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Caderno de Jurisprudência
2021/2022
ECA
Legenda:
Importante
Válida
Pouca relevância
Superada/Cancelada
Fonte: Dizer o Direito
Sumário
SÚMULAS	3
JURISPRUDÊNCIA EM TESES	9
Edição nº 27: guarda e adoção	9
Edição nº 54: medidas socioeducativas	11
Edição nº 178: orientações jurisprudenciais sobre a Covid-19 I	13
Edição nº 181: orientações jurisprudenciais sobre a Covid-19 IV	15
INFORMATIVOS	19
Aspectos cíveis da proteção à criança e ao adolescente	19
Adoção	54
Medidas protetivas e medidas socioeducativas	88
Cumprimento das medidas socioeducativas	111
Apuração de ato infracional	115
Das infrações administrativas	120
Aspectos processuais	126
Caderno de jurisprudência
(2021/2022)
SÚMULAS
Súmula 605-STJ: A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos.
Ato infracional
Quando uma criança ou adolescente pratica um fato previsto em lei como crime ou contravenção penal, esta conduta é chamada de “ato infracional”.
Assim, juridicamente, não se deve dizer que a criança ou adolescente cometeu um crime ou contravenção penal, mas sim ato infracional.
O que é criança e adolescente, para os fins legais?
· Criança: é a pessoa que tem até 12 anos de idade incompletos.
· Adolescente: é a pessoa que tem entre 12 e 18 anos de idade.
Quando uma criança ou adolescente pratica um ato infracional, não receberá uma pena (sanção penal), considerando que não pratica crime nem contravenção. O que acontece então?
· Criança: receberá uma medida protetiva (art. 101 do ECA).
· Adolescente: receberá uma medida socioeducativa (art. 112 do ECA) e/ou medida protetiva (art. 101).
Quais são as medidas socioeducativas?
O rol de medidas socioeducativas está previsto no art. 112 do ECA.
Assim, quando um adolescente pratica um ato infracional ele poderá receber as seguintes medidas:
· Advertência;
· Obrigação de reparar o dano;
· Prestação de serviços à comunidade;
· Liberdade assistida;
· Inserção em regime de semiliberdade;
· Internação em estabelecimento educacional;
· Qualquer uma das medidas protetivas previstas no art. 101, I a VI do ECA (exs: orientação, matrícula obrigatória em escola, inclusão em programa comunitário, entre outras).
Procedimento aplicável no caso de apuração de ato infracional
A apuração de ato infracional praticado por criança ou adolescente é regulada por alguns dispositivos do ECA. No entanto, como o Estatuto não tratou de forma detalhada sobre o tema, o art. 152 determina que sejam aplicadas subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente.
No caso de apuração de ato infracional, aplica-se subsidiariamente o CPP ou o CPC?
Depende. Aplica-se:
· O CPP para o processo de conhecimento (representação, produção de provas, memoriais, sentença);
· O CPC para as regras do sistema recursal (art. 198 do ECA).
Resumindo:
· 1ª opção: normas do ECA.
· Na falta de normas específicas:
· CPP: para regular o processo de conhecimento.
· CPC: para regular o sistema recursal.
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
João, com 17 anos e 11 meses de idade, praticou ato infracional equiparado a roubo.
O Promotor de Justiça ofereceu representação ao Juiz, propondo a instauração de procedimento para aplicação da medida socioeducativa (art. 182 do ECA).
A “representação” de que trata o ECA é como se fosse a “denúncia” do processo penal.
O Juiz entendeu que não era o caso de rejeição da representação e, assim, designou audiência de apresentação do adolescente.
Na audiência de apresentação, o Juiz ouviu o adolescente e seus pais.
Em seguida, o magistrado, por entender que não era o caso de conceder remissão judicial, determinou o prosseguimento do processo com a realização de instrução.
Depois da instrução foi realizado o debate entre Ministério Público e defesa.
Chegou o momento de o Juiz proferir a sentença. Ocorre que o magistrado verificou que, em virtude da demora na tramitação do processo, João já está atualmente com 19 anos.
Diante disso, surgiu a dúvida: é possível que João continue sendo julgado pelo juízo da Vara de Infância e Adolescência mesmo já tendo atingido a maioridade penal (18 anos)? É possível que o magistrado aplique alguma medida socioeducativa em relação a João mesmo ele já sendo adulto (maior de 18 anos)?
SIM. A medida socioeducativa pode ser aplicada ao indivíduo maior de 18 anos, desde que o ato infracional tenha sido praticado antes, ou seja, quando ele ainda era adolescente.
A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa. Em palavras mais simples: o fato de o adolescente ter completado 18 anos durante o curso do processo onde se apura o ato infracional não interfere na sentença. O juiz poderá aplicar normalmente a medida socioeducativa.
Outra situação: Pedro, com 17 anos de idade, recebeu medida socioeducativa de internação pela prática de ato infracional. Ele está cumprindo medida em uma unidade de internação de adolescentes infratores. Ocorre que Pedro completou 18 anos. Ele pode continuar cumprindo a internação?
SIM. A superveniência da maioridade penal não interfere na aplicabilidade de medida socioeducativa. Em palavras mais simples: o fato de o adolescente ter completado 18 anos durante o cumprimento da medida socioeducativa não faz com que essa execução tenha que ser encerrada. Ela continuará normalmente até o Juiz entenda que a medida já cumpriu a sua finalidade ou até que o indivíduo complete 21 anos.
Se o interno completar 21 anos, deverá ser obrigatoriamente liberado, encerrando o regime de internação.
Mas o ECA pode ser aplicado para maiores de 18 anos? Existe possibilidade legal para isso?
SIM. Essa autorização encontra-se prevista no art. 2º, parágrafo único e no art. 121, § 5º do ECA:
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
Desse modo, um exemplo desse parágrafo único do art. 2º do ECA é justamente a possibilidade de aplicação e cumprimento de medida socioeducativa para pessoas entre 18 e 21 anos, desde que o fato tenha sido praticado antes de atingida da maioridade penal, ou seja, antes dos 18 anos.
Idade na data do fato
O que interessa para saber se a pessoa deve responder por ato infracional é considerar a sua idade na data do fato, e não na data do julgamento ou do cumprimento da medida (respeitada a idade máxima de 21 anos). Veja o que diz o ECA:
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.
Assim, se na data do fato, o adolescente tinha menos de 18 anos, nada impede que permaneça no cumprimento de medida socioeducativa imposta, ainda que implementada a sua maioridade penal.
Internação até 21 anos
Vale ressaltar o art. 121 do ECA, que trata sobre a internação, prevê expressamente a possibilidade de o indivíduo permanecer cumprindo a medida até 21 anos. Confira:
Art. 121 (...)
§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.
O art. 121, § 5º dispõe sobre a internação. Essa possibilidade de o indivíduo cumprir medida mesmo até os 21 anos vale para a medida de semiliberdade?
SIM. Existe previsão expressa afirmando que as regras da internação, incluindo o art. 121, § 5º, podem ser aplicadas, no que couber, à medida de semiliberdade:
Art. 120. O regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.
(...)
§ 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.
O ECA, ao tratar sobrea liberdade assistida, não traz um dispositivo como esse do art. 120, § 2º acima transcrito. Em razão disso, vários doutrinadores sustentaram que, para a liberdade assistida, o cumprimento deveria ficar restrito até os 18 anos por ausência de previsão legal. Essa tese prevaleceu?
NÃO. A jurisprudência entendeu que, mesmo sem regra expressa, deve ser permitido o cumprimento da liberdade assistida até os 21 anos, assim como ocorre com a internação e a semiliberdade.
Não há qualquer fundamento jurídico ou lógico que autorize uma diferença de tratamento. Isso porque a internação e a semiliberdade são medidas mais gravosas que a liberdade assistida. Desse modo, seria ilógico considerar que é possível a incidência das medidas mais gravosas e, ao mesmo tempo, proibida a aplicação das mais brandas.
Assim, o STJ possui o entendimento pacífico de que o art. 121, § 5º do ECA admite a possibilidade da extensão do cumprimento da medida socioeducativa até os 21 anos de idade, abarcando qualquer que seja a medida imposta ao adolescente.
Posição do STF
O STF possui o mesmo entendimento manifestado na Súmula 605 do STJ. Confira:
O disposto no § 5º do art. 121 da Lei 8.069/1990, além de não revogado pelo art. 5º do Código Civil, é aplicável à medida socioeducativa de semiliberdade, conforme determinação expressa do art. 120, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Em consequência, se o paciente, à época do fato, ainda não tinha alcançado a maioridade penal, nada impede que ele seja submetido à semiliberdade, ainda que, atualmente, tenha mais de dezoito anos, uma vez que a liberação compulsória só ocorre aos vinte e um.
STF. 2ª Turma. HC 94939, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 14/10/2008.
Apenas a título de informação complementar:
Medidas socioeducativas em meio aberto:
· Prestação de serviços à comunidade;
· Liberdade assistida.
Prestação de serviços à comunidade (art. 117 do ECA)
A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.
As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho.
Liberdade assistida (art. 118 do ECA)
“Baseada no instituto norte-americano do probation system, consiste em submeter o adolescente, após sua entrega aos pais ou responsável, a uma vigilância e acompanhamentos discretos, a distância, com o fim de impedir a reincidência e obter a ressocialização.
Na prática, consiste na obrigação de o adolescente infrator e seus responsáveis legais comparecerem periodicamente a um posto predeterminado e, ali, entrevistarem-se com os técnicos para informar suas atividades.” (Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo e Thales Cezar de Oliveira).
Medidas socioeducativas que implicam privação de liberdade:
· Semiliberdade;
· Internação.
Semiliberdade (art. 120 do ECA)
Pelo regime da semiliberdade, o adolescente realiza atividades externas durante o dia, sob supervisão de equipe multidisciplinar, e fica recolhido à noite.
O regime de semiliberdade pode ser determinado como medida inicial imposta pelo juiz ao adolescente infrator, ou como forma de transição para o meio aberto (uma espécie de “progressão”).
Internação (art. 121 do ECA)
Por esse regime, o adolescente fica recolhido na unidade de internação.
A internação constitui medida privativa da liberdade e se sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Pode ser permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.
A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.
Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
Se o interno completar 21 anos, deverá ser obrigatoriamente liberado, encerrando o regime de internação.
Súmula 594-STJ: O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente independentemente do exercício do poder familiar dos pais, ou do fato de o menor se encontrar nas situações de risco descritas no art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou de quaisquer outros questionamentos acerca da existência ou eficiência da Defensoria Pública na comarca.
	O Ministério Público pode ajuizar ação de alimentos em favor de criança ou adolescente?
SIM. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente. Nesse caso, o MP atua como substituto processual, ou seja, ele irá propor a ação em nome próprio defendendo direito alheio (da criança/adolescente).
Vale ressaltar que o Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar a ação de alimentos ainda que em proveito de uma única criança.
Ficará assim na petição inicial:
“MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO XX, por intermédio do Promotor de Justiça que ao final subscreve, vem ajuizar a presente AÇÃO DE ALIMENTOS em favor da criança XXX, contra FULANO DE TAL (...)”
Quais são os fundamentos para que se reconheça a legitimidade ativa do MP na ação de alimentos em favor das crianças e adolescentes?
Fundamentos constitucionais
· O direito das crianças e adolescentes aos alimentos pode ser classificado como sendo um interesse individual indisponível, o que se insere nas atribuições do MP, conforme previsto no art. 127 da CF/88.
· É dever não apenas da família, como também da sociedade e do Estado, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, entre outros (art. 227).
Fundamento legal
· Compete ao Ministério Público promover e acompanhar as ações de alimentos em favor de crianças e adolescentes (art. 201, III, do ECA).
O Ministério Público pode ajuizar ação de alimentos em favor de criança ou adolescente mesmo que na localidade exista Defensoria Pública instalada e funcionando?
SIM. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente independentemente de existir ou não Defensoria Pública no local. Isso porque as atuações dos órgãos não se confundem, não sendo idênticas.
· Ação de alimentos proposta pelo MP
· Na ação de alimentos, o MP atua como substituto processual, pleiteando, em nome próprio, o direito do infante aos alimentos.
· Para isso, em tese, o Parquet não precisa que a mãe ou o responsável pela criança ou adolescente procure o órgão em busca de assistência. O MP pode atuar de ofício. Aliás, na maioria das vezes o MP atua quando há a omissão dos pais ou responsáveis na satisfação dos direitos mínimos da criança e do adolescente, notadamente o direito à alimentação.
· Ação de alimentos proposta pela Defensoria
· Na ação de alimentos, a Defensoria Pública atua como representante processual, pleiteando, em nome da criança ou do adolescente, o seu direito aos alimentos.
· Para tanto, a Defensoria só pode ajuizar a ação de alimentos se for provocada pelos responsáveis pela criança ou adolescente.
Existia uma posição sustentando que o MP somente poderia ajuizar ação de alimentos se a mãe da criança ou do adolescente não estivesse exercendo o poder familiar, uma vez que, em caso contrário, ela deveria tomar essa providência. Essa posição prevaleceu?
NÃO. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente, independentemente do exercício do poder familiar dos pais. Em suma, a mãe e o pai podem estar no pleno exercício do poder familiar e mesmo assim a ação ser proposta pelo Parquet.
Existia uma posição sustentando que o MP somentepoderia ajuizar ação de alimentos se ficasse caracterizado que a criança ou o adolescente estivesse em situação de risco (art. 98 do ECA). Essa posição prevaleceu?
NÃO. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente mesmo que a criança ou adolescente não se encontre nas situações de risco descritas no art. 98 do ECA.
Vigora em nosso ordenamento a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente. Como decorrência lógica dessa doutrina, o ECA adota, em seu art. 100, parágrafo único, VI, o princípio da intervenção precoce, segundo o qual a atuação do Estado na proteção do infante deve ocorrer antes que o infante caia no que o antigo Código de Menores chamava de situação irregular, como nas hipóteses de maus-tratos, violação extrema de direitos por parte dos pais e demais familiares.
Súmula 265-STJ: É necessária a oitiva do menor infrator antes de decretar-se a regressão da medida socioeducativa.
A expedição de mandado de busca e apreensão para localizar adolescente que descumpriu medida socioeducativa de liberdade assistida não configura constrangimento ilegal, nem mesmo contraria o enunciado da Súmula n. 265 do STJ (HC 381.127/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 14/03/2017).
Súmula 383-STJ: A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda.
Súmula 108-STJ: A aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz.
Súmula 342-STJ: No procedimento para aplicação de medida socioeducativa, é nula a desistência de outras provas em face da confissão do adolescente.
Súmula 492-STJ: O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente.
O adolescente que pratica tráfico de drogas pode até receber a medida de internação. No entanto, para que isso ocorra, o juiz deverá vislumbrar, no caso concreto, e fundamentar sua decisão em alguma das hipóteses do art. 122 do ECA.
O magistrado não poderá utilizar, como único argumento, o fato de que esse ato infracional é muito grave e possui natureza hedionda.
Súmula 338-STJ: A prescrição penal é aplicável nas medidas socioeducativas.
BLOCO 2
JURISPRUDÊNCIA EM TESES
Edição nº 27: guarda e adoção
1) A observância do cadastro de adotantes não é absoluta, podendo ser excepcionada em prol do princípio do melhor interesse da criança.
2) A jurisprudência tem excepcionado o entendimento de que o habeas corpus não seria adequado para discutir questões relativas à guarda e adoção de crianças e adolescentes.
3) O acolhimento institucional ou familiar temporário não representa o melhor interesse da criança mesmo nos casos de adoção irregular ou "à brasileira", salvo quando há evidente risco à integridade física ou psíquica do menor.
4) É possível a adoção póstuma quando comprovada a anterior manifestação inequívoca do adotante.
5) A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda. (Súmula n. 383/STJ)
6) Eventuais irregularidades na adoção podem ser superadas em virtude da situação de fato consolidada no tempo, desde que favoráveis ao adotando.
7) O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado sem qualquer restrição, fundamentado no direito essencial à busca pela identidade biológica.
8) Nas disputas de custódia de crianças e adolescentes devem ser evitadas sucessivas e abruptas alterações de guarda e residência, ressalvados os casos de evidente risco.
9) Compete à Justiça Federal o julgamento dos pedidos de busca e apreensão ou de guarda de menores quando fundamentados na Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.
10) Nos casos em que o Ministério Público promove a ação de destituição do poder familiar ou de acolhimento institucional não é obrigatória a nomeação da Defensoria Pública como curadora especial.
11) A falta da citação do pai biológico no processo de adoção não obsta a homologação da sentença estrangeira, nos casos em que se verifica o abandono ou desinteresse do genitor.
12) É possível o deferimento da guarda de criança ou adolescente aos avós, para atender situações peculiares, visando preservar o melhor interesse da criança.
13) Não é possível conferir-se a guarda de criança ou adolescente aos avós para fins exclusivamente financeiros ou previdenciários.
14) Não há óbice à adoção feita por casal homoafetivo desde que a medida represente reais vantagens ao adotando.
Edição nº 54: medidas socioeducativas
1) O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente. (Súmula n. 492/STJ)
2) A existência de relatório técnico favorável à progressão ou extinção de medida socioeducativa não vincula o juiz.
3) É possível a incidência do princípio da insignificância nos procedimentos que apuram a prática de ato infracional.
4) A medida socioeducativa de internação está autorizada nas hipóteses taxativamente previstas no art. 122 do ECA, sendo vedado ao julgador dar qualquer interpretação extensiva do dispositivo.
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
5) A aplicação da medida de semiliberdade, a despeito do disposto no art. 120, § 2º, do ECA, não se vincula à taxatividade estabelecida no art. 122 do mesmo estatuto.
6) A internação provisória prevista no art. 108 do ECA não pode exceder o prazo máximo e improrrogável de 45 dias, não havendo que se falar na incidência da Súmula n. 52 do STJ.
Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias.
7) A internação-sanção, imposta em razão de descumprimento injustificado de medida socioeducativa, não pode exceder o prazo de 3 (três) meses.
8) A atenuante da confissão espontânea não tem aplicabilidade em sede de procedimento relativo à apuração de ato infracional.
9) A prescrição penal é aplicável nas medidas socioeducativas. (Súmula n. 338/STJ)
10) A superveniência da maioridade penal ou civil não afasta a possibilidade de aplicação de medida socioeducativa, devendo-se levar em consideração a idade do menor ao tempo do fato.
11) A maioridade penal não implica a liberação compulsória do menor infrator, fato que somente se dá aos 21 anos nos termos do art. 121, §5°, do ECA.
Art. 121 (...) § 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.
12) O cumprimento de medida socioeducativa de internação em estabelecimento prisional viola o art. 123 do ECA, ainda que em local separado dos maiores de idade condenados.
Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.
13) A gravidade do ato infracional equiparado ao crime de ameaça (art. 147 do CP) não se subsume à grave ameaça exigida para a aplicação da medida de internação (art. 122, I, do ECA).
14) O prazo para interpor agravo contra decisão denegatória de recurso especial em matéria penal é de cinco dias (art. 28 da Lei n. 8.038/90), aplicando-se às hipóteses de apuração de ato infracional.
15) É necessária a oitiva do menor infrator antes de decretar-se a regressão da medida socioeducativa. (Súmula n. 265/STJ)
16) O Estatuto da Criança e do Adolescente não estipulou um número mínimo de atos infracionais graves para justificar a internação com base na reiteração (art. 122, II, do ECA), não havendo que se falar, portanto, no númeromínimo de três atos infracionais.
17) Os atos infracionais compreendidos na remissão não servem para caracterizar a reiteração nos moldes do art. 122, II, do ECA.
18) A reiteração capaz de ensejar a incidência da medida socioeducativa de internação (art. 122, II, do ECA) só ocorre quando praticados, no mínimo, dois atos infracionais graves anteriores.
Superada.
O ECA não estipulou um número mínimo de atos infracionais graves para justificar a internação do menor infrator com fulcro no art. 122, II, do ECA (reiteração no cometimento de outras infrações graves).
Logo, cabe ao magistrado analisar as peculiaridades de cada caso e as condições específicas do adolescente a fim de aplicar ou não a internação.
A depender das particularidades e circunstâncias do caso concreto, pode ser aplicada, com fundamento no art. 122, II, do ECA, medida de internação ao adolescente infrator que antes tenha cometido apenas uma outra infração grave.
Está superado o entendimento de que a internação com base nesse dispositivo somente seria permitida com a prática de no mínimo 3 infrações.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 527.658/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 05/03/2020.
Edição nº 178: orientações jurisprudenciais sobre a Covid-19 I
3) O risco de contaminação pelo coronavírus (covid-19) em casa de acolhimento (abrigo) pode justificar a manutenção da criança com a família substituta.
Imagine a seguinte situação hipotética:
Larissa é filha biológica de Francisca.
Ocorre que Larissa, quando tinha 6 meses de idade, foi abandonada por sua genitora e passou a morar na casa de Paulo e Regina, que cuidam da criança como se ela fosse sua filha.
Depois de 1 ano morando com Paulo e Regina, o juiz, a requerimento do Ministério Público, proferiu decisão liminar em busca e apreensão determinando que Larissa saísse do lar do casal e ficasse em uma casa de acolhimento (“abrigo”), o que é chamado pela lei de “acolhimento institucional”.
Segundo argumentou o magistrado, Paulo e Regina deveriam realizar o procedimento normal de adoção e a permanência de Larissa na residência do casal seria uma forma de burla ao cadastro de adoção (também chamado de cadastro de adotantes).
Vale ressaltar que a decisão proferida pelo juiz ocorreu no auge do isolamento social decorrente da pandemia da Covid-19.
O que é o cadastro de adoção (art. 50 do ECA)?
O juizado da infância e adolescência de cada comarca deverá manter um banco de dados contendo as crianças e adolescentes que estão em condições de serem adotadas e as pessoas que estão interessadas em adotar. Isso está previsto no art. 50 do ECA:
Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção.
“O referido Cadastro de adotantes visa à observância do interesse do menor, concedendo vantagens ao procedimento legal da adoção e avaliando previamente os pretensos adotantes por uma comissão técnica multidisciplinar, o que minimiza consideravelmente a possibilidade de eventual tráfico de crianças ou mesmo a adoção por intermédio de influências escusas, bem como propicia a igualdade de condições àqueles que pretendem adotar.” (REsp 1.347.228-SC, julgado em 6/11/2012)
Justamente por isso, em regra, toda e qualquer adoção deverá observar rigorosamente a ordem de preferência do cadastro de adotantes. Vale transcrever o art. 197-E do ECA:
Art. 197-E. Deferida a habilitação, o postulante será inscrito nos cadastros referidos no art. 50 desta Lei, sendo a sua convocação para a adoção feita de acordo com ordem cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade de crianças ou adolescentes adotáveis.
Diante desse cenário, Paulo e Regina ajuizaram ação pedindo o retorno de Larissa para seu convívio enquanto se aguarda o processo de adoção que eles estão movendo. Argumentaram o risco irreparável de a criança ser infectada por Covid-19 na casa de acolhimento, especialmente em virtude de problemas respiratórios que possui desde seu nascimento.
O pedido do casal foi aceito pelo STJ?
SIM.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) adota a chamada doutrina da proteção integral (art. 1º da Lei nº 8.069/90), segundo a qual deve-se observar o melhor interesse da criança:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
No caso, não há nenhum perigo na permanência da criança com o casal, que busca regularizar a guarda provisória.
Vale ressaltar que, mesmo a criança ficando na residência do casal, será possível, em paralelo, apurar se existe eventual interesse da família natural extensa da menor de acolhê-la ou se o melhor caminho seria colocá-la em outra família adotiva.
Assim, o fato de a criança permanecer na casa do casal não atrapalha a apuração realizada sobre a eventual adoção.
Segundo o entendimento do STJ, salvo evidente risco à integridade física ou psíquica do infante, não é de seu melhor interesse o acolhimento institucional ou o acolhimento familiar temporário. Nesse sentido:
(...) 2. O Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, ao preconizar a doutrina da proteção integral (art. 1º da Lei nº 8.069/1990), torna imperativa a observância do melhor interesse da criança.
3. A menor, atualmente com 6 (seis) meses de vida, foi deixada pela genitora sob os cuidados do pai registral e da esposa dele a partir do seu nascimento, de quem, desde então, ela vem recebendo os cuidados materiais indispensáveis às suas necessidades básicas, conforme avaliação realizada pelo serviço social judiciário.
4. Ressalvado o evidente risco à integridade física ou psíquica do infante, o que não é a hipótese dos autos, é inválida a determinação de acolhimento da criança que não se inclui em nenhuma das hipóteses do art. 98 do ECA, ainda que pairem dúvidas acerca da veracidade da paternidade declarada no seu registro de nascimento. (...)
STJ. 3ª Turma. HC 503.125/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/5/2019.
Portanto, a criança deve ser protegida de abruptas alterações, sendo certo que no presente momento é preferível mantê-la em uma família que a deseja como membro do que em um abrigo, diante da pandemia da Covid-19 que acomete o mundo.
Importante destacar, ainda, que o cadastro de adotantes não tem caráter absoluto devendo ser ponderado com o princípio do melhor interesse da criança, fundamento de todo o sistema de proteção ao menor. Veja:
A observância do cadastro de adotantes, ou seja, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança, não é absoluta. A regra comporta exceções determinadas pelo princípio do melhor interesse da criança, base de todo o sistema de proteção. Tal hipótese configura-se, por exemplo, quando já formado forte vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que no decorrer do processo judicial.
STJ. 3ª Turma. REsp 1347228-SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 6/11/2012.
Em suma:
O risco de contaminação pela Covid-19 em casa de acolhimento pode justificar a manutenção da criança com a família substituta.
STJ. 3ª Turma. HC 572.854-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 04/08/2020 (Info 676).
Edição nº 181: orientações jurisprudenciais sobre a Covid-19 IV
7) O período de suspensão do dever de apresentação mensal em juízo, em razão da pandemia da covid-19 (Recomendação n. 62/2020 do CNJ), deve ser computado como pena efetivamente adimplida se cumpridas as demais condições impostas ao regime aberto pelo apenado.
A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:
João cumpria pena em regime semiaberto.
O juiz da vara de execuções penais concedeu ao condenado a progressão ao regime aberto.
Uma das condições impostas a João foi a de que ele deveria ficar comparecendo mensalmente perante o juízo para informar e justificar suas atividades.
O juiz poderia ter imposto essa condição?
SIM. Isso está previsto no art. 113 c/c o art. 115, IV, da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84):
Art. 113. O ingresso do condenado em regime aberto supõe a aceitação de seu programa e das condiçõesimpostas pelo Juiz.
Art. 115. O Juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias: (...)
IV - comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades, quando for determinado.
Recomendação nº 62/2020-CNJ
Ocorre que, diante da situação de pandemia decorrente da Covid-19, o Conselho Nacional de Justiça recomendou a suspensão temporária do dever de apresentação regular em juízo das pessoas em cumprimento de pena no regime aberto (art. 5º, inciso V, da Recomendação nº 62/2020 do CNJ).
O Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina acolheu a recomendação e determinou a suspensão das apresentações mensais em juízo dos apenados em regime aberto (art. 3º, III, da Resolução Conjunta GP/CGJ nº 5/2020).
Juiz da execução suspendeu o comparecimento obrigatório de João
Diante de tais atos normativos, o magistrado singular suspendeu o dever de apresentação mensal em Juízo aplicado aos apenados em regime aberto.
A defesa de João pleiteou que, mesmo esses meses nos quais o comparecimento está suspenso sejam computados para fins de cumprimento de pena.
Em outras palavras, a defesa pediu o reconhecimento do período de suspensão como pena efetivamente cumprida. Isso porque o apenado não está comparecendo por força do ato normativo do TJ (e não por vontade própria).
O pedido da defesa deve ser acolhido?
SIM.
Conforme visto acima, a suspensão do dever de apresentação mensal em Juízo foi determinada pelo magistrado em cumprimento à recomendação do CNJ e à determinação do TJ/SC, decorrentes da situação de pandemia, circunstância alheia à vontade do paciente.
Desse modo, não se mostra razoável o prolongamento da pena sem que tenha sido evidenciada a participação do apenado em tal retardamento.
Com a mesma conclusão, cite-se trecho das Orientações sobre Alternativas Penais no âmbito das medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus (Covid-19), também elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça para disciplinar situação semelhante à ora analisada:
“No âmbito da execução penal, transação penal e condições impostas por suspensão condicional do processo e sursis:
(I) Dispensar o comparecimento pessoal para o cumprimento de penas e medidas alternativas - como a prestação de serviços à comunidade, o comparecimento em juízo etc. - durante o período da pandemia;
(II) Computar o período de dispensa temporária do cumprimento de penas e medidas alternativas de cunho pessoal e presencial - como a prestação de serviços à comunidade, o comparecimento em juízo etc. - durante o período da pandemia, como período de efetivo cumprimento, considerando que a sua interrupção independe da vontade da pessoa em cumprimento, decorrendo diretamente de imposição determinada por autoridades sanitárias, além do que a manutenção prolongada de pendências jurídico-penais tem um efeito dessocializador, em particular quanto as oportunidades de trabalho e renda”.
Vale ressaltar, ainda, que o apenado cumpriu todas as demais condições do regime aberto, que não foram suspensas, inclusive, permaneceu sujeito às sanções relativas a eventual descumprimento, o que reforça a necessidade de se reconhecer o tempo de suspensão do dever de apresentação mensal em juízo como pena efetivamente cumprida, sob pena de alargar o período em que o apenado está sujeito à disciplina do regime aberto.
Em suma:
O período de suspensão do dever de apresentação mensal em juízo, em razão da pandemia de Covid-19, pode ser reconhecido como pena efetivamente cumprida.
STJ. 6ª Turma. HC 657.382/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/04/2021 (Info 694).
8) A concessão do benefício de suspensão temporária da execução de penas restritivas de direitos, em razão da pandemia da covid-19 (Recomendação n. 62/2020 do CNJ), não dá ensejo ao reconhecimento de cumprimento ficto da pena.
Cumprimento ficto da pena
Durante a pandemia da Covid-19, a Recomendação nº 62/2020, do CNJ, orienta os magistrados que, de acordo com o contexto local de disseminação do novo coronavírus, avaliem a necessidade de suspensão temporária do cumprimento das penas substitutivas.
Diante dessa suspensão, levantou-se a tese da ocorrência do cumprimento ficto da pena, já que a impossibilidade de cumprimento se deu por razões alheias à vontade do apenado. Alguns advogados e Defensores Públicos passaram a defender essa possibilidade.
O STJ aceitou a tese de cumprimento ficto da pena em razão da suspensão temporária do cumprimento das penas substitutivas?
NÃO.
Segundo o STJ, não é possível considerar um período de dispensa temporária da pena restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade) como efetivo cumprimento das condições para extinção da pena.
Não é possível conferir interpretação extensiva aos arts. 148 e 149 da LEP dessa forma (“arts. 148. Em qualquer fase da execução, poderá o Juiz, motivadamente, alterar, a forma de cumprimento das penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação de fim de semana, ajustando-as às condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, da entidade ou do programa comunitário ou estatal.”)
Assim, por ausência de previsão legal, não se pode considerar como cumprida a pena daquele que já obtivera - por motivo de força maior e para não se expor a maior risco em virtude da pandemia - o benefício da suspensão da pena restritiva de direitos.
9) O excesso de prazo para formação da culpa, decorrente da suspensão dos atos processuais pela superveniência da pandemia da covid-19, não configura constrangimento ilegal.
Prisão cautelar e excesso de prazo
Se o indiciado se encontra preso cautelarmente há mais de um ano, sem recebimento da denúncia, há excesso de prazo na formação da culpa?
Não necessariamente. Deverão ser analisadas as peculiaridades do caso concreto.
Segundo o STJ, a análise do excesso de prazo na instrução criminal será feita à luz do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, devendo ser considerada as particularidades do caso concreto, a atuação das partes e a forma de condução do feito pelo Estado-juiz.
Dessa forma, a mera extrapolação dos prazos processuais legalmente previstos não acarreta automaticamente o relaxamento da segregação cautelar do acusado.
Os prazos indicados para a conclusão da instrução criminal servem apenas como parâmetro geral, pois variam conforme as peculiaridades de cada hipótese, podendo ser mitigados, segundo o princípio da razoabilidade.
Somente haverá constrangimento ilegal por excesso de prazo quando o atraso na instrução for motivado por injustificada demora ou desídia do aparelho estatal.
STJ. 5ª Turma. HC 220218-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/2/2012.
Pandemia da Covid-19 e suspensão dos atos e prazos processuais
Em razão de medidas preventivas decorrentes da situação excepcional da pandemia da Covid-19, houve a suspensão dos prazos processuais e o cancelamento da realização de sessões e audiências presenciais, por motivo de força maior.
Apesar disso, o STJ entendeu que isso não configura, por si só, manifesto constrangimento ilegal.
Estando a prisão preventiva devidamente fundamentada e não havendo desídia do Poder Judiciário, não há razão para suposto excesso de prazo na custódia preventiva.
10) Habeas corpus coletivo não é a via adequada para a concessão de prisão domiciliar a todos os indivíduos privados de liberdade que se enquadram no grupo de risco da covid-19, pois se faz necessário o exame individual da situação de cada paciente.
Habeas corpus coletivo
Segundo o STF, é possível a impetração de habeas corpus coletivo, apesar da ausência de previsão legal expressa (STF. 2ª Turma.HC 143641/SP. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20/2/2018).
Com a pandemia, foram impetrados diversos habeas corpus coletivos objetivando a concessão de prisão domiciliar a todas as pessoas presas que se enquadrassem nos grupos de risco da covid-19, tais como idosos, gestantes, lactantes, imunossuprimidos, diabéticos e portadores de doenças pulmonares e cardíacas.
O STJ admitiu habeas corpuscoletivo para concessão de prisão domiciliar ampla a todos os indivíduos privados de liberdade que se enquadram no grupo de risco da covid-19?
NÃO.
Segundo o STJ, é incabível a concessão de prisão domiciliar de forma ampla a todos os indivíduos privados de liberdade que se enquadram no grupo de risco da covid-19, ante a necessidade de se verificar, caso a caso, inúmeros outros fatores. É preciso que sejam analisados, entre outros, a gravidade e a natureza do delito, o histórico prisional, a periculosidade e o estado de saúde do custodiado, o tempo de pena cumprida e a cumprir, a situação do estabelecimento prisional e as medidas adotadas para reduzir a propagação do vírus. Nesse sentido: AgRg no HC 593.624/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 14/10/2020.
O risco trazido pela propagação da COVID-19 não é fundamento hábil a autorizar a revogação automática de toda custódia cautelar, sendo imprescindível, para tanto, que haja comprovação de que o réu encontra-se inserido na parcela mais suscetível à infecção, bem como, que haja possibilidade da substituição da prisão preventiva imposta.
Em suma:
Habeas corpus coletivo não é a via adequada para a concessão de prisão domiciliar a todos os indivíduos privados de liberdade que se enquadram no grupo de risco da covid-19, pois se faz necessário o exame individual da situação de cada paciente.
BLOCO 2
INFORMATIVOS
Aspectos cíveis da proteção à criança e ao adolescente
O juízo da comarca de domicílio do adolescente pode conferir autorização para que ele participe de apresentações artísticas inclusive em outras comarcas
Crianças e adolescentes podem trabalhar?
O art. 7º, XXXIIII, da CF/88 prevê que:
· Criança não pode trabalhar;
· Adolescente pode trabalhar a partir de 14 anos, na condição de aprendiz;
· A partir de 16 anos, o adolescente pode trabalhar normalmente (mesmo sem ser aprendiz), salvo se for um trabalho noturno, perigoso ou insalubre;
· Trabalho noturno, perigoso ou insalubre só pode ser realizado por maiores de 18 anos.
Alguns de vocês podem estar se perguntando: mas eu já vi criança “trabalhando” em filmes e novelas... Como isso é possível? É permitido que uma criança ou adolescente “trabalhe” em um filme, novela, peça de teatro etc.? É possível a participação de crianças e adolescentes em espetáculos artísticos?
SIM. A doutrina e a jurisprudência entendem que é possível o trabalho de crianças e adolescentes em espetáculos artísticos, mesmo antes da idade mínima prevista no art. 7º, XXXIII, da CF/88.
Um dos fundamentos para isso está no artigo 8º, 1, da Convenção 138 da OIT, que autoriza a participação de crianças e adolescentes em “representações artísticas”.
Exige-se alguma autorização especial para isso?
SIM. O ECA (Lei nº 8.069/90) exige um pronunciamento judicial para esses casos. Confira:
Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará: (...)
II - a participação de criança e adolescente em:
a) espetáculos públicos e seus ensaios; (...)
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, a autoridade judiciária levará em conta, dentre outros fatores:
a) os princípios desta Lei;
b) as peculiaridades locais;
c) a existência de instalações adequadas;
d) o tipo de frequência habitual ao local;
e) a adequação do ambiente a eventual participação ou freqüência de crianças e adolescentes;
f) a natureza do espetáculo. (...)
De quem é a competência para conferir essa autorização?
Da Vara da Infância e Juventude (Justiça Estadual). Veja o que diz o art. 146 do ECA:
Art. 146. A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude, ou o juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária local.
Compete à Justiça Comum Estadual (juízo da infância e juventude) apreciar os pedidos de alvará visando a participação de crianças e adolescentes em representações artísticas.
STF. Plenário. ADI 5326/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 27/9/2018 (Info 917).
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
Lucas, adolescente (13 anos de idade), realiza shows como DJ (disc-jockey) em várias cidades.
Ocorre que, em cada comarca que Lucas vai se apresentar, há a necessidade de uma nova autorização judicial (alvará judicial) para que ele participe do espetáculo público. Nem sempre isso é rápido e tem atrapalhado as suas apresentações artísticas.
Os pais de Lucas procuraram você para que, na condição de advogada(o), encontrem uma solução jurídica para o caso.
Primeira pergunta: é possível que Lucas consiga uma autorização judicial para o exercício da atividade profissional de mais ampla, uma que dure até ele atingir a maioridade?
NÃO.
O STJ entende que o § 2º do art. 149 do ECA proíbe a concessão de autorização judicial ampla, geral e irrestrita, para que o adolescente participe de espetáculos públicos até que atinja a sua maioridade civil:
Art. 149 (...)
§ 2º As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral.
Nesse sentido:
A partir da interpretação do art. 149, §2º, do ECA, conclui-se ser expressamente vedada a concessão de autorização judicial ampla, geral e irrestrita, para que o adolescente participe de espetáculos públicos até que atinja a sua maioridade civil, ainda que se faça acompanhar por seus pais ou responsáveis.
STJ. 3ª Turma. REsp 1947740/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/10/2021.
Para o STJ, essa espécie de autorização ampla significaria transferir os poderes de decisão totalmente aos pais, sem nenhuma espécie de controle externo, o que comprometeria o adequado desenvolvimento da criança e do adolescente, transformando algo que deveria ser uma atividade complementar, lúdica e de desenvolvimento de habilidades inatas, em uma verdadeira atividade laboral ou profissional prematura e exploratória, que não se coaduna com os princípios protetivos da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Logo, não adianta formular esse pedido.
Então, os pais de Lucas vão ter que realmente formular pedidos individuais em cada uma das comarcas onde ele se apresentar?
NÃO. O STJ adotou um meio-termo.
Para o STJ, embora a regra do art. 149, §2º, do ECA, impeça a concessão de uma autorização judicial ampla, geral e irrestrita até a maioridade civil, não há óbice para que se acolha o pedido de autorização em menor extensão, estabelecendo-se previamente os critérios básicos para o desenvolvimento da atividade de disc-jockey pelo adolescente, especialmente na hipótese em que a atividade se desenvolve de maneira contínua (com repetitividade), mas diversa (com múltiplas possibilidades de públicos, eventos, horários, localizações etc.).
É possível, portanto, que o juízo do domicílio da residência do adolescente, ouvidos o Ministério Público, os pais e até equipe multidisciplinar, autorize as apresentações artísticas e estabeleça:
· A periodicidade dos eventos em que o adolescente estará autorizado a participar (semanalmente, quinzenalmente, mensalmente etc.);
· Eventuais vedações a eventos em determinados dias (durante a semana, em feriados etc.) ou horários (às noites ou em madrugadas etc.);
· Eventuais restrições de público, espaço, infraestrutura etc.
Essa autorização deve ser estabelecida por determinado lapso temporal, sem prejuízo do reexame e aprimoramento dessas condicionantes ou diretrizes a qualquer tempo, inclusive com a possibilidade de revogação da autorização na hipótese de descumprimento dos parâmetros fixados.
Competência do juízo do domicílio do adolescente
A competência do juízo do domicílio do adolescente é fixada com base no art. 147 do ECA:
Art. 147. A competência será determinada:
I - pelo domicílio dos pais ou responsável;
II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável.
A fixação da competência do juízo da comarca do domicílio do adolescente para a concessão de autorização judicial que permita a apresentação em espetáculos públicos decorre da proximidade e do conhecimento existente entre o juízoe a entidade familiar e da necessidade de fixação de critérios uniformes para a concessão da autorização.
O hipotético prejuízo decorrente da concentração da competência do juízo da comarca do domicílio do adolescente para autorizar a participação em espetáculos públicos, em especial em comarcas distintas, pode ser drasticamente reduzido, até mesmo eliminado, mediante o uso adequado do instituto da cooperação judiciária nacional (arts. 67 a 69, do CPC/2015), que permite, de maneira simplificada e pela via do auxílio direto, o cumprimento de providências e o atendimento de solicitações entre juízos distintos.
Dessa forma, o juízo da comarca do domicílio do adolescente poderá, de maneira muito mais simples e objetiva, solicitar providências ou obter informações a quaisquer outros juízos de comarcas em que a parte se apresentar, seja antes ou após o evento, a fim de verificar se as diretrizes estabelecidas estão sendo fielmente cumpridas, se há necessidade de ajustes ou aprimoramentos e, enfim, se está sendo concretizado o princípio do melhor interesse.
