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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS BACHARELADO EM DIREITO Flávia Rayssa Fernandes Rocha O TRABALHO DEGRADANTE E A LUTA PELO TRABALHO DECENTE: A SITUAÇÃO DOS TRABALHADORES DO VALE DO AÇU Natal/RN 2020 FLÁVIA RAYSSA FERNANDES ROCHA O TRABALHO DEGRADANTE E A LUTA PELO TRABALHO DECENTE: A SITUAÇÃO DOS TRABALHADORES DO VALE DO AÇU Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Graduação em Direito como parte dos requisitos para a obtenção do Título de Bacharel em Direito do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sob orientação da Professora Mestra Fabiana Dantas Soares Alves da Mota e coorientação do Professor Doutor Zéu Palmeira Sobrinho. Natal/RN 2020 Rocha, Flávia Rayssa Fernandes. O trabalho degradante e a luta pelo trabalho decente: a situação dos trabalhadores do Vale do Açu / Flávia Rayssa Fernandes Rocha. - 2020. 126f.: il. Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Direito. Natal, RN, 2020. Orientadora: Profa. Me. Fabiana Dantas Soares Alves da Mota. Coorientador: Prof. Dr. Zéu Palmeira Sobrinho. 1. Trabalho Análogo à Escravidão - Monografia. 2. Trabalho Decente - Monografia. 3. Realidade Sociojurídica - Monografia. 4. Palmeira Carnaúba - Vale do Açu - Monografia. I. Mota, Fabiana Dantas Soares Alves da. II. Sobrinho, Zéu Palmeira. III. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título. RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 349.2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO ATA DE DEFESA PÚBLICA DE CONCLUSÃO DO CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO Aos 16 (dezesseis) dias do mês de dezembro do ano de 2020, às 16h, videoconferência - google meet, foi instalada a Comissão Examinadora para a defesa oral e pública da monografia sob o título: “O TRABALHO DEGRADANTE E A LUTA PELO TRABALHO DECENTE: A SITUAÇÃO DOS TRABALHADORES DO VALE DO AÇU”, como trabalho final de conclusão de curso, apresentado(a) pelo(a) aluno(a) FLÁVIA RAYSSA FERNANDES ROCHA, matrícula nº 20155135615, ao Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Direito. A comissão examinadora foi presidida pelo(a) professor(a)/colaborador(a) FABIANA DANTAS SOARES ALVES DA MOTA, matrícula/CPF nº 2327043, lotado(a) no DEPTO. DE DIREITO PRIVADO; 1º membro o(a) professor(a)/colaborador(a) ZÉU PALMEIRA SOBRINHO, matrícula/CPF nº 10427268, lotado(a) no DEPTO. DE DIREITO PRIVADO; e o 2º membro o(a) professor(a)/colaborador(a) HAMILTON VIEIRA SOBRINHO, matrícula/CPF nº 566.939.314-72, lotado(a) no Depto. de Direito da Univ. Estadual do RN - Mossoró, integrantes da referida comissão que emitiu o seguinte parecer: pela aprovação. A comissão examinadora após a defesa oral e o cumprimento dos demais procedimentos considerou a monografia aprovada. A comissão decidiu atribuir à menção honrosa, atribuindo a nota: 10,0. ( x ) O TCC é um trabalho de excelência e considero-o INDICADO a concorrer ao prêmio de melhor TCC do Curso neste semestre. Comissão Examinadora FABIANA DANTAS SOARES ALVES DA MOTA Presidente ZÉU PALMEIRA SOBRINHO 1º Membro HAMILTON VIEIRA SOBRINHO 2º Membro Dedico esse trabalho aos milhões de trabalha- dores vitimados pelo trabalho análogo à escra- vidão e às suas famílias. Em especial, dedico aos vitimados por essa prática no estado do Rio Grande do Norte. AGRADECIMENTOS Agradecer é olhar para trás e saber que você não esteve só durante todo o percurso. Por isso, meu principal agradecimento é direcionado ao Deus onipresente, onisciente e onipo- tente, pela graça derramada sobre minha vida e pela misericórdia que se renova a cada manhã, mesmo que eu não a mereça. Agradeço aos meus pais, Francineide e Flávio, pela fonte inesgotável de amor, pela presença em todos os momentos da minha vida e por apoiarem todos os meus planos. Agrade- ço por não medirem esforços para que eu saísse do interior e realizasse o sonho de me formar em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Agradeço individualmente à minha mãe, pelo incentivo para prosseguir na pesquisa mesmo em meio às suas internações hospitalares. Ao meu pai, que mesmo cansado, viaja 560 km todos os finais de semana para nos ver. Saibam que a garra e a vontade que vocês têm de tornar nossas vidas melhores são meu maior incentivo. Minha gratidão também a Fernanda Rízia e Maria Flanda, minhas irmãs e parceiras de vida, companheiras de toda a minha jornada, responsáveis por fazer meus dias mais alegres e divertidos. Amo muito vocês. Agradeço à minha sobrinha, que nem nasceu, mas que é muito amada: Malu, titia te espera! Agradeço ao meu companheiro de estudos e de vida, essencial em todo esse percur- so: Dalvan de Queiroz. Obrigada pelo apoio incondicional, por ser ouvinte das minhas incer- tezas e incentivador da minha jornada. Agradeço à minha família nas pessoas de José Wilson e Bernadete Viana, meus tios amados. Obrigada por todo o apoio desde quando estudar na UFRN era só um sonho. Sem olvidar, agradeço aos que estão no céu: à vovó Cícera pela inspiração da força que uma mulher tem; à vovó Pureza, pela doçura e amor; e a vovô João Barbosa, por todas as prosas e pelo incentivo mesmo sem saber, quando comentou com um amigo que eu estava estudando para ser “doutora advogada”. Vocês fazem muita falta! Agradeço aos amigos pelo companheirismo nesses cinco anos de curso, em especial a Ana Karidza e Larissa Fernandes, pelo trio imbatível, pelas conversas nos intervalos, pelos trabalhos realizados, pelos estudos para as provas e pela parceria na vida. A Luana Fontes, por ter me recepcionado tão bem em Natal, por ter me inserido na sua família e por sempre estar ao meu lado quando preciso. Agradeço também a Kaynan Camilo, Tereza Cristina, Eduardo Carmo, Rafael Guardiani, José Otávio e Rafael Miranda: o riso e a trajetória se tornaram melhores com vocês. De maneira especial agradeço às minhas maiores inspirações acadêmicas: Fabiana Mota e Zéu Palmeira Sobrinho. Obrigada por serem mais que professores, mais que meros instrumentos de uma educação bancária, mas incentivadores da pesquisa, da reflexão crítica e da luta contra o trabalho análogo à escravidão e o trabalho infantil. Registro ainda meu agradecimento ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a Presidenta Dilma Rousseff, pela expansão das vagas nas universidades públicas e pela interiorização dos Institutos Federais (IFs), em especial pela oportunidade de ter uma educação de excelência no IF – Campus Ipanguaçu/RN e na UFRN. Por fim, registro meus agradecimentos à Universidade Federal do Rio Grande do Norte pela qualidade de ensino e pelo leque de oportunidades no tripé ensino, pesquisa e extensão. . O homem se humilha Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida E vida é trabalho (GONZAGUINHA. Guerreiro menino. 1983) RESUMO Este estudo apresenta uma análise sobre a denúncia de trabalho degradante ocorrido em 2019, na microrregião do Vale doAçu, estado do Rio Grande do Norte. Diante disso, a pesquisa delimita como ponto de partida a seguinte pergunta: a situação dos trabalhadores do Vale do Açu, investigada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) em 2019, constitui – sob o ponto de vista sociojurídico – trabalho em condição análoga à escravidão? Para responder a indagação, o estudo utiliza como metodologia a vertente de pesquisa sociológica- jurídica, relacionando o direito com outras ciências. Ademais, utiliza o método de abordagem dedutivo e, como técnica de pesquisa, utiliza uma revisão bibliográfica documental, baseando o trabalho em documentação indireta. Assim, no segundo capítulo há a análise sobre a centralidade da pauta do trabalho decente nas lutas dos trabalhadores e sobre os direitos sociais constitucionalizados. Nesse sentido, a atuação da Organização Internacional do Trabalho é fundamental, pois organiza, divulga e busca a implementação das bandeiras do trabalho decente no mundo. Em âmbito nacional, há também uma estratégia para efetivação do labor decente, que ainda carece de muitos esforços para sua implementação. No terceiro capítulo, é analisada a realidade sociojurídica do trabalho análogo à escravidão no Brasil, percebendo-se que a vulnerabilidade é a principal marca, sendo o perfil das vítimas ainda permeado por pessoas pretas, analfabetas, jovens e do sexo masculino. Justamente pela permanência do trabalho análogo à escravidão, a prática é proibida, em especial, pelo artigo 149, do Código Penal, que busca a repressão e a superação de todas as formas desse trabalho. No quarto capítulo, é analisada a operação que resultou no resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão no Vale do Açu, em cidades com indicadores sociais pouco positivos, muito ligadas à exploração da carnaúba, de relevante importância econômica. Com isso, está demonstrada a cumulação entre teoria e prática para evidenciar que o trabalho em condições análogas à escravidão persiste, sendo necessário forte atuação dos mais diversos setores para sua superação, com punições eficazes aos empregadores e cuidado e reinserção para os resgatados. Palavras-chave: Trabalho Análogo à Escravidão. Trabalho Decente. Realidade Sociojurídica. Vale do Açu. Carnaúba. ABSTRACT This thesis presents an analysis of the complaint due degrading work occurred in 2019, in the micro region of Vale do Açu, Rio Grande do Norte. In view of this, the research marks the following question as its starting point: Does the Vale do Açu situation, investigated by the Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) [Special Mobile Inspection Group] in 2019, constitutes - from a social and legal point of view – labor analogous to slavery? In order to answer the aforementioned question, the study uses both a sociological and a legal research approach as methodology, correlating law to other sciences. Moreover, it uses the deductive approach method and, as its research technique, uses a documentary bibliographic review, underlying the work on indirect documentation. Henceforth, the first chapter analyses the importance of the decent labor agenda in labor movement and analyses constitutionalized social rights. In this sense, the work of the International Labor Organization is of the utmost importance, as it organizes, raises the flag and seeks to carry out decent labor throughout the world. At the national level, there is a strategy to accomplish decent labor forms too, but it is still in need of greater commitment on its implementation. In the second chapter, the social and legal framework of the labor analogous to slavery in Brazil is analyzed, and the research points out vulnerability as the main feature, being the victim’s profiles still mainly represented by black, illiterate, young and male people. For the very reason of its permanence, the practice of work analogous to slavery is prohibited, in particular, by Article 149 of the Penal Code, which seeks to repress and overcome all forms of this improper labor. In the third chapter, there is an analysis on the operation that resulted in the rescue of workers in conditions similar to slavery in the Açu Valley, in cities with almost no positive social indicators, closely linked to the exploitation of carnauba, of relevant economic importance. With that in mind, the study reveals that the combination of theory and practice is needed to show that slavery- like labor still persists. In addition to that, the issue requires strong actions from the most diverse sectors, such as effective punishment for employers and, also, care and reinsertion for the rescued. Keywords: Slavery-like labor. Decent Labor. Social Reality. Legal Framework, Açu Valley. Carnauba. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Local utilizado para lavar pratos e panelas .............................................................. 87 Figura 2 - Reservatório para armazenagem da água utilizada para beber, cozinhar e tomar banho ........................................................................................................................................ 87 Figura 3 - Local em que os quatro trabalhadores resgatados pernoitavam .............................. 88 Figura 4 - Local em que os trabalhadores estavam alojados .................................................... 90 Figura 5 - Local em que os trabalhadores dormiam ................................................................. 90 Figura 6 – Peixes para consumo armazenados de forma irregular ........................................... 91 Figura 7 - Utensílios para o preparo das refeições ................................................................... 91 LISTA DE SIGLAS ABRAINC Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos CLT Consolidação das Leis do Trabalho CP Código Penal CRFB/1988 Constituição Federal de 1988 CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social DUDH Declaração Universal de Direitos Humanos ENEM Exame Nacional do Ensino Médio FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FIB Felicidade Interna Bruta GAT-ODS Grupo de Trabalho Aberto sobre ODS GEFM Grupo Especial de Fiscalização Móvel IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH Índice de Desenvolvimento Humano IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal InPacto Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo MPT Ministério Público do Trabalho MRE Ministério das Relações Exteriores MTE Ministério do Trabalho e Emprego NR-31 Norma Regulamentadora Nº 31 ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável OIT Organização Internacional do Trabalho ONU Organização das Nações Unidas PEC Proposta de Emenda à Constituição PIB Produto Interno Bruto PIDCP Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PIDESC Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento RN Rio Grande do Norte SIT Secretaria de Inspeção do Trabalho STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TAC Termo de Ajuste de Conduta SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13 2 “SEU SONHO É SUA VIDA E VIDA É TRABALHO”: O TRABALHO DECENTE COMO PAUTA CENTRAL DA LUTA DOS TRABALHADORES ................................ 17 2.1 O trabalho como fator marcante da história humana .................................................. 18 2.2 O papel fundamental dos direitos sociais constitucionalizados nas conquistas e novos desafios dos trabalhadores .....................................................................................................21 2.3 A atuação da OIT como entidade articuladora da luta global em favor do trabalho decente ..................................................................................................................................... 26 2.4 Estratégias para efetivação do trabalho decente e os compromissos assumidos pelo Brasil ........................................................................................................................................ 32 3 A REALIDADE SOCIOJURÍDICA DO TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO NO BRASIL ............................................................................................................................ 38 3.1 As vulnerabilidades sociais e econômicas enquanto conceito e razão para permanência do trabalho análogo à escravidão ................................................................... 39 3.2 Do sexo masculino, preto, pobre, jovem e analfabeto: o perfil da vítima do trabalho análogo à escravidão ............................................................................................................... 45 3.3 O sistema sociojurídico e a rede institucional de enfrentamento ao trabalho análogo à escravidão ............................................................................................................................. 53 3.4 Para além da restrição ao direito de liberdade de locomoção: os diversos modos de submissão ao trabalho análogo à escravidão ....................................................................... 62 3.4.2 Jornada exaustiva ............................................................................................................. 64 3.4.3 Trabalho em condições degradantes ................................................................................ 66 3.4.4 Restrição de locomoção em razão de dívida contraída .................................................... 67 3.4.5 Retenção no local de trabalho através do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte, vigilância ostensiva, retenção de documentos ou objetos pessoais ........................ 68 3.4.6 Trabalho infantil .............................................................................................................. 70 3.4.7 Tráfico de pessoas ........................................................................................................... 71 4 UM MERGULHO NA REALIDADE: O CASO DOS TRABALHADORES EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO RESGATADOS NO VALE DO AÇU .. 73 4.1 A terra e seus frutos: uma análise das cidades do Vale do Açu que tiveram trabalhadores resgatados e da importância econômica da carnaúba ................................ 73 4.2 A equipe em ação: o trabalho articulado para o resgate dos trabalhadores em condições análogas à escravidão no Vale do Açu ................................................................. 79 4.3 O homem na condição de bicho: o perfil, o modo de trabalho, a vida e a humilhação constante dos trabalhadores resgatados no Vale do Açu .................................................... 83 4.4 As violações identificadas ................................................................................................. 96 4.4.1 Admitir ou manter empregado em microempresa ou empresa de pequeno porte sem o respectivo registro em livro, ficha ou sistema eletrônica competente: ..................................... 96 4.4.2 Deixar de anotar a CTPS do empregado, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, contados do início da prestação do trabalho ................................................................................................. 97 4.4.3 Efetuar o pagamento do salário do empregado, sem a devida formalização do recibo ... 97 4.4.4 Deixar de submeter trabalhador a exame médico admissional, antes da data de início das atividades .................................................................................................................................. 98 4.4.5 Deixar de realizar avaliações de riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores ou deixar de adotar medidas de prevenção e proteção ou deixar de garantir que todas as atividades, lugares de trabalho, máquina, equipamentos, ferramentas e processos produtivos sejam seguros e em conformidade com as normas de segurança e saúde ................................ 98 4.4.6 Deixar de equipar o estabelecimento com material para primeiros socorros .................. 99 4.4.7 Deixar de disponibilizar instalações sanitárias aos trabalhadores ................................... 99 4.4.8 Deixar de disponibilizar alojamentos aos trabalhadores ................................................. 99 4.4.9 Deixar de disponibilizar local adequado para o preparo da alimentação dos trabalhadores ................................................................................................................................................ 100 4.4.10 Deixar de fornecer, de maneira gratuita, equipamentos de proteção individual ......... 100 4.4.11 Deixar de disponibilizar local para refeição dos trabalhadores ................................... 101 4.4.12 Manter áreas de vivência que não possuam cobertura contra as intempéries ............. 101 4.4.13 Admitir empregado que não possua CTPS .................................................................. 101 4.4.14 Manter trabalhador com idade inferior a 18 (dezoito) anos de idade em trabalho e locais insalubres ou perigosos ................................................................................................ 102 4.5 A necessidade de efetivação de políticas pós-resgate ................................................... 102 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 107 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 111 13 1 INTRODUÇÃO Todo trabalho é como uma edificação, que vai sendo construída aos poucos, tendo início pela base. Aqui não será diferente. O presente trabalho tem como base a seguinte pergunta: a situação dos trabalhadores do Vale do Açu, investigada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) em 2019, constitui – sob o ponto de vista sociojurídico – trabalho em condição análoga à escravidão? O questionamento é feito porque em outubro de 2019, na microrregião do Vale do Açu, Rio Grande do Norte, houve uma fiscalização em frentes de trabalho que atuavam com a palmeira carnaúba. Assim, necessário se fez o estudo sobre o trabalho análogo à escravidão e a fiscalização realizada. Classifica-se a vertente da pesquisa como sociológica-jurídica, pelo fato de relacionar o direito com outras ciências, como as ciências sociais, confrontando-o com a realidade fática do trabalho análogo à escravidão. O método de abordagem classifica-se como dedutivo, pois parte de uma generalização para uma questão individualizada, ou seja, partindo-se do objetivo geral que é a análise sobre o trabalho decente e o trabalho análogo à escravidão, analisar-se-á, de maneira pormenorizada, os objetivos específicos, a saber: a definição do trabalho decente, sua correlação com os direitos humanos laborais; a realidade sociojurídica do trabalho análogo ao escravo no Brasil sob o prisma do ordenamento jurídico interno, conceito e suas modalidades; bem como o caso dos trabalhadores do Vale do Açu. Como técnica de pesquisa, o trabalho terá como base uma revisão bibliográfica e documental. Assim, será baseado em documentação indireta, pois se deve trabalhar com dados oriundos de livros, teses, dissertações e artigos. Ainda, o trabalho será baseado também na análise dos relatórios de fiscalização do GEFM e do Ministério Público do Trabalho (MPT). Impossível colocar o caso prático dos trabalhadores do Vale do Açu, objeto do presente estudo, sem antes discutir conceitos, apresentar críticas,contradições, elementos legais etc. Justamente por isso, a base dessa construção será o estudo do trabalho decente, objeto do segundo capítulo, que terá como referencial teórico, de maneira especial, os ensinamentos de Brito Filho (2016). Nesse ponto, será feita uma análise do trabalho, com destaque para a necessidade de alcançar o tão sonhado equilíbrio na relação laboral. Ainda, será analisado quais são as lutas dos trabalhadores, sempre com a inserção de componentes lúdicos, na tentativa de construir um texto didático. Dentro desse contexto, objetiva-se analisar os diferentes planos do trabalho decente, no caso, o plano individual, coletivo e da seguridade social, com a explicitação dos direitos 14 que integram cada plano proposto. Nesse ponto, será de fácil visualização a importância da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/1988), sempre com a evidência de que o rol de direitos trabalhistas proposto não é taxativo, mas sim, exemplificativo, passível de incorporação de novos elementos, de novas conquistas. Aqui, a discussão ganhará novos contornos, com a elucidação do papel fundamental dos direitos sociais trabalhistas de forma constitucionalizada. Como o trabalho permitirá compreender, esses direitos são típicos de segunda dimensão, pautados pela necessidade de impor obrigações de fazer ao Estado. O Estado liberal, anterior ao social, resultou em extrema exploração da classe trabalhadora e sem qualquer controle do estado nas relações privadas. Diversas insurgências, como os trabalhos de Karl Marx e Engels, a Encíclica Rerum Novarum, o contexto de guerras do século passado etc., foram importantes para o avanço na conquista dos direitos dos trabalhadores. O estudo ainda destacará a relevância das constituições, como a Constituição Mexicana de 1917, a Constituição de Weimar de 1919 e, no Brasil, a Constituição de 1934, pois a partir dela os direitos sociais passaram a ter relevância. A CRFB/1988, por sua vez, representou verdadeira renovação da cultura jurídica nacional, implementando novo padrão de direitos sociais e fundamentais. Por isso, ganhará destaque a necessidade de manutenção da constitucionalização de direitos para evitar mudanças de ocasião em prejuízo dos trabalhadores. Na sequência, importante avançar para a verificação da atuação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entidade articuladora da luta global em favor do trabalho decente e agência da Organização das Nações Unidas (ONU), formada por uma estrutura tripartite. Nesse ponto, também será visto o papel fundamental de diversos documentos internacionais, marcos definidores na edificação de novos patamares civilizatórios na seara do trabalho. Por último, o capítulo adentrará no debate sobre as estratégias para efetivação do trabalho decente e os compromissos assumidos pelo Brasil, com destaque para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), a Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e os compromissos assumidos pelo Brasil para implementação dos ODS. Com a construção de uma base conceitual ampla sobre o trabalho decente, este trabalho passará para o capítulo seguinte, para o estudo da realidade sociojurídica do trabalho análogo à escravidão no Brasil, que terá como referencial teórico utilizado, as diversas obras de Ricardo Rezende. Nesse ponto, será apresentada a conceituação desse labor que ainda persiste e como ocorreu uma evolução na terminologia utilizada, mudando a depender de cada governo, fato que pode repercutir na descontinuidade de políticas públicas. Com isso, possível 15 identificar que as vulnerabilidades são a própria razão de ser para a permanência do trabalho análogo à escravidão, que apresenta semelhanças e diferenças com a escravidão antiga, mas o objetivo sempre é a busca pela “mão de obra zero”. O trabalho pretende avançar e verificar o perfil da vítima do trabalho análogo à escravidão no Brasil, majoritariamente do sexo masculino, preto, pobre, jovem e analfabeto, a ralé estrutural, nos dizeres de Jessé Souza (2009), herdeira da miséria social e econômica dos seus antepassados. Esses trabalhadores, permeados por frustrações, observam o trabalho como uma forma de glorificação, mas acabam sendo aliciados por "gatos". Embora possuam estratégias para fugir do trabalho em condições análogas à escravidão, acabam sofrendo todo tipo de coação e, por fim, podem até se conformar com o sofrimento diuturno, encobertos por diversas camadas de invisibilidade. Por isso, imprescindível será o estudo sobre o ordenamento jurídico brasileiro na repressão ao trabalho análogo à escravidão, em especial, o artigo 149, do Código Penal (CP), que tipifica esse crime. Necessário a análise da competência para processamento, o alcance das condenações, a possibilidade de imposição de condenação por danos morais de maneira individual e coletiva etc. Outra atitude de importância ímpar a ser analisada, é a Lista Suja do Trabalho Escravo, criada em 2004 e com constitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Feito isso, o trabalho passará a discorrer sobre os diversos modos de submissão ao trabalho análogo à escravidão, como as jornadas exaustivas, trabalho em condições degradantes, restrição de locomoção em razão de dívida contraída, retenção no local de trabalho por meio do cerceamento de uso de qualquer meio de transporte, vigilância ostensiva, retenção de documentos ou objetos pessoais, o trabalho infantil e o tráfico de pessoas. Então, será o momento de se debruçar sobre o estudo do caso dos trabalhadores do Vale do Açu e os relatórios do GEFM e MPT. Prova que o trabalho análogo à escravidão não é uma realidade distante, mas ainda persiste e está próximo, mesmo que não seja aparente. Em um primeiro momento, pretende-se realizar uma breve abordagem sobre a microrregião do Vale do Açu e sua importância econômica, depois disso, ganhará foco as cidades em que a operação ocorreu, quais sejam Apodi, Assú e Carnaubais. Depois, fundamental conhecer a importância da palmeira carnaúba para a economia local. A palmeira é tão importante que além de sua utilização, também é citada em músicas e canções populares conhecidas no Nordeste, integrando o arcabouço cultural da região. De antemão, já se vê que 16 é uma atividade rural, distante e isolada, fácil para a incidência do trabalho análogo à escravidão. Com o conhecimento desses dados, imprescindível adentrar para a verificação do trabalho articulado para o resgate dos trabalhadores, com a atuação fundamental do GEFM e uma articulação que envolveu diversas outras instituições. Nas frentes de trabalho com a carnaúba, somente recentemente os trabalhadores em condições análogas à escravidão foram notados. Com isso, será visto as quatro frentes de serviços objeto da operação e, de modo específico e aprofundado, as duas frentes que tiveram trabalhadores resgatados. Ainda no capítulo, será estudado o perfil, o modo de trabalho, a vida e a humilhação constante dos trabalhadores resgatados no Vale do Açu, com destaque para as violações identificadas. Imprescindível também estudar a necessidade de efetivação de políticas pós-resgate, para que os trabalhadores não retornem para a prática desse tipo de labor humilhante e degradante. Aos trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão, é preciso que exista um novo horizonte, permeado por políticas públicas centradas na liberdade, na igualdade, na dignidade da pessoa humana. Por fim, necessário destacar que a motivação pelo tema do presente estudo surgiu diante da necessidade de investigar e, se for o caso, denunciar a existência do trabalho em condições análogas à escravidão, em especial, no Vale do Açu. Por muitos anos, viagens pelas as estradas daquela região foram minha rotina, no caminho de casa para a escola. No caminho, em meio aos carnaubais, percebiacondições, que àquela época não sabia que eram denominadas como degradantes. Assim, diante do hiato acadêmico sobre o trabalho análogo à escravidão na cadeia produtiva da carnaúba, necessário se faz um estudo sobre o tema e, de maneira aprofundada, sobre as condições em que os trabalhadores foram resgatados na região. 17 2 “SEU SONHO É SUA VIDA E VIDA É TRABALHO”: O TRABALHO DECENTE COMO PAUTA CENTRAL DA LUTA DOS TRABALHADORES Para discorrer sobre o trabalho decente e algumas das suas principais nuances, esse capítulo foi construído em quatro pilares. Em um primeiro momento serão colocados os direitos do trabalho decente, na sua acepção individual, coletiva e da seguridade social, pondo centralidade na verdadeira constituição trabalhista organizada pela Constituição Federal de 1988 (CRFB/1988). Na sequência, será percebido que o nascimento dos direitos dos trabalhadores é uma decorrência dos denominados direitos de segunda dimensão, direitos sociais, com foco na igualdade material. Aqui, será percebida a importância da constitucionalização desses direitos e sua consagração enquanto cláusulas pétreas, para impedir retrocessos sociais e a retirada de direitos pelos legisladores de plantão. Mesmo assim, a Reforma Trabalhista, de natureza infraconstitucional, trouxe perdas para os trabalhadores. Tanto é que, em 2019, o Brasil foi inserido na lista dos dez piores países do mundo para a classe trabalhadora (BRASIL, 2019a, online). No terceiro tópico, o trabalho decente será analisado com foco no papel estratégico da OIT, enquanto instituição articuladora global dessa pauta. É sabido que o trabalho decente é a luta central da OIT, com base em quatro objetivos, sendo o primeiro a definição e promoção de normas, princípios e direitos fundamentais do trabalho. Depois disso o organismo coloca a necessidade de criar maiores oportunidades de emprego e renda decentes para homens e mulheres. O terceiro objetivo é ligado ao empenho para melhorar a cobertura e a eficácia da proteção social para todos. Por último, há a necessidade de fortalecer o tripartismo e o diálogo social (OIT, 2020, online). Ainda nesse terceiro tópico, serão vistos alguns documentos internacionais, convenções da OIT, documentos regionais, importantes para nortear os países signatários na busca pelo labor decente. Por último, o quarto tópico pretende enfrentar a questão da efetivação de política para assegurar o trabalho decente. Diante disso, boas estratégias já criadas serão mencionadas, como os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e a Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Nesse ponto, também ganhará centralidade os compromissos assumidos pelo Brasil diante da necessidade de efetivar o trabalho decente, oportunidade em que também será feito um breve balanço dos avanços em compromissos determinados. 