Prévia do material em texto
Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6530-1 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 3 0 1 Código Logístico 58875 G E ST Ã O D E PE SSO A S M A R C E LO T R E FF Gestão de pessoas IESDE 2019 Marcelo Treff © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Jirsak/Banana Oil/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ T721g Treff, Marcelo Gestão de pessoas / Marcelo Treff. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2019. 122 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6530-1 1. Administração de pessoal. 2. Padrões de desempenho. 3. Pessoal - Avaliação. I. Título. 19-59180 CDD: 658.3125 CDU: 005.962.131 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Marcelo Treff Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Administração de Empresas e pós-graduado em Administração de Recursos Humanos e Didática do Ensino Superior pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atua como professor, autor e palestrante na área de gestão de pessoas. Sumário Apresentação 7 1. Planejamento da gestão de pessoas 9 1.1 Gestão de pessoas x recursos humanos 10 1.2 Tipos de planejamento 11 1.3 Dimensionamento de pessoas 15 1.4 Atração e captação de pessoas 18 2. Gestão da carreira 31 2.1 Novas abordagens sobre carreiras e o papel das pessoas 32 2.2 Sistemas de gestão de carreira e o papel da organização 42 2.3 Sistemas de remuneração como apoio à gestão da carreira 48 3. Avaliação de desempenho profissional 59 3.1 Tipos de avaliação de desempenho 59 3.2 Conciliação de expectativas 72 3.3 Feedback 76 4. Treinamento e desenvolvimento 81 4.1 Diagnóstico de necessidades de treinamento 81 4.2 O processo de desenvolvimento de pessoas 89 4.3 Avaliação de treinamento 91 5. O futuro da gestão de pessoas 99 5.1 O novo mundo do trabalho e os desafios da gestão de pessoas 99 5.2 Cultura organizacional 107 5.3 People analytics 112 Gabarito 119 Apresentação A gestão de pessoas, tradicionalmente conhecida como administração de recursos humanos, ganhou maior notoriedade no Brasil, como área estratégica de negócios, a partir do final da década de 1990 e início do século XXI, em virtude da intensificação da competição entre organizações e do aumento da necessidade de atrair, manter e desenvolver talentos. Considerando tal contexto, este livro objetiva discutir a gestão de pessoas como área estratégica, mas, sobretudo, instrumentalizar futuros gestores acerca dos principais processos que envolvem a tomada de decisão sobre pessoas. No primeiro capítulo, apresentamos tipos e orientações de planejamento que subsidiam as decisões organizacionais quanto ao dimensionamento de pessoas. Tratamos também do processo de atração e captação de pessoas nas suas diferentes modalidades e etapas, que permite aos gestores escolher os indivíduos mais competentes e alinhados ao perfil desejado. O segundo capítulo discute o papel das organizações e o das pessoas na gestão da carreira, considerando, sobretudo, as significativas mudanças no mundo do trabalho que têm desafiado as tradicionais formas de se pensar e estruturar carreira. Além disso, apresentamos os chamados modelos emergentes de carreira, cujas características têm pautado as decisões dos trabalhadores, nas mais variadas profissões, nos mais variados segmentos. Somado a isso, abordamos também 8 Gestão de pessoas os sistemas e métodos de remuneração como apoio à gestão da carreira. No terceiro capítulo, temos a avaliação de desempenho como um dos mais complexos processos da gestão de pessoas – seus diferentes tipos, instrumentos de mensuração e técnicas de feedback –, que tem como objetivo principal a melhoria do desempenho organizacional. Esse capítulo trata ainda dos papéis na conciliação de expectativas e das respectivas relações entre pessoas, gestores e organizações. O Capítulo 4 traz como foco principal a estruturação e implementação de programas de treinamento e desenvolvimento – etapas e formas de análise –, com a finalidade de desenvolver competências para gerar aumento da capacidade das pessoas em agregar valor à organização. Por fim, no Capítulo 5, apresentamos algumas reflexões acerca do futuro da gestão de pessoas. Discutimos as principais tendências que envolvem o mundo do trabalho, assumindo que a gestão da cultura organizacional desempenhará importante papel ao promover mudanças para a adaptação das organizações e das pessoas a um novo mundo dos negócios. Bons estudos! 1 Planejamento da gestão de pessoas Para dar início aos nossos estudos, abordaremos o caminho mais adequado para as organizações alcançarem o sucesso: o planejamento estratégico da gestão de pessoas. Na gestão de pessoas, é essencial que haja alinhamento entre o corpo organizacional e as políticas e diretrizes definidas pela alta administração, a fim de envolver todos os trabalhadores na tarefa de levar a empresa em direção ao futuro, o que não é uma missão fácil. As transformações no mundo do trabalho e o consequente aumento das exigências por parte das empresas em seus processos seletivos vêm influenciando a demanda por pessoas que se adequem às novas formas de trabalho1: trabalho remoto, contratações parciais e/ou temporárias, subcontratações, trabalho intermitente etc. Todos esses fatores trazem a necessidade de o gestor de pessoas, além de compreender os novos padrões tecnológicos, ser capaz de atuar frente aos novos arranjos nas relações de trabalho, promovidos por essas transformações que, em geral, estão alinhadas às mudanças do mundo dos negócios, que eleva o grau de competição em nível mundial, afetando, sobremaneira, o contexto brasileiro. 1 Em vigor desde novembro de 2017, a Lei 13.467/2017 mudou as regras relativas à remuneração, à contratação, ao plano de carreira, à jornada de trabalho etc. Dentre essas mudanças, está a prevalência do acordado sobre o legislado, em que os acordos coletivos passaram a prevalecer sobre a legislação, respeitados direitos trabalhistas essenciais, como férias e décimo terceiro salário. 10 Gestão de pessoas 1.1 Gestão de pessoas x recursos humanos A evolução da área de recursos humanos no Brasil nos remete a um retrospecto histórico- social, visto que, para alguns autores (FLEURY; FISCHER, 1992; ALBUQUERQUE, 1992), é muito difícil traçar um panorama sobre essa área/função sem entender a raiz de seu surgimento no cerne da ascensão empresarial brasileira. Assim, para que possamos discorrer sobre a administração de recursos humanos nas empresas no contexto atual, a fim de se ter uma compreensão mais ampla acerca das dificuldades no âmbito de gestão e organização do trabalho, faz-se necessário descrever, mesmo que brevemente, algumas fases marcantes da histórica relação entre capital e trabalho no Brasil. Segundo Marras (2011): • Fase contábil (até 1930): preocupação apenas com o pagamento das horas efetivamente trabalhadas. • Fase legal (1930 - 1950): maior atenção às leis de proteção aos trabalhadores. • Fase tecnicista (1950 - 1975): especialização dos profissionais e sofisticação dos processos. • Fase administrativa (1975 - 1990): ressurgimento dos sindicatos; maior preocupação com os empregados. • Fase estratégica (de 1990 até hoje): descentralização das atividades; alinhamento aos objetivos do negócio. A partir da década de 1990, as inúmeras mudanças que transformaram o contexto organizacional, impondo novas práticas organizacionais com foco em ambientes competitivos, somaram-se ao aumento do nível da educação formal, ao grau de informação do trabalhador e ao surgimento de novas tecnologias de informação e comunicação. Essa nova realidadepassou a exigir novos modelos de Vídeo Planejamento da gestão de pessoas 11 gestão, além de gerar demandas por melhores condições de trabalho, melhor remuneração, perspectiva de carreira, entre outros. Conforme afirmam Fleury e Fischer (1992), tornava-se imprescindível a necessidade de redefinir os sistemas de gestão de recursos humanos para que fosse oferecido apoio ao processo de mudança, evitando, dessa forma, a defasagem entre os padrões organizacionais modernos e os de relações do trabalho antiquados e ineficientes, os quais tendiam a ser preservados. Assim, nesse ambiente de negócios cada vez mais competitivo, tornava-se importante repensar os conceitos da área, de forma a atender às novas exigências impostas em termos de competências e, sobretudo, no âmbito das novas formas de organização do trabalho, considerando- se como essencial a abordagem de gestão de pessoas. Segundo Albuquerque (1992, p. 26), “não é demais lembrar que as políticas de Recursos Humanos na antiga concepção se apoiam nos parâmetros organizacionais do taylorismo e nos parâmetros tecnológicos do fordismo, no que tange à organização do trabalho e da produção”. Esse autor entende gestão de pessoas como um conjunto de mecanismos – estratégias, políticas, instrumentos de gestão, processos e procedimentos – articulados de forma sistêmica, como um conjunto de partes interagentes e interdependentes, a fim de atrair, captar, reter, compensar, desenvolver e avaliar pessoas que possuam competências para atuar com tecnologias, sistemas físicos e gerenciais inerentes a uma organização. Neste livro, a gestão de pessoas é compreendida como a articulação e o planejamento das atividades que envolvem tomadas de decisão alicerçadas em políticas e diretrizes integradas às decisões estratégicas da empresa, visando influenciar o comportamento das pessoas com a finalidade de alinhá-lo aos objetivos empresariais. 12 Gestão de pessoas 1.2 Tipos de planejamento Em linhas gerais, devemos pensar planejamento como uma atividade realizada no presente que visa a uma ação no futuro, pois trata-se de decidir o caminho que nos levará a atingir objetivos e/ou metas. Cabe ressaltar que a atividade planejamento, como uma função da administração, caracteriza-se como um conjunto de ações pensadas para alcançar um objetivo/meta claramente definido(a), com expectativa de sucesso na obtenção dos resultados. Assim, no caso de gestão de pessoas, é importante definir quais tipos de objetivos deverão ser atingidos e especificá-los, conforme demonstra a Figura 1. Figura 1 – Exemplos de objetivos da gestão de pessoas • Treinar 100 homens/ horas por semana • Produzir 120 bolas por minuto • Entrevistar 120 candidatos • Manter o índice de rotatividade em menos de 1% ao mês • Manter o índice de absenteísmo em menos de 2% ao mês • Manter o nível de satisfação dos funcionários em 85% Objetivos rotineiros Objetivos de aperfeiçoamento Objetivos inovadores • Aumentar a qualidade dos produtos em 5% ao ano • Elevar o nível de produtividade do pessoal em 5% • Incrementar a relação faturamento por pessoa de R$ 210,00 para R$ 350,00 em um ano • Melhorar o atendimento ao cliente • Melhorar o clima organizacional • Criar e desenvolver um produto novo por mês • Desenvolver um novo programa de treinamento para vendedores dentro de um ano • Obter 100 sugestões mensais dos funcionários • Incentivar a participação dos funcionários nas decisões • Implantar programa de qualidade total Fonte: Adaptado de Chiavenato, 2014. Vídeo Planejamento da gestão de pessoas 13 De acordo com a orientação (Figura 1), devemos atentar para algumas questões básicas, as quais pressupõem uma abordagem de diagnóstico e permitem desenhar claramente o caminho a ser percorrido entre a realidade presente e a situação desejada pela área de gestão de pessoas, conforme Figura 2. Figura 2 – Processo de planejamento e abordagem de diagnóstico Onde estamos agora? Analisar as condições externas e as condições organizacionais, bem como as características dos funcionários. Aonde queremos chegar? Definir a visão e formular os objetivos de RH baseados na eficiência e na equidade, de acordo com as dimensões básicas dos parceiros envolvidos. Como sair daqui e chegar lá? Definir a estratégia de RH, escolhendo as atividades necessárias e definindo os recursos necessários para levá-la adiante. Como fizemos? Onde estamos agora? Analisar os resultados pela avaliação das novas condições de acordo com os objetivos definidos e reiniciar o processo novamente. Questões de planejamento Abordagem de diagnóstico Fonte: Chiavenato, 2014, p. 67. Assim, considerando a orientação e as questões sugeridas (Figuras 1 e 2), entendemos que o planejamento do quadro funcional – ou o chamado planejamento de gestão de pessoas – deve traduzir os objetivos organizacionais no que tange à estimativa do pessoal necessário ou aos requisitos de recursos humanos, de acordo com os objetivos da organização e as alternativas disponíveis – expansão, ajustamento, mudança ou diminuição no quadro de colaboradores. Diante da imprevisibilidade do ambiente de negócios, muitas vezes, a ideia de traçar um caminho para o futuro se mostra confusa e ambígua, o que tende a gerar sentimento de frustração ou impotência 14 Gestão de pessoas nos gestores. Esse cenário exige cada vez mais um profissional de gestão de pessoas moderno, que conheça as novas tecnologias e tenha familiaridade com a análise de indicadores e estatísticas. Ao mesmo tempo, esse profissional deve ser capaz de desenvolver raciocínio lógico e analítico para tomar decisões com objetividade e ter conhecimento do negócio: produtos, serviços, processos, clientes e fornecedores da empresa. Ele precisa, sobretudo, ter conhecimento sobre finanças, pois o orçamento é uma ferramenta imprescindível de gestão. Baseando-se no texto clássico de Russell Ackoff2 sobre filosofias do planejamento estratégico, Chiavenato (2014, p. 59) propõe três tipos de orientações de planejamento, conforme Figura 3. Figura 3 – Orientações de planejamento estratégico Planejamento conservador e defensivo Planejamento otimizante e analítico Planejamento prospectivo e ofensivo Planejamento para a estabilidade Manutenção Planejamento para a melhoria Inovação Planejamento para a contingência Futuro Ambiente previsível e estável Ambiente dinâmico e incerto Ambiente mais dinâmico e incerto Assegurar continuidade do sucesso Assegurar reação adequada às frequentes mudanças Antecipar eventos que possam ocorrer e identificar ações apropriadas Fonte: Chiavenato, 2014, p. 59. 2 ACKOFF, R. L. Planejamento empresarial. Rio de Janeiro: LTC, 1976. Planejamento da gestão de pessoas 15 Vejamos, a seguir, cada um deles: • Planejamento conservador e defensivo – Aqui o foco está na estabilidade e na manutenção do quadro atual, enfatizando a manutenção das práticas vigentes, com orientação para identificar e solucionar eventuais não conformidades em vez de explorar novas oportunidades. O olhar é voltado para o passado, pois visa aproveitar a experiência para projetar o futuro. • Planejamento otimizante e analítico – Tem como foco a adaptabilidade e a inovação organizacional, visando à obtenção dos melhores resultados para a organização e à otimização de recursos de modo que os objetivos sejam atingidos. A atenção é voltada para a melhoria das práticas vigentes, e sua base tende a ser incrementada a fim de contribuir para a melhoria contínua das operações, aprimorando-as dia a dia. • Planejamento prospectivo e ofensivo – Voltado às contingências e ao futuro da organização, possui ênfase na compatibilização dos diferentes interesses, de forma que a composição realizada seja capaz de conduzir a resultados que permitam a adaptação às circunstâncias que venham a surgir. Orientado para o futuro, procura preparar a organização paraeventuais necessidades. 1.3 Dimensionamento de pessoas As alternativas disponíveis para a gestão estratégica de pessoas demonstram que o planejamento do quadro funcional não pode existir isoladamente, pois deve estar relacionado aos objetivos organizacionais que, por sua vez, devem estar alinhados à missão da organização. Figura 4 – Alternativas do planejamento estratégico de gestão de pessoas Vídeo 16 Gestão de pessoas Missão da organização Objetivos organizacionais Requisitos dos recursos humanos Planejamento de recursos humanos Expansão: Novas admissões Ajustamento: Adequação ao mercado Mudança: Inovação e criatividade Enxugamento: Redução de pessoal Fonte: Chiavenato, 2014, p. 64. O planejamento de gestão de pessoas envolve ações de identificação e análise das necessidades organizacionais, com base nas informações dos gestores de área, e o subsequente desenho de políticas, atividades e sistemas que atendam a essas demandas no curto, médio e longo prazos (LUCENA, 2017). Assim, podemos entender que análises precisas do dimensionamento de pessoas, tanto em termos qualitativos quanto em termos quantitativos, sugerem informações adicionais para determinar, por exemplo, que nos próximos exercícios (curto, médio ou longo prazo) a organização precisará contratar mais ou menos pessoas e, até mesmo, demitir. Nesse caso, faz-se necessário saber de quais tipos de profissionais a organização necessita, qual o perfil desejado, qual o prazo de contratação adequado e, assim, confrontar com o quadro funcional existente. Precisamos lembrar que essas exigências devem ser determinadas de acordo com a demanda prevista para viabilizar a orientação/ intenção estratégica da organização, ou seja, como a organização decidiu competir. Nesse sentido, os métodos de previsão de demanda por pessoas devem permitir o reconhecimento de necessidades Planejamento da gestão de pessoas 17 específicas da força de trabalho, além do número total de vagas, considerando um modelo integrado de planejamento de pessoas. Figura 5 – Modelo de planejamento integrado Análise da demanda Análise do suprimento Condições organizacionais: Planos financeiros Planos de marketing Planos de produção Mudanças na quantidade de funcionários: Promoções Desligamentos Demissões Transferências Aposentadorias Mudanças nas atividades dos funcionários: Remuneração Treinamento Desenho de cargos Comunicação Previsão de demanda: Quantidade Capacidade Diversidade Custos Análise da força de trabalho atual Atração de candidatos Seleção e admissão Previsão de suprimento externo: Quantidade Capacidade Diversidade Custos Previsão de disponibilidade interna: Quantidade Capacidade Diversidade Custos Interno Comparar com + Externo Reconciliação por meio de decisões Fonte: Chiavenato, 2014, p. 66. Para Chiavenato (2014, p. 65), “na prática, o modelo integrado é um modelo sistêmico e abrangente do planejamento de pessoal que permite um diagnóstico adequado para a tomada de decisões”. Assim, uma das mais importantes decisões relacionadas ao planejamento estratégico de pessoas é o suprimento de força de trabalho, realizado por meio de processo seletivo ou, tradicionalmente falando, recrutamento e seleção de pessoas. 18 Gestão de pessoas 1.4 Atração e captação de pessoas Ao iniciar um processo de atração e captação de pessoas, também chamado de processo seletivo, a intenção da organização é atrair profissionais que possuam as competências identificadas como importantes para suprir as necessidades da organização e, posteriormente, selecioná-las. Esse processo se inicia a partir da definição do perfil necessário, considerando-se competência(s) específica(s) para o desempenho de determinada(s) atividade(s) e/ou atribuição(ões). Nessa etapa, as organizações utilizam-se de um conjunto de técnicas e procedimentos para atrair potenciais candidatos. A busca por pessoas com as competências exigidas pode ocorrer tanto dentro da própria organização (recrutamento interno) quanto fora dela (recrutamento externo). Essa decisão dependerá das necessidades da empresa ou área, do perfil desejado/esperado, das condições de trabalho oferecidas e da disponibilidade de profissionais. Cabe ressaltar que todos esses pontos devem ser identificados no planejamento de pessoas. Embora atualmente, para algumas vagas, continue aumentando a quantidade de candidatos, em virtude dos altos índices de desemprego e, sobretudo, das mudanças no mundo do trabalho – algumas profissões/especializações foram/serão extintas e/ou transformadas radicalmente –, alguns segmentos mais especializados (como tecnologia da informação) passam por dificuldades para encontrar profissionais competentes disponíveis. Dessa forma, a tomada de decisão na escolha da modalidade de recrutamento (interno ou externo) a ser adotada depende significativamente das condições apresentadas pelo mundo do trabalho, o qual pode se apresentar exíguo ou abundante, conforme mostra o Quadro 1. Vídeo Planejamento da gestão de pessoas 19 Quadro 1 – Mundo do trabalho e seu impacto na tomada de decisão Exiguidade Abundância Investimentos em recrutamento para atrair candidatos. Baixos investimentos em recrutamen- to devido à oferta de candidatos. Critérios de seleção mais flexíveis e menos rigorosos. Critérios de seleção mais rigorosos para aproveitar a abundância de can- didatos. Investimentos em treinamento para compensar a inadequação dos candi- datos. Ações para aproveitar candidatos já treinados. Ofertas salariais estimulantes para atrair candidatos. Ofertas salariais mais baixas para aproveitar a competição entre candi- datos. Investimentos em benefícios sociais para atrair candidatos e reter funcio- nários. Pouco investimento em benefícios so- ciais, pois não há necessidade de me- canismos de fixação do pessoal. Ênfase no recrutamento interno como meio de manter os funcionários atuais e dinamizar os planos de carreira. Ênfase no recrutamento externo como meio de melhorar o potencial humano, substituindo funcionários por candida- tos com melhor qualificação. Fonte: Adaptado de Chiavenato, 2014. O recrutamento interno é a modalidade que promove a divulgação de vagas a serem preenchidas por candidatos potencialmente competentes dentro da própria organização. Essas vagas poderão (ou não) ser ocupadas por profissionais por meio de movimentação interna: promoções, transferências, permutas ou expatriação. Segundo Chiavenato (2014, p. 69), “o recrutamento interno exige imensa e contínua coordenação e integração do órgão de recrutamento com os demais órgãos da empresa, e envolve vários sistemas”. Isso porque, se por um lado o processo realizado internamente favorece os programas de desenvolvimento profissional e de carreira, estimulando os profissionais a crescerem e se desenvolverem profissionalmente, gerando perspectivas futuras, por outro, pode gerar frustração e descontentamento nas pessoas preteridas no processo. 