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DESCRIÇÃO
A lógica e a retórica como disciplinas instrumentais para a organização e aplicação de raciocínios
argumentativos nos âmbitos da moral, da política e do Direito.
PROPÓSITO
Compreender a lógica formal e aristotélica, a retórica aristotélica e a lógica informal como disciplinas
instrumentais e métodos racionais dos argumentos é importante para sua formação, pois desenvolverá a
sua atuação profissional jurídica, político-cidadã e ético-social, e melhorará seu raciocínio, sua escrita e
oralidade, auxiliando nos problemas que farão parte da sua atuação na sociedade civil, no Estado e no
mercado.
PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha à mão um dicionário de lógica para entender os termos
específicos da área.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar os elementos da lógica formal e aristotélica presentes no raciocínio válido, bem como os
elementos da retórica aristotélica presentes no argumento persuasivo
MÓDULO 2
Reconhecer os elementos centrais da lógica informal presentes nos discursos jurídicos, políticos e sociais
INTRODUÇÃO
“É LÓGICO!”
“LÓGICO, VOCÊ NÃO ESTÁ VENDO?”
“ISSO NÃO TEM LÓGICA ALGUMA!”
Quantas expressões como essas fazem parte do nosso dia a dia?
Usualmente, atribuímos a palavra lógica para as pessoas que consideramos racionais e reflexivas.
Contudo, dizemos que “pessoa que não é lógica” é passional, emotiva ou irracional. Quando estamos
conversando sobre um assunto, gostamos de ouvir aquelas pessoas que demonstram bem seus
pensamentos. Parece que, quanto mais simples, bem construída e direta uma frase ou um pensamento,
mais conseguimos aprender. Dizemos que pessoas assim são lógicas e coerentes, portanto didáticas.
Consideramos essas pessoas convincentes. A “lógica” está presente em nossas conversações e na
linguagem ordinária.
Neste tema, aprenderemos no que consiste a lógica, a retórica e as falácias, sua história, seus princípios,
suas regras e seus elementos. Isso ajudará você a desenvolver um raciocínio mais organizado, persuasivo,
convincente e crítico.
MÓDULO 1
 Identificar os elementos da lógica formal e aristotélica presentes no raciocínio válido, bem como
os elementos da retórica aristotélica presentes no argumento persuasivo
 A Escola de Aristóteles, Gustav Adolph Spangenberg, final do século XIX.
CONCEITOS
O que é a lógica?
O professor Cézar Mortari (2001) observa que é difícil dar uma definição a um campo de conhecimento cuja
história envolve, talvez, o conjunto dos maiores pensadores da humanidade. A lógica “é a ciência que
estuda princípios e métodos de inferência, tendo como objetivo principal determinar em que condições
certas coisas se seguem (são consequência), ou não, das outras” (MORTARI, 2001).
Mas o que é uma inferência?
Para responder, precisamos dar um passo para trás. Nós, indivíduos humanos, percebemos a realidade,
nosso entorno, as coisas, os objetos, as pessoas ou a natureza e, de alguma maneira, buscamos organizar
as informações que recebemos, para dar a elas sentido.
Uma das formas de organizar as informações é o pensamento. No entanto, nem todo pensamento pode ser
considerado organizado. Quando um pensamento possui uma estrutura específica, com um início
(premissas) do qual decorrem consequências (conclusões), podemos dizer que estamos diante de um
raciocínio, uma espécie de pensamento que tem a seguinte estrutura:
Premissa(s) (P) + Conclusão (C)
Em que C decorre necessária e consequentemente de P.
Quando pensamos nessa forma estruturada e obtemos uma informação, estamos diante de uma
inferência. Inferências são raciocínios que produzem novas informações para seus usuários.
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Observemos o exemplo clássico da lógica aristotélica:
Premissa¹  Todo ser humano é mortal.
Premissa²  Sócrates é um ser humano.
Conclusão₢  Logo, Sócrates é mortal.
Esse raciocínio demonstra que a conclusão “Sócrates é mortal” decorre das informações obtidas nas
premissas anteriores. A Premissa¹ nos informa que todo e qualquer ser humano é mortal, ou seja, morrerá,
não terá vida eterna. Por sua vez, a Premissa² nos diz que Sócrates é um ser humano. Enquanto tal,
poderíamos dizer que Sócrates é um elemento do universo “ser humano”. Se Sócrates pertence ao
conjunto dos seres humanos, e os seres humanos possuem como característica o fato de que são mortais,
logo, Sócrates também é mortal. A forma abaixo demonstra o mesmo raciocínio:
LÓGICA
A etimologia da palavra lógica vem do grego logikós , que remete à racionalidade. Aristóteles fala em
epistéme logiké : ciência da razão.
Imagem: Davi José de Souza da Silva
Mundo dos mortais (M)
Seres humanos (SH)
Sócrates (S)
M ⊂ SH
SH ⊂ S
Logo: M ⊂ S
Portanto, uma inferência é um raciocínio do qual decorrem informações numa relação de
consequência entre as informações obtidas da ligação entre premissas e conclusões. Porém, como
garantir que tais inferências possam ser consideradas corretas ou não? Como saber que a conclusão
“Sócrates é mortal” decorre das premissas anteriores P¹ e P²?
As regras pelas quais raciocínios são válidos ou não são dadas pela lógica.
A lógica é a área do conhecimento que estuda as condições formais de validade dos raciocínios que
fazemos. Para avaliar nossos raciocínios, ela fornecerá ferramentas necessárias para investigar se a
ligação entre as premissas e a conclusão é válida ou não. Seu objeto são os argumentos.
ARGUMENTOS
A lógica estuda as regras que tornam argumentos formalmente válidos ou não. Nem todo pensamento é um
raciocínio, ou seja, nem todo pensamento é um argumento.
Podemos pensar: “Hoje está terrivelmente quente”, ou “O que irei comprar para o aniversário de João?”, ou
“Não gosto de bolo de milho”. Mas isso não representa um raciocínio ou um argumento, porque faltam
elementos, estruturas que compõem um argumento.
Um argumento tem de conter:
Um conjunto de proposições ou enunciados.
Pelo menos mais de uma premissa (proposições).
Apenas e tão somente uma conclusão: sentença conclusiva.
Uma ligação consequente e necessária entre premissas e conclusões: a conclusão decorre (ou não)
das premissas.
Mortari (2001) nos ensina que um argumento é um “conjunto não vazio de proposições”. Isso significa que
temos um grupo (conjunto) de afirmações (proposições) que têm a pretensão de declarar uma propriedade
dos objetos que pode ser considerada verdadeira ou falsa. Assim, são proposições: “O dia está
ensolarado”; “Antônio é alto”; “O ônibus está lotado”; “O trânsito está congestionado”; “O Direito é justo”; “O
crime foi bárbaro”; “O carro está avariado”; “Minha conta de telefone foi baixa” etc. Essas afirmações são
consideradas proposições porque afirmam um estado de coisas que pode ser verdadeiro ou falso.
No exemplo clássico, são proposições “Todo ser humano é mortal” e “Sócrates é um ser humano”. Quando
as proposições são seguidas de uma terceira, também informativa, acompanhada da palavra “logo”,
“então”, “portanto” – ou seja, de uma conjunção coordenativa conclusiva –, começamos a construir um
argumento. Quando a conclusão extrai a sua informação das informações dadas pelas premissas,
construindo, assim, uma relação de justificação – isto é, a conclusão afirma algo que pode ser retirado das
premissas –, estamos diante de um argumento. Veja que a conclusão (C), “Sócrates é mortal”, decorre das
premissas anteriores.
O argumento, então, traz algumas características que são extremamente úteis às pessoas em seu
cotidiano, vejamos:
(A)
O argumento é positivo, está falado, escrito, redigido, prolatado, toma corpo, sai da mente de quem o diz,
podemos ter acesso objetivo a ele.
(B)
O argumento tem uma intenção daquele que o constrói, que é expor uma conclusão justificada nas
premissas (MORTARI, 2001).
Então, um argumento é um conjunto não vazio de proposições, no qual a conclusão tem a intenção de ser
justificada pelas premissas. Na lição de Neves Filho e Rui (2016), a lógica é a área do conhecimento que
estuda os princípios e métodos da inferência, tendo porobjetivo principal determinar em que
condições certas coisas se seguem (são consequência), ou não, de outras. Diante do que
aprendemos sobre o que é um argumento, podemos afirmar que a lógica irá nos dizer quando um
argumento foi bem construído do ponto de vista formal, ou seja, que as premissas e a conclusão são
consequentes e formalmente válidas.
VERDADE, VALIDADE E CORREÇÃO
Precisamos entender quando um argumento pode ser considerado válido ou não. Vejamos alguns
exemplos:
Exemplo 1
P¹: Todo papagaio é pássaro.
P²: Verdinho é um papagaio.
(C)  Verdinho é pássaro.
Vemos que a conclusão “Verdinho é pássaro” é consequente das premissas. Se “todo papagaio é pássaro”,
conjunto maior, e “Verdinho é papagaio”, logo, “Verdinho” é um elemento no conjunto dos pássaros, que
inclui os papagaios. Assim:
Exemplo 1A
Papagaio  Pássaro
Verdinho  Papagaio
Verdinho  Papagaio  Pássaro
Todavia, poderíamos, com essa mesma maneira de exemplificar, perceber uma conclusão que não se
segue das premissas. Vejamos:
Exemplo 2
P¹: Todo tigre é um mamífero.
P²: Leo é um mamífero.
C  Leo é um tigre.
Podemos perceber que a conclusão “Leo é um tigre” não parece decorrer das premissas anteriores. Pode
até ser verdade que “Leo seja um tigre”, mas não podemos inferir isso das informações anteriores, pois
nem todo mamífero é tigre, ou o fato de que “Leo é um mamífero” pode implicar que ele seja um leão,
gato, cachorro etc. Vejamos:
Exemplo 2A
Tigre  Mamífero
Leo  Mamífero
Leo  Mamífero  Tigre
Exemplo 2B
Imagem: Davi José de Souza da Silva
Vejamos outro exemplo:
Exemplo 3
P¹: Todo brasileiro torce para a seleção.
P²: Marcus Vinícius torce para a seleção.
C  Marcus Vinícius é brasileiro.
