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GEOGRAFIA METODOLOGIA DO ENSINO DE NO ENSINO FUNDAMENTAL João Mendes Apresentar os pressupostos básicos relacionados à gênese do ensino de Geografia, seus propósitos ao longo da sua evolução conceitual e os desafios atuais dessa prá- tica são os objetivos principais desta obra. Embora haja um esforço para subsidiar o trabalho do ensino de Geografia, considerando-se as características dos anos finais do Ensino Fundamental, não se tem a pre- tensão de fornecer dicas ou respostas prontas e acabadas. Ensinar Geografia é uma atividade que requer refle- xões constantes, reavaliações das rotas de aprendizagens adotadas e reformulações para atender às demandas do tempo presente. Nesse sentido, esta obra é um guia ao professor ou futuro professor que busca proporcionar uma aprendizagem prazerosa e instigante, levando os alu- nos à construção de conhecimentos. M ETO D O LO G IA D O EN SIN O D E G EO G RAFIA N O EN SIN O FU N D AM EN TAL João M endesFundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-6587-5 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 8 7 5 Código Logístico 59197 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental João Mendes IESDE BRASIL 2020 © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Rawpixel.com/ Sergey Nivens/ wael alreweie/Shutterstock Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M491m Mendes, João Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental / João Mendes. - 1. ed. - Curitiba [PR]: IESDE, 2020. 120 p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6587-5 1. Geografia (Ensino fundamental) - Estudo e ensino. 2. Professores de geografia - Formação. I. Título. 19-61538 CDD: 372.89044 CDU: 37.026:911 João Mendes Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Especialista em Magistério Superior pelo Instituto Brasileiro de Pós- -Graduação e Extensão (IBPEX). Graduado em Geografia pela UFPR e em Pedagogia pela Uninter. Professor de Didática e Metodologia do Ensino de Geografia. Atua também como autor de materiais didáticos de Geografia para o ensino básico e para o ensino superior (EaD). Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! 1 Geografia no Ensino Fundamental 9 1.1 Produção de conhecimentos e ensino de Geografia 10 1.2 Concepções e práticas do ensino de Geografia 15 1.3 Os saberes geográficos na atualidade 21 1.4 Ensino de Geografia para “ler” o mundo 25 2 Ensino de Geografia e BNCC: possibilidades e limites 33 2.1 As propostas curriculares para o ensino de Geografia no Brasil 34 2.2 A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) 39 2.3 O ensino de Geografia na BNCC 45 2.4 Implicações da BNCC para a prática docente 53 3 A didática da Geografia 57 3.1 Os conhecimentos pedagógicos 58 3.2 Planejamento da didática 64 3.3 Recursos didáticos e tecnológicos 72 3.4 Avaliação no ensino de Geografia 80 4.1 Formação de professores de Geografia no Brasil 85 4 A formação de professores 85 4.2 Formação continuada 89 4.3 Metodologias ativas na formação de professores 93 4.4 Formação de professores em rede 97 5.1 Inovação apoiada por tecnologias 104 5 Desafios do ensino de Geografia 104 5.2 Encantar por meio do ensino de Geografia 108 5.3 Metodologias personalizadas de aprendizagem 111 5.4 Educação on-line 115 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Você provavelmente abriu este livro em busca de respostas às suas inquietações sobre como ensinar Geografia e as especificidades que envolvem esse processo nos anos finais do Ensino Fundamental. Nesta obra, busca- se apresentar os pressupostos básicos relacionados à gênese do ensino de Geografia, seus propósitos ao longo da sua evolução conceitual e os desafios atuais dessa prática. Como forma de sistematizar as reflexões e subsidiar o professor na tarefa de ensinar Geografia nos anos finais do Ensino Fundamental, aborda-se, no primeiro capítulo, a evolução conceitual do pensamento geográfico, suas categorias de análise e de métodos para a produção de conhecimentos, bem como suas relações com o ensino e a aprendizagem no contexto da Geografia escolar. No segundo capítulo, o foco são as diferentes propostas curriculares para o ensino de Geografia no Ensino Fundamental, ressaltando as possibilidades e os limites que permeiam cada uma delas. Aborda-se, também, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que vem instigando reflexões e debates intensos a respeito das suas implicações para o ensino de Geografia, mais especificamente para os anos finais do Ensino Fundamental. O terceiro capítulo aborda a essência do processo de ensinar e aprender, ou seja, a didática da Geografia, que traz subsídios sobre as diferentes concepções pedagógicas e como elas se manifestam em materiais didáticos, propostas e práticas de ensino dos professores. São discutidas, ainda, contribuições da didática na elaboração de um plano de aula, na escolha dos recursos e na avaliação do ensino de Geografia. A formação de professores é apresentada no quarto capítulo, no qual se discorre acerca das possibilidades de formação continuada, as tendências atuais e algumas das questões centrais que permeiam essa prática. Tendo em vista instigar reflexões sobre as inquietações do cotidiano docente e a atitude investigativa nesse contexto, discutem-se, também, as propostas de formação continuada que enfocam as metodologias ativas de aprendizagem. O quinto capítulo traz reflexões sobre o conceito de inovação e suas relações com os processos educacionais. Além disso, são apresentadas as possibilidades de inovação com base nas tecnologias digitais e nas novas formas de interação, que ampliam as formas como ocorrem os processos educacionais. Destaca-se, no mesmo capítulo, a importância do papel do professor no processo de inserção das tecnologias na prática docente. Nesta obra, ressalta-se ainda que, embora haja um esforço para subsidiar o trabalho do ensino de Geografia, considerando-se as características do Ensino Fundamental, não se tem a pretensão de fornecer dicas ou respostas prontas e acabadas. Ensinar Geografia é uma atividade que requer reflexões constantes, reavaliações das rotas de aprendizagens adotadas e reformulações para atender às demandas do tempo presente. Pensar o ensino de Geografia requer considerar fatores como a participação ativa do estudante e a inserção de recursos diversificados com os quais os alunos já tenham familiaridade e, principalmente, deixar claro para eles qual é a importância do que se aprende nessa disciplina. Entretanto, tendo entusiasmo pelo ensinar, o professor pode proporcionar uma aprendizagem prazerosa e instigante, levando os alunos à construção de conhecimentos. Boas reflexões! 9Geografia no Ensino Fundamental Uma aula de Geografia pode ser, para o aluno, uma fantástica viagem ao conhecimento sobre o mundo que habitamos. Desse modo, possibilita-se o entendimento de como se organiza o espaço imediato, ou seja, aquele onde o aluno vive – que apresenta elementos diversos em suas paisagens –, e como esse espaço recebe a interferência de outros lugares do mundo. Quando falamos em Geografia para pessoas que já passaram por um banco escolar, é comum que elas se remetam ao ensino dessadisciplina – e não é raro que expressem certo "trauma" em relação a ele. Entretanto, é praticamente impossível viver sem “fazer” geografia; trata-se daquela que é feita no dia a dia, no ir e vir, envolvendo paisagens, lugares diferentes e fenômenos diversos que despertam a curiosidade. Ao realizar uma viagem de ônibus ou avião, por exemplo, as pessoas tendem a escolher seus assentos junto às janelas a fim de apreciar o visual das localidades. Mas se as pessoas, de certa forma, não gostam de Geografia, a quais práticas de ensino elas foram submetidas para que se causasse nelas essa resistência à disciplina? É certo que há, também, pessoas que descrevem experiências mais agradáveis em suas aulas. Considerando as possibilidades tecnológicas de hoje, é possível promover uma verdadeira revolução na maneira de ensinar e aprender Geografia. Por isso, faz-se necessário compreender a evolução das práticas de ensino e o papel do professor para garantir a apropriação de conceitos que permitam ao aluno entender para que serve a Geografia e como ela permite interpretar o mundo. Geografia no Ensino Fundamental 1 10 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental 1.1 Produção de conhecimentos e ensino de Geografia Vídeo É quase inegável a necessidade dos conhecimentos geográficos para as diferentes sociedades e em todos os tempos. Nos primórdios da humanidade, os saberes geográficos equivaliam à própria sobrevi- vência, pois saber aonde determinados caminhos levavam possibilitava ao homem primitivo escolher aqueles que o direcionavam a lugares em que havia água, caça, pesca, frutos e esconderijos para serem utilizados no caso de ataques de animais perigosos. Assim, evidencia-se que os saberes geográficos são intrínsecos ao ser humano, e o acúmulo desses saberes, aliado ao desenvolvimento de ferramentas, foi possibilitando a ampliação das áreas de atuação e da transformação, ainda que nesse período incipiente da natureza. 1.1.1 Origens da Geografia e do ensino Desde o início do processo de acumulação dos saberes geográficos já havia ações caracterizadas como educacionais, pois esses conheci- mentos eram passados de geração para geração – o que permitia acu- mulá-los e ampliá-los. Na Antiguidade Clássica, por sua vez, ocorreram a sistematização e a ampliação desses saberes pelos gregos, entre eles Estrabão (63/64 a.C. – 24 a.C.), possivelmente o primeiro estudioso a cunhar a palavra geo- grafia, e Eratóstenes (276 a.C. – 194 a.C.), que, por meio da observação da incidência dos raios solares e das sombras ao longo do ano em Sie- na e Alexandria, aliada a cálculos e medições, comprovou a esfericida- de da superfície terrestre. Esses conhecimentos eram transmitidos aos estudantes por meio da memorização de informações sobre fenôme- nos geográficos correlacionados a outras áreas dentro da Filosofia. Destaca-se também a contribuição dos árabes e dos romanos com mapeamento de rotas comerciais, descrição de paisagens e elabora- ção de hipóteses sobre os fenômenos da natureza, com ênfase nas observações. Há de se considerar que, nesse período, os conhecimen- tos geográficos tiveram avanços significativos para o seu tempo, uma vez que não havia recursos tecnológicos sofisticados como na socieda- de contemporânea. 11Geografia no Ensino Fundamental Nessa perspectiva, há uma estreita relação entre a necessidade dos conhecimentos geográficos, bem como de sua acumulação e sistemati- zação como forma de prover saberes que possibilitam ampliar a intera- ção entre sociedade e natureza. Porém, a sistematização e a produção de conhecimentos não são neutras, ou seja, atendem a determinadas necessidades e interesses no decorrer do tempo. Esse pressuposto é evidenciado na análise das características dos conhecimentos geográ- ficos na Idade Média, visto que, devido ao dogmatismo religioso, os conhecimentos já desenvolvidos pelos gregos foram negados e “demo- nizados”, e sua aplicação, proibida. Esse contexto representou um retrocesso na evolução do conhe- cimento, sobretudo daqueles voltados à cartografia, pois os mapas, por exemplo, passaram a ser elaborados com bases em preceitos re- ligiosos, apresentando formato de disco e sendo ornamentados com imagens de histórias bíblicas e com a ideia de paraíso. Outro exemplo marcante está nos debates sobre a forma da Terra, pois, embora, os gregos apresentassem certo avanço em relação ao tema, na Idade Mé- dia volta-se à ideia do terraplanismo, porque, segundo Andrade (2008, p. 53), “a ideia de que a Terra era um disco se generalizou e tornou-se para a Igreja de então uma verdade que não podia ser contraditada”. Assim, todas as explicações sobre os fenômenos naturais eram ba- seadas em preceitos religiosos e em discursos moralistas. Ressalta-se que as ações educativas referentes ao ensino de Geografia ocorriam por meio da memorização de dados e da recitação coletiva, ou seja, eram pautadas por ações eclesiais e da fé religiosa. Desse modo, esses diferentes entendimentos sobre a forma de se relacionar com os conhecimentos geográficos se caracterizaram pela ausência da definição de objeto de estudo e de métodos de produção de conhecimentos que conferissem uma identidade no campo da Geografia. Com o surgimento de mudanças significativas no contexto político e econômico a partir do final do século XV, segundo Andrade (2008), deu- -se origem a importantes eventos históricos, como as Grandes Navega- ções, a circum-navegação da Terra (o que atestou sua esfericidade), o mercantilismo marítimo comercial, o início da exploração do continen- te americano e a retomada do desenvolvimento das ciências tal como conhecemos hoje. Nesse contexto, os conhecimentos geográficos vol- taram a ser valorizados. 1492: A conquista do paraíso Direção: Ridley Scott. Espanha; França: Paramount Pictures; Pathé, 1992 (154 min.). Esse filme retrata o desa- fio de Cristóvão Colombo para convencer as autori- dades da sua época a per- mitirem a navegação para o oeste do continente eu- ropeu. O filme evidencia os conhecimentos fanta- siosos e os dogmas reli- giosos que dominavam as ações humanas, além de mostrar como as Grandes Navegações permitiram a ampliação dos conheci- mentos geográficos com a retomada de conheci- mentos produzidos por outras civilizações. Filme 12 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Os saberes já desenvolvidos pelos gregos, árabes e romanos foram retomados e ampliados, pois o interesse nas “novas terras” exigia co- nhecimentos seguros e precisos para o estabelecimento de rotas de navegação e a ampliação da capacidade de exploração dos recursos naturais encontrados. Isso fez com que o conhecimento baseado em dogmatismos religiosos – que passaram a ser considerados imprecisos, fantasiosos e, em determinadas situações, alienantes – fosse de encon- tro aos novos interesses da expansão capitalista. Com a expansão da exploração do continente americano, da Ocea- nia e do noroeste da Ásia, a observação das características dos conti- nentes e dos oceanos passou a oferecer subsídios para a produção de conhecimentos geográficos, o que possibilitou a adoção de métodos mais elaborados, atestando a importância e a necessidade de aprofun- damento nos estudos na área. A partir do século XIX, devido ao avanço das relações capitalis- tas, “houve uma eclosão da produção geográfica que passou a inte- ressar aos Estados que necessitavam conhecer as bases materiais sobre as quais atuavam” (MORAES, 2007, p. 18), e é nesse contexto que a Geografia se define como ciência. Nessa perspectiva, de acor- do com Carvalho (2004, p. 32), a Geografia surge como ciência no momento em que, após muitos séculos norteando o pensamento humano, o paradigma medieval cedeu lugar a uma concepção de mundo, não mais espiritual, mas de mundo-máquina, fruto da Revolução Científica. Nesse contexto, a produção de conhecimentos geográficos passou a ocorrer de maneira sistematizada e organizada, tendo como basea adoção de métodos científicos, pois, embora importantes para todas as sociedades ao longo da história, esses saberes estavam dispersos em diferentes abordagens e obras. Para a Geografia, o início do século XIX é, como afirma Gomes (1996, p. 85-85), o momento [...] onde tudo se transforma em marcha histórica progressiva. Era como se a ciência, depois da agitação causada pela Filosofia no século precedente, tivesse reencontrado seu lugar definitivo; a acumulação e a ampliação do conhecimento científico eram agora o objetivo principal. Evidencia-se, mais uma vez, que a produção de conhecimentos geo- gráficos não é neutra. Na Idade Média, atendia aos interesses da Igre- ja em manter sua produção pautada por uma doutrina religiosa. Com Os conhecimentos geográficos sempre foram importantes para os diferentes tipos de socie- dades. Explicite a importância desses conhecimentos após a definição da Geografia como ciência e a quais interesses eles serviam. Atividade 1 13Geografia no Ensino Fundamental a definição da Geografia como ciência, a produção de conhecimento passa a ter como objetivo principal prover saberes e métodos para en- contrar a maneira mais eficiente de explorar os recursos naturais dis- poníveis nas colônias e possibilitar que sua riqueza proporcione lucro aos Estados-nação. 1.1.2 Senso comum e conhecimento geográfico Considerando a epistemologia da Geografia, sabe-se que essa ciên- cia vem passando por diferentes debates e reformulações sobre o seu objeto de estudo e os seus métodos próprios de produção do conhe- cimento. Nesse sentido, pensar o ensino de Geografia no Ensino Fun- damental requer considerar as diferentes correntes de pensamento geográfico, como abordaremos mais adiante. No entanto, é fundamen- tal ter um entendimento sobre a relação entre a Geografia e os tipos de conhecimentos, já que, para atender a seus objetivos de ensino, o professor precisa ter como referência o conhecimento científico. Destaca-se que hoje, dadas as características da sociedade atual –marcada pelos avanços científicos e tecnológicos –, os fluxos de capi- tais, mercadorias e pessoas trazem uma complexidade para a produ- ção do espaço geográfico. A compreensão do papel da Geografia para o entendimento dessa complexidade envolve a habilidade de produ- zir conhecimentos, processo que vem apresentando desafios signi- ficativos em nossos dias, visto que, dadas as facilidades de acesso à informação, nem sempre os dados de cunho geográfico disponíveis, principalmente em meios de comunicação e redes sociais, games etc., são verídicos e confiáveis. Um exemplo que retrata um dilema resul- tante dessas informações desconexas e destituídas de significados é a volta da defesa do terraplanismo. Para que o ensino de Geografia atenda às suas especificidades, é necessário que o professor tenha domínio dos conceitos científi- cos, possibilitando ao aluno a atribuição de significados às diversas informações que recebem. Desse modo, o aluno passa a valorizar o estudo da Geografia como forma de compreender os fenômenos naturais e sociais do mundo hodierno, bem como o seu papel en- quanto produtor e possível transformador do espaço no qual está inserido. Para isso, considera-se importante que o professor saiba diferenciar os tipos de conhecimentos presentes na sociedade para hodierno: que é atual, moderno, nos dias de hoje. Glossário 14 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental atuar tendo como referência uma prática pedagógica pautada na cientificidade das suas ações. Ao abordarmos a produção de conhecimentos geográficos, admi- te-se que a Geografia é, antes de tudo, um saber desenvolvido a partir do espaço vivido, ou seja, no ir e vir, nas observações sobre o meio, nas relações com as pessoas e nas diferentes atividades realizadas. Com isso, espontaneamente na vivência, o ser humano adquire percepções, habilidades de localização e outros saberes. De acordo com essa perspectiva, o espaço é concebido, percebido e vivido a partir da subjetividade do indivíduo, dos referenciais de loca- lização, da maneira como ele interpreta as paisagens e do sentido que dá a elas, pois, conforme Rique (2004), o que os olhos de um indivíduo veem em termos de cores, amplitude das formas ou anatomia pode não ser igual ao que um outro indivíduo vê, ouve e concebe. Nesse sentido, Catalão (2010, p. 17) reconhece que “tanto o espa- ço percebido quanto o concebido e o vivido são, fundamentalmente, o mesmo espaço [...]. Porém, não se dissociam, mas têm igual impor- tância para a vida em sociedade e incidem diretamente nela”. O reco- nhecimento dos saberes adquiridos pelo indivíduo no espaço vivido é fundamental para o planejamento do ensino de Geografia. Entretanto, é necessário considerar que esses conhecimentos, na maioria das vezes – assim como as informações provenientes de vá- rios meios, como já mencionado –, são imbuídos de ideias do senso comum, que, de acordo com Chauí (2003), são percepções que nas- cem das experiências diárias e se constituem em um vasto conjunto de concepções, normalmente tidas como verdadeiras em determina- do meio social. O senso comum também é conhecido como empírico ou espon- tâneo e provém das experiências das pessoas. No caso das ideias de cunho geográfico, elas são resultados das experiências do indivíduo no espaço vivido ou dos meios de comunicação. Chauí (2003) destaca que o senso comum advém da falta de reflexão e envolve ideias falsas, pre- conceituosas e parciais, além de não necessariamente passar por crité- rios de confiabilidade. Desse modo, recebem-se e emitem-se opiniões sem saber ao certo para o que servem e o que significam. Longe de serem desprezados, no entanto, esses saberes espon- tâneos que os alunos levam para a escola precisam ser valorizados 15Geografia no Ensino Fundamental e compreendidos como ponto de partida para a aprendizagem dos conceitos científicos. Evidencia-se, assim, a importância de o professor identificar-se como um sujeito ativo, que tem como base de sua práti- ca profissional a habilidade de apropriar-se do conhecimento científico. Esse tipo de conhecimento é definido de diferentes modos, conforme as concepções dos diversos autores que se lançam a essa difícil tarefa. Mas, para os propósitos do ensino de Geografia, é necessária uma referência. Para tal, admite-se que o conhecimento científico é oriundo de reflexões, sistematizações, atribuição de significados e produzido por meio de um método próprio. Desse modo, são os que possuem certa confiabilidade e que mantêm correspondência com a realidade concreta. Ressalta-se, assim, a tarefa do professor de Geografia no Ensino Fundamental. Segundo Gasparin (2009), é na interação entre o profes- sor e o aluno que ocorre o confronto entre os conceitos espontâneos e o saber técnico. Os conhecimentos científicos se adequam à realidade dos alunos, enquanto os espontâneos ascendem, buscando a sistema- tização, a abstração e a generalização. Nessa perspectiva, a partir dos conceitos espontâneos que os alunos trazem, o professor encaminha metodologicamente o ensino de modo a permitir a reconstrução des- ses conceitos em articulações e transformações recíprocas. Assim, ao se apropriar dos conceitos científicos da Geografia, o aluno pode com- preender a realidade na qual está inserido e o seu papel como produ- tor/transformador do espaço geográfico. 1.2 Concepções e práticas do ensino de Geografia Vídeo A produção dos conhecimentos geográficos vem passando por di- ferentes reformulações desde os seus primórdios. A necessidade de repensar os objetivos de ensino e o perfil do aluno que se pretende formar surge de acordo com o contexto histórico e com as demandas para os processos educacionais. Para compreender as diferentes concepções e práticas de ensino referentes ao tema desta obra, é preciso considerar a própria evolução do pensamento geográfico a partir da definição da ciência de referência para essas práticas, ou seja,a ciência geográfica. Em sua gênese, essa ciência é marcada pelo impasse de definir ao certo o que é Geogra- fia, sendo que, conforme Andrade (2008, p. 17), esse dilema “é comum às outras ciências sociais, pois não existem ciências estanques, com 16 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental objetivos bem delimitados, mas uma ciência única que, para facilitar o estudo, foi dividida, arbitrariamente, em várias outras”. Destaca-se que, no caso da Geografia, a questão da indefinição do objeto de estudo, isto é, do que essa ciência realmente estuda, é mais evidente do que nas demais áreas. Esse contexto requer que, ao ser encaminhado o processo de ensino e aprendizagem, o professor tenha clareza dos métodos próprios e das categorias de análise do espaço geográfico. É comum, principalmente no Ensino Fundamental, ouvir dos alunos os seguintes questionamentos quando se abordam conteú- dos em uma aula de Geografia: “mas isso não são conteúdos de Histó- ria?”; “o professor de Ciências já ensinou isso!”; “por que esses assuntos se repetem?”. Evidencia-se, assim, a importância de se considerar que, "como a Geografia tem relacionamento com uma série de ciências afins, é natu- ral que entre ela e outras áreas do conhecimento se desenvolvam áreas de conhecimento intermediário” (ANDRADE, 2008, p. 26). Entretanto, é essencial que a Geografia não perca a sua identidade nesse proces- so – o que torna imprescindível considerar seus métodos próprios de produção de conhecimentos e suas relações com o ensino e a aprendi- zagem. As diferentes concepções de ensino de Geografia mantêm es- treitas relações com as correntes de pensamento geográfico, sendo o conhecimento sobre a gênese e a evolução do ensino de Geografia de importância significativa para análise das mudanças e permanências que marcaram a evolução das práticas de ensino. 1.2.1 O ensino da Geografia Tradicional Ao se estabelecer a Geografia como ciência autônoma, com os im- portantes trabalhos dos geógrafos alemães Alexandre von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859), dá-se início à chamada Geogra- fia Tradicional ou Clássica, que se caracteriza de maneira esquemática, de acordo com Andrade (2008, p. 49), como um período de “tendência para o estudo das paisagens, dando maior peso à participação do na- tural sobre o social”. Esses estudos enfatizavam a observação e a des- crição exaustiva das paisagens. Essa corrente de pensamento baseava-se em uma concepção de “espaço criado a partir das premissas positivistas de neutralidade e objetividade” (CARVALHO, 2004, p. 29), que não tratava das contradi- 17Geografia no Ensino Fundamental ções inerentes à produção/transformação do espaço geográfico. Vale ressaltar que essa fase da produção dos conhecimentos geográficos recebeu uma importante contribuição do ensino, uma vez que a Geo- grafia escolar é anterior ao advento da Geografia enquanto ciência, tal como a conhecemos hoje. Tal contribuição é destacada por Vesentini (2004), pois, bem antes de a Geografia se institucionalizar como ciência ou disciplina universi- tária, já havia aulas para crianças, adolescentes e adultos na Alemanha, país considerado o berço do ensino dessa disciplina. Eram utilizados, inclusive, manuais que sistematizavam esse saber escolar e prático. Es- sas atividades de ensino advinham da necessidade de se realizarem viagens, comércio e guerras; a institucionalização da Geografia como ciência se justificou na demanda de formar um número cada vez maior de professores dessa disciplina, pois o sistema escolar estava em signi- ficativa expansão no momento. No entanto, os métodos adotados eram baseados na memorização dos nomes de rios, altitudes de montanhas e outros dados referen- tes aos acidentes geográficos. Segundo Andrade (2008, p. 21), “era um ramo do conhecimento meramente informativo, que não estimulava a reflexão mais profunda”. Mesmo que esses saberes fossem mecânicos, em uma perspectiva de ensino tradicional – na qual o professor man- tinha a autoridade sobre o conhecimento e aos alunos cabia apenas a memorização e a cópia de mapas –, os propósitos dessas ações educa- tivas estavam longe de serem considerados neutros. Para uma melhor compreensão das concepções de ensino de Geo- grafia nesse período, é necessário considerar o contexto histórico do Estado alemão, que, segundo Vesentini (2004), foi o primeiro a institu- cionalizar o ensino formal dessa disciplina, ou seja, com um currículo, objetivos de aprendizagem e uma metodologia bem definidos. A Prús- sia foi o primeiro território a implantar a disciplina de Geografia em seu amplo sistema de ensino público, o que ocorreu mesmo antes da unificação alemã – que se caracterizou como um processo de junção de vários territórios germânicos, com dialetos, culturas e interesses dife- rentes, culminando na formação do Estado alemão, em 1871. Nesse contexto, o ensino de Geografia teve uma utilidade aliada aos interesses do governo alemão, que sustentava o objetivo de de- senvolver o patriotismo por meio da cópia de mapas que ressaltavam 18 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental os contornos da Alemanha, da descrição e da memorização das carac- terísticas das paisagens. Tratava-se, segundo Vesentini (2004), de um ensino imbuído de orgulho exagerado pelo território, um nacionalismo patriótico que visava, inclusive, à formação dos futuros soldados para a defesa do país em caso de guerras. Cogita-se, inclusive, que a vitória da Prússia sobre a França na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) se deve à Geografia escolar, pois os soldados prussianos estariam melhor preparados em relação aos conhecimentos geográficos. Dada a importância dos saberes como suporte à exploração eco- nômica e à dominação política, sendo utilizados, ainda, como estraté- gias de guerra por parte da Alemanha, outros Estados-nação passaram a valorizar esses conhecimentos. Nesse contexto, surgiram as novas escolas de pensamento geográfico na França, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, chegando também ao Brasil. Justificava-se, então, com propriedade, a inserção da disciplina de Geografia nos sistemas de ensino, pois ela auxiliava no desenvolvimento da memorização e do civismo. A Geografia Tradicional produzia conhecimentos variados sobre o espaço e a organização dos Estados-nação. No entanto, esses saberes estratégicos não eram, logicamente, o foco do ensino, ou seja, não se visava formar cidadãos críticos e participativos para construir/ transformar os espaços geográficos no qual se encontravam. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o cenário de destrui- ção dos territórios europeus envolvidos, a grande desigualdade entre os países, a exploração econômica, a fome e a miséria de elevada parte da população mundial levaram os geógrafos a debaterem sobre os pro- pósitos da produção dos seus conhecimentos. De acordo com Andrade (2008, p. 105), isso conduziu a “atitudes de crítica, à reformulação dos princípios científicos e filosóficos, à negação do passado por parte de alguns grupos e à procura de novos caminhos”, o que levou a uma crise da Geografia Tradicional. 1.2.2 A renovação do ensino de Geografia Essa busca por novas abordagens na produção dos conhecimen- tos geográficos motivou também a se repensar o ensino de Geografia. Criticando essa vertente tradicional de ensino, o geógrafo francês Yves Lacoste lançou, em 1976, a importante obra A Geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer guerra. Segundo esse autor, a produção de 19Geografia no Ensino Fundamental conhecimentos geográficos se manifesta em dois planos: a Geografia dos Estados-nação, que corresponde ao conjunto de conhecimentos utilizados estrategicamente como dominação pelas elites dirigentes, para as quais esses conhecimentos servem de instrumento de poder; e a Geografia dos professores, que, segundo Lacoste (1988), tornou-se um discurso ideológico cuja uma das funções foi a de mascarar a impor- tância estratégicapara pensar a organização do espaço. Desse modo, enquanto os conhecimentos geográficos produzidos nas universidades e demais órgãos oficiais serviam estrategicamente aos governos dos Estados-nações para que eles projetassem políticas que visavam impulsionar os mecanismos de acumulação capitalista, os professores de Geografia, por meio de um ensino baseado na memo- rização e no incipiente pensar sobre a realidade, cumpriam a tarefa de formar cidadãos/trabalhadores disciplinados e prontos para servirem de mão de obra para o exército. Evidencia-se, assim, o “casamento per- feito” entre a Geografia Tradicional e a escola tradicional. O objetivo da escola tradicional, segundo Straforini (2004, p. 57), é a transmissão de conhecimentos, ou seja, uma preocupação conteudista. Desta forma, o aluno é visto com um agente pas- sivo, cabendo a ele decorar e memorizar o conjunto de conhe- cimentos significativos da cultura da humanidade previamente selecionados e transmitidos pelo professor em aulas expositivas. A estreita relação desse tipo de escola com os pressupostos da Geografia Tradicional se revela no fato de que essa corrente de pen- samento geográfico fragmenta a realidade e concebe o espaço sem as contradições inerentes à sua produção – é aí que se estabelece o enlace, cujo ponto principal é o método de ver o mundo pelo viés do positivismo. Sobre o exposto, Straforini (2004, p. 61) afirma que, “se para os geó- grafos positivistas o espaço era visto como um receptáculo, para os educadores tradicionais os alunos também tinham a mesma função”. Assim, em uma sala de aula de Geografia concebida nessa perspectiva, o professor, detentor de todo o saber, transmite o conhecimento ao aluno, que, quando necessário, tem como função memorizá-lo e repro- duzi-lo exatamente como o professor. Surpreendentemente, não é difícil observar, ainda em nossos dias, práticas de ensino de Geografia que consistem no professor simples- receptáculo: local usado para guardar ou conter algo; receptor, recipiente. Glossário 20 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental mente “passar o ponto" 1 Trata-se de uma forma utilizada no ensino tradicional para se referir ao ato de escrever conteúdos na lousa. 