20 Gestão de pessoas Embora muitas organizações de grande relevância3 procurem recrutar primeiro internamente para, posteriormente, realizar a recrutação externa, não há regras definidas, pois as duas modalidades apresentam vantagens e desvantagens. O Quadro 2 apresenta esses aspectos do recrutamento interno. Quadro 2 – Vantagens e desvantagens do recrutamento interno Vantagens Desvantagens Aumento do moral interno Percepção de reconhecimento Redução de tempo Menor custo Aumento da perspectiva profissional Incentivo à permanência Maior fidelização Conhecimento prévio da organização Bloqueio de novas ideias Manutenção da cultura organizacional Manutenção da burocracia e das relações de poder Favorecimento da rotina Preenchimento de vagas por empregados da própria empresa Fonte: Elaborado pelo autor. O recrutamento externo, por sua vez, é o processo de divulgação externa das vagas a serem preenchidas por candidatospotencialmente competentes. Essa decisão pode ser tomada em virtude do esgotamento das tentativas de se encontrar internamente o profissional com o perfil desejado/esperado ou por questões culturais, ou seja, sempre que há vagas, a empresa prefere se utilizar de processos/programas externos. Há, também, organizações que se utilizam de programas híbridos, divulgando as vagas interna e externamente. 3 GRANATO, L. Conheça as 150 melhores empresas para trabalhar de 2018. Revista Exame [online]. 2018. Disponível em: https://exame.abril.com.br/carreira/conheca-as-150- melhores-empresas-para-trabalhar-de-2018/. Acesso em: 19 ago. 2019. Planejamento da gestão de pessoas 21 Da mesma forma que acontece no recrutamento interno, o recrutamento externo apresenta vantagens e desvantagens, conforme mostra o Quadro 3. Quadro 3 – Vantagens e desvantagens do recrutamento externo Vantagens Desvantagens Novos talentos e novas ideias Enriquecimento do capital intelectual Novas competências Renovação da cultura organizacional Aumento da interação entre empresa e mundo do trabalho Queda do moral interno Redução da fidelidade interna Utilização de técnicas mais elaboradas Esquemas de socialização/ integração Maior custo e mais demorado Preenchimento de vagas por candidatos externos à organização Fonte: Elaborado pelo autor. Após a tomada de decisão sobre a modalidade de recrutamento a ser utilizada (interna ou externa), a área de gestão de pessoas decide quais fontes de recrutamento explorar para atrair os candidatos adequados. Internamente, por motivos óbvios, a intranet tem sido uma das mais utilizadas para a divulgação de vagas, superando fontes tradicionais de recrutamento interno, como cartazes e comunicações internas. Da mesma forma, as fontes de recrutamento externo vêm sendo influenciadas pela utilização intensa da tecnologia da informação, e, por isso, as consultorias, os sites e aplicativos de recrutamento4 são cada vez mais acessados, tanto por empresas como por candidatos. Cabe aqui destaque para o LinkedIn, que, embora muito utilizado como rede de relacionamento profissional e networking, é cada vez mais usado como ferramenta de procura de emprego/candidatos. 4 GASPARINI, C. 11 sites e aplicativos para encontrar vagas de emprego. Revista Exame [online]. 2017. Disponível em: https://exame.abril.com.br/carreira/11-sites-e- aplicativos-para-procurar-emprego/. Acesso em: 19 ago. 2019. 22 Gestão de pessoas Muito utilizado por candidatos como uma forma de se vender por meio do seu perfil, que funciona como uma espécie de “anúncio publicitário” de si mesmo, o LinkedIn também serve aos chamados headhunters, os quais utilizam filtros específicos e muito sofisticados para fazer buscas no banco de dados da rede social. Concluído o processo de recrutamento, por meio do qual os candidatos são atraídos e triados, a área de gestão de pessoas deve privilegiar a utilização de técnicas, metodologias e instrumentos de análise e escolha de candidatos aprovados. Inicia-se, então, a captação ou seleção. Na visão de Chiavenato (2014, p. 133), “seleção é um processo decisório baseado em dados confiáveis para agregar talentos e competências capazes de contribuir no longo prazo para o sucesso da organização”. Há quem afirme que essa atividade visa selecionar/escolher “a pessoa certa para o lugar certo”. Embora essa seja a situação ideal, sabe-se que, dada a complexidade do mundo do trabalho e, em especial, o dinamismo do mundo dos negócios, é muito difícil, senão impossível, atingi-la. Independentemente de ser ou não viável, várias dessas técnicas e metodologias têm como função aproximar o máximo possível as características e competências dos candidatos às necessidades da organização. No entanto, conforme alertam Dutra, Dutra e Dutra (2017, p. 99), “não importa quais sejam as atividades escolhidas, é fundamental que sejam coerentes e consistentes entre si”. Para os autores, “a incoerência de critérios pode fazer com que sejam perdidas pessoas interessantes” (2017, p. 99). As técnicas de seleção, portanto, permitem conhecer aspectos extrínsecos e intrínsecos dos candidatos, por meio de uma estruturada coleta de informações e dados. Essas técnicas serão abordadas a seguir. Planejamento da gestão de pessoas 23 A entrevista de triagem é a primeira etapa do processo de seleção. Nessa etapa, a área de gestão de pessoas busca coletar informações básicas e genéricas sobre o candidato, características que não estejam claras no currículo. Além de dados demográficos, interesses e expectativas do candidato acerca de pretensão salarial e desenvolvimento de carreira, é possível obter informações sobre flexibilidade de tempo e disponibilidade para viagens. É importante ressaltar que essa entrevista, dadas as suas características, que denotam caráter informativo, pode ser realizada por um profissional da área. Próxima etapa após a entrevista de triagem, as provas de conhecimentos têm como objetivo avaliar conhecimentos específicos que tenham relação com as exigências determinadas para a vaga. Conforme a necessidade, podem ser de conteúdo geral e/ou específico. Para Limongi-França e Arellano (2002, p. 69), “as provas gerais visam avaliar o grau de cultura geral do candidato”, enquanto “as provas específicas visam avaliar conhecimentos profissionais que o candidato possui, imprescindíveis para o bom desempenho da função”. As provas de conhecimentos gerais podem abranger economia brasileira e internacional, história, geografia, política, sociedade, entre outros temas. Já a de conhecimentos específicos deve ter relação direta com a vaga, por exemplo: matemática financeira, contabilidade, direito, idiomas etc. Independentemente do tipo de prova, é importante que os instrumentos sejam elaborados por especialistas, tenham correlação com os objetivos pretendidos e, sobretudo, sejam adequados e justos. Os testes psicológicos são instrumentos sistematizados e padronizados que têm como objetivo identificar, por meio de ferramentas (adequadas e autorizadas pelo Conselho Federal de Psicologia), traços comportamentais dos candidatos: aptidões, atitudes, personalidade, características emocionais, entre outros. 24 Gestão de pessoas Na visão de Limongi-França e Arellano (2002, p. 69), “os testes psicológicos podem ser divididos em psicométricos e de personalidade”. Da mesma forma que ocorre com os testes de conhecimento, ao utilizar testes psicológicos, a chave da questão é responder à pergunta “para quê?”, uma vez que é preciso ter claro qual tipo de teste será aplicado, qual sua ligação com os objetivos do processo seletivo e quem aplicará e emitirá o laudo. Técnicas vivenciais são instrumentos dinamizadores que utilizam jogos e atividades lúdicas com o intuito de estimular a aprendizagem e a internalização de conhecimentos pela vivência. Entre outros objetivos, as técnicas vivenciais visam simular atividades com situações cotidianas ou que poderão ocorrer. Uma das técnicas mais utilizadas (e controversas) que visa simular essas situações é a dinâmica de grupo. A dinâmica de grupo é entendida como uma técnica de análise de candidatos em situação de grupo, por meio da observação de suas relações com os demais participantes, utilizando-se jogos e/ou testes situacionais, sob coordenação de observadores especializados acompanhados ou não por assistentes. A fim de obter respostas sobre ações e reações dos participantes, com relação ao perfil esperado, Limongi-França e Arellano (2002, p. 70) observam que se trata de “uma técnica muito utilizada, pois permite observar problemas de relacionamento, integração social, liderança etc.”. Nesse processo, os observadores analisam todas as respostas e comportamentos individuais e depois discutem entre si as que pareceram mais apropriadas à(s) vaga(s) em aberto. A etapa seguinte é a entrevista de seleção. Também chamada de entrevista final, continua sendo considerada uma das técnicasmais utilizadas do processo seletivo. Deve ser executada pelo gestor da área solicitante e tem como principal objetivo coletar informações detalhadas acerca da vida pessoal e profissional do candidato, tais como: formação, educação continuada, experiências anteriores Planejamento da gestão de pessoas 25 (sucessos e frustrações), carreira, planejamento pessoal, ambiente familiar, autogerenciamento, entre outras questões que sejam importantes para o bom desempenho na área. É importante que o gestor entrevistador seja treinado para tal atividade e não se exceda na busca de informações, mantendo a investigação focada no processo. Segundo Hanashiro, Teixeira e Zaccarelli (2014, p. 133), “cabe ao entrevistador preparar a entrevista e criar um clima favorável, pois seu objetivo é preciso: conhecer o candidato o melhor possível e avaliá-lo no menor tempo possível”. Ademais, a expressão não verbal do candidato deve ser analisada, pois tende a acrescentar informações importantes a respeito das respostas e/ou posturas do candidato diante de determinadas situações: maneirismos (mãos embaixo da mesa, sacudir as pernas, desviar o olhar do interlocutor, roer as unhas, olhar o relógio permanentemente etc.) podem ser indicadores de insegurança e baixa autoestima. Cabe ressaltar que equilíbrio emocional e autocontrole são características altamente desejadas pelas organizações e podem revelar muito. São etapas da entrevista de seleção: • Abertura – momento em que o entrevistador se apresenta e expõe a proposta da entrevista, diz como a conduzirá e tenta deixar o candidato à vontade; • Pesquisa – coleta de informações importantes para a avaliação do perfil pessoal e profissional do candidato; • Troca – o candidato pode fazer perguntas de seu interesse sobre valores corporativos, condições e ambiente de trabalho, entre outras; 26 Gestão de pessoas • Fechamento – o entrevistador dá um breve feedback da entrevista e informa o candidato sobre as próximas etapas do processo seletivo. É importante ressaltar que, no momento da entrevista final, algumas armadilhas mentais podem influenciar o gestor/ entrevistador na escolha do(a) candidato(a) mais adequado(a) para a vaga. Quadro 4 – Armadilhas mentais Ancoragem • Pesos desproporcionais; • Primeira informação; • Impressões iniciais; • Esteriótipos. Status quo • Predisposição à perpetuação; • Escolha mais cautelosa. Evidência confirmada • Confirmação dos instintos; • Pontos de vista; • Busca pela confirmação do que se quer que seja confirmado. Fonte: Elaborado pelo autor. As modalidades de entrevistas devem ser escolhidas conforme a situação e as características dos candidatos. Quando os candidatos têm perfil semelhante, indica-se utilizar a entrevista estruturada, a qual segue um roteiro predeterminado, para que todos tenham as mesmas chances de competir no processo. Pode-se citar como exemplo a seleção de estagiários, auxiliares ou assistentes. Outra modalidade é a entrevista não estruturada, a qual não segue roteiro e tende a explorar a investigação conforme o andamento da conversa. Visa extrair o máximo de informações importantes, exatamente em virtude das diferenças individuais entre os candidatos: experiências, frustrações, sucessos, ambições etc. É Planejamento da gestão de pessoas 27 utilizada, geralmente, nos casos em que os candidatos apresentam perfis heterogêneos, embora as exigências para a contratação sejam as mesmas. Podemos citar como exemplo um processo de contratação de um gerente financeiro, com cinco anos ou mais de experiência e formação em Administração, Ciências Contábeis ou Economia. Essa modalidade é muito próxima da entrevista semiestruturada, que, em geral, tem os mesmos objetivos, porém utiliza um roteiro e permite que, conforme o andamento ou a oportunidade, o entrevistador aprofunde a investigação de determinados temas que se apresentem relevantes. Quadro 5 – Modalidades de entrevistas Entrevista estruturada Entrevista não estruturada Entrevista semiestruturada A entrevista estruturada é aquela que segue um roteiro predefinido e tem como finalidade a utilização de critérios equânimes entre os candidatos, que, em geral, têm o mesmo perfil. A entrevista não estruturada é aquela que não segue um roteiro e tem como finalidade a exploração de informações conforme a entrevista se desenvolve. É utilizada, geralmente, quando os candidatos não apresentam perfil semelhante. A entrevista semiestruturada é aquela que define um roteiro, porém vai além dele e tende a explorar as informações em seu desenrolar, conforme a oportunidade e/ou a necessidade. Fonte: Elaborado pelo autor. Encerradas todas as etapas do processo seletivo, o gestor da área solicitante, juntamente à área de recursos humanos, deve tomar a decisão final, garantindo que seja a mais objetiva possível. Para tanto, deve verificar novamente os critérios de contratação e certificar-se de que o(a) candidato(a) escolhido(a) possua os requisitos necessários para a função, definidos no planejamento estratégico de pessoas. 28 Gestão de pessoas Considerações finais O início deste capítulo apresenta a mudança do papel da gestão de pessoas nas organizações em um contexto de transformações, passando pelas principais fases da área no Brasil. Em seguida, discutimos o planejamento como atividade fundamental da área, discorrendo sobre os objetivos da gestão de pessoas, tipos e orientações de planejamento, relacionando-o com o dimensionamento do quadro de pessoas, a fim de fornecer um diagnóstico adequado para a tomada de decisão sobre atração e captação de pessoas. A partir daí, discutimos as etapas do processo seletivo – recrutamento e seleção –, bem como as principais ferramentas e técnicas que permitem às organizações atrair e escolher pessoas alinhadas ao perfil desejado. Ampliando seus conhecimentos • EL MÉTODO. Direção: Marcelo Pineyro. Argentina; Espanha; Itália: Tornasol Films S.A. Arena Films; Cattleya, 2015. 1 DVD (115 min). O filme se passa em uma sala na qual são promovidos vários testes com o objetivo de analisar a interação entre candidatos a uma vaga de executivo, o que nos remete às etapas de um processo seletivo, mas de formato não convencional. Os candidatos tentam demonstrar domínio sobre seu comportamento e suas emoções, mas, com o decorrer dos acontecimentos e com as eliminações, são envolvidos em situações-limite, que os colocam em um nível de tensão insuportável, fazendo-os revelar certo descontrole. Embora centrado na crítica às políticas opressoras, o filme nos Planejamento da gestão de pessoas 29 permite analisar a importância das soft skills5 e, sobretudo, do equilíbrio emocional em processos seletivos. Permite, ainda, uma análise a respeito da supervalorização dos currículos e das trajetórias profissionais. • GVCAST T01E06 - Sofia Esteves, a paixão por pessoas levou ela ao topo. [S.l.]. 8 out. 2015. Podcast. Disponível em: https:// gvcast.podbean.com/e/gvcast-006-sofia-esteves-a-paixao- por-pessoas-levou-ela-ao-topo/. Acesso em: 19 ago. 2019. Nesse episódio do GVCast, podcast do site Geração de Valor, Flávio Augusto conversa com Sofia Esteves, psicóloga e empreendedora, cuja paixão por pessoas a levou ao topo como fundadora de um dos maiores grupos de recursos humanos do Brasil. Nesse bate-papo repleto de informação, Sofia fala não só de sua carreira, mas também de temas como os aspectos que mais eliminam candidatos nos processos seletivos. Atividades 1. Qual é a importância da orientação nas decisões sobre o planejamento de pessoas? 2. O que torna a entrevista final diferente da entrevista de triagem? Explique. 3. Por que a entrevista estruturada é considerada adequada para processos seletivos de estagiários, auxiliares ou assistentes? 5 Habilidades ou capacidades relacionadas à inteligência emocional. 30 Gestão de pessoas Referências ACKOFF, R. L. Planejamento empresarial. Rio de Janeiro:LTC, 1976. ALBUQUERQUE, L. G. de. Competitividade e recursos humanos. Revista de Administração. São Paulo, v. 27, n. 4, p. 16-29, out/dez, 1992. CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. 4. ed. Barueri, SP: Manole, 2014. DUTRA, J. S.; DUTRA, T. A.; DUTRA, G. A. Gestão de Pessoas: realidade atual e desafios futuros. São Paulo: Grupo GEN/Atlas, 2017. FLEURY, M. T. L.; FISCHER, R. M. Relações de trabalho e políticas de gestão: uma história das questões atuais. Revista de Administração, v. 27, n. 4, p. 5-15, 1992. GASPARINI, C. 11 sites e aplicativos para encontrar vagas de emprego. Revista Exame [online]. 2017. Disponível em: https://exame.abril.com.br/ carreira/11-sites-e-aplicativos-para-procurar-emprego/. Acesso em: 19 ago. 2019. GRANATO, L. Conheça as 150 melhores empresas para trabalhar de 2018. Revista Exame [online]. 2018. Disponível em: https://exame.abril.com.br/ carreira/conheca-as-150-melhores-empresas-para-trabalhar-de-2018/. Acesso em: 19 ago. 2019. HANASHIRO, D. M. M.; TEIXEIRA, M. L. M.; ZACCARELLI, L. M. (org.) Gestão do Fator Humano: uma visão baseada em stakeholders. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. LIMONGI-FRANÇA. A. C. L.; ARELLANO, E. B. Liderança, poder e comportamento organizacional. In: FLEURY, M. T. L. (coord.). As pessoas na organização. São Paulo: Gente, 2002. p. 259-270. LUCENA, M. D. da S. Planejamento estratégico de recursos humanos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017. 2 Gestão da carreira Neste capítulo, discutiremos o papel das organizações em relação à gestão de carreira em um contexto em que o autoconhecimento, a compreensão sobre o ambiente e, sobretudo, o compromisso com o contínuo desenvolvimento representam vantagens competitivas para as pessoas. Além disso, abordaremos os instrumentos e as estratégias de gestão de carreira, tendo como foco o planejamento individual e organizacional, pautados por uma coerente estruturação do desenvolvimento profissional alinhada às políticas e práticas da gestão de pessoas. Para tanto, estudaremos como as pessoas devem assumir a gestão da própria carreira – ou seja, tendo protagonismo –, reposicionando- -se para agir com uma postura mais ativa como forma de garantir a empregabilidade no mundo do trabalho do século XXI, tornando-se responsáveis pela sua inserção, manutenção e transição, ajustando- -se aos pressupostos dos chamados modelos emergentes de carreira, como carreira sem fronteiras e carreira proteana. Por fim, veremos como as organizações são responsáveis por organizar e disponibilizar estruturas de carreira, com os respectivos critérios, alinhando as decisões aos sistemas de remuneração que, por meio de análises e avaliações de atribuições, responsabilidades e requisitos de cada eixo da competência, devem estabelecer a importância relativa entre as funções/papéis. 32 Gestão de pessoas 2.1 Novas abordagens sobre carreiras e o papel das pessoas A gestão de carreiras tornou-se um recurso muito importante dentro das organizações, já que, até o século XIX, a palavra “carreira” – em latim via carraria – significava “estrada para carros”. Somente a partir desse século o termo passou a ser utilizado para definir trajetória de vida profissional. Até pouco tempo, essa analogia ainda era utilizada como base para estruturar as organizações em relação às ocupações: “o indivíduo adentraria em uma dessas carreiras (estradas preexistentes), sabendo, de antemão, o que esperar do percurso” (KILIMNIK; CASTILHO; SANT’ANNA, 2006, p. 258). Porém, a discussão estruturada sobre carreira, tanto no ambiente acadêmico quanto no profissional, passa a ter expressão somente a partir da década de 1970, nos Estados Unidos. No Brasil, foi a partir dos anos 1990 que se iniciou uma produção científica mais intensa sobre o tema, sobretudo sob influência da abertura comercial e diante da perspectiva de significativas transformações e incertezas (DUTRA, 2017). Na visão de Dutra (2017, p. 113), “as pessoas com maior consciência sobre as possibilidades para seu desenvolvimento profissional tendem a ter uma visão de oportunidades de desenvolvimento para a organização e para as pessoas ao seu redor”, de forma que as organizações vão se dando conta, gradativamente, da importância desse comportamento entre seus membros, criando estímulos, condições concretas e critérios de valorização para que as pessoas assumam o protagonismo1 de seu desenvolvimento e de suas carreiras, diferentemente da postura assumida pelo trabalhador no modelo tradicional. 