Exemplo 3A
Brasileiro  Torcedor
Marcus Vinícius  Torcedor
Marcus Vinícius  Torcedor  Brasileiro
Exemplo 3B
Imagem: Davi José de Souza da Silva
Vemos que, mesmo que as premissas sejam verdadeiras, na ligação entre premissas e conclusão, nos
exemplos 2 e 3, temos um não se segue (non sequitur ), isto é, a conclusão com seu conteúdo não se
segue das premissas. Os argumentos estão na forma inválida, conforme ensinam Neves Filho e Rui (2016):
FORMA INVÁLIDA DA LÓGICA
Se X, então Y
Y é verdadeiro
-----------------------------
Logo, X é verdadeiro
Se essas proposições pudessem ser reconstruídas, poderíamos ver o que a lógica formal chama de modus
ponens , que Neves Filho e Rui (2016) consideram a forma válida da lógica:
FORMA INVÁLIDA DA LÓGICA
Se X, então Y
X é verdadeiro
-----------------------------
Logo, Y é verdadeiro
Além do modus ponens , também podemos considerar como válida a forma do modus tollens , ou a
chamada prova indireta ou modo apagógico :
MODUS TOLLENS
Se X, então Y
Y é falso
-----------------------
X é falso
Podemos reescrever os exemplos para que eles ganhem uma forma considerada válida pela lógica formal:
Exemplo 2C
P¹: Todo arquiteto é um artista.
P²: Leonardo é arquiteto.
C  Leonardo é um artista.
Exemplo 3C
P¹: Todo brasileiro torce para a seleção.
P²: Marcus Vinícius é brasileiro.
C:  Marcus Vinícius torce para a seleção.
Exemplo 2D
Arquiteto  Artista
Leonardo  Arquiteto
Leonardo  Arquiteto  Artista
Exemplo 3D
Brasileiro  Torcedor
Marcus Vinícius  Brasileiro
Marcus Vinícius  Brasileiro  Torcedor
Portanto, a validade de um argumento depende da existência de uma relação consequente entre as
premissas e a conclusão. A validade é um critério que analisa os argumentos a partir da forma com a
qual se relacionam premissas e conclusões. É nesse sentido a definição de Mortari (2001): “um
argumento é válido se qualquer circunstância que torne suas premissas verdadeiras faz com que a sua
conclusão seja automaticamente verdadeira”.
É importante perceber que a validade ou invalidade de um argumento é independente da verdade ou
falsidade de uma das suas proposições. É possível haver proposições falsas dentro de um argumento,
mas, ainda assim, tal argumento ser válido. A validade ou invalidade é uma propriedade dos argumentos
(COPI, 1981; MURCHO, 2015). Por último, precisamos entender quando um argumento é considerado
correto. Um argumento é considerado correto se for válido e se suas premissas forem verdadeiras
(COPI, 1981; MORTARI, 2001; MURCHO, 2015; NEVES FILHO; RUI, 2016). Antes de avançar, precisamos
revisar as seguintes características dos conceitos:
Proposições (sentenças declarativas)
Verdadeiras ou falsas
Argumentos (conjunto de proposições)
Válidos ou inválidos (Análise formal da relação de consequência)
Argumentos (conjunto de proposições)
Corretos ou incorretos
A correção ou incorreção dos argumentos depende que as premissas sejam verdadeiras e o raciocínio
seja válido. Um argumento, para ser considerado correto, deve atender, portanto, a duas condições: deve
ser válido e suas premissas devem ser verdadeiras.
Exemplo 4
¹P: Todos os seres humanos são mortais.
P²: John Stuart Mill é um ser humano.
C  John Stuart Mill é mortal.
Observemos que P¹ é verdadeira. Até o presente momento, não alcançamos a imortalidade. Mesmo que
acreditemos na imortalidade da alma, na reencarnação ou na futura vida num paraíso, podemos todos
concordar que somos mortais e que, pelo menos, morreremos. Então, P¹ é verdadeira. Por sua vez, P²
refere-se ao filósofo britânico John Stuart Mill (1806-1873), um ser humano que escreveu várias obras
filosóficas (inclusive sobre lógica). Mesmo tendo vivido em séculos passados, nada nos autoriza a pensar
que Mill não fosse um humano. Não há registro algum de que ele tenha sido algum outro tipo de ser. John
Stuart Mill era um ser humano. Podemos, assim, pensar que P² é verdadeira. Resta saber se o raciocínio é
válido.
Exemplo 4A
Ser humano  Mortal
John Stuart Mill  Ser humano
John Stuart Mill  Ser humano  Mortal
Esse raciocínio é formalmente válido e correto. Contudo, para considerar um raciocínio correto, o ônus não
seria grande demais? É tarefa da lógica analisar e nos dizer quando estamos diante de um raciocínio
correto ou não?
Temos de responder que não. A lógica formal não pretende dar respostas sobre a verdade ou a falsidade
das nossas proposições. Talvez isso seja tarefa da Ciência, da História ou das outras áreas do
conhecimento humano. A lógica formal estuda apenas regras das inferências, raciocínios ou argumentos
que podem ser considerados válidos.
Entender a estrutura das proposições e dos argumentos, bem como seus atributos (verdade/falsidade,
validade/invalidade ou correção/incorreção), contribuirá para a sua formação como cidadão, pois será
possível avaliar melhor as questões políticas da sociedade em que se está inserido; como indivíduo, poderá
avaliar seus argumentos na hora de justificar seu comportamento; profissionalmente, poderá avaliar melhor
as teses jurídicas que permeiam o desenho das instituições e sua legislação, bem como a aplicação de
normas no caso concreto.
Dois raciocínios são fundamentais para a formação do cidadão, do indivíduo e do profissional: (a) dedutivo
e (b) indutivo.
AGORA, O ESPECIALISTA DAVI JOSÉ DE SOUZA DA SILVA
APRESENTA A LÓGICA COMO DISCIPLINA DO
CONHECIMENTO HUMANO, SUA HISTÓRIA, SEUS
CONCEITOS E SUA IMPORTÂNCIA PARA AS CIÊNCIAS E OS
DEMAIS SABERES.
RACIOCÍNIO DEDUTIVO
Todos os exemplos tratados até o presente momento podem ser considerados deduções. O raciocínio
dedutivo é um padrão clássico na lógica formal, desde Aristóteles até a lógica clássica e seus
desdobramentos. Murcho (2015) considera que a própria noção de validade é estruturada na dedução, por
isso usa a definição validade dedutiva: “um argumento dedutivo é válido se, e só se, é impossível as suas
premissas serem verdadeiras e a sua conclusão ser falsa”.
Todavia, não apenas a relação de consequência caracteriza a dedução, como também a relação de
pertinência. Tal relação ocorre quando um elemento A faz parte de um conjunto C. Se A é um elemento do
conjunto C, podemos dizer que A pertence a C. Anotação padrão para isso é A ϵ C (o elemento A pertence
ao conjunto C). Se o elemento A não pertencer ao conjunto C, podemos escrever A ∉ C. Isto é, ao deduzir,
extraímos proposições implícitas ou contidas na premissa maior, como se desdobrássemos a premissa
maior até chegar à conclusão.
O raciocínio dedutivo é a base de muitas das práticas jurídicas que desempenhamos em todos os níveis. A
compreensão da hierarquia das normas, fundada no pensamento de Hans Kelsen (1881-1973), é um dos
primeiros exemplos que aprendemos no curso de Direito.
Imagem: Davi José de Souza da Silva
Podemos perceber que a validade das normas, do ponto de vista do devido processo legislativo e da ordem
constitucional, está arquitetada na forma de um raciocínio dedutivo. A Constituição Federal de 1988 é a
norma maior (premissa maior) que contém todas as demais normas, validando-as ao distribuir as
competências inerentes aos poderes da República, aos entes federativos, os direitos fundamentais dos
cidadãos e dos indivíduos. Por um raciocínio de teoria do ordenamento jurídico, a ordem constitucional
conforma todas as demais normas jurídicas, bem como a ação das instituições e dos cidadãos. Um
exemplo clássico de dedução, considerando a ordem jurídica e sua formatação, seria considerar a seguinte
hipótese:
Exemplo 5
Com base no art. 5, caput , da Constituição Federal de 1988 que está na premissa maior:
P¹ (Maior): Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
P² (Menor): José Henrique é brasileiro.
(Conclusão) Logo, José Henrique tem direito à inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade.
O raciocínio dedutivo também está na base de muitas decisões judiciais. Ao aplicar a lei, o magistrado,
muitas vezes, analisa fatos com base nas premissas legais que constroem o caso. Vejamos um exemplo:
 EXEMPLO
A Constituição Federal, em seu art. 5º, estabelece que:
P¹: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (I) I — homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, nos termos desta Constituição;
A Lei Maria da Penha, em art. 1º da Lei nº 11.340/2006, estabeleceu que: “Art. 1º Esta Lei cria mecanismos
para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da
Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher,
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros
tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às
mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.
Perguntamos: será que o art. 1º da Lei nº 11.340/2006 teria gerado uma discriminação violando as
diretrizes do art. 5º da Constituição Federal de 1988?
Na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), restou decidido que:
“Violência doméstica. [...] O art. 1º da Lei nº 11.340/2006 surge, sob o ângulo do tratamento diferenciado
entre os gêneros – mulher e homem –, harmônica com a CF, no que necessária a proteção ante as
peculiaridades física e moral da mulher e a cultura brasileira” (ADC 19, rel. min. Marco Aurélio, j. 9-2-2012,
P, DJE de 29-4-2014).
Para tornar explícita a dedução, podemos assim estruturar:
Exemplo 6
P¹: Todos são iguais perante a lei, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações perante a
Constituição.
P²: A Lei Maria da Penha promove a igualdade entre homens e mulheres.
Logo, o art. 1º da Lei Maria da Penha é constitucional.
Não é intenção aqui discutir as proposições, se são verdadeiras ou falsas. O que podemos ver nos
exemplos é que uma das formas mais comuns do raciocínio jurídico é a dedutiva. Seja na formulação de
leis, seja em sua aplicação a casos concretos, a dedução faz parte do cotidiano do usuário do Direito.
O Legislativo no devido
processo legislativo
Legisladores fazem deduções para saber se as normas que
constroem estão de acordo com as premissas constitucionais e
legais.
Advogados na prática
jurídica
Advogados fazem deduções para avaliar normas entre si (hierarquia)
para garantir a proteção dos direitos dos cidadãos que representam.