18 2.1 O trabalho como fator marcante da história humana O trabalho é fator sempre marcante na história das civilizações, também é possível dizer que a história foi construída pelo trabalho. Em cada tempo, em cada fase da vivência humana em sociedade, o trabalho se apresenta de uma maneira singular, impulsionando avanços econômicos, revoluções e transformações sociais. Em alguns períodos, a centralidade esteve no trabalho em si, já em outros se impôs a necessidade de observar os agentes responsáveis pela ação de trabalhar: os trabalhadores. De forma que ambos são indissociáveis, mas não necessariamente há uma relação harmônica, justamente por isso, surge a necessidade de uma atuação multissetorial para garantir que o trabalho seja digno e os trabalhadores gozem de direitos e sejam respeitados, viabilizando o equilíbrio na relação laboral. Nesse sentido, a canção “Guerreiro Menino”, eternizada na voz de Gonzaguinha (1983), realiza forte crítica social a essa nova relação laboral, que mais é uma disputa do modelo capitalista para elevação de ganhos por meio dos trabalhadores. Gonzaguinha lembra que “um homem também chora”, ou seja, que ele não é uma máquina, uma mera peça na escala de produção, que trabalha, mas não é só o trabalho, tem sonhos, desejos, anseios. Nas palavras do compositor, o homem “precisa de carinho”, ternura, abraço, candura, descanso, remanso, de sono. Necessita desses fatores para que não berre, não sangre, não se humilhe, não castre os seus sonhos, pois “seu sonho é sua vida e vida é trabalho”. A música, ao dizer o que o homem precisa e o que deve ser evitado, edifica de modo lúdico o conceito de trabalho decente. Com a ajuda de Gonzaguinha e apoio da doutrina especializada, possível compreender que o trabalho decente é um conjunto mínimo de condições capazes de assegurar os direitos humanos dos trabalhadores, dotados de universalidade e passíveis de implementação dentro de cada nação. Esse conjunto mínimo de direitos foi sintetizado pela OIT e ganhou corpo e consistência com a sua implementação e efetivação pelos países, sendo classificados no plano individual, coletivo e da seguridade social (BRITO FILHO, 2016). No primeiro plano, necessário fazer valer o direito ao trabalho, consagrado no artigo 6°, caput, da CRFB/1988, na condição de direito social. O direito ao trabalho pode ser traduzido na máxima popular que enfatiza que “todo homem e toda mulher têm que acordar e saber para onde ir”, ou seja, saber qual rumo tomar para concretizar o seu projeto de vida, perpassado inevitavelmente pelo trabalho. Também deve ser assegurado a necessária liberdade de escolha do trabalho (BRITO FILHO, 2016), de 19 mudar, de reconstruir sua carreira, sem sofrer coerção, que a depender do contexto fático, poderá caracterizar uma prática de trabalho em condições análogas à escravidão, como será discutido no cerne desta pesquisa. A liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendendo os requisitos legais, está disposta no artigo 5°, XIII, da CRFB/1988, sendo consectário do direito à dignidade da pessoa humana (NUNES JÚNIOR, 2019). Imprescindível também a igualdade de oportunidades para o exercício do trabalho (BRITO FILHO, 2016). A CRFB/1988, no artigo 7°, incisos XXX, XXXI, XXXII, que lista um rol de direitos com objetivo de elevar as condições sociais dos trabalhadores, constitui um esforço normativo para impedir distinções, diferenças e preferências nas relações laborais, no entanto, necessário lograr novos avanços, já que por vezes habilidades e aptidões são deixados de lado para abrigar outras preferências. Exemplo disso é o caso das mulheres, que muitas vezes exercem profissões estereotipadas e etiquetadas como inerentes ao sexo feminino e, fora outra gama de dificuldades, sofrem pela diferença remuneratória em relação aos colegas do sexo masculino, mesmo no desempenho de funções similares (MEIRELES, 2014). O trabalho decente ainda compreende o direito de exercer atividade em condições capazes de preservar a saúde, salubridade e segurança dos trabalhadores (BRITO FILHO, 2016), carentes de maior repercussão prática, visto o alto índice de acidentes de trabalho no Brasil, por exemplo. Conforme dados tabulados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e amplamente divulgados, em 2018 o ritmo de acidentes de trabalho voltou a crescer, rompendo a trajetória de queda que acompanhava desde 2013, relação síncrona com o ritmo de contratações (KONCHINSKI, 2019). A exposição do dado é pedagógica para demonstrar a necessidade de conciliar avanços econômicos, maiores contratações, com a efetiva proteção dos trabalhadores no seu ambiente laboral. Outro ponto do trabalho decente é a proibição do trabalho infantil, realidade árdua que ceifa os sonhos de milhares de crianças e jovens no contexto nacional e no mundo inteiro (BRITO FILHO, 2016). Aqui, o artigo 7°, XXXIII, da CRFB/1988, proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre para menores de 18 (dezoito) anos, vedandoainda qualquer trabalho para menores de 16 (dezesseis), salvo de aprendiz, a partir dos 14 (quatorze) anos. Essa proteção também decorre da adoção pelo Brasil da teoria da proteção integral, conforme o art. 227, da CRFB/1988, mudança de paradigma que incluiu crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, não somente indivíduos que devem ser tutelados. Mesmo assim, o trabalho infantil persiste, principalmente no Nordeste e Sudeste do Brasil, vitimando meninos e meninas (OIT, 2020, online). 20 No plano coletivo do trabalho decente, o direito básico é a liberdade sindical (BRITO FILHO, 2016), o direito de organizar-se ou não em sindicatos ou associações para pleitear a implementação de direitos trabalhistas, de unir vozes que superem o ruído das máquinas e possam ser ouvidas na diretoria da fábrica. O artigo 8° da CRFB/1988 e seus incisos, garantem a liberdade de associação profissional ou sindical, numa tentativa de superar o modelo repressivo que permeou o regime militar, em vigor até 1985. Nos dias atuais, observam-se atitudes que tentam reduzir o papel sindical, caso da Medida Provisória n° 873/2019 (BRASIL, 2019e, online), que perdeu sua validade sem ser votada, mas instituía a contribuição sindical apenas por boleto bancário, obstaculizando os recolhimentos e as atividades desses organismos. Último plano do trabalho decente é referente à seguridade social, garantindo proteção contra o desemprego e outros riscos sociais (BRITO FILHO, 2016). No Brasil, o artigo 7°, I, da CRFB/1988, veda em diversas situações a dispensa arbitrária e sem justa causa, primando pela estabilidade do cidadão no emprego. Com relação ao sistema de previdência, está baseado no pacto ou solidariedade intergeracional, com a contribuição dos trabalhadores da ativa para o custeio das aposentadorias atuais. Em 2019, por meio da Emenda Constitucional de n° 103, esse sistema foi alterado em muitos de seus aspectos, principalmente no que se refere à idade para aposentadorias e ao tempo de contribuição, pontos bastante questionados, dentre vários fatores, pela ainda baixa qualidade de vida dos brasileiros. Os direitos inerentes ao trabalho decente não se esgotam nos elementos traçados acima, pelo contrário, trata-se de rol mínimo (BRITO FILHO, 2016), passível de incorporação de novos elementos de acordo com novas demandas sociais. Na acepção de José Afonso da Silva (2005), os direitos individuais podem ser classificados em expressos, ou seja, claramente dispostos no texto da CRFB/1988, mas podem ser implícitos, extraídos da interpretação que é feita da CRFB/1988. Ainda, os direitos podem decorrer do regime dos tratados internacionais integrados pelo Brasil. Também por isso, não é razoável construir uma interpretação restritiva do conteúdo normativo inerente aos direitos sociais do trabalho e, por consequência, do trabalho decente, tendo em conta a sua possibilidade de ampliação considerando a classificação exposta. 21 2.2 O papel fundamental dos direitos sociais constitucionalizados nas conquistas e novos desafios dos trabalhadores Após breve análise do conceito e de alguns componentes do trabalho decente, necessário lembrar que as normas trabalhistas e a ideia de proteção dos trabalhadores, despontaram no contexto de positivação dos chamados direitos sociais ou de segunda dimensão. A noção de dimensões dos direitos foi proposta inicialmente por Karel Vasak, responsável por associar o lema da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade – com fases evolutivas na consolidação de direitos humanos e fundamentais (NUNES JÚNIOR, 2019). Na concepção do jurista, a primeira dimensão está conectada com a liberdade, representa os direitos do cidadão frente o Estado, como a proteção do direito à vida, à igualdade jurídica ou perante a lei e à propriedade, valores imprescindíveis ao liberalismo (BONAVIDES, 2004). A primeira dimensão é de singular importância, considerando que foi antecedida pelo absolutismo, período de máxima presença estatal na esfera privada, sendo necessário impor limites na sua atuação. Os direitos de segunda dimensão, vão além da compreensão de abstenção e impõem ao Estado uma obrigação de fazer, de assegurar que os indivíduos possam viver de forma digna. Os direitos sociais e o estado social estão preocupados com a remoção de profundas e perturbadoras injustiças sociais, na busca pelo pleno emprego, na segurança existencial e na conservação da força de trabalho (BONAVIDES, 2004), com valores de fácil associação ao trabalho decente. Portanto, os direitos de segunda dimensão guardam íntima conexão com a igualdade, não apenas de todos perante a lei, mas sim, a dita igualdade material. Há, ainda, os direitos de terceira dimensão, materializado pela ideia de fraternidade, de tutela dos direitos difusos, coletivos, do meio ambiente, de grupos sociais vulneráveis, de defesa da paz, da autodeterminação dos povos e muitos outros. Depois de Karel Vasak, muitos doutrinadores adotaram sua classificação de direitos, inclusive, ocorreu a inserção de novas dimensões para adequar ao contexto presente e futuro. Merece menção que o termo inicialmente utilizado se referia às gerações e não dimensões de direitos, nomenclatura que recebeu críticas pela ideia de sucessividade, no sentido de uma geração ser substituída pela seguinte. De fato, observa-se que ocorre uma cumulação de direitos, sendo que uma geração não substitui a anterior, mas sim, acrescenta e refaz direitos de acordo com os novos valores. 22 Pondo centralidade no Estado e nos direitos sociais, vê-se que esse é o modelo típico da sociedade industrial, em contraposição ao modelo do estado liberal, marcado pela lógica da igualdade perante a lei, um produto da revolução burguesa (BONAVIDES, 2004). Para corroborar com essa visão, constata-se que o estado liberal, anterior ao social, era caracterizado por uma extrema exploração da classe trabalhadora, com uma completa ausência do estado no controle e na regulamentação das relações privadas. Já com o estado social e a consagração de direitos sociais constitucionalizados, os direitos dos trabalhadores são oponíveis em face do estado, seja durante a relação de trabalho ou até mesmo depois da sua desconstituição (OLIVEIRA, 2011), pois um trabalho realmente decente deve ter uma preocupação global com a vida de quem labora. Todas essas mudanças de um estado liberal para um modelo social de direitos foram marcadas por alguns fatores considerados como fundamentais. Os trabalhos de Karl Marx e Engels motivaram a classe trabalhadora. Nesse mesmo contexto, a encíclica Rerum Novarum (1891), editada no papado de Leão XIII, abordou a questão social e denunciou a degradação da classe operária no século XIX. Para além disso, já no século XX, com a Primeira Guerra Mundial (1914 -1918), o engajamento dos trabalhadores despertou a simpatia dos governos com relação às pautas operárias. A denominada Revolução Russa (1917) deixou os empresários ocidentais temerosos com a possibilidade de propagação das ideias daquele movimento e, justamente por isso, aceitaram reivindicações da classe operária da época (OLIVEIRA, 2011). Há que se falar também na importância da própria OIT, mas essa temática merece abordagem em tópico próprio e não será esmiuçada nesse ponto. Aqui, importante compreender que esse movimento pela consagração de um estado social, preocupado com a vida digna dos trabalhadores, com um trabalho de fato decente, também ganhou corpo com a inserção das suas reivindicações no cerne das constituições. Pioneira nessa abordagem foi a Constituição Mexicana de 1917, seguida pela Constituição de Weimar de 1919, sendo que no Brasil a constitucionalização dos direitos sociais começou de forma consistente na Constituição de 1934 (SILVA, 2005). Nos dizeres de José Afonso da Silva (2005), a constitucionalizaçãoda ordem social estava permeada pela ordem econômica. Para o autor, há dificuldade em dividir direitos sociais e econômicos, tendo em conta que o trabalho é parte integrante das relações de produção e pode ser traduzido por uma expressão econômica. Sendo assim, para garantir os direitos sociais, é necessário que o estado participe da vida econômica, por meio da concretização de prestações positivas, objetivando a 23 garantia de melhores condições de vida, da igualização de desiguais e tantas outro fazeres conexos com esses (SILVA, 2005). Retomando o contexto constitucional brasileiro, até chegar a CRFB/1988 e depois da Constituição de 1934, a história ainda reservou ao Brasil a Constituição de 1937, 1946 e 1967, todas elas com maior ou menor ênfase, foram importantes na luta pela consolidação dos direitos sociais, com afetação direta no mundo dos trabalhadores. Todo esse percurso foi permeado por crises, golpes, renúncias, impedimento e até o suicídio de um presidente no exercício do cargo, caso de Getúlio Dornelles Vargas. Esse cenário de abalos e pressões é capaz de enfraquecer a eficácia dos direitos sociais, comprometendo a sua capacidade de concretização. De todo modo, impossível negar a importância desses direitos como instrumentos geradores de modernização e renovação (BONAVIDES, 2004). É também em um contexto de pressões, agora pelo reencontro do Brasil com a plena democracia, que emerge a CRFB/1988, nas palavras do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães (1988): “não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora, será luz ainda que de lamparina na noite dos desgraçados”. A CRFB/1988 representou uma renovação na cultura jurídica nacional, abordou temas fundamentais da República de forma coletiva e consolidou os direitos trabalhistas conquistados progressivamente (OLIVEIRA, 2011). Como visto no tópico anterior, é extenso o rol de direito sociais trabalhistas na CRFB/1988, que vai além da mera disposição de direitos e busca a uma completa efetividade. A tentativa de retirar o caráter programático das normas constitucionais, pode ser representada pelo mandado de injunção (art. 5°, LXXI, da CRFB/1988), meio de concretizar direitos, quando depender de regulamentação e o legislador for inoperante (BONAVIDES, 2004). É dessa maneira que a CRFB/1988 e, por consequência, os direitos sociais – com ênfase nos trabalhadores – chegam ao início da terceira década do século XXI, com a necessidade de permanente vigilância para impedir que posições retrógradas obstem o exercício de inúmeros direitos inerente ao trabalho decente. Justamente por isso, em um país em que se formam maiorias políticas de ocasião, com destaque para o fato de que a CRFB/1988 já recebeu mais de 100 (cem) emendas, apesar do rito mais rígido e dificultoso (art. 60, da CRFB/1988), imprescindível manter a constitucionalização dos direitos trabalhistas. Os direitos trabalhistas e a dignidade da pessoa humana estão umbilicalmente 24 ligados, portanto, a garantia da manutenção da constitucionalização dos primeiros é meio de contemplar o segundo (OLIVEIRA, 2011). Apenas como exemplo da importância da constitucionalização dos direitos sociais trabalhistas, vale citar o recente caso da folgada aprovação da Reforma Trabalhista (Lei 13.467, de 2017). Com a manobra parlamentar que resultou no impeachment da Presidenta Dilma Rousseff em 2016, Michel Temer assumiu a Presidência da República e, juntamente com ele, um gama de interesses empresariais, ruralistas e conservadores ganharam voz e vez no Palácio do Planalto. A Reforma Trabalhista vai nessa esteira, constituindo-se como um projeto ultraliberalista de construção de um estado mínimo, baseado na privatização de riquezas e na restrição de políticas públicas de caráter social, que vigora desde 2017 e preponderou nos anos de 1990 (DELGADO, 2019). Esse modelo é baseado na flexibilização, ou seja, na atenuação dos comandos imperativos do direito do trabalho e na desregulamentação, podendo ser conceituada como a retirada, exclusão de comando normativos clássicos da seara trabalhista (DELGADO, 2019). A reforma trabalhista em comento, por tratar-se de alteração na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), recepcionada pela CRFB/1988 como matéria de lei ordinária, foi submetida ao processo legislativo comum, com quórum simplificado e facilmente aprovada a toque de caixa, sem um debate profundo e amplo com a sociedade civil. Todo esse contexto apenas reforça a imprescindibilidade da constitucionalização dos direitos sociais trabalhistas, mantendo-os protegidos de alterações ocasionais. A constitucionalização de direitos sociais serve para guiar e limitar a atuação do Executivo, Legislativo e tem valor essencial para o Judiciário, que encontra nessas normas o parâmetro de controle das leis. Exemplo disso foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2019g, online), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de n° 5938, que declarou inconstitucionais trechos da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) que admitiam a possibilidade de trabalhadoras grávidas e lactantes desempenharem atividades insalubres em algumas hipóteses. Foram utilizados argumentos como a proteção à maternidade (art. 6°, caput, da CRFB/1988) e a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7°, XXII, da CRFB/1988), normas constitucionais sociais conectadas à seara trabalhista. A atitude governamental de inserir na dita reforma trabalhista uma norma que é capaz de expor gestantes e lactantes em atividades insalubres é claramente atentatória aos mais básicos padrões de trabalho decente e, acertadamente, foi repelida pelo STF. A norma legal 25 impugnada faz lembrar a música “Duerme Negrito”, de Mercedes Sosa: “duerme, duerme, negrito, que tu mama está en el campo negrito [...] trabajando duramente, trabajando sí, trabajando e va de luto, trabajando sí”. É a saga de uma mãe que precisa deixar o filho em casa, dormindo, enquanto vai trabalhar duramente, vai lutar e sequer lhe pagam. Apesar de toda pauta do trabalho decente no Brasil, essa realidade ainda persiste e o governo que coordenou a reforma trabalhista tentou ampliá-la. É perceptível ser esse o dilema da atualidade, tendo em vista que, enquanto há uma positivação de direitos sociais trabalhistas consagrados na CRFB/1988, há também forte reação conservadora que atua de modo contrário a todas essas conquistas, sendo que a consequência disso é a restrição de alguns direitos e a inefetividade de outros. Se não há respeito aos direitos humanos laborais, não existe trabalho decente. Outro exemplo dessa atual quadra histórica problemática para os trabalhadores é que em 2019 o Brasil foi inserido na lista dos dez piores países do mundo para a classe trabalhadora, baseado no Índice Global de Direitos, divulgado durante a 108ª Conferência Internacional do Trabalho, conectada à Organização das Nações Unidas (BRASIL, 2019a, online). Somaram para essa inglória inclusão, a Reforma Trabalhista, responsável pela retirada de direitos, pela imposição de um arcabouço jurídico regressivo ao conjunto dos trabalhadores e a tentativa de minar economicamente os sindicados, como já foi mencionado nesse tópico. A situação se torna ainda mais assustadora quando se observa quem divide o pódio com o Brasil, no caso, o Zimbábue, Arábia Saudita, Bangladesh, Filipinas, Guatemala, Cazaquistão, Argélia, Colômbia e Turquia (BRASIL, 2019a, online). Fora isso, a conhecida Lista Suja do Trabalho Escravo, disciplinada pela Portaria Interministerial nº 4 de 11 de maio de 2016, atualizada em outubro de 2020, registrou 113 (cento e treze) empregadores associados com a prática do trabalho análogo ao escravo (BRASIL, 2020d, online). Portanto, necessário que as posições retrógradas não prevaleçam, dandocumprimento a CRFB/1988. Conectado a isso, é urgente fazer valer o princípio da proibição do retrocesso social, já que os direitos alcançados se incorporam ao patrimônio subjetivo e resta inviável a sua reversibilidade (CANOTILHO, 2003). Os direitos sociais precisam ser vistos como direitos e garantias individuais, sendo protegido o seu núcleo essencial enquanto cláusulas pétreas, conforme o artigo 60, §4°, IV, da CRFB/1988. Numa visão mais econômica, crises não podem ser sinônimo de flexibilização, pois resultam na precarização dos trabalhos e na agudização das questões sociais, porque a supressão de direitos não se coaduna com o trabalho decente. 26 2.3 A atuação da OIT como entidade articuladora da luta global em favor do trabalho decente Em nível global, quem exerce o papel de coordenação das pautas do trabalho decente é a OIT, fundada logo depois da Primeira Guerra Mundial (1919), e hoje uma Agência da ONU, inclusive, a única com estrutura tripartite. Isso quer dizer que os 181 estados-membros estão representados por membros dos governos, organizações dos trabalhadores e dos empregadores, que atuam num contexto de igualdade de participação (OIT, 2020, online). A pauta central do organismo é a luta pelo trabalho decente, reforçada num contexto de desenvolvimento assimétrico dos países, considerando a capacidade da OIT em oferecer auxílio técnico e acompanhamento de execução de medidas, por exemplo. Essa pauta passa a ser mais estruturada a partir da década de 1990, com a Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho e a formalização da própria expressão trabalho decente, em 1999. Evidenciado o contexto em que as pautas do trabalho decente foram postas no cenário internacional atual, fato é que a “a OIT representa a maior produtora de doutrinas, estatísticas e outras informações sobre Trabalho Decente” (MERINO, 2011, p. 118). Apesar de sua importância singular, do seu papel de aglutinação e coordenação, gerador de forte diálogo social, como crítica é bom registrar a existência de um caráter burocratizado, pois “mesmo com a relativa vasta produção encontrada sobre a temática, acha-se com frequência opiniões pouco ou nada contrárias ao que prega a OIT, sendo que a grande maioria é elaborada por ‘parceiros’ de Organizações Internacionais” (GONÇALVES, 2019, p. 71). Registrada a importância e as críticas à OIT, que corroboram apenas para tentar aperfeiçoar o papel da entidade, importante se debruçar sobre os quatro objetivos estratégicos da Agenda do Trabalho Decente, construída pelo conjunto de atores sociais que dialogam nesse órgão. Esses objetivos estão interligados, interconectados, e comandam a pauta da referida Organização Internacional, no sentido do empenho para a sua efetivação. O primeiro objetivo é a definição e promoção de normas, princípios e direitos fundamentais do trabalho, depois está a necessidade de criar maiores oportunidades de emprego e renda decentes para homens e mulheres, já o terceiro objetivo é ligado ao empenho para melhorar a cobertura e a eficácia da proteção social para todos e, por último, há a necessidade de fortalecer o tripartismo e o diálogo social (OIT, 2020, online). Esses objetivos estratégicos podem ser entendidos com as bases fundantes e a própria conceituação de trabalho decente. De fato, os pilares são abrangentes, mas isso não retira a 27 fundamentalidade inerente a eles. O Direito Internacional, mecanismo mobilizado pela OIT, precisa atingir consensos, galgar o máximo de adesão dos países, respeitar margens de apreciação das normas pelas nações, também por esses motivos, não é comum que os documentos e agendas internacionais desçam em minúcias, pois situações desse tipo poderiam criar obstáculos e embaraços para a recepção do conteúdo dos textos. Assim, os quatro pilares do trabalho decente devem ser encarados com a mobilização do direito do trabalho e da teoria constitucional, para que possam gozar de maior efetividade (MERINO, 2011). Considerando justamente isso, no início desse trabalho foi realizada uma associação entre direitos do trabalho decente e comandos dispostos expressamente na CRFB/1988, análise que confere maior concretude aos direitos pleiteados, reduzindo o caráter meramente declaratório. Feitos esses apontamentos, imprescindível verificar com algum detalhe cada pilar inerente ao trabalho decente. Nesse sentido, o primeiro diz respeito à promoção de normas, princípios e direitos fundamentais do trabalho. Aqui, a luta é pela criação e efetivação de normas vocacionadas a assegurar a dignidade da pessoa humana, em todos os ambientes e de todos os modos, seja físico ou psíquico (MERINO, 2011). Não basta apenas que o ser humano viva, mas que tenha condições de desfrutar de padrões aceitáveis de permanência em sociedade. É por isso que merece rechaço os movimentos de exaltação de padrões paupérrimos de trabalho, a glorificação do trabalho infantil etc. Aqui e acolá, é possível ouvir ou ler em redes sociais, a exibição de pessoas em total precariedade laboral, mas exalta-se a condição para dizer que poderiam ter optado por uma vida de crimes, por exemplo e isso não fizeram. Outros, utilizam-se de exemplos de personalidades do meio empresarial que começaram a trabalhar cedo, para enaltecer e justificar o trabalho infantil. Há um claro equívoco. O que deve ser ressaltado é a criatividade, garra, determinação, vontade de vencer inerente aos brasileiros, mas isso nunca pode ser associado a um cenário de privação de liberdade, de restrição de direitos fundamentais, de vida sem dignidade, pois isso não é viver, mas sim, apenas passar pela vida. O contexto é propício para lembrar o poema "O Bicho", de Manuel Bandeira (1947): "vi ontem um bicho, na imundície do pátio, catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, não examinava nem cheirava: engolia com voracidade. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem". O que dizer desse homem reduzido a condição de bicho? Os que se valem de comparações com aquelas que foram colocadas no parágrafo anterior, possível que digam que é um ser que poderia estar 28 roubando ou furtando, mas segue firme na luta pelo seu alimento. Pelo contrário, é um ser sem garantia de qualquer direito, sem qualquer dignidade e, por isso, foi reduzido a condição de bicho, talvez nem ele próprio lembre que é gente. É esse cenário que a implementação dos pilares do trabalho decente pretende superar. Concluída a análise do primeiro objetivo, importante avançar para o segundo, que coloca a necessidade de criar maiores oportunidades de emprego e renda decentes para homens e mulheres. Nesse ponto, vale frisar que a OIT adota uma concepção ampliada de emprego, englobando os autônomos e informais, por exemplo, fato que é merecedor de algumas críticas. É que no atual momento histórico, não existe um movimento pela inserção de trabalhadores no âmbito da subordinação e da proteção, mas sim, ocorre um movimento inverso, pela redução da subordinação e da proteção legal, com ampliação da flexibilização, da desregulamentação, da desproteção (MERINO, 2011). É o que se vê com aqueles que laboram em aplicativos de entrega de alimentos ou de transportes de passageiros, por exemplo, e não é possível dizer que gozam de uma situação empregatícia estável e com direitos assegurados. O terceiro pilar proposto pela OIT na Agenda do Trabalho Decente, está ligado ao empenho para melhorar a cobertura e a eficácia da proteção social para todos. Aqui reverbera tudo que já foi debatido no tópico sobre a luta pela implementação dos direitos sociais, desde o período das revoluções industriais, caminhando até a Constituição Mexicana de 1917, seguida pela Constituição de Weimar de 1919, passando pelas constituições brasileiras anteriores, até chegar na CRFB/1988,com destaque para os direitos dos trabalhadores consagrados no artigo 7° do referido diploma constitucional. Válido mencionar mais uma vez a necessidade de se contrapor aos retrocessos nessa seara. No âmbito pátrio, por exemplo, importante considerar que os direitos sociais trabalhistas estão agasalhados como cláusulas pétreas, conforme o artigo 60, §4°, IV, da CRFB/1988. Superado esse ponto, surge o quarto e último pilar na Agenda do Trabalho Decente encampada pela OIT, vocacionado ao fortalecimento do tripartismo e ao imprescindível diálogo social. O tripartismo decorre da própria estrutura de atuação da OIT que, como já mencionada, é integrada por representantes dos governos, trabalhadores e empregadores dos países-membros, que atuam em condições de igualdade. A Organização acredita que esse mecanismo é uma das formas de construir o diálogo social pois, com a oitiva de todos, mesmo que pontos divergentes sejam abordados, é possível encontrar espaços para construir 29 convergências (MERINO, 2011). Crendo no empenho de todos os atores na pauta do trabalho decente, razoável imaginar a construção de convergências para atingir esse fim. As posições da OIT com relação à pauta do trabalho decente, encontram forte apoio em documentos anteriores, caso da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) de 1948, construída três anos depois da própria edificação da ONU, em 1945 (MENEZES, 2014). A referida Declaração, nos seus artigos 23° e 24°, discorre sobre direitos essenciais na seara trabalhistas, como a liberdade de escolha, condições de igualdade no trabalho, proteção contra o desemprego, salário igual por trabalho igual e, muito além disso, salário que garanta uma existência em consonância com a dignidade humana. Fora esses pontos, o documento ainda ressalta o direito à organização sindical, ao repouso, limitação razoável da duração do trabalho e férias remuneradas (ONU, 1948, online). A Declaração Universal de Direitos Humanos, em sua acepção técnica, é uma recomendação, conforme o artigo 10 da Carta da ONU, de 1945. Dessa forma, não há propriamente força cogente, vinculante, no documento (TIMÓTEO, 2013), sendo essa a visão mais tradicional. De forma mais moderna, é possível dizer que os direitos humanos não dependem de declaração, pois são decorrência da própria dignidade inerente a todo e qualquer ser humano. Na sequência, surge o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ambos de 1966. A divisão do texto em dois documentos, é uma decorrência das correntes ideológicas que dominavam o mundo naquela época, separado entre países capitalistas e socialistas (MENEZES, 2014). Era a velha “cortina de ferro” que dividia o globo entre nações ligadas à antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e países capitalistas comandados pelos Estados Unidos da América. O PIDCP (1966), ratificado pelo Brasil em 1992, dedica sete menções ao termo trabalho, concentradas no artigo 8 do seu texto, vedando a escravidão, tráfico de escravos, os trabalhos forçados, mas com várias ressalvas. Já o PIDESC (1966) utiliza o termo trabalho treze vezes, com referências concentradas no artigo 7º, que aborda a questão da remuneração sem distinção, com foco na proteção das mulheres, na existência decente, na segurança e higiene no trabalho, na igualdade de oportunidade, no descanso, na limitação de jornada. No mesmo texto, o artigo 8º trata da liberdade de atuação dos sindicatos, do direito de greve e o artigo 9º trata de reconhecer o direito à previdência social e ao seguro social. Muito antes disso, ainda no ano de 1926, foi aprovada a Convenção sobre Escravatura, instrumento emendado pelo Protocolo de 1953 e a 30 Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956, ratificada pelo Brasil em 1966, que coloca o compromisso de abolir completamente a escravidão. Esse documento, construído no contexto da Liga das Nações, no parágrafo 1º, do seu artigo 1º, coloca a escravidão como o estado ou condição de uma pessoa sobre o qual se exercem, de maneira total ou parcial, os atributos do direito de propriedade. Com relação ao trabalho forçado, o artigo 5º do texto autoriza a prática para fins públicos e compreende que deve existir um esforço para ser superada nas situações que não sejam públicas. Mas, pelo parágrafo 2º, do dito artigo 5º, é notório que o trabalho forçado aqui é diferente de escravidão e de condições análogas à escravidão, porque o documento ressalta que o trabalho forçado deve ser remunerado e não pode ocorrer mudança do lugar habitual de residência do trabalhador (TIMÓTEO, 2013). Com isso, é evidente que existem diferenças terminológicas, com implicação direta na natureza jurídica de cada instituto e, consequentemente, na obrigação imposta aos estados-membros. Conectando com esse arcabouço normativo, em 1930 foi aprovada a Convenção de n° 29 da OIT, incorporada ao Brasil em 1957, sobre trabalho forçado ou obrigatório, que no seu artigo 1 ordenava que a ratificação da dita Convenção implicava em compromisso para suprimir o emprego do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas formas no mais curto prazo possível (OIT, 1957, online). No item 1 do artigo 2, o documento supramencionado apresenta importante conceituação, definindo trabalho forçado ou obrigatório como “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade” (OIT, 1957, online). Esse instrumento normativo, apesar de buscar abolir todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, estabelece um período de transição. Ainda, possibilitou a realização desse tipo de trabalho em hipóteses fixadas e dentro de balizas determinadas (TIMÓTEO, 2013). Em continuidade, a Convenção 105, de 1957, incorporada ao Brasil em 1965, também da OIT, dispõe sobre a abolição do trabalho forçado, reforçando o compromisso na superação dessa prática. É possível dizer que o texto dessa Convenção é mais rígido, mais inflexível, com relação ao compromisso de superar o trabalho forçado. Aqui, não existem ressalvas aparentes, visto que o compromisso do país que ratificar a Convenção é para abolir de forma imediata e completa o trabalho forçado ou obrigatório. Nesse documento, não existem períodos de transição, ressalvas, autorizações especiais ou congêneres, o que há é a mais ampla condenação a todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório (TIMÓTEO, 2013). 