1 Ser protagonista da própria carreira significa que o indivíduo é quem controla sua jornada profissional, e não mais a empresa. Isso desenvolve nele a noção de reflexão constante sobre sua trajetória. É o profissional que define suas próprias estratégias, avalia seus pontos de crescimento e discute com a organização. Vídeo Gestão da carreira 33 Assim, para compreendermos a evolução dos modelos de carreira, é importante saber quais são os três aspectos que limitam o conceito do padrão convencional, com base em Martins (2001): • Noção de avanço: expectativa de progressão vertical na hierarquia de uma organização – a qual se associa à metáfora da escada, que é acompanhada de sinais de crescente status e de ganhos financeiros. • Associação da carreira à profissão: entendimento de que a escolha da profissão necessariamente implicará uma carreira – o que, em grande parte das vezes, não se confirma. • Pressuposição de uma estabilidade ocupacional: o indivíduo sempre exercerá atividades relacionadas à sua profissão, até a aposentadoria. Pensada no modelo tradicional, a carreira pode ser definida como uma adequação do indivíduo a uma ocupação escolhida ou à imagem que ele possui sobre ela, segundo critérios relacionados à noção de hierarquia ou de sequência estruturada de atividades de maior complexidade em uma determinada organização, isto é, uma sequência atrelada à uma determinada trajetória predefinida. No entanto, diante das alterações de contexto no que tange à gestão da carreira, vários autores, como Dutra (2015), Hall (2002) e Veloso (2012), têm enfatizado a necessidade, cada vez mais urgente, de o trabalhador assumir o gerenciamento da própria carreira como uma medida para reduzir riscos em relação à estabilidade no emprego e, ao mesmo tempo, ampliar possibilidades de atuação e mobilidade vertical (promoção) ou horizontal (transferências), ou, ainda, expatriação. Para tanto, é primordial a construção de um “projeto pessoal” para que esse trabalhador defina parâmetros e, sobretudo, desenvolva um referencial próprio de suas escolhas profissionais – dentro ou fora de uma organização –, de forma a elaborar um plano 34 Gestão de pessoas de carreira (Figura 1) alinhado aos seus anseios, às suas perspectivas e, sobretudo, ao seu repertório de competências (DUTRA, 2015). Figura 1 – Processo e planejamento de carreira Autoavaliação Estabelecimento de objetivos na carreira Identificação de oportunidades Implementação Plano de ação Fonte: London; Stumph, 1982 apud Dutra, 2017, p. 104. A seguir, são apresentados seis passos para a construção de um projeto profissional, conforme sugere Dutra (2015): • 1º Passo: Autoconhecimento – esta é, sem dúvida, a parte mais importante e difícil do processo, o saber-se, o conhecer- se, o olhar--se. As técnicas mais comuns são a análise de realizações, de valores pessoais e de personalidade. Pelo levantamento de realizações, é possível perceber a evolução e os pontos fortes de cada um. • 2º Passo: Conhecimento do mercado – deve-se sempre analisar o mercado dentro e fora da empresa, observando- se as opções, as tendências, as limitações e as alternativas de desenvolvimento profissional. Verifica-se, por meio de pesquisas, que as pessoas orientam suas carreiras considerando o organograma da empresa ou seu plano de cargos e salários, o que revela um grande equívoco, pois esses elementos representam o passado eo presente, sendo que quando se trata de carreira, o foco deve ser sempre o futuro. Gestão da carreira 35 • 3º Passo: Objetivos de carreira – recomenda-se que os objetivos sejam pensados em todas as dimensões relevantes: familiar, social, econômico-financeira e, principalmente, pessoal, utilizando perguntas do tipo: como posso estar mais feliz profissionalmente daqui a cinco anos? Como posso me autorrealizar nesta trajetória profissional? Para responder a essas questões e alcançar os objetivos com precisão, é essencial ter autoconhecimento. • 4º Passo: Estratégias de carreira – uma vez definido o objetivo, a pergunta seguinte será: qual é a estratégia para alcançá-lo? Para isso, o profissional deverá encontrar caminhos para atingir o propósito traçado, seja por meio de aperfeiçoamentos, networking ou mapeamento de oportunidades. • 5º passo: Plano de ação – após a definição da estratégia, é fundamental a elaboração de um plano de ação. Esse plano deve conter metas de curto prazo, indicadores de sucesso, fatores críticos para ter êxito no planejamento e uma avaliação dos recursos de tempo, dinheiro e aperfeiçoamentos necessários. • 6º Passo: Acompanhamento do plano – a avaliação dos resultados das estratégias de carreira deve ser um processo contínuo. Para isso, os objetivos ou as metas fixadas representam um padrão essencial de mensuração. Definido o plano, é preciso consultá-lo constantemente para analisar pontos de melhoria ou adequação, conforme os objetivos determinados e, sobretudo, as oportunidades identificadas. Feito isso, o próximo passo será o momento da implementação, ou seja, verificar se a empresa na qual o colaborador trabalha no momento está dentro dos parâmetros estabelecidos no plano de carreira. Em caso positivo, é possível concluir que a empresa oferece oportunidades e perspectivas de crescimento profissional. 36 Gestão de pessoas Caso contrário, recomenda-se identificar oportunidades em outras organizações, pensar em um negócio próprio ou tornar-se prestador de serviços. Agindo dessa forma, o indivíduo tem mais conhecimento dos contextos interno e externo da empresa, das tendências do mundo do trabalho, de suas competências e, sobretudo, dos caminhos oferecidos (ou não) pela organização (Figura 2). Segundo Waterman Junior, Waterman e Collard (2000), significa, ainda, que a pessoa tem um plano de ação para melhorar seu desempenho e sua empregabilidade a longo prazo. Figura 2 – Análise do ambiente para a carreira EMPRESA OCUPAÇÃO MERCADO Dentro da empresa e fora da ocupação Fora da empresa e fora da ocupação Fora da empresa e dentro da ocupação Dentro da empresa e dentro da ocupação Fonte: Rothwell; Kanzanas apud Dutra, 2017. Essa análise do ambiente em relação à carreira está alinhada ao chamado “mundo sem fronteiras”, contexto cuja tendência é a substituição da rigidez pela flexibilidade, tanto para a gestão da trajetória profissional nas organizações quanto para os profissionais responsáveis pela sua própria carreira, os quais são cada vez mais impulsionados a focar o planejamento da carreira no seu desenvolvimento profissional, independentemente das necessidades de uma única organização (VELOSO, 2012). Gestão da carreira 37 Nesse mundo sem fronteiras, o indivíduo torna-se, cada vez mais, protagonista do seu sucesso profissional, entendendo que há possibilidades de realização e crescimento dentro e fora das organizações. 2.1.1 Novas abordagens de carreira Em um momento em que o mercado de trabalho está mais volátil, em que as organizações, em virtude dos enxugamentos e achatamentos de estrutura, não podem mais garantir o emprego vitalício, tampouco a ascensão vertical, os trabalhadores se percebem diante de um cenário que exige a compreensão e aceitação da diminuição/extinção das carreiras tradicionais em áreas que ofereciam caminhos de crescimento definidos. Isso porque, diante das transformações no contexto empresarial, aumentaram as exigências – em especial, formação e experiência – para aqueles que pretendem ingressar ou se manter no mercado formal de trabalho. Segundo dados divulgados no Congresso Aço Brasil (CICB, 2019), as perspectivas não são animadoras para quem pretende retornar ao formalismo, pois a taxa de desemprego do país ficou em 12,7% no primeiro trimestre de 2019, como revelam os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). Ademais, o país tinha 28.324 milhões de trabalhadores subutilizados2 entre janeiro e março do mesmo ano. Já o desalento, que consiste em pessoas que desistiram de procurar emprego, chegou a 4.843 milhões de pessoas. Assim, podemos perceber que, em relação aos vínculos trabalhistas, um novo perfil profissional está surgindo, composto por trabalhadores autônomos, com novas maneiras de atuação: 2 Trabalhadores subutilizados são pessoas que se incluem em um dos três grupos de trabalhadores: os desempregados (pessoas que buscam emprego, porém sem sucesso); os subocupados (pessoas empregadas, mas que gostariam e poderiam trabalhar mais); e a força de trabalho potencial (pessoas que não buscam emprego, mas podem trabalhar). 38 Gestão de pessoas prestação de serviços, terceirizações, trabalho intermitente, por projetos e empreendimento em negócio próprio. Corroborando esse cenário, os dados do IBGE (2018) revelaram que o total da soma dos trabalhadores sem carteira assinada (11,1 milhões) com os que trabalham por conta própria (23,1 milhões) é maior que o número de trabalhadores registrados (33,1 milhões), ou seja, a informalidade do trabalho superou o formal. Portanto, torna-se necessário que as pessoas assumam o protagonismo da própria carreira, façam uso consciente de networks e redes sociais, disseminem e absorvam conhecimento, adotem postura de aprendizado contínuo como uma forma de aquisição de competências que sejam transferíveis a diferentes contextos e atuações. Essas atitudes do trabalhador vão ao encontro das novas abordagens de carreira: carreira sem fronteiras e carreira proteana3. Ambas surgiram como respostas às mudanças no mundo do trabalho ocasionadas por alterações no contexto econômico, social e organizacional e ampliaram a noção de flexibilidade em relação às demandas pessoais em decisões de carreira (VELOSO, 2012). A nomenclatura carreira sem fronteiras surgiu em oposição às chamadas carreiras organizacionais ou tradicionais, cujas características se alinham com ambientes mais previsíveis, com estruturas desenhadas e propostas por grandes empresas. Além disso, são concebidas para a vida toda. Nesse contexto, as “fronteiras” convencionais são o tempo e o espaço de trabalho e, sobretudo, a estrutura hierárquica e os critérios para progressão na carreira dentro da própria organização. 3 O termo proteana faz alusão a Proteu (Deus da Mitologia Grega), que tinha o dom da premonição e cuja principal característica era a transmutação da aparência, assumindo diferentes formas, conforme a situação e/ou a necessidade. Gestão da carreira 39 Entre as principais características dessa abordagem, podemos destacar: • Experiências profissionais como elemento-chave na continuidade da carreira (acumulação de know-how); • Aprendizagem contínua (competências transferíveis); • Autoconhecimento e autogestão da carreira; • Mobilidade física e psicológica (diferentes empresas e ocupações, diversidade de vínculos). Nas circunstâncias atuais, as carreiras sem fronteiras passam a fazer cada vez mais sentido, pois, na visão de Veloso (2012, p. 40), na medida em que as fronteiras organizacionais se tornam mais permeáveis, mais fluidas, mais dinâmicas e menos distinguíveis, experiências de trabalho voltadas ao avanço na hierarquia são substituídas pela segurança gerada internamente às pessoas, em forma de aprendizado. Dessa forma, o trabalhador passa a ser o principal ator na construção de trajetórias de carreira, buscando novas oportunidades e adequando-se às diferentessituações, o que terá como consequência o aumento do seu capital humano. Outra abordagem que faz muito sentido quando analisamos o mundo do trabalho atual é a carreira proteana, termo proposto por Hall (1996; 2002 apud VELOSO 2012), para quem os tradicionais contratos de carreira, com promessas de segurança e emprego vitalício, foram colocados em xeque e, consequentemente, substituídos por contratos mais flexíveis, com base em competências adequadas às necessidades. Para Veloso (2012, p. 47), a carreira proteana apresenta as seguintes características: • Mudanças frequentes; • Autoinvenção; • Autonomia; 40 Gestão de pessoas • Autodireção; • Habilidade para aprender; • Habilidade para redirecionar a carreira e a vida; • Habilidade para construir relações. Assim, nessa abordagem, o indivíduo (e não a organização) passa a ser o gestor da carreira, cuja trajetória passa a ser construída ao longo da vida (pessoal e profissional), a partir de vivências, aprendizados, frustrações, desafios, descobertas e, sobretudo, na formação de um sólido senso de identidade pessoal e profissional. As abordagens carreira sem fronteiras e carreira proteana possuem características comuns e, muitas vezes, complementares, pois ambas apresentam perspectivas similares (Quadro 1) e enfatizam o importante papel do indivíduo como gestor da própria trajetória e responsável pela construção do seu capital intelectual, formado por educação, trabalho e experiência de vida (ARTUR; INKSON; PRINGLE, 1999 apud VELOSO, 2012). Quadro 1 – Perspectivas das carreiras sem fronteiras e proteana Pontos selecionados Perspectiva sa carreira sem fronteiras Perspectiva da carreira proteana As fronteiras Organizacionais As fronteiras passam a ser o mundo do trabalho e não mais a organização. As fronteiras passam a englobar tudo o que é necessário para o funcio- namento do sistema (pro- jetos, ações específicas, trabalhos pontuais etc.). A relação com a organização O indivíduo perma- nece na organização pelas experiências de aprendizado e pelo crescimento profis- sional, não mais pela lealdade. Pessoas e organizações aceitam que a outra parte permaneça enquanto existirem necessidades. (Continua) Gestão da carreira 41 Pontos selecionados Perspectiva sa carreira sem fronteiras Perspectiva da carreira proteana As competências O indivíduo é o res- ponsável pela constru- ção do próprio capital intelectual (educação, trabalho e experiência de vida). Autoconhecimento, adaptabilidade e orienta- ção para aprendizagem tornam-se competências- -chave para lidar com as demandas impostas pelo mundo do trabalho. A identidade O movimento entre áreas, atividade e ocupações diferentes faz com que o investi- mento acumulado so- lidifique a identidade pessoal/profissional. O conjunto maior de oportunidades impõe aos indivíduos ter clareza da identidade pessoal para seguir o caminho escolhido. Pontos críticos Não pode ser consi- derada regra, pois, em alguns contextos, não é certo que as pes- soas desejam essas perspectivas, em virtu- de da insegurança e/ ou das condições de trabalho. Nem todas as pessoas possuem os requisitos necessários para realizar mudanças em direção à carreira proteana. Fonte: Adaptado de Veloso, 2012, p. 57. As perspectivas destacadas relacionam-se com uma nova realidade no que diz respeito à carreira, visto que as pessoas vislumbram as mais diferentes perspectivas em termos de trajetória profissional, que, invariavelmente, chocam-se com as perspectivas da carreira tradicional. 42 Gestão de pessoas 2.2 Sistemas de gestão de carreira e o papel da organização Apoiar as pessoas em desenvolvimento pessoal e profissional diante da realidade do mundo dos negócios, em certa medida, sempre esteve entre os objetivos organizacionais, alinhados, evidentemente, com a definição de formas de estruturação de carreira. No entanto, diante de várias transformações – como novas tecnologias, competição exacerbada, “guerra” por talentos e, sobretudo, novos perfis profissionais –, para Waterman Junior, Waterman e Collard (2000, p. 295), a visão usual da trajetória de carreira deve mudar, pois no passado, fazia bastante sentido permanecer em uma empresa e crescer em uma área específica; hoje, tanto as empresas quanto os funcionários ganham se estes tiverem habilidades múltiplas e puderem passar facilmente para outras áreas funcionais e se sentirem à vontade alternando entre tarefas comuns e projetos especiais ou se deslocando, quando a combinação ideal não puder mais ser encontrada na empresa. Assim, segundo Dutra, Dutra e Dutra (2017), o papel da organização nesse novo contexto torna-se mais complexo, pois, ao desenhar estruturas de carreira para os seus profissionais, os gestores devem, além de considerar as expectativas das pessoas, alinhar a estrutura à estratégia de negócios, levando em consideração a natureza das decisões tomadas sobre carreiras a partir das seguintes definições: • Definição estratégica: agrupam-se aqui as decisões ligadas à compatibilização do sistema de administração de carreiras aos princípios que delimitam a gestão de pessoas e as estratégias organizacionais e de negócios da empresa. • Definição do sistema de gestão de carreiras: encontram-se nesta categoria as decisões ligadas à configuração técnica do Vídeo Gestão da carreira 43 sistema que dão a base de funcionamento. Devem, portanto, estar alinhadas à definição estratégica. • Definição da metodologia de modelagem, implementação e atualização do sistema: a efetividade de um sistema de administração de carreiras será obtida apenas se forem levados em consideração os padrões culturais da empresa, seu momento histórico e suas necessidades concretas. O processo utilizado para a concepção do sistema é, portanto, decisivo para seu sucesso e adequação. As decisões que decorrem dessas definições estão expostas a seguir: Quadro 2 – O papel da empresa na gestão da carreira Definição estratégica Definição do sistema Definição da metodologia • Conciliação entre o desenvolvimento da em- presa e das pessoas. • Definição de trajetórias de carreira e especializa- ções importantes para a manutenção ou incor- poração de vantagens competitivas. • Grau de liberdade dado às pessoas para que fa- çam opções de carreira. • Grau de compartilha- mento das decisões sobre trajetórias profis- sionais. • Nível de suporte dado ao planejamento indivi- dual da carreira. • Formatação e caracterização das estruturas de carreira. • Níveis (degraus) dentro de cada estrutura de car- reira e requisitos de acesso a cada nível. • Escolha dos instrumentos de gestão a serem incorporados ao sistema. • Pessoas abrangidas pelo sistema e grau de envolvimento na sua modelagem, implemen- tação e atualização. • Nível de consenso quanto ao atendimento das necessidades e das expectativas da empresa e das pessoas pelo sistema. • Grau de compatibiliza- ção do sistema com os demais instrumentos de gestão de RH. • Timing para implementa- ção do sistema. Fonte: Adaptado de Dutra, 2015, p. 142. Essas definições, geralmente, orientam gestores e trabalhadores sobre a política de carreira vigente na empresa. Elas traduzem, ainda, 44 Gestão de pessoas o alinhamento entre estrutura de carreira e estratégia de negócio, além de informar a estruturação e as metodologias utilizadas pela organização. 2.2.1 Estrutura de carreira Com base nas definições e decisões discutidas anteriormente, deve-se pensar sobre a estrutura de carreira, cujo papel é estabelecer os níveis e os critérios, em termos de requisitos de acesso, para a ascensão profissional. Faz-se importante destacar que, ao se projetar uma carreira, desenha-se também a sua estrutura, a qual tem os seguintes tipos básicos: • Em linha: desenho historicamente mais tradicional, sua característica principal é uma sequência de posições alinhada em uma única direção, não oferecendo,assim, alternativa às pessoas. Cada estágio da carreira relaciona-se a um conjunto específico de requisitos em termos de competências e de atributos pessoais. • Em rede: desenho que permite aos profissionais optarem pela trajetória que mais lhes agrade, ligando-se horizontalmente a todos os demais, conforme os critérios de acesso estabelecidos, em um ambiente interligado por diversos atores. Embora muito atual, depende de significativo esforço da organização para ser implementado. • Paralela: estrutura que pode assumir diferentes formas. As mais comuns são as totalmente paralelas, as em Y e as de múltiplos paralelismos, sendo a forma mais conhecida a carreira em Y, cujo desenho permite ampliar as possibilidades de crescimento (horizontal e/ou vertical) e alinhar isso aos anseios do profissional, podendo, concomitantemente, aumentar a satisfação com o próprio trabalho (Figura 3). A carreira em Y se configura como mais uma opção de trajetória, dada a possibilidade de progressão profissional na carreira técnica em áreas atualmente muito valorizadas nas organizações, como: Gestão da carreira 45 tecnologia da informação, logística, projetos, finanças4, engenharia, entre outras. Nesses casos, o profissional pode atingir postos mais altos via braço técnico5, sem necessariamente passar por cargos gerenciais, o que sugere um maior engajamento com as atividades que desempenha e, sobretudo, um maior aprofundamento em relação aos conhecimentos pertinentes à área de atuação. Figura 3 – Carreira em Y ESTAGIÁRIO Especialista I Especialista II Especialista III BRAÇO GERENCIAL BRAÇO TÉCNICO CONTROLLER7 Líder de grupo Gerente de financeiro DIRETOR FINANCEIRO ANALISTA FINANCEIRO JR ANALISTA FINANCEIRO PL ANALISTA FINANCEIRO SR Fonte: Elaborada pelo autor. 4 Na área financeira, por exemplo, baseado na carreira em Y, após o cargo de gerente sênior, o profissional pode se tornar diretor com perfil técnico ou diretor com perfil gerencial e, até mesmo, controller. 5 Maneira que permite aos profissionais com perfil técnico crescerem na carreira com grau de equivalência ao de um gestor. 6 Profissional que atua como agente de controles dentro da empresa, organiza e desenvolve planos econômico-financeiros e analisa informações contábeis e de desempenho. 46 Gestão de pessoas A carreira em Y ou paralela apresenta-se como uma alternativa de atração e retenção de profissionais, com perfil técnico ou gerencial, pela amplitude de oportunidades de crescimento, alinhadas às expectativas de trajetória. 2.2.2 Categorias de carreira No entendimento de Dutra (2015, p. 147), “as carreiras podem ter vários desenhos e diferentes naturezas”. Baseado na pesquisa das 150 Melhores Empresas para Trabalhar7, o autor discute carreiras em três categorias: • Carreiras operacionais: ligadas às atividades-fim das organizações, exigem o uso físico ou um alto grau de estruturação. Geralmente não possuem oportunidades de progressão via braço técnico, sendo importante que a gestão empresarial defina critérios de mobilidade para outras carreiras ou para o mercado. Um exemplo muito interessante é o de call centers, um grupo de grande mobilidade e baixo nível de aproveitamento interno (menos de 10%). Nesses casos, as empresas podem colaborar recrutando pessoas sem experiência, aperfeiçoá-las e devolvê-las ao mercado com mais valor e maior nível de articulação com o mundo do trabalho. • Carreiras profissionais: ligadas às atividades específicas, geralmente exigem pessoas com formação técnica ou superior. Essas carreiras não são definidas pela estrutura organizacional da empresa, mas por processos fundamentais, tais como: atividades administrativas, sistemas de informação, finanças, contabilidade, RH, jurídico, TI, logística etc. • Carreiras gerenciais: ligadas às atividades de gestão da empresa. Normalmente vemos aqui pessoas oriundas das carreiras operacionais ou profissionais que, ao longo 7 AS 150 MELHORES empresas para trabalhar. Guia VOCÊ S/A. 246. ed. abril/nov. 2018. Gestão da carreira 47 do seu processo de crescimento, demonstram vocação e competência para gerenciar. Algumas organizações recrutam recém-formados e pessoas sem experiência profissional para prepará-los por meio de programas de trainee (DUTRA, 2015). Considerando as diferentes categorias de carreira, podemos relacionar o tipo de atividade desempenhada pelos profissionais, suas características, exigências e especificidades às diferentes trajetórias e, sobretudo, às variadas oportunidades de crescimento profissional. Assim, essas categorias, de alguma forma, estabelecem relação com os chamados eixos de carreira. 2.2.3 Eixos de carreira Há, nas organizações, diferentes eixos de carreira, que estão atrelados aos processos fundamentais da empresa (administrativo, gerencial, tecnológico etc.). Para cada um desses eixos, devemos definir as principais competências. Desse modo, podemos afirmar que para cada eixo há um conjunto próprio de competências; algumas podem ser comuns a mais de um eixo, mas a ideia é analisarmos as principais em cada um (Figura 4). Figura 4 – Exemplos de eixos de carreira e possibilidades de movimentação Gerencial Administrativo Técnico Operacional G5 G4 G3 G2 G1 T6 T5 T4 T3 T2 T1 O4 O3 O2 O1 A6 A5 A4 A3 A2 A1 Fonte: Dutra, 2015, p. 149. 48 Gestão de pessoas Nessa figura, podemos visualizar as várias possibilidades de carreira no que diz respeito à movimentação e, diferentemente da previsibilidade e da linearidade dos modelos tradicionais, é possível relacionar diferentes áreas com diferentes etapas da carreira, adequando-as aos diferentes níveis de complexidade e aos diferentes níveis salariais. À medida que a pessoa se desenvolve, aumenta sua agregação de valor, passando a valer mais para a empresa e para o mercado (DUTRA, 2015). Compreendidas as estratégias e os tipos de carreiras, o próximo passo é conhecer os conceitos de sistemas de remuneração presentes nas organizações, atrelados à gestão da carreira. 