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SOCIEDADE E POLÍTICAS SOCIAIS UNIASSELVI-PÓS Autoria: Luiza Maria de Assunção Indaial - 2020 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jairo Martins Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Marcio Kisner Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2020 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: A851s Assunção, Luiza Maria de Sociedade e políticas sociais. / Luiza Maria de Assunção. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 152 p.; il. ISBN 978-65-5646-065-9 ISBN Digital 978-65-5646-066-6 1. Políticas sociais. - Brasil. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 300 Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS....................................... 7 CAPÍTULO 2 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS .................................................. 51 CAPÍTULO 3 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS ............................................ 103 APRESENTAÇÃO A disciplina “Saúde Pública” pretende colocar você em contato com conceitos essenciais para a compreensão do processo de constituição dos Direitos Humanos, bem como para a concretização de políticas sociais. Para tanto, trará à luz reflexões relacionadas às declarações e pactos relativos aos Direitos Humanos e o seu impacto em nível nacional e internacional. Buscaremos também mostrar a relação deles com a constituição de políticas sociais em nível local e global. Ao trazer à tona tais questões, essa disciplina possibilita a você fazer uma inserção teórico-prática em aspectos conceituais das políticas sociais, do seu planejamento e da sua concretização na realidade brasileira. No Capítulo 1, você entrará em contato com os diferentes direitos que compõem o mundo social. Para isso traremos as principais declarações e pactos internacionais sobre Direitos Humanos. A partir daí será possível que ocorra a reflexão sobre a interface entre direitos e políticas sociais, apontando as diferentes demandas sociais existentes. Apresentaremos a trajetória das políticas sociais, por meio de sua história e de seu desenvolvimento, assim como conheceremos os seus aspectos conceituais e operacionais, introduzindo ao final como se deu a construção das políticas sociais no Brasil. No Capítulo 2, você terá a oportunidade de entrar em contato com os diferentes tipos de políticas sociais. Nesse sentido, procuraremos auxiliá-lo a compreender como elas são constituídas, quais são suas atribuições, assim como buscaremos apresentar as políticas setoriais enquanto nova estratégia de concretização das políticas sociais. Por fim, refletiremos a interface entre as políticas sociais e as demais políticas, expondo as reais possibilidades de sua articulação, problematizando a viabilidade de concretização da intersetorialidade na execução das políticas sociais. No Capítulo 3, você terá informações importantes a respeito do papel desempenhado pelos municípios na gestão das políticas sociais. Te auxiliaremos também a compreender como a gestão em políticas sociais deve ser conduzida, tendo por base as diretrizes nacionais oficiais. Traremos neste momento a reflexão sobre a importância do planejamento, monitoramento e avaliação de Políticas Sociais no Brasil. Além disso, realizaremos uma explanação de como é operado o seu financiamento. Para tanto, procuraremos abordar conceitos e casos que implicam na direção, na gestão e no financiamento de políticas sociais. CAPÍTULO 1 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: Fazer uma explanação dos diferentes direitos que compõem o mundo social. Refl etir a interface entre direitos e políticas sociais, apontando as diferentes demandas sociais existentes. Apresentar a trajetória das políticas sociais, por meio de sua história e de seu desenvolvimento. Conhecer aspectos conceituais e operacionais das políticas sociais. Introduzir como se deu a construção das políticas sociais no Brasil. 8 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 9 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Na história das políticas sociais temos de, obrigatoriamente, fazer uma digressão com relação ao momento na história da humanidade onde as sociedades começaram a aventar a ideia de direitos. Fazendo essa incursão retomamos momentos históricos singulares de constituição dos direitos humanos. Traremos a luta daqueles que foram os maiores responsáveis por exigir e lutar por direitos: a classe trabalhadora. Traremos igualmente os marcos relacionados ao que se aventou, inicialmente, ser tratado como momentos introdutórios de concretização de direitos. Por isso, relataremos a importância da perspectiva Keynesiana e o chamado Welfare State ou Estado de bem-estar social. A constituição de políticas sociais, ainda que esteja vinculada a momentos e fatos históricos que as infl uenciaram, se dá de modo particular em cada contexto e realidade social. Como veremos, no caso do Brasil, isso ocorrerá de modo paulatino e posteriormente aos demais países europeus. Isso tem relação, dentre outros fatores, com a nossa realidade colonialista e escravocrata e com a predominância de uma elite agrária que por longo tempo foi obstáculo para o desenvolvimento do país. No nosso país, o primeiro arremedo de proteção de direitos veio a ocorrer muito recentemente, por meio da Constituição de 1988 e da criação da Seguridade social, a qual tem como pilares a saúde, a assistência social e a previdência. Depois de muitas mobilizações pós-ditadura e com o processo de redemocratização do país, a aprovação da Constituição Cidadã de 1988 foi o grande passo em direção à delimitação dos deveres do estado e dos direitos dos cidadãos, porém, ainda convivemos com a fragilidade das políticas sociais no Brasil e a necessária luta diária para que ela seja considerada um motor de desenvolvimento da nossa sociedade. Importante marco para a proteção social e a implementação de políticas sociais no Brasil, a Seguridade Social é um modelo que deve ser aprimorado e burilado a cada dia no sentido de constituir ações e de ser cada vez mais expressiva no objetivo de dirimir as desigualdades sociais que assolam a realidade brasileira. 2 A SOCIEDADE E SEUS DIREITOS Antes de falarmos sobre a história e os fundamentos das políticas sociais, faz-se necessário introduzirmos o que se entende por direito. Para tanto, devemos necessariamente buscar o nascimento da ideia de Direitos Humanos. Isso nos 10 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS leva a resgatar os direitos em nível internacional e tecer a relação da defesa desses direitos com a implantação e defesa de direitos no Brasil, ou seja, faremos uma digressão e traremos à luz os primórdios de defesa dos Direitos Humanos e como isso desembocou no Brasil. Nesse sentido, é mister discorrer sobre esforços relacionadas à implementação e à concretização de direitos em âmbito internacional, a Declaração dos Direitos Humanos e o Welfare State. Buscamos, então, identifi car em que medida esses acontecimentos repercutiram na realidade brasileira, identifi cando a partir de que momento e em que contexto surge a defesa de direitos no Brasil. 2.1 A CARTA INTERNACIONAL DOS DIREITOS DO HOMEM Quando discorremos sobre Direitos Humanos devemos explorar o que foiacordado até hoje com relação a sua efetivação. Nesse sentido, temos a Carta Internacional dos Direitos do Homem, a qual é constituída pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. 2.1.1 A Declaração Universal dos Direitos do Homem Houve em determinado momento da história uma mobilização em torno da internacionalização dos Direitos Humanos. Isso ocorreu em consequência das barbaridades ocorridas em função do nazismo. Assim, o pós-guerra foi o marco dessa dinamização em torno dos direitos (PIOVESAN, 2000). A restauração dos Direitos Humanos ocorrerá nesse cenário, em que há a devastação dos sujeitos de direitos. Assim, acontece no ano de 1948 a aprovação da conhecida Declaração Universal dos Direitos Humanos (PIOVESAN, 2000). Contraditoriamente ao que postulam as declarações e convenções em direitos humanos, os seres humanos seguem desiguais em nível de dignidade, o que pode ser enxergado a partir das péssimas condições de vida e das constantes transgressões no que diz respeito aos seus direitos fundamentais. Se, 11 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 por um lado, fl orescem tratados em direitos humanos, por outro lado, prolifera a quantidade de indivíduos sem alcance aos direitos fundamentais (MODELL, 2000). A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi divulgada em 1948, depois da Segunda Grande Guerra, e tem como cerne os direitos tidos como imprescindíveis para o ser humano. A referida declaração foi bem-aceita pela comunidade internacional, de modo a se tornar um símbolo de orientação para as nações, tornando-se universal, porém, ocorreu o seguinte fato: houve a fragmentação dos Direitos Humanos, os quais se partiram em direitos civis e políticos, por um lado, e direitos sociais e econômicos, por outro (MODELL, 2000). O confl ito entre Leste-Oeste refl etiu na preferência entre as categorias de direitos: enquanto os Estados Unidos deram ênfase aos direitos civis e políticos, que são parte integrante da herança liberal, a União Soviética deu importância para os direitos sociais e econômicos, que são parte da herança socialista. No auge da Guerra Fria, o confl ito entre as duas categorias de direitos – civis e políticos versus sociais e econômicos – encontrou uma solução de compromisso. A tentativa de avançar na aplicação da Declaração de 1948 e dar aos direitos humanos uma conotação jurídica vinculante resultou, dezoito anos após (1966), em dois pactos internacionais separados em dois grandes grupos: Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A dicotomia estava sacramentada (MODELL, 2000). Como é possível perceber, a divisão relativa às duas categorias de direitos foi constituída historicamente num momento em que o mundo se encontrava polarizado pela Guerra Fria (MODELL, 2000). Acesse o site a seguir e faça uma leitura atenta da Declaração Universal dos Direitos Humanos: https://cutt.ly/ugxDhfR. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos é adotada uma perspectiva contemporânea de Direitos Humanos, que será identifi cada por questões como: universalidade e indivisibilidade dos direitos. A primeira remetendo ao caráter universal dos direitos humanos, que deve se estender a todos os seres humanos. 12 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS A segunda, referindo-se à articulação que há entre os distintos direitos: direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, ou seja, são interdependentes, de modo que a violação de um deles refl ete nos demais (PIOVESAN, 2000). Essa dinâmica de internacionalização dos direitos, concretizada por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pode ser encarada como uma garantia complementar de proteção dos direitos, visto que possibilita acionar o Estado, que se omite no dever de efetivar direitos fundamentais (PIOVESAN, 2000). Assista ao vídeo contido no site das Nações Unidas e refl ita a respeito do seu conteúdo. Disponível em: https://cutt.ly/wgxDeWZ Tendo completado em 2018 seus 70 anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos continua atual em suas propostas, porém, ainda temos muito a caminhar no que diz respeito à garantia de direitos fundamentais. 13 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 Oito ativistas contam suas experiências no 70° aniversário da Declaração dos Direitos Humanos FIGURA 1 – DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS FONTE: <loeilduplafond.com>. Acesso em: 18 ago. 2020. Ativistas falam de suas experiências no aniversário da Declaração dos Direitos Humanos. No aniversário de 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a RFI conversou com oito ativistas de todas as partes do mundo. Cada um deles revela, em sua experiência individual, um combate para levar adiante os 30 princípios defendidos no texto ofi cial, do direito à vida e ao trabalho até a livre circulação e o acesso à nacionalidade. “O artigo número 2 fala do direito à igualdade. Ele proíbe a discriminação baseada na orientação sexual, na raça, nas opiniões políticas ou religiosas. Então, por exemplo, ninguém pode recusar o acesso a um hospital por causa de sua orientação sexual ou porque você é visto como lésbica ou gay”, explica Sheila Muwanga, especialista dos direitos das mulheres da Fundação Human Rights Initiative, em Uganda. “Trabalhamos muito com a não discriminação. O casamento gay é punido por lei, e as relações entre pessoas do mesmo sexo são criminalizadas, mas a orientação sexual, não. Hoje, temos mais tolerância. Antes, as famílias renegavam as crianças por essa razão, mas agora elas começam a se abrir para essas questões”, revela Sheila Muwanga. Alice Mogwe, do Centro dos Direitos Humanos de Botswana, afi rma que sua organização é a única a militar pela abolição da pena de morte na África, outro tema abordado na Declaração. “Colocamos o fi m da pena de morte no coração de todas as nossas ações. Não 14 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS somente com relação ao governo, mas também aos cidadãos, já que nossa atividade se baseia nos valores culturais”. Liberdade: direito fundamental No Oriente Médio, onde o trabalho doméstico é disfarce para a escravidão moderna, a fi lipina Rosemarie Rajano, da Alliance of Human Rights Advocates, denuncia o sofrimento de várias conterrâneas. “Algumas são obrigadas a pular pela janela para escapar. Elas são privadas de liberdade, seus passaportes são confi scados, além de precisarem roubar comida e se alimentarem escondidas nos banheiros”, revela. “Elas trabalham para vários empregadores, várias casas, algo que não está no contrato. O governo fi lipino tomou algumas medidas, mas não que não foram sufi cientes. Elas são obrigadas a deixar as Filipinas por falta de oportunidades econômicas, portanto, as autoridades devem cuidar desse assunto”, ressalta Rosemarie Rajano. A fundadora da ONG Bir Duino-Quirguistão (One World Quirguistão), Tolekan Ismailova, foi detida em 2007, passou muito frio e guarda até hoje as sequelas. “O artigo 9 da Declaração, sobre as detenções arbitrárias, é muito importante para meu país. A primeira vez que fui detida foi durante as eleições dos anos 2000, quando o presidente Akaiev prendeu vários manifestantes”, disse. “Em 2007, fui presa com outras pessoas em condições sub- humanas, num prédio abandonado, num frio terrível e carrego até hoje as sequelas. Minhas articulações sofreram muito e tenho difi culdade em me locomover”. Para Shawan Jabareen, diretor da ONG palestina Al Haq, o artigo 13, que fala da liberdade de circulação, deve receber mais destaque. “Em Gaza, mais de 2 milhões de pessoas são impedidas de sair. É proibido circular livremente fora de Gaza e isso afeta muitos estudantes, doentes, professores. A Declaração dos Direitos Humanos diz que toda pessoa ‘tem o direitode sair de todo país, incluindo o seu, e de retornar’ livremente, sem restrições”. Debbie Stothard, fundadora da Alt-sean Burma, alerta para o desrespeito do artigo 15, sobre o direito à nacionalidade, em Mianmar. “Para muitos, na Europa, isso não é um problema, mas é a realidade dos refugiados e dos migrantes. Na Ásia, é um problema enorme. Muitas pessoas tiveram a nacionalidade recusada e o direito de circular sem perigo de um país a outro. Em Mianmar, os rohingyas eram cidadãos birmaneses até 1982, mas uma lei confi scou a nacionalidade”, disse. “É uma violação grave dos direitos humanos”. 15 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 ‘Emprego é direito social’ O artigo 19, sobre a liberdade de expressão, é um verdadeiro desafi o em Bangladesh, de acordo com Adilur Rahman Khan, vice- presidente da Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH). “Não há liberdade de expressão, de associação, ou de reunião. Os jornalistas, os militantes nas redes sociais, os defensores de direitos humanos são alvos recorrentes das autoridades”. Dimitris Christopoulos, presidente da FIDH e professor de ciência política na Universidade Panteão, de Atenas, levanta o problema do direito ao trabalho na Grécia. “É um direito social, e não individual, que depende da implicação efetiva do Estado, que deve fazer de tudo para que as pessoas tenham acesso a esse direito. Sou professor na universidade e posso dizer que metade dos meus estudantes fi cam desempregados após obterem o diploma. Estamos falando de 54% de desemprego da juventude grega, 26% de desemprego geral. Metade da sociedade é afetada”, afi rmou à RFI. FONTE: <https://cutt.ly/Of583HP>. Acesso em: 18 ago. 2020. 1 Analisando a charge a seguir, em que a personagem Mafalda faz um contraponto entre os direitos humanos e os 10 mandamentos bíblicos, o que ela sugere com essa comparação? FONTE: <https://brainly.com.br/tarefa/30568000>. R.: _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ ____________________________. 16 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 2.1.2 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Resultado, como visto anteriormente, da cisão dos Direitos Humanos em decorrência da Guerra Fria, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais possui no seu cerne determinados direitos, são eles: direito ao trabalho com igualdade de gênero em relação à remuneração; direito de formação de sindicatos; direito à greve; direito à previdência e assistência social; direitos relativos à maternidade; direitos da criança, coibindo o trabalho infantil; direito a nível de vida justa relacionado às necessidades básicas; direito de estar a salvo da fome; direito à saúde física e mental; direito à educação; direito à cultura e acesso à ciência (MODELL, 2000). Ocorre, porém, uma certa diferenciação no que concerne à aplicabilidade dos dois pactos. Enquanto o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos deve ser obrigatoriamente assegurado pelos Estados, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais não é obrigatório para os Estados, os quais apenas devem se comprometer a adotar medidas econômicas e técnicas necessárias, tanto de ordem interna como por meio da cooperação internacional, a fi m de conseguir a plena efetividade dos direitos nele contemplados (MODELL, 2000). Acesse o site a seguir e faça uma leitura atenta do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em: https://cutt.ly/XgxDj5z 2.1.3 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos Demorou um tanto para que todos os países fossem adeptos do Pacto dos Direitos Sociais e Políticos. Isso se deu devido às consequências jurídicas relacionadas a essa adesão. Acontece que essa categoria de direitos se defi ne por ocasionar responsabilidades aos Estados, os quais se veem obrigados a empregar capital para concretizá-los (MODELL, 2000). 17 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 Há um conjunto de direitos que compõe o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, são eles: direito à garantia judicial; igualdade de direitos entre homens e mulheres; direito à vida; proibição da tortura; proibição da escravidão, servidão e trabalho forçado; liberdade e segurança pessoal; proibição de prisão por não cumprimento de obrigação contratual; liberdade de circulação e de residência; direito à justiça; direito à personalidade jurídica; proteção contra interferências arbitrárias ou ilegais; liberdade de pensamento, de consciência e de religião; liberdade de opinião, de expressão e informação; direito de reunião; liberdade de associação; direito de votar e de ser eleito; igualdade de direito perante a lei e direito à proteção da lei sem discriminação; e ainda direitos da família, das crianças, das minorias étnicas, religiosas e linguísticas (MODELL, 2000). Nesse pacto, ao contrário do anterior, para que os direitos sejam de fato concretizados, os Estados fi cam compelidos a remeter relatórios, periodicamente, ao Comitê de Direitos Humanos, relatando quais as providências tomadas para a execução do que foi acordado em nível de direitos. Acesse o site a seguir e faça uma leitura atenta do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos: https://cutt.ly/WgxDosG. 2.2 OUTROS TRATADOS INTERNACIONAIS Existem outros tratados internacionais de Direitos Humanos que foram assumidos a partir de 1945 e que ampliaram a estrutura internacional dos Direitos Humanos. 18 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 2.2.1 Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948) Crucial para o desenvolvimento do Direito Internacional, emergiu a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, o que ocorreu no contexto posterior às duas Grandes Guerras (SOUZA, 2011). Ainda que a ele sejam dirigidas críticas quanto a sua factibilidade, é considerado o primeiro tratado de Direitos Humanos da ONU, tendo conseguido a façanha de fazer com que os países-membros introduzissem em seus códigos penais o crime de genocídio (SOUZA, 2011). Infelizmente, em vigor há mais de 60 anos, a Convenção não tem mostrado muita efi ciência frente à prevenção do crime de genocídio, que ocorreu em diversos contextos e momentos e não foi coibido. Acredita-se que essa inefi cácia tenha relação com a soberania dos Estados, que muitas vezes consideram “a questão da soberania nacional como superior à defesa e preservação dos direitos humanos” (SOUZA, 2011, p. 89). 1 Observe a imagem a seguir referente ao campo de concentração de Auschwitz, localizado na Polônia. Leia também o trecho do texto “Educação após Auschwitz”, do fi lósofo Theodor Adorno, pertencente à Escola de Frankfurt. FONTE: <https://cutt.ly/ugxDxiR>. Acesso em: 18 ago. 2020. 19 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 “Milhões de pessoas inocentes – e só o simples fato de citar números já é humanamente indigno, quanto mais discutir quantidades – foram assassinadas de uma maneira planejada. Isto não pode ser minimizado por nenhuma pessoa viva como sendo um fenômeno superfi cial, como sendo uma aberração no curso da história, que não importa, em face da tendência dominante do progresso, do esclarecimento, do humanismo supostamente crescente” (Theodor Adorno, Educação após Auschwitz). FONTE: <https://cutt.ly/dgxDltj>. Acesso em: 18 ago. 2020. Agora que você observou a imagem e leu o trecho do texto de Adorno, realize uma pesquisa no site https://www.infoescola.com/ historia/campo-de-concentracao-de-auschwitz/ e redija ao menos um parágrafo a respeito da relação que o campo de concentração de Auschwitz tem com a questão do genocídio. R.:____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ______________________. 