31 Isso não significa que os documentos anteriores mereçam críticas severas, porque cada um foi progressista, inovador e vanguardista dentro do seu período histórico. Embora as duas convenções mencionadas nos parágrafos anteriores sejam semelhantes, o conteúdo da segunda é mais arrojado, isso já ficou evidenciado, pois se preocupa com a adequação da legislação nacional às circunstâncias do trabalho forçado presente em cada contexto, de forma que a tipificação contemple particularidades econômicas, sociais e culturais (BRASIL, 2011a, online). Fora isso, a Convenção n° 105, da OIT, deixa claro que a legislação deve prever sanções realmente eficazes para o combate a odiosa prática do trabalho forçado. Como já foi dito, até para a própria aceitação dos documentos internacionais, é importante que contemplem razoável margem para implementação pelos países, visto a singularidade de cada nação que integra a OIT, também por isso, possível compreender as razões da Convenção n° 105. Ainda, merece menção a Convenção n° 189, da OIT, em vigor no Brasil desde o dia 31 de janeiro de 2019, que aborda importante temática do trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos. Aqui, para tentar superar a desigualdade e dificuldade histórica de construir políticas públicas para esse grupo, foi aprovada a EmendaConstitucional n° 72/2013, que estendeu aos trabalhadores domésticos uma série de direitos dispostos no art. 7°, da CRFB/1988. Sobre o tema, é didático o filme “Que horas ela volta?”. Numa das cenas a patroa informa que a filha da empregada (interpretada Regina Casé) não pode mergulhar porque caiu um rato na piscina, que precisou ser esvaziada. Era mentira. A patroa apenas não queria ver a jovem ocupando aquele espaço. Quantas mentiras foram inventadas ao longo da história para negar os direitos dessa classe? Há de se acrescentar à lista de documentos internacionais já citados e singularmente importantes, o denominado “Protocolo do Tráfico”, de 2003, incorporado ao Brasil em 2004, um instrumento adicional à Convenção da ONU contra o crime organizado transnacional, que estabelece a necessidade de tipificação criminal para o tráfico de pessoas voltado a qualquer forma de exploração sexual. Por fim, existe um instrumento regional relevante na temática: a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, incorporado ao Brasil em 1992. Por esse instrumento, os países signatários assumiram o compromisso de reprimir a servidão e a escravidão em todas as suas formas (BRASIL, 2011a, online). 32 2.4 Estratégias para efetivação do trabalho decente e os compromissos assumidos pelo Brasil Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) foram estabelecidos pela ONU em 2000, com o apoio de 191 países, podendo ser sintetizados em oito metas básicas, quais sejam: acabar a fome e a miséria (meta 1), viabilizar educação básica para todos (meta 2), assegurar igualdade entre sexos e valorização da mulher (meta 3), reduzir a mortalidade infantil (meta 4), melhorar a saúde das gestantes (meta 5), combater AIDS, malária e outras doenças (meta 6), garantir qualidade de vida e respeito ao meio ambiente (meta 7) e fomentar o trabalho de todos rumo ao desenvolvimento (meta 8) (O BRASIL..., [2006], online). A partir do estabelecimento dos ODM é que muitos países foram trabalhar na criação de estratégias nacionais e de estatísticas para implementar e avaliar o cumprimento das metas, que apresentou como limite para alcance, o ano de 2015. Nesse cenário de mobilização global para o atingimento dos ODM é que reside a sua fortaleza, por ter pautado questões como miséria, mortalidade infantil etc. no cenário internacional, pondo luz nos problemas e em possíveis soluções. Ainda, há que considerar o sucesso político dos ODM, tendo em vista a ampla promoção da ONU na área social, que o órgão não detinha até então. Os estudiosos da área também aprofundam críticas aos ODM, por exemplo, questionando como o órgão chegou nas oito metas, apontando que não existe clareza nesse sentido e que critérios políticos podem ter sido utilizados (MIBIELLI; BARCELLOS, 2014). Indaga-se como produzir e monitorar uma grande quantidade de indicadores (MIBIELLI; BARCELLOS, 2014), que no caso dos ODM são cerca de 60 (sessenta), considerando que cada meta apresenta seus desdobramentos. As críticas são lançadas aqui apenas para que o leitor perceba o conteúdo que está sendo debatido sem romantismos e idealizações, mas como esse não é o objetivo central do trabalho, vale prosseguir para a análise seguinte. Embora os ODM, genericamente, não abordem a questão do trabalho decente, fato é que a implementação de muitas metas pressupõe melhora no ambiente laboral, caso da meta 1, que discorre sobre a superação da fome e da miséria. Impossível o seu atingimento sem a inserção de pessoas no mercado formal e a superação do trabalho em condições análogas à escravidão, por exemplo. No caso do Brasil, durante o período de implementação dos ODM, o país logrou uma série de avanços na área social, como o fato de ter reduzido a pobreza extrema em 75% (setenta e cinco por cento) entre 2001 e 2012 (UOL, 2014, online). Dado o prazo dos ODM, a 33 Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável entendeu por estabelecer os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mecanismo com a função de suceder e atualizar os ODM, com prazo já findado (BRASIL, [2012], online). Esse novo instrumento paradigma para nortear a ação dos países é composto por 17 (dezessete) objetivos, que estão todos integrados na vertente social, econômica e ambiental. Além disso, são indivisíveis, ou seja, não basta comemorar o atingimento de um objetivo, se os outros dezesseis ainda estão pendentes. O sucesso só ocorrerá verdadeiramente quando todos os objetivos forem implementados, porque contemplam as diversas facetas para garantir uma vivência humana com dignidade. Os 17 ODS estão relacionados com a erradicação da pobreza (1), zerar a fome e estimular a agricultura sustentável (2), garantir saúde (3), educação de qualidade (4) e igualdade de gênero (5). Há ainda o acesso à água potável e saneamento (6), à utilização de energia limpa e acessível (7), o trabalho decente e crescimento econômico (8), o estímulo à indústria, inovação e infraestrutura (9), a redução das desigualdades (10). Também é mencionado o desenvolvimento de cidades e comunidades sustentáveis (11), o consumo e a produção responsáveis (12), a ação contra mudanças globais no clima (13), a vida na água (14) e na terra (15). Por fim, os dois últimos objetivos dizem respeito a luta pela paz, justiça e por instituições eficazes (16) e a criação de parcerias e meios de implementação de todas as metas listadas (17) (PLATAFORMA AGENDA 2030, online). No caso dos ODS, há expressa menção ao trabalho cumulado com o crescimento econômico, materializado no oitavo objetivo. Isso é mais um sinal da relevância que tem ganhado a pauta do trabalho decente no cenário internacional, tornando urgente a erradicação do trabalho forçado e de todas as formas de trabalho em condições análogas à escravidão, o tráfico de seres humanos etc. Ainda com relação a esse objetivo, é fato que a desigualdade de renda e de oportunidades acaba por travar o necessário desenvolvimento econômico, consequentemente, o desenvolvimento sustentável (PLATAFORMA AGENDA 2030, online) e ainda por isso é necessário que a pauta do trabalho decente se imponha, assegurando novas e boas expectativas aos trabalhadores e dignas condições de vida. Feita essa abordagem ampla, necessário apresentar o contexto nacional, demonstrando como o Brasil se adequa aos ODS, em especial, ao oitavo objetivo, sobre trabalho decente e desenvolvimento econômico. Nesse sentido, com contribuições de 27 (vinte e sete) ministérios e de diversos outros atores sociais, conectados ao Grupo de Trabalho Interministerial sobre a Agenda Pós-2015, foi elaborado o documento "Negociações da Agenda de Desenvolvimento pós-2015: 34 elementos orientadores da posição brasileira", para orientar os negociadores brasileiros nos debates do Grupo de Trabalho Aberto sobre ODS (GAT-ODS), no contexto da Assembleia- Geral da ONU, com atividades concluídas em meados de 2014. No que concerne ao tópico sobre crescimento econômico e emprego, o documento do Brasil ressalta que, até 2030, pretende atingir emprego decente e produtivo para todos, incluindo os jovens, os afrodescendentes, as mulheres, as pessoas com deficiência e os migrantes, respeitando padrões mínimos de remuneração (BRASIL, 2014b, online). Na faixa etária de 18 (dezoito) até 24 (vinte e quatro) anos, o desemprego no segundo trimestre de 2020 atingiu 29,7%, porcentagem que supera os indicadores do primeiro trimestre do ano, quando a taxa de desemprego no mesmo grupo era de 27,1% (FERRARI, 2020). Percebe-se que, antes mesmo da declaração de pandemia da COVID-19, realizada em 11 de março de 2020, o cenário de empregabilidade para a juventude já não era favorável. Portanto, dez anos antes do prazo sugerido pelo Brasil, há muito o que ser feito para reduzir a ociosidade dos jovens, sem mencionaroutros segmentos populacionais. Pelo documento já mencionado, o país ainda se compromete a atingir igualdade de salários e de condições de trabalho entre homens e mulheres até 2030 (BRASIL, 2014b, online). Como já foi apresentado no primeiro tópico desse capítulo, ainda há forte discrepância salarial entre gêneros, fora isso, mulheres exercem dupla ou tripla jornada de trabalho, tendo que cuidar do vínculo formal, da residência da família e dos filhos. Prosseguindo na análise do mesmo documento, há o comprometimento de, até o ano de 2020, reduzir pela metade a proporção de jovens que não trabalham e/ou não estudam (BRASIL, 2014b, online). A pandemia da COVID-19, além de obstar a entrada de muitos jovens no mercado de trabalho formal, criou diversos entraves educacionais. Com as medidas de isolamento social impostas para conter o novo coronavírus, as escolas foram obrigadas a fechar suas atividades presenciais, sendo que no sistema público ocorreu uma dificuldade para o acompanhamento escolar de maneira remota, tanto pela ausência de infraestrutura das escolas, quanto pela desconexão dos jovens, sem aparelhos tecnológicos adequados e sem conexão razoável com a internet (SANTOS, 2020). Esse cenário adverso tem desestimulado os estudantes, muitos pensam em não mais realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) ou mesmo abandonar os estudos, ampliando a evasão escolar (IDOETA, 2020). O documento "Negociações da Agenda de Desenvolvimento pós-2015: elementos orientadores da posição brasileira", ainda no contexto de desenvolvimento econômico e emprego, destaca que uma das diretrizes é o apoio aos microempreendedores (BRASIL, 35 2014b, online). Esse grupo necessita ser fomentado, estimulado e formalizado, para que possam gozar de direitos previdenciários básicos. Durante a pandemia da COVID-19, o número de microempreendedores que viraram Microempreendedores Individuais (MEI), já passou de 600 mil (VIALLI, 2020). Um sinal de que empreendedores antigos se formalizaram e outros entraram para essa atividade, em consequência da perda do emprego fixo (VIALLI, 2020), dado que deixa cada vez mais em evidência a necessidade de apoio para esse ramo da atividade econômica. Aliado a essa perspectiva, o documento ressalta a necessidade de fortalecer e expandir o cooperativismo (BRASIL, 2014b, online). Dentro do ponto central desse trabalho, o documento supramencionado coloca a meta de erradicação das piores formas de trabalho infantil para 2016, a erradicação do trabalho infantil no geral para 2020, e até 2030 como marco para o fim do trabalho em condições análogas à escravidão (BRASIL, 2014b, online). Com relação ao trabalho infantil, no primeiro tópico desse capítulo foi visto que essa prática ainda persiste. Sobre o trabalho em condições análogas à escravidão, existe o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, responsável pelo resgate de mais de 50 mil trabalhadores até hoje (RBA, 2020, online). Na atualidade, essa política pública de excelência sofre com a redução no número de auditores fiscais do trabalho e com a extrema verticalização das atividades no setor público, que dificulta o diálogo dos agentes engajados na pauta de combate ao trabalho em condições análogas à escravidão (AGÊNCIA BRASIL, 2019, online). Fora isso, há também a chamada Lista Suja do Trabalho Escravo, que será analisada mais adiante. O documento assinala a necessidade de proteger e garantir direitos trabalhistas contra a precarização (BRASIL, 2014b, online). Pelas informações colocadas até o momento, considerando a Reforma Trabalhista e a inserção do Brasil na lista dos dez piores países do mundo para a classe trabalhadora (BRASIL, 2019a, online), vê-se que há muito a ser feito para proteger os direitos trabalhistas. O documento em extensa análise menciona que deve existir maior eficiência dos recursos na seara econômica, coloca a importância da promoção de capacitação e reinserção dos trabalhadores maiores de 40 (quarenta) anos de idade, com facilitação do crédito para estimular o empreendedorismo entre idosos. Ainda, acerta ao dispor sobre a inclusão financeira, com foco nos vulneráveis (BRASIL, 2014b, online). A pandemia da COVID-19, uma vez mais, evidenciou a necessidade de inclusão financeira e bancária, visto que milhões de brasileiros sequer dispunham de uma conta para receber o Auxílio Emergencial do Governo Federal. 36 O texto do documento "Negociações da Agenda de Desenvolvimento pós-2015: elementos orientadores da posição brasileira", expressa a necessidade de criação de políticas de transição da educação para o trabalho. Na sequência, estabelece o ano de 2030 como marco para a criação de novos modelos de mensuração do capital, no âmbito da ONU, para além do Produto Interno Bruto (PIB), modelos que considerem o capital social, humano e ambiental (BRASIL, 2014b, online). Nesse ponto, vale citar o índice de Felicidade Interna Bruta (FIB), desenvolvido no Butão, embora alguns questionem essa metodologia, ela é válida enquanto crítica ao modelo tradicional, focado no capital, no financeiro, no dinheiro. O índice de FIB aponta para a necessidade de criação de modelos centrados no ser humano, na dignidade da pessoa humana, na qualidade de vida. O documento elaborado pelo Brasil contempla a ampliação da formação profissional, com atenção para os grupos afrodescendentes, inclusive por meio de reserva de vagas; destaca a importância de ampliar a contribuição da agricultura familiar na geração de emprego e de renda; evidencia a necessidade de melhorar a regulamentação dos mercados e instituições financeiras globais; e, por último, o documento assevera que é importante assegurar força aos países em desenvolvimento na tomada de decisões nas instituições econômicas e financeiras internacionais globais (BRASIL, 2014b, online). De fato, esse não deixa de ser um aspecto estratégico, porque em muitas situações as instituições financeiras globais impõem diretrizes aos países em desenvolvimento, com repercussão nos níveis de emprego, na qualidade deles, por consequência, no trabalho decente. Diante desse contexto, é evidente a necessidade de criação e ampliação de políticas públicas, de conscientização de empregadores e trabalhadores, com o fim de assegurar um trabalho verdadeiramente decente. O trabalho é o instrumento de concretização do projeto de vida de cada ser humano, do trabalho decorre a realização profissional e pessoal. O trabalho também é instrumento de concretização de um projeto de sociedade, sendo que, a forma como é trabalho é visto e valorizado, diz muito sobre a sociedade que temos e a que queremos. Por isso, seja na seara individual ou coletiva, imprescindível que os trabalhadores gozem dos direitos sociais trabalhistas e implementem direitos ao seu arcabouço jurídico. Direitos esses que são pautados pelos países, por organizações internacionais, caso da OIT, e por diversos outros mecanismos de fomento, estímulo e fiscalização do trabalho decente. Além disso, o trabalho decente agora se insere em um amplo esforço de concretização dos 17 ODS, que são integrados e indivisíveis, ou seja, como já mencionado, se apenas a meta de lograr um trabalho decente até 2030 não for atingida, os outros 16 ODS estarão 37 comprometidos em sua capacidade de concretização. A bandeira do trabalho decente está intrinsecamente relacionada ao combate ao trabalho em condições análogas à escravidão, que vitima pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica, com diversas modalidades e um perfil que, em alguns aspectos, é semelhante ao dos antigos escravos existentes até o fim do período imperial. Essa prática odiosa, além de ser reprimida de maneira internacional, como foi destacado no terceiro tópico desse capítulo, apresenta nuances próprias no ordenamento jurídico nacional. Por tudo isso, antes de analisar o caso dos trabalhadoresna microrregião do Vale do Açu, imprescindível conhecer todos esses aspectos do trabalho em condições análogas à escravidão, sendo este o objetivo do próximo capítulo. 38 3 A REALIDADE SOCIOJURÍDICA DO TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO NO BRASIL No capítulo anterior discutiu-se a conceituação do trabalho decente, com várias de suas nuances e direitos que podem ser abrangidos por esse conceito. Também foi visto como o debate sobre o trabalho decente avança no contexto dos direitos classificados como de segunda dimensão ou sociais, com destaque para o papel de documentos e organismos internacionais, caso da OIT. O capítulo em comento ainda discorreu sobre a necessidade de efetivação de políticas pública para o trabalho decente. E há toda essa necessidade, visto que vigoram velhas práticas que colidem com a noção do que é um labor decente, caso do trabalho análogo à escravidão, dentre outras nomenclaturas, também denominado como trabalho escravo contemporâneo, neoescravidão e escravidão moderna. A prática do trabalho análogo à escravidão segue como uma das preocupações do mundo contemporâneo. Forma de exploração silenciosa e muitas vezes de difícil identificação, o trabalho análogo à escravidão apresenta características diversas daquelas de outrora, como a proibição legal e a questão étnica, que atualmente é pouco relevante (REPÓTER BRASIL, online). Sinal dessas novas características, é que para a OIT (online), em que pese o trabalho forçado afete todos os grupos populacionais, existem grupos mais vulneráveis, tais como mulheres e meninas e pessoas que migram dentro do próprio país ou internacionalmente, comprovando que são novos e diversos os fatores de vulnerabilidade. Diante disso, vê-se que as vítimas estão em grupos minoritários e socialmente excluídos, situação que torna evidente a necessidade de ampliar o debate sobre o trabalho análogo à escravidão. Em outra frente, imprescindível debater a reincidência do trabalho análogo ao escravo porque, apesar dos esforços dos atores institucionais envolvidos, a OIT estima que 20,9 milhões de pessoas são vítimas de trabalho forçado em todo o mundo, dessa forma, cerca de três a cada 1.000 pessoas da população mundial estão sendo escravizadas (OIT, online). A Walk Free Foundation, por sua vez, em parceria com a OIT e a Organização Internacional para as Imigrações, estima que 40,3 milhões de pessoas eram vítimas de alguma escravidão moderna em 2016 (NUNES, 2018, online). Para compreender o tema, neste capítulo será abordado os aspectos da antiga e atual escravidão e a sua relevância no contexto social e jurídico, bem como, as diversas formas do trabalho análogo à escravidão e o tratamento oferecido pelo sistema jurídico brasileiro. 39 3.1 As vulnerabilidades sociais e econômicas enquanto conceito e razão para permanência do trabalho análogo à escravidão Antes de adentrar no conceito de trabalho análogo à escravidão, importante esclarecer a diferença entre as denominações utilizadas para falar sobre o assunto. A OIT, em suas convenções nº 29 (OIT, 1930) e nº 105 (OIT, 1957), utiliza a expressão “trabalho forçado ou obrigatório”. Frise-se que a Convenção 29 (OIT, 1930) permitia o trabalho forçado nos casos em que fosse exigido como consequência de condenação judicial, quando integrasse parte das obrigações cívicas normais de um cidadão, em virtude das leis sobre serviço militar obrigatório e puramente militar, nos casos de força maior; e pequenos trabalhos executados no interesse direto da coletividade. A ONU (1948), em sua DUDH, utilizou o termo “escravatura” e “servidão”, prevendo que nenhuma pessoa será mantida em escravatura ou servidão, sendo proibidos todas as suas formas, mas sem estabelecer conceituação. O Código Penal (CP), de 1940, utiliza a denominação “condição análoga à de escravo”, prevendo várias situações que se enquadram no termo, tais como: trabalho forçado, trabalho com jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e trabalho por dívidas, (BRASIL, 1940). Ainda, a ONU (1966), no PIDCP, utilizou o termo “escravidão”, “tráfico de escravos” e “servidão”, prevendo que ninguém será submetido à escravidão e à servidão, bem como que ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios. A Organização dos Estados Americanos (1969), na Convenção Americana de Direitos Humanos, dispôs que ninguém será submetido a escravidão ou a servidão e vetou o tráfico de escravos e de mulheres. Esse documento, assim como a Convenção 29 e o PIDCP, permitiu que algumas situações não fossem consideradas como trabalho forçado ou obrigatório. Na sequência cronológica, o Estatuto de Roma, responsável pela criação do Tribunal Penal Internacional (BRASIL, 2002, online), utilizou a denominação “escravidão”, afirmando que é o exercício de um poder ou conjunto de poderes que traduzem um direito de propriedade sobre pessoa, incluindo o exercício desse poder no tráfico de pessoas, de maneira particular a mulheres e crianças, considerando a escravidão como “crime contra a humanidade”. Prosseguindo agora numa análise doutrinária, segundo Andrade e Barros (2013), como não é a mesma modalidade de escravidão que ocorria na antiguidade, o termo “escravidão” passa a ser acrescido de expressões como semi, branca, contemporânea, por 40 dívida, condição análoga e trabalho forçado (sendo este mais abrangente, incluindo outras modalidades de trabalhos involuntários). Ainda na dicção do autor, houve mudança na utilização dos termos segundo as entidades governamentais em cada tempo político. No governo de Fernando Henrique, utilizou-se o termo “trabalho forçado”, com a criação do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado. No governo de Lula, foi utilizada a denominação “trabalho escravo”, com a criação do Programa Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. No governo Dilma não houve mudanças na política anteriormente delineada no que concerne às ações desenvolvidas no então Ministério do Trabalho e Emprego. A Presidenta assumiu o compromisso de priorizar a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 438/2001, conhecida também como a “PEC do trabalho escravo”, que alterou a redação do artigo 243 da CRFB/88, possibilitando a expropriação de terras rurais e urbanas onde for localizado a exploração do trabalho escravo (BRANDÃO; ROCHA, 2013). A PEC, depois de aprovada, foi promulgada e inserida no texto constitucional pela Emenda Constitucional n° 81/2014, mas ainda carece de regulamentação (BRASIL, 2014a, online). Nota-se assim, que o termo utilizado no governo Dilma Rousseff continuou sendo “trabalho escravo”. O governo de Michel Temer utilizou o termo “escravidão”, mas trabalhou no sentido de um retrocesso. A Portaria 1.129 de 13 de outubro de 2017 restringia a definição de escravidão, dificultando o combate a essa prática, uma vez que contrariava o que estava disposto na CRFB/1988, no Código Penal e em definições internacionais (SCHREIBER, 2017). Em dezembro de 2017, o governo recuou e editou regras mais duras sobre o “trabalho análogo à escravidão” (BOGHOSSIAN; URIBE, 2017). A título exemplificativo da visão desse governo, em seu primeiro pronunciamento como presidente em exercício, Michel Temer sentenciou: 'Não fale em crise; trabalhe' (CASTRO, 2016), o que pode ser lido como uma noção de que os trabalhadores devem silenciar frentes aos desmandos e apenas trabalhar, aceitar ser explorado. O governo Bolsonaro, por sua vez, sustenta a posição de que a linha que separa o “trabalho escravo” do “trabalho análogo à escravidão” é muito tênue. Para Jair Bolsonaro, deve haver a aprovação de uma mudança legal para deixar mais evidente a diferença entre trabalho escravo e trabalho análogo à escravidão. Assim, nota-se que o governo utiliza os dois termos, inclusive, requerendo que haja uma maior diferenciação entre eles(VILELA, 2019). Ainda, para Bolsonaro, essas novas definições são importantes para que o empregador tenha confiança de que as condições de trabalho que oferece aos seus trabalhadores não sejam 41 inseridas como análogas à escravidão (AMATO, 2019). A declaração preocupa, já que é conhecida a visão de Bolsonaro no sentido de que a redução dos direitos dos trabalhadores pode implicar em um cenário positivo de maior empregabilidade (SAKAMOTO, 2020). Nota-se que há divergências sobre a nomenclatura utilizada, com variações de acordo com os interesses e posição política dominante em cada época. Conforme Neide Esterci (2008), as classificações são feitas de acordo com o contexto, com as posições dos diversos atores e com seus critérios, sendo mais provável que entidades que defendem os direitos humanos, representantes de organizações de trabalhadores e trabalhadoras, e seus advogados concordem com uma nomenclatura e uma definição entre si, bem como quanto à caracterização e o enquadramento legal de uma determinada situação. Mais que isso, a constante mudança de nomenclatura no âmbito político, pode ser o reflexo de descontinuidade nas políticas públicas, prejudicial para a superação do trabalho análogo à escravidão. Importante consignar que não se trata de uma análise dos governos no combate ao trabalho análogo à escravidão, mas somente de uma abordagem sobre a denominação usada em suas atuações. Para efeitos deste trabalho, como é possível perceber, a opção adotada é pelo emprego da expressão “trabalho análogo à escravidão”, por ser ela a mais abrangente e com capacidade de englobar diversas facetas dessa prática. Assim, feita a exposição dos termos utilizados, o avanço do tratamento do tema em diversos instrumentos internacionais e a escolha dos vocábulos pelos recentes governos, vale agora conceituar, de fato, o trabalho análogo à escravidão e suas variáveis. Nesse sentido, em que pese tenha ocorrido a abolição formal do trabalho escravo, isto não representou um impedimento para que a prática da escravidão perdurasse no tempo até os dias atuais. Contudo, não se pode dizer que o trabalho análogo à escravidão ocorre no mesmo modus operandi em que vigorou o trabalho escravo como visto nos livros de história, embora existam semelhanças entre suas formas. Segundo Bales (2005), dentre tantos aspectos, destaca-se que a escravidão era legal, enquanto o trabalho análogo à escravidão é ilegal, a escravidão antiga tinha como principais fatores de vulnerabilidade as diferenças étnicas e religiosas, enquanto na escravidão contemporânea a situação econômica é o principal fator de vulnerabilidade. Além das diferenças supramencionadas, segundo o Repórter Brasil (online), o custo de aquisição de mão de obra na antiga escravidão era alto, enquanto no trabalho análogo à escravidão o custo é muito baixo, pois não há compra dos seres humanos, muitas vezes só o gasto com o transporte. No que concerne aos lucros, na antiga escravidão eram baixos, uma 42 vez que havia custos com a manutenção dos escravos, enquanto na nova escravidão, os lucros são altos, pois, se alguém fica doente, pode ser demitido sem receber qualquer direito. Na escravidão antiga a mão de obra era escassa, pois dependia do tráfico negreiro, prisão de índios ou reprodução, enquanto no trabalho análogo ao escravo, a mão de obra é descartável, tendo em vista o grande número de pessoas desempregadas. Ainda segundo o Repórter Brasil (online), o relacionamento na antiga escravidão perdurava por um longo período, durante toda a vida do escravo, chegando até aos seus descendentes. O relacionamento no trabalho análogo à escravidão é de curto período, durando até o término do serviço, quando às vítimas são descartadas sem direitos e os patrões seguem sem ônus. Para manter a ordem, na escravidão antiga utilizava-se ameaças, coerção física, punições e até assassinatos, o pelourinho estava sempre ao centro para expor o escravo castigado e servir de exemplo aos demais. No trabalho análogo à escravidão, a manutenção da ordem continua a mesma, impondo-se pela violência, pela lei do mais forte, pela lei do silêncio. Como já dito, as características do trabalho análogo à escravidão são sutis. Percebe- se que ao falar sobre “escravidão”, a imagem imediata é de privação de liberdade, senzalas, grilhões, como exibido pelas novelas e filmes de época. Entretanto, se for considerada a escravidão somente nesses casos, em pouquíssimas ocasiões haveria a configuração do trabalho análogo à escravidão. É necessário analisar o problema sobre outro enfoque, uma vez que houve evolução na sociedade e consequente evolução na concepção de trabalho escravo (HADDAD, 2013), não sendo mais imprescindível, para se atingir o conceito do trabalho análogo à escravidão, a restrição de liberdade de ir e vir, bastando, tão somente, a afronta aos direitos humanos (ANJOS, 2014). Em que pese as diferenças já elencadas, o trabalho análogo à escravidão guarda relações com a escravidão colonial e do Brasil Império, uma vez que a vulnerabilidade econômica e social tem raízes históricas. Depois da abolição da escravatura, os libertos continuavam em situação de extrema pobreza, fazendo com que aceitassem trabalhos com condições precárias e insalubres (BARBOSA, 2017). Hoje, apesar das diferenças étnicas não serem mais fundamentais, segundo o Repórter Brasil (online), há uma grande incidência de afrodescendentes entre as pessoas que são libertadas do trabalho análogo à escravidão. Além disso, o histórico de desigualdade da população negra não foi alterado, haja vista que dos 13,5 milhões de brasileiros vivendo em extrema pobreza, 75% são pretos (BÔAS, 2019). 