Advogados fazem deduções em suas petições para demonstrar que
determinados fatos estão de acordo, ou não, com as premissas
legais vigentes no ordenamento jurúdico.
Advogados fazem deduções para demonstrar perante magistrados
que os cidadãos têm direitos a ser assegurados.
Magistrados na prática
judicial constitucional
Ministros do STF e juízes nas esferas do Poder Judiciário fazem
deduções para saber se as normas infraconstitucionais e práticas do
Estado estão de acordo com a Constituição Federal de 1988.
Magistrados na prática
judicial
infraconstitucional
Magistrados, dos diferentes tribunais, fazem deduções para saber se
normas, fatos e pedidos questionados e reivindicados pelos
cidadãos, representados ou não por seus advogados, estão de
acordo com as premissas legais, normativas e interpretativas do
ordenamento jurídico vigente.
Ao longo do estudo do Direito, muitas deduções jurídicas serão feitas. Na prática jurídica, você poderá
observar se as premissas, inevitavelmente, conduzem à conclusão, bem como poderá refutar conclusões
que não estão amparadas pelas premissas. Ao investigar e questionar a estrutura da validade dedutiva, o
exercício da prática jurídica será mais qualificado, permitindo a entrega da prestação jurisdicional de
maneira mais justa e eficiente.
RACIOCÍNIO INDUTIVO
A indução é outro modo de raciocinar. Diferentemente da dedução (não ampliativa), a indução amplia nosso
conhecimento sobre os fatos no mundo. Todavia, ela não é fundamentada na certeza de que a conclusão
seja verdadeira, mas, sim, na probabilidade que a conclusão seja verdadeira, pois é provável que a
conclusão seja verdadeira (MORTARI, 2001; NEVES FILHO; RUI, 2016). Uma boa definição do raciocínio
indutivo é dada por Mundim (2002, grifos nossos):
Se todas as premissas são verdadeiras, a conclusão não é necessariamente verdadeira .
A conclusão encerra informação que não estava, nem implicitamente, nas premissas.
Há uma ampliação daquilo que já sabemos.
Percebemos, então, que o raciocínio indutivo realiza raciocínios cuja assertividade não é possível
assegurar. Segue um exemplo:
Exemplo 7
Em pesquisas de opinião dos consumidores:
(Indução por generalização estatística)
P: “Compra online é preferência de 74% dos consumidores”*.
Conclusão: consumidores preferem fazer compras online.
*(ECOMMERCEBRASIL, 2019)
Exemplo 8
Em pesquisas da Medicina:
(Indução por generalização)
P: “A doença de Alzheimer é a patologia neurodegenerativa mais frequente associada à idade, cujas
manifestações cognitivas e neuropsiquiátricas resultam em deficiência progressiva e incapacitação. A
doença afeta aproximadamente 10% dos indivíduos com idade superior a 65 anos, e 40% acima de 80
anos. Estima-se que, em 2050, mais de 25% da população mundial será idosa, aumentando, assim, a
prevalência da doença”*.
Conclusão: Em 2050, mais de 25% da população mundial será idosa, 10% dos indivíduos com idade
superior a 65 anos e 40% acima de 80 anos terão Alzheimer.
*(SERENIKIL; VITALL, 2008)
Exemplo 9
(Indução por generalização anedótica: não é inferida por dados estatísticos)
Nas estatísticas sobre futebol*:
P: Lionel Messi marcou 73 gols em 60 jogos na temporada europeia (2011/2012), uma média
impressionante de 1,22 gol por jogo.
Conclusão: Lionel Messi irá marcar um gol nojogo do Barcelona contra o Manchester United.
*(FUTDADOS, 2020)
A indução está muito associada à pesquisa científica, às estatísticas e à produção de dados empíricos.
Parte da ideia de que a observação dos fatos e sua ocorrência de forma persistente e consistente nos
demonstrará uma lei geral sobre a realidade. Os exemplos clássicos, dos manuais de lógica formal, ilustram
vários exemplos de raciocínios indutivos ligados à Ciência:
Exemplo 10
P¹: Ferro conduz eletricidade.
P²: Cobre conduz eletricidade.
P³: Prata conduz eletricidade.
Logo, metais conduzem eletricidade.
Exemplo 11
P¹: Uma onça-pintada foi vista terça-feira.
P²: Uma onça-pintada foi vista ontem.
P³: Uma onça-pintada foi vista hoje.
Logo, toda onça é pintada.
Na prática jurídica, tais raciocínios também possuem um lugar especial, pois são bastante utilizados
quando a controvérsia se dá sobre fatos. Debater sobre fenômenos e percepções dos fatos, sua
regularidade e seu sentido, bem como sua força de justificação, conduz os usuários da prática jurídica à
utilização de raciocínios indutivos, como argumentos indutivos baseados em probabilidades, na autoridade,
na evidência e nas relações causais.
No que tange aos argumentos indutivos baseados na autoridade, implica afirmar que acreditaremos que X
é verdade com base no nível de crença que temos ou não de que a declaração feita pelo emissor é
justificável ou não:
Exemplo 12
P¹: O perito concluiu que a bala que atingiu José Guilherme veio da arma de Moraes de Almeida.
Logo, a bala que atingiu José Guilherme foi disparada pela arma de Moraes de Almeida.
Exemplo 13
P¹: O juiz entendeu que as provas juntadas pelo Ministério Público não foram suficientes para condenar o
acusado de furto qualificado.
Logo, não houve furto qualificado.
Esses exemplos demonstram os argumentos indutivos baseados na autoridade. Tais argumentos seriam
considerados não verdadeiros, uma vez que não seguem, por exemplo, a afirmação de policiais de que
uma agressão realmente tenha ocorrido? Ainda é plausível imaginar que um magistrado possua
entendimento diverso e que considere o mesmo conjunto probatório robusto, ao contrário do que o
magistrado do exemplo 13 confirmou. Diante do fato de que um argumento indutivo não é capaz de
garantir a verdade, o que faria desses e de alguns verdadeiros, ou, de certo modo, extremamente
persuasivos?
Raciocínios indutivos fortes ou persuasivos dependem do nível de confiança que temos na objetividade
com que os fenômenos em que eles se baseiam foram observados. Essa observação precisa ser
suficientemente testada para que possamos perceber uma relação de causalidade que se confirmará
todas as vezes em que as mesmas condições se repetirem.
Pelo menos dois métodos nesse aspecto podem proporcionar induções:
(A) ENUMERATIVO
Quanto mais vezes mais testes forem feitos, chegando-se à mesma conclusão, mais forte será a indução.
(B) ELIMINATÓRIO
Não visa à quantidade de instâncias em que as premissas foram testadas, mas sim à variedade de testes a
que foram submetidas as premissas.
Ao variar as formas e os modos de testes, é possível eliminar as premissas não compatíveis, aumentando a
força das conclusões.
Por último, cabe trazer uma modalidade de raciocínio indutivo bastante utilizada na prática jurídica: a
analogia. Essa palavra de origem grega significava, originariamente, “proporção”, o que nos remete à ideia
de comparação, semelhança, proporcionalidade. A analogia é um dos nossos raciocínios mais cotidianos
(COPI, 1981). Costumamos fazer comparações com fatos que ocorreram no passado, entendendo que
podem se repetir no presente ou no futuro. Por exemplo, se foi pedida uma pizza de atum em determinada
pizzaria e todos gostamos, talvez sejamos conduzidos pelo nosso raciocínio a pedir novamente a mesma
pizza. Pode ser que tenhamos passado férias no litoral cearense e gostado bastante do hotel em que nos
hospedamos nas férias passadas; consequentemente, desejaremos nos hospedar novamente lá.
Como modalidade de argumento indutivo, não se pode considerar um raciocínio por analogia válido ou
inválido nos estritos termos da lógica formal. Por isso, os filósofos e teóricos da lógica consideram que o
máximo que podemos esperar de uma analogia é que ela seja, novamente, provavelmente certa.
MAS NO QUE CONSISTE UMA ANALOGIA?
Basicamente em traçar semelhanças entre duas ou mais entidades. Um argumento por analogia consiste
em estabelecer essas semelhanças e concluir que um ou mais predicados de uma das entidades está
presente na(s) outra(s). Quando fazemos uma analogia, partimos de uma particularidade para alcançar
outra.
Vejamos os exemplos:
Exemplo 14
P¹: As pizzas de quatro queijos, margherita, provolone e muçarela vêm carregadas de queijo e tomate.
P²: Além do queijo, as pizzas de quatro queijos, margherita e muçarela vêm com azeitonas.
Logo, a pizza de provolone virá com azeitonas.
Exemplo 15
P¹: A, B, C e D têm as propriedades X e Y.
P²: A, B e C têm a propriedade Z.
Logo, D também tem a propriedade Z.
Um argumento por analogia será mais forte ou persuasivo na medida em que:
For maior o número de entidades semelhantes comparadas.
For maior o número de propriedades semelhantes entre as entidades comparadas.
For mais calibrada a relação entre premissas e conclusões. Conclusões mais prováveis em relação às
premissas tornam a analogia mais persuasiva do que conclusões menos prováveis.
For menor o número de propriedades em que as entidades comparadas não são semelhantes.
Quanto mais relevantes forem as semelhanças, para que se possa dar sustentação à conclusão.
Na prática jurídica, podemos dizer que a analogia pode operar de forma persuasiva quando:
Na prática
advocatícia
Fatos semelhantes possam sustentar aplicação das normas de forma
ampliativa e isonômica, garantindo pedidos e/ou provisões semelhantes.
Normas semelhantes possam ser reivindicadas como aplicáveis a fatos
semelhantes de modo a garantir direitos.
Casos semelhantes possam ser utilizados para reformar ou criticar casos
semelhantes que foram decididos de maneira diferente.
Na prática
judicial
Fatos semelhantes possam ser avaliados para que as decisões possuam
coerência com relação os normas semelhantes aplicáveis.
Casos semelhantes possam fornecer soluções para casos semelhantes ainda
não decididos.
Casos semelhantes possam ser decididos de forma semelhante.
Em geral, a analogia confere maior racionalidade argumentativa ao exercício da advocacia e da jurisdição
de modo a estabelecer uma rede de inferências por meio de padrões que poderão orientar a aplicação do
Direito a fim de gerar maior direcionamento e alinhamento de expectativas por parte dos usuários do
sistema jurídico. Não obstante, a analogia é um instrumento de saneamento e organização do
ordenamento, na medida em que é reivindicada como forma de complementação das lacunas
existentes no ordenamento jurídico.