1 no quadro e depois exigir que os alunos memorizem o conteúdo. Porém, sendo uma demanda da educação hoje, há métodos mais dinâmicos e inovadores para se trabalhar os assuntos. Para compreender a origem de métodos mais dinâmicos, é neces- sário entender as propostas do movimento de renovação do ensino originadas pela crise da Geografia Tradicional. Com isso, considerando a evolução epistemológica da Geografia, surgiram outras correntes de pensamento, como a Teórico-Quantitativa, a Geografia Humanística ou da Percepção e a Geografia Crítica. Os debates sobre seus respectivos pressupostos atingiram também o ensino, sobretudo na perspectiva da Geografia Crítica – que vem se expandindo no Brasil desde a década de 1980, com reflexos significativos no ensino. De acordo com Vesenti- ni (2004, p. 224), o ensino de Geografia: vive um momento rico e complexo, com uma intensa pluralidade de caminhos, o que não por acaso coincide com as profundas redefinições no sistema escolar e com os correlatos questiona- mentos ao ensino tradicional dessa disciplina. Desse modo, ainda que se considerem os percalços da educação brasileira, dentre os quais podemos citar a falta de investimentos e a desvalorização do ensino e da carreira docente, no Brasil, o ensino de Geografia, na perspectiva crítica, apresenta-se diverso. Isso porque busca novos métodos que possibilitem aos alunos atribuir significados ao que estão aprendendo, aplicando-os na prática social. Enquanto ocorriam, no mundo, debates sobre a necessária reno- vação do ensino de Geografia, no Brasil, parte significativa dos profes- sores, segundo Vesentini (2004, p. 222), “já praticavam em suas aulas uma Geografia escolar diferente da tradicional”. Assim, foram adotadas outras estratégias, como debates, apresentação de trabalhos, estudos de campo, interpretação de textos críticos e abordagem de conteúdos que se aproximam da realidade de muitos alunos – distribuição de ren- da, acesso aos serviços e melhoras no próprio espaço de vivência, por exemplo. Ressalta-se que a busca pela renovação do ensino não ocor- reu apenas na dimensão das estratégias adotadas, mas também na cri- ticidade e no engajamento dos professores. Essa criticidade, conforme Vesentini (2004, p. 222), é “entendida como leitura do real – isto é, do espaço geográfico – que não omita as suas tensões e contradições, tal como fazia e faz a Geografia Tradicional, que ajude a esclarecer a es- 21Geografia no Ensino Fundamental pacialidade das relações de poder e de dominação”. O trabalho nessa perspectiva requer uma redefinição dos sujeitos no ensino, ou seja, o professor, que domina os métodos próprios da Geografia, encaminha processos de aprendizagem nos quais o aluno é um ser ativo que se apropria dos conhecimentos para compreender a realidade na qual está inserido. 1.3 Os saberes geográficos na atualidade Vídeo Dadas as características da sociedade tecnológica da atualidade, é comum nos depararmos com a afirmação de que estamos na socie- dade do conhecimento. Entretanto, há controvérsia em relação a essa questão, pois é inegável que estamos na sociedade da informação, uma vez que a recebemos a todo momento nas mais variadas formas. Informação, no entanto, é diferente de conhecimento, pois é neces- sário que ela seja sistematizada, relacionada a outras informações e contextualizada para, então, se tornar conhecimento. Esse contexto traz desafios significativos para pensar o ensino de Geografia e os saberes relacionados à área na atualidade. Com a difu- são de informações via internet, redes sociais e outros meios de comu- nicação, observa-se a veiculação de informações de cunho geográfico que são, na maior parte das vezes, equivocadas. Ao avaliar as obser- vações realizadas por graduandos de Geografia no campo do estágio supervisionado, é comum que elas relatem professores reproduzindo tais informações incorretas, o que evidencia a falta de domínio dos mé- todos apropriados para a produção de conhecimentos geográficos. 1.3.1 O objeto de estudo da Geografia e ensino É imprescindível ter como referência o objeto de estudo da Geo- grafia, isto é, o foco da abordagem ou o que realmente essa ciência estuda. Além desse aspecto, é fundamental conhecer as categorias de análise adotadas para a produção de conhecimentos. Desse modo, pode-se garantir a cientificidade do processo de ensino-aprendizagem de Geografia de modo que os conteúdos trabalhados correspondam à realidade do aluno. Com a finalidade de subsidiar o trabalho no Ensino Fundamental, apresentam-se, a seguir, algumas reflexões sobre o objeto de estudo 22 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental da Geografia e suas implicações na prática de ensino. Considerando a epistemologia da Geografia, a definição do seu objeto de estudo em seu escopo passou por diversas fases. Segundo Andrade (2008), durante um tempo significativo, definia- -se a Geografia como o estudo da superfície terrestre. No entanto, tal definição fazia sentido enquanto o objetivo da disciplina era somente a descrição exaustiva das paisagens e, de modo primário, as marcas deixadas pelos seres humanos. Com a crise da Geografia Tradicional e a retomada dos debates, adotou-se o espaço geográfico como objeto de estudo. De acordo com Andrade (2002, p. 44), “hoje, em face da grande divergência de opi- niões na comunidade geográfica e dos vários grupos que se comba- tem, é difícil para o geógrafo estabelecer o que é a geografia e qual seu objeto de estudo”. Vários estudiosos se dedicaram (e ainda se dedicam) à difícil tarefa de definir o que se entende por espaço geográfico. Por esse motivo, e considerando nossos propósitos, adotaremos o conceito proposto pelo renomado geógrafo MiltonSantos (2008, p. 63), para quem o espaço geográfico é “formado por um conjunto indissociável, solidário e con- traditório de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considera- dos isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”. Nesse sentido, quando se refere aos sistemas de ações, o autor destaca a ação humana sobre a natureza, o que dá origem ao espaço geográfico. A natureza provê a matéria-prima, transformada em objeto pela ação humana, o que ocorre com maior ou menor intensidade de acordo com o nível técnico de cada sociedade. Assim, uma sociedade que pratica a agricultura a partir de bases técnicas mais rudimentares – como o arado de tração animal – detém menor nível técnico do que uma sociedade que pratica a agricultura mecanizada. Sendo o espaço geográfico aquele que é resultado da interação entre as ações humanas e a natureza, na atualidade, esse espaço equivale a praticamente toda a superfície terrestre (SANTOS, 2008). Dessa forma, mesmo as áreas inóspitas como as geleiras da Antártica, por exemplo, sofrem as interferências das ações humanas, o que se percebe no degelo das calotas polares devido às alterações atmosféricas. Conforme Santos (2008, p. 65), “no princípio, eram coisas, enquanto hoje tudo tende a ser objeto, já que as próprias coisas, dádivas da natureza, Durante longo período, a Geografia foi definida como o estudo descritivo da superfície terrestre. No entanto, tal defini- ção é insuficiente para os nossos dias. Explique qual é o objeto de estudo da Geografia e quais referências ele traz para o ensino da disciplina. Atividade 2 23Geografia no Ensino Fundamental quando utilizadas pelos homens a partir de um conjunto de intenções sociais, passam, também, a ser objetos”. Ter como referência esse entendimento de que o espaço geográ- fico é resultante da interação entre sociedade e natureza é essencial para pensar o ensino de Geografia no Ensino Fundamental, pois é essa vertente que possibilita a produção de conhecimento por parte do alu- no. A partir desse entendimento, encaminham-se os procedimentos metodológicos para que o aluno compreenda gradativamente como ocorre a sua participação nesse processo, uma vez que, dadas as ca- racterísticas intrínsecas à faixa etária desses estudantes, a compreen- são da dimensão prática das suas ações é ainda incipiente. No entanto, desenvolvem-se noções elementares de como os saberes geográficos se aplicam à prática social do aluno. 1.3.2 O professor como produtor de conhecimento É imprescindível, nesse processo, que o professor entenda que seu papel não é apenas reproduzir os conhecimentos gerados pela Geo- grafia acadêmica, ou seja, aquela construída nas universidades; é sua tarefa produzir os saberes geográficos também no Ensino Fundamen- tal. Como afirma Vesentini (2004, p. 222), “muitos imaginam, de forma ingênua e até mesmo preconceituosa, que as disciplinas escolares [e os professores] tão somente reproduzem, de forma simplificada, os conteúdos criados e desenvolvidos nas universidades”. Nesse sentido, ainda segundo o autor, essa visão é parcial e autoritária, pois ignora que o professor e seus alunos podem ser coautores dos saberes geo- gráficos. Desse modo, é preciso atribuir significado às informações, contrastá-las com os conceitos científicos e chegar a conclusões pró- prias – que não são meras simplificações dos saberes universitários. Possibilita-se também ao aluno conceber-se como um sujeito ativo e participativo na construção dos saberes geográficos, pois ele passa a interpretar os fenômenos que o cercam e a compreender a complexi- dade que os envolvem. Assim, ao analisar o espaço de vivência tendo como referência que o conteúdo estudado é o espaço construído pe- los seres humanos, podem-se criar as condições para que o aluno se perceba como um sujeito que faz parte desse processo, que se carac- teriza por contraditório. Como afirma Santos (2008, p. 33), “o espaço que, para o processo produtivo, une os homens, é o espaço que, por esse mesmo processo produtivo, os separa”. 24 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Desse modo, evidencia-se a necessidade de se conceber o ensino de Geografia em uma perspectiva que mostra para o aluno a aplicabi- lidade dos conceitos estudados no espaço em que ele se encontra. De outra forma, a memorização das características do município ou do es- tado onde vive o aluno, por exemplo, torna-se sem sentido e incapaz de dar conta dos desafios da compreensão das contradições que marcam esses espaços geográficos. Se continuar nesse formato, como destaca Vesentini (2004, p. 220), “descritivo, alicerçado no esquema ‘A Terra e o homem’ – não tem lugar no século XXI. Ou a Geografia muda radical- mente [...] ou ela vai acabar virando uma peça de museu”. Assim, partindo do objeto de estudo – que é o espaço geográfico –, possibilita-se ao aluno compreender as problemáticas das relações entre sociedade e natureza e entre todas as escalas geográficas, uma vez que, no Ensino Fundamental, objetiva-se que o aluno, ao longo dos anos, apreenda as características gerais do espaço mundial. Essa análise pressupõe uma relação mais direta do aluno com o tema estudado, o que significa dizer que, se a proposta é estudar as con- tradições do espaço geográfico da Etiópia, por exemplo, em uma aula tradicional, o professor pode trabalhar esse conteúdo a partir do livro didático e, depois, passar algumas questões para serem respondidas. Considerando as possibilidades tecnológicas dos dias atuais, con- tudo, o professor pode proporcionar ao aluno o acesso a imagens das paisagens do país, fazer uma tour virtual pelas principais rodo- vias utilizando geotecnologias. Dessa maneira, demonstra-se ao alu- no para que serve a Geografia, e isso poderá despertar o interesse pela aprendizagem. É comum ouvirmos relatos de pessoas que não gostam de Geogra- fia, e isso se deve a alguns "traumas" causados por certas concepções de ensino que a abordam de maneira simplória e entediante. No en- tanto, a Geografia que ocorre fora dos sistemas de ensino – aquela que as pessoas fazem de maneira informal, viajando, conhecendo lugares diferentes, vendo paisagens que se destacam por suas belezas natu- rais – tem elevada aceitabilidade. É essa Geografia viva que precisa ser referência no ensino da disciplina. Atualmente, em sala de aula, basta darmos espaço para os alunos exporem seus saberes espontâneos, o que provavelmente os fará citar ANDRADE, M. C. de. Geografia: ciência da sociedade. 2. ed. Recife: UFPE, 2008. A obra apresenta, com linguagem acessível, uma sistematização da evo- lução do pensamento geográfico, destacando as contribuições de dife- rentes civilizações para esse processo. O livro destaca as escolas de pensamento geográfico e os desafios atuais para a produção de conhe- cimentos, bem como o estabelecimento da Geo- grafia e seus reflexos no ensino e nos órgãos ofi- ciais do Brasil. Livro 25Geografia no Ensino Fundamental aspectos de paisagens de países que viram na internet, aspectos de culturas diferentes, enfim, informações que receberam, mas que vie- ram fragmentadas, descontextualizadas e, muitas vezes, equivocadas. A apropriação dos métodos próprios de produção de conhecimentos da Geografia cria as condições para que os alunos atribuam significado às informações que recebem, transformando-as em saberes geográficos. 1.4 Ensino de Geografia para “ler” o mundo Vídeo Tendo-se em vista os métodos próprios de construção de conheci- mentos geográficos, a partir da admissão do espaço geográfico como objeto de estudo, definem-se as categorias de análise, isto é, concei- tos que balizam todos os estudos realizados. No caso da Geografia no Ensino Fundamental, mais especificamente nos anos finais dessa etapa, objetiva-se que o aluno se aproprie de conceitos que lhe per- mitam compreender a organização do espaço em diferentes escalas, desde o seu espaço de vivência até o espaço geográficomundial. Cada uma dessas categorias traz contribuições específicas para o ensino de Geografia, com o objetivo de possibilitar ao aluno “ler” o mundo, o que significa interpretar suas diferentes paisagens; en- tender como se constituem seus diferentes lugares; as dimensões políticas que envolvem a delimitação ou a flutuação dos territórios; a diferenciação de partes do espaço geográfico a partir da definição de critérios. Assim, garante-se que o aluno se aproprie dos saberes geográficos a partir de métodos que estejam de acordo com a cienti- ficidade desse processo. 1.4.1 Categorias de análise espacial no ensino A seguir, apresenta-se as principais categorias de análise espacial, destacando suas características de acordo com cada corrente de pen- samento geográfico e suas contribuições para o alcance dos objetivos de ensino. Considerando a epistemologia da Geografia e suas relações com o ensino, admitem-se três correntes de pensamento: Tradicional, Humanística e Crítica. Cada uma dessas correntes aborda, de maneira diferente, as categorias de análise espacial, que são: lugar, paisagem, território e região. 26 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Entendendo-se lugar como categoria de análise espacial na Geogra- fia Tradicional é recente, pois o foco estaria mais voltado à descrição das paisagens, sem maiores preocupações com os seres humanos que a elas davam forma e movimento. Com a renovação do pensamento geográfico e o advento da Geografia Crítica, o lugar passa a ser valori- zado e ganha uma dimensão política, porque é a partir dele que o ser humano participa da construção/transformação do espaço geográfico. Conforme Carlos (1996, p. 20-24), é no lugar que se desenvolve a vida em todas as suas dimensões [...]. A histó- ria do indivíduo é aquela que produziu o espaço e que a ele se imbrica, por isso que ela pode ser apropriada. Mas é também uma história contraditória de poder e de lutas, de resistências compostas por pequenas formas de apropriação. O significado de lugar refere-se a espaços com os quais as pessoas se familiarizam e onde desenvolvem laços subjetivos que, devido a valores culturais, naturais, econômicos e sociais, passam a ter signifi- cados. Por exemplo, quando se muda para um determinado bairro, o novo habitante precisa adaptar-se a esse espaço; para isso, passará a estabelecer novas relações sociais com as pessoas que ali vivem, terá de descobrir novos trajetos, enfim, habituar-se com o local para o qual se mudou. Considera-se, nesse contexto, que esse lugar passa a fazer sentido ao novo morador, sendo vinculado às experiências pessoais vividas ali. Sobre o lugar e o ensino, Callai (2000, p. 107) afirma que: em um tempo que se fala tanto de globalização, a questão do lugar assume contornos importantes [...] na medida que tende a homogeneizar todos os espaços, a diferenciação, pelo contrário, se intensifica, pois os grupos sociais, as pessoas, não reagem da mesma forma. Cada lugar vai ter marcas que lhe permitem cons- truir a sua identidade. Nessa perspectiva, considerar o lugar para os propósitos de leitura de mundo por parte do aluno é fundamental, pois ele passa a anali- sar aspectos do espaço geográfico mundial a partir do entendimento das múltiplas relações que o lugar onde ele vive mantém com outros lugares do mundo. A abordagem de lugar no ensino de Geografia im- plica observar, relacionar, interpretar e sistematizar aspectos políticos, territoriais, ambientais e diferentes interesses econômicos e sociais que ocorrem em escala global, nacional e regional – além de identificar como esses aspectos se manifestam em escala local. Suprimiu-se, nesta abordagem, a corrente da Geografia Teorético-Quantitativa, uma vez que, apesar de ela ter tido certa influência no ensino de Geografia com materiais didáticos que exploravam dados estatísticos, sua contribuição é bastante questionável, pois advém de leis gerais que não se aplicam à realidade complexa do espaço de vivência do aluno, sendo, por isso, superada pelas propostas das correntes Crítica e Humanística. Curiosidade 27Geografia no Ensino Fundamental O lugar como categoria de análise na perspectiva da Geografia Hu- manística se refere às porções do espaço com as quais as pessoas es- tabelecem laços afetivos e subjetivos, e aos quais atribuem significado com base em valores culturais e emocionais. Desse modo, são espaços com os quais as pessoas estão familiarizadas, já que é neles que viven- ciam momentos importantes de suas vidas. Yi-Fu Tuan, geógrafo chinês naturalizado nos Estados Unidos, é uma das maiores referências na abordagem do lugar na perspectiva da Geografia Humanística. Em sua obra Topofilia, que em linhas gerais se refere aos sentimentos que as pessoas têm por determinadas porções do espaço, Tuan (2012, p. 143) afirma que a Geografia Humanística procura um entendimento do mundo humano através do estudo das relações das pessoas com a na- tureza, do seu comportamento geográfico, bem como dos seus sentimentos e ideias a respeito do espaço e do lugar. Essa abordagem traz significativas contribuições ao ensino de Geografia, sobretudo nas questões ambientais, pois, a partir dos sen- timentos subjetivos, é possível instigar o aluno a dar importância à con- servação da natureza presente no lugar em que ele vive, como pode ser o caso de um parque que ele gosta de frequentar. A partir disso, pode-se valorizar a importância que outros lugares têm para outras pessoas em outros contextos do espaço geográfico mundial – a floresta para as sociedades indígenas, por exemplo. A paisagem, na abordagem da Geografia Tradicional, equivale à unidade visível de determinada porção do espaço, normalmente as paisagens consideradas belas, que mereciam ser descritas devido à harmonia dos seus elementos. Caberia à Geografia, então, estudar as diferentes paisagens do planeta, descrevendo exaustivamente todos os seus detalhes, comparando-as entre si. Considerava-se que a paisa- gem era inerte e sem movimentos, cores e sons. Na Geografia Crítica, essa categoria teve seu significado ampliado; além do visível ou perceptível, considera-se a paisagem em movimento. A visão ou percepção da paisagem é relativamente momentânea, pois cores, odores, tempo atmosférico, transeuntes, entre vários outros as- pectos, estão em constante movimento e transformação. Conforme Santos (2008, p. 71), não existe “paisagem parada, inerte, e se usamos este conceito é apenas um recurso analítico. A paisagem é materialida- inerte: sem atividade ou movimento próprios. Glossário 28 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental de, formada por objetos materiais e não materiais [...] materialização e um instante da sociedade”. Desse modo, pode-se ultrapassar, no ensino, a paisagem como as- pecto para chegar ao seu significado. A paisagem é essencialmente o que chama a atenção nos diferentes lugares do espaço mundial e cons- titui-se como um elemento-chave para o ensino, pois a análise das suas características revela a organização do espaço geográfico e marcas de movimentos passados. Sendo assim, é o ponto de partida para a análi- se do espaço geográfico, ou seja, é por meio da paisagem que o aluno pode interpretar o mundo. O território como categoria de análise espacial na abordagem da Geografia Tradicional é definido como o espaço, delimitado ou não, nos quais os Estados oficialmente constituídos exercem seu poderio político e militar. A partir dos debates trazidos pela Geografia Crítica, essa concepção foi ampliada, e, além daqueles dos Estados oficiais, são considerados territórios também as áreas delimitadas ou não sobre as quais as pessoas que as habitam ou as estão ocupando exercem rela- ções de poder, ainda que por pouco tempo. São exemplos os territórios do tráfico, as atividades econômicas clandestinas, as invasões de pré- dios públicos ou de áreas de terras improdutivas e as ações de grandes grupos empresariais em terrasindígenas ou de terras devolutas, mas ocupadas por comunidades tradicionais. Trabalhar o conceito de terri- tório com os alunos, conforme Cavalcanti (1998, p. 110), é abordar um campo de forças, envolvendo relações de poder, é trabalhar a delimitação de territórios na própria sala de aula, no lugar de vivência do aluno, nos lugares por ele percebidos (mas próxi- mos – não fisicamente – do aluno); é trabalhar elementos desse conceito – territorialidade, nós, redes, tessitura, fronteira, limites, continuidade, descontinuidade, superposição de poderes, domí- nio material e não material – no âmbito do vivido pelo aluno. Esse conceito é imprescindível para que o aluno possa “ler” o mun- do considerando as forças que determinam ou influenciam a organiza- ção espacial nas escalas local, estadual, regional, nacional e global. Tal compreensão é crucial para o entendimento das relações de poder que se estabelecem no espaço de vivência do aluno e para a criação de pos- síveis formas de reivindicar relações mais democráticas e voltadas para o bem-estar, a justiça social e a distribuição de rendas, como forma de transpor as contradições desse espaço, que é geográfico. 29Geografia no Ensino Fundamental O conceito de região foi aplicado pela Geografia Tradicional com o objetivo de delimitar áreas da superfície terrestre, cujos elementos, principalmente naturais, conferiam a elas certo destaque, como as re- giões desérticas, semiáridas, tropicais etc. A princípio, os elementos humanos presentes em determinadas áreas eram considerados um produto do trabalho e das relações políticas, econômicas e sociais, mas circunscrito a uma determinada área, ou seja, não se estabeleciam rela- ções entre as regiões. Na reconceituação trazida pela Geografia Crítica, a região, como categoria de análise espacial, é concebida como uma área formada por articulações particulares no quadro de uma sociedade globalizada. Essa região é definida a partir de recortes múltiplos, complexos e mutáveis, mas destacando-se, nesses recortes, elementos fundamentais, como a relação de pertencimento e identidade entre os homens e seu território. (CAVALCANTI, 1998, p. 104) Para fins de estudo, no ensino de Geografia, dada a complexidade do espaço geográfico mundial, faz-se necessário regionalizar esse es- paço para melhor compreendê-lo. Entretanto, não se pode perder de vista a análise de determinado espaço como parte de uma totalidade. Nesse contexto, garante-se o entendimento das articulações que cada região mantém com o todo, isto é, possibilita-se ao aluno que ele "leia" por partes (regiões), sem perder a dimensão das determinações econô- micas, políticas, sociais e culturais da totalidade (mundo). 1.4.2 Cartografia no ensino de Geografia Além das categorias de análise do espaço geográfico, é importante destacar o método de representação e a linguagem cartográfica que são próprios da cartografia, mas que permitem à Geografia sintetizar, analisar, localizar e relacionar os dados geográficos à organização e dis- tribuição dos fenômenos geográficos. O trabalho com mapas, segundo Simielli (2018, p. 94-95), permite ter o domínio espacial e fazer a síntese dos fenômenos que ocor- rem num determinado espaço. No nosso dia a dia ou no dia a dia do cidadão, pode-se ter a leitura do espaço por meio de di- ferentes informações. Pode-se ainda ter diferentes produtos, re- presentando diferentes informações para diferentes finalidades: mapas de turismo, mapas de planejamento, mapas rodoviários, mapas de minerais, mapas geológicos, entre outros. Com os movimentos de renova- ção do pensamento geográfico, as categorias de análise espacial foram atualizadas e ressignifi- cadas. Por que essas categorias são importantes para permitir ao aluno “ler” o mundo? Atividade 3 30 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental No ensino de Geografia, é essencial o encaminhamento de ati- vidades envolvendo os mapas como forma de possibilitar ao aluno familiarizar-se com a linguagem cartográfica (escala, símbolos, orien- tação e coordenadas). Desse modo, como afirma Simielli (2018, p. 98), “o desenvolvimento dessas noções contribui para a desmistificação da cartografia como apresentadora de mapas prontos e acabados”. Atividades envolvendo a cartografia proporcionam ao aluno analisar o espaço geográfico a partir da representação dos fenômenos e do esta- belecimento de diversas relações entre eles. A cartografia aplicada ao ensino da Geografia, além de atender a essas diversas necessidades, desenvolve nos alunos capacidades rela- cionadas à representação do espaço geográfico, à leitura de mapas e à interpretação de suas convenções cartográficas. Desse modo, a carto- grafia caracteriza-se como um instrumento auxiliar, permitindo que o aluno desenvolva a habilidade de “ler” o mundo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Evidencia-se que o ensino de Geografia no Ensino Fundamental pode contribuir significativamente para que o aluno desenvolva a habilidade de compreender o espaço no qual está inserido, a partir de uma visão que vai além do senso comum. Suas ideias espontâneas resultantes da interação com o espaço vivido e percebido representam noções importantes que, se forem aproveitadas no ensino e aprendizagem das aulas de Geografia, podem ser ampliadas para uma compreensão mais apurada de determinados fenômenos. Esse processo ocorre a partir da apropriação dos conceitos científicos providos pela ciência geográfica. Para garantir o alcance de tal objetivo, é imprescindível que o profes- sor tenha domínio dos métodos próprios de produção de conhecimentos geográficos. Considera-se que, na atualidade, com a ampla difusão de in- formações, um volume significativo delas, inclusive de cunho geográfico, é veiculado. No entanto, ao virem de modo convincente, acompanhadas de cores, sons e movimentos, induzem a certa credibilidade, quando, na verdade, podem ser equivocadas, imprecisas, ideologizadas e baseadas no senso comum. 31Geografia no Ensino Fundamental Nesse contexto, os alunos chegam à sala de aula de Geografia trazen- do muitas informações, mas cabe ao professor possibilitar condições para que eles atribuam significados a essas informações de maneira a conferir cientificidade ao ensino. Assim, fica evidente a importância dos conheci- mentos geográficos para “ler” o mundo. REFERÊNCIAS ANDRADE, M. C. de. Uma Geografia para o século XXI. Campinas: Papirus, 2002. ANDRADE, M. C. de. Geografia: ciência da sociedade. 2. ed. Recife: UFPE, 2008. CALLAI, H. C. Estudar o lugar para compreender o mundo. In: CASTROGIOVANNI, A. C. (org.). Ensino de Geografia: práticas contextualizadas no cotidiano. 5. ed. Porto Alegre: Mediação, 2000. p. 72-112. CARLOS, A. F. A. O lugar do/no mundo. 2. ed. 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Após a definição da Geografia como uma ciência, os conhecimentos geográficos produzidos com base em métodos científicos advindos do positivismo atendiam aos interesses dos grandes Estados-nação, servindo como forma de encontrar a maneira mais eficiente para explorar as “novas” terras e extrair delas as riquezas naturais que poderiam enriquecer as nações imperialistas europeias. 2. Na atualidade, admite-se como objeto de estudo da Geografia o espaço geográfico, que é resultante das ações humanas sobre a natureza. Desse modo, ter como referência o espaço geográfico no ensino de Geografia permite encaminhar processos de aprendizagem nos quais o aluno compreende a maneira como ocorre essa interação no espaço em que ele vive e como participa desse processo como habitante, como consumidor ou mesmo como agente omisso em relação aos aspectos do espaço geográfico no qual está inserido. 3. Por meio das categorias de análise do espaço geográfico (lugar, paisagem, território e região), é possível encaminhar a aprendizagem de modo que o aluno se aproprie dessas categorias para analisar o espaço nas escalas: local, estadual, regional, nacional e mundial. Desse modo, o aluno passa a ter subsídios para entender o mundo em que vive, ou seja, “ler” o mundo. 33Ensino de Geografia e BNCC: possibilidades e limites O planejamento das aulas de Geografia ou da produção de materiais didáticos remete a questões como: o que ensinar? Para quais propósitos ensinar? Quais são as contribuições do que é ensinado para a formação do aluno? Qual é o perfil de aluno que se deseja formar? As respostas a essas questões envolvem um tema complexo, controverso e com significados diversos: trata-se da dimensão curricular que permeia todo o processo pedagógico. A busca de respostas às inquietações referentes à dimensão curricular suscitam outras questões: a quem cabe a tarefa de elaborar as propostas curriculares? Por que a análise das diferentes propostas curriculares é marcada por ações verticalizadas, ou seja, apresentam completa ausência da participação dos envolvidos – professores, alunos, gestores e comunidade – ou, quando há participação, ela se caracteriza como insuficiente? Nesse contexto, é fundamental conhecer a evolução das propostas curriculares para o ensino de Geografia no Brasil, pois é possível compreender, assim, os diferentes jogos de interesses e contradições que se intercalam entre elas. Desse modo, evidencia-se também a importância do papel do professor como um agente ativo que pode participar diretamente da construção e da operacionalização em sua prática pedagógica, com base na realidade na qual ele e seus alunos estão inseridos. Ensino de Geografia e BNCC: possibilidades e limites 2 34 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental 2.1 As propostas curriculares para o ensino de Geografia no Brasil Vídeo No Brasil, a disciplina de Geografia passou a integrar o currículo do Colégio Pedro II em 1837. Embora houvesse a disciplina de Geografia no ensino secundário no Brasil, somente na década de 1930 teve início a institucionalização da ciência geográfica com base nos pressupostos da Geografia francesa. De acordo com Andrade (2018), ações efetivas de implantação da Geografia científica no Brasil ocorreram a partir da criação da Universidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Fe- deral (atual Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), com o surgimento dos cursos superiores de Geografia e com a fundação do Instituto Brasileiro de Geografia. A criação desse órgão impulsionou a sistematização dos dados esta- tísticos para a administração e o planejamento estatal, bem como para a formação profissional do geógrafo. Soma-se a essas ações a origem da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), com a organização de eventos científicos enquanto forma de instigar os debates sobre as pro- postas e os caminhos da Geografia no Brasil. Com os cursos superiores de Geografia fortemente influenciados pelos pressupostos da Geografia francesa, formaram-se as primeiras gerações de professores e pesquisadores. Desse modo, esses profes- sores, segundo Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007, p. 44), “de posse do saber científico desenvolvido na universidade e com o auxílio de livros didáticos, escritos por professores universitários, elaboravam suas aulas produzindo um saber para diferentes níveis de ensino”. Foi nessa perspectiva que surgiu a Geografia escolar no Brasil, pois as ações educativas anteriores, no antigo ginásio, eram fundamenta- das em materiais didáticos enciclopédicos escritos por profissionais que não tinham formação em Geografia. Uma vez definidas as bases para a Geografia escolar, a questão central que passou a orientar os professores remetia às propostas curriculares, considerando que os constantes movimentos buscando-se uma renovação desse ensino sempre traziam inquietações também para a prática docente. 