43 Dentro dessa realidade, a escravidão contemporânea é movida por interesses escusos e mesquinhos, com o intento de ampliar de maneira abusiva os lucros e ganhos às custas do trabalhador explorado, embora o trabalhador em si não integre o patrimônio do patrão. Tanto na escravidão moderna quanto na escravidão antiga, o detentor do poder econômico não se importa com a condição humana do trabalhador (SENTO-SÉ, 2000). Como no filme “O Poço” (2019), dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, quem está nos andares de cima, alimenta- se de tudo, deixando famintas as pessoas dos andares de baixo, mas se cada um comer apenas o necessário, a refeição será servida para todos. A metáfora se aplica na realidade econômica, considerando que é possível obter ganhos razoáveis e preservar os direitos dos trabalhadores, sem acumular tudo para si. A busca pela “mão de obra zero”, pelo custo zero do trabalhador, é o motivo da exploração do trabalho análogo à escravidão, uma vez que o pleito é por maximizar o lucro do mercado, estando à frente das empresas, dos concorrentes, que cumprem com a legislação em vigor (PLASSAT, 2017). Ao submeter um trabalhador ao trabalho forçado ou à jornada exaustiva, extrai-se uma maior prestação laboral, além do que seria normalmente despendido por ele, ultrapassando os limites físicos moderados do trabalhador e, por sua vez, representando um maior lucro ao empregador, tendo em vista que se paga por uma prestação de serviço de baixo custo (HADDAD, 2013). Na relação capitalista, naturalmente o trabalho já gera mais-valia ao empregador, quiçá quando descumpre o arcabouço normativo posto. O trabalho análogo à escravidão está sustentado por três pilares, qual seja o modelo econômico que tem como seu único critério a ganância, o trabalhador, que para não ficar sem serviço, busca um trabalho miserável e a impunidade (PLASSAT, 2007). Como coadjuvantes, Plassat (2017) menciona a discriminação, preconceito, corrupção, exclusão, insegurança e violência. Em sentido complementar, para Kant (2011), o ser humano não é dotado de preço, mas sim de dignidade, um atributo que não pode sê-lo, ou seja, o que possui dignidade não pode ser substituídoou comparado. O trabalho análogo à escravidão retira a dignidade das pessoas, as transformando em coisas. Dessa forma, o trabalhador sem dignidade passa a ter um preço e um preço extremamente baixo. Plassat (2017) afirma que para muitos empregadores, contratar alguém é conceder um favor, ou seja, no plano cultural, ideológico, há a naturalização da relação desigual, de um lado o opressor, de outro, o trabalhador, que é sinônimo de oprimido. Também é ilustrativo dessa situação a fala de João Grilo, personagem da obra “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna (1999), quando afirma que vivem querendo que pobre não tenha defeito e 44 que é exigido tanta qualidade para empregar alguém, que ele não conhece um patrão que tenha condições de ser empregado. Nota-se, assim, que de fato o ato de empregar mais parece um favor do que uma via de mão dupla, em que o empregado fornece seu serviço e recebe a contraprestação. Vale destacar que muitos empregados também assim consideram essa relação e, por vezes, deixam de procurar a tutela de seus direitos depois do fim do vínculo, por considerarem que têm uma dívida de gratidão com o padrão, por ter disponibilizado o posto de trabalho quando necessitou. No trabalho análogo à escravidão, ao contrário do que dispõe Kant, o trabalhador é tratado como mercadoria, apesar de não ter recibo (MELO, 2017). Sabe-se que os trabalhadores são humanos, portanto, tendo como finalidade a dignidade, ínsita ao seu ser, não o valor. Ainda, como na canção intitulada de “Gente” (1983), do renomado Caetano Veloso, “gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”. Não há que se falar em liberdade de contratar nesses casos, uma vez que o trabalhador é humilhado, transformado em coisa, brutalizado, sem a mínima condição de romper o contrato de trabalho (MELO, 2017). Não há consentimento do trabalhador e se há, o consentimento é viciado, haja vista a sua vulnerabilidade social, econômica, cultural e a impossibilidade de poder, a qualquer tempo, desistir do trabalho, como é devido conforme as diretrizes norteadoras do trabalho decente. Nota-se, portanto, que o trabalho análogo à escravidão é o exercício do trabalho humano, com restrições em qualquer forma à liberdade do trabalhador e/ou quando não há respeito aos direitos mínimos para o resguardo à sua dignidade (BRITO FILHO, 2016). Segundo a OIT (2002), o controle abusivo de uma pessoa sobre outra é a antítese do trabalho decente. Na mesma linha, Barbosa (2017) leciona que o trabalho análogo à escravidão é o oposto do trabalho decente, sendo considerado como uma das piores formas de violação dos direitos fundamentais e de exploração do ser humano. É definido, ainda, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) como o estado ou condição de uma pessoa em que se observe um dos atributos relacionados ao direito de propriedade (CIDH, 2016). Observe-se que todos os atributos da propriedade eram exercidos pelos senhores em relação aos seus escravos, no caso do trabalho análogo à escravidão basta apenas um desses atributos, que implica em progressiva perda de liberdade. A CIDH (2016) considera como atributos do direito de propriedade a restrição ou controle da autonomia individual, a restrição ou perda da liberdade de movimento da pessoa, benefício do perpetrador, ausência de consentimento da vítima ou ausência do livre arbítrio, 45 impossibilidade ou irrelevância do consentimento devido o uso de violência, ameaça ou outras formas de coerção, medo de violência, falsas promessas ou fraude, uso de violência física ou psicológica, posição de vulnerabilidade da vítima; detenção ou cativeiro; e exploração do trabalhador. Faz-se mister mencionar que esse rol foi apresentado no “Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil”, que resultou na primeira condenação do país na jurisdição contenciosa da CIDH pela existência de trabalho escravo no território nacional (PAIVA; HEEMANN, 2017). Portanto, além da conceituação e das diferenças e semelhanças entre a nova e antiga escravidão, restou demonstrado que o critério racial deixou de ser preponderante, em que pese o afrodescendente esteja, na maioria das vezes, abrangido pelo critério de vulnerabilidade econômica e social. A partir de tal vulnerabilidade, materializada pela pobreza extrema e analfabetismo, o trabalhador sem chances de êxito no mercado de trabalho, vê como opção aceitar condições indignas de trabalho, com coerção, violência física e psíquica, violação à legislação trabalhista e penal, constrangimento físico e moral, jornadas exaustivas e impedimento para livre deslocamento. 3.2 Do sexo masculino, preto, pobre, jovem e analfabeto: o perfil da vítima do trabalho análogo à escravidão Superado o debate sobre a conceituação do trabalho análogo à escravidão e visualizado o cenário de vulnerabilidade social e econômica das pessoas nessa condição, necessário analisar o perfil mais detalhado dessas vítimas. Nesse sentido, a conversão de homens e mulheres formalmente iguais e livres em pessoas cativas ocorre de maneira distinta de como ocorria outrora (MENDES, 2013), até a assinatura da Lei Aurea pela Princesa Isabel. Como já debatido, o critério racial deixou de ser um requisito e os escravos contemporâneos passaram a ser os integrantes das classes mais oprimidas da população, ainda muito permeadas por pessoas negras, considerando o histórico de desigualdade que aflige esse grupo. Fato é que apesar dos avanços, em 2015, 70% da população negra brasileira ainda estava inserida em situação de grande precariedade econômica, sendo considerados como extremamente pobres e vulneráveis (ALVES, 2020). No período da escravidão clássica, em que pese os escravos fossem pessoas dotadas dos iguais atributos humanos, eram reduzidos à condição de coisas, animais. Tanto que chegavam a ser marcados com ferro quente, com as iniciais do dono, como se fossem 46 propriedades de outrem, como gado. Atualmente, a população é formada, em grande parte, por famílias de ex-escravos e sertanejos que deram origem ao que é denominado por Jessé Souza (2009) como ralé estrutural, pessoas que herdaram a miséria social e econômica dos seus antepassados. Segundo o autor, com a formação do dito Estado moderno brasileiro, não foram criadas metas políticas para proporcionar a esses grupos marginalizados, condições para que fossem desenvolvidas aptidões para tornarem-se produtores socialmente úteis. A falta de tais políticas produziu uma divisão social que se prolonga no tempo e existe até os dias atuais. Dentre os grupos acima descritos, dotados de invisibilidade, há uma característica que perpassa todos eles: a vulnerabilidade. Ricardo Rezende Figueira (2004), em sua pesquisa sobre a servidão por dívida no Brasil, menciona que mesmo antes da trajetória de deslocamentos geográficos dos trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão, existem rupturas e frustrações em suas biografias desde a infância e que regridem no tempo histórico até chegar aos seus ancestrais. Os trabalhadores são primeiramente seus pais, que vivem em condições extremamente pobres, possuem relações cheias de conflitos com seus genitores e buscam atingir, ao sair de casa, a tão propagada independência. Voltar para casa, por sua vez, é sinônimo de fracasso. Assim, quando o indivíduo sai em busca de um trabalho, por vezes em lugares distantes ou remotos, ele não está plenamente ciente das condições de trabalho que enfrentará. O que o indivíduo busca é a sua dignificação, a sua glória, pois é senso comum que o trabalho é uma forma de se mostrar digno diante da sociedade. Por isso, entende-se que a noção de trabalho na modernidade é associada à moralidade, pois o trabalho não é entendido apenas como algo bom, mas como algo superior (MENDES, 2013). Além disso, o trabalho é visto como proteção moral, significa que apessoa não pode ser confundida com um bandido, é o símbolo de uma pessoa honesta, condição fundamental para o bem-estar e segurança (CAMELO, 2009). Trabalhador vira adjetivo, tanto é que quando alguém vai elencar as qualidades de outro ou de si próprio, faz questão de enfatizar que se trata de uma pessoa trabalhadora. Aqueles excluídos das benesses da sociedade capitalista, que historicamente foram invisibilizados e colocados em condições de vulnerabilidade, buscam uma fonte de renda para obter o mínimo existencial e se tornam presas fáceis para os “gatos” (SOUSA, 2007). É necessário, portanto, esclarecer que os gatos são os agenciadores, os aliciadores, que se dispõe a atrair trabalhadores pobres, de pouca instrução e de regiões distantes, ludibriando-os com 47 falsas promessas de boas condições de trabalho, bem como de boas condições de salário, e conduzem os sonhadores desesperados até o local onde será prestado o serviço (MIRAGLIA, 2008). Já no aliciamento, os “gatos” fazem com que os trabalhadores comecem o labor com dívidas contraídas, seja pelo transporte de sua cidade até o local do trabalho, seja pelo adiantamento do salário para que o trabalhador cubra as despesas iniciais da viagem ou para que ele deixe a família abastecida com alimentos, por exemplo. Ainda, quando chegam ao local de labor, o próprio trabalhador é obrigado a comprar ferramentas de trabalho, equipamentos de proteção individual, produtos de higiene, alimentação e vestuário, situação que só contribui para aumentar o endividamento. Faz-se mister mencionar que, por vezes, todos esses produtos são vendidos – exclusivamente – pelo proprietário das terras, por um preço abusivo, prática conhecida como truck system ou política do barracão (MELO, 2017). Nesse cenário, a maioria dos trabalhadores não sabem ler, mas não são pessoas puramente ingênuas e passivas, nem facilmente manipuladas. Eles possuem estratégias contra a injustiça e a exploração, em que pese tais mecanismos sejam pouco eficazes e arriscados. Destaca-se, ainda, que os recrutadores de trabalhadores em condições análogos à escravidão têm como estratégia maximizar suas vulnerabilidades. Para tanto, acrescentam na relação de trabalho, jornadas exaustivas, comidas insuficientes e por vezes estragadas, água não potável, habitação humilhante, falta de proteção, ameaças, o peso moral da dívida e do fracasso ao voltar para casa e, ainda, o deslocamento do trabalhador da sua cidade de origem até o local em que é explorado (BARBOSA, 2017). Os mecanismos de dominação baseados em vulnerabilidades dos trabalhadores para que eles contraiam dívidas infindáveis, se alia à ética dos próprios explorados, tendo em vista que eles se sentirão obrigados a saldar as dívidas. Assim, os trabalhadores continuam trabalhando na intenção de pagar toda a dívida contraída, mas não é isso que acontece, pois os débitos são feitos em compras essenciais, situação que torna difícil a quitação. Quando a “dívida moral”, passa a ser insuficiente para o aprisionamento, os trabalhadores cogitam não pagar o que é dito que devem, cogitam também regressar para as suas cidades. Nesse ponto, começa a coação física, seja através de agressões físicas perpetradas pelos gatos, capatazes ou vigilantes ou registros de desaparecimentos e assassinatos de trabalhadores que passam a servir de “reprimendas exemplares” aos demais (MELO, 2017). O caso dos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, julgado pela CIDH em 2016, é mais um dos inúmeros exemplos capazes de comprovar que o perfil dos trabalhadores 48 submetidos à escravidão contemporânea tem como fator crucial a vulnerabilidade. No caso em comento, houve discriminação estrutural em razão da posição econômica das vítimas (cf § 343 da Sentença). Destaca-se que o caso Brasil Verde foi o primeiro caso em que a CIDH declarou a responsabilidade internacional de um Estado por fazer perdurar uma situação histórica de exclusão, perpetuando a pobreza. Para o Juiz Eduardo Ferrer Mac Gregor, em seu voto fundamentado na sentença do caso, as pessoas captadas pelos gatos possuíam um perfil específico, um perfil em que a pobreza era um fator crucial de vulnerabilidade (PLASSAT, 2007). As vulnerabilidades estão associadas à concepção de risco. Castel (1995) menciona que a vulnerabilidade e o risco social estão articulados desde os processos de crise do capital ainda na década de 1970. Esses processos cíclicos de crises do capital aumentaram o desemprego, a pobreza e a exclusão das classes dos trabalhadores. Isso se explica, na concepção do autor, porque as sociedades modernas têm como base a insegurança, tendo como consequência a vulnerabilidade das massas através da precarização do trabalho, bem como por meio do desemprego. Em 2008, por exemplo, o mundo foi abalado por mais uma crise do capital, a chamada crise do subprime, caracterizado pela venda de títulos do mercado imobiliário como se fossem confiáveis, mas que depois não puderem ser custeados pelos seus titulares. Desemprego e precarização foram algumas das consequências. Ainda para Castel (1995), o trabalho assalariado é o eixo estruturador das relações sociais, ou seja, um trabalhador assalariado é integrado na sociedade e ganha um status na estrutura social. Partindo desse ponto, numa análise inversa, o trabalhador em condições análogas à escravidão, não está integrado na sociedade. Esse trabalhador não recebe, por vezes, nem uma contraprestação abaixo do salário-mínimo, quem dirá estar inserido nas relações sociais. Nota-se, portanto, que há relação entre a exclusão econômica e a social, sendo que as duas se implicam mutuamente e são capazes de tornar perene um ciclo de violações aos mais básicos direitos humanos do trabalho decente. Vê-se que enquanto o indivíduo está economicamente vulnerável, não estará inserido na sociedade. Nisso, vale reforçar o que já foi aventado, no sentido de que os indivíduos vulneráveis são vitimados por diversos fatores comuns, integram estatísticas próximas, quais sejam: baixa capacidade de enfrentamento à situação de vulnerabilidade, fatores psicossociais negativos, falta de autoestima, falta de autonomia, falta de confiança e falta de esperança, porque no trabalho análogo à escravidão até a esperança morre. Em contrapartida, o que passa a existir é o sentimento de submissão, medo, apatia e até conformismo. Ainda, também é 49 notada a vulnerabilidade em fatores de riscos como fome, baixa escolaridade, analfabetismo, baixa renda, precariedade na relação trabalhista, desemprego e ineficiência de políticas públicas (NASCIMENTO, 2017). Para Castel (2005), o risco denuncia a insuficiência ou até o caráter obsoleto dos dispositivos clássicos de proteção e impotência do Estado frente à situação econômica. Hoje, já no início da terceira década desse século, é válido questionar se há realmente uma situação de impotência estatal frente o cenário de escravização contemporânea, visto que, a inércia parece ter sido alçada à condição de política pública, contexto que fragiliza o combate ao trabalho em condições análogas à escravidão e só é benéfico para a complexa rede de exploradores. A vulnerabilidade faz com que os trabalhadores se tornem invisíveis. A invisibilidade perpassa por várias nuances, tais como a invisibilidade econômica, a invisibilidade social e a invisibilidade institucional. Construindo uma linha argumentativa crítica, Mendes (2013) coloca o posicionamento de muitos no sentido de que a sociedade moderna é formada de homens livres e estar em grupos economicamente vulneráveis decorre das escolhas livres dos indivíduos, de forma que a pobreza seria resultado de escolhas ruins. Mas há que se contrapor a essa visão, pois esse pensamento imuniza os ricos de qualquer responsabilidade e imputa aos invisíveis economicamente a causa da sua invisibilidade. Além disso, asociedade ganha outra justificativa moral para permitir diferenciar os invisíveis: mesmo uma troca mercantil pode assumir características de generosidade, altruísmo social ou religioso. Exemplo disso é na relação de oferta de trabalho, que muitas vezes é chamada de “dar emprego”. A invisibilidade social, por sua vez, destaca a hierarquização que a sociedade faz, tendo como ponto de partida as atividades que as pessoas desenvolvem no mercado de trabalho. Essa identificação é feita a partir da escolaridade, local de moradia, renda, nível de consumo. Esses atributos materiais de pertencimento formam um círculo virtuoso entre os mais ricos e um círculo vicioso entre os mais pobres. Outro destaque na invisibilidade social é que quanto mais nos distanciamos dos centros dinâmicos das cidades e vamos ao encontro das periferias, há uma clara escassez de políticas públicas. Não existem valores comuns ou senso de pertencimento, mas ao mesmo tempo em que as pessoas são invisíveis, mais são indispensáveis para o andar de cima da sociedade (MENDES, 2013). Há ainda a invisibilidade institucional. Nela, ocorre a desigualdade no tratamento político-jurídico dos cidadãos. Para Carlos Henrique Borlido Haddad (2017), a diferenciação 50 entre o mais abastado e o pobre existe: foro privilegiado, prisão especial para advogados, suspensão de ação penal contra parlamentares, isenção de serviço de júri para vereadores, escolha de local, dia e hora para juízes e promotores deporem. Além da desigualdade simbólica, há a desigualdade material, quando se observa o majoritário número de sentenciados presos que são de baixa renda. Pessoas que são etiquetadas, estigmatizadas, com dificuldade para recolocação social e profissional depois do cumprimento das penas, perpetuando ciclos de exclusão. Nota-se que, de fato, os trabalhadores em condições análogas à escravidão são invisíveis em todos os três aspectos: econômico, social e institucional. Essa situação, conduz a necessidade de explanar em números o perfil dos trabalhadores atingidos pela escravidão moderna. Segundo o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas (online), que monitora o número de resgatados do trabalho análogo à escravidão pelo pagamento do benefício do seguro-desemprego, de 2003 a 2018 foram resgatados 45.028 (quarenta e cinco mil e vinte e oito) trabalhadores em situação de trabalho forçado no Brasil. Desses trabalhadores, 73% (setenta e três por cento), ou seja, 26.755 (vinte e seis mil setecentos e cinquenta e cinco) pessoas, trabalhavam na agropecuária em geral. No que concerne à raça, 42% (quarenta e dois por cento) dos resgatados entre os anos 2003 e 2018 se enquadram em pardos ou se declaram mulatos, caboclos, cafuzos, mamelucos ou mestiços de pretos com pessoa de outra cor ou raça. É notório que em que pese a escravidão moderna não seja, como outrora foi, por razões étnicas, até hoje o pardo, o preto é a maioria escravizada. Isso porque após a abolição formal da escravidão, os pretos continuaram marginalizados, submetendo-se a trabalhos irregulares e precários. A diferença é que, como já foi mencionado no presente trabalho, o escravo antigo era tratado como bem, objeto de grande valor, animal necessário, necessitava de cuidados, pois custavam caro. Hoje em dia, são descartáveis e a mão de obra é vasta, pois as pessoas estão sempre em busca de trabalho. Apenas 23% (vinte e três por cento) das pessoas se enquadram como branca, 18% (dezoito por cento) se enquadram como de raça amarela (de origem japonesa, chinesa, coreana etc.) e 12% (doze por cento) se enquadram como pessoa preta. Em que pese 12% (doze por cento) pareça ser a minoria, não se pode olvidar que 42% (quarenta e dois por cento) das pessoas se enquadram como parda ou se declara como mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça. Ou seja, 54% (cinquenta e quatro por cento), mais da metade das pessoas resgatadas, são pretas e pardas e, somando com 51 18% (dezoito por cento) que se enquadram como de raça amarela, totaliza 72% (setenta e dois por cento) de pessoas não-brancas. Em relação aos setores econômicos mais frequentemente envolvidos, o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas (online) destaca que são os setores de criação de bovinos para corte, com 32% (trinta e dois por cento) dos casos, logo após aparece o cultivo de arroz, com 20% (vinte por cento) dos casos. No que concerne à escolaridade dos resgatados, percebe-se um grande déficit: apenas 39% (trinta e nove por cento) dos resgatados estudaram até o 5º ano incompleto, 21% (trinta e um por cento) são analfabetos, 15% (quinze por cento) estudaram do 6º ao 9º ano incompleto, 5% (cinto por cento) fizeram o fundamental completo, 4% (quatro por cento) fizeram o 5º ano completo, 3% (três por cento) fizeram o ensino médio completo e 3% (três por cento) fizeram o ensino médio incompleto. Sobre a faixa etária e sexo das vítimas de trabalho análogo ao escravo, destaca-se a faixa etária de 18 a 24 anos de idade, tanto no sexo feminino como no masculino. Dentre os resgatados, 9.738 (nove mil setecentos e trinta e oito) são do sexo masculino e estão na faixa etária dos 18 aos 24 anos. Nessa mesma faixa etária, mas no sexo feminino, totalizam 496 (quatrocentos e noventa e seis) resgatadas. Já em relação ao contexto geográfico no resgate dos trabalhadores em condições análogas à escravidão, delimitando o espaço geográfico para o Rio Grande do Norte (RN), o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas (online) dispõe que de 2003 a 2018, dos trabalhadores resgatados em todo o Brasil, 219 (duzentos e dezenove) são naturais do próprio Rio Grande do Norte, sendo apenas 10 (dez) da capital potiguar e 209 (duzentos e nove) do interior do estado. Neste trabalho ganhará destaque o Vale do Açu, microrregião do estado do Rio Grande do Norte, formada pelos municípios de Alto do Rodrigues, Carnaubais, Guamaré, Ipanguaçu, Itajá, Macau, Paraú, Pendências, Porto do Mangue, São Rafael e Assú (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, online). Dos trabalhadores resgatados no Brasil que declararam ser naturais do Rio Grande do Norte, 05 (cinco) são da cidade de Assú, 03 (três) de Carnaubais, 03 (três) de Ipanguaçu, 01 (um) de Macau e 07 (sete) de São Rafael. Ainda, dos trabalhadores resgatados no Brasil de 2002 a 2018, 185 (cento e oitenta e cinco) declararam residir no RN. Desses 185 (cento e oitenta e cinco), 04 (quatro) declararam ser residentes de Assú, 05 (cinco) de Carnaubais, 02 (dois) de Ipanguaçu, 01 (um) de Itajá e 09 (nove) de São Rafael. 52 No que se refere a trabalhadores resgatados no estado do Rio Grande do Norte, somam-se 46 (quarenta e seis) de 2003 a 2018. Somente em 04 (quatro) municípios do Rio Grande do Norte houve resgate, destaca-se que dos quatro municípios, três estão localizados no Vale do Açu, quais sejam: Alto do Rodrigues, com 29 (vinte e nove) trabalhadores resgatados; Assú, com 05 (cinco) trabalhadores resgatados; e Carnaubais, também com 05 (cinco) resgatados. O outro município que houve resgate, mas que não faz parte do Vale do Açu, é Maxaranguape, com 07 (sete) resgatados. Sendo essa uma parte do complexo quantificável de trabalhadores em condições análogas à escravidão, situação que deixa evidente a proximidade do problema com a realidade potiguar. Observa-se que há um maior número de trabalhadores naturais e residentes no Rio Grande do Norte do que número de resgatados no Rio Grande do Norte, ou seja, comprova-se a teoria estudada de que os trabalhadores saem de suas residências e cidades natal e são levados para prestar serviço em outro local. Em que pese tenham sido contabilizados 219 (duzentos e dezenove) trabalhadores naturais do estado do RN e 185 (cento e oitenta e cinco)residentes no RN, apenas 46 (quarenta e seis) trabalhadores foram resgatados no estado entre os anos 2003 e 2018. Permanece o cenário dos retirantes, dos homens e mulheres que saem de suas terras na busca de condições dignas de vida e depois se acham sem identidade, sem pertencimento e sem autonomia numa terra alheia. Impende ressaltar que há relação entre o trabalho análogo ao escravo e o trabalho infantil. Isto porque, segundo pesquisa realizada pela OIT (2011), na obra “Perfil dos principais atores envolvidos no Trabalho Escravo Rural no Brasil”, 92% (noventa e dois por cento) dos trabalhadores entrevistados foram vítimas de trabalho infantil, começando a trabalhar com, em média, 11 anos de idade e, em média 40% (quarenta por cento) dos trabalhadores entrevistados, começaram a trabalhar com menos de 11 anos. Os trabalhadores resgatados possuem um histórico de trabalho infantil, violência doméstica, desemprego, baixa escolaridade, situação de rua, não possuem acesso à política de saúde, estão inseridos em condições precárias de trabalho, racismo e não possuem conhecimento ou conhecem parcialmente os direitos trabalhistas (BRASIL, 2020a, online). Segundo dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), órgão vinculado ao Ministério da Economia, entre os anos de 1995 e 2019, 54 mil pessoas em condições análogas as de escravo, foram resgatadas (ORTEGA, 2020). Dentre esses trabalhadores resgatados, 95% (noventa e cinco por cento) são homens; 83% (oitenta e três por cento) tinham entre 18 e 44 anos; 33% (trinta e três por cento) eram analfabetos; e 39% (trinta e nove por cento) 53 tinham cursado apenas até a quarta série (BRASIL, 2020a, online). Em que pese haja uma predominância masculina, mulheres também sofrem com esse mesmo mal. Ocorre que há subnotificação nos casos das mulheres que são submetidas ao trabalho análogo à escravidão. Muitas delas se submetem a trabalhos domésticos ou sexuais, o que não é, geralmente, compreendido como atividade laboral (BRASIL, 2020a, online). Nota-se que existem características de vitimização que são compartilhadas pelos trabalhadores em condições análogas à escravidão, quais sejam: pobreza, falta de perspectiva de trabalho, analfabetismo, baixa escolaridade, serem de regiões pobres. Necessário destacar que tais componentes não podem ser deixados de lado nas análises, pois são essenciais para compreender a situação dos trabalhadores em condições análogos à escravidão e podem ser utilizados para planejar ações de combate à escravidão contemporânea. Além disso, a compreensão das características desses trabalhadores auxilia na identificação das vulnerabilidades relacionadas ao social, econômico e cultural, determinantes para o aliciamento dos trabalhadores. 3.3 O sistema sociojurídico e a rede institucional de enfrentamento ao trabalho análogo à escravidão A CRFB/1988 é um marco no combate ao trabalho análogo à escravidão. Ela estabelece a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito. Em que pese a proteção contra as formas contemporâneas de escravidão não estejam todas expressas na CRFB/1988, não significa que não tenham status constitucional, uma vez que a Carta Magna estabeleceu, em seu artigo 1º, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho como fundamentos da República Federativa do Brasil. Além disso, segundo a CRFB/1988, constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização, bem como reduzir as desigualdades sociais e regionais (SILVA; GOÉS, 2015). Além das disposições da CRFB/1988 supramencionadas, a Carta Magna apresenta disposições expressas que repudiam o trabalho análogo à escravidão. É o caso do artigo 243, que estabelece a expropriação de propriedades rurais e urbanas onde forem localizadas exploração de trabalho escravo, que será abordada mais adiante. Ademais, os princípios estabelecidos na CRFB/88, como o da dignidade da pessoa humana, os direitos invioláveis à liberdade, à vida e à igualdade, as garantias para um trabalho digno, através do art. 1º, inciso 54 IV, que dispõe sobre os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, corroboram para o repúdio ao trabalho análogo à escravidão. Ainda sobre os pilares garantidores da Constituição, o artigo 5º, incisos II e III, estabelecem, respectivamente, que ninguém será obrigado a fazer nada ou deixar de fazer alguma coisa, somente sendo exigível em virtude de lei, bem como ninguém será submetido à tortura nem a tratamento degradante ou desumano. No contexto do Direito Internacional, o Brasil é signatário de tratados internacionais que possuem papel de destaque na prevenção ao trabalho análogo à escravidão, como já mencionado. Porém, apesar de todo o normativo internacional proibindo, o trabalho análogo à escravidão existe e persiste. Exemplo a ser citado é o fato de que a Convenção Americana (1969), em seu artigo 27, enumerou em quais situações poderia haver a suspensão de garantias de direitos, como por exemplo, a guerra ou outra emergência. Entretanto, em seu inciso 2º, nem situações como a guerra autoriza a suspensão dos direitos determinados, tampouco a suspensão das garantias indispensáveis à proteção, como o direito à integridade pessoal, a proibição da escravidão e servidão, formando parte do núcleo inderrogável de direitos, não podendo ser suspensos em hipótese alguma (FIGUEIRA, 2020). De maneira especializada, o Direito do Trabalho é o ramo jurídico voltado à proteção do direito do trabalhador. Em que pese os empregados e empregadores tenham sido colocados no patamar de igualdade, não é isso que de fato ocorre. A relação entre trabalhador e empregado é assimétrica. Em 13 de julho de 2017, foi promulgada a Lei 13.467/2017, mais conhecida como Reforma Trabalhista, introduzindo grandes mudanças na seara do trabalho. Dentre elas não consta nenhuma punição ou referência à prática do trabalho análogo à escravidão. A Reforma Trabalhista desconstruiu vários direitos protetores do trabalhador, lado vulnerável da relação. Agora, o “negociável” se sobrepõe ao “legislado”, de forma que há uma maior possibilidade de aumento da jornada de trabalho, contratações irregulares, ampliação da terceirização, facilitando a ocorrência do trabalho análogo à escravidão (FIGUEIRA, 2020). Em que pese a Consolidação das Leis do Trabalho não aborde o trabalho análogo à escravidão de maneira expressa, o Código Penal de 1940 definiu essa prática e a considerou crime. O artigo 149 tipificou “reduzir alguém à condição análoga a de escravo” (BRASIL, 1940) com pena de reclusão de dois a oito anos. Entretanto, a Lei nº 10.803 de 2003, sancionada pelo o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alterou a redação do artigo, passando a ser considerado trabalho análogo ao escravo o que segue: 55 Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem (BRASIL, 2003, online) A mudança e a ampliação dada ao conceito de trabalho análogo à escravidão ocasionou discórdia, pois, segundo Gomes (2015), a questão polêmica está em nãose ter um conceito mais restritivo do crime, de forma que pela nova redação pode ser considerado trabalho análogo à escravidão não somente a privação de liberdade, mas a sujeição a trabalho forçado e condições degradantes de trabalho. Por isso, muitos críticos consideram como uma tipificação aberta, sem clareza, trazendo dificuldades para o empregador, que poderá ter sua relação com o empregado mais facilmente enquadrada no ilícito penal. As críticas também partem daqueles que defendem o combate ao trabalho análogo à escravidão pois o tipo permite muitas argumentações em defesa dos acusados pelo crime, o que dificulta a punição, não havendo facilidade em distinguir o que seriam formas de exploração do trabalho – não deixando de ser reprovável – e o trabalho análogo à escravidão. A defesa da nova redação é no sentido de que a preservação do princípio da liberdade não é o único fundamento para tipificar o crime, como era na antiga redação do dispositivo, em que a tipificação estava claramente inspirada no princípio da liberdade. Segundo Nucci (2017), na antiga tipificação, reduzir alguém a condição análoga à escravidão, exigiria um tipo de sequestro ou cárcere privado, pois ao fazer analogia com a escravidão antiga, os escravos não possuíam a liberdade. Assim, o crime de trabalho análogo à escravidão seria o gênero e o trabalho forçado e em condições degradantes seriam as espécies. Dessa forma, a dignidade da pessoa humana fundamenta o crime, até porque pode-se identificar o crime através de elementos pecuniários, como falta de remuneração, através de elementos sanitários, como a degradação do trabalho e os elementos de dominação, como ameaças, castigos físicos e constrangimentos morais (GOMES, 2015). 