado na forma de gráfico, denominado cromatograma e representado na figura a seguir. 4, 47 , 7 36 55 6, 00 , 8 81 81 0 0 10 20 30 40 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Tempo de retenção (min) In te ns id ad e (m V) Figura 43 – Cromatograma obtido de um método analítico de um sistema de Clae com detector de UV-visível A escolha do sistema de detecção é baseada nas propriedades físicas e/ou químicas das amostras, pois em cromatografia líquida tanto a FM quanto o soluto interferem na detecção. A relação custo-benefício de cada técnica também é um fator importante, pois o detector é, muitas vezes, o componente mais caro e sofisticado do sistema cromatográfico. Algumas das opções de detectores disponíveis são: por fluorescência, eletroquímico, por índice de refração, polarímetro e dicroísmo circular, ultravioleta-visível (UV-vis) e espectrômetro de massas – os dois últimos são os mais extensivamente empregados na indústria farmacêutica. Cromatografia a gás (CG) A cromatografia gasosa (CG) ocupa a segunda posição entre os métodos analíticos empregados para doseamento publicados na farmacopeia americana (GIL, 2010a). A CG trata também de uma técnica de separação que é aplicável a compostos que são voláteis ou que são passíveis de volatização. Apresenta ótimo poder de resolução que viabiliza a determinação de dezenas de substâncias em uma mesma corrida analítica. A técnica também se destaca pela excelente sensibilidade, e seletividades podem atingir detecções em baixas concentrações. Ela segue os mesmos princípios da Clae, sendo que a principal diferença entre as técnicas é a fase móvel (FM). Na CG, a FM é um gás inerte e ultrapuro, e seu papel é apenas carrear os analitos ao longo da coluna, sem interferir na seletividade da separação, enquanto na Clae, a FM é líquida e tem um papel preponderante na separação dos componentes da amostra. 119 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Já em relação à FE, são suportes sólidos, podendo ou não serem recobertos por um líquido não volátil disperso na coluna cromatográfica, que é responsável por fazer a separação a partir da interação com os componentes da amostra. Em relação aos detectores disponíveis, temos uma variedade maior comparados aos presentes na Clae. Entre eles, temos os detectores de condutividade térmica, de captura de elétrons, de ionização em chama, de nitrogênio e fósforo ou termiônico e de espectrometria de massas. A escolha do detector é feita baseada no tipo de analito, no limite de quantificação desejado e no custo. 6.3.8 Uniformidade de doses unitárias Para assegurar a administração de doses corretas, cada unidade do lote de um medicamento deve conter a quantidade do princípio ativo próxima à dose declarada e ser avaliada no teste de uniformidade de doses unitárias. As especificações deste teste se aplicam às formas farmacêuticas com um único fármaco ou com mais de um componente ativo. O teste pode ser avaliado por dois métodos: variação de peso e uniformidade de conteúdo. A aplicação de cada método, considerando a forma farmacêutica, dose e proporção do fármaco, é apresentada no quadro a seguir. Quadro 24 – Aplicação do método de uniformidade de conteúdo (UC) ou de variação de peso (VP) de acordo com a forma farmacêutica, dose e proporção do fármaco Forma farmacêutica Tipo Subtipo Dose e proporção do fármaco ≥ 25 mg e ≥ 25% < 25 mg ou < 25% Comprimidos Não revestidos - VP UC Revestidos Filmes VP UC Outros UC UC Cápsulas Duras - VP UC Moles Suspensões, emulsões ou géis UC UC Soluções VP VP Sólidos acondicionados em recipientes para dose única Componente único - VP VP Múltiplos componentes Soluções liofilizadas no recipiente final VP VP Outros UC UC Soluções acondicionadas em recipientes para dose única - - VP VP Outros - - UC UC Adaptado de: Anvisa (2019a). 120 Unidade II 6.3.8.1 Variação de peso O método de variação de peso pode ser aplicado às seguintes formas farmacêuticas: • Soluções acondicionadas em recipientes para dose única e cápsulas. • Sólidos, incluindo pós, grânulos e sólidos estéreis, acondicionados em recipientes de dose única que não contêm outras substâncias adicionadas, sejam elas ativas ou inativas. • Sólidos, incluindo sólidos estéreis, acondicionados em recipientes para dose única, contendo ou não substâncias ativas ou inativas adicionadas, que tenham sido preparados a partir de soluções homogêneas liofilizadas nos recipientes finais, e sejam rotulados de modo a indicar este modo de preparação. • Cápsulas duras, comprimidos não revestidos ou revestidos com filme, contando 25 mg ou mais de substância ativa, compreendendo 25% ou mais, em peso, da dose unitária ou, no caso de cápsulas duras, o conteúdo da cápsula. A uniformidade de outras substâncias ativas presentes em menores proporções, assim como outras formulações não previstas anteriormente, deve ser demonstrada pelo método de uniformidade de conteúdo (ANVISA, 2019a). 