LÓGICA ARISTOTÉLICA
Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) é fundamental para a lógica e seu desenvolvimento no Ocidente. Embora a
lógica clássica de Frege e Russell tenha reformulado a lógica, ainda é útil o estudo da sistematização
aristotélica, sobretudo aos participantes da prática do Direito.
No que tange à lógica, podemos afirmar que a obra de Aristóteles está presente pelo menos nas seguintes
obras: Categorias, Interpretação, Primeiros analíticos, Segundos analíticos, Tópicos e refutação dos
sofistas . Esses trabalhos estão reunidos no Organon , que significa “instrumento”. Além dessas obras, a
Retórica deve ser somada a elas, pois é reconhecidamente ligada à obra Tópicos . Humphrey (s/d), no
verbete “Aristóteles”, nos explica que a lógica para Aristóteles pode ser entendida como a “ciência do
pensamento na qual o papel da ciência não é descrever o raciocínio ordinário humano, mas [...] demonstrar
o que deve pensar dado os compromissos que assumimos”. Desse modo, a lógica tornaria explícita a forma
implícita do nosso pensamento.
Para Aristóteles, uma sentençaé composta por termos (horos ) que, relacionados sintaticamente,
funcionam como sujeito e predicado. Um termo isolado não pode ser considerado verdadeiro nem falso;
mas, num enunciado, pode ser atribuído valor de verdade. Então, ele pode ser uma afirmação
(kataphasis ) ou uma negação (apophais ). Vejamos alguns exemplos:
Imagem: Llywelyn2000/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0
 Estátua de pedra de Aristóteles em nicho , Biblioteca de Gladstone, Hawarden, País de Gales, 1899.
Exemplo 16
Elementos: João, carros, ônibus, lagoa, mar, rio, prédio, rua, árvore, cachorro, frango.
Afirmações, Sujeito  Predicado, “João é alto”, “O carro é rápido”, “A árvore é verde”, “O ônibus é lento”,
“O frango frito é gostoso”.
Negações, Sujeito  Predicado, “João não é alto”, “O carro não é rápido”, “A árvore não é verde”, “O
ônibus não é lento”, “O frango frito não é gostoso”.
Para Aristóteles, alguns termos são particulares (João, Ricardo, Maria etc.); outros são universais (homem,
mulher, criança, carro, gato, onça, cadeira etc.). O elemento de ligação entre sujeito e predicado é a
cópula. Os enunciados também podem ser universais ou particulares. Assim: “Todo ser humano é mortal”
(universal); “Alguns indivíduos estão doentes” (particular); “Todos os vírus são contagiosos” (universal);
“Nem todos os vírus são mortais” (particular); “Todo atleta treina de forma frequente” (universal); “Alguns
atletas treinam frequentemente”; “Nem todo atleta treina frequentemente” (particular). Um enunciado é uma
proposição na forma:
(S é P) ou (S  P)
Na lógica de Aristóteles, existem três princípios fundamentais:
Princípio da identidade
A = A
Princípio da não contradição
É impossível afirmar que A é A e que A não é A ao mesmo tempo.
Princípio do terceiro excluído
Uma proposição é verdadeira ou falsa, não há terceira possibilidade.
Uma vez que podemos fazer afirmações ou negações, é importante destacar o princípio da contradição
(antiphasis ) segundo o qual toda afirmação corresponde a uma negação, de tal forma que toda
negação nega exatamente aquilo que a afirmação afirma. A informação vinda de uma contradição ou é
verdadeira, ou é falsa; não podem ambas ser verdadeiras ou falsas ao mesmo tempo. Contraditórios não
podem ser ambos verdadeiros. Com isso, acompanhando a lição de Neves Filho e Rui (2016), podemos
explicitar que em Aristóteles:
UNIVERSAL AFIRMATIVO
Todo S é P
Todo S  P
Ex.: “Todo ser humano é mortal.”
UNIVERSAL NEGATIVO
Nenhum S é P
Nenhum S  P
Ex.: “Nenhum ser humano é mortal.”
PARTICULAR AFIRMATIVO
Algum S é P
Algum S  P
Alguns gatos são pardos.
Alguns políticos são honestos.
PARTICULAR NEGATIVO
Algum S é não P
Algum S  ~ P
Alguns gatos são não pardos.
Alguns políticos são não honestos.
Logo, podemos introduzir o quadro aristotélico de oposição:
Imagem: Davi José de Souza da Silva
Temos quatro relações possíveis
(A e E), (I e O) contrários.
(A e O), (E e I) contraditórios.
Do quadro acima, decorrem algumas leis. A primeira é a lei dos contraditórios: da verdade de um desses
enunciados, inferimos a falsidade do outro. Se (Todo S é P) for verdadeiro, então (Algum S não é P) é
falso.
Exemplo 17
Se (Todos os gatos são brancos) for verdadeiro, então (Algum gato não é branco) é falso.
Se (Todos os seres humanos são mortais) for verdadeiro, então (Algum ser humano é imortal) é falso.
Se (nenhum S é P) for verdadeiro, então (algum S é P) será falso.
Exemplo 18
Se (nenhum homem é imortal) for verdadeiro, então (alguns homens são imortais) será falso.
Se (nenhum gato é branco), então (algum gato é branco) é falso.
Se (nenhum anjo é mau), então (alguns anjos são maus) é falso.
A lei dos contrários, por sua vez, nos informará que, se há verdade num dos enunciados, isso implicará a
falsidade do outro. Nesse caso, ambos não podem ser simultaneamente verdadeiros, mas podem ser
simultaneamente falsos. Podemos exemplificar usando o silogismo clássico da lógica formal: se “todo ser
humano é mortal”, então “nenhum ser humano é mortal” é falso; mas, se “todo ser humano é mortal” é
falso, então “nenhum ser humano é mortal” pode ser falso também. Outro exemplo: se “todos os pássaros
voam” for falso, poderíamos aceitar que “nenhum pássaro voa” seja falso também.
Finalizando, a lei dos subcontrários nos diz que I e O nunca poderão ser ao mesmo tempo falsas, mas
poderão ser ao mesmo tempo verdadeiras.
Pela lei de subalternação, temos dois casos: (A) e (B). No primeiro, da verdade dos enunciados universais
se segue a verdade dos enunciados particulares subalternos. Se S é P  V, então algum S é P  será
verdade também. Se “todos os homens são mortais”, então “algum homem é mortal” é verdadeiro também.
Da mesma maneira, o enunciado universal negativo: “se nenhum humano é mortal”, então é verdadeiro que
“algum anjo não seja mortal”. Outro exemplo: “se todos os cães ladram”, então é verdadeiro que “alguns
cães ladrem”. Ainda, “se nenhum cachorro mia”, então é verdadeiro que “algum cachorro não mie”. Se
“nenhuma pizza leva queijo”, então é verdadeiro que “algumas pizzas não tenham queijo”.
Ainda nesse primeiro caso, é preciso destacar que, se o universal for falso, isso não implica que o particular
o seja também. Então, da falsidade de S é P, não se segue a falsidade de algum S é P. Se “todos os
homens forem anjos” é falso, podemos, ainda, dizer nesse primeiro caso que “alguns homens são anjos”.
Se “todos os homens pecaram” for falso, podemos dizer que “alguns homens pecaram”. Se “todos os jogos
da seleção de futebol do Brasil forem ruins” for falso, podemos ainda dizer que “alguns jogos da seleção de
futebol do Brasil foram ruins”. Se “todas as pizzas forem de atum” for falso, ainda poderemos dizer que
“algumas pizzas são de atum”.
O mesmo vale para as universais negativas. Se “nenhum anjo pecou” for falso, poderemos dizer que
“algum anjo não pecou”. Se “nenhum ser humano é angelical” for falso, poderemos dizer que “algum ser
humano não é angelical”. Se “nenhuma pizza é de atum” for falso, poderemos ainda dizer que “algumas
pizzas não são de atum”.
A lei de subalternação implica um segundo caso (B) que se divide em dois: (b.1) se o particular for falso,
então o universal será falso também (ex.: se “algum homem é anjo” for falso, então “todo homem é anjo”
será falso também; se “alguns cães são raivosos” for falso, então “todos os cães são raivosos” será falso
também. Com a particular negativa: se “algum anjo não é pecador” for falso, então “nenhum anjo é
pecador” será falso; se algumas pizzas não são de atum” for falso, então “nenhuma pizza é de atum” será
falso também.
Todavia, há o segundo caso (b.2) que diz o seguinte: se o particular for verdadeiro, não se segue que o
universal o seja. Então, se “alguns seres humanos pecaram” for verdadeiro, não se segue que “todos os
seres humanos pecaram”. Ainda, se “algumas pizzas são de atum” for verdadeiro, não se segue que “todas
as pizzas sejam de atum”. Se “alguns cidadãos cometeram crime”, não se segue que “todos os cidadãos
tenham cometido crime”. Da mesma forma, da particular negativa para a universal negativa, se “algum
homem não cometeu crime”, não se segue que “nenhum homem tenha cometido crime”.
Agora que aprendemos as leis da lógica aristotélica, vamos praticar com os exemplos a seguir:
Universal afirmativa (A)
Todos os planetas são redondos.
Universal negativa (E)
?
Particular afirmativa (I)
?
Particular negativa (O)
?
1. Se (A) for verdadeiro, então (O) é (V) ou (F)?
2. Se (A) for verdadeiro, então (E) é (V) ou (F)?
3. Se (I) for verdadeiro, então (A) é (V) ou (F)?
4. Se (O) for verdadeiro, então (E) é (V) ou (F)?
Vamos lá! Pelo quadro de oposição de Aristóteles, poderíamos dizer que:
Se (A) é verdadeiro, então, (0) é falso, pois: “se todos os planetas são redondos” (Se todo S é P) for
verdadeiro, então (Algum S não é P) “alguns planetas não são redondos” será falso pela lei da
contradição.
Se (A) for verdadeiro, então (E) é falso. Pela lei dos contrários,ambos não podem ser ao mesmo
tempo verdadeiros, mas poderiam ser, ao mesmo tempo, falsos. Se “todos os planetas são redondos”
for verdadeiro, então, ao mesmo tempo, não poderia ser verdadeiro que “Nenhum planeta é redondo”.