35Ensino de Geografia e BNCC: possibilidades e limites 2.1.1 Ensinar Estudos Sociais é ensinar Geografia? Os estudos sobre as diferentes propostas de ensino de Geogra- fia revelam que sempre houve uma preocupação com a questão do currículo. Porém, a partir da década de 1970, segundo Spósito (2006, p. 297-298), “verifica-se uma preocupação crescente com a formulação de currículos oficiais”. Dessa forma, fatores como o elevado crescimen- to da população brasileira, que trouxe a ampliação das demandas pela educação escolarizada e o consequente aumento das redes oficiais de ensino, trouxeram a necessidade do estabelecimento de um currículo mínimo para balizar a prática de ensino de Geografia, tanto no nível primário quanto no secundário. Desde essa época, os documentos oficiais passaram a ser mais presentes nas escolas como forma de orientar (e, em alguns casos, determinar) a elaboração dos projetos pedagógicos, os planos de en- sino, os recursos didáticos e a produção e o uso de livros didáticos. Um exemplo dessa determinação 1 Na maioria das vezes, essas propostas vinham de “cima para baixo”, ou seja, não envolviam o professorado em sua elabo- ração e não consideravam as diferentes realidades dos alunos brasileiros. 1 é citado por Spósito (2006, p. 298), quando explica que os “Guias Curriculares, conhecidos como ‘Verdão’, elaborados pela Secretaria de Educação do Estados de São Paulo, eram referenciais para apoiar a implantação da Lei [de Diretrizes e Bases da Educação] n. 5.692/1971, de âmbito nacional”. Expressa-se tal determinação no fato de o “Verdão” trazer os obje- tivos gerais e específicos e uma sequência de conteúdos a serem ri- gorosamente ministrados em cada série. Considerando o contexto de pouca participação social a que essa proposta visava como maneira de atender aos interesses dos governos militares, esses guias, conforme Spósito (2006, p. 298), “tornaram-se uma espécie de ‘bíblia’ para a con- dução do trabalho pedagógico”. Evidencia-se, assim, que as propostas curriculares não são neutras, isto é, são marcadas por concepções que influenciam significativamente um projeto de educação que pode, de acordo com as pretensões do governo e das elites econômicas, alienar ou emancipar o aluno que se pretende formar. Nesse sentido, como afirma Carlos (2018, p. 7), “refletir sobre o modo como se ensina, os conteúdos, os instrumentos que se utilizam (e os modos como podemos utilizá-los) apresenta-se, hoje, comofun- damental”. Tal reflexão amplia as possibilidades dos encaminhamentos metodológicos que priorizam a participação ativa do aluno no proces- Para saber mais sobre o que a Lei de Diretrizes e Bases da Edu- cação n. 5.692, de 11 de agosto de 1971, apresentava, confira o link disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ L5692.htm. Acesso em: 29 nov. 2019. Saiba mais+ 36 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental so de produção/transformação do espaço em que ele se encontra. Ressalta-se que outro ponto crítico da Lei de Diretrizes e Bases da Edu- cação n. 5.692, de 1971, foi a inserção dos Estudos Sociais no currículo dos denominados primeiro e segundo graus de ensino. A estratégia era esvaziar os conteúdos críticos presentes nas áreas de Geografia e História, ignorando o fato de que as ciências de referência dessas dis- ciplinas possuem métodos de produção de conhecimentos distintos. A proposta dos Estudos Sociais foi, de acordo com Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007), inspirada no componente curricular dos ginásios vocacionais que traziam um projeto pedagó- gico de superação das metodologias tradicionais e do pensamento crítico. No contexto da Lei n. 5.692/1971, esse projeto pedagógico foi voltado à simples formação para o mercado de trabalho e bania toda possibilidade de formação reflexiva sobre a realidade e o es- paço em que o aluno vive. Outra consequência dessa proposta foi a redução da tarefa do professor de Geografia escolar a um simples reprodutor dos conhecimentos advindos das universidades. O movimento de renovação do ensino, iniciado na década de 1980, impulsionou os debates para o surgimento de uma nova proposta cur- ricular e, principalmente, para a retomada da Geografia e da História como disciplinas distintas, com identidades e métodos próprios de construção de conhecimentos, além da extinção dos cursos de licencia- tura curta. Esses esforços se centraram também, segundo Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007, p. 68), “na melhoria da qualidade do ensino, a qual, necessariamente, passava por uma revisão dos conteúdos e das formas de ensinar e aprender”. Um marco importante desses debates foi o I Encontro Nacional de Ensino de Geografia – Fala Professor, realizado em Brasília, em 1987, que contou com a participação de cerca de dois mil professo- res. Esse evento teve como base os debates na perspectiva da Geo- grafia e veio em um momento de inquietações sobre conteúdos (o que ensinar), metodologia (como ensinar) e avaliação (o que o aluno aprendeu) em Geografia. Na década de 1990, mudanças significativas ocorreram no cenário da educação brasileira como um todo. Isso foi resultado de intensos debates, como a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB n. 9.394, em 1996. Embora tenha sofrido críticas con- A proposta dos Estudos Sociais foi inspirada no componente curricular dos ginásios voca- cionais que traziam um projeto pedagógico de superação de metodologias tradicionais e de pensamento crítico. Essa pro- posta é considerada adequada para o alcance dos objetivos do ensino de Geografia? Por quê? Atividade 1 37Ensino de Geografia e BNCC: possibilidades e limites tundentes referentes ao perfil do cidadão/trabalhador que se pretende formar e à falta de objetividade das ações quanto à garantia do acesso à educação como direito de todos, essa lei representou avanços signi- ficativos em relação à Lei n. 5.692/1971 – inclusive no que diz respeito às propostas curriculares. 2.1.2 Os Parâmetros Curriculares para o ensino de Geografia A partir dos movimentos de renovação da educação como um todo, segundo Spósito (2006, p. 299), “verificou-se, então, no decorrer de pouco mais de vinte anos, um claro processo de descentralização da política de formulação de currículos básicos ou mínimos para o ensi- no, hoje denominado fundamental e médio”. Entretanto, em 1995, teve início a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, cujo lançamento ocorreu em 1997, representando uma forma de retomada, por parte do governo federal, da proposição curricular. Para o entendimento dos PCNs como proposta curricular oficial, é necessário considerar o contexto das políticas educacionais brasileiras da década de 1990, fortemente concebidas, como afirmam Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007, p. 78), “no âmbito de uma política educacional liberal que atinge todo o território nacional” e com base nos mecanis- mos da globalização, marcados pelo consumismo e pelo individualis- mo. Desse modo, novas demandas de formação se colocaram para a escola, particularmente para o ensino de Geografia, uma vez que o de- senvolvimento de novas habilidades e competências passaram a ser exigidas na formação do aluno. Segundo Straforini (2014, p. 44), “era preciso reformar os sistemas educacionais nos termos normativos, técnico-administrativos e funda- mentalmente pedagógicos à luz do novo discurso neoliberal”. Destacam- -se, nesse contexto, os planejamentos propostos pelo Banco Mundial como condição para o financiamento das políticas educacionais. Os sistemas educacionais e as políticas de formação de professores pas- saram a seguir as orientações dessa grande instituição, apresentando uma elevação dos indicadores de qualidade de educação. Entretanto, essas demandas não necessariamente se relacionaram às melhorias das condições de trabalho docente e da aprendizagem dos alunos. No portal da Anped, disponível em http://www.anped.org.br/ sobre-anped, você encontra informações sobre eventos e artigos científicos que tratam de temas atuais da educação relacionados ao currículo e às políticas educacionais. Conheça, também, a história da Associa- ção Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação. Site 38 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Uma das máximas do discurso presente nos PCNs diz que, “com criatividade, resolvem-se os problemas da educação brasileira”. Embora seja possível admitir que a criatividade dos profissionais de educação no processo pedagógico é fundamental, percebe-se que se trata de um discurso ilusório quando se leva em conta a precariedade à qual está submetida parte significativa de professores e alunos do Brasil. Portanto, as propostas curriculares não são neutras. De acordo com Abud (1998, p. 28), “os currículos e programas constituem o instrumento mais pode- roso de intervenção do Estado no ensino, o que significa sua interferên- cia, em última instância, na formação da clientela escolar para o exercício da cidadania, no sentido que interessa aos grupos dominantes”. Assim, na análise das propostas curriculares para o ensino de Geo- grafia, é fundamental considerar os objetivos dos órgãos e especialistas que as produziram. Por melhores que sejam seus propósitos, eles po- dem não se adequar às necessidades e peculiaridades dos sujeitos-alvos das propostas e à sua realidade. Uma proposta curricular precisa, segun- do Oliveira (2005, p. 12), “buscar uma compreensão de si e da realidade como algo concreto, que é criado e recriado no cotidiano”. De fato, os PCNs trazem avanços em relação à proposta anterior, pautada na Lei n. 5.692/1971, que indicava o esvaziamento dos conteú- dos. Os novos PCNs elaboram um trabalho para o Ensino Fundamental que, segundo Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007, p. 75), “propõe um trabalho pedagógico que visa ampliar as capacidades dos alunos de observar, conhecer, explicar, comparar e representar as características do lugar em que vivem e de diferentes paisagens e espaços geográficos”. Com essa finalidade, os PCNs apresentam orientações para o tra- balho, destacando os objetivos, os eixos temáticos, os conteúdos e os critérios de avaliação, além de “uma série de indicações sobre a orga- nização do trabalho escolar do ponto de vista metodológico e didático” (BRASIL, 1998, p. 15). Em eventos científicos da área de ensino de Geo- grafia, os autores do documento, ao serem questionados, declararam,segundo Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007, p. 75), “terem buscado a pluralidade no que diz respeito ao embasamento teórico-metodológi- co”. Porém, ainda segundo as autoras, essa afirmação é contestada por um número significativo de professores e de pesquisadores, sobretudo da área de ensino de Geografia, devido ao ecletismo e à “mistura” das correntes de pensamento geográfico. 39Ensino de Geografia e BNCC: possibilidades e limites Cada uma dessas correntes tem pressupostos filosóficos, teóricos e metodológicos diferentes – como a Geografia Crítica, que tem bases no materialismo histórico e dialético, e a Geografia Humanística, fun- damentada na fenomenologia –, a abordagem mista traz fragilidades significativas para a análise do objeto de estudo da Geografia, ou seja, o espaço geográfico. Na ausência de uma perspectiva crítica, Oliveira (2005, p. 28) ressalta que “alunos e professores são instruídos a não pensar sobre o que é ensinado, e sim repetir simplesmente o que é ensinado. O que significa dizer que eles não participam do processo de produção do conhecimento”. Analisando a bibliografia sobre as propostas curriculares de Geo- grafia, Straforini (2014, p. 44) destaca que “há uma predominância de duas interpretações nessa relação entre transformações produzidas pelo atual estágio de globalização e as reformas educacionais”. Uma dessas interpretações, a crítico-utópica, “identifica as transformações estruturais e vê nelas a possibilidade para uma nova forma de existên- cia humana” (STRAFORINI, 2014, p. 44), e a outra, conservadora, repro- duz o discurso da globalização como fábula, pois está fundamentado em uma “sociedade cuja a essência é produzir a democracia do consu- midor como fim” (STRAFORINI, 2014, p. 45). Nesse contexto, evidencia-se a necessidade de o professor fazer leituras críticas dessas propostas com o objetivo de encaminhar um processo de ensino-aprendizagem que possibilite ao aluno compreen- der a complexidade do espaço geográfico que habita e seu papel como agente ativo na produção/transformação desse local. Os PCNs de Geografia propõem um trabalho pedagógico que visa ampliar as capacidades dos alunos de "observar, conhecer, explicar, comparar e representar as características do lugar em que vivem e de diferentes paisagens e espaços geográficos" (BRASIL, 1998, p. 15). Quais orientações cen- trais esse documento apresenta para garantir essa ampliação de capacidades? Atividade 2 2.2 A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) Vídeo Embora os PCNs tenham sido concebidos com o propósito de criar condições que possibilitassem o acesso aos conhecimentos – princi- palmente na vida produtiva da sociedade –, as constantes críticas às limitações dessa proposta impulsionaram reflexões e buscas por novos referenciais para a construção curricular. A temática Base Nacional Comum não é um assunto novo. Está prevista na Constituição de 1988 para o Ensino Fundamental, e foi ampliada para o Ensino Médio com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), a partir da Lei n. 13.005/2014, em consonância 40 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental com a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – LDB, que define as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. (AGUIAR, 2018, p. 15) A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tem como propósito principal servir de referência obrigatória para a elaboração curricular. A base em si, porém, não é o currículo. Ressalta-se que o conceito de cur- rículo é polissêmico – isto é, adquire diferentes significados –, ambíguo e permeado por uma diversidade de sentidos. Para analisar a BNCC e suas relações com o ensino de Geografia, é necessário ter como refe- rência um conceito de currículo. Sacristán (1999, p. 61) afirma que “o currículo é a ligação entre a cultura e a sociedade exterior à escola e à educação; entre o conhecimento e cultura herdados e a aprendizagem dos alunos; entre a teoria (ideias, suposições e aspirações) e a prática possível, dadas determinadas condições”. Nessa perspectiva, o currículo se refere às estratégias metodológicas que possibilitam a apropriação dos conceitos em sala, tendo como refe- rência as peculiaridades e as diferentes realidades experienciadas por alunos e professores. Evidencia-se, assim, que o currículo é mais abran- gente do que a BNCC, pois essa base estabelece o que ensinar e tem, ain- da, um “caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica” (BRASIL, 2018, p. 7). Assim sendo, a BNCC se constitui como uma “referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das redes escolares dos es- tados, do Distrito Federal e dos municípios e das propostas pedagógicas das instituições escolares” (BRASIL, 2018, p. 8), que precisa contextuali- zar as aprendizagens conforme a realidade local e de cada instituição de ensino, considerando as especificidades culturais, como a educação indígena e quilombola, além de se pautar na perspectiva da educação inclusiva. Destaca-se que a BNCC e os currículos mantêm entre si relações que se completam como estratégia de garantia das aprendizagens fun- damentais definidas para cada etapa da Educação Básica. Para tal, é preciso considerar que essas aprendizagens têm como ponto crucial para a sua concretização um conjunto de decisões. “São essas decisões que vão adequar as proposições da BNCC à realidade local, consideran- do a autonomia dos sistemas ou das redes de ensino e das instituições escolares, como também o contexto e as características dos alunos” (BRASIL, 2018, p. 16). No portal http://basenacio- nalcomum.mec.gov.br/, você encontra o histórico da BNCC e a sistematização de todo o debate gerado na sua elaboração, assim como as novidades e os desa- fios da sua implantação. Curiosidade http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ 41Ensino de Geografia e BNCC: possibilidades e limites Além disso, o documento destaca que essas decisões precisam ser resultantes de um processo que envolve a participação, também, das famílias e da comunidade. O currículo precisa ser constantemente de- batido, e não apenas cumprir uma função burocrática, que resulta em um documento a ser arquivado. 2.2.1 O processo de elaboração da BNCC Rompendo com a tradição das propostas curriculares originadas "de cima para baixo”, o processo de elaboração da BNCC se caracteri- zou pela abertura de espaço para a consulta pública. Como exemplo, estima-se que, quando a primeira versão do documento foi dispo- nibilizada, mais de 12 milhões de mensagens de alunos, familiares, professores, gestores, especialistas e membros das diferentes comu- nidades foram registradas no portal da BNCC (BRASIL, 2016). Entre- tanto, conforme afirma Aguiar (2018, p. 15), essa elaboração “adotou uma metodologia verticalizada, a qual foi denominada de participa- tiva”, pois partiu das ideias do grupo específico de profissionais que compuseram a comissão. Inicialmente, uma parceria entre o Ministério da Educação (MEC), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União de Dirigentes Municipais de Educação (Undime) definiu uma comissão composta por 116 especialistas de universidades, incluindo todos os estados brasileiros, para a elaboração de uma versão inicial da BNCC. Com o objetivo de possibilitar a participação de diferentes sujeitos, em 18 de junho de 2015, essa primeira versão foi publicada em um portal específico com as informações sobre a BNCC (BRASIL, 2015). Esse processo, ainda que dinâmico, segundo Bittencourt (2017, p. 555), foi “permeado por silenciamentos [falta de explicitação de con- ceitos], conflitos e contradições” devido às influências e divergências de interesses expressos nas diferentes versões do documento. Essa pri- meira versão do texto parte do pressuposto de que é necessário definir componentes curriculares básicos detodas as áreas do conhecimento como forma de garantir os “direitos de aprendizagem e desenvolvimen- to, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educa- ção – PNE” (BRASIL, 2018, p. 7). Trata-se, portanto, de conhecimentos fundamentais de que todo estudante precisa para garantir a existência material e participar da vida política da sociedade. 42 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Em uma análise dessa primeira versão do documento, observou- -se um silenciamento sobre as teorias e os pressupostos pedagógicos que permeiam a BNCC. Conforme Bittencourt (2017, p. 558), “não há nenhuma indicação bibliográfica que justifique a escolha pela defini- ção curricular a partir de objetivos de aprendizagem, termo, até então, pouco usual no âmbito da produção de conhecimento acadêmico a res- peito do currículo”. Nesse sentido, Aguiar (2018, p. 15) também afirma que “para a definição de ações educacionais, seja em nível governamental ou de instituições educativas e escolares, é necessário ter um marco de refe- rência, que represente as concepções, utopias, os sonhos, os princípios educacionais desejados e definidos coletivamente”. A autora destaca, ainda, uma contradição: a associação de conteúdos curriculares signifi- cativamente específicos de cada área, em uma perspectiva estritamente disciplinar e em etapas de escolarização, inviabilizaria a ideia – defendida no documento – da busca por uma integração curricular. Após a coleta das contribuições enviadas por instituições e especia- listas de todo o país, foram inseridas as sugestões de aprimoramento do texto da BNCC. Segundo as informações do Portal da BNCC 2 Disponível em: http://base- nacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 29 nov. 2019. 2 , que apresenta uma linha do tempo com os marcos de elaboração do docu- mento, todas as contribuições recebidas foram analisadas e geraram alterações no texto. Após revisões e ajustes, uma segunda versão foi disponibilizada em 3 de maio de 2016. Com o objetivo de ampliar os debates sobre essa segunda versão do texto da BNCC, o Consed e a Undime promoveram 27 seminários es- taduais com a participação de vários profissionais da área, totalizando – entre alunos, familiares, gestores e especialistas – mais de nove mil participantes. Nessa fase, houve, aproximadamente, mais nove mil con- tribuições e apontamentos. Mas, conforme Aguiar (2018, p. 15), o “docu- mento foi apresentado por componentes curriculares e os participantes, agora por grupos específicos, concordaram ou discordaram do que lhes foi apresentado. Continuou sendo uma forma tênue de participação”. Embora contendo as poucas contribuições dos participantes, o do- cumento ainda precisava de revisões, sistematizações e aprimoramen- tos de texto, já que estava confuso por ter sido elaborado com base na ampla participação e na pluralidade de debate. Entretanto, essa versão apresentou, segundo Bittencourt (2017, p. 559), 43Ensino de Geografia e BNCC: possibilidades e limites modificações significativas, em diversos aspectos, entre os quais destacamos: uma definição em relação aos seus princípios peda- gógicos; a consideração das peculiaridades das etapas da educa- ção básica e de seus sujeitos; a incorporação das modalidades da educação básica e de suas temáticas sociais. Destaca-se, ainda nessa versão do documento, segundo Bittencourt (2017, p. 558), “uma multiplicidade de vozes que puderam argumentar a favor de seus princípios e que exigiram a consideração de conquis- tas que já constavam em outras regulamentações curriculares no país”. São exemplos dessas conquistas a inserção da temática étnico-racial, as questões de gênero e das culturas africanas e indígenas. Entretan- to, a efetiva participação de professores, gestores e especialistas nessa segunda versão do documento é questionada por Aguiar (2018, p. 15): A metodologia de análise do documento foi efetivada por meio de discussões em salas específicas, por áreas de estudo/compo- nentes curriculares, e coordenada por moderadores que, em sua maioria, apresentavam slides com objetivos e conteúdos, e os participantes optavam por uma das seguintes alternativas: con- cordo, discordo totalmente ou discordo parcialmente e indica- vam propostas de alteração, se fosse o caso. É destacado pela autora ainda que o Comitê Gestor, responsável pelas revisões do documento, caracteriza assim as influências na pro- dução dos textos da BNCC, conforme destaca Bittencourt, “se inter- penetram, num jogo de forças em torno de interesses, concepções e valores [...] num processo de bricolagem que de fato caracteriza, neste caso, a dinâmica entre o contexto de influência e o contexto de produção de textos” (2017, p. 560). As diretrizes e as definições que orientaram a revisão da segunda versão foram de responsabilidade de um Comitê Gestor (formalizado pelo MEC), que definiu quais contribuições seriam ou não acolhidas, dando origem à terceira versão do documento. Nesse contexto, se- gundo Aguiar (2018, p. 15), “fica clara a metodologia de construção li- near, vertical e centralizadora”. Essa terceira versão foi encaminhada, em abril de 2017, ao Conselho Nacional de Educação (CNE) para ela- boração de parecer e de projeto de resolução sobre a BNCC. O texto passou por mais discussões e ajustes, o que deu origem à versão que foi homologada pelo MEC em dezembro de 2017. 44 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Destaca-se que, até essa versão, faz-se menção à Educação Básica, considerando a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e as modali- dades Educação de Jovens e Adultos; Educação Especial na perspectiva inclusiva; Educação do Campo; Educação Indígena; Educação Quilom- bola; Educação para Relações Étnico-Raciais; Educação Ambiental; e Educação em Direitos Humanos. No entanto, de acordo com Aguiar (2018, p. 16), essa “nova proposta não cumpriu com as exigências legais ao excluir uma das etapas da Educação Básica: o Ensino Médio”. Assim, a principal indagação daquele momento entre professores, assessores, técnicos e pesquisadores, como explica Aguiar (2018), foi a seguinte: a BNCC, sendo direcionada à Educação Básica, não deveria contemplar o Ensino Médio, como definido nos dispositivos legais? Em 2 de abril de 2018, diante dessa indagação, o MEC entregou ao CNE uma ampliação da terceira versão da BNCC, incluindo o texto refe- rente ao Ensino Médio, o que impulsionou a organização de audiências públicas, coordenadas pelo CNE, para discutir os seus pressupostos. Instituições de ensino de todo o país se mobilizaram para debater essa etapa da elaboração da BNCC. A participação foi possibilitada por meio da criação de comitês para a interação e do preenchimento on-line de apontamentos sobre melhorias no documento. Entretanto, como reve- lam Nogueira e Dias (2018, p. 29), “as últimas versões do texto não fo- ram amplamente discutidas com a sociedade e houve e há resistência a essa proposta”. A etapa da BNCC referente ao Ensino Médio foi homologada em dezembro de 2018, conferindo à Educação Básica como um todo as aprendizagens previstas para os alunos no território brasileiro. No en- tanto, os intensos debates, seja no interior das instituições de ensino ou em eventos científicos, além de despertar múltiplas inquietações sobre essas bases, rendem um número significativo de críticas sobre suas limitações. Na concepção de Márcia Angela da Silva Aguiar, que fez parte da comissão de elaboração da primeira versão da BNCC, ao longo do processo, a participação foi cada vez mais insuficiente. Como resultado, ela afirma: Não é incomum a adoção de medidas imediatistas, desvincula- das de um planejamento pautado em marcos de referência e nos diagnósticos, como é o caso da BNCC, que desde o seu início pri- vilegia um conjunto de conteúdos e objetivos sem o fundamental suporte de uma referência que deixe claro o projeto de nação e educação desejadas. (AGUIAR, 2018, p. 14) 45Ensino de Geografiae BNCC: possibilidades e limites É importante destacar as mudanças no cenário político ocorridas no país ao longo do processo de elaboração da BNCC, especialmente após o impeachment da ex-presi- denta Dilma Rousseff: o MEC, a partir de uma nova administração, esboçou uma po- lítica voltada ao neoliberalismo e aos interesses, sobretudo, do mercado de trabalho. A partir de então, o texto referente ao Ensino Médio – embora fosse aceita a opinião pública – teve sua construção e homologação apressada, caracterizando a vertica- lização da política de elaboração da base. Sobre essa verticalização na elaboração de propostas, Aguiar (2018, p. 14) afirma que “usuários desse modelo acreditam que cartilhas, guias como ‘receitas’, a serem reproduzidos nas escolas, serão ‘remédio’ infalível para os ‘males’ da educação”. Assim, evidencia-se que, apesar de a BNCC ter representado avan- ços em relação às propostas anteriores, sobretudo à participação de professores, alunos, especialistas, gestores e pesquisadores, ela está permeada de limitações. Nesse sentido, questões centrais – como o que garante a aprendizagem; qual o perfil de aluno que se pretende formar (o cidadão, o trabalhador, ou o cidadão/trabalhador); e a opção entre formar um aluno crítico que age sobre o meio em que vive ou um aluno apto a conservar a organização da sociedade – ainda carecem de reflexões e soma de ações, de modo a vencer os desafios educacionais contemporâneos. No entanto, conforme define a Lei de Diretrizes e Bases da Educa- ção (LDB n. 9.394/1996), a BNCC é a referência para a elaboração dos currículos dos sistemas e das redes de ensino dos estados, dos municí- pios e do Distrito Federal, além das propostas pedagógicas das escolas privadas de todo o Brasil na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio – por isso a razão do slogan: educação é a base. 2.3 O ensino de Geografia na BNCC Vídeo A análise dos referenciais para o ensino de Geografia, consideran- do as aprendizagens essenciais definidas pela BNCC como forma de assegurar o desenvolvimento de competências gerais, requer a com- preensão da estrutura dessa base. Nessa perspectiva, competência é definida como “a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedi- mentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do ple- no exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2018, p. 8). 46 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental A BNCC destaca dez competências gerais para consolidar pedago- gicamente os direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Buscando um alinhamento com a Agenda 2030 da Organização das Nações Uni- das (ONU), a BNCC reafirma que a educação precisa se pautar em valo- res e estimular ações de maneira a contribuir para a transformação da sociedade, para torná-la mais socialmente humana, justa e consciente em reação às questões da natureza (BRASIL, 2018). Essas competências se inter-relacionam e se referem ao tratamen- to didático articulado à construção de conhecimentos, ao desenvol- vimento de habilidades e à formação de atitudes. O quadro a seguir apresenta as dez competências a serem desenvolvidas ao longo da aprendizagem. Em setembro de 2015, cerca de 190 representantes de Estados- -membros da ONU se reuniram em Nova York e reconheceram a necessidade da erradicação da pobreza em todas as suas formas, inclusive a extrema, como o maior desafio global e indispensável para o desenvolvi- mento sustentável. Para mais informações, acesse: https://nacoesunidas.org/ onu-paises-chegam-a-acordo- -sobre-nova-agenda-de-de- senvolvimento-pos-2015/. Curiosidade Quadro 1 COMPETÊNCIAS GERAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA 1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mun- do físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criativida- de, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver pro- blemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas. 3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das lo- cais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural. 4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar infor- mações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. 5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunica- ção de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. 47Ensino de Geografia e BNCC: possibilidades e limites 6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. 7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para for- mular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicio- namento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. 8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, com- preendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas. 9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fa- zendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos so- ciais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. 10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibili- dade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. Fonte: Brasil, 2018, p. 9-10. Nessa perspectiva, é preciso considerar essas dez competências ge- rais para encaminhar processos de ensino-aprendizagem de Geografia no Ensino Fundamental. Assim, pautados pelos métodos próprios de construção de conhecimentos geográficos, esses encaminhamentos visam contribuir para o alcance dos objetivos de aprendizagem e de- senvolvimento dessas competências gerais estabelecidas pela BNCC. O conceito de competência adotado como referência para a BNCC tem como fundamento os debates pedagógicos e sociais ocorridos nas últimas décadas e que vinham orientando a maioria das propos- tas curriculares dos estados e dos municípios. Esse conceito é abor- dado também na LDB n. 9.394/1996, principalmente quando são estabelecidos os objetivos gerais do Ensino Fundamental e Médio, nos artigos 32 e 35 (BRASIL, 2018). 48 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental 2.3.1 Estruturas da BNCC Considerando a ampla estrutura da BNCC e a abordagem do en- sino de Geografia proposta neste livro, ou seja, os anos finais do Ensino Fundamental, destaca-se, no esquema a seguir, a abordagem dessa área do conhecimento, inserida no contexto geral da BNCC: Figura 1 Organização do conhecimento conforme a BNCCEDUCAÇÃO BÁSICA ENSINO FUNDAMENTAL Competências gerais da Educação Básica Áreas do conhecimento Ciências Humanas Geografia Anos iniciais (1° ao 5° ano) Anos finais (6° ao 9° ano) Componentes curriculares Fonte: Adaptado de Brasil, 2018, p. 27. O Ensino Fundamental na BNCC está organizado em áreas do conhe- cimento definidas com base no Parecer do CNE/CEB n. 11/2010, que tem como propósito favorecer “a comunicação entre os conhecimentos e sa- beres dos diferentes componentes curriculares” (BRASIL, 2010). 