6.3.8.2 Uniformidade de conteúdo A uniformidade de conteúdo para preparações em doses unitárias baseia-se no doseamento do conteúdo individual do fármaco de um número de doses unitárias para determinar se o conteúdo individual está dentro dos limites especificados. Esse método é exigido para todas as formas farmacêuticas que não atendem às condições especificadas para aplicação do método de variação de peso. Para determinar a uniformidade de doses unitárias pelo método de uniformidade de conteúdo são necessárias, no mínimo, 30 unidades. Quando a quantidade de princípio ativo de uma dose unitária é diferente do especificado no doseamento, é necessário realizar os ajustes de diluição das soluções e/ou o volume das alíquotas, de modo a obter a concentração do componente ativo na solução final semelhante à do doseamento. No caso de doseamento por titulação, pode ser utilizado titulante com concentração diferente para que seja empregado um volume adequado de titulante. Ao final, devem-se considerar quaisquer modificações das diluições e titulantes para efetuar os cálculos de uniformidade de conteúdopor unidade de produto avaliado. 6.3.9 Granulometria A granulometria de partículas sólidas é fundamental à produção farmacêutica e tem por objetivo estimar a distribuição total de tamanho de partículas. O tamanho, a forma e a uniformidade da partícula determinam as propriedades de fluxo e, consequentemente, a eficiência de uma mistura, de enchimento e de compactação. Assim, a granulometria pode influenciar na solubilidade do fármaco e, consequentemente, no tempo de dissolução. 121 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS O método mais usual é a utilização de peneiras analíticas feitas de fios entrelaçados de aço inoxidável, que formam malhas com aberturas de dimensão específicas, presas às bases de cilindros abertos. Essas peneiras são nomeadas de tamises e são empilhadas umas sobre as outras em ordem crescente de abertura das malhas, e o pó é então colocado sobre a peneira que está no topo e que apresenta a malha de maior abertura. O conjunto de tamises, selecionados para abranger todo o intervalo de tamanho de partículas que podem estar presentes, é submetido à agitação mecânica por um período padronizado, e então o peso do material retido em cada tamis é determinado exatamente. A tabela a seguir demonstra as dimensões dos orifícios dos tamises e seus respectivos números, e a figura mostrada na sequência apresenta diferentes tamises. Tabela 9 – Orifícios dos tamises Orifício do tamis (µm) Nº do tamis 4000 5 3350 6 2800 7 2360 8 2000 10 1700 12 1400 14 1180 16 1000 18 850 20 710 25 600 30 500 35 425 40 355 45 300 50 250 60 212 70 180 80 150 100 125 120 106 140 90 170 75 200 63 230 53 270 45 325 Fonte: Fonseca, Ajimura e Marquele-Oliveira (2019, p. 259). 122 Unidade II A) B) Figura 44 – A) Foto de tamises; B) agitador automático para execução de granulometria 6.3.10 Ângulo de repouso O teste de ângulo de repouso (α) é uma avaliação de uma medida relacionada às propriedades de fluxo de um material. Existem várias maneiras de se determinar o ângulo de repouso de um material sólido. Um dos métodos mais comuns é o método do funil, no qual um funil é fixado com a extremidade a uma dada altura (H) acima de uma superfície horizontal na qual está um papel milimetrado. Uma porção de pó ou granulado é derramada cuidadosamente no funil até que forme uma pilha na qual possa ser medido o ângulo de repouso formado, conforme demonstrado na figura a seguir. α H 2r Figura 45 – Representação esquemática do método para determinação do ângulo de repouso empregando um funil fixado a uma altura (H) 123 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Para fins práticos, sistemas com ângulo de repouso menor do que 30º apresentam bom fluxo, enquanto pós ou misturas de pós que apresentam ângulo de repouso igual ou maior do que 45º apresentam baixo fluxo. A medida do ângulo de repouso é pouco praticada no controle de qualidade, porém é muito relevante para avaliar as propriedades de fluxo de pós e suas misturas durante o desenvolvimento de produtos e na transposição de escala para a produção industrial. 6.3.11 Umidade: Karl Fischer ou perda por dessecação (avaliação da quantidade de água no produto evitando alterações no produto) Umidade é o método de quantificação de água nos produtos. A água aumenta o risco de contaminação microbiológica, mas também é importante em relação à fluidez do pó. Os métodos mais empregados são a titulação por Karl Fischer ou a perda por dessecação. Destes, o método de Karl Fischer é o mais utilizado e se baseia na titulação empregando uma solução anidra de dióxido de enxofre e iodeto na presença de solução-tampão que reage com os íons hidrogênio, originalmente preparado com excesso de metanol. Esse reagente é pouco estável e normalmente é necessária a padronização. Ele é comercializado com a substituição do metanol por 2-metóxi-etanol, 2-clor-etanol ou trifluorometanol, o que resulta em aumento da estabilidade do reagente. O cuidado é selecionar um