Em suma:
A autorização judicial para participação de adolescente em espetáculo público em diversas comarcas deve ser concentrada na competência do juízo do seu domicílio, que solicitará providências e informações aos demais juízos, onde ocorra apresentação, quanto ao cumprimento das diretrizes previamente fixadas.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.947.740-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/10/2021 (Info 714).
Demonstrado interesse jurídico e justificada a finalidade, é cabível a extração de cópias dos autos da apuração de ato infracional, não se podendo utilizar os documentos obtidos para fins diversos do que motivou o deferimento de acesso
Imagine a seguinte situação hipotética:
Regina foi vítima de ato infracional praticado por Beatriz (adolescente de 17 anos), que é sua filha.
O Ministério Público ajuizou ação socioeducativa (apuração de ato infracional) em face de Beatriz no Juízo da Infância e Juventude.
Regina, assistida por advogado, pediu para extrair cópia integral dos autos do processo de apuração de ato infracional. A requerente justificou seu pedido afirmando que irá ajuizar ação cível de deserdação contra Beatriz e, para tanto, necessita dos documentos do processo para embasar o seu pedido.
O Juízo da Infância e Juventude negou o pedido afirmando que o art. 143 do ECA proíbe a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional.
Agiu corretamente o magistrado?
NÃO. Vamos entender com calma.
Inicialmente, é importante ressaltar que, de fato, é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a quem se atribui autoria de ato infracional. É o que prevê o art. 143 do ECA:
Art. 143. É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional.
Parágrafo único. Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome.
Essa vedação se encerra se o adolescente atingir a maioridade permanecendo em cumprimento de medida socioeducativa?
NÃO. A vedação continua com seus efeitos em face do adolescente que atinge a maioridade e permanece cumprindo medida socioeducativa, pois lhe é estendido o princípio da proteção integral. Nesse sentido:
“Essa vedação não se encerra se o adolescente atingir a maioridade e permanecer em cumprimento de medida socioeducativa, pois lhe é estendida a prescrição legal em virtude do Metaprincípio da Proteção Integral, mantendo-se, assim, hígida a tutela estatutária dos seus direitos fundamentais, tal como o direito ao respeito” (SEABRA, Gustavo Cives. Manual de Direito da Criança e do Adolescente. Belo Horizonte: CEI, 2021, p. 344).
A violação do art. 143 do ECA caracteriza dano moral?
SIM. Confira os seguintes julgados do STJ:
Tratando-se de matéria veiculada pela imprensa, a responsabilidade civil por danos morais exsurge quando o texto publicado extrapola os limites da informação, evidenciando a intenção de injuriar, difamar e caluniar terceiro (REsp 1390560/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/10/2013, DJe 14/10/2013).
Caracterização automática do abuso do direito de informar na hipótese de publicação do nome e da imagem de menor morto, atribuindo-lhe autoria de ato infracional, violando o princípio da proteção integral da criança e adolescente, positivado nos artigos 143 e 247 do ECA.
STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1354696/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23/10/2014.
A preservação da imagem e da intimidade dos menores, em tenra idade ou prestes a alcançar a maturidade, é reflexo do comando constitucional da sua proteção integral, com absoluta prioridade em assegurar seus direitos fundamentais (arts. 227, da CF/88, 4º do ECA).
Independente do grau da reprovabilidade da conduta do menor, o Ordenamento Jurídico veda a divulgação de imagem de adolescentes a quem se atribua a autoria de ato infracional, de modo a preservar a sensível e peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.
STJ. 3ª Turma. REsp 1442083/ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21/09/2017.
Existe alguma infração administrativa, caso não seja observado o art. 143 do ECA?
SIM. É a infração administrativa tipificada no art. 247 do ECA:
Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
§ 1º Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente.
§ 2º Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de rádio ou televisão, além da pena prevista neste artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da publicação ou a suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como da publicação do periódico até por dois números. (Expressão declarada inconstitucional pela ADIN 869).
A vedação contida no art. 143 do ECA é relativa ou absoluta?
É relativa. O art. 144 do ECA mitiga a vedação contida no art. 143:
Art. 144. A expedição de cópia ou certidão de atos a que se refere o artigo anterior somente será deferida pela autoridade judiciária competente, se demonstrado o interesse e justificada a finalidade.
Assim, demonstrado interesse jurídico e justificada a finalidade, é cabível a extração de cópias dos autos de apuração de ato infracional.
No caso, a vítima do ato infracional comprovou seu interesse jurídico e apresentou finalidade justificada ao pleitear o seu acesso aos autos do processo de apuração do ato infracional, consignando a utilidade dos documentos nele produzidos para servirem como provas em ação de deserdação.
Em suma:
Demonstrado interesse jurídico e justificada a finalidade, é cabível a extração de cópias dos autos da apuração de ato infracional, não se podendo, no entanto, utilizar os documentos obtidos para fins diversos do que motivou o deferimento de acesso aos autos.
STJ. 6ª Turma. RMS 65.046-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 01/06/2021 (Info 699)
É inconstitucional norma que, a pretexto de regulamentar, dificulta a participação da sociedade civil em conselhos deliberativos
Conselhos
O ECA (Lei nº 8.069/90) previu a necessidade de serem criados conselhos para deliberar e controlar as ações voltadas à defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.
	Conanda
Em nível federal, a Lei nº 8.242/91 criou o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criançae do Adolescente).
Principais competências do Conanda (art. 2º):
I - elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, fiscalizando as ações de execução;
II - zelar pela aplicação da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;
III - dar apoio aos Conselhos Estaduais e Municipais, aos órgãos estaduais, municipais, e entidades não-governamentais para tornar efetivos os princípios, as diretrizes e os direitos estabelecidos no ECA;
IV - avaliar a política estadual e municipal e a atuação dos Conselhos Estaduais e Municipais da Criança e do Adolescente;
V - gerir o Fundo Nacional para criança e adolescente.
Como é composto o Conanda?
A Lei nº 8.242/91 afirmou que o Conanda é integrado por representantes do Poder Executivo, assegurada a participação dos órgãos executores das políticas sociais básicas na área de ação social, justiça, educação, saúde, economia, trabalho e previdência social e, em igual número, por representantes de entidades não-governamentais de âmbito nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente (art. 3º).
Decreto nº 10.003/2019
Em 2019, o Presidente da República editou o Decreto nº 10.003 alterando as normas sobre a constituição e o funcionamento do Conanda.
Além disso, os membros do Conselho foram destituídos mesmo estando ainda no curso dos seus mandatos.
O Procurador-Geral da República ajuizou ADPF contra o referido Decreto afirmando que a norma impugnada, na prática, esvaziou a participação da sociedade civil no Conselho, em violação aos princípios da democracia participativa (arts. 1º, parágrafo único, CF/88), da igualdade (art. 5º, I, CF/88), da segurança jurídica (art. 5º, CF/88), da proteção à criança e ao adolescente (art. 227, CF/88) e da vedação ao retrocesso institucional (art. 1º, caput e III; art. 5º, XXXVI e §1º; art. 60, §4º, CF/88).
O que o STF decidiu? Esse Decreto afronta a Constituição Federal?
SIM.
As regras do Decreto contrariam norma constitucional expressa, que exige a participação, e colocam em risco a proteção integral e prioritária da infância e da juventude:
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: (...)
II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.
Art. 227 (...)
§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.
Vale, ainda, esclarecer que o art. 3º da Lei nº 8.242/91 assegura a paridade na representação do Poder Público e da sociedade civil no Conanda, bem como entrega ao próprio Conselho a atribuição de dispor sobre seu funcionamento, nela incluídos os critérios de escolha de seu presidente e a seleção dos representantes das entidades da sociedade civil.
As regras do Decreto nº 10.003/2019, na prática, esvaziam e inviabilizam essa atuação. Elas acabam por conferir ao Poder Executivo o controle da composição e das decisões do Conanda, a neutralizar o órgão como instância crítica de controle.
Ademais, o decreto impugnado ofende o princípio da legalidade ao desrespeitar as normas que regem o Conselho e, ao procurar modificar o funcionamento do Conanda mediante decreto, quando necessário lei, exclui a presença do Congresso Nacional em debate de extrema relevância para o País.
São incompatíveis com a Constituição Federal as regras previstas no Decreto nº 10.003/2019, que, a pretexto de regular o funcionamento do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda), frustram a participação das entidades da sociedade civil na formulação e no controle da execução de políticas públicas em favor de crianças e adolescentes.
Não bastasse isso, essas normas violam o princípio da legalidade.
STF. Plenário. ADPF 622/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27/2/2021 (Info 1007).
Dispositivo do acórdão
O Plenário do STF julgou procedente, em parte, o pedido formulado na ação para declarar a inconstitucionalidade:
· Dos arts. 79, 80, caput e § 3º; e 81 do Decreto nº 9.579/2018, com a redação dada pelo Decreto 10.003/2019. Obs: para fins de concurso não é necessário que você saiba com detalhes o que dizem esses artigos. Eles restringiam a escolha dos representantes das entidades da sociedade civil e a frequência das reuniões do Conselho); e
· Do art. 2º do Decreto 10.003/2019 (Art. 2º Ficam dispensados todos os membros do Conanda na data de entrada em vigor deste Decreto).
Em razão disso, restabeleceu:
· O mandato dos antigos conselheiros até o seu termo final;
· A eleição dos representantes das entidades da sociedade civil em assembleia específica, disciplinada pelo Regimento Interno do Conanda (Resolução 127/2018);
· A realização de reuniões mensais pelo órgão;
· O custeio do deslocamento dos conselheiros que não residem no Distrito Federal; e
· A eleição do Presidente do Conselho por seus pares, na forma prevista em seu Regimento Interno.
Igualmente em votação majoritária, o colegiado deixou de acolher o autor para ADPF que pedia para o STF declarar como incompatíveis com a Constituição Federal:
· A redução paritária do número de representantes do Poder Público e da sociedade civil, que, contudo, valerá apenas a partir do início dos novos mandatos;
· O voto de qualidade do presidente do Conanda, critério aparentemente razoável de solução de impasse;
· A impossibilidade de recondução de representantes da sociedade civil.
Quanto aos três itens acima listados, o STF entendeu que não ficou demonstrada a conexão entre os dispositivos correspondentes e a fragilização da participação da sociedade civil.
Por fim, advertiu que o reconhecimento da inconstitucionalidade da redação dada — pelo Decreto 10.003/2019 — ao art. 79 do Decreto 9.579/2018 não implica repristinação do texto original de seu § 3º.
É obrigatória a intervenção da FUNAI em ação de destituição de poder familiar que envolva criança cujos pais possuem origem indígena
Imagine a seguinte situação hipotética:
O Ministério Público estadual ajuizou, na Justiça Estadual, ação de destituição de poder familiar contra Jaciara.
O Promotor de Justiça alegou que Jaciara abandonou a filha de 2 anos, razão pela qual deve ser destituída do poder familiar e a criança encaminhada à adoção.
A Defensoria Pública estadual, que fez a defesa de Jaciara, argumentou que seria obrigatória a intervenção da Fundação Nacional do Índio - FUNAI e a realização de estudo antropológico considerando que a genitora requerida é indígena.
Assiste razão à Defensoria Pública?
SIM.
É obrigatória a intervenção da FUNAI em ação de destituição de poder familiar que envolva criança cujos pais possuem origem indígena.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.698.635-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/09/2020 (Info 679).
Essa exigência encontra-se expressamente prevista no art. 28, § 6º, III, e no art. 157, § 2º do ECA:
Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei. (...)
§ 6º Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório:
I - que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal;
II - que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia;
III - a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso.
Art. 157 (...)
§ 2º Em sendo os pais oriundos de comunidades indígenas, é ainda obrigatóriaa intervenção, junto à equipe interprofissional ou multidisciplinar referida no § 1º deste artigo, de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, observado o disposto no § 6º do art. 28 desta Lei.
A regra segundo a qual é obrigatória a intervenção da FUNAI nos litígios que envolvam destituição de poder familiar e adoção de menores indígenas ou oriundos de pais indígenas tem caráter de ordem pública, na medida em que resguardam valores e objetivos político-sociais muitíssimo caros à sociedade e, portanto, são imperativas e inderrogáveis.
O art. 28, §6º, do ECA, embora trate especificamente das crianças indígenas, aplica-se inteiramente às crianças cujos pais são de origem indígena, devendo a referida regra ser igualmente respeitada nas ações de destituição de poder familiar e adoção que as envolvam.
Por se tratar de órgão especializado, é a FUNAI que reúne as melhores condições de avaliar a situação do menor de origem indígena, não apenas à luz dos padrões de adequação da sociedade em geral, mas, sobretudo, a partir das especificidades de sua própria cultura, o que influencia, inclusive, na escolha de uma família substituta de tribo que possua maiores afinidades com aquela da qual se origina o menor.
A obrigatoriedade e a relevância da intervenção obrigatória da FUNAI decorrem do fato de se tratar do órgão especializado, interdisciplinar e com conhecimentos aprofundados sobre as diferentes culturas indígenas, o que possibilita uma melhor verificação das condições e idiossincrasias da família biológica, com vistas a propiciar o adequado acolhimento do menor e, consequentemente, a proteção de seus melhores interesses. Não se trata, portanto, de excesso de formalismo processual.
No mesmo sentido:
(...) 2. A intervenção da FUNAI nesses tipos de processos é de extrema relevância, porquanto os povos indígenas possuem identidade social e cultural, costumes e tradições diferenciados, tendo, inclusive, um conceito de família mais amplo do que o conhecido pela sociedade comum, de maneira que o ideal é a manutenção do menor indígena em sua própria comunidade ou junto a membros da mesma etnia. A atuação do órgão indigenista visa justamente a garantir a proteção da criança e do jovem índio e de seu direito à cultura e à manutenção da convivência familiar, comunitária e étnica, tendo em vista que a colocação do menor indígena em família substituta não indígena deve ser considerada a última medida a ser adotada pelo Estado.
3. A adoção de crianças indígenas por membros de sua própria comunidade ou etnia é prioritária e recomendável, visando à proteção de sua identidade social e cultural. Contudo, não se pode excluir a adoção fora desse contexto, pois o direito fundamental de pertencer a uma família sobrepõe-se ao de preservar a cultura, de maneira que, se a criança não conseguir colocação em família indígena, é inconcebível mantê-la em uma unidade de abrigo até sua maioridade, sobretudo existindo pessoas não indígenas interessadas em sua adoção.
4. A ausência de intervenção obrigatória da FUNAI no processo de colocação de menor indígena em família substituta é causa de nulidade. A decretação de tal nulidade, contudo, deve ser avaliada em cada caso concreto, pois se, a despeito da não participação da FUNAI no processo, a adoção, a guarda ou tutela do menor indígena envolver tentativas anteriores de colocação em sua comunidade ou não for comprovado nenhum prejuízo ao menor, mas, ao contrário, forem atendidos seus interesses, não será recomendável decretar-se a nulidade do processo. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1566808/MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/09/2017.
Competência da Justiça Federal
Vale ressaltar que, havendo intervenção da FUNAI, o feito deverá ser apreciado pela Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
Nesse sentido: STJ. Decisão monocrática. CC 133798/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 12/02/2015.
Em ACP na qual se questiona acolhimento institucional de menor, não é admissível o julgamento de improcedência liminar ou o julgamento antecipado do pedido, especialmente quando não há tese jurídica fixada em precedente vinculante
Imagine a seguinte situação adaptada:
Determinado Promotor de Justiça ajuizou, contra o Município de Fortaleza, 10 ações civis públicas nas quais alega que 10 diferentes crianças estão há mais tempo em acolhimento institucional do que prevê a lei.
Diante disso, o MP pediu que elas fossem encaminhadas à programa de acolhimento familiar e que fossem indenizadas por danos morais.
Citado, o Município de Fortaleza apresentou contestação e, ato contínuo, foi proferida sentença que, invocando a incidência do art. 332, III, do CPC, julgou improcedente liminarmente o pedido (rectius: julgou antecipadamente o pedido), ao fundamento de que se trataria de controvérsia repetitiva justamente por se tratar de 10 ações civis públicas versando sobre o mesmo objeto:
Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: (...)
III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
No mérito, a sentença afirmou que:
· O acolhimento por prazo superior a 2 anos, conquanto ilegal, algumas vezes indispensável porque, em muitas hipóteses, não há família adequada para recebê-lo;
· Não há prova de que o Município teria agido de modo doloso, intencional ou negligente;
· O problema do acolhimento institucional por período superior a 2 anos é de natureza estrutural, eis que envolve a falta de recursos do Poder Público.
Analisando o caso apenas sob o ponto de vista processual, agiu corretamente o magistrado?
NÃO.
O STJ afirmou que não era admissível o julgamento de improcedência liminar ou o julgamento antecipado do pedido.
Art. 332 do CPC/2015 x Art. 285-A do CPC/1973
O art. 332, III, do CPC/2015 possui certa correspondência com o art. 285-A do CPC/1973, segundo o qual “quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada”.
Todavia, é preciso destacar, desde logo, que as hipóteses em que se autoriza o julgamento liminar de improcedência no novo CPC são substancialmente diferentes daquela prevista no antigo CPC:
· Antes se admitia o julgamento prematuro nas hipóteses em que a matéria repetitiva já havia sido objeto de entendimento uniforme fixado pelo juízo (em outras palavras, bastava o juiz já ter julgado casos semelhantes);
· Com o novo CPC, isso acabou. Agora, a aplicação dessa técnica de aceleração de julgamento está condicionada a prévia pacificação da questão controvertida no âmbito dos Tribunais, materializada em determinadas espécies de precedentes vinculantes. Que precedentes vinculantes são esses? Os mencionados no art. 332 do CPC/2015:
· Súmula do STF ou do STJ;
· Súmula do TJ sobre direito local;
· Tese firmada em recursos repetitivos, em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência.
No caso concreto, não havia precedente vinculante a embasar a sentença
No caso concreto, a sentença concluiu que era possível o julgamento de improcedência liminar do pedido ao fundamento de que existiam causas repetitivas naquele mesmo juízo sobre a matéria, o que autorizaria a extinção prematura do processo com resolução de mérito.
Ocorre que esse entendimento desconsidera que o novo CPC obrigatoriamente exige, para que se adote essa excepcional técnica de aceleração do julgamento, que desde logo se verifique a ocorrência de prescrição oudecadência ou, para o que importa à hipótese em exame, que a matéria tenha sido previamente decidida por um Tribunal mediante a adoção de alguma das técnicas de formação de precedentes elencada nos incisos do art. 332.
Art. 332 do CPC deve ser interpretado restritivamente
Por se tratar de regra que limita o pleno exercício de direitos fundamentais de índole processual, em especial o contraditório e a ampla defesa, as hipóteses autorizadoras do julgamento de improcedência liminar do pedido devem ser interpretadas restritivamente, não se podendo dar a elas amplitude maior do que aquela textualmente indicada pelo legislador no art. 332 do novo CPC.
Art. 332 do CPC só pode ser aplicado se não demandar profunda dilação probatória
De igual modo, para que possa o juiz resolver o mérito liminarmente e em favor do réu, ou até mesmo para que haja o julgamento antecipado do mérito imediatamente após a citação do réu, é indispensável que a causa não demande ampla dilação probatória, o que não se coaduna com a ação civil pública em que se pretende discutir a ilegalidade de acolhimento institucional de menores por período acima do máximo legal e os eventuais danos morais que do acolhimento por longo período possam decorrer, pois são questões litigiosas de natureza estrutural.
Os litígios de natureza estrutural, de que é exemplo a ação civil pública que versa sobre acolhimento institucional de menor por período acima do teto previsto em lei, ordinariamente revelam conflitos de natureza complexa, plurifatorial e policêntrica, insuscetíveis de solução adequada pelo processo civil clássico e tradicional, de índole essencialmente adversarial e individual.
Assim, o julgamento de improcedência liminar do pedido (ou de julgamento antecipado do mérito) é, em regra, incompatível com os processos estruturais, ressalvada a possibilidade de já ter havido a prévia formação de precedente qualificado sobre o tema que inviabilize nova discussão da questão controvertida no âmbito do Poder Judiciário.
Em suma:
Em ação civil pública que versa sobre acolhimento institucional de menor por período acima daquele fixado em lei, não é admissível o julgamento de improcedência liminar ou o julgamento antecipado do pedido, especialmente quando, a despeito da repetitividade da matéria, não há tese jurídica fixada em precedente vinculante.
STJ. 3ª Turma. REsp 1854842/CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/06/2020 (Info 673).
Mãe biológica pode se opor à ação de guarda de sua filha mesmo que já tenha perdido o poder familiar em ação proposta pelo MP com esse objetivo
	Imagine a seguinte situação hipotética:
Larissa é filha biológica de Francisca.
Ocorre que Larissa, quando tinha 2 anos de idade, foi abandonada por sua genitora e passou a morar na casa de Paulo e Regina, que cuidam da criança como se ela fosse sua filha.
Ação de guarda e citação da mãe biológica
Depois de 5 anos convivendo com a criança, Paulo e Regina ajuizaram ação de guarda em relação à Larissa (agora com 7 anos), a fim de regularizar a posse de fato da referida menor.
Francisca, mãe biológica da criança, foi citada. Na contestação argumentou que não mais cuidou da criança porque se encontra cumprindo pena. Alegou que deseja que Larissa seja criada por seus avós maternos (pais de Francisca) e, portanto, opõe-se ao pedido dos autores.
Ação de destituição do poder familiar
Depois da contestação apresentada, o Ministério Público ajuizou ação de destituição do poder familiar contra Francisca.
O juiz responsável pela ação de guarda ajuizada por Paulo e Regina, ao ser informado desta ação do Parquet, decidiu que o processo de guarda deveria ficar suspenso até o julgamento da ação de destituição do poder familiar.
O pedido formulado pelo MP na ação de destituição foi julgado procedente e o juiz destituiu Francisca do poder familiar exercido sobre a menor, tendo a sentença transitado em julgado.
Retomada da ação de guarda
Como a ação de destituição do poder familiar transitou em julgado, o juiz da ação de guarda retomou o curso do processo.
Após mais algumas diligências, o magistrado proferiu sentença julgando procedente o pedido, deferindo a guarda definitiva da menor Larissa aos autores Paulo e Regina.
Francisca, mãe biológica, interpôs apelação reiterando que deseja que a filha seja criada pelos avós maternos.
O recurso não foi conhecido por ausência de legitimidade recursal.
O Tribunal de Justiça afirmou o seguinte: como a mãe biológica, durante o curso deste processo de guarda, foi destituída do poder familiar, ela passou a não mais ter legitimidade para recorrer das decisões que conferiram a guarda da menor à família substituta em detrimento da família extensa (avôs maternos).
Francisca (mãe biológica da criança) tem legitimidade para recorrer contra essa sentença?
SIM.
A mãe biológica detém legitimidade para recorrer da sentença que julgou procedente o pedido de guarda formulado por casal que exercia a guarda provisória da criança, mesmo se já destituída do poder familiar em outra ação proposta pelo Ministério Público e já transitada em julgado.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.845.146-ES, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 19/11/2019 (Info 661).
O fato de a mãe biológica ter sido destituída, em outra ação, do poder familiar em relação a seu filho, não significa, necessariamente, que ela tenha perdido a legitimidade recursal na ação de guarda.
Para a mãe biológica, devido aos laços naturais, persiste o interesse fático e jurídico sobre a criação e destinação da criança, mesmo após destituída do poder familiar.
Assim, enquanto não cessado o vínculo de parentesco com o filho através da adoção, que extingue definitivamente o poder familiar dos pais biológicos, é possível a ação de restituição do poder familiar, a ser proposta pelo legítimo interessado, no caso, os pais destituídos do poder familiar.
Dessa forma, a ação de destituição do poder familiar ajuizada contra a genitora não eliminou o seu laço de parentesco natural com a criança.
A despeito de a sentença ter feito cessar, juridicamente, suas prerrogativas parentais, faticamente subsiste seu laço sanguíneo, que confere a ela legitimidade e interesse próprio para, em prol da proteção e melhor interesse da menor, discutir o destino da criança, seus cuidados e criação.
É cabível dano moral coletivo por conta de alojamento em estabelecimento impróprio de sentenciados à internação
É cabível dano moral coletivo por conta de alojamento em estabelecimento impróprio de sentenciados à internação, em patente violação ao 123 do ECA.
Segundo os autos, menores custodiados, após completarem 18 anos, eram transferidos para celas de presos provisórios e definitivos, obrigados a vestir o mesmo uniforme vermelho, recebendo idêntico tratamento dos detentos maiores de idade.
Assim, os jovens infratores, em vez de receberem orientação, em condições de dignidade, capaz de prepará-los para retorno à vida em liberdade, foram tratados como prisioneiros comuns, transformada em verdadeira universidade do crime a garantia legal indisponível de "proteção integral" e de "desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social" (art. 3º, caput, do ECA).
Submeter jovem a tratamento prisional destinado a adultos, máxime em condições degradantes, equivale a extirpar a dignidade e a desrespeitar "condição peculiar de pessoa em desenvolvimento" (art. 121, caput, do ECA), dotada de carências e garantias especiais – absolutas e indisponíveis – em decorrência da sua inimputabilidade etária.
STJ. 2ª Turma. REsp 1793332-MG, Rel. Min. Hermain Benjamin, julgado em 05/05/2019.
São constitucionais os dispositivos do ECA que proíbem o recolhimento compulsório de crianças e adolescentes, mesmo que estejam perambulando nas ruas
A situação concreta foi a seguinte:
O Partido Social Liberal (PSL) ajuizou ADI no STF contra os arts. 16, I; 105; 122, II e III; 136, I; 138; e 230 do ECA.
O pedido do autor era para que fosse feita uma interpretação conforme desses artigos e que o STF declarasse que é possível a apreensão de crianças e adolescentes para averiguação, ou por motivode perambulação, desde que determinada por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária.
Em outras palavras, o partido queria que o STF dissesse que o juiz pode autorizar que os agentes de segurança façam a apreensão de crianças e adolescentes que estejam perambulando nas ruas.
Veja os dispositivos do ECA que foram objeto da ADI:
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101.
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: (...)
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:
I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;
Art. 138. Aplica-se ao Conselho Tutelar a regra de competência constante do art. 147.
Art. 230. Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente:
Pena - detenção de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais.
O STF acolheu o pedido do autor?
NÃO. O STF julgou improcedente o pedido formulado na ação, ou seja, não aceitou dar a interpretação que era requerida pelo partido político.
Constituição Federal veda a interpretação pretendida pelo autor da ADI
As normas impugnadas estão de acordo e devem ser analisadas à luz do que preveem os arts. 5º, caput e incisos XXXV, LIV, LXI, e 227 da CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (...)
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Convenções internacionais
Além disso, essas normas do ECA possuem íntima ligação com regras:
· Da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH);
· Da Convenção sobre os Direitos da Criança;
· Das Regras de Pequim para a Administração da Justiça de Menores e
· Da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Liberdade de locomoção e doutrina da proteção integral
O art. 16, I, do ECA consagra a liberdade de locomoção da criança e do adolescente, “ressalvadas as restrições legais”, e está de acordo com a doutrina da proteção integral positivada no art. 227 da CF/88, que assegura o direito à dignidade, ao respeito e à liberdade das pessoas em desenvolvimento, proibindo toda e qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão.
Dessa forma, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade no direito de liberdade – de ir e vir – previsto no art. 16, I, da Lei nº 8.069/90.
Vale ressaltar, inclusive, que esse direito de ir e vir constitui cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, IV, da CF/88, e não pode nem sequer ser suprimido ou indevidamente restringido mediante proposta de emenda constitucional.
Ademais, conforme já dito, o art. 16, I, do ECA está também em consonância com vários diplomas internacionais, dentre eles:
· O direito à liberdade e a proibição à discriminação, previstos nos arts. 1º e 2º da DUDH;
· A proibição contra interferências ilegítimas e arbitrárias na vida particular das crianças, prevista no art. 16 da Convenção sobre Menores da ONU;
· A norma de proteção integral estabelecida no art. 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos; e
· As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores.
Ao contrário do que defendido pelos autores da ação, a exclusão do art. 16, I, do ECA do ordenamento jurídico poderia acarretar violações aos direitos humanos e fundamentais das crianças e dos adolescentes, agravando a situação de extrema privação de direitos a que já são submetidos, em especial para aqueles que vivem em condição de rua.
Não se deve retomar a “doutrina menorista”
As privações sofridas e a condição de rua desses menores não podem ser corrigidas com novas restrições a direitos e o restabelecimento da doutrina menorista que encarava essas pessoas enquanto meros objetos da intervenção estatal.
Liberdade das crianças e adolescentes não é absoluta
É certo que a liberdade das crianças e adolescentes não é absoluta, admitindo restrições legalmente estabelecidas e compatíveis com suas condições de pessoas em desenvolvimento, conforme a parte final do art. 16, I, do ECA.
Nesse sentido, a capacidade de exercício de direitos pode ser limitada, em razão da imaturidade.
No entanto, o pedido formulado na ação buscava eliminar completamente o direito de liberdade dos menores, o núcleo essencial, indo além dos limites imanentes ou “limites dos limites” desse direito fundamental, restabelecendo a já extinta “prisão para averiguações”, que viola a norma do art. 5º, LXI, da CF/88.
Não declaração de inconstitucionalidade do crime do art. 230 do ECA
Também foi rejeitado o pedido para declaração de inconstitucionalidade do art. 230 do ECA. Segundo o STF, isso representaria verdadeiro cheque em branco para que detenções arbitrárias, restrições indevidas à liberdade dos menores e violências de todo tipo pudessem ser livremente praticadas, o que não pode ser admitido.
Aliás, o crime em questão é sancionado com pena de detenção de seis meses a dois anos, tratando-se, dessa forma, de infração penal de menor potencial ofensivo. Portanto, o tipo penal se aproxima mais da proibição de proteção deficiente que da inconstitucionalidade por excesso de criminalização.
Ademais, a existência da referida norma não impede a apreensão em flagrante de menores pela prática de atos análogos a crimes.
Constitucionalidade dos arts. 105, 136 e 138 do ECA
Afastou-se também a alegada inconstitucionalidade dos arts. 105, 136 e 138 do ECA.
Tais dispositivos preveem que a criança que pratica ato infracional não recebe medida socioeducativa, mas apenas medidas protetivas.
O tratamento adequado para a criança infratora é um desafio para a sociedade.
A decisão do legislador de não aplicar medidas mais severas para a criança infratora está em harmonia com a percepção de que a criança é um ser em desenvolvimento que precisa, acima de tudo, de proteção e educação, ou seja, trata-se de uma distinção compatível com a condição de maior vulnerabilidade e de pessoa em desenvolvimento, quando comparada a adolescentes e pessoas adultas.
O legislador dispõe de considerável margem de discricionariedade para definir o tratamento adequado à criança em situação de risco criada por seu próprio comportamento.
A opção pela exclusividade das medidas protetivas não é desproporcional; ao contrário, alinha-se com as normas constitucionais e internacionais.
A atuação do conselho tutelar nesses casos de atos infracionais praticados por crianças não representa qualquer ofensa à Constituição nem viola a garantia da inafastabilidade da jurisdição.
Nesse sentido, cumpre ressaltar que o conselho tutelar é um colegiado de leigos, assim como o tribunaldo júri, previsto no inciso XXXVIII do art. 5º da CF/88. Trata-se de órgão que permite a participação direta da sociedade na implementação das políticas públicas definidas no art. 227 da CF/88, voltadas para a promoção e proteção da infância, em consonância com as mais atuais teorias de justiça, democracia e participação popular direta.
A atuação do conselho tutelar não exclui a apreciação de eventuais demandas ou lides pelo Poder Judiciário, inexistindo, portanto, a alegada ofensa ao art. 5º, XXXV, da CF/88.
Constitucionalidade do art. 122, II e III, do ECA
O autor afirmava que o legislador violou a proporcionalidade ao prever no art. 122, II e III, do ECA, hipóteses muito restritas de internação.
O STF afastou a apontada inconstitucionalidade.
O espaço de conformação do legislador é amplo. Existe, assim, uma margem larga de discricionariedade conferida ao legislador para estabelecer as medidas aplicáveis ao adolescente infrator.
As infrações violentas podem, desde logo, corresponder à internação (inciso I). O objetivo de prevenção é especialmente resguardado nos casos em que a integridade física das vítimas é posta em risco. Fora isso, a lei evita ao máximo conferir ao magistrado o poder de aplicar a internação.
Tem-se aí uma opção perfeitamente proporcional do legislador, em razão do caráter estigmatizante e traumatizante da internação de uma pessoa em desenvolvimento. Isso sem falar da precária situação das entidades de acolhida.
A referida opção legislativa encontra-se de acordo com as normas constitucionais e internacionais que impõem a utilização das medidas de internação como último recurso, privilegiando os princípios da excepcionalidade, brevidade e proporcionalidade das medidas restritivas da liberdade.
Em suma:
São constitucionais o art. 16, I, o art. 105, o art. 122, II e III, o art. 136, I, o art. 138 e o art. 230 do ECA.
Tais dispositivos estão de acordo com o art. 5º, caput e incisos XXXV, LIV, LXI e com o art. 227 da CF/88.
Além disso, são compatíveis com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), a Convenção sobre os Direitos da Criança, as Regras de Pequim para a Administração da Justiça de Menores e a Convenção Americana de Direitos Humanos.
STF. Plenário. ADI 3446/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 7 e 8/8/2019 (Info 946).
Compete à Justiça Estadual (e não à Justiça do Trabalho) autorizar trabalho artístico de crianças e adolescentes
Em 2004, com a EC 45, surgiu uma nova tese a respeito do tema.
Isso porque esta Emenda ampliou o rol de competências do art. 114 da CF/88 e parcela da doutrina e jurisprudência passou a defender que a competência para autorizar a participação de crianças e adolescentes em “representações artísticas” seria agora da Justiça do Trabalho, com base no art. 114, I e IX, da CF/88:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (...)
IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
O STF concordou com esta tese?
NÃO. O STF, ao julgar medida cautelar na ADI 5326/DF, decidiu que:
Compete à Justiça Comum Estadual (juízo da infância e juventude) apreciar os pedidos de alvará visando a participação de crianças e adolescentes em representações artísticas.
STF. Plenário. ADI 5326/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 27/9/2018 (Info 917).
Proteção das crianças e adolescentes
A CF/88 dedicou um capítulo para tratar sobre a família, a criança, o adolescente, o jovem e o idoso.
No art. 227 prevê que:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O legislador ordinário, ao concretizar o comando do art. 227 da CF/88, editou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e previu a chamada “Justiça da Infância e da Juventude”.
O ECA determinou, então, que o Juiz da Infância e da Juventude é a autoridade judiciária responsável pelos processos de tutela integral das crianças e adolescentes.
Trata-se de competência fixada em razão da matéria, de caráter absoluto, e em proveito da especial tutela requerida pelo grupo de destinatários: crianças e adolescentes.
Competência para autorizar a participação em eventos artísticos
Uma das atribuições impostas ao Juiz da Infância e da Juventude foi justamente a de autorizar a participação de menores em eventos artísticos (art. 149, II do ECA), autorização a ser implementada mediante a expedição de alvará específico.
Natureza cível da cognição (ausência de discussão quanto à relação de trabalho)
No § 1º do art. 149 estão listados os fatores que o juiz deverá levar em consideração para conferir a referida autorização. Ao se analisar tais fatores, percebe-se que o magistrado faz uma cognição de “natureza cível”, não havendo exame de “relação de trabalho”. A análise se faz acerca das condições da representação artística. O juiz deve investigar se essas condições atendem à exigência de proteção do melhor interesse do menor, contida no art. 227 da CF/88.
Assim, o referido pedido de autorização possui natureza eminentemente cível, relacionado ao Direito da Criança e do Adolescente. A sua causa de pedir envolve a verificação da preservação integral dos direitos do menor, como, por exemplo, educação, saúde, alimentação, convivência familiar, cultura e dignidade, que não podem ser prejudicados pelo desempenho da atividade artística.
O Juízo da Infância e da Juventude é a autoridade que reúne os predicados e as capacidades institucionais necessárias para a realização de exame de tamanha relevância e responsabilidade.
Dessa forma, o art. 114, I e IX, da CF/88, que estabelece a competência da Justiça do Trabalho, não alcança os casos de pedido de autorização para participação de crianças e adolescentes em eventos artísticos, considerando que não há, no caso, conflito atinente a relação de trabalho.
Vale ressaltar que esse é também o entendimento do STJ:
O pedido de alvará para autorização de trabalho a menor de idade é de conteúdo nitidamente civil e se enquadra no procedimento de jurisdição voluntária, inexistindo debate sobre qualquer controvérsia decorrente de relação de trabalho, até porque a relação de trabalho somente será instaurada após a autorização judicial pretendida.
STJ. 1ª Seção. CC 98.033/MG, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 12/11/2008.
Caso concreto julgado pelo STF:
Alguns Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais do Trabalho, em conjunto com Ministérios Públicos Estadual e do Trabalho editaram recomendações dizendo que a competência para autorizar a participação de crianças e adolescentes em espetáculos artísticos seria da Justiça do Trabalho. Foi o caso, por exemplo:
· Da Recomendação Conjunta 1/2014 das Corregedorias dos Tribunais de Justiça e do Trabalho, e dos Ministérios Públicos estadual e do Trabalho, todos do Estado de São Paulo; e
· Da Recomendação Conjunta 1/2014, dos Ministérios Públicos estadual e do Trabalho, e das Corregedorias do Tribunal de Justiça e do Trabalho, todos do Estado de Mato Grosso.
Além disso, o TRT da 2ª Região também baixou um Provimento (GP/CR 7/2014) no mesmo sentido.
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) ajuizou ADI contra esses atos normativos.
Em 2015, Ministro Relator Marco Aurélio, monocraticamente, deferiu liminar para suspender os atos e para determinar que os pedidos de autorização de trabalho artístico para crianças e adolescentes fossem apreciados pela Justiça Comum.
Em 2018, o STF referendou a medida liminar concedida e suspendeu a eficácia das normas impugnadas. Para a maioria dos Ministros, a matéria é de competência da Justiça comum.Os Ministros entenderam que os atos normativos impugnados possuem vícios de inconstitucionalidade formal e material:
· Inconstitucionalidade formal: os dispositivos tratam da distribuição de competência jurisdicional e da criação de juízo auxiliar da Infância e da Juventude no âmbito da Justiça do Trabalho, porém não foram produzidos mediante lei.
· Inconstitucionalidade material: os referidos atos normativos determinam uma competência da Justiça do Trabalho que não encontra respaldo na Constituição Federal, violando, portanto, os arts. 114 e 227 da CF/88.
Ainda não há data para julgamento definitivo da ação.
Inaplicabilidade do art. 942 do CPC/2015
Técnica de julgamento do art. 942 do CPC/2015 (técnica de complementação de julgamento não unânime)
O resultado do julgamento da apelação pode ser unânime (quando todos os Desembargadores concordam) ou por maioria (quando no mínimo um Desembargador discorda dos demais).
Se o resultado se der por maioria, o CPC prevê uma nova “chance” de a parte que “perdeu” a apelação reverter o resultado. Como assim?
Se o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em uma nova sessão, que será marcada e que contará com a presença de novos Desembargadores que serão convocados, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial.
Ex: o resultado da apelação foi 2x1; 2 Desembargadores votaram pelo provimento da apelação (em favor de João) e um Desembargador votou pela manutenção da sentença (em favor de Pedro); significa dizer que deverá ser designada uma nova sessão e para essa nova sessão serão convocados dois novos Desembargadores que também irão emitir votos; neste nosso exemplo, foram convocados 2 porque a convocação dos novos julgadores deverá ser em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial (se os dois novos Desembargadores votarem com a minoria, o placar se inverte para 3x2).
Veja a previsão legal:
Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.
Prosseguimento na mesma sessão
Sendo possível, o prosseguimento do julgamento pode ocorrer na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado (§ 1º do art. 942).
Juízo de retratação
Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º do art. 942). Mesmo que isso ocorra, ou seja, que alguém mude de opinião, ainda assim deverão ser colhidos os votos dos Desembargadores convocados. Nesse sentido:
Enunciado 599-FFPC: A revisão do voto, após a ampliação do colegiado, não afasta a aplicação da técnica de julgamento do art. 942.
Esse art. 942 é uma espécie de recurso?
NÃO. Trata-se de uma “técnica de complementação de julgamento nas decisões colegiadas não unânimes de segunda instância”.
A parte que “perdeu” a apelação precisa pedir a aplicação do art. 942?
NÃO. Essa técnica de julgamento é obrigatória e aplicável de ofício, automaticamente, pelo Tribunal. A parte não precisa requerer a sua aplicação.
Essa técnica vale apenas para a apelação?
NÃO. Além da apelação, a técnica de julgamento prevista no art. 942 aplica-se também para o julgamento não unânime proferido em:
· Ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;
· Agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
Embargos infringentes
Os embargos infringentes eram uma espécie de recurso previsto no CPC/1973.
Os embargos infringentes só cabiam para questionar acórdão. Não bastava, contudo, que fosse acórdão. Era necessário que ele fosse NÃO UNÂNIME, ou seja, acórdão em que houve voto vencido.
A finalidade dos embargos infringentes era a de renovar a discussão para fazer prevalecer as razões do voto vencido.
Segundo o art. 530 do CPC/1973, cabiam embargos infringentes em duas hipóteses:
· Contra acórdão não unânime (por maioria) que reformasse, em grau de apelação, a sentença de mérito.
· Contra acórdão não unânime (por maioria) que julgasse procedente a ação rescisória.
O CPC/2015 acabou com a existência dos embargos infringentes, mas criou essa “técnica de julgamento” do art. 942, que possui algumas semelhanças com os embargos infringentes, mas que não se trata de recurso.
“(...) Esse mecanismo, conquanto não tenha natureza recursal, faz lembrar os embargos infringentes. Por não ser recurso, no entanto, não depende de interposição, constituindo apenas uma fase do julgamento da apelação, do agravo de instrumento contra decisão de mérito e da ação rescisória, não unânime.”
(GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 885).
IMPORTANTE. Situações nas quais NÃO se aplicará a técnica de julgamento do art. 942
Não se aplica a técnica de julgamento do art. 942 do CPC ao julgamento:
· Do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;
· Da remessa necessária;
· Não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.