2.2.2 Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965) A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial ilustra um enorme progresso em Direitos Humanos. A referida convenção evidencia que houve um entendimento da comunidade internacional em torno da necessidade urgente de extirpar o racismo da vida em sociedade. Este consenso internacional ultrapassou a própria complexidade cultural das sociedades, de modo que todas passaram a compartilhar de uma 20 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS linguagem quando o que está em jogo é a questão da discriminação racial (PIOVESAN; GUIMARÃES, c2020). Valores, como igualdade, tolerância e respeito à diferença devem ser resguardados por meio da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial. A grande meta é a erradicação da discriminação racial e o incentivo de estratégias para promover a igualdade, porém, está claro que apenas uma legislação repressiva seja sufi ciente para asseverar a igualdade e eliminar a discriminação. Além disso, é preciso que se faça uso de métodos que auxiliem na inclusão social de segmentos sociais que estiveram historicamente em situação de vulnerabilidade (PIOVESAN; GUIMARÃES, c2020). A Convenção possui mecanismos de monitoramento dos direitos, exigindo dos diferentes países a apresentação de relatórios que identifi quem a maneira através da qual cada país vem cumprindo os dispositivos da Convenção. Sugere-se que para que a eliminação da discriminação racial se efetive, sejam combinadas estratégias repressivas e estratégias promocionais (PIOVESAN; GUIMARÃES, c2020). Prezado acadêmico, a seguir, uma imagem de integrantes da Ku Klux Klan, nos EUA, organização racista que propagava o ódio contra os negros. FIGURA 2 – KU KLUX KLAN FONTE: <https://cutt.ly/kgxDcVD>. Acesso em: 18 ago. 2020. 21 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 Acesse o site https://cutt.ly/AgxDv0G, leia o texto e refl ita a importância da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, tendo em vista tal acontecimento histórico. 2.2.3 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979) A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979) é resultado de longa data de esforços em nível internacional. Tem-se aí o primeiro tratado internacional que discorre acerca dos direitos humanos das mulheres (SCHIAVO; OBREGON, 2018). É importante esclarecer que a referida Convenção está amparada pela Carta das Nações Unidas, na qual já consta a imprescindível igualdade de direitos entre homens e mulheres. Tem igualmente como suporte a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que também faz referência a tais direitos (SCHIAVO; OBREGON, 2018). No artigo 1º da Convenção é colocado o conceito de discriminação contra a mulher. A Convenção expõe também um conjunto de responsabilidades que os estados devem observar com relação ao combate à discriminação e em defesa da igualdade de gênero (SCHIAVO; OBREGON, 2018). É colocada a necessária atuação dos Estados Partes de maneira que garantam o andamento dos direitos da mulher. Nesse sentido, eles deverão adotar medidas específi cas que agilizem a concretização desses direitos, porém, é apontado que apenas o meio normativo é insufi ciente na promoção dos direitos das mulheres, devendo haver o incentivo a medidas socioculturais e educacionais (SCHIAVO; OBREGON, 2018). É necessário ainda que haja o incentivo da inclusão das mulheres no âmbito político e público do país e que a elas sejam supridas as carências nos âmbitos: do mercado de trabalho, da área da saúde, do setor fi nanceiro e do setor jurídico (SCHIAVO; OBREGON, 2018). 22 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Observe as imagens a seguir e refl ita o quanto elas signifi cam: FIGURA 3 – CONQUISTA DO VOTO FEMININO FONTE: <https://cutt.ly/of6jAYr>. Acesso em: 18 ago. 2020. FIGURA 4 – QUEIMA DE SUTIÃS FONTE: <https://cutt.ly/2f6jSpk>. Acesso em: 18 ago. 2020. A primeira imagem, no Brasil, em 1932, mostra a ocasião em que o Código Eleitoral passou a garantir o direito ao voto às mulheres brasileiras. A segunda imagem, que data de 1968, retrata simbolicamente, mediante a queima de sutiãs, a oposição à opressão estética a qual as mulheres estavam submetidas. A partir da sua observação, converse com outras alunas sobre a efetividade dos direitos das mulheres na atualidade. 23 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 2.2.4 Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada em 20 de novembro de 1989, em Assembleia Geral das Nações Unidas. Ao longo dos seus 54 artigos, a referida convenção auxiliou em grande medida na admissão dos direitos de crianças e adolescentes em nível internacional. A Convenção foi ratifi cada por 193 países, de modo que muitos deles inseriram em suas legislações estatutos relativos ao tema (SOUZA; ALBUQUERQUE; ABOIM, 2019). Em 1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança aponta a necessária proteção da infância, de modo a colocar a criança como sujeito de direitos. Assim, as crianças começam a ser encaradas como sendo titulares de direitos universalmente reconhecidos e que o Estado, a família e a sociedade devem assegurar (SOUZA; ALBUQUERQUE; ABOIM, 2019). Comparativamente à postura anteriormente vigente, que desconsiderava a criança enquanto sujeito de direito, a Convenção sobre os Direitos da Criança pode ser vista de forma revolucionária devido à grande mudança proporcionada em termos culturais, normativos e sociais no que concerne ao tratamento da criança (SOUZA; ALBUQUERQUE; ABOIM, 2019). No Brasil, especifi camente, temos o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado mediante a Lei nº 8.069/1990, que dispõe sobre a proteção à criança e ao adolescente, garantindo a estes os direitos fundamentais e o exercício da cidadania (BRASIL, 1990). Entretanto, na realidade brasileira, o que percebemos ainda é a continuidade do trabalho infantil e o desrespeito ao direito da criança. 24 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 1 Assista ao vídeo a seguir e descreva o que a reportagem fala da exploração infantil no Brasil e as propostas para o seu término. FONTE: <https://cutt.ly/igxDa1W>. Acesso em: 18 ago. 2020. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ _________________________________________________. 2.2.5 Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Defi ciência (2006) A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Defi ciência foi assinada no fi m de março de 2007, durante a Assembleia das Nações Unidas. Essa convenção trata do instrumental legal para fazer valer a promoção e proteção dos direitos humanos das pessoas com defi ciência (PEREIRA; LARA; ANDRADE, 2018). 25 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 Para tanto, a referida Convenção assume um conceito social de defi ciência, de modo a distanciar-se de perspectivas estritamente biomédicas ou funcionais. No artigo 1, as pessoas com defi ciência são defi nidas de modo bem amplo, incorporando tanto as defi ciências físicas quanto as defi ciências mentais ou intelectuais. Mediante essa conceituação, a Convenção coloca como seusobjetivos a promoção, a proteção e a garantia do exercício integral e justo de todos os Direitos Humanos e de todas as liberdades fundamentais para a totalidade das pessoas com defi ciência. A ideia é que os Estados Partes empreguem providências para a inclusão das pessoas com defi ciência na sociedade, bem como para que se concretize o respeito aos seus Direitos Humanos (PEREIRA; LARA; ANDRADE, 2018). 1 Acesse o link https://cutt.ly/Wf6kjSk e assista ao vídeo. Em seguida, escreva um pequeno parágrafo refl etindo como a ONU tem se posicionado com relação às pessoas com defi ciência. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ _________________________________________________. 26 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 3 HISTÓRIA E FUNDAMENTOS DAS POLÍTICAS SOCIAIS Antes de mais nada, é necessário expor aqui o que se entende por política social. De acordo com Fleury e Ouverney (2008), política social consiste em um termo empregado de forma restrita para se referir a todas as políticas que os governos desenvolvem voltadas para o bem-estar e a proteção social. Em uma concepção mais ampla, a política social abrange tanto os meios pelos quais se promove o bem-estar em cada sociedade quanto os determinantes do desenvolvimento social. Neste sentido, deixa de ser uma ação exclusivamente governamental para envolver outros atores sociais. Existem muitas formas de se defi nir política social, por exemplo, de acordo com os propósitos, setores, problemas, processos decisórios, relações de poder e funções. Cada uma delas apresenta vantagens e desvantagens específi cas. Uma das defi nições mais utilizadas concebe a política social como conjunto de ações que objetivam a promoção da igualdade e do bem-estar, enfatizando, assim, os valores que guiam tais ações. Este é um aspecto importante porque as políticas sociais são sempre orientadas por valores, embora, em muitos casos, não haja correspondência entre o resultado fi nal e os objetivos iniciais da política. A criação de políticas sociais se deu em resposta ao modo como a questão social vinha sendo encaminhada na sociedade capitalista, a qual tem no seu cerne uma relação desigual e de exploração pelos que detêm o capital em detrimento daqueles que dele são despossuídos e que têm apenas a sua mão de obra enquanto moeda de troca (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Para início de conversa, o que o Coefi ciente de Gini nos mostra é que há desigualdade social. Lembrando que o Coefi ciente de Gini realiza suas medidas tomando um número entre 0 e 1, de modo que 0 pode ser identifi cado com a absoluta igualdade e 1 pode ser referido como a absoluta desigualdade. O que de forma mais ilustrativa pode ser apresentado por meio do mapa a seguir. 27 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 FIGURA 5 – COEFICIENTE DE GINI FONTE: <https://cutt.ly/Yf6kSOc>. Acesso em: 18 ago. 2020. Conforme o mapa apresentado anteriormente, ao tomar o coefi ciente de Gini, é possível medir o nível de desigualdade na distribuição de renda, de modo a identifi car numa população determinada onde está localizada a parcela da população que detém mais renda e a que detém menos renda. 3.1 O LIBERALISMO, O CAPITAL E A FORÇA DO MERCADO De acordo com Behring e Boschetti (2011), o liberalismo, extremamente arraigado no intervalo que vai da metade do século XIX até a terceira década do século XX, tem como pilar a perspectiva do trabalho como mercadoria, bem como a sua regulação pelo mercado. Baseada na perspectiva smithiana do livre mercado, a ideia é que essa liberdade ilimitada é que proporciona o bem-estar e o bem comum. Nessa direção, para que o mercado regule as relações sociais, é necessário que o Estado tenha atuação mínima, sendo visto na perspectiva liberal como um mal necessário (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Na perspectiva liberal, existem capacidades presumidamente inatas e cabe a cada indivíduo potencializá-las. Além disso, o capitalismo liberal argumenta a 28 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS favor da frágil intervenção do Estado na garantia de direitos sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Existem alguns aspectos cruciais do liberalismo relativos à atuação mínima do Estado no sentido de introdução de políticas sociais. As autoras apontam: o predomínio do individualismo; o bem-estar individual maximiza o bem-estar coletivo; o predomínio da liberdade e competitividade; a naturalização da miséria; o predomínio da lei da necessidade; a manutenção de um Estado mínimo; as políticas sociais estimulam o ócio e o desperdício; a política social deve ser um paliativo (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). 1 Acesse o link: https://cutt.ly/qgxDnVk e assista à entrevista da professora Ivanete Boschetti a respeito da política social. Qual a refl exão que a especialista realiza com relação às políticas sociais de um modo geral e no contexto brasileiro em específi co? R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 29 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 3.2 O PAPEL DA CLASSE TRABALHADORA As origens das políticas sociais têm estreita relação com as lutas travadas pela classe trabalhadora. A imagem a seguir é paradigmática de como o trabalhador teria sido transformado numa engrenagem das máquinas, perdendo sua identidade e sendo consumido pelo modo de produção capitalista, em que realiza um trabalho alienado, sem contato com o resultado do produto do seu trabalho. FIGURA 6 – CENA DO FILME TEMPOS MODERNOS FONTE: <https://cutt.ly/zf6zuuF>. Acesso em: 18 ago. 2020. O fi lme Tempos Modernos, que tem como protagonista Carlitos, ilustra a vida urbana nos EUA em 1930, onde já predominava o modo de produção industrial ancorado na divisão do trabalho, bem como na sua especialização. O operário se responsabiliza por determinada fase da produção, a qual deve acontecer em tempo reduzido e de forma repetida. A repetição e a destituição do produto do seu trabalho fazem com que esteja alienado nesse processo. Trata-se de uma forte crítica ao modo de produção industrial capitalista, que tem no seu cerne a busca pelo lucro desenfreado e a exploração sem limites da classe trabalhadora, a qual é engolida pelo poderio do capital. 30 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Acesse o link: https://cutt.ly/AgxDQJj e assista ao trecho do fi lme “Germinal”, baseado no romance de Émile Zola. Converse com seus colegas sobre suas refl exões acerca do fi lme. A Revolução Industrial provocou uma série de transformações políticas, econômicas e sociais na história. O escritor francês Émile Zola (1840-1902) representou essas transformações brilhantemente em uma das suas mais célebres obras, “O Germinal”. Inspirado pela obra de Zola e pela escola literária denominada “Naturalismo”, o romance foi adaptado para o cinema sob a direção de Claude Berri, em 1993. O fi lme “O Germinal” aborda as relações de trabalho, as lutas de classe existentes na sociedade capitalista, o processo de instalação do capitalismo nas cidades e o ritmo da produção e da exploração dos trabalhadores pelos patrões através do trabalho desumano nas minas de carvão francesas, retratando claramente as severas transformações sociais impostas pelo modo de produção capitalista. O título do fi lme faz relação com o processode desenvolvimento e de amadurecimento dos movimentos grevistas das minas de carvão do século XIX na França. Essas manifestações foram provocadas pelas condições precárias de trabalho, pela miséria, exploração e pelos baixos salários impostos pelos patrões ao operariado. FONTE: <https://cutt.ly/vf6zdxe>. Acesso em: 18 ago. 2020. 31 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 Os trabalhadores, na metade do século XIX, estruturaram as caixas de poupança e previdência como artifício para a organização operária e com vistas a possibilitar que os trabalhadores se mantivessem em greve (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). O empenho e a mobilização dos trabalhadores enquanto classe foram fundamentais para que ocorresse uma signifi cativa transformação no que concerne ao formato do Estado liberal relativamente ao fi m do século XIX e início do século XX. A classe trabalhadora, ancorada em pautas, como emancipação humana, socialização da riqueza e sociabilidade não capitalista, proporcionou consideráveis conquistas no que diz respeito aos direitos políticos, como direito ao voto, direito à organização sindical e partidária, direito à liberdade de expressão e de manifestação (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). O fato é que a atuação da classe trabalhadora auxiliou em grande medida na ampliação dos direitos sociais, bem como no tensionamento, no questionamento e na mudança com relação ao papel do Estado no contexto do capitalismo (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Importante salientar que a emergência de políticas sociais ocorreu de forma paulatina e distinta de acordo com os diferentes países e contextos sociais, estando vinculada em grande parte a já referida pressão exercida por parte da classe trabalhadora, bem como do nível de desenvolvimento das forças produtivas. Há um consenso quanto ao fato de que o fi nal do século XIX seria a fase em que o Estado capitalista começa a adotar e a concretizar ações sociais de modo mais estruturado e com natureza obrigatória (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Ao longo do processo de Depressão, nos EUA, ocorre uma multiplicação lenta em termos de políticas sociais, que se estenderá até 1939, e se difundirá no início da fase de expansão após a Segunda Guerra Mundial (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). A “revolução keynesiana”, em sintonia com a experiência do New Deal, foi uma forma de inspiração principalmente para as tentativas da Europa em sair da crise. Nesse contexto, ocorre uma generalização das políticas sociais, tendo sido resultantes do estabelecimento de um acordo social com frações do movimento operário, crucial nessas mudanças (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). 32 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 3.3 O WELFARE STATE OU ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL O Estado de Bem-Estar Social é constituído, na Europa, depois da Segunda Guerra Mundial. Importante salientar que um dos pilares para o sistema de proteção social em diversos países europeus foi o Plano Beveridge, que data de 1942. Esse sistema de proteção teve como norte a concepção de Seguridade Social, a qual era tomada enquanto um rol de programas focados na proteção contra as seguintes adversidades humanas e sociais: doença, desemprego, a morte de arrimo da família, envelhecimento, defi ciência, acidentes etc. (YAZBEK, 2008). De modo geral, o Estado de Bem-Estar Social tem sido defi nido em torno da responsabilidade que o Estado possui com relação ao bem-estar de seus cidadãos. Nesse sentido, ele deve proporcionar um nível básico de vida para todos mediante um conjunto de serviços (YAZBEK, 2008). Ocorre que há uma relação entre as Políticas de Bem-Estar Social e a demanda por administrar as contradições inerentes à reprodução da sociedade capitalista. Nessa perspectiva, o que vemos é que o Estado social nada mais é do que uma modalidade de Estado ajustado às determinações econômicas e que tem na Política Social uma maneira de admitir os direitos sociais, os quais são, no fi nal das contas, corretivos de uma estrutura de desigualdade (YAZBEK, 2008). Na realidade brasileira, em particular, o sistema de proteção social pode ser visualizado, inicialmente, por meio da Lei Eloy Chaves, de 1923. Nela, iniciam-se as chamadas Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs). É somente nos anos de 1930 que a questão social toma maiores proporções. Nesse momento, são criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) na perspectiva do seguro social. Aos poucos, o Estado vai ampliando mecanismos de proteção social, objetivando diminuir as desigualdades e garantir direitos sociais. No entanto, isso não proporcionou o reconhecimento e o status de Estado de Bem-Estar Social. O que o Estado brasileiro fez nesse momento foi privilegiar o seguro social e se posicionar em termos de direitos sociais de forma paternalista e controladora (YAZBEK, 2008). Foi no Estado Novo, com Getúlio Vargas, que as políticas sociais começam a se desenvolver como refl exo do processo de industrialização e das demandas 33 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 sociais advindas dele. Nessa ocasião, porém, institui-se uma divisão: de um lado, a atenção previdenciária aos trabalhadores formais, de outro lado, os trabalhadores informais, sem respaldo algum, dependendo de instituições sociais. O trabalhador pobre sem carteira assinada se valia de obras sociais e fi lantrópicas. Nesse sentido, em termos estatais, a atenção a essa parcela da população se calcará na lógica da benemerência (YAZBEK, 2008). No Brasil, com a Constituição de 1988, é estabelecido o sistema de Seguridade Social. Ainda assim, mesmo dando esse grande passo, é necessário apontar que as políticas sociais brasileiras acabaram por tomar uma tendência compensatória e seletiva, o que as colocaram no rumo dos não direitos e da não cidadania (YAZBEK, 2008). Ocorre que a incipiente proposta de Seguridade Social estabelecida pela Constituição de 1988 será rapidamente colocada diante de uma contradição (consequência do avanço do neoliberalismo) difícil de desfazer: se, de um lado, o Estado brasileiro com a Constituição Federal indica o necessário reconhecimento de direitos, por outro lado, esse mesmo Estado compactua com a nova ordem capitalista, tendo de se moldar a ela (YAZBEK, 2008). De acordo com Fleury e Ouverney (2008), os sistemas de proteção social emergiram na Europa no fi nal do século XIX. Considerando que esses sistemas emanaram em sociedades nacionais específi cas, o modo como foram conduzidos tem estreita relação com a confi guração social de cada sociedade, ou seja, com a realidade e o contexto próprios de cada sociedade. No entanto, a despeito das diferenças existentes em cada contexto, Fleury e Ouverney (2008) consideram possível traçar três tipos ideais de sistemas de proteção social. Analisando casos históricos do desenvolvimento dos sistemas de proteção social em países considerados industrializados, foi possível construir uma tipologia das formas de proteção social. A construção de tipos ideais organiza em grupos as características que, em geral, aparecem em conjunto nos sistemas de proteção social. Contudo, nem todas as características de cada grupo se apresentaram em cada caso histórico concreto. Daí utilizarmos a noção de tipos ideais. O uso desses tipos ideais tem como objetivo identifi car distintos modelos de proteção para a comparação entre países e para a análise de realidades concretas. Nesta tipologia, além dos elementos ideológico e valorativo que estão nas bases dos sistemas de proteção, são apresentados os elementos organizativos e institucionais que viabilizam a implementação das opções políticas adotadas em cada caso. Por fi m, nessa tipologia, são assinaladas as relações entre os modelos de proteção social e as condições de cidadania geradas em cada caso. Vamos observar que os sistemas de proteção social, ainda que possam oferecer 34 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS benefícios similares, tendem a projetar efeitos políticoscom relação à cidadania, que podem ser altamente diferenciados. Em outras palavras, cada sociedade responde à necessidade de criar políticas de proteção social de acordo com os valores compartilhados, com suas instituições, com a relação de maior ou menor peso do Estado, da sociedade e da comunidade. Em cada contexto singular, com uma dada relação das forças sociais, emergirá um modelo de proteção social peculiar àquela sociedade. Os diferentes modelos podem ser entendidos a partir da modalidade de proteção social que provê os critérios de organização dos sistemas e de incorporação das demandas sociais, por meio de uma institucionalidade específi ca. Assim, encontramos as seguintes modalidades da proteção social: a assistência social, o seguro social e a seguridade social. Os modelos variam no que toca à concepção de políticas sociais e suas instituições. Fleury e Ouverney (2008) apresentam os seguintes modelos de proteção social. QUADRO 1 – MODELOS DE PROTEÇÃO SOCIAL FONTE: Fleury e Ouverney (2008, p. 10) 35 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 No modelo denominado assistência social, o indivíduo somente é foco da política social se comprovar sua condição de miserabilidade. Por isso, é denominada cidadania invertida, visto que o indivíduo não é enxergado como possuidor de um direito, mas alguém que recebe o benefício por sua condição carente (FLEURY; OUVERNEY, 2008). Enquanto a assistência é direcionada para os despossuídos, o seguro social está orientado para trabalhadores formais e organizados politicamente. O que vemos, então, é uma vinculação da política social à inserção no mercado de trabalho, situação denominada de cidadania regulada (FLEURY; OUVERNEY, 2008). No modelo de Seguridade Social, o que se tem são políticas públicas calcadas na justiça social, na qual para todos os cidadãos é assegurado o direito a um mínimo vital. Baseado historicamente no plano Beveridge, o qual pela primeira vez na história prevê a necessária garantia da condição de cidadania dos indivíduos, de modo que estes tivessem a manutenção de seus direitos sociais por parte do Estado. A garantia de direitos se dá independente de contribuições anteriores, havendo como norte apenas a necessidade dos indivíduos. Isso torna possível o caminhar para uma redistribuição que prima pela reparação das desigualdades. Fala-se, assim, nesse modelo, de uma cidadania universal (FLEURY; OUVERNEY, 2008). Welfare States (Estados de Bem-Estar Social) Este termo designa as políticas desenvolvidas em resposta ao processo de modernização das sociedades ocidentais, consistindo em intervenções políticas no funcionamento da economia e na distribuição social de oportunidades de vida, que procuram promover a seguridade e a igualdade entre cidadãos, com o objetivo de fomentar integração social das sociedades industriais altamente mobilizadas. Primeiro, os Welfare States consistem em uma resposta às crescentes demandas por seguridade socioeconômica em um contexto de mudança na divisão do trabalho e de enfraquecimento das funções de seguridade das famílias e associações debilitadas pela Revolução Industrial e a crescente diferenciação das sociedades. Segundo, eles representam respostas às crescentes demandas por igualdade socioeconômica surgidas no processo de crescimento dos Estados nacionais e das democracias de massa com a expansão da cidadania. Nesta perspectiva, os Welfare States são um mecanismo 36 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS de integração que neutraliza as características destrutivas da modernização, e sua essência reside na responsabilidade pela seguridade e pela igualdade, realizada por meio de políticas distributivas. FONTE: FLEURY, S.; OUVERNEY, A. M. Política e sistema de saúde no Brasil. 