49Ensino de Geografia e BNCC: possibilidades e limites Essas áreas “se intersectam na formação dos alunos, embora se preservem as especificidades e os saberes próprios construídos e sis- tematizados nos diversos componentes” (BRASIL, 2018, p. 27). São elas: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ensino Religioso e Ciên- cias Humanas, da qual a Geografia é um componente curricular. A área de Ciências Humanas, na concepção da BNCC, “contribui para que os alunos desenvolvam a cognição in situ, ou seja, sem pres- cindir da contextualização marcada pelas noções de tempo e espaço, conceitos fundamentais da área” (BRASIL, 2018, p. 353, grifos do origi- nal). A partir da abordagem das categorias tempo e espaço, propõe-se, juntamente com a Geografia, o componente curricular História. É importante ressaltar que a ênfase é no raciocínio espaço-tem- poral; mantêm-se, porém, as identidades e os métodos próprios de produção de conhecimentos das ciências de referências desses com- ponentes curriculares. Partindo do raciocínio espaço-temporal, a área de Ciências Humanas “baseia-se na ideia de que o ser humano produz o espaço em que vive, apropriando-se dele em determinada circuns- tância histórica” (BRASIL, 2018, p. 353). Assim, estabelecem-se diversas relações entre tempo e espaço, cujas abordagens, a partir dos conhecimentos específicos de cada componente curricular das Ciências Humanas, no contexto da BNCC, “favoreçam o desenvolvimento de habilidades e que aprimorem a ca- pacidade de os alunos pensarem diferentes culturas e sociedades, em seus tempos históricos, territórios e paisagens” (BRASIL, 2018, p. 354). 2.3.2 A Geografia como componente da BNCC O estudo da Geografia é considerado pela BNCC como “uma opor- tunidade para compreender o mundo em que se vive, na medida em que esse componente curricular aborda as ações humanas construídas nas distintas sociedades existentes nas diversas regiões do planeta” (BRASIL, 2018, p. 359). A Geografia enquanto componente curricular, por meio do seu objeto de estudo e das categorias de análise, subsidia o aluno no desen- volvimento de raciocínios espaço-temporais sobre o espaço vivido. Para isso, a BNCC destaca o raciocínio geográfico como forma de exercitar o pensamento espacial a partir de determinados princípios, como: analo- gia, conexão, diferenciação, distribuição, extensão, localização e ordem. 50 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Permite-se, assim, conhecer a realidade considerando aspectos como “a localização e a distribuição dos fatos e fenômenos na super- fície terrestre, o ordenamento territorial, as conexões existentes en- tre componentes físico-naturais e as ações antrópicas” (BRASIL, 2018, p. 359). Desse modo, a BNCC pauta-se nos principais conceitos da Geo- grafia contemporânea e em diferentes níveis de complexidade. Con- siderando a amplitude do objeto espaço geográfico, a BNCC ressalta a necessidade de os alunos dominarem conceitos relacionados às cate- gorias próprias da Geografia, como a paisagem, o lugar, a natureza, o território e a região. Em relação à aprendizagem, a BNCC busca superar o método tra- dicional, ainda presente em muitas salas de aulas de Geografia e com base “apenas na descrição de informações e fatos do dia a dia, cujo significado restringe-se apenas ao contexto imediato da vida dos su- jeitos. A ultrapassagem dessa condição meramente descritiva exige o domínio de conceitos e generalizações” (BRASIL, 2018, p. 361). Novas estratégias de aprendizagem e aproveitamento dos saberes espontâ- neos dos alunos são essenciais para ampliar a compreensão do espaço em que se está inserido e estabelecer múltiplas relações entre os fenô- menos, os quais o conhecimento geográfico permite conhecer. O componente Geografia da BNCC está dividido em cinco unidades temáticas comuns ao longo do Ensino Fundamental, em uma perspecti- va de progressão do desenvolvimento das habilidades (BRASIL, 2018). A seguir, apresentam-se essas unidades temáticas com destaque às suas especificidades nos anos finais do Ensino Fundamental. Na unidade o sujeito e o seu lugar no mundo, enfocam-se as no- ções de pertencimento e identidade. Nos anos finais do Ensino Fun- damental, busca-se ampliar a compreensão da relação do sujeito com contextos políticos, econômicos, sociais e culturais do Brasil e do mundo. Pretende-se, com isso, promover um ensino de Geografia que “constitui-se em uma busca do lugar de cada indivíduo no mundo, valo- rizando a sua individualidade e, ao mesmo tempo, situando-o em uma categoria mais ampla de sujeito social: a de cidadão ativo, democrático e solidário” (BRASIL, 2018, p. 362). Criam-se, dessa forma, as condições de aprendizagem para que o aluno se perceba como agente ativo em determinados tempos e espaços. A Geografia enquanto com- ponente curricular, por meio do seu objeto de estudo e das categorias de análise, subsidia o aluno no desenvolvimento de raciocínios espaço-temporais sobre o espaço vivido. Qual é a estratégia apontada pela BNCC para o exercício do pensamento espacial? Atividade 3 51Ensino de Geografia e BNCC: possibilidades e limites A unidade conexões e escalas aborda a articulação entre diferentes espaços e a análise em diferentes escalas como forma de possibilitar que o aluno compreenda as relações existentes entre os fenômenos nos níveis local, regional, nacional e global. Nos anos finais do Ensino Fundamental, “espera-se que os alunos consigam ler, comparar e ela- borar diversos tipos de mapas temáticos, assim como as mais diferen- tes representações utilizadas como ferramentas da análise espacial” (BRASIL, 2018, p. 364). Ressalta-se, nesse contexto, o papel da carto- grafia como uma ferramenta para o ensino de Geografia, permitindo a representação espacial como um suporte para o raciocínio geográfico. Em mundo do trabalho, aborda-se, nos anos finais do Ensino Fun- damental, o processo de produção dos espaços agrário e industrial e as relações entre cidade e campo – o que tem relevância significativa na análise das alterações provocadas pelas novas tecnologias. Dessa forma, destaca-se a interação entre as inovações e suas conexões com as mudanças nas relações de trabalho, na substituição do trabalho humano por máquinas, na geração de empregos e na distribuição de renda. Associam-se também as alterações no mundo do trabalho às revoluções industriais e técnico-científicas como forma de criar condi- ções para que os alunos compreendam “as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho em variados tempos, escalas e processos histó- ricos, sociais e étnico-raciais” (BRASIL, 2018, p. 363). Nessa perspectiva, possibilita-se ao aluno a compreensão da relação entre o trabalho e as transformações das paisagens, bem como as con- tradições inerentes a esse processo, visto que ele é decorrente de confli- tos de interesses marcados por mecanismos de acumulação capitalista. Evidencia-se, ainda, a importância dessa abordagem para que o aluno perceba o trabalho como essencial na produção da existência humana. Formas de representação e pensamento espacial, como unidade temática, amplia gradativamente a concepção de mapa e de outros tipos de representações do espaço geográfico como maneira de instigar o ra- ciocínio geográfico. Nos anos finais do Ensino Fundamental, “espera-se que os alunos consigam ler, comparar e elaborar diversos tipos de ma- pas temáticos, assim como as mais diferentes representações utilizadascomo ferramentas da análise espacial” (BRASIL, 2018, p. 363). São enca- minhadas atividades que possibilitem a diversificação da linguagem 52 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental gráfica envolvendo imagens de satélite, esquemas, croquis, gráficos, simulações audiovisuais, entre outros. Assim, quanto mais diversifi- cados forem os trabalhos cartográficos, mais amplas serão as condi- ções para instigar o raciocínio geográfico. Busca-se, na unidade temática natureza, ambientes e qualidade de vida, a articulação entre a Geografia Física e a Geografia Humana na análise da distribuição dos fenômenos físicos e naturais no espaço mundial. Nos anos finais do Ensino Fundamental, são retomados con- ceitos já trabalhados nos anos iniciais, mas agora com o objetivo de ampliar a apropriação desses conceitos, visto que o aluno já aumentou, ao longo do processo, a capacidade de abstração deles. Desse modo, os alunos são levados “a estabelecer relações mais elaboradas, conjugando natureza, ambiente e atividades antrópi- cas em distintas escalas e dimensões socioeconômicas e políticas” (BRASIL, 2018, p. 364). Nesse sentido, considera-se essencial o trabalho na perspectiva dessa unidade temática como forma de superar a his- tórica dicotomia entre a abordagem da Geografia Física e da Geografia Humana, o que permite uma compreensão integradora dos aspectos naturais e das transformações causadas pela atividade do homem. No decorrer do trabalho, em todas essas unidades, enfocam-se também aspectos do exercício da cidadania, que está relacionado “à aplicação de conhecimentos da Geografia diante de situações e proble- mas da vida cotidiana” (BRASIL, 2018, p. 364). Esse trabalho tem início no espaço de vivência do aluno, com o estabelecimento de regras de convivência na escola e na comunidade, e vai se ampliando para a com- preensão da dimensão da cidadania que possa propor intervenções/ transformações da realidade, com o objetivo de obter melhorias para a sociedade como um todo. Conforme almeja a BNCC com o componente curricular Geografia, espera-se que essa disciplina, ao longo dos anos finais do Ensino Fun- damental, “possa contribuir para o delineamento do projeto de vida dos jovens alunos, de modo que eles compreendam a produção social do espaço e a transformação do espaço em território usado” (BRASIL, 2018, p. 383). Para isso, é necessário que eles compreendam igualmen- te o papel dos Estados-nação em seus respectivos períodos, as ino- vações tecnológicas e os aspectos da globalização que influenciam a produção do espaço geográfico. 53Ensino de Geografia e BNCC: possibilidades e limites 2.4 Implicações da BNCC para a prática docente Vídeo A BNCC, ao estabelecer as competências gerais da Educação Básica em seus objetivos de desenvolvimento de habilidades, enfatiza que as suas diretrizes “não descrevem ações ou condutas esperadas do pro- fessor, nem induzem à opção por abordagens ou metodologias” (BRA- SIL, 2018, p. 30). Destaca-se assim, a liberdade de escolha do professor para encaminhar o processo de ensino-aprendizagem considerando as condições à disposição, as necessidades dos alunos e a realidade que eles vivem. Faz-se necessário que o professor esteja sempre se atualizando, pois afirma que cabe aos sistemas de ensino “criar e disponibilizar materiais de orientação para os professores, bem como manter processos perma- nentes de formação docente que possibilitem contínuo aperfeiçoamen- to dos processos de ensino e aprendizagem” (BRASIL, 2018, p. 17). Evidencia-se que esse pressuposto implica o repensar constante da prática docente, pois, para alcançar as competências gerais da Educa- ção Básica definidas na BNCC, o professor precisará de subsídios para a reflexão e o aperfeiçoamento da sua prática; subsídios esses que po- dem ser originados das ações de formação continuada provindas dos sistemas de ensino. Destaca-se o reconhecimento dessa necessidade na seguinte afirmação: “Diante das evidências sobre a relevância dos professores e demais membros da equipe escolar para o sucesso dos alunos, [a formação continuada] é uma ação fundamental para a imple- mentação eficaz da BNCC” (BRASIL, 2018, p. 21). Nesse sentido, o alcance do desenvolvimento das habilidades previstas na BNCC resulta na busca constante da soma de ações para o aperfeiçoamento da prática docente. Nessa perspectiva, é importante que o professor esteja em cons- tante diálogo com os demais membros da escola (gestores, pedagogos, professores de outras disciplinas e técnicos administrativos) como for- ma de assegurar coletivamente as condições necessárias para a reali- zação do seu trabalho. Ainda como implicação da BNCC para a prática docente, destaca-se a necessidade de o professor reivindicar ou asse- gurar as condições materiais adequadas e necessárias para a execu- ção da sua função, pautando-se no alcance das competências gerais da Educação Básica definidas nessa base curricular. A necessidade de considerar a inserção de diferentes materiais é preconizada no próprio texto da BNCC, como expressado na afirmação: 54 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental “A utilização de objetos materiais pode auxiliar o professor e os alunos a colocar em questão o significado das coisas do mundo, estimulando a produção do conhecimento” (BRASIL, 2018, p. 398). O trabalho do pro- fessor, de acordo com a BNCC e tendo em vista o desenvolvimento das competências gerais, leva, também, a inserir diferentes recursos na sua prática pedagógica, pois, “ao aproveitar o potencial de comunicação do universo digital, a escola pode instituir novos modos de promover a aprendizagem, a interação e o compartilhamento de significados entre professores e estudantes” (BRASIL, 2018, p. 61). Nesse contexto, é possível criar condições para que os alunos, au- xiliados pelas tecnologias digitais com as quais estejam familiarizados – e mediados pelo professor –, tenham interesse em aprender os con- teúdos de Geografia, de modo que a disciplina faça sentido e possa ser aplicada na realidade geográfica do seu cotidiano. Essa perspectiva acarreta a reflexão crítica por parte do professor para garantir que, no ensino e aprendizagem por ele mediado, os alunos se relacionem com o conhecimento de modo diferente daquele caracterizado nos meios digitais, nos quais se encontram informações desconexas, destituídas de significados e, às vezes, equivocadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Desde a década de 1930, foram debatidas várias propostas curricula- res para o ensino de Geografia. Cada uma delas foi marcada por divergên- cias de interesses, pois a definição do que ensinar e o tipo de aluno a se formar não é um processo neutro. Enquanto algumas dessas propostas visavam à formação apenas para o mundo do trabalho, outras, em uma visão mais abrangente, destacaram a necessidade de estimular também para a participação ativa na realidade em que o aluno se encontra. Outro traço comum às propostas apresentadas a partir da década de 1930 foi a ausência total da participação dos sujeitos do processo de en- sino e de aprendizagem, especialmente em Geografia. Foram propostas que vieram de posições hierárquicas superiores, logo, em uma relação verticalizada, na qual os órgãos governantes atuavam com base em con- cepções que garantiam os interesses das elites dominantes. Um exemplo disso foi a proposta curricular advinda da Lei n. 5.692/1971 que, como estratégia para evitar a formação crítica, esvaziou os conteúdos de Geo- grafia e História em um componente denominado Estudos Sociais, que era parte da grade curricular do então primeiro grau de ensino. 55Ensino de Geografia e BNCC: possibilidades e limites Embora apontasse maior possibilidade de formação crítica, a elabo- ração dos PCNs também excluiu de sua composição a participação dos sujeitos-alvos do processo pedagógico. Do mesmo modo, os PCNs evi- denciam os conflitos de interesses que marcam as propostas curriculares ao longo dos debatessobre o assunto no Brasil. Assim, por terem bases a serem concebidas em uma proposta que vá ao encontro dos intuitos neo- liberais, a análise das suas entrelinhas revela os interesses na formação de cidadãos aptos a se adaptarem facilmente ao mundo do trabalho, mas sem criticidade em relação às contradições caracterizadoras da sociedade capitalista. Destaca-se que, embora propagasse uma ampla participação da opi- nião pública, a elaboração da BNCC se caracterizou como uma contribui- ção insuficiente dos sujeitos do processo pedagógico e da comunidade. Isso se deu porque a metodologia adotada para essa participação se apresentou, de certa forma, enviesada, pois opções como concordo ou não concordo não abrem amplas possibilidades de debate. Um diferencial em relação às propostas anteriores é que a BNCC não se caracteriza como um currículo, e sim como uma referência para estados, municípios e escolas particulares elaborarem as suas próprias propostas curriculares. No que diz respeito ao ensino de Geografia, a BNCC o concebe, no Ensino Fundamental, como um meio de garantir aprendizagens envolvendo o raciocínio geográfico, isto é, um modo de prover conhecimentos dos fenômenos naturais e humanos que per- meiam o espaço no qual o aluno está inserido, de modo a subsidiar a compreensão da sua realidade. REFERÊNCIAS ABUD, K. Currículo de História e políticas públicas: os programas de História do Brasil na escola secundária. In: BITTENCOURT, C. M. F. (org.). O saber histórico na sala de aula. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1998. p. 28-41. AGUIAR, M. A. S. Relato da resistência à instituição da BNCC pelo Conselho Nacional de Educação mediante pedido de vista e declarações de votos. In: AGUIAR, M. A. S.; DOURADO, L. F. (org.). A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. Recife: ANPAE, 2018. p. 8-22. Disponível em: http://www.anpae.org.br/BibliotecaVirtual/4-Publicacoes/ BNCC-VERSAO-FINAL.pdf. Acesso em: 2 dez. 2019. ANDRADE, M. C. Trajetória e compromissos da Geografia brasileira. In: CARLOS, A. F. A. (org.). A Geografia na sala de aula. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2018. p. 9-13. ANPED. Sobre a Anped. Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: http://www.anped.org.br/ sobre-anped. Acesso em: 2 dez. 2019. BITTENCOURT, J. A Base Nacional Comum Curricular: uma análise a partir do ciclo de políticas. In: EDUCERE: XIII CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2017, Curitiba. Anais. Curitiba: PUCPR, 2017. p. 554-569. Disponível em: https://educere.bruc.com.br/arquivo/ pdf2017/24201_12678.pdf. Acesso em: 2 dez. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: geografia. Brasília: MEC/SEF, 1998. 56 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental BRASIL. Conselho Nacional de Educação; Câmara de Educação Básica. Parecer n. 11, de 7 de julho de 2010, Seção 1, p. 28. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos. Diário Oficial da União, Brasília, 9 dez. 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=6324- pceb011-10&category_slug=agosto-2010-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 2 dez. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Gabinete do Ministro. Portaria n. 592, de 17 de junho de 2015, n. 144, Seção 1, p. 16. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 jun. 2015. Disponível em: http://escolas.educacao.ba.gov.br/system/files/private/midiateca/documentos/2015/ portaria-mec-n-592-bnc.pdf. Acesso em: 2 dez. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Consulta pública sobre Base Nacional Comum recebeu mais de 12 milhões de contribuições. Brasília, DF, 2016. 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Os PCNs destacam orientações para o trabalho com eixos temáticos, conteúdos, critérios de avaliação e indicações de procedimentos didáticos e metodológicos que envolvem as habilidades de observação, análise e compreensão de determinado espaço geográfico com base nas categorias próprias da Geografia – ou seja, lugar, paisagem, território e região. 3. Na BNCC, o ensino de Geografia é concebido como uma forma de subsidiar o aluno na compreensão da realidade do contexto em que ele se encontra e no estabelecimento de relação entre o que se aprende na escola (os conceitos geográficos) e sua correspondente aplicação na prática social e no seu espaço de vivência. 57A didática da Geografia A partir da definição do conteúdo a ser ensinado, o professor se depara com o desafio de como ensinar. Há casos nos quais, para atingir os objetivos de uma aula, acredita-se que basta dominar bem o conteúdo a ser ensinado. No entanto, há questões importantes a serem consideradas – por exemplo, de que maneira ocorre a aprendizagem?; o que garante o alcance dos objetivos de ensino?; como despertar o interesse do aluno para o que se está trabalhando? –, e elas podem fazer uma diferença significativa na busca da superação dos desafios que envolvem ensinar e garantir o aprendizado do aluno. Nesse contexto, os conhecimentos pedagógicos subsidiam as reflexões necessárias ao trabalho do professor de Geografia, proporcionando recursos para uma prática de ensino que garanta que os objetivos sejam alcançados. Desse modo, o professor poderá se sentir realizado na sua missão de propiciar ao aluno a obtenção de conhecimentos que tenham significado para ele. Como resultado, o aluno poderá compreender a realidade em que vive e a funcionalidade dos saberes geográficos. Em Geografia, o trabalho de análise de uma paisagem, por exemplo, exige observação, identificação e entendimento da dinâmica que envolve as interações entre os diferentes elementos que nela estão presentes. Assim, ao pensar o ensino de Geografia, é fundamental, também, entender os sujeitos envolvidos e a dinâmica que permeia todo o processo. Isso evidencia a importância dos conhecimentos pedagógicos como recursos para analisar a realidade educativa e buscar atingir os objetivos propostos. A didática da Geografia 3 58 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental 3.1 Os conhecimentos pedagógicos Vídeo Diversas indagações sobre comoensinar, como o aluno aprende e como garantir a aprendizagem acarretam inquietações em relação ao planejamento, aos encaminhamentos metodológicos e às tarefas a serem desempenhadas pelos sujeitos da atividade educacional. Nesse sentido, embora não sejam dadas respostas prontas e acabadas, ou seja, uma “receita” sobre como garantir a aprendizagem, as contribui- ções dos conhecimentos produzidos pela didática e pelos campos da Psicologia, da Filosofia e da Sociologia da Educação possibilitam uma direção para os caminhos pedagógicos a serem percorridos a uma aprendizagem efetiva. 3.1.1 Didática: um conceito em debate Entre esses conhecimentos, a didática ocupa uma posição de des- taque. Entretanto, seu papel tem estimulado intensos debates. Para Candau (2013, p. 13), “exaltada ou negada, a didática, como reflexão sistemática e busca de alternativas para os problemas da prática pe- dagógica”, torna-se cada vez mais desafiante em virtude das trans- formações na comunicação e do acesso à informação no contexto da sociedade tecnológica da atualidade. A didática, afirma Libâneo (2013, p. 53), “estuda o processo de ensino por meio dos seus componentes – os conteúdos escolares, o ensino e a aprendizagem – para, com o embasamento na teoria da educação, formular diretrizes orientadoras da atividade profissional dos professores”. Dessa forma, a didática vai além do simples direcio- namento sobre como dar aula, pois envolve reflexão a respeito dos objetivos sociais e políticos nas finalidades do ensino. Para isso, ela indica princípios e metodologias em consonância com a realidade do professor e dos alunos. Nesse contexto, há, no campo da didática, “uma relação entre os métodos próprios da ciência que dá suporte à matéria de ensino e os métodos de ensino” (LIBÂNEO, 2013, p. 54). No caso do ensino de Geo- grafia, as categorias básicas de análise do espaço geográfico – lugar, paisagem, território e região – requerem métodos que instiguem o alu- no a observar, registrar, identificar, relacionar e analisar os fenômenos geográficos e as diferentes paisagens. LIBÂNEO, J. C. Didática. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2013. Obra clássica na área de Educação, o livro de Libâ- neo traz reflexões minu- ciosas e importantes so- bre a prática pedagógica e sobre como operaciona- lizar todo esse processo. Livro 59A didática da Geografia Entende-se que a facilidade de que se dispõe nos dias atuais para o registro das paisagens – que faz parte do cotidiano do aluno – e também a diversidade de imagens fixas, gifs ou vídeos disponíveis na internet possibilitam a adoção de métodos que enriquecem o processo de ensino. De acordo com Cordeiro (2013, p. 21), no contexto da didá- tica, pressupõe-se “que é possível escolher, entre diferentes maneiras de ensinar, aquela ou aquelas que podem resultar na aprendizagem com maior sucesso”. Para promover um ensino de Geografia instigante, uma aprendi- zagem e um despertar do interesse do aluno de maneira que ele re- lacione o que é aprendido com a correspondente realidade na qual se encontra, é necessário que o professor tenha clareza sobre sua concepção de didática. Na concepção de Libâneo (2013, p. 67), “nos últimos anos, diver- sos estudos têm sido dedicados à história da didática no Brasil, suas relações com as tendências pedagógicas e à investigação do seu cam- po de conhecimento”. Visando subsidiar a reflexão sobre as diferentes concepções de didática, apresentam-se, a seguir, alguns elementos da evolução do pensamento sobre essa temática. 3.1.2 A didática em diferentes concepções pedagógicas É de grande importância a reflexão sobre as concepções pedagógi- cas, visto que a análise dessa evolução, especialmente no campo do en- sino de Geografia, revela várias ressignificações da didática devido aos movimentos de renovação da Pedagogia. No entanto, não é incomum observar, ainda em nossos dias, a permanência de metodologias que já se espera estarem superadas. Na Pedagogia Tradicional, a didática se refere “a um conjunto de princípios e regras que regulam o ensino” (LIBÂNEO, 2013, p. 67). A ênfase dessa abordagem é no ensino, ou seja, a atividade de ensi- nar centraliza-se no professor, e a didática provê as técnicas conside- radas mais importantes para expor e explicar os conteúdos. Nessa concepção, cabe ao aluno ouvir atentamente as exposições orais, às vezes acompanhadas de recursos didáticos para facilitar a aprendiza- gem. Concebe-se, assim, segundo Kimura (2008, p. 80), o aluno como “um receptáculo vazio e dócil, pronto para ser preenchido pelo co- É possível definir a didática como a disciplina que ensina a dar aulas? Por quê? Atividade 1 60 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental nhecimento emanado do professor, que, sendo o dono do saber, era o único a expressar-se”. Pressupõe-se que, após a exposição do professor e a realização de exercícios de fixação e memorização, tem-se a aprendizagem. O pro- fessor, para Libâneo (2013, p. 67), “tende a encaixar os alunos em um modelo idealizado de homem que nada tem a ver com a vida presente e futura”. Os conteúdos são apresentados de forma desvinculada dos interesses dos alunos, da realidade e da sociedade que ele conhece. Essas concepções de didática mantêm estreitas relações com os objetivos de ensino na perspectiva da Geografia Tradicional, visto que, segundo Kimura (2008, p. 72), visavam formar o “aluno como veículo de perpetuação da ordem vigente na sociedade”. Com base nesse precei- to, concebe-se uma didática reprodutivista, ou seja, sem o propósito de tirar o aluno da passividade para que ele aja sobre a realidade. A Pedagogia Renovada surgiu entre o final do século XIX e as pri- meiras décadas de século XX como crítica à Pedagogia Tradicional, tendo como base, conforme Libâneo (2013), os escritos de John Dewey (1859-1952), Maria Montessori (1870-1952), Carl Rogers (1902-1987) e Jean Piaget (1896-1980). Nesse contexto, surge o movimento da Escola Nova, que trouxe a didática ativa, considerando o sujeito como agente da própria aprendizagem. Referindo-se a essa tendência, Kimura (2008, p. 75) afirma que “além de permitirem uma compreensão melhor dos conteúdos trata- dos, [são] favoráveis ao desenvolvimento do pensamento ativo, uma característica humana que passou a vir à luz com uma frequência cada vez maior”. Para o alcance do pensamento ativo, é necessária a partici- pação do aluno – o que requer orientações que o tirem da condição de passividade e receptáculo de conteúdos para passar a fazer parte de uma nova perspectiva de interação e apropriação de saberes. Desse modo, o papel do professor, de acordo com Libâneo (2013, p. 69), “é colocar o aluno em condições propícias para que, partindo de suas necessidades e estimulando os seus interesses, possa buscar para si mesmo conhecimentos e experiências”. Assim, o professor deixa a função de transmissor do saber e passa a estimular, organizar, orientar e instigar o aluno para despertar nele o interesse no conteúdo, de modo a estabele- cer relações entre o que se está estudando e a realidade concreta. Segundo Saviani (2012, p. 21), “o professor agiria como um estimula- dor e orientador da aprendizagem, cuja iniciativa principal caberia aos 61A didática da Geografia próprios alunos”. Esse processo ocorreria a partir de um ambiente que estimulasse a curiosidade e levasse o aluno à aprendizagem por desco- berta. Esse espaço seria diferente da sala de aula da perspectiva tradi- cional, que consiste em um aluno sentado atrás do outro e prestando atenção ao professor e aos recursos considerados convencionais. Em suma, ainda segundo Saviani (2012, p. 21), “a feição das escolas muda- ria seu aspecto sombrio, disciplinado, silencioso e de paredes opacas, assumindo um ar alegre, movimentado, barulhento e multicolorido”. Na perspectiva de Libâneo (2013, p. 69), para atingir tais objetivos, a didática ativa dá valor aos “métodos e técnicas como o trabalho em grupo, atividadescooperativas, estudo individual, pesquisas, projetos, experimentações etc., bem como aos métodos de reflexão e método científico de descobrir conhecimentos”. Uma das principais críticas que se faz a essa abordagem é que ela daria menos atenção aos co- nhecimentos sistematizados e valorizaria mais o desenvolvimento de habilidades intelectuais do aluno. Assim, o aluno aprenderia apenas aquilo que ele considera interessante. Entretanto, há conteúdos que são fundamentais para a compreensão do contexto no qual o aluno se encontra e para a realização de atividades do cotidiano. Sob a ótica da Escola Nova, Libâneo (2013, p. 69) afirma que “a didá- tica não é a direção do ensino, é a orientação da aprendizagem, uma vez que esta é experiência própria do aluno por meio da pesquisa, da investigação”. É inegável que essa preocupação sobre como ocorre a aprendizagem e os fatores que a favorecem trazem contribuições significativas para pensar o ensino de Geografia. Um exemplo disso se evidencia pela aplicação dos pressupostos de Jean Piaget sobre o tra- balho e a alfabetização cartográfica, que visa “desenvolver noções de representação do espaço e capacidades relacionadas à utilização de símbolos cartográficos e habilidade de interpretação dos seus significa- dos” (MENDES, 2010, p. 54). Logo, diferente do trabalho com a cartogra- fia na perspectiva do ensino de Geografia Tradicional, em que o aluno simplesmente pintava o mapa e acrescentava algumas informações, como nomes de estados e capitais. Na alfabetização cartográfica, criam-se condições para que o alu- no construa conceitos relativos à área, como mapas, plantas, escalas e convenções cartográficas. Para esse processo, são uma referência os estágios de desenvolvimento cognitivo e equilibração majorante, con- forme abordagem de Piaget (2011), o que dá subsídios para conduzir 62 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental atividades com destaque para a participação ativa do aluno, sem a qual praticamente não há construção de conceitos. O processo de alfabeti- zação cartográfica é desenvolvido ao longo dos anos iniciais do Ensino Fundamental, sendo retomado e ampliado no decorrer dos anos finais. Conforme ressalta Libâneo (2013, p. 69), “é raro encontrar profes- sores que apliquem inteiramente o que propõe a didática ativa [...], o que fica são alguns métodos e técnicas”, como é o caso já citado da alfabetização cartográfica. O autor supracitado aponta a falta de co- nhecimento sobre os pressupostos da pedagogia ativa, as condições materiais insuficientes e as exigências de cumprimento de programas oficiais como causas dessa insuficiente valorização da didática ativa. A Pedagogia Tecnicista desenvolve-se no Brasil a partir da década de 1950, após o escolanovismo dar sinal de exaustão (SAVIANI, 2012), pois o movimento não alterou amplamente a organização dos siste- mas escolares devido, sobretudo, aos altos custos que demandavam modificações estruturais. Fundamentada na neutralidade científica e nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, a Pedagogia Tecnicista, ainda segundo o autor, trouxe uma reordenação do proces- so educativo a fim de torná-lo objetivo e operacional. Destaca-se nessa pedagogia a didática instrumental, que, conforme Libâneo (2013, p. 71), “está interessada na racionalização do ensino, no uso de