aparato que possibilite a eliminação da unidade atmosférica e a determinação do ponto final da titulação. A titulação pode ser direta para soluções incolores e o ponto final é observado pela mudança de cor da solução, que passa de amarelo-canário para âmbar. Entretanto, o mais comum é empregar instrumentos comercialmente disponíveis que consistem em um sistema firmemente fechado contendo buretas automáticas, um agitador magnético e um eletrodo para detectar o ponto final da titulação. Já o ensaio de perda por dessecação é empregado para determinar a quantidade de qualquer material volátil que é eliminada da preparação farmacêutica, incluindo a água. O procedimento é realizado pesando a massa de um pesa-filtro previamente dessecado por 30 minutos. O material em pó fino é transferido para o pesa-filtro. Esse material é mantido na estufa pelo tempo e temperatura descritos na monografia individual do produto. Para cápsulas e comprimidos devem ser empregadas pelo menos quatro unidades para serem misturados e triturados. 6.3.12 pH A determinação de pH para uma preparação farmacêutica deve ser feita de acordo com a monografia do produto empregando o pHmetro. Ressalta-se aqui que o equipamento deve ser previamente calibrado conforme já descrito no controle de qualidade de formas farmacêuticas líquidas. Para formas farmacêuticas sólidas, no entanto, é necessário um preparo de acordo com o descrito na monografia do produto. Por exemplo, o pH da azitromicina pó para suspensão oral deve estar entre 8,5 e 11,0 e deve ser preparado conforme recomendado na bula do produto. 124 Unidade II Saiba mais Para se aprofundar mais no assunto de controle de qualidade de formas farmacêuticas sólidas, consulte: ANVISA. Farmacopeia Brasileira, 6ª edição. v. I-II. Brasília, 2019a. Resumo As análises de qualidade são atribuídas a todas as fases da fabricação de um produto farmacêutico. Assim, na presente unidade foram discutidos os ensaios físico-químicos comumente empregados no controle de qualidade. Para a avaliação de matérias-primas são realizadas análises de identidade, pureza e doseamento. No primeiro caso são empregados métodos clássicos, baseados em reações químicas, ou instrumentais, além de determinação de propriedades físico-químicas. Entre os ensaios para a determinação de pureza de matéria, são utilizados métodos gravimétricos para a determinação de substâncias voláteis e Karl Fischer para a determinação de água, entre outros. O doseamento é realizado pela aplicação de métodos de quantificação instrumentais como o HPLC, ou não, como os ensaios volumétricos. Os líquidos, de forma geral, requerem um número menor de análises comparados aos sólidos, pois no caso das soluções o fármaco já está dissolvido e não requer testes que simulem o processo de liberação e dissolução a partir da forma farmacêutica. As análises exigidas para os líquidos devem cumprir os requisitos gerais dos compêndios oficiais e análises específicas, sendo que as principais avaliações são determinação de volume, características organolépticas, limpidez, pH, identificação, teor, teste de gotejamento (para dispositivos com dosador integrado), uniformidade de doses unitárias e dissolução (para suspensões). Na parte de testes de qualidade destinados à avaliação de formas farmacêuticas semissólidas, foram mencionados alguns ensaios não oficiais, como os de liberação da substância ativa, caracterização sensorial, reologia e espalhabilidade. Por outro lado, entre os farmacopeicos, foram discutidos os ensaios referentes ao doseamento, uniformidade de distribuição do ativo, determinação de peso, pH e viscosidade. As formas farmacêuticas sólidas representam uma alternativa preferencial para a indústria farmacêutica e para o paciente, uma vez que representam maior comodidade, mais fácil administração e maior estabilidade comparadas às formas farmacêuticas líquidas. 125 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Os objetivos do controlede qualidade das formas farmacêuticas sólidas devem atender às especificações previamente estabelecidas, a fim de garantir a qualidade, a segurança e a eficácia do produto, o que consequentemente influenciará na biodisponibilidade do fármaco. Entre os ensaios físicos aplicados a amostras sólidas, destacam-se a granulometria e determinação do ângulo de repouso, ambos aplicados a matérias-primas e a produtos acabados dependendo da forma farmacêutica. Considerados propriedades tecnológicas fundamentais à produção farmacêutica, são comumente realizados nas fases de desenvolvimento de produtos e controle de processos. Em relação aos produtos acabados, os ensaios físicos são variados e estão relacionados com a estabilidade e uniformidade do produto, além de influenciar na biodisponibilidade do produto. 126 Unidade II Exercícios Questão 1. Examine o gráfico da figura a seguir. 