2008. Disponível em: https://cutt.ly/Df6zQVX. Acesso em: 27 ago. 2020. 3.4 OS DIREITOS NO BRASIL: A REDEMOCRATIZAÇÃO, A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ DE 1988 E A SEGURIDADE SOCIAL No contexto brasileiro, assim como no contexto de outros países, existem particularidades que condicionam a constituição das políticas sociais, bem como o modo como elas se desenvolvem. O Brasil, país periférico, não foge a essas particularidades que, inclusive, relacionam-se ao seu status de país marginal no mundo capitalista (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). O que se desenrolou no contexto brasileiro foi, desde o início, a inexistência de engajamento convincente com relação à proteção dos direitos dos indivíduos, que se apresenta enquanto algo inabalável na formação brasileira e como algo imprescindível para realizar uma refl exão sobre a confi guração da política social no Brasil (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Vivíamos num país onde predominavam os interesses de uma aristocracia agrária e onde a modernização não havia sido concretizada com efetividade para que trilhássemos um caminho diferente. A condição estrutural brasileira não propiciou, ao contrário de outros países, a elaboração de uma conscientização, bem como de uma ação política do operariado, o que apenas veio a ocorrer no começo do século XX. Assim, podemos afi rmar que o advento da política social no Brasil não acontece em momento histórico equivalente ao dos países de capitalismo central (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Assim, a questão social apenas se apresentou como questão política no Brasil a partir da primeira década do século XX, graças ao esforço e enfrentamento dos 37 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 trabalhadores que pressionaram no sentido da criação de legislação direcionada para o mundo do trabalho. A classe trabalhadora, ainda que tardiamente se comparada a outros países, reivindicou direitos sociais, principalmente direitos trabalhistas e previdenciários (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Greve Geral de 1917 A Greve Geral de 1917 foi um movimento urbano de paralisações no trabalho iniciadas por empregados de fábricas do setor têxtil na cidade de São Paulo, em julho de 1917. Desde o início do ano de 1917, houve paralisações nas fábricas da cidade, reivindicando melhores condições de trabalho e aumento salarial, que ao longo daquele ano difundiram- se até constituírem uma Greve Geral no mês de julho. A carestia e o aumento da carga horária de trabalho foram os fatores materiais que levaram os trabalhadores a suspender dias de exercício das funções que realizavam. A emergência dos ideais anarquistas e socialistas foram os fatores subjetivos necessários à expansão do movimento grevista. A conjuntura internacional da Primeira Guerra Mundial e o crescimento dos movimentos operários impactaram a política e a economia brasileiras, inclusive, infl uenciando o desencadeamento da Greve Geral. A ampliação da exportação de insumos básicos da alimentação aos países aliados na Primeira Guerra Mundial gerou aumento dos preços no mercado interno e acarretou na carestia que atingiu, sobretudo, os trabalhadores. A ampliação da exportação dos produtos nacionais também ocasionou o aumento da carga horária de trabalho para a ampliação da produção voltada ao mercado externo. Já o crescimento dos movimentos operários pelo mundo possibilitou aos trabalhadores o desenvolvimento teórico que os respaldou. No caso da Greve Geral, em São Paulo, destacou-se a interpretação do “anarcossindicalismo” dos pensadores Malatesta e Sorel. O movimento grevista de 1917 foi composto, sobretudo, por imigrantes italianos. Esses imigrantes trouxeram do país de origem os ideais anarquistas e socialistas que embasaram a greve. Não somente os operários eram majoritariamente italianos, também predominavam entre os proprietários das fábricas os imigrantes dessa nacionalidade, que já haviam entrado em contato anteriormente com a forma de organização dos trabalhadores na Itália. A participação da Itália na Primeira Guerra Mundial era outro elemento que se somava ao confl ito entre patrões e empregados, pois havia quem era favorável à entrada do país na guerra e aquelesque eram contrários. Havia, inclusive, a 38 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS obrigatoriedade de doação de parcela do salário dos trabalhadores ao Comitê Italiano Pró-Pátria de São Paulo, que enviava verbas para o empenho bélico da Itália na Grande Guerra. Entre as pautas da greve da fábrica Crespi estava a abolição dessa contribuição (Cf. BIONDI). O cotonifício Crespi foi a primeira indústria na qual eclodiram paralisações. Os trabalhadores do cotonifício estavam insatisfeitos com a nova exigência do trabalho noturno e, por isso, entraram em greve para reivindicar, além da extinção da contribuição ao esforço bélico italiano, aumento salarial e a regulamentação do trabalho de mulheres e crianças. Esse movimento grevista infl uenciou o desencadeamento de paralisações em outras fábricas, e as greves disseminaram-se rapidamente entre as pequenas ofi cinas e fábricas de grande porte, como Crespi, Antarctica, Fábrica Mariangela de Matarazzo, Estampería Matarazzo, Tecidos de Juta, Lanifício De Camillis (Cf. Idem). Para coordenar as greves, foi criado o Comitê de Defesa Proletária, em 9 de julho, composto por lideranças sindicais anarquistas e socialistas. Além das paralisações, houve também em julho embates de rua com assaltos e com ataques à cavalaria da polícia. Nesses protestos de 11 e 13 de julho ocorreram as mortes de Nicola Salermo, José Gimenez Martinez e da menina Edoarda Bindo, que causaram comoção popular e praticamente destituíram os poderes de governo na cidade (Cf. Idem). Somente em 14 de julho houve a assinatura de um acordo entre empresários, o secretário de segurança pública Eloy Chaves e o Comitê de Defesa Proletária. Nesse acordo, os empresários e os secretários comprometiam-se em não fazer retaliações aos operários grevistas, em aumentar os salários, em libertar os operários que foram detidos em manifestações e garantir o direito de reunião. Apesar dessa negociação, o movimento grevista alcançava o ápice e, em 16 de julho, as greves espalhavam-se por cerca de 90 estabelecimentos e contavam com quase cinquenta mil trabalhadores. Somente no fi m do mês de julho ocorreu o descenso do movimento com a diminuição de grevistas e de estabelecimentos com operários em greve (Cf. Idem). A Greve Geral de 1917 foi o primeiro movimento grevista expressivo ocorrido até aquele momento no Brasil. Como punição aos grevistas, muitos foram expulsos do país com a aplicação da Lei Adolfo Gordo (de 1907), que tinha como foco desmobilizar o anarcossindicalismo. Os líderes sindicais Teodoro Monicelli e Luigi Damiani tiveram que retornar à Itália com a aplicação dessa lei. A legislação trabalhista da década de 1920 também foi criada a partir das necessidades de respostas ao movimento grevista e como forma de contenção de sublevações. Após a Greve Geral de 1917 ressurgiram ligas de ofício que existiam antes de 1914 e surgiram várias ligas operárias (Cf. Idem). O período ascensional 39 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 do movimento operário perdurou de 1917 a 1920, irradiando-se para as regiões periféricas da cidade de São Paulo e para a cidade do Rio de Janeiro. FONTE: RODRIGUES, N. Greve geral de 1917. 2020. Disponível em: https://cutt.ly/df6zONL. Acesso em: 18 ago. 2020. A adesão brasileira à dinâmica internacional dos Direitos Humanos ocorre com o processo de redemocratização do país, efetuado em 1985. Com a Constituição Federal de 1988 a incorporação de direitos fi ca mais evidente. Na Carta Magna foram ratifi cados: a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura; a Convenção sobre os Direitos da Criança; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; a Convenção Americana de Direitos Humanos; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. 1 Acesse o link a seguir, leia o artigo e descreva o que signifi cou o movimento das Diretas Já e qual a sua relação com os Direitos Humanos. Disponível em: https://cutt.ly/egxDROm. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 40 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS De acordo com Piovesan (2000), existe uma relação clara entre a democracia e os Direitos humanos. Tal relação acontece no seguinte sentido: o processo de democratização brasileira consente a certifi cação de importantes tratados internacionais sobre Direitos Humanos, por seu turno esta certifi cação consente o robustecimento do processo democrático. FIGURA 7 – SEGURIDADE SOCIAL FONTE: A autora Historicamente, as áreas que são contempladas pelas políticas sociais são as áreas da saúde, da previdência e da assistência social, as quais estão tradicionalmente vinculadas ao bem-estar social. De acordo com Fleury e Ouverney (2008), cada uma dessas áreas está voltada para a proteção coletiva contra riscos específi cos e, portanto, possuem aspectos singulares de elaboração, organização e implantação, assim como diferem em termos de técnicas, estratégias, instrumentos e objetivos específi cos almejados. Esses aspectos da dinâmica de cada uma das áreas da política social são complexos e importantes no desenvolvimento dos sistemas de proteção social, uma vez que são nesses aspectos que os sistemas adquirem forma concreta e agem diretamente sobre a realidade social. 41 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 Prezado acadêmico, acesse o link: https://cutt.ly/2gxDT2L, assista ao vídeo e refl ita sobre a importância da Seguridade Social Brasileira. 1 Acesse o site a seguir e leia o Artigo 194 da Constituição Federal, que trata da Seguridade Social. Aponte quais os objetivos do poder público para organizar a Seguridade Social. Disponível em: https://cutt.ly/rgxDUeY. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 42 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 3.5 A LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (LOAS), A POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (PNAS) E O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) Nesse contexto, tem-se a assistência social direcionada para os direitos de cidadania e não como algo vinculado à caridade ou a favor. A Assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade não contributiva, que provê os mínimos sociais (Art. 1° da LOAS) (BRASIL, 1993). A partir de 1988, a assistência social no Brasil passou a ser tida como direito do cidadão e dever do Estado. Antes, existiam ações assistencialistas, as quais não tinham como foco o atendimento das demandas básicas dos cidadãos. Posteriormente, a assistência social foi assumida enquanto política pública de Seguridade, devendo assim consumar direitos sociais mencionados na Constituição Federal de 1988, bem como na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) de 1993 (PEREIRA, 2007). A assistência social passou a ser considerada enquanto: política pública; política de natureza incondicional; política de competência do Estado com o controle da sociedade. Enquanto política pública, ela obteve um espaço institucional específi co, a Secretaria Nacional de Assistência Social, junto ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS), de 2004, desenvolvida junto a esse Ministério, prevê e defi ne o Sistema Único de AssistênciaSocial (SUAS) (PEREIRA, 2007). Assim, o SUAS torna-se um instrumento de organização no que diz respeito a preceitos, ações e procedimentos anunciados pela LOAS e pela PNAS, de modo a garantir operacionalmente que a Política seja implementada e gerida. Nesse sentido, o SUAS proporcionará informações sobre a organização, a oferta, a localização e a destinação de serviços, benefícios, bem como de programas e projetos previstos na LOAS e na Política. Também é por meio dele que será defi nido de que maneira serão realizados o monitoramento e a avaliação do próprio sistema e de seus alcances e limitações (PEREIRA, 2007). 43 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 Acesse o link http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm e leia a Lei nº 8.742/93, que dispõe da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Acesse também o link: https://cutt.ly/uf6zMWr e conheça o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A concepção e a efetivação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) signifi cam uma grande evolução em termos de edifi cação das políticas sociais no Brasil, em particular no que concerne à política de assistência social. Ainda que tenha demorado para se tornar parte da Seguridade Social e que sua regulamentação enquanto direito social tenha sido tardia, o que ocorreu por meio da Lei Orgânica da Assistência Social em 1993, a assistência social revela as contradições e os obstáculos, no Brasil, quando o que se pretende é a garantia e a consolidação de direitos (BOSCHETTI, 2005). 1 Observe a charge a seguir e escreva um parágrafo refl etindo o que ela quer dizer em termos de direitos fundamentais e políticas sociais. FONTE: <https://cutt.ly/QgxDIv2>. Acesso em: 18 ago. 2020. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 44 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS As políticas sociais devem assegurar direitos fundamentais, mas nem sempre conseguem intervir de forma efetiva na realidade desigual e discriminatória vivenciada no contexto brasileiro. Atualmente, mais do que nunca, temos visto por meio da drástica crise advinda com a pandemia da COVID-19, o quanto as políticas sociais são imprescindíveis. Leia a reportagem a seguir. Os impactos da pandemia no sistema de Seguridade Social “Todo o sistema de Seguridade Social no Brasil, criado com a Constituição Federal de 1988, foi colocado em prova diante da equação dos problemas nas áreas da Saúde, Assistência Social e Previdência”. A afi rmação é do advogado, especialista em Seguridade Social e professor da Unit, Guilherme Teles, que faz uma análise da crise de saúde mundial provocada pelo novo coronavírus (COVID-19), que estabeleceu um dos cenários mais complexos no que diz respeito à importância da preservação à vida, à saúde e ao seu bem-estar. “Importante lembrar que em 1947, a Organização Mundial da Saúde (OMS), estabeleceu como conceito universal de saúde: “Um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. No entanto, alguns pesquisadores e profi ssionais da área da saúde relatam que esta defi nição é mais utópica do que operacional, porém esta defi nição é válida até os dias atuais”, diz também o historiador. Guilherme Teles destaca a relevância dos direitos sociais constitucionais na vida dos cidadãos brasileiros diante dos impactos que a pandemia da COVID-19 está causando. “É fato que mesmo após 31 anos da promulgação da Constituição Federal, um dos maiores desafi os do Estado brasileiro é exatamente reduzir ou mesmo erradicar a desigualdade social, um dos maiores problemas do país há anos e que parece estar longe de encontrar uma solução efi ciente e efi caz em um curto espaço de tempo”. No entendimento do prof. Guilherme, Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Sergipe (OAB/SE), em meados do mês de março de 2020, quando foi declarada a pandemia pela OMS, caberia ao Estado brasileiro adotar todas as medidas possíveis, sobretudo, amparado na Seguridade Social, para que os danos causados à população fossem os menores 45 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 possíveis. “O Art. 6º da Constituição Federal aduz explicitamente os direitos sociais. Para reforçar a importância da proteção social, o Art. 194 traz o seguinte: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Os direitos sociais originam-se de algo ainda maior, ou seja, da própria justiça social, tão fundamental para uma vida em sociedade pautada na fraternidade e mais do que isso, pois o Art. 1º da Constituição traz como um dos fundamentos da República exatamente a dignidade da pessoa humana”. Proteção social Um dos maiores sistemas de proteção social do mundo existe no Brasil. Previsto na Constituição Federal a partir do Art. 194, está composto pela Saúde, Assistência Social e a Previdência, fundamentais neste momento de enfrentamento ao novo coronavírus (COVID-19). “A universalidade da cobertura e do atendimento à saúde, por exemplo, é o que tem minimizado os impactos da COVID-19 para praticamente 70% da população brasileira que depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). A saúde pública e gratuita é de fácil percepção na sociedade brasileira, mas nem sempre foi assim na história do país e somente a partir de 1988 que a Saúde recebeu o status constitucional, sendo criado posteriormente um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, o SUS”, lembra. Guilherme Teles levanta ainda a questão da importância da Assistência Social, voltada àqueles que, comprovadamente, necessitam da ajuda do Estado, a exemplo das medidas adotadas pelo governo federal em conjunto com o Congresso Nacional com a aprovação da Lei nº 13.982/2020, que trouxe a possibilidade de pagamento de R$ 600,00 para aquelas pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social neste momento de pandemia, mas critica a operacionalização desta ajuda. “Parece estar aquém das reais necessidades e da urgência daqueles que mais precisam, dos mais vulneráveis socialmente. Na outra ponta, ainda sobre a Assistência Social, estados e municípios estão se empenhando dentro das suas possibilidades para amparar os mais necessitados com programas de transferência de renda. Os esforços são muitos, por partes de alguns entes federativos, mas ao mesmo tempo, deve-se ressaltar que assistência social vai muito além de propiciar transferência de renda, sobretudo, quando o isolamento adotado por causa da pandemia reduz diversos serviços prestados pelas secretarias de serviço social”, atenta. 46 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Previdência Social Os impactos da COVID-19, na perspectiva da Seguridade Social, estão ligados diretamente à queda na quantidade de contribuições previdenciárias e ao mesmo tempo ao aumento das solicitações de pagamentos dos mais diversos benefícios previdenciários em escala crescente. Algumas medidas estão sendo adotadas pelo INSS para minimizar os impactos da COVID-19, como a possibilidade da perícia médica indireta para concessão do auxílio-doença, antecipação do pagamento do 13º salário dos aposentados, suspensão de prazo para a realização da prova de vida, suspensão por 120 dias de determinadas exigências para manutenção de benefícios, a intensifi cação dos serviços ofertados pelo portal MEU INSS, extensão do auxílio emergencial para os contribuintes individuais da Previdência e mudanças nas taxas e prazos nos contratos dos empréstimos consignados de aposentados e pensionistas do INSS. “Em um Estado de bem-estar social é esperado que exista um verdadeiro compromisso da tutelaestatal diante das garantias dos direitos sociais, porém o Brasil vinha adotando nos últimos anos distanciamento da Seguridade Social, principalmente do SUS após a promulgação da EC 95, que limitou os gastos públicos por pelo menos 20 anos. Inevitável a alegação de que a Seguridade Social não pode ser vista como um gasto para o Estado brasileiro, mas como um investimento na sociedade, principalmente na parcela que mais precisa da assistência de serviços essenciais para a redução das desigualdades sociais”, assegura. Guilherme Teles ressalta que na história recente do Brasil, nunca foi tão relevante a presença da Seguridade Social: Saúde, Assistência Social e Previdência, no cotidiano das vidas dos brasileiros, como sendo o maior sistema de proteção social do país e um dos maiores do mundo. “São muitos os desafi os quanto à efi cácia e à aplicabilidade das ações deste sistema de proteção social, especialmente quando há uma crise política, um embate entre o governo federal e vários governadores, pois é urgente que exista uma coordenação que gerencie a crise atual na tentativa de redução dos impactos do novo coronavírus (COVID-19), preservando as garantias constitucionais do povo brasileiro ao sistema da Seguridade Social”, fi naliza. FONTE: <https://cutt.ly/Tf6xyUU>. Acesso em: 18 ago. 2020. 