2.3 Sistemas de remuneração como apoio à gestão da carreira Um sistema de remuneração tem como principal objetivo organizar e formalizar a estrutura de recompensas da empresa, adequada à estrutura de carreira, a fim de estabelecer equilíbrio interno e externo. Entendemos como equilíbrio interno o emprego da equidade, coerência e igualdade na composição dos salários, para que os envolvidos percebam e aceitem as reais diferenças entre o valor relativo dos cargos dentro da própria empresa, visando estabelecer a consistência interna, que é a percepção do trabalhador de que sua remuneração é justa comparada à de seus pares na organização. O equilíbrio externo compreende o reconhecimento e a aceitação, por parte dos colaboradores, da estrutura salarial como coerente diante dos mesmos conjuntos de cargos de outras empresas do mesmo segmento ou de segmentos afins e do mesmo porte, com a finalidade de estabelecer a competitividade externa. Vídeo Gestão da carreira 49 Outros objetivos do sistema de remuneração estão atrelados diretamente à gestão de carreiras, são eles: • Manter a equidade dos salários; • Atrair e manter talentos; • Recompensar o desempenho; • Vincular o futuro desempenho das pessoas às metas organizacionais; • Estimular o comportamento para a realização de metas/ objetivos. Desse modo, para que esses objetivos sejam atendidos, é necessário considerar a importância dos componentes de um plano de compensação, tais como: análise e descrição de cargos, avaliação de cargos, classificação de cargos e pesquisa salarial, conforme demonstrado no Quadro 3. Quadro 3 – Equilíbrio interno e equilíbrio externo Consistência interna Competitividade externa Adequada avaliação de cargos de forma a manter uma hierarquia (va- lor relativo do cargo comparado a outro dentro da organização), visto que, na maioria das vezes, a insatis- fação advém da diferença da remu- neração entre cargos epessoas. Adequação salarial frente ao merca- do de trabalho (empresas do mes- mo segmento, do mesmo porte, na mesma região). Análise, avaliação e classificação de cargos Pesquisa salarial Fonte: Elaborado pelo autor. De acordo com Marras (2011), um sistema de remuneração deve ser elaborado a partir do agrupamento de informações coletadas por meio de levantamentos sistematizados, como: • Análise de cargos: consiste em reunir e organizar as informações-base para a avaliação dos cargos. 50 Gestão de pessoas • Descrição de cargos: enumeração das tarefas ou atribuições e dos requisitos que compõem um cargo (o que faz, como faz e por que faz). • Avaliação de cargos: mensuração do valor relativo do cargo dentro da organização com base em critérios e metodologias adotados pela empresa. A coleta dessas informações deve subsidiar a construção de uma política salarial, importante instrumento cuja principal função é nortear a tomada de decisão dos gestores acerca das questões que envolvem salários, benefícios e carreira, conforme mostra a Figura 5. Figura 5 – Componentes e resultado de um plano de cargos e salários PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS CONSISTÊNCIA INTERNA ANÁLISE E DESCRIÇÃO DE CARGOS CLASSIFICAÇÃO DOS CARGOS PESQUISA SALARIAL AVALIAÇÃO DE CARGOS COMPETITIVIDADE EXTERNA POLÍTICA SALARIAL Fonte: Hanashiro; Teixeira; Zaccarelli, 2008.. Para estabelecer um sistema de remuneração, é imprescindível compreender do que é composta a descrição de cada cargo. Descrição de cargo é o processo que sistematiza e padroniza – por meio de estudo, observação e redação – os elementos, as especificações e as características que compõem o perfil de um cargo, a partir das informações coletadas. Podemos entender esse sistema, também, como a organização das tarefas e atividades, com respectivas qualificações/exigências necessárias para o bom desempenho do serviço (CHIAVENATO, 2014). Gestão da carreira 51 Para que tudo fique registrado formalmente, um formulário de descrição de cargo deve conter os métodos de trabalho, as relações que estabelece na estrutura organizacional, além dos requisitos mentais e físicos, as responsabilidades e as condições de trabalho, conforme modelo a seguir. Quadro 4 - Modelo de formulário de descrição de cargo TÍTULO DO CARGO: FUNÇÃO: SUBORDINADO A: DIVISÃO/DEPARTAMENTO/LOCAL: DESAFIO: SUMÁRIO: ATIVIDADES PRINCIPAIS: COMPETÊNCIAS TÉCNICAS: Formação desejável (Escolaridade): Experiência profissional: Capacitação profissional/técnica e idiomas: COMPORTAMENTAIS Habilidade funcional: Apresentação pessoal: Relacionamento interpessoal: Trabalho em equipe: Supervisão exercida: Erros, patrimônios e valores: Dados confidenciais: Complexidade e desafios: Capacidade de análise e soluções de problemas: (Continua) 52 Gestão de pessoas SEGURANÇA NO TRABALHO: Esforço físico: Esforço mental: Esforço visual: Ambiente do trabalho: Riscos e segurança: DIMENSÕES DO CARGO: Total de subordinados: Orçamento da area: AMPLITUDE ESTRUTURAL: Superior imediato: Próximo nível de supervisão: Título de cargos subordinados diretos/indiretos: Título de cargos subordinados ao seu superior (cargos pares): INFORMAÇÕES ADICIONAIS: APROVAÇÕES: _________________________ __________________________ Gerente de Recursos Humanos Superior imediato Descrito por: Data: Revisado por: N. Revisão: Data: Fonte: Elaborado pelo autor. Essas informações são relevantes porque subsidiam a realização da chamada avaliação de cargos, cujo objetivo central consiste em transformar os parâmetros qualitativos em dados quantitativos, a fim de se estabelecer uma base única de comparação. O produto da avaliação é a hierarquização dos cargos em faixas salariais, construídas com base nas diretrizes internas da empresa e nas informações das pesquisas salariais (Tabela 1). A amplitude das faixas estabelece os limites mínimo e máximo que a empresa pretende pagar para cada cargo. A progressão salarial e, consequentemente, de carreira de um profissional dentro dessa Gestão da carreira 53 estrutura pode ser horizontal ou vertical, pois a evolução salarial está relacionada à sua evolução profissional, de acordo com política de carreira definida pela área de gestão de pessoas. Tabela 1 – Faixas salariais Nível Pontos Cargos Tabela salarial A B C D 1 100 – 190 - Assistente administrativo - Assistente financeiro 2 191 – 280 3 281 – 370 4 371 – 460 - Analista de logística - Analista de custos - Analista de marketing 5 461 – 550 - Analista financeiro 2.760,00 3.123,91 3.530,02 4.002,00 6 551 – 640 7 641 – 730 - Coordenador financeiro 8 731 – 820 - Supervisor geral 9 821 – 910 10 911 -1000 Fonte: Elaborada pelo autor. Assim, construímos uma evolução em termos salarias atrelados aos níveis (de 1 a 10) e, consequentemente, às nomenclaturas (de A até D), de forma que os profissionais que ocupam os cargos contidos em cada nível possam ter conhecimento sobre as possibilidades de crescimento na carreira e na remuneração. AM PL IT U DE 1 0 AMPLITUDE 45% 2.760,00 x 1,45 = 4.002,00 54 Gestão de pessoas 2.3.1 Pesquisa salarial Como mencionado anteriormente, o equilíbrio externo deverá ser obtido por meio de pesquisa salarial, que tem como propósito essencial verificar o comportamento de outras empresas do mesmo segmento (ou segmentos afins), do mesmo porte, na mesma região e com cargos-chave semelhantes. A pesquisa deve se basear em amostras de cargos que representam as demais funções da organização e em empresas que retratam o mercado de trabalho. Além do salário fixo, devem ser considerados outros fatores, como benefícios concedidos, bônus, participação nos lucros e resultados (PLR), comissões de vendas, prêmio, entre outros. Segundo Pontes (2019, p. 253), para a realização da pesquisa, devem ser seguidas as seguintes fases: 1. Seleção dos cargos a serem pesquisados. 2. Seleção das empresas participantes. 3. Preparação do manual de coleta de dados. 4. Coleta de dados. 5. Tabulação dos dados. 6. Análise do resultado e recomendações. 7. Relatório aos participantes. Ainda segundo o autor, para a seleção das empresas, é necessário levar em consideração alguns pontos que podem influenciar sobremaneira nos resultados esperados: • Localização geográfica; • Ramo de atividade; • Estrutura organizacional; • Política salarial. Para Pontes (2019, p. 89), os dados geralmente seguem um padrão e mensuram estatisticamente: Gestão da carreira 55 • o menor salário de cada categoria ou função; • a primeira faixa de salário, compreendendo uma divisão em quatro classes salariais ou, se necessário, com a segmentação estabelecida pela empresa; • a média salarial, que representa os valores medianos de salários coletados; • a média aritmética, com base nos valores coletados, dividida pelo total das informações obtidas; • o terceiro quartil, que representa os dados dos salários que estão próximos aos maiores coletados; e • os salários mais elevados das categorias ou funções. De posse dessas informações, o setor de Gestão de Pessoas, juntamente com o departamento financeiro, define quais bases salariais, por faixa, serão adotadas com base no orçamento estipulado para folha de pagamento. Considerações finais Em grande parte das organizações consideradas modernas, o plano de carreira formalizado e dirigido pelo empregador tende a ser substituído pelas carreiras autodirigidas, movimento que contribui sobremaneira para o surgimento de um “novo contrato social” entre empregadores e empregados que, pouco a pouco, negocia e transfere a responsabilidade da gestão e do desenvolvimento de carreira da organização para a pessoa. Nesse contexto, evidencia-se a necessidade de um modelo de gestão integrada da carreira (pessoa/empresa) que estabeleça uma relação essencial de adequação entre as competências exigidas para a realização das atividades,ou seja, alinhadas às estratégias de negócio e àquelas presentes nos profissionais. Esse modelo, no entanto, pressupõe estruturas organizacionais mais ágeis – enxutas, horizontalizadas, flexíveis, adaptáveis e 56 Gestão de pessoas abertas –, de forma que os postos de trabalho/espaços ocupacionais8 sejam definidos como um conjunto de atividades alinhadas à responsabilidade e às contribuições dos profissionais. Esse processo se torna ainda mais interessante se alinhado também à sistemática de remuneração, cuja função é recompensar o desempenho e a entrega. Ampliando seus conhecimentos • HOW to make work-life balance work. Nigel Marsh. 2010. 1 vídeo (8 min.). Publicado por TEDxSydney. Disponível em: https://www.ted.com/talks/nigel_marsh_how_to_make_ work_life_balance_work?language=pt-br. Acesso em: 4 set. 2019. Para Nigel Marsh, o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional é importante demais para deixá-lo nas mãos do empregador. Nesse vídeo, o autor nos ensina como fazer esse equilíbrio funcionar. Esse equilíbrio é cada vez mais influenciado pelas escolhas de carreira que as pessoas fazem. No Brasil, embora não seja a realidade de grande parte dos trabalhadores, tem se tornado comum profissionais tomarem decisões relacionadas à carreira que neutralizam a influência do tempo de trabalho no tempo livre ou no de lazer. • FONTENELLE, I. A. Autogestão estratégica da carreira. HSM Management Update, n. 31, abr. 2006. Disponível em: http://www.distefanoconsultoria.com/artigoshsm/ Autogestaoestrategicadecarreira.pdf. Acesso em: 4 set. 2019. 8 Expressão utilizada por Joel Dutra, um dos mais respeitados teóricos do tema Carreira, para expressar o conjunto de atribuições e responsabilidades das pessoas que procuram estabelecer a correlação entre complexidade e entrega. Gestão da carreira 57 Há, ainda, grandes desafios a serem enfrentados no novo modelo de gestão de carreira, o qual se instalou na passagem da economia da produção para a economia do conhecimento. Para vencê-los, é preciso enfrentar mais um – nesse artigo, Isleide Arruda Fontenelle nos mostra qual é. Assim, podemos relacionar as novas abordagens de carreira, tratadas neste capítulo, às mudanças vivenciadas pelas pessoas e, sobretudo, às possibilidades de envolvimento em atividades que permitam que as pessoas se identifiquem com o trabalho a partir de exercícios de autoconhecimento. Atividades 1. Explique a importância do equilíbrio interno e do equilíbrio externo como premissas de um sistema de remuneração. 2. A carreira proteana é gerenciada pelo próprio autor da carreira (protagonismo) – não pela organização –, conforme com suas necessidades, seus valores e pela busca do seu sucesso. Com base nas discussões apresentadas, explique o papel da pessoa na gestão da carreira em um contexto de mudanças. 3. Com base nas discussões em relação à carreira proteana, explique a afirmação: “o tradicional contrato de carreira, com promessas de segurança e emprego vitalício foi colocado em xeque e, consequentemente, substituído por contratos mais flexíveis, com base em competências alinhadas às necessidades organizacionais”. 58 Gestão de pessoas Referências CICB – CENTRO INTERNACIONAL DE CONVENÇÕES DO BRASIL. Brasil tem 13,4 milhões de desempregados no 1º trimestre, indica IBGE. Congresso Aço Brasil 2019. Disponível em: http://acobrasil.org.br/ congressoacobrasil/2018/noticias/detalhes/14512. Acesso em: 4 set. 2019. CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. 4. ed. Barueri, SP: Manole, 2014. DUTRA, J. S. Gestão de pessoas: modelo, processos, tendências e perspectivas. 2. ed. São Paulo: Grupo GEN/Atlas, 2015. DUTRA, J. S. Gestão de carreiras: a pessoa, a organização e as oportunidades. 2. ed. São Paulo: Grupo GEN/Atlas, 2017. DUTRA, J. S.; DUTRA, T. A.; DUTRA, G. A. Gestão de Pessoas: realidade atual e desafios futuros. São Paulo: Grupo GEN/Atlas, 2017. HALL, D. T. Careers in and out organizations. London: Sage Publications. 2002. HANASHIRO, D. M. M.; TEIXEIRA, M. L. M.; ZACCARELLI, L. M. (org.) Gestão do fator humano: uma visão baseada em stakeholders. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua. 2018. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa- nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=o-que-e. Acesso em: 4 set. 2019. MARRAS, J. P. Administração de Recursos Humanos. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. MARTINS, H. T. Gestão de carreiras na era do conhecimento: abordagem conceitual e resultados de pesquisa. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. PONTES, B. R. Administração de cargos e salários: carreiras e remuneração. 19. ed. São Paulo: LTr., 2019. VELOSO, E. F. R. Carreiras sem fronteiras e transição profissional no Brasil: desafios e oportunidades para pessoas e organizações. São Paulo: Atlas, 2012. WATERMAN JUNIOR, R. H.; WATERMAN, J. A.; COLLARD, B. A. Em busca de uma força de trabalho para uma carreira flexível. In: ULRICH, D. Recursos Humanos estratégicos. São Paulo: Futura, 2000. 3 Avaliação de desempenho profissional O ato de avaliar, pensado grosso modo como o exercício de análise e julgamento do mundo que nos cerca e das ações dos indivíduos, é inerente à natureza humana. Sendo assim, discutiremos, neste capítulo, a avaliação de desempenho como um subsistema que estabelece relações com os demais processos que constituem a gestão de pessoas, em especial, remuneração e carreira. Estudaremos, ainda, a relação existente entre os tipos de avaliação, seus respectivos objetivos e os instrumentos adequados a serem utilizados, sempre tendo como foco a estratégia de negócios e os resultados organizacionais. 3.1 Tipos de avaliação de desempenho Com o aumento da competição entre empresas e o aprimoramento da sofisticação do controle que os gestores têm sobre o trabalho dos liderados – por meio de tecnologias modernas de informação e comunicação –, surgiram novas necessidades em relação à mensuração de desempenho e de resultados, obrigando organizações e gestores a utilizarem metodologias e técnicas de avaliação profissional que forneçam informações mais precisas sobre a atuação dos colaboradores. Nesse contexto, é importante definir os objetivos a serem atingidos com a avaliação, pois eles definirão o tipo de avaliação Vídeo 60 Gestão de pessoas e, consequentemente, os instrumentos adequados para a realização desse procedimento. Tradicionalmente, as organizações que possuem sistemas de avaliação de desempenho focam em analisar: • o desempenho individual do colaborador; • o desempenho das pessoas que exercem funções similares; • as responsabilidades dos atributos pessoais e comportamentais das pessoas quanto às atividades realizadas; • a mensuração dos resultados atingidos pelo colaborador, com base em metas predeterminadas; • a associação do desempenho com a competência. Para que a avaliação da performance individual funcione como subsídio a programas de mérito e/ou movimentação interna (promoções, expatriações e transferências), é importante estabelecer, nas mais variadas áreas da empresa, padrões ou parâmetros mensuráveis e condizentes com a realidade organizacional, já que esses elementos têm a finalidade de monitorar/avaliar o desempenho dos colaboradores. A definição desses indicadores é muito semelhante à definição de metas e objetivos – quantitativos e qualitativos –, pois trata-se de critérios para a ascensão do profissional dentro da empresa. Dessa forma, Marras, Lima e Tose (2012) sugerem a metodologia SMART (em alusão à palavra da língua inglesa, que traduzida significa “inteligente”), da qual algumas organizações se utilizam. Nessa metodologia, os objetivos devem ser: • eSpecíficos – precisam determinar claramente o que e quantos devem ser realizados. • Mensuráveis – passíveisde mensuração objetiva, quantitativa. Avaliação de desempenho profissional 61 • Atingíveis – devem ser realistas em relação a número e alcance. • Relevantes – precisam contribuir para os objetivos estratégicos e representar significativamente o que a pessoa/equipe pode agregar/contribuir. • Tempo adequado – têm de indicar claramente o timing que deve ser aferido. No quadro a seguir, estão descritos alguns exemplos de tipos de avaliação e suas respectivas descrições: Quadro 1 – Tipos de avaliação Foco da avaliação Objetivos Aferição de potencial Predizer a adequação futura do profissional a determinada situação ou objetivo de trabalho. Propõe-se a prever o desempenho potencial de um indivíduo caso ele ocupe certo cargo e/ ou exerça determinada atividade. Análise comportamental Dar feedbacks de alguns comportamentos observáveis, adequados a valores, missões e objetivos da empresa, contribuindo, dessa forma, para a identificação de pontos fortes e dando oportunidade de melhoria com relação a comportamentos considerados críticos para a organização. Desenvolvimento profissional Observar o grau de desenvolvimento e matu- ridade do profissional como subsídio à distri- buição de responsabilidades, à definição de ações de desenvolvimento de competências e a movimentações salariais e de carreira. Realização de metas e resultados Orientar o desempenho para metas e objeti- vos da organização, aferindo a distância (gap) entre os resultados esperados e aqueles efeti- vamente alcançados. Fonte: Treff, 2016, p. 114. 62 Gestão de pessoas Tentando elucidar de forma bastante clara a relação existente entre definição de objetivos, tipos de avaliação e instrumentos adequados, Fernandes e Hipólito (2008) elaboraram um esquema, incluindo nele, também, as principais consequências de cada aplicação, conforme mostra a Figura 1 a seguir. Figura 1 – Tipos de avaliação, instrumentos e consequências TI PO D E AV A LI A ÇÃ O AV A LI A D O R C O N SE Q U ÊN C IA S PR IN C IP A IS Sistemas de informação/ acompanhamento de metas Diversas decisões de gestão de pessoas, incluindo remuneração METAS Gestor + Avaliado Diversas decisões em gestão de pessoas, com ênfase em: seleção, pdi, carreira/progressão salarial, sucessão DESENVOLVIMENTO Múltiplas fontes (até 360°) Autoconhecimento Plano Desenvolvimento Individual ATITUDE/ COMPORTAMENTO Avaliadores especializados Testes Alocação/ composição de equipes POTENCIAL Fonte: Fernandes; Hipólito, 2008, p. 154. Na avaliação de metas, também conhecida como avaliação de desempenho e comumente balizada por objetivos e/ou metas previamente negociados, costuma-se ter como base os resultados obtidos por meio de esforço ou de ações de desenvolvimento profissional. A seguir, temos exemplos de categorias de metas e seus respectivos indicadores. Avaliação de desempenho profissional 63 Quadro 2 – Categorias de metas e seus indicadores Categoria de metas Indicadores Rentabilidade • Faturamento • Lucro líquido • Crescimento • Quantidade de produtos Prazos • Cronograma Custos • Orçamento • Redução de custos Tecnologia • Racionalização do trabalho • Qualidade/Agilidade Gestão • Formação de sucessores • Rotatividade/Absenteísmo • Horas de treinamento Fonte: Elaborado pelo autor. A avaliação de desenvolvimento deve estar relacionada à mensuração da complexidade das atribuições e responsabilidades do colaborador. Isso porque, com base nos diferentes graus de complexidade, podemos caracterizar melhor o conjunto de atribuições e responsabilidades do profissional avaliado. Conforme indica a Figura 2, é possível mensurar a complexidade das atribuições considerando seu impacto no contexto de decisões ou ações do profissional pelo nível de atuação, abrangência de atuação e/ou escopo de responsabilidade. 64 Gestão de pessoas Figura 2 – Variáveis diferenciadoras da complexidade Abrangência da atuação Internacional Nacional Regional Local Escopo de responsa- bilidade Organização Várias unidades de negócio Unidade de negócio Área Atividades Nível de estruturação das atividades Baixo nível Alto nível Tratamento da informação Decide/ Responde Participa da decisão Analisa e Recomenda Sistematiza/ Organiza Coleta Alto nível Baixo nível Nível de autonomia Nível de atuação Estratégica Tática Operacional Eixo de Carreira VI V IV III II I Fonte: Dutra, 2015, p. 270. Dentre outras variáveis importantes que devem ser consideradas nessa análise está o nível de estruturação das atividades executadas, como a pessoa trata as informações que possui e a amplitude do seu nível de autonomia para tomar decisões. Já na avaliação de comportamento, como se trata de uma dimensão que carrega muita subjetividade, o ideal é utilizar ferramentas/instrumentos de avaliação que a tornem o mais objetiva possível, visto que essa subjetividade se dá por traduzir sempre a percepção de uma pessoa sobre outra. Comportamentos observáveis, como senso de urgência, integridade e equilíbrio emocional, devem ser medidos utilizando- -se uma escala de avaliação do comportamento, como pode ser observado na Figura 3. Figura 3 – Escala de frequência da manifestação do comportamento Não apresenta o comportamento descrito Apresenta raramente o comportamento descrito Apresenta às vezes o comportamento descrito (frequência moderada, porém abaixo do esperado) Apresenta o comportamento descrito dentro do esperado É a referência/exemplo na aplicação do comportamento descrito Fonte: Dutra, 2015, p. 286. Avaliação de desempenho profissional 65 Por fim, um dos tipos mais complexos, a avaliação de potencial objetiva identificar talentos no quadro de pessoal da empresa, que sejam capazes de ocupar posições críticas no futuro – médio e longo prazos. Na visão de Dutra (2015, p. 288), “a natureza das posições críticas varia em função do momento que a organização está vivendo”. Para o autor, o processo de desenvolvimento profissional do avaliado, para que ele assuma posições de maior complexidade, implica colocá-lo diante de situações ou atividades mais exigentes e oferecer suporte adequado com vistas ao alcance dos resultados. Um dos instrumentos mais utilizados para a avaliação de potencial é o nine box1, uma ferramenta visual que contempla múltiplas perspectivas em um grande quadrado dividido em nove partes menores, conforme mostra a Figura 4. Figura 4 – Matriz nine box ou matriz de dupla entrada FORTE DESEMPENHO COMPROMETIDO ACIMA DO ESPERADO EFICAZ ALTO POTENCIAL MANTENEDOR FORTE DESEMPENHO ESPERADO DESEMPENHO P O T E N C I A L INSUFICIENTE ABAIXO DO ESPERADO QUESTIONÁVEL MÉDIO ENIGMA BAIXO ALTO Fonte: Elaborada pelo autor. 