A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no caso de rescisão apenas parcial do julgado rescindendo?
SIM. Enunciado 63 – Jornada CJF: A técnica de que trata o art. 942, § 3º, I, do CPC aplica-se à hipótese de rescisão parcial do julgado.
A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no julgamento de apelação em processo de mandado de segurança?
SIM. Enunciado 62 – Jornada CJF: Aplica-se a técnica prevista no art. 942 do CPC no julgamento de recurso de apelação interposto em mandado de segurança.
A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada nos Juizados Especiais?
NÃO. É a posição da doutrina majoritária:
Enunciado 552-FPPC: Não se aplica a técnica de ampliação do colegiado em caso de julgamento não unânime no âmbito dos Juizados Especiais.
A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no caso de apelação não unânime em processo no qual se apura a prática de ato infracional por adolescente?
· 5ª Turma do STJ: SIM
· Admite-se a incidência do art. 942 do CPC/2015 para complementar o julgamento da apelação julgada por maioria nos procedimentos relativos ao estatuto do menor. 
· STJ. 5ª turma. AgRg no REsp 1.673.215-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 17/05/2018 (Info 627).
· Por quê?
· O art. 198 do ECA diz que, nos procedimentos de competência da Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas, deve-se adotar o sistema recursal previsto no CPC.
· Como o sistema recursal do CPC prevê a técnica de complementação do julgamento (art. 942), isso deverá ser também aplicado para os recursos do ECA.
· 6ª Turma do STJ: DEPENDE
· Se a decisão não unânime foi favorável ao adolescente infrator: não se deve aplicar o art. 942 do CPC/2015.
· É inaplicável a técnica de julgamento prevista no artigo 942 do CPC/2015 nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude quando a decisão não unânime for favorável ao adolescente.
· STJ. 6ª Turma. 6ª Turma. REsp 1.694.248-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 03/05/2018 (Info 626).
· Se a decisão não unânime foi contrária ao adolescente infrator: deve-se aplicar o art. 942.
· Por quê?
· Realmente o sistema recursal do CPC deve ser aplicado para os procedimentos da Justiça da Infância e da Juventude. Isso está expressamente previsto no art. 198 do ECA.
· Ocorre que ao menor infrator devem ser assegurados os mesmos direitos de que gozam os maiores de 18 anos que forem réus em processo criminal.
· Por mais que a medida socioeducativa não seja considerada “pena”, ela possui, indiscutivelmente,uma natureza sancionatória.
· Se for aplicado o art. 942 do CPC em uma apelação não unânime que tenha sido favorável ao adolescente infrator (ex: o Tribunal rejeitou a medida socioeducativa), isso significa que esse adolescente terá um tratamento mais gravoso do que os réus maiores de 18 anos possuem no processo penal.
· No processo penal, se a apelação for favorável ao réu, não se aplica o art. 942 do CPC nem caberão os embargos infringentes do art. 609 do CPP. Isso porque os embargos infringentes somente são cabíveis na hipótese de o julgamento por maioria ter sido contrário ao réu. Em outras palavras, os embargos infringentes são um recurso exclusivo da defesa.
· Ora, se não cabem embargos infringentes do art. 609 do CPP quando o acórdão não unânime foi favorável ao réu, com maior razão também não se pode admitir a técnica do art. 942 do CPC se o acórdão não unânime foi favorável ao adolescente infrator.
Competência da Vara de Violência Doméstica para decidir guarda de criança e autorização para viagem se a causa de pedir estiver relacionada com a violência praticada contra a genitora
Imagine a seguinte situação hipotética:
Pedro e Helena vivem em união estável e possuem um filho de 2 anos de idade chamado Lucas.
Determinado dia, Pedro, motivado por ciúmes, agrediu fisicamente Helena.
Diante disso, a vítima procurou a Defensoria Pública e esta requereu à Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher, dentre outras, as seguintes medidas em favor de Helena:
· Guarda unilateral de Lucas;
· Autorização para que ela viaje com o filho para Bolívia, considerando que a sua família reside naquela localidade, não tendo amigos ou parentes no Brasil.
A defesa de Pedro contestou o pedido afirmando que a competência para este pedido é do Juízo da Vara da Infância e Juventude (e não da Vara de Violência Doméstica).
A discussão aqui, portanto, é apenas quanto à competência. A Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher possui competência para decidir esses pedidos no presente caso?
SIM.
A Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher possui competência para o julgamento de pedido incidental de natureza civil, relacionado à autorização para viagem ao exterior e guarda unilateral do infante, na hipótese em que a causa de pedir de tal pretensão consistir na prática de violência doméstica e familiar contra a genitora.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.550.166-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 21/11/2017 (Info 617).
O art. 14 da Lei nº 11.340/2006 prevê uma competência híbrida (criminal e civil) da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Confira:
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Dessa forma, os Juizados de Violência Doméstica possuem competência para as ações de natureza civil que tenham por causa de pedira prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
O propósito conferido pela Lei nº 11.340/2006 foi o de outorgar ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe avaliar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Isso tem por objetivo facilitar o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, conferindo-lhe uma maior proteção.
Assim, para o estabelecimento da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil, é imprescindível que a causa de pedir da ação consista justamente na prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher.
Dessa forma, para o estabelecimento da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil (notadamente, as relacionadas ao Direito de Família), é necessário que a ação decorra (tenha por fundamento) da prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher.
É necessário ainda que, no momento do ajuizamento da ação de natureza cível, a vítima esteja em situação de violência doméstica e familiar, fazendo com que ela tenha direito, pelo menos em tese, às medidas protetivas expressamente previstas na Lei nº 11.340/2006.
Na hipótese dos autos, a competência para o exame da referida pretensão é da Vara Especializada, na medida em que o pedido relacionado ao interesse da criança deu-se em plena vigência de medida protetiva de urgência destinada a neutralizar a situação de violência doméstica.
Reconhecimento de dano moral coletivo por conta de programa de televisão que divulga testes de DNA tratando o tema de forma jocosa e depreciativa
Imagine a seguinte situação adaptada:
Existia um programa de TV local chamado “Resolvo a Bronca”.
Nele, havia um quadro denominado “Investigação de Paternidade”, no qual o apresentador abria ao vivo testes de DNA e acabava expondo as crianças e adolescentes ao ridículo, especialmente quando o resultado do exame era negativo.
Vale ressaltar, ainda, que o apresentador do programa utilizava expressões jocosas e depreciativas em relação à concepção das crianças e adolescentes.
Como exemplo, em um dos programas, o apresentador falou:
“Oh, dúvida cruel! É do marido ou é do outro? Será que ele é filho de ‘tiquim’? ‘Tiquim’ de um, ‘tiquim’ de outro?”.
Diante disso, o Ministério Público ajuizou ação civil pública pedindo a condenação da emissora de TV ao pagamento de indenização por dano moral coletivo.
Na contestação, a ré alegou que:
· O dano moral é um dano personalíssimo, ou seja, individual, e que deveria ter sido reclamado pelos participantes do quadro e não pelo Ministério Público;
· Os nomes das crianças e dos adolescentes não eram falados no ar;
· O dano moral não restou comprovado.
A questão chegou até o STJ? Houve dano moral coletivo?
SIM.
Legitimidade do MP
O Ministério Público Estadual possui legitimidade para ação de reparação dos danos causados a crianças e adolescentes, nos termos do art. 201, V, do ECA:
Art. 201. Compete ao Ministério Público: (...)
V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal;
Vale ressaltar que na ação, o Ministério Público não está pleiteando direitos individuais das crianças e adolescentes expostos pelo programa. O objetivo é o de resguardar os valores constitucionais encartados no princípio da dignidade humana, em especial de crianças e adolescentes, seres humanos em desenvolvimento, cuja incolumidade física, mental, moral, espiritual e social há de ser preservada com absoluta prioridade.
A jurisprudência admite a existência de dano moral coletivo?
SIM. A jurisprudência majoritária admite a possibilidade de haver condenação por dano moral coletivo.
Desnecessidade de comprovação de dor
O dano moral coletivo é uma categoria autônoma de dano.
Para que o dano moral coletivo seja reconhecido, não é necessário que se investigue se houve dor psíquica, sofrimento ou outros atributos próprios do dano individual.
Assim, o dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico. Esses elementos (dor, sofrimento etc.) são suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas não se aplicam para interesses difusos e coletivos (STJ REsp 1.057.274/RS).
O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade (REsp 1.397.870/MG).
In re ipsa
Assim, conclui-se que o dano moral coletivoé aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral.
Função sancionatória e pedagógica do dano moral coletivo
A reparação adequada do dano moral coletivo deve refletir sua função sancionatória e pedagógica, desestimulando o ofensor a repetir a falta, sem constituir, de outro lado, um ônus financeiro capaz de inviabilizar a continuidade da atividade empresarial exercida pelo fornecedor.
Quantum do valor
A quantificação do dano moral coletivo depende do exame das peculiaridades de cada caso concreto, devendo ser observados alguns critérios:
· A relevância do interesse transindividual lesado;
· A gravidade e a repercussão da lesão;
· A situação econômica do ofensor;
· O proveito obtido com a conduta ilícita;
· O grau da culpa ou do dolo (se presentes);
· A verificação da reincidência;
· O grau de reprovabilidade social.
Para quem é destinado o dinheiro da condenação?
Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados (art. 13 da Lei nº 7.347/85).
Exemplos de dano moral coletivo:
· Instituição bancária que constantemente demora de forma excessiva no atendimento ao consumidor (STJ. 2ª Turma. REsp1.402.475/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 09/05/2017).
· Instituição financeira que não fornecia opções dos contratos bancários em braille para as pessoas com deficiência visual (STJ. 4ª Turma. REsp 1.349.188/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/05/2016).
· Instituição financeira que oferece, em sua agência, atendimento inadequado aos consumidores idosos, deficientes físicos e com dificuldade de locomoção (STJ. 3ª Turma. REsp 1.221.756-RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 2/2/2012).
· Posto de gasolina que pratica “infidelidade de bandeira”, ou seja, que ostenta marca comercial de uma distribuidora (ex: Petrobrás), mas vende combustível de outras (STJ. 4ª Turma. REsp 1.487.046/MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/03/2017).
· Prática de venda casada por parte de operadora de telefonia celular (STJ. 2ª Turma. REsp 1.397.870-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 2/12/2014).
· Empreendimento que oferecia, de forma ilegal, videobingos e caça-níqueis (STJ. 2ª Turma. REsp 1464868/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/11/2016).
Danos morais coletivos X danos sociais
Dano social não é sinônimo de dano moral coletivo.
Danos sociais, segundo Antônio Junqueira de Azevedo,
“são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população.” (p. 376).
O dano social é, portanto, uma nova espécie de dano reparável, que não se confunde com os danos materiais, morais e estéticos, e que decorre de comportamentos socialmente reprováveis, que diminuem o nível social de tranquilidade.
Alguns exemplos dados por Junqueira de Azevedo: o pedestre que joga papel no chão, o passageiro que atende ao celular no avião, o pai que solta balão com seu filho. Tais condutas socialmente reprováveis podem gerar danos como o entupimento de bueiros em dias de chuva, problemas de comunicação do avião causando um acidente aéreo, o incêndio de casas ou de florestas por conta da queda do balão etc.
Diante da prática dessas condutas socialmente reprováveis, o juiz deverá condenar o agente a pagar uma indenização de caráter punitivo, dissuasório ou didático, a título de dano social.
Conforme explica Flávio Tartuce, os danos sociais são difusos e a sua indenização deve ser destinada não para a vítima, mas sim para um fundo de proteção ao consumidor, ao meio ambiente etc., ou mesmo para uma instituição de caridade, a critério do juiz (Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Método, 2013, p. 58).
Os danos sociais representam a aplicação da função social da responsabilidade civil (PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Os novos danos: danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance. Disponível em: http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11307).
Ex: decisão do TRT-2ª Região (processo 2007-2288), que condenou o Sindicato dos Metroviários de São Paulo e a Cia do Metrô a pagarem 450 cestas básicas a entidades beneficentes por terem realizado uma greve abusiva que causou prejuízo à coletividade.
Na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ foi aprovado um enunciado reconhecendo a existência dos danos sociais:
Enunciado 455: A expressão “dano” no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas.
Voltando ao caso concreto:
No caso concreto, o quadro “Investigação de Paternidade” do programa televisivo, ao expor a identidade (imagens e nomes) dos “genitores” das crianças e adolescentes, tornou-os vulneráveis a toda sorte de discriminações, ferindo o comando constitucional que impõe a todos (família, sociedade e Estado) o dever de lhes assegurar, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e ao respeito e de lhes colocar a salvo de toda forma de discriminação, violência, crueldade ou opressão (art. 227 da CF/88).
Assim, a conduta da emissora de televisão - ao exibir quadro que, potencialmente, poderia criar situações discriminatórias, vexatórias, humilhantes às crianças e aos adolescentes - traduz flagrante dissonância com a proteção universalmente conferida às pessoas em franco desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, donde se extrai a evidente intolerabilidade da lesão ao direito transindividual da coletividade, configurando-se, portanto, hipótese de dano moral coletivo indenizável.
Em suma:
A conduta de emissora de televisão que exibe quadro que, potencialmente, poderia criar situações discriminatórias, vexatórias, humilhantes às crianças e aos adolescentes configura lesão ao direito transindividual da coletividade e dá ensejo à indenização por dano moral coletivo.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.517.973-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2017 (Info 618).
Menor sob guarda é dependente para fins previdenciários
Beneficiários
Em um regime de previdência, seja o regime geral (administrado pelo INSS), seja o regime próprio (destinado aos servidores públicos), quando falamos em “beneficiários da previdência”, essa expressão abrange duas espécies: segurados e dependentes.
· Segurados
· São pessoas que, em razão de exercerem um trabalho, emprego ou cargo, ficam vinculadas diretamente ao Regime de Previdência.
· Estão vinculados diretamente ao Regime de Previdência.
· Ex: o servidor público federal, em virtude do cargo por ele desempenhado, vincula-se ao regime próprio de previdência dos servidores federais.
· Dependentes
· São as pessoas que recebem uma proteção previdenciária pelo fato de terem uma relação com o segurado.
· Estão vinculados de forma reflexa, em razão da relação que possuem com o segurado.
· Ex: a esposa do servidor público federal é beneficiária do regime previdenciário próprio na qualidade de dependente.
Dependentes
	O que são os dependentes para fins previdenciários?
Os dependentes são pessoas que, embora não contribuindo para a seguridade social, podem vir a receber benefícios previdenciários, em virtude de terem uma relação de afeto (cônjuge/companheiro) ou parentesco como segurado.
Quais os benefícios que os dependentes receberão?
Quem define isso é a lei. Em geral, todos os regimes de previdência preveem a pensão por morte como um benefício que os dependentes recebem quando ocorre o falecimento do segurado.
É o segurado quem escolhe quem são seus dependentes para fins previdenciários?
NÃO. A relação dos dependentes é definida pela legislação previdenciária. Assim, não é o segurado quem os indica. É a própria lei quem já prevê taxativamente quem tem direito de ser considerado dependente (art. 16 da Lei nº 8.213/91).
Os dependentes precisam se cadastrar no INSS?
Somente no momento em que forem receber o benefício. Antes de terem direito ao benefício, os dependentes do segurado não se inscrevem na autarquia previdenciária.
Classes de dependentes:
A Lei divide os dependentes em três classes:
· 1ª classe: para que recebam os benefícios previdenciários, os membros da 1ª classe NÃO precisam provar que eram dependentes economicamente do segurado (a dependência econômica é presumida pela lei).
· Cônjuge;
· Companheiro (hétero ou homoafetivo);
· Filho menor de 21 anos, desde que não tenha sido emancipado;
· Filho inválido (não importa a idade);
· Filho com deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave (não importa a idade).
· 2ª classe: para que recebam os benefícios previdenciários, os membros da 2ª e 3ª classes PRECISAM provar que eram dependentes economicamente do segurado.
· Pais do segurado
· 3ª classe: para que recebam os benefícios previdenciários, os membros da 2ª e 3ª classes PRECISAM provar que eram dependentes economicamente do segurado.
· Irmão menor de 21 anos, desde que não tenha sido emancipado;
· Irmão inválido (não importa a idade);
· Irmão com deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave (não importa a idade).
Guarda
Concessão da guarda para pessoa diversa dos pais
A legislação prevê algumas hipóteses em que a criança ou o adolescente pode ser colocado sob a guarda de uma pessoa que não seja nem seu pai nem sua mãe.
A concessão da guarda é uma das formas de colocação do menor em família substituta, sendo concedida quando os pais não apresentarem condições de exercer, com plenitude, seus deveres inerentes ao poder familiar, seja por motivos temporários ou permanentes.
A concessão da guarda para terceiros implica, necessariamente, a perda do poder familiar pelos pais?
NÃO. A concessão da guarda, diferentemente da tutela, “não implica em destituição do poder familiar, mas sim, transfere a terceiros componentes de uma família substituta provisória a obrigação de cuidar da manutenção da integridade física e psíquica da criança e do adolescente.” (ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente. Comentado artigo por artigo. 6. ed. São Paulo: RT, 2014, p. 187).
Hipóteses
Existem três hipóteses em que a guarda poderá ser deferida a outras pessoas que não sejam os pais da criança ou adolescente:
· Quando tramitar processo judicial para que a criança ou adolescente seja adotado ou tutelado, situação em que poderá ser colocado, liminar ou incidentalmente, sob a guarda do adotante ou tutor (art. 33, § 1º do ECA).
· Nesse caso, a guarda destina-se a regularizar juridicamente a situação de quem já está, na prática, cuidando do menor. O ECA fala que a guarda “destina-se a regularizar a posse de fato”;
· Quando essa transferência da guarda for necessária para atender a situações peculiares ou para suprir a falta eventual dos pais ou responsável (art. 33, § 2º do ECA). Ex: pais irão fazer uma longa viagem para o exterior, ficando a criança no Brasil;
· Quando o juiz verificar que nem o pai nem a mãe estão cumprindo adequadamente o dever de guarda do filho, situação em que deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade (art. 1.584, § 5º do CC).
Responsabilidades do guardião
A pessoa que recebe a guarda, chamada de “guardião” (ou “detentor da guarda”), tem a obrigação de prestar assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente.
O guardião, no exercício de suas responsabilidades inerentes à guarda, tem o direito de fazer prevalecer suas decisões em relação ao menor, podendo, para isso, opor-se em relação a terceiros, inclusive aos próprios pais da criança ou adolescente (art. 33, caput, do ECA).
Guarda e efeitos previdenciários
A criança ou adolescente que está sob guarda é considerada dependente do guardião?
Para responder a esta pergunta é necessário fazer um histórico da legislação.
Lei 8.069/90
Em 1990, foi editado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) prevendo que sim. Veja o que estabelece o § 3º do art. 33 do ECA:
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.
Redação original da Lei 8.213/91
Em 1991, foi publicada a Lei nº 8.213/91, que trata sobre os Planos de Benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Essa Lei elencou, em seu art. 16, quem seriam as pessoas consideradas dependentes dos segurados. O § 2º do art. 16 previu que o menor que estivesse sob guarda judicial deveria ser equiparado a filho e, portanto, considerado como dependente do segurado.
Em outras palavras, a redação original da Lei nº 8.213/91 dizia que o menor sob guarda era considerado dependente previdenciário do guardião.
MP 1.523/96 e Lei 9.528/97
Em 1996, foi editada a MP 1.523/96, que alterou a redação do § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91 e excluiu o menor sob guarda do rol de dependentes.
A justificativa dada para esta alteração foi a de que estavam ocorrendo muitas fraudes. O avô(ó), já aposentado, obtinha a guarda de seu neto(a) apenas para, no futuro, deixar para ele(a) pensão por morte, quando falecesse. A criança continuava morando com seus pais e esta guarda era obtida apenas para fins previdenciários. Dessa forma, a intenção do Governo foi a de acabar com os efeitos previdenciários da guarda.
A referida MP foi, posteriormente, convertida na Lei nº 9.528/97.
ECA não foi alterado, o que gerou polêmica
Ocorre que o legislador alterou a Lei nº 8.213/91, mas não modificou o § 3º do art. 33 do ECA.
Assim, os advogados continuaram defendendo a tese de que o menor sob guarda permanece com direitos previdenciários por força do ECA.
O INSS, por sua vez, argumentava que o art. 33, § 3º do ECA foi derrogado implicitamente pela Lei nº 9.528/97. Segundo a autarquia, a Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.528/97, é lei posterior e mais especial do que o ECA. Assim, no conflito entre a atual redação do art. 16 da Lei nº 8.213/91 e o art. 33, § 3º da Lei nº 8.069/90 deveria prevalecer o primeiro diploma, ante a natureza específica da norma previdenciária.
A jurisprudência oscilava, ora em um sentido, ora em outro. A questão, no entanto, foi agora pacificada pela Corte Especial do STJ.
A criança ou adolescente que está sob guarda é considerada dependente do guardião? A guarda confere direitos previdenciários à criança ou adolescente? Se o guardião falecer, a criança ou adolescente que estava sob sua guarda poderá ter direito à pensão por morte?
SIM.
Ao menor sob guarda deve ser assegurado o direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o falecimento se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei nº 9.528/97 na Lei nº 8.213/91.
O art. 33, § 3º do ECA deve prevalecer sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da Previdência Social, em homenagem ao princípio da proteção integral e preferência da criança e do adolescente (art. 227 da CF/88).
STJ. Corte Especial. EREsp 1141788/RS, Min. Rel. João Otávio de Noronha, julgado em 07/12/2016.
O ECA não é uma simples lei, uma vez que representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento do mandamento previsto no art. 227 da CF/88.
Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente,contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico.
Desse modo, embora a lei previdenciária seja norma específica da previdência social, não menos certo é que a criança e adolescente contam com proteção de norma específica que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários. Logo, prevalece a previsão do ECA trazida pelo art. 33, § 3º, mesmo sendo anterior à lei previdenciária.
Este entendimento vale também para o Regime Próprio de Previdência Social?
SIM. Mesmo antes da decisão Corte Especial acima explicada, já havia precedentes do STJ neste sentido:
(...) 1. O menor sob guarda judicial de servidor público do qual dependa economicamente no momento do falecimento do responsável tem direito à pensão temporária de que trata o art. 217, II, b, da Lei 8.112/90.
2. O art. 5º da Lei 9.717/98 deve ser interpretado em conformidade com o princípio constitucional da proteção integral à criança e ao adolescente (CF, art. 227), como consectário do princípio fundamental da dignidade humana e base do Estado Democrático de Direito, bem assim com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90, art. 33, § 3º). (...)
STJ. Corte Especial. MS 20.589/DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 03/06/2015.
 (...) 1. Caso em que se discute a possibilidade de assegurar benefício de pensão por morte a menor sob guarda judicial, em face da prevalência do disposto no artigo 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, sobre norma previdenciária de natureza específica.
2. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu campo de incidência amparado pelo status de prioridade absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria comprometida com as regras protetivas estabelecidas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. A Lei 8.069/90 representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento da ordem constitucional, haja vista o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 dispor que é dever do Estado assegurar com absoluta prioridade à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá- los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
4. Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico.
5. Embora a lei complementar estadual previdenciária do Estado de Mato Grosso seja lei específica da previdência social, não menos certo é que a criança e adolescente tem norma específica, o Estatuto da Criança e do Adolescente que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei n.º 8.069/90), norma que representa a política de proteção ao menor, embasada na Constituição Federal que estabelece o dever do poder público e da sociedade na proteção da criança e do adolescente (art. 227, caput, e § 3º, inciso II). (...)
STJ. 1ª Seção. RMS 36.034/MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26/02/2014.
Exemplo:
João, avô de Beatriz, de 10 anos, tem a guarda de sua neta, concedida judicialmente.
Vale ressaltar que João é servidor público do Estado do Mato Grosso.
O Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Mato Grosso, editado em 2004, traz, em seu art. 245, a relação das pessoas que podem ser consideradas dependentes dos servidores.
O art. 245 não incluiu no rol de dependentes para fins previdenciários o menor sob guarda.
João morreu. Beatriz terá direito à pensão por morte.
Se ocorrer o óbito do segurado de regime previdenciário que seja detentor da guarda judicial de criança ou adolescente, será assegurado o benefício da pensão por morte ao menor sob guarda, ainda que este não tenha sido incluído no rol de dependentes previsto na lei previdenciária aplicável.
Reforma da Previdência (EC 103/2019)
A Reforma da Previdência buscou superar essa jurisprudência. Nesse sentido, veja o que previu o § 6º do art. 23 da EC 103/2019:
Art. 23 (...)
§ 6º Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica.
Com isso, a conclusão que se chega é a de que o § 3º do art. 33 do ECA não foi recepcionado pela EC 103/2019, pelo menos no que tange às pensões por morte concedidas no RGPS ou no caso de servidor público federal:
Art. 33 (...) § 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.
Se o menor sob guarda continua morando com um dos seus pais (e não com o guardião), isso representa burla ao instituto da guarda, não devendo ser deferida a medida
Residindo a criança com um dos genitores, eventual guarda formulada pelos avós com fins meramente previdenciários representa desvirtuamento do instituto da guarda objeto do art. 33 do ECA.
STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1531830/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/05/2016.
Inadequação do habeas corpus para impugnar decisão que determina a busca e apreensão e o acolhimento de criança
Imagine a seguinte situação hipotética:
João e Maria conheceram uma criança órfã, chamada Lucas e resolveram adotá-la.
Ocorre que, em vez de iniciarem o procedimento legal para a adoção, eles simplesmente começaram a criar Lucas em sua casa.
O Ministério Público ajuizou ação contra o casal e o juiz deferiu liminar determinando a busca e apreensão da criança e a sua entrega para outra família devidamente cadastrada no programa de adoção.
Contra a decisão do juiz, o casal impetrou habeas corpus pedindo que a criança permanecesse com eles e não fosse levada para outra família.
Agiu corretamente o casal? É cabível habeas corpus neste caso?
NÃO.
Não cabe habeas corpus para impugnar decisão judicial liminar que determinou a busca e apreensão de criança para acolhimento em família devidamente cadastrada junto a programa municipal de adoção.
STJ. 4ª Turma. HC 329.147-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 20/10/2015 (Info 574).
A jurisprudência majoritária do STJ entende que o habeas corpus não é instrumento processual adequado para a concessão desse tipo de provimento jurisdicional.
Ademais, o caso não se enquadra na hipótese de ameaça de violência ou coação em liberdade de locomoção prevista no art. 5º, LXVIII, da CF/88.
No mesmo sentido:
O habeas corpus não é o instrumento processual adequado para decidir acerca de questões de direito de família. 
Igualmente não se trata de remédio processual cabível para rever decisão liminar de relator em impetração anterior em trâmite na origem (Súmula 691/STF).
A superação desses obstáculos somente é admitida pelo STJ em situações excepcionais, nas quais se vislumbra a prevalência absoluta do princípio do melhor interesse do menor, o que não se verifica no caso presente.
Hipótese em que a ação de acolhimento institucional foi proposta pelo Ministério Público após a gravíssima imputação de que a menor fora afirmada como morta no parto à possível família biológica paterna, sem apresentação de atestado de óbito, tendo sido comprovado, ao revés, que nascera viva, e diante da recusa do pai registral em fazer o exame de DNA. 
STJ. 4ª Turma. HC 603.780/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 17/11/2020.
Vale ressaltar que a análise acaba sendo muito casuísta e o STJ possui julgados admitindo habeas corpus em caso de acolhimento institucional manifestamente incabível: 
(...) 1. O Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, ao preconizara doutrina da proteção integral (artigo 1º da Lei nº 8.069/1990), torna imperativa a observância do melhor interesse da criança.
2. É incabível o acolhimento institucional de criança que possui família extensa (avó materna) com interesse de prestar cuidados (art. 100 da Lei nº 8.069/1990).
3. Ressalvado o evidente risco à integridade física ou psíquica do infante, é inválida a determinação de acolhimento da criança, que, no caso concreto, exterioriza flagrante constrangimento ilegal.
4. Ordem concedida.
STJ. 3ª Turma. HC 440.752/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 24/04/2018.
Legitimidade do MP para ACP na defesa de crianças e adolescentes
O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública a fim de obter compensação por dano moral difuso decorrente da submissão de adolescentes a tratamento desumano e vexatório levado a efeito durante rebeliões ocorridas em unidade de internação.
STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1368769-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 6/8/2013 (Info 526).
Veiculação de imagens constrangedoras de crianças e adolescentes
Um programa de TV pode divulgar imagens que mostram um adulto espancando e torturando, de forma bárbara, uma criança (ainda que sem mostrar o rosto da vítima)?
NÃO. A 3ª Turma do STJ entendeu que a exibição de imagens com cenas de espancamento e de tortura praticados por adulto contra infante afronta a dignidade da criança exposta na reportagem, como também de todas as crianças que estão sujeitas à sua exibição.
O direito constitucional à informação e à vedação da censura não é absoluto e cede passo, por juízo de ponderação, a outros valores fundamentais também protegidos constitucionalmente, como a proteção da imagem e da dignidade das crianças e dos adolescentes.
O MP pode ajuizar uma ação civil pública para impedir essa exibição?
SIM. O MP detém legitimidade para propor ACP com o intuito de impedir a veiculação de vídeo, em matéria jornalística, com cenas de tortura contra uma criança, ainda que não se mostre o seu rosto. A legitimidade do MP, em ação civil pública, para defender a infância e a adolescência, abrange os interesses de determinada criança (exposta no vídeo) e de todas indistintamente, ou pertencentes a um grupo específico (aquelas sujeitas às imagens com a exibição do vídeo).
Portaria editada pelo Juiz (art. 149 do ECA)
O ECA prevê as competências do Juiz da vara da Infância e da Juventude em seus arts. 148 e 149. No art. 149, são previstas situações nas quais o Juiz da Infância e da Juventude terá que disciplinar, por meio de portaria, ou autorizar, por intermédio de alvará, determinadas matérias. Veja a redação do ECA:
Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:
I - a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em:
a) estádio, ginásio e campo desportivo;
b) bailes ou promoções dançantes;
c) boate ou congêneres;
d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas;
e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão.
II - a participação de criança e adolescente em:
a) espetáculos públicos e seus ensaios;
b) certames de beleza.
Ex1: juiz, por meio de portaria, disciplina que as adolescentes maiores de 15 anos poderão participar da edição 2012 do Concurso de Miss Juventude, promovido pela entidade X (exercício da competência prevista no art. 149, II, b).
Ex2: juiz, por meio de alvará, autoriza que a criança Beatriz da Silva, de 11 anos, participe, do programa de TV “Criança Feliz”, da rede de televisão X.
Fatores que o juiz deverá levar em consideração para disciplinar ou autorizar tais matérias:
· Os princípios previstos no ECA;
· As peculiaridades locais;
· A existência de instalações adequadas;
· O tipo de frequência habitual ao local;
· A adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes;
· A natureza do espetáculo.
Requisitos da portaria ou do alvará:
A portaria ou o alvará expedidos pelo juiz:
· Deverão ser sempre fundamentados de forma específica (caso a caso);
· Não poderão conter determinações de caráter geral.
Art. 149 (...) § 2º As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral.
Desse modo, a portaria do Juiz da Infância e da Juventude não poderá ter caráter geral e abstrato, ou seja, não poderá ter características próprias de uma lei.
No revogado Código de Menores (Lei n.° 6.697/79), que atribuía ao juiz competência para, mediante portaria ou provimento, editar normas de ordem geral, atualmente é bem mais restrito esse domínio normativo.
Por outro lado, o ECA, que substituiu o Código de Menores, reduziu a possibilidade do juiz disciplinar as matérias.
Pode-se, inclusive, afirmar que o art. 149 do ECA, ao contrário do que era previsto no chamado Código de Menores, não previu poder normativo para o juiz.
Por tudo o que foi exposto, em especial pela vedação trazida pelo § 2º do art. 149 do ECA, as portarias do Juiz da Infância e da Juventude que estabelecem o chamado “toque de recolher” para crianças e adolescentes são ilegais e, portanto, nulas.
O que são portarias com “toque de recolher”?
Alguns juízes da Infância e da Juventude, notadamente das comarcas do interior dos Estados, têm editado portarias, supostamente com base no art. 149 do ECA, proibindo que crianças e adolescentes fiquem nas ruas ou em locais públicos, desacompanhados dos pais ou responsáveis, a partir de determinada hora da noite (ex: 23h).
O STJ tem decidido que essas portarias não encontram respaldo no art. 149 do ECA, sendo determinações de caráter geral, que violam, portanto, o § 2º desse artigo.
Desse modo, o STJ tem reconhecido que tais portarias são ilegais.
Competência para as ações cíveis
Competência para demandas envolvendo o ECA (art. 147):
Ações civis:
A ações civis envolvendo medidas protetivas e poder familiar serão propostas:
· No domicílio dos pais ou responsável pela criança ou adolescente; ou
· No lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável.
Ações socioeducativas:
No caso de ação socioeducativa para apuração de ato infracional praticado por adolescente, a competência será do lugar da ação ou omissão, observadas as regras de conexão, continência e prevenção.
No caso julgado pelo STJ, o Ministério Público propôs ação de destituição do poder familiar cumulada com medida protetiva em favor de determinada criança. A ação foi ajuizada na comarca “X” onde a menor se encontrava na companhia do pai, local de residência deste. Ocorre que a guarda da criança era exercida pela mãe em outra comarca (“Y”), tendo a menor saído de lá apenas provisoriamente para passar um tempo com o pai.
Logo, diante da situação concreta em tela, entendeu o STJ que o juízo competente para julgar a ação é o da comarca “Y”, onde a criança efetivamente reside com sua mãe, e não na comarca “X”, em que se encontrava apenas provisoriamente na companhia do pai.
Ação de destituição do poder familiar
Caso o Ministério Público perceba que os pais do menor não estão cumprindo regularmente suas atribuições e que a criança ou o adolescente encontra-se em situação de risco, poderá ajuizar ação de destituição do poder familiar.
Sendo ajuizada ação de destituição do poder familiar contra ambos os pais, será necessário nomear a Defensoria Pública como curadora especial deste menor? NÃO.
Argumentos:
· Não existe prejuízo ao menor apto a justificar a nomeação de curador especial, considerando que a proteção dos direitos da criança e do adolescente é uma das funções institucionais do MP (arts. 201 a 205 do ECA);
· Cabe ao MP promover e acompanhar o procedimento de destituição do poder familiar, atuando o representante do Parquet como autor, na qualidade de substituto processual, sem prejuízo do seu papel como fiscal da lei;
· Dessa forma, promovida a ação no exclusivo interesse do menor, é despicienda a participação de outro órgão para defender exatamente o mesmo interesse pelo qual zela o autorda ação;
· Não há sequer respaldo legal para a nomeação de curador especial no rito prescrito pelo ECA para ação de destituição.
· A Relatora entendeu que a nomeação de curador ao menor deve ocorrer nos casos previstos no art. 142, parágrafo único do ECA, o que não se verificava no caso.
Atualização
Em 2017, houve uma alteração legislativa que inseriu expressamente essa conclusão no ECA:
Art. 162 (...) § 4º Quando o procedimento de destituição de poder familiar for iniciado pelo Ministério Público, não haverá necessidade de nomeação de curador especial em favor da criança ou adolescente. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
É ilegal portaria do Juizado da Infância e Juventude que estabeleça toque de recolher
A Juíza da Vara de Infância e Juventude editou Portaria que criaria um "toque de recolher", correspondente à determinação de recolhimento, nas ruas, de crianças e adolescentes desacompanhados dos pais ou responsáveis: a) após as 23 horas, b) em locais próximos a prostíbulos e pontos de vendas de drogas e c) na companhia de adultos que estejam consumindo bebidas alcoólicas.
A mencionada portaria também determina o recolhimento dos menores que, mesmo acompanhados de seus pais ou responsáveis, sejam flagrados consumindo álcool ou estejam na presença de adultos que estejam usando entorpecentes.
A portaria em questão ultrapassou os limites dos poderes normativos previstos no art. 149 do ECA. Ela contém normas de caráter geral e abstrato, a vigorar por prazo indeterminado, a respeito de condutas a serem observadas por pais, pelos menores, acompanhados ou não, e por terceiros, sob cominação de penalidades nela estabelecidas.
A despeito das legítimas preocupações da autoridade coatora com as contribuições necessárias do Poder Judiciário para a garantia de dignidade, de proteção integral e de direitos fundamentais da criança e do adolescente, é preciso delimitar o poder normativo da autoridade judiciária estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em cotejo com a competência do Poder Legislativo sobre a matéria.
STJ. 2ª Turma. HC 207720/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 01/12/2011.
Competência e princípio do juízo imediato
O princípio do juízo imediato estabelece que a competência para apreciar e julgar medidas, ações e procedimentos que tutelam interesses, direitos e garantias positivados no ECA é determinada pelo lugar onde a criança ou o adolescente exerce, com regularidade, seu direito à convivência familiar e comunitária.
Embora seja compreendido como regra de competência territorial, o art. 147, I e II, do ECA apresenta natureza de competência absoluta. Isso porque a necessidade de assegurar ao infante a convivência familiar e comunitária, bem como de lhe ofertar a prestação jurisdicional de forma prioritária, conferem caráter imperativo à determinação da competência.
O princípio do juízo imediato, previsto no art. 147, I e II, do ECA, desde que firmemente atrelado ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, sobrepõe-se às regras gerais de competência do CPC.
STJ. 2ª Seção. CC 111130/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/09/2010.
Adoção
O risco real de contaminação pela Covid-19 em casa de abrigo justifica a manutenção de criança de tenra idade com a família substituta, apesar da suposta irregularidade/ilegalidade dos meios empregados para a obtenção da guarda da infante
Imagine a seguinte situação hipotética:
Beatriz é filha biológica de Francisca.
Ocorre que Beatriz, quando tinha 1 mês de idade, foi entregue por sua genitora para ser cuidada por João e Regina. O casal passou a cuidar da criança como se ela fosse sua filha.
Depois de 1 ano cuidando de Beatriz, João e Regina ingressaram com pedido de “guarda” da criança.
Ao tomar conhecimento da ação de guarda, o Ministério Público ajuizou ação de afastamento de convívio familiar com acolhimento institucional e pedido de tutela de urgência para busca e apreensão de criança.
O Promotor de Justiça alegou que o casal estava tentando fazer uma adoção irregular, com ofensa ao cadastro de adotantes.
O juiz determinou, liminarmente, que a criança saísse do lar do casal e ficasse em uma casa de acolhimento (“abrigo”), o que é chamado pela lei de “acolhimento institucional”.
Vale ressaltar que a decisão proferida pelo juiz ocorreu no auge do isolamento social decorrente da pandemia da Covid-19.
Diante desse cenário, João e Regina impetraram habeas corpus pedindo o retorno de Beatriz para seu convívio enquanto se aguarda o término do processo. Argumentaram o risco irreparável de a criança ser infectada por Covid-19 na casa de acolhimento. O pedido do casal foi aceito pelo STJ?
SIM.
Embora o juízo de 1º grau estivesse zelando pela observância do procedimento legal de adoção, há que se convir que a decisão liminar determinando a imediata busca e apreensão de Beatriz, sem ao menos realizar um estudo psicossocial ou verificar a possibilidade de concessão da guarda provisória aos postulantes, certamente não atendeu o melhor interesse da criança.
Assim, a despeito de existir eventual irregularidade/ilegalidade dos meios empregados para a obtenção da guarda da infante, o STJ afirmou que, neste momento, é do seu melhor interesse a sua permanência no lar da família que a acolheu desde os primeiros dias de vida.
Vale ressaltar que, no caso, a determinação de acolhimento institucional se justificou unicamente pela presença de indícios de burla ao cadastro de adoção, não tendo sido cogitado qualquer risco físico ou psicológico à criança.
Verifica-se, portanto, que a suposta guarda irregular do infante não lhe trouxe prejuízo, mas, ao contrário, atendeu aos seus superiores interesses.
Em questões relativas a crianças e adolescentes, é da tradição do STJ dar prevalência ao princípio do melhor interesse do menor, em atenção à proteção integral estabelecida no art. 6º do ECA:
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
No caso, não há nenhum perigo na permanência da criança com o casal, que busca regularizar a guarda provisória.
Vale ressaltar que, mesmo a criança ficando na residência do casal, será possível, em paralelo, apurar se existe eventual interesse da família natural extensa da menor de acolhê-la ou se o melhor caminho seria colocá-la em outra família adotiva.
Assim, o fato de a criança permanecer na casa do casal não atrapalha a apuração realizada sobre a eventual adoção.
Segundo o entendimento do STJ, salvo evidente risco à integridade física ou psíquica do infante, não é de seu melhor interesse o acolhimento institucional ou o acolhimento familiar temporário. Nesse sentido:
(...) 2. O Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, ao preconizar a doutrina da proteção integral (art. 1º da Lei nº 8.069/1990), torna imperativa a observância do melhor interesse da criança.
3. A menor, atualmente com 6 (seis) meses de vida, foi deixada pela genitora sob os cuidados do pai registral e da esposa dele a partir do seu nascimento, de quem, desde então, ela vem recebendo os cuidados materiais indispensáveis às suas necessidades básicas, conforme avaliação realizada pelo serviço social judiciário.
4. Ressalvado o evidente risco à integridade física ou psíquica do infante, o que não é a hipótese dos autos, é inválida a determinação de acolhimento da criança que não se inclui em nenhuma das hipóteses do art. 98 do ECA, ainda que pairem dúvidas acerca da veracidade da paternidade declarada no seu registro de nascimento. (...)
STJ. 3ª Turma. HC 503.125/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/5/2019.
Portanto, a criança deve ser protegida de abruptas alterações, sendo certo que no presente momento é preferível mantê-la em uma família que a deseja como membro do que em um abrigo, diante da pandemia da Covid-19 que acomete o mundo.
O escopo do cadastro de adotantes é o de acelerar o processo de adoção, torná-lo maisseguro e cristalino, procedendo-se a uma prévia análise dos pretendentes à paternidade e maternidade, cadastro este que, ainda, é fiscalizado pelo Ministério Público.