meios e técnicas mais eficazes”. Esse sistema busca a instrução, ou seja, o resultado da assimilação de conhecimentos sistematizados e o desenvolvimento cognitivo com base nas seguintes etapas: definição dos objetivos, conteúdos, estratégias e avaliação. Ao professor cabe administrar e executar o que foi planejado. Nessa perspectiva, essa execução seria garantida por meio de técnicas de instrução, daí a deno- minação tecnicismo. O elemento principal, nessa perspectiva tecnicista, passa a ser a organização racional dos meios, ocupando profes- sor e aluno posição secundária, relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coor- denação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. (SAVIANI, 2012, p. 24) Relacionando o exposto ao ensino de Geografia, observa-se, ainda nos dias atuais, a continuidade de materiais didáticos que determinam as ações do professor e do estudante, como se a análise dos fenôme- nos geográficos estudados não precisasse de uma correspondente re- lação com o espaço vivido pelo aluno. No Brasil, o tecnicismo ganha 63A didática da Geografia destaque nas décadas de 1960 e 1970, influenciando diversas propos- tas para o ensino de Geografia, pois a neutralidade, a racionalidade e a objetividade iam contra a perspectiva da Geografia Tradicional, visto que não se objetivava pensar as contradições do espaço geográfico. A Pedagogia Crítico-Social dos conteúdos, inspirando-se no ma- terialismo, como explica Libâneo (2013, p. 72), “constituiu-se como movimento pedagógico interessado na educação popular, na valori- zação da escola pública e do trabalho do professor”, a partir da se- gunda metade da década de 1970. Nessa perspectiva, procura, com base nos conhecimentos sistematizados, subsidiar o aluno a analisar criticamente a realidade. Vale ressaltar o significado que a criticidade adquire nesse contexto, pois é comum a associação da crítica a algo revolucionário, que muda- ria drasticamente a realidade, ou sua caracterização como o simples ato de julgar, ou seja, criticar com o fim de depreciar, sem apontar no- vos caminhos possíveis. No sentido ressaltado aqui, crítico refere-se à capacidade de se apropriar de conceitos sistematizados ou científicos e, com base neles, analisar a realidade para, se for o caso, buscar alter- nativas de mudanças e transformações. O aluno crítico é, então, aquele que analisa a realidade ou os fenômenos em questão com base no que aprendeu sistematicamente sobre eles, e não em meras ideias do sen- so comum, defendidas, às vezes, de forma veemente. Essa perspectiva pedagógica traz para a didática, segundo Gasparin (2009, p. 6), a função de “levar o professor e os alunos à busca do conhecimento teórico que ilumine e possibilite refletir sobre o seu fazer prático cotidiano”. Trata-se, portanto, de uma didática que tem como base a prática social do aluno, ou seja, a realidade em que ele está inserido. Essa concepção parte dos saberes que o aluno já domina espontaneamente, mas a partir dos quais almeja uma apropriação de novas óticas sobre a realidade, tendo como referência o conhecimento teórico-científico. Nesse contexto, Gasparin (2009, p. 6) afirma: O processo pedagógico deve possibilitar aos educandos, através do processo de abstração, a compreensão da essência dos con- teúdos a serem estudados, a fim de que sejam estabelecidas as ligações internas específicas desses conteúdos com a realidade global, com a totalidade da prática social e histórica. Este é o ca- minho por meio do qual os educandos passam do conhecimen- to empírico ao conhecimento teórico-científico, desvelando os 64 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental elementos essenciais da prática imediata do conteúdo e situan- do-o no contexto da totalidade social. Destaca-se, desse modo, a dimensão social dessa abordagem para o alcance dos objetivos da aprendizagem, envolvendo a participação ativa do aluno, que, por sua vez, é mediada pelas ações do professor. Segundo Libâneo (2013, p. 73), não é “suficiente colocar como conteú- do escolar a problemática social cotidiana, pois somente com o do- mínio dos conhecimentos, habilidades e capacidades mentais podem os alunos organizar, interpretar e reelaborar as suas experiências de vida”. Nesse sentido, possibilita-se ao aluno apropriar-se dos saberes historicamente elaborados. Esse entendimento de didática trouxe contribuições significativas para o ensino de Geografia na perspectiva da Geografia Crítica, uma vez que apregoa a necessidade do conhecimento teórico-científicopara a apreensão da realidade ao mesmo tempo que destaca a importância do conteúdo, que é crítico e valoriza as práticas que possibilitam a participa- ção ativa do aluno. Assim, são adotadas metodologias interativas – como os trabalhos em grupos, estudos do meio, debates e reflexões –, visando ao desenvolvimento das habilidades cognitivas e da criticidade na análi- se de fenômenos geográficos presentes no espaço de vivência do aluno. Fundamentando-se nas diferentes concepções de didática, é pos- sível pensar os encaminhamentos do ensino e da aprendizagem ga- rantindo as bases científicas desse processo. Evidencia-se, assim, a importância do conhecimento sobre as bases pedagógicas, sobre o que é ensinar e o que é aprender – uma vez que se observa serem comuns percepções de acordo com as quais se acredita que basta os professores saberem o conteúdo, sem a necessidade de um planeja- mento da didática. 3.2 Planejamento da didática Vídeo É consenso que toda atividade de ensino precisa ser planejada. Entretanto é comum, conforme Kimura (2008, p. 83), a percepção de que “o planejamento, a organização e a administração estão frequentemente associados a uma submissão burocrática, ao predomínio do formalismo, à estrutura hierárquica, que estabelecem separação entre o trabalho físi- co e o intelectual”. Como destaca Libâneo (2013, p. 245), o planejamento, além de programar as ações docentes, é também “um momento de pes- quisa e reflexão intimamente ligado” à prática pedagógica. 65A didática da Geografia Nesse sentido, o ato de planejar o que será ensinado, como será en- sinado e o que se pretende que o aluno faça com o que aprendeu en- volve uma visão de didática e do perfil de aluno que se deseja formar. Considera-se que o ensinar e o aprender são atividades complexas, e seus objetivos não se limitam à sala de aula, visto que se espera que o aluno compreenda qual é o seu papel na sociedade e no seu espaço de vivência. 3.2.1 Sequência do planejamento Evidencia-se a importância do planejamento ao tratá-lo como “um processo de racionalização, organização e coordenação da ação docen- te, articulando a atividade escolar e a problemática do contexto social” (LIBÂNEO, 2013, p. 246). Assim, o planejamento se caracteriza como um guia para a atividade consciente em relação à previsão de ações docen- tes e à tomada de decisões envolvendo dimensões sociais, políticas, culturais e econômicas, que permeiam a realidade do professor e dos seus alunos. Para o ato de planejar, a didática requer ordem sequen- cial, objetividade, coerência e flexibilidade. A ordem sequencial, segundo Libâneo (2013, p. 248), “é progressi- va. Para alcançar os objetivos são necessários vários passos, de modo que a ação docente obedeça a uma sequência lógica”. Entretanto, trata- -se de uma previsão, pois é possível que, no decorrer do período letivo, os objetivos precisem ser reformulados ou até substituídos por novos a fim de atenderem a necessidades que possam surgir. Assim, por exem- plo, caso o professor, no encaminhamento do trabalho com os alunos, detecte que um objetivo anterior não foi suficientemente alcançado, será importante considerar uma redefinição dele. Por objetividade, Libâneo (2013, p. 248) define como sendo “a correspondência do plano com a realidade à que se vai aplicar. Não adianta fazer previsões fora das possibilidades humanas e materiais da escola, fora das possibilidades dos alunos”. Desse modo, é necessário considerar as limitações que podem aparecer no decorrer do traba- lho, pois às vezes, no momento do planejamento, não se tem a exata dimensão dos desafios que serão encontrados no contexto vivivo pelo professor e pelos alunos. Referindo-se à realidade, Libâneo (2013, p. 248) destaca que é preciso “entender que a nossa ação, e a nossa vontade, são também componentes dela. Muitos professores ficam lastimando dificuldades e 66 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental acabam por se esquecer de que as limitações e os condicionantes po- dem ser superados pela ação humana”. Nessa perspectiva, o professor precisa considerar o seu papel como um agente que busca transpor os desafios que permeiam a prática pedagógica. É verdade que tais desafios podem ir além do campo de atuação do professor e envolver a responsabilidade da gestão escolar e de outras instâncias – como uma Secretaria de Educação. Mas a reflexão sobre a própria prática, o diálogo e a soma de ações coletivas aumentam as possibilidades de superação desses desafios. A coerência se refere, de acordo com Libâneo (2013, p. 249), “à re- lação que deve existir entre as ideias e a prática. É também a ligação lógica entre os componentes do plano”. Nesse sentido, após a definição do objetivo geral, as demais ações precisam refletir as condições me- todológicas que garantirão o alcance dele. Por exemplo, cada objetivo específico precisa envolver um conteúdo que, por sua vez, possibilite que o aluno desenvolva habilidades; da mesma forma, cada habilidade a ser desenvolvida exige que se trabalhem conteúdos e recursos que criem as condições para instigar o aluno a alcançar os objetivos plane- jados pelo professor. Conforme Libâneo (2013), a flexibilidade é definida pela neces- sidade de o professor estar sempre organizando e reorganizando o seu trabalho. Assim sendo, para atender aos reencaminhamentos que se farão necessários ao longo do período letivo, é preciso con- siderar que o planejamento não é uma “camisa de força”, ou seja, algo imutável ao qual se está preso. Em termos de planejamento, por melhor que se tenham antevisto as ações didáticas, diversos fa- tores podem interferir no processo de ensino-aprendizagem, como o nível de aprendizagem dos alunos, o atendimento a necessidades individuais, o desempenho da turma como um todo, a infraestrutura disponível, entre outros aspectos. Articulam-se entre si três modalidades de planejamento: o Projeto Político Pedagógico (PPP), o plano de ensino e o plano de aula. Eles servem como diretrizes e explicitam princípios e procedimentos do tra- balho que permeiam toda a prática do professor. De acordo com o artigo 12 da LDB n. 9.394/1996, “os estabelecimen- tos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta 67A didática da Geografia pedagógica” (BRASIL, 1996). Dessa maneira, o PPP tem caráter obriga- tório e precisa ser elaborado de modo que envolva todos os agentes da atividade educativa: gestão, coordenação, professores, alunos, funcio- nários e comunidade escolar. Na perspectiva de Veiga (1995, p. 12), o PPP “não é algo que é cons- truído e em seguida arquivado ou encaminhado às autoridades edu- cacionais como prova do cumprimento de tarefas burocráticas. Ele é construído e vivenciado em todos os momentos por todos os envol- vidos com o processo educativo da escola”. Assim, o PPP, como uma construção coletiva, visa deixar claras as concepções de educação; as ba- ses teórico-metodológicas adotadas para promover o ensino e a apren- dizagem; e a avaliação. Sobre o PPP como projeto político, Veiga (1995, p. 13) afirma que se caracteriza por “estar intimamente articulado ao com- promisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária. É político no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade”. Essa questão envolve também a reflexão sobre a formação cidadã e o atendimento das necessidades da comunidade na qual a escola está inserida. Nesse sentido, sendo uma construção coletiva, ressalta-se a contribuição do ensino de Geografia para o atendimento dos objetivos propostos no PPP, servindo de referência para a elaboração dos plane- jamentos de ensino. O plano de ensino, segundo Libâneo (2013, p. 257), “é um roteiro organizado das unidades didáticas para um ano ou semestre”. Consi- derando as informações e os componentes que precisam constar no plano de ensino, o autor sugere a organizaçãoexposta a seguir – a qual, em nosso caso, está adaptada ao ensino de Geografia. ORGANIZAÇÃO DE UM PLANO DE ENSINO A justificativa da disciplina trata-se de um texto elaborado pelo professor tendo como referência as questões: qual é a importância de se estudar Geografia?; para que serve o estudo dessa disciplina? A par- tir desse texto, podem ser definidos os encaminhamentos metodológi- cos para atingi-los. Na seleção dos conteúdos a serem trabalhados, de acordo com Mendes (2010, p. 101), “é pertinente que tenhamos como referência duas questões: quais conceitos geográficos podem ser trabalhados 68 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental nesse nível de ensino? Como esses conceitos se relacionam com a rea- lidade dos alunos?”. A busca da resposta para essas questões precisa ter como referência as propostas curriculares vigentes, como a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018) que define as apren- dizagens essenciais para assegurar o desenvolvimento de competên- cias gerais. Para isso, o documento propõe o trabalho com base em unidades temáticas, das quais pode-se definir o objetivo geral de cada aborda- gem didática. Adjacentes a essas unidades temáticas destacam-se os objetos de conhecimento, que podem ser referência para a definição de objetivos específicos, que na BNCC se referem às habilidades a se- rem desenvolvidas pelos alunos. Inicialmente, a delimitação dos objetivos é parte de um objetivo geral e, depois, dos objetivos específicos, que normalmente estão atre- lados ao conteúdo a ser abordado. Por exemplo, no trabalho com o conteúdo população brasileira, pode-se definir como objetivo geral co- nhecer as características da população brasileira. Entretanto, para atin- gir esse objetivo, será necessário que o aluno se aproprie de outros conceitos, o que daria origem a um objetivo específico, como identificar a estrutura da população brasileira por meio de pirâmides etárias. Considera-se que a definição do objetivo geral e dos objetivos es- pecíficos está sempre atrelada à escolha de um verbo relacionado às habilidades cognitivas que se deseja que o aluno desenvolva, como observar, descrever, enumerar, diferenciar, relacionar, analisar, entre outros. Para a definição dos objetivos, sugere-se a adoção da taxono- mia de Bloom, que, conforme citam Ferraz e Belhot (2010), traz uma ca- tegorização da aprendizagem considerando as dimensões cognitivas, afetivas e psicomotoras. Embora essa taxonomia tenha sido considerada tradicional em al- guns momentos, estudos recentes reafirmam sua contribuição para a tarefa de “escolha do conteúdo, de procedimentos, de atividades, de recursos disponíveis, de estratégias, de instrumentos de avaliação e da metodologia a ser adotada por um determinado período” (FERRAZ; BELHOT, 2010, p. 421). O quadro a seguir sistematiza a relação entre os verbos 1 Ao definir um objetivo, seja ele real ou específico, utilize apenas um verbo em cada frase. Há certa polêmica em relação ao emprego de mais de um verbo – observar e identificar as características da paisagem do bairro, por exemplo. Na concepção de alguns pesquisadores, ficaria incorreto, pois cada verbo se relaciona a uma habilidade cognitiva mais específica. 1 que se referem a um objetivo geral e os verbos que designam objetivos específicos a ele adjacentes. 69A didática da Geografia Quadro 1 Estruturação da taxonomia de Bloom Categoria de objetivo geral Categoria de objetivos específicos Conhecimento Enumerar, definir, descrever, identificar, denominar, listar, nomear, combinar, realçar, apontar, relembrar, recordar, relacionar, reproduzir, solucionar, declarar, distinguir, rotu- lar, memorizar, ordenar, reconhecer. Compreensão Alterar, construir, converter, decodificar, defender, definir, descrever, distinguir, discrimi- nar, estimar, explicar, generalizar, exemplificar, ilustrar, inferir, reformular, prever, rees- crever, resolver, resumir, classificar, discutir, identificar, interpretar, reconhecer, redefinir, selecionar, situar, traduzir. Aplicação Aplicar, alterar, programar, demonstrar, desenvolver, descobrir, dramatizar, empregar, ilustrar, interpretar, manipular, modificar, operacionalizar, organizar, prever, preparar. Análise Analisar, reduzir, classificar, comparar, contrastar, determinar, deduzir, diagramar, distin- guir, diferenciar, identificar, ilustrar, apontar, inferir, relacionar, selecionar, separar, subdi- vidir, calcular, discriminar, examinar, experimentar, testar, esquematizar, questionar. Síntese Categorizar, combinar, compilar, compor, conceber, construir, criar, desenhar, elaborar, estabelecer, explicar, formular, generalizar, inventar, modificar, organizar, originar, pla- nejar, propor, reorganizar, relacionar, revisar, reescrever, resumir, sistematizar, escrever, desenvolver, estruturar, montar, projetar. Avaliação Avaliar, averiguar, escolher, comparar, concluir, contrastar, criticar, decidir, defender, dis- criminar, explicar, interpretar, justificar, relatar, resolver, resumir, apoiar, validar, escrever, detectar, estimar, julgar, selecionar. Fonte: Adaptado de Ferraz; Belhot, 2010, p. 426. O desenvolvimento metodológico, segundo Libâneo (2013, p. 264), “é o componente do plano de ensino que dará vida aos objetivos e conteúdos. Indica o que o professor e os alunos farão no desenrolar de uma aula ou conjunto de aulas”. Assim, aponta a forma como serão problematizados os conceitos, a estratégia para diagnos- ticar os saberes espontâneos, as situações de aprendizagem para a apropriação dos conteúdos e as atividades a serem realizadas pelos alunos, tendo em vista a aplicação na sua realidade. A avaliação refere-se às concepções e instrumentos que serão adotados para acompanhar e verificar a aprendizagem dos alunos e o resultado do trabalho do professor. Mais adiante, abordaremos com mais detalhes esse processo. A elaboração do plano de ensino nor- malmente é sistematizada em quadros que facilitam visualizar toda a organização do trabalho proposto. Com base na BNCC (BRASIL, 2018), apresenta-se, a seguir, uma referência de plano de ensino. 70 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Quadro 2 Exemplo de plano de ensino Plano de ensino (anual/semestral) Disciplina de Geografia Ano: Nº aulas no ano: Nº aulas no semestre: Professor(a): Justificativa: Objetivo geral: Unidade temática Objeto do conhecimento Habilidades (objetivos específicos) Desenvolvimento metodológico Avaliação: Bibliografia (que subsidia o trabalho do professor): Livros didáticos e paradidáticos para o estudo dos alunos: Fonte: Adaptado de Brasil, 2018, p. 384; Libâneo, 2013, p. 258. Normalmente, cada instituição de ensino tem uma referência e um modelo próprio para a elaboração do plano de ensino. Caso não tenha, considere a possibilidade de o professor elaborar o seu próprio formu- lário para a sistematização das informações que constarão no plano, de modo a atender à sua necessidade e à dos seus alunos. 3.2.2 Detalhamento do plano de ensino: o plano de aula O plano de aula, segundo Libâneo (2013, p. 267), “é um detalha- mento do plano de ensino. As unidades e subunidades (tópicos) que foram previstas em linhas gerais são agora especificadas e sistemati- zadas para uma situação didática real”. Na elaboração de cada aula, tem-se como guia o plano de ensino e os objetivos que se pretende al- cançar, além de um detalhamento mais preciso dos desenvolvimentos metodológicos e dos recursos didáticos que serão utilizados. É preciso considerar, na elaboração do plano de aula, que o proces- so de ensino e aprendizagem se compõe de uma sequência articulada de fases que, conforme Libâneo (2013), são: preparação e apresenta- ção de objetivos, conteúdos e encaminhamentos metodológicos e ati- vidades visando à sistematização, fixação e aplicação; abordagem dos temas contemporâneos transversais; e avaliação. O Quadro 3 exempli- fica um plano de aulacom base na BNCC (BRASIL, 2018). Os Temas Contemporâneos Transversais (TCTs), de forma integrada, podem instrumentalizar os estudantes para um maior entendimento da sociedade em que vivem. Na BNCC, os TCTs foram distribuídos em seis macroáreas: Meio Ambiente, Economia, Saúde, Cidadania e Civismo, Multicultura- lismo, Ciência e Tecnologia (BRASIL, 2018, p. 8). Saiba mais+ 71A didática da Geografia Quadro 3 Exemplo de plano de aula Plano de aula Colégio/Escola: Disciplina de Geografia Ano: 6º EF Nº aulas: 02 Data(s): ___/___/___ Professor(a): Unidade temática: O sujeito e seu lugar no mundo Objeto do conhecimento: Identidade sociocultural Objetivo geral: (EF06GE02) 3 Na BNCC (BRASIL, 2018, p. 30) cada habilidade está relacionada a um objetivo de aprendizagem é identificada por um código alfanumérico. Assim, tendo como referência o código EF06GE02, lê-se da seguinte forma: EF (ensino fundamental); 06 (sexto ano); GE (compo- nente curricular); 02 (posição sequencial das habilidades a serem desenvolvidas, porém, não representa necessariamente uma ordem hierárquica). 3 Analisar modificações de paisagens realizadas por dife- rentes tipos de sociedade, com destaque para os povos originários (BRASIL, 2018, p. 384). Objetivos específicos 4 Recomenda-se a definição de no mínimo três objetivos específicos. 4 : • Contrastar saberes espontâneos sobre a paisagem com os saberes sistematizados baseados na Geografia. • Identificar elementos naturais e humanos nas diferentes paisagens. • Relacionar a ação humana aos recursos disponíveis e à interação com a natureza em diferentes sociedades. • Exemplificar a maneira como o nível técnico de uma sociedade permite alterações na natureza em maior ou menor proporção. Procedimentos metodológicos: • Propor aos alunos que representem, por meio de um desenho, uma paisagem para problematizar o conceito de paisagem. • Apresentar aos alunos imagens de paisagens em que predominam elementos da natureza e também de paisagens modificadas, com o fim de identificar e registrar, em duplas, as diferenças entre elas. • Exibir aos alunos vídeos ou imagens de sociedades que se caracterizam por poucas modificações na natureza, contrastando-as com sociedades que causam intensas transformações. • Debater com os alunos as principais diferenças entre as sociedades, ressaltando como o domínio técnico possibilita intensificar a ação humana sobre a natureza. • Para cada comentário de cada resposta debatida, o professor apresentará imagens explicitando a relação entre nível técnico e interação sociedade e natureza. Recursos didáticos e tecnológicos: Data Show, lousa, ilustrações, cartazes, vídeos, livro didático. Temas transversais contemporâneos: Na abordagem dos conteúdos propostos, busca-se trabalhar conceitos relacionados aos temas meio ambiente, ciência e tecnologia e multiculturalismo. Avaliação: A avaliação como processo contínuo será realizada com base nos registros propostos aos alunos e na observação da participação deles no desenvolvimento de cada aula. Bibliografia (que subsidia o trabalho do professor): Livros didáticos e paradidáticos para o estudo dos alunos. Fonte: Elaborado pelo autor. 72 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Assim como o plano de ensino, faz-se necessário considerar certa flexibilidade também no plano de aula. Desse modo, ao verificar, por exemplo, que os alunos ainda não se apropriaram suficientemente de algum conceito, é importante retomar os objetivos e considerar a ne- cessidade de outros encaminhamentos metodológicos. 3.3 Recursos didáticos e tecnológicos Vídeo No processo de ensino-aprendizagem de Geografia, segundo Mendes (2010, p. 63), é “importante criar condições de aprendizagem que envolvam a observação, descrição, interpretação, análise, formu- lação de hipóteses, síntese, comparação e reflexão sobre os aspectos geográficos ligados ao cotidiano do aluno e ao seu espaço de vivência”. Destaca-se, assim, a contribuição dos recursos didáticos e tecnológicos como meios que auxiliam esse processo. A elaboração do plano de aula, no contexto da didática, requer que o professor conheça o potencial pedagógico dos diferentes recursos didá- ticos, definidos, nas palavras de Libâneo (2013, p. 191), como “todos os meios e materiais utilizados pelo professor e pelos alunos para a organi- zação e condução metodológica do processo de ensino e aprendizagem”. 3.3.1 Refletindo a partir do conceito de tecnologia Considerando que as possibilidades de interação e comunicação são constantemente ampliadas devido à diversidade de ferramentas digi- tais, é necessário levar em conta também o potencial pedagógico des- ses meios para o ensino e a aprendizagem escolar. Nessa perspectiva, acrescenta-se a terminologia recursos didáticos à extensão tecnológicos, uma vez que são meios com características distintas em relação aos con- vencionais como lousa, globo terrestre, mapa-múndi e livro didático. Entretanto, justamente devido a essa distinção, esses meios tecno- lógicos – que não foram pensados e projetados para o contexto escolar, mas para o entretenimento e a difusão de informações na sociedade – precisam ser criticamente inseridos no processo de ensino-aprendi- zagem formal, ou seja, aquele que ocorre em instituições de ensino. Diferentemente dos recursos didáticos convencionais, os recursos tecnológicos não são neutros, pois veiculam informações e ideias que influenciam – às vezes de forma fascinante, por meio de cores, sons e imagens – a aprendizagem. LEITE, L. S. (coord.). Tecnolo- gia educacional: descubra suas possibilidades na sala de aula. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. Nesta obra, são explora- das diversas possibilida- des de uso dos recursos que podem ser aplicados ao ensino e aprendiza- gem. Sua leitura trará contribuições importan- tes para pensar o ensino de Geografia. Livro 73A didática da Geografia A inserção dos recursos tecnológicos na prática de ensino de Geo- grafia em uma perspectiva crítica requer a apropriação do conceito de tecnologia como subsídio à reflexão. De forma geral, o senso comum define tecnologia como sendo os diversos aparelhos e máquinas que utilizamos no cotidiano, principalmente os digitais. Entretanto, como define Mendes (2010, p. 65), “são produtos da tecnologia, ou seja, eles são apenas o resultado, pois a tecnologia é um processo que tem con- tinuidade, que passa por modificações e aperfeiçoamentos. E deles re- sultam, então, os recursos tecnológicos”. Essa tendência de definir a máquina ou os aparelhos digitais como tecnologia, segundo Vargas (1995, p. 224), “surgiu na área da computa- ção e da informática, onde a máquina é tão importante quanto o saber que dela originou. Há, então, o perigo de se confundir toda a tecnolo- gia, isto é, o conhecimento científico aplicado às técnicas e aos seus materiais”, com os objetos em vez de relacioná-la ao processo. No con- texto educacional, conceber a tecnologia como sinônimo de objeto, de acordo com Mendes e Mendes (2018, p. 54), implica supervalorizar as ferramentas digitais e deixar num se- gundo plano, o principal ator desse processo, o ser humano [...]. A tecnologia é um processo eminentemente humano e o cres- cimento significativo de interações sociais mediado pelas fer- ramentas e instrumentos digitais pode transformar as relações sociais e ampliar a aprendizagem. No entanto, esse processo só ocorre se houver uma ação intencional do sujeito em relação ao objeto do conhecimento mediado pelas ferramentas. Relacionando esse pressuposto à aplicação de recursos tecnológi- cos no ensino e na aprendizagem, observa-se que não é incomum, nes- se processo, uma supervalorização da tecnologia, entendida como um objeto que faz o trabalho pedagógico por si só. Entretanto, são a ação e a reflexão do professor sobre a inserção dos recursos tecnológicos que se caracterizam por tecnologia, pois, conforme Mendes (2010, p. 66), é “em um pensar, agir,fazer, interagir e relacionar-se com os educandos” que se descobrem, por exemplo, novas ferramentas digitais, com as quais os alunos estão familiarizados, para analisá-las em uma perspec- tiva crítica, buscando seus potenciais pedagógicos. Assim, é exposta a dimensão humana do processo denominado tec- nologia. É importante observar que esse processo, que inclui pensar, agir, interagir e descobrir, pode ocorrer também em relação aos recur- sos didáticos considerados convencionais, uma vez que quem “faz” a tecnologia é o professor e os alunos, e não os objetos em si. Dessa ma- neira, analisam-se, a seguir, os potenciais pedagógicos dos principais Qual é a consequência de “se confundir toda a tecnologia, isto é, o conhecimento científico aplicado às técnicas e aos seus materiais”, com os objetos em vez de relacioná-la ao processo? Como essa associação equivo- cada pode afetar a inserção dos recursos na prática de ensino de Geografia? Atividade 2 74 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental recursos que contribuem para o ensino e a aprendizagem de Geografia no Ensino Fundamental. 3.3.2 Ensinar Geografia a partir dos recursos O globo terrestre é fundamental para encaminhamentos metodo- lógicos que envolvem a localização de paralelos e meridianos, a identi- ficação de oceanos e continentes, a problematização sobre a forma da Terra, entre outros tópicos. Segundo Mendes (2010, p. 70), esse recurso “permite que os alunos formem representações espaciais corretas, visto que possibilita a observação da Terra, da inclinação do eixo e as posições dos polos, das curvaturas, das linhas imaginárias etc.”. Para além da simples atividade de localização, o trabalho com o globo terrestre permite estabelecer relações entre a distribuição dos fenômenos geográficos em diferentes escalas e os fatores de ordem econômica, políti- ca, social, cultural e histórica que configuram o espaço geográfico. O mapa mural e o atlas são imprescindíveis para direcionamentos metodológicos que incluem a localização e a relação entre os fenômenos geográficos. O trabalho com esses recursos retoma conceitos que devem ter sido construídos pelo aluno no decorrer do processo de alfabetização cartográfica, envolvendo a interpretação de signos e convenções. Segundo Almeida (2001, p. 13), o mapa conserva as “relações mate- maticamente definidas de redução, localização e de projeção no plano. Sobre um mapa-base, assim obtido, pode-se representar uma série de informações, escolhidas por interesses ou necessidades das mais di- versas ordens”. Portanto, esses recursos proporcionam ao aluno uma referência do objeto de estudo da Geografia: o espaço geográfico em suas múltiplas for- mas de representação. Criam-se, na condução de atividades de análise do espaço geográfico envolvendo o mapa, condições para o desenvolvimento de habilidades de observação, identificação, estabelecimento de relações, levantamento de hipóteses, críticas e síntese da realidade em estudo. Os modelos tridimensionais, sejam fixos ou em movimento, buscam representar didaticamente fenômenos e dinâmicas que eles representam. Um exemplo desse tipo de material é o planetário ou telúrico, que con- siste em um modelo que representa o sistema Sol-Terra-Lua e simula os movimentos da Terra, a ocorrência do dia e da noite, as estações do ano e as fases da Lua. Esses recursos normalmente representam, em pequenas dimensões, fenômenos de elevada amplitude de escala, como a área de uma bacia hidrográfica, por exemplo. 75A didática da Geografia O trabalho com modelos tridimensionais visa ampliar a capacidade de abstração do aluno com base em exemplos concretos. Para auxiliar no entendimento de conceitos relacionados às dinâmicas da natureza, podem-se orientar atividades envolvendo a par- ticipação do aluno na própria elaboração do modelo. Como exemplo dessa aplicação, apresenta-se, a seguir, como demonstra Mendes (2010, p. 127-128), uma aplicação des- se tipo de ferramenta. Figura 1 Simulando a formação de rios por infiltração das águas das chuvas • uma base de madeira ou papelão; • argila para representar as rochas do subsolo; • terra para representar o solo; • borrifador; • ervas secas (orégano, erva-mate etc.) para representar a vegetação. Espalhar argila na base de madeira ou papelão, modelando-a como se tivesse a forma de uma bacia, mas com um sulco para o escoamento da água, conforme a imagem ao lado: Espalhe a erva seca sobre a terra, deixando uma parte sem cobrir (retire o excesso sobre o sulco). Espalhar a terra sobre toda a superfície da argila (retire e excesso de terra sobre o sulco), como mostra a imagem ao lado. • A terra representa os solos sobre as rochas do subsolo. • A erva seca representa a vegetação. • Essa base de argila representa as rochas do subsolo. • Esclareça para os alunos que uma bacia hidrográfica é esculpida ao oolongo de milhares de anos. 1 3 Para a realização desta atividade, os alunos formarão grupos e precisarão dos seguintes materiais: De posse dos materiais, serão realizados os seguintes procedimentos: Considerando a polêmica discussão sobre a utilização do isopor para trabalhos escolares, recomenda-se a utilização de materiais recicláveis, como o papelão. Tal polêmica se deve ao fato de o isopor requerer elevada quantidade de água no seu processo produtivo e ter tempo de decomposição indeterminado. Embora alguns municípios brasileiros realizem coleta desse material para passar por processo de reciclagem profissional, no geral, é ainda insuficiente. Atenção 2 (Continua) 76 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Borrifar água por toda a superfície. • A água borrifada representa as águas das chuvas. 