1 Nine box é uma ferramenta utilizada para avaliar o talento das pessoas nas organizações a partir de duas dimensões do avaliado: seu desempenho no passado e seu potencial futuro. 66 Gestão de pessoas No eixo horizontal, temos o desempenho, que representa a entrega de resultados, descrevendo as competências e seus estágios, sendo que, a cada competência cumprida pelo profissional, é realizada uma análise para avaliar se ele é competente para a função, se produz acima do esperado, se é comprometido, se possui uma boa atuação etc. O desempenho está relacionado ao cumprimento de metas, sejam elas impostas pelo próprio funcionário ou por outros. No eixo vertical, encontramos o potencial, que pode ser entendido como aquilo que uma pessoa é capaz de fazer, as capacidades que ela possui. Diante dessas atribuições, a área de Gestão de Pessoas, juntamente com o comitê de avaliação, decide quando prepará-lo para o futuro na organização. A organização, ao relacionar os blocos contidos nos dois eixos – desempenho e potencial –, terá à disposição os nove principais resultados: • A1 – Profissional enigma: tem alto potencial e baixo desempenho; • A2 – Forte desempenho: temalto potencial e desempenho esperado; • A3 – Alto potencial: tem alto potencial e desempenho acima do esperado; • M1 – Questionável: tem potencial mediano e baixo desempenho; • M2 – Mantenedor: tem potencial e desempenho em nível mediano; • M3 – Forte desempenho: tem potencial mediano e desempenho acima do esperado; • B1 – Insuficiente: tem potencial baixo e desempenho abaixo do esperado; Avaliação de desempenho profissional 67 • B2 – Eficaz: apesar do baixo potencial, tem um desempenho esperado; • B3 – Comprometido: tem baixo potencial e desempenho acima do esperado (KENOBY, 2018). Algumas empresas usam a metodologia nine box em conjunto com ferramentas sofisticadas de tecnologia da informação, como softwares que conseguem um resultado ainda mais preciso sobre o potencial de cada profissional, com significativos ganhos em relação a eficiência e tempo. 3.1.1 Dimensões de avaliação de desempenho Para Nassif (2008, p. 290), “as organizações devem compreender as principais dimensões – expectativas, recursos e motivação – que norteiam a avaliação de desempenho”, alinhando a atuação esperada aos objetivos e às metas organizacionais (Quadro 3). Quadro 3 – Dimensões para análise de desempenho Expectativas Recursos Motivação A pessoa sabe o que é esperado de seu trabalho? Como está desempe- nhando suas ativida- des? A pessoa tem con- dições de realizar a atividade que lhe foi atribuída? A pessoa está motiva- da para desempenhar essas atividades? Fonte: Adaptado de Nassif, 2008, p. 290. Para compreender melhor essas dimensões, Nassif (2008, p. 290) sugere a compreensão do significado de três verbos na vida de um profissional: • O saber diz respeito à consciência que o profissional tem acerca das suas capacidades de entrega diante dos desafios impostos pelas atividades desempenhadas. Ademais, indica a noção que a própria pessoa tem sobre as perspectivas, nos âmbitos profissional e de carreira, no contexto no qual está inserida. 68 Gestão de pessoas • O poder está relacionado aos recursos que a pessoa encontra disponíveis em si própria (competências, habilidades, experiência) ou na empresa (infraestrutura tecnológica, ambiente físico e psicológico adequados, orientação, regras e regulamentos). • O querer, talvez o mais complexo dos três, está associado ao grau de prontidão da pessoa para a realização do trabalho. Diz respeito ao seu nível de maturidade psicológica – motivação e interesse diante das atividades do dia a dia. É importante reforçar que, quando há pessoas avaliando ou julgando outras, há uma tendência de diminuição considerável da objetividade. Portanto, alguns cuidados devem ser tomados na elaboração e na implementação de programas de avaliação de desempenho, pois, na visão de Hipólito e Reis (2002, p. 81), “é necessário lembrar que o campo da avaliação de pessoas é repleto de nuances e subjetividade”. Assim, para gerar credibilidade e para que o processo não seja descontinuado, uma das principais preocupações da gestão de pessoas deve ser a minimização dessa subjetividade. Para alcançar esse objetivo, é comum a criação de comitês ou colegiados de avaliação, de maneira que especialistas da gestão de pessoas somam-se aos gestores de áreas, os quais, em geral, além de conhecerem as especificidades do seu campo profissional, possuem experiências adquiridas em processos anteriores e contribuem significativamente para a construção de padrões e parâmetros no processo de avaliação. Nesse sentido, o Múltiplas Fontes, popularmente chamado de feedback 360º, é um dos métodos de avalição mais conhecidos. Por meio desse recurso, são julgados vários aspectos do desempenho de cada profissional, e as informações são originadas de várias Avaliação de desempenho profissional 69 perspectivas do ambiente interno e, eventualmente, do ambiente externo à organização, conforme se observa na Figura 5. Figura 5 – Fontes de avaliação 360º Chefe Eu Eu Clientes Fornecedores Subordinados Parceiros Fonte: Elaborada pelo autor. Ampliando o escopo da avaliação para além da unilateralidade, esse método possibilita melhorar o grau de confiabilidade do resultado, pois diminui a influência dos fenômenos que, em geral, afetam processos avaliativos. Faz-se importante ressaltar que os avaliadores internos ou externos devem ser pessoas que mantêm algum tipo de relacionamento com o avaliado e que, fundamentalmente, tenham informações sobre o seu desempenho e o seu comportamento (NASSIF, 2008). Ademais, o feedback 360º possui como uma de suas premissas a participação do avaliado no processo, visto que é solicitado ao colaborador fazer uma autoavaliação de seu desempenho e de seu comportamento, conforme apresenta o Quadro 4. 70 Gestão de pessoas Quadro 4 - Formulário de autoavaliação • Descreva as facilidades encontradas no desenvolvimento de suas ati- vidades rotineiras. • Descreva as dificuldades encontradas no desenvolvimento de suas atividades rotineiras. • Como você classifica seu relacionamento com os colegas e os supe- riores? Por quê? • Avalie seu desempenho quanto às metas estabelecidas no período. Fonte: Adaptado de Nassif, 2008, p. 305. A avaliação profissional enquanto processo trata da valorização e do reconhecimento de pessoas, o que, em geral, sugere uma decisão sobre quem reconhece/valoriza e quem é reconhecido/ valorizado, considerando-se parâmetros predeterminados. Embora seja um processo subjetivo, o resultado da avaliação será traduzido na construção de um diálogo de desenvolvimento (DUTRA, 2014). Segundo Dutra (2015, p. 323), o diálogo entre o líder e seus liderados [neste caso, avaliador e avaliados] pode ser dividido em três etapas: preparação para o diálogo, realização do diálogo e execução e acompanhamento das decisões efetuadas durante o diálogo. Normalmente, esse processo é chamado de feedback, pois envolve uma conversa sobre o desempenho do avaliado, o cumprimento de metas e, invariavelmente, a verificação do Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) – um documento importante para o desenvolvimento da carreira do indivíduo. Esse plano, negociado entre líderes e liderados, tem por finalidade alinhar as expectativas da empresa às expectativas do profissional. Na construção desse diálogo, para Dutra (2015, p. 323), é comum organizações bem-sucedidas utilizarem as seguintes bases: • O futuro da pessoa é sempre o fator principal para o diálogo, seja esse futuro relacionado à sua afinidade com a organização, seus sonhos profissionais ou seus objetivos pessoais. Avaliação de desempenho profissional 71 • A ênfase do diálogo está nos desafios a serem enfrentados pela pessoa na organização ou em seu trabalho. Muitas vezes, principalmente quando pensamos em processo sucessório, esses desafios estão relacionados à incorporação de novas atribuições e responsabilidades. • Um aspecto que não pode ser esquecido no diálogo são os projetos da pessoa em relação ao seu futuro, como a realização de cursos, experiências internacionais, visitas, estágios etc. • O futuro profissional do indivíduo está diretamente associado à sua vida pessoal, por isso é necessário dialogar sobre família, carreira do cônjuge, educação e/ou carreira dos filhos, atuação em organizações sociais, esportivas, religiosas etc., saúde pessoal ou de membros da família, situação dos pais, entre outros elementos. A despeito dos tipos e das dimensões discutidas, seja com a utilização de modelos tradicionais ou participativos, a aplicabilidade de um sistema de avaliação de desempenho depende da cultura organizacional, da estrutura hierárquica (verticalizada ou horizontalizada) e suas respectivas reações de poder, do sistema de comunicação, do nível de maturidade de gestores e subordinados e, sobretudo, do envolvimento da alta administração como “sponsor”2 do processo. Um sistema de avaliação profissional precisa transmitir credibilidade, pois, invariavelmente, as pessoas criam expectativas com relaçãoaos processos de mudanças nas estruturas de carreira e de remuneração, o que, em geral, demanda dos gestores a capacidade de conciliação. 2 Sponsor, na tradução literal, significa patrocinador. Neste caso, trata-se do poder de influência dos gestores da alta administração da empresa. 72 Gestão de pessoas 3.2 Conciliação de expectativas O conjunto de expectativas e aspirações (no que diz respeito a desenvolvimento e reconhecimento) que os profissionais possuem com relação às organizações em conjunto com a perspectiva (sobretudo quanto a contribuições) que gestores e organizações possuem com relação às pessoas chama-se contrato psicológico. Esse contrato se difere do contrato de trabalho legal, pois, além de não ser físico, é intangível e pressupõe um relacionamento dinâmico, com possíveis alterações e permanente renegociação. Dadas as características do mundo corporativo atual, o gerenciamento dessas expectativas envolve diferentes atores, que devem assumir diferentes papéis, visando ao aprimoramento da relação entre pessoas, gestores e organização – relação esta que deve ser duradoura. Para viabilizar esse processo, faz-se necessário que a comunicação sobre o que a organização espera das pessoas seja clara, honesta e transparente. Na visão de Dutra, Dutra e Dutra (2017, p. 198), o fato de a organização definir com maior precisão o que se espera das pessoas e os critérios para ascensão nas trajetórias de carreira e para a mobilidade entre as trajetórias oferece os parâmetros para que se estabeleça uma negociação de expectativas entre as pessoas e a organização, bem como a construção de contratos psicológicos. Esses critérios de ascensão e mobilidade citados pelo autor, ao serem divulgados aos membros da organização, servem, portanto, de orientação nos sistemas de avaliação de desempenho profissional, pois permitem que as pessoas reflitam sobre as competências que possuem, seu potencial e, sobretudo, sobre a sua relação com o superior imediato, com seus pares e com a organização. Vídeo Avaliação de desempenho profissional 73 3.2.1 Papéis na conciliação de expectativas A discussão acerca das expectativas de pessoas e organizações assume diferentes contornos na relação com os diferentes processos contidos na gestão de pessoas – recrutamento e seleção, remuneração e carreira, treinamento e desenvolvimento. Neste capítulo, estabelecemos uma relação com o subsistema avaliação de desempenho, considerando, nesse processo, pessoas, gestores e organizações, que criam as mais variadas expectativas de uns com os outros. Sobre isso, Dutra, Dutra e Dutra (2017, p. 200) entendem que “o sistema deve oferecer instrumentos para a pessoa, o gestor e a organização com o propósito de estimular o diálogo e o alinhamento de expectativas”. O Quadro 5 oferece maior clareza acerca dos papéis nas relações entre pessoas, gestores e organizações. Quadro 5 – Relações entre pessoas, gestores e organizações. Pessoas Gestor Organização Pessoas Pessoa Pessoa Gestor Pessoa Organização Pessoa Gestor Pessoa Gestor Gestor Gestor Organização Gestor Organização Pessoa Organização Gestor Organização Organização Organização Fonte: Dutra; Dutra; Dutra, 2017, p. 189. No que tange ao papel da pessoa consigo mesma, podemos destacar: 74 Gestão de pessoas • Autoavaliação de interesses, valores e habilidades; • Mapeamento de oportunidades na empresa e no mercado; • Busca de oportunidades de desenvolvimento dentro e fora da empresa. Já sobre o papel da pessoa com o gestor, é importante destacar: • Comunicação de preferências e expectativas de carreira; • Busca e realização de feedback; • Abertura para absorver orientações e sugestões de aprimo- ramento. E, por fim, no papel da pessoa com a organização, merecem destaque os seguintes pontos: • Conhecimento das políticas e práticas de carreira; • Atualização de informações sobre as oportunidades; • Atualização de informações a seu respeito. É importante que a organização comunique e prepare os gestores para assumirem os mais variados papéis de sua responsabilidade nos diferentes processos gerenciais. Esses papéis, no gerenciamento de expectativas, são com si mesmo, com os membros de sua equipe e com a organização. Na relação do gestor com si mesmo, é essencial: • Preparar-se como gestor de pessoas; • Avaliar as melhores práticas dentro e fora da organização; • Preparar sucessores; • Buscar feedback sobre sua atuação. Com relação ao papel do gestor com membros da sua equipe, merecem destaque: • Diálogo de desenvolvimento (preparação para o futuro); • Orientação do desenvolvimento do liderado; Avaliação de desempenho profissional 75 • Mapeamento de expectativas e oportunidades; • Suporte ao desenvolvimento dos membros da equipe. E, por fim, o papel do gestor com a organização baseia-se em: • Planejamento do seu quadro de pessoas; • Indicação de liderados com potenciais para outras posições; • Recomendação de aprimoramento no sistema. Já a organização, além de preparar os gestores e aprimorar instrumentos, processos, ferramentas e políticas com foco no desenvolvimento profissional e organizacional, deve, também, assumir a responsabilidade desse processo e assimilar importantes funções. A organização, no seu papel de conciliação das expectativas das pessoas, deve: • Disponibilizar instrumentos – testes como âncoras de carreira ou MBTI3 – para reflexão sobre a carreira; • Disponibilizar informações estruturadas sobre o mercado de trabalho; • Oferecer programas de orientação profissional; • Disponibilizar informações sobre vagas, oportunidades e trajetórias de carreira. Na relação com o gestor, é importante destacar: • A preparação da liderança; • O monitoramento e a valorização dos trabalhos realizados em orientação de carreira; • O estímulo à troca de experiências. 3 Myers-Briggs Type Indicator ou Indicador do Tipo Myers Briggs é um teste de personalidade baseado nos 16 tipos psicológicos de Carl Jung. Com base nos resultados, é possível encontrar 16 tipos diferentes de personalidades. 76 Gestão de pessoas Segundo Dutra, Dutra e Dutra (2017, p. 194), “independente- mente do seu relacionamento com as pessoas e com os gestores, a organização tem um conjunto de responsabilidade que é institu- cional, ou seja, de sua exclusiva responsabilidade”. Dentre os quais, destacamos: • Sistemas de informações sobre pessoas; • Aprimoramento contínuo das políticas e práticas; • Processo de sucessão privilegiando internos. Ao falarmos de avaliação de desempenho, várias necessidades e peculiaridades surgem quando se realiza uma análise detalhada desses papéis, variando de acordo com o ramo de atividade da empresa ou da maturidade do processo. Além disso, um aspecto específico e muito importante do processo deve ser considerado: a necessidade do feedback para os avaliados. 3.3 Feedback A palavra feedback, de origem inglesa, remonta à Revolução Industrial e está relacionada a sistemas mecânicos. A partir da década de 1950, ela passou a ser utilizada no meio corporativo com o propósito de fornecer às pessoas devolutivas a respeito do seu desempenho profissional em determinados processos ou atividades.Atualmente, o feedback é utilizado por várias organizações como um importante instrumento de diálogo entre avaliadores e avaliados para desenvolver talentos, solucionar problemas e, sobretudo, subsidiar decisões de carreira e remuneração. Não é demais afirmarmos que o feedback é um grande aliado de gestores e organizações nos processos de avaliação de desempenho, uma vez que os avaliados criam expectativas acerca da forma como estão realizando o seu trabalho e das perspectivas futuras na organização. Vídeo Avaliação de desempenho profissional 77 Além de suprir essas expectativas, a utilização de feedback tende a contribuir para a permanente busca de aprimoramento da execução das atividades, assim como para indicar possíveis correções quanto a atitudes,comportamentos, procedimentos e práticas cotidianas, tanto de gestores como da organização. Segundo Dutra, Dutra e Dutra (2017, p. 322), “normalmente, a base [para o feedback] é um conjunto de fatos e dados sobre o cumprimento de metas, comportamentos, compromissos […] sempre olhando para o passado”. No entanto, esse processo vem ganhando outros contornos, e não é incomum a existência de organizações que focam nesse método para o desenvolvimento futuro do profissional na empresa. O autor chama esse recurso de feedforward (alimentação para o futuro), modificando, assim, o nome feedback para diálogo de desenvolvimento. Nessa perspectiva, o futuro será sempre o foco do diálogo, com ênfase permanente nos desafios a serem enfrentados pelo avaliado e nos projetos do seu futuro profissional. Para tanto, o gestor deve se posicionar como um parceiro e facilitador do desenvolvimento dos membros da equipe, tratando, nas discussões, além dos interesses profissionais, os interesses pessoais do avaliado. A preparação do diálogo deve envolver gestores e organização – representada pela área de gestão de pessoas –, a fim de que se construia uma visão sobre o futuro do colaborador, tanto na sua área como na empresa. Dessa forma, torna-se imprescindível listar os principais desafios a serem enfrentados pela área para alcançar metas e objetivos estipulados pela empresa. Com isso, o gestor pode refletir sobre os pontos positivos do colaborador avaliado para verificar as maneiras como ele pode enfrentar esses desafios, indicando oportunidades de aprimoramento profissional. 78 Gestão de pessoas O gestor deve, ainda, avaliar a possibilidade de parcerias internas e externas visando auxiliar no desenvolvimento dos profissionais, proporcionando condições para que eles alcancem seus objetivos, alinhando-os aos objetivos da área e da organização. Considerações finais No que se refere à gestão de pessoas, o processo organizacional está passando por mudanças significativas que impõem a gestores e empresas a necessidade de respostas rápidas diante de novos cenários. Nesse contexto, os tradicionais sistemas de avaliação da atuação dos profissionais, com formulários e reuniões anuais ou semestrais, passaram a dar sinais de esgotamento e deram lugar a uma nova forma de pensar a Gestão do Desempenho, que privilegia o estímulo e a motivação das pessoas, relacionando-os diretamente com o recebimento de feedbacks, com foco no desenvolvimento futuro. Para tanto, há a necessidade de que gestores e organizações tenham clareza dos objetivos que querem atingir, para que possam tomar decisões coerentes com relação ao tipo de avaliação a ser utilizado e, consequentemente, escolher os instrumentos adequados para a implementação do sistema de avaliação. Ampliando seus conhecimentos • MELLO, F. H. Como a Netflix faz avaliações de desempenho. Qulture.Rocks, 2018. Disponível em: https://qulture.rocks/ blog/avaliacao-de-desempenho-netflix/. Acesso em: 10 set. 2019. Você sabe como uma das maiores empresas de entretenimento faz suas avaliações de desempenho? Esse curto artigo analisa uma organização que vem chacoalhando práticas tradicionais Avaliação de desempenho profissional 79 de recursos humanos e, consequentemente, o mercado de entretenimento mundial: a Netflix, cuja cultura corporativa é bastante admirada. • BRAGA, B. M. Avaliação de desempenho: por que é tão difícil? (Projeto de vida). GV-executivo, v. 12, n. 2, jul./dez. 2013. Disponível em: https://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/ artigos/gv_v12n2_741.pdf. Acesso em: 10 set. 2019. Segundo Beatriz Maria Braga, muitas pessoas participam da avaliação apenas para “cumprir tabela”, e o que poderia ser uma oportunidade para trocar expectativas e ideias torna-se um processo formal e burocrático. Nesse artigo, a professora aborda de forma objetiva por que é tão difícil realizar a avaliação de desempenho. Atividades 1. Qual é a importância da definição do foco/tipo da avaliação de desempenho para a realização adequada do processo? 2. Explique as principais diferenças existentes entre modelos tradicionais e modelos participativos. 3. Por que algumas organizações preferem chamar o processo de feedback de diálogo do desenvolvimento? Referências DUTRA, J. S. Avaliação de pessoas na empresa contemporânea. São Paulo: Atlas, 2014. DUTRA, J. S. Gestão de pessoas: modelo, processos, tendências e perspectivas. 2. ed. São Paulo: Grupo GEN/Atlas, 2015. 