Não se pode, no entanto, tornar-se o cadastro em um fim em si mesmo, especialmente quando a realidade informar que a adoção por aqueles que ali não estão inscritos - em que pese aptos a cuidar, respeitar, proteger e auxiliar no desenvolvimento seguro do adotando, com o afeto que toda criança e adolescente é merecedor - esteja em sintonia com os interesses da criança.
O cadastro de adotantes não tem caráter absoluto devendo ser ponderado com o princípio do melhor interesse da criança, fundamento de todo o sistema de proteção ao menor. Veja:
A observância do cadastro de adotantes, ou seja, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança, não é absoluta. A regra comporta exceções determinadas pelo princípio do melhor interesse da criança, base de todo o sistema de proteção. Tal hipótese configura-se, por exemplo, quando já formado forte vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que no decorrer do processo judicial.
STJ. 3ª Turma. REsp 1347228-SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 6/11/2012.
Neste momento de situação pandêmica, portanto, apesar da aparência da chamada “adoção à brasileira”, é preferível e recomendada a manutenção da criança em um lar já estabelecido, com uma família que a deseja como membro.
Em suma:
O risco real de contaminação pelo coronavírus (covid-19) em casa de abrigo justifica a manutenção de criança de tenra idade com a família substituta, apesar da suposta irregularidade/ilegalidade dos meios empregados para a obtenção da guarda da infante.
STJ. 3ª Turma. HC 735.525/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 21/6/2022 (Info 742).
Atende ao melhor interesse da criança a adoção personalíssima intrafamiliar por parentes colaterais por afinidade, a despeito da circunstância de convivência da criança com família substituta, também, postulante à adoção
Imagine a seguinte situação adaptada:
Em 03/09/2018, Elisandra deu à luz Luan.
Como ela já tinha outros cinco filhos, resolveu entregar Luan, com dias de vida, aos cuidados de Carla e Francisco.
Vale ressaltar que Elisandra é filha da irmã da cunhada de Francisco.
Importante ainda mencionar que o pai biológico de Luan é desconhecido.
Diante desse cenário, poucos dias depois de receberem a criança, Carla e Francisco ajuizaram ação de adoção cumulada com pedido de destituição do poder familiar, por meio da qual pretendem regularizar a situação vivenciada e serem formalmente considerados pais de Luan.
Elisandra também assinou o pedido concordando com a destituição e com a adoção.
Vale ressaltar que, mesmo antes do nascimento de Luan, Carla e Francisco já planejavam adotar uma criança, tanto que já haviam se habilitado no cadastro de adotantes do Juizado da Infância e Juventude.
Sentença
O juiz não acolheu os pedidos alegando que a adoção representaria burla ao cadastro de adoção em virtude de os requerentes terem buscado, fora do Poder Judiciário, criança de família hipossuficiente.
Para o magistrado, não existe qualquer parentesco entre o casal adotante e a criança, razão pela qual não seria possível excepcionar o cadastro de adoção.
O juiz determinou, ainda, que Luan deixasse a casa de Carla e Francisco, fosse inserido no cadastro de adoção e que, enquanto aguardasse uma família interessada, fosse submetido a acolhimento institucional, ou seja, ficasse em uma instituição de acolhimento de crianças.
Em 28/02/2019, Luan foi retirado do convívio de Carla e Francisco e encaminhado a uma instituição pública, onde ficou até o fim de abril de 2020.
Em 01/05/2020, Luan foi encaminhado a uma outra família interessada em adotá-lo segundo o cadastro de adoção (família substituta).
O caso chegou ao STJ. Para o Tribunal, Carla e Francisco possuem direito de adotar Luan?
SIM. Vamos entender com calma, ressaltando alguns aspectos muito interessantes do julgado.
Adoção personalíssima intrafamiliar
O STJ afirmou que o presente caso envolve uma ação de adoção personalíssima na qual os autores pretendem uma adoção intrafamiliar. O que significam essas terminologias?
Adoção personalíssima
Existem diversas classificações doutrinárias a respeito da ação.
Segundo o critério “escolha dos adotandos”, a adoção pode ser cadastral ou personalíssima.
A diferença entre elas é a seguinte (ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo. Manual do Direito da Criança e do Adolescente. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 107):
· Adoção cadastral: é aquela na qual os adotantes não escolhem o adotado.
· Os adotantes são submetidos à ordem cronológica de ingresso nos cadastros de adoção, e poderão adotar a criança ou adolescente disponível quando chegar a sua vez.
· É a regra geral no ordenamento brasileiro.
· Adoção personalíssima: ocorre quando não se cumpre o cadastro de adoção, somente sendo permitida nas hipóteses excepcionais dos §§ 13 do art. 50 do ECA:
· § 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:
· I - se tratar de pedido de adoção unilateral;
· II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;
· III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.
Adoção intrafamiliar
Outra classificação, menos conhecida, é a que distingue adoção intrafamiliar e extrafamiliar. Conforme o próprio nome sugere:
· Adoção intrafamiliar: ocorre quando a criança ou adolescente é adotado por alguém que tenha uma relação de parentesco com o menor.
· Adoção extrafamiliar: a criança ou adolescente é adotado por pessoas que não têm com ele qualquer relação de parentesco.
Circunstâncias fáticas que foram provadas nos autos e que se mostraram favoráveis aos autores
· Os adotantes eram parentes colaterais por afinidade da criança e estavam com a guarda de fato do menor desde o seu nascimento;
· A criança, desde o seu nascimento, recebia os cuidados necessários e adequados por parte do casal, não havendo notícia de que tenham sido negligentes com o infante;
· Não houve adoção à brasileira, tendo o casal buscado desde o início a adoção formal do menor;
· O casal estava habilitado junto ao Cadastro Nacional de Adoção (ou seja, em tese, poderia adotar uma criança segundo a ordem cronológica do cadastro).
Situação pode se enquadrar no art. 50, § 13, II, do ECA
Como vimos acima, o § 13 do art. 50 do ECA autoriza, em casos excepcionais, a adoção personalíssima. Veja o que diz o inciso II:
Art. 50 (...)
§ 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: (...)
II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;
A situação analisada pode se amoldar a essa previsão.
Mas a mãe do adotado era apenas irmã da cunhada do adotante. Haveria parentesco neste caso?
O STJ explicou que a Constituição Federal de 1988 rompeu com os paradigmas clássicos de família consagrada pelo casamento e admitiu a existência e a consequente regulação jurídica de outras modalidades de núcleos familiares (monoparental, informal, afetivo), diante das garantias de liberdade, pluralidade e fraternidade que permeiam as conformações familiares, sempre com foco na dignidade da pessoa humana, fundamento basilar de todo o ordenamento jurídico.
O legislador ordinário, ao estabelecer no art. 50, § 13, II, do ECA que podem adotar os parentes que possuem afinidade/afetividade para com a criança, não promoveu qualquer limitação (se aos consanguíneos em linha reta, aos consanguíneos colaterais ou aos parentes por afinidade), a denotar, por esse aspecto,que a adoção por parente (consanguíneo, colateral ou por afinidade) é amplamente admitida quando demonstrado o laço afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, bem como quando atendidos os demais requisitos autorizadores para tanto.
Em razão do novo conceito de família - plural e eudemonista* - não se pode, sob pena de desprestigiar todo o sistema de proteção e manutenção no seio familiar amplo preconizado pelo ECA, restringir o parentesco para aquele especificado na lei civil, a qual considera o parente até o quarto grau. Isso porque, se a própria Lei nº 8.069/90 (ECA), lei especial e, portanto, prevalecente em casos dessa jaez, estabelece no § 1º do art. 42 que “não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando”, a única outra categoria de parente próximo supostamente considerado pelo ditame civilista capacitado legalmente à adoção a fim de que o adotando permanecesse vinculado à sua “família” seriam os tios consanguíneos (irmãos dos pais biológicos), o que afastaria por completo a possibilidade dos tios colaterais e por afinidade (cunhados), tios-avós (tios dos pais biológicos), primos em qualquer grau, e outros tantos “parentes” considerados membros da família ampliada, plural, extensa e, inclusive, afetiva, muitas vezes sem qualquer grau de parentalidade como são exemplos os padrinhos e madrinhas, adotarem, o que seria um contrassenso, isto é, conclusão que iria na contramão de todo o sistema jurídico protetivo de salvaguarda do menor interesse de crianças e adolescentes.
Melhor interesse da criança permite certa flexibilização
Em hipóteses como a tratada no caso, critérios absolutamente rígidos previstos na lei não podem preponderar, notadamente quando em foco o interesse pela prevalência do bem estar, da vida com dignidade do menor, recordando-se, a esse propósito, que no caso sub judice, além dos pretensos adotantes estarem devidamente habilitados junto ao Cadastro Nacional de Adoção, são parentes colaterais por afinidade do menor “(...) tios da mãe biológica do infante, que é filha da irmã de sua cunhada” e não há sequer notícias de que membros familiares mais próximos tenham demonstrado interesse no acolhimento familiar dessa criança.
O STJ tem reconhecido a relativização de regras previstas no ECA, em atenção à primazia dos interesses do menor tutelado, sendo permitido, excepcionalmente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, que o adotante seja pessoa não inscrita previamente no cadastro e, ainda, não raro, seja “escolhida” pelos pais do adotando na chamada adoção intuitu personae.
Ordem cronológica não é absoluta
Ademais, nos termos da jurisprudência do STJ, a ordem cronológica de preferência das pessoas previamente cadastradas para adoção não tem um caráter absoluto, devendo ceder ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, razão de ser de todo o sistema de defesa erigido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem na doutrina da proteção integral sua pedra basilar (STJ. 4ª Turma. HC 468.691/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 11/03/2019).
	Família eudemonista
Família eudemonista é aquela formada por pessoas que possuem um vínculo de afinidade e afeto, ainda que não mantenham relação de consanguinidade.
A diferença etária mínima de 16 anos entre adotante e adotado, prevista no art. 42, § 3º do ECA, não é absoluta
Imagine a seguinte situação hipotética:
João (30 anos) e Regina (33 anos) são casados há 13 anos.
Quando eles se casaram, Regina já possuía um filho, de poucos meses de idade, chamado Lucas.
Lucas é filho biológico de um antigo namorado de Regina, que sumiu sem registrar a criança na época.
João, mesmo sem ser pai biológico de Lucas, sempre tratou o garoto como se fosse seu filho.
Durante a relação, João e Regina tiveram dois filhos (Roberto e Ricardo), fruto dessa união.
Quando Lucas completou 17 anos de idade, João resolveu adotá-lo a fim de que ele fosse formalmente considerado seu filho.
Diante disso, João ajuizou ação de adoção unilateral.
O juiz, contudo, indeferiu o pedido formulado porque João possui 30 anos e Lucas 17. Assim, a diferença de idade entre eles é de apenas 13 anos. Ocorre que o art. 42, § 3º do ECA exige que a diferença de idade entre o adotante e o adotando seja de, no mínimo, 16 anos:
Art. 42 (...)
§ 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.
Logo, haveria uma regra proibindo a adoção neste caso concreto.
Ainda inconformado, João interpôs uma série de recursos, até que a questão chegou ao STJ.
A adoção poderá ser deferida neste caso?
SIM. O STJ entende que a regra da diferença mínima etária estabelecida no art. 42, § 3º, do ECA, embora exigível e de interesse público, não ostenta natureza absoluta, podendo ser flexibilizada de acordo com as peculiaridades do caso concreto.
Intenção do legislador
A intenção do legislador, ao fixar uma diferença mínima de 16 anos de idade entre o adotando e o adotante, foi, além de tentar reproduzir – tanto quanto possível – os contornos da família biológica padrão, evitar que a adoção camuflasse motivos escusos, onde a demonstração de amor paternal para com o adotando mascarasse/escondesse interesse impróprio.
Entretanto, essa limitação etária, em situações excepcionais e específicas, não tem o condão de se sobrepor a uma realidade fática – há muito já consolidada – que se mostrar plenamente favorável, senão ao deferimento da adoção, pelo menos ao regular processamento do pedido, pelo que o regramento pode ser mitigado, notadamente quando, após a oitiva das partes interessadas, sejam apuradas as reais vantagens ao adotando e os motivos legítimos do ato.
Existência de reais vantagens
Diante da inexistência de reais vantagens para o adotando no processo de adoção unilateral, é possível imaginar a possibilidade de se permitir a adoção, desde que haja uma análise individualizada por parte do Poder Judiciário se os motivos alegados são justificáveis:
O aplicador do Direito deve adotar o postulado do melhor interesse da criança e do adolescente como critério primordial para a interpretação das leis e para a solução dos conflitos. Ademais, não se pode olvidar que o direito à filiação é personalíssimo e fundamental, relacionado, pois, ao princípio da dignidade da pessoa humana.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.338.616-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/06/2021.
A razão de ser da diferença mínima etária estabelecida no art. 42, § 3º, do ECA, está ligado ao fato de que esse lapso tem como objetivo criar relação de respeito entre pais e filhos.
Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil.
§ 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.
Por outro lado, se o afastamento da regra de diferença mínima etária tem por objetivo proteger os interesses do adotando, então, nesta hipótese, poderia ser flexibilizada a restritiva regra fixada no art. 42 § 3º, do ECA.
Diante do norte hermenêutico estabelecido por doutrina abalizada e da jurisprudência que se formou acerca da mitigação de regras constantes do ECA quando em ponderação com os interesses envolvidos, a regra prevista no art. 42, § 3º do ECA, no caso concreto, pode ser interpretada com menos rigidez, sobretudo quando se constata que a adoção visa apenas formalizar situação fática estabelecida de forma pública, contínua, estável, concreta e duradoura.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.338.616-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/06/2021.
Regras do ECA podem ser abrandadas em prol do melhor interesse da criança/adolescente
O STJ, em diversas oportunidades (exs: adoção avoenga, adoção por adotantes não inscritos no cadastro nacional, dentre tantos outros), tem reconhecido o abrandamento de regras previstas no ECA, em atenção aos princípios do melhor – e da primazia do – interesse do menor, dada a observância do disposto no art. 6º do ECA, o qual prevê que na interpretação desta lei deve-se levar em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condiçãopeculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, elegendo, portanto, como método hermenêutico o teleológico-sistemático.
Em suma:
A regra que estabelece a diferença mínima de 16 (dezesseis) anos de idade entre adotante e adotando (art. 42, § 3º do ECA) pode, dada as peculiaridades do caso concreto, ser relativizada no interesse do adotando.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.338.616-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/06/2021 (Info 701).
No mesmo sentido:
A diferença etária mínima de 16 anos entre adotante e adotando, prevista no art. 42, § 3º do ECA, não é absoluta e pode ser flexibilizada à luz do princípio da socioafetividade
Segundo o § 3º do art. 42, do ECA, o adotante há de ser, pelo menos, 16 anos mais velho do que o adotando. Ex.: se o adotando tiver 4 anos, o adotante deverá ter, no mínimo, 20 anos.
Assim, a diferença etária mínima de 16 anos entre adotante e adotado é requisito legal para a adoção. Vale ressaltar, no entanto, que esse parâmetro legal pode ser flexibilizado à luz do princípio da socioafetividade.
A adoção é sempre regida pela premissa do amor e da imitação da realidade biológica, sendo o limite de idade uma forma de evitar confusão de papéis ou a imaturidade emocional indispensável para a criação e educação de um ser humano e o cumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar.
Dessa forma, incumbe ao magistrado estudar as particularidades de cada caso concreto a fim de apreciar se a idade entre as partes realiza a proteção do adotando, sendo o limite mínimo legal um norte a ser seguido, mas que permite interpretações à luz do princípio da socioafetividade, nem sempre atrelado às diferenças de idade entre os interessados no processo de adoção.
STJ. 3ª Turma. REsp 1785754-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 08/10/2019 (Info 658).
É possível a rescisão de sentença concessiva de adoção se a pessoa não desejava verdadeiramente ter sido adotada e, após atingir a maioridade, manifestou-se nesse sentido
Imagine a seguinte situação hipotética:
Em 16/12/2014, João e Regina requereram em juízo a adoção de Lucas, adolescente de 13 anos de idade, com quem já tinham um apadrinhamento afetivo.
Foi deferida a adoção tendo em vista o relatório psicológico favorável e a existência de vínculo de afeto.
Em 30/6/2015, a sentença transitou em julgado.
Algum tempo depois, João e Regina ajuizaram ação rescisória cumulada com pedido de retificação do registro civil e tutela antecipada, com fundamento no inciso VII do art. 966 do CPC, objetivando a rescisão da sentença concessiva da adoção, narrando que, após a adoção, “começaram a perceber que o menor não tinha vontade de realmente ser filho deles ou tampouco manifestava interesse em realizar as atividades próprias de sua idade, tais como ir à escola e ter atividade complementares como cursos extras etc.”
Relataram, ainda, que “na data de 11/04/2016, o adotado fugiu de casa, deixando uma carta na qual afirma que não queria mais ser adotado e que não queria ter que estudar”.
Vale ressaltar que Lucas, quando já era maior que 18 anos, ao ser ouvido por psicóloga em procedimento instaurado pelo Ministério Público, admitiu que o consentimento que ele deu no processo de adoção somente foi concedido porque ele estava com receio de fecharem a instituição (“abrigo”) onde ele morava e de não ter local para ir. Disse, no entanto, que nunca quis ser adotado nem morar com João e Regina.
O Tribunal de Justiça julgou improcedente a ação rescisória alegando que:
· Não estaria caracterizada nenhuma das hipóteses de ação rescisória do art. 966 do CPC;
· A adoção seria medida irrevogável a teor do § 1º do art. 39 do ECA:
Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei.
§ 1º A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. (...)
Os autores interpuseram recurso especial. O STJ deu provimento ao recurso? A sentença de adoção foi rescindida?
SIM. Vamos entender com calma.
A sentença que julga o pedido de adoção pode ser objeto de ação rescisória?
SIM. A sentença concessiva de adoção, ainda quando proferida em procedimento de jurisdição voluntária, pode ser encoberta pelo manto protetor da coisa julgada material e, como consectário lógico, figurar como objeto de ação rescisória.
Existia, no caso, alguma prova nova a justificar a propositura da ação rescisória?
SIM. Está caracterizada a “prova nova” apta justificar a sentença concessiva de adoção, considerando que se extrai do Relatório Psicológico que não houve, de fato, consentimento do adotando com relação à adoção, conforme exige o § 2º do art. 45 do ECA:
Art. 45 (...)
§ 2º Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento.
Não se trata de “alegação de fato novo”, o que seria vedado na ação rescisória. O que houve foi a produção de prova pericial nova (relatório psicológico) que atestou a inexistência de ato jurídico anterior à sentença, qual seja, o consentimento do adolescente.
Em qual inciso do art. 966 do CPC enquadra-se esta ação rescisória?
No inciso VI:
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
(...) VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;
A situação se amolda à hipótese prevista no inciso VI do art. 966 do CPC, considerando que o juiz, ao deferir a adoção, afirmou que houve o consentimento do adotando, conforme exigido pelo § 2º do art. 45 do ECA. Esse consentimento, no entanto, revelou-se, posteriormente, ideologicamente falso.
Mas o art. 39, § 1º do ECA afirma que a adoção é irrevogável...
Realmente, o art. 39, § 1º do ECA afirma que a adoção é medida irrevogável.
Vale ressaltar, no entanto, que a interpretação sistemática e teleológica do § 1º do art. 39 do ECA conduz à conclusão de que a irrevogabilidade da adoção não é regra absoluta, podendo ser afastada sempre que, no caso concreto, verificar-se que a manutenção da medida não apresenta reais vantagens para o adotado, tampouco é apta a satisfazer os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente.
Não se pode estimular a revogabilidade das adoções. No entanto, “situações como a vivenciada pelos adotantes e pelo adotado demonstram que nem sempre as presunções estabelecidas dogmaticamente, suportam o crivo da realidade, razão pela qual, em caráter excepcional, é dado ao julgador demover entraves legais à plena aplicação do direito e à tutela da dignidade da pessoa humana.”
O caso concreto representa situação sui generis na qual inexiste qualquer utilidade prática ou reais vantagens ao adotado na manutenção da adoção, medida que sequer atende ao seu melhor interesse. Ao contrário, a manutenção dos laços de filiação com os autores da rescisória representaria, para o adotado, verdadeiro obstáculo ao pleno desenvolvimento de sua personalidade, representando interpretação do § 1º do art. 39 do ECA descolada de sua finalidade protetiva.
Desse modo, o STJ entendeu que deveriam ser julgados procedentes os pedidos formulados na ação rescisória com a consequente rescisão da sentença concessiva da adoção e retificação do registro civil do adotado, levando-se em consideração:
· Os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente;
· A inexistência de contestação ao pleito dos adotantes; e
· Que a regra da irrevogabilidade da adoção não possui caráter absoluto
Em suma:
É possível, mesmo ante a regra da irrevogabilidade da adoção, a rescisão de sentença concessiva de adoção ao fundamento de que o adotado, à época da adoção, não a desejava verdadeiramente e de que, após atingir a maioridade, manifestou-se nesse sentido.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.892.782/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/04/2021 (Info 691).
Se estiverem presentes os requisitos da tutela antecipada, é possívelo uso do nome afetivo antes da prolação da sentença de mérito na ação de adoção
Imagine a seguinte situação hipotética:
Tayson Cardoso é filho de Maria, tendo sido registrado apenas com o nome da mãe biológica.
Desde os 7 meses de idade, Tayson mora com Regina Carvalho e João Melo, casal muito bondoso que passou a cuidar do garoto como filho em razão de Maria, infelizmente, tê-lo abandonado.
Regina e João iniciaram um processo de adoção, que se encontra tramitando regularmente. No referido processo, eles obtiveram a guarda provisória da criança.
Vale ressaltar que Regina e João sempre chamaram “Tayson” de “Thiago”, sendo o nome por meio do qual o garoto é conhecido entre os amigos e familiares do casal.
Tayson/Thiago tem agora 3 anos. O processo de adoção ainda não foi concluído. Regina e João vão matricular a criança na escola. Ocorre que eles ficaram com receio de o menino ficar sendo chamado de Tayson na escola e ficar confuso, considerando que o nome que conhece é Thiago.
Diante disso, eles peticionaram ao juiz da adoção pedindo que fosse concedida tutela antecipada para que fosse autorizada a inclusão do nome social para uso administrativo em instituições escolares, de saúde, cultura e lazer, relativas ao nome afetivo do adotando. Assim, nos cadastros da escola e demais instituições constará o nome social do adotando: Thiago Carvalho Melo.
O pedido pode ser deferido?
SIM.
Presentes os requisitos autorizadores da tutela antecipada, é cabível a inclusão de informações adicionais, para uso administrativo em instituições escolares, de saúde, cultura e lazer, relativas ao nome afetivo do adotando que se encontra sob guarda provisória.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.878.298/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 02/03/2021 (Info 687).
O art. 47, § 5º, da Lei nº 8.069/90 (ECA) prevê o direito à modificação do nome e do prenome do adotando, após a prolação de sentença em processo de adoção, com a respectiva oitiva e consentimento da criança ou adolescente, conforme disposto pelo art. 28, § 2º, do referido diploma legal. Veja:
Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão. (...)
§ 5º A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome.
Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.
§ 1º Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada.
§ 2º Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência.
Apesar de o dispositivo somente autorizar essa mudança na sentença, é possível que tal providência seja deferida em tutela antecipada (tutela provisória de urgência).
O nome afetivo já utilizado pela família adotiva no convívio decorrente da guarda provisória impacta diretamente a noção de pertencimento social da criança e influencia diretamente no processo de reconstrução de sua identidade e da dupla parental que se revela mesmo antes da sentença definitiva.
Ao longo da experiência da guarda provisória, os laços afetivos da filiação adotiva já começam a ser tecidos e, caso presentes os requisitos para o deferimento da antecipação de tutela, o uso - nas demais instituições em que a criança convive - do nome já utilizado pelos adotantes no seio familiar tende a, ao menos em tese, facilitar a adaptação e a construção das novas identidades em curso.
Vale ressaltar que, no caso concreto, o Tribunal de Justiça avaliou que o processo de adoção e de destituição do poder familiar vem transcorrendo conforme os trâmites legais e que há perigo de dano para a identidade da criança que, desde os 7 meses de vida - quando iniciou a guarda provisória - vem sendo chamada pelo nome afetivo pelos adotantes.
Dessa forma, constatada a presença dos requisitos autorizadores da tutela antecipada e respeitada a escuta da criança e do adolescente nos moldes previstos em lei, é cabível a inclusão de informações adicionais, em via administrativa, relativas ao nome afetivo do adotando que se encontra ainda sob guarda provisória.
Observação
No caso concreto, o STJ não concedeu a tutela provisória porque considerou que não estavam presentes os requisitos ensejadores. Confira trecho da ementa:
"Embora não se afaste, em tese, a possibilidade de uso do nome afetivo antes da prolação da sentença de mérito na ação de adoção, não há, na hipótese, nenhum elemento científico que embase a concessão da medida, pois ausente estudo psicossocial que demonstre a probabilidade de êxito da adoção e o benefício imediato causado à criança em comparação com o malefício eventualmente causado na hipótese de a adoção não ser concretizada, sobretudo porque a ação de adoção tramita desde 2018 e a criança, que se encontra atualmente com 3 anos de idade, ainda não se encontra em idade escolar obrigatória."
Projeto de lei
Vale ressaltar que existe uma proposta tramitando no Congresso Nacional (Projeto de Lei 1.535/2019), que altera o art. 47, § 5º para prever expressamente a possibilidade de se antecipar o direito à utilização do nome afetivo antes mesmo da sentença.
O risco de contaminação pela Covid-19 em casa de acolhimento pode justificar a manutenção da criança com a família substituta
Imagine a seguinte situação hipotética:
Larissa é filha biológica de Francisca.
Ocorre que Larissa, quando tinha 6 meses de idade, foi abandonada por sua genitora e passou a morar na casa de Paulo e Regina, que cuidam da criança como se ela fosse sua filha.
Depois de 1 ano morando com Paulo e Regina, o juiz, a requerimento do Ministério Público, proferiu decisão liminar em busca e apreensão determinando que Larissa saísse do lar do casal e ficasse em uma casa de acolhimento (“abrigo”), o que é chamado pela lei de “acolhimento institucional”.
Segundo argumentou o magistrado, Paulo e Regina deveriam realizar o procedimento normal de adoção e a permanência de Larissa na residência do casal seria uma forma de burla ao cadastro de adoção (também chamado de cadastro de adotantes).
Vale ressaltar que a decisão proferida pelo juiz ocorreu no auge do isolamento social decorrente da pandemia da Covid-19.
O que é o cadastro de adoção (art. 50 do ECA)?
O juizado da infância e adolescência de cada comarca deverá manter um banco de dados contendo as crianças e adolescentes que estão em condições de serem adotadas e as pessoas que estão interessadas em adotar. Isso está previsto no art. 50 do ECA:
Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção.
“O referido Cadastro de adotantes visa à observância do interesse do menor, concedendo vantagens ao procedimento legal da adoção e avaliando previamente os pretensos adotantes por uma comissão técnica multidisciplinar, o que minimiza consideravelmente a possibilidade de eventual tráfico de crianças ou mesmo a adoção por intermédio de influências escusas, bem como propicia a igualdade de condições àqueles que pretendem adotar.” (REsp 1.347.228-SC, julgado em 6/11/2012)
Justamente por isso, em regra, toda e qualquer adoção deverá observar rigorosamente a ordem de preferência do cadastro de adotantes. Vale transcrever o art. 197-E do ECA:
Art. 197-E. Deferida a habilitação, o postulante será inscrito nos cadastros referidos no art. 50 desta Lei, sendo a sua convocação para a adoção feita de acordo com ordem cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade de crianças ou adolescentes adotáveis.
Diante desse cenário, Paulo e Regina ajuizaram ação pedindo o retorno de Larissa para seu convívio enquanto se aguarda o processo de adoção que eles estão movendo. Argumentaramo risco irreparável de a criança ser infectada por Covid-19 na casa de acolhimento, especialmente em virtude de problemas respiratórios que possui desde seu nascimento.
O pedido do casal foi aceito pelo STJ?
SIM.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) adota a chamada doutrina da proteção integral (art. 1º da Lei nº 8.069/90), segundo a qual deve-se observar o melhor interesse da criança:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
No caso, não há nenhum perigo na permanência da criança com o casal, que busca regularizar a guarda provisória.
Vale ressaltar que, mesmo a criança ficando na residência do casal, será possível, em paralelo, apurar se existe eventual interesse da família natural extensa da menor de acolhê-la ou se o melhor caminho seria colocá-la em outra família adotiva.
Assim, o fato de a criança permanecer na casa do casal não atrapalha a apuração realizada sobre a eventual adoção.
Segundo o entendimento do STJ, salvo evidente risco à integridade física ou psíquica do infante, não é de seu melhor interesse o acolhimento institucional ou o acolhimento familiar temporário. Nesse sentido:
(...) 2. O Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, ao preconizar a doutrina da proteção integral (art. 1º da Lei nº 8.069/1990), torna imperativa a observância do melhor interesse da criança.
3. A menor, atualmente com 6 (seis) meses de vida, foi deixada pela genitora sob os cuidados do pai registral e da esposa dele a partir do seu nascimento, de quem, desde então, ela vem recebendo os cuidados materiais indispensáveis às suas necessidades básicas, conforme avaliação realizada pelo serviço social judiciário.
4. Ressalvado o evidente risco à integridade física ou psíquica do infante, o que não é a hipótese dos autos, é inválida a determinação de acolhimento da criança que não se inclui em nenhuma das hipóteses do art. 98 do ECA, ainda que pairem dúvidas acerca da veracidade da paternidade declarada no seu registro de nascimento. (...)
STJ. 3ª Turma. HC 503.125/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/5/2019.
Portanto, a criança deve ser protegida de abruptas alterações, sendo certo que no presente momento é preferível mantê-la em uma família que a deseja como membro do que em um abrigo, diante da pandemia da Covid-19 que acomete o mundo.
Importante destacar, ainda, que o cadastro de adotantes não tem caráter absoluto devendo ser ponderado com o princípio do melhor interesse da criança, fundamento de todo o sistema de proteção ao menor. Veja:
A observância do cadastro de adotantes, ou seja, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança, não é absoluta. A regra comporta exceções determinadas pelo princípio do melhor interesse da criança, base de todo o sistema de proteção. Tal hipótese configura-se, por exemplo, quando já formado forte vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que no decorrer do processo judicial.
STJ. 3ª Turma. REsp 1347228-SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 6/11/2012.
Em suma:
O risco de contaminação pela Covid-19 em casa de acolhimento pode justificar a manutenção da criança com a família substituta.
STJ. 3ª Turma. HC 572.854-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 04/08/2020 (Info 676).
A ordem cronológica para adoção não tem caráter absoluto
A ordem cronológica de preferência das pessoas previamente cadastradas para adoção não tem um caráter absoluto, devendo ceder ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, razão de ser de todo o sistema de defesa erigido pelo ECA, que tem na doutrina da proteção integral sua pedra basilar.
STJ. 3ª Turma. HC 505730/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05/05/2020.
A redação literal do ECA proíbe a adoção avoenga (adoção do neto pelos avós); no entanto, o STJ admite que isso ocorra em situações excepcionais
Conceito de adoção
Adoção é um ato jurídico em sentido estrito, que depende sempre de uma decisão judicial constitutiva, por meio do qual se cria um vínculo jurídico irrevogável de pai e filho(a) ou de mãe e filho(a) e cujos efeitos são exatamente os mesmos decorrentes de uma filiação biológica.
Regime jurídico
A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pelo ECA.
A adoção de pessoas maiores de 18 anos também acaba observando as regras trazidas pelo ECA, considerando que, atualmente, o Código Civil quase nada disciplina sobre o tema.
Capacidade para adotar
Podem adotar os maiores de 18 anos, independentemente do estado civil.
O adotante há de ser, pelo menos, 16 anos mais velho do que o adotando. Ex.: se o adotando tiver 4 anos, o adotante deverá ter, no mínimo, 20 anos.
Os avós podem adotar o(a) próprio(a) neto(a)?
Segundo o texto do ECA: NÃO
De acordo com a literalidade do ECA, os ascendentes do adotando não poderão adotá-lo (§ 1º do art. 42).
A doutrina aponta duas razões pelas quais o legislador resolveu editar essa norma proibitiva:
· Na prática, verificava-se que, em regra, a adoção do neto pelos avós ocorria para atender interesses econômicos, pois o objetivo principal era fazer com que os avós, quando morressem, deixassem a pensão para o adotado.
· Constatou-se que essa modalidade de adoção provocava uma quebra da harmonia familiar e uma confusão psicológica do adotando, já que aqueles que eram seus avós passavam a ser seus pais e o seu pai (ou mãe) transformava-se em irmão(ã), causando um suposto conflito na cabeça da criança/adolescente.
Posição do STJ
O STJ, em casos excepcionais, faz uma mitigação (relativização) dessa proibição e admite a adoção de neto por avó desde que cumpridos os seguintes requisitos:
· O pretenso adotando seja menor de idade;
· Os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento;
· A parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial;
· O adotando reconheça os adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão;
· Inexista conflito familiar a respeito da adoção;
· Não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando;
· Não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e
· A adoção apresente reais vantagens para o adotando.
Assim, é possível a mitigação da norma geral impeditiva contida no § 1º do art. 42 do ECA, de modo a se autorizar a adoção avoenga em situações excepcionais.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.448.969-SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/10/2014 (Info 551).
STJ. 4ª Turma. REsp 1.587.477-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/03/2020 (Info 678).
O registro civil de nascimento de pessoa adotada sob a égide do Código Civil/1916 não pode ser alterado para a inclusão dos nomes dos ascendentes dos pais adotivos
Imagine a seguinte situação hipotética:
Em 1962, Cristina, então com 4 anos, foi adotada pelo casal João Ribeiro da Fonseca e Regina Silva da Fonseca, casados entre si.
A criança passou a se chamar Cristina Silva da Fonseca. Em seus assentamentos civis, passou a constar os nomes de João e Regina como sendo seus pais adotivos.
Vale ressaltar, no entanto, que o escrivão não inseriu no registro civil de Cristina os nomes dos pais de João e Regina como sendo seus avós adotivos. Por que ocorreu isso?
Porque na época da adoção, em 30/3/1962, vigorava o Código Civil de 1916, que não previa essa possibilidade de inclusão dos nomes dos pais adotivos como avós da criança adotada.
No Código Civil de 1916 a adoção civil era restrita, ou seja, não integrava totalmente o adotado na família do adotante, já que permaneciam os laços sanguíneos do parentesco natural, conforme dispunha o revogado art. 378, daquele Código.
Ação de retificação de registro
Em 1992, quando Cristina já tinha 34 anos, ela ingressou com ação pedindo para corrigir isso, ou seja, para que fosse alterado o seu registro de nascimento e que passasse a constar os nomes de seus avós adotivos (os pais de João e Regina).
O juiz negou o pedido afirmando que a inclusãodos avós adotivos no registro civil de nascimento da autora violaria ato jurídico perfeito, tendo em vista que a adoção foi feita sob a égide do Código Civil de 1916 e antes da Constituição da República de 1988.
Assim, não foi acolhido o pedido de aplicação do ECA ao caso, que instituiu a adoção plena, em respeito ao ato jurídico perfeito.
A sentença foi confirmada pelo TJ.
O STJ manteve a sentença e o acórdão?
SIM.
O registro civil de nascimento de pessoa adotada sob a égide do Código Civil/1916 não pode ser alterado para a inclusão dos nomes dos ascendentes dos pais adotivos.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.232.387-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. Acd. Min. Marco Buzzi, julgado em 11/02/2020 (Info 666).
Adoção no CC/1916
No Código Civil de 1916, vigorava o regime da adoção simples.
A adoção era realizada por escritura pública e o parentesco resultante da adoção limitava-se ao adotante e ao adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais.
O parentesco natural (biológico) não se extinguia pela adoção, exceto o “pátrio poder” (atualmente, poder familiar), que seria transferido do pai natural para o adotivo.
Lei nº 4.655/65
A Lei nº 4.655/65 trouxe algumas mudanças no regime da adoção e uma delas foi a possibilidade do vínculo da adoção se estender aos ascendentes do adotante, desde que com expressa anuência destes.
Esta Lei também previu o rompimento dos direitos e obrigações oriundos da relação do adotado com a família de origem.
Código de Menores (Lei nº 6.697/79)
Somente com o advento da Lei nº 6.697/79, conhecida como o “Código de Menores” é que passou a vigorar no país a adoção plena.
Essa lei admitiu a coexistência das duas formas de adoção, a simples e a plena.
A adoção plena, contudo, era endereçada apenas aos menores “em situação irregular” e extinguia todos os vínculos do adotado com a sua família natural, estendendo o vínculo adotivo aos parentes do adotante independentemente da concordância destes.
A adoção simples não ensejava tal rompimento, tanto que essa modalidade podia ser revogada pela vontade das partes a qualquer tempo, pois constituída por intermédio de um contrato assinado expresso em escritura pública.
CF/88, ECA e CC/2002
A Constituição Federal de 1988 proibiu o tratamento desigual entre os filhos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), que entrou em vigor no biênio seguinte, revogou os dispositivos do Código Civil de 1916 e das demais leis ordinárias relativamente aos menores de 18 anos. Manteve, no entanto, os anteriores preceitos normativos para as adoções dos maiores de idade, haja vista que a referida legislação se volta às crianças e adolescentes.
O Código Civil de 2002 (arts. 1.618 e 1619), no entanto, promoveu a unificação do instituto passando a admitir apenas a adoção plena, impondo novo e completo vínculo familiar, com a efetiva participação do Poder Público no processo de adoção de crianças, adolescentes ou maiores de 18 anos.
Lei Nacional de Adoção e ECA
Atualmente, a adoção de crianças e adolescente é regida pela Lei Nacional da Adoção (Lei nº 12.010/2009) e pelo ECA (Lei nº 8.069/90).
Esses atos normativos fazem menção apenas à adoção plena, ou seja, se referem à adoção estatutária, outrora também chamada de plena, tendo em vista a sua característica de irrevogabilidade e pelo fato de integrar completamente o adotado na família do adotante, trazendo vínculos para todos os envolvidos.
Voltando ao caso concreto
A adoção foi realizada em 1962. Não existia a modalidade de “adoção plena”. Nessa época, o vínculo decorrente da adoção ficava limitado às figuras do adotado e adotante, não se estendendo à família deste.
Conforme vimos, foi somente com a Lei nº 4.655/65 que houve a possibilidade do vínculo da adoção se estender aos ascendentes do adotante, desde que com expressa anuência destes.
Para o STJ, o pedido da autora está relacionado com a possibilidade de modificação do ato jurídico perfeito para nele agregar valores e requisitos legalmente inconcebíveis ao tempo em que formulado e também para afastar outros que permaneciam hígidos por força da lei.
Vale ressaltar que não se está tratando aqui de efeitos sucessórios.
O objetivo aqui da autora era o de afastar o parentesco para com os avós biológicos e estabelecer vínculo com a família dos adotantes (ascendentes), ou seja, objetiva modificar a substância do ato adotivo.
A reivindicação é, portanto, a de excluir a parentalidade biológica dos avós (mantida por força de expressa disposição legal) e agregar parentalidade adotiva relacionada aos ascendentes dos adotantes, ao tempo inadmissível em razão da manutenção não apenas dos vínculos mas também dos direitos e deveres decorrentes do parentesco natural dada a expressa e clara disposição constante do art. 378 do Código Civil/1916.
Cuidado com a seguinte decisão da 4ª Turma do STJ
A 4ª Turma do STJ, embora tratando sobre questão de fundo diferente, adotou fundamentação que pode ser considerada diferente da conclusão da 3ª Turma:
(...) Hipótese: Discussão acerca da aplicação, à adoção realizada sob a vigência do Código Civil de 1916, do regime atual da adoção, que rompe completamente os vínculos com a família biológica, a inviabilizar a habilitação das adotadas como herdeiras legítimas da avó biológica.
1. Viabilidade de apreciação da violação ao artigo 6º da LINDB por via de Recurso Especial. Alegação de afronta ao direito adquirido por aplicação da lei ao caso concreto, e não por comando legal que determinasse a retroatividade da lei. Precedentes.
2. A capacidade para suceder e o direito à herança são aferidos conforme a lei do tempo da abertura da sucessão, nos termos do artigo 1.787 do Código Civil de 2002. Inexistência de direito adquirido à sucessão.
3. Inexistência de violação a ato jurídico perfeito. A adoção no caso concreto foi feita no intuito de acolher as recorrentes em nova família. Impossibilidade de realizar a adoção em outra modalidade que não a simples, uma vez que o adotante não tinha, em 1977, outra possibilidade legal, considerando as condições das adotadas.
3.1. Não há direito adquirido ao regime anterior de adoção. Conforme a doutrina e a jurisprudência pátrias, institutos ou conjunto de regras podem ser alterados pelo legislador, modificando os efeitos presentes e futuros de atos passados 3.2 Ocorrência da retroatividade mínima ou eficácia imediata das disposições constitucionais sobre Direito de Família. A Constituição determinou, por meio do artigo 227, § 6º, a igualdade entre filhos, mesmo que havidos por adoção. Eficácia imediata das normas constitucionais.
3.3 A aplicação do dispositivo constitucional impede que as recorrentes utilizem o regime anterior da adoção para figurarem como herdeiras da avó biológica.
4. Recurso especial DESPROVIDO.
(REsp 1116751/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 27/09/2016, DJe 07/11/2016)
A diferença etária mínima de 16 anos entre adotante e adotado, prevista no art. 42, § 3º do ECA, não é absoluta e pode ser flexibilizada à luz do princípio da socioafetividade
Conceito de adoção
Adoção é um ato jurídico em sentido estrito, que depende sempre de uma decisão judicial constitutiva, por meio do qual se cria um vínculo jurídico irrevogável de pai e filho(a) ou de mãe e filho(a) e cujos efeitos são exatamente os mesmos decorrentes de uma filiação biológica.