47 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 1 Por meio da leitura anterior e tendo como parâmetro o que já vínhamos abordando ao longo da seção, percebe-se o quanto a Seguridade Social é importante e o quanto ela pode ser colocada à prova em momentos de grande crise como a que estamos vivendo em nível nacional e internacional. É visível, além do papel essencial desempenhado pelo sistema de saúde, o quanto o sistema de assistência social, nesse cenário, é crucial para as pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Procuramos resgatar elementos para se pensar de que modo foram constituídos os direitos humanos em nível internacional e como isso teve desdobramentos na realidade brasileira. Nessa ocasião, trouxemos à tona marcos históricos importantes, como a Carta Internacional de Direitos do Homem, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como demais fontes relevantes ao estudo dos direitos humanos. Essa digressão possibilitou que você, aluno, tivesse contato com os primórdios da constituição dos direitos humanos, sensibilizando-o para a sua importância e o quanto eles têm sido exitosos nos diferentes contextos e territórios. Trouxemos as trajetórias e os fundamentos da política social, para tanto, resgatamos os mais importantes como: o poder exercido pelo liberalismo com a proposta do mercado livre e a defesa do Estado Mínimo; o Welfare State ou Estado de Bem-Estar social e os primeiros passos em direção à proteção social após a Segunda Guerra Mundial e o papel crucial da classe trabalhadora na conquista de direitos. Mostramos também como se deram as primeiras investidas de introdução legal de direitos na realidade brasileira. Para isso, resgatamos o momento histórico de redemocratização do país, bem como apresentamos a importância da elaboração da Constituição Cidadã de 1988, na qual pela primeira vez se aventou a tratar da questão dos direitos sociais com a introdução da Seguridade Social. Por fi m, apresentamos a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), ilustrando como se dá a organização das políticas sociais em nível de assistência social no Brasil. 48 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS REFERÊNCIAS ARRETCHE, M. T. S. Políticas sociais no Brasil: descentralização em um Estado federativo. RBCS, v. 14, n. 40, 1999. BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2011. BOSCHETTI, I. O SUAS e a Seguridade Social. Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate n. 2. Suplemento. 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Por meio delas, tem sido possível a concretização da justiça social e, consequentemente, a garantia de direitos sociais desprezados ao longo da constituição da sociedade brasileira. Antes da aprovação da Constituição Federal de 1988, denominada de Constituição Cidadã, não havia um modelo que assegurasse os direitos fundamentais. O que havia até então eram ações pontuais de caráter privatista e assistencialista, que nada tinham de conexão com a efetivação dos direitos de cidadania. Com a Constituição Cidadã e a consequente criação do modelo de seguridade social, iniciou-se um processo de construção de direitos e de tentativa de apaziguamento da desigualdade social que assola o país desde o seu descobrimento. A criação de políticas sociais foi o modo encontrado para colocar em marcha a operacionalização e a garantia de direitos, a qual vem sendo aprofundada desde então com proposta de participação social e de diálogo entre os diferentes setores que compõem a sociedade. O trabalho intersetorial compõe as propostas de políticas sociais, pois se acredita ser fundamental o diálogo entre as políticas, de modo a produzir uma mobilização mais abrangente e mais enriquecedora em direção da construção de uma sociedade mais equânime. No intuito de apontar questões que estão relacionadas à constituição das políticas sociais e à garantia de direitos, traremos para refl exão o modelo se seguridade social que vigora no Brasil, composto pelo tripé: assistência social, saúde e previdência social. Assim, discorreremos as características das políticas sociais setoriais, de seguridade social e de promoção social (trabalho, renda, educação, desenvolvimento agrário e cultura). 54 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 2 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL A questão social e a desigualdade são constitutivas da sociedade capitalista. Trata-se de algo estrutural que perpassa nossa sociedade, a qual se desenvolve em função da divisão em classes e do acúmulo de riquezas, que leva a concentração da maior parte nas mãos de poucos indivíduos, havendo uma distribuição desigual entre todos (YASBEK, 2018). As políticas públicas e sociais foram criadas para dar soluções a essa desigualdade estrutural, porém, com a predominância do capital fi nanceiro que hoje salta aos olhos, os pactos sociais estabelecidos entre capital e trabalho, desde tempos remotos com o Estado de bem-estar social, foram se esvaecendo. Tem havido o desmonte das políticas sociais, podendo-se afi rmar até mesmo estar ocorrendo um ataque contra elas. O desemprego, a precarização do trabalho e a redução dos salários evidenciam a nova caracterização do capital e a desconstrução da proteção social (YAZBEK, 2018). O alto grau de informalização do trabalho no Brasil, associado às políticas de “ativação” para um mercado laboral precário e fl exível, que não garante a autossustentação do trabalhador, como prevê o receituário neoliberal, submete a classe que vive do seu próprio trabalho a condições aviltantes de assalariamento e de cidadania (PIEDADE; PEREIRA, 2016, p. 53). Atualmente, no Brasil, verifi ca-se um ataque descomunal às políticas de seguridade social como uma das estratégias levadas a cabo pelo capital fi nanceiro para abocanhar o fundo público. Tal fato tem um marco específi co que pode ser vinculado ao recente golpe parlamentar, jurídico e midiático concretizado em 2018 (YAZBEK, 2018). A situação é de tal modo grave que há aqueles que acreditam que “estamos passando de uma proteção social de baixa intensidade e abrangência para uma situação preocupante de crescente desproteção pública” (PIEDADE; PEREIRA, 2016, p. 66). 55 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 Leia o texto a seguir. Nele podemos perceber como, por meio da PEC 241 (também denominada de PEC do Fim do Mundo), os direitos têm sido escancaradamente vilipendiados. A PEC 241 (teto de gastos) ou como degradar a educação em política de governo Ano 2016 NUM 262 Maria Paula Dallari Bucci (SP) Professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Com a “PEC do teto dos gastos públicos” (Proposta de Emenda Constitucional 241/2016), os direitos sociais no Brasil, e de modo especial a educação, estão em risco. Para evitar uma leitura equivocada, veja a sua Exposição de Motivos. “O atual quadro constitucional e legal também faz com que a despesa pública seja procíclica, ou seja, a despesa tende a crescer quando a economia cresce e vice-versa. [...] A esse respeito, cabe mencionar a vinculação do volume de recursos destinados à saúde e educação a um percentual da receita. [...] é essencial alterarmos a regra de fi xação do gasto mínimo em algumas áreas. Isso porque a Constituição estabelece que as despesas com saúde e educação devem ter um piso, fi xado como proporção da receita fi scal. É preciso alterar esse sistema, [...]. Esse tipo de vinculação cria problemas fi scais e é fonte de inefi ciência na aplicação de recursos públicos” (grifos nossos). A proposta do governo atual, se implementada, vai congelar os gastos públicos no Brasil pelos próximos 20 anos, isto é, até 2036, ou seja, se nada se alterar na ordem constitucional vigente, pelos próximos cinco mandatos presidenciais! No que respeita às despesas com saúde e educação, o Art. 104 do ADCT passará a limitar as aplicações mínimas de recursos às vigentes no exercício anterior, acrescidas da variação da infl ação. Isso signifi ca que se a economia vier a se recuperar – justifi cativa e objetivo da PEC –, mesmo que o PIB volte a crescer, os recursos destinados a essas áreas prioritárias permanecerão estagnados. A menos, e a própria Exposição de Motivos o ressalva, que o Congresso decida alocar recursos adicionais a essas áreas: “Note-se que estamos tratando aqui de limite mínimo de gastos, o que não impede a sociedade, por meio de seus representantes, de defi nir despesa mais elevada para saúde e educação; desde que 56 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS consistentes com o limite total de gastos. [...] Uma vez aprovada a nova regra, caberá à sociedade, por meio de seus representantes no parlamento, alocar os recursos entre os diversos programas públicos, respeitado o teto de gastos. [...]”. Portanto, os Deputados e Senadores é que poderão, mediante sua discricionariedade política, contemplar a educação e a saúde com recursos adicionais. Sujeitos, sem dúvida, ao juízo de sua conveniência local e partidária, o que é próprio da dinâmica do Congresso. Sem desmerecer a importância dos debates parlamentares, observamos que poucos temas ilustram tão bem a razão de ser da base constitucional dos direitos fundamentais, como “normas negativas de competência” (Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais), exatamente para retirar a sua disciplina do alcance de maiorias parlamentares ocasionais. Embora não nos agrade a distinção entre políticas de Estado e de governo, visto que entendemos que, em regra, as políticas nascem “de governo” e se convertem em “de Estado” à medida que se consolidam seus mecanismos de institucionalização,esse será um raro exemplo em sentido inverso. A política educacional de Estado (analisada mais à frente), cuja estruturação no Brasil representa esforços de continuidade e coordenação que datam pelo menos da edição da Constituição de 1988, está ameaçada de ser “desidratada”, isto é, esvaziada das garantias indispensáveis a sua construção institucional, para ser entregue a decisões políticas de momento. O pretexto é a economia de recursos, mas isso não está assegurado, uma vez que se o PIB voltar a crescer, o que é esperado, o montante à disposição do Congresso aumentará. É possível que o Artigo 104 não consiga superar os questionamentos sobre sua manifesta inconstitucionalidade. A supressão do mecanismo de vinculação de receitas no campo educacional implica rasgar uma tradição constitucional que tem mais de 80 anos no Brasil e só as ditaduras desrespeitaram. Essa tradição data da Constituição de 1934, cujo Artigo 156 dispôs: “A União e os Municípios aplicarão nunca menos de 10%, e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de 20%, da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos”. Suprimida pela ditadura do Estado Novo, em 1937, a disposição foi reintroduzida pela Constituição de 1946 (Artigo 169). Mais uma vez revogada pela Carta autoritária de 1967-1969, a vinculação novamente retornou, em pleno regime militar, com a Emenda Calmon, de 1983 (EC 24, que elevou os percentuais para 13% para a União e 25% para Estados, Municípios e DF). Portanto, pela unidade de propósitos, a PEC 241, nessa matéria, se iguala à obra das cartas 57 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 ditatoriais de 1937 e 1967-1969! Com isso, colocam-se em questão duas afi rmações de senso comum. A primeira, de que a educação “precisa de salvação”. A segunda, de que o orçamento no país “é engessado” e precisa de “fl exibilidade”. Na nossa opinião, nenhuma das duas é exata e, pior, colocadas no caldo de que “o país está à beira do abismo” prestam- se a amparar medidas irracionais e um “jogo para a plateia” de investidores, cujo efeito será desarranjar alguns avanços importantes nas políticas sociais do país. A educação no Brasil precisa de continuidade, de persistência de esforços na direção defi nida pelo Plano Nacional de Educação, para que os resultados que começam a se esboçar, graças à ação coordenada de uma infi nidade de entes levada a cabo nos últimos anos, não seja objeto de retrocessos. Para isso é necessário que a evolução orçamentária seja previsível, sem choques ou “milagres”. As correções necessárias, assim como as respostas às crises, têm que ser dadas nos marcos da racionalidade. Sem isso, é retórica vazia falar em confi ança, mote da propalada recuperação da economia. Como há muita desinformação sobre como se desdobram em medidas e atos concretos as políticas para a efetivação do direito à educação, vale a pena examinar a questão por esse ângulo. Iniciamos destacando a reforma constitucional para estabelecer mecanismos de articulação governamental. É o caso da Emenda Constitucional (EC) 53, de 2006, que criou o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), em substituição ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Fundamental (FUNDEF), que se extinguia, pelo decurso do prazo fi xado na EC 14, de 1996. Avançando sobre as virtudes da iniciativa anterior (em especial, uma repartição mais clara das competências de União, Estados e Municípios em matéria educacional), o FUNDEB representou uma grande ampliação de seu escopo. Primeiro, porque passou a abranger toda a educação básica, envolvendo, além da educação fundamental (hoje, 1º a 9º anos), também o Ensino Médio – ampliação posteriormente consagrada com a EC 59, de 2010, que estabeleceu como educação básica obrigatória gratuita aquela de 4 a 17 anos, em sintonia com o que fazem os países desenvolvidos. A diferença entre o FUNDEB e o FUNDEF abriga um aspecto muito importante, o reforço fi nanceiro do programa, com a alocação de 4 bilhões de reais da União (Art. 60, VII do ADCT), o que representa cerca de 10 vezes o valor anual aplicado pela União no programa anterior. A maior parte desses recursos está reservada para o pagamento, por Estados e Municípios, do salário dos professores em 58 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS efetivo exercício (no mínimo 60% dos fundos, Art. 60, XII do ADCT). Essa medida, combinada com a regulamentação do piso salarial dos profi ssionais do magistério, toca no coração do que deve ser qualquer medida de sucesso nesta área, a valorização do professor. Para que se possa avaliar o que representou, em termos de esforço político e social, a aprovação do piso salarial, basta dizer que embora constasse do texto original da Constituição de 1988, ele só veio a ser regulamentado vinte anos depois, com a Lei nº 11.738, de 2008. Contestado por alguns governantes, foi fi nalmente confi rmado pelo Supremo Tribunal Federal, em 2011 (ADI nº 4.167). Uma vez pacifi cada a questão jurídica, a evolução dos valores do piso salarial foi de R$ 1.024,00, em 2010, para R$ 2.135,00, em 2016, quantia reajustada anualmente. Embora relativamente modesta, se comparada a carreiras que exigem formação semelhante, a garantia de seu pagamento (que ainda não é efetiva em diversos Municípios do país) é um pilar sobre o qual se assenta uma política de Estado na educação, assim como se faz nas experiências bem- sucedidas pelo mundo todo. Não há política educacional vitoriosa, em nenhum lugar, se não se consegue atrair para o magistério os melhores profi ssionais e fomentar a qualifi cação dos professores ao longo de suas carreiras. Economizar nesse quesito não produzirá a elevação da produtividade que se espera dos jovens brasileiros para o desenvolvimento do país nas próximas décadas. Quanto às expectativas para o futuro próximo, merece destaque a importância que passou a ser conferida ao planejamento, com o Plano Nacional da Educação (PNE). Também previsto na redação constitucional original, após a experiência inicial do PNE 2001 (Lei nº 10.172), teve sua disciplina aprimorada pela EC 59, que passou a exigir a colaboração federativa, atrelada aos fi ns da universalização e garantia de qualidade da educação básica (Art. 212, § 3º da CF). Além disso, a Constituição passou a prever expressamente que o PNE teria sua execução assegurada pela garantia de recursos proporcional à riqueza do país. “Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e defi nir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: […] VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto”. 59 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 Essa disposição foi regulamentada pela Lei nº 13.005, de 2014, que aprovou o PNE para o período de dez anos seguintes. Importante observar que a tramitação do PNE consumiu quatro longos anos, durante os quais foram examinadas mais de 3 mil emendas e realizadas incontáveis audiências públicas, com a participação de parlamentares, dirigentes governamentais de várias esferas e representantes da sociedade civil. Ao aprovar a Meta 20 (“ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do PIB do País no 5º ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao fi nal do decênio”) não estava o Congresso Nacional vaticinando sobre possibilidades, mas dando forma e força jurídica a uma meta pactuada socialmente, de modo a prover de sustentação política as providências necessárias para a sua realização. Poressa razão, não é dado a um governo improvisado desconstruir essa edifi cação, reservando aos políticos do futuro decisões descasadas desse processo profundamente assentado sobre as bases do solo constitucional. O propósito da exposição até aqui foi ilustrar como os direitos sociais, no caminho de sua efetivação, dependem de processos que vão sendo construídos a partir das diretrizes constitucionais. O direito à educação, tomado como exemplo, não se esgota na sua enunciação constitucional, mas reclama a produção e funcionamento de políticas públicas, isto é, programas de ação governamental que traduzem escolhas, selecionam prioridades e defi nem a alocação de meios necessária. Também estão ilustrados os vários processos jurídicos subjacentes à institucionalização das políticas: a visão que orienta a escolha de prioridades, que se inicia com o processo eleitoral; a aprovação das Emendas Constitucionais e leis que a regulamentam, como expressões do processo legislativo; a alocação de recursos, manifestação do processo orçamentário, e neste caso até mesmo o processo judicial, decisão última sobre a validade dos elementos que compõem a política. Políticas como essa levam anos a consolidar-se e a continuidade (em outras palavras, a coordenação das ações no tempo), às vezes ao longo de vários governos, é indispensável para que os resultados sejam colhidos. Isso vem ocorrendo, conforme se pode ver no Relatório Estatístico do Censo Educacional de 2013: “Os dados do Censo Escolar 2013 reforçam a tendência de adequação na distribuição das matrículas da educação básica, por modalidades e etapas de ensino, que vem sendo observada desde 2007, refl etindo o amadurecimento das ações e políticas públicas implementadas nos últimos anos. […] [houve] acomodação do sistema educacional, em especial na modalidade regular do Ensino 60 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Fundamental, com histórico de retenção e, consequentemente, altos índices de distorção idade-série. […] vale destacar a ampliação da oferta de educação infantil, em especial na creche, voltada para o atendimento das crianças com até três anos de idade, que apresentou crescimento da ordem de 7,5%. Por outro lado, a reorganização da pré-escola, que atende crianças de quatro e cinco anos, teve, com a implantação do Ensino Fundamental de nove anos, parte do seu público-alvo transferido para o 1º ano do Ensino Fundamental, o qual passou a receber as crianças com seis anos de idade. Em 2013, registra-se, ainda, que o contingente de alunos no 1º ano do Ensino Fundamental de nove anos de duração já se aproxima do tamanho da coorte de seis anos”. Para os menos familiarizados, isso signifi ca a correção de um problema histórico. Depois da universalização do acesso a essa etapa do ensino, que foi alcançada no início dos anos 2000, restava enfrentar a defasagem idade-série, isto é, o fato de ter crianças mais velhas que a idade ideal para cada etapa escolar, associada a altos índices de evasão nas etapas seguintes. “Outro destaque percebido no Censo Escolar 2013 foi a confi rmação da trajetória de expansão da matrícula na educação profi ssional, que em 2007 era de 780.162 e atingiu, em 2013, 1.441.051 matrículas, crescimento de 84,1% no período. [...]. Outro aspecto que tem impacto na distribuição e no contingente de alunos na educação básica é o comportamento dos indicadores de rendimento escolar. Com mais alunos sendo aprovados e promovidos às séries subsequentes, aumenta o número de habilitados a ingressar nas próximas etapas de escolarização. Os especialistas chamam esse movimento de fl uxo escolar. Historicamente, o sistema educacional brasileiro foi pouco efi ciente em sua capacidade de produzir aprovados e, consequentemente, concluintes na idade correta. No entanto, a tendência atual mostra aumento no número de alunos que conseguem ultrapassar os anos iniciais do Ensino Fundamental. Daí a queda na matrícula e a ampliação da demanda para os anos fi nais dessa etapa de ensino”. Como se pode ver, ao longo das últimas décadas houve uma sucessão de iniciativas, voltadas a aprimorar e cumprir o pacto traçado na Constituição de 1988. Essa institucionalidade, que começa a produzir resultados, representa uma evolução, fruto do exercício da democracia representativa e da participação. Cada medida dessas teve papel ativo do Congresso, dos entes governamentais e da sociedade civil interessados. Nesse sentido, imaginar que um governo de frágil legitimidade possa pretender “simplifi car” essa 61 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 estrutura, para tornar mais “fl exível” o orçamento e que isso seria uma medida de racionalidade é no mínimo iludir-se. FONTE: <https://cutt.ly/yf6xIxR>. Acesso em: 18 ago. 2020. Percebem-se claramente as consequências do avanço do capital fi nanceiro e o resultante desmantelamento das políticas sociais, bem como o rebatimento disso nas diversas dimensões da vida humana, social, econômica e cultural. É o que a leitura anterior nos mostra. Vive�se um momento histórico, em que não existe possibilidade concreta das políticas sociais, particularmente aquelas voltadas à minimização da pobreza, não serem infl exionadas pelas contrarreformas em curso. Não existe possibilidade histórica, por exemplo, de os Programas de Transferência de Renda, do SUS, do SUAS, da Educação em todos os seus níveis, dos programas habitacionais, entre outros, deixarem de sofrer os impactos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do congelamento dos gastos, como não existe possibilidade do campo dos serviços sociais deixar de sofrer as consequências da lei de terceirização irrestrita, e da classe que vive do trabalho não sofrer os impactos da reforma trabalhista e da reforma da previdência (YAZBEK, 2018). Com a ascensão do neoliberalismo e a predominância do capital fi nanceiro, o que vemos é uma luta cotidiana em busca da defesa e da construção de direitos num dos piores cenários já vivenciados, de modo que estamos falando de uma batalha travada para a construção de direitos em tempos completamente desfavoráveis (YAZBEK, 2018). A infl exão do capital vinculado ao trabalho para o capital fi nanceiro trouxe muitas mudanças. O domínio do capital fi nanceiro hoje é evidente em nível mundial e a propriedade privada dos meios de produção ganha novos contornos. [...] as formas mais concentradas do capital – capital fi nanceiro predominantemente industrial ou capital de investimento fi nanceiro “puro” – benefi ciam-se, então, de um campo de operações e de um espaço de dominação que se estende sobre grande parte do planeta, ou mesmo a totalidade se estimarmos que a integração da China ao capitalismo mundial está perto de acontecer (CHESNAIS; 2001, p. 8). A despeito de todos esses contra-ataques do capital fi nanceiro e da política neoliberal, temos politicas sociais que foram criadas para dar conta da desigualdade social e da pobreza que assola o contexto nacional. 