80 Gestão de pessoas DUTRA, J. S.; DUTRA, T. A.; DUTRA, G. A. Gestão de pessoas: realidade atual e desafios futuros. São Paulo: Grupo GEN/Atlas, 2017. FERNANDES, B. H. R.; HIPÓLITO, J. A. M. Dimensões de avaliação de pessoas e o conceito de competências. In: DUTRA, J. S. D; FLEURY, M. T. L.; RUAS, R. (org.). Competências: conceitos, métodos e experiências. São Paulo: Atlas, 2008. HIPÓLITO, J. A. M.; REIS, G. G. Avaliação como instrumento de gestão. In: FLEURY, M. T. L. (org.) As pessoas na organização. 16. ed. São Paulo: Gente, 2002. KENOBY. Nine box: como aplicar a metodologia nas empresas? 2018. Disponível em: http://www.kenoby.com/blog/nine-box/. Acesso em: 10 set. 2019. MARRAS, J. P.; LIMA, M. G.; TOSE, S. Avaliação de desempenho humano. Rio de janeiro: Elsevier, 2012. NASSIF, V. M. J. Dimensões importantes para a gestão do desempenho. In: HANASHIRO, D.; TEIXEIRA, M. L.; ZACCARELLI, L. M. (org.). Gestão do fator humano: uma visão baseada em stakeholders. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. TREFF, M. Gestão de pessoas: olhar estratégico com foco em competências. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. 4 Treinamento e desenvolvimento Em meados de 1990, alguns movimentos – como a reengenharia de processos e os programas de qualidade com foco em ISO 9000 – trouxeram mudanças à atividade de treinamento e desenvolvimento (T&D) no Brasil. Contudo, foi somente a partir do século XXI que essa passou a ser considerada uma atividade capaz de desenvolver competências individuais, com a finalidade de tornar as organizações mais competitivas. Assim, neste capítulo, estudaremos a atividade de treinamento e desenvolvimento como uma importante ferramenta de desenvolvimento de competências individuais alinhada à estratégia de negócios. Para tanto, discutiremos as etapas fundamentais da elaboração de um programa consistente que permite aos gestores vincular o desenvolvimento de pessoas aos objetivos organizacionais. Além disso, veremos o que é uma avaliação de treinamento, procedimento que se propõe a analisar/verificar se o processo transcorreu conforme planejado. Por meio de quatro dimensões (reação, aprendizagem, comportamento e resultados), essa avaliação tenta aferir percepções e resultados atingidos, com o objetivo de verificar a eficácia do processo realizado de acordo com o levantamento de necessidades. 4.1 Diagnóstico de necessidades de treinamento O subsistema de gestão de pessoas, treinamento e desenvolvimento tem se valorizado cada vez mais diante da necessidade constante de aprimoramento e aperfeiçoamento de novas competências. Cabe Vídeo 82 Gestão de pessoas notar que, durante boa parte do século XX, as empresas focaram essa atividade essencialmente no desenvolvimento e no aprimoramento da destreza operacional, fundamentada nos moldes taylorista- -fordistas de produção e organização do trabalho. Um primeiro passo para a mudança no enfoque dos programas ocorreu com a popularização dos sistemas japoneses de produção, de base toyotista1, somada à introdução dos conceitos de gestão da qualidade total – TQM2, entre as décadas de 1980 e 1990. Nesse período, muitas empresas ocidentais, incluindo as brasileiras, passaram a utilizar a atividade de treinamento como ferramenta de desenvolvimento de pessoas, com foco na formação de líderes e nos desafios da introdução de novas tecnologias e das mudanças de processos empresariais. Além disso, ela passou a ser utilizada como instrumento de conscientização dos membros da organização.Dessa forma, a partir da mudança de mentalidade, por meio da qual a estratégia de negócios passou a ser considerada, a atividade de T&D assumiu um caráter descentralizado – diminuindo a responsabilidade da área de gestão de pessoas e permitindo a participação direta e efetiva dos gestores de áreas – e foi além da transmissão de informações e capacitação, antes focada apenas no operacional. Com isso, percebeu-se a necessidade de a atividade ser pensada como uma ferramenta estratégica, e não somente como uma atividade burocrática da área de Recursos Humanos (MILKOVICH; BOUDREAU, 2000). 1 Toyotismo é o nome dado ao modo de produção de acordo com a demanda, visando à não acumulação de produtos e matérias-primas. Foi implantado na década de 1950 pela empresa japonesa Toyota. 2 A sigla TQM significa, em inglês, Total Quality Management. No Brasil, o método foi chamado de gestão da qualidade total. Treinamento e desenvolvimento 83 Esse movimento mudou significativamente a finalidade da maior parte dos programas de treinamento e desenvolvimento, que anteriormente eram centrados apenas em transmitir informações sobre a organização, suas políticas e diretrizes ou regras e procedimentos, sua missão e visão organizacional, seus produtos/ serviços, seus clientes e concorrentes. Essas atividades de capacitação passaram a ser utilizadas como ferramenta para mapear e desenvolver competências críticas3 no ambiente organizacional, alinhada aos objetivos organizacionais, aumentando a empregabilidade dos profissionais – ou seja, melhorando a capacidade ou possibilidade de se manterem empregáveis – e ampliando o escopo de atuação deles na organização (CHIAVENATO, 2008). Assim, o principal objetivo dos programas de treinamento e desenvolvimento passou a ser a melhoria do desempenho organizacional, isto é, tornar a empresa mais competitiva em relação aos seus principais concorrentes. Dessa forma, é possível focar no desenvolvimento/aprimoramento das competências individuais, visto que quanto mais competentes forem as pessoas, melhor desempenharão seus papéis/atividades, com foco no desenvolvimento organizacional. Embora existam nomenclaturas diferentes para denominá-las, há uma certa concordância entre vários autores que abordam o tema de que a atividade de T&D é composta por quatro etapas. São elas: levantamento de necessidades, planejamento e programação, execução e avaliação dos resultados, conforme mostra a Figura 1. 3 O relatório “Future of Jobs”, do World Economic Forum, elencou, por ordem de relevância, as seguintes competências críticas para 2020: a resolução de problemas complexos, o pensamento crítico, a criatividade, a gestão de pessoas, o trabalho em equipe, a inteligência emocional, a tomada de decisão, a orientação para o cliente, a negociação e a flexibilidade cognitiva. 84 Gestão de pessoas Figura 1 - As etapas do T&D 1 Diagnóstico de necessidades 2 Desenho do programa Bi ld ag en tu r Z oo na r G m bH /S hu tte rs to ck 4 Avaliação dos resultados 3 Implementação do programa Fonte: Adaptado de Chiavenato, 2008, p. 365. Apesar das variações de denominação, esses autores entendem que os processos de T&D devem seguir o tradicional modelo PDCA: Planejar, Executar, Verificar e Agir (no inglês, Plan, Do, Check e Act). Além disso, concordam que esses programas devem estar gradualmente mais alinhados às competências essenciais e à estra- tégia de negócio (HANASHIRO; TEIXEIRA; ZACCARELLI, 2008). Como é possível notar que já foi muito comum desenhar/ implementar programas de T&D com base em “achismos” e/ou em necessidades conjunturais, identificadas por gestores de áreas ou pela área de Recursos Humanos, cabe destacar a importância da etapa de diagnóstico de necessidades. Quando se fala em T&D, sobretudo nos dias atuais, a precisão no diagnóstico das reais necessidades de desenvolvimento torna-se essencial para que a empresa possa responder às ameaças e oportunidades de seu ambiente de negócios. Também chamada de levantamento de necessidades, essa etapa, alinhada aos objetivos previstos no planejamento da área e, sobretudo, à estratégia de negócios da organização, visa privilegiar Treinamento e desenvolvimento 85 a função ou atividade desempenhada pelas pessoas, dessa forma, a empresa deverá realizar, a partir desse diagnóstico, uma análise das exigências atuais e futuras das funções e/ou atividades que precisam ser desempenhadas com resultados superiores, bem como considerar o perfil de cada pessoa que deverá realizá-las. É válido destacar nesse contexto que o conceito de competência está relacionado à efetivação e utilização do conhecimento, ou seja, à habilidade/capacidade de aplicação desses aspectos às situações de trabalho, com a finalidade de que sejam atingidos objetivos e metas que agreguem valor econômico às empresas. Via de regra, isso está implicitamente ligado ao conceito e aos princípios da educação corporativa, a qual visa principalmente ao desenvolvimento de competências identificadas como críticas e que possam ser efetivamente utilizadas na situação de trabalho (TREFF, 2016). Assim, é de fundamental importância o envolvimento dos gestores no processo de T&D enquanto sistema de aprendizagem, identificando as chamadas competências críticas organizacionais – que sustentam a estratégia de negócios –, com foco em resultados, além de disponibilizar os recursos necessários para propiciar o ambiente adequado ao aprendizado. Existem vários métodos de diagnóstico que podem ser utilizados pelos gestores para levantar as necessidades de T&D, considerando as competências necessárias para o melhor desempenho das atividades na situação atual e/ou futura. Dentre os mais comuns, destacamos: aplicação de questionários e/ou entrevistas com profissionais e gestores, aplicação de testes e exames, pesquisa de clima, observação in loco e, ainda, os resultados da avaliação de desempenho. Segundo Chiavenato (2008), os indicadores de necessidades de T&D são apresentados, de forma geral, como a priori e a posteriori, sendo possível, a partir dessa definição, escolher o método mais adequado para ser aplicado. In loco: em latim, significa “no local” e, nesse contexto, no local de trabalho. 86 Gestão de pessoas Para o autor, os indicadores de necessidades a priori dizem respeito a exigências futuras, ou seja, competências que possivelmente deverão compor o repertório dos profissionais para atender a demandas que podem surgir em virtude, por exemplo, de: a. expansão da empresa; b. redução do quadro de colaboradores; c. mudança de processos; d. novas tecnologias; e. novos produtos. Os indicadores de necessidades a posteriori, por sua vez, referem-se a demandas geradas em virtude de eventos já ocorridos e que, de alguma forma, apresentaram problemas ou disfunções organizacionais que merecem atenção – dentre os quais, Treff (2016) destaca: a. baixa produtividade; b. problemas frequentes; c. comunicação deficiente; d. elevado número de acidentes; e. mau aproveitamento do espaço; f. inter-relacionamento pessoal; g. reclamações de clientes. Para que a empresa estruture/desenhe programas orientados a eliminar ou minimizar lacunas de competências existentes ou mesmo situações de retreinamento, é importante que ela faça o levantamento de necessidades de treinamento (LNT). O LNT ocorre em dois cenários distintos. O primeiro é o reativo, buscando uma solução imediata e focando na resolução de problemas quando há situações desfavoráveis na organização. O segundo é o Treinamento e desenvolvimento 87 prospectivo e utilizado com base em demandas futuras, ou seja, visa ao cumprimento de metas, focando a capacitação profissional de novos colaboradores e preparando-os para as mudanças da empresa (MARRAS, 2011). Independentemente de ser a priori ou a posteriori, reativo ou prospectivo, Chiavenato (2008, p. 375) sugere que “o levantamento de necessidades de treinamento deve serfeito em quatro níveis de análise”. Os níveis de análise explorados pelo autor são: Análise organizacional – a partir do diagnóstico de toda a organização, para verificar os aspectos da missão, da visão e dos objetivos estratégicos que o treinamento deve atender. Análise dos recursos humanos – a partir do perfil das pessoas, determinar quais os comportamentos, as atitudes, os conhecimentos e as competências necessários para que as pessoas possam contribuir para o alcance dos objetivos estratégicos da organização. Análise da estrutura de cargos – a partir do exame dos requisitos e especificações dos cargos que são as habilidades, destrezas e competências que as pessoas deverão desenvolver para desempenhar adequadamente os cargos. Análise do treinamento – a partir dos objetivos e metas que deverão ser utilizados como critérios para avaliação da eficiência e eficácia do programa de treinamento. (CHIAVENATO, 2008, p. 374) Alinhando-se à proposta dos níveis de análise, Dutra (2017, p. 164) entende que o levantamento de necessidades de T&D deve focar “as entregas esperadas das pessoas que asseguram a continuidade e o crescimento da organização”. Nesse contexto, o autor sugere que a identificação das competências que sustentam essas entregas pode ser realizada por meio de três processos: • Competências organizacionais ou do negócio – a partir da definição dos aspectos diferenciais e dos pontos fortes da organização ou do negócio, é possível caracterizar as 88 Gestão de pessoas competências. Dutra, Dutra e Dutra (2017, p. 164) entendem que “se um dos aspectos que diferenciam a empresa é sua excelência, é natural que entregas relativas à manutenção dessa excelência sejam fundamentais”. Assim, as competências essenciais seriam: geração e disseminação de conhecimentos, trabalhos em parceria ou em equipe. • Processos críticos para a organização ou negócio – a definição desses processos ajuda na identificação de competências para a manutenção ou desenvolvimento desses procedimentos. Na visão de Dutra, Dutra e Dutra (2017, p. 164), “caso [a organização] tenha como processo crítico a manufatura ou supply chain, pode-se identificar como competências essenciais a análise e solução de problemas, liderança e trabalho em equipe ou orientação estratégica”. • Grupos profissionais ou carreiras profissionais – uma maneira comum de identificar competências é definir diferentes grupos profissionais necessários para a organização ou negócio e descrever o processo de crescimento profissional de cada um deles. Para Dutra, Dutra e Dutra (2017, p. 164), “pode- se considerar em uma determinada organização a existência dos seguintes grupos profissionais ou carreiras profissionais: gerencial, tecnológico, comercial e administrativo- -financeiro”, sendo que cada um desses grupos ou carreiras tem a necessidade de desenvolver diferentes competências alinhadas às demandas específicas. Levantadas as necessidades por meio dos níveis de análise e identificadas as competências necessárias para sustentar as entregas esperadas, tudo está pronto para iniciar o desenho do processo de T&D que será implementado. Treinamento e desenvolvimento 89 4.2 O processo de desenvolvimento de pessoas Realizado o levantamento de necessidades, que indica possíveis ações de desenvolvimento, deve-se iniciar o desenho de um programa de T&D (etapa 2 da Figura 1) a fim de que sejam atendidas as demandas a priori e/ou a posteriori de desenvolvimento/aprimoramento de competências individuais. Aqui, consideramos importante responder às perguntas propostas por Chiavenato (2008, p. 399), conforme Figura 2 a seguir. Figura 2 – Perguntas a serem respondidas no processo de T&D ? Para quê? Objetivos Quem? Treinandos Como? Estratégias/Métodos O quê? Conteúdo Por quem? Instrutores/Consultores Onde? Local Quando? Período/Horário Quanto? Carga horária Fonte: Adaptado de Chiavenato, 2008, p. 399. Vídeo 90 Gestão de pessoas Assim, tendo como base as respostas das questões propostas, definimos os objetivos (gerais e específicos) a serem atingidos pelo programa e o público-alvo que necessita de treinamento/ desenvolvimento. Ademais, poderemos, a partir dessas definições, escolher mais assertivamente as estratégias e os métodos – exposição, palestra, demonstração, estudo de caso, simulação, entre outros – a serem utilizados na execução do conteúdo proposto, o qual deve estar em conformidade com os objetivos gerais e específicos. De acordo com essas definições, serão apontados os instrutores (internos ou externos) ou consultores que desenvolverão determinados conteúdos, utilizando certas estratégias, as quais estabelecerão a necessidade de recursos – financeiros, físicos, tecnológicos, instrucionais etc. Muito importante, também, é a definição do local, pois, conforme o conteúdo e os objetivos, pode ser necessário realizar o programa fora do ambiente corporativo (em hotéis e/ou salas de conferência). Dependendo do tamanho da empresa e dos recursos disponíveis, esse programa pode ser feito in company, ou seja, utilizando as instalações da própria organização. Além disso, de acordo com a necessidade da empresa e com o conteúdo proposto, será definido o período de realização e a carga horária necessária para a implementação do programa (etapa 3 da Figura 1). Embora essa sistematização seja considerada essencial, é muito importante analisar as especificidades de contexto – estrutura, cultura organizacional, valores, segmento, nível de formação dos profissionais – para o sucesso do programa, o qual pode implicar diferentes necessidades e metodologias e, invariavelmente, resultados distintos. Portanto, conforme alertam alguns autores, os programas de T&D devem ser desenhados considerando-se o contexto da empresa e evitando os “pacotes prontos” propostos por empresas Treinamento e desenvolvimento 91 de consultorias ou adotados em outras organizações com realidades diversas. Por isso, é fundamental seguir cuidadosamente os passos determinados na etapa de diagnóstico, sem perder de vista os objetivos organizacionais. 4.3 Avaliação de treinamento A última das quatro etapas do processo de T&D é a avaliação de treinamento, na qual deve-se confrontar as mudanças obtidas com as expectativas, conforme o que foi definido nos objetivos. A avaliação de treinamento deve ser elaborada em conjunto com os gestores de área, pois são eles que devem informar quais são as principais mudanças esperadas no que diz respeito a comportamento ou desempenho. Kirkpatrick, citado por Eboli (2002, p. 211), sugere que essa avaliação seja realizada em quatro níveis: 1. Avaliação de reação – monitoramento da percepção/ opinião dos treinandos por meio de formulário específico e/ ou entrevista de reação sobre os mais variados aspectos do programa: conteúdo, instrutor, didática, estratégias de ensino, aproveitamento, material utilizado, recursos utilizados, entre outros. Um dos principais objetivos desse tipo de avaliação é o aperfeiçoamento dos próximos programas com base em apontamentos, sejam eles positivos ou negativos. 2. Aprendizagem – verificação, por meio de testes de conhecimento e/ou entrevistas, do aprendizado após a realização do programa. É importante para mensurar o quanto as pessoas envolvidas nas atividades absorveram dos conteúdos desenvolvidos e para verificar o grau de utilização do conhecimento adquirido. Vídeo 92 Gestão de pessoas 3. Comportamento – acompanhamento das habilidades e atitudes adquiridas pelo treinando em suas atividades cotidianas, a partir da análise do nível de mudanças do comportamento geradas a partir da participação no programa. Usualmente, utilizam-se metodologias para avaliar o grau de transferência da aprendizagem: análise do trabalho por meio de um checklist de comportamentos; análise do desempenho nas atividades com o uso de indicadores de produtividade; pesquisas ou questionários aplicados aos treinandos, aos superioresimediatos e até mesmo aos subordinados, pares de trabalho e, às vezes, aos clientes e fornecedores. 4. Avaliação do resultado – criação e monitoramento de indicadores de desempenho individual e organizacional, para verificar a relação entre o conhecimento adquirido, o valor agregado e os custos do programa. Nesse nível, é importante estabelecer uma relação entre o investimento realizado, visto que o custo de um programa de desenvolvimento envolve custos diversos e o retorno do investimento (ROI)4, que pode ser mensurado a partir do quociente da divisão dos benefícios líquidos auferidos do programa pelos custos totais do programa, multiplicado por 100. Por meio da avaliação nos mais diferentes níveis, a organização consegue mapear o que de fato é valorizado e se o que está sendo investido para que as pessoas aprimorem seus resultados e se tornem profissionais de alta performance está tendo o retorno esperado. Por isso, é fundamental utilizar o modelo de avaliação Kirkpatrick, no qual cada nível é essencial e possui ferramentas adequadas para responder aos respectivos questionamentos, conforme mostra o Quadro 1. 4 ROI é a sigla inglesa para Return on Investiment: relação entre lucro gerado e montante do investimento realizado. Treinamento e desenvolvimento 93 Quadro 1 – Os quatro níveis de avaliação do treinamento – Donald Kirkpatrick Nível Aspecto Natureza Questão Instrumento 1 Reação Gostaram? Quanto os partici- pantes gostaram do curso? Formulários 2 Aprendizado Aprenderam? Quanto eles apren- deram? Testes, exames e simulações 3 Comporta- mento Estão utilizando? Quanto estão aplicando no trabalho? Mensuração do desempenho 4 Resultados Estão pagando? Qual o retorno do treinamento sobre o investimento? Análise custo/ benefício Fonte: Adaptado de Éboli, 2002, p. 211. No caso da avaliação de reação, que, em geral, é aplicada logo após o término do programa, é relevante monitorar alguns aspectos a fim de que sejam realizadas melhorias. São eles: • conteúdos (complexidade, quantidade, pertinência, prerrequisitos etc.); • metodologia (adequação, recursos didáticos, materiais de apoio etc.); • ambiência (local, iluminação, infraestrutura, equipamentos etc.); • docentes (domínios técnico e didático, comunicação, relações etc.); • carga horária (adequação, utilização, disposição etc.); • avaliação geral (programa, expectativas, contribuições etc.). Na avaliação de aprendizagem, privilegia-se a mensuração das competências adquiridas/absorvidas pelo treinando, visto que, muitas vezes, isso permite aos gestores vincular indicadores de desempenho individual e organizacional a sofisticados sistemas de 94 Gestão de pessoas monitoramento, os quais permitem à organização tomar decisões mais acertadas, com base em dados fidedignos, e configuram- -se como excelente ferramenta de avaliação da aprendizagem dos envolvidos. A avaliação de comportamento objetiva verificar a mudança do comportamento do participante nas atividades do dia a dia. Por isso, é comum que os gestores apenas observem se houve ou não alguma melhoria após a realização do treinamento. No entanto, com a sofisticação dos sistemas de controle de atividades, algumas empresas passaram a desenvolver formulários (Figura 3) que permitem orientar a tomada de decisão sobre o desenvolvimento na carreira, visto que o que se deseja efetivamente medir são as contribuições que o programa gerou para as pessoas e, sobretudo, para a organização (BORGES-ANDRADE, 2002). Figura 3 – Avaliação de comportamento no cargo FORMULÁRIO DE AVALIAÇÃO DE EFICÁCIA PROGRAMA: GESTÃO DE PROCESSOS PARTICIPANTE: “FULANO DE TAL” UNIDADE: ADMINISTRATIVA PERÍODO: MAR A ABR ITENS ASPECTOS AVALIADOS SIM NÃO 1 De um modo geral, houve melhoria nas atividades executadas? 2 O colaborador está mais motivado no desempenho de suas funções? 