Regime jurídico
A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pelo ECA.
No que tange à adoção de pessoas maiores de 18 anos, o Código Civil prevê o seguinte:
Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)
Como o Código Civil não trata atualmente quase nada sobre o tema, a adoção de pessoas maiores de 18 anos também acaba observando as regras trazidas pelo ECA.
Capacidade para adotar
Podem adotar os maiores de 18 anos, independentemente do estadocivil.
Segundo o § 3º do art. 42, do ECA, o adotante há de ser, pelo menos, 16 anos mais velho do que o adotando. Ex.: se o adotando tiver 4 anos, o adotante deverá ter, no mínimo, 20 anos.
Art. 42 (...)
§ 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.
Esse requisito do § 3º do art. 42 do ECA é absoluto ou pode ser relativizado?
Pode ser relativizado.
A diferença etária mínima de 16 (dezesseis) anos entre adotante e adotado pode ser flexibilizada à luz do princípio da socioafetividade.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.785.754-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 08/10/2019 (Info 658).
No caso concreto julgado pelo STJ, o padrasto queria adotar a sua enteada, com quem convivia há muitos anos como sua filha. Ocorre que o padrasto é apenas 15 anos e 9 meses mais velho que a sua enteada. Em razão disso, o juiz não aceitou o pedido de adoção.
A questão chegou até o STJ, que deu provimento ao recurso para admitir a adoção.
Realmente, a diferença etária mínima de 16 anos entre adotante e adotado é requisito legal para a adoção (art. 42, § 3º, do ECA). No entanto, a adoção é sempre regida pela premissa do amor e da imitação da realidade biológica, sendo o limite de idade uma forma de evitar confusão de papéis ou a imaturidade emocional indispensável para a criação e educação de um ser humano e o cumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar.
Dessa forma, incumbe ao magistrado estudar as particularidades de cada caso concreto a fim de apreciar se a idade entre as partes realiza a proteção do adotando, sendo o limite mínimo legal um norte a ser seguido, mas que permite interpretações à luz do princípio da socioafetividade, nem sempre atrelado às diferenças de idade entre os interessados no processo de adoção. 
No caso concreto, o adotante e a adotada conviviam juntos como pai e filha há muitos anos.
Adoção à brasileira e realização de perícia para constatar situação de risco
Imagine a seguinte situação hipotética:
Francisca estava grávida quando conheceu Pedro. Eles começaram a namorar.
Nasceu Júlia, filha de Francisca.
Júlia foi registrada como sendo filha de Francisca e de Pedro.
No dia em que a criança nasceu, Pedro foi até o registro civil de pessoas naturais e, de posse da DNV (declaração de nascido vivo) fornecida pela maternidade, declarou que a menor recém-nascida (Júlia) era sua filha e de Francisca, sendo o registro de nascimento lavrado nesses termos.
Vale relembrar que, na verdade, Júlia não era filha biológica de Pedro.
O que aconteceu, no presente caso, foi a chamada “adoção à brasileira”.
O que é a chamada “adoção à brasileira”?
“Adoção à brasileira” ou “adoção à moda brasileira” ocorre quando o homem ou a mulher declara, para fins de registro civil, um menor como sendo seu filho biológico, sem que isso seja verdade.
Por que recebe esse nome?
Essa prática é chamada pejorativamente de “adoção à brasileira” porque é uma espécie de “adoção” feita sem observar as exigências legais, ou seja, uma adoção feita segundo o “jeitinho brasileiro”. Tecnicamente, contudo, não se trata de adoção, porque não segue o procedimento legal. Consiste, em verdade, em uma perfilhação simulada.
A “adoção à brasileira” é permitida?
NÃO. Formalmente, esta conduta é até mesmo prevista como crime pelo Código Penal:
Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido
Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:
Pena — reclusão, de dois a seis anos.
Parágrafo único — Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:
Pena — detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.
Vale ressaltar, entretanto, que, na prática, dificilmente alguém é condenado ou recebe pena por conta desse delito. Isso porque, no caso concreto, poderá o juiz reconhecer a existência de erro de proibição ou, então, aplicar o perdão judicial previsto no parágrafo único do art. 242 do CP.
É preciso, no entanto, que seja investigada a conduta porque, embora a “adoção à brasileira”, na maioria das vezes, não represente torpeza de quem a pratica, pode ela ter sido utilizada para a consecução de outros ilícitos, como o tráfico internacional de crianças.
Voltando ao nosso exemplo:
Algum tempo depois, o relacionamento não deu mais certo.
Pedro conheceu Letícia e casou-se com ela.
Francisca ficou revoltada com a separação e “entregou” Júlia, que tinha 1 ano, para ser criada por Pedro e Letícia.
Alguns meses depois, Francisca contou toda a história ao Promotor de Justiça da cidade.
O Ministério Público ingressou, então, com ação de destituição de poder familiar da menor Júlia contra Francisca e Pedro. O Parquet sustentou que a conduta de Francisca de entregar a filha para terceiras pessoas com as quais ela não tem vínculo sanguíneo representa infração aos direitos individuais e fundamentais da criança, pois a mãe biológica deixou de cumprir com os deveres inerentes ao poder familiar, de sustento, guarda e educação da filha.
Alegou, ainda, que houve simulação da condição de parentesco entre Júlia e Pedro, tendo constado falsamente no assento de nascimento ser este o pai daquela.
Pediu, ao final, a procedência do pedido para destituir Francisca do poder familiar sobre Júlia, encaminhando a criança para acolhimento institucional (“abrigo”) e inscrição dela no cadastro nacional de adoção de crianças em condições jurídicas de serem adotadas.
O pedido foi julgado procedente para declarar que Pedro não era o pai biológico de Júlia e decretar a perda do poder familiar de Francisca, mãe biológica, em relação à criança, determinando a aplicação de medida protetiva de colocação dela em família substituta.
Francisca e Pedro recorreram alegando, em síntese, que, para a destituição do poder familiar, era imprescindível a realização do estudo psicossocial.
O recurso dos requeridos deve ser provido? O estudo psicossocial era necessário neste caso?
SIM.
A destituição do poder familiar da mãe biológica e do pai registral de Júlia se deu em razão da ocorrência da denominada “adoção à brasileira”, pois não ficou comprovado que a criança seria fruto da relação de Francisca com Pedro.
Nesse caso, era indispensável a realização de estudo psicossocial e de avaliação psicológica dos envolvidos na lide.
O estudo psicossocial é peça informativa extremamente útil ao juiz para aferir a possível existência de uma situação de risco para o menor e balizar eventual pedido de aplicação de alguma medida protetiva à criança ou ao adolescente.
Não se pode retirar a criança do local da casa da família onde ela convive e levá-la a um abrigo institucional sem que exista prova de que ela estivesse em situação de risco, sendo esta uma medida drástica e excepcional.
Por se tratar de medida extrema, a perda do poder familiar somente é cabível após esgotadas todas as possibilidades de manutenção da criança no seio da família natural (art. 19 do ECA), pressupondo a existência de um procedimento contraditório, no qual deve ser apurado se a medida efetivamente atende o melhor interesse da criança ou do adolescente.
Por cautela e prudência, antes da análise meritória pelo juiz da causa, deveria ter sido realizado um estudo psicossocial nos requeridos e na criança, de modo a verificar a atual situação em que ela se encontrava, se efetivamente estava em situação de perigo e, principalmente a efetiva possibilidade, apesar dos indícios de prática da “adoção à brasileira”, de se preservarem os deveres inerentes ao poder familiar.
Cabe ressaltar que a comprovação da prática de “adoção à brasileira” tem por consequência, em regra, a possibilidade de condenação penal e a nulidade do registro civil do adotado, mas não enseja a destituição do poder familiar por parte da mãe biológica que também figura no registro.
Em suma:
Para que haja a decretação da perda do poder familiar da mãe biológica em razão da suposta entrega da filha para adoção irregular (“adoção à brasileira”), é indispensávela realização do estudo social e avaliação psicológica das partes litigantes.
Por envolver interesse de criança, a questão deve ser solucionada com observância dos princípios da proteção integral e do melhor interesse dela e do adolescente, previstos na CF e no ECA.
Para constatação da “adoção à brasileira”, em princípio, o estudo psicossocial da criança, do pai registral e da mãe biológica não se mostra necessário. Contudo, como o reconhecimento de sua ocorrência (“adoção à brasileira”) foi fator preponderante para a destituição do poder familiar, a realização da perícia se mostra imprescindível para aferição da presença de causa para a excepcional medida de destituição e para constatação de existência de uma situação de risco para a infante, caracterizando cerceamento de defesa o seu indeferimento.
STJ. 3ª Turma. REsp 1674207/PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 17/04/2018.
Possibilidade de revogação da adoção unilateral se isso for melhor para o adotando
Imagine a seguinte situação hipotética:
Maria passou a viver em união estável com Pedro.
Lucas, filho de Maria, era órfão de pai.
Em razão disso, Pedro adotou Lucas quando este tinha 14 anos.
Ocorre que 1 ano após a adoção, Lucas foi morar com a sua avó paterna em outra cidade, perdendo completamente o contato com Pedro.
Quando completou 31 anos, Lucas ingressou com ação pedindo a revogação da adoção. Alegou, na ação, que foi criado por sua família paterna (tios, avôs e avós paternos) e que, apesar disso, eles não são seus parentes porque a adoção rompeu os vínculos que ele possuía em relação aos parentes de seu falecido pai. Diante disso, ele deseja restabelecer tais vínculos revogando a adoção unilateral ocorrida.
A petição inicial foi acompanhada das declarações da mãe e do pai adotivo concordando com a revogação pleiteada.
O juiz, contudo, extinguiu o processo sem resolução do mérito por impossibilidade jurídica do pedido alegando que a adoção é irrevogável, conforme prevê expressamente o art. 39, § 1º do ECA.
A questão chegou até o STJ. O Tribunal manteve a sentença do juiz?
NÃO. O STJ entendeu que a regra da irrevogabilidade da adoção deveria ser relativizada no presente caso.
No caso de adoção unilateral, a irrevogabilidade prevista no art. 39, § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser flexibilizada no melhor interesse do adotando.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.545.959-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/6/2017 (Info 608).
Adoção unilateral
A adoção unilateral ocorre quando o pai ou a mãe do menor morre, é destituído do poder familiar ou, então, quando não há pai registral. Nessa circunstância, a pessoa que vai adotar a criança/adolescente irá substituir o papel de pai ou de mãe do adotando.
Tal adoção irá substituir, para todos os efeitos, a linha biológica originária do adotado e ocorre independentemente de consulta ao grupo familiar estendido, cabendo tão-só ao cônjuge supérstite decidir sobre a conveniência, ou não, da adoção do filho pelo seu novo cônjuge/companheiro.
Em outras palavras, na adoção unilateral, o adotado terá um novo pai (ou mãe) e, consequentemente, novos avós, novos tios, novos primos etc.
Ao contrário da adoção regular, a adoção unilateral não é tão incentivada e aplaudida pela doutrina. Como explica Nucci:
(...) “M” tinha um pai, “J”, que faleceu, ao qual dedicava amor e respeito. Não vemos nenhuma razão para excluí-lo da sua vida, podendo, inclusive, trocar seu sobrenome, apagando o do pai biológico. O padrasto pode exercer, com muito carinho e amor, a sua função de substituto do pai, mas não há necessidade de incorporar um lugar, relegando a memória de outrem ao acaso. (NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: em busca da Constituição Federal das Crianças dos Adolescentes. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 148).
Relativização da irrevogabilidade no caso de adoção unilateral
Como a adoção unilateral possui essas características peculiares, o STJ entendeu que a regra da irrevogabilidade poderia ser relativizada em nome do melhor interesse do adotado.
Assim, diante da inexistência de reais vantagens para o adotando no processo de adoção unilateral, é possível imaginar a possibilidade de se permitir a sua revogação, desde que haja uma análise individualizada por parte do Poder Judiciário se os motivos alegados são justificáveis.
A razão de ser da proibição da revogação da adoção existe para proteger o menor adotado, buscando colocá-lo a salvo de possíveis alternâncias comportamentais de seus adotantes, rupturas conjugais ou outras atitudes que recoloquem o menor adotado novamente no limbo sócio emocional que vivia antes da adoção.
Por outro lado, se a revogação tem por objetivo proteger os interesses do adotado, então, nesta hipótese, poderia ser flexibilizada a restritiva regra fixada no art. 39 § 1º, do ECA.
Não é possível que a adoção conjunta seja transformada em unilateral post mortem caso um dos autores desista e o outro morra sem ter manifestado intenção de adotar unilateralmente
Imagine a seguinte situação hipotética:
Paulo e Cristina cuidam de Luisa, filha de uma ex-empregada doméstica, desde que ela era um bebê.
A ex-empregada sumiu e deixou a filha com o casal.
Diante disso, eles ajuizaram ação de adoção.
Durante a tramitação do processo de adoção, Paulo ficou muito doente.
Cristina protocolizou petição de desistência da adoção, explicando que seu esposo encontrava-se muito enfermo, prestes a falecer, e afirmando que não queria assumir a responsabilidade por tal ato sozinha.
Antes que a petição de Cristina fosse analisada, Paulo morreu, tendo sido sucedido no polo processual pelo espólio.
O juiz proferiu sentença decidindo o seguinte:
a) no que se refere a Cristina, extinguiu o processo sem resolução do mérito, homologando a desistência formulada (art. 485, VIII, do CPC);
b) quanto a Paulo, deferiu a adoção post mortem, de forma que Luisa tornou-se sua filha para todos os efeitos legais.
O magistrado argumentou que se o pai/adotante morre no curso do processo, prevalece a sua vontade de adotar manifestada na petição inicial, não podendo os familiares/herdeiros desistirem da ação proposta pelo falecido. Invocou, para tanto, o art. 42, § 6º do ECA:
Art. 42 (...) § 6º A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.
O espólio de Paulo interpôs recurso e a questão chegou até o STJ. A sentença foi mantida?
NÃO.
Se, no curso da ação de adoção conjunta, um dos cônjuges desistir do pedido e outro vier a falecer sem ter manifestado inequívoca intenção de adotar unilateralmente, não poderá ser deferido ao interessado falecido o pedido de adoção unilateral post mortem.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.421.409-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 18/8/2016 (Info 588).
O § 6º do art. 42 do ECA prevê a chamada adoção póstuma, que ocorre quando o pretenso adotante morre no curso do processo, antes de proferida a sentença, sendo permitida a finalização do processo. Para isso, no entanto, é indispensável que o de cujus tenha manifestado inequivocamente sua de vontade de adotar.
No caso em tela, a adoção foi proposta pelo casal, tratando-se de adoção conjunta, prevista no § 2º do art. 42 do ECA:
§ 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.
Como um dos autores (a mulher) desistiu, o juiz não poderia ter deferido a adoção post mortem apenas em relação ao falecido porque o pedido inicial foi de adoção conjunta e um dos requisitos exigidos para este tipo de adoção é a necessidade de concordância do casal para adotar. Tratando-se de adoção em conjunto, um cônjuge não pode adotar sem o consentimento do outro. O consentimento deve ser mútuo.
Vale ressaltar, ainda, que quando Cristina desistiu da adoção, seu esposo já não tinha condições de expressar sua real vontade, de forma que jamais se saberá se manteria a adoção,mesmo sob a desistência da esposa.
O magistrado, sem pedido expresso, transformou a adoção bilateral, em conjunto, em adoção póstuma isolada de pessoa que era casada, sem que haja indício de que o falecido quisesse realmente a adoção unilateral.
Adoção de neto pelos seus avós
Conceito de adoção
Adoção é um ato jurídico em sentido estrito, que depende sempre de uma decisão judicial constitutiva, por meio do qual se cria um vínculo jurídico irrevogável de pai e filho(a) ou de mãe e filho(a) e cujos efeitos são exatamente os mesmos decorrentes de uma filiação biológica.
Regime jurídico
A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pelo ECA.
A adoção de pessoas maiores de 18 anos também acaba observando as regras trazidas pelo ECA, considerando que, atualmente, o Código Civil quase nada disciplina sobre o tema.
Capacidade para adotar
Podem adotar os maiores de 18 anos, independentemente do estado civil.
O adotante há de ser, pelo menos, 16 anos mais velho do que o adotando. Ex.: se o adotando tiver 4 anos, o adotante deverá ter, no mínimo, 20 anos.
Os avós podem adotar o(a) próprio(a) neto(a)?
Segundo o texto do ECA: NÃO
De acordo com a literalidade do ECA, os ascendentes do adotando não poderão adotá-lo (§ 1º do art. 42).
A doutrina aponta duas razões pelas quais o legislador resolveu editar essa norma proibitiva:
· Na prática, verificava-se que, em regra, a adoção do neto pelos avós ocorria para atender interesses econômicos, pois o objetivo principal era fazer com que os avós, quando morressem, deixassem a pensão para o adotado.
· Constatou-se que essa modalidade de adoção provocava uma quebra da harmonia familiar e uma confusão psicológica do adotando, já que aqueles que eram seus avós passavam a ser seus pais e o seu pai (ou mãe) transformava-se em irmão(ã), causando um suposto conflito na cabeça da criança/adolescente.
Segundo entendeu o STJ no caso concreto: SIM
Analisando um caso concreto, o STJ decidiu que, de forma excepcional, seria possível mitigar a proibição do § 1º do art. 42 e permitir que os avós de um garoto o adotassem por conta das peculiaridades da situação que justificavam a medida.
Vejamos as particularidades que nortearam o caso. Para facilitar o entendimento, vamos dar nomes fictícios às pessoas envolvidas (João e Maria: avós / Cláudia: mãe biológica / Lucas: filho de Cláudia, neto de João e Maria).
Confira o caso concreto:
· A mãe biológica da criança (Cláudia) tinha 8 anos de idade quando foi adotada por João e Maria, que passaram a ser seus pais;
· Quando foi adotada, Cláudia (com 8 anos de idade) já estava grávida de Lucas, tendo a gestação sido fruto de um abuso sexual por ela sofrido;
· Os avós (João e Maria) sempre exerceram, com exclusividade, as funções de pai e mãe do neto (Lucas), desde que ele nasceu;
· Desde o nascimento foi construída uma filiação socioafetiva entre os avós e o neto.
· O adotado, mesmo sabendo de sua origem biológica, reconhece os adotantes como pais e trata a sua mãe biológica (Cláudia) como se fosse uma irmã mais velha;
· Tanto o adotado, como sua mãe biológica concordaram expressamente com a adoção;
· Não há perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando;
· A referida adoção não foi realizada com objetivos de interesse econômico.
Assim, diante de tais peculiaridades, o STJ considerou que deveria ser afastada a vedação legal em prol dos princípios da proteção integral e da garantia do melhor interesse do menor.
Segundo pontuou o Min. Moura Ribeiro, não cabe mais ao Judiciário fechar os olhos à realidade e fazer da letra do § 1º do art. 42 do ECA tábula rasa à realidade, de modo a perpetuar interpretação restrita do referido dispositivo, aplicando-o, por consequência, de forma estrábica e, dessa forma, pactuando com a injustiça. No caso analisado, não se trata de mero caso de adoção de neto por avós, mas sim de regularização de filiação socioafetiva. Deixar de permitir a adoção em apreço implicaria inobservância aos interesses básicos do menor e ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Adoção por pessoa homoafetiva
Cadastro de adoção (art. 50)
O juizado da infância e adolescência de cada comarca deverá manter um banco de dados contendo as crianças e adolescentes que estão em condições de serem adotadas e as pessoas que estão interessadas em adotar. Isso está previsto no art. 50 do ECA:
Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção.
Da habilitação de pretendentes à adoção (arts. 197-A a 197-E)
As pessoas interessadas em adotar deverão apresentar petição inicial ao juiz na qual constarão os seguintes dados:
I — qualificação completa;
II — dados familiares;
III — cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável;
IV — cópias da cédula de identidade e do CPF;
V — comprovante de renda e domicílio;
VI — atestados de sanidade física e mental;
VII — certidão de antecedentes criminais;
VIII — certidão negativa de distribuição cível.
Vale ressaltar que, quando o interessado se inscreve, ele informa o perfil da criança ou do adolescente que deseja adotar (idade, cor da pele, sexo, condições de saúde etc.).
Depois disso, o postulante se submeterá a um procedimento de habilitação no qual são exigidas diversas formalidades do interessado, inclusive a sua participação em um programa oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude, com cursos, palestras e entrevistas.
Ao final de todo o procedimento, haverá um parecer do Ministério Público e a decisão do juiz deferindo ou não a habilitação do interessado.
Sendo deferida a habilitação, o postulante será inscrito no cadastro de interessados na adoção (art. 50), sendo a sua convocação para a adoção feita de acordo com ordem cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade de crianças ou adolescentes adotáveis.
Feitos esses esclarecimentos, imagine a seguinte situação adaptada:
João, 30 anos, pessoa homoafetiva, pediu no Juizado da criança e do adolescente sua inscrição no registro de pessoas interessadas na adoção.
No ato de inscrição ele declarou que desejava adotar crianças de até 5 anos de idade, de ambos os sexos, de qualquer cor, podendo ser filho de portadores de HIV, alcoólatras ou usuários de entorpecentes.
Após passar por todo o procedimento de habilitação, o Ministério Público deu parecer contrário à inclusão de João no cadastro de adotantes. Segundo sustentou o Parquet, a pessoa homoafetiva somente poderia adotar adolescentes (ou seja, maiores de 12 anos). Isso porque seria necessário que o adotando manifestasse sua concordância com a adoção, o que só ocorre com os maiores de 12 anos.
Essa tese está correta? Para que uma pessoa homoafetiva possa figurar na lista de adoção existe alguma limitação quanto à idade do adotando?
NÃO.
É possível a inscrição de pessoa homoafetiva no registro de pessoas interessadas na adoção (art. 50 do ECA), independentemente da idade da criança a ser adotada.
A legislação não veda a adoção de crianças por solteiros ou casais homoafetivos, tampouco impõe, nessas hipóteses, qualquer restrição etária.
Em virtude dos princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana e do "pluralismo familiar", não é possível haver distinção de direitos ou diferença de exigências entre pessoas homoafetivas e heteroafetivas.
Além disso, mesmo se se analisar sob o enfoque do menor, não há, em princípio, restrição de qualquer tipo à adoção de crianças por pessoas homoafetivas. Isso porque, segundo a legislação vigente, caberá ao prudente arbítrio do magistrado, sempre sob a ótica do melhor interesse do menor, observar todas as circunstâncias presentes no caso concreto e as perícias e laudos produzidos no decorrer do processo de adoção. Nesse contexto, o bom desempenho e bem-estar da criança estão ligados ao aspecto afetivo e ao vínculo existente na unidade familiar, e não à opção sexual do adotante.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.540.814-PR, Rel. Min. RicardoVillas Bôas Cueva, julgado em 18/8/2015 (Info 567).
O juiz pode negar o pedido sob a alegação genérica de que adoção por casais homoafetivos pode gerar problemas psicológicos na criança?
NÃO. Este argumento genérico não é acolhido pelos Tribunais Superiores porque “os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores”.
STJ. 4ª Turma. REsp 889.852/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/04/2010.
É possível a adoção unilateral do filho biológico da companheira homoafetiva? Ex.: João é filho biológico de Maria. A criança foi fruto de uma inseminação artificial heteróloga com doador desconhecido. Maria mantém união estável homoafetiva com Andrea, que deseja adotar o menor. É possível?
SIM, considerando que, se esta possibilidade é prevista para os casais heteroafetivos, também deve ser estendida aos homoafetivos. A Min. Nancy Andrighi afirma que, se determinada situação é possível à faixa heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.281.093-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/12/2012.
Cadastro de adotantes
Cadastro de adotantes (art. 50 do ECA)
O art. 50 do ECA prevê que o indivíduo interessado em adotar deverá procurar a Vara (ou Juizado) da Infância e Juventude e passar por um período de preparação psicossocial e jurídica. Após isso, será ouvido o Ministério Público e, caso o interessado satisfaça os requisitos legais e não haja nenhum impedimento, ele será habilitado e incluído no cadastro de adotantes.
A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um cadastro com as pessoas interessadas na adoção.
Vale ressaltar que a alimentação do cadastro e a convocação criteriosa dos postulantes à adoção serão fiscalizadas pelo Ministério Público (custo legis).
Segundo arguta lição do Min. Sidnei Beneti,
“O referido Cadastro de adotantes visa à observância do interesse do menor, concedendo vantagens ao procedimento legal da adoção e avaliando previamente os pretensos adotantes por uma comissão técnica multidisciplinar, o que minimiza consideravelmente a possibilidade de eventual tráfico de crianças ou mesmo a adoção por intermédio de influências escusas, bem como propicia a igualdade de condições àqueles que pretendem adotar.” (REsp 1.347.228-SC, julgado em 6/11/2012)
Justamente por isso, em regra, toda e qualquer adoção deverá observar rigorosamente a ordem de preferência do cadastro de adotantes. Vale transcrever o art. 197-E do ECA:
Art. 197-E. Deferida a habilitação, o postulante será inscrito nos cadastros referidos no art. 50 desta Lei, sendo a sua convocação para a adoção feita de acordo com ordem cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade de crianças ou adolescentes adotáveis.
Exceções legais ao cadastro de adotantes
O § 13 do art. 50 do ECA traz três hipóteses nas quais poderá ser deferida a adoção mesmo sem que o interessado esteja incluído no cadastro de adotantes:
§ 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:
I - se tratar de pedido de adoção unilateral;
II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;
III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.
§ 14. Nas hipóteses previstas no § 13 deste artigo, o candidato deverá comprovar, no curso do procedimento, que preenche os requisitos necessários à adoção, conforme previsto nesta Lei.
E se o caso concreto envolver uma situação não abarcada pelo § 13 do art. 50 do ECA? O que acontece, por exemplo, se um casal ingressa com o pedido de adoção de uma criança por eles criada desde o nascimento, mas este casal, que não é parente do menor, não se encontra inscrito no cadastro de adotantes? A adoção deverá ser negada por esse motivo? Essa criança deverá ser adotada pelo primeiro casal da “fila” do cadastro?
Mesmo não se enquadrando nas hipóteses do § 13 do art. 50 acima transcrito, o STJ, com extremo acerto e sensibilidade, já decidiu que a observância de tal cadastro, ou seja, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança, não é absoluta.
Assim, no exemplo dado, a regra legal deve ser excepcionada em prol do princípio do melhor interesse da criança, base de todo o sistema de proteção ao menor. No caso em estudo, restou configurado o vínculo afetivo entre a criança e o casal pretendente à adoção, o que justifica seja excepcionada a exigência da ordem do cadastro.
Confira trecho da ementa do precedente do STJ:
(...) A observância do cadastro de adotantes, vale dizer, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança não é absoluta. Excepciona-se tal regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que este não se encontre sequer cadastrado no referido registro; (...)
(REsp 1172067/MG, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 18/03/2010)
No julgado acima noticiado é ressaltado que o cadastro de adotantes não é absoluto e que pode ser excepcionado em homenagem ao melhor interesse do menor.
Adoção conjunta feita por dois irmãos
Conceito de adoção
Adoção é um ato jurídico em sentido estrito, que depende sempre de uma decisão judicial constitutiva, por meio do qual se cria um vínculo jurídico irrevogável de pai e filho(a) ou de mãe e filho(a) e cujos efeitos são exatamente os mesmos decorrentes de uma filiação biológica.
Regime jurídico
A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pelo ECA.
A adoção de pessoas maiores de 18 anos também acaba observando as regras trazidas pelo ECA, considerando que, atualmente, o Código Civil quase nada disciplina sobre o tema.
Capacidade para adotar
Podem adotar os maiores de 18 anos, independentemente do estado civil.
O adotante há de ser, pelo menos, 16 anos mais velho do que o adotando. Ex: se o adotando tiver 4 anos, o adotante deverá ter, no mínimo, 20 anos.
O que é adoção unilateral?
É aquela realizada por uma só pessoa. Nesse caso, o adotante deve ter mais de 18 anos.
O que é adoção bilateral (conjunta)?
É aquela realizada por duas pessoas conjuntamente. Ex: um casal, que não pode ter filhos biológicos, decide adotar uma criança.
Dois irmãos podem adotar um menor?
Exemplo hipotético: Júlia (25 anos) e Pedro (30 anos) são irmãos e, por serem solteiros, ainda moram juntos. Júlia e Pedro criam, há alguns anos, um menor que encontraram na porta de sua casa. Júlia e Pedro podem adotar esse menor?
Segundo o texto do ECA: NÃO
Segundo a literalidade do ECA, a adoção conjunta somente pode ocorrer caso os adotantes sejam casados ou vivam em união estável (§ 2º do art. 42). Excepcionalmente, a Lei permite que adotem se já estiverem separados, mas desde que o estágio de convivência com o menor tenha começado durante o relacionamento amoroso (§ 4º do art. 42).
Art. 42 (...) § 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.
§ 4º Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constânciado período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão.
Segundo entendeu o STJ: SIM
O conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, devendo ser ampliado para abarcar a noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas.
O simples fato de os adotantes serem casados ou companheiros, apenas gera a presunção de que exista um núcleo familiar estável, o que nem sempre se verifica na prática.
Desse modo, o que importa realmente para definir se há um núcleo familiar estável que possa receber o menor são os elementos subjetivos, que podem ou não existir, independentemente do estado civil das partes.
Nesse sentido, a chamada família anaparental (ou seja, sem a presença de um ascendente), quando constatado os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, §2º, do ECA.
Em suma, o STJ relativizou a proibição contida no § 2º do art. 42 e permitiu a adoção por parte de duas pessoas que não eram casadas nem viviam em união estável. Na verdade, eram dois irmãos (um homem e uma mulher) que criavam um menor há alguns anos e, com ele, desenvolveram relações de afeto.
Adoção post mortem mesmo que não iniciado o procedimento formal enquanto vivo
Adoção póstuma ou nuncupativa
Adoção póstuma (ou adoção nuncupativa) é aquela que se aperfeiçoa mesmo tendo o adotante já falecido. Essa possibilidade é trazida pelo art. 42, § 6º, do ECA:
§ 6º A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.
Requisitos para que ocorra a adoção póstuma segundo o texto do ECA:
· O adotante, ainda em vida, manifesta inequivocamente a vontade de adotar aquele menor;
· O adotante, ainda em vida, dá início ao procedimento judicial de adoção;
· Após iniciar formalmente o procedimento e antes de ele chegar ao fim, o adotante morre. Nesse caso, o procedimento poderá continuar e a adoção ser concretizada mesmo o adotante já tendo morrido.
Requisitos para que ocorra a adoção póstuma segundo a jurisprudência do STJ:
Se o adotante, ainda em vida, manifestou inequivocamente a vontade de adotar o menor, poderá ocorrer a adoção post mortem, mesmo que não tenha iniciado o procedimento de adoção quando vivo.
O que pode ser considerado como manifestação inequívoca da vontade de adotar?
· O adotante trata o menor como se fosse seu filho;
· Há um conhecimento público dessa condição, ou seja, a comunidade sabe que o adotante considera o menor como se fosse seu filho.
Nesse caso, a jurisprudência permite que o procedimento de adoção seja iniciado mesmo após a morte do adotante, ou seja, não é necessário que o adotante tenha começado o procedimento antes de morrer.
No julgado deste informativo, o STJ reafirma esse entendimento.
A Min. Nancy Andrighi explica que o pedido de adoção antes da morte do adotante é dispensável se, em vida, ficou inequivocamente demonstrada a intenção de adotar:
“Vigem aqui, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição.
O pedido judicial de adoção, antes do óbito, apenas selaria com o manto da certeza, qualquer debate que porventura pudesse existir em relação à vontade do adotante. Sua ausência, porém, não impede o reconhecimento, no plano substancial, do desejo de adotar, mas apenas remete para uma perquirição quanto à efetiva intenção do possível adotante em relação ao recorrido/adotado.”
Desconstituição da paternidade registral e adoção à brasileira
O que é a chamada “adoção à brasileira”?
“Adoção à brasileira” ou “adoção à moda brasileira” ocorre quando o homem ou a mulher declara, para fins de registro civil, um menor como sendo seu filho biológico, sem que isso seja verdade.
Exemplo
Carla tinha um namorado (Bruno), tendo ficado grávida desse rapaz. Ao contar a Bruno sobre a gravidez, este achou que era muito novo para ser pai e “sumiu”, não deixando paradeiro conhecido.
Três meses depois, Carla decide se reconciliar com André, seu antigo noivo, que promete à amada que irá se casar com ela e “assumir” o nascituro. No dia em que nasce a criança, André vai até o registro civil de pessoas naturais e, de posse da DNV (declaração de nascido vivo) fornecida pela maternidade, declara que o menor recém-nascido (Vitor) é seu filho e de Carla, sendo o registro de nascimento lavrado nesses termos.
Por que recebe esse nome?
Essa prática é chamada pejorativamente de “adoção à brasileira” porque é uma espécie de “adoção” realizada sem observar as exigências legais, ou seja, uma adoção feita segundo o “jeitinho brasileiro”. Tecnicamente, contudo, não se trata de adoção, porque não segue o procedimento legal. Consiste, em verdade, em uma perfilhação simulada.
A “adoção à brasileira” é permitida?
NÃO. Formalmente, esta conduta é até mesmo prevista como crime pelo Código Penal:
Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido
Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:
Pena — reclusão, de dois a seis anos.
Parágrafo único — Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:
Pena — detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.
Vale ressaltar, entretanto, que, na prática, dificilmente alguém é condenado ou recebe pena por conta desse delito. Isso porque, no caso concreto, poderá o juiz reconhecer a existência de erro de proibição ou, então, aplicar o perdão judicial previsto no parágrafo único do art. 242 do CP.
É preciso, no entanto, que seja investigada a conduta porque, embora a “adoção à brasileira”, na maioria das vezes, não represente torpeza de quem a pratica, pode ela ter sido utilizada para a consecução de outros ilícitos, como o tráfico internacional de crianças.
Caso o pai registral se arrependa da “adoção à brasileira” realizada, ele poderá pleitear a sua anulação? E no caso, o filho registrado indevidamente tem o direito de ter reconhecido como pai o seu genitor biológico?
· Situação 1: pai registral quer anular o registro
Voltando ao exemplo dado acima, imagine que, depois de alguns anos, André (o pai registral) termina seu relacionamento com Carla. Com raiva, ele procura um advogado pretendendo o reconhecimento judicial de que ele não é o pai de Vitor.
Qual a ação que deverá ser proposta pelo advogado de André?
Ação negatória de paternidade cumulada com nulidade do registro civil.
Contra quem a ação é proposta?
Contra Vitor (não é proposta em face da mãe de Vitor). Se Vitor for menor, será assistido (entre 16 e 18 anos) ou representado (menor de 16 anos) por sua mãe. Se Vitor já for falecido, a ação será ajuizada contra seus herdeiros. Não havendo herdeiros conhecidos (lembre-se que a sua mãe é herdeira), André deverá pedir a citação por edital de eventuais interessados.
Qual é o prazo desta ação?
É imprescritível (art. 1.601 do CC).
Onde esta ação deverá ser proposta (de quem é a competência)?
No foro da comarca onde reside o réu (Vitor), mais especificamente na vara de família (não deve ser ajuizada na vara de registros públicos).
Participação do Ministério Público
Se o filho for menor de 18 anos, o Ministério Público atuará como fiscal da ordem jurídica (custos legis), considerando que se trata de processo que envolve interesse de incapaz (art. 178, II, do CPC 2015).
Provas produzidas: atualmente, a principal prova produzida nestas ações é o exame pericial de DNA.
Se o exame de DNA provar que Vitor não é filho biológico de André, o juiz terá que, obrigatoriamente, julgar procedente o pedido, declarar/desconstituir a paternidade e anular o registro?
NÃO. O pai que questiona a paternidade de seu filho registral(não biológico), que ele próprio registrou conscientemente, está violando a boa-fé objetiva, mais especificamente a regra da venire contra factum proprium (proibição de comportamento contraditório).
Para que seja possível a anulação do registro, é indispensável que fique provado que o pai registrou o filho enganado (induzido em erro), ou seja, é imprescindível que tenha havido vício de consentimento:
(...) O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento; não há como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade, em que o próprio pai manifestou que sabia perfeitamente não haver vínculo biológico entre ele e o menor e, mesmo assim, reconheceu-o como seu filho. (...)
(STJ. 3ª Turma. REsp 1229044/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/06/2013)
· Situação 2: filho ajuíza investigação de paternidade contra o pai biológico cumulada com anulação do registro anterior
Imagine que Vitor, já maior, descubra que André não é seu pai biológico, mas sim Bruno.
Vitor se revolta com André porque ele nunca contou que não era seu pai biológico. Além disso, decide que quer ser reconhecido como filho de Bruno.
Diante disso, ajuíza ação de investigação de paternidade cumulada com nulidade do registro de nascimento anteriores apontando como réus Bruno e André.
A ação terá êxito segundo o entendimento do STJ?
SIM. É possível o reconhecimento da paternidade biológica e a anulação do registro de nascimento na hipótese em que pleiteados pelo filho adotado conforme prática conhecida como “adoção à brasileira”.
O direito da pessoa ao reconhecimento de sua ancestralidade e origem genética insere-se nos atributos da própria personalidade.
O direito do filho de buscar o reconhecimento do estado biológico de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, consubstanciado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica (STJ. REsp 833.712/RS).
A prática conhecida como “adoção à brasileira”, ao contrário da adoção legal, não tem a aptidão de romper os vínculos civis entre o filho e os pais biológicos, que devem ser restabelecidos sempre que o filho manifestar o seu desejo de desfazer o liame jurídico advindo do registro ilegalmente levado a efeito, restaurando-se, por conseguinte, todos os consectários legais da paternidade biológica, como os registrais, os patrimoniais e os hereditários.
A ação será julgada procedente e o registro será anulado mesmo que tenha se estabelecido uma relação socioafetiva entre Vítor e André?
SIM. O STJ entende que, mesmo que o filho tenha sido acolhido e tenha usufruído de uma relação socioafetiva, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à sua verdade biológica que lhe foi usurpada desde o nascimento até a idade madura. Presente o dissenso, portanto, prevalecerá o direito ao reconhecimento do vínculo biológico (REsp 833.712/RS).
Dessa forma, a filiação socioafetiva desenvolvida com o pai registral não afasta o direito do filho de ver reconhecida a sua filiação biológica.
Em resumo:
O filho tem direito de desconstituir a denominada "adoção à brasileira" para fazer constar o nome de seu pai biológico em seu registro de nascimento, ainda que preexista vínculo socioafetivo de filiação com o pai registral.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.417.598-CE, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 17/12/2015 (Info 577).
Voltando ao exemplo dado:
Vitor foi criado e educado por André com todo amor e carinho e, perante a família e amigos, ele é conhecido como filho de André, sendo poucos os que sabem que não existe vínculo biológico.
Quando o rapaz completou 18 anos, Carla decide contar a ele que André não é seu pai biológico, mas sim Bruno, narrando toda a história vivenciada.
Vitor descobre no Facebook que Bruno, seu pai biológico, é um rico empresário, sendo possível observar pelas fotos postadas que ele passa férias em lugares incríveis ao redor do mundo. Enquanto isso, Vitor teve que trancar a faculdade que cursava por não conseguir pagar as mensalidades e, atualmente, trabalha como chapeiro em uma lanchonete do bairro.
Vitor procura a Defensoria Pública, explica a situação, afirma que deseja ser reconhecido como filho de Bruno, ter todos os direitos inerentes a essa condição, mas, ao mesmo tempo, ama muito André e não quer deixar de ser seu filho.
O Defensor Público ajuíza ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos contra Bruno pedindo que ele seja reconhecido como pai biológico de Vitor e que, ao mesmo tempo, André continue também figurando como pai do autor. Em suma, na certidão de nascimento de Vitor constariam dois pais: Bruno e André. Além disso, pede-se a fixação de alimentos a serem pagos por Bruno a fim de que Vitor consiga custear sua faculdade.
O réu contestou a ação afirmando que o Direito brasileiro não admite a dupla filiação e que a paternidade socioafetiva deve prevalecer em detrimento da biológica. Assim, como o autor não deseja anular a filiação socioafetiva, não se deve reconhecer a filiação biológica.
O pedido formulado pelo autor pode ser acolhido? É possível que o indivíduo busque ser reconhecido como filho biológico de determinado pai e, ao mesmo tempo, continue como filho socioafetivo de outro? É possível que uma pessoa tenha dois pais: um biológico e outro socioafetivo e receba de ambos os direitos relacionados a essa filiação?
SIM.
A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.
STF. Plenário. RE 898060/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 21 e 22/09/2016 (Info 840).
Dignidade da pessoa humana e proteção dos modelos de família diversos do tradicional
A dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, III, da CF/88, é classificada por alguns doutrinadores como sendo um "sobreprincípio", porque atua "sobre" outros princípios.
A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade. No campo do direito de família, a dignidade da pessoa humana confere ao indivíduo a possibilidade de que ele escolha o formato de família que ele quiser, de acordo com as suas relações afetivas interpessoais, mesmo que elas não estejam previstas em lei.
Direito à busca da felicidade
O chamado "direito à busca da felicidade" está estritamente ligado à dignidade da pessoa humana. Alguns dizem que ele deriva deste sobreprincípio e outros afirmam que ele é o próprio cerne (núcleo) da dignidade da pessoa humana.
A origem histórica do direito à busca da felicidade está em 4 de julho de 1776, na Filadélfia, Pensilvânia, quando foi publicada a declaração de independência dos Estados Unidos da América. Em seu preâmbulo, o documento exibe a seguinte frase atribuída a Thomas Jefferson:
“Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.”
O direito à busca da felicidade faz com que o indivíduo seja o centro do ordenamento jurídico-político que deverá reconhecer que ele tem a capacidade de autodeterminação, de autossuficiência e a liberdade de escolher seus próprios objetivos. O Estado deve atuar para garantir que essas capacidades próprias sejam respeitadas.