4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 Número de onda (cm-1) Tr an sm itâ nc ia Impressão digital 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Figura 46 – Espectro de FTIR da clorofila e suas respectivas zonas Fonte: Lins et al. (2016, p. 4). Com base nas informações dadas e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas: I – O gráfico é o resultado de um ensaio analítico de identificação. II – O gráfico é um resultado que determina o índice de refração de uma substância tida como matéria-prima. III – A zona indicada como impressão digital possui muitas bandas de absorção (3 a 10) e não confirma a identidade da substância, no caso, a clorofila. A identificação é dada pelas bandas 1 e 2, que são exclusivas dessa substância. 127 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Assinale a alternativa correta: A) Apenas a afirmativa I é correta. B) Apenas a afirmativa III é correta. C) Apenas as afirmativas I e III são corretas. D) Todas as afirmativas são corretas. E) Nenhuma afirmativa é correta. Resposta correta: alternativa A. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: analisando o gráfico, é possível ver algumas informações fundamentais. Por exemplo, a palavra transmitância no eixo Y, o número de onda no eixo X e a definição de uma zona do gráfico como sendo a zona de impressão digital permitem identificar o gráfico como resultado de determinação do espectro de absorção no infravermelho que, por sua vez, é um tipo de ensaio analítico de identificação. II – Afirmativa incorreta. Justificativa: pelos elementos mencionados anteriormente, o gráfico é resultado da determinação do espectro de absorção no infravermelho e não de uma determinação do índice de refração. Nesse caso, o índice de refração é uma constante físico-química usada para identificar substâncias líquidas, como as gorduras e os açúcares. III – Afirmativa incorreta. Justificativa: em gráficos como o dado no enunciado, podem ser identificadas duas zonas (zona de impressão digital e zona de diagnósticos), que são complementares. A interpretação que se deve dar ao gráfico é oposta àquela apresentada na afirmativa. A zona de impressão digital é de bastante especificidade e pode ser considerada confirmatória para a identificação de uma matéria-prima. 128 Unidade II Questão 2. Observe atentamente as figuras a seguir: Grande ∅20,5 cm Média∅13 cm Pequena∅7,5 cmA) B) Figura 47 A) Disponível em: https://cutt.ly/zDQCjOA. Acesso em: 27 jan. 2022. B) Disponível em: https://cutt.ly/qDQCHwu. Acesso em: 27 jan. 2022. Os equipamentos apresentados são utilizados em conjunto para a realização de um procedimento para definir o teor do princípio ativo em determinadas formas farmacêuticas com IFA (insumos farmacêuticos ativos). Essa definição é fundamental para estabelecer e garantir a quantidade do princípio ativo presente no produto em relação ao teor declarado no rótulo. Sendo assim, assinale a alternativa que apresenta o nome do procedimento diretamente ligado a esses equipamentos: A) Método do funil para teste do ângulo de repouso. B) Cromatografia a gás. C) Cromatografia líquida de alta eficiência. D) Espectrofotometria no ultravioleta visível. E) Granulometria. Resposta correta: alternativa E. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: o método do funil não usa os equipamentos apresentados nas figuras. Esse método usa um funil preso a um suporte que permite estabilizar a sua menor abertura a determinada altura, sobre uma superfície horizontal plana com marcação milimetrada. Uma porção de pó ou de granulado 129 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS é despejada no funil, formando uma pilha na qual possa ser medido o ângulo de repouso formado pelo material. B) Alternativa incorreta. Justificativa: esse método aplica-se a compostos que são voláteis ou que podem ser volatilizados. Necessita de um complexo sistema de cromatografia composto por reservatórios, bombas de alta pressão, injetor, coluna cromatográfica, sistema detector e um integrador que faz a interface de todas essas partes com um computador. C) Alternativa incorreta. Justificativa: esse método utiliza um sistema de cromatografia similar ao descrito anteriormente, com algumas diferenças (por exemplo, detector), haja vista que o que se pretende medir difere entre os dois métodos. D) Alternativa incorreta. Justificativa: esse método usa um espectrofotômetro e cubetas para colocar as soluções que se pretende analisar. Trabalha com a interação entre a energia eletromagnética e a solução de interesse, baseado no fato de que a quantidade dessa energia absorvida está relacionada com a concentração da solução. E) Alternativa correta. Justificativa: a granulometria é usada com partículas sólidas e tem a função de estimar a distribuição total de tamanho dessas partículas. As tamises são peneiras com malhas definidas por onde as partículas sólidas passarão ou ficarão retidas, dependendo do tamanho e da relação à malha da peneira. Essas tamises são empilhadas e acopladas a um agitador que fornece as vibrações necessárias para que as partículas se movimentem entre as tamises.