3 Implementou algum princípio do treinamento realizado na unidade administrativa? 4 Houve proatividade em relação a sugestões de melhoria nos proces-sos da área? 5 Houve maior comprometimento nas ações desenvolvidas pelo cola-borador? Quais as melhorias identificadas após a realização do evento (treinamento)? Quais treinamentos adicionais seriam necessários para melhorar o desempenho do colaborador? Visto do DDO Visto do superior imediato Prazo: Devolução: Fonte: Adaptado de Treff, 2016. Treinamento e desenvolvimento 95 Na avaliação de resultados, o importante é considerar que todo programa de T&D envolve custos diretos e indiretos (Figura 4). Nesse sentido, essa avaliação deve ter a intenção de medir, por meio de instrumentos confiáveis de monitoramento, os resultados do programa, confrontando o resultado esperado com o retorno do investimento, em termos de agregação de valor. Figura 4 – Exemplos de custos de T&D DIVERSOS Transportes Aluguéis/diárias Consultorias Alimentação Impostos/taxas MATERIAIS Didáticos Equipamentos Material de escritório PESSOAS Salários Ajuda de custo Gratificações Horas extras Apoio Fonte: Elaborada pelo autor. As organizações, ao investirem tempo e recursos em programas de treinamento, esperam obter resultados que possam ser percebidos por meio de indicadores de desempenho, tais como: a. redução de custos; b. aumento de vendas; c. redução de turn over; d. melhoria da qualidade; e. aumento de market share; f. melhoria da motivação interna. Apesar de grande parte dos teóricos de gestão de pessoas atribuírem significativa importância à etapa de avaliação de treinamento, na prática a realidade é outra, pois, segundo a pesquisa MOT/ABTD-2017 (INTEGRAÇÃO, 2018), em média, 79% das empresas aplicam avaliação de reação; 28% aplicam avaliação de aprendizagem; 12% aplicam avaliação de comportamento; e apenas 5% chegam a realizar avaliação de resultados. Turn over: rotatividade de pessoal Maket share: grau de participação de uma empresa no mercado em termos de venda de determinado produto. 96 Gestão de pessoas Portanto, embora tenha havido certa evolução nos percentuais de envolvimento da gestão nas avaliações de treinamento, percebemos que ainda há muito para evoluir a fim de aprimorar a implementação de ações de aprendizagem nas organizações. Considerações finais Nos últimos anos, a intensificação da competição entre grandes players5 aumentou a necessidade de as organizações aprenderem a se transformar para atuar em um novo mundo dos negócios. Para que possam aprender e evoluir, as empresas necessitam vincular suas ações ao aprendizado e ao consequente desenvolvimento das pessoas. Esse processo é possibilitado por programas de T&D estruturados com base em diagnósticos de necessidades a priori e/ou a posteriori, visando aumentar a capacidade das pessoas de agregar valor ao negócio e tornando-as mais competentes para realizarem as entregas esperadas. Essa estruturação, além de se basear em análises de necessidades alinhadas aos objetivos a serem atingidos, deve considerar orçamento, temas a serem desenvolvidos, estratégias de ensino desses conteúdos e, sobretudo, sistemas de avaliação de T&D que forneçam dados que permitam mensurar a efetividade das ações de desenvolvimento. Ampliando seus conhecimentos • EBOLI, M. Educação corporativa no Brasil: da prática à teoria. In: ENCONTRO ANPAD, 2004, Curitiba. Disponível em: http://www.anpad.org.br/admin/pdf/enanpad2004-grt-1816. pdf. Acesso em: 20 set. 2019. 5 Nesse contexto, refere-se a empresas com grande capacidade competitiva. Treinamento e desenvolvimento 97 Embora o tema educação corporativa seja considerado relativamente novo no Brasil, há várias reflexões e discussões acerca de sua importância para o mundo corporativo. Nesse artigo, a principal referência no tema no país faz algumas considerações que nos permitem refletir sobre a evolução e, sobretudo, a importância da educação corporativa como uma atividade que desenvolve competências individuais e organizacionais, alinhadas às estratégias de negóciosa partir das experiências de sucesso. • OROFINA, M. A. 7 filmes e séries na Netflix para utilizar em treinamentos de liderança. Mundo RH, 2018. Disponível em: https://www.mundorh.com.br/7-filmes-e-series-na-netflix- para-utilizar-em-treinamentos-de-lideranca/. Acesso em: 20 set. 2019. Segundo a autora desse artigo, a utilização de filmes e séries da Netflix em programas de treinamentos pode ser uma excelente alternativa para reforçar mensagens, seja sobre conteúdos ou valores da empresa, e tornar o processo de aprendizagem mais interessante e motivador. Atividades 1. Discorra sobre a importância do levantamento de necessidades a priori como importante ferramenta para subsidiar programas de treinamento e desenvolvimento, alinhados à estratégia de negócios das empresas. 2. Você é gestor de uma grande empresa e está preocupado em avaliar corretamente o seu pessoal, pois tem consciência das dificuldades desse processo. Considerando essa situação, cite as quatro dimensões da avaliação de treinamento e justifique a importância delas para o processo. 98 Gestão de pessoas 3. A avaliação de reação visa ao monitoramento da percepção/ opinião dos treinandos sobre os mais variados aspectos do programa: conteúdo, instrutor, didática, estratégias de ensino, aproveitamento, material utilizado, recursos utilizados, entre outros. Qual é a principal finalidade desse tipo de avaliação dos programas de treinamento e desenvolvimento? Referências BORGES-ANDRADE, J. E. Desenvolvimento de medidas em avaliação de treinamento. Estudos de Psicologia, v. 7, n. esp., p. 31-43, 2002. CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2008. DUTRA, J. S.; DUTRA, T. A.; DUTRA, G. A. Gestão de pessoas: realidade atual e desafios futuros. São Paulo: Grupo GEN/Atlas, 2017. EBOLI, M. O desenvolvimento das pessoas e a educação corporativa. In: FLEURY, M. T. L. et al. As pessoas na organização. São Paulo: Gente, 2002. HANASHIRO, D.; TEIXEIRA, M. L.; ZACCARELLI, L. M. (org.). Gestão do fator humano: uma visão baseada em stakeholders. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. INTEGRAÇÃO. O panorama do treinamento no Brasil: fatos, indicadores, tendências e análises, 12. ed. 2018. Disponível em: https:// www.integracao.com.br/pesquisa-panorama-do-treinamento-no- brasil-2017.pdf. Acesso em: 20 set. 2019. MARRAS, J. P. Administração de recursos humanos. São Paulo: Saraiva, 2011. MILKOVICH, G. T.; BOUDREAU, J. W. Administração de recursos humanos. São Paulo: Atlas, 2000. TREFF, M. Gestão de pessoas: olhar estratégico com foco em competências. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. 5 O futuro da gestão de pessoas O futuro da gestão de pessoas está intimamente ligado ao do trabalho, visto que as organizações gerenciam as pessoas nesse ambiente. Por isso, neste capítulo, discorreremos sobre os principais desafios da gestão de pessoas, considerando os cenários do mundo do trabalho e as tendências que implicarão significativas mudanças nas corporações, sobretudo nas formas de organização do trabalho – o que exigirá um repensar da cultura organizacional. Uma das principais mudanças que tendem a revolucionar a gestão de pessoas está relacionada à utilização de ferramentas de análise de dados, com algoritmos parametrizados para mapear, selecionar, avaliar e controlar pessoas, como a people analytics. 5.1 O novo mundo do trabalho e os desafios da gestão de pessoas Já é sabido que as transformações tecnológicas vêm exercendo significativa influência sobre os processos empresariais, tornando imperativas as mudanças nos modelos de negócio e impactando sobremaneira o trabalho e a vida das pessoas. Estudos de renomadas consultorias de gestão, como Accenture, Robert Half e Michael Page1, vêm revelando, por meio de análises de 1 Você pode saber mais em: ACCENTURE. Disponível em: https://www.accenture.com/_acnmedia/pdf-75/accenture- america-latina-competencias-para-o-trabalho.pdf. Acesso em: 1 out. 2019. ROBERT HALF. Disponível em: https://www.roberthalf.com.br/central-do-conhecimento/ gestao-e-lideranca/futuro-do-trabalho. Acesso em: 1 out. 2019. MICHAEL PAGE. Disponível em: https://www.michaelpage.com.br/central-de- conte%C3%BAdo/fw-o-trabalho-do-futuro. Acesso em: 1 out. 2019. Vídeo 100 Gestão de pessoas dados, quais são as novas tendências que transformarão o mundo do trabalho e exercerão significativo impacto sobre as organizações, que terão de buscar alternativas para se adaptar aos novos contextos. Apesar dos diferentes enfoques, essas pesquisas, grosso modo, valem-se de evidências para projetar o futuro do trabalho, com base na discussão de temas como: emprego e empregabilidade, avanços tecnológicos e automação, mudanças demográficas e diferentes gerações, carreiras e competências, entre outros. É importante ressaltar que todos esses temas, de uma forma ou de outra, impactarão as organizações e, sobretudo, a gestão de pessoas, que precisará considerar a relação existente entre a dimensão humana envolvida nos processos organizacionais e nos da área, tais como: atração, movimentação, desenvolvimento e valorização de talentos. Além disso, ainda considerando essas tendências a respeito do futuro do trabalho, podemos inferir que haverá um aumento da complexidade nas relações entre organizações e trabalhadores, em virtude das transformações das expectativas e necessidades de ambos e, sobretudo, do aumento das exigências, o qual, na visão de Dutra (2015, p. 384), “não será somente em termos de qualificação e/ou formação das pessoas, mas também da sua capacidade de resposta para as necessidades da organização e/ou do negócio”. Nesse sentido, um estudo elaborado em conjunto entre a PwC e EAESP-FGV (2014), também sobre o futuro do trabalho, analisou os principais impactos e desafios para gestores e organizações no Brasil. Nesse estudo, os pesquisadores ouviram 113 empresas de diferentes segmentos – sendo a maioria de grande porte, com faturamento superior a R$ 500 milhões – a respeito das principais tendências e dos respectivos impactos nas relações de trabalho, no perfil do trabalhador, no conteúdo do próprio trabalho e no negócio de uma forma geral. O futuro da gestão de pessoas 101 Os resultados revelaram, sumariamente, que o ambiente de negócios está passando por profundas transformações, as quais criam novas maneiras de realizar o trabalho, alteram o perfil exigido dos profissionais e também as relações entre colaboradores e organizações. Segundo os pesquisadores, “para compreender como o trabalho deverá evoluir e de que forma essa evolução afetará as organizações, [foi perguntado] aos participantes da pesquisa quais megatendências terão maior impacto nas transformações dos seus negócios nos próximos anos” (PWC/EAESP-FGV, 2014, p. 7). Assim, com base em um modelo de pesquisa (Figura 1), o qual considera cinco megatendências e tem o futuro do trabalho como questão central, os pesquisadores analisaram como esse conjunto de mudanças impacta e gera desafios de adaptação para organizações, trabalhadores e sociedade. Figura 1 – Modelo de pesquisa Megatendências Avanços tecnológicos Mudanças demográficas Escassez de recursos Urbanização Preocupação com qualidade de vida Contexto organizacional Resultados Indivíduo Organização Sociedade Características do trabalho Modelo de organização e gestão Perfil dos profissionais Desafios, barreiras e viabilizadores Fonte: Adaptada de PwC/EAESP-FGV, 2014, p. 4. 102 Gestão de pessoas Assim, é importante analisar cada uma das megatendências e seus principais impactos e desafios para a gestão de pessoas. A primeira megatendência, avanços tecnológicos, tem se apresentado como uma das mais impactantes e desafiadoras para profissionais e organizações, dada a velocidade das mudanças envolvidas. Claro que precisamos relativizar um pouco essa discussão, pois, quando falamos de futuro da tecnologia, surgem tendências das mais variadas, desde turismo espacial e carros autônomosaté o surgimento de androides humanizados substituindo trabalhadores. Avanços nas tecnologias de comunicação e informação – como fibras óticas, mídias sociais, redes colaborativas, comércio eletrônico, big data2 e dispositivos móveis – têm impactado significativamente as relações sociais e, consequentemente, as de trabalho, pois tem-se difundido um fenômeno chamado virtualização do fazer. Em outras palavras, isso significa realizar a distância o que até então era feito presencialmente, como tarefas e atividades via teletrabalho, compras por meio de e-commerce, encontros de amigos ou relacionamentos amorosos via mídias sociais, reuniões por videoconferência ou conference call. As vantagens dessas realizações virtuais são claras, pois, por meio delas, conseguimos agilizar processos organizacionais, compras, contatos etc. Contudo, estamos tornando nossas relações sociais mais líquidas3 e, consequentemente, as de trabalho menos duradouras. Além disso, os desafios para a gestão de pessoas são os mais diversos, pois obrigam os gestores da área a repensarem os modelos vigentes, tornando-os mais flexíveis e considerando modalidades 2 Big data: expressão em tecnologia da informação (TI) que trata de grandes conjuntos de dados que precisam ser processados e armazenados. 3 Alusão à expressão modernidade líquida, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. O futuro da gestão de pessoas 103 como home office, coworking4, jornada flexível, remuneração variável, além da introdução de ferramentas de people analytics (as quais estudaremos detalhadamente adiante) para atrair, selecionar e avaliar pessoas. A segunda megatendência, mudanças demográficas, tem ganhado maior notoriedade quanto à questão previdenciária, devido ao envelhecimento da população nos grandes centros urbanos, somado à queda na taxa de natalidade. No entanto, há uma grande preocupação com essa megatendência no mundo corporativo porque, segundo o estudo da PwC/EAESP-FGV (2014, p. 9), “embora a geração do milênio ou geração Y represente cerca de 40% da força de trabalho em 2040, mais da metade da força de trabalho deverá passar dos 45 anos”. Um dos principais desafios da gestão de pessoas será, cada vez mais, lidar com as diferentes expectativas e valores, relacionados ao trabalho, das várias gerações. Outro desafio diz respeito ao gerenciamento da sucessão de cargos, considerando que os mais jovens almejam alcançar posições que momentaneamente estão ocupadas por membros de gerações mais velhas que, muitas vezes, continuam imprescindíveis para as organizações, tornando as possibilidades de ascensão profissional estagnadas. Assim, as organizações ficam no impasse de manter os mais experientes (competentes) e imprescindíveis ou atrair e reter jovens talentos com potencial para ocupar posições consideradas críticas para o negócio. Além disso, outra mudança demográfica que desafia a gestão de pessoas está relacionada à crescente ocupação das mulheres no mundo dos negócios, visto que, além do aumento da participação da força de trabalho feminina, elas são maioria no ensino superior e, cada vez mais, ocupam espaços tradicionalmente dominados por homens. Cabe ressaltar ainda os desafios impostos à gestão de 4 Coworking: nova forma de pensar o ambiente de trabalho, onde diariamente várias pessoas, com diferentes perfis e objetivos, podem compartilhar o mesmo espaço. 104 Gestão de pessoas pessoas acerca de uma nova realidade que envolve as chamadas minorias sociais, como os negros, pardos e LGBTQIAP+5. Essa mudança, certamente, trará impactos na maneira como as organizações são administradas. A megatendência escassez de recursos, embora desafie a sociedade como um todo, sobretudo as autoridades, tem elevado a preocupação das organizações e dos profissionais, pois, de alguma forma, passou a impactar as relações de trabalho, seja no julgamento que as pessoas fazem das organizações (imagem), seja nas atitudes que elas demonstram ou assumem e que passaram a ser importantes para a sua empregabilidade. Outra megatendência que traz muitos desafios aos governantes, embora impacte significativamente a sociedade e, como consequência, os indivíduos, é a urbanização. Isso porque, com o surgimento das chamadas megacidades, questões como infraestrutura e saneamento básico, mobilidade urbana, moradia, qualidade de vida, acesso à educação, entre outras, tornaram-se megaproblemas para gestores públicos. Para as organizações, os impactos são os mais variados e vão desde falta de mão de obra qualificada, em virtude de problemas estruturais da educação no Brasil, até prejuízos com absenteísmo e rotatividade, causados por dificuldades de mobilidade no trajeto casa-empresa. Entre outros desafios, também estão treinamento e educação da força de trabalho; transporte e refeição subsidiados; horário flexível; opções de teletrabalho, home office e programas de qualidade de vida no trabalho. Esse último item, aliás, relaciona-se à quinta megatendência, preocupação com a qualidade de vida, a qual também apresenta inúmeros desafios. Com relação à megatendência sobre qualidade de vida, pesquisas têm revelado que as pessoas, incluindo das novas gerações, 5 Lésbicas, gays, bissexuais, trans, queers, intersexos, assexuados, poli/pan +. absenteísmo: ausente ou afastado. É entendido nas organizações como faltas e/ou atrasos. O futuro da gestão de pessoas 105 gradativamente vêm alcançando melhores índices de expectativa de vida ao longo dos tempos. Esses índices estão relacionados ao aumento da conscientização acerca da importância de ter uma vida mais saudável e longeva. Com isso, um número cada vez maior de pessoas tem buscado alternativas, como a prática de exercícios físicos e hábitos alimentares mais saudáveis, com redução do teor de gordura e açúcar, a fim de evitar graves doenças. Apesar de muitos indivíduos terem adquirido o hábito do fast food – aumentando a atenção com a obesidade, que cresceu acentuadamente nos últimos anos –, houve avanços significativos no que tange à preocupação das pessoas e das organizações com a melhoria da qualidade de vida. No entanto, ao mesmo tempo que a conscientização das pessoas com relação à qualidade de vida tem impactado positivamente as empresas – com redução de índices de absenteísmo e rotatividade e diminuição do número de afastamentos, somados a aumentos de produtividade –, há o desafio do aumento da sinistralidade dos planos de saúde, visto que, para se prevenir, as pessoas têm utilizado mais os benefícios concedidos pelas empresas. Por outro lado, com mais qualidade de vida, os profissionais tendem a permanecer mais tempo em atividade, surgindo assim outros desafios à gestão de carreira. Isso porque o profissional com cargo superior ocupa por mais tempo essa posição, diminuindo as chances de promoção e ascensão profissional daqueles que ocupam posições inferiores. Outra importante análise da pesquisa da PwC e EAESP- -FGV (2014) está relacionada aos componentes do contexto organizacional: características do trabalho, perfil do trabalhador e modelo de organização e gestão, pois o estreito vínculo entre as megatendências e as mudanças organizacionais tende a afetar as formas de organizar o trabalho, as competências para executá-lo e, sobretudo, a forma de geri-lo, foco central deste livro. 106 Gestão de pessoas Importante destacar que, sob a influência das novas tecnologias, o trabalho tende a ser mais fluido e complexo, em virtude das demandas cognitivas que requerem um conjunto de competências que permitam ao trabalhador desempenhar suas atividades/funções e atingir o nível desejado pelas organizações. Além disso, esse trabalho, que é cada vez mais autônomo e interligado, torna-se invisível ou imaterial e será tangível somente em situações específicas, como em uma planilha, um relatório e/ou uma apresentação. Do contrário, todo o esforço empregado para realizá-lo passará despercebido, pois onde e comofoi realizado não foi visto. Assim, a incerteza e a invisibilidade ampliarão a natureza abstrata do trabalho, o que engendrará novos papéis e relacionamentos. Com isso, o contexto de trabalho passa a exigir um maior nível de complexidade das competências, em detrimento de habilidades ou qualificações convencionais, operacionais e rotineiras. Ao exigir novas competências, o trabalho cognitivo demandará colaboradores com um perfil diferenciado para lidar com novas ferramentas, combinadas com novas tecnologias da informação e da comunicação, com sensibilidade para interpretar e responder as mensagens emocionais e adaptável às incertezas dos contextos organizacionais e de trabalho (HOWARD, 1995). Portanto, todas as mudanças relacionadas, de uma forma ou de outra, às megatendências, seus impactos e desafios implicarão necessariamente uma nova maneira de pensar e agir nas (e com as) organizações. Antigas convenções/modelos mentais referentes às formas de organização do trabalho, e sobretudo ao gerenciamento de pessoas, deverão passar por mudanças radicais, fundamentadas em reflexões acerca dos possíveis cenários que se apresentarão. Um dos principais alicerces para o alcance de um repensar dos padrões adotados deverá ser a cultura organizacional, por meio O futuro da gestão de pessoas 107 da qual as organizações poderão promover adaptações e ajustes alinhados aos valores corporativos, considerando experiências partilhadas. Estas, por sua vez, implicarão pressões sobre a forma de pensar os parâmetros para estabelecer a movimentação, o desenvolvimento e a valorização das pessoas na empresa (DUTRA, 2015). 5.2 Cultura organizacional Embora seja comum associar as discussões de cultura organizacional às definições da antropologia – que considera cultura um conjunto de valores, hábitos, crenças, ritos, rituais, histórias, entre outros –, é muito importante citar que trata- se de uma construção coletiva, formada por um sistema de significados compartilhados, que estabelece os limites e regula as relações, por meio de padrões institucionalizados e aceitos pela maioria. Daí a importância, nesta parte do capítulo, de relacionarmos cultura organizacional às megatendências e às consequentes mudanças do contexto corporativo, pois a aceitação e a adaptação das pessoas, dos gestores e das organizações aos desafios impostos dependerão, em grande medida, da revisão ou de repensar os padrões e limites estabelecidos. Isso porque as modificações que ocorrem na cultura organizacional tendem a ser lentas, pois é comum que haja, invariavelmente, uma tentativa de se perpetuar os sistemas de valores e crenças aceitos pela maioria dos membros de uma organização, onde se identifica o established6. 