O Min. Luiz Fux narra que a primeira vez em que a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu a força normativa do direito à busca da felicidade foi no caso Meyer v. Nebraska, de 1923 (262 U.S. 390). Havia uma lei do Estado de Nebraska de 1919 que proibia as pessoas de estudaram idiomas estrangeiros. O objetivo da lei, denominada "Siman Act", era perseguir os imigrantes alemãespor conta da 1ª guerra mundial. Um professor de alemão chamado Robert T. Meyer questionou a constitucionalidade da lei. A Suprema Corte acolheu o pedido e declarou a lei inconstitucional, afirmando que o direito à busca da felicidade seria uma norma constitucional implícita e que a lei seria inválida porque interferiu na vocação de professores, nas oportunidades dos alunos de adquirirem conhecimento e na prerrogativa dos pais de controlar a educação de seus descendentes. Segundo o Min. Fux, "a lição mais importante a ser extraída do caso é a de que sequer em tempos de guerra, excepcionais por natureza, poderá o indivíduo ser reduzido a mero instrumento de consecução da vontade dos governantes".
Transportando-se para o Direito de Família, o direito à busca da felicidade funciona como um escudo do ser humano em face das tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei. "É o direito que deve se curvar às vontades e necessidades das pessoas, não o contrário, assim como um alfaiate, ao deparar-se com uma vestimenta em tamanho inadequado, faz ajustes na roupa, e não no cliente."
Dois exemplos de aplicação do direito à busca da felicidade pela Suprema Corte dos EUA em casos envolvendo direito de família:
· Loving v. Virginia, de 1967 (388 U.S. 1): uma mulher negra e um homem branco foram condenados a um ano de prisão por terem se casado em descumprimento ao Racial Integrity Act, de 1924, lei que proibia casamentos entre pessoas de "raças diferentes". A Suprema Corte reverteu a condenação do casal adotando, dentre outros fundamentos, o de que o direito à liberdade de casamento é um dos direitos individuais vitais e essenciais para a busca ordenada da felicidade por homens livres;
· Obergefell v. Hodges, de 2015: este foi o julgado por meio do qual a Suprema Corte dos EUA permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Fico decidido que a Constituição reconhece a possibilidade de casamento de casais homoafetivos porque o direito a casar é uma decorrência essencial do direito à busca da felicidade. “A Constituição promete liberdade a todos aqueles sob seu alcance, uma liberdade que inclui certos direitos específicos que permitem a pessoas, dentro de um âmbito legal, definir e expressar sua identidade” (trecho do voto do Justice Anthony Kennedy).
Alguns Ministros do STF, em seus votos, já invocaram o direito à busca da felicidade em temas de direito de família. Confira:
“O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais.
- Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana.”
(RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011)
“Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da ‘dignidade da pessoa humana’: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual.”
(ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011)
Em suma, tanto a dignidade humana como o direito à busca da felicidade asseguram que os indivíduos sejam senhores dos seus próprios destinos, condutas e modos de vida, sendo proibido que o Estado, seja por meio de seus governantes, seja por intermédio dos legisladores, imponha modelos obrigatórios de família.
Deve-se garantir também que a pessoa seja feliz com suas escolhas existenciais. Isso inclui a proteção e o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, de modelos familiares diversos da concepção tradicional.
Não há hierarquia entre a filiação biológica e a afetiva
O Direito deve acolher tanto os vínculos de filiação originados da ascendência biológica (filiação biológica) como também aqueles construídos pela relação afetiva (filiação socioafetiva).
Atualmente, não cabe estabelecer uma hierarquia entre a filiação afetiva e a biológica, devendo ser reconhecidos ambos os vínculos quando isso for o melhor para os interesses do descendente.
Como afirma o Min. Fux:
"Não cabe à lei agir como o Rei Salomão, na conhecida história em que propôs dividir a criança ao meio pela impossibilidade de reconhecer a parentalidade entre ela e duas pessoas ao mesmo tempo. Da mesma forma, nos tempos atuais, descabe pretender decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente é o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos. Do contrário, estar-se-ia transformando o ser humano em mero instrumento de aplicação dos esquadros determinados pelos legisladores. É o direito que deve servir à pessoa, não o contrário."
Obs: vale ressaltar que a filiação socioafetiva independe da realização de registro, bastando a consolidação do vínculo afetivo entre as partes ao longo do tempo, como ocorre nos casos de posse do estado de filho. Assim, a "adoção à brasileira" é uma das formas de ocorrer a filiação socioafetiva, mas esta poderá se dar mesmo sem que o pai socioafetivo tenha registrado o filho.
Pluriparentalidade
O conceito de pluriparentalidade não é novidade no Direito Comparado. Nos Estados Unidos, onde os Estados têm competência legislativa em matéria de Direito de Família, a Suprema Corte de Louisiana possui jurisprudência consolidada quanto ao reconhecimento da “dupla paternidade” (dual paternity).
Essas decisões da Suprema Corte fizeram com que, em 2005, houvesse uma alteração no Código Civil estadual de Louisiana e passou-se a reconhecer expressamente a possibilidade de dupla paternidade. Com isso, Louisiana se tornou o primeiro Estado norte-americano a permitir legalmente que um filho tenha dois pais, atribuindo-se a ambos as obrigações inerentes à parentalidade.
O fato de o legislador no Brasil não prever expressamente a possibilidade de uma pessoa possuir dois pais (um socioafetivo e outro biológico) não pode servir de escusa para se negar proteção a situações de pluriparentalidade. Esta posição, agora adotada pelo STF, já era reconhecida pela doutrina:
“Não mais se pode dizer que alguém só pode ter um pai e uma mãe. Agora é possível que pessoas tenham vários pais. Identificada a pluriparentalidade, é necessário reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação. Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, sendo que o filho desfruta de direitos com relação a todos. Não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória. (...)” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6ª ed. São Paulo: RT, 2010, p. 370).
Em suma, é juridicamente possível a cumulação de vínculos de filiação derivados da afetividade e da consanguinidade.
Paternidade responsável
Haveria uma afronta ao princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º, da CF/88) se fosse permitido que o pai biológico ficasse desobrigado de ser reconhecido como tal pelo simples fato de o filho já ter um pai socioafetivo.
Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, e o filho deve poder desfrutar de direitos com relação a todos, não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória.
Medidas protetivas e medidas socioeducativas
Na execução de medida socioeducativa, o período de tratamento médico deve ser contabilizado no prazo de 3 anos para a duração máxima da medida de internação, nos termos do art. 121, § 3º, do ECA
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
Lucas, adolescente de 15 anos, praticou ato infracional.
O juiz julgou procedente a representação (ação socioeducativa) oferecidapelo Ministério Público e aplicou a Lucas a medida socioeducativa de internação, sem termo final, nos termos do art. 121, § 2º do ECA:
Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. (...)
§ 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.
Por esse regime, o adolescente fica recolhido na unidade de internação.
A medida de internação é fixada em prazo determinado. No entanto, o adolescente, em nenhuma hipótese, pode ficar internado mais que 3 anos:
Art. 121 (...)
§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
Transtorno mental diagnosticado
Após 2 anos e 6 meses cumprindo a medida socioeducativa, constatou-se que Lucas teria um transtorno mental.
Diante disso, o juiz ordenou a submissão do adolescente a internação psiquiátrica, para tratamento da enfermidade.
Assim, o adolescente saiu da unidade de internação de medida socioeducativa para um hospital psiquiátrico.
Quando Lucas completou 6 meses de tratamento psiquiátrico, a defesa peticionou pedindo que ficasse reconhecido que ele já cumpriu integralmente a medida socioeducativa de internação porque se atingiu o período máximo de três anos previsto no art. 121, § 3º do ECA (2 anos e 6 meses de internação + 6 meses de tratamento médico).
O juiz não concordou alegando que o período de tratamento médico não é contabilizado no período máximo de internação previsto no art. 121, § 3º do ECA. Isso porque a execução da medida socioeducativa fica suspensa durante o tratamento de saúde, nos termos do art. 64, § 4º da Lei nº 12.594/2012 (Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE):
Art. 64 (...)
§ 4º Excepcionalmente, o juiz poderá suspender a execução da medida socioeducativa, ouvidos o defensor e o Ministério Público, com vistas a incluir o adolescente em programa de atenção integral à saúde mental que melhor atenda aos objetivos terapêuticos estabelecidos para o seu caso específico.
A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça.
	O STJ concordou com o entendimento do juiz e do TJ?
NÃO.
Imaginemos que João, adulto, está cumprindo pena. Suponhamos que João desenvolveu um transtorno mental durante a execução penal. O que acontecerá? A sua pena será substituída por medida de segurança, nos termos do art. 183 da LEP:
Art. 183. Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança.
O STJ, ao interpretar esse art. 183 da LEP, entende que o prazo de cumprimento da medida (prazo de tratamento) não poderá ultrapassar o tempo remanescente da pena imposta na sentença.
Em outras palavras, se um réu (adulto), condenado a 3 anos e, fosse acometido por doença mental no primeiro dia da execução da pena privativa de liberdade, eventual medida de segurança somente poderia durar 3 anos.
Em se tratando de medida de segurança aplicada em substituição à pena corporal, prevista no art. 183 da Lei de Execução Penal, sua duração está adstrita ao tempo que resta para o cumprimento da pena privativa de liberdade estabelecida na sentença condenatória, sob pena de ofensa à coisa julgada.
Assim, extrapolado o prazo máximo da pena privativa de liberdade, não há como manter o condenado no cumprimento da medida de segurança, a qual deve ser declarada extinta, independentemente da cessação da periculosidade do paciente.
Se o Ministério Público entender necessário, em razão da não cessação da periculosidade do agente, deverá buscar a interdição do indivíduo perante o juízo cível (arts. 1.767 e seguintes do CC), desde que estritamente necessário à proteção deste ou da sociedade. Caso contrário, não há outra alternativa senão a sua liberação imediata.
Nesse sentido:
A medida de segurança prevista no art. 183 da Lei de Execução Penal é aplicada quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, ocasião em que a sanção é substituída pela medida de segurança, que deve perdurar pelo período de cumprimento da reprimenda imposta na sentença penal condenatória, sob pena de ofensa à coisa julgada.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 531.438/GO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 12/5/2020.
Tal compreensão alinha-se ao teor da Súmula 527/STJ, segundo a qual “o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado”. Para a medida de internação, esse limite máximo é de 3 anos, previsto no art. 121, § 3º, do ECA.
O entendimento acima exposto a respeito do art. 183 da LEP também deve ser aplicado aos adolescentes considerando que não se pode aplicar um regime mais gravoso a eles do que aquele que incide para os adultos.
Logo, o art. 64, § 4º da Lei nº 12.594/2012 deve ser interpretado segundo o entendimento do STJ aplicável ao art. 183 da LEP, por força do art. 35, I, da Lei nº 12.594/2012:
Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios:
I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto; (...)
Em suma:
Na execução de medida socioeducativa, o período de tratamento médico deve ser contabilizado no prazo de 3 anos para a duração máxima da medida de internação, nos termos do art. 121, § 3º, do ECA.
STJ. 5ª Turma. REsp 1.956.497-PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/04/2022 (Info 732).
Ato infracional equiparado ao crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, por si só, não justifica a medida socioeducativa de internação
O ato infracional imputado ao adolescente é equiparado ao crime de posse ilegal de arma de fogo (art. 12 da Lei 10.826/03), que não é praticado por meio de violência ou grave ameaça, e os processos indicados para justificar a reiteração de ato infracional ainda estão tramitando, não sendo indicado na sentença ou no acórdão a aplicação prévia de medida socioeducativa.
Conforme o entendimento dominante no STJ, não é possível aplicar a medida socioeducativa de internação no presente caso, pois não foi imputado ao recorrente a prática de ato infracional exercido por violência ou grave ameaça, e não está configurada a reiteração, haja vista que, conforme consta dos autos, os outros atos infracionais imputados ainda estão em apuração, não sendo aplicada nenhuma medida prévia.
STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1.785.611/AL, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 09/03/2021.
Não cabe, em sede de procedimento relativo a ato infracional submetido ao Estatuto da Criança e do Adolescente, a aplicação da circunstância atenuante de confissão, prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, uma vez que a medida socioeducativa não tem natureza de pena
A aplicação da circunstância atenuante de confissão, prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, é impossível em sede de procedimento relativo a ato infracional submetido ao Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que a medida socioeducativa não tem natureza de pena.
STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1.654.739/GO, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 2/02/2021.
Diferentemente da hipótese de internação, a medida de semiliberdade não possui requisitos taxativos de aplicação
Segundo a jurisprudência do STJ, diferentemente da hipótese de internação, a medida de semiliberdade não possui requisitos taxativos de aplicação. Não há impedimento legal à fixação da medida socioeducativa consistente em semiliberdade desde o início, quando o Juízo da Infância e da Juventude, diante das peculiaridades do caso concreto, fundamentadamente demonstrar a adequação da medida à ressocialização do adolescente (ECA, art. 120 e §§).
No caso, a medida socioeducativa de semiliberdade foi aplicada considerando, de um lado, o histórico do adolescente(ele já recebeu medidas socioeducativas mais brandas, a ele foi oferecida remissão cumulada com liberdade assistida, benefício que foi devidamente aceito e homologado, mas não cumprido; a ele já foi aplicada a medida socioeducativa de liberdade assistida pela prática de ato infracional equiparado ao delito de roubo). De outro lado, a gravidade concreta dos atos infracionais praticados (ameaça de morte aos atendentes do SAMU, com faca em punho, e desacato a policial militar), fundamentos suficientes por si sós.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 600.021/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, julgado em 22/09/2020.
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO DE ROUBO QUALIFICADO TENTADO. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE. POSSIBILIDADE. GRAVE AMEAÇA OU VIOLÊNCIA À PESSOA. REITERAÇÃO DELITIVA. ART. 122, INCISOS I E II, DA LEI N. 8.069/90. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal. 2. O art. 120 do ECA dispõe que se aplica ao regime de semiliberdade as disposições relativas à internação contidas no art. 122 do ECA, o qual autoriza sua imposição somente nas hipóteses de ato infracional praticado com grave ameaça ou violência contra a pessoa, reiteração no cometimento de outras infrações graves ou descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta. Na hipótese dos autos, observa-se que a imposição da medida socioeducativa de semiliberdade deveu-se ao fato de ter sido atribuído ao paciente ato infracional praticado com violência e grave ameaça à pessoa, equiparado ao roubo qualificado, com concurso de agentes e restrição de liberdade das vítimas, enquadrando-se na hipótese prevista no inciso I, do art. 122, do ECA. Ressalta-se, ainda, que as instâncias ordinárias destacaram que as condições pessoais do paciente são desfavoráveis, haja vista que no relatório apresentado nos autos, informa-se que o adolescente não se encontra frequentando a escola, nunca trabalhou e faz uso de substância entorpecente desde os 13 anos de idade, além de possuir processos anteriores pela prática de atos infracionais análogos aos crimes tráfico de drogas, ameaça e furto qualificado, tendo o menor descumprido as aplicadas medidas socioeducativas em meio aberto anteriormente aplicadas, enquadrando-se na hipótese prevista no inciso II, do art. 122, do ECA, não havendo que se falar, portanto, em falta de fundamentação. Precedentes. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 461.786/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 9/10/2018, DJe de 24/10/2018).
A presunção de inocência se aplica ao processo em que se apura a prática de ato infracional, uma vez que as medidas socioeducativas, ainda que primordialmente tenham natureza pedagógica e finalidade protetiva, podem importar na compressão da liberdade do adolescente, e, portanto, revestem-se de caráter sancionatório-aflitivo
O princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF), como norma de tratamento, veda a imposição de medidas cautelares automáticas ou obrigatórias, isto é, que decorram, por si sós, da existência de uma imputação e, por essa razão, importem em verdadeira antecipação de pena.
A presunção de inocência se aplica ao processo em que se apura a prática de ato infracional, uma vez que as medidas socioeducativas, ainda que primordialmente tenham natureza pedagógica e finalidade protetiva, podem importar na compressão da liberdade do adolescente, e, portanto, revestem-se de caráter sancionatório-aflitivo.
A internação provisória, antes do trânsito em julgado da sentença, assim como a prisão preventiva, tem natureza cautelar, e não satisfativa, uma vez que visa resguardar os meios ou os fins do processo, a exigir, nos termos do art. 108, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a demonstração da imperiosa necessidade da medida, com base em elementos fáticos concretos.
Revogada, no curso da instrução, a internação provisória, somente a superveniência de fatos novos poderia ensejar o restabelecimento da medida. Assim, constitui manifesto constrangimento ilegal, por ofensa ao princípio da presunção de inocência e ao dever de motivação, previsto no art. 93, IX, da Constituição Federal e no art. 106 da Lei nº 8.069/90, a determinação, constante da sentença, de imediata execução da medida de internação, “independentemente da interposição de recurso”.
STF. 1ª turma. HC 122.072/CE AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 2/09/2014.
Não se admite a Defensoria Pública na condição de custos vulnerabilis em ação judicial que se busca aplicar medida protetiva de acolhimento institucional
Imagine a seguinte situação hipotética:
João, criança de 11 anos de idade, está em situação de risco perante os seus familiares.
O Ministério Público ajuizou ação judicial, a fim de aplicar medida protetiva de acolhimento institucional. 
ECA, art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta.
ECA, art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
VII - acolhimento institucional;
§ 1º O acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.
Nesse processo, a Defensoria Pública buscou intervir na condição de custos vulnerabilis.
Em decisão interlocutória, o juízo da vara da infância indeferiu o pedido.
A Defensoria Pública interpôs agravo de instrumento.
O caso chegou ao STJ.
O que é a chamada “medida protetiva de acolhimento institucional”?
Segundo o ECA, previsto como espécie de medida protetiva nos arts. 99 e seguintes, o acolhimento institucional é tratado como medida provisória e excepcional, que deve ser precedido de procedimento judicial contencioso deflagrado pelo Ministério Público ou por quem tenha legítimo interesse.
O acolhimento institucional de menor é medida excepcional, devendo, sempre que possível, ser prestigiada a permanência da criança ou adolescente em âmbito familiar, ainda que sob o regime de guarda de fato, o qual poderá, posteriormente, ser regularizado, inclusive por meio de adoção, considerando que a observância ao cadastro de adoção não é absoluta.
STJ. 3ª Turma. HC 611.567/CE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 02/02/2021.
Quando o Ministério Público é responsável pela propositura da medida protetiva de acolhimento institucional, haverá atuação por parte da Defensoria Pública em favor do menor como curadora especial, ainda que a título de custos vulnerabilis?
Em regra, NÃO! Para o STJ, ao propor uma medida protetiva o Ministério Público está atuando justamente no sentido de proteger e preservar os direitos do menor, promovendo as diligências necessárias ao atendimento dos interesses e da integridade física e psicológica desses vulneráveis.
Nessa linha, a intervenção da Defensoria Pública mostrar-se-ia inconveniente e contraproducente, servindo apenas para atrasar a prestação da tutela jurisdicional em um processo cuja solução é de extrema urgência, mormente diante do acolhimento dos menores em abrigos e consequente distanciamento de seus familiares.
	Neste julgado (AgInt no AREsp 1819420), quais foram os fundamentos para afastar a figura da Defensoria Pública na condição de custos vulnerabilis?· Os direitos dos vulneráveis (menores) já estavam sendo resguardados/zelados pelo Ministério Público;
· A intervenção como custos vulnerabilis não deve ser admitida em todo e qualquer processo que envolva vulneráveis, devendo ser analisada caso a caso.
Em suma:
A atuação da Defensoria Pública como curadora especial no que se refere ao Estatuto da Criança e do Adolescente deve se dar somente quando chamada ao feito pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude em processos em que a criança ou adolescente seja parte na relação processual, e desde que vislumbrada tal necessidade, sob pena de violação princípio da intervenção mínima previsto no art. 100, inc. VII, do ECA.
Os direitos dos vulneráveis (menores) já estão sendo zelados pelo Ministério Público, responsável pela propositura da medida protetiva, razão pela qual se torna desnecessária a atuação da Defensoria Pública, ainda que a título de custos vulnerabilis.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1819420/MS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 22/11/2021.
O relatório sobre medida socioeducativa não vincula o órgão julgador
A existência de relatório a recomendar a extinção de medida socioeducativa não vincula o Órgão julgador, que pode decidir, de forma fundamentada, levando em conta outros dados do processo.
STF. 1ª Turma. RHC 179441, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12/05/2021
A internação de menor que possui comprometimento das faculdades mentais
De acordo com a legislação de regência, a medida socioeducativa de internação impõe-se nas hipóteses taxativamente arroladas no art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
"Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§ 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses.
§ 2º Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada".
Salienta-se que o elenco das condições é taxativo, não se permitindo a possibilidade de aplicação fora das hipóteses apresentadas (HC n. 291.176/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 21/8/2014).
Igualmente, nos termos do parágrafo 1º do art. 112 do ECA, a imposição de quaisquer das medidas socioeducativas ao adolescente, deve levar em conta a sua capacidade de cumpri-la, bem como as circunstâncias e a gravidade da infração.
Imagine a seguinte situação hipotética:
Chegou um processo no STJ em que constava do laudo pericial que:
"Do ponto de vista psiquiátrico-forense, assevera-se que FULANO não tem capacidade de entendimento nem de autodeterminação. Há moderado risco de violência (periculosidade). Necessita acompanhamento ambulatorial no âmbito psicossocial com orientação para familiares."
No caso, tínhamos um adolescente que foi representado pela prática de ato infracional equiparado ao delito de roubo majorado.
E o que decidiu o Tribunal de origem?
A representação foi julgada procedente, sendo aplicado ao adolescente a medida socioeducativa de internação.
Porém, a defesa impetrou Habeas Corpus aduzindo que a medida socioeducativa de internação não poderia ter sido aplicada ao presente caso, sob a premissa de que a deficiência mental do paciente - devidamente comprovada por laudo de Psiquiatra Forense - o impossibilita de cumprir a medida socioeducativa imposta pois teria natureza punitiva.
E o que decidiu o STJ? Concordou com a Defesa?
Sim.
A internação de menor portador de distúrbio mental, incapaz de assimilar a medida socioeducativa, possui caráter meramente retributivo, o que não se coadunava com os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente.
STJ. 5ª Turma. HC 47.178/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 19/10/2006 
STJ. 5ª Turma. HC 60.604/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 13/02/2007 
STJ. 5ª Turma. HC 47.178/SP, Rel. Min. Felix Fischer, decisão monocrática em 30/06/2020 
Nesse compasso, se o adolescente apresenta distúrbios mentais – como é o caso dos autos –, não pode ficar submetido a um processo ressocializador do qual não auferirá proveito, tendo em vista a sua condição especial, vale dizer, "Se o processo sócio-educativo imposto ao paciente - com finalidade ressocializadora - não se mostra apto à resolução de questões psiquiátricas, faz-se necessária a implementação de uma das medidas protetivas dispostas na lei, com a submissão do adolescente a um tratamento adequado à sua doença ou deficiência mental." (HC 60.604/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ 19/03/2007).
Evidencia-se, portanto, que a internação do Paciente, portador de distúrbio mental, incapaz de assimilar a medida socioeducativa, e que necessita, na verdade, de tratamento psiquiátrico, possui caráter meramente retributivo, o que não se coadunada com os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse sentido:
"CRIMINAL. HC. ECA. ADOLESCENTE PORTADOR DE TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL. INTERNAÇÃO COM DETERMINAÇÃO DE TRATAMENTO DENTRO DA UNIDADE DA FEBEM. INADEQUAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA. I. Hipótese em que, diagnosticado no adolescente o transtorno de personalidade anti-social (PAS), foi mantida a medida sócio-educativa de internação com a determinação de tratamento psiquiátrico na mesma unidade em que se encontra segregado. II. O adolescente que apresenta distúrbio psiquiátrico não pode ficar submetido a uma medida sócio-educativa diante de sua inaptidão para cumpri-la (art. 112, § 1º, do ECA). III. Se o processo sócio-educativo imposto ao paciente - com finalidade ressocializadora - não se mostra apto à resolução de questões psiquiátricas, faz-se necessária a implementação de uma das medidas protetivas dispostas na lei, com a submissão do adolescente a um tratamento adequado à sua doença ou deficiência mental. IV. A imposição do regime de internação ao paciente, com a determinação de realização de psicoterapia dentro da Unidade da Febem ofende o Princípio da Legalidade. V. Deve ser determinada a liberação do adolescente, com a sua submissão imediata a tratamento psiquiátrico devido em local adequado ao transtorno mental apresentado. VI. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator." (HC 54961/SP, 5ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 22/05/2006.)
Assim, o que fez o STJ?
Concedeu a ordem para determinar que o Paciente seja inserido em medida socioeducativa de liberdade assistida, concomitante com acompanhamento ambulatorial psiquiátrico, psicopedagógico e familiar.
Se a internação for aplicada sem termo, o cálculo do prazo prescricional deverá levar em consideração a duração máxima da internação (3 anos)
Ato infracional
Quando uma criança ou adolescente pratica um fato previsto em lei como crime ou contravenção penal, esta conduta é chamada de “ato infracional”.
Assim, juridicamente, não se deve dizer que a criança ou adolescente cometeu um crime ou contravenção penal, mas sim ato infracional.
· Criança: é a pessoa que tem até 12 anos de idade incompletos.
· Adolescente: é a pessoa que tem entre 12 e 18 anos de idade.
Quando uma criança ou adolescente pratica um ato infracional, não receberá uma pena (sanção penal), considerando que não pratica crime nem contravenção. O que acontece então?
· Criança: receberá uma medida protetiva (art. 101 do ECA).
· Adolescente: receberá uma medida socioeducativa (art. 112 do ECA) e/ou medida protetiva (art. 101).
O que é prescrição no direito penal?
Prescrição pode ser conceituada como sendo:
· A perda do direito do Estado de
· Punir (pretensão punitiva) ou
· Executar uma punição já imposta (pretensão executória),
· Em razão de não ter agido (inércia) nos prazos previstos em lei.
Existe prescrição envolvendo medidas socioeducativas?
SIM. Conforme entendimento pacífico do STJ:
Súmula 338-STJ: A prescrição penal é aplicável nas medidas socioeducativas.
Espécies de prescrição
No direito penal, temos duas espécies de prescrição:
· Prescrição da pretensão punitiva;· Prescrição da pretensão executória.
Adaptando esses conceitos para o âmbito do direito infracional, é possível afirmar que existem duas espécies de prescrição relacionadas com as medidas socioeducativas:
· Prescrição da pretensão (prescrição da ação): perda da pretensão de ajuizar a ação socioeducativa;
· Prescrição da execução das medidas socioeducativas: perda da pretensão de fazer cumprir a medida socioeducativa imposta na sentença.
Como se deve calcular o prazo prescricional das medidas socioeducativas?
O ECA não possui dispositivos tratando sobre prescrição. Diante disso, devem ser aplicadas as regras do Código Penal para aferir a ocorrência da prescrição quanto às medidas socioeducativas.
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
Lucas, adolescente de 15 anos, praticou ato infracional equiparado a homicídio.
O juiz julgou procedente a representação (ação socioeducativa) oferecida pelo Ministério Público e aplicou a Lucas a medida socioeducativa de internação, sem termo final, nos termos do art. 121, § 2º do ECA:
Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. (...)
§ 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.
Como calcular a prescrição neste caso?
Se a medida socioeducativa foi aplicada sem termo (“sem prazo”), o prazo prescricional deve ser calculado com base no período máximo de duração da medida de internação, que é 3 anos, nos termos do art. 121, § 3º do ECA:
Art. 121 (...)
§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
Se a medida de internação tem prazo máximo de 3 anos, o prazo prescricional, segundo o Código Penal, deveria ser 8 anos, se considerássemos apenas o art. 109, IV, do CP:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (...)
IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
Ocorre que a medida socioeducativa é aplicada para quem tem menos de 21 anos. Logo, esse prazo de 8 anos deverá ser obrigatoriamente reduzido pela metade conforme determina o art. 115 do CP:
Art. 115. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.
Em suma:
Tratando-se de medida socioeducativa aplicada sem termo, o prazo prescricional deve ter como parâmetro a duração máxima da internação (3 anos), e não o tempo da medida, que poderá efetivamente ser cumprida até que o socioeducando complete 21 anos de idade.
Assim, deve-se considerar o lapso prescricional de 8 anos previsto no art. 109, IV, do Código Penal, posteriormente reduzido pela metade em razão do disposto no art. 115 do mesmo diploma legal, de maneira a restar fixado em 4 anos.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.856.028-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 12/05/2020 (Info 672).
É legal a internação de adolescente gestante ou com o filho em amamentação, desde que assegurada atenção integral à sua saúde, bem como as condições necessárias para que permaneça com seu filho durante o período de amamentação
Imagine a seguinte situação hipotética:
Uma adolescente de 16 anos foi representada pela prática do ato infracional análogo ao crime de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I e IV, do Código Penal).
A sentença julgou procedente a representação e fixou a medida socioeducativa de internação.
A defesa impetrou habeas corpus afirmando que a adolescente está gestante e que, portanto, não poderia ficar internada.
Afirmou que o Código de Processo Penal assegura às rés grávidas o direito à prisão domiciliar, de modo que uma adolescente não pode receber tratamento mais gravoso que uma pessoa adulta. Logo, seria ilegal a internação.
A tese da defesa foi acolhida pelo STJ?
NÃO.
Internação
A medida socioeducativa de internação somente pode ser aplicada nas hipóteses legais arroladas no art. 122 do ECA:
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
Esse rol é taxativo, não permitindo ao julgador nenhuma interpretação extensiva.
O caso concreto se amolda ao inciso I do art. 122 do ECA
Diante da prática de ato infracional equiparado ao crime de homicídio duplamente qualificado, que traduz gravíssima e irremediável violência contra pessoa, está autorizada a aplicação da medida socioeducativa de internação, nos termos do art. 122, I, do ECA
Lei do SINASE não proíbe internação de adolescentes grávidas
Não há impeditivo legal para a internação de adolescente gestante ou com filho em amamentação, desde que seja garantida atenção integral à saúde do adolescente, além de asseguradas as condições necessárias para que a adolescente submetida à execução de medida socioeducativa de privação de liberdade permaneça com o seu filho durante o período de amamentação (art. 60 e § 2º do art. 63 da Lei nº 12.594/2012 – Lei do SINASE).
Lei de Execução Penal e Estatuto da Primeira Infância
Com a edição da Lei nº 13.257/2016 (Estatuto da Primeira Infância), houve alteração no CPP e o rol de hipóteses em que é permitida a inserção da mãe em um regime de prisão domiciliar foi ampliado, ficando evidente o compromisso do legislador com a proteção da criança e seu desenvolvimento nos primeiros anos de vida.
A Lei nº 13.769/2018 também tratou sobre o tema.
Veja a atual redação do CPP:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...)
IV - gestante;
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Redação dada pela Lei nº 13.257/2016)
Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que:
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. (artigo incluído pela Lei nº 13.769/2018).
No caso concreto, a adolescente praticou o ato infracional com emprego de violência contra pessoa, de forma que incide na hipótese do inciso I do art. 318-A do CPP na qual não se concederá prisão domiciliar.
Em suma:
Não há impeditivo legal para a internação de adolescente gestante ou com filho em amamentação, desde que seja garantida atenção integral à saúde do adolescente, além de asseguradas as condições necessárias para que a adolescente submetida à execução de medida socioeducativa de privação de liberdade permaneça com o seu filho durante o período de amamentação (arts. 60 e 63, § 2º da Lei nº 12.594/12 - SINASE).
STJ. 5ª Turma. HC 543.279/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/03/2020.
A existência de vínculo familiar ou de parentesco não constitui requisito para a legitimidade ativa do interessado na requisição da medida de perda ou suspensão do poder familiar
Imagine a seguinte situação hipotética:
Sheila ajuizou ação de adoção cumulada com pedido de extinção do poder familiar em face de Isabela, mãe biológica de Sofia.
A autora pediu o deferimento liminar de guarda provisória da menor e, consequentemente, a sua adoção.
Segundo a inicial, a adotanda encontra-se em companhia e guarda fática da autora desde os 9 meses de vida, quando a genitora a deixou aos cuidados da requerente dada a ausência de condições econômico-financeiras para manter a filha.
A autora afirmou que o pai biológico da criança é desconhecido e que a mãe biológica a abandonou.
O juiz extinguiu a ação, sem resolução do mérito, em razão da ilegitimidade ativa da autora que, por não possuir vínculo familiar oude parentesco com a criança, estaria desautorizada a ingressar demanda pedindo a perda do poder familiar.
Agiu corretamente o magistrado?
NÃO.
A existência de vínculo familiar ou de parentesco não constitui requisito para a legitimidade ativa do interessado na requisição da medida de perda ou suspensão do poder familiar.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.203.968-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 10/10/2019 (Info 659).
O art. 155 do ECA prevê o seguinte:
Art. 155. O procedimento para a perda ou a suspensão do poder familiar terá início por provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse.
O legislador ordinário não definiu o que seria esse “'legítimo interesse” nem fixou requisitos rígidos para a legitimação ativa desta ação. Trata-se, portanto, de conceito jurídico indeterminado, preceito de lei comumente chamado de “aberto”.
Não se trata de uma omissão do legislador, mas sim de uma consciente opção legislativa. O objetivo do legislador foi o de permitir que o intérprete analise, no caso concreto, o princípio do melhor interesse da criança e sua proteção integral.
Em virtude disso, o legítimo interesse para o pedido de perda ou suspensão do poder familiar, referido pelo art. 155 do ECA, deve ser analisado com prudência, a partir do caso concreto, sendo desarrazoado estabelecer, de plano, que a adotante, por não possuir vínculo familiar com a menor, independentemente das circunstâncias fáticas que permeiam a situação, seja considerada parte ilegítima para o pedido de destituição/suspensão do poder familiar.
O foco central da medida de perda ou suspensão do poder familiar é, na sua essência, salvaguardar o bem-estar da criança ou adolescente, motivo pelo qual a legitimidade para o pedido está atrelada ao caso concreto.
Sobre o tema, Galdino Augusto Coelho Bordallo afirma:
“Certamente, os adotantes terão legítimo interesse em propor a ação, pois desejam a destituição do poder familiar do pai biológico de seu filho socioafetivo.” (Curso de Direito da Criança e do Adolescente Aspectos Teóricos e Práticos, 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 604).
Quando o art. 122, II, do ECA prevê que o adolescente deverá ser internado em caso "reiteração no cometimento de outras infrações graves" não se exige um número mínimo
Quais são as medidas socioeducativas que implicam privação de liberdade?
· Semiliberdade;
· Internação.
Semiliberdade (art. 120 do ECA)
Pelo regime da semiliberdade, o adolescente realiza atividades externas durante o dia, sob supervisão de equipe multidisciplinar, e fica recolhido à noite.
O regime de semiliberdade pode ser determinado como medida inicial imposta pelo juiz ao adolescente infrator, ou como forma de transição para o meio aberto (uma espécie de “progressão”).
Internação (arts. 121 e 122 do ECA)
Por esse regime, o adolescente fica recolhido na unidade de internação.
A internação constitui medida privativa da liberdade e se sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Pode ser permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.
A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.
Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
Se o interno completar 21 anos, deverá ser obrigatoriamente liberado, encerrando o regime de internação.
Internação somente nas hipóteses do art. 122 do ECA
O juiz somente pode aplicar a medida de internação ao adolescente infrator nas hipóteses taxativamente previstas no art. 122 do ECA, pois a segregação do adolescente é medida de exceção, devendo ser aplicada e mantida somente quando evidenciada sua necessidade, em observância ao espírito do Estatuto, que visa à reintegração do menor à sociedade (STJ HC 213778).
Veja a redação do dispositivo:
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I — tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II — por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III — por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
“Reiteração no cometimento de outras infrações graves”
Ao se interpretar essa expressão, foi construída a tese de que, para se enquadrar na hipótese do inciso II do art. 122, o adolescente deveria ter cometido, no mínimo, três infrações graves.
Assim, somente no terceiro ato infracional grave (após ter praticado outros dois anteriores) é que o adolescente receberia a medida de internação.
A jurisprudência acolhe esse critério?
NÃO. Tanto o STF como o STJ entendem que, para se configurar a “reiteração na prática de atos infracionais graves” (art. 122, II) não se exige a prática de, no mínimo, três infrações dessa natureza. Não existe fundamento legal para essa exigência.
A exigência de no mínimo três infrações foi adotada durante muitos anos pela jurisprudência como forma de “abrandar” a aplicação do ECA, mas esse entendimento está atualmente superado.
Em suma, o que vigora atualmente:
O ECA não estipulou um número mínimo de atos infracionais graves para justificar a internação do menor infrator com fulcro no art. 122, II, do ECA (reiteração no cometimento de outras infrações graves).
Logo, cabe ao magistrado analisar as peculiaridades de cada caso e as condições específicas do adolescente a fim de aplicar ou não a internação.
A depender das particularidades e circunstâncias do caso concreto, pode ser aplicada, com fundamento no art. 122, II, do ECA, medida de internação ao adolescente infrator que antes tenha cometido apenas uma outra infração grave.
Está superado o entendimento de que a internação com base nesse dispositivo somente seria permitida com a prática de no mínimo 3 infrações.
STJ. 5ª Turma. HC 332.440/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/11/2015.
STJ. 6ª Turma. HC 347.434-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 27/9/2016 (Info 591).
Defensoria pode ter acesso a procedimento instaurado pela Justiça para apurar irregularidades em unidade de internação
Imagine a seguinte situação hipotética:
“São Vicente” é o nome de uma unidade de internação, ou seja, um local onde os adolescentes cumprem a medida socioeducativa de internação. Podemos também chamá-la de unidade de execução de medida socioeducativa.
O Juiz da Vara de Infância e Juventude recebeu notícia de que na unidade de internação “São Vicente” estariam ocorrendo violações aos direitos dos adolescentes.
Em razão disso, o magistrado instaurou procedimento verificatório a fim de fazer uma correição na unidade para apurar tais fatos, inclusive com inspeção judicial.
Vale ressaltar que as entidades de internação devem ser constantemente fiscalizadas pelo Judiciário, conforme prevê o art. 95 do ECA:
Art. 95. As entidades governamentais e não-governamentais referidas no art. 90 serão fiscalizadas pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelos Conselhos Tutelares.
O art. 191 do ECA prevê que, havendo alguma irregularidade, deverá ser instaurado procedimento para apuração dos fatos:
Art. 191. O procedimento de apuração de irregularidades em entidade governamental e não-governamental terá início mediante portaria da autoridade judiciária ou representação do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, onde conste, necessariamente, resumo dos fatos.
Parágrafo único. Havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar liminarmente o afastamento provisório do dirigente da entidade, mediante decisão fundamentada.
A Defensoria Pública pediu para intervir e ter acesso aos autos do procedimento verificatório a fim de que pudesse velar pelos interesses e direitos fundamentais dos adolescentes ali internados.
O magistrado negou o pedido sob o argumento de que a Defensoria Pública não está elencada nos arts. 95 e 191 do ECA.
Agiu corretamente o juiz?
NÃO.
É verdade que os arts. 95 e 191do ECA não mencionam a Defensoria Pública. Apesar disso, esta Instituição possui sim a atribuição para fiscalizar as unidades de internação. Essa competência da Defensoria Pública pode ser extraída da Constituição Federal e da LC 80/94.
A Constituição Federal prevê, em seu art. 134, que a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos.
O art. 3º da LC 80/94 prevê que:
Art. 3º-A. São objetivos da Defensoria Pública:
I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais; (...)
III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos;
O art. 4º, por sua vez, estabelece:
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (...)
XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado; (...)
XVII – atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais;
XVIII – atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas;
Veja, então, que a LC 80/94 é expressa ao determinar a atuação da Defensoria Pública nestes casos.
Por fim, vale a pena lembrar que o art. 128 da LC 80/94 elenca, como prerrogativa dos membros da Defensoria Pública dos Estados:
· Ter vista pessoal dos processos fora dos cartórios e secretarias, ressalvadas as vedações legais; e
· Examinar, em qualquer repartição pública, autos de flagrantes, inquéritos e processos, assegurada a obtenção de cópias e podendo tomar apontamentos.
Assim, não há qualquer razão que impeça o acesso da Defensoria Pública aos autos de procedimento verificatório instaurado para inspeção judicial e atividade correcional em unidade de execução de medidas socioeducativas, após relatos de agressões sofridas pelos adolescentes internados.
Ausência de previsão da Defensoria Pública nos arts. 95 e 191 do ECA tem razões históricas
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi editado em 13 de julho de 1990, época em que a Defensoria Pública ainda não era conhecida e estruturada.
A Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94), por exemplo, só foi editada em 1994, ou seja, 4 anos depois.
Desse modo, o ECA, por óbvio, não poderia ter previsto o poder fiscalizatório de uma instituição cuja Lei Orgânica ainda não havia sido editada.
Em suma:
A Defensoria Pública pode ter acesso aos autos de procedimento verificatório instaurado para inspeção judicial e atividade correicional de unidade de execução de medidas socioeducativas.
STJ. 6ª Turma. RMS 52.271-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/06/2018 (Info 629).
Internação no caso de reiteração de atos infracionais graves
Em suma, o que vigora atualmente:
O ECA não estipulou um número mínimo de atos infracionais graves para justificar a internação do menor infrator com fulcro no art. 122, II, do ECA (reiteração no cometimento de outras infrações graves).
Logo, cabe ao magistrado analisar as peculiaridades de cada caso e as condições específicas do adolescente a fim de aplicar ou não a internação.
A depender das particularidades e circunstâncias do caso concreto, pode ser aplicada, com fundamento no art. 122, II, do ECA, medida de internação ao adolescente infrator que antes tenha cometido apenas uma outra infração grave.
Está superado o entendimento de que a internação com base nesse dispositivo somente seria permitida com a prática de no mínimo 3 infrações.
STJ. 5ª Turma. HC 332.440/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/11/2015.
STJ. 6ª Turma. HC 347.434-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 27/9/2016 (Info 591).
Impossibilidade de modificação por magistrado dos termos de proposta de remissão pré-processual
Imagine a seguinte situação hipotética:
Ricardo, adolescente de 17 anos, agrediu outro adolescente com socos e pontapés.