56 A partir da modificação legal apresentada, na dicção de Brito Filho (2015), os modos de execução estão limitados às hipóteses colocadas no referido artigo. Assim, o tipo penal pode ser dividido em duas espécies, quais sejam: trabalho escravo típico, tendo como modo de execução o trabalho forçado, a jornada exaustiva, o trabalho em condições degradantes e o trabalho com restrição de locomoção em razão de dívida contraída; e o trabalho escravo por equiparação pelos seguintes modos: retenção no local de trabalho através do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte, vigilância ostensiva, retenção de documentos ou objetos pessoais. Ainda segundo Brito Filho (2015), a relação jurídica em que ocorre esse tipo penal é a relação de trabalho, uma vez que no tipo há menção a empregador, preposto, trabalhador e local de trabalho. Necessário destacar que para fins de responsabilização penal, o preposto que faz a intermediação na contratação ou o que vigia o local de trabalho, com o afã de evitar fugas dos trabalhadores, por exemplo, está equiparado ao empregador (CAVALCANTI, 2020) e pode ser responsabilizado da mesma forma. No que concerne ao bem jurídico, Brito Filho (2015) entende que é possível identificar dois bens jurídicos no caso do artigo 149 do Código Penal: a dignidade da pessoa humana e a liberdade em sentido amplo. A dignidade da pessoa humana é o vetor máximo de interpretação do ordenamento jurídico pátrio, de forma que toda legislação deve ser iluminada por esse princípio. Importante esclarecer que a consumação do crime não exige que todas as hipóteses estejam configuradas num só caso, apesar de estarem, na prática (em sua maioria), juntas. Segundo Cavalcanti (2020), as quatro maneiras de execução são autônomas e independentes. Além disso, a configuração do crime ocorrerá independente da manifestação da vontade da vítima. Ora, o consentimento do ofendido é irrelevante e estaria viciado, tendo em vista o estado de miserabilidade e vulnerabilidade do trabalhador. Ainda, necessário pontuar que não existe a forma culposa do crime (NUCCI, 2017). Destaca-se que o tipo impõe o aumento de metade da pena quando o agente praticar o crime contra criança ou adolescente, como também quando o crime se sustentar em motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Sobre a competência para julgar o crime, o tema é bem controverso, apesar da clareza do artigo 109, VI, da CRFB/1988, que dispõe que é competência dos juízes federais processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira. Para Nucci (2017), a competência irá depender do número de trabalhadores encontrados em condições análogas à 57 escravidão. Se forem muitos os lesados, será competência da Justiça Federal; se somente um ou alguns, competência da Justiça Estadual (NUCCI, 2017). O STF, no Recurso Extraordinário nº 459510, tendo como relator o Ministro Cezar Peluso, fixou como competente a Justiça Federal para apuração e julgamento do crime previsto no artigo 149 do CP, pois considerou, por maioria, que o bem jurídico tutelado no tipo penal vai além da liberdade individual, englobando a dignidade e os direitos trabalhistas e previdenciários. Assim, levando em consideração que esses valores consubstanciam o sistema social presente na CRFB/1988, a competência para julgar esse crime é da Justiça Federal (BRASIL, 2017, online). No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o bem jurídico tutelado pelo dito dispositivo deixou de ser somente a liberdade individual, passando a abranger também a organização do trabalho. Para o STJ, a competência para processar e julgar é, via de regra, da Justiça Federal (RHC 58.160-SP, 5ª T., rel. Leopoldo de Arruda Rapado (desembargador convocado do TJPE), j. 06.08.2015, DJe 18.08.2015). Delegar a competência do crime do artigo 149 do Código Penal à Justiça Estadual é frontalmente contrário ao disposto no já citado artigo 109, VI, da Carta Magna, uma vez que a leitura do dispositivo conduz a competência à Justiça Federal. Ora, a violação da dignidade da pessoa humana inerente ao trabalhador não interessa somente ao trabalhador, mas a toda coletividade, aos órgãos e sistemas funcionais que cuidam da proteção de quem foi submetido ao trabalho análogo à escravidão, tendo em vista as repercussões de ordem social dos direitos trabalhistas (MELO, 2013). Apesar de todo o amparo legal em desfavor do trabalho análogo à escravidão, o seu combate encontra muitos obstáculos. Há uma grande resistência para reconhecer a existência do crime e, consequentemente, para que seja aplicada a sanção contida no art. 149 do Código Penal. Filgueiras (2015) cita o episódio de uma denúncia penal envolvendo um magistrado do estado do Maranhão em que a Justiça Estadual negou a ação, argumentando que o crime exige que seja suprimido o status libertatis da vítima, anulando a sua liberdade de escolha por completo e afirmando que o trato de vida em uma fazenda pode ser confundido com condições degradantes de trabalho. Há muitos juízes e tribunais com o entendimento de que é necessário haver a restrição da liberdade para ser caracterizado o trabalho análogo ao escravo (FILGUEIRAS, 2015). Apesar desses posicionamentos por alguns juízes e tribunais, o STF pontua que não é necessário haver violência física, coação direta à liberdade de ir e vir ou servidão por dívida 58 para caracterizar a redução do indivíduo a condição análoga à escravidão. Para o STF, a escravidão moderna é mais sutil do que a do século XIX, não sendo necessário a restrição física da liberdade de ir e vir, mas somente que a vítima seja submetida a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho. O STF assinalou que não é em qualquer violação aos direitos trabalhistas que haverá a configuração ao trabalho análogo à escravidão, mas tão somente naquelas em que as violações sejam intensas, em altos níveis e persistentes (BRASIL, 2017, online). Em junho de 2020, a Sexta Turma do STJ deuprovimento ao Recurso Especial 1843150, confirmando o entendimento do próprio Tribunal sobre a desnecessidade de restrição do direito de ir e vir para que haja a caracterização do crime do artigo 149 do Código Penal (BRASIL, 2020f, online). Necessário pontuar que quando ocorrem condenações na Justiça Federal, são normalmente transformadas em penas alternativas, por isso, segundo Filgueiras (2015), são recorrentes os casos de reincidência no crime. Oliveira et al. (2015) cita o caso de Cleudete Nilza Sagrilo e seu marido, Leliano Sérgio Andrade, denunciados pelo Ministério Público Federal da Bahia, por submeterem 21 (vinte e um) trabalhadores, dentre eles duas crianças de seis e nove anos de idade e uma adolescente de 15 anos de idade, à condições análogas à escravidão, mas que foram condenados somente a três anos, quatro meses e 15 dias de reclusão e trinta dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, pelo menos prazo, além de pagamentos de três salários-mínimos a título de prestação pecuniária (OLIVEIRA et al., 2015). O apenamento aplicado não parece atender a critérios de justiça e é capaz de estimular ilícitos dessa natureza, fragilizando todos os mecanismos de combate ao trabalho análogo à escravidão. As penalizações são tão raras que quando ocorrem, são divulgadas como a notícia escrita por André Boselli (2020): “Em aplicação rara de artigo, juiz condena dois a prisão por trabalho escravo”. No caso em comento, os réus foram acusados por manterem uma venezuelana em cárcere privado e em condições degradantes de trabalho, trabalhando todos os dias da semana, sem descanso, sem acesso a qualquer meio de comunicação. Não penalizar, a ocorrência da prescrição do crime pela lentidão do sistema, revela o quão árduo e longo é o caminho do combate ao trabalho análogo à escravidão (OLIVEIRA et al., 2015). Além disso, necessário que a divulgação sobre o problema, os estudos acadêmicos, sejam sempre realizados. Ricardo Rezende Figueira (2020) afirma que o trabalho análogo à escravidão não era uma preocupação em estudos acadêmicos no Brasil até meados da década de 1980. 59 Para além da punição, é necessário que haja uma reparação aos trabalhadores encontrados em situação análoga à escravidão. O combate ao trabalho escravo iniciou-se com a ação de fiscalização do Grupo Especial de Fiscalização Móvel. Tal Grupo tinha como finalidade coordenar a atuação fiscal e combater o trabalho análogo à escravidão. Assim, quando o Grupo constatava trabalhadores em situação de vulnerabilidade, em condições análogas à escravidão, lavravam os autos de infração por haver descumprimento da legislação trabalhista, impondo o pagamento de multas administrativas ao responsável pelo ilícito. Como reparação aos trabalhadores, há também o pagamento das verbas trabalhistas devidas. Quando o trabalhador é submetido ao trabalho indigno, geralmente o empregador se exime do cumprimento das leis trabalhistas, assim, ao resgatado é assegurado recebimento de todas as verbas trabalhistas, fundiárias, previdenciárias, relativa a todo o período em que perdurou o trabalho análogo à escravidão (CAVALCANTI, 2020). Ainda há a possibilidade de indenização pelo dano moral à vítima do crime porque, nesses casos, há abalo aos direitos da personalidade. Segundo Xisto Tiago de Medeiros Neto (2004), o dano moral consiste em uma lesão injusta a alguns interesses que não são materiais, mas que são concebidos como valores jurídicos protegidos, como por exemplo, o bem-estar, privacidade, a paz, o nome, a reputação, podendo também atingir valores extrapatrimoniais de uma coletividade de pessoas. Para Cavalcanti (2020), estar submetido ao trabalho análogo à escravidão já é um evidente dano à dignidade do indivíduo, que não precisa ser comprovado em juízo. Além do dano moral individual, há repercussões no que concerne ao dano moral coletivo, pois o trabalho análogo à escravidão gera um dano social. Essa violação tem repercussões difusas e viola pilares do Estado Democrático de Direito. O valor do dano moral coletivo deve ter como base o grau de culpa do agente, repulsa social da conduta, extensão do dano à coletividade, capacidade econômica do agente que praticou o ilícito e a finalidade punitivo-pedagógica da indenização (CAVALCANTI, 2020). Seguindo na linha de repercussões, a partir da Emenda Constitucional nº 81 de 2014, a Carta Magna passou a prever a perda da propriedade. Apesar de a Constituição Federal de 1988 dispor que a propriedade deve cumprir sua função social (BRASIL, 1988, online), sabe- se que isso não é respeitado. Todo imóvel em que for localizado trabalho análogo à escravidão deverá ser destinado a programas de habitação popular, em se tratando de imóveis urbanos e, nos casos de imóveis rurais, será destinado à reforma agrária (CAVALCANTI, 2020), mas o dispositivo ainda carece de regulamentação (BRASIL, 2014a, online). Importante mencionar que a Organização das Nações Unidas considera essa medida como um 60 ótimo mecanismo no combate ao trabalho análogo à escravidão (CAVALCANTI, 2020). Mesmo com essas medidas, em que pese já resgatados, muitos trabalhadores retornam para a situação da qual foram tirados, pois não existem políticas públicas suficientes para mantê-los afastados da vulnerabilidade social. Para tentar superar esse quadro, a partir de 2019, após ação do Ministério Público Federal, a União passou a pagar o seguro-desemprego para todas as vítimas de trabalho análogo à escravidão resgatadas no país, independente de qual autoridade tenha realizado o resgate (BRASIL, 2019f, online). Anteriormente, a União somente pagava o benefício nos casos em que o flagrante tivesse sido realizado por auditor-fiscal do trabalho. A decisão foi proferida no processo de nº 5000018-82.2017.4.03.6122, que tramitou na 1ª Vara Federal de Tupã, no estado de São Paulo (BRASIL, 2019f, online). Ainda, há restrições para os que se beneficiam do trabalho análogo ao escravo. A Lei nº 14.946 de janeiro de 2013, do estado de São Paulo, por exemplo, atua na seara administrativo-tributária, impedindo que os que se beneficiam do trabalho análogo à escravidão, de forma direta ou indireta, exerçam a mesma atividade econômica por pelo menos dez anos, cassando o cadastro de contribuinte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (CAVALCANTI, 2020). Em 2005, o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo surgiu restringindo comercialmente as empresas e demais pessoas inclusas na cadeia produtiva que se beneficiaram do trabalho análogo ao escravo. Esse Pacto, que em 2014 passou a ser Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPacto), isola comercialmente os que exploram os trabalhadores. (CAVALCANTI, 2020). Há ainda o Cadastro de Empregadores, mais conhecido como “Lista Suja do Trabalho Escravo”, criada em 2004 com o fito de cadastrar os empregadores que são flagrados cometendo o ilícito do artigo 149 do Código Penal (FILGUEIRAS, 2015). A inclusão do empregador (físico ou jurídico) na Lista ocorre após processo administrativo e decisão irrecorrível e é mantido no cadastro por um período de dois anos. A Lista Suja decorre da ideia de transparência, em harmonia com o direito à informação e o princípio da publicidade. A exclusão do infrator da Lista Suja pode ocorrer antes dos dois anos, nos casos em que houver o pagamento das multas, a regularização de trabalho e comprovação de eventuais débitos trabalhistas e também previdenciários (CAVALCANTI, 2020). Segundo a Inspeção do Trabalho (BRASIL, 2020e, online), a Lista Suja é atualizada semestralmente e é fruto de um trabalho realizado pelos Auditores-fiscais do Trabalho, Ministério da Economia, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Polícia 61 Federal, Polícia Rodoviária Federal,Defensoria Pública da União e, por vezes, com participação das Polícias Estaduais. Como já mencionado outrora, a Lista Suja disciplinada pela Portaria Interministerial nº 4 de 11 de maio de 2016, foi atualizada em outubro de 2020 e registrou 113 (cento e treze) empregadores, tendo sido excluídos 41 (quarenta e um) nessa atualização, pois completaram dois anos com seus nomes publicados na Lista. A Constitucionalidade da Lista Suja já foi questionada algumas vezes. Recentemente, destaca-se que o STF julgou constitucional a Portaria que prevê a divulgação da Lista Suja. A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC) pediu, na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 509, que a Lista Suja fosse declarada inconstitucional. Na ação, a ABRAINC relatava que a Portaria Interministerial nº 4/2016 teria ferido o princípio da reserva legal, pois a criação desse cadastro só poderia ter sido feita através de lei. Entretanto, em sessão virtual, a recente decisão, por maioria de votos, é de que a Lista Suja é constitucional. O Ministro Marco Aurélio afirmou que o princípio da reserva legal foi devidamente observado, uma vez que o cadastro efetiva a Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação). Para Marco Aurélio, o cadastro não representa sanção, mas dá publicidade a decisões já definitivas em processos administrativos (BRASIL, 2020g, online). Menciona-se que em razão da pandemia do novo coronavírus, que passou a afetar seriamente o Brasil a partir de março de 2020, conforme dados da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia, por intermédio da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), houve redução de autos de infração lavrados por submissão de trabalhadores a condições análogas à escravidão. Além disso, também em razão das restrições impostas pela pandemia, houve reflexo nas tramitações dos processos administrativos, como por exemplo, a suspensão dos prazos processuais. Ademais, os processos judiciais originados a partir dos autos de infração lavrados, também tiveram seus trâmites prejudicados em razão das medidas de preservação à saúde da população. Apesar das dificuldades, a Lista Suja de outubro de 2020 acrescentou o nome de três empregadores (BRASIL, 2020e, online). Responsabilizar integralmente as empresas, seus gestores, prepostos e toda a cadeia que se beneficia do trabalho análogo ao escravo é estratégia de enfretamento ao trabalho indigno. O empreendedorismo não pode, em qualquer hipótese, representar a corrosão dos direitos fundamentais conquistados nos últimos séculos. Necessário equilibrar as necessidades da coletividade, da humanidade enquanto um todo, com os desejos e necessidades individuais, de forma que haja desenvolvimento sustentável (BIGNAMI, 2020). Para tanto, deve haver maior aplicação do artigo 149 do Código Penal e responsabilização dos infratores e de toda a 62 cadeia beneficiada pelo trabalho análogo à escravidão, principalmente porque esse tipo de empregador, busca se beneficiar com o mínimo ou nenhum custo trabalhista, gerando uma concorrência desleal. Assim, como a motivação para a exploração é econômica, as punições também devem atingir o aspecto econômico do empregador, porque o combate ao trabalho análogo à escravidão vai além das razões humanitárias. 3.4 Para além da restrição ao direito de liberdade de locomoção: os diversos modos de submissão ao trabalho análogo à escravidão Após a explanação do crime do artigo 149 do Código Penal, necessário detalhar as modalidades do trabalho análogo à escravidão. Haddad (2013) afirma que atualmente há duas modalidades básicas: em uma delas não há qualquer referência ao cerceamento da liberdade de locomoção, em outra, somente está caracterizado o crime quando o direito de ir e vir é restringido. Submeter alguém a trabalhos forçados, à jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho é compreendido como trabalho análogo à escravidão que não precisa de restrição da liberdade de locomoção. Embora o trabalho forçado também possa ser caracterizado pelo emprego de coação física, a lei permite que o crime seja configurado na hipótese em que houver coação moral. Ainda para Haddad (2013), a redução à condição similar à de escravo é caracterizado quando a liberdade de locomoção é restringida, por qualquer meio, por dívida contraída com empregador ou preposto, podendo ser por cerceamento do uso de meio de transportes, por vigilância ostensiva no local de trabalho ou até pela retenção dos documentos ou objetos pessoais do trabalhador. Já para Brito Filho (2015), como mencionado no tópico anterior, o tipo penal é dividido de forma diferente, mas também em duas espécies, quais sejam: trabalho escravo típico, tendo como modo de execução o trabalho forçado, a jornada exaustiva, o trabalho em condições degradantes e o trabalho com restrição de locomoção em razão de dívida contraída; e o trabalho escravo por equiparação pelos seguintes modos: retenção no local de trabalho através do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte, vigilância ostensiva, retenção de documentos ou objetos pessoais. Assim, cada uma das cinco espécies acima mencionadas será estudada neste momento. Para além das espécies acima mencionadas, também serão estudados o trabalho infantil e o tráfico de pessoas. 63 3.4.1 Trabalho forçado Não existe no sistema jurídico brasileiro a definição da expressão “trabalho forçado” (MELO, 2013). No âmbito internacional, a Convenção nº 29 da OIT (1930), em seu artigo 2º, define o trabalho forçado, também chamado de obrigatório, como “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”. A Convenção nº 105 da OIT (1957) versa sobre o trabalho forçado, complementando a Convenção nº 29 e proibindo cinco práticas, tais como: o trabalho forçado como punição pela expressão de opiniões políticas, para fins de desenvolvimento econômico, como punição por participação em greves, como meio de discriminação racial ou como medida de disciplina no trabalho. Segundo Cavalcanti (2020), o trabalho forçado está associado ao desprezo da escolha de quem está submetido. O trabalho executado é obrigatório, contra a vontade livremente manifestada do trabalhador, restando caracterizado o vício do consentimento (CAVALCANTI, 2020). Para Haddad (2013), o trabalho forçado é caracterizado pela liberdade, ou seja, quando o trabalhador não decide se aceita ou não o trabalho, ou não decide pela cessação ou interrupção do trabalho, o trabalho forçado existe. Importante relembrar o que já foi mencionado durante o presente trabalho: a OIT também utiliza a expressão “trabalho forçado” para tratar de prática distinta da que foi estudada no tópico em comento, trata-se de casos em que é exigido o trabalho forçado como consequência de condenação judicial, como parte das obrigações cívicas normais de um cidadão, em virtude das leis sobre serviço militar obrigatório e puramente militar, nos casos de força maior; e pequenos trabalhos executados no interesse direto da coletividade (OIT, 1930). Faz-se mister mencionar que a legislação brasileira veda aos condenados a imposição da pena de trabalhos forçados, segundo o artigo 5º, XLVIII, “e”, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988, online). Belisário (2005) afirma que trabalho forçado é o realizado sob ameaça, incluindo a vigilância ostensiva e a retenção de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o afã de impossibilitar a saída do local de trabalho. Também é considerado trabalho forçado o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte. Para o autor, as condutas dos incisos I e II do artigo 149 do Código Penal, quais sejam cercear o uso de meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho e manter vigilância ostensiva, seapoderar de documentos e objetos pessoais do trabalhador, são figuras típicas assemelhadas ao trabalho forçado. Melo (2013) afirma que o delito ainda pode ser caracterizado pela 64 restrição de locomoção do trabalhador pela dívida contraída com o empregador ou preposto. Ainda, segundo a OIT (online), o trabalho forçado é diferente de uma mera irregularidade trabalhista e inclui serviços sexuais forçados. Importante mencionar que, segundo Cavalcanti (2020), a coação no trabalho forçado não está limitada às ameaças físicas, mas também as de cunho moral ou psicológicas. As de ordem moral podem ocorrer por meio de métodos juridicamente fraudulentos; as de ordem psicológica podem ocorrer por meio de instrumentos que ajam na esfera emotiva ou psíquica do trabalhador; e as de ordem física, com incidência no corpo do trabalhador, seja o aprisionando ou violentando (CAVALCANTI, 2020). O trabalho forçado difere dos demais que serão analisados mais adiante, pela intensidade, porque na hipótese de trabalho forçado a obrigatoriedade de prestar serviço é determinante (BRITO FILHO, 2013). Para Brito Filho (2013), o trabalho forçado é caracterizado a partir da existência de uma relação de trabalho entre o tomador de serviço e o trabalhador, e o fato de o trabalho ser prestado independentemente da vontade do trabalhador ou com a anulação de sua vontade. 3.4.2 Jornada exaustiva A jornada exaustiva é uma jornada de trabalho físico ou mental que por sua intensidade ou extensão, esgota as capacidades corpóreas e produtivas do trabalhador, mesmo que de maneira transitória, acarretando riscos a sua segurança e saúde (ROCHA, 2015). Ainda, a jornada exaustiva que caracteriza o trabalho análogo à escravidão tem o ritmo acelerado e a frequência desgastante, por isso, impede que ao final do dia, o trabalhador recomponha suas forças de trabalho até a jornada que se iniciará no dia seguinte (CAVALCANTI, 2020), como pregado no conceito de trabalho decente, em que o trabalhador conta com a limitação de jornadas e garantias de repouso. Sem o descanso que é direito do trabalhador, há má qualidade de vida e desrespeito à dignidade da pessoa humana. Nota-se, portanto, que a exaustão é o elemento caracterizador do trabalho análogo à escravidão na modalidade jornada exaustiva. A exaustão da modalidade é incompatível com a condição humana e tem o poder de esgotar mentalmente e fisicamente a pessoa, a transformando num objeto descartável. Destaca-se que a jornada exaustiva já era condenada desde a Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, escrita em 1891, quando doutrinou que o trabalho diário não poderia exceder a força do trabalhador, além de que o repouso deveria 65 ser proporcional à qualidade do trabalho, à saúde dos operários e às circunstâncias do tempo e do lugar (CAVALCANTI, 2020). Para Nucci (2017), a jornada exaustiva é o período de labor diário que não se coaduna com as regras da legislação trabalhista. A jornada exaustiva exaure o trabalhador, independentemente do pagamento de horas extraordinárias ou de qualquer compensação. Destaca-se que os limites legais para a legislação brasileira, para além da legislação trabalhista, devem ser interpretados sob a ótica da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, XIII, que determina que a duração do trabalho normal para o trabalhador urbano e rural, não seja superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, sendo possível a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (BRASIL, 1988, online). Cícero Rufino Pereira (2007) entende que a jornada exaustiva traz riscos à saúde do trabalhador, bem como o expõe à falta de segurança, uma vez que as longas jornadas deixam o trabalhador com os reflexos e raciocínios mais lentos, os submetendo a riscos de acidentes. Brito Filho (2013), por sua vez, entende que a caracterização da jornada exaustiva é feita a partir de quatro elementos, quais sejam: a existência da relação de trabalho; jornada que ultrapasse os limites legais; capacidade da jornada prejudicar a saúde física e mental do trabalhador, de maneira a esgotá-lo; e a imposição da jornada contra a vontade do trabalhador ou com a anulação de sua vontade. Apesar de toda a conceituação exposta, do posicionamento de estudiosos, da legislação trabalhista e Constituição Federal, impende ressaltar a facilidade de um trabalhador ser submetido a uma jornada exaustiva depois da Reforma Trabalhista. Pela Reforma, o “negociável” se sobrepõe ao “legislado”, facilitando, assim, uma jornada irregular e precária de trabalho. Isto porque a flexibilização trazida pela Reforma exclui ou reduz as intervenções do Estado nas relações trabalhistas, ofendendo a dignidade do trabalhador. Por isso, é essencial que toda relação de trabalho respeite verdadeiramente todos os limites legais, como o artigo 7º, XIII, da CFRB/1988 e o artigo 58 da CLT, que dispõe que a duração normal do trabalho em qualquer atividade privada, não excederá de oito horárias por dia, desde que não seja fixado expressamente outro limite, como forma de garantir e preservar a dignidade do trabalhador e os princípios do direito do trabalho. 66 3.4.3 Trabalho em condições degradantes Para Cavalcanti (2020), as condições degradantes de trabalho estão ligadas ao rebaixamento, a falta de dignidade e ao aviltamento. Para que seja caracterizado como trabalho análogo à escravidão, necessário que as condições do trabalhador e o descumprimento da legislação atinjam seriamente a dignidade do trabalhador. Assim, o trabalho em condições degradantes é aquele em que o trabalhador não tem boas condições de moradia, de higiene, não tem água potável, não tem alimentação adequada, sem remuneração adequada ou mesmo sem qualquer remuneração, não tem instrumentos de trabalho, equipamentos de proteção individual, não há anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), não há exames admissionais ou demissionais, ou seja, está em uma condição extremamente precária e expressamente proibida pela legislação trabalhista e pela Lei Maior. Brito Filho (2004) afirma que o trabalhador deve ter a garantia de todos esses elementos, pois, na falta de um deles, tem-se o trabalho em condições degradantes. Assim, se não é dado a um trabalhador boas condições de higiene e alimentação, por exemplo, tem-se a caracterização do trabalho degradante. Por isso, Cavalcanti (2020) considera que as condições degradantes de trabalho “coisificam o homem”. Ademais, tais condições podem ser caracterizadas através de três elementos, quais sejam: existência de relação de trabalho; ausência de condições mínimas, sendo o trabalhador equiparado a uma coisa ou a um bem; e imposição contra a vontade do trabalhador, bem como a anulação de sua vontade. Posto isso, Brito Filho (2013) ensina que o trabalho em condições degradantes é o definido como trabalho com condições impostas pelo tomador de serviço, onde o trabalhador tem sua vontade cerceada ou anulada, resultando na negação de parte dos direitos mínimos dispostos na legislação em vigor. Importante consignar que segundo Haddad (2013), o tipo penal é aberto, cabendo ao magistrado definir e interpretar o que seriam essas condições degradantes. Nesse ponto, Nucci (2017) afirma que o bom senso indica o caminho a ser percorrido, se valendo o magistrado da legislação trabalhista, posto que a legislação preserva as condições mínimas para o trabalho humano. Destaca Haddad (2013) que em que pese o tipo penal seja aberto, não se trata de norma penal em branco, necessitando de complementação da legislação trabalhista para se ter o significado jurídico-penal. Ademais, o autor destaca que não é qualquer constrangimento por irregularidades na relação de trabalho que determina que há o trabalho em condições degradantes, mas será configuradoo crime quando houver aquelas condições que coisificam o 67 trabalhador, lhe atribuindo preço, negando os direitos básicos. O trabalho que implique em sacrifício físico e mental, mas que os direitos trabalhistas forem preservados e as condições adversas forem compensadas, com o pagamento de gratificações ou adicionais, por exemplo; ou mitigadas, com o fornecimento de equipamentos de proteção, não será considerado como trabalho em condições degradantes. 3.4.4 Restrição de locomoção em razão de dívida contraída Na modalidade restrição de locomoção em razão de dívida contraída, também conhecida como servidão por dívida, o empregador ou preposto cria meios de endividamento para o empregado que impossibilite ou dificulte o fim do vínculo laboral e o abandono do local de trabalho (CAVALCANTI, 2020). Como já mencionado ao decorrer do presente trabalho, o empregador consegue reter boa parte ou o salário integral do trabalhador em razão de dívidas que o próprio trabalhador faz para permanecer no local de trabalho. Explico: muitas vezes o trabalhador ao sair de casa já contrai a dívida, seja pegando uma parcela do pagamento adiantado para deixar a família abastecida, seja custeando a sua passagem até o local de trabalho. Menciona-se que o empregador obriga o trabalhador a adquirir as ferramentas de trabalho, produtos de higiene, alimentação, vestuário, equipamentos de proteção individual, custo com moradia, ao próprio empregador e, diga-se de passagem, com o preço inflacionado porque tais produtos são vendidos exclusivamente pelo empregador, configurando a chamada política de barracão ou truck system. Destaca-se que embora as dívidas em sua maioria sejam inflacionadas ou indevidas, pouco importa a sua origem, pois não é possível impedir a locomoção do trabalhador em nenhuma hipótese (BRITO FILHO, 2013). Para Cavalcanti (2020), a política do barracão retira o poder da livre disponibilidade salarial do trabalhador. A dívida vira uma “bola de neve”, fazendo com o que o trabalhador não consiga quitá-la. Por isso, o trabalhador continua prestando o serviço com o afã de quitar todo o débito, o que por óbvio, não ocorre. Também há a questão do peso moral da dívida, que é um grande dificultador na finalização do vínculo laboral, pois o trabalhador se sente constrangido em não quitar seu débito, uma vez que para eles, “quem deve paga”. Abandonar o serviço com a existência de uma dívida é uma possibilidade pouco pensada diante da moral que norteia os trabalhadores (FIGUEIRA, 2020). Necessário destacar que o direito de ir e vir é um direito fundamental e impedir o trabalhador de encerrar a prestação de trabalho, 68 restringindo sua locomoção em razão de dívida contraída, é uma limitação a tal garantia. Quando o peso moral da dívida não é mais suficiente porque o trabalhador percebe que a dívida é perpétua e tenta abandonar o posto de trabalho, regressar para a sua cidade, há a coação física. Apesar de aparentemente livre, o trabalhador não é de fato, porque tem somente duas opções: pagar uma dívida impagável ou fugir do posto de trabalho arriscando sua vida. No âmbito internacional, a restrição de locomoção por dívida contraída é definida na Convenção Suplementar Relativa à Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura da ONU (1956), promulgada pelo Decreto nº 58.563, de 1º de junho de 1966 (BRASIL, 1966, online). No artigo 1º, letra “a” do Decreto, a restrição de locomoção por dívida contraída é conceituada como sendo o estado ou a condição em que um devedor se compromete a fornecer seus serviços pessoais ou de alguém sobre o qual tenha autoridade, em garantia de uma dívida e o valor desses serviços não é equitativamente avaliado no ato da liquidação da dívida ou a duração dos serviços não é limitada e nem sua natureza é definida. Ao analisar a modalidade, percebe-se que a dívida é artificialmente criada, uma vez que os valores cobrados aos trabalhadores são muito elevados, acima do preço usual (BRITO FILHO, 2013). Assim, se a liberdade de ir e vir do trabalhador é restringida devido à dívida contraída, seja com o próprio empregador ou com o preposto, está configurado o delito do artigo 149 do CP. Frise-se que segundo Nucci (2017), se o empregador obriga ou coage o trabalhador a usar mercadorias de determinado estabelecimento, impossibilitando o desligamento do trabalho pela dívida, sem afetar a sua liberdade de locomoção, este comete o delito previsto no artigo 203, §1º, I, do Código Penal, qual seja, a frustração de direito assegurado por lei trabalhista. Quando há a restrição da locomoção por dívida contraída, o empregador ou preposto submete o trabalhador à modalidade em comento e ao crime tipificado no artigo 149, de redução à condição análoga à de escravo. 