4 Após cerca de cinco minutos, observar o que aconteceu com a água borrifada sobre as ervas secas, de acordo com a imagem ao lado. 5 Após a realização da simulação, é importante problematizar o assunto por meio das seguintes perguntas: • O que aconteceu com a água jogada sobre as ervas secas? • Onde a água se acumulou e por onde ela escorreu? • O que pode acontecer com o rio caso ocorra um longo período sem chuvas? Borrifando, novamente, água sobre a parte que não foi coberta por ervas, problematize com os alunos o conceito de mata ciliar. Assim, na simulação é possível destacar que a ausência da mata ciliar aumentou os processos de erosão, transporte e deposição, causando o assoreamento do leito do rio. Fonte: Adaptado de Mendes, 2010, p. 127-128. O trabalho envolvendo modelos tridimensionais, se bem explo- rado pelo professor, permite instigar os alunos a compartilhar sa- beres espontâneos sobre o fenômeno analisado, problematizar os conceitos e trabalhar com temas transversais. Essa atividade pode ser combinada com outros recursos, como fotografias, imagens de satélite, entre outros. Entre os principais recursos para ensino de Geografia, destaca- -se o livro didático, que se caracteriza, conforme explica Leite (2014, p. 45), como “um material impresso que, baseado nas áreas do currícu- lo, contém um roteiro básico de conteúdos de uma ou várias áreas do conhecimento e é específico para cada nível de ensino”. 77A didática da Geografia Há, no Brasil, um delicado debate sobre a produção e a utilização do livro didático. Principalmente nas décadas de 1970 e 1980, eles eram vistos como pouco adequados para a aprendizagem e, de acordo com Rojo e Batista (2003, p. 45), como “resultado de interesses econômicos envolvidos em sua produção e comercialização; e identificado aos efei- tos de controle que exerce sobre a ação docente e sobre o currículo”. Não é incomum encontrar, ainda em nossos dias, resistências e crí- ticas, na maioria das vezes sem fundamentos, quanto à utilização do livro didático. Observa-se que, ainda que a qualidade de um livro di- dático de Geografia seja questionável, o professor pode explorar suas imagens, mapas e readequar propostas. Enfim, não é totalmente inútil. Entretanto, tendo emvista garantir a qualidade dos livros didáticos, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) passou a estabelecer, a partir de 1994, critérios de avaliação. No quadro a seguir estão lista- dos alguns dos critérios eliminatórios de coleções de livros didáticos de Geografia para os anos finais do Ensino Fundamental, apresentados no Guia do PNLD 2017. Quadro 4 Critérios de avaliação – Geografia Articulação dos processos históricos, sociais, econômicos, políticos e culturais para a explicação do estágio de desenvolvimento dos povos e países, mantendo-se o direito à diversidade dentro de padrões éticos e de respeito à liberdade de indivíduos e grupos, com isenção de preconceitos, tanto de origem, etnia, gênero, religião, idade ou outras formas de discriminação. Discussão de diferenças políticas, econômicas, sociais e culturais de povos e países, sem discriminar ou tra- tar negativamente os que não seguem o padrão hegemônico de conduta da Sociedade Ocidental, evitando visões distorcidas da realidade e a veiculação de ideologias antropocêntricas e políticas, ou ambas. Conceitos e informações corretas que permitam a compreensão da formação, do desenvolvimento e da ação dos elementos constituintes do espaço físico, suas formas e suas relações. Conceitos e informações relacionadas de maneira correta, encaminhando os passos necessários à análise da dimensão geográfica da realidade. Linguagem adequada, visando à aprendizagem dos conhecimentos geográficos, ao desenvolvimento do vocabulário e dos conhecimentos linguísticos, evitando reducionismos e estereótipos no tratamento das questões sociais e naturais. Ilustrações que dialogam com o texto e com exemplos da diversidade étnica da população brasileira e da pluralidade social e cultural do país, não devendo reforçar preconceitos e estereótipos em relação a gênero e a povos de outras nações do mundo. Orientação para o uso adequado dos pontos cardeais e colaterais, a partir da Rosa dos Ventos colocada ao lado dos mapas e figuras. 1 2 3 4 5 6 7 Fonte: Brasil, 2016, p. 24-25. 78 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental A compreensão desses critérios revela a preocupação em garantir que os conceitos de análise do espaço geográfico sejam trabalhados de forma a possibilitar que o aluno estabeleça relações entre o que se aprende e sua realidade. Além disso, busca-se garantir que a abor- dagem não induza a erros conceituais, preconceitos e visões estereo- tipadas de aspectos culturais e sociais. Embora esses critérios sejam definidos para a avaliação do PNLD, servem de parâmetro também para a avaliação de materiais didáticos de Geografia em geral. Considerando a relativa facilidade de acesso às imagens de satéli- te e a popularização do seu uso em atividades diversas, é imprescindí- vel inseri-las nos encaminhamentos de ensino e de aprendizagem de Geografia. Essas imagens despertam significativo interesse dos alunos, pois permitem que visualizem elementos do seu próprio espaço de vi- vência ou, ainda, que visitem virtualmente, por meio de portais que disponibilizam esse tipo de acesso, imagens frontais originadas das imagens de satélite (visão vertical). Os encaminhamentos metodológicos que incluem esses recursos contribuem, de acordo com Mendes (2010, p. 69), para “desenvolver habilidades de observação, descrição, comparação e análise do espaço geográficos”, além de subsidiar o aluno na interpretação, na análise e na atribuição de significado às informações de cunho geográfico com base nas imagens geradas por satélites. A seleção de vídeos para inserção nos encaminhamentos meto- dológicos de Geografia também é facilitada pelos vários portais que os disponibilizam. Justamente devido a essa facilidade, os alunos já chegam à aula de Geografia trazendo muitas informações obtidas por meio desses recursos, o que torna imprescindível inseri-los no ensino e na aprendizagem dessa disciplina. Referindo-se ao potencial pedagógi- co do vídeo, Leite (2014, p. 80) destaca que: permite a repetição; pode ser utilizado individualmente ou em grupos; criação de experiências comuns; ampliação ou redução de objetos; acelera ou retarda processos; possibilita levar ao aluno acontecimentos próximos ou distantes no espaço e no tempo; facilita o entendimento de situações abstratas. Destaca-se outra possibilidade de que os próprios alunos, media- dos pelo professor, realizem a produção de vídeos. Podem ser produ- ções curtas, porém o potencial pedagógico para instigar a reflexão, a 79A didática da Geografia expressão, a criatividade, a habilidade de trabalho em grupo e a atri- buição de significado às informações a partir de conceitos geográficos é significativo. O cinema apresenta expressivas contribuições ao ensino e à aprendizagem de Geografia. Barbosa (2006, p. 111) afirma que o cine- ma “precisa ser utilizado na sala de aula com o objetivo de provocar reflexões para alunos e professores, pois a imagem cinematográfica precisa estar a serviço da investigação e da crítica a respeito da socie- dade em que vivemos”. A principal contribuição do cinema para o ensino de Geografia, con- forme Mendes (2010, p. 82), é o fato de que “o movimento dá aspec- to de realismo às imagens e permite ao espectador conhecer alguma coisa de terras distantes, dos povos diferentes, de costumes e habita- ções”. Na concepção do autor, o filme provoca emoções que podem ser aproveitadas pelo professor para instigar a reflexão, ou seja, “ir da emoção à reflexão”. É válido ressaltar que, ao trabalhar com filme, é necessário que o professor considere que a produção cinematográfica não tem com- promisso com a realidade concreta e com a veracidade dos fatos. Por isso é imprescindível o encaminhamento de atividades que visem con- frontar a abordagem do filme com a realidade dos fatos e dos concei- tos geográficos, para que, dessa forma, garanta-se a cientificidade da aprendizagem e o desenvolvimento da criticidade por parte do aluno. O projeto multimídia se caracteriza por apresentar diferentes fun- ções, embora boa parte dos professores utilize-o apenas para projetar textos. Esse recurso amplia o potencial pedagógico das imagens, sejam fixas ou em movimento, além de agregar sons e animações, permitindo a ampliação das imagens e simulações, o que facilita, para o aluno, a abstração e a apropriação de conceitos. Segundo Mendes (2010, p. 77), esse recurso “contribui de forma sig- nificativa para o trabalho de representações e exposições de conceitos, permitindo, assim, melhor visualização e possibilidade de exploração no diálogo entre professores e alunos”. Faz-se importante citar a neces- sidade de que o projetor multimídia seja inserido na prática pedagógica em uma perspectiva inovadora, e não apenas como uma versão com- putadorizada dos métodos tradicionais. Assim, se antes o conteúdo es- tava na lousa, agora ele apenas está na tela do projetor. 80 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental O trabalho com diferentes recursos didáticos e tecnológicos no ensi- no de Geografia é favorecido se eles estiverem prontamente à disposição do professor e dos alunos. Nessa perspectiva, propõe-se a organização e a utilização do laboratório de ensino de Geografia. Segundo Mendes (2010, p. 89), a importância desse ambiente é evidente, “uma vez que, para a participação ativa dos alunos, faz-se necessário que observem, descrevam, utilizem mapas, globos, amostras etc.”. Ainda de acordo com o autor, sem esse laboratório, além das dificuldades existentes devido à necessidade de o professor precisar fazer o transporte desses recursos do local onde ficam até a sala de aula, é comum a burocracia administra- tiva dificultar ou até impedir sua utilização. 3.4 Avaliação no ensino de Geografia Vídeo Durante o processo de ensino e de aprendizagem de Geografia, é imprescindível verificar as condições para o alcance dos objetivos pro- postos. Nesse sentido, como afirma Libâneo (2013, p. 216), a “avaliação é uma tarefa didáticanecessária e permanente do trabalho docente, que precisa acompanhar passo a passo” os encaminhamentos meto- dológicos adotados. 3.4.1 Funções da avaliação Nessa perspectiva, somente a aplicação de provas e a atribuição de notas para os alunos não são suficientes para validar a aprendizagem e o sentido das ações dos envolvidos na prática educativa. A avaliação, assim, “cumpre funções pedagógico-didáticas, de diagnóstico e de con- trole em relação às quais se recorre a instrumentos de verificação do rendimento escolar” (LIBÂNEO, 2013, p. 16). Não somente os alunos são avaliados, mas também todos os profissionais de educação envol- vidos nesse processo; e, mais diretamente, o professor. Ao abordar a avaliação dos alunos, a LDB n. 9.394/1996, no inciso V do artigo 24, que trata da organização da Educação Básica, estabelece que a verificação do rendimento escolar observará os se- guintes critérios: “avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quan- titativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais” (BRASIL, 1996). 81A didática da Geografia A avaliação, em uma perspectiva qualitativa, equivale a considerar todo o processo ao qual o aluno foi submetido, e não apenas o resulta- do expresso em um número ou conceito. Libâneo (2013, p. 217) desta- ca três tarefas de avaliação: a verificação, a qualificação e a apreciação qualitativa. Vejamos: • Verificação – coleta de dados sobre o aproveitamento dos alunos, por meio de provas, exercícios e tarefas ou de meios auxiliares, como observação de desempenho, entrevistas etc. • Qualificação – comprovação dos resultados alcançados em relação aos objetivos e, conforme o caso, atribuição de notas ou conceitos. • Apreciação qualitativa – avaliação propriamente dita dos resulta- dos, referindo-os a padrões de desempenho esperado. Evidencia-se, dessa forma, que o ato de avaliar envolve reflexão, pois, a partir dos resultados obtidos por meio dos instrumentos de ava- liação, tem-se os subsídios para, com base nos objetivos previamente definidos, promover a avaliação do processo como um todo. 3.4.2 Tipos de avaliação O ato de avaliar requer considerar também as modalidades de ava- liação, suas funções e como contribuir para a análise do ensino e da aprendizagem. Destacam-se três modalidades de avaliação: diagnósti- ca, formativa e somativa. Conforme afirmam Miquelante et al. (2017, p. 267), a avaliação diagnóstica tem como função verificar se os alunos “possuem as habi- lidades para a consecução dos objetivos do conteúdo a ser estudado”. Baseado nesse diagnóstico, o professor encontra os elementos para identificar os saberes prévios do aluno em relação ao conteúdo a ser trabalhado. Se for necessário, o professor poderá fazer adequações para assegurar a aprendizagem. No contexto de ensino e de aprendizagem, a avaliação formati- va se caracteriza por ser processual. Nas palavras de Miquelante et al. (2017, p. 269), “possibilita a interação entre o professor e o aluno ao longo do processo ensino e aprendizagem, uma vez que auxilia os en- volvidos com informações acerca dos objetivos alcançados e os esfor- ços necessários para desenvolver o que ainda não foi atingido”. Assim, o professor pode detectar as dificuldades dos alunos e criar condições para superá-las. 82 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Ainda de acordo com Miquelante et al. (2017, p. 270), a avaliação somativa é normalmente realizada ao final de todo o processo e visa jul- gar o aluno em relação ao desempenho nas situações de aprendizagem criadas pelo professor, com base na avaliação formativa. Esse tipo de avaliação recebe diversas críticas, visto que não regula a aprendizagem, além de expressar apenas os resultados. Essas três modalidades podem incluir uma variedade de instru- mentos de avaliação: atividades teóricas, provas, seminários, elabo- ração de materiais, produção de textos, análise de questões objetivas e dissertativas de avaliações oficiais, trabalhos em grupos, atividades on-line, análise de mapas, elaboração de modelos tridimensionais, além de vários outros. CONSIDERAÇÕES FINAIS É imprescindível que o professor, ao pensar o ensino e a aprendizagem de Geografia, leve em consideração que não basta dominar o conteúdo da disciplina. É preciso dominar também os conhecimentos pedagógicos advindos principalmente da Psicologia da Educação e do campo da didá- tica. Essas áreas subsidiam de forma significativa o trabalho do professor de maneira que ele possa atender às diferentes necessidades dos seus alunos e contribuir para o alcance dos objetivos gerais estabelecidos. Para possibilitar um ensino de Geografia que faça sentido para o alu- no, é necessário envolver sua participação ativa nos encaminhamentos metodológicos, possibilitando o desenvolvimento de habilidades afetivas, cognitivas e motoras. Nessa perspectiva, é importante que o professor conheça as diferentes correntes pedagógicas de pensamento e as con- cepções de didática adjacentes a cada uma delas. Aulas que possibilitem a participação ativa do aluno requerem a definição de objetivos de aprendi- zagem com base na pedagogia ativa, cujo pressuposto didático considera o professor um mediador entre o aluno e o conhecimento. Essa mediação precisa ser planejada tendo como referência as habi- lidades e os objetos do conhecimento abordados nas diretrizes curricu- lares – mais precisamente na BNCC. A definição dos objetivos gerais e específicos possibilita que o professor faça opções metodológicas ade- quadas ao desenvolvimento do perfil de aluno que se deseja formar. Nesse processo, destaca-se a importância da avaliação – não como um meio para medir a aprendizagem, mas como estratégia de reorganiza- ção para garantir que se superem os desafios inerentes à prática de ensino de Geografia. O ato de avaliar envolve reflexão, pois é a partir dos resultados obtidos por meio dos instrumentos de avaliação que se têm os subsídios para, a partir dos objetivos previamente definidos, promover a avaliação do processo como um todo. Nessa perspectiva, diferencie as três modalidades de avaliação da aprendizagem. Atividade 3 83A didática da Geografia REFERÊNCIAS ALMEIDA, R. D. Do desenho ao mapa: iniciação cartográfica na escola. São Paulo: Contexto, 2001. BARBOSA, J. L. Geografia e cinema: em busca de aproximações e do inesperado. In: CARLOS, A. F. A. (org.). A Geografia na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 3 dez. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília, 2018. 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Não, pois a didática estuda as relações entre os conteúdos, o ensino e a aprendizagem. Ela vai além de ensinar a como se dar aula, pois promove reflexões sobre as dimensões sociais, políticas e culturais que envolvem o papel do professor. Além disso, indica métodos e princípios que orientam a prática pedagógica e problematizam as relações que se estabelecem entre educação e sociedade. 2. A consequência seria transferir para a máquina ou para o aparelho eletrônico todo o potencial de reflexão e ação do ser humano. Ao pensar a inserção das tecnologias digitais no ensino e na aprendizagem de Geografia, coloca-se o professor como um agente ativo que percebe o potencial pedagógico dos diferentes meios, possibilitando que o aluno atribua significado à realidade em que ele vive, tendo, para isso, os subsídios dos conhecimentos geográficos. 3. A avaliação diagnóstica visa detectar o nível de domínio dos alunos sobre os conceitos, mesmo que sejam saberes espontâneos. A partir dessa verificação, o professor pode fazer adaptações ou repensar encaminhamentos para possibilitar condições de aprendizagem e permitir, assim, que o aluno se aproprie dos conteúdos. A avaliação formativa envolve todo o processo de verificação da aprendizagem durante os encaminhamentos metodológicos. A avaliação formativa consolida todo o processo, atribuindo ao aluno uma nota que expressará um resultado, seja ele suficiente ou insuficiente. 85A formação de professores A formação de professores 4 A formação de professores é um tema amplo e bastante controverso em seu percurso histórico no Brasil. Permeado de críticas, a ideia tradicional de formação envolve enquadrar ou colocar no formato. Entretanto, considerando a relação entre mudanças na sociedade e demandas para a educação, as ações de formação de professores se ampliaram significativamente. Várias são as questões que instigam calorosos debates sobre a formação do professor, como: qual o perfil do professor que se precisa formar?; quais habilidades o futuro professor precisa desenvolver?; o papel do professor é somente dar aula ou atuar também como um pesquisador?; após formado, o professor está pronto? Além desses desafios, outra inquietação que gera diversas problemáticas de pesquisa e direcionamento de ações é a formação continuada. Mas a quem cabe garantir essa formação? À escola, ao próprio professor ou aos órgãos governamentais de ensino? De qualquer modo, amplia-se a complexidade dessas questões quando se considera as possibilidades de interação e construção de conhecimentos no contexto da sociedade tecnológica. 4.1 Formação de professores de Geografia no Brasil Vídeo Ao se referir aos imperativos do século XXI, como a necessidade de uma cidadania participativa, ampla qualificação dos trabalhadores, desenvolvimento da consciência sobre conservação e preservação dos recursos naturais etc., além das demandas trazidas pela Revolução Técnico-Científica, que se consolida no final década de 1970, Vesentini (2006, p. 238-239) ressalta a contribuição da Geografia e da atuação 86 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental dos professores dessa disciplina para promover ao aluno em formação o entendimento desse contexto. O autor destaca a polêmica que sempre envolve o tema forma- ção do professor de Geografia, pois há um debate sobre a neces- sidade de valorização do ensino de Geografia no bojo da própria ciência geográfica. O contexto dessa problemática envolve ques- tões referentes às propostas distintas para a formação do bacharel em Geografia (geógrafo) e do licenciado em Geografia (professor ou professora) (VESENTINI, 2006). Para o bacharelado, a formação seria mais aprofundada, visando preparar o acadêmico para ser um pesquisador; a licenciatura seria, nas palavras de Vesentini (2006, p. 239), “um curso mais leve, com menos exigência que aquele do bacharelado”. Entretanto, ressalta o autor, “não tem o menor cabimento propor ou realizar (como fazem muitos cursos pelo Brasil (afora), uma separação rígida entre o bacharel e o licenciado, como se esse último não precisasse de uma boa formação científica”. A busca de respostas às dúvidas advindas desse contexto precisa ter como guia as questões: qual perfil do licenciado em Geografia se pretende formar?; para qual escola?; para qual sociedade? Para com- preender a formação de professores de Geografia, é imprescindível co- nhecer sua trajetória no Brasil. 4.1.1 Breve histórico da formação de professores no Brasil Em uma breve digressão histórica sobre a formação de professores no Brasil, Gatti (2010) destaca que os cursos específicos para essa finali- dade surgiram no final do século XIX, com a criação das Escolas Normais, que correspondem hoje ao Ensino Médio. Elas buscavam a formação docente para atuação no nível primário. Essas escolas “continuaram a promover a formação dos professores para os primeiros anos do Ensino Fundamental e a Educação Infantil até [...] [o momento que], a partir da Lei n. 9.394 de 1996, postula-se a formação desses docentes em nível superior” (GATTI, 2010, p. 1356). A formação de professores no Brasil, segundo Pontuschka, Pa- ganelli e Cacete (2007, p. 91), “durante muitos anos representou uma posição secundária na ordem das prioridades educacionais”. Segundo Vesentini (2006), há uma polêmica que sempre envolve o tema formação do professor de Geografia e do bacharel em Geografia. Contextualize essa problemática e levante dois argumentos que favoreçam a licenciatura em Geografia. Atividade 1 87A formação de professores Como resultado, a prática profissional, geralmente, expressa-se de for- ma ordenada e sistematizada pelos sistemas de ensino que trazem ao professor pouca autonomia sobre as decisões do que ensinar, como ensinar e o perfil de aluno que se deseja formar. O processo de expansão da formação de professores em nível superior, no Brasil, teve início em 1968, com a promulgação da Lei n. 5.540. O objetivo era promover uma reforma do Ensino Superior. Em seu artigo 2º, essa lei preconiza que “o Ensino Superior, indissociável da pesquisa, será ministrado em universidades e, excepcionalmente, em estabelecimentos isolados, organizados como instituições de direito público ou privado” (BRASIL, 1968). Entretanto, o queseria uma excepcionalidade tornou-se regra, pois a expansão do Ensino Superior ocorreu pela via da privatização, com o predomínio de ações isoladas por parte das universidades públicas. As instituições de ensino particulares, segundo Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007, p. 91), constituídas, principalmente, como Faculdades de Filosofia, Ciên- cias e Letras, multiplicaram-se no final dos anos 60 e início dos anos 70, no bojo do forte impulso expansionista do ensino su- perior brasileiro, caracterizando-se como locus institucional da formação de professores da Educação Básica. Essa multiplição de instituições não foi, necessariamente, acompa- nhada de uma melhor qualidade na formação de professores. 4.1.2 A formação em Estudos Sociais Contrariando a Lei n. 5.540 (BRASIL, 1968), a expansão do Ensino Superior com forte participação das instituições privadas foi favorecida pela aprovação da Lei n. 5.692 (BRASIL, 1971), que trouxe a criação das licenciaturas curtas polivalentes. Como um desdobramento dessa pro- posta, a formação de professores também foi esvaziada de criticidade, pois previa cursos de curta duração (três anos, em detrimento daque- les de instituições públicas com duração de quatro ou cinco anos). Essa multiplicação de instituições não foi, necessariamente, acompanhada de uma melhor qualidade na formação de professores. Os licenciandos, após um curso de três anos, estavam aptos a ensinar no primeiro grau – eram as chamadas licenciaturas curtas. 88 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Normalmente, esses licenciandos se autodenominavam (e até se autodenominam) professores de Geografia e História. Para ensinar em nível de segundo grau, fazia-se necessária a licenciatura plena – que normalmente durava quatro anos em curso de graduação específico de Geografia ou História. Desse modo, o acadêmico que pretendesse ser professor, em nível de segundo grau, dessas duas disciplinas teria que cursar quatro anos de cada uma delas, somando-se oito anos, enquanto o professor de primeiro grau, apenas três anos. Essa possibilidade de curta duração da formação trouxe como consequência a pouca procura por cursos de graduação em Geografia e História. Essas medidas, conforme Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007, p. 65), “receberam intensas críticas dos geógrafos brasileiros, princi- palmente no que dizia respeito aos Estudos Sociais como campo de integração dos conhecimentos de História e Geografia”. Ressalta-se ser imprescindível a compreensão de que a Geografia e a História são ciên- cias que, embora com estreitas relações, possuem métodos próprios de construção de conhecimentos, pois a herança dos Estudos Sociais, ainda em nossos dias, é comum. Entretanto, a junção da Geografia e da História como uma única disciplina é equivocada. Destacam-se como exemplos desses equívocos: materiais didáticos com a terminologia Estudos Sociais; atribuição de aulas de Geografia a quem é formado em História ou vice-versa; disciplina em cursos de formação de professores denominada Estudos Sociais. Conforme afirmam Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007), du- rante mais de 30 anos, uma parcela significativa dos professores de Geografia se formaram em instituições privadas em curto período (dois ou três anos), com abordagem de conteúdos fragmentada e destituída de criticidade e capacidade de pesquisa. Observa-se, so- mente ao final da década de 1990, um movimento de valorização da formação e da profissão docente. Os novos paradigmas, segundo Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007, p. 92), “partem do reconhecimento da especificidade dessa formação e da necessidade dos saberes constitutivos da docência, na perspectiva da emancipação do profissional”. É importante destacar que, em nossos dias, estamos em um momento de transição entre o modelo de forma- ção tradicionalmente consolidado e a criação de condições concretas para essa emancipação. Converge para essa perspectiva de emancipa- ção na formação docente a afirmação de Vesentini (2006, p. 239): 89A formação de professores a orientação para um curso de Geografia que pretenda formar bons profissionais (docentes ou não, tanto faz) é ter um ade- quado curso básico: que seja pluralista e contemple as diversas áreas e tendências da ciência geográfica; que esteja voltado não para produzir especialistas e sim para desenvolver nos alunos a capacidade de ‘aprender a aprender’, de pesquisar, de observar, ler e refletir, de desconfiar de clichês ou estereótipos, de ter ini- ciativa e capacidades próprias. Considera-se essa a dimensão da formação do professor de Geo- grafia, ou seja, a capacidade crítica para atribuir significados às infor- mações que recebe e produzir conhecimentos confiáveis. A Geografia, ao analisar o espaço geográfico, precisa estar em consonância com as abordagens contemporâneas, as demandas do tempo presente e as contradições que marcam a sociedade. Nesse sentido, para promover um ensino e uma aprendizagem que façam sentido para os alunos, evidencia-se a necessidade de um professor de Geografia apto a ler a realidade e problematizá-la, de modo a subsidiá- -los para a leitura da realidade na qual estão inseridos. É imprescindível que o professor desenvolva sua autonomia na busca do próprio conheci- mento – habilidade que precisa ser desenvolvida durante o seu curso de graduação e na formação continuada. O que a Lei n. 5.692 (BRASIL, 1971) preconizou para a forma- ção de professores de Geografia e por que é alvo de críticas em relação à qualidade dessa formação? Como isso se refletiu na prática pedagógica? Atividade 2 4.2 Formação continuada Vídeo No Brasil, durante décadas, desde a criação das Escolas Normais, concebia-se a formação de professores como um processo que termina- va quando o futuro docente concluía seus estudos. As políticas de forma- ção de professores são estratégias que passaram a ser implantadas, de acordo com Lima (2006), a partir da década de 1980. Atualmente, as pro- duções científicas, as propostas e as ações contemporâneas de forma- ção de professores centram-se, conforme Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007, p. 92), “na formação como um processo permanente, marcado pelo desenvolvimento da capacidade reflexiva, crí- tica e criativa, conferindo ao professor autonomia na profissão”. A LDB n. 9.394/1996, em parágrafo único 2 , afirma: “garantir-se-á formação continuada para os profissionais [...], no local de trabalho ou em 2 Incluído pela Lei n. 12.796, de 2013. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/cci- vil_03/_ato2011-2014/2013/ lei/L12796.htm. Acesso em: 5 dez. 2019. 90 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental instituições de Educação Básica e superior, incluindo cursos de educa- ção profissional, cursos superiores de graduação plena ou tecnológi- cos e de pós-graduação” (BRASIL, 1996). A importância dessa garantia é destacada por Veiga e Viana (2012, p. 16), pois o professor precisa “estar preparado para trabalhar com uma nova concepção de currículo, de avaliação, de gestão”. Nessa perspectiva, busca-se assegurar tam- bém que o trabalho docente resulte na formação de cidadãos críticos e participativos na dimensão política e produtiva da sociedade. 4.2.1 A LDB 9.394/1996, as DCNs, o PNE e a formação continuada Em convergência com a LDB n. 9.394/1996, as Diretrizes Curricu- lares Nacionais (DCNs) para a Formação de Professores da Educa- ção Básica, lançadas em 2000, e suas reformulações 3 De acordo com Dourado (2015, p. 300), no âmbito do Conselho Nacional de Educação (CNE), houve movimentação em direção à busca de maior organicidade para a formação de profissionais do magistério da Educação Básica, incluindo a rediscussão das Diretrizes e outros instrumentos normativos acerca da formação inicial e continuada. 