O Ministério Público ofereceu remissão pré-processual cumulada com medida socioeducativa de semiliberdade, como forma de exclusão do processo.
O que é remissão?
Remissão, no ECA, é o ato de perdoar o ato infracional praticado pelo adolescente e que irá gerar:
· A exclusão;
· A extinção; ou
· A suspensão do processo, a depender da fase em que esteja.
A remissão não significa necessariamente que esteja se reconhecendo que o adolescente praticou aquela conduta nem serve para efeito de antecedentes.
Fundamento convencional
A remissão é um instituto recomendado pelas Nações Unidas em um documento internacional chamado de "Regras mínimas das Nações Unidas para administração da Justiça da Infância e da Juventude" (Regras de Beijing).
Essa recomendação existe porque se entende que, sempre que possível, deve-se evitar que o adolescente seja submetido a uma ação socioeducativa na qual ele passaria pelo estigma de ter sido submetido a um processo judicial infracional.
Na versão original das Regras de Beijing, escrita em inglês, a expressão utilizada para o instituto foi "diversion" que acabou sendo traduzido como "remissão". A doutrina especializada, no entanto, critica esta tradução e afirma que remissão é chamada no inglês de "remission" (perdão). Logo, a tradução mais correta de "diversion" seria algo como "encaminhamento diferente do original". (ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente. Comentado artigo por artigo. 6. ed. São Paulo: RT, 2014, p. 385).
A remissão está prevista na legislação brasileira?
SIM. A remissão está prevista nos arts. 126 a 128 e também no art. 188 do ECA. 
Características da remissão
· A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade.
· Em outras palavras, caso o adolescente aceite, isso não significa que ele estará reconhecendo que praticou ou que é "culpado" pelo ato infracional que lhe é imputado. A remissão é para evitar que o processo inicie ou continue;
· A remissão não prevalece para efeito de antecedentes
· Ou seja, se o adolescente tiver sido beneficiado com uma, duas ou várias remissões, isso não significa "maus antecedentes" não podendo prejudicá-lo se vier a ser julgado em uma ação socioeducativa ou uma ação penal no futuro;
· O adolescente que receber a remissão pode ser obrigado a cumprir qualquer medida socioeducativa
· Com exceção de duas: colocação em regime de semiliberdade e internação.
Espécies de remissão
· Remissão como forma de EXCLUSÃO DO PROCESSO
· Também chamada de remissão ministerial
· Prevista no art. 126, caput
· “Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional”.
· É pré-processual
· Concedida pelo Ministério Público
· Concedida a remissão pelo representante do MP os autos serão conclusos ao juiz para homologar ou não (art. 181 do ECA).
· Remissão como forma de SUSPENSÃO ou EXTINÇÃO do processo
· Também chamada de remissão judicial
· Prevista no art. 126, parágrafo único
· “Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo”.
· É processual, após a propositura da representação
· Concedida pelo juiz
· O Ministério Público deverá ser ouvido, mas sua opinião não é vinculante. Quem decide se concede ou não a remissãoé o magistrado.
Remissão própria e imprópria
· Própria
· Ocorre quando é concedido perdão puro e simples ao adolescente, sem qualquer imposição.
· A doutrina afirma que, neste caso, não é necessário o consentimento do adolescente nem a presença de advogado.
· Imprópria
· Ocorre quando é concedido o perdão ao adolescente, mas com a imposição de que ele cumpra alguma medida socioeducativa, desde que esta não seja restritiva de liberdade.
· É indispensável o consentimento do adolescente e de seu responsável, além da assistência jurídica de um advogado ou Defensor Público.
Vale ressaltar mais uma vez que não é possível a aplicação de remissão imprópria pelo MP sem que haja homologação judicial. Isso restou consignado em uma súmula editada pelo STJ:
Súmula 108-STJ: A aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz.
Ao oferecer remissão, o MP pode incluir a obrigação de que o adolescente cumpra alguma medida socioeducativa?
SIM. O MP poderá exigir que o adolescente cumpra uma medida socioeducativa, desde que não seja semiliberdade ou internação. Dessa forma, é plenamente possível a remissão ministerial imprópria. Essa possibilidade encontra-se disciplinada no art. 127 do ECA:
Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semi-liberdade e a internação.
A remissão ministerial (pré-processual) imprópria é compatível com a CF/88?
SIM. Existe precedente do STF neste sentido:
(...) 3. A remissão pré-processual concedida pelo Ministério Público, antes mesmo de se iniciar o procedimento no qual seria apurada a responsabilidade, não é incompatível com a imposição de medida sócio-educativa de advertência, porquanto não possui esta caráter de penalidade. Ademais, a imposição de tal medida não prevalece para fins de antecedentes e não pressupõe a apuração de responsabilidade. (...)
STF. 2ª Turma. RE 248018, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 06/05/2008.
Voltando ao caso concreto:
A proposta, oferecida pelo Ministério Público, foi aceita pelo adolescente, por sua genitora e pelo advogado que os acompanhava, os quais assinaram o termo do acordo e solicitaram, juntamente com o Parquet, a homologação judicial.
O juiz, no momento da homologação, discordou da cumulação pretendida e a decotou.
Em outras palavras, o magistrado excluiu a obrigação do adolescente de cumprir a medida socioeducativa alegando que esta violava a parte final do art. 127 do ECA e homologou a remissão pura e simples.
Em nosso exemplo hipotético, a remissão concedida pelo MP foi correta?
NÃO. Isso porque, conforme vimos acima, na remissão, o Promotor de Justiça não poderá exigir que o adolescente cumpra medida socioeducativa em regime de semiliberdade ou internação (art. 127 do ECA).
Então o magistrado agiu corretamente?
Também NÃO.
Se o representante do Ministério Público ofereceu a adolescente remissão pré-processual (art. 126, caput, do ECA) cumulada com medida socioeducativa e o juiz discordou dessa cumulação, ele não pode excluir do acordo a aplicação da medida socioeducativa e homologar apenas a remissão.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.392.888-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti, julgado em 30/6/2016 (Info 587).
Remissão pré-processual é atribuição do MP
A remissão pré-processual é atribuição legítima do Ministério Público, como titular da representação por ato infracional e diverge daquela prevista no art. 126, parágrafo único, do ECA, dispositivo legal que prevê a concessão da remissão pelo juiz, depois de iniciado o procedimento, como forma de suspensão ou de extinção do processo.
O juiz não era parte do acordo e não poderia oferecer ou alterar a remissão, como forma de exclusão do processo, pois a titularidade da representação por ato infracional pertence, com exclusividade, ao Ministério Público, a quem é facultado formular o perdão administrativo, por razões de conveniência e política de proteção às crianças e aos adolescentes.
O que o juiz deveria ter feito por discordar da remissão ministerial?
Se o juiz discordou da remissão ministerial, deveria ter remetido os autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este teria as seguintes opções:
· Poderia oferecer a representação;
· Designar outro membro do Ministério Público para apresentá-la; ou
· Ratificar o arquivamento ou a remissão, hipótese na qual o juiz estaria obrigado a homologar.
Esse é o texto do § 2º do art. 181 do ECA:
§ 2º Discordando, a autoridade judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará outro membro do Ministério Público para apresentá-la, ou ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar.
Apenas a eficácia da remissão depende da homologação judicial. Se a autoridade judiciária discorda, ainda que parcialmente, dos termos do perdão, por entender que a cumulação é inconstitucional ou desnecessária, não pode adequar o acordo de vontades, já assinado pelo adolescente e por sua genitora, em supressão à competência do Ministério Público, pois nem sequer houve a instauração de procedimento judicial.
Assim, havendo discordância, total ou parcial, da remissão, deve ser observado o rito do art. 181, § 2º do ECA, sob pena de suprimir do órgão ministerial, titular da representação por ato infracional, a atribuição de conceder o perdão administrativo como forma de exclusão do processo, faculdade a ele conferida legitimamente pelo art. 126 do ECA.
Internação só é cabível nos casos do art. 122 do ECA
O juiz somente pode aplicar a medida de internação ao adolescente infrator nas hipóteses taxativamente previstas no art. 122 do ECA, pois a segregação do adolescente é medida de exceção, devendo ser aplicada e mantida somente quando evidenciada sua necessidade, em observância ao espírito do Estatuto, que visa à reintegração do menor à sociedade.
Veja a redação do art. 122 do ECA:
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I — tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II — por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III — por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
A imposição de medida socioeducativa de internação deve ser aplicada apenas quando não houver outra medida adequada.
Assim, quando for aplicada a internação, o magistrado deverá adotar uma fundamentação idônea que apresente justificativas concretas para a escolha dessa medida socioeducativa.
Impossibilidade de privação da liberdade pela prática do art. 28 da Lei de Drogas
Não é possível aplicar nenhuma medida socioeducativa que prive a liberdade do adolescente (internação ou semiliberdade) caso ele tenha praticado um ato infracional análogo ao delito do art. 28 da Lei de Drogas. Isso porque o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 não prevê a possibilidade de penas privativas de liberdade caso um adulto cometa esse crime. Ora, se nem mesmo a pessoa maior de idade poderá ser presa por conta da prática do art. 28 da LD, com maior razão não se pode impor a restrição da liberdade para o adolescente que incidir nessa conduta.
STF. 1ª Turma. HC 119160/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 09/04/2014 (Info 742).
STF. 2ª Turma. HC 124682/SP, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 16/12/2014 (Info 772).
Internação compulsória para pessoa que já cumpriu medida socioeducativa
Imagine a seguinte situação adaptada:
João, com 17 anos de idade, praticou estupro e homicídio, tendo recebido, como medida socioeducativa, internação por prazo indeterminado.
Após cumprir a internação por três anos ininterruptos, o juiz decidiu suspender a internação, conforme determina o art. 121, §§ 3º e 4º do ECA:
Art. 121 (...)
§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
§ 4ºAtingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida.
Diante desse cenário, o Ministério Público ajuizou ação civil de interdição em face de João, cumulada com pedido de internação psiquiátrica compulsória. O juiz concedeu a tutela antecipada e João foi internado em um hospital psiquiátrico.
Atuando em favor de João, a Defensoria Pública impetrou habeas corpus contra essa decisão, alegando, dentre outros argumentos, que não há em nosso Direito nenhum dispositivo legal que autorize a prisão de doente ou deficiente mental em processo civil de interdição.
A questão chegou até o STJ. Vejamos os principais pontos decididos:
É possível a impetração de habeas corpus para questionar internação decretada em ação civil de interdição?
SIM. É cabível a impetração de habeas corpus para reparar suposto constrangimento ilegal à liberdade de locomoção decorrente de decisão proferida por juízo cível que tenha determinado, no âmbito de ação de interdição, internação compulsória.
A hipótese de determinação de internação compulsória, embora em decisão proferida por juízo cível, apresenta-se capaz, ao menos em tese, de configurar constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, justificando, assim, o cabimento do remédio constitucional, nos termos do art. 5º, LXVIII, da CF/88.
O STJ manteve a decisão do juiz que decretou a internação de João?
SIM. Segundo decidiu o STJ, é possível determinar, no âmbito de ação de interdição, a internação compulsória de quem tenha acabado de cumprir medida socioeducativa de internação, desde que comprovado o preenchimento dos requisitos para a aplicação da medida mediante laudo médico circunstanciado, diante da efetiva demonstração da insuficiência dos recursos extra-hospitalares.
Qual o fundamento legal utilizado pelo STJ?
O art. 6º da Lei nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. Veja o que diz o dispositivo:
Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I — internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II — internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III — internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
Também foi mencionado o art. 1.777 do CC/2002:
Art. 1.777. As pessoas referidas no inciso I do art. 1.767 receberão todo o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência familiar e comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em estabelecimento que os afaste desse convívio. (Redação dada pela Lei nº 13.146/2015)
No caso concreto, João foi avaliado por médicos e psicólogos que emitiram laudo indicando que ele deveria ser submetido a tratamento psiquiátrico e psicológico em medida de contenção, por tratar-se de pessoa extremamente perigosa.
A internação psiquiátrica de que trata o art. 6º pode ser decretada em uma ação de interdição?
SIM. A internação do art. 6º da Lei nº 10.216/2001 tem aplicação no processo civil ou penal, indistintamente, podendo ser decretada em processo de interdição.
A Defensoria Pública argumentava que, ao se admitir que João fosse internado compulsoriamente sem ter cometido crime algum, estar-se-ia ressuscitado o sistema do duplo binário, que, no Direito Penal pátrio, já foi extirpado pela Reforma de 1984 da Parte Geral do Código Penal. O STJ concordou com a tese?
NÃO. Para o STJ, a decretação da internação compulsória não representa, por vias indiretas e ilícitas, o restabelecimento do sistema do duplo binário, já extinto no Direito Penal brasileiro. Isso porque o paciente não está sendo internado por força de uma medida de segurança (sanção penal).
Em outras palavras, ele não cumpriu pena nem agora está internado por força de medida de segurança. Trata-se simplesmente de uma ordem de internação expedida com fundamento em razões de natureza psiquiátrica, conforme permitido pelo art. 6º, parágrafo único, III, da Lei nº 10.216/2001.
O que era o sistema do Duplo Binário?
No sistema do duplo binário, o réu, após cumprir a pena pela prática de um crime, era submetido a uma perícia e, se ainda fosse considerado perigoso, deveria cumprir medida de segurança de internação. Por isso era chamado de “duplo trilho” ou “dupla via”, considerando que o réu semi-imputável perigoso cumpria pena e mais a medida de segurança.
O sistema do duplo binário foi extinto com a Lei nº 7.209/84, que alterou a Parte Geral do Código Penal, dando lugar ao sistema vicariante (ou unitário). Por meio desse sistema, o juiz, ao constatar que o réu é semi-imputável perigoso irá decidir se aplica pena (com causa de diminuição) ou se determina que ele cumpra medida de segurança. Trata-se de uma opção: ou uma ou outra. É o que está previsto no art. 98 do CP.
A internação é o tratamento preferencial no caso de pessoas portadoras de transtornos mentais?
NÃO. A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes (art. 4º). Assim, a internação psiquiátrica somente será realizada quando houver um laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos (art. 6º).
A internação compulsória deve, quando possível, ser evitada, de modo que a sua adoção apenas poderá ocorrer como última opção, em defesa do internado e, secundariamente, da própria sociedade. Nesse contexto, resguarda-se, por meio da interdição civil com internação compulsória, a vida do próprio interditando e, secundariamente, a segurança da sociedade.
Escusas absolutórias podem ser aplicadas ao adolescente infrator
No caso de ato infracional equiparado a crime contra o patrimônio, é possível que o adolescente seja beneficiado pela escusa absolutória prevista no art. 181, II, do CP.
STJ. 6ª Turma. HC 251681-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 3/10/2013 (Info 531)
Princípio da insignificância
É possível a aplicação do princípio da insignificância para os atos infracionais.
STF. 2ª Turma. HC 112400/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/5/2012
Recursos
O assistente da acusação não pode interpor recurso nas ações socioeducativas por ausência de previsão legal no ECA.
Em verdade, nem mesmo se admite a figura do assistente da acusação nas ações socioeducativas.
STJ. 6ª Turma. REsp 1089564-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 15/3/2012.
Aplicação de medidas protetivas de ofício
O juiz da infância e juventude expediu ofício ao Município “X” requisitando que fossem providenciadas vagas em escola pública em favor de certos menores que estariam sob medida de proteção.
As medidas de proteção são aplicáveis a crianças ou adolescentes em situação de risco, ou seja, quando seus direitos estiverem ameaçados ou violados:
· Por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
· Por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
· Em razão de sua conduta.
As medidas de proteção estão previstas no art. 101 do ECA.
O Município insurgiu-se contra o ofício expedido pelo Juiz, alegando que somente seria obrigado a cumprir qualquer mandamento do juízo se a referida determinação fosse derivada de um processo judicial. Alegou que em nenhum momento houve a propositura de ação judicial, de modo que a ordem exarada teria sido tomada sem que houvesse ocorrido o ajuizamento da ação judicial cabível, seja pelos menores, seja pelo Ministério Público.
A polêmica que chegou ao STJ, portanto, foi a seguinte: pode o juiz da infância e da juventude requisitar, de ofício, providências ao Município para atender interesses de crianças e adolescentes mesmo sem processo judicial em curso?
SIM. Com base no art. 153 do ECA:
Art. 153. Se a medida judicial a ser adotada não corresponder a procedimento previsto nesta ou em outra lei, a autoridade judiciária poderá investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias, ouvido o Ministério Público.
Dessemodo, com base neste dispositivo, cabe ao magistrado adotar a iniciativa para investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias. Neste ponto, o ECA conferiu ao juiz um papel mais ativo, não dependendo de provocação do MP ou dos menores.
O Ministro Relator afirmou ainda que a doutrina especializada é pacífica no sentido de que o juízo da infância pode agir de ofício para demandar providências em prol dos direitos de crianças e de adolescentes.
Remissão
É possível cumular a remissão com a aplicação de medida socioeducativa que não implique restrição à liberdade do adolescente infrator.
Em outras palavras, é possível a concessão de remissão cumulada com medida socioeducativa, desde que não a semiliberdade e a internação.
STJ. 6ª Turma. HC 177611-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 1º/3/2012 (Info 492).
A 6ª Turma entendeu ser possível cumular a remissão (art. 126 do ECA) com a aplicação de medida socioeducativa que não implique restrição à liberdade do menor infrator, nos termos do art. 127 do ECA.
O STJ considerou que, no caso concreto, não se mostrou incompatível a medida socioeducativa de liberdade assistida cumulada com a remissão concedida pelo Parquet, porquanto aquela não possui caráter de penalidade.
Ademais, a remissão pode ser aplicada em qualquer fase do procedimento menorista, uma vez que prescinde de comprovação da materialidade e da autoria do ato infracional, nem implica reconhecimento de antecedentes infracionais. Dessa forma, não ocorre violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa quando a proposta oferecida pelo Ministério Público é homologada antes da oitiva do adolescente, como na espécie.
Obs: quando se diz que a remissão foi homologada antes da “oitiva” do adolescente, o que se quis dizer é que foi homologada antes de ele ser ouvido sobre os fatos infracionais, ou seja, antes de ele ser “interrogado” (expressão que não é utilizada pelo ECA).
Vale ressaltar, no entanto, que a aplicação cumulativa de remissão e medida socioeducativa precisa contar com a adesão e concordância do adolescente e seu advogado (ou defensor público).
Cumpre relembrar, ao final, a existência de súmula sobre o tema:
Súmula 108-STJ: A aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz.
Internação e gravidade abstrata do ato infracional
Súmula 492-STJ: O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente.
Observa-se com frequência, na prática, diversas sentenças que aplicam a medida de internação ao adolescente pela prática de tráfico de drogas, valendo-se como único argumento o de que tal ato infracional é muito grave e possui natureza hedionda.
O STJ não concorda com este entendimento e tem decidido, reiteradamente, que não é admitida a internação com base unicamente na alegação da gravidade abstrata ou na natureza hedionda do ato infracional perpetrado. O tema revelou-se tão frequente que a Corte decidiu editar a Súmula 492 expondo esta conclusão.
O adolescente que pratica tráfico de drogas pode até receber a medida de internação. No entanto, para que isso ocorra, o juiz deverá vislumbrar, no caso concreto, e fundamentar sua decisão em alguma das hipóteses do art. 122 do ECA.
O magistrado não poderá utilizar, como único argumento, o fato de que esse ato infracional é muito grave e possui natureza hedionda.
Cumprimento das medidas socioeducativas
Contagem do período de tratamento médico no período limite de medida socioeducativa de internação
O STJ julgou um caso visando a resposta do seguinte questionamento:
Durante o cumprimento de medida socioeducativa, caso seja determinada a submissão do adolescente a tratamento psiquiátrico (na forma do art. 64 da Lei 12.594/2012), o período de cuidado médico deve ser computado no prazo máximo de 3 anos da medida de internação, previsto no art. 121, § 3º, do ECA? Ou, ao revés, a medida socioeducativa e o tratamento médico podem durar por prazo indeterminado?
O período de tratamento deve ser computado no prazo de 3 anos, imposto pelo art. 121, § 3º, do ECA, como limite máximo à medida socioeducativa de internação por aplicação analógica do art. 183 da LEP.
Em outras palavras, na execução de medida socioeducativa, a adolescente não pode ser submetida a condição mais gravosa do que a aplicável a um adulto que tenha praticado a mesma conduta ilícita, vide art. 35, I, da Lei 12.594/2012.
Isto porque, a medida de segurança imposta ao apenado adulto que desenvolve transtorno mental no curso da execução, com espeque no art. 183 da LEP, tem sua duração limitada ao tempo remanescente da pena privativa de liberdade.
Assim, há impossibilidade de impor regramento mais severo à adolescente.
Se a contagem do prazo trienal previsto no art. 121, § 3º, do ECA fosse suspensa durante o tratamento médico referido no art. 64 da Lei 12.594/2012 e até a alta hospitalar, a restrição da liberdade da jovem seria potencialmente perpétua, hipótese inadmissível em nosso sistema processual.
STJ. 5ª Turma. REsp 1.956.497, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/04/2022.
Caráter não-vinculante do parecer psicossocial e revisão pelo Tribunal de Justiça
Não há óbice a que a extinção da medida socioeducativa, pautada apenas em um parecer psicossocial, seja revista pelo Tribunal de Justiça de origem, à luz de fatos concretos relacionados à condição pessoal do adolescente em conflito com a lei, notadamente diante do histórico de recidivas, da natureza das infrações praticadas e da necessidade de medida intensa de socioeducação.
STF. 1ª Turma. RHC 180503/ES, rel. acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 24/05/2021.
O parecer psicossocial não possui caráter vinculante e representa apenas um elemento informativo para auxiliar o magistrado na avaliação da medida socioeducativa mais adequada a ser aplicada. A partir dos fatos contidos nos autos, o juiz pode decidir contrariamente ao laudo com base no princípio do livre convencimento motivado.
STF. 1ª Turma. RHC 126205/PE, rel. Min. Rosa Weber, julgado em 24/3/2015 (Info 779).
É válida a extinção de medida socioeducativa de internação quando o juízo da execução, ante a superveniência de processo-crime após a maioridade penal, entende que não restam objetivos pedagógicos em sua execução
Imagine a seguinte situação hipotética:
Adriano, de 20 anos, foi sentenciado a cumprir medida socioeducativa de internação em virtude de ato infracional praticado quando ele era adolescente.
A sentença transitou em julgado.
Ocorre que o juízo da vara de infância e juventude constatou que Adriano encontra-se preso em razão de crime de roubo cometido quando ele já era adulto.
Diante disso, o juízo da vara infracional extinguiu a execução da medida socioeducativa afirmando que, tendo em vista a sua idade e o seu perfil pessoal agravado, não restam objetivos pedagógicos no cumprimento da internação.
Agiu corretamente o magistrado?
SIM. O STJ afirmou que a decisão foi acertada.
O art. 46, § 1º da Lei nº 12.594/2012 (Lei do SINASE) prevê a seguinte faculdade ao julgador:
Art. 46 (...)
§ 1º No caso de o maior de 18 (dezoito) anos, em cumprimento de medida socioeducativa, responder a processo-crime, caberá à autoridade judiciária decidir sobre eventual extinção da execução, cientificando da decisão o juízo criminal competente.
Assim, é válida a extinção de medida socioeducativa de internação quando o juízo da execução, ante a superveniência de processo-crime após a maioridade penal, entende que não restam objetivos pedagógicos em sua execução
STJ. 6ª Turma. HC 551.319-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 12/05/2020 (Info 672).
Vale ressaltar, mais uma vez, que a extinção da medida socioeducativa, nesta hipótese, não é obrigatória ou automática. Trata-se de uma faculdade do juiz a ser examinada com base no caso concreto.
É possível expedição de mandado de busca e apreensão para adolescente que descumpriu liberdade assistida
A expedição de mandado de busca e apreensão para localizaradolescente que descumpriu medida socioeducativa de liberdade assistida não configura constrangimento ilegal, nem mesmo contraria o enunciado da Súmula n. 265 do STJ.
A expedição de mandado de busca e apreensão é feita para que se localize o adolescente que descumpriu a medida aplicada em meio aberto a fim de encaminhá-lo ao Juízo e apresentá-lo em audiência, oportunizando-lhe a apresentação de justificação.
STJ. 6ª Turma. HC 381127/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 14/03/2017.
Cumprimento imediato da internação fixada na sentença ainda que tenha havido recurso
Em regra, a apelação contra a sentença que aplica medida socioeducativa de internação deverá ser recebida no efeito meramente devolutivo? É possível o imediato cumprimento da medida de internação mesmo que o adolescente tenha interposto recurso?
SIM.
É possível que o adolescente infrator inicie o imediato cumprimento da medida socioeducativa de internação que lhe foi imposta na sentença, mesmo que ele tenha interposto recurso de apelação e esteja aguardando seu julgamento.
Esse imediato cumprimento da medida é cabível ainda que durante todo o processo não tenha sido imposta internação provisória ao adolescente, ou seja, mesmo que ele tenha permanecido em liberdade durante a tramitação da ação socioeducativa.
Em uma linguagem mais simples, o adolescente infrator, em regra, não tem direito de aguardar em liberdade o julgamento da apelação interposta contra a sentença que lhe impôs a medida de internação.
STJ. 3ª Seção. HC 346.380-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/4/2016 (Info 583).
	Iniciar o cumprimento imediato atende aos princípios da proteção integral, da prioridade absoluta e da atualidade
A medida socioeducativa tem como missão precípua não a punição pura e simples do adolescente em conflito com a lei, mas, principalmente, a ressocialização e a proteção do jovem infrator.
As medidas previstas nos arts. 112 a 125 do ECA não são penas e possuem o objetivo primordial de proteção dos direitos do adolescente, de modo a afastá-lo da conduta infracional e de uma situação de risco. Isso atende aos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta (art. 227 da CF/88 e arts. 3º e 4º do ECA).
Desse modo, postergar (retardar) o início de cumprimento da medida socioeducativa imposta na sentença significa fazer com que se perca a atualidade da resposta estatal, enfraquecendo o objetivo ressocializador e permitindo que o adolescente permaneça em situação de risco, uma vez que ele continuará exposto às mesmas circunstâncias que o levaram à prática infracional.
Não há ofensa ao princípio da não-culpabilidade (presunção de inocência) porque a medida socioeducativa não é pena
Ao analisar o tema, não se deve equiparar o adolescente que pratica ato infracional ao adulto imputável autor de crime. De acordo com o art. 228 da CF/88, os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis e estão sujeitos às normas da legislação especial.
No processo penal, as regras têm por objetivo, fundamentalmente, proteger o acusado contra ingerências abusivas do Estado em sua liberdade. A pena criminal é uma punição e o princípio da presunção de não culpabilidade é levado ao extremo.
Por outro lado, a medida socioeducativa não representa punição, sendo um mecanismo de proteção do adolescente e da sociedade, possuindo natureza pedagógica e ressocializadora. Por essas razões, para o STJ, a imediata execução da sentença que aplica medida socioeducativa não ofende o princípio da não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF/88).
Princípio da intervenção precoce
Ainda que o adolescente infrator tenha respondido ao processo de apuração de prática de ato infracional em liberdade, a prolação de sentença impondo medida socioeducativa de internação autoriza o cumprimento imediato da medida imposta, tendo em vista os princípios que regem a legislação menorista, um dos quais é o princípio da intervenção precoce na vida do adolescente, positivado no parágrafo único, VI, do art. 100 do ECA.
Art. 100 (...)
Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas: (...)
VI - intervenção precoce: a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;
	Em suma:
Condicionar, de forma peremptória, o cumprimento da medida socioeducativa ao trânsito em julgado da sentença que acolhe a representação – apenas porque não se encontrava o adolescente já segregado anteriormente à sentença – constitui verdadeiro obstáculo ao escopo ressocializador da intervenção estatal, além de permitir que o adolescente permaneça em situação de risco, exposto aos mesmos fatores que o levaram à prática infracional.
Relativização da regra prevista no art. 49, II, do SINASE
A Lei nº 12.594/2012 (Lei do SINASE) prevê que é direito do adolescente submetido ao cumprimento de medida socioeducativa "ser incluído em programa de meio aberto quando inexistir vaga para o cumprimento de medida de privação da liberdade, exceto nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando o adolescente deverá ser internado em Unidade mais próxima de seu local de residência".
O simples fato de não haver vaga para o cumprimento de medida de privação da liberdade em unidade próxima da residência do adolescente infrator não impõe a sua inclusão em programa de meio aberto, devendo-se considerar o que foi verificado durante o processo de apuração da prática do ato infracional, bem como os relatórios técnicos profissionais.
A regra prevista no art. 49, II, do SINASE deve ser aplicada de acordo com o caso concreto, observando-se as situações específicas do adolescente, do ato infracional praticado, bem como do relatório técnico e/ou plano individual de atendimento.
STJ. 6ª Turma. HC 338517-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015 (Info 576).
Atos infracionais cometidos antes do início do cumprimento e medida de internação
O adolescente que cumpria medida de internação e foi transferido para medida menos rigorosa não pode ser novamente internado por ato infracional praticado antes do início da execução, ainda que cometido em momento posterior aos atos pelos quais ele já cumpre medida socioeducativa.
STJ. 5ª Turma. HC 274565-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 12/5/2015 (Info 562).
No art. 45, caput e parágrafos foram traçadas as regras a serem seguidas no caso de superveniência de nova medida socioeducativa em duas situações distintas, quais sejam:
· Por ato infracional praticado DURANTE a execução da medida (regra do § 1º);
· Por ato infracional cometido ANTES do início do cumprimento da medida (hipótese do § 2º).
O raciocínio do legislador foi o seguinte: se o adolescente já esteve na internação e ganhou o direito de ir para um regime mais brando, isso significa que já passou por um processo de ressocialização e retornar para a internação seria um retrocesso.
Quando falamos em adolescente em conflito com a lei, devemos lembrar que o objetivo da medida não é punitivo (não existe pretensão punitiva), mas sim educativo, considerando que o adolescente está em condição peculiar como pessoa em desenvolvimento (art. 6º do ECA), sujeito à proteção integral (art. 1º).
Ademais, deve-se recordar que a aplicação da medida socioeducativa de internação rege-se pelos princípios da excepcionalidade e do respeito à condição peculiar do jovem em desenvolvimento (art. 121 do ECA), segundo os quais aquela somente deverá ser aplicada como ultima ratio, ou seja, quando outras tentativas não forem suficientes à sua recuperação.
Progressão da medida socioeducativa e caráter não-vinculante do parecer psicossocial
O parecer psicossocial não possui caráter vinculante e representa apenas um elemento informativo para auxiliar o magistrado na avaliação da medida socioeducativa mais adequada a ser aplicada. A partir dos fatos contidos nos autos, o juiz pode decidir contrariamente ao laudo com base no princípio do livre convencimento motivado.
STF. 1ª Turma. RHC 126205/PE, rel. Min. Rosa Weber,julgado em 24/3/2015 (Info 779).
Transferência de adolescente infrator para outra unidade de internação
O ECA assegura o direito do adolescente privado de liberdade de permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável (art. 124, VI).
No entanto, esse direito não é absoluto. Assim, não é ilegal a transferência de um adolescente para uma unidade de internação localizada no interior do Estado em virtude de o centro de internação da capital, onde ele estava, encontrar-se superlotado.
Vale ressaltar, ainda, que a família do adolescente também nem residia na capital.
STJ. 6ª Turma. HC 287618-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/05/2014 (Info 542).
Apuração de ato infracional
O interrogatório, na apuração de ato infracional, é o último ato da instrução
A Lei nº 11.343/2006 tipifica os delitos envolvendo drogas. Além de prever os crimes, a referida Lei também traz o procedimento, ou seja, o rito que deverá ser observado pelo juiz.
Desse modo, a Lei nº 11.343/2006 traz um procedimento especial que possui algumas diferenças em relação ao procedimento comum ordinário previsto no CPP. Uma das diferenças reside no momento em que é realizado o interrogatório do réu.
O que é mais favorável ao réu: ser interrogado antes ou depois da oitiva das testemunhas?
Depois. Isso porque após o acusado ouvir o relato trazido pelas testemunhas poderá decidir a versão dos fatos que irá apresentar. Se, por exemplo, avaliar que nenhuma testemunha o apontou como o autor do crime, poderá sustentar a negativa de autoria ou optar pelo direito ao silêncio. Ao contrário, se entender que as testemunhas foram sólidas em incriminá-lo, terá como opção viável confessar e obter a atenuação da pena.
Dessa feita, a regra do art. 400 do CPP é mais favorável ao réu do que a previsão do art. 57 da Lei nº 11.343/2006.
Diante dessa constatação, e pelo fato de a Lei nº 11.719/2008 ser posterior à Lei de Drogas, surgiu uma corrente na doutrina defendendo que o art. 57 foi derrogado e que, também no procedimento da Lei nº 11.343/2006, o interrogatório deveria ser o último ato da audiência de instrução. Essa tese foi acolhida pela jurisprudência?
SIM.
A exigência de realização do interrogatório ao final da instrução criminal, conforme o art. 400 do CPP, é aplicável:
· Aos processos penais militares;
· Aos processos penais eleitorais e
· A todos os procedimentos penais regidos por legislação especial (ex: lei de drogas).
STF. Plenário. HC 127900/AM, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/3/2016 (Info 816).
Mudança de entendimento. Tese fixada com efeitos prospectivos.
Vale ressaltar que, antes deste julgamento, o Tribunal estava dividido. Por conta disso, o STF, por questões de segurança jurídica, afirmou que a tese fixada (interrogatório como último ato da instrução em todos os procedimentos penais) só se tornou obrigatória a partir da data de publicação da ata deste julgamento (10/03/2016). Logo, os interrogatórios realizados antes de tal data são válidos, ainda que não tenham observado o art. 400 do CPP, ou seja, ainda que tenham sido realizados como primeiro ato da instrução.
O STJ acompanhou a posição do STF:
(...) 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 127.900/AM, deu nova conformidade à norma contida no art. 400 do CPP (com redação dada pela Lei n. 11.719/08), à luz do sistema constitucional acusatório e dos princípios do contraditório e da ampla defesa. O interrogatório passa a ser sempre o último ato da instrução, mesmo nos procedimentos regidos por lei especial, caindo por terra a solução de antinomias com arrimo no princípio da especialidade.
Ressalvou-se, contudo, a incidência da nova compreensão aos processos nos quais a instrução não tenha se encerrado até a publicação da ata daquele julgamento (10.03.2016). In casu, o paciente foi sentenciado em 3.8.2015, afastando-se, pois, qualquer pretensão anulatória. (...)
STJ. 6ª Turma. HC 403.550/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 15/08/2017.
E agora o que decidiu o STF de maneira monocrática? 
Que podemos aplicar esse julgado do HC 127900 à apuração de ato infracional envolvendo o ECA.
Veja o seguinte destaque:
"Nessa linha, parece-me relevante constatar que, se a nova redação do art. 400 do CPP possibilita ao réu exercer de modo mais eficaz a sua defesa, tal dispositivo legal deve suplantar o estatuído nos arts. 184 e 186 da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), em homenagem aos princípios constitucionais aplicáveis à espécie.
Ora, possibilitar que o adolescente seja ouvido ao final da instrução, depois de ouvidas as testemunhas arroladas, bem como após a produção de outras provas, como eventuais perícias, a meu juízo, mostra-se mais benéfico à defesa, na medida em que, no mínimo, conferirá ao menor infrator a oportunidade para esclarecer divergências e incongruências que, não raramente, afloraram durante a edificação do conjunto probatório.
Assim, caso entenda-se que a nova redação do art. 400 do CPP propicia maior eficácia à defesa, penso que deve ser afastado o previsto nos arts. 184 e 186 do ECA, no concernente à oitiva do menor no início da instrução processual.
Num aspecto mais formal, entendo que o fato de a Lei 8.069/1990 ser norma especial em relação ao Código de Processo Penal, de cunho nitidamente geral, em nada influencia o que aqui se assenta".
Superveniência da maioridade penal
O ECA pode ser aplicado para maiores de 18 anos? Existe possibilidade legal para isso?
SIM. Essa autorização encontra-se prevista no art. 2º, parágrafo único e no art. 121, § 5º do ECA:
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
Desse modo, um exemplo desse parágrafo único do art. 2º do ECA é justamente a possibilidade de aplicação e cumprimento de medida socioeducativa para pessoas entre 18 e 21 anos, desde que o fato tenha sido praticado antes de atingida da maioridade penal, ou seja, antes dos 18 anos.
Idade na data do fato
O que interessa para saber se a pessoa deve responder por ato infracional é a sua idade na data do fato, e não na data do julgamento ou do cumprimento da medida (respeitada a idade máxima de 21 anos). Veja o que diz o ECA:
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.
Assim, se na data do fato o adolescente tinha menos de 18 anos, nada impede que permaneça no cumprimento de medida socioeducativa imposta, ainda que implementada a sua maioridade penal.
Internação até 21 anos
Vale ressaltar que o art. 121 do ECA, que trata sobre a internação, prevê expressamente a possibilidade de o indivíduo permanecer cumprindo a medida até 21 anos. Confira:
Art. 121 (...)
§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.
O art. 121, § 5º dispõe sobre a internação. Essa possibilidade de o indivíduo cumprir medida mesmo até os 21 anos vale para a medida de semiliberdade?
SIM. Existe previsão expressa afirmando que as regras da internação, incluindo o art. 121, § 5º, podem ser aplicadas, no que couber, à medida de semiliberdade:
Art. 120. O regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. (...)
§ 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.
O ECA, ao tratar sobre a liberdade assistida, não traz um dispositivo como esse do art. 120, § 2º acima transcrito. Em razão disso, vários doutrinadores sustentaram que, para a liberdade assistida, o cumprimento deveria ficar restrito até os 18 anos por ausência de previsão legal. Essa tese prevaleceu?NÃO. A jurisprudência entendeu que, mesmo sem regra expressa, deve ser permitido o cumprimento da liberdade assistida até os 21 anos, assim como ocorre com a internação e a semiliberdade.
Não há qualquer fundamento jurídico ou lógico que autorize uma diferença de tratamento. Isso porque a internação e a semiliberdade são medidas mais gravosas que a liberdade assistida.
Desse modo, seria ilógico considerar que é possível a incidência das medidas mais gravosas e, ao mesmo tempo, proibida a aplicação das mais brandas.
Assim, o STJ possui o entendimento pacífico de que o art. 121, § 5º do ECA admite a possibilidade da extensão do cumprimento da medida socioeducativa até os 21 anos de idade, abarcando qualquer que seja a medida imposta ao adolescente.
Posição do STF
O STF possui o mesmo entendimento manifestado na Súmula 605 do STJ. Confira:
O disposto no § 5º do art. 121 da Lei 8.069/1990, além de não revogado pelo art. 5º do Código Civil, é aplicável à medida socioeducativa de semiliberdade, conforme determinação expressa do art. 120, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Em consequência, se o paciente, à época do fato, ainda não tinha alcançado a maioridade penal, nada impede que ele seja submetido à semiliberdade, ainda que, atualmente, tenha mais de dezoito anos, uma vez que a liberação compulsória só ocorre aos vinte e um.
STF. 2ª Turma. HC 94939, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 14/10/2008.
Judiciário pode determinar que Estado implemente plantão em Delegacia de Atendimento ao adolescente infrator
A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:
O Governo do Estado de Mato Grosso do Sul acabou com o plantão de 24 horas que existia na Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventude, na cidade de Campo Grande/MS.
O Ministério Público ingressou com ação civil pública pedindo o restabelecimento do plantão a fim de permitir que todo adolescente apreendido em flagrante de ato infracional seja ouvido e atendido, independentemente do dia e horário.
A Fazenda Pública alegou que o remanejamento de Delegados de Polícia, principalmente no regime de plantão, é uma decisão ligada à conveniência e oportunidade administrativas, não cabendo a intervenção do Judiciário na formulação de políticas públicas.
O pedido do MP foi acolhido pelo STJ?
SIM.
Ordenamento jurídico determina a proteção da criança e do adolescente
O art. 227 da CF/88 dispõe ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Essa imposição é reforçada, no plano infraconstitucional, pelos arts. 4º, 18 e 125 da Lei nº 8.069/90 (ECA), ressaltando sempre a imprescindibilidade de proteção e amparo especializado à criança e adolescente, evidenciando a importância do bem jurídico aqui tutelado - a proteção ao menor, ainda que na condição de infrator.
Discricionariedade administrativa não é absoluta
O controle dos atos discricionários pelo Poder Judiciário deve ser visto com extrema cautela, para não servir de subterfúgio para substituir uma escolha legítima da autoridade competente.
Assim, não cabe ao magistrado declarar ilegal um ato discricionário tão só por discordar dos valores morais invocados pela Administração, quando ambos são válidos e admissíveis perante a sociedade.
Tomando-se esse cuidado, deve-se lembrar que a discricionariedade administrativa não é absoluta e seus abusos podem e devem ser submetidos à apreciação do Poder Judiciário, a quem cabe o controle de sua legalidade, bem como dos motivos e da finalidade dos atos praticados sob o seu manto.
	Estabelecimentos adequados para adolescentes infratores
A especialização policial nestes casos é, inclusive, uma imposição das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (conhecidas como “Regras de Beijing”). Confira:
12. Especialização policial
12.1 Para melhor desempenho de suas funções, os policiais que tratem frequentemente ou de maneira exclusiva com jovens ou que se dediquem fundamentalmente à prevenção da delinquência de jovens receberão instrução e capacitação especial. Nas grandes cidades, haverá contingentes especiais de polícia com essa finalidade.
	Conduta contrária à CF/88, à lei e ao documento internacional
Assim, o STJ considerou que, ao não se oferecer plantão 24 horas na Delegacia especializada de apuração dos atos infracionais, houve violação à CF/88, ao art. 172 do ECA e também ao item 12.1 das Regras de Beijing considerando que, fora do horário de funcionamento da Delegacia, os jovens infratores serão submetidos às unidades policiais comuns, onde estarão expostos ao contato com presos maiores de idade.