3.4.5 Retenção no local de trabalho através do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte, vigilância ostensiva, retenção de documentos ou objetos pessoais A redação do artigo 149, do CP, também prevê duas formas típicas equiparadas, quais sejam o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho, manutenção na vigilância ostensiva no local de 69 trabalho e apoderamento de documentos ou objetos pessoais do trabalhador. De início, o trabalhador que tem cerceado o uso de qualquer meio de transporte de forma que não pode sair do local de trabalho, está submetido ao trabalho análogo à escravidão. Para Nucci (2017), a figura foi pensada para os trabalhos distantes dos centros urbanos, que necessitam de meio de transporte para levar e buscar trabalhadores às cidades próximas. Assim, é comum que o empregador com a intenção de reter os trabalhadores no local de trabalho, retire o meio de locomoção. Entretanto, ter sido pensado para trabalhos rurais não faz com o que o tipo seja inviável em centros urbanos, uma vez que a figura do artigo 149, §1º, I, do CP faz menção ao cerceamento do uso de qualquer meio de transporte, não ficando restrito somente aos meios de transporte de propriedade do empregador. No que concerne à vigilância ostensiva, Gomes (2015) conceitua como qualquer medida de controle empresarial exercida sobre o trabalhador com o afã de retê-lo no local de trabalho. Entretanto, Nucci (2017) afirma que manter, por si só, vigilância ostensiva no local de trabalho visando cuidados de proteção, não configura o crime. É o que ocorre numa agência bancária, onde existe vigilância armada. Na modalidade em comento, a vigilância, que pode ser armada ou não, tem o objetivo de reter o empregado no local de trabalho. Em relação à retenção de documentos ou objetos pessoais, quando há o apoderamento de forma ilícita, com o objetivo de reter o trabalhador no local de trabalho, está configurado o crime (GOMES, 2015). Entretanto, quando ocorre a retenção, necessário verificar se a finalidade está relacionada à retenção no local de trabalho (BRASIL, 2011a, online). A figura de retenção de documentos é semelhante à figura do artigo 203, §1º, II, do CP, que trata de delito contra a organização do trabalho. Entretanto, nesse tipo penal, a retenção de documentos está ligada ao fato de manter o vínculo com o empregador, impossibilitando a entrega dos documentos a outra empresa, por exemplo, não afetando a liberdade de locomoção do trabalhador (NUCCI, 2017). Nas hipóteses acima mencionadas, quais sejam a retenção do trabalhador no local de trabalho através do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte, vigilância ostensiva e retenção de documentos ou objetos pessoais, há a necessidade do dolo específico (elemento subjetivo do injusto), ou seja, a finalidade de reter as vítimas no local de trabalho. Só estará configurado o crime nas hipóteses em que o sujeito ativo, seja o empregador ou o preposto, tenha aintenção de reter o trabalhador no local de trabalho (CAZETTA, 2007). Caso não haja tal intenção, o crime configurado poderá ser outro, a exemplo, o supramencionado crime do artigo 203 do Código Penal que é subsidiário, ou seja, só será configurado quando não for 70 hipótese do crime de redução a condição análoga à de escravo, do artigo 149, do Código Penal (NUCCI, 2017). 3.4.6 Trabalho infantil O artigo 149 do Código Penal impõe o aumento de metade da pena se o crime de redução análoga à de escravo for praticado contra criança ou adolescente. Além disso, a pena também é aumentada até a metade nos casos em que o crime é cometido por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Nucci (2017) destaca que na segunda hipótese de aumento, por ser uma forma de racismo, passa a ser imprescritível e inafiançável, segundo prevê a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLII (BRASIL, 1988, online). Em que pese existam duas formas de aumento da pena, o tópico em comento estudará o trabalho infantil. O trabalho infantil é toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes que estão abaixo da idade mínima permitida de acordo com a legislação de cada país (REDE PETECA, online). No Brasil, segundo o artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se criança a pessoa de até doze anos de idade incompletos, e adolescente a pessoa entre doze e dezoito anos de idade. Segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, inciso XXXIII, é proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos (BRASIL, 1988, online). Tem-se, portanto, a proibição total do trabalho até os treze anos; entre os quatorze e dezesseis anos admite-se uma exceção, qual seja, o trabalho na condição de aprendiz; entre dezesseis anos e dezessete anos, há uma permissão parcial, sendo proibida as atividades noturnas, insalubres, perigosas e penosas, incluindo-se as dispostas no Decreto nº 6.481/2008, que lista as piores formas de trabalho infantil (REDE PETECA, online). Para Zéu Palmeira Sobrinho (2012), o trabalho infantil é toda prestação de serviço por pessoas que pelas condições socioambientais e fisiológicas que são simultâneas ao estágio de puberdade e até o antecedem, são potencialmente vulneráveis aos riscos sociais que causam dano à saúde e à integridade moral, psicossocial e física. Ainda para o autor, o trabalho precoce, além das sequelas mencionadas, como as de natureza física, representando sério abalo no processo de formação moral da criança, há a sequela social. Ambientes de trabalho inadequados afetam a saúde e a autoestima da criança e, em que pese seja do 71 conhecimento dos exploradores, as crianças e adolescentes são inseridos no desafio do trabalho, na maioria das vezes, em ambientes danosos à saúde e à integridade física. Fabiana Dantas Soares Alves da Mota (2018) discorrendo sobre o trabalhador infantil no campo, afirma que a preocupação com a continuidade da profissão de produtor rural não justifica a submissão de crianças e adolescentes a risco que eles não podem assumir, pois a falta de informação, a imaturidade e a timidez que são inerentes à idade, levam a exposição de riscos que podem levar à mutilações e mortes. Além disso, as famílias envolvem as crianças e os adolescentes na produção devido a necessidade de compor a renda familiar, majoritariamente nos casos em que há redução dos investimentos, nos tempos de crises ou por não ter onde deixá-los. Comprova-se, assim, que o trabalho infantil é um problema que envolve todas as esferas, seja a família, o Estado, a sociedade civil, pois deve ser conferido às famílias condições em que não seja alternativa submeter a criança ou adolescente a esse tipo de trabalho. A OIT (online) destaca que o trabalho infantil é ilegal e impede que as crianças e adolescentes tenham uma infância normal, pois são impedidos de frequentar a escola e de desenvolver suas habilidades de modo saudável. Destaca, ainda, que o trabalho infantil é uma grave violação dos direitos humanos e dos direitos e princípios do trabalho, sendo o oposto do trabalho decente. A OIT considera a eliminação do trabalho infantil uma prioridade porque o trabalho infantil impacta o desenvolvimento das nações e, não raras vezes, leva ao trabalho forçado na vida adulta. O trabalho infantil assume uma faceta mais cruel pois pode envolver exploração sexual, tráfico de drogas, mendicância forçada, servidão e o próprio trabalho análogo à escravidão (MELO, 2017). Em que pese haja a prática do trabalho infantil no país, com o princípio da proteção integral e o artigo 227 da CFRB/1988, o Brasil passou a integrar o rol das nações mais comprometidas com a erradicação do trabalho infantil (MELO, 2017). 3.4.7 Tráfico de pessoas O tráfico de pessoas está disposto no artigo 149-A do Código Penal Brasileiro e é conceituado como o ato de “agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso” com o intuito de remover órgãos, partes do corpo ou tecidos, submeter a trabalho em condições análogas à de escravo, a qualquer tipo de servidão, adoção ilegal ou exploração sexual, tendo como pena a reclusão de quatro a oito anos e multa. Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos 72 Direitos Humanos (BRASIL, 2020c, online), o tráfico de pessoas é uma realidade em todo o mundo, mas ainda pouco discutida no Brasil. Para Nucci (2017), as condutas do tipo são alternativas, ou seja, a prática de uma ou mais de uma conduta gera apenas um delito, quando estiverem no mesmo contexto fático. O objeto das condutas é a pessoa humana, sem distinção de gênero, origem, nacionalidade, raça, religião, idade, situação social e migratória, orientação sexual etc. O objetivo do agente, por sua vez, pode variar entre os cinco incisos e a sua atividade deverá ser realizada mediante grave ameaça, violência. No que concerne o objeto de estudo do presente trabalho, o tráfico de pessoas pode ocorrer com a finalidade de submeter alguém a trabalho em condições análogas à de escravo. Na maioria das vezes, os trabalhadores atravessam o país em busca de uma condição digna de trabalho, uma boa remuneração, mas ao chegaram ao local, percebem que não será cumprido o prometido pelo criminoso. Ressalta-se que, como já visto, há um tipo penal específico para o crime de trabalho análogo à escravidão. Quando há o tráfico – dentro ou fora do país –, o tipo penal passa a ser o artigo 149-A do CP. Em síntese, esse capítulo tentou demonstrar a conceituação de trabalho análogo à escravidão, perpassado pela ideia de vulnerabilidade social e econômica, sendo que o perfil das vítimas dessa forma de exploração do homem pelo homem é repleto de pessoas não- brancas, ainda uma marca da escravidão colonial. Depois disso, foi visto a tipificação do trabalho análogo à escravidão no sistema jurídico brasileiro, com foco no artigo 149, do Código Penal. Também foram analisadas as modalidades em que o trabalho análogo à escravidão pode ser encontrado. Assim, somando esse conhecimento com o que já foi aprendido sobre trabalho decente no capítulo anterior, imprescindível avançar para a análise do caso dos trabalhadores do Vale do Açu. 73 4 UM MERGULHO NA REALIDADE: O CASO DOS TRABALHADORES EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO RESGATADOS NO VALE DO AÇU O presente capítulo é orientado numa espécie de evolução da apresentação dos conteúdos, visto que no segundo capítulo foi estudado a questão do trabalho decente, no capítulo seguinte a discussão sobre as repercussões jurídicas do trabalho análogo à escravidão. Agora, será construída uma abordagem prática, pois o trabalho nessascondições ainda persiste e foi identificado em região próxima, no caso, o Vale do Açu, microrregião do Rio Grande do Norte. Dessa forma, num primeiro momento desse capítulo, será construída uma análise das cidades do Vale do Açu em que os trabalhadores foram localizados. Com isso, mais uma vez será constatado que os abismos sociais e econômicos são fatores de geração de vulnerabilidades, precarização e escravidão. Depois, será percebida a importância econômica da Carnaúba, retratada até nos versos de poetas populares. Concluído esse ponto, imprescindível avançar para a verificação da atuação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que trabalhou, de forma articulada, para verificar as condições de trabalho no manejo da carnaúba no Vale do Açu. Aqui, imprescindível conferir especial destaque para a importância do diálogo entre diferentes esferas das atividades públicas, com o objetivo de viabilizar uma ação efetiva no combate dessa prática que necessita ser superada. Feito isso, o trabalho avança para o conhecimento dos sujeitos, para a identificação do perfil, do modo de trabalho, da vida e da humilhação constante dos trabalhadores antes do resgate. Isso conduz à verificação das violações identificadas, dos direitos violados que, de antemão, vale dizer que são numerosos. Por fim, indaga-se como é a vida do trabalhador depois do seu resgate e, por isso, o último tópico discorre sobre a efetivação de políticas pós-resgate. 4.1 A terra e seus frutos: uma análise das cidades do Vale do Açu que tiveram trabalhadores resgatados e da importância econômica da carnaúba O estado do Rio Grande do Norte é dividido geograficamente em 19 (dezenove) microrregiões. Dentre as 19 (dezenove) microrregiões, tem-se a microrregião do Vale do Açu, que está localizada na mesorregião Oeste Potiguar, bem como na região da Bacia Hidrográfica do rio Piranhas-Açu. A Bacia Hidrográfica do rio Piranhas-Açu nasce no estado da Paraíba, no município de Bonito de Santa Fé e vai ao encontro da cidade de Macau/RN 74 (ALBANO; SÁ, 2009). O Vale do Açu é uma das microrregiões do estado mais importantes do ponto de vista econômico e é formada por onze municípios, como já mencionado no capítulo anterior, sendo eles: Alto do Rodrigues, Carnaubais, Guamaré, Ipanguaçu, Itajá, Macau, Paraú, Pendências, Porto do Mangue, São Rafael e Assú (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, online). Das onze cidades que fazem parte da microrregião do Vale do Açu, duas delas ganharão destaque neste capítulo, quais sejam Assú e Carnaubais. Ademais, ganhará destaque a cidade de Apodi, que faz parte da mesorregião em que o Vale do Açu está localizado, a mesorregião do Oeste Potiguar. Isto porque a operação de combate ao trabalho análogo à escravidão a ser estudada aconteceu nos municípios citados. Portanto, necessário discorrer sobre os municípios, a começar pelo município de Apodi/RN. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade de Apodi possui 35.874 (trinta e cinco mil oitocentos e setenta e quatro) habitantes, numa estimativa para 2020 (IBGE, 2020, online), e uma área territorial de 1.602,477 km2 (IBGE, 2019, online). Em 2018, o salário médio mensal dos trabalhadores formais era de 1.7 salários-mínimos e apenas 12.6% das pessoas possuíam alguma ocupação, ou seja, 4.506 (quatro mil quinhentas e seis) pessoas (IBGE, 2018, online). Em relação aos rendimentos mensais, 51,9% da população vivem em domicílios com rendimentos de até meio salário-mínimo por pessoa (IBGE, 2010, online). No que concerne à educação, a cidade tem uma taxa de 97,2% de escolarização de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos de idade (IBGE, 2010, online) e, na economia, o PIB per capita é de R$12.973,90 (doze mil novecentos e setenta e três reais e noventa centavos) (IBGE, 2017, online). Ainda sobre o município de Apodi, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é de 0,639 (IBGE, 2010, online). Importante mencionar que segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o IDHM “é uma medida composta de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda”. Destaca-se que o índice do IDHM varia de 0 (zero) a 1 (um), ou seja, quanto mais próximo de 1 (um), maior é o desenvolvimento humano do município (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, online). Outro município do Vale do Açu que merece destaque no estudo é Assú. Segundo o IBGE (2020, online), Assú tem uma população estimada para 2020 de 58.384 (cinquenta e oito mil trezentos e oitenta e quatro) pessoas. Possui uma área territorial de 1.303,442 km2 (IBGE, 2019, online) e, em 2018, o salário médio mensal dos trabalhadores formais era de 1.8 salários-mínimos. Ainda em relação ao trabalho e rendimento, 11.6% da população é 75 ocupada, perfazendo um total de 6.692 (seis mil seiscentos e noventa e duas) pessoas ocupadas (IBGE, 2018, online). No que concerne ao rendimento nominal mensal per capita, 44,7% da população do município do Assú tem um rendimento per capita de até meio salário- mínimo (IBGE, 2010). Segundo o IBGE (2010, online), a taxa de escolarização de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos de idade é de 97,6%, o PIB per capita de R$15.364,85 (quinze mil trezentos e sessenta e quatro reais e oitenta e cinco centavos) (IBGE, 2017, online) e o IDHM de 0,661 (IBGE, 2010, online). O último município a ser estudado no presente trabalho é o município de Carnaubais. Carnaubais tem uma população estimada para 2020 de 10.867 (dez mil oitocentos e sessenta e sete) pessoas (IBGE, 2020, online) e uma área territorial de 517,737 km2 (IBGE, 2019, online). No que concerne ao trabalho e rendimento do município, o salário médio mensal dos trabalhadores formais em 2018 era de 1.9 salários-mínimos e somente 731 (setecentos e trinta e uma) pessoas possuíam uma ocupação, ou seja, 6,9% da população geral (IBGE, 2018, online). Apenas 50,7% da população em 2010 possuía um rendimento nominal mensal per capita de até meio salário-mínimo. Em relação à educação, a taxa de escolarização de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos de idade no município, em 2010, era de 97,5% (IBGE, 2010, online). O PIB per capita da cidade é no valor de R$11.185,27 (onze mil cento e oitenta e cinco reais e vinte e sete centavos) (IBGE, 2017, online) e o IDHM de 0,589 (IBGE, 2010, online). Ao analisar as três cidades em que houve os resgates de trabalhadores em condições análogas às de escravos objetos do estudo, nota-se que todas possuem características em comum e são rodeadas pela vulnerabilidade e abismo social. A vulnerabilidade pode ser notada através do salário médio mensal dos trabalhadores formais nas três cidades, que variavam entre 1.7 a 1.9 salários-mínimos em 2018, além disso, pessoas com ocupação variavam de 6,9% a 12,6%, com destaque para o município de Carnaubais que apenas 731 (setecentos e trinta e uma) pessoas possuem ocupação em toda a cidade. No que concerne à população que vive em domicílios com rendimentos de até, frise- se, meio salário-mínimo per capita, tem-se o exorbitante número que varia entre 44,7% a 51,9%, ou seja, basicamente metade da população dos municípios vive em domicílios com até metade de um salário-mínimo per capita. Importante destacar que atualmente o salário- mínimo é de R$1.045,00 (hum mil e quarenta e cinco) reais e, conforme o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2020, online), em junho de 2020, o salário-mínimo necessário deveria perfazer o valor de R$ 76 4.595,60 (quatro mil e quinhentos e noventa e cinco reais e sessenta centavos). A cifra ideal está muito acima do que é recebido pela média dos trabalhadores, situação reveladora de vulnerabilidades e abismos sociais. Em relação ao Produto Interno Bruto per capita dos municípiosde Apodi, Assú e Carnaubais, em 2017 variavam entre R$11.185,27 (onze mil cento e oitenta e cinco reais e vinte e sete centavos) e R$15.364,85 (quinze mil trezentos e sessenta e quatro reais e oitenta e cinco centavos). O PIB per capita do Brasil em 2017, por sua vez, foi de R$31.833,50 (trinta e um mil oitocentos e trinta e três reais e cinquenta centavos), ou seja, mais que o dobro do PIB per capita dos três municípios individualmente. Nota-se, também, a diferença entre o PIB per capita dos municípios estudados e o maior PIB per capita do estado, qual seja, o PIB da cidade de Guamaré/RN, que é de R$106.121,53 (cento e seis mil cento e vinte e um reais e cinquenta e três centavos) (IBGE, 2017, online). Necessário relembrar que o município de Guamaré também faz parte da microrregião do Vale do Açu. Além da enorme diferença entre o PIB per capita dos municípios, o PIB per capita do Brasil e o maior PIB per capita do estado do Rio Grande do Norte, necessário tecer uma crítica quanto a esse indicador. A renda per capita não demonstra fielmente a realidade da maioria das pessoas. Ora, em que pese um PIB per capita de R$11.185,27 (onze mil cento e oitenta e cinco reais e vinte e sete centavos), que é o caso da cidade de Carnaubais, seja considerado baixo, uma vez que se encontra na 66ª posição no ranking do PIB per capita do estado do Rio Grande do Norte (IBGE, 2017, online), ainda assim o recebimento desse valor é uma realidade distante na vida de muitos habitantes dos municípios em comento, isto porque há uma enorme concentração de renda, ou seja, poucos habitantes têm grande parte da riqueza das cidades. Exemplo disso em âmbito nacional, é o fato de que em 2017, ano da última atualização do PIB, das 27,5 milhões de pessoas que declararam o imposto de renda, menos de 0,3% possui 15% da renda total declarada no país e 22,3% das riquezas e bens declarados à Receita Federal (MERELES, 2017, online). Por isso, o IDHM é um conceito mais amplo e que demonstra melhor a realidade dos municípios. Como já mencionado, o IDHM possui três dimensões, quais sejam a longevidade, educação e renda (ONU, online). Mesmo assim, o IDHM dos municípios aqui estudados é considerado baixo. Já no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos estados do Brasil, que é um índice que possui três dimensões básicas, quais sejam renda, educação e saúde, fazendo contraponto ao PIB que considera apenas a dimensão econômica (ONU, online), o Rio Grande do Norte ocupa a 16ª posição de 27 posições (IBGE, 2010, online). Há 77 uma grande discrepância entre o primeiro lugar, que é o Distrito Federal e o Rio Grande do Norte. O IDH do Distrito Federal é 0,824, enquanto o IDH do Rio Grande do Norte é de 0,684 (IBGE, 2010, online). Assim, nota-se que para além de um PIB per capita considerado baixo, o estado do Rio Grande do Norte, bem como os municípios de Apodi, Assú e Carnaubais, possuem um índice de desenvolvimento humano módico, caracterizando, mais uma vez, a vulnerabilidade social inerente ao trabalho análogo à escravidão. Após a análise das vulnerabilidades dos municípios de Apodi, Assú e Carnaubais, necessário o estudo sobre uma das principais atividades econômicas do Vale do Açu. O Vale do Açu é responsável pela maior parte da produção de petróleo do estado do Rio Grande do Norte e extração do sal marinho. De maneira significativa, também é responsável pela produção e comercialização de pescado, de maneira considerável, pela produção na área da fruticultura irrigada, além disso, possui grande polo de cerâmica (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, online). De grande destaque, há a produção da cera de carnaúba. Importante mencionar que a produção da cera de carnaúba no Brasil é realizada em três estados, todos do Nordeste: Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí (XIMENES NETO; CRISPIM; BRAGA, 2019). Entretanto, a palha extraída do RN produz pó com melhor qualidade, em média cerca de 70% do seu peso em cera. Em contrapartida, Piauí e Ceará produz pó de menor qualidade, que resulta em média 50% a 60% do seu peso em cera (BRASIL, 2020b, online). A palmeira é tão importante para a região que foi mencionada na canção "Nordeste Independente", dos cantadores de viola Ivanildo Vilanova e Bráulio Tavares. Na canção dos poetas populares, se o Nordeste ficasse independente, "o Brasil ia ter de importar do Nordeste algodão, cana, caju, carnaúba, laranja, babaçu, abacaxi e o sal de cozinhar". A carnaubeira é uma palmeira nativa da região que se adapta bem ao clima semiárido, o que beneficia os agricultores, tornando-se importante na economia da região (ARAÚJO; ALMEIDA; FERREIRA, 2015). Estima-se que a carnaubeira possui vida produtiva de 200 (duzentos) anos, é muito resistente e, diferentemente de outras espécies de palmeiras, o seu fruto não é o principal produto de exploração. De todos os produtos da exploração da carnaubeira, o pó cerífero, que é extraído das folhas, é o mais importante na economia da carnaúba, principalmente porque o Brasil é o único país em todo o mundo que produz a cera de carnaúba. Assim, de maneira estimada, 85% do que é produzido no país vai para o exterior (SOUZA, 2017). 78 Necessário destacar que apesar do principal aproveitamento econômica da carnaúba ser extraído da folha, a economia da carnaúba também considera o conjunto de atividades que usam a raiz, caule, talo, fibra e fruto da palmeira para a produção de produtos artesanais e industriais (CARVALHO; GOMES, 2009). Por isso, diante de seu diversificado aproveitamento, a carnaubeira é também chamada de “árvore da vida”. Em relação à cera, impende ressaltar que ela pode ser comercializada em pó, escamas e pedaços e pode ser utilizada nos mais diversos seguimentos, tais como na área farmacêutica, para o revestimentos de medicamentos, cosméticos, na área de limpeza, polidores, produtos de higiene pessoal, filmes plásticos, tintas, impermeabilizantes, revestimentos, laqueadores, vernizes, embalagens para alimentos, produtos para tratamento de frutas, flores artificiais, tecidos, graxas, lubrificantes, papel-carbono, fósforos, pilhas, produtos de eletricidade, esteira, chapéus, bolsas, giz de cera e produtos automotivos (FARIAS, [2008], online). Como supramencionado, o maior destaque na economia da carnaúba é a cera, extraída das folhas. Essa extração é realizada no período seco, que varia de agosto a dezembro, podendo se estender até fevereiro (BRASIL, 2020b, online). No que concerne à cadeia produtiva da carnaúba, há o proprietário rural; o rendeiro, que arrenda o carnaubal e faz a contratação dos trabalhadores; o trabalhador que faz o corte e a secagem da palha, que é o trabalhador extrativista; o operador da máquina de bater e os ajudantes; a riscadeira e o batetor de palha; o trabalhador da indústria, como o prensador, cozinhador, fogueiro, o artesão de palha; o refinador da cera; o corretor de exportação; o atravessador; importador; e o agiota (GRUPO DE PESQUISA: AGRICULTURA FAMILIAR E RURALIDADE, 2008, online). Assim, diante da vasta possibilidade na utilização da carnaúba e do Brasil ser o único país do mundo a produzir a cera, nota-se a alta rentabilidade das carnaubeiras (GOMES et al., 2006). Além disso, a extração do pó cerífero da carnaúba proporciona oportunidades de ocupação para trabalhadores rurais pobres (CARVALHO; GOMES, 2017). Apesar da alta rentabilidade e de proporcionar oportunidades de ocupação aos trabalhadores rurais pobres, no processo produtivo da carnaubeira não há uma preocupação com as garantias trabalhistas ou com a dignidade do trabalhador. O trabalhador é contratado geralmente por terceiros, de maneira precária, sem nenhum direito trabalhista resguardado e sem qualquer cuidado com a sua saúde e segurança (XIMENES NETO; CRISPIM; BRAGA, 2019). Na maioria das vezes são contratados na informalidade e com condiçõesde trabalho e de moradia precárias, sendo submetidos a trabalhos análogos à escravidão (SILVA FILHO; SANTANA, 2020). Os trabalhadores são expostos a acidentes de trabalho, muitas vezes pela 79 falta de fornecimento dos equipamentos de proteção e pelo cansaço na jornada intensa. Destaca-se que o trabalho de criança e adolescente nas atividades da carnaúba é estritamente proibido por lei (A CARNAÚBA..., 2009, online). A cadeia produtiva da carnaúba e a comercialização dos produtos envolvem sérias violações de direitos humanos e trabalhistas (INPACTO, online). Por isso, os estados do Nordeste responsáveis pelas atividades de carnaúba, quais sejam, o Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, possuem um elevado número de trabalhadores resgatados. Necessário destacar que o trabalho análogo à escravidão se concentra na zona rural, ou seja, na área em que os trabalhadores da cadeia de carnaubeiras se encontram. Isto não quer dizer que não haja trabalho análogo à escravidão nas zonas urbanas, mas trabalhos rurais são os que mais recrutam pessoas para trabalhar nesse regime (BRASIL, 2011b, online). No Brasil, 95% de pessoas submetidas ao trabalho escravo são homens. Além disso, dentre os trabalhadores resgatados no âmbito rural, 70% são analfabetos ou não concluíram o 5º ano do ensino fundamental (ESCRAVO, NEM PENSAR!, online), o que explica a grande incidência do trabalho análogo à escravidão na zona rural, uma vez que pessoas com um baixo nível de escolaridade encontram mais dificuldades na inserção do mercado de trabalho formal e urbano. Agora, após a análise dos municípios de Apodi, Assú e Carnaubais e a análise do trabalho com as carnaúbas, importante estudar a operação de combate ao trabalho análogo à escravidão ocorrido no Vale do Açu, tema do presente trabalho, instrumento para construção de um conhecimento prático e para aprofundar a vivência nessa realidade. 4.2 A equipe em ação: o trabalho articulado para o resgate dos trabalhadores em condições análogas à escravidão no Vale do Açu Nesse ponto, será traçado um panorama da Operação de combate ao trabalho análogo à escravidão a ser estudada. O Grupo Especial Interinstitucional de Fiscalização Móvel, em um trabalho articulado entre o Ministério Público do Trabalho, Ministério da Economia, Defensoria Pública da União e Polícia Federal, realizou a operação nos municípios de Apodi, Assú e Carnaubais, todos do estado do Rio Grande do Norte. A operação ocorreu no período de 29 de outubro a 08 de novembro de 2019, tendo como objetivo o combate ao trabalho análogo ao escravo na cadeia produtiva da cera de carnaúba, em especial na fase da extração da palha da carnaúba, de modo a coibir esse tipo de exploração no Rio Grande do Norte. Necessário destacar que todas as informações desse tópico foram extraídas do Relatório de 80 Atividades do Grupo Especial Interinstitucional de Fiscalização Móvel (BRASIL, 2019d, online). Em maio de 2020, a primeira operação do GEFM completou 25 anos. O GEFM atua em todo o território nacional desde 1995, ano em que o governo brasileiro admitiu existir o trabalho análogo ao escravo no país e que começaram as ações de combate ao trabalho análogo à escravidão. Desde 1995, mais de 54 (cinquenta e quatro) mil trabalhadores foram resgatados e mais de 100 (cem) milhões de reais foram recebidos a título de verbas salariais e rescisórias pelos trabalhadores durante as operações de combate ao trabalho análogo à escravidão. O GEFM atua de forma interinstitucional, tendo como exemplo o caso em estudo, em que atuaram conjuntamente o Ministério Público do Trabalho, Ministério da Economia, Defensoria Pública da União e Polícia Federal. Pela forma interinstitucional, o GEFM é modelo em vários países e possui destaque nacional e internacional por ter sido pioneiro no combate ao trabalho análogo à escravidão no país. Como mencionado no presente trabalho, a carnaubeira é uma espécie de palmeira que cresce em alguns estados do Nordeste, como o Piauí e o Ceará e, em menor extensão, no Rio Grande do Norte. Os trabalhadores retiram a folha da carnaúba, extraem o pó, que é vendido para ser transformado em cera. A cera produzida é exportada para os Estados Unidos, Europa e Japão. Ocorre que, segundo o Relatório, em que pese a cadeia de atividades da carnaúba seja um trabalho secular, somente recentemente os trabalhadores em condições análogas à escravidão foram notados. Isto porque percebeu-se que parte dos trabalhadores que laboram na retirada das folhas da carnaúba não possuem qualquer condição digna de trabalho, não percebem o salário adequado, não trabalham com equipamento de proteção individual, não possuem conforto no local de trabalho, não tem disponibilizada alimentação adequada, consomem água não potável, são alojados em locais inadequados e tem, em todos os âmbitos, seus direitos cerceados. Como dito, o estado do Rio Grande do Norte possui uma menor extensão de carnaubeiras, mas foi alvo da operação em comento porque o Ministério Público do Trabalho em parceira com o então Ministério do Trabalho, combateu o trabalho análogo à escravidão na cadeia produtiva da cera de carnaúba nos estados do Ceará e Piauí, resgatando centenas de trabalhadores. Assim, diante das muitas fiscalizações nos estados do Ceará e Piauí, e consequente melhora para os trabalhadores da cadeia produtiva da carnaúba, os produtores e intermediários, em especial os do estado do Ceará, passaram a migrar para o estado do Rio 81 Grande do Norte e Maranhão (que possui uma pequena extensão de carnaubeiras), com o afã de explorar trabalhadores na região. No presente trabalho, serão analisadas quatro frentes de serviço de extração da palha da carnaúba. As quatro frentes de serviços foram exploradas por produtores rurais que terão seus nomes substituídos por nomes fictícios, como forma de preservar suas identidades. Para os produtores rurais autuados, serão utilizados os nomes Francisco da Silva, José de Souza, Antônio dos Santos e Joaquim Costa. Na primeira frente de serviço, que será numerada como a frente de serviço nº 01 (um), localizada na cidade de Carnaubais/RN, pertencente ao Sr. Francisco da Silva, foram encontrados 17 (dezessete) trabalhadores, dentre eles, 2 (dois) eram adolescentes. Dos 17 (dezessete) trabalhadores, 6 (seis) estavam sem registro na CTPS, incluindo, os dois adolescentes. Dentre todos os trabalhadores encontrados, diante das condições degradantes de trabalho e consequente redução dos trabalhadores a condições análogas à escravidão, 4 (quatro) foram resgatados, abrangendo nesses, os dois adolescentes. Os quatro resgatados laboravam desde o dia 26 de agosto de 2019, tendo sido resgatados no dia 30 de outubro de 2019, ou seja, um pouco mais de dois meses de exploração. Na segunda frente de trabalho, que será, por óbvio, numerada como a frente de serviço nº 02 (dois), localizada na zona rural de Assú/RN, pertencente ao Sr. José de Souza, foram encontrados 18 (dezoito) trabalhadores, todos maiores de idade. Nenhum dos dezoito estavam com a CTPS anotada. Dos dezoito, 10 (dez) foram resgatados, uma vez que estavam inseridos em contexto de condições degradantes de trabalho e, por conseguinte, de condições análogas à escravidão. O resgate ocorreu no dia 30 de outubro de 2019. Dos dez resgatados, seis foram admitidos no dia 06 de agosto de 2019, ou seja, quase três meses sendo submetidos a essas condições. Os outros quatro, foram admitidos nos dias 30 de setembro de 2019, tendo sido submetido a um mês de trabalho degradante; dia 01 de outubro de 2019, submetido a 29 (vinte e nove) dias de trabalho indigno; dia 21 de outubro de 2019, tendo sido submetido a nove dias de trabalho análogo à escravidão; e, dia 28 de outubro de 2019, tendo sido submetido a dois dias de trabalho análogo ao escravo. Na terceira frente de trabalho, que será numeradacomo a frente de serviço nº 03 (três), localizada na zona rural de Apodi/RN, pertencente ao Sr. Joaquim Costa, foram encontrados 10 (dez) trabalhadores, todos maiores de idade e nenhum com a CTPS anotada. Nesse caso, não houve resgate. Isto porque havia uma casa preparada para a alimentação dos trabalhadores e para o descanso intrajornada. A casa tinha mesas e cadeiras na quantidade suficiente para acomodar todos os trabalhadores durante as refeições. A alimentação era 82 preparada na própria casa, além disso, havia água potável para todos. Nenhum trabalhador ficava alojado na frente de trabalho, uma vez que todos moravam próximo à frente de serviço. O lugar em que faziam as refeições era limpo e possuía instalações sanitárias. No que concerne à contraprestação, era paga de maneira tempestiva, em que pese o empregador não formalizasse o recibo dos pagamentos. Além da não anotação da CTPS, o empregador não submeteu os trabalhadores aos exames médicos admissionais necessários, também não possuía no local de trabalho material indispensável para os primeiros socorros. Assim, constatou-se as seguintes ilicitudes na frente de trabalho pertencente ao Sr. Joaquim Costa: admitir ou manter empregado sem registro, seja em livro, ficha ou sistema eletrônico; não anotação da CTPS no prazo de cinco dias úteis, contados a partir do início da prestação do trabalho; pagamento do salário do empregado sem formalização do recibo; não submissão dos trabalhadores aos exames médicos admissionais; e, falta de material necessários aos primeiros socorros. Em que pese tenham sido constatadas tais ilicitudes, não houve densidade suficiente para configurar o crime do artigo 149 do Código Penal, por isso, não houve o resgate dos trabalhadores. No dia 04 de novembro de 2019, o empregador compareceu à Gerência do Trabalho em Mossoró/RN e firmou Termo de Ajuste e Conduta (TAC) perante o Ministério Público do Trabalho. Por fim, na quarta frente de trabalho, que será numerada como frente de serviço nº 04 (quatro), localizada na zona rural de Apodi/RN, pertencente ao Sr. Antônio dos Santos, foram encontrados 4 (quatro) trabalhadores, nenhum com CTPS anotada. Os trabalhadores não permaneciam alojados no local de trabalho, pois todos residiam nas proximidades. Além disso, pela proximidade, os trabalhadores também almoçavam em suas residências. No que concerne às contraprestações, eram todas realizadas tempestivamente, entretanto, o empregador não formalizava o recibo de pagamento. Nessa frente de trabalho, o empregador deixou de fornecer aos trabalhadores os equipamentos de proteção individual, não os submeteu aos exames médicos admissionais, além de não possuir, na frente de trabalho, material necessário aos primeiros socorros e não ter instalações sanitárias no local. Aqui, por não ter sido detectado ilicitude com densidade suficiente para configurar o crime do artigo 149 do Código Penal, não foi realizado nenhum resgate. Também no dia 04 de novembro de 2019, o empregador compareceu à Gerência do Trabalho em Mossoró/RN e firmou TAC perante o Ministério Público do Trabalho. Na operação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel em estudo, que fiscalizou as quatro frentes de trabalho retromencionadas, foram alcançados 49 (quarenta e nove) 83 trabalhadores, resgatados 14 (quatorze) e firmado 4 (quatro) Termos de Ajuste de Condutas. Também em decorrência da Operação, foram quitados valores correspondentes às verbas rescisórias e dano moral individual, além de terem sido lavrados 35 (trinta e cinco) autos de infração, terem sido expedidas guias de seguro-desemprego e sido registrados 38 (trinta e oito) trabalhadores durante toda a operação. No próximo ponto, será abordado, de maneira mais aprofundada, as duas frentes de trabalhos em que houve resgates de trabalhadores em condições análogas a de escravidão, quais sejam a frente do empregador Francisco da Silva (nº 01) e do empregador José de Souza (nº 02). Na ocasião, será analisada, entre outras coisas, as ilicitudes constatadas e o perfil dos trabalhadores resgatados. 