3 , assim como o Plano Nacional de Educação 2014 (PNE), entre outros aspectos, legislam sobre a formação continuada de professores da Educação Básica. Pautadas nesses referenciaisse direcionam várias ações de formação continuada. O entendimento das ações de formação continuada de professores no Brasil requer a compreensão da dimensão conceitual que as envolvem. De acordo com Castro e Amorim (2015, p. 37), é preciso “desmistificar o entendimento de formação continuada como treinamento e reparação, implícito em muitas ações governamentais”. Para além de suprir os pro- fessores com pacotes pedagógicos e materiais instrucionais, ainda segun- do os autores, a formação continuada precisa se constituir um “processo de desenvolvimento profissional dos sujeitos, para o qual uma dimensão experiencial, e não apenas técnica, deve ser alcançada”. Em uma análise do conceito de formação continuada, Gatti (2008, p. 57) destaca que “as discussões sobre o conceito de educação continuada nos estudos educacionais não ajudam a precisar o con- ceito”. Trata-se de um termo guarda-chuva sob o qual “se abrigam desde cursos de extensão de natureza bem diversificada até cursos de formação que outorgam diplomas profissionais, seja em nível médio, seja em nível superior” (GATTI, 2008, p. 57). É comum esses cursos ocorrerem por meio da modalidade de educação a distância ou semipresencial. No site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) você encontra informa- ções e artigos sobre as ações e programas de formação de professores. Para conhecê-lo, acesse: https:// www.fnde.gov.br/index.php/ programas/par/eixos-de-atua- cao/formacao-de-professores- -e-profissionais. Acesso em: 18 dez. 2019. Saiba mais+ 91A formação de professores A análise revela ainda que há situação em que o termo é tomado como amplo e genérico “compreendendo qualquer tipo de atividade que venha a contribuir para o desempenho profissional” (GATTI, 2008, p. 57). São exemplos dessas atividades: planejamento coletivo, reuniões pedagógicas, elaboração conjunta de projetos, prestação de concursos e participação em palestras, seminários e cursos em diversos formatos. A formação precária de parte significativa dos professores, se- gundo Gatti (2008, p. 58), é constatada “por vários meios (pesquisas, concursos públicos, avaliações), de que os cursos de formação básica dos professores não vinham (e não vêm) propiciando adequada base para sua atuação profissional”. Nesse sentido, várias iniciativas volta- das à formação continuada foram direcionadas para sanar problemas concretos, principalmente da educação pública, porém boa parte des- sas iniciativas tomam a “feição de programas compensatórios, e não propriamente de atualização e aprofundamento em avanços do co- nhecimento, sendo realizados com a finalidade de suprir aspectos da má-formação anterior” (GATTI, 2008, p. 58). Ressalta-se, nesse contexto, que a “formação continuada de profes- sores no Brasil possui uma trajetória histórica e sócio-epistemológica marcada por diferentes concepções, que não se constituíram a priori, mas que vêm emergindo das diversas concepções de educação e socie- dade presentes na realidade brasileira” (ARAÚJO; ARAÚJO; SILVA, 2015, p. 59). Entretanto, nem sempre essas concepções estão comprometi- das com a realidade na qual o professor e seus alunos estão inseridos. 4.2.2 A formação continuada como espaço de reflexão A formação continuada precisa ter como base uma concepção crí- tico-reflexiva, que é resultado dos intensos debates ocorridos a partir da década de 1990. De acordo com Araújo, Araújo e Silva (2015, p. 60), essa concepção vem se constituindo por meio de um esforço coletivo de inte- lectuais, pesquisadores e professores que nos últimos anos vêm buscando reinventar, a partir de estudos, pesquisas e práticas institucionais, uma maneira mais pertinente de formar continua- mente os professores, já que o modelo convencional, liberal-con- servador, estava sendo bastante questionado, principalmente, pela sua ineficácia. 92 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Para tanto, é necessário que as ações de formação continuada ins- tiguem o professor a refletir sobre os desafios educacionais contem- porâneos. Assim, o espaço para formação do professor é a sua própria escola e os conteúdos advêm da realidade na qual ele e seus alunos estão inseridos. Segundo Araújo, Araújo e Silva (2015, p. 60), “a postura reflexiva não requer apenas do professor o saber fazer, mas que ele possa saber explicar, de forma consciente, a sua prática e as decisões tomadas sobre ela e perceber se essas decisões são as melhores para favorecer a aprendizagem do seu aluno”. Essa perspectiva converge de modo significativo para evidenciar as contribuições da formação continuada à prática de ensino em Geogra- fia no Ensino Fundamental, pois cria condições para reflexões sobre o trabalho didático desenvolvido e problematizações que podem instigar o professor de Geografia à investigação. Assegura-se, assim, o desen- volvimento de habilidades de pesquisa – tão importantes para a prática docente de Geografia. Conforme Suertegaray (2006, p. 111), pesquisa “significa compreen- der o mundo, mediante respostas que construímos sobre esse mesmo mundo. Essas respostas são expressões da interação entre sujeitos e objeto”. Nesse sentido, a educação continuada do professor de Geo- grafia visa educar para a pesquisa. Considerando a dinamicidade do es- paço geográfico, é necessário que o professor esteja constantemente se atualizando, de forma a problematizar com o aluno o impacto des- sas dinâmicas, que envolvem inovações e transformações no espaço de vivência do aluno. Desse modo, é essencial que a formação continuada envolva a dimensão da reflexão e da pesquisa com um professor, conforme Vesentini (2006, p. 239), que “acompanhe os debates, os novos temas e as novas ideias, que é incentivado a observar e pensar por conta própria, que adquire um domínio mínimo de técnicas de pesquisa, de levantamento em bibliotecas ou arquivos etc.”. Com isso, instiga-se a formação de um profissional reflexivo sobre sua própria prática e que promove com os alunos processos de aprendizagem ativos e, também, reflexivos sobre o espaço e o tempo em que vivem. Ainda, uma dimensão importante a ser considerada na formação continuada do professor de Geografia é a relação entre teoria e prática, que, conforme destaca Callai (2006, p. 256), precisa ter “a perspectiva 93A formação de professores do pedagógico, do educador e da ciência com que se está trabalhando, para não cair em conteudismo ou em uma ‘capa’ metodológica sem conteúdo”. Assim, ao enfocar a relação entre teoria e prática, o profes- sor precisa, a partir de encaminhamentos práticos, provocar no aluno a vontade de aprender. Nesse sentido, de acordo com Souza (2006, p. 265), “voltado para a vida prática do educando, o ensino deve pressupor a construção de uma postura crítica da realidade na qual está inserido”. A aprendiza- gem requer processos ativos de interação entre os sujeitos envolvidos no processo e com o objeto do conhecimento. Evidencia-se, assim, a importância da perspectiva de se conceber o aluno como agente ativo da própria aprendizagem. As reflexões sobre essa dimensão da apren- dizagem requerem, também na formação continuada, o trabalho em uma perspectiva ativa. 4.3 Metodologias ativas na formação de professores Vídeo Diante dos desafios educacionais contemporâneos, interpostos ao trabalho com o ensino de Geografia no Ensino Fundamental, segundo Almeida (2018, p. ix), “é premente retomar o significado, o sentido, as teorias e as possibilidades de desenvolvimento da prática pedagógica por meio das metodologias ativas”. Nessa perspectiva, repensa-se, so- bretudo, as práticas centradas em quem ensina e na passividade de quem aprende. 4.3.1 O que são metodologias ativas As metodologias ativas, de acordo com Moran (2018, p. 4), “são es- tratégias de ensino centradas na participação efetiva dos estudantes na construção do processo de aprendizagem, de forma flexível, interligada e híbrida”. Assim, enfatiza-se o papel do protagonismodo estudante e seu envolvimento direto na reflexão, na experimentação, no desenho, na criação, no levantamento de hipótese e na síntese, mediados pela orientação do professor. Esse processo recebe a contribuição da aprendizagem híbrida que, conforme Moran (2018, p. 4), “destaca a flexibilidade, a mistura e com- partilhamento de espaço, tempos, atividades, materiais, técnicas e 94 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental tecnologias que compõem esse processo ativo”. Portanto, essa pers- pectiva de aprendizagem traz contribuições significativas e ampliam as possibilidades de interação, aumentando as oportunidades de forma- ção continuada do professor. Moran (2018, p. 4) ainda ressalta que “as metodologias ativas, num mundo conectado e digital, expressam-se por meio de modelos híbridos, com muitas possibilidades de combinação”. Nesse sentido, considerando as possibilidades de interação, compartilhamentos de informações e saberes e criação conjunta trazidas pelas tecnologias di- gitais, nota-se que essas ferramentas convergem para a aprendizagem ativa, ampliando a capacidade de percepção, crítica e análise. Embora o trabalho com metodologias ativas, ainda que com cer- tas resistências, tenha sido impulsionado em nossos dias, não se trata de uma prática e de um embasamento teórico novo. Segundo Mattar (2018, p. 9), “nos Estados Unidos, John Dewey (1859-1952) já defendia há mais tempo o learning-by-doing ‘aprender fazendo’, que também en- volve participação ativa do aluno no processo de ensino e aprendiza- gem”. Seria, portanto, uma retomada dos princípios da Escola Nova. Outra evidência de que não se trata de uma novidade, citada por Mattar (2018, p. 9), é a abordagem de “Paulo Freire (1921-1997) e sua defesa de uma educação interativa e dialógica, pressupondo corres- ponsabilidade do aluno por seu processo de aprendizagem, contra o que denominou de 'educação bancária'”. Nessa concepção de educa- ção, o aluno se caracteriza como um ser passivo, e o professor deposita todos os conteúdos que, uma vez “aprendidos”, poderão ser utilizados em algum momento futuro de vida do estudante. Destaca-se, assim, uma retomada de pressupostos pedagógicos que já foram, em maior ou menor proporção, debatidos e deram ori- gem a diferentes propostas. Entretanto, evidencia-se que, por maiores que tenham sido os esforços de rompimento com o modelo tradicional de ensino ao longo do tempo, não se converteram em modelos que possibilitassem transformações significativas no processo formal de ensinar e aprender. Por esse motivo, a constante busca por inovações e ressignificação de pressupostos já debatidos, como se configura a aprendizagem ativa, são a gênese da pedagogia ativa. Entretanto, as demandas por transformações do sistema de edu- cação formal, ou seja, aquele que é organizado, sistematizado e acom- CUNHA, M. I. da. O bom professor e sua prática. Campinas: Papirus Editora, 2013. Na obra, a autora analisa o cotidiano e as práticas de sala de aula de vários professores. Ela ressalta as práticas comprometi- das em possibilitar a rea- lização do professor no trabalho, convertendo-se em resultados para os alunos. Livro 95A formação de professores panhado pelos profissionais de educação, continuam cada vez mais intensas. Um exemplo dessas demandas se expressa em nossos dias, na prática pedagógica, pela necessidade de inserção das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). A intensa expansão dessas ferramentas, de acordo com Almeida (2018, p. ix), “utilizadas em diferentes espaços, tempos e contextos, observada na segunda década do século XX, gerou e continua geran- do mudanças sociais que provocam a dissolução das fronteiras entre espaço virtual e espaço físico e criam um espaço híbrido de conexões”. Esse contexto propicia novas maneiras de se organizar o ensino e a aprendizagem, uma vez que a relação entre o sujeito e o objeto de estudo passa a ser mediada pelas TICs, que ampliam as possibilidades de observação, identificação, exemplificação, simulação, levantamen- to de hipóteses, seleção de informações e acesso ao conhecimento. Ressalta-se, assim, a importância da formação continuada para que o professor, como afirma Almeida (2018, p. xii), explore o potencial das tecnologias e mídias digitais no desenvolvimen- to de metodologias ativas em um contexto sócio-histórico [que parte] da experiência associada com a reflexão apoiada na teoria para extrair o significado da relação entre prática e teoria e criar referências que possam influenciar experiências posteriores. Assim, em um contexto de rompimento com a concepção de que os conceitos são cristalizados e podem ser simplesmente transmitidos ao aluno, o trabalho com as metodologias ativas pode proporcionar a autonomia docente para as atividades de pesquisa. Considerando os reflexos da globalização e das demandas impostas pelo capitalismo em diferentes escalas geográficas, há a necessidade constante de ressigni- ficação dos conceitos geográficos. 4.3.2 Metodologias ativas e autonomia para pesquisa Referindo-se à pesquisa na formação do professor de Geografia, Suertegaray (2006, p. 110) destaca essa necessidade ao afirmar que se “mudou a concepção de educação, a concepção de construção de conhecimento. Hoje, valoriza-se o processo de investigação, como um entre outros métodos de reconhecimento do mundo”. 96 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Pressupõe-se que ao conceber sua própria aprendizagem como um processo ativo e mediado pela pesquisa, o professor poderá en- caminhar atividades que instiguem também os seus alunos a desen- volverem a autonomia e a assumir o protagonismo na construção de conhecimentos. Nesse sentido, concebe-se o professor como um orien- tador ou mentor, pois, segundo Moran (2018, p. 4), seu “papel é ajudar os alunos a irem além de onde conseguiriam ir sozinhos, motivando, questionando, orientando”. Para o trabalho na perspectiva das metodologias ativas, além da formação continuada do professor, é preciso considerar as somas de ações coletivas para atingir os resultados, pois a ressignificação dos conceitos pedagógicos é imprescindível não somente para o professor. Como ressalta Moran (2018, p. 4), “para que tudo isso aconteça, todo o ambiente escolar – gestão, docência, espaços físicos e digitais – precisa ser acolhedor, aberto e criativo”. Destaca-se a necessidade de apoio ao trabalho do professor por parte da gestão e da soma de ações de todos os envolvidos na prática educativa. Dessa forma, provêm-se as condições propícias para os encaminhamentos metodológicos à aprendizagem ativa. Nesse contexto, possibilita-se ao professor ter à disposição os subsí- dios teóricos e materiais para variar as estratégias de ensino e aprendi- zagem, o que é essencial para as metodologias ativas. A aprendizagem ativa requer, segundo Coimbra (2019, p. 2), uma série de situações edu- cativas, como: “o dinamismo das aulas, participação dos alunos, inte- gração, inclusão, trabalho em grupo, motivação, interesse dos alunos e atendimento das diferenças individuais na aprendizagem”. Ressalta-se, entretanto, que essas situações se concretizam a partir das condições que o professor tem à disposição para possibilitar ao aluno a construção da aprendizagem. Dentre as situações citadas, destaca-se o atendimento individual ou a aprendizagem personalizada, que, para Moran (2018, p. 5), “é o movi- mento de construção de trilhas que façam sentido para cada um, que os motivem a aprender, que ampliem seus horizontes e levem-nos ao processo de serem livres e autônomos”. Esse pressuposto é considerado essencial para a formação de profes- sores, pois possibilita a esse profissional ir ao encontro de suas necessida- 97A formação de professores des e interesses. Permite-se aos professores o desenvolvimento, segundo Moran (2018, p. 5), de “todo o seu potencial, motivá-los, engajá-los em pro- jetos significativos, na construção de conhecimentosmais profundos e no desenvolvimento de competências mais amplas”. Esse processo recebe a contribuição das tecnologias digitais e das redes de aprendizagem. 4.4 Formação de professores em rede Vídeo A palavra rede, segundo Mousinho (2007, p. 301), “vem do latim, [e] vamos encontrar diversas acepções, com elementos que se repetem: malha, tecido, entrelaçamento, emaranhado, conjunto, totalidade”. A abordagem da formação de professores em rede requer a análise de um termo que é carregado de significados, ambíguos e, às vezes, insuficientes. 4.4.1 O conceito de rede Considerando a insuficiência comum em relação ao conceito de rede, cita-se como exemplo a concepção de Siemens (2005), analisada por Mendes e Mendes (2018, p. 60), que “a define como se fosse apenas mais um recurso ou ferramenta que promove conexões”. Mas trata-se de um conceito insuficiente, pois bastaria o indivíduo estar conectado a uma rede para que ocorresse interação e aprendizagem. Se apenas estiver conectado, o indivíduo irá “ter acesso às informa- ções sem confiabilidade [porém, não irá] desenvolver um processo de transformá-las em conhecimentos, o que o deixaria preso na informa- lidade ou a ideias do senso comum” (MENDES; MENDES, 2018, p. 60), Observa-se facilmente o exposto pelos autores na análise da comu- nicação que ocorre em grupos de discussão disponíveis em redes so- ciais. Normalmente, o grupo tem um tema, porém, como não há uma mediação formal do debate, é comum os seus integrantes postarem comentários com as mais diversas posições, sem, necessariamente, es- tarem esclarecidos sobre as ideias que estão expressando. Nesse sentido, ressignificando o conceito de rede, Vermelho, Velho e Bertoncello (2015, p. 866) afirmam que “é uma construção linguística e cultural, apoiada sobre práticas observacionais que foram se cons- tituindo ao longo da história humana”. Evidencia-se, assim, conforme Mendes e Mendes (2018, p. 61), que “as redes potencializam a apren- 98 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental dizagem, no entanto, faz-se necessário considerar as relações e me- diações que ocorrem nesse processo, já que a simples conexão física à rede não garante o processo de apropriação ativa de conhecimentos”. Diante desses pressupostos, é preciso que, nas mediações que ocorrem em rede, seja assegurado o processo de atribuição de signi- ficado às informações recebidas, de forma a garantir a confiabilidade na construção de conhecimentos. Desse modo, as redes podem trazer contribuições importantes para a formação de professores. No entanto, considerando a amplitude do conceito de rede, con- cebe-se essa contribuição da formação de redes como soma de ações institucionais 4A Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação Básica, constituída em julho de 2004, surgiu como resposta à necessidade de articular a pesquisa, a produção acadêmica à formação dos educadores, processo que não se completa por ocasião do tér- mino de seus estudos em cursos superiores” (BRASIL, 2008, p. 1). Essa rede “conta com a participação dos Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação, com os sistemas de ensino público e a participação e coordenação da SEB/MEC”. (BRASIL, 2008, p. 23) 4 para a formação inicial e continuada; e, ainda, como ampliação das possibilidades de aprendizagem em rede. 4.4.2 Aprendizagem em rede Com a disseminação das tecnologias digitais ampliando as possibili- dades interativas, permitindo o contato de pessoas que estão nas mais diversas localidades da superfície terrestre, surgem as comunidades virtuais, que, por sua vez, potencializam a aprendizagem, pois, segundo Maturana (1994, p. 26, tradução nossa), “o educar ocorre o tempo todo, de forma recíproca, como resultado de uma transformação estrutural e uma história de convivência que faz as pessoas aprenderem a viver e conviver na sociedade na qual estão inseridas”. Nesse contexto, é inegável a aprendizagem que ocorre por meio das mais variadas comunidades virtuais. No entanto, para que se consti- tuam em meios de produção de conhecimentos em uma perspectiva científica, são necessárias, segundo Moran (2018), a sistematização e a mediação, ou seja, orientação de pessoas mais experientes, como tutor, curador, mediador, mentor etc. Desse modo, considerando as especificidades da aprendizagem em rede, no contexto da formação de professores, garante-se a cientificidade do processo. Em uma comunidade virtual, conforme Gonçalves (2006, p. 51), “as pessoas se associam em torno de ideias, de interesses e de metas co- muns, de identidade e de valores compartilhados, e cada vez mais tem sido fortalecida a ideia de comunidade como união das pessoas em torno de objetivos comuns”. Esses pressupostos se aplicam de forma significativa à formação de comunidades científicas virtuais, que já vêm 99A formação de professores ocorrendo há quase duas décadas. Estudos realizados por Pinheiro (2003) já evidenciavam que a comunidade de pesquisadores brasileiros parece ter incorpo- rado, no seu cotidiano científico, as tecnologias de rede, na ação de desenvolver pesquisas e gerar conhecimentos, e tem cons- ciência dos impactos decorrentes das redes eletrônicas, favo- recendo a expansão das comunidades científicas, facilitando e intensificando a comunicação e ampliando o acesso aos diversos recursos de informação criados na rede. Tendo como referência os nossos dias, observa-se que as possibi- lidades de aprendizagem em rede foram ampliadas, pois novas ferra- mentas vão sendo desenvolvidas. Entretanto, a facilidade de acesso às informações, pela sociedade em geral, e o potencial interativo das fer- ramentas não se converteu em uma habilidade efetiva de construção de conhecimentos. Evidencia-se um paradoxo, pois nunca foi tão fácil ter acesso à in- formação, porém nunca se observou um volume tão considerável de pessoas desinformadas, diante de um “mundo de informações”. Na concepção de Standing (2014, p. 40), “o mundo digitalizado não tem respeito pela contemplação ou reflexão; ele proporciona a estimulação e a gratificação instantâneas, forçando o cérebro a dar mais atenção às decisões e reações de curto prazo”. Nesse grande volume de informações, segundo Standing (2014), a atenção do sujeito em relação ao objeto, que pode ser o conhecimento, é desfocada; ou seja, vários estímulos de cores, sons e animações causam uma sobrecarga de informação que interfere na capacidade de concen- tração e construção efetiva do conhecimento. O autor destaca o mito da multitarefa, pois o indivíduo se sente impelido a realizar diversas tarefas de uma só vez, os quais são chamados de multitarefeiros. Para ele, os multitarefeiros são excelentes candidatos ao precariado, uma vez que têm mais problemas em se concentrar e mais dificulda- des em excluir a informação irrelevante ou perturbadora. Inca- pazes de controlar seu uso do tempo, eles sofrem de estresse, o que corrói a capacidade de manter uma mente desenvolvente que percebe a aprendizagem reflexiva com uma perspectiva de longo prazo. Resumindo, o multitarefeiro sofre de sobrecarga de informação sem um estilo de vida que pudesse dar aos seus membros o controle e a capacidade de peneirar a informação que é útil da que é supérflua. (STANDING, 2014, p. 40) 100 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Segundo o autor, o termo multitarefas se refere às tarefas com de- mandas de atenção, e não às já automatizadas. Ressalta-se, assim, que a simples interação do sujeito com as diferentes comunidades virtuais não é suficiente para que ocorra a aprendizagem em rede. Há um nú- mero significativo de comunidades virtuais pseudocientíficas e a falta de atenção efetiva, a seletividade das informações e a atribuição de cri- térios de confiabilidade podem mais (des)informar do que possibilitar a construção de conhecimentos. Desse modo, enfatiza-se a necessária precaução quanto à participa- ção nas comunidades virtuais, poiso professor de Geografia desavisa- do, que pauta o conhecimento necessário para encaminhar suas aulas em debates de grupos do Facebook, fóruns informais e comentários de reportagens jornalísticas, por exemplo, pode prestar um desserviço na prática docente. Nessa perspectiva, para que realmente se garanta a aprendizagem em rede, é necessário considerar alguns critérios, como: existe uma mediação formal dos debates?; os conceitos apresentados estão de- vidamente referenciados?; há uma instituição de ensino responsável pela mediação de todo o processo?; os participantes estão devidamen- te identificados por meio de critérios de confiabilidade? Tendo como base a criticidade e a confiabilidade em relação às co- munidades virtuais, é inegável a contribuição das interações para o processo de aprendizagem em rede – e se formalmente consolidadas em instituições de ensino ou órgãos oficiais, também servem para a formação continuada do professor de Geografia. CONSIDERAÇÕES FINAIS A compreensão das ações de formação do professor de Geografia no Brasil requer considerar sua evolução histórica. A partir da implantação das Escolas Normais, formava-se o professor generalista, que ensinava também Geografia. Na década de 1960, a ampliação da escolaridade em números de aluno para o ensino secundário passou a ter a exigência do professor formado em Geografia. Uma vez promulgada a Lei n. 5.692/1971, extinguiu-se no ensino primá- rio a disciplina de Geografia, pois seus conteúdos, juntamente com os da disciplina de História, foram diluídos em um único componente curricular chamado Estudos Sociais. Tal junção objetivou esvaziar todas as aborda- Considerando que a dissemi- nação de tecnologias digitais ampliou as possibilidades de interação, diversas formas de obtenção de informações e participação em comunidades virtuais estão à disposição do professor. Quais as precauções que o professor precisa considerar ao participar dessas comunidades? Atividade 3 101A formação de professores gens críticas que seriam possíveis por meio das ciências de referência. Essa lei trouxe em seu bojo uma formação “apressada”; foram as chamadas li- cenciaturas curtas, em que o estudante, após dois ou três anos de estudos, saía habilitado para dar aulas nos primeiro e segundo graus de ensino. Com a redemocratização do país, a partir da década de 1980, ganham força os movimentos de renovação da Geografia e retoma-se, então, a disciplina e, mais tarde, a exigência da graduação nessa área. Com a pro- mulgação da Lei n. 9.394/1996, são retomadas as políticas de formação de professores. Em nossos dias, vários são os desafios colocados para a prática docen- te e, mais especificamente, para a área de Geografia. As dinâmicas que alteram a configuração espacial são constantes. Portanto, é necessário que o professor de Geografia esteja apto a construir saberes para mediar a relação entre o aluno e os conhecimentos geográficos. Desse modo, a constante atualização, que pode receber a contribuição dos ambientes virtuais, e a aprendizagem em rede asseguram ao professor o encaminha- mento da prática de ensino de forma a auxiliar o aluno no entendimento de sua realidade. REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. E. B. Apresentação de: BACICH, L.; MORAN, J. (org.) Metodologias ativas para uma aprendizagem inovadora. Porto Alegre: Penso, 2018. p. XIX-XIII. ARAÚJO, C. M.; ARAÚJO, E. M.; SILVA, R. D. Para pensar sobre a formação continuada de professores é imprescindível uma teoria crítica de formação humana. Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 95, p. 57-73, jan.-abr., 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ ccedes/v35n95/0101-3262-ccedes-35-95-00057.pdf. Acesso em: 5 dez. 2019. BRASIL. Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 28 nov. 1968. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5540. htm. Acesso em: 5 dez. 2019. BRASIL. 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O primeiro argumento seria que o professor também precisa dominar habilidades de pesquisa; o segundo, a necessidade de valorização da formação em licenciatura, pois é o campo mais propício para atuação profissional. 2. A Lei n. 5.692/1971 preconizou que a formação do professor ocorresse em menor tempo, o que esvaziou a possibilidade de habilidades de crítica à realidade. Assim, formavam-se profissionais precariamente preparados para o trabalho com os conteúdos da Geografia, já que eram formados para trabalhar com Estudos Sociais. Isso se refletiu na péssima qualidade da prática pedagógica desses professores. 3. O professor precisa estar atento a requisitos que assegurem a confiabilidade das informações recebidas, como a instituição à qual a comunidade está vinculada, a identidade dos participantes e a correspondência dos conceitos com a vertente científica. Caso contrário, o professor poderá prestar um desserviço, uma vez que pautará sua prática pedagógica em conceitos equivocados. 104 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Desafios do ensino de Geografia 5 Por melhor que tenha sido o planejamento de uma aula de Geografia, considerando as características dos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, o professor encontrará diversos desafios em seu desenvolvimento. Pode surgir a necessidade de se repensar os encaminhamentos, tanto devido ao entusiasmo dos alunos em querer saber mais quanto ao pouco interesse ou às dificuldades em aprender. Nesse sentido, a prática do ensino de Geografia requer considerar as diferentes formas de aprendizagem, as diferentes interações com as quais os alunos estão familiarizados a partir, por exemplo, das tecnologias digitais. Surgem, assim, diversas possibilidades de inovação do ensino de Geografia. O professor precisa estar atento à forma como os alunos aprendem, detectando quais as peculiaridades e necessidades de cada um. Desse modo, pode-se propiciar aos alunos uma aprendizagem significativa dos conceitos geográficos, de modo que se evidencie como eles se aplicam ao seu espaço de vivência e às suas relações com a produção do espaço geográfico. 5.1 Inovação apoiada por tecnologias Vídeo Dadas as demandas por novas metodologias de ensino que apro- veitem o potencial dos recursos tecnológicos no ensino e na aprendi- zagem, várias ações são direcionadas tendo em vista a inovação desse processo. Nesse sentido, nem sempre as ações se constituem em ino- vações. Por isso, é necessária uma compreensão sobre a problemática que envolve esse conceito. Desafios do ensino de Geografia 105 5.1.1 O conceito de inovação no contexto educacional A análise das inovações no contexto educacional, segundo Tavares (2019, p. 4), “advém do suposto de que a educação, em qualquer dos seus moldes e em qualquer das suas características, só adquire sig- nificação quando observada como parte do processo sócio-histórico”. Sem considerar essa perspectiva histórica, como afirma Messina (2001, p. 226), “têm-se legitimado propostas conservadoras, homogeneizado políticas e práticas e promovido a repetição de propostas que não con- sideram a diversidade dos contextos sociais e culturais”. Em uma perspectiva histórica, têm-se, em diversos países do con- tinente europeu e no Brasil, as chamadas experiências inovadoras em educação, que passaram a se intensificar a partir da década de 1960 (TAVARES, 2019). Tais experiências impulsionaram publicações, a partir da década de 1970, pela Organização das Nações Unidas para a Educa- ção, Ciência e Cultura – Unesco. Segundo Tavares (2019), entre essas pesquisas se destacam: Comen- tários sobre as mudanças na educação: contribuição para o estudo de ino- vação 1 , de Allen Michael Huberman, publicada em 1973; e Resolvendo o problema educacional: a teoria e a realidade da inovação nos países em desenvolvimento 2 , de Ronald Havelock em coautoria com Allen Michael Huberman, publicada em 1977. Entretanto, os esforços dessas obras citadas centram-se em apresen- tar princípios e modelos experimentais. Conforme Messina (2001, p. 225), “nos anos sessenta e setenta, a inovação foi uma proposta predefinida para que outros a adotassem e instalassem em seus respectivos âmbitos”. Na década de 1980, no contexto do debate sobre inovação e edu- cação, destaca-se a publicação da obra Inovação educacional no Bra- sil: problemas e perspectivas que, de acordo com Tavares (2019), com o apoio da Fundação Carlos Chagas, reuniu textos de vários autores, abordando os desafios da inovação no campo educacional no Brasil. Observa-se também, na década de 1990, conforme Messina (2001, p. 226), uma “fragilidade teórica do conceito de inovação para expli- car os processos inovadores que são desenvolvidos na educação [...]. A elas acrescente-se o fato de que a inovação foi assumida como fim em Título traduzido pelo autor, do original: Comment s’opèrent les changements en éducation: contribution à l’étude de l’innovation. 1 Título traduzido pelo autor, do original: Solving educational problems: the theory and reality of innovation in developing countries. 