6 O termo inglês establishment refere-se à ordem ideológica, econômica e política que constitui uma organização e que, portanto, pode controlar, segundo suas próprias concepções. No texto, o termo established significa, portanto, o que está (ou foi) estabelecido. Vídeo 108 Gestão de pessoas Para reforçar conceitualmente a relação mencionada entre o contexto organizacional, utilizamos Dias (2013, p. 90), que entende que a cultura organizacional pode ser entendida de dois modos principais. Em primeiro lugar como instrumento de poder e em segundo lugar como um conjunto de representações imaginárias, que são construídas nas relações sociais cotidianas nas organizações e que se expressam em termos e valores, normas, significados e interpretações, visando um sentido de direção e unidade, tornando a organização fonte de identidade e de reconhecimento para seus membros. Na mesma linha, Schein (2010, p. 12) define cultura organizacional como um conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender a lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a maneira correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas. Ambos os autores, ao discutirem cultura organizacional, abordam questões como compartilhamento e transmissão de valores, integração e identidade, o que reforça a ideia de aceitação e unidade. Ainda para Schein (2010, p. 12, grifo nosso), podemos associar várias categorias ao conceito de cultura, tais como: • Regularidades comportamentais observadas quando pessoas estão interagindo – a linguagem que utilizam, os costumes e tradições que envolvem, e os rituais que empregam numa ampla variedade de situações. • Normas grupais – os padrões implícitos e valores que envolvem o trabalho em grupo. • Valores adotados – princípios e valores articulados, publicamente anunciados, que o grupo afirma estar tentando realizar, tais como “qualidade do produto” ou “liderança de preço”. O futuro da gestão de pessoas 109 • Filosofia formal – princípios ideológicos e políticos de amplo espectro que guiam as ações de um grupo em relação aos acionistas, empregados, clientes e outros investidores. • Regras do jogo – regras implícitas para se dar bem na organização, “os macetes” que um novo membro tem de aprender para se tornar um membro aceito, “o modo como fazemos as coisas por aqui”. • Clima – sentimentos que são transmitidos num grupo pela composição física e o modo pelo qual os membros da organização interagem uns com os outros, com os clientes ou com as pessoas de fora. • Competências consolidadas – competências especiais que os membros do grupo manifestam ao realizar certas tarefas, a capacidade de fazer certas habilidades passar de geração a geração sem necessariamente as pôr no papel. • Hábitos de pensamento, modelos mentais e/ou paradigmas linguísticos – estruturas cognitivas comungadas guiam a percepção, o pensamento e a linguagem usada pelos membros de um grupo e que são ensinadas aos novos membros nos primeiros processos de socialização. • Significados partilhados – compreensões emergentes que são criadas pelos membros do grupo à medida que eles interagem uns com os outros. • “Metáforas de raiz” ou símbolos de integração – ideias, sentimentos e imagens que os grupos desenvolvem para se caracterizarem, podem ou não ser apreciadas conscientemente, mas se materializam em prédios, layout de escritórios e outros artefatos materiais do grupo. Esse nível da cultura reflete as respostas emocionais e estéticas dos membros do grupo enquanto contrastadas com sua resposta cognitiva ou avaliativa. Importante notar aqui que essas categorias mantêm relação com (e/ou refletem) a cultura organizacional, pois, de uma forma ou de outra, comentam elementos que membros de grupos compartilham ou defendem, mas nenhum deles é “a cultura” de uma organização ou grupo. 110 Gestão de pessoas Ainda para Schein (2010), há três níveis para observação da cultura de uma organização, os quais possuem elementos diferentes e, consequentemente, níveis de influência diferenciados, conforme aponta a Figura 2 a seguir. Figura 2 – Níveis de cultura Aspectos visíveis (Frequentemente não decifráveis) Produtos visíveis, práticas, estrutura organizacional, processos Estratégias, políticas, filosofias, objetivos Crenças, percepções, pensamentos inconscientes e sentimentos aceitos como verdadeiros Valores compartilhados (Maior nível de conscientização) Pressupostos básicos fundamentais (Fundamentos invisíveis) Fonte: Schein, 2010, p. 24. O nível dos aspectos visíveis ou dos artefatos visíveis faz referência aos aspectos objetivos da cultura que podem ser facilmente percebidos, como o layout, os processos e a estrutura organizacionais, a linguagem, os rituais, os produtos, as máquinas e os equipamentos etc. No entanto, para Schein (2010, p. 24), “o mais importante sobre esse nível da cultura é que ele é fácil de ser observado, mas muito difícil de ser decifrado”, pois, ao mesmo tempo que pode ser percebido porque é tangível ou observável, pode trair o observador, visto queeste tende a interpretar o que vê com os “filtros” da sua percepção. Ela, por sua vez, é influenciada por experiências profissionais e de vida. Para o autor, o problema é que os símbolos são ambíguos e, para se decifrar o sentido de uma cultura, é necessário que o observador externo experiencie a cultura observada diante de seus valores e de suas certezas básicas fundamentais. O futuro da gestão de pessoas 111 O nível de valores compartilhados – também chamados de valores casados – relaciona-se com as regras e normas de ação estabelecidas, influenciadas pelos valores que orientam a tomada de decisões, o comportamento, as atitudes dos membros da organização. São as regras que formam a identidade do grupo, de acordo com o entendimento da sociologia sobre a cultura. Segundo Schein (2010, p. 27), se o gestor convencer o grupo a agir com base na crença dele e se a solução do gestor funcionar e se o grupo tiver uma percepção partilhada desse sucesso, então o valor percebido de uma proposta de solução gradualmente começa um processo de transformação cognitiva. São as regras ou normas a serem seguidas e consideradas suficientemente válidas para serem ensinadas a novos membros, a fim de se perpetuar a cultura vigente. Já o nível de pressupostos básicos – também chamados de certezas tácitas compartilhadas – é a implícita pressuposição que guia o comportamento no momento, esta que diz aos membros do grupo como perceber, pensar e sentir a forma de solucionar ou encarar problemas. Na visão de Schein (2010, p. 30), “quando uma solução a um problema funciona de modo repetitivo, ela passa a ser tida por certa e age como um paradigma de comportamento, inconsciente e dominante”. Na realidade, esses pressupostos tendem a assumir status de uma forma, de como tais elementos não são confrontáveis nem passíveis de mudança ou transformação naquele grupo – ou organização. Portanto, a cultura organizacional, e sobretudo a gestão da cultura, passa a assumir papel estratégico diante das mudanças do mundo do trabalho, das novas exigências para os colaboradores, porque pode conduzir a novas formas de organização do trabalho. Essa cultura considera os avanços tecnológicos e redesenha a área de gestão de pessoas, cujas atividades serão cada vez mais influenciadas pelas novas ferramentas de big data, conforme veremos a seguir. 112 Gestão de pessoas 5.3 People analytics O uso corporativo de grande quantidade de dados e informações não é recente, surgiu na década de 1950. No entanto, a sofisticação desse uso, por meio de ferramentas de big data ou analytics nas organizações, intensificou-se nos últimos cinco anos. Esse significativo aumento de bases de dados e informações disponíveis nas mídias sociais, sistemas colaborativos de massa, sites de busca, sensores em diversos produtos ou registros de tráfego de internet, entre outros, compõem o que se convencionou chamar de big data, em referência à grandiosidade de tudo o que está disponível. Vale ressaltar que questões como variedade, velocidade e veracidade também ganharam destaque especial nesse “universo” de dados. Nesse sentido, um dos maiores desafios está na análise desses dados e na compreensão de como eles podem melhorar a tomada de decisão. Além disso, deve-se verificar se as principais aplicações estão ligadas às áreas em que os dados captados internamente são insuficientes ou se podem ser completados pelas informações externas provenientes do big data (SILVEIRA; MARCOLIN; FREITAS, 2015). As vantagens dessa ferramenta podem ser aproveitadas também para analisar dados relacionados aos profissionais das organizações, fornecendo subsídios para o desenvolvimento de ações específicas à gestão de pessoas. A utilização de big data na gestão de pessoas passou a ser chamada de people analytics e consiste no processo de levantamento e análise de um grande volume de dados sobre as pessoas do quadro da empresa (ou não). O objetivo é realizar análises mais sofisticadas e oferecer projeções que possam subsidiar a tomada de decisão sobre os subsistemas de gestão de pessoas, sobretudo atração, retenção e desempenho. Vídeo O futuro da gestão de pessoas 113 Em outras palavras, o people analytics reúne um conjunto de ferramentas que pode auxiliar na coleta, no tratamento, na análise, na modelagem e na interpretação de dados sobre pessoas, sendo que pode potencializar a gestão delas, fornecendo aos gestores de RH informações mais precisas sobre o perfil do quadro de profissionais. Segundo Canais (2016, p. 7, grifo nosso), People Analytics resulta da obtenção de dados de fontes distintas, tais como pesquisas, registros e processos, que permitem criar uma imagem sobre a situação atual e prever situações futuras prováveis. Esse termo amplamente utilizado traduz-se simplesmente na compilação inicial de fatos objetivos e posteriormente na recolha de dados relacionados. Para a autora, o people analytics apresenta-se dividido em três níveis: 1. Descritivo: revela e descreve as relações entre dados e identifica padrões de comportamento nos dados atuais e históricos. Inclui, por exemplo, scorecards (mapas de indicadores), segmentação dos trabalhadores da organização, data mining7 para identificação de padrões básicos e relatórios periódicos. 2. Preditivo: utiliza um conjunto variado de técnicas (estatísticas e modelagem de dados), por meio de fatos atuais e históricos, para realizar previsões sobre o futuro. Trata- -se de probabilidades e impacto potencial na organização. Pode envolver, por exemplo, modelos para aumentar a probabilidade de seleção das melhores pessoas, para desenvolvê-las e promovê-las. 7 Data mining significa “mineração de dados” e tem como finalidade procurar e organizar dados, encontrando padrões que sejam relevantes. Na gestão de pessoas, do cruzamento de dados pode-se buscar detalhes acerca do comportamento dos profissionais, suas características, quais setores atuam, quais são os que mais se destacam, qual a idade, quanto ganham etc. 114 Gestão de pessoas 3. Prescritivo: as análises prescritivas vão além das previsões e descrevem as opções de decisão e otimização dos profissionais na organização. São usadas para analisar dados complexos a fim de prever resultados, proporcionar opções de decisão e mostrar diferentes impactos no negócio. Envolvem, por exemplo, modelos para conhecer os impactos na rentabilidade do negócio resultantes de diferentes investimentos feitos em formação (CANAIS, 2016). Apesar dos avanços, o nível descritivo ainda é o mais utilizado, dada a proximidade com outras ferramentas historicamente utilizadas em gestão de pessoas, como o data mining. Já o uso dos níveis preditivo e prescritivo, como envolvem maior complexidade e sofisticação da ferramenta, ainda se encontra em fase embrionária. Isso é o que afirma a pesquisa Práticas de people analytics nas organizações brasileiras8, cujos dados revelam que em apenas 17% das organizações a alta administração utiliza as informações de people analytics para tomar decisões estratégicas e projetar cenários (MALVA, 2019). Segundo dados da pesquisa, “para a grande maioria (58% das empresas respondentes), o People Analytics é pouco utilizado para a tomada de decisões ou é a base para decisões circunscritas apenas à área de RH” (MALVA, 2019, grifo nosso). A baixa utilização está relacionada a questões culturais, visto que, conforme apontam os dados, apenas 31% das empresas estão fazendo ou já realizaram mudanças na cultura organizacional para passar a usar a análise de dados nas decisões estratégicas, conforme mostra a Figura 3 a seguir. 8 Pesquisa conduzida pela PwC, em parceria com a FGV, em 2016, que analisou o grau de maturidade das empresas na utilização de indicadores, classificando-as em quatro estágios. O futuro da gestão de pessoas 115 Figura 3 – Utilização de people analytics nas organizações no Brasil AS FERRAMENTAS OS MAIS MONITORADOS Os meios usados pelas companhiaspara fazer people analytics Os indicadores que a maioria das empresas acompanha Planilhas eletrônicas 92% Rotatividade de pessoal 82% Clima organizacional 74% Horas extras 73% Acidentes de trabalho 72% Absenteísmo 71% ERP 38% Módulo do sistema integrado 24% Software específico de análise centralizada de dados 6% Outros 8% OS MENOS MONITORADOSCOLETA DE DADOS Os indicadores que poucas companhias observam sistematicamente Como as empresas reúnem números e informações estratégicas 15%4% 34% 47% • Não há coleta de dados para o sistema de people analytics • A maior parte dos dados é extraída manualmente de planilhas ou sistemas desintegrados • Parte dos dados vem automaticamente de sistemas integrados • A maior parte dos dados é extraída automaticamente de sistemas integrados 31% Quantidade per capita de funcionários atendidos por empregados do RH 34% Remuneração variável/remuneração 37% Custo + despesa operacional per capita 39% Faturamento per capita 41% Satisfação do cliente interno Fonte: Você RH, 2016. Embora a utilização de ferramentas de big data em gestão de pessoas configure-se como imperativa para o enfrentamento das megatendências relacionadas ao futuro do trabalho, percebemos que ainda há resistência da gestão tradicional de pessoas, visto que, segundo a pesquisa citada, os principais desafios para a evolução do people analytics nas organizações são o de correlacionar os indicadores com os objetivos do negócio e o pouco preparo das lideranças no uso desses dados, o que sugere maiores investimentos em capacitação e conscientização da gestão. 116 Gestão de pessoas Considerações finais As mudanças em curso somadas às mudanças projetadas relacionadas ao conteúdo do trabalho, ao perfil do trabalhador e às formas de organização e gestão ditarão quais serão as tendências para organizações e gestores atraírem, manterem e desenvolverem talentos. No entanto, será preponderante a mudança de RH, vinculado às tradicionais formas de gerenciar pessoas, que implicará a necessidade de repensar e reformular a cultura organizacional. Isso poderá ser feito por meio de processos de gestão de mudanças, com foco na implementação de novas tecnologias, na valorização da diversidade, nas novas formas de aprendizagem e no desenvolvimento de equipes adaptáveis, relacionais e colaborativas. Por fim, no futuro, será papel da gestão de pessoas reconhecer e liderar as mudanças significativas no ambiente corporativo, geradas pela transformação digital, que implicarão na automatização de rotinas e processos, gerarão ganhos de eficiência e produtividade e contribuirão para o estabelecimento de vantagem competitiva sustentável. Ampliando seus conhecimentos • O QUE É PEOPLE ANALYTICS e como usar na sua equipe. 2017. (2 min). Publicado pelo canal runrunittv. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3hYBB0puF3E. Acesso em: 27 set. 2019. Você sabe o que é people analytics e como usá-lo? Esse vídeo tira essas dúvidas e dá mais detalhes sobre essa ferramenta. O futuro da gestão de pessoas 117 Atividades 1. Considerando a megatendência mudanças demográficas, o que se configura como um dos principais desafios da gestão de pessoas? 2. Por que a cultura organizacional é importante para o enfrenta- mento dos desafios apresentados pelas megatendências do futuro do trabalho? 3. Quais as principais diferenças existentes entre big data e people analytics? Referências CANAIS, M. R. L. P. People analytics aplicado à retenção de talentos nas organizações. Universidade Nova de Lisboa, 2016. Dissertação (Mestre em Gestão de Informação) – NOVA Information Management School, Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação. DIAS, R. Cultura organizacional: construção, consolidação e mudanças. São Paulo: Atlas, 2013. DUTRA, J. Gestão de pessoas: modelo, processos, tendências e perspectivas. São Paulo: Atlas, 2015. HOWARD, A. The changing nature of work. San Francisco: Jossey-Bass, 1995. MALVA, R. People Analytics: um novo olhar. In: PwC Brasil. 2019. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/sala-de-imprensa/artigos/pwc- people-analytics-um-novo-olhar.html. Acesso em: 27 set. 2019. PWC/EAESP-FGV. O futuro do trabalho: impactos e desafios para as organizações no Brasil. 2014. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/ publicacoes/servicos/assets/consultoria-negocios/futuro-trabalho-14e.pdf. Acesso em: 27 set. 2019. 118 Gestão de pessoas SCHEIN, E. Cultura organizacional e liderança. São Paulo: Atlas, 2010. SILVEIRA, M.; MARCOLIN, C. B.; FREITAS, H. M. R. Uso corporativo do big data: uma revisão de literatura. Revista de Gestão e Projetos – GeP, v. 6, n. 3, set./dez. 2015. VOCÊ RH. People analytics: principais desafios. São Paulo: Abril, out./nov. 2016. Gabarito 1 Planejamento da gestão de pessoas 1. De acordo com a orientação, a organização deve decidir o caminho a ser percorrido no que tange à estimativa de pessoas necessárias, de acordo com os objetivos propostos: expansão; ajustamento; mudança ou enxugamento. 2. Como primeira etapa do processo de seleção, a entrevista de triagem concentra-se em coletar informações mais superficiais a respeito do candidato, como interesses e expectativas, e pode ser realizada por profissionais de RH. Já a entrevista final deve ser executada pelo gestor da área solicitante e tem como principal objetivo coletar informações mais aprofundadas que sejam importantes para o bom desempenho do futuro contratado na área. 3. Com critérios equânimes entre os candidatos que, em geral, têm o mesmo perfil, a entrevista estruturada dá ao entrevistador a oportunidade de melhor discernir as diferenças entre os candidatos, utilizando-se de um roteiro que não permite que as informações negativas recebam um peso indevidamente alto. 2 Gestão da carreira 1. O equilíbrio interno é obtido pela correta avaliação dos cargos, de forma a estabelecer o valor relativo de cada cargo dentro da empresa e manter uma hierarquia, a fim de se evitar a insatisfação com a remuneração proveniente da 120 Gestão de pessoas diferença de salários entre cargos e pessoas, quando não é percebida a maior complexidade ou responsabilidade, além do conhecimento da capacidade e da produtividade. Já o equilíbrio externo é obtido com a adequação salarial da organização, por meio da comparação com cargos similares em outras organizações, de mesmo porte, do mesmo segmento, na mesma região. Quando esse equilíbrio não é mantido, a empresa pode ter dificuldades em reter seus talentos profissionais, além de ter problemas para atrair novos talentos. 2. Trata-se da busca pelo autoconhecimento, para que seja possível a um indivíduo alcançar a satisfação dos objetivos de carreira e vida profissional. Fatores como salário, tempo livre e família podem ter relação com a percepção de sucesso na carreira. Em geral, pessoas que se percebem bem-sucedidas têm melhor desempenho, maior satisfação com o trabalho e/ ou comprometimento organizacional. 3. A carreira proteana, caracterizada pela frequente mudança e baseada em reinvenção própria, autonomia e autodireção, substitui a carreira tradicional, caracterizada por promessas de empregos de longa duração. 3 Avaliação de desempenho profissional 1. A definição do foco/tipo da avaliação (aferição de potencial, análise comportamental, desenvolvimento profissional e realização de metas e resultados) é muito importante para o sucesso do processo como um todo, pois permite definir os instrumentos adequados a serem utilizados para se atingir os objetivos propostos. Gabarito 121 2. Os modelos tradicionais de avaliação de desempenho, invariavelmente, são centralizados na área de RH, e os instrumentos utilizados focam na avaliação unilateral – apenas o superior avalia o subordinado/avaliado – a qual, historicamente, tende a promover distorções. Já os modelos participativos permitem a ampliação do escopo da avaliação epossibilitam melhorar a confiabilidade do resultado, diminuindo a influência das distorções, pois sugerem o envolvimento de outras instâncias da organização, além da área de gestão de pessoas, na definição dos critérios e na elaboração dos instrumentos. 3. Porque o diálogo do desenvolvimento, geralmente, foca nos desafios e nas oportunidades para o avaliado no futuro, chamado por Dutra (2017) de feedforward. 4 Treinamento e desenvolvimento 1. Indicadores a priori são eventos que apresentam necessidades futuras de treinamento, permitindo à organização se antecipar em termos de desenvolvimento de competências para potenciais demandas, como a modernização de equipamentos, a expansão da empresa e consequente criação de cargos, bem como a mudança nos métodos e processos de trabalho. 2. As etapas da avaliação de treinamento são: reação, importante para melhorar os próximos programas; aprendizagem, que serve para mensurar a validade do conteúdo; comportamento, importante para melhorar o ambiente de trabalho; resultado, útil para mensurar o retorno do investimento. 122 Gestão de pessoas 3. Uma das principais finalidades da avaliação de reação é a melhoria/aperfeiçoamento dos próximos programas, com base em apontamentos positivos e/ou negativos. 5 O futuro da gestão de pessoas 1. Um dos principais desafios da gestão de pessoas será, cada vez mais, lidar com os diferentes valores e expectativas, relacionados ao trabalho das diferentes gerações. 2. Porque a aceitação e a consequente adaptação das pessoas, dos gestores e das organizações aos desafios impostos dependerão, em grande medida, da revisão ou do repensar de padrões e limites estabelecidos. 3. A utilização de big data na gestão de pessoas passou a ser chamada de people analytics e consiste no processo de levantamento e análise de um grande volume de dados sobre as pessoas do quadro da empresa (ou não). O objetivo é realizar análises mais sofisticadas e oferecer projeções que possam subsidiar a tomada de decisão sobre os subsistemas de gestão de pessoas, sobretudo atração, retenção e desempenho. Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6530-1 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 3 0 1 Código Logístico 58875 G E ST Ã O D E PE SSO A S M A R C E LO T R E FF Página em branco Página em branco