Se (I), “Alguns planetas são redondos”, for verdadeiro, então (A), “Todos os planetas são redondos”,
pode ser que seja verdadeiro, não sabemos.
Se (O), “Alguns planetas não são redondos”, for verdadeiro, não se segue que (E), “Nenhum planeta é
redondo”, seja verdadeiro, pois pode haver, ainda assim, planetas redondos.
RETÓRICA ARISTOTÉLICA
Admiramos as pessoas que falam bem. Aquelas que conseguem expressar de modo interessante,
magnético e eloquente suas ideias. Não estamos falando daqueles discursos enfadonhos, cansativos ou
que não atraem nossa atenção pela quantidade de palavras deslocadas, rebuscadas e insensíveis aos
sentimentos daqueles que ouvem. No entanto, apreciamos o discurso do estadista, dos intelectuais
públicos, dos advogados, dos escritores. Apreciamos o bom sermão, a boa prosa, a boa conversa que nos
cativa, que nos atrai para o centro do argumento e nos persuade.
Imagem: Jonund/Wikimedia commons/Domínio Público
 Aristóteles e seu pupilo, Alexandre , Charles Laplante, 1866.
Costumamos dizer que a pessoa que fala bem é “cativante”, que tem uma “boa retórica”. Seja num show de
stand up com um comediante cuja ironia nos faz rir das contradições da vida cotidiana, seja com o
sacerdote, o bom uso da palavra pode nos afastar ou nos aproximar das ideias. Um exemplo recente de
orador magnético, o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, é lembrado como alguém cujo
discurso carrega os atributos da prosa elegante e persuasiva.
PODERÍAMOS APRENDER A FALAR BEM DE FORMA TÃO
MAGISTRAL OU APENAS AQUELES COM CERTO DOM
ESPECÍFICO PODERIAM CONVENCER AS PESSOAS POR
MEIO DA PALAVRA? HÁ ALGUMA MANEIRA DE FAZER ISSO?
Sim, podemos dizer que a retórica é fundamental para entendermos como o discurso pode ser persuasivo.
Nesse ponto, como na lógica, o filósofo Aristóteles é um dos grandes responsáveis, senão o maior, por
termos até os dias atuais a retórica. Vejamos um pouco da história da retórica.
Em suas origens, a retórica nasce na Sicília, conforme nos narra Manuel Alexandre Júnior (2005), na
tradução da obra Retórica de Aristóteles . Após a deposição de seus tiranos, Gelón e Hierão, por volta de
485 a.C., os cidadãos da Sicília passaram a recorrer aos juízes para reaver seu patrimônio e reparar
demais perdas causadas pelos tiranos. A retórica nasce dentro do Direito, nos tribunais. Defender-se diante
de um júri popular passou a ser fundamental, razão pela qual escolas foram criadas para contribuir com a
formação dos cidadãos de Siracusa.
Após seu nascimento, a retórica recebeu o tratamento estético e literário com Górgias. Com o sofismo teve
sua estrutura sistematizada e ampliada globalmente. Por último, foi tratada de forma secundária por Platão
(427 a.C. - 347 a.C.), como um apêndice da dialética, esta sim a verdadeira ciência (REBOUL, 2004).
A retórica adquire seu grande valor por meio da obra de Aristóteles, que lhe deu um tratamento sistemático,
ligado ao conhecimento e à ação prática. Para Olivier Reboul (2004), Aristóteles resgata a retórica do viés
estratégico e propagandista dos sofistas para dar a ela o rigor da coesão e do silogismo (entimema ).
Acima de tudo, Aristóteles relaciona a retórica com a dialética, construindo entre elas uma relação diferente
em comparação a que os sofistas e Platão fizeram anteriormente.
Como podemos ver, a retórica envolve a própria captação dos grandes momentos da vida social humana.
Aristóteles percebeu as diferentes manifestações da vida humana, organizando-as e lhes dando lugar na
retórica. Com Aristóteles, a retórica é uma arte que possui teor cognitivo, sendo capaz também de lidar com
a verdade, trazendo à tona o médium do nosso saber sobre as relações práticas. De maneira didática,
Olivier Reboul (2004) organiza o quadro que nos ajuda a visualizar melhor o papel da retórica em
Aristóteles:
 Alvo Modalidade
Campo para
Aristóteles
Campo para nós
Demonstração
Saber
Eu, nós Necessária
Lógica
Ciências
Exatas
Metafísica
Lógica
Ciências Exatas
Naturais
Dialética: jogo,
exercício
Tu
Provável
(endoxon )
Universal
Princípios
Primeiros
Ciências
Humanas
Filosofia
Teologia
Retórica:
convencer um
público
Vós
Verossímil
(eikos )
Judiciário
Político
Epidíctico
Os mesmos, mais
pregação e
publicidade
Sofística: dominar
pelo jogo
Impessoal,
eles
Falsa
aparência
Ilusão Idem
Agora que conseguimos situar a visão de Aristóteles sobre a retórica, podemos visualizar pontos centrais
da sua sistematização. A primeira delas é a divisão do discurso, que na retórica são quatro:
1 Invenção (Heurésis)
Criação
Pesquisa
Mineração dos dados
2 Disposição (Taxis)
Organização interna
Ordenação da estrutura
3 Elocução (Lexis)
Redação do discurso
Estilo
4 Ação (Hypocrisis)
Proferição do discurso
Mímica, gestos
Memória
Todos esses elementos são importantes para o bom discurso. Na ausência de um deles, certamente haverá
falha.
A invenção é para a preparação do discurso, momento em que se obtêm as informações, os dados,
os elementos que deverão compor o discurso.
A disposição é a organização da ordem com a qual serão apresentados os argumentos, dando
sentido, nexo e intencionalidade à persuasão do público.
A elocução é o estilo que modula o discurso de forma a entender o auditório e se fazer compreender.
A ação é o ato prático em que se faz o proferimento do discurso. Ao proferir o discurso, é necessário
estar alinhado com os demais elementos.
Esses quatro passos para a construção de uma boa retórica precisam estar adequados com os gêneros de
discurso. Em Aristóteles, esses gêneros são três: judiciário, deliberativo e epidíctico.
Gênero
Para quem
se dirige
(auditário)
Como
faz?
(ato)
O que se
debate?
Tempo
Tipo de
argumento
Judiciário Tribunal
Acusa ou
defende
Justo/injusto Passado
Entinema
(dedutivo)
Deliberativo Assembleia Aconselha Útil Futuro
Exemplo
(indutivo)
Analogia
Epidíctico Espectadores
Censura,
louva,
admoesta
Narrativa
nobre
Narrativa vil
Presente Amplificação
O judiciário é feito por aqueles que acusam ou defendem. Estrutura-se sob as causas de fato passadas,
debate o justo ou não justo do caso pela dedução (como visto no item anterior deste módulo). Sua forma é
a retrospectiva e visa persuadir os magistrados, o júri, os desembargadores e também a sociedade civil da
justiça do caso. Interessante que podemos ver num acórdão (decisão dada pelo colegiado de magistrados,
sejam desembargadores ou ministros, magistrados de 2ª instância ou dos tribunais superiores) que há
sempre uma parte chamada “relatório” em que o magistrado recupera os fatos do mundo e do processo
antes de expor seu raciocínio jurídico para a decisão. Também os advogados reconstroem os fatos para dar
uma cronologia retrospectiva ao caso.
O deliberativo destina-se à definição da utilidade ou não das decisões para a vida da comunidade política.
Devemos ou não ir à guerra? Devemos ou não redistribuir recursos? Devemos ou não distribuir vacinas? É
necessário um lockdown durante a pandemia? Essas deliberações dizem respeito às questões públicas
da vida em comunidade. Por isso, elas assumem esse caráter futuro, voltado para a análise das
consequências da tomada de decisão. Nesse aspecto, lembrar dos exemplos e das consequências de
tomadas de decisão anteriores pode ajudar a comunidade a decidir.
O epidíctico perfaz os discursos em que avaliamos ou não uma prática presente da comunidade,
especialmente em momentos de grande reflexão e significado: a morte de um ente querido (pensemos nos
velórios); a pregação pelos clérigos em templos religiosos; a censura pública diante de uma prática
condenável; o elogio público diante de um comportamento admirável. Por isso, o orador, neste caso,
escolhe um aspecto censurável ou louvável e o amplifica,de forma a dar luz.
É importante que vejamos essas estruturas não como isoladas. De fato, elas permeiam a vida social e se
entrelaçam. Não são separadas e estanques. Todas possuem um tipo de argumento específico, mas que
pode transitar para o outro.
No judiciário, utilizamos a dedução, mas nada impede que utilizemos a indução ou a analogia na defesa de
um caso. O mesmo também vale para o discurso deliberativo. Se é voltado para o futuro, é prospectivo,
também podemos fazer raciocínios dedutivos com ele. A organização e sistematização dada por Aristóteles
é didática, permitindo, inclusive, que possamos articular essas modalidades de acordo com as
necessidades do contexto em que nos encontramos no debate.
Uma vez que conseguimos visualizar os destinatários dos discursos, os argumentos que são módulos e as
ênfases, a sistematização de Aristóteles da boa retórica ainda nos apresenta três elementos que se referem
a elementos extrínsecos do discurso. Nesse ponto, é como se estivéssemos modulando o mesmo:
ETHOS
Caráter do orador em/na relação com o auditório
PATHOS
Emoções, sentimentos, paixões do auditório
LOGOS
Razão do discurso
Aspecto dialético
O ethos é o caráter do orador no discurso diante do auditório. Seu caráter deve parecer ao auditório
confiável, empático. O orador precisa se conectar com o público, articulando de modo a criar uma relação
de reciprocidade em que se possa confiar nele. Aqui, cabe mencionar um verdadeiro exercício de
alteridade, pois, se vou tratar, por exemplo, com pessoas que possuem uma vida rural, preciso estabelecer
com elas uma rede de confiança específica. Se eu for tratar com pessoas de comunidades urbanas, no
entanto, preciso modular minha posição para os problemas da vida urbana. O orador precisa compreender
o seu público e se ligar a ele, transmitindo que compreende os problemas e a escuta daqueles com quem
articula.