2 106 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental si mesma e como a solução para problemas educacionais estruturais e complexos”. Esses problemas se referem à falta de infraestrutura e formação docente adequada. Após esse período, verifica-se uma estagnação nos debates sobre o tema. Como afirma Tavares (2019, p. 5), “não houve um avanço sig- nificativo da discussão acerca dos sentidos e contornos da inovação. Não apareceram outras obras de grande expressão que se propuse- ram debater sobre as diferentes acepções desse fenômeno dentro do contexto educacional”. Segundo Messina (2001, p. 226), em um esforço de conceituação de inovação, dois componentes importantes precisam ser considera- dos na reflexão: “a) a alteração de sentido a respeito da prática corren- te e b) o caráter intencional, sistemático e planejado, em oposição às mudanças espontâneas”. Nessa perspectiva, evidencia-se a dimensão humana desse processo, pois se entende que o ato intencional, sis- temático e planejado caracteriza-se como habilidade eminentemente própria do ser humano. Relacionando o exposto aos propósitos educacionais, Messina (2001, p. 226)destaca que “a inovação é algo aberto, capaz de adotar múltiplas formas e significados, associados com o contexto no qual se insere”. Desse modo, a inovação, enquanto processo, não tem um fim em si mesma, mas em uma perspectiva de repensar a realidade educa- cional com o objetivo de transformá-la. 5.1.2 O professor na perspectiva da inovação Apesar de não se referir especificamente sobre a relação entre inovação e educação, Plonski (2017, p. 7), em reflexões mais recentes, apresenta uma conceituação mais elucidativa: ao se referir ao conceito de inovação, a define como “a criação de novas realidades”. Aparente- mente essa afirmação soa simples, porém destaca a essência do que se define por inovação. É comum a associação entre a inovação no ensino e na apren- dizagem e a inserção de artefatos de última geração, como dispo- sitivos móveis, tecnologias digitais, projeções 3D etc. No entanto, é possível criar novas realidades também a partir de recursos consi- derados convencionais. Considerando que a afirmação de Messina (2001, p. 226) ocorreu em 2001, referindo-se à educação na década de 1990, responda: como se encontra o panorama do debate sobre inovação e educação em nossos dias? Atividade 1 Desafios do ensino de Geografia 107 Iniciando da definição de inovação como criação, Plonski (2017, p. 7) destaca que “ela é, ao mesmo tempo, o processo e o resultado de fazer existir algo que não havia e, por extensão, também de dar novo feitio ou utilidade a algo que já existia”. Ressalta-se, então, que a inovação requer, como componente essencial, o ser humano; o qual, por meio da iniciativa, reflexão, criatividade e conhecimento, cria novas maneiras de realizar atividades – ou mesmo novos produtos. Plonski (2017, p. 7) destaca ainda que, “ao ser também entendida como processo a inovação, deixa de ser percebida como fruto exclusivo de lampejos de inventividade ou engenhosidade, que certamente são bem-vindos e importantes”. Esse pressuposto se aplica de forma sig- nificativa ao processo de inovação no ensino e na aprendizagem, pois é o professor, no seu pensar, refletir, fazer e instigar os seus alunos à criação, que assegura processos inovadores, seja por meio dos recur- sos didáticos convencionais, seja pela inserção das tecnologias digitais. Nesse sentido, as diferentes tecnologias podem instigar ações que, em um processo de analisar os objetivos, concepções e significados de determinadas atividades, ensejam a transformação na maneira como são desenvolvidas, o que pode culminar em práticas mais elaboradas (PLONSKI, 2017). Entretanto, para relacionar tecnologia ao processo de inovação, re- toma-se a afirmação de A. A. P. Mendes e J. R. Mendes (2018, p. 54): “a tecnologia é um processo eminentemente humano e o crescimento signi- ficativo de interações sociais mediado pelas ferramentas e instrumentos digitais pode transformar as relações sociais e ampliar a aprendizagem”. Assim, não basta simplesmente inserir as tecnologias, sejam elas convencionais ou digitais, nas práticas pedagógicas para que ocorra a inovação. É preciso considerá-las como estratégia que leva a repensar os processos educacionais. De acordo com Kenski (2012, p. 23), “o con- ceito de tecnologia engloba a totalidade das coisas que a engenhosi- dade do cérebro humano conseguiu criar em todas as épocas, suas formas de uso, suas aplicações”. Nesse sentido, para se assegurar um processo inovador nas práticas educativas, mais especificamente no ensino e na aprendizagem de Geo- grafia, é necessário considerar a dimensão do pensar e do agir critica- mente para gerar uma nova realidade educacional. A geografia na sala de aula CARLOS, A. F. A. São Paulo: Contexto, 1999. A obra traz abordagens sobre temas contempo- râneos da Geografia e como encaminhar meto- dologicamente o traba- lho de modo a instigar os alunos à reflexão sobre o cotidiano. Traz também propostas inovadoras de trabalho envolvendo as possibilidades de inserir as tecnologias nas aulas de Geografia. Livro 108 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental 5.2 Encantar por meio do ensino de Geografia Vídeo O ensino de Geografia precisa, acima de tudo, ser desafiador e ca- paz “de despertar o interesse dos alunos para a resolução de proble- mas que a vida apresenta” (CASTROGIOVANNI, 2007, p. 44). Para isso, destaca-se a necessidade de a escola proporcionar caminhos para que os sujeitos/alunos possam analisar o espaço e o tempo em que vivem e desenvolver habilidades nesse processo. 5.2.1 Encantar por meio de diferentes linguagens Como estratégia para encantar por meio do ensino de Geografia, Castrogiovanni (2007, p. 44) aponta que “os professores e a instituição da escola em sua complexidade, devem estar comprometidos com o que chamamos de ‘fazer’ sociedade com cidadania”. Desse modo, o en- sino de Geografia precisa provocar o aluno para conhecer e conquistar o seu lugar no mundo. Entretanto, trata-se de um desafio significativo, uma vez que a realidade na qual o aluno se insere pode ser contraditó- ria, desigual e injusta. Assim, a garantia da própria sobrevivência já é, em si, um processo desafiador. Segundo Castrogiovanni (2007, p. 44), romper com a “cultura escolar, que, ainda hoje, está sobreposta no currículo, com temas enfadonhos, parece ser um dos grandes desafios”. O ensino de Geografia, traba- lhado de forma compartimentada, em conteúdos alheios à realidade do aluno, acaba por criar uma insatisfação, pois na maioria das vezes, como afirma o autor, “o aluno não adquire confiança nas propostas da escola, e acha que não aprendeu nada e, mesmo que tenha aprendido, não sabe onde e como utilizar”. Referindo-se a despertar o interesse do aluno no ensino de Geogra- fia, Farina e Guadagnin (2007, p. 111) afirmam que essa tarefa “repousa quase que exclusivamente no proceder do professor, ao menos é isso que domina o senso comum”. No entanto, é preciso considerar outros elementos que têm elevado potencial motivador e instigam a partici- pação do aluno no desenvolvimento das aulas de Geografia, como as atividades práticas e a interação com diversos recursos, entre eles as tecnologias digitais. Conforme Puntel (2007, p. 100), “os alunos sentem-se gratificados em realizar um trabalho com que possam interagir e em que possam Desafios do ensino de Geografia 109 mostrar resultados do seu esforço”. Na prática de ensino de Geografia é comum os próprios alunos solicitarem atividades diferentes, que as aulas sejam atrativas e provoquem mais vontade de aprender. É indiscutível que, quando se tem condições de ir além do trabalho atrelado à rotina de leitura do livro didático e dos exercícios de respon- der questões objetivas e questionários, o professor consegue mobili- zar um número maior de alunos para a aprendizagem (PUNTEL, 2007). Nessa forma de conceber o ensino e a aprendizagem, “professores e alunos usam preferencialmente a fala como recurso de interagir, ensi- nar e verificar a aprendizagem. Em muitos casos, o aluno é o que me- nos fala” (KENSKI, 2012, p. 29). Considera-se que o aluno está acostumado a aprender de diversas maneiras, por meio de cores, sons e imagens fixas ou em movimento. Desse modo, estão inseridos na linguagem digital, que se articula com as tecnologias de informação e comunicação. De acordo com Kenski (2012, p. 31), a linguagem digital: é simples, baseada em códigos binários, por meio dos quais é possível informar, comunicar, interagir e aprender. É uma lingua- gem de síntese, que engloba aspectos da oralidade e da escrita em novos contextos. A tecnologia digital rompe com as formas narrativas circulares e repetidas da oralidade e com o encami- nhamento contínuo e sequencial da escrita e se apresenta como um fenômeno descontínuo, fragmentado e, ao mesmo tempo, dinâmico, aberto e veloz. Desse modo, para encantar o aluno por meio do ensino de Geo- grafia, ou seja, despertar o interesse pelo que está sendo trabalhado e mostrar a ele para que serveo conceito em questão, é necessário, também, “falar” na sua linguagem. Castellar e Vilhena (2010, p. 65) des- tacam que “as iniciativas dos professores não devem ficar restritas a um tipo de texto ou de linguagem”. Criam-se, assim, as condições para ampliar a capacidade de expressão do aluno a partir de linguagens com as quais ele está familiarizado. Conforme propõem Castellar e Vilhena (2010, p. 65), “se o objetivo das aulas, entre outros, é ampliar a capacidade crítica do aluno, é preci- so propor situações em que ele possa confrontar ideias, questionar os fatos com argumentação e, ao mesmo tempo, facilitar-lhe o acesso aos vários gêneros de textos e linguagens”. 110 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Nessa perspectiva, pode-se encantar as aulas de Geografia instigan- do os alunos a se expressarem sobre as relações que conseguem esta- belecer entre os conteúdos da Geografia aprendidos em sala de aula e a sua correspondente aplicação no cotidiano. Como afirma Goulart (2014, p. 22), “há que se considerar que o mundo em que vivemos no século XXI exige da escola outra postura, pois muito daquilo que sempre foi sua tarefa, a informação, está esvaziada pela eficiência dos meios de comu- nicação e pelas novas tecnologias a eles associadas”. Observa-se, a partir do exposto, que há uma quantidade significati- va de informações geográficas interessantes nos mais diversos meios digitais, aos quais os alunos têm acesso, como portais, games, redes sociais, entre outros. Paralelamente a esse contexto, “a forma como grande parte dos professores ensina está centrada na quantidade de informações desinteressantes, desconectas e descontextualizadas da realidade dos alunos” (GOULART, 2014, p. 22). Nesse sentido, lança-se a questão: como, então, encantar por meio do ensino de Geografia? 5.2.2 O encantar como desafio coletivo Algumas pistas para responder a essa questão foram lançadas no decorrer do texto, como partir da realidade na qual se insere o aluno e possibilitar a ele se expressar por meio de diferentes linguagens. En- tretanto, esse encantar por meio do ensino não é tarefa exclusiva do professor de Geografia. Para trabalhar em uma perspectiva inovadora é necessária a soma de ações. O encantar na aprendizagem geográfica, de acordo com Goulart (2014, p. 29), envolve o “convencimento dos professores sobre a necessidade de participação na reflexão coletiva sobre o trabalho cotidiano, o que inclui a apresentação de suas propos- tas, práticas, ideias, leituras, acertos e desafios na sala de aula”. Evidencia-se, assim, a necessidade de participação reflexiva de todos os agentes da prática educativa, ou seja, da gestão, da coordenação e dos técnicos-administrativos. Nesse sentindo, a partir do debate de propostas, práticas e ideias, somam-se ações no sentido de viabilizar o encantar, não somente nas aulas de Geografia, mas na prática educativa como um todo. Ressalta-se que essa soma de ações potencializa o trabalho com as diferentes linguagens, uma vez que se ampliam as possibilidades de exploração do próprio espaço escolar, dos diferentes recursos que fi- Desafios do ensino de Geografia 111 cam à disposição do professor. Além disso, conforme Castrogiavanni (2014, p. 176), a troca de informações, o desafio na reflexão e o emprego de diferentes posturas teóricas e metodológicas, o uso das novas tecnologias, a necessidade do trabalho em equipe para buscar a tão almejada interdisciplinaridade são atitudes fundamentais do professor, propagadas já há algum tempo, mas que devem continuar fazendo parte dos nossos propósitos interacionistas. Considerar essa dimensão da coletividade no direcionamento das ações que buscam encantar, inovar e transformar o ensino é essencial. É inegável que há resistências no interior da escola quanto a mudanças, mas é no diálogo que o professor poderá assegurar o suporte da ges- tão e dos colegas para a realização do seu trabalho. Nessa perspectiva de encantar por meio do ensino de Geografia, o papel do professor, segundo Castellar e Vilhena (2010, p. 117), “não é apenas elaborar uma sequência didática que garanta a construção de conceitos e a relação entre os conceitos que estruturam o raciocínio geográfico. A tarefa maior é a de organizar o material didático”. Assim, evidencia-se a importância das ações coletivas nas atividades educativas, pois o professor precisa, além de infraestrutura, de liber- dade e de apoio para inovar, a fim de fazer diferente, de modo crítico e sistematizado. O trabalho do professor é a base para promover um ensino e uma aprendizagem de Geografia que instiguem a curiosidade e a vontade de aprender por parte do aluno. 5.3 Metodologias personalizadas de aprendizagem Vídeo A busca por inovações e mudanças nos encaminhamentos do pro- cesso de ensino e de aprendizagem de Geografia precisa, também, considerar que esse processo não ocorre de forma homogênea, como se concebia na vertente da Pedagogia Tradicional. Nesse sentido, cada aluno tem suas peculiaridades e necessidades no contexto da apren- dizagem, o que demanda do professor responder à forma como cada estudante interage e constrói seu próprio conhecimento. Por aprendizagem personalizada define-se “o movimento de cons- trução de trilhas que façam sentido para cada um, que os motivem a 112 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental aprender, que ampliem seus horizontes e levem-nos ao processo de serem livres e autônomos” (MORAN, 2018, p. 5). É preciso considerar que cada aluno busca, de modo direto ou indireto, respostas às suas inquietações mais profundas. Destaca-se, assim, a importância de pro- cessos educacionais que instiguem a curiosidade, a dúvida e o gosto pela aprendizagem. Uma vez alcançadas essas condições, a mediação do professor se torna necessária para que os alunos, de acordo com Moran (2018, p. 5), façam “o movimento de ir ao encontro de suas necessidades e interes- ses”. O papel do docente, nesse contexto, caracteriza-se por ajudá-los a “desenvolver todo o seu potencial, motivá-los, engajá-los em projetos significativos, na construção de conhecimentos mais profundos e no de- senvolvimento de competências mais amplas” (MORAN, 2018, p. 5). Atualmente a necessidade de maior diversificação de abordagens de conteúdos em sala, segundo Cortelazzo et al. (2018, p. 93), “passou a ter nova importância para as chamadas gerações Y e Z, que têm maior contato com recursos tecnológicos”. Na concepção dos autores, essa importância dá um novo status à imagem e à comunicação rápida e concisa em detrimento da escrita formada por longos textos. O desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação (TICs), conforme Cortelazzo et al. (2018, p. 93), “possibilita que haja uma abordagem mais centrada no aluno e o uso mais intensivo de meto- dologias ativas de aprendizagem, inclusive com um acompanhamento mais personalizado”. Desse modo, é preciso um planejamento do en- sino e da aprendizagem de Geografia que envolva as diferentes TICs, o que amplia as possibilidades de expressão do aluno por diferentes lin- guagens. Moran (2018, p. 5), sugere três modelos desse planejamento: Um primeiro modelo é planejar atividades diferentes para que os alunos aprendam de várias formas (rotação por estações, por exemplo). Um outro modelo é desenhar o mesmo roteiro básico para todos os alunos e permitir que eles o executem no seu pró- prio ritmo, realizando a avaliação quando se sentirem prontos e podendo refazer o percurso sempre que necessário. Uma outra forma de personalização é colocar os alunos numa plataforma adaptativa e acompanhar suas atividades on-line, percebendo o grau de domínio de alguns temas em relação a outros, organi- zando atividades de apoio de acordo com as necessidades obser- vadas na visualização on-line. Os alunos têm suas peculiarida- des e necessidades individuais no contexto da aprendizagem, o que demanda que o professor compreenda a forma como cada um delesinterage e constrói seu próprio conhecimento. Nesse sentido, destaca-se como proposta atual a aprendizagem personalizada. Em que consiste essa proposta e quais contri- buições ela pode trazer para o ensino de Geografia? Atividade 2 Desafios do ensino de Geografia 113 Ressalta-se que o trabalho com o ensino de Geografia, nessa pers- pectiva de personalização, é ainda incipiente. Porém propostas como essas sugeridas por Moran (2018) vêm ganhando cada vez mais força nos debates sobre possibilidades de inovações no ensino e na aprendi- zagem. Cortelazzo et al. (2018) destacam que o trabalho nessa concep- ção demanda, às vezes, mudanças institucionais e quebra de estruturas curriculares e planos que determinam o que o professor deve ensinar e como o aluno deve aprender. Entretanto, considera-se como imprescindível que o professor de Geografia conheça as propostas inovadoras de ensino e que busque, de maneira crítica e reflexiva, as possibilidades de implantá-las na rea- lidade na qual ele e seus alunos estão inseridos. De qualquer modo, é preciso promover uma participação mais ativa dos estudantes nos encaminhamentos metodológicos da disciplina de Geografia. O encaminhamento de propostas de participação ativa do aluno, segundo afirmam Cortelazzo et al. (2018, p. 107), “pode ser uma tarefa difícil, e sempre desafiadora. Antes de iniciar, deve-se estudar bem o método que será utilizado; deve-se ver exemplos de atividades já reali- zadas; e só então passar para o planejamento da atividade escolhida”. Ao encaminhar atividades buscando diagnosticar as necessidades de cada estudante, o professor precisa “descobrir quais são as moti- vações profundas de cada estudante, o que os mobiliza a aprender, os percursos, técnicas e tecnologias mais adequadas para cada situa- ção e combinar equilibradamente atividades individuais e grupais” (MORAN, 2018, p. 6). No ensino de Geografia no Ensino Fundamental, considera-se que cada conceito a ser trabalhado instiga diferentes formas de aborda- gens. Ao se trabalhar o conteúdo “população” no 6º ano, por exemplo, pode-se propor a busca de informações em portais de órgãos oficiais, representação gráfica e apresentação dos resultados. Todo esse pro- cesso pode envolver o trabalho com TICs e a expressão dos alunos por diferentes linguagens como forma de possibilitar a aprendizagem a partir das necessidades e interesses de cada um. De acordo com Moran (2018, p. 6), “a aprendizagem é mais signifi- cativa quando motivamos os alunos intimamente, quando eles acham sentido nas atividades que propomos, quando consultamos suas mo- tivações profundas, quando se engajam em projetos para os quais 114 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental trazem contribuições”. Dessa forma, valorizam-se os saberes espontâ- neos, a experiência de vida e a familiaridade do estudante com as lin- guagens que fazem parte da forma como interage no cotidiano. Ainda como meio de tornar a aprendizagem mais significativa para o aluno, Moran (2018, p. 6) destaca que é fundamental conhecê-los, perguntar, mapear o perfil de cada estudante. Além de conhecê-los, acolhê-los afetivamente, esta- belecer pontes, aproximar-se do universo deles, de como eles enxergam o mundo, do que eles valorizam, partindo de onde estão para ajudá-los a ampliar a percepção, a enxergar outros pontos de vista, a aceitar desafios criativos e empreendedores. A partir das características de cada aluno, o professor pode conduzir o trabalho de modo a estabelecer sua proximidade com o conteúdo. Poderá, também, verificar a linguagem mais familiar ao aluno para que ele expresse, por meio dela, o que aprendeu e, se for o caso, reencami- nhar os objetivos para assegurar a aprendizagem. É preciso considerar também que, ao encaminhar propostas de aprendizagens ativas e personalizadas, é comum surgirem resistências por parte dos alunos. Às vezes eles já estão acostumados ao método de “sentar e ouvir, ou apenas copiar”, pois de certa forma essa condição de passividade é mais cômoda. Segundo Cortelazzo et al. (2018, p. 108), “alguns estudantes poderão não aceitar novas atividades. Em vez de tentar envolver todos os estu- dantes nas primeiras atividades, deve-se centrar no envolvimento dos estudantes mais receptivos e propensos a mudanças”. Espera-se, gra- dativamente, ir atingindo um número maior de alunos, à medida que, aos poucos, os alunos diminuam a resistência e acabem se envolvendo nas atividades propostas. Como parâmetro para assegurar os resultados do trabalho em uma perspectiva ativa de aprendizagem, Cortelazzo et al. (2018, p. 108) apon- tam algumas questões a serem consideradas no planejamento das ati- vidades a serem propostas aos alunos: • Quais são seus objetivos para a atividade? • Há necessidade de material específico? Local específico? • Quem estará interagindo? Como os estudantes estarão posicio- nados para permitir essa interação? Em círculo, em fileira, em grupo, ao redor de uma mesa? Terão contato com desconhecidos? • Quando a atividade ocorre na aula? Início? Meio? Fim? Ao longo Desafios do ensino de Geografia 115 de toda ela? Quanto tempo será gasto na atividade? • Os alunos escreverão suas respostas, ideias e perguntas ou ape- nas falarão sobre elas? • Os alunos entregarão as respostas? O material entregue será identificado com o nome de seu(s) autor(es)? • Você dará uma nota para as respostas da atividade? • Como os alunos compartilharão o trabalho com toda a classe? Você convocará os indivíduos aleatoriamente ou solicitará voluntários? • Se os alunos estão respondendo a uma pergunta, ela está sufi- cientemente clara? Será apresentado um gabarito? • Que preparação você precisa para aplicar a atividade? E os alunos? Essas questões norteadoras podem ser ampliadas, modificadas e outras podem ser lançadas à medida que as reflexões sobre o proces- so ocorrem. A partir das experiências vivenciadas pelo professor na mediação da aprendizagem dos alunos, novas propostas e aperfeiçoa- mentos da prática pedagógica do ensino de Geografia vão possibilitan- do proporcionar uma aprendizagem significativa. 5.4 Educação on-line Vídeo De acordo com Kenski (2012, p. 34), “o avanço das tecnologias di- gitais de informação e comunicação produz o aumento constante da presença de mensagens textuais, sonoras, visuais em nossas vidas”. Se- gundo a autora, a internet é o ponto de encontro e dispersão de todas essas mensagens. A rede das redes é o espaço possível de integração e articulação de tudo o que existe no mundo digital. Na concepção de Kenski (2012, p. 43), essa tecnologia “também serve para fazer educação”, pois conecta pessoas das mais diversas localidades com os mais variados objetivos. Assim, a interatividade é o principal potencial de contribuição da internet e das tecnologias digitais para os processos educacionais. Kenski (2012, p. 36) ainda afirma que “a capacidade de participar efetivamente da rede, na atua- lidade, define o poder de cada pessoa em relação ao seu próprio de- senvolvimento e conhecimento”. É nesse contexto que surge a educação on-line, que, segundo Cor- telazzo et al. (2018, p. 44), “é vislumbrada como uma possível alterna- tiva ao cenário [...] de educação ‘tradicional’. Não se trata de substituir toda educação formal, ou seja, aquela que é sistematizada por insti- tuições de ensino ou universidades, para ocorrer totalmente on-line”. 116 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Por isso, a educação on-line destaca-se como uma alternativa que pode contribuir para potencializar a interatividade necessária no pro- cesso educacional. Conforme destacam Cortelazzo et al. (2018, p. 44), é certo que “a educação on-line não é para todos. Além dos aspectos com- portamentais e das atividades ‘mão na massa’, a educação presencial favorece a interação face a face entre os estudantes, encorajando sua participação e aumentando a aprendizagem de forma personalizada”. Evidencia-se esse potencialda educação on-line na seguinte afirmação: Um curso on-line é desenvolvido, muitas vezes, não só por um professor, mas por uma equipe multidisciplinar. Um grupo de professores-autores, ilustradores, web designers, designers instru- cionais, programadores. Além disso, os materiais didáticos, as interações, a sequência didática, os objetos de aprendizagem... tudo é realizado de forma planejada e antecipada. (CORTELAZZO et al., 2018, p. 44) Pensando nas contribuições da educação on-line para o ensino de Geografia, destacam-se suas aplicações na formação continuada de professores. Desse modo, além de cursos sistematizados, o docen- te pode interagir com vários colegas das mais variadas localidades para trocar experiências e conhecer outras realidades de ensino e de aprendizagem. Especificamente para as aulas de Geografia no Ensino Fundamen- tal, destacam-se os diferentes portais educacionais, sob a indicação do professor ou mesmo mediados presencialmente. Isso potencializa a apropriação de conceitos e se diversificam as possibilidades de atender às necessidades individuais de cada aluno. Sobre esse potencial para os estudantes, Cortelazzo et al. (2018, p. 50) afirmam que “as novas tecnologias, tais como o hipertexto, hi- permídia, redes sociais entre outras utilizadas na educação on-line, propiciam ao estudante maior envolvimento no processo de ensino e aprendizagem, mesmo estando fisicamente distante”. Como exemplo de contribuição de novas tecnologias para o ensino de Geografia com significativo potencial de interatividade tem-se o Google Earth. O Google Earth, segundo Maio e Setzer (2011, p. 230), “possibilita visualizar imagens de satélite e mapas, bem como calcular distâncias entre diversos lugares, criação de rotas, visualização de edifícios, mo- numentos e construções em três dimensões, dentre outros recursos”. Considerando a afirmação de Cortelazzo et al. (2018, p. 44), responda: em que consiste a aplicação da educação on-line no ensino de Geografia e quais contribuições ela pode trazer? Atividade 3 Desafios do ensino de Geografia 117 É comum nas aulas de Geografia no Ensino Fundamental os alunos citarem certa familiaridade com esse aplicativo, pois chama natural- mente a atenção para aspectos do espaço de vivência. Praticamente, todo aluno que tem dispositivo móvel com acesso à internet já visua- lizou no Google Earth aspectos do seu espaço de vivência, como a re- sidência onde mora, por exemplo, em diversas perspectivas (vertical, oblíqua e frontal). Ao se referir à contribuição da educação on-line para o ensino de Geografia, destaca-se uma diversidade de materiais digitais que podem ser aproveitados no contexto da sala, pois se vale da familiaridade do aluno com uma variedade de informações disponíveis na internet. Criam-se, assim, as condições para que o professor subsidie o aluno no desenvolvimento da habilidade de transformar dados e informações dispersos nos mais variados portais, em conhecimentos geográficos. Conforme Maio e Setzer (2011, p. 230), é “fundamental que os alunos adquiram habilidades que facilitem a aprendizagem e os estimulem a entender, manipular, interferir e serem críticos em relação aos proces- sos de transformação que ocorrem no mundo”. O desenvolvimento dessas habilidades aliado à apropriação de conceitos geográficos, pre- vistos no Ensino Fundamental, assegura que gradativamente o estu- dante passe a apreender as características do seu espaço de vivência. Sob a mediação do professor, as ferramentas on-line, como o Google Earth, se convertem, conforme Maio e Setzer (2011, p. 234), “em favor do aprendizado, ao considerar a análise e os processos nos quais pessoas acrescentam informações ao fluxo de informações, fazem medições, interpretações, entendem as representações gráficas e participam de maneira mais interativa”. A partir dessas interações, ampliam-se as con- dições para que o aluno entenda o espaço no qual está inserido – perce- bendo-se como produtor, consumidor e potencial transformador dessa organização espacial. Ao pensar as contribuições da educação on-line, ratifica-se a afirma- ção de Kenski (2012, p. 47): “já não se trata apenas de um novo recurso a ser incorporado à [...] [aprendizagem formal], mas de uma verdadeira transformação, que transcende até mesmo os espaços físicos em que ocorre a educação”. A forma dinâmica como ocorre a interação coloca os participantes de um momento educacional em conexão para apren- derem juntos. No Laboratório de Prática de Ensino de Geografia – LAPEG são divulgados saberes sobre a prática pedagógica envolvendo conteúdos, vivência perceptiva do estudante e a abordagem de categorias/conceitos geográficos que envolvem o contexto social, político e educacional. Indica-se a leitura para contextualizar ainda mais o conteúdo abordado. UFCG. LAPEG – Laboratório de prática de ensino em geografia., 2018. Disponível em: https:// lapegblog.wordpress.com/. Acesso em: 13 dez. 2019. Saiba mais+ 118 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental Ressalta-se que, embora as possibilidades de aprendizagem se am- pliem com a educação on-line, a profissão docente é imprescindível. No contexto do ensino de Geografia, são várias as possibilidades de aprendizagem por parte do aluno, que chega à sala de aula, na maioria das vezes, com uma variedade de informações de cunho geográfico. Entretanto, essas informações vêm fragmentadas, desconexas e, às vezes, equivocadas, desatualizadas. Cabe ao professor de Geografia possibilitar ao estudante o desenvolvimento da capacidade de atribuir significado a essas informações. Possibilita-se, assim, a formação de cidadãos críticos e participativos que entendam seu papel na interação entre sociedade e natureza, o que dá origem ao espaço geográfico – objeto de estudo da Geografia. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diversos são os desafios que permeiam a prática de ensino de Geogra- fia nos anos finais do Ensino Fundamental, o que evidencia a necessidade de se refletir sobre as possibilidades de inovação na maneira como o pro- fessor ensina e os alunos aprendem. O estudante de hoje chega à escola com diversos saberes geográficos, seja pela interação com o seu espaço de vivência, seja pela interação com diversas tecnologias digitais. A aprendizagem, nesse sentido, ocorre de modo diverso e a partir de diferentes recursos de cores, sons e animações. A sala de aula onde pre- domina a explicação do conteúdo e a execução de exercícios envolvendo a repetitiva resposta a questionários precisa passar por transformações. A estratégia de mudança dessa realidade envolve o conceito de inovação em educação, que é, pode-se dizer, pouco discutido no ensino de Geografia. Nesse sentido, considera-se a inovação como o processo de se criar uma nova realidade, que responda às demandas individuais dos alunos, respeitando as peculiaridades de cada um no processo de aprendizagem. Esse processo recebe uma significativa contribuição das TICs, uma vez que potencializam a interação e favorecem novos contextos de aprendizagem. Desafios do ensino de Geografia 119 REFERÊNCIAS CASTELLAR, S.; VILHENA, J. Ensino de Geografia. São Paulo: Cengage Learning, 2010. CASTROGIOVANNI, A. C. Para entender a necessidade de práticas prazerosas no ensino de Geografia na pós-modernidade. In: REGO, N.; CASTROGIOVANNI, A. C.; KAERCHER, N. E. (org.). Geografia: práticas pedagógicas para o ensino médio. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 35-49. CASTROGIOVANNI, A. C. Diferentes conceitos nas complexas práticas de ensino de Geografia. In: TONINI, I. M. et al. O ensino de Geografia e suas composições curriculares. Porto Alegre: Mediação, 2014. p. 169-176 CORTELAZZO, A. et al. Metodologias ativas e personalizadas de aprendizagem: para refinar seu cardápio metodológico. Rio de Janeiro: Alfa Books, 2018. FARINA, B. C.; GUADAGNIN, F. Atividades práticas como elementos de motivação para a aprendizagem em geografia ou aprendendo na prática. In: REGO, N.;CASTROGIOVANNI, A. C.; KAERCHER, N. E. (org.). 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Disponível em: https://periodicos.ufsm. br/reveducacao/article/view/32311/pdf. Acesso em: 13 dez. 2019. 120 Metodologia do ensino de Geografia no Ensino Fundamental GABARITO 1. Verifica-se uma estagnação nos debates, pois não houve um avanço significativo das proposições sobre a definição do que se entende por inovações e suas relações e contribuições para o processo educacional. As tímidas publicações que se propõem a debates sobre as diferentes concepções de inovação e os desafios de efetivá-las na prática educativa são evidências dessa estagnação. 2. A aprendizagem personalizada se refere à criação de caminhos que motivem o aluno a aprender considerando suas necessidades e peculiaridades. Tem como objetivo promover a autonomia e o gosto em aprender. Pode trazer contribuições para o ensino de Geografia por ampliar as possibilidades de motivá-lo para a apropriação dos conceitos geográficos de modo a provocar inquietações, curiosidade e o gosto por aprender Geografia. 3. A educação on-line pode trazer contribuições para a educação continuada de professores, desde que vinculada a um processo formal que sistematize a construção de saberes sobre a prática de ensino de Geografia. Em sala de aula, as possibilidades de interação trazidas pela educação on-line podem promover uma aprendizagem na qual o aluno, mediado pelo professor, é protagonista e desenvolve a habilidade de atribuir significado às informações, apropriando-se do conhecimento geográfico. GEOGRAFIA METODOLOGIA DO ENSINO DE NO ENSINO FUNDAMENTAL João Mendes M ETO D O LO G IA D O EN SIN O D E G EO G RAFIA N O EN SIN O FU N D AM EN TAL João M endesFundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-6587-5 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 8 7 5 Código Logístico 59197