62 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 2.1 POLÍTICAS FOCALIZADAS/ RESIDUAIS VERSUS POLÍTICAS UNIVERSAIS A seguridade gera um compromisso entre gerações, em que os adultos atuais pagam os benefícios da geração de seus pais e criam uma dívida para a geração de seus fi lhos. Nesse modelo, podemos falar de uma cidadania universal, já que os benefícios são assegurados como direitos sociais, de forma universalizada a todos aqueles que necessitem deles (FLEURY; OUVERNEY, 2008). Nesse sentido, contrapondo-se à perspectiva neoliberal, de defesa do Estado mínimo e do desmonte das políticas públicas, temos a proposta do acesso universal e a concretização da justiça social por meio da defesa do direito de cidadania. Assim, Lobato e Giovanella (2008), ao discorrerem sobre o direito à saúde e suas políticas, nos advertem que a defesa da universalidade sobrepõe- se assim às medidas difundidas nas reformas neoliberais de focar a intervenção governamental na atenção à saúdesomente nos grupos muito pobres. Essa focalização segmenta a cobertura e empobrece a atenção à saúde, porque cria desigualdades no acesso – e sistemas construídos para todos, e acessados por todos, têm mais chance de serem equitativos. Trata-se de uma grande armadilha imaginar que as políticas focalizadas sejam capazes, com sua seleção, de alcançar a todos os cidadãos que necessitam ter seus direitos garantidos. Ao contrário do que se costuma afi rmar, os efeitos redistributivos do gasto público dependem da sua capacidade de universalização e não do seu grau de focalização. A focalização ‘perfeita’, sem riscos de oferecer cobertura aos não pobres produz por si mesma um mecanismo de exclusão. Orientar os gastos sociais para os mais pobres não só corre o risco de deixar de fora uma parcela dos ‘antigos’ pobres (os considerados miseráveis), como também de não incluir os ‘novos’ pobres, aqueles que foram excluídos do mercado de trabalho. Este é o problema da focalização de programas com base unicamente em linhas de pobreza calculadas por critérios monetários, deixando de fora muitas famílias que estão acima da linha, mas que permanecem em condições de vulnerabilidade social. É comprovada a rotatividade em torno da linha de pobreza, causada por qualquer episódio de perda de emprego, doença ou invalidez (SOARES, 2008). Contrariamente a políticas focalizadas, o que o Brasil necessita é de políticas universais que alcancem a todos, assegurando os seus direitos de cidadania e cumprindo a proposta da Constituição de 1988, que propõe existência digna, justiça social e garantia de direitos. 63 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 Por fi m, cabe ressaltar que na Constituição de 1988, ao lado das políticas públicas universais e gratuitas de seguridade social, também subsistem os sistemas privados de saúde, conhecidos como “planos de saúde privados” e de previdência social, conhecidos como “aposentadorias privadas”, “aposentadorias contratadas em banco” etc. O sistema privado é lícito, guia-se por legislações próprias, visto que atua em conjunto com o sistema público de seguridade social, conforme possibilita a Constituição Cidadã de 1988, porém, apesar das notáveis conquistas do SUS, do INSS etc., há um “imaginário” de que seria possível resolver a situação do público ao afastar as políticas de Estado e dar lugar completo ao mercado. Essa ideia equivocada de privatização do público, fazendo o Estado ceder espaço ao mercado é situação que causa polêmicas e grandes debates até os dias atuais. 1 Observe a charge a seguir e escreva um parágrafo a respeito do que ela nos faz refl etir. FONTE: <https://cutt.ly/jf6xJCo>. Acesso em: 18 ago. 2020. R.: _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ ______________________________________________. 64 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS VERSUS INICIATIVAS PRIVADAS É importante nos atentarmos para algo importante, que é quanto ao caráter da política: pública ou privada. De acordo com Fleury e Ouverney (2008), no atual marco institucional brasileiro, a provisão de ações e serviços de saúde é organizada em bases públicas, e a iniciativa privada atua de forma complementar, fi xa marcos institucionais (leis, processos decisórios, critérios de acesso, formas de distribuição e utilização de recursos, composição de atores etc.) muito diferentes de um sistema de base de mercado, implicando distintas distribuições de oportunidades e restrições. No modelo neoliberal o foco é na privatização daquilo que deveria ser de direito de todos. A ideia dessa perspectiva é terceirizar funções que caberiam ao Estado a esferas privadas. A atuação do Estado torna-se assim pontual em casos de extrema gravidade, destituída de qualquer compromisso com o bem-estar geral da população enquanto direito garantido constitucionalmente e tido como universal. Esses postulados neoliberais na área social são, básica e sinteticamente, os seguintes: o bem-estar social pertence ao âmbito do privado (suas fontes ‘naturais’ são a família, a comunidade e os serviços privados). Dessa forma, o Estado só deve intervir quando surge a necessidade de aliviar a pobreza absoluta e de produzir os serviços que o setor privado não pode ou não quer fazê-lo. Propõe-se, portanto, um Estado de benefi cência pública ou assistencialista, no lugar de um Estado de bem-estar social. Os direitos sociais e a obrigação da sociedade de garanti-los por meio da ação estatal, bem como a universalidade, a igualdade e a gratuidade dos serviços sociais, são abolidos no ideário neoliberal. As estratégias para reduzir a ação estatal no terreno do bem-estar social são: o corte do gasto social, eliminando programas e reduzindo benefícios; a focalização do gasto, ou seja, sua canalização para os chamados grupos indigentes, os quais devem ‘comprovar’ sua pobreza; a privatização da produção de serviços e a descentralização dos serviços públicos para o nível local (SOARES, 2008). O público e o universal, instituídos pela Constituição Federal de 1988 em nível de seguridade social, têm sido driblados e vilipendiados com frequência, haja vista a própria resignação contemporânea de que as políticas sociais são, por excelência, direcionadas aos pobres e aos despossuídos. Já é lugar comum o reconhecimento – e até uma aceitação mal-disfarçada – de que o Sistema Único de Saúde, o SUS, no Brasil, embora concebido constitucionalmente como um sistema universal, é na prática um sistema para os pobres, ou seja, focalizado. De forma semelhante, pouco a pouco ganha foros de 65 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 unanimidade a noção de que política social é, por excelência, algum tipo de ação voltada para os excluídos (os pobres) e, por defi nição, focalizada (VIANNA, 2011). Aí temos o exemplo do SUS, porém, isso acontece com a maioria das políticas sociais, as quais carregam o estereótipo de esmola devido a anos de práticas assistencialistas e clientelistas concretizadas no Brasil. A política social como direito ainda é um ideal a se concretizar, não apenas no que diz respeito a sua execução, mas antes de tudo, no que concerne ao modo como ela tem sido percebida pela sociedade como um todo. Apesar de o SUS possuir difi culdades inerentes a sua existência (“fi las”, demora no atendimento, falta de medicamentos etc.), trata-se de conquista que não pode retroceder. Se outrora só sobrevivia quem possuía carteira de trabalho assinada ou quem tinha condições de arcar com altos custos em saúde, hoje o papel da assistência, da saúde e da previdência social, derivado da Constituição de 1988, mostra que não se pode conceber Estado sem seguridade social. 2.3 POLÍTICAS SETORIAIS E POLÍTICAS TRANSVERSAIS O esquema a seguir apresenta a composição da política social brasileira, constituída por políticas setoriais e transversais. FIGURA 1 – POLÍTICAS SETORIAIS E TRANSVERSAIS FONTE: Adaptada de Fleury e Ouverney (2008) 66 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Segundo Fleury e Ouverney (2008), pelo fato de possuírem ações que estão estruturadas por esferas específi cas, as políticas de proteção e de promoção social são tidas como políticas setoriais. O conceito mais difundido de política de saúde, e internacionalmente adotado, enfatiza seu caráter de estratégia ofi cial organizado em ações setoriais a serem desempenhadas de acordo com normas legalmente construídas, tendo por objetivo maior a qualidade de vida da população (FLEURY; OUVERNEY, 2008). A seguir, apresentaremos um exemplo, em nível de políticas de saúde, de políticas setoriais. QUADRO 1 – POLÍTICAS SETORIAIS: OBJETIVOS E VALORES FONTE: Fleury e Ouverney (2008, p. 20) Se, por um lado, é fundamental conhecer as realidades na sua concretudee não idealmente, as políticas setoriais interagindo diretamente com a realidade e sendo por ela infl uenciadas, por outro lado, é necessário estar atento ao fato de que as politicas podem impactar e ser impactadas por outras esferas, como econômica, política ou cultural (FLEURY; OUVERNEY, 2008). Nessa direção, “ainda que nos ajudem a recortar uma realidade concreta, por meio de uma defi nição de seus limites, pensar a dinâmica de uma política por seus objetivos e realidades tende a ser arbitrário e desconhece a complexidade dos problemas sociais” (FLEURY; OUVERNEY, 2008, p. 23). Há duas questões importantes: de um lado, o fato de se tomar os objetivos específi cos de uma política para delimitá-la, de outro lado, a necessária atenção à complexidade da realidade, que comporta diferentes setores e aspectos e que deve dialogar com os pontos específi cos de cada política. 67 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 3 POLÍTICAS SETORIAIS As políticas sociais devem ter claros os seus objetivos e delimitar a sua esfera de atuação, porém sem deixar de manter o diálogo com as diferentes políticas e atores sociais. Como havíamos afi rmado, a necessária delimitação dos objetivos de uma política não pode fazer com que ela se feche em si mesma e deixe de dialogar com a complexidade da vida social. Nesse sentido, de acordo com Monnerat e Souza (2011, p. 41), “observa-se que o modelo descentralizado, sob o qual operam as políticas sociais, em especial as de saúde e assistência social, recoloca a necessidade de sinergia intersetorial para enfrentar a complexidade dos problemas sociais”. 3.1 POLÍTICAS SETORIAIS NO ÂMBITO DA PROTEÇÃO SOCIAL (SEGURIDADE SOCIAL) Tratam-se de políticas que visam proteger o cidadão contra riscos socioeconômicos, os quais podem expô-lo a condições de vulnerabilidade. Aí são contempladas políticas de saúde, assistência social e previdência, consideradas políticas clássicas no que diz respeito à proteção social, de modo que estão contidas na Constituição Cidadã de 1988, na qual se traz à tona o modelo de Seguridade Social (FLEURY; OUVERNEY, 2008). FIGURA 2 – SEGURIDADE SOCIAL FONTE: <https://cutt.ly/Lf6x0LG>. Acesso em: 18 ago. 2020. 68 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Conforme apontam Fattorelli e Ávila (2012), se compararmos a destinação de orçamento, de um lado, para a dívida pública e, de outro lado, para a Seguridade Social, veremos a brutal discrepância. Os autores identifi caram que em 2012 a dívida pública, no formato de juros e amortizações, abocanhou a maior fatia do Orçamento Geral da União, equivalente a 47,19%. Por sua vez, a seguridade social fi cou com míseros 18,22%, sendo 3,98% para a saúde e 2,55% para a Assistência Social. Caro acadêmico, a partir da discussão da desproteção social, refl ita com relação à charge a seguir: FIGURA 3 – DESPROTEÇÃO SOCIAL FONTE: <https://cutt.ly/1f6x7iv>. Acesso em: 18 ago. 2020 Isso nos mostra quais são as prioridades que constituem a realidade brasileira, de modo que ocorre uma inversão perversa, em que o fundo público é convertido em incentivo ao capital (PIEDADE; PEREIRA, 2016). Não há dúvidas de que a implementação do modelo de seguridade social pela Constituição de 1988 foi um grande avanço, porém, no que concerne ao modelo de seguridade social brasileiro há de se colocar sua limitação vinculada ao fato de estar condicionado ao mercado de trabalho. Essa é a realidade que impera hoje no Brasil, visto que somente a saúde absorveu o princípio da universalidade. Por sua vez, a previdência e a assistência fi caram restritas a segmentos, sendo que a previdência está reservada apenas aos contribuintes e a assistência está direcionada aos indivíduos em situação de pobreza extrema 69 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 ou até mesmo em situação de indigência. Apesar de seu avanço constitucional, vemos que a seguridade social não teve competência para garantir proteção social aos trabalhadores pobres (BOSCHETTI, 2005). O modelo de Seguridade Social brasileiro tem como parâmetro histórico o Plano Beveridge, da Inglaterra, que data de 1942. Foi por meio dele que pela primeira vez na história institui-se o modelo que tem como pilar a condição de cidadania e a garantia dos direitos sociais pelo Estado (FLEURY; OUVERNEY, 2008). Quando falamos em modelo de Seguridade Social estamos tratando dos seguintes aspectos: proteção social; justiça social; mínimo vital, universalidade; mecanismo redistributivo; políticas sociais; correção de desigualdades. A proteção social assume a modalidade de seguridade social, designando um conjunto de políticas públicas que, inspiradas em um princípio de justiça social, garantem a todos os cidadãos o direito a um mínimo vital, socialmente estabelecido. O caráter igualitário do modelo está baseado na garantia de um padrão mínimo de benefícios, de forma universalizada, independentemente da existência de contribuições anteriores. O acesso aos benefícios sociais depende unicamente da necessidade dos indivíduos, ou seja, o acesso à escola porque é preciso ser educado, o acesso ao sistema de saúde porque há uma demanda sanitária. Ao desvincular os benefícios das contribuições, é estabelecido um mecanismo de redistribuição por intermédio das políticas sociais, que têm como objetivo corrigir as desigualdades geradas no mercado (FLEURY; OUVERNEY, 2008). Por meio da proposta de seguridade social, o objetivo tem sido o de assegurar a todos os cidadãos brasileiros o acesso a bens e serviços essenciais que garantam uma vida digna, ancorada no princípio da justiça social e buscando amenizar a desigualdade social, que tem sido constitutiva da nossa sociedade. 3.1.1 Assistência Social Uma guinada importante ocorreu com a Constituição de 1988 quando do estabelecimento da assistência social como parte não contributiva da seguridade social. A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) foi defi nidora de mudanças fundamentais, de modo a publicizar as demandas dos cidadãos, os quais deixaram de ser vistos como assistidos ou favorecidos e passaram a ser entendidos como usuários ou benefi ciários (MONNERAT; SOUZA, 2011). 70 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS A assistência social, ainda que tardiamente, foi tida enquanto direito social por meio da Lei Orgânica da Assistência Social, de 1993. Juntamente à saúde e à previdência social, ela compõe a seguridade social. Nesse sentido, com relação à assistência social, entende-se que a institucionalização do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) pode ser tido como um grande passo no percurso de elaboração das políticas sociais no Brasil (BOSCHETTI, 2005). O SUAS, além de operacionalizar os princípios da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), também concretiza os princípios e diretrizes da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Ademais, trata-se de um sistema que busca fazer com que a política de assistência social dialogue com as demais políticas de proteção social, visto que esta é algo que extrapola a esfera da assistência social e não pode se resumir a ela (BOSCHETTI, 2005). Sua efetivação como um sistema que busca consolidar uma política integrante da seguridade social pressupõe a integração e articulação da assistência social à seguridade social. Dessa forma, a concepção de assistência social e sua materialidade em forma de proteção social básica e especial (de média e alta complexidade) requer inserir estas modalidades de proteção social ao conjunto das proteções previstas pela seguridade social, ou seja, a assistência social não pode ser entendida como uma política exclusiva de proteção social, mas articular seus serviços e benefícios aos direitos assegurados pelas demais políticas sociais, a fi m de estabelecer, no âmbito da seguridade social, um amplo sistema de proteção social (BOSCHETTI, 2005). Todas essas políticas que constituem a seguridade social, cada uma a seu modo e de acordo com suasespecifi cidades, tem como princípios norteadores (propostos pela Constituição Federal de 1988, no Artigo 194): universalidade na cobertura; uniformidade e equivalência dos benefícios; seletividade e distributividade nos benefícios; irredutibilidade do valor dos benefícios; equidade no custeio; diversidade do fi nanciamento; caráter democrático e descentralizado da administração (BOSCHETTI, 2005). 3.1.2 Previdência Social Atualmente constituindo um dos pilares da seguridade social, a previdência social brasileira tem sua origem nas Caixas de Aposentadorias e pensões (CAPs), criadas em 1923 pela Lei Eloy Chaves e, posteriormente, em 1930, transformadas nos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) (YAZBEK, 2018). Veja a seguir o quadro elaborado por Escorel e Teixeira (2008), com o levantamento histórico de órgãos previdenciários no Brasil. 71 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 QUADRO 2 – ÓRGÃOS PREVIDENCIÁRIOS NO BRASIL 1923 Caixas de Aposentadorias e Pensões para ferroviários 1926 Funcionavam 33 Caixas organizadas por empresa 1930 Funcionavam 47 Caixas organizadas por empresa, cobrindo 140 mil segura- dos 1931 Instituto da Previdência para funcionários da União (regime próprio) 1932 Funcionavam 140 Caixas organizadas por empresa, cobrindo 190 mil segu- rados ativos, dez mil aposentados e nove mil pensionistas 1933 Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos (IAPM) 1934 Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB) Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC) 1936 Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI) 1938 Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Transportadores de Cargas (IAP- TC) Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Estivadores (IAPE) Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Servidores do Estado (Ipase) 1945 Três milhões de segurados ativos, 159 mil aposentados, 170 mil dependen- tes 1948 Seis IAPs e trinta CAPs Iapetec – fusão IAPE e IAPTC 1960 Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários e Empregados em Serviços Públicos (Iapfesp) – unifi cação das trinta CAPs de ferroviários re- manescentes – abrangendo cinco milhões de segurados, entre os quais qua- tro milhões de contribuintes ativos (7,3% da população brasileira) FONTE: Adaptado de Escorel e Teixeira (2008) Ao longo da história da criação da previdência social, não só no Brasil, mas na América Latina como um todo, ela tem sido constantemente alvo de reformas neoliberais, tendo sido sempre bode expiatório de acordos travados entre nossos países com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que levava a maior parte dessas nações a serem incapazes de manter seus sistemas previdenciários baseados na solidariedade intergeracional e de natureza coletiva, tornando-os sistemas privados, poupança que alimenta os interesses do capital fi nanceiro (SOARES, 2008). Atualmente, a previdência social tem sido alvo de mudanças drásticas, que são consideradas por estudiosos como a destituição de direitos há muito tempo conquistados pelos trabalhadores. Com a PEC55, popularmente denominada de PEC do Fim do Mundo, foi concretizada a reforma da previdência no Brasil. 72 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS FIGURA 4 – PREVIDÊNCIA FONTE: <https://cutt.ly/Xf6co0N>. Acesso em: 18 ago. 2020. Os impactos da reforma da Previdência na desigualdade, segundo economistas de esquerda Em reta fi nal, Senado aprova texto que altera aposentadoria dos setores público e privado. Pontos complicados, como inclusão de Estados e municípios, serão tratados em PEC paralela. O Senado Federal aprovou nesta terça-feira em primeiro turno a reforma da Previdência. Por 56 votos a 19, os senadores referendaram um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) que prevê uma série de mudanças no sistema de aposentadorias e de pensões do setor público e privado. O relatório do senador Tasso Jereissati (PSDB) manteve o conteúdo principal aprovado por deputados no início de agosto para garantir sua promulgação imediatamente depois da votação em segundo turno na Casa. A condição para a aprovação do texto-base foi a criação da chamada PEC Paralela, que abriga pontos divergentes que saíram da PEC principal. O ponto mais importante que ainda segue em discussão na PEC Paralela é a inclusão de Estados e municípios nas regras estabelecidas pela União. Outro ponto a ser debatido nesta proposta é a criação de uma seguridade social para as crianças, proposta pelos deputados Tábata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) e incluída por Jereissati no texto. 