Já o pathos são paixões, emoções, sentimentos do auditório com quem o orador precisa empaticamente
se conectar. Conforme destaca Reboul (2004), entra em cena a necessidade da Psicologia – isso mesmo:
Aristóteles já tinha colocado na pauta a necessidade de compreender a subjetividade das pessoas. O
orador, ao entender as paixões do público, precisa se conectar com sua psicologia. Entender a rede de
afetividades do público pelo qual articula as razões é tarefa do orador de forma a construir os caminhos da
retórica. As artes literárias, então, seriam tributárias da retórica na medida em que conseguiu destacar a
importância dos afetos que devem emergir tanto do caráter do orador (ethos ) quanto das emoções do
auditório (pathos ).
Aos lados afetivos, junta-se o logos , o lado dialético da retórica ligado ao discurso, no qual a estrutura da
razão pode ligar-se à persuasão. Aqui, a retórica se apresenta por meio do silogismo dedutivo (entinema )
e das induções. A partir do silogismo dedutivo, a retórica pode demonstrar sua racionalidade, apoiando-se
naquilo que é verossímil ao público. Apelando ao comum, pode demostrar suas conclusões. O mesmo com
as induções, que têm centralidade na analogia, permitindo que, por meio dos casos passados, das
ocorrências passadas, seja possível inferir prováveis conclusões necessárias ao domínio do razoável, do
justo e do valoroso.
Agora que conseguimos ver as três modalidades de discurso, bem como os elementos ligados à relação
entre orador e auditório, podemos, acompanhando a obra de Aristóteles e as lições dos estudiosos da
retórica, compreender de onde podemos extrair os discursos. Teriam, os discursos, uma fonte nas relações
sociais? Será que investigando os discursos, no cotidiano, conseguiríamos extrair as origens deles? Na
sistematização dada por Aristóteles, os lugares do discurso (topoi ) poderiam, na lição de Reboul (2004),
ser considerados de duas formas:
Topos como
argumento-tipo
Argumento está pronto;
pode ser articulado pelo
orador.
Ex.: A impunidade aumenta a
violência.
Ex.: Se relaxarmos a lei, aumentará a
corrupção.
Ex.: A vida humana é sagrada e
inviolável.
Topos como
esquema-tipo
Argumento é um esquema;
conteúdo pode ser
preenchido pelo orador.
Ex.: Quem pode no mais, pode no
menos.
Ex.: Se o presidente da República
pode criticar o juiz, eu também posso.
Topos como
questão típica
Problema/questão
gera argumentos/contra-
argumentos.
Ex.: O processo criminal
Ex.: A justiça
Ex.: A autoridade de escritos sagrados
Mais do que um argumento pronto ou do que um argumento que permanece no tempo e no espaço, os
topoi podem ser considerados padrões argumentativos, instruções gerais que poderiam ser aplicadas a
vários tipos de argumentos (GRÁCIO, 2015). Então, de que maneira poderíamos entender os topoi ?
Em primeiro lugar, os topoi são lugares de onde parte a argumentação, lugar-comum que gera o debate.
Esses lugares de onde se fala seriam preenchidos por uma série de argumentos já disponíveis na cultura
comum. Esses mesmos topoi também serviriam de esquemas estruturais de onde se podem extrair
argumentos. Por último, os topoi poderiam estar na nossa psicologia, razão pela qual podemos recuperar
em nossa memória muitos de seus elementos (GRÁCIO, 2015). Suas características poderiam ser
organizadas da seguinte maneira:
Analíticos: aqueles que nos permitem decompor, dividir e encontrar solução para os problemas.
Vazios de conteúdo: aqueles em que o topos opera com um mecanismo heurístico que traz à tona
a necessidade de preenchimento de conteúdo.
Compartilhados socialmente: aqueles que estão presentes na cultura geral e que podem ser
resgatados a qualquer momento para dar sentido à argumentação.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. SE “NINGUÉM É INOCENTE NUM MUNDO DE CRIMES” FOR VERDADEIRA, QUAL
DAS PROPOSIÇÕES A SEGUIR PODE SER ASSINALADA COMO A SUA
CONTRADIÇÃO?
A) Todos são inocentes num mundo de crimes.
B) Alguns são inocentes num mundo de crimes.
C) Alguns são não inocentes num mundo de crimes.
D) Todos são culpados num mundo de crimes.
E) e) Alguns são culpados num mundo de crimes.
2. LEIA O TRECHO A SEGUIR, QUE É PARTE DE UM DISCURSO DE GETÚLIO
VARGAS:
“O OBJETIVO QUE ORA NOS PREOCUPA INTERESSA MAIS DIRETAMENTE A 27
MILHÕES DE BRASILEIROS, DISTRIBUÍDOS NUMA ÁREA QUE ABRANGE MAIS DE
3 MILHÕES DE BRASILEIROS, DISTRIBUÍDOS NUMA ÁREA QUE ABRANGE 3
MILHÕES DE QUILÔMETROS QUADRADOS; OU SEJA, A METADE DA POPULAÇÃO
BRASILEIRA E A 40% DO TERRITÓRIO NACIONAL. MAS, CERTAMENTE, NÃO SE
RESTRINGIRÃO A ESSA ÁREA OS BENEFÍCIOS ADVINDOS COM O
APROVEITAMENTO TOTAL DAS IMENSAS POSSIBILIDADES ATÉ HOJE
EXPLORADAS. OS REFLEXOS SERÃO DE ÂMBITO NACIONAL. TODA A ECONOMIA
DO PAÍS SERÁ ESTIMULADA POR NOVAS ENERGIAS. UMA LINHA CONSTANTE DE
PROGRESSO MATERIAL SE ESTENDERÁ DO VALE FÉRTIL E PROMISSOR ATÉ O
PLANALTO CENTRAL E A PLANÍCIE AMAZÔNICA, IGUALANDO TODOS OS
BRASILEIROS NO ALMEJADO PADRÃO DE BEM-ESTAR SOCIAL”. BRASIL.
DISCURSOS SELECIONADOS DO PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS. BRASÍLIA:
FUNAG, 2009.
CONSIDERANDO OS GÊNEROS DE DISCURSO SISTEMATIZADOS NA RETÓRICA
ARISTOTÉLICA, PODEMOS CONSIDERAR QUE A FALA DO PRESIDENTE GETÚLIO
VARGAS É UM DISCURSO:
A) Judicial
B) Epidíctico
C) Deliberativo
D) Entimêmico
E) Ético
GABARITO
1. Se “Ninguém é inocente num mundo de crimes” for verdadeira, qual das proposições a seguir
pode ser assinalada como a sua contradição?
A alternativa "B " está correta.
Segundo o quadro de oposição de Aristóteles, a contraditória de “Ninguém é inocente num mundo de
crimes” [Nenhum S é P] seria “Alguns são inocentes num mundo de crimes” [Alguns S são P]. A letra (a),
“Todos são inocentes num mundo de crimes”, é a contrária [Todo S é P]. A letra (c), “Alguns são não
inocentes num mundo de crimes”, é subalterna [Alguns S são não P]. A letra (d), “Todos são culpados num
mundo de crimes” [Todo S é Z], ocorre que [Culpado = Não Inocente]; logo, “Todos são (não inocentes) num
mundo de crimes” é igual “Ninguém é inocente”. Já a letra (e), “Alguns são culpados”, é igual a [Alguns S
são Z], [Culpado = Não Inocente], “AlgunsS são não inocentes”, que é igual a letra (c) – portanto,
subalterna.
2. Leia o trecho a seguir, que é parte de um discurso de Getúlio Vargas:
“O objetivo que ora nos preocupa interessa mais diretamente a 27 milhões de brasileiros,
distribuídos numa área que abrange mais de 3 milhões de brasileiros, distribuídos numa área que
abrange 3 milhões de quilômetros quadrados; ou seja, a metade da população brasileira e a 40% do
território nacional. Mas, certamente, não se restringirão a essa área os benefícios advindos com o
aproveitamento total das imensas possibilidades até hoje exploradas. Os reflexos serão de âmbito
nacional. Toda a economia do país será estimulada por novas energias. Uma linha constante de
progresso material se estenderá do vale fértil e promissor até o planalto central e a planície
amazônica, igualando todos os brasileiros no almejado padrão de bem-estar social”. BRASIL.
Discursos selecionados do presidente Getúlio Vargas. Brasília: Funag, 2009.
Considerando os gêneros de discurso sistematizados na retórica aristotélica, podemos considerar
que a fala do presidente Getúlio Vargas é um discurso:
A alternativa "C " está correta.
O discurso do presidente Getúlio Vargas é um discurso deliberativo, gênero utilizado pelos políticos, que
tem por tempo o futuro e visa ao bem-estar da comunidade.
MÓDULO 2
 Reconhecer os elementos centrais da lógica informal presentes nos discursos jurídicos,
políticos e sociais
LÓGICA INFORMAL
Nem todo argumento é válido ou verdadeiro. Alguns argumentos que não são verdadeiros ou válidos,
apesar de seu vício ou vícios, exercem uma força persuasiva sobre a mente não treinada. Podemos nos
convencer de argumentos que mantêm uma aparência de validade ou verdade se não estivermos bem
preparados. Vejamos os exemplos a seguir:
Exemplo 1
Se permitirmos experiências com células-tronco, poderemos ter consequências terríveis; não demorará
para termos pesquisas para clonar animais e pessoas, quebrando as regras da natureza.
Exemplo 2
Sou a favor da redução da maioridade penal; se não punirmos os infratores, nos tornaremos um país sem
leis.
Exemplo 3
Ou usamos todas as nossas armas para combater o tráfico de drogas, ou criamos leis para permitir o uso
recreativo de certos entorpecentes.
Todos esses argumentos fazem parte do nosso cotidiano. Eles não nos parecem extremamente plausíveis?
O problema é que eles são apenas aparentemente verdadeiros. Todos são falácias. Os dois primeiros
exemplos perfazem a famosa ladeira escorregadia; já o segundo constitui o falso dilema. Eles são
falaciosos.
Uma falácia é um argumento que preserva uma aparência de ser verdadeiro, mas, devido a um vício,
pode ser considerado inválido ou incorreto. Os estudiosos da lógica têm diversas abordagens para
explicar o que é uma falácia, suas modalidades etc.
Uma das mais sistematizadas explicações é dada por Irving Copi (1981), que as classifica da seguinte
maneira: formais e não formais. As primeiras são aquelas que violam as regras da inferência válida, por
vícios lógico-formais. Já as falácias informais ou não formais constituem erros de raciocínio devido à falta
de atenção ou por conta das ambiguidades naturais da linguagem.