4.3 O homem na condição de bicho: o perfil, o modo de trabalho, a vida e a humilhação constante dos trabalhadores resgatados no Vale do Açu Antes de estudar as duas frentes de trabalho, necessário esclarecer que todas as informações desse tópico foram extraídas do Relatório de Fiscalização da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo referente à frente de serviço nº 01 (BRASIL, 2019b, online) e frente de serviço nº 02 (BRASIL, 2019c, online). Como já mencionado, o GEFM, em ação de combate ao trabalho análogo à escravidão, autuou o empregador Francisco da Silva em sua frente de trabalho, localizada na zona rural de Carnaubais/RN. Reitera-se que a frente de trabalho do Sr. Francisco será chamada de “frente de trabalho nº 01” ou “frente de serviço nº 01”. O empregador havia arrendado a terra para extrair a palha da carnaúba, bem como para a secagem das palhas, além disso, segundo o empregador, o pó extraído era vendido integralmente para uma empresa. Cumpre destacar que o empregador afirmou que já participou de reuniões de orientação sobre o fornecimento dos equipamentos de proteção individual, quanto à necessidade de assinar a CTPS, bem como a obrigatoriedade de atendimento à legislação trabalhista. Apesar de ter conhecimento sobre isso, feriu a dignidade inerente aos trabalhadores, os reduzindo a condições análogas à escravidão. Segundo o Relatório de Fiscalização da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, a extração do pó da palha da carnaúba ocorre a partir do corte das palhas, feito com uma lâmina chamada “quicé” que é fixada na ponta de uma vara de bambu ou de madeira. O trabalhador “vareiro” é quem provoca a queda da palha. Os talos da palha são retirados por um trabalhador com um facão “aparador”. As palhas são amarradas em grupos 84 de 25 (vinte e cinco) unidades, trabalho esse realizado por um “enfiador” ou “feixeiro”. Já a pessoa que organiza os feixes (grupos de 25 unidades de palha) em cima de um animal, é chamado de “comboieiro” ou “burreiro”. O animal transporta as palhas até o local em que serão estendidas pelos “estentedores” sob o sol para a secagem. Após secas, as palhas são batidas em uma máquina. Foram encontrados 17 (dezessete) trabalhadores, sendo que 4 (quatro) deles estavam dormindo em redes armadas em meio às carnaúbas, embaixo de uma tenda, próximo da frente de trabalho nº 01. Antes da análise sobre os trabalhadores, necessário explanar que eles terão seus nomes verdadeiros trocados por nomes fictícios, de modo a preservá-los. Os nomes utilizados serão Severino Batista, Pedro Rodrigues, Danilo Mendes e Ronaldo Santana. Severino Batista trabalhava como “vareiro”, Pedro Rodrigues como “aparador”, Danilo Mendes como “burreiro” e Ronaldo Santana como “moeiro”. Merece destaque o fato de Pedro Rodrigues e Danilo Mendes terem sido resgatados com menos de 18 (dezoito) anos de idade, não podendo, em qualquer hipótese, trabalhar nas atividades e condições que estavam. Por violar a legislação brasileira e os tratados e convenções internacionais, como por exemplo a Convenção 29 e 105 da OIT, nota-se a submissão dos quatro trabalhadores resgatados a condições análogas à escravidão. Portanto, necessário dar voz aos trabalhadores encontrados, para que, a partir de seus relatos, haja entendimento da situação em que eles se encontravam. Os trabalhadores são os sujeitos das suas histórias e, logicamente, a eles deve ser conferido o direito de contar o que vivenciaram, sofreram e sentiram. É provável que esse momento tenha sido sonhado e esperado, fato que aumenta sua relevância. O processo de invisibilização dessas pessoas deve ter fim quando do resgate, não podendo seguir na condição de meros observadores de suas trajetórias. Não é possível o resgateapenas dos corpos, mas também das opiniões, da fala, do direito de se manifestar sobre o que viveram. Necessário que voltem a ser protagonistas das suas vidas e do direito de contar suas histórias. Partindo disso, os trabalhadores relataram ao GEFM que havia um ajuste entre eles e o empregador de que receberiam o salário por produção, assim, a cada milheiro de palha produzido, constituído por 40 (quarenta) “móis” e cada “mói” formado por 25 (vinte e cinco) palhas, haveria a remuneração de R$43,00 (quarenta e três reais) a ser dividido entre os dezessete trabalhadores, pagos quinzenalmente. Destaca-se que a produção média era de 25 (vinte e cinco) milheiros, ou seja, cada obreiro auferia, em média, R$632,00 (seiscentos e trinta e dois reais) por quinzena trabalhada. Entretanto, desse valor, era descontado em torno 85 de R$120,00 (cento e vinte reais) referente aos mantimentos comprados para os trabalhadores. Os trabalhadores laboravam de segunda a sexta-feira, das 6h às 11h e das 13h às 16h30min, tendo duas horas de intervalo para repouso e alimentação. Ainda segundo os relatos dos trabalhadores, o empregador costumava se fazer presente no ambiente de trabalho, no afã de saber se as atividades estavam de fato sendo executadas. Como dito anteriormente, foram resgatados quatro trabalhadores nessa frente de trabalho. Assim, necessário analisar os seus perfis. O primeiro trabalhador a ser analisado é o adolescente Danilo Mendes, nascido em 26 de fevereiro de 2003 e admitido no dia 26 de agosto de 2019, com apenas 16 (dezesseis) anos de idade, na função de “burreiro”. No que concerne aos estudos, Danilo estudou até o terceiro ano do ensino fundamental. O adolescente dormia na frente de trabalho porque não tinha como voltar diariamente para o local em que sua família mora, em Água Branca, indo para a sua residência somente aos finais de semana. Ademais, em relação à jornada de trabalho, Danilo trabalhava de 6h às 11h e de 13h às 16h30min, de segunda à sexta-feira. O segundo resgatado a ter seu perfil traçado é o também adolescente, Pedro Rodrigues. Pedro Rodrigues nasceu em 10 de novembro de 2001 e foi admitido em 26 de agosto de 2019, ou seja, com apenas 17 (dezessete) anos de idade, na função de “aparador”. Pedro Rodrigues estudou até a sexta série do ensino fundamental e, quando foi encontrado no resgate, já estava sendo explorado há cerca de 60 (sessenta) dias. Foi acertado com Pedro que ele ganharia em média R$600,00 (seiscentos reais) por quinzena porque trabalharia na produção. A jornada de trabalho era de 7h às 11h e das 13h às 16h30min, de segunda a sexta- feira e o adolescente ficava alojado ao relento, juntamente com os outros três trabalhadores resgatados. Às sextas-feiras, após o expediente, o adolescente voltava para a sua residência em moto própria. Outro trabalhador resgatado foi o Sr. Severino Batista. Severino Batista estudou até a 3ª série do ensino fundamental, não sabe ler e apenas escreve seu nome. É natural de Areia Branca/RN, mas reside em Carnaubais/RN, é solteiro e mora com um irmão. Trabalha como “vareiro”. Com o “Véio” (como os resgatados se referem ao empregador Francisco), trabalhava como vareiro há 06 (seis) anos, há 04 (quatro) safras de carnaúba e, na época que não era de safra de carnaúba, trabalhava fazendo “bicos” na roça. O Sr. Severino relatou em seu depoimento que dormia no acampamento que fica no meio do carnaubal porque não tinha transporte para retornar à cidade e que era de conhecimento do empregador o fato dos quatro resgatados dormirem lá. 86 Ainda, relatou que apesar do empregador ter conhecimento sobre o acampamento, apenas ofereceu uma lona para proteger os empregados do sol e chuva, mas não ofereceu rede para dormir, bem como não ofereceu local para cozinhar os alimentos. Relatou que ia para frente de trabalho toda segunda-feira num veículo F4.000, que buscava todos os trabalhadores que não possuíam transporte próprio e voltava nas sextas-feiras após o expediente, no mesmo transporte. No que concerne à higiene, relatou que não tinha banheiro no carnaubal, de forma que precisavam urinar e excretar no mato, além de não ter lavatório. Por isso, tomavam banho com uma vasilha e um balde. Destaca-se a informação de que a água para o banho era a mesma que os trabalhadores bebiam. Era uma água de poço, que consumiam sem passar por nenhum tratamento e sem ser refrigerada. O Sr. Severino esclareceu que se necessitasse de alguma coisa do supermercado, o encarregado autorizava a compra ou trazia o que precisava, fazendo o desconto na hora do pagamento. Em relação às refeições, eram feitas no chão, sentados na rede ou nas poucas cadeiras, que eram insuficientes para todos. Por fim, necessário mencionar o depoimento do trabalhador, também resgatado, Ronaldo Santana. O Sr. Ronaldo trabalhava há quase 04 (quatro) anos na safra de carnaúba com o empregador Francisco. Passou pela primeira frente de trabalho no Canto Grande e, um mês antes de ser resgatado, foi para a frente de trabalho nº 01. Sobre a jornada de trabalho, afirmou que era das 6h às 11h e das 13h às 16h, de segunda à sexta-feira, não trabalhando aos sábados. Sobre a contraprestação pelo labor, informou que recebia quinzenalmente e que na quinzena anterior a ser resgatado, tinha recebido R$500,00 (quinhentos) reais, já com o desconto referente à alimentação e, na penúltima quinzena, havia recebido R$400,00 (quatrocentos) reais. O Sr. Ronaldo, em seu depoimento, também destacou as compras que fazia ao encarregado, como por exemplo bolacha, “dindin” e as vezes carne para levar para casa no final de semana, todas descontadas do valor da contraprestação. Ainda, relatou que não assinava folha de ponto e que trabalhava juntando as palhas da carnaúba para fazer o “moio”. Que cada produção era o valor de R$42,00 (quarenta e dois reais) a ser dividido por todos os trabalhadores. Relatou também que o “Véi” ia visitar o local de trabalho de três a quatro vezes por semana. Sobre a água, relatou que a disponível era utilizada para beber, cozinhar e tomar banho. No que concerne aos cuidados de higiene pessoal, afirmou que não existia banheiro disponível, sendo necessário fazer suas necessidades no mato. No local em que estava alojado e dormia, não tinha energia elétrica, necessitando usar lanterna no período da noite. Afirmou que dormia de rede e cobertor próprio e que estendia sua rede debaixo de uma cobertura de lona, sem paredes e sendo o chão 87 de terra batida. Além disso, afirmou não saber da existência de material de primeiros socorros no local. Importante analisar as condições que os trabalhadores estavam submetidos: Figura 1 - Local utilizado para lavar pratos e panelas Fonte: (BRASIL, 2019c, p.13) Figura 2 - Reservatório para armazenagem da água utilizada para beber, cozinhar e tomar banho Fonte: (BRASIL, 2019c, p.13) 88 Figura 3 - Local em que os quatro trabalhadores resgatados pernoitavam Fonte: (BRASIL, 2019c, p.11) De maneira similar ao caso anterior, será estudada a frente de trabalho do Sr. José de Souza, localizada na zona rural de Assú/RN. Como mencionado, nesse estudo a sua frente de trabalho será chamada de “frente de trabalho nº 2” ou “frente de serviço nº 2”. A atividade econômica explorada por ele é parte integrante da cadeia produtiva da cera da carnaúba, atuando nas fases de extração, secagem e batimento da palha da carnaúba. O preço médio da venda do pó da carnaúba é de R$12,00 (doze reais) por quilograma com uma matéria prima de qualidade intermediária e de R$25,00 (vinte e cinco reais) por quilograma quando o pó é extraído do olho da carnaúba, com uma melhor qualidade. Segundo o empregador, o pó é vendido integralmente para uma empresado Ceará, ou seja, o Sr. José e seus trabalhadores são a base da cadeia produtiva, enquanto a empresa do Ceará está no topo. O Sr. José afirmou que também já participou de treinamentos que orientavam e conscientizavam sobre a necessidade de anotação da CTPS, uso de equipamento de proteção individual e necessidade de respeito às normas trabalhistas, entretanto, nota-se que a conscientização não obstou o empregador de submeter os trabalhadores a condições indignas. Foram encontrados 18 (dezoito) trabalhadores na frente de trabalho nº 2, do empregador José de Souza. Dos dezoito trabalhadores encontrados, 10 (dez) pernoitavam na própria frente de trabalho em meio aos carnaubais, ao relento e em condições degradantes, 89 afrontando a dignidade da pessoa humana. O GEFM concluiu que os dez trabalhadores que pernoitavam no local de trabalho estavam submetidos a condições análogas a de escravidão, pois as ações e omissões do empregador caracterizavam desrespeito à Consolidação das Leis do Trabalho e às convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, como as Convenções da OIT nº 29 e 105, Convenção sobre a Escravatura de 1926 e Pacto de San José da Costa Rica. O empregador não disponibilizou alojamento a todos os seus empregados mesmo tendo conhecimento de que parte deles não teria condições de ir e voltar para as suas residências diariamente, necessitando dormir nas frentes de trabalho ou nas proximidades. Fato é que o empregador disponibilizou uma casa para alguns de seus empregados, mas o local não tinha espaço suficiente para alojar os dezoito trabalhadores. Por isso, parte dos trabalhadores pernoitavam na frente de trabalho nº 2, em meio as carnaubeiras. Além disso, segundo o Relatório de Fiscalização, os empregados eram remunerados por produção e o alojamento ficava distante da frente de serviço, por isso, era necessário estar próximo à frente de trabalho para iniciar as atividades ao raiar do dia, de modo a obter uma produção maior e consequentemente, uma maior remuneração. Mesmo disponibilizando a casa para alguns dos trabalhadores, no interior do alojamento não havia espaço para todos, então, alguns trabalhadores eram obrigados a armar suas redes na varanda. Como se não bastasse, outros trabalhadores, de outra frente de trabalho do empregador, também pernoitavam na varanda do alojamento, de modo a diminuir ainda mais o espaço disponível. Menciona-se que nem as redes que eram armadas na frente de trabalho pelos trabalhadores eram disponibilizadas pelo empregador. Os próprios empregados compravam as suas redes e se alojavam entre as árvores, acima do chão de terra, sem qualquer proteção lateral ou cobertura. Tal situação põe em evidência o descaso do empregador com a saúde, segurança e conforto dos empregados, pois, mesmo sabendo das irregularidades cometidas, permitiu que os empregados permanecessem na situação, sujeitos às intempéries, à falta de um ambiente minimamente limpo, à fauna local, como raposas, insetos, cobras e aracnídeos. Por estarem na mata, não tinham acesso à energia elétrica, também não tinham acesso a fogão, geladeira, etc. Por isso, seus alimentos eram preparados em fogueiras armadas no chão ou em churrasqueiras e os alimentos armazenados em vasilhas de plástico, baldes, sacolas, tornando-se impróprios para consumo humano, em decorrência da falta de local adequado para conservação, expostos a insetos e animais, sem qualquer respeito à dignidade dos trabalhadores. 90 Figura 4 - Local em que os trabalhadores estavam alojados Fonte: (BRASIL, 2019b, p. 34) Figura 5 - Local em que os trabalhadores dormiam Fonte: (BRASIL, 2019b, p. 34) 91 Figura 6 – Peixes para consumo armazenados de forma irregular Fonte: (BRASIL, 2019b, p. 35) Figura 7 - Utensílios para o preparo das refeições Fonte: (BRASIL, 2019b, p. 35) 92 Os trabalhadores faziam suas refeições sentados sobre o chão ou sobre tocos de madeiras, nas redes ou sobre galões de água, pois não era disponibilizado local adequado. Era ofertada três refeições diárias, o café da manhã, almoço e jantar. Além disso, faziam suas necessidades naturais de higiene e excreção no meio do mato, pois o autuado não fornecia instalações sanitárias. Ainda, não havia lavatórios, chuveiros e até água corrente para uso dos empregados. O simples ato de lavar as mãos era prejudicado pela ausência de lavatórios, favorecendo eventual contaminação dos trabalhadores por enfermidades de veiculação oro- fecal, por exemplo. O lixo era descartado nas imediações, agravando a falta de higiene geral. Os objetos pessoais, por sua vez, ficavam dependurados em galhos das árvores. O empregador também não ofereceu gratuitamente equipamentos de proteção individual, bem como não tinha qualquer abrigo para proteger os trabalhadores do sol, vento, chuvas, durante o trabalho, tampouco durante os horários de descanso. Não foi fornecido material para os primeiros socorros, não houve submissão dos trabalhadores a exames médicos admissionais e anotação na CTPS, mantendo a relação empregatícia na informalidade e prejudicando os trabalhadores pelo inadimplemento de direitos trabalhistas como décimo terceiro salário, férias, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), descanso semanal remunerado etc. O valor de cada produção total, desde a fase do corte até a secagem das palhas, era de R$45,00 (quarenta e cinco reais) por milheiro de palhas. Desse valor, era subtraído R$8,90 (oito reais e noventa centavos) e repassados R$4,45(quatro reais e quarenta e cinco centavos) ao estendedor e R$4,45(quatro reais e quarenta e cinco centavos) para o burreiro. Os R$ 36,10 (trinta e seis reais e dez centavos) restantes, era divididos entre os demais. A equipe perfazia uma média de 25 (vinte e cinco) a 30 (trinta) milheiros por dia de trabalho. Quando o carnaubal era bom, os trabalhadores faziam uma média quinzenal de R$600,00 (seiscentos reais) a R$650,00 (seis e cinquenta reais), tendo descontado desse valor, R$100,00 (cem reais) referentes à alimentação. No que concerne à jornada de trabalho, os empregados laboravam de segunda à sexta- feira, a partir das 5h ou 6h, paravam para o almoço às 11h e retornavam ao trabalho às 13h, ficando até as 16h ou 17h. O empregador ou preposto providenciava o transporte de ida nas segundas-feiras até a frente de trabalho e o de retorno, nas sextas-feiras após a jornada de trabalho, para o local de origem. Diante disso, explanada as condições em que os trabalhadores do Sr. José de Souza se encontravam, necessário traçar o perfil dos resgatados por estarem em condições análogas a escravidão. Como dito anteriormente, foram resgatados dez nessa frente de trabalho, entretanto, aqui será analisado o perfil somente de três 93 trabalhadores – pois somente foram disponibilizados para pesquisa os termos de depoimentos desses –, que terão seus nomes reais trocados por nomes fictícios, para preservação de suas identidades. Os nomes utilizados serão Luiz da Silva, João Bezerra e Manoel Soares. O trabalhador Luiz da Silva possuía, à época do resgate do resgate, 54 (cinquenta e quatro) anos de idade, é natural da cidade de Carnaubais/RN e residente em Carnaubais/RN. Estudou até quarta série do ensino fundamental, sabe ler e escrever. Trabalhou para o Sr. José de Souza como cortador desde o dia 06 de agosto de 2019. Quando não está na época da colheita, trabalha na agricultura familiar por conta própria. Foi contratado pelo Sr. José de Souza por intermédio do encarregado. Não teve a CTPS anotada, mesmo tendo sido prometido que seria assinada e que o contrato de trabalho duraria seis meses. Começou trabalhando, também para o Sr. José de Souza, na frentede trabalho de outro povoado em Assú/RN, mas depois passou a laborar na frente de trabalho nº 2, em que foi resgatado, também na zona rural de Assú/RN. Em seu termo de depoimento prestado ao GEFM, o trabalhador Luiz da Silva relatou que recebia o salário por produção, a cada quinze dias. O último pagamento recebido tinha sido realizado no dia 26 de outubro de 2019, no valor de R$640,00 (seiscentos e quarenta reais), mas, que após o desconto de R$100,00 (cem reais) devido à alimentação, restaram R$540,00 (quinhentos e quarenta reais). Afirmou, ainda, que anteriormente ganhava menos, um pouco mais de R$400,00 (quatrocentos reais), já com o desconto da alimentação. Não fez os exames médicos admissionais, não fez nenhum tipo de treinamento antes de assumir a função. Ademais, relatou em seu depoimento que o empregador comparecia, em média, duas vezes por semana à frente do trabalho para verificar o andamento do serviço. No que concerne à alimentação, pela manhã era fornecido café, cuscuz, mortadela, ovos e carne; no almoço e jantar era fornecido feijão, arroz, macarrão, frango e carne. Sobre as necessidades fisiológicas, declara que eram feitas no mato. Declara, ainda, que tomava água do poço, não tinha local para tomar banho, sendo necessário tomar na lagoa, dormia em rede amarrada nos troncos das carnaúbas, não havendo abrigos para proteção contra as intempéries e que se chovesse, continuava na chuva. O empregador não forneceu rede ou cama, a rede em que dormia foi adquirida com recursos próprios. As suas roupas ficavam dentro de bolsas penduradas nos galhos das carnaúbas. O trabalhador João Bezerra, também resgatado, possuía, à época do resgate, 52 (cinquenta e dois) anos de idade, tendo estudado até a quarta série do ensino fundamental, nascido em Carnaubais/RN e residente também em Carnaubais/RN, na zona rural. João 94 Bezerra declarou em seu termo de declarações que trabalhou na frente de serviço nº 2 como enfiador de palha. Ainda, relatou que labora com a safra de carnaúba desde os 16 (dezesseis) anos de idade e começou a trabalhar para o Sr. José de Souza no dia 06 de agosto de 2019. Na ocasião trabalhou em uma frente de serviço na zona rural de Carnaubais/RN, passando pela zona rural de Assú/RN e, por último, trabalhou na frente de serviço nº 2, também na zona rural de Assú/RN, onde foi resgatado. Relatou que entregou a CTPS para o Sr. José de Souza, mas foi devolvida sem a assinatura. Por fim, relatou que recebia o pagamento quinzenalmente, por produção. No último pagamento, em 19 de outubro de 2019, percebeu o valor de R$590,00 (quinhentos e noventa reais), após os descontos. Relatou que não assinava folha de ponto e que dormia em rede própria e cobertor próprio a céu aberto, pois não tinha barraca ou qualquer outro local coberto, além de não ter energia elétrica. Por não ter energia elétrica, ao terminar de jantar, faziam fogo de lenha para iluminar a noite e já iam se deitar. Além disso, por não ter banheiro, faziam as necessidades fisiológicas no mato, tomavam banho na lagoa que existe próximo ao local em que dormiam, bebiam água do poço. Por fim, relatou que no local não foi disponibilizado kit de primeiros socorros para os trabalhadores e que o Sr. José de Souza geralmente ia ao local analisar como estava o andamento do trabalho. O terceiro e último trabalhador resgatado, que teve o seu termo de depoimento disponibilizado no Relatório, foi o Sr. Manoel Soares, que tinha 51 (cinquenta e um) anos de idade à época do resgate, nascido em Ipanguaçu/RN e residente em Carnaubais/RN. Trabalhava na frente de serviço nº 2 do Sr. José de Souza, como aparador. O Sr. Manoel Soares estudou até o 2º ano do ensino fundamental, não sabe ler e escrever, foi contratado para trabalhar nessa frente em 06 de agosto de 2019. Contou que dormia na frente de trabalho, em redes levadas por ele, entre as árvores, porque não tinha como ir e voltar todos os dias para a sua residência. Afirmou que o Sr. José de Souza disse que assinaria sua CTPS por um período de 6 (seis) meses, mas que não foi assinada. Afirmou, ainda, que do valor recebido quinzenalmente, a título de contraprestação, em média R$600,00 (seiscentos reais), era descontado R$100,00 (cem reais) da alimentação. Relatou que recebia em dinheiro, mas que não assinava qualquer tipo de recibo de pagamento. O Sr. Manoel Soares não passou por exames médicos admissionais antes de começar a trabalhar. Além disso, relatou que não havia chuveiro e que tomava banho na margem do açude com a água deste. Para os alimentos, era fornecida água em uma garrafa térmica pelo Sr. José de Souza. Afirmou que não havia qualquer instalação sanitária ou 95 lavatório, tendo que fazer suas necessidades fisiológicas no mato e lavar suas mãos no açude. Relatou que não havia energia elétrica no local, por isso os trabalhadores produziam fogareiro à lenha para a iluminação. Por fim, relatou que não foi fornecido pelo empregador kit de primeiros socorros e que o Sr. José de Souza costumava ir ao carnaubal para verificar como estava o andamento do trabalho, por isso, conhecia as condições de trabalho dos empregados e a forma como estavam alojados. Com a análise do resgate e do perfil dos próprios resgatados, nota-se que a mão de obra utilizada é uma mão de obra descartável, de fácil reposição, trocada com facilidade. Isto porque o trabalho com a palmeira da carnaúba é um trabalho por ciclos, é sazonal. Assim, os trabalhadores são descartados logo que passa a estação das carnaúbas. Prova disso são os depoimentos dos resgatados, que afirmam terem sidos admitidos em agosto, mês que, em média, começa o ciclo da carnaúba. Além disso, afirmam também trabalham por safra. Assim, reforça-se a ideia de que o trabalho análogo à escravidão é diferente da escravidão antiga, pois no trabalho análogo à escravidão o custo com os trabalhadores é baixo, tendo em vista que são de fácil troca, enquanto na escravidão antiga, ter um escravo era um investimento, de forma que os escravos passavam toda a sua vida servindo a um só senhor. Ademais, nota-se, através do perfil dos trabalhadores resgatados tanto na frente de trabalho nº 01, quanto na frente de trabalho nº 02, que todos são homens, bem como todos estavam inseridos num contexto de vulnerabilidade. Todos os trabalhadores possuem uma baixa escolaridade, inclusive alguns são analfabetos. No local de trabalho foi constatado, através do GEFM, condições degradantes e que aviltavam a dignidade dos trabalhadores, como dormir ao relento, comida mal armazenada, falta de banheiro, falta de energia elétrica, água imprópria para consumo, falta de kit para primeiros socorros, não anotação do CTPS, caracterizando o crime de submissão a condições análogas à de escravos, conforme descrito no artigo 149 do Código Penal. Além disso, um dos empregadores submeteu dois adolescentes a locais, condições e serviços insalubres e perigosos, caracterizando, para além do trabalho análogo à escravidão, trabalho infantil. Sabe-se que a dignidade da pessoa humana é inerente a todos os seres humanos e um princípio absoluto. No caso dos trabalhadores em comento, foi tão atacada, que se fez necessário um resgate por equipe interinstitucional, o GEFM. Analisando os casos, viu-se que apesar de terem conhecimento sobre a necessidade de cumprir o que dispõe a legislação e normas trabalhistas, os empregadores submetiam os empregados a essas condições. De certo, tomados por sentimentos de impunidade, uma vez que, como observado, não era a primeira 96 safra de carnaúba que os trabalhadores eram submetidos a essas condições. Assim, para os empregadores, certamente o lucro da safra seria maior que a possibilidade de ser punido. Isto posto, necessário analisar as irregularidades e penalidades aplicadas aos casos, bem como a política pós-resgate. 4.4 As violações identificadasO resgate dos trabalhadores em condições análogas à escravidão não consiste somente em retirá-los do local da exploração, mas são necessários outros procedimentos que afirmem a condição de pessoa humana dos trabalhadores. Dentre os procedimentos necessários para tanto, destaca-se a verba rescisória, com o fito de reparar os danos trabalhistas, a emissão das guias do seguro-desemprego, dano moral coletivo, dano moral individual, efetivação do registro dos empregados desde o início dos trabalhos até a cessação, rescisão dos contratos de trabalho e encaminhamento para centro de referência do município em que residem, com o afã de reduzir a situação de vulnerabilidade dos mesmos (ESCOLA NACIONAL DA INSPEÇÃO DO TRABALHO, 2020, online). Ao inspecionar o local de trabalho e o local em que estavam alojados, o GEFM entrevistou os trabalhadores, como se observa nos depoimentos citados e, considerando os elementos que demonstravam a submissão a condições degradantes, esclareceu aos empregadores as irregularidades cometidas e como se daria a regularização daquela situação. Necessário, portanto, analisar as irregularidades e penalidades aplicadas aos empregadores. Destaque-se que as infrações que serão abaixo expostas foram extraídas do Relatório de Fiscalização da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo e deram origem à lavratura de autos de infração. Essencial se atentar às irregularidades existentes nos dois resgates analisados: 4.4.1 Admitir ou manter empregado em microempresa ou empresa de pequeno porte sem o respectivo registro em livro, ficha ou sistema eletrônica competente: Foi apurado pelo GEFM que o empregador José de Souza, da frente de trabalho nº 02, admitiu e manteve seus trabalhadores sem o registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente. Tudo ocorria de modo informal, sem qualquer garantia legal, ao contrário no disposto no artigo 41 da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe sobre a 97 obrigatoriedade de o empregador registrar os trabalhadores. Além disso, o artigo 47 da CLT dispõe que nos casos em que o empregador mantiver os empregados não registrados de acordo com o artigo 41 da CLT, ficará sujeito a multa no valor de R$3.000,00 (três mil reais) por empregado não registrado e, em caso de reincidência, será acrescido igual valor em cada uma. Como os serviços eram prestados por ordem direta do empregador, que ia constantemente à frente de trabalho para verificar o andamento do serviço, não podendo haver substituição do trabalhador sem a anuência do empregador, sendo os serviços prestados de forma pessoal, diária (de segunda à sexta-feira) e respondendo à necessidades permanentes do empreendimento, o qual não funcionava sem o desenvolvimento das atividades dos trabalhadores, nota-se uma prestação de serviço de caráter subordinada, dependente, não eventual, pessoal e onerosa, necessitando, assim, de registro. 