73 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 Seja como for, uma das mais ambiciosas reformas prometida por Jair Bolsonaro e ansiada pelos investidores do mercado fi nanceiro está a apenas uma votação – prevista para acontecer até 15 de outubro – para virar lei. O texto aprovado nesta terça tem uma modifi cação relevante a respeito das pensões: ao contrário do que determinou a Câmara, uma viúva não poderá receber menos de um salário mínimo, hoje em 998 reais. Com isso, a economia aos cofres públicos será de aproximadamente 800 bilhões de reais em dez anos, ao invés dos mais de 1 trilhão que o Governo de Jair Bolsonaro previa ao enviar a proposta original ao Parlamento. A oposição ao Planalto passou meses fazendo campanha contra a reforma e acusando as mudanças de prejudicarem preferencialmente os mais pobres. Até que ponto tem razão em suas críticas? Para entender o quadro, o EL PAÍS conversou com quatro economistas do campo progressista que estão engajados no debate sobre o projeto da reforma da Previdência: Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda do Governo Dilma Rousseff e professor da FGV e da UnB; Marcelo Medeiros, especialista em desigualdade e pesquisador do IPEA; Nelson Marconi, coordenador do programa de Governo de Ciro Gomes e professor da FGV; e Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp. Os quatro possuem opiniões distintas sobre a reforma e fazem diferentes graus de críticas a ela, mas coincidem em dizer que os pontos considerados mais problemáticos foram retirados e os direitos mais básicos foram mantidos. As mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na aposentadoria rural foram deixadas de lado, enquanto que permaneceu o piso de um salário mínimo de aposentadoria. Isso signifi ca que tanto os trabalhadores rurais como aqueles trabalhadores urbanos que ganham um salário mínimo – 63% de todos os aposentados do regime geral – foram preservados. De mais problemático, do ponto de vista da distribuição dos sacrifícios, está a concessão feita a categorias como policiais federais, por exemplo. Também está pendente a reforma para os militares. Além disso, as mudanças nas regras do abono salarial, um 14º salário pago pelo Estado a trabalhadores que recebem até dois salários mínimos, foram deixadas de lado pelos senadores. Já o plano de implementar um regime de capitalização, em que cada trabalhador passa a ter uma conta individual, foi retirado do texto- base ainda na Câmara. Por fi m, o tempo de contribuição mínimo para se aposentar continua sendo de 15 anos, tanto para mulheres como para homens – no caso destes últimos, os que entram no sistema agora terão que contribuir um mínimo de 20 anos. Apesar da 74 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS campanha contrária de parlamentares à esquerda, os economistas consultados também concordam com a extinção da aposentadoria por tempo de contribuição, mantendo apenas o regime de idade mínima – os dois modelos coexistem atualmente. Como pano de fundo está a explosão do gasto do Governo Federal com aposentadorias do INSS, servidores federais e militares. Dos mais de 767 bilhões de reais previstos em despesas previdenciárias em 2019, mais de 300 bilhões são recursos do Tesouro Nacional – o chamado défi cit – enquanto o restante é proveniente da contribuição de trabalhadores e empregadores. Em 2008, esse défi cit era de 77 bilhões. O envelhecimentoda população somado a antigos privilégios do funcionalismo estão entre os fatores que causaram a explosão das despesas, coincidindo nos últimos anos com a crise econômica, desemprego e queda na arrecadação. Quem mais contribui para a economia gerada As lideranças da esquerda vêm argumentando que de cada 100 reais de sacrifício, ou seja, que saem do bolso dos contribuintes, mais de 80 reais serão cobrados de quem ganha até 2.000 reais. As principais queixas dizem respeito às mudanças aplicadas ao regime geral do INSS, responsável pelo benefício dado ao setor privado – isto é, a maioria da população. Entre as alterações que atingem a maior faixa de trabalhadores estão o fi m da aposentadoria por tempo de contribuição e o estabelecimento de uma idade mínima para todos, de 65 anos para homens e 62 para mulheres; a mudança na base de cálculo da aposentadoria, que passa a considerar todos os salários ao invés dos 80% maiores, como acontece hoje; e a necessidade de que mulheres contribuam por 35 anos e homens 40 para que consigam aposentadoria integral, cinco anos a mais que atualmente, afetando aqueles que ganham entre 1,5 e 2 salários mínimos. A afi rmação de lideranças progressistas de que o grosso da economia virá dos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos pode ser considerada uma meia-verdade. “Qualquer economia grande que você queira fazer vai ter que afetar a massa das pessoas de renda mais baixa. É a massa dos benefi ciários”, explica Medeiros. Barbosa segue na mesma linha: “No agregado a maior economia vem do regime geral do INSS porque é o maior programa, mas o correto é medir o impacto per capita da reforma. Quando você olha para o impacto em cada pessoa, então a maior economia é no setor público”, afi rma. Segundo os cálculos feitos pelo economista Carlos Góes e publicados na Folha de S. Paulo, 75 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 aposentados com até dois salários mínimos contribuirão, cada um, com 11.519 reais ao longo de 10 anos para a economia gerada com a reforma da previdência. Já os aposentados do setor público contribuirão com 75.694 reais. Contudo, Marconi chama atenção para o fato de que, mesmo o ajuste per capita sendo maior para quem ganha mais, qualquer impacto na renda de quem ganha menos é muito mais sentido, isto é, o real que o mais pobre economiza impacta mais a sua vida que o real economizado pelo mais rico. “Está correto colocar idade mínima e manter o tempo de contribuição mínimo em 15 anos. O problema é que você já não vai receber o valor da aposentadoria integral com esse tempo mínimo, mas sim 60%, e a base de cálculo da aposentadoria também muda e passa a considerar todas as remunerações”, explica. Outros economistas que se especializaram na questão previdenciária vêm apontando, contudo, que a maioria das aposentadorias integrais já corresponde a um salário mínimo, que é o valor do piso do INSS. Marconi rebate: “Ainda assim há um número considerável de pessoas que ganham acima disso. Só em 2017, 290.000 pessoas se aposentaram ganhando entre 1 e 2 salários”. O resultado, explicam tanto Marconi como Medeiros, é que mais pessoas passarão a ganhar o piso de um salário mínimo. “O custo mais alto é para quem está ganhando acima de 1,5 salário. Para essas pessoas a perda vai ser mais forte”, afi rma Medeiros. A afi rmação parece coincidir com os cálculos publicados por Góes: se a economia per capita gerada com quem ganha até dois salários é consideravelmente menor, a poupança com aqueles que ganham logo acima disso, isto é, mais de dois salários mínimos, salta para 60.463 reais por pessoa. Idade mínima e tempo de contribuição Aumentará então a desigualdade social? “Quando a renda é muito concentrada, você vai combater a desigualdade mudando os benefícios dos mais ricos, coisa que não é muito assunto da previdência”, explica Medeiros. “A pergunta que deve ser feita é: em que medida essa reforma vai ser paga por gente de renda mais baixa? Nesse sentido, a reforma possui aspectos progressivos e outros regressivos”, aponta. Entre os pontos que ele considera igualitário estão a manutenção do piso de um salário mínimo e a implementação da idade mínima, fortemente combatida pela esquerda, de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Hoje, apenas os que possuem salários mais altos e emprego estável ao 76 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS longo da vida conseguem se aposentar com mais de 30 anos de contribuição e idade indefi nida, enquanto os mais pobres – a maioria dos benefi ciários do INSS – já se aposentam por idade. Entre outras mudanças consideradas progressivas estão as alíquotas de contribuição previdenciária. Os servidores públicos contratados através de concurso público até 2012 deverão pagar, antes e depois da aposentadoria, alíquotas que variam de 7,5% a 22%, ao invés dos atuais 11% para todas as faixas salariais. Já no regime geral as alíquotas vão variar de 7,5% a 14%, ao invés dos atuais 8% a 11%. “As alíquotas progressivas são boa notícia, mas são menos progressivas do que parecem. Isso porque as alíquotas mais altas pagas à Previdência implicam descontos mais altos no Imposto de Renda, que é calculado sobre a renda bruta menos as contribuições previdenciárias”, explica Medeiros. “Acaba que o Imposto de Renda passa a fi nanciar uma parte da Previdência”. Nelson Barbosa acredita que a reforma avança no caminho correto e corrige várias distorções, mas ele acredita que outras estão sendo criadas. Uma delas tem a ver com o tempo de contribuição. De acordo com as novas regras aprovadas pela Câmara, os trabalhadores que atingirem a idade mínima e se aposentarem com o mínimo de 15 anos de contribuição receberão 60% da média de suas remunerações ao longo da vida. Para conseguir o valor integral, isto é, os 100% da média de salários que ganhou ao longo da vida, será preciso trabalhar o mínimo de 35 (mulheres) e 40 anos (homens). “A nova regra diz que você ganha 2% por cada ano adicional de trabalho. Por essa regra os homens chegariam com 100% aos 35 anos, não 40. Faltou uma negociação mais sofi sticada, porque você está considerando 15 anos para o acesso à aposentadoria e 20 anos para o cálculo. Isso vai gerar contestação judicial lá na frente”. O economista também defende um sistema de bônus para as pessoas que queiram e possam trabalhar mais. “O tempo para receber o valor integral deve permanecer em 35 anos. Depois disso, você ganharia um adicional. Isso estimula as pessoas que podem e querem trabalhar 37 ou 40 anos”. O que a esquerda poderia ter proposto Além de todas as questões expostas, a esquerda poderia ter proposto alternativas à reforma apresentada? Marconi defende o projeto apresentado por Ciro Gomes no ano passado, baseado em três pilares: uma renda mínima universal de um salário mínimo para idosos; um sistema solidário de repartição, como o que funciona hoje, com uma idade mínima a ser reajustada automaticamente de 77 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 tempos em tempos e um teto do INSS pouco menor – entre 4.500 e 5.000 reais –; e um sistema de capitalização público bancado por trabalhadores e empregadores. “Tem também a questão da acumulação de aposentadorias em cargos, colocaríamos um limite para isso, e reveríamos isenções para o Simples Nacional, ruralistas [...]”, afi rma. Já Barbosa considera que a esquerda errou em combater a idade mínima. Ele também defendia as mudanças no abono salarial, muito impopulares. O Senado acabou mantendo o benefício para pessoas que ganham até 2.000 reais, ao invés do teto de 1.364,43 reais aprovado anteriormente pelos deputados. “É um benefício criado na época da ditadura, quando o salário mínimo valia bem menos e ainda não havia seguro-desemprego, BPC ou Bolsa Família. É preferível usar parte desse dinheiro do abono para criar novos empregos. O problema é que existe uma desconfi ança e nada garante que o Governo usaria paraisso”, argumenta. Assim, “ao invés de defender uma realidade que não existe mais”, o campo progressista deveria abrir novos caminhos e inserir novos temas no debate. Um deles diz respeito a uma renda mínima universal para idosos. Ao chegar a determinada idade, todos teriam direito a ganhar um benefício mínimo, que deveria ser enquadrado como assistência social. Apesar da complexidade e dos limites fi scais atuais, Barbosa acredita se tratar de uma solução permanente e que resolveria de uma vez qualquer debate sobre o BPC e aposentadoria rural. “Então signifi ca que vou dar um benefício para o Lemann [bilionário dono da Ambev]? Não. Se uma pessoa de alta renda tem acesso a esse benefício, a gente compensa pelo Imposto de Renda, que deve ser mais progressivo. No mundo da inteligência artifi cial, um sistema integrado de controle e coordenação dos benefícios está ao alcance do governo”, explica. Outra possibilidade, acrescenta, seria estender esse benefício para crianças de zero a 15 anos, nos moldes da proposta de Tabata Amaral e Filipe Rigoni. Para que a reforma fosse mais progressiva, Marcelo Medeiros sugere alterar a estrutura de desconto no valor da aposentadoria. “Com a reforma, ela é basicamente linear. Todo mundo se aposenta com 60% do salário e depois adiciona 2% por ano a mais contribuindo, mas essa estrutura é regressiva porque aqueles que contribuirão mais tempo são também aqueles que possuem renda mais alta. Então, na prática, eles não vão chegar a perder todos os 40% do salário”, explica. Uma possibilidade é que as alíquotas fossem diferenciadas, ou seja, de acordo com o que cada um venha a receber de aposentadoria e com um desconto menor sobre o primeiro salário mínimo, segundo explica. “Teria que ver se é viável. 78 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Não fi z os cálculos e não sei quanto custaria”, admite. Já Fagnani recorda que o regime geral passou por alterações nos últimos anos que desestimulam a aposentadoria precoce. Apesar de também ser a favor de uma idade mínima obrigatória para todos, diz que os problemas do setor privado são mais pontuais e que os principais já foram equacionados. Também lembra que o Governo Lula realizou uma reforma do setor público em 2003 que soluciona seus problemas fi scais em longo prazo. Mais crítico à reforma enviada pelo Governo Bolsonaro, o professor da Unicamp acaba de lançar o livro Previdência: o debate desonesto. “O pessoal trata a Previdência como uma entidade única, um sistema único. São realidades e especifi cidades muito marcadas. Você não pode usar o argumento do sujeito que entrou no serviço público em 1980 e se aposentou com paridade e integralidade para fazer uma reforma que visa combater privilégios em que a maior economia vem do regime geral”. Ele é a favor de tratar cada problema e distorção separadamente, ao invés de colocar tudo em um grande pacote de reforma. “Isso é algo intencionalmente feito para confundir”, argumenta. Distorções e o que fi cou de lado Entre os aspectos mais negativos e regressivos da reforma, Medeiros, Barbosa e Marconi apontam para os benefícios aprovados para policiais federais e rodoviários. As regras mais brandas para essas categorias foram patrocinadas pelo Governo Bolsonaro durante a votação dos destaques na Câmara, mas contou também com o apoio dos deputados da esquerda. “Eles têm rendas mais altas, vão poder se aposentar muito mais cedo e isso tem um custo bastante alto”, afi rma Medeiros. Além disso, os quatro economistas concordam que as maiores fontes de despesas estão na Previdência dos militares. O Governo enviou a reforma separadamente com a reestruturação da carreira. Na prática, pouco será economizado com eles. “O problema é que estão reformando o que já vinha sendo reformado nos últimos anos, mas estão deixando de fora o que nunca foi reformado. Do ponto de vista dos privilégios, o problema dos militares é muito maior”, afi rma Fagnani. O professor da Unicamp defende, além disso, um empenho maior do Governo Federal para reformar os sistemas de pensão públicos dos Estados e municípios. Suas despesas previdenciárias crescem acima da média, mas fi caram de fora da reforma. O senado voltou a incluí-los na PEC paralela. Caso não seja aprovada, deverão 79 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 se adequar por conta própria. “Alguns se adequaram às normas de 2003 e outros não. Há questões de paridade e integralidade que são um escândalo”, afi rma. Como atacar o atual desequilíbrio fi scal? Além de reformas pontuais na Previdência que admite fazer, Fagnani levanta dois temas nos quais a esquerda costuma sempre insistir: uma reforma tributária progressiva que atinja as rendas mais altas e o fi m dos benefícios fi scais dados a empresas. Signifi ca atacar o problema não só pela via da despesa, mas sobretudo pela via da arrecadação. “É como se a solução tivesse que sair do andar de baixo sempre, não do de cima”. FONTE: <https://cutt.ly/rf6cmeQ>. Acesso em: 18 ago. 2020. 1 Após ler com atenção o texto anterior que fala dos impactos da reforma da Previdência, elenque quais são as mudanças e as suas consequências. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 3.1.3 Saúde No Brasil, a saúde começa a ser entendida como um direito de todos os cidadãos e um dever do Estado a partir da Constituição de 1988 e após a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), que se inicia em 1990, logo em seguida à promulgação da Lei Orgânica da Saúde, Lei nº 8.080/1990. Esta virá 80 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS a ser complementada pela Lei nº 8.142/1990 (NORONHA; LIMA; MACHADO, 2008). Nessa ocasião, inicia-se a construção de um modelo público e universal no que se refere às ações e serviços em saúde, que tem como norte princípios com validade em todo o território nacional. Esse modelo de saúde toma por base uma perspectiva da saúde como direito de cidadania e como dever do estado, de modo a agregar em seu modus operandi a democratização e o compartilhamento do processo decisório e da gestão do sistema de saúde (NORONHA; LIMA; MACHADO, 2008). O SUS se guiará pelos seguintes princípios: universalização, equidade e integralidade, conforme é possível apreciar a seguir. Princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) Universalização: a saúde é um direito de cidadania de todas as pessoas e cabe ao Estado assegurar este direito, sendo que o acesso às ações e serviços deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, ocupação ou outras características sociais ou pessoais. Equidade: o objetivo desse princípio é diminuir desigualdades. Apesar de todas as pessoas possuírem direito aos serviços, as pessoas não são iguais e, por isso, têm necessidades distintas. Em outras palavras, equidade signifi ca tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde a carência é maior. Integralidade: este princípio considera as pessoas como um todo, atendendo a todas as suas necessidades. Para isso, é importante a integração de ações, incluindo a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação. Juntamente, o princípio de integralidade pressupõe a articulação da saúde com outras políticas públicas, para assegurar uma atuação intersetorial entre as diferentes áreas que tenham repercussão na saúde e qualidade de vida dos indivíduos. FONTE: <https://cutt.ly/Bf6cR1W>. Acesso em: 18 ago. 2020. A proposta é que todos tenham acesso à saúde independente da contribuição.A saúde deve ser universal e os atendimentos pretendem ser de qualidade, 81 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 devendo considerar as diferenças culturais e regionais existentes num país da dimensão do Brasil. Qualquer cidadão brasileiro tem direito ao Cartão Nacional de Saúde. Na Constituição Federal de 1988, a Saúde orienta-se, sobretudo, por meio dos Artigos 196 a 199. Nestes, estão presentes os princípios, bem como as diretrizes e atribuições do SUS. Ademais, é possível afi rmar que o SUS iniciou sua implementação no ano de 1990, por meio da aprovação da Lei Orgânica da Saúde, Lei nº 8.080, a qual estabelece a sua regulamentação (VIANA; BAPTISTA, 2008). FIGURA 5 – CARTÃO SUS FONTE: <https://cutt.ly/8f6cIkh>. Acesso em: 18 ago. 2020. 3.2 POLÍTICAS SETORIAIS NO ÂMBITO DA PROMOÇÃO SOCIAL As políticas de promoção social, como trabalho, renda, educação, desenvolvimento agrário, cultura, estão direcionadas para a criação de possibilidades voltadas para o desenvolvimento dos cidadãos ao longo de seu percurso pessoal e profi ssional (FLEURY; OUVERNEY, 2008). Consulte os links sugeridos e pesquise cada uma das políticas/ planos. • Trabalho e renda: https://cutt.ly/Uf6cAYB. 82 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS • Educação: https://cutt.ly/Af6cA2o. https://cutt.ly/Uf6cSF8. • Desenvolvimento agrário: https://cutt.ly/1f6cDyH. • Cultura: https://cutt.ly/Of6cDvX. 3.3 OUTRAS POLÍTICAS SETORIAIS Classifi cadas como outras políticas setoriais, tem-se, ainda, a habitação e o urbanismo e o saneamento básico. Consulte os links sugeridos e pesquise cada uma das políticas/ planos. • Habitação e urbanismo: https://cutt.ly/Fge7mD7. • Saneamento básico: https://cutt.ly/zge7Q0g. 3.4 POLÍTICAS TRANSVERSAIS Existem também as políticas transversais. Elas são assim denominadas por abarcarem distintas perspectivas de políticas, tanto as de proteção quanto as de promoção social. A sua elaboração tem acontecido tomando como parâmetro demandas e objetivos de segmentos específi cos da população, como idosos, crianças e população negra (FLEURY; OUVERNEY, 2008). 83 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 FIGURA 6 – SISTEMA DE DIREITOS FONTE: <https://cutt.ly/Cge5CFo>. Acesso em: 18 ago. 2020. Consulte os links sugeridos e pesquise cada uma das políticas/ planos. • Igualdade de gênero: https://cutt.ly/Uge51pl. • Igualdade racial: https://cutt.ly/5ge514a. • Crianças e adolescentes: https://cutt.ly/bge50HN. • Juventude: https://cutt.ly/Yge52ci. • Idosos: https://cutt.ly/Pge523Q. 84 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 4 A RELAÇÃO ENTRE AS POLÍTICAS SOCIAIS E AS DEMAIS POLÍTICAS PÚBLICAS No conjunto de esferas que constituem a Seguridade Social, a assistência social é considerada como a que tem maior consciência quanto ao imprescindível estabelecimento de estratégias direcionadas para a ação intersetorial. Tal fato é confi rmado ao se consultar a elaboração da própria política de assistência social (MONNERAT; SOUZA, 2011). 4.1 INTERSETORIALIDADE A intersetorialidade nada mais é do que o trabalho articulado entre políticas públicas. Isso se concretiza mediante a elaboração de ações, em parceria, voltadas para a proteção social. Nisso, estão presentes uma atuação que pressupõe integração, o que vai de encontro com a antiga prática assistencialista e clientelista que desde sempre esfacelou a atenção às demandas da população. A ideia presente na proposta da intersetorialidade é a de irmanar distintos setores sociais em torno de propósitos coletivos, que dizem respeito a todos. Assim, a intersetorialidade tem relação com a superação das particularidades de cada política, de modo a fortalecer cada uma delas. Ao abarcar diferentes políticas colocando-as em diálogo, a intersetorialidade caminha na direção da integralidade do cuidado (YAZBEK, 2010). FIGURA 7 – INTEGRALIDADE FONTE: <https://cutt.ly/Uge56Tq>. Acesso em: 18 ago. 2020. 