As falácias não formais podem ser (a) de relevância ou (b) de ambiguidade. As primeiras se ligam à
relação entre as premissas e a conclusão. Copi (1981) nos diz que essas premissas são irrelevantes para
as conclusões, não tendo, portanto, a relação de consequência. As segundas, de ambiguidade, são
aquelas em que os termos contêm palavras ambíguas que irão variar de acordo com o contexto ou até
mesmo na estrutura do argumento, tornando o argumento inválido.
A seguir, veremos um pouco das principais falácias.
PETIÇÃO DE PRINCÍPIO (PETITIO PRINCIPII )
Também conhecida como raciocínio circular, a petição de princípio é uma falácia que nos deixa zonzo. Com
uma forte aparência de válida, dependendo do contexto em que os participantes da argumentação se
encontrem, sem a devida atenção, facilmente se cai em suas sinuosas armadilhas.
A petição de princípio ocorre quando a verdade da conclusão já está pressuposta nas premissas (NEVES
FILHO; RUI, 2016). Isso ocorre em função do fato de que as premissas já são cuidadosamente escolhidas
para sustentar as conclusões (COPI, 1981). Apesar de aparentemente válida, ou seja, há o transcurso de
um silogismo que atende às formalidades, o que pode passar incauto aos ouvidos é o fato de que uma das
premissas já é forte o suficiente, se aceita como verdadeira, para provar a verdade da conclusão. Por isso,
nem seria necessária. Certamente, quem argumenta desse modo não elabora premissas iguais ou
semelhantes, mas sim premissas que já contêm a conclusão, não sendo necessária a articulação entre
duas ou mais premissas para se chegar à conclusão.
Lembremos que, no início deste tema, o silogismo dedutivo ou a indução visava fornecer uma informação
nova, embora a dedução seja considerada passível de verdade e a indução, provável de verdade. A
articulação entre premissas maiores e menores poderia levar a conclusões ainda não visíveis aos membros
do diálogo. A conclusão é um ponto a mais arrastado pelas premissas. Todavia, na petição de princípio,
uma vez que uma das premissas é verdadeira, não é preciso ir até a conclusão. Por isso, Copi (1981)
afirma que em um “argumento de tal natureza, a conclusão só afirma o que foi afirmado nas premissas; por
conseguinte, o argumento, embora perfeitamente válido, é totalmente incapaz de estabelecer a verdade da
conclusão”.
Vejamos alguns exemplos de petição de princípio: “Sua mãe Helena está certa, as mães estão sempre
certas” – apesar do fato de Helena ser mãe e de as mães estarem certas, já se segue que Helena (mãe)
está correta. Outro exemplo: “não podemos atribuir personalidade jurídica aos animais porque não são
contemplados na legislação” – aqui, o argumento é circular, pois os animais não estão previstos na lei como
portadores de personalidade jurídica; logo, não serão possuidores de direitos, mas não são porque não
estão na lei, ficando nessa circularidade.
ARGUMENTO PELA IGNORÂNCIA (ARGUMENTUM AD
IGNORANTIAM )
Nesta modalidade de falácia, sustenta-se que um argumento pode ser verdadeiro apenas e tão somente
porque ainda não foi provada a sua falsidade. Também sustenta que determinado argumento é falso
apenas e tão somente porque ainda não foi provado que é verdadeiro. Por exemplo: “existem unicórnios,
pois ninguém provou que não existem”; “não existem dragões, pois pesquisa alguma provou que eles
existiam”. Poderíamos pensar que uma série de aspectos místicos ou transcendentais poderiam ser dados
como verdadeiros, simplesmente porque ainda não foram provados que são falsos. Por exemplo,
poderíamos afirmar que um professor consegue ler a mente de seus alunos, apenas e tão somente porque
nenhum aluno conseguiu prova de que ele não consegue ler suas mentes.
Vejamos alguns exemplos:
“JAMAIS CONSEGUIMOS VER AS IDEIAS, PORQUE ESTAS
NASCEM NAS MENTES DOS INDIVÍDUOS”.
Nesse caso, poderíamos pensar que há um inatismo como uma fonte das ideias, simplesmente porque
não conseguimos demonstrar empiricamente que elas existem, não conseguimos visualizá-las
materialmente.
“TRISTÃO É O CULPADO PELA MORTE DE ISOLDA, POIS,
APESAR DE NÃO TERMOS VISTO O QUE OCORREU
NAQUELA NOITE FATÍDICA, TRISTÃO ESTAVA COM ISOLDA
MINUTOS ANTES DE SEU ASSASSINATO”.
Não há provas de que Tristão matou ou não Isolda, mas, como não existem evidências que tornem
verdadeiro que Tristão não matou Isolda, o acusador concluiu que sim, que ele matou Isolda.
PERTINÊNCIA
A falácia de pertinência ocorre quando ignoramos a questão (ignoratio elenchi ) e os argumentos que
utilizamos não conseguem provar a conclusão. Para ilustrar, usaremos o exemplo clássico apresentado por
Irving Copi (1981) e Douglas N. Walton (2012) do “político que defende a política habitacional”. Faremos
uma pequena adaptação para usar o exemplo do “político que defende o uso dearmas”.
Imagine que o Congresso Nacional está debatendo uma legislação sobre a regulamentação do uso de
armas pelos cidadãos. Na sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o deputado federal
Escrivão Josué argumenta: “Devemos aprovar o Projeto de Lei nº 23.939/A porque todos os cidadãos
decentes devem portar armas”. Em seguida, o deputado federal Arnaldo da Guarda Civil afirma: “Os
cidadãos livres devem proteger seus direitos, por isso devemos aprovar o projeto”. Na oposição ao projeto,
a deputada federal Rafaela Monteiro toma a palavra e diz: “É um risco aprovar esse projeto, pois os
brasileiros não são pessoas violentas; tal projeto poderia educar para agressão”.
Todos os deputados imaginários aqui trazidos como exemplos usam premissas que não contribuem para
sabermos se o projeto terá utilidade ou não para a sociedade brasileira. Quais são as pesquisas que
indicam que armar os cidadãos evidenciam redução na criminalidade? Quais diretrizes e premissas sociais
poderiam conduzir a regulamentação ao uso de armas? Como será regulamentada a venda de armas? O
controle será feito por qual autoridade? Ser um cidadão decente, livre ou menos agressivo – nenhuma
dessas características contribui para a conclusão “aprovar ou não aprovar” o porte de armas. Ao ignorar a
questão , aspectos importantes da discussão não foram levantados pelos nossos deputados hipotéticos.
Eles dão um salto argumentativo, pois partem de uma premissa genérica que em nada prova a conclusão.
Ambos os deputados deveriam evidenciar ao público se o projeto de liberação de uso de armas iria
melhorar ou não a vida dos cidadãos.
AD HOMINEM
Uma das mais utilizadas falácias, o ad hominem , significa literalmente argumento contra o homem . Tal
argumento ocorre quando se passa a atacar a pessoa que argumenta em vez dos argumentos
apresentados. Há um deslocamento do debate – das razões apresentadas para a pessoa que apresenta a
razão.
Assim, se Marco Antônio diz que “é necessário reduzir a maioridade penal para combater a criminalidade”,
em resposta Caio Júlio diz que “Marco Antônio é a favor da redução da maioridade penal porque é sócio
numa empresa que gerencia casas de detenção no Estado”. Outro exemplo: Aragão, conhecido assaltante
do bairro de Tupiassú, testemunhou o assassinato do comerciante J. C. C. Alaúde por Quintino, contumaz
agiota da cidade. No dia do júri, ao dar o seu depoimento, o advogado de Quintino pediu a impugnação da
fala de Aragão, pois alegou que ele não teria idoneidade para ser testemunha, pois, como todos sabiam,
Aragão tinha uma vida de crimes.
A falácia consiste no fato de que a origem do emissor, suas qualidades ou características não são
importantes para determinar a verdade ou não do que se diz.
Um criminoso pode, sim, ter testemunhado um assassinato. Um empresário da segurança privada pode
querer a redução da maioridade penal, independentemente dos negócios que tenha com o Estado. Não se
pode concluir que X é verdadeiro ou falso apenas e tão somente porque o indivíduo I tem certos predicados
ou não. Então, por que somos levados ao erro pelo ad hominem ? É provável que tenhamos algum
aspecto psicológico que nos gera empatia ou não, identificação ou não, afetividade ou não, pelo emissor.
Então, o ad hominem faz uso dessa carga subjetiva e psicológica para manipular as razões e convencer
não por um processo lógico, mas psicológico.
APELO À AUTORIDADE (ARGUMENTUM AD
VERECUNDIAM )
Esta modalidade de falácia tem a mesma relação de transferência psicológica dos indivíduos que o ad
hominem . Porém, em vez de ser uma reação de desaprovação, trata-se de uma relação de identidade
positiva, pois passa a aprovar como verdadeiro o que diz a autoridade. Vimos no módulo 1 que poderiam
existir apelos à autoridade, quando estudamos as analogias. Nem sempre o apelo à autoridade poderá ser
considerado irrelevante.
Quando se está diante de um argumento, cuja especialidade exige conhecimento específico e o
especialista respectivo se manifesta, então há uma relação de razoabilidade entre a entidade autoridade
que diz X e o que X representa. Assim, se estou num médico cardiologista e ele, em função de sua posição
de especialista, faz um diagnóstico de um problema cardíaco, pode-se dizer que sua afirmação é relevante
e que seria plausível uma relação consequente. Entretanto, se fosse um clínico geral diagnosticando uma
doença do coração, já pensaríamos duas vezes sobre o que esse médico diz, pois não se trata de sua
especialidade.
APELO À EMOÇÃO
Ao estabelecer a argumentação, pudemos ver que as pessoas estabelecem relações psicológicas de
identidade, e não identidade entre si, o que as aproxima ou pode distanciá-las. Detectar essa rede de
afetos talvez determine o sucesso persuasivo de uma argumentação. Falácias de apelo à emoção recorrem
a esses elementos psicológicos para distorcer a racionalidade dos argumentos, pretendendo persuadir não
pela verdade ou falsidade das assertivas, mas pela força emocional do auditório.
Como nos ensina Douglas N. Walton (2012), as falácias de apelo à emoção visam retirar o ônus da
demonstração da prova por parte do autor do argumento apelando aos nossos instintos afetivos, valores, às
nossas ideias e imagens de mundo. Um primeiro exemplo de apelo à emoção é o ad populum (apelo ao
povo). Trata-se do famoso e popular “joga para torcida”. Nesse caso, recorrem-se aos afetos da população,
entendendo quais são as tendências e articulando os argumentos a partir delas.