A decisão governamental de encerrar o plantão na Delegacia não é uma escolha aceitável do Estado sob os aspectos moral e ético, representando induvidosa preterição de uma prioridade imposta pela Constituição Federal, além de conduta contrária à lei e ao tratado internacional, constituindo, portanto, hipótese na qual se admite que o Poder Judiciário intervenha legitimamente no caso mesmo em se tratando de um ato discricionário.
A jurisprudência do STF entende que o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de Poderes (STF. 1ª Turma. ARE 886710 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 03/11/2015).
Em suma:
A decisão judicial que impõe à Administração Pública o restabelecimento do plantão de 24 horas em Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e à Juventude não constitui abuso de poder, tampouco extrapola o controle do mérito administrativo pelo Poder Judiciário.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.612.931-MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/6/2017 (Info 609).
Antes da audiência de apresentação o adolescente tem direito de ter conversa reservada com seu defensor
A falta de entrevista pessoal do adolescente antes da audiência de apresentação importa em nulidade, ante a ofensa ao princípio da ampla defesa, se evidenciado prejuízo à defesa do adolescente.
STJ. 5ª Turma. HC 345390/DF, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 17/11/2016.
Das infrações administrativas
Mesmo que o adolescente, durante o procedimento para apuração da infração do art. 249 do ECA, adquira a maioridade, ainda assim a multa poderá ser aplicada aos responsáveis
Apuração das infrações administrativas
O ECA prevê, em seus arts. 245 a 258-C, infrações administrativas.
Interessante explicar que, apesar de serem infrações administrativas, elas são apuradas por meio de procedimento conduzido pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude, na forma do art. 194 do ECA.
Início do procedimento
O procedimento para apuração da infração administrativa pode ser início de três modos:
· Por representação do Ministério Público;
· Por representação do Conselho Tutelar;
· Por auto de infração elaborado por servidor ou voluntário credenciado e assinado por duas testemunhas, se possível.
Intimação
A intimação do requerido será feita:
I - pelo autuante (servidor ou voluntário credenciado), no próprio auto, quando o auto de infração for lavrado na presença do requerido;
II - por oficial de justiça ou funcionário legalmente habilitado, que entregará cópia do auto ou da representação ao requerido, ou a seu representante legal, lavrando certidão;
III - por via postal, com aviso de recebimento, se não for encontrado o requerido ou seu representante legal;
IV - por edital, com prazo de 30 dias, se incerto ou não sabido o paradeiro do requerido ou de seu representante legal.
Defesa
O requerido terá prazo de 10 dias para apresentação de defesa, contado da data da intimação.
Se não for caso de audiência
Se o requeridonão apresentar defesa ou mesmo que ele apresente, o juiz poderá entender que não é necessário designar audiência para julgar o caso.
Assim, se o juiz entender que não é preciso realizar audiência, ele dará vista dos autos ao MP para que este se manifeste no prazo de 5 dias.
Em seguida, o magistrado, também no prazo de 5 dias, profere sentença.
Audiência de instrução
O juiz pode decidir que é necessária a realização de audiência de instrução.
Na audiência, será colhida a prova oral (testemunhas, psicólogas, assistentes sociais, requerido etc.).
Após as oitivas, o MP se manifesta por 20 minutos. Em seguida, o procurador do requerido (ou seja, seu advogado ou defensor público) também se manifesta por 20 minutos.
Esse prazo pode ser prorrogado por mais 10 minutos, a critério da autoridade judiciária.
Em seguida, o juiz profere a sentença.
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
O Ministério Público formulou representação administrativa contra Pedro e Tereza alegando que eles teriam descumprido os deveres relacionados com o poder familiar já que não deram a educação necessária para a filha Vanessa, de 14 anos.
Segundo o MP, Pedro e Tereza praticaram a infração administrativa prevista no art. 249 do ECA:
Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Iniciou-se a instrução. Ocorre que, antes da prolação da sentença, Vanessa completou 18 anos e atingiu a maioridade.
Diante disso, o juiz deixou de aplicar a multa afirmando que, como a filha atingiu a maioridade, cessou o poder familiar (art. 1.630 do Código Civil). Logo, não haveria mais sentido em se impor a multa do art. 249 do ECA já que essa sanção tem um caráter preventivo.
Agiu corretamente o magistrado?
NÃO.
A multa instituída pelo art. 249 do ECA não possui caráter meramente preventivo, mas também punitivo e pedagógico, de modo que não pode ser afastada sob fundamentação exclusiva do advento da maioridade civil da vítima dos fatos que determinaram a imposição da penalidade.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.653.405-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 02/03/2021 (Info 687).
O fato de a adolescente ter completado 18 anos no curso do processo torna sem objeto apenas a discussão quanto a eventual perda do poder familiar dos pais. Isso porque como ela já é maior de 18 anos, a lei determina a cessação do poder familiar.
Contudo, a análise dos atos pretéritos praticados pelos pais ainda deve ser realizada tendo em vista que a sanção prevista no art. 249 do ECA é uma medida preventiva, mas também pedagógica, educativa e sancionadora (STJ. 3ª Turma. REsp 1780008/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/06/2020).
O art. 78 do ECA traz um dever que obriga todos os que integram a cadeia de consumo, abrangendo o editor da revista ou publicação, o transportador, o distribuidor e o comerciante
Prevenção contra revistas e publicações com material impróprio ou inadequado
A Lei nº 8.069/90 (ECA) prevê uma série de medidas para prevenir ameaça ou violação aos direitos das crianças e dos adolescentes.
Uma dessas medidas de prevenção está no art. 78, que diz o seguinte:
Art. 78. As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo.
Parágrafo único. As editoras cuidarão para que as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca.
Além disso, o art. 81, V, prevê que é proibida a venda à criança ou ao adolescente de “revistas e publicações a que alude o art. 78”.
O que acontece em caso de descumprimento do art. 78 do ECA?
Trata-se de infração administrativa, punida na forma do art. 257 do ECA:
Art. 257. Descumprir obrigação constante dos arts. 78 e 79 desta Lei:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, duplicando-se a pena em caso de reincidência, sem prejuízo de apreensão da revista ou publicação.
De quem é esse dever?
De todos os que integram a cadeia de consumo, abrangendo:
· O editor da revista ou publicação;
· O transportador;
· O distribuidor; e
· O comerciante.
Foi o que decidiu o STJ:
O dever de zelar pela correta comercialização de revistas pornográficas, em embalagens opacas, lacradas e com advertência de conteúdo, não se limita aos editores e comerciantes, mas se estende a todos os integrantes da cadeia de consumo, inclusive aos transportadores e distribuidores.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.584.134-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/02/2020 (Info 666).
O ECA prevê princípios e regras próprios que asseguram à criança e ao adolescente múltiplos direitos fundamentais, dentre os quais se inclui o direito à dignidade e ao respeito.
O art. 6º afirma que, na interpretação do ECA deverão ser levados em consideração os fins sociais a que ele se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Desse modo, a fim de se garantir a máxima eficácia das normas protetivas, não se pode fazer uma interpretação literal do art. 78 para dizer que apenas os comerciantes e os editores é que teriam esse dever.
Emissora de TV pode ser condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em razão da exibição de filme fora do horário recomendado pelo Ministério da Justiça
Classificação indicativa não se confunde com autorização para exibir os programas
A Constituição conferiu à União e ao legislador federal margem limitada de atuação no campo da classificação dos espetáculos e diversões públicas. A autorização constitucional é para que a União classifique, informe, indique as faixas etárias e/ou horários não recomendados. Ela não pode, contudo, proibir, vedar ou censurar os programas.
A classificação indicativa deve ser entendida como um aviso aos usuários sobre o conteúdo da programação, jamais como obrigação às emissoras de exibição em horários específicos, especialmente sob pena de sanção administrativa.
Por essa razão, percebe-se que o art. 254 do ECA violou a Constituição Federal ao instituir punição para as emissoras que transmitam espetáculo “em horário diverso do autorizado”. O uso do verbo “autorizar” revela a ilegitimidade do dispositivo legal.
O art. 255, ao estabelecer punição às empresas do ramo por exibirem programa em horário diverso do autorizado, incorre, portanto, em abuso constitucional.
	Imposição de horários para os programas é inconstitucional
O Estado não pode determinar que os programas somente possam ser exibidos em determinados horários. Isso seria uma imposição, o que é vedado pelo texto constitucional.
O Poder Público pode apenas recomendar os horários adequados. A classificação dos programas é indicativa (e não obrigatória).
	Permanece o dever de informar a classificação indicativa
É importante salientar que permanece o dever das emissoras de rádio e de televisão de exibir ao público o aviso de classificação etária, de forma antecedente e concomitante com a veiculação do conteúdo, regra essa prevista no parágrafo único do art. 76 do ECA, sendo seu descumprimento tipificado como infração administrativa pelo art. 254.
O que foi declarado inconstitucional foi apenas a punição caso a emissora exiba o programa fora do horário recomendado.
Responsabilização judicial em caso de abusos
Vale ressaltar, no entanto, que as emissoras não estão livres de responsabilidade. Isso porque será possível que elas sejam processadas e responsabilizadas judicialmente caso pratiquem abusos ou danos à integridade de crianças e adolescentes, tendo em conta, inclusive, a recomendação do Ministério de Estado da Justiça em relação aos horários em que determinada programação seria adequada.
É o caso, por exemplo, de uma emissora que exiba, reiteradamente, programas violentos ou com fortes cenas de sexo em plena manhã ou tarde.Nesse exemplo extremo, o Ministério Público poderia ajuizar ação civil pública contra a emissora pedindo a sua responsabilização pelos danos causados a crianças e adolescentes. Isso porque a liberdade de expressão não é uma garantia absoluta e exige responsabilidade no seu exercício. Assim, as emissoras devem observar na sua programação as cautelas necessárias às peculiaridades do público infanto-juvenil.
	Feitos os necessários esclarecimentos acima, vejamos o seguinte caso concreto:
O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra a TV Bandeirantes alegando que a Band exibiu o longa metragem “Um Drink no Inferno” e alguns outros filmes em horários inadequados para a classificação indicativa a eles dada.
Os filmes exigidos pela TV foram classificados pelo Ministério da Justiça como sendo para maiores de 18 anos. Apesar disso, foram transmitidos antes das 23h, que é o horário mínimo recomendado para essa classificação.
O MPF pediu a condenação da emissora ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.
Abstraindo o caso concreto, é possível, em tese, que uma emissora de TV seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em razão da exibição de filme fora do horário recomendado pelo órgão competente?
SIM.
É possível, em tese, a condenação da emissora de televisão ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, quando, ao exibir determinada programação fora do horário recomendado, verificar-se uma conduta que afronte gravemente os valores e interesses coletivos fundamentais.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.840.463-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/11/2019 (Info 663).
	No caso concreto, houve dano moral coletivo?
NÃO.
O dano moral coletivo se dá in re ipsa, isto é, independentemente da comprovação de dor, sofrimento ou abalo psicológico.
Entretanto, a sua configuração somente ocorrerá quando a conduta antijurídica afetar, intoleravelmente, os valores e interesses coletivos fundamentais, mediante conduta maculada de grave lesão. Isso porque esse instituto tão importante não pode ser tratado de forma trivial, ou seja, não pode ser banalizado. Nesse sentido:
(...) 2. O dano moral coletivo é aferível in re ipsa, dispensando, portanto, a demonstração de prejuízos concretos, mas somente se configura se houver grave ofensa à moralidade pública, causando lesão a valores fundamentais da sociedade e transbordando da justiça e da tolerabilidade. (...)
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 100.405/GO, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 16/10/2018.
(...) Se, por um lado, o dano moral coletivo não está relacionado a atributos da pessoa humana e se configura in re ipsa, dispensando a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral, de outro, somente ficará caracterizado se ocorrer uma lesão a valores fundamentais da sociedade e se essa vulneração ocorrer de forma injusta e intolerável.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.502.967/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 07/08/2018.
Diante dessas considerações, conclui-se que, ao menos em tese, seria possível a condenação da emissora ré ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, desde que tivesse ficado demonstrada uma conduta que afrontasse gravemente os valores e interesses coletivos fundamentais.
No caso concreto, contudo, não houve essa demonstração, razão pela qual não se justifica a condenação da emissora ao pagamento de danos extrapatrimoniais coletivos.
Segundo restou apurado nos autos, em um dos casos a exibição inadequada ocorreu em razão de falha técnica no sistema de controle da emissora. Em outra hipótese houve posterior reclassificação do filme pelo Ministério da Justiça. Em outros casos a emissora fez a edição dos filmes, com supressão das cenas impróprias para a respectiva faixa etária.
Vale ressaltar, ainda, que em todos os casos, a exibição dos filmes ocorreu apenas parcialmente em horário inadequado.
Desse modo, a conduta da ré, a despeito da sua irregularidade, não foi capaz de abalar, de forma intolerável, a tranquilidade social dos telespectadores, assim como os seus valores e interesses fundamentais.
A hipossuficiência financeira ou a vulnerabilidade familiar não é suficiente para afastar a multa pecuniária prevista no art. 249 do ECA
Imagine a seguinte situação hipotética:
O Conselho Tutelar encontrou uma criança de 5 anos em estado de absoluta desnutrição e abanono.
A menina estava sozinha em casa porque a mãe havia saído.
Essa situação foi relatada ao Ministério Público.
O Promotor de Justiça ingressou, então, na vara da infância e juventude, com “representação civil por infração administrativa” afirmando que a mãe da criança praticou a conduta descrita no art. 249 do ECA e pedindo a sua condenação:
Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
A Defensoria Pública, que fez a assistência jurídica da mãe, alegou que não se deve aplicar a multa pecuniária, tendo em vista que ficou comprovado que esta família vive em situação de extrema hipossuficiência financeira e vulnerabilidade familiar. Assim, de nada adiantaria a aplicação da sanção.
A tese da defesa foi acolhida pelo STJ?
NÃO.
A hipossuficiência financeira ou a vulnerabilidade familiar não é suficiente para afastar a multa pecuniária prevista no art. 249 do ECA.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.658.508-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/10/2018 (Info 636).
A sanção pecuniária prevista no art. 249 do ECA, embora topologicamente distante do art. 129, deve ser interpretada em conjunto com aquele rol.
A infração do art. 249, além de um cunho essencialmente sancionatório, possui também caráter preventivo, coercitivo e disciplinador. Em última análise, o objetivo é que tais condutas não mais se repitam, a bem dos filhos.
Diante disso, em prol do melhor interesse da criança ou do adolescente, a jurisprudência até admite que, por meio de decisão judicial fundamentada, o magistrado deixe de aplicar a sanção pecuniária do art. 249 e, em seu lugar, faça incidir outras medidas mais adequadas e eficazes para a situação específica. Nesse sentido:
(...) 2. Necessidade, na hipótese ora sob julgamento, do afastamento da multa imposta no art. 249 do ECA, porquanto no caso, conforme reconhecido pelo Tribunal de origem, devido as condições econômicas dos pais, a cominação pecuniária apenas agravaria ainda mais a situação material dos interessados, sendo suficiente as demais medidas concomitantemente aplicadas em primeiro grau, e assim, entende-se ser mais eficaz, para o fim que se espera, a aplicação de medida de advertência e de encaminhamento dos pais para tratamento psicológico e programas de orientação, com uma efetiva supervisão, voltada a conscientização de suas responsabilidades inerentes ao poder familiar, sendo inócua a aplicação de qualquer outra penalidade, mormente a financeira, que prejudicará indiretamente a família como um todo. Destacadamente na hipótese de célula que, segundo os autos, detém parcos recursos materiais.
2.1. A sanção, no caso concreto, não surtirá o efeito pretendido, tornando-se apenas uma penalidade gravosa, uma vez improvável a família lograr êxito em realizar o pagamento da multa convencionada sem comprometer o próprio sustento e, se cumprida, provavelmente acarretará o agravamento do seu estado de pobreza. (...)
STJ. 4ª Turma. REsp 1584840/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 23/08/2016.
Isso não significa, contudo, que a multa deverá ser sempre excluída em caso de hipossuficiência financeira ou vulnerabilidade familiar.
Em outras palavras, a situação econômica não deve ser o parâmetro determinante para eventual exclusão da multa, devendo-se analisar principalmente se a medida aplicada servirá efetivamente para prevenir e inibir a repetição das condutas censuradas.
Daí porque, embora se reconheça que a regra do art. 249 do ECA não possui incidência e aplicabilidadeabsoluta, podendo ser sopesada com as demais medidas previstas no art. 129 do mesmo Estatuto, é preciso concluir que a simples exclusão da multa, pelo simples fato de haver pobreza, não é a providência mais adequada.
Assim, no caso concreto, o STJ determinou a incidência da multa. No entanto, fixou-a em apenas 1 salário-mínimo, ou seja, abaixo do limite previsto no art. 249 do ECA.
Classificação indicativa dos programas de rádio e TV
É inconstitucional a expressão “em horário diverso do autorizado” contida no art. 254 do ECA.
"Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação:
Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias."
O Estado não pode determinar que os programas somente possam ser exibidos em determinados horários. Isso seria uma imposição, o que é vedado pelo texto constitucional por configurar censura. O Poder Público pode apenas recomendar os horários adequados. A classificação dos programas é indicativa (e não obrigatória).
STF. Plenário. ADI 2404/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 31/8/2016 (Info 837).
Aspectos processuais
O disposto no art. 186, § 4°, do Estatuto da Criança e do Adolescente não impõe como obrigatória a juntada aos autos de relatório polidimensional, elaborado por equipe interprofissional, para a realização da audiência de instrução
Segundo a literalidade do dispositivo legal da Lei 8.069/1990 (ECA):
Art. 186. Comparecendo o adolescente, seus pais ou responsável, a autoridade judiciária procederá à oitiva dos mesmos, podendo solicitar opinião de profissional qualificado. (...)
§ 4º Na audiência em continuação, ouvidas as testemunhas arroladas na representação e na defesa prévia, cumpridas as diligências e juntado o relatório da equipe interprofissional, será dada a palavra ao representante do Ministério Público e ao defensor, sucessivamente, pelo tempo de vinte minutos para cada um, prorrogável por mais dez, a critério da autoridade judiciária, que em seguida proferirá decisão.
Já o STJ entende o seguinte:
(...) 3. O disposto no art. 186, § 4°, do Estatuto da Criança e do Adolescente não impõe como obrigatória a juntada aos autos de relatório polidimensional, elaborado por equipe interprofissional, para a realização da audiência de instrução. (HC 295.176/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 11/06/2015). (...) (HC 504.035/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 17/02/2020).
(...) V- O relatório polidimensional não é peça obrigatória ao prosseguimento do feito, como se infere do artigo 186 do estatuto menorista. VI - Na espécie, a internação está fundamentada em elementos concretos extraídos dos autos que demonstram a incidência da hipótese prevista no inciso II do art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo em vista que os pacientes possuem antecedentes infracionais, inclusive pela prática de ato da mesma espécie, recebendo, inclusive, outras medidas socioeducativas (precedentes). Habeas corpus não conhecido. (HC 295.176/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 11/06/2015).
(...) - Nos termos da jurisprudência firmada nesta Corte, o disposto no art. 186, § 4°, do Estatuto da Criança e do Adolescente não impõe como obrigatória a juntada aos autos de relatório polidimensional, elaborado por equipe interprofissional, para a realização da audiência de instrução (neste sentido: HC 295.176/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 11/06/2015). - Habeas corpus não conhecido. (HC 420.472/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 04/12/2017).
Como marcar na prova?
Observar se a questão pede a literalidade do dispositivo legal ou o entendimento dominante no âmbito do STJ.
Compete à Justiça da Infância e da Juventude processar e julgar causas envolvendo reformas de estabelecimento de ensino de crianças e adolescentes
A situação concreta foi a seguinte:
O Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública contra o Estado de São Paulo pedindo a reforma do prédio onde funciona uma escola pública estadual localizada no Município de Carapicuíba (SP).
Segundo alegou o Parquet, o estado do imóvel compromete a integridade física de todos os seus frequentadores.
A competência para julgar essa ação é da vara da fazenda pública ou da vara da infância e juventude?
Vara da Infância e Juventude.
A competência para julgar ações envolvendo matrícula (acesso) de crianças e adolescentes em creches ou escolas é da Vara da Infância e da Juventude, nos termos do art. 148, IV e art. 209 do ECA (Lei nº 8.069/90):
Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: (...)
IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209;
Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos tribunais superiores.
Nesse sentido:
A Justiça da Infância e da Juventude tem competência absoluta para processar e julgar causas envolvendo matrícula de menores em creches ou escolas, nos termos dos arts. 148, IV, e 209 da Lei nº 8.069/90.
STJ. 1ª Seção. REsp 1846781/MS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 10/02/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1058) (Info 685).
Esse precedente obrigatório sobre acesso (matrícula) ao ensino se aplica, portanto, a demandas que discutam permanência, o que abrange reformas de estabelecimentos de ensino.
Segundo o art. 206, I, da Constituição Federal e o art. 3º, I, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), o Poder Público deve ter em conta “a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”.
A igualdade nas condições para o acesso (matrícula) ao ensino não basta, se as condições de permanência e funcionamento da instituição de ensino são precárias. Assim, permanência na escola implica a viabilidade de permanência física e funcionamento das instalações da instituição de ensino sem riscos à integridade física dos alunos e professores.
Sendo, pois, acesso e permanência mutuamente dependentes, a respectiva competência jurisdicional segue a mesma lógica.
	Em suma:
Compete à Justiça da Infância e da Juventude processar e julgar causas envolvendo reformas de estabelecimento de ensino de crianças e adolescentes.
STJ. 2ª Turma. AREsp 1.840.462-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 15/03/2022 (Info 729).
Não obstante não seja obrigatória a efetiva presença do adolescente na audiência de continuação, deve ser facultada sua presença na audiência, mediante intimação prévia
Nos termos da jurisprudência do STJ, é obrigatória a presença do adolescente na audiência de apresentação, mas não na de continuação, desde que presente o defensor.
Nesse sentido:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA. HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE ROUBO MAJORADO. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. INTERNAÇÃO. NULIDADE. AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ATO INFRACIONAL PRATICADO COM VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA. REITERAÇÃO. ILEGALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. Não se verifica a ocorrência de nulidade por cerceamento de defesa, uma vez que o adolescente esteve acompanhado de sua Defensora Pública durante a audiência de apresentação, tendo sido respeitado seu direito à ampla defesa. Ele foi ouvido regularmente, vindo a assinar o termo de depoimento de fl. 57, nada havendo anormalidade no procedimento adotado. Não foi causado a ele qualquer prejuízo, tendo em vista que, repito, foi devidamente acompanhado pela Defensora Pública, não tendo sido demonstradoprejuízo para defesa do paciente. 2. Apresentada fundamentação idônea para a imposição da medida socieducativa de internação, evidenciada na prática de ato infracional com violência e grave ameaça, pois se trata de prática de crime gravíssimo, cometido mediante violência e grave ameaça, constituindo a internação, nesse contexto, a medida mais adequada, a teor do que dispõe o inciso I, do artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como em que o paciente apresenta histórico infracional sobremaneira grave, marcado por medidas em meio aberto que não surtiram o efeito socioeducativo desejado, já que tornou a delinquir e de forma ostensiva, não há ilegalidade. 3. Habeas corpus denegado (HC 424.932/ES, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 19/06/2018).
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. NÃO CABIMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE ROUBO MAJORADO. NULIDADE. AUDIÊNCIA EM CONTINUAÇÃO. AUSÊNCIA DO ADOLESCENTE. INEXISTÊNCIA. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. CUMPRIMENTO IMEDIATO. APELAÇÃO. EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO. POSSIBILIDADE. ATUALIDADE DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. II - A ausência do menor à audiência em continuação, quando devidamente intimado, se presente o seu defensor, especialmente quando não arguido o vício no momento oportuno, não recomenda o reconhecimento de qualquer nulidade. Precedentes. (HC n. 348.002/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe de 3/11/2016).
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. ATOS INFRACIONAIS EQUIPARADOS AOS DELITOS CAPITULADOS NOS ARTS. 121, § 2º, INCISOS III E IV, C/C O ART. 14, INCISO II, e 250, INCISO II, ALÍNEA "C", DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DO ADOLESCENTE À AUDIÊNCIA EM CONTINUAÇÃO. NULIDADE NÃO EVIDENCIADA. JUNTADA DE DOCUMENTO APÓS A APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES FINAIS, SEM CONHECIMENTO DA DEFESA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. III - A presença do menor faz-se obrigatória na audiência de apresentação (art. 187 da Lei n. 8.069/90 - ECA). IV - In casu, os pacientes compareceram à audiência de apresentação e à primeira audiência em continuação. Não obstante um dos pacientes não tenha comparecido ao segundo ato em continuação, os dois foram devidamente intimados para tanto. Ademais, o Defensor Público, encontrando-se presente e acompanhando toda a prova oral produzida naquela oportunidade, não fez qualquer ressalva em ata sobre a ausência ora questionada. V - Não prospera a alegação de ofensa ao devido processo legal em decorrência da juntada aos autos de certidão de antecedentes dos adolescentes após a apresentação das alegações finais, sem conhecimento da defesa. De fato, devem ser rejeitadas as arguições de nulidade, uma vez que não restou demonstrada a existência de prejuízo à defesa dos adolescentes. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 288.762/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe de 21/5/2015).
Não obstante, embora não seja obrigatória a efetiva presença do adolescente na audiência de continuação, deve ser facultada sua presença na audiência, vale dizer, deve haver sua prévia intimação para acompanhar o ato.
É obrigatória a presença do menor na audiência de apresentação - art. 187 do ECA - pois permite o contato direto entre o menor e o juiz. Nas demais audiências, ele passa a exercitar seu direito de defesa, não podendo ser conduzido coercitivamente
No caso dos autos, o Oficial de Justiça deixou de cientificar/citar, notificar o adolescente, por ter este se recusado a comparecer até o portão da casa alegando que estava com as pernas doendo. E indagado se não poderia ir ao encontro do menor, a entrada na residência foi recusada devido a presença de cachorros que ali se encontravam.
O TJ assentou pela ilegalidade da condução coercitiva. Contra essa decisão, recorreu o MP.
Assim, cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de condição coercitiva para audiência de apresentação de “menor infrator”.
Entendimento do STJ:
Nos termos do art. 260 do Código de Processo Penal:
 "se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença".
O STF, na ADPF 395, decidiu que a referida norma não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 na parte "para interrogatório", pois tem o réu o direito a permanecer em silêncio.
No âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente, a matéria está assim disciplinada, nos arts. 187 e 186:
Art. 187. Se o adolescente, devidamente notificado, não comparecer, injustificadamente à audiência de apresentação, a autoridade judiciária designará nova data, determinando sua condução coercitiva.
Art. 186. Comparecendo o adolescente, seus pais ou responsável, a autoridade judiciária procederá à oitiva dos mesmos, podendo solicitar opinião de profissional qualificado.
Ora, em se tratando de ato infracional praticado por adolescente, as normas possuem natureza essencialmente educativa e protetiva, o que as diferencia da condução coercitiva prevista no art. 260 do Código de Processo Penal.
Guilherme de Souza Nucci, ao discorrer sobre o tema, leciona:
Condução coercitiva: o adolescente contra o qual se imputa a prática de ato infracional deve ter todos os direitos, no mínimo, do acusado no processo penal comum. Por isso, soa estranha a determinação de condução coercitiva para a audiência de apresentação, embora a intenção seja positiva, que é permitir o contato direto entre o menor e o juiz.
Mas somente na primeira audiência. Na seguinte, o menor passa a exercitar seu direito de audiência, comparecendo para acompanhar a produção da prova, se quiser. Não deve ser conduzido coercitivamente, como os réus em geral não são. (NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente. 2 ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 622, grifei)
E, conforme bem lembrado pelo Ministro Felix Ficher, no julgamento do HC n. 288762/SP, "A presença do menor faz-se obrigatória na audiência de apresentação (art. 187 da Lei n. 8.069/90 - ECA".
Correta, assim, a condução coercitiva do adolescente.
A propósito:
CRIMINAL. RESP. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL. CARÁTER ADMINISTRATIVO. CONDUÇÃO COERCITIVA DOS MENORES. INCUMBÊNCIA DO ÓRGÃO MINISTERIAL. INTELIGÊNCIA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 179 DO ECA. RECURSO DESPROVIDO. I. Nos processos relativos a menor infrator, é a representação tal qual a denúncia, nos processos relativos a maiores de idade a peça que inaugura a fase judicial. II. O procedimento de apuração de ato infracional praticado por adolescente tem caráter administrativo, eis que precede eventual oferecimento de representação. III. A condução coercitiva para comparecimento de menor e seus representantes a audiência de oitiva perante o Parquet, é providência que incumbe ao órgão Ministerial, ante o teor do parágrafo único do art. 179 do ECA. IV. Recurso desprovido. (REsp 704.008/SC, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 07/04/2005, DJ 02/05/2005, p. 408).
No mesmo sentido:
AGRAVO INTERNO NO HABEAS CORPUS. ECA. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE ROUBO. NULIDADE. AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. REITERAÇÃO. ILEGALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.
1. O adolescente contra o qual se imputa a prática de ato infracional deve ter todos os direitos, no mínimo, do acusado no processo comum.
2. É obrigatória a presença do menor na audiência de apresentação - art. 187 do ECA - pois permite o contatodireto entre o menor e o juiz. Nas demais audiências, ele passa a exercitar seu direito de defesa, não podendo ser conduzido coercitivamente.
3. Não se verifica a ocorrência de nulidade por cerceamento de defesa, uma vez que o adolescente esteve acompanhado de sua Defensora Pública durante a audiência de apresentação, tendo sido respeitado seu direito à ampla defesa. Ele foi ouvido regularmente, vindo a assinar o tempo de depoimento de fl. 57, nada havendo de irregular no procedimento adotado.
4. Agravo interno desprovido.
(AgRg no HC n. 691.998/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 14/2/2022).
A competência para julgar ações envolvendo matrícula de crianças e adolescentes em creches ou escolas é da Vara da Infância e da Juventude
Imagine a seguinte situação hipotética:
João e Regina tentaram matricular o filho Lucas (4 anos) em uma creche pública próxima do local onde moram, no entanto, não havia vaga disponível. A única creche que conseguiram para o filho fica a 2 horas da residência do casal.
Diante disso, o casal ajuizou ação contra o Município pedindo que fosse garantido ao filho uma vaga em creche próxima da residência dos autores.
Surgiu uma dúvida sobre a competência para julgar essa causa: a competência será da vara da Fazenda Pública ou do Juizado da Infância e Juventude?
Do Juizado da Infância e Juventude.
Direito à educação é assegurado pela Constituição Federal e pelo ECA
A Constituição Federal assegura o direito à educação em diversos dispositivos. Destaco aqui os incisos I e IV do art. 208.
Com lastro na CF/88, a Lei nº 8.069/90 (ECA) assegura expressamente às crianças e adolescentes o direito de estudarem em escola próxima de sua residência:
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: (...)
V - acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica.
O ECA também garante expressamente o direito de as crianças de até 5 anos terem vaga em creche:
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: (...)
IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade;
Competência do Juizado da Infância e Juventude
O art. 148, IV, do ECA afirma que compete ao Juizado da Infância e da Juventude julgar as causas que envolvam direitos das crianças e adolescentes:
Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: (...)
IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209;
A ação na qual se discute matrícula em creches ou escolas versa diretamente sobre direitos fundamentais de crianças e adolescentes, de forma que atrai a previsão do art. 148, IV, do ECA.
Essa competência do Juizado da Infância e da Juventude é reforçada pelo art. 208, I e III, do ECA:
Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:
I - do ensino obrigatório; (...)
III – de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade;
Competência absoluta
A competência prevista no art. 148, IV, do ECA possui natureza absoluta, conforme preconiza o art. 209:
Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos tribunais superiores.
A competência é do Juizado da Infância e Juventude mesmo que a criança ou o adolescente não esteja em situação de risco, na forma prevista no art. 98 do ECA.
Lei nº 8.069/90 é lei especial e prevalece sobre as regras de competência das varas da Fazenda Pública
O Estatuto da Criança e do Adolescente é lex specialis e, portanto, prevalece sobre a regra geral de competência das Varas de Fazenda Pública, quando o feito envolver ação proposta em favor da criança ou do adolescente, na qual se pleiteia acesso a serviços públicos, independentemente de o infante estar em situação de abandono ou risco. Isso porque prevalece o relevante interesse social e a importância do bem jurídico tutelado.
Em suma:
A Justiça da Infância e da Juventude tem competência absoluta para processar e julgar causas envolvendo matrícula de menores em creches ou escolas, nos termos dos arts. 148, IV, e 209 da Lei nº 8.069/90.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.846.781/MS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 10/02/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1058) (Info 685).
Sentença que afastou criança do lar não impede pedido judicial de guarda pela mesma família
Imagine a seguinte situação hipotética:
Isabela, quando tinha 2 anos de idade, foi entregue por sua mãe biológica e registral para ser criada por João e Regina. A mãe alegou que não tinha condições de sustentar a filha.
Vale ressaltar que essa entrega foi feita de modo informal.
O casal cuidou de Isabela de 2014 até 2016. Isso porque a situação foi descoberta pelo Conselho Tutelar, que informou o fato ao Ministério Público.
O Promotor de Justiça ajuizou ação contra o casal argumentando que eles estavam exercendo irregularmente a guarda da criança. O MP pediu ao juiz que a menor fosse encaminhada ao acolhimento institucional (“abrigo”) em razão de a guarda exercida pelo casal representar “burla” ao cadastro de adoção.
O juiz acolheu o pedido e a criança foi tirada do convívio do casal e encaminhada a um abrigo.
A decisão transitou em julgado.
Ocorre que se passaram 4 anos e a criança permanece no “abrigo”, sem que tenha sido adotada.
Diante disso, em 2020, o casal formulou novo pedido de guarda alegando que existem vínculos socioafetivos entre a criança e a família.
O Ministério Público manifestou-se contrariamente afirmando que, como houve o trânsito em julgado, não é possível o deferimento da guarda nessa nova ação.
É possível o deferimento do pedido? O casal poderá obter a guarda da criança?
SIM.
As ações que envolvam a guarda da criança, por suas características peculiares, são modificáveis com o tempo, bastando que exista a alteração das circunstâncias fáticas que justificaram a sua concessão, ou não, no passado. Nesse sentido:
“Por fim, sem qualquer alteração, determina o art. 35 da Lei 8.069/1990 que a guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamento, ouvido o Ministério Público, sempre tendo como parâmetro o princípio de proteção integral ou de melhor interesse da criança. Justamente por isso é que a jurisprudência tem apontado que a decisão quanto à guarda não faz coisa julgada material. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil Vol. 5: direito de família. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 754).
Assim, transitada em julgado a sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar de que resultou o acolhimento institucional da menor, quem exercia irregularmente a guarda e pretende adotá-la possui interesse jurídico para, após considerável lapso temporal, ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas que ensejaram o acolhimento, não lhe sendo oponível a coisa julgada que se formou na ação de afastamento.
Em suma:
O trânsito em julgado de sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar não é oponível a quem exercia a guarda irregularmente e, após considerável lapso temporal, pretende ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.878.043-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/09/2020 (Info 679).
Processo em que foi decretada a destituição do poder familiar não pode ser anulado por falta de citação de suposto pai com identidade ignorada
O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:
Giovana, foi abandonadapor sua genitora (Francisca) na maternidade, horas após o parto.
O registro de nascimento foi feito apenas com o nome da mãe, já que era ignorada a identidade do pai.
O Ministério Público ajuizou ação de destituição do poder familiar contra Francisca.
O Promotor de Justiça alegou que Francisca abandonou a filha, razão pela qual deve ser destituída do poder familiar e a criança encaminhada à adoção.
O pedido foi julgado procedente, tendo havido o trânsito em julgado.
Algum tempo depois, Paulo ajuizou querela nullitatis insanabilis alegando que é o pai biológico de Giovana e que não foi citado na ação de destituição do poder familiar proposta pelo Ministério Público.
Paulo pediu para que fosse declarada a inexistência da sentença proferida na ação de destituição de poder familiar em razão da ausência de citação do genitor biológico.
O pedido de Paulo deve ser acolhido?
NÃO.
O processo em que foi decretada a destituição do poder familiar não pode ser anulado por falta de citação de suposto pai com identidade ignorada.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.819.860-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/09/2020 (Info 679).
O processo deve ser mantido válido porque o suposto pai era desconhecido na época do nascimento da criança, tanto que não constou de seu registro civil.
O ECA disciplinou de modo detalhado como deverão ser citados os réus na ação de destituição de poder familiar, como forma de reduzir ao máximo a possibilidade de inexistência ou irregularidade na citação, especialmente pela medida drástica que pode resultar dessa ação.
Entretanto, as hipóteses legais se referem a pais biológicos conhecidos – situação completamente distinta da analisada nos autos, na qual o suposto genitor era absolutamente desconhecido na época da ação de destituição ajuizada pelo Ministério Público.
Por essa razão, o pretenso pai que não mantinha relação jurídica de poder familiar com o menor não poderia ser réu na ação em que se pretendia decretar a destituição desse poder.
De quem é a competência para executar a verba honorária sucumbencial arbitrada pelo Juízo da Infância e Juventude?
Imagine a seguinte situação:
Em uma ação cível, que tramitou na Vara da Infância e Juventude, o juiz condenou o Município a pagar R$ 10 mil de honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública.
A sentença transitou em julgado.
Logo em seguida, a Defensoria Pública ingressou com cumprimento de sentença, na Vara da Infância e Juventude, cobrando o valor dos honorários.
O juiz indeferiu o processamento do cumprimento de sentença sob o argumento de que o pedido formulado é de cunho patrimonial (honorários advocatícios) e não está relacionado com o interesse imediato de criança ou adolescente.
Segundo argumentou, o art. 148 do ECA prevê, de forma taxativa, as competências da Justiça da Infância e da Juventude e não contempla a execução de honorários advocatícios.
Logo, no entendimento do magistrado, essa execução deveria ser proposta na Vara da Fazenda Pública.
Agiu corretamente o juiz? De quem é a competência para executar a verba honorária sucumbencial arbitrada pelo Juízo da Infância e Juventude?
NÃO.
A competência para executar a verba honorária sucumbencial arbitrada pelo Juízo da Infância e Juventude é da própria Vara da Infância e Juventude.
O art. 24, § 1º, da Lei nº 8.906/94 e o art. 516, II, do CPC determinam que, como regra, o cumprimento da sentença (o que inclui a execução dos honorários advocatícios) deve ocorrer nos mesmos autos em que se formou o título executivo, ou seja, perante o Juízo prolator da decisão judicial:
Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.
§ 1º A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier. (...)
Art. 516. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante: (...)
II - o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição;
Assim, como foi o juízo da infância e juventude que expediu o título executivo, é ele o competente para o cumprimento de sentença.
Ressalte-se que essa conclusão não contraria o art. 148 do ECA. Isso porque a postulada verba honorária decorreu de discussão travada em causa cível que tramitou no próprio Juízo menorista, em uma das hipóteses do art. 148.
O art. 516 do CPC pode ser aplicado neste caso? Qual é o fundamento para isso?
SIM. O art. 152 do ECA autoriza, nos seguintes termos:
Art. 152. Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente.
Em suma:
O juízo especializado da Justiça da Infância e da Juventude é competente para o cumprimento e a efetivação do montante sucumbencial por ele arbitrado.
A partir da leitura dos arts. 148 e 152 do ECA, art. 24, § 1º, do Estatuto da Advocacia e art. 516, II, do CPC/2015, conclui-se que, como regra, o cumprimento da sentença (o que inclui a imposição sucumbencial), deve ocorrer nos mesmos autos em que se formou o correspondente título exequendo e, por conseguinte, perante o juízo prolator do título.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.859.295-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 26/05/2020 (Info 673).
A contagem dos prazos nos ritos regulados pelo ECA ocorre em dias CORRIDOS (não se aplica a regra dos dias úteis do CPC/2015)
No caso de apuração de ato infracional, aplica-se subsidiariamente o CPP ou o CPC?
Depende. Aplica-se:
· O CPP para o processo de conhecimento (representação, produção de provas, memoriais, sentença);
· O CPC para as regras do sistema recursal (art. 198 do ECA).
Resumindo:
· 1ª opção: normas do ECA.
· Na falta de normas específicas:
· CPP: para regular o processo de conhecimento.
· CPC: para regular o sistema recursal.
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
João, adolescente, praticou ato infracional equiparado a roubo majorado (art. 157, § 2º, I e II, do CP).
O magistrado proferiu sentença aplicando-lhe medida socioeducativa de internação.
A defesa quer interpor recurso contra essa sentença.
Qual é o recurso cabível?
Apelação.
Qual é o prazo dessa apelação?
10 dias, nos termos do art. 198, II, do ECA.
Esse prazo é contado em dias úteis ou corridos?
Dias corridos (contínuos). Não são dias úteis.
Mas o art. 198 do ECA afirma que os recursos afetos à Justiça da Infância e da Juventude são regidos pelas normas do CPC... Por que não aplicar os dias úteis do art. 219 do CPC/2015?
Porque há uma previsão expressa e específica no ECA dizendo que os prazos são contados em dias corridos:
Art. 152. Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente. (...)
§ 2º Os prazos estabelecidos nesta Lei e aplicáveis aos seus procedimentos são contados em dias corridos, excluído o dia do começo e incluído o dia do vencimento, vedado o prazo em dobro para a Fazenda Pública e o Ministério Público. (Incluído pela Lei nº 13.509/2017)
	Cuidado:
No caso de ações que não se enquadrem nos procedimentos especiais expressamente enumerados pelo ECA, os prazos são regidos pelo CPC/2015.
Assim, não se enquadrando a demanda entre os procedimentos especiais previstos no ECA, o prazo recursal a ser observado no agravo de instrumento é quinzenal, computado em dias úteis, consoante estipulado pelo CPC/2015, e não o prazo de 10 dias do art. 198, II, do ECA.
STJ. 4ª Turma. REsp 1697508/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/04/2018.
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