4.4.2 Deixar de anotar a CTPS do empregado, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, contados do início da prestação do trabalho O GEFM constatou que na frente de trabalho nº 01, do empregador Francisco da Silva, dos 17 (dezessete) trabalhadores que estavam em atividade no local, 6 (seis) estavam laborando sem que suas Carteiras de Trabalho e Previdência Social tivessem sido anotadas no prazo de 5 (cinco) dias úteis, contados do início do trabalho, violando o artigo 29, caput, da CLT. Na frente de trabalho nº 02, do empregador José de Souza, o GEFM constatou que o empregador deixou de anotar a CTPS dos 17 (dezessete) empregados, apesar de estarem presentes todos os requisitos da relação de emprego. 4.4.3 Efetuar o pagamento do salário do empregado, sem a devida formalização do recibo Durante a fiscalização, verificou-se que o empregador fazia o pagamento dos salários sem a formalização dos recibos, contrariando o disposto no artigo 464 da CLT. Sem a formalização do recibo, resta prejudicado a verificação dos valores pagos pelo empregador, bem como dos descontos que foram efetuados. Da mesma forma o trabalhador não consegue confirmar se os valores recebidos estão corretos e de acordo com o estabelecido com o empregador. Além disso, não é possível verificar se os valores pagos, descontos realizados, 98 data de pagamento estão em consonância com a legislação trabalhista, afetando, inclusive, a capacidade de fiscalização e, consequentemente, gerando insegurança nas relações. 4.4.4 Deixar de submeter trabalhador a exame médico admissional, antes da data de início das atividades Na ação fiscal, o GEFM constatou que o empregador Francisco da Silva, da frente de trabalho nº 01, deixou de submeter a exame médico admissional antes de assumir suas atividades, seis trabalhadores que laboravam nas atividades de extração da palha da carnaúba. Da mesma forma, o empregador José de Souza, da frente de trabalho nº 02, deixou de submeter a exame médico os trabalhadores, bem como não foi esclarecido sobre a existência ou não de riscos ocupacionais específicos da atividade. Assim, contrariaram o disposto no artigo 13, da Lei nº 5.889/73, bem como o item 31.5.1.3.1, alínea “a”, da Norma Regulamentadora nº 31 (NR-31), com redação da Portaria nº 86/2005 (BRASIL, 2015, online), que dispõe que o empregador ou equiparado tem o dever de garantir a realização de exame médico admissional antes que o trabalhador assuma suas atividades. 4.4.5 Deixar de realizar avaliações de riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores ou deixar de adotar medidas de prevenção e proteção ou deixar de garantir que todas as atividades, lugares de trabalho, máquina, equipamentos, ferramentas e processos produtivos sejam seguros e em conformidade com as normas de segurança e saúde Foi apurado pelo GEFM que o empregador José de Souza da frente de trabalho nº 02 não realizou a identificação e avaliação dos riscos de acidente de trabalho e desenvolvimento de doenças ocupacionais. Deixou de garantir que todas as atividades, lugares de trabalho, ferramentas e processos fossem seguros, conforme determina a alínea “b” do item 31.3.3 da NR-31. Considerando as funções que os trabalhadores desempenhavam no corte da palha de carnaúba e os diversos riscos como materiais perfuro-cortantes, particulados de madeira, posturas inadequadas, sobrecarga física, intempéries como calor e radiação solar não ionizante, ataques de animais silvestres e peçonhentos, seria necessário ser tomadas medidas para identificar, avaliar, eliminar, neutralizar ou controlar os riscos. 99 4.4.6 Deixar de equipar o estabelecimento com material para primeiros socorros Foi verificado pelo GEFM que os empregadores das frentes de trabalho nº 01 e nº 02 não equiparam o estabelecimento rural com material de primeiros socorros. Como mencionado no ponto 4.4.5, havia diversos riscos considerando as funções que os trabalhadores desempenhavam. Assim, segundo o GEFM, deveria existir, pelo menos, produtos antissépticos, como o soro fisiológico, água oxigenada, pomadas bactericidas e materiais para curativo. 4.4.7 Deixar de disponibilizar instalações sanitárias aos trabalhadores A auditoria do GEFM verificou que na frente de trabalho nº 01, do Sr. Francisco da Silva, os 17 (dezessete) empregados inseridos no processo produtivo da palha da carnaúba, não tinha instalações sanitárias disponíveis para atender suas necessidades naturais de excreção e higiene. Na frente de trabalho nº 02, do Sr. José de Souza, a auditoria apurou que os 18 (dezoito) trabalhadores não tinham à disposição estruturas sanitárias, mas no caso dos 10 (dez) trabalhadores submetidos a condições degradantes, a situação era mais grave. Isto porque como dormiam na frente de trabalho, as necessidades de excreção eram satisfeitas no mato. Além disso, não havia lavatórios ou chuveiros, assim, os trabalhadores utilizam umlago que há nas proximidades. De acordo com os itens 31.23.3.1 e 31.23.3.2 da NR-31, o empregador deveria fornecer instalações sanitárias com vaso sanitário, lavatório, mictório e chuveiro com portas de acesso para impedir o devassamento, bem como manter o resguardo conveniente; situadas em locais de fácil e seguro acesso; com água limpa e papel higiênico; estivessem ligadas a sistema de esgoto, fossa séptica ou sistema equivalente; e possuíssem coleta de lixo. 4.4.8 Deixar de disponibilizar alojamentos aos trabalhadores Na frente de trabalho nº 01, o GEFM apurou que o empregador deixou de disponibilizar alojamento aos quatro trabalhadores que pernoitavam no mato. Na frente de trabalho nº 02, foi constatado que o empregador deixou de disponibilizar alojamento a todos os seus empregados, mesmo sabendo que alguns deles não tinham condições de ir e voltar de 100 suas residências todos os dias, apesar de, como já mencionado, disponibilizar uma casa para alguns de seus empregados, pois tal casa não tinha capacidade de alojar todos os trabalhadores. Por isso, em ambos os casos, houve o descumprimento do item 31.23.1, alínea “c” da NR-31, que dispõe que o empregador rural ou equiparado deve disponibilizar aos empregados áreas de vivência com alojamentos nos casos em que houver a permanência dos trabalhadores no estabelecimento nos períodos entre as jornadas de trabalho. 4.4.9 Deixar de disponibilizar local adequado para o preparo da alimentação dos trabalhadores Na fiscalização, o GEFM verificou na frente de trabalho nº 01 que o empregador não havia disponibilizado local adequado para o preparo da alimentação dos empregados. Da mesma forma foi verificado na frente de trabalho nº 02. Tanto o cozinheiro quanto os trabalhadores não tinham como lavar as mãos de forma higiênica e evitar a contaminação dos alimentos. Os alimentos eram preparados e cozidos em uma churrasqueira e em uma fogueira com galhos de árvores secas. Além disso, os alimentos eram expostos a todo tipo de sujidade, uma vez que eram cozinhados a céu aberto. Assim, verificou-se o descumprimento da obrigação prevista no item 31.23.1, alínea “d” da NR-31 que dispõe sobre o dever do empregador de disponibilizar locais adequados para o preparo de alimentos. 4.4.10 Deixar de fornecer, de maneira gratuita, equipamentos de proteção individual Na ação fiscal, constatou-se que não foi fornecido pelo empregador da frente de trabalho nº 02, equipamentos de proteção individual, contrariando o disposto no artigo 13 da Lei nº 5.889/1973, bem como o item 31.20.1 da NR-31. Analisando as funções desempenhadas pelos obreiros, já descritas no presente trabalho, bem como as condições do local onde os trabalhadores realizavam as atividades, foi identificado diversos riscos, necessitando, pois, de uso pelos trabalhadores dos equipamentos. No caso, alguns empregados receberam apenas botas e camisetas e outros não receberam nenhum tipo de equipamento. Além do GEFM ter notado a ausência dos equipamentos “in loco”, o empregador fora devidamente notificado para exibir os documentos necessários ao desenvolvimento da ação fiscal, dentre eles a nota de compras e recibo das entregas dos equipamentos de proteção individual, que não foram apresentados, tendo em vista que o empregador não efetuou a compra, tampouco a entrega aos empregados. 101 4.4.11 Deixar de disponibilizar local para refeição dos trabalhadores A auditoria fiscal apurou que o empregador da frente de trabalho nº 02 deixou de disponibilizar local adequado para o consumo das refeições para todos os dezoito empregados. Verificou-se que os trabalhadores faziam três refeições no local de trabalho, quais sejam café, almoço e jantar. Os trabalhadores comiam sentados sobre o chão ou em tocos de madeira, galões de água, até mesmo nas redes. Equilibravam os talheres e pratos, pois não havia mesas suficientes para todos. De acordo com o item 31.23.4.1 da NR-31, os locais para as refeições no meio rural deviam ter boas condições de higiene e conforto, capacidade para atender todos os trabalhadores, água limpa para higienização, mesas com tampos lisos e laváveis, assentos suficientes para todos, água potável, depósito de lixo com tampas, o que não era observado. 4.4.12 Manter áreas de vivência que não possuam cobertura contra as intempéries Na ação fiscal verificou-se na frente de trabalho nº 02 que o empregador mantinha áreas de vivência sem cobertura contra as intempéries, contrariando o disposto no artigo 13 da Lei no 5.889/1973, c/c item 31.23.2, alínea “d” da NR-31. Importante destacar que o trabalho era realizado na zona rural de Assú/RN, agreste nordestino, região de extrema insolação. Ademais, o trabalho era braçal, gerando grande desgaste físico aos trabalhadores. Na frente de trabalho, os trabalhadores não só realizavam o labor, mas faziam suas refeições, pausas para descanso e pernoitavam, sem qualquer cobertura ou proteção que os protegessem das condições climáticas, como excesso de sol, chuva ou até vento. Os trabalhadores se protegiam à sombra dos próprios carnaubais. 4.4.13 Admitir empregado que não possua CTPS No curso da auditoria na frente de trabalho nº 01, constatou-se um trabalhador que não possuía a Carteira de Trabalho e Previdência social, qual seja: Pedro Rodrigues, à época com 17 (dezessete) anos de idade, nascido em 10 de novembro de 2001 e admitido em 26 de agosto de 2019, na função de aparador. Assim, o GEFM emitiu a CTPS do trabalhador para que fosse possível o empregador efetuar o registro. 102 4.4.14 Manter trabalhador com idade inferior a 18 (dezoito) anos de idade em trabalho e locais insalubres ou perigosos Como mencionado no presente trabalho, constatou-se a presença de dois trabalhadores com idade inferior a 18 (dezoito) anos na frente de trabalho nº 01, do Sr. Francisco da Silva. O empregador manteve os adolescentes laborando em atividades relacionadas à extração de palha da carnaúba, ou seja, em locais e serviços insalubres ou perigosos, confrontando a legislação brasileira. Menciona-se que o Decreto nº 6.481 de 12 de junho de 2008 regulamentando os artigos 3º, alínea “d” e artigo 4º da Convenção 182 da OIT, aprovou a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, também conhecida como Lista TIP. A Lista TIP descreve as atividades que são proibidas o trabalho de menores de dezoitos anos, entre elas estão as que se enquadram no caso em comento, quais sejam: com utilização de instrumentos ou ferramentas perfuro-cortantes, sem proteção adequada para controlar o risco, que podem causar acidentes com cortes e perfurações, com ferimentos e mutilações (item 78); trabalho ao ar livre, sem proteção adequada contra exposição à radiação solar, chuva, frio, com prováveis repercussões à saúde, como internações, queimaduras na pele, envelhecimento precoce, câncer de pele, desidratação, pneumonia, fadiga etc (item 81). Para além das repercussões físicas, existem as repercussões psicológicas, uma vez que os adolescentes não frequentavam a escola e eram mantidos longe do convívio social, pois dormiam no local de trabalho. Ademais, sabe-se que o trabalho degradante é prejudicial em todos os sentidos para qualquer ser humano, mas necessário destacar o quão prejudicial é essa atividade para um corpo ainda em formação e em amadurecimento cognitivo. Assim, diante do caso e com base na Instrução Normativa nº 102/3013 da Secretaria de Inspeção do Trabalho e do artigo 407 da CLT, foi entregue ao Sr. Francisco da Silva, o Termo de Afastamento dos Menores. 4.5 A necessidade de efetivação de políticas pós-resgate Depois de analisar as irregularidades cometidas pelos empregadores, necessário entender as políticas pós-resgate. Os trabalhadores foram submetidos a condições análogas à escravidão, na modalidade condições degradantes. Esse capítulomostrou a violação sistemática dos valores dos trabalhadores, dos princípios e legislações positivados, de maneira especial na CFRB/1988, na CLT, nas Normas Regulamentadores e nos tratados internacionais 103 sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil. A CFRB/1988 protege a dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho e da livre iniciativa, preservando a ideia de sociedade livre, justa e solidária, com a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais. Ainda, assegura que ninguém será submetido à tortura ou a tratamento desumano ou degradante (BRASIL, 1988, online). Na mesma linha, a comunidade internacional assegura a proibição da escravatura e do trabalho degradante mas, em que pese todo esse arcabouço jurídico no sentido de proteger os direitos da pessoa humana, foi analisado durante o decorrer desse trabalho, casos em que tais direitos não foram respeitados. Assim, por serem submetidos a tais condições, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, após a inspeção do local de trabalho e do local de alojamento dos trabalhadores, considerando a submissão à condição de vida e trabalho degradantes que os trabalhadores foram encontrados, regularizou a situação. Foi esclarecido para os empregadores que deveria haver a retirada imediata dos trabalhadores do local, bem como deveria haver a efetivação do registro dos empregados desde o início do trabalho até o dia em que cessou o vínculo, rescisão do contrato de trabalho com o pagamento de todas as parcelas rescisórias devidas, tais como férias proporcionais, saldo de salário, décimo terceiro proporcional, depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço etc. Também foi esclarecido aos empregados que o pagamento deveria ser realizado em dinheiro, na presença do grupo. O GEFM emitiu guia do seguro-desemprego devido aos trabalhadores resgatados. O Seguro-Desemprego Trabalhador Resgatado é um auxílio temporário para o trabalhador que comprovadamente tiver sido resgatado de regime forçado ou de condição análoga à escravidão. Esse seguro-desemprego pode ser sacado em, no máximo, três parcelas a cada período aquisitivo de doze meses a contar da última parcela recebida, no valor de um salário- mínimo (SECRETARIA ESPECIAL DE PREVIDÊNCIA E TRABALHO, 2020, online). Os trabalhadores também foram encaminhados a órgãos e entidades de assistência, como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social, no afã de que deixassem a situação de vulnerabilidade que favoreceu a submissão a condições degradantes que estavam vivendo, inserindo-os em programas de assistência social ofertados pelo município, dentre outras orientações. No que concerne aos valores pagos, o empregador Francisco da Silva, da frente de trabalho nº 01 que contou com quatro resgatados, pagou R$ 7.838,40 (sete mil oitocentos e trinta e oito reais e quarenta centavos) referentes ao valor bruto das rescisões, R$ 3.000,00 (três mil reais) do valor dano moral individual, R$ 2.947,03 (dois mil novecentos e quarenta e 104 sete reais e três centavos) de FGTS recolhido, quatro guias de seguro-desemprego do trabalhador resgatado, uma CTPS emitida e dez autos de infração lavrados. Em relação à frente de trabalho nº 02, que teve dez resgatados, o empregador José de Souza pagou R$ 24.613,23 (vinte e quatro mil seiscentos e treze reais e vinte e três centavos) de rescisões, R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) referentes ao dano moral individual, R$ 3.714,71 (três mil setecentos e quatorze reais e setenta e um centavos) de FGTS, dez guias de seguro- desemprego do trabalhador resgatado, referente aos dez resgatados e treze autos de infração lavrados (BRASIL, 2020b, online). Destaca-se o Termos de Ajuste de Conduta firmados com o Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública da União. O Termo de Ajuste de Conduta está inserido na Lei nº 7347/1985, mais conhecida como Lei de Ação Civil Pública. É um instrumento em que o investigado se compromete a ajustar suas condutas de acordo com a lei e demais condições acordadas, possuindo força de título executivo extrajudicial (ALBUQUERQUE, 2017), ou seja, havendo o descumprimento, o MPT poderá promover sua execução forçada perante a Justiça. É um mecanismo de autocomposição entre as partes, facilitando a reparação dos lesados de maneira mais célere, promovendo o ajustamento da conduta dos empregadores que cometeram ilícitos. Além disso, tem como escopo a prevenção e reparação de lesão ou ameaça de lesão aos direitos transindividuais (SOUSA, 2016). Ademais, o TAC também pode ser visto de forma pedagógica, prevenindo futuras lesões (ALMEIDA, 2017, online). Através do Termo de Ajuste de Conduta, o Sr. Francisco da Silva da frente de trabalho nº 01 e o Sr. José de Souza da frente de trabalho nº 02, comprometeram-se a anotar a CTPS dos empregados; registrar todos os empregados em livro, ficha ou sistema eletrônico contendo as informações acerca da qualificação civil ou profissional de cada trabalhador, dados de sua admissão, duração, efetividade do trabalho, férias, acidentes e demais circunstâncias de seu interesse; efetuar até o 5º dia útil do mês subsequente ao vencido, o pagamento integral do salário devido aos empregados; efetuar o pagamento do 13º (décimo terceiro) salário dos empregados; não prorrogar a jornada normal de trabalho dos empregados além do limite legal de duas horas, salvo as hipóteses expressamente admitidas em lei; conceder intervalo para repouso ou alimentação durante a jornada; conceder intervalo interjornada de 11 horas (onze) consecutivas; conceder férias acompanhadas da gratificação de 1/3; efetuar o pagamento das verbas rescisórias; efetuar o depósito do FGTS; abster-se de contratar menores de dezoito anos para qualquer atividade da cadeia produtiva da cera de carnaúba. 105 Ademais, comprometeram-se a realizar exames médicos em seus empregados; providenciar materiais necessários à prestação de primeiros socorros; garantir a remoção do acidentado em caso de urgência; disponibilizar aos trabalhadores, nos casos em que permaneçam alojados, áreas de vivência compostas por alojamentos, instalações sanitárias, locais para refeição, local adequado para preparo de alimentos e lavanderias; abster-se de descontar dos salários ou cobrar dos trabalhadores quaisquer quantias pelas refeições fornecidas aos trabalhadores; fornecer água potável em condições higiênicas e em quantidade abundante para consumo; fornecer, gratuitamente, ferramentas adequadas para o trabalho; fornecer, também gratuitamente, equipamentos de proteção individual; não reduzir os trabalhadores a condições análogas a de escravos; dentre outras cláusulas. Destaca-se que os TACs são válidos por tempo indeterminado e alcança todos os locais do Brasil onde os compromissários desenvolverem as suas atividades. Após a análise dos casos objetos do presente estudo, percebe-se que a prática ilícita de redução dos trabalhadores à condição análoga à escravidão foi caracterizada diante das inúmeras irregularidades trabalhistas. As relações de trabalho precisam resguardar a dignidade do trabalhador, de acordo com os preceitos estabelecidos na Carta Magna e em toda a legislação nacional e internacional. Nota-se que apesar de todo aparato legal que desfavorece a pessoa que reduz alguém a condições indignas, o trabalho análogo ao escravo existe e o seu combate encontra muitos obstáculos. Foi demonstrada uma grande mobilização do GEFM no resgate dos trabalhadores e na tentativa de ressarci-los e reinseri-los na sociedade. Apesar disso, é visto uma grande resistência ao reconhecimento de que aquelas práticas são consideradas crime de acordo com o artigo 149 do Código Penal. Além do enriquecimento ilícito dos empregadores, do mínimo ou nenhum custo trabalhista, da criação de concorrência desleal, trata-se de reduzir uma pessoa àcondição de propriedade de outrem. Nesse contexto, imprescindível reconhecer o esforço do GEFM e de toda articulação criada para resgatar as vítimas dessa prática desumana. Nos casos em análise, houve a lavratura de autos de infração, de TACs, mas não existe menção, em qualquer dos relatórios, ao dano moral coletivo, cabível nos casos, uma vez que o trabalho análogo à escravidão atinge toda a sociedade, perpassando dos planos individuais, bem como tem repercussões difusas e viola pilares do Estado Democrático de Direito. Para além do dano moral coletivo, também não houve menção à responsabilização penal. Diante disso, como contribuição ao debate, importante registrar que mais que atingir o aspecto econômico dos empregadores e exploradores, o trabalho análogo à escravidão deve 106 ter um aspecto pedagógico e deve ser combatido na seara penal, protegendo os bens jurídicos tutelados pelo artigo 149 do CP, quais sejam: a dignidade da pessoa humana e a liberdade, em sentido amplo. Por fim, imprescindível uma atuação constante em benefício dos trabalhadores, evitando que retornem para o trabalho análogo à escravidão. Citando Caetano Veloso (1983) outra vez: “gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”. 107 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Depois de avançar nas discussões sobre a realidade sociojurídica do trabalho em condições análogas à escravidão no Brasil e de se debruçar sobre o caso dos trabalhadores que manejam a carnaúba no Vale do Açu, já é possível empreender esforços para responder à pergunta inicial, motivadora de todo esse trabalho. Nessa monografia, foi indagado se a situação dos trabalhadores no Vale do Açu, investigada pelo GEFM em 2019, constitui – sob o ponto de vista sociojurídico – trabalho em condição análoga à escravidão. Percebe-se uma resposta positiva, tendo em vista o modo em que os trabalhadores foram encontrados pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel. Vale rememorar que a operação estudada atingiu quatro diferentes frentes de trabalho, mas o trabalho em condições análogas à escravidão foi verificado em duas delas, pela observação de uma gama de violações que foram minuciadas durante o trabalho. Após responder à pergunta de partida do presente trabalho, necessário fazer uma revisitação dos tópicos principais e consolidar o que foi apresentado. Nesse sentido, faz-se mister relembrar que o trabalho teve início com o estudo sobre o trabalho decente enquanto principal bandeira de luta dos trabalhadores, objetivando assegurar a tão falada dignidade da pessoa humana. Além disso, o trabalho deu ênfase para a colocação dos direitos sociais nos textos constitucionais, caso da Constituição Mexicana de 1917, da Constituição de Weimar de 1919 e, no Brasil, a partir da Constituição de 1934, ganhando ainda mais corpo e consistência na CRFB/1988, que edificou um conjunto de normas protetivas, podendo ser chamada de uma verdadeira constituição trabalhista. Justamente por isso, como foi debatido, imprescindível que esses direitos permaneçam constitucionalizados, assegurando proteção aos trabalhadores contra mudanças regressivas perpetradas pelos legisladores. Fora das constituições e do âmbito propriamente nacional, este trabalho conferiu destaque para o papel da OIT enquanto entidade articuladora da luta global em favor do trabalho decente. A OIT, agência da ONU, com formação tripartite, integrada por representantes dos estados, dos empregados e empregadores, tem todos os seus eixos articuladores pautados pela busca do trabalho decente. Com isso, restou comprovado que essa instituição organiza normas, fornece apoio e orientação aos países nas suas políticas em benefício da dignidade dos trabalhadores e do equilibro na relação laboral. Com o estudo dos direitos sociais e da atuação da OIT, foi importante avançar para conhecer e debater estratégias para efetivação do trabalho decente e os compromissos 108 assumidos pelo Brasil. Nesse ponto, com profundidade, foi visto os ODM, objetivos que deveriam ser alcançados até 2015, que tiveram importância fundamental para a organização de políticas e estatísticas por parte dos países. Os ODM foram seguidos pelos Agenda 2030 dos ODS, tendo como um dos eixos a busca pelo trabalho decente e desenvolvimento econômico. No caso do Brasil, muito ainda precisa ser feito em termos de políticas públicas para alcançar os objetivos até 2030, porque, como foi visto, o trabalho análogo à escravidão ainda é uma prática que persiste, bem como o trabalho infantil. Com todo esse panorama delineado, o trabalho se dedicou ao estudo da realidade sociojurídica do trabalho análogo à escravidão no Brasil, a começar pela conceituação dessa prática, tomando por base documentos internacionais e nacionais. Também foi visto que, a depender do governo de plantão, a nomenclatura era alterada, fato que pode impactar na concretização de políticas públicas para esse setor. No contexto da permanência dessa prática, os principais fatores para o seu acontecimento ainda são as vulnerabilidades sociais e econômicas. O cidadão, privado de oportunidades, de conhecimento, de qualificação, ao perceber a sua difícil situação e de seu contexto familiar, acaba aceitando ofertas de trabalho em condições como aquelas que foram descritas nesse trabalho. É a busca da glorificação pelo trabalho que acaba tolhendo a dignidade e a liberdade de milhares de pessoas. As pessoas aprisionadas por essa prática, conforme o perfil estudado, são do sexo masculino, pretas, pobres, jovens e analfabetos. Aqui, embora a escravidão contemporânea guarde muitas diferenças com a antiga, ainda apresenta semelhanças, porque boa parte das pessoas são herdeiras da exclusão de seus antepassados. Restou demonstrado que não é preciso existir a completa restrição da liberdade para que haja a configuração do trabalho análogo à escravidão, bastando que exista densidade suficiente nas violações aos direitos humanos encontradas. Como foi estudado, esses trabalhadores não são pessoas ingênuas, mas sim, tem suas estratégias, mesmo que insuficientes, para escapar do local de trabalho, o que pode resultar na imposição de vigilância ostensiva para fiscalizar as vítimas no serviço e evitar eventuais fugas. É diante desse contexto que o ordenamento jurídico nacional tenta reprimir o trabalho análogo à escravidão, valendo citar o art. 243, da CRFB/1988, ainda pendente de regulamentação, que determina a expropriação de propriedades rurais e urbanas onde forem localizadas exploração de trabalho escravo. Ademais, a prática também é reprimida pelo Código Penal, no seu art. 149, que tipifica o crime de trabalho análogo ao escravo. No entanto, vê-se que esse dispositivo carece de aplicação e, quando aplicado, é comum que as penas 109 sejam pequenas, fato que pode incentivar a prática do crime, tendo efeito inverso ao desejado. Depois disso, foi essencial analisar os diversos modos de submissão ao trabalho análogo à escravidão, confirmando que para a verificação dessa prática não é necessário o cerceamento da liberdade de locomoção. Com toda a base teórica construída, foi o momento de avançar para o estudo do caso concreto, o resgate dos trabalhadores em condições análogas à escravidão no Vale do Açu. Nesse ponto, possível perceber os indicadores sociais e econômicos da região estudada, evidenciando que se trata de localidades permeadas por vulnerabilidades de toda ordem, com baixa empregabilidade formal, por exemplo. Na microrregião do Vale do Açu, o manejo da carnaúba é de importância ímpar para a cultura e a economia, porque além de estar presente em músicas populares, de ser utilizada no artesanato, também é utilizada para a exportação e na preparação de diversos produtos. Depois disso, este trabalho analisou a atuação do GEFM, um trabalho verdadeiramente articulado entre órgãos do poder executivo, judiciárioe defensorias públicas. Só dessa forma é possível, além de resgatar o trabalhador, resgatar também os seus direitos, recompor sua esfera moral e jurídica. Pelo que foi possível perceber, os trabalhadores resgatados foram reduzidos à condição de bicho, sem locais apropriados para refeição, sem água potável, dormindo ao relento, recebendo valores ínfimos etc. Conforme a análise realizada, o perfil desses trabalhadores é aquele já debatido: homens, jovens ou adultos, analfabetos ou de pouca alfabetização, entretanto, no caso estudado não foi possível colher dados sobre cor ou etnia. Fora isso, foram identificadas mais de uma dezena de violações aos direitos dos trabalhadores e a própria dignidade da pessoa humana. Portanto, como já mencionado, constatou-se que o trabalho análogo à escravidão é uma prática que ainda persiste no estado do Rio Grande do Norte, visto a identificação dessa atividade no manejo da carnaúba na região do Vale do Açu. Com essa constatação, a intenção do presente trabalho não foi esgotar o tema de estudo pois, de tão profundo, não seria possível. Mas de fazer com que os leitores reflitam sobre o tema e sobre a necessidade de atuação na causa, seja denunciando, elegendo políticos que abracem a temática ou ampliando o debate na sociedade, pois essa questão segue em aberto, segue existindo. O que se espera é que o estudo contribuía de maneira significativa para a sociedade, conferindo visibilidade ao tema, principalmente porque não foi possível localizar outros trabalhos acadêmicos com temática semelhante à escravidão do manejo da carnaúba no Rio Grande do Norte, tampouco no recorte geográfico da microrregião do Vale do Açu. Assim, 110 possível imaginar que nessa e em outras atividades econômicas, o tema do trabalho análogo à escravidão sequer começou a ser debatido. O trabalho também apresentou uma dimensão educativa, no sentido de que o conhecimento dessas práticas possibilita um agir diferente na sociedade, ou seja, conhecendo o crime, há maior possibilidade de acionamento de órgãos de fiscalização, por meio de denúncias. Além disso, a conscientização ainda possibilita um novo modo de consumo na sociedade capitalista, obstaculizando compras em empresas que não respeitem os primados do trabalho decente, que são inseridas na Lista Suja do Trabalho Escravo e outros mecanismos, de modo que através dessas retaliações, a punição a uma empresa que foi autuada com trabalhadores em condições análogas à escravidão, se torne exemplar. No que concerne à pesquisa do caso analisado, foi encontrada dificuldade na disponibilização e levantamento dos dados, empecilho no acesso às informações dos relatórios, dificuldade de acesso às autoridades para solicitação dos dados e demora nas respostas às solicitações feitas, o que de início, dificultou a escrita da presente monografia, bem como restou impossibilitada a análise do perfil de todos os resgatados, pela não disponibilidade das informações. Apesar das dificuldades, espera-se que, assim como esse trabalho, que divulgou informações que possivelmente estariam somente nos procedimentos abertos pelo MPT e pelo Ministério da Economia, outros pesquisadores sejam incentivados a pesquisar e a produzir mais trabalhos acadêmicos relacionados ao trabalho análogo à escravidão no Rio Grande do Norte, ampliando o conhecimento e despertando o interesse de novos agentes para a pesquisa nessa área. Por fim, tendo em conta a operação e os resgates ocorridos, imprescindível dialogar e construir políticas pós resgate, objetivando que os trabalhadores vivam com dignidade e não estejam vulneráveis aos aliciadores que cooptam vítimas. Os resgatados de hoje não podem ter a mesma sina dos antigos escravos libertados por ocasião da Lei Aurea, que foram jogados nas regiões suburbanas das cidades, sem emprego, sem teto e sem vida. Imprescindível que a realidade de hoje seja diferente, que o trabalhador resgatado viva com dignidade e que os seus filhos não sejam herdeiros das mesmas vulnerabilidades, quebrando assim o ciclo de exclusão. 111 REFERÊNCIAS A CARNAÚBA: preservação e sustentabilidade. Câmara Setorial da Carnaúba. Fortaleza: Câmara Setorial da Carnaúba, 2009. ALBANO, Gleydson Pinheiro. SÁ, Alcindo José de; Vale do Açu-RN: A passagem do extrativismo da carnaúba para monocultura de banana. Revista de Geografia, v. 26, n. 3, Recife, UFPE, 2009. ALBUQUERQUE, Hellen Evelim Fernandes de. O trabalho análogo a escravo no brasil: a eficácia das políticas públicas para defesa da dignidade humana do trabalhador. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso (Direito) – Centro Universitário Luterano de Palmas. Palmas/TO, 2017. ALMEIDA, André Henrique de. Mecanismos de combate ao “trabalho escravo contemporâneo”. 2017. Disponível em: https://www.diritto.it/mecanismos-de-combate-ao- trabalho-escravo-contemporaneo/. 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