APELO À FORÇA
Um segundo exemplo, dentro do apelo à emoção, são os apelos à força. Ocorrem quando a força é
utilizada para promover o convencimento do auditório por meio do uso da violência ou das emoções de
medo e terror. Também é chamado de ad baculum , que significa báculo ou porrete.
O grande problema do apelo à força é a quebra da liberdade do diálogo racional. Alguns exemplos de ad
baculum : “Estamos remodelando nossas práticas gerenciais para melhorar nossos resultados, por isso
precisamos de engajamento dos colaboradores, quem não se conformar com as novas políticas corre o
risco de ser demitido”; “Meus amigos, estes são os conselhos que consideramos adequados para uma vida
eticamente boa, aqueles que não os seguirem irão se arrepender!”; “Mamãe avisou, não chegue tarde ou
você ficará de castigo!”; “Quem não votar no presidente Rump não é um valeriano, portanto deverá ser
expulso da nossa terra”. O apelo à força recorre a um reforço negativo para convencer as pessoas.
Na argumentação racional, nem todo apelo à força pode ser considerado irracional. Majoritariamente as leis
trazem sanções e não as consideramos estritamente falaciosas. A normas jurídicas possuem, em sua
maioria, a estrutura de sanções, se (X), consequente (Y). Os nossos maiores exemplos são as normas
sancionadoras penais, nas quais, quando um indivíduo incide sobre determinado comportamento previsto
em lei, que é proibido, torna-se, então, passível de uma penalidade.
Assim, se Gabriel Aarão mata uma pessoa (fato), uma norma, “É proibido matar”, incide sobre sua pessoa
por meio das instituições, aplicando-lhe uma sanção, “restrição da liberdade de X anos”, “Prisão de 8 a 10
anos”, por exemplo. Outro exemplo de uso das sanções são as penalidades decorrentes das leis de
trânsito. O art. 162 do Código de Trânsito Brasileiro determina que aquele que dirigir sem possuir Carteira
Nacional de Habilitação, Permissão para Dirigir ou Autorização para Conduzir Ciclomotor incorrerá em
infração gravíssima.
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Tanto a penalidade da restrição da liberdade quanto da aplicação da multa administrativa são sanções
decorrentes de práticas proibidas pelas normas. Por que não considerar as normas sancionadoras como
falaciosas? A resposta para isso é entender que o fundamento persuasivo racional da sanção já foi decidido
na justificação da norma. É porque consideramos a vida sagrada que proibimos o homicídio. Aplicamos a
pena restritiva de liberdade porque consideramos que avida deve ser protegida pela sociedade. Portanto, a
sanção não é o elemento primário da persuasão, a proteção da vida é decorrente disso, e,
consequentemente, a obediência à norma. O mesmo ocorre com as normas de trânsito. O fundamento
persuasivo das normas, quando as consideramos racionais, não são, necessariamente, as multas
decorrentes, mas a estrutura organizada e protetiva do trânsito. Assim, os argumentos legais sancionadores
não seriam, necessariamente, falaciosos.
APELO À PIEDADE (ARGUMENTUM AD
MISERICORDIAM )
Outra modalidade de apelo à emoção. Esta falácia ocorre quando apelamos à emoção ou compaixão das
pessoas para poder provar que o que falamos é verdade. Quando deixamos de lado a razão e fazemos um
apelo às emoções de nossos interlocutores, estamos diante de uma falácia de compaixão.
BÁCULO
Báculo é um objeto ligado à liturgia cristã católica romana.
Apelar ao coração é um recurso comum de advogados ou oradores que, não tendo mais como argumentar,
passam a querer mobilizar os aspectos afetivos da causa com vistas a gerar uma empatia pela demanda e
conseguir seu resultado.
ANALOGIA
No módulo 1 pudemos ver o argumento por analogia. Vamos retomá-lo neste ponto para demonstrar
quando é usado de maneira falaciosa, quando preserva uma aparência de racionalidade, mas nos leva a
um erro.
Uma das primeiras formas de errar com a analogia é fazer falsas analogias. Ocorre quando dois objetos
não semelhantes são comparados. Por exemplo, comparar a biologia de mamíferos roedores à de
mamíferos humanos quando se está desenvolvendo uma medicação. O fato de uma doença ser curada no
rato não implica afirmar que será curada no ser humano. As analogias fazem parte do discurso cotidiano e
são recursos muitas vezes persuasivos e didáticos. Nossos políticos costumam fazer analogias o tempo
todo, e que podem vir a ser falaciosas.
O uso da analogia é um recurso argumentativo muito utilizado, mas demonstrar as propriedades
semelhantes e não semelhantes entre os objetos analisados é uma prática que exige esforço cognitivo e
conhecimento.
Por isso, para que não se caia facilmente numa falsa analogia, é necessário ter conhecimento do tema e
disposição cognitiva para investigar se cada um dos passos tomados por quem faz a analogia podem ser,
razoavelmente, considerados válidos.
AGORA, O ESPECIALISTA DAVI JOSÉ DE SOUZA DA SILVA
APROFUNDA O CONCEITO DE FALÁCIA, ABORDANDO SEUS
PRINCIPAIS CASOS E FORNECENDO EXEMPLOS.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. LEIA COM ATENÇÃO O SEGUINTE ARGUMENTO:
“O CONGRESSO NÃO DEVERIA SE PREOCUPAR EM CONSULTAR O ESTADO-
MAIOR A RESPEITO DAS VERBAS PARA AS CORPORAÇÕES MILITARES. COMO
MEMBROS DAS FORÇAS ARMADAS, É CLARO QUE DESEJARÁ TANTO DINHEIRO
PARA FINS MILITARES, QUANDO JULGAR QUE LHE SEJA POSSÍVEL OBTER.”
(COPI, I. M. INTRODUÇÃO À LÓGICA. SÃO PAULO: MESTRE JOU, 1981)
ASSINALE A SEGUIR A ALTERNATIVA QUE REPRESENTA A MODALIDADE DE
FALÁCIA.
A) Petição de princípio
B) Apelo à emoção
C) Pertinência
D) Apelo à autoridade
E) Ad hominem
2. LEIA COM ATENÇÃO O SEGUINTE ARGUMENTO:
“TODOS DEVEM SEGUIR AS DIRETRIZES DO TOQUE DE RECOLHER IMPOSTO
PELA GUERRILHA; CASO ALGUÉM ESTEJA NA RUA, PODERÁ PERDER A VIDA!”
ASSINALE A SEGUIR A ALTERNATIVA QUE REPRESENTA A MODALIDADE DE
FALÁCIA.
A) Ad hominem
B) Apelo à piedade
C) Apelo à emoção
D) Apelo à força
E) Apelo à autoridade
GABARITO
1. Leia com atenção o seguinte argumento:
“O Congresso não deveria se preocupar em consultar o Estado-maior a respeito das verbas para as
corporações militares. Como membros das Forças Armadas, é claro que desejará tanto dinheiro
para fins militares, quando julgar que lhe seja possível obter.” (COPI, I. M. Introdução à lógica. São
Paulo: Mestre Jou, 1981)
Assinale a seguir a alternativa que representa a modalidade de falácia.
A alternativa "E " está correta.
Trata-se de um ad hominem , pois o hipotético congressista retira a força conclusiva do argumento não das
razões e provas da necessidade de aumento do orçamento militar, mas, sim, do fato de o requisitante, o
Estado-maior, ser um órgão militar e, sem demonstração, para ele, todo militar quer mais armas.
2. Leia com atenção o seguinte argumento:
“Todos devem seguir as diretrizes do toque de recolher imposto pela guerrilha; caso alguém esteja
na rua, poderá perder a vida!”
Assinale a seguir a alternativa que representa a modalidade de falácia.
A alternativa "D " está correta.
Trata-se de apelo à força, uma vez que o enunciado desvia a razão do cumprimento da norma para chamar
atenção para o uso da força e da sanção decorrente. No caso, é plausível visualizar que a guerrilha não
tem legitimidade nem legalidade, razão pela qual não seria o mesmo caso de uma sanção legal.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreendemos o conceito de lógica formal, retórica e falácias, bem como seus elementos, suas
estruturas e principais regras.
Vimos que a lógica formal estuda a validade dos argumentos, que a retórica se ocupa do discurso racional
persuasivo para os problemas da vida prática e que as falácias são argumentos aparentemente
verdadeiros, mas que demandam uma mente treinada para evitar seus artifícios e logros.
Compreendemos que o estudo da lógica (formal e informal) e da retórica aristotélica possibilita o
desenvolvimento de argumentos racionais e persuasivos, contribuindo para a sua prática profissional, seu
julgamento ético e seu exercício da cidadania na sociedade civil, no Estado e no mercado.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
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Coord. António Pedro Mesquita. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2005.
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BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de
Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, 2006.
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WALTON, D. N. Lógica informal: manual de argumentação crítica. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2012.
EXPLORE+
Sobre a validade dos argumentos,sugerimos o acesso ao portal criticanarede.com, organizado pelo
filósofo e professor Desidério Murcho. Nele há uma tradução feita por Júlio Sameiro de trechos
importantes do Guia das falácias , de Stephen Downes.
Para saber mais sobre a história e os conceitos da argumentação, sugerimos a página na internet de
Rui Grácio, Vocabulário de Argumentação. Nela são encontrados pequenos verbetes sobre teoria,
princípios e regras da argumentação.
Para consolidar elementos importantes apresentados neste tema, sugerimos a leitura do texto A
lógica formal: princípios elementares , de Roberto Patrus Mundim.
Sobre a relação do argumento indutivo e a verdade, o filósofo David Hume formulou o famoso
problema da indução em que questionou as bases do nosso conhecimento científico por meio da
indução. Sobre o problema de indução em Hume, confira o texto de John Hospers, traduzido por José
Coelho, também no portal Crítica na Rede.
Observe atributos da retórica de Barack Obama, pesquisando a reportagem “Veja 8 discursos
históricos de Obama – e um de Michelle”, de Flávia Mantovani, publicada no site G1 em 10 de janeiro
de 2017.
CONTEUDISTA
Davi José de Souza da Silva
 CURRÍCULO LATTES
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