85 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 A junção de diferentes experiências coloca a possibilidade do melhor enfrentamento de questões complexas. Trata-se de um novo formato de gestão em políticas públicas que está fortemente vinculado ao embate com eventos concretos (YAZBEK, 2010). Atuar intersetorialmente não é um trabalho fácil. Envolve questões, como comunicação, negociação e confl itos. Até se chegar a uma ação concreta, passa- se, primeiro, por essas questões. Estamos falando igualmente de uma atuação em rede (YASBEK, 2010). Historicamente, o que tem ocorrido com relação às políticas públicas é o seu desenvolvimento de modo setorial e sem articulação umas com as outras, o que de alguma forma tem relação com o modo de gestão levado a cabo a respeito das políticas públicas, que é de centralização e hierarquização (YAZBEK, 2010). Um exemplo paradigmático de intersetorialidade é o Programa Bolsa Família. Este, criado em 2003, pode ser visto como uma forma de integrar políticas de combate às vulnerabilidades relacionadas à pobreza, ao acesso à educação e ao trabalho infantil (YAZBEK, 2010). O Programa Bolsa Família (PBF) traz expressa a preocupação em dar um passo adiante no enfrentamento da fragmentação da intervenção do Estado na área social. Isso porque, além da descentralização e do controle social, o desenho do PBF é fortemente pautado na intersetorialidade. Até hoje nenhum outro programa social foi tão dependente da articulação intersetorial e, portanto, das capacidades institucionais e de diálogo político entre os entes da federação e os diferentes setores responsáveis pelo desenvolvimento das políticas sociais (MONNERAT; SOUZA, 2011). 1 Leia a notícia a seguir e identifi que ao longo dela o trecho que trata da intersetorialidade com relação ao Programa Bolsa Família. Setas realiza 3° Seminário Intersetorial do Programa Bolsa Família 86 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Com o objetivo de aprimorar a gestão do Programa Bolsa Família, técnicos e gestores do Programa Bolsa Família se reúnem nos dias 4 e 5 de junho a partir das 8 horas, no auditório da Associação Tocantinense de Municípios (ATM), em Palmas, para o 3º Seminário Estadual Intersetorial do PBF (Programa Bolsa Família). O Seminário é uma realização da Secretaria do Trabalho e Assistência Social (Setas) em parceria com a Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria Estadual de Educação e Cultura, e contará com a participação dos gestores e técnicos estaduais e municipais que compartilham com a gestão do programa, viabilizando o fortalecimento da intersetorialidade nas áreas da Assistência Social, Educação e Saúde. De acordo com a coordenadora do Programa Bolsa Família, Terezinha de Jesus Milhan, “as áreas de Assistência Social, Educação e Saúde são responsáveis pela articulação, coordenação e garantia da execução do Programa no Tocantins de maneira a observar os critérios necessários para que as famílias recebam não só o benefício fi nanceiro, mas principalmente tenham acesso aos direitos sociais garantidos pela Constituição Federal”. Participam do Seminário: Secretários Estaduais e municipais, de Assistência Social, Educação e Saúde; Técnicos responsáveis pelo acompanhamento das condicionalidades nas áreas de Educação e Saúde, gestão do PBF das três áreas e Técnicos de Referência dos CRAS (Centros de Referência da Assistência Social). FONTE: <https://cutt.ly/age6VjO>. Acesso em: 24 ago. 2020. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 87 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 Na assistência social, o debate em torno da intersetorialidade se estabeleceu, de fato, a partir da IV Conferência Nacional de Assistência Social, que ocorreu em 2003, tornando-se a base das refl exões na searada assistência social (MONNERAT; SOUZA, 2011). No ano de 2004, é criado o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que tem investido na (re)construção da política de assistência social com base, sobretudo, na formulação de programas com desenho intersetorial. A criação do MDS confere um novo estatuto à política de assistência, com reforço da perspectiva de profi ssionalização da área. Isso signifi ca que, pela primeira vez na história da constituição da seguridade no país, há um movimento concreto para romper com o legado clientelista e assistencialista que marca esta área. Ainda em 2004, o MDS tornou pública a versão fi nal da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), em que se destaca a criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A PNAS apresenta a intersetorialidade como requisito fundamental para a garantia dos direitos de cidadania, e, para efeito da operacionalização do SUAS, está previsto que as ações no campo da assistência social devem ocorrer em sintonia e articulação com outras políticas públicas (BRASIL, 2004). O SUAS tem como principais pressupostos a territorialidade, a descentralização e a intersetorialidade. Entende-se que o paradigma desse sistema articula a descentralização com a intersetorialidade, uma vez que o objetivo visado é promover a inclusão social ou melhorar a qualidade de vida, resolvendo os problemas concretos que incidem sobre a população de um dado território (SIMÕES, 2009). FONTE: MONNERAT, G. L.; SOUZA, R. G. Da Seguridade Social à intersetorialidade: refl exões sobre a integração das políticas sociais no Brasil. R. Katál., Florianópolis, v. 14, n. 1, p. 41-49, jan./ jun. 2011. 88 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS As políticas sociais têm sido estruturadas, atualmente, tendo como eixo o processo socioeconômico, político e cultural de determinada população inserida no seu território. Por meio dessa perspectiva inovadora, a política social passa a ter atuação mediante uma confi guração em rede, de modo a ultrapassar tanto as classifi cações formais (tais como políticas de proteção e promoção) como também as delimitações político-administrativas (municipal, estadual e federal), o que pode ser verifi cado nos processos de regionalização (FLEURY; OUVERNEY, 2008). O empecilho para a implantação, de fato, de um sistema de proteção social no Brasil, tem relação estreita com a difi culdade de integrar políticas e atuar de forma articulada numa rede de proteção social (MONNERAT; SOUZA, 2011). As questões da vida moderna são complexas, de modo que atuar de forma distanciada não parece ser a maneira mais adequada, visto que existem questões que ultrapassam a competência de um único setor em resolvê-las. É necessário o envolvimento de diferentes atores sociais (MONNERAT; SOUZA, 2011). Estamos falando novamente da necessária integração entre as políticas. Outro exemplo clássico de intersetorialidade e de integração é a Estratégia Saúde da Família. A promoção da saúde proposta pelo novo modelo de atenção traz à luz a questão dos determinantes e condicionantes do processo saúde-doença. O fato é que a mobilização em torno da promoção da saúde demanda a participação de diferentes atores sociais (MONNERAT; SOUZA, 2011; JUNQUEIRA, 2004). Segundo o próprio Ministério da Saúde, a equipe de saúde da família tem como uma de suas atribuições atuar de forma intersetorial, por meio de parcerias estabelecidas com diferentes segmentos sociais e institucionais, de forma a intervir em situações que transcendem a especifi cidade do setor saúde, com efeitos determinantes sobre as condições de vida e saúde dos indivíduos, famílias e comunidade (MONNERAT; SOUZA, 2011). A intersetorialidade é inovadora em termos de gestão, visto que ao mesmo tempo em que realiza a integração de distintas políticas setoriais, articula diferentes organizações sociais fomentando as redes sociais. A dinâmica de uma gestão, que tem na intersetorialidade e na rede um norteador para a maior efetividade na gestão das politicas sociais, demanda mudanças profundas (JUNQUEIRA, 2004). 89 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 Caro acadêmico, leia o relato de experiência de uma ação em intersetorialidade e refl ita a iniciativa e os seus desdobramentos. O Programa Saúde na Escola (PSE) foi instituído pelo Decreto Presidencial nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007. Ele resulta do trabalho integrado entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, com a fi nalidade de ampliar ações específi cas de saúde aos escolares da rede pública de ensino. Estudantes do Curso Médico da Universidade do Oeste Paulista, UNOESTE, são inseridos desde o termo 1 da graduação, em sete ESFs, nos municípios de Presidente Prudente e Álvares Machado. Os facilitadores utilizam metodologias ativas, como a problematização, para estimular a criação de Planos de Ação, relacionados às necessidades de saúde da comunidade. Um dos Planos de Ação criados pelos estudantes médicos esteve relacionado ao Princípio da Intersetorialidade. Facilitadores procuraram a Coordenadora da Secretaria da Educação do município de Presidente Prudente para organizar uma ação de Promoção à Saúde envolvendo os setores Saúde e Educação. A Coordenadora lembrou que a escola tem como missão principal desenvolver processos de ensino e aprendizagem, desempenhando um papel fundamental para a formação e atuação das pessoas em todas as áreas da vida social. Em conjunto com outros espaços sociais, a escola cumpre um importante papel na formação dos escolares, com relação à percepção e à construção da cidadania, além do acesso às políticas públicas. Dessa maneira, ela pode se tornar um local para ações de promoção à saúde para crianças, adolescentes e jovens adultos. A partir dessa conversa houve um incremento na parceria Academia-Serviço, já existente entre a Secretaria de Saúde de Presidente Prudente e a UNOESTE, que foi ampliada para a Secretaria de Educação do município. A partir da parceria estabelecida entre a UNOESTE e as duas Secretarias, os acadêmicos do Curso Médico começaram a realizar ações de Educação em Saúde nas escolas municipais de Presidente Prudente e Álvares Machado. Facilitadores utilizaram o Arco de Maguerez para estimular refl exão na ação. Nas refl exões, registradas nos portifólios formativos, os estudantes entenderam que o trabalho de promoção à saúde com os escolares, com professores e funcionários, precisa ter como ponto de partida “o que eles sabem” e “o que eles podem fazer”, desenvolvendo em cada um a 90 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS capacidade de interpretar o cotidiano e atuar de modo a incorporar atitudes e/ou comportamentos adequados para a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas. Facilitadores consideraram que, nesse processo, os alicerces são as “forças” de cada um, no desenvolvimento da autonomia e de competências para o exercício pleno da cidadania. Dessa maneira, dos profi ssionais de saúde e de educação espera-se que, no desempenho das suas funções, eles assumam uma atitude permanente de empoderamento dos escolares, professores e servidores das escolas, a partir da utilização da Política Nacional da Promoção à Saúde. Os participantes consideraram como positiva a ação de criação de ambientes saudáveis executada no território da ESF Humberto Salvador, em Presidente Prudente, SP. FONTE: <https://cutt.ly/mgttKDc>. Acesso em: 24 ago. 2020. A perspectiva do trabalho em rede está relacionada à ideia de um entrelaçado de relações, em que os indivíduos constituiriam os nós. Essa metáfora revela o necessário vínculo entre as instituições sociais que têm os atores sociais como mediadores (JUNQUEIRA, 2004). Leia a notícia a seguir que trata, no contexto atual da pandemia da COVID-19, da importância do trabalho intersetorial e em rede. Aproveitamos para destacar que no mundo acadêmico, na área da saúde, o campo de estudos da população e sua relação com o SUS, a disseminaçãode doenças e relação com os fatores sociais, econômicos, entre outros, é a epidemiologia. Um estudo epidemiológico deverá, assim, considerar diversos fatores inseridos na sociedade. Só a saúde resolve? A urgência de ações intersetoriais na crise da Covid-19 Os variados efeitos da crise da Covid-19 já têm sido sentidos no mundo inteiro. Embora a saúde seja a sua face mais visível, o enfrentamento da doença coloca em evidência outras áreas também afetadas. Ao observar os impactos dos últimos meses, já 91 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 temos visto problemas de naturezas variadas, como o aumento do desemprego e da pobreza, aumento de violência doméstica, problemas de moradia pela inviabilidade de pagamento de aluguel, crescimento da insegurança alimentar, potencial aumento das desigualdades educacionais, entre outros. Enquanto os Estados têm avançado no enfrentamento da face sanitária da doença, provendo serviços de saúde emergenciais, e na sua face econômica, com políticas anticíclicas e de distribuição de renda emergencial, ainda há poucos avanços em outras áreas também bastante sensíveis frente à crise. Isso se torna mais grave em contextos de alta desigualdade e muita vulnerabilidade, como o brasileiro. Já há diversas evidências de que a crise sanitária afeta de forma desigual (e mais incidente) grupos populacionais tradicionalmente mais vulneráveis – como os mais pobres, as mulheres, os negros e os que moram em situação precária. Além de estarem sujeitos a maiores taxas de mortalidade, suas vulnerabilidades são ainda mais exacerbadas pelos múltiplos problemas decorrentes da crise. Para esta multiplicidade de problemas, há poucas soluções sendo propostas. Quais são as soluções, por exemplo, para lidar com a população em situação de rua que está fi sicamente exposta à doença, não tem materiais de higiene, não pode fazer isolamento e não tem documentos para acessar a renda mínima emergencial? Ou como tratar da população que vive em condições habitacionais precárias, como cortiços e favelas, com alta densidade populacional e que não pode fazer distanciamento ou acessar água limpa para lavar as mãos? Como resolver o problema da população de baixa renda que precisa continuar trabalhando durante a crise e não tem onde deixar suas crianças (estas últimas, inclusive, precisando de apoio e estrutura para as aulas on-line)? Estes são apenas alguns exemplos que mostram a complexidade da crise atual e a multiplicidade e interdependência dos problemas a ela relacionados, os quais não podem ser resolvidos apenas com intervenções das áreas de saúde e economia. A compreensão dos diversos efeitos da crise não é clara, assim como não são simples as soluções. Cada problema gerado possui diferentes fatores causais e possibilidades de soluções, muitas vezes contraditórios. Isso caracteriza o que tratamos na literatura como problemas perversos (termo cunhado em inglês como wicked problem). Estes problemas são aqueles que possuem defi nições dinâmicas, muitas causas, inter-relação com outros problemas e falta de consenso quanto às soluções apropriadas. Problemas perversos demandam soluções complexas, 92 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS inter-relacionadas e de natureza intersetorial. Pensar em intersetorialidade é compreender que a lógica verticalizada e setorial, característica da administração pública, não resolve problemas que são multidimensionais, como é o caso da pobreza e da vulnerabilidade, por exemplo. Ao olhar integralmente para questões que são multifacetadas, a intervenção deve deixar de ser fragmentada, tornando-se horizontal e sinérgica. Neste contexto de pandemia, no qual existe um ciclo relacional de problemas, é urgente evidenciarmos respostas intersetoriais e não isoladas. No entanto, assim como outras emergências, a crise da Covid-19 exacerba difi culdades estruturais na sociedade e na administração pública, e a baixa capacidade de promover políticas complexas e intersetoriais tem sido apontada, há alguns anos, como um dos grandes nós da administração pública no Brasil e no mundo. Governos constroem soluções simples, setorializadas e pontuais para enfrentar problemas cuja natureza dependeria de intervenções múltiplas e interdependentes. Para problemas de pobreza, distribuímos renda. Para problemas de aprendizado, construímos escolas. Para problemas de insegurança alimentar, fornecemos cesta básica. No entanto, as soluções setoriais e específi cas apenas enxugam o gelo e não conseguem enfrentar a natureza original dos problemas perversos. Ao tratar estes problemas de forma setorial, comprometemos o alcance de efetividade e de efi ciência nas respostas. Comprometemos a efetividade na medida em que as soluções simples não geram impacto nem resolvem o problema na sua integralidade. Geramos inefi ciência pelo aumento de gastos em políticas que não conseguem obter resultados e pela sobreposição de soluções repartidas em secretarias e órgãos governamentais distintos. O enfrentamento a problemas complexos requer, portanto, que os governos construam soluções que integrem diferentes secretarias e políticas. Requer uma articulação entre setores governamentais que, tradicionalmente, trabalham sozinhos. Frente à crise atual, cabe aos governos, acima de tudo, pensar em políticas articuladas, que envolvam diferentes setores, apresentem soluções integradas e capazes de lidar com múltiplos fatores e causas. Os gabinetes emergenciais de enfrentamento à crise, adotados por diversos municípios e governos estaduais, são um bom exemplo de intersetorialidade frente à emergência. Eles articulam diferentes órgãos governamentais que são prioritários neste momento e concentram suas decisões conjuntas no gabinete governamental. Isso possibilita construir propostas de soluções rápidas e articuladas, aumentando a chance de sua integralidade. 93 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 No entanto, não adianta apenas promover a integração no alto escalão. A integração acontece, de fato, no nível da rua, onde os profi ssionais da linha de frente dos serviços encontram as situações complexas e precisam fazer encaminhamentos articulados – caso eles existam. Os profi ssionais que atendem à população em situação de rua, por exemplo, precisam ser capazes de dar soluções emergenciais relativas à renda, à documentação, à higiene, ao acolhimento emergencial, e, claro, à saúde. No que tange à intersetorialidade na execução dos serviços, infelizmente, ainda não temos visto grandes avanços perante a crise. Em uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB-FGV) com profi ssionais da linha de frente das áreas de assistência e saúde, perguntamos aos profi ssionais em que medida eles estavam realizando ações articuladas com outros setores. Apenas 40% deles afi rmaram que fazem algum tipo de articulação – e em geral ela depende das decisões individuais destes profi ssionais. Ao mesmo tempo, gestores de diferentes serviços da ponta têm nos reportado que são cada vez mais demandados por informações de outros setores. Uma diretora de escola e profi ssionais de uma Unidade Básica de Saúde nos contaram que recebem dezenas de telefonemas por dia de pais e mães pedindo informações sobre a renda mínima emergencial. Frente ao desespero e à falta de contato com os serviços de assistência, as famílias acabam procurando aqueles profi ssionais com quem interagem cotidianamente. Principalmente em momentos de emergência, estes trabalhadores que estão na linha de frente e suas respectivas áreas deveriam ser capazes de repassar informações de outros serviços para facilitar a vida dos cidadãos mais afetados. Assim, trazer o debate da intersetorialidade no atual contexto é reforçar a importância das medidas e políticas emergenciais estarem relacionadas entre si. É necessário que sejam desenvolvidos modelos que integrem a gestão governamental e alterem estruturas e práticasinstitucionais, enfrentando as resistências que surgem com estas mudanças. Ao ter como objetivo comum o enfrentamento à pandemia e aos efeitos por ela gerados, as diferentes áreas devem identifi car conjuntamente os resultados esperados, de modo que as intervenções sejam articuladas e pactuadas do alto escalão ao profi ssional da linha de frente. Algumas propostas concretas, neste sentido, são: • Investir nos gabinetes emergenciais de crise e ampliar seu escopo de atuação, de modo que nele sejam envolvidas outras áreas além da saúde, incluindo os setores econômico, social, ambiental, de educação, entre outros. A efetividade destes gabinetes depende 94 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS de terem legitimidade e apoio político; de terem acesso à informação rápida e assertiva e de gerarem soluções concretas para serem implementadas rapidamente. • Elaborar planos de ação com metas que sejam compartilhadas e compactuadas entre diferentes setores e atividades integradas que incentivem o trabalho articulado e conectem diferentes áreas da administração pública. • Priorizar a população vulnerável, que sofre o impacto da pandemia de maneira desigual, estabelecendo prioridades no atendimento e levando em conta as especifi cidades destas pessoas. Deste modo, a intersetorialidade nas ações e nos serviços emergenciais deve ser construída de tal modo que os trabalhadores da linha de frente busquem a equidade na atenção integral. • Viabilizar e incentivar a articulação intersetorial pelos profi ssionais da linha de frente, por meio de fl uxos de encaminhamentos defi nidos e repasse de informações sobre os serviços de emergência. • Criar centrais únicas de informações sobre serviços emergenciais, tanto telefônicas como pela internet, nas quais profi ssionais da prefeitura fi cam concentrados em informar diferentes serviços e fazer encaminhamentos integrados, numa espécie de “hub” de emergência. O cenário atual coloca em evidência os desafi os que a intersetorialidade traz consigo. Superá-los agora signifi ca estabelecer novos arranjos que podem, inclusive, ser continuados nas circunstâncias pós-pandemia, servindo como um aprendizado de como diversos setores podem se complementar. Foi justamente dentro do setor da saúde que a intersetorialidade se fortaleceu como conceito há décadas atrás, inserida na discussão de saúde como qualidade de vida. Assim, a integralidade no atendimento promovida pelos trabalhadores da linha de frente precisa ser construída com o consenso de que existem determinantes sociais e que estes ultrapassam a competência de um só setor ou departamento. FONTE: <https://cutt.ly/dgtyPhe>. Acesso em: 24 ago. 2020. 95 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 4.2 REGIONALIZAÇÃO Para a constituição de políticas sociais é mister que se considere as desigualdades sociais e regionais, ou seja, ao se falar de políticas sociais não se pode deixar de lado políticas de desenvolvimento regional, dada a extrema desigualdade por região no Brasil. Nessa direção, fala-se da necessidade de políticas de desenvolvimento regional articuladas ao padrão de desenvolvimento nacional, que possam fazer frente aos enormes desequilíbrios regionais, históricos, que permanecem na vida nacional hodierna (GIMENEZ, 2017). Já desde tempos remotos, na era Vargas e na gestão de Kubitschek, havia um nível maior de informação sobre as diferenças regionais, indicando que “o acelerado processo de industrialização tendia a acentuar os desequilíbrios regionais” (GIMENEZ, 2017, p. 8). Nessa direção, o necessário planejamento econômico focado no desenvolvimento percebeu como fundamental a incorporação da questão regional, devido às profundas assimetrias entre as regiões do país (GIMENEZ, 2017). Acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=UVab41Zn7Yc e assista ao clip da música “A cidade”, de Chico Science & Nação Zumbi. A partir do clip e da letra da música, refl ita com seus colegas sobre a sua relação com a questão do território. 96 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas Que cresceram com a força de pedreiros suicidas Cavaleiros circulam vigiando as pessoas Não importa se são ruins, nem importa se são boas E a cidade se apresenta centro das ambições Para mendigos ou ricos e outras armações Coletivos, automóveis, motos e metrôs Trabalhadores, patrões, policiais, camelôs A cidade não para, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce A cidade não para, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce A cidade se encontra prostituída Por aqueles que a usaram em busca de saída Ilusora de pessoas de outros lugares A cidade, sua fama vai além dos mares No meio da esperteza internacional A cidade até que não está tão mal E a situação sempre mais ou menos Sempre uns com mais e outros com menos A cidade não para, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce A cidade não para, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus Num dia de sol, Recife acordou Com a mesma fedentina do dia anterior A cidade não para, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce A cidade não para, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce (Letra: Chico Science) Estar atentos ao território e as suas singularidades é fundamental para a constituição e a efetividade das políticas públicas, de um modo geral, e das 97 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 políticas de assistência social, de forma particular. Assim, Koga (2005) alerta para a importância de realizar a aproximação entre a política de assistência social à complexa performance da realidade. Tal empreitada pode ser concretizada mediante “a disposição de informações territorializadas”, de modo a “indicar metas e objetivos também mais concretos da própria política” (KOGA, 2005, p. 18). Nessa direção, cinco agrupamentos de municípios foram constituídos com a fi nalidade de atuar, tomando como foco o território. QUADRO 3 – CLASSIFICAÇÃO DE MUNICÍPIOS FONTE: Adaptado de PNAS (2004 apud KOGA, 2005) Esse quadro, apesar do seu foco no território como forma de viabilizar a concretude das políticas sociais aproximando-as da realidade palpável dos territórios, nos coloca frente à dimensão das metrópoles, que podem comportar no seu interior distintos territórios e diferentes realidades. Quanto a isso, Koga (2005) afi rma que a análise do país trouxe a visão das condições de vida das populações a partir desses agrupamentos, demonstrando de saída a discrepância desafi adora para a política de assistência social: 20% da população brasileira vive em municípios pequenos, com menos de 20.000 habitantes, e estes municípios são cerca de quatro mil, enquanto que outros 20% da população vive nas metrópoles, cuja população ultrapassa 900.000 habitantes, embora elas sejam apenas 16 cidades com esta superdimensão. Isso nos indica alguns problemas: como elaborar políticas sociais com grandezas de população em contextos tão diferenciados? É possível utilizar os mesmos critérios para municípios pequenos e metrópoles? Cada metrópole representa um território homogêneo? Há de se considerar, portanto, as dimensões do território. A realidade social e os contextos se mostram ainda mais complexos se levarmos em conta a diversidade territorial que pode ser captada dentro de um mesmo território de superdimensões. 98 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Prezado acadêmico, percorra a sua cidade e observe como está disposto o território. Você consegue perceber diferenças abismais entre um bairro e outro? Identifi ca algum tipo de desigualdade social no espaço percorrido? Compartilhe com os colegas de curso suas impressões. ALGUMASCONSIDERAÇÕES Prezado acadêmico, procuramos resgatar nesse capítulo a importância da questão social para lidar com as desigualdades próprias da sociedade capitalista. Nessa empreitada, estão presentes refl exões sobre a divisão da sociedade em classes sociais e a desigual distribuição da riqueza. Assim, trouxemos o debate das políticas sociais, mostrando como elas são importantes para lidar com essa desigualdade, que é estrutural. Apontamos para o impacto do capital fi nanceiro sobre a questão social, podendo arruinar projetos que visam à coletividade. O desmonte das políticas sociais tem sido uma prática na realidade brasileira, conduzindo à desproteção social. Opondo-se à perspectiva de defesa do Estado mínimo e de sucateamento das políticas públicas, mostramos haver a proposta do acesso universal às políticas sociais, bem como a concretização da justiça social. Apontamos para o equívoco de se pensar que as políticas focalizadas tenham competência, com sua seletividade, de chegar a todos os cidadãos, de modo que os seus direitos sejam asseverados. Ao contrário, temos urgência de políticas universais que consigam fazer valer a justiça social para todos. A Constituição Federal é apontada como grande mola propulsora responsável pela criação de políticas sociais, por meio da seguridade social. O SUAS e o SUS são exemplos de concretização social de políticas sociais. Colocamos você, aluno, em contato com as duas frentes das políticas sociais: de seguridade social (assistência social, saúde e previdência) e de promoção social (trabalho, renda, educação, desenvolvimento agrário e cultura). 99 TIPOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 2 Mostramos, ainda, como a intersetorialidade é fundamental para a constituição e a efetivação dessas políticas sociais, por sua capacidade de colocar em contato e em diálogo diferentes setores, de modo a fortalecê-los. Por fi m, destacamos como a efetivação das políticas sociais, ainda que venha ocorrendo, mantém-se como um ideal, não se concretizando na sua completude devido às constantes investidas das políticas neoliberais no intuito de enfraquecer a mobilização em torno da questão social. 100 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS REFERÊNCIAS BOSCHETTI, I. O SUAS e a Seguridade Social. Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate n. 2. Suplemento. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2005. CHESNAIS, F. Mundialização: o capital fi nanceiro no comando. Revista Outubro, São Paulo, n. 5, 2001. ESCOREL, S.; TEIXEIRA, L. A. História das Políticas de Saúde no Brasil de 1822 a 1963: do império ao desenvolvimentismo populista. In: GIOVANELLA, L. et al. Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2008. FATTORELLI, M. L.; ÁVILA, R. Os números da dívida. Brasília: Auditoria Cidadã da Dívida, 2012. FLEURY, S.; OUVERNEY, A. M. Política de saúde: uma política social. In: GIOVANELLA, L. et al. (orgs.). Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2008. p. 23-64. GIMENEZ, D. M. Política social e desequilíbrios regionais no Brasil em tempos de crise. Texto para Discussão, Unicamp, Campinas, n. 301, maio 2017. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/artigos/3530/TD301.pdf. Acesso em: 29 ago. 2020. JUNQUEIRA, L. A. 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Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2008. PIEDADE, D. C. P.; PEREIRA, P. A. P. Crise do capital e atuais tendências da (des)proteção social: traços ilustrativos da seguridade social brasileira. Serv. Soc. & Saúde, Campinas, SP, v. 15, n. 1, p. 51-70, jan./jun. 2016. SOARES, L. T. Políticas Sociais na América Latina. In: GIOVANELLA, L. et al. (orgs.). Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2008. VIANA, A. L. A.; BAPTISTA, T. W. F. Análise de Políticas de Saúde. In: GIOVANELLA, L. et al. (orgs.). Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2008. VIANNA, M. L. T. W. Universalismo x Focalização e outras controvérsias: espécies em extinção? In: MELAMED, C.; PIOLA, S. F. Políticas públicas e fi nanciamento federal do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ipea, 2011. YAZBEK, M. C. Serviço Social, questão social e políticas sociais em tempos de degradação do trabalho humano, sob o domínio do capital fi nanceiro. Serv. Soc. 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Apontar como o planejamento, o monitoramento e a avaliação em políticas sociais pode ocorrer de modo a contemplar a participação dos diferentes atores sociais, num movimento de corresponsabilização que implica toda a população. 104 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 105 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Prezado acadêmico! Quando falamos em políticas sociais estamos tratando de questões como: proteção social; vigilância social e defesa de direitos socioassistenciais. Os direitos de cidadania que não se concretizam na realidade dos sujeitos vêm a ser assegurados mediante a criação de políticas sociais direcionadas para os cidadãos e as suas demandas mais fundamentais. Essas demandas são diversas e os públicos a que elas se dirigem são igualmente diversifi cados: crianças, adultos, idosos, pessoas com defi ciência, mulheres e famílias no seu conjunto. Para que essas políticas sejam levadas adiante, elas necessitam de respaldo e de investimento por parte do poder público. As demandas sociais precisam ser ouvidas por aqueles que detêm o poder de implementar leis e políticas. A sociedade civil também se mostra atuante no sentido de pressionar o poder público nessa direção. Também é importante que haja avaliação e monitoramento das políticas sociais concomitantemente ao seu funcionamento, para que assim possam ser detectadas as suas fragilidades e os seus pontos fortes. A monitoração e a avaliação da construção é feita em conjunto com a participação, de um lado, daqueles que colocam em prática as políticas e, de outro lado, os gestores, diálogoimportante para que ocorra um feedback com relação ao que é necessário melhorar e o que foi exitoso e pode ser replicado. Além disso, o fi nanciamento é o grande propiciador da execução das políticas e da sua continuidade. Os repasses, convênios e contratos fazem parte de um rol de possibilidades no que diz respeito ao investimento e ao incentivo aos programas e políticas. Estas, necessárias para assegurar aos cidadãos o acesso a bens e serviços básicos e que constituem uma parte da construção de um modelo de proteção social de sucesso permanente. Assim, convidamos você, prezado acadêmico, a conhecer melhor e se aprofundar nas questões relativas às políticas sociais no âmbito do funcionamento dos programas e políticas, do seu monitoramento e avaliação e do seu fi nanciamento pelo poder público. 106 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 2 GESTÃO DO SUAS A gestão do SUAS ocorre por meio de secretarias, comissões, conselhos e fundos. Como é possível perceber por meio da imagem a seguir, enquanto órgãos gestores, temos: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome e Secretarias estaduais e municipais. Como instâncias de negociação e pactuação: a Comissão Intergestora Tripartite e a Comissão Intergestora Bipartite. Como instâncias de deliberação e controle social: o Conselho Nacional, os Conselhos Estaduais e os Conselhos Municipais. Como instâncias de fi nanciamento: o Fundo Nacional, os Fundos Estaduais e os Fundos Municipais (BRASIL, 2005) FIGURA 1 – FUNCIONAMENTO DO SUAS FONTE: <https://slideplayer.com.br/slide/3665592/>. Acesso em: 26 ago. 2020. 2.1 GESTÃO COMPARTILHADA O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é constituído por quatro esferas de gestão: a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios. O Artigo 12 do NOB-SUAS dispõe sobre a responsabilidade dos Entes (União, Estados, municípios e Distrito Federal). Trata-se de um processo de gestão que 107 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 ocorre de forma descentralizada, no qual há participação de outras instâncias, as denominadas Comissões Intergestores. Estas se resumem a espaços em que as demandas de gestores da união, dos estados e dos municípios são articuladas e expressas, de modo que sejam vistas como espaços de negociação e de pactuação (BRASIL, 2015). 2.1.1 O papel da União A responsabilidade da União é com relação a questões, como formulação, apoio, articulação e coordenação de ações (BRASIL, 2015). Vale destacar a importância do Art. 13 do NOB-SUAS. Nele são elencadas as responsabilidades da União, a qual, em última instância, tem como papel principal o repasse fi nanceiro aos Estados, DF e Municípios, nos moldes constitucionais (Art. 195, § 10 da CRFB), para que estes consigam dar vazão ao Bolsa Família e demais programas. Exemplos visíveis disso são os programas de assistência social que o atual Governo busca emplacar, como se fosse um novo “bolsa família”. Importante igualmente lembrar que a competência da União em matéria de assistência social se insere no LOAS (Lei nº 8.742/93), Artigo 12, de observância obrigatória na gestão. 2.1.2 O papel do estado A responsabilidade do estado é de gerir a assistência social no alcance de seu âmbito de competência, sendo que suas responsabilidades de atuação foram estabelecidas pela Norma Operacional Básica (NOB-SUAS) (BRASIL, 2015). Importante fazer menção ao Artigo 15 do NOB-SUAS, o qual traz especifi camente as responsabilidades dos estados. Igualmente importante é o Art. 13 do LOAS (Lei nº 8.742/93), que traz as competências dos estados. 2.1.3 O papel do município e do Distrito Federal No que concerne aos municípios e ao Distrito Federal, a habilitação ao SUAS passa por três níveis, denominados inicial, básico e pleno: A gestão inicial fi ca por conta dos municípios que atendam a requisitos mínimos, como a existência e funcionamento de 108 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS conselho, fundo e planos municipais de assistência social, além da execução das ações da Proteção Social Básica com recursos próprios. No nível básico, o município assume, com autonomia, a gestão da proteção social básica. No nível pleno, ele passa à gestão total das ações socioassistenciais (BRASIL, 2015). Atualmente, os municípios, mais do que nunca, têm tido uma atuação de grande relevância. Lembrando o seu papel ímpar nos dias recentes, em que a eles compete a tarefa principal, a linha de frente, de assistência social e de saúde. Igualmente relevante mencionar aqui o Artigo 17 do NOB-SUAS, o qual traz as responsabilidades municipais em matéria assistencial. Ademais, cabe fazer menção aos Artigos 14 e 15 do LOAS (Lei nº 8.742/93), que elencam as competências distritais e municipais. 2.2 VIGILÂNCIA SOCIOASSISTENCIAL Ao se pensar em proteção social urge desfazermos o equívoco de pensar que a atenção assistencial só ocorre após a instalação do problema, ou seja, o histórico caminhar mirando ações emergenciais, usualmente conferidas à seara da assistência social. Ao contrário, proteção social demanda o desenvolvimento de ações preventivas. Nessa direção, no caso específi co do Brasil, a assistência social desempenha três papéis, que inclusive são apresentados na PNAS-2004, os quais são: proteção social; vigilância social e defesa de direitos socioassistenciais (SPOSATI, 2009). Portanto, a assistência social não pode fi car restrita à proteção social, ela deve focar igualmente na vigilância social e na defesa de direitos socioassistenciais (SPOSATI, 2009; PAZ, 2005). De um lado, é necessário ter informação de onde se localizam e a quantidade dos sujeitos que demandam por proteção. De outro lado, é preciso saber qual o potencial da rede existente para prover tais necessidades. Operando dessa forma é possível ter uma visão mais ampla, que é imprescindível na defi nição das responsabilidades das esferas de governo (SPOSATI, 2009). Sobre a Vigilância Socioassistencial, leia o texto a seguir da página da Secretaria Especial do Desenvolvimento Social. A Vigilância Socioassistencial tem como objetivo a produção, a sistematização, a análise e a disseminação de informações territorializadas: 109 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 I – das situações de vulnerabilidade e risco que incidem sobre famílias e indivíduos e dos eventos de violação de direitos em determinados territórios; II – do tipo, volume e padrões de qualidade dos serviços ofertados pela rede Socioassistencial. A adequação entre as necessidades da população e a oferta dos serviços, vistos na perspectiva do território, deve ser um tema sob permanente análise da área de Vigilância. Essa visão de totalidade é fundamental para a defi nição de responsabilidade e para o planejamento das ações, integrando necessidades e ofertas. A Vigilância Socioassistencial constitui-se também como uma área de gestão da informação, dedicada a apoiar as atividades de planejamento, de supervisão e de execução dos serviços socioassistenciais por meio do provimento de dados, indicadores e análises, e deve estar estruturada e ativa em nível municipal, estadual e federal. FONTE: <https://cutt.ly/wgsxzUg>. Acesso em: 26 ago. 2020. 2.3 PACTO DE APRIMORAMENTO DO SUAS Trata-se de um instrumento que visa, como o mesmo nome diz, aprimorar a gestão, de modo a aperfeiçoar a gestão descentralizada do SUAS. Nessa melhora estão inclusos, no âmbito socioassistencial, projetos, serviços, programas e benefícios (BRASIL, 2015). Ao consultarmos o link da página da Secretaria Especial do Desenvolvimento Social, temos as seguintes informações sobre o Pacto de Aprimoramento do Suas: A Norma Operacional Básica do Suas (NOB-SUAS) estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem elaborar o Pacto de Aprimoramento do Suas, contendo: 110 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS • ações de estruturação e aperfeiçoamento do SUAS; • planejamento e acompanhamento da gestão, organizaçãoe execução dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais. O Pacto é o instrumento pelo qual são estabelecidas as metas e as prioridades nacionais no âmbito do SUAS, e se constitui como mecanismo de aprimoramento do Sistema como um todo. A periodicidade de elaboração do Pacto é quadrienal, com acompanhamento e revisão anual das prioridades e metas estabelecidas. O SUAS conta com o Pacto de Aprimoramento da Gestão Municipal e com o Pacto de Aprimoramento da Gestão Estadual. A Comissão Intergestores Tripartite (CIT) defi niu na sua 124ª reunião ordinária as Prioridades e Metas para a gestão municipal para o quadriênio 2014/2017. Quanto às Prioridades e Metas para a gestão estadual, o atual Pacto estabelecido encontra-se em período de transição, sua revisão foi realizada em outubro de 2013 com validade até 2015, quando deverá ser elaborado um novo Pacto de Aprimoramento com validade de quatro anos. Conforme o Artigo 24 da NOB-SUAS 2012, o Pacto de Aprimoramento do SUAS compreende: I – defi nição de indicadores; II – defi nição de níveis de gestão; III – fi xação de prioridades e metas de aprimoramento da gestão, dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais do SUAS; IV – planejamento para o alcance de metas de aprimoramento da gestão, dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais do SUAS; V – apoio entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, para o alcance das metas pactuadas; e VI – adoção de mecanismos de acompanhamento e avaliação. O Pacto de Aprimoramento da Gestão do SUAS representa o compromisso entre o MDS e os órgãos gestores da assistência social dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, que tem como objetivo o fortalecimento desses órgãos para o pleno exercício da gestão do SUAS, do Bolsa Família e do Cadastro Único para Programas Sociais, no seu âmbito de competência. O acompanhamento e a avaliação do Pacto têm por objetivo 111 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 observar o cumprimento de seu conteúdo e a efetivação dos compromissos assumidos entre os entes para a melhoria contínua da gestão, dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais, visando a sua adequação gradativa aos padrões estabelecidos pelo SUAS. FONTE: <https://cutt.ly/OgsxOLo>. Acesso em: 26 ago. 2020. 2.4 COMISSÕES INTERGESTORES As comissões Intergestores são instâncias de pactuação, no que diz respeito ao processo de gestão do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Essas comissões se dividem em Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e Comissões Intergestores Bipartite (CIB) (BRASIL, 2015). A CIT é tripartite por ser composta por União, Estados, Municípios e DF. Este é um misto, inserindo-se entre os dois últimos. Já a CIB é bipartite por ser constituída por Estados e Municípios. Tais informações encontram-se no NOB-SUAS, Artigos 129 e 130. Conforme o que consta no link da página da Secretaria Especial do Desenvolvimento Social, temos as seguintes informações sobre as Comissões Intergestores: O processo de gestão do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) conta com instâncias de pactuação: a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e as Comissões Intergestores Bipartite (CIB). A CIT é um espaço de articulação e expressão das demandas dos gestores federais, estaduais e municipais. Ela negocia e pactua aspectos operacionais da gestão do SUAS e, para isso, mantém contato permanente com a CIB, de modo a garantir a troca de informações sobre o processo de descentralização. A CIT é constituída pelas três esferas que compõem o SUAS: a União, representada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); os estados e Distrito Federal, representados pelo Fórum Nacional de Secretários de Estado de Assistência Social (Fonseas); e os municípios, representados pelo Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas). Entre as principais funções da CIT estão: 112 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS • pactuar estratégias para implantação e operacionalização; • estabelecer acordos sobre questões operacionais da implantação dos serviços, programas, projetos e benefícios; • atuar como fórum de pactuação de instrumentos, parâmetros, mecanismos de implementação e regulamentação; • pactuar os critérios e procedimentos de transferência de recursos para cofi nanciamentos; entre muitas outras. A CIB consiste na instância estadual destinada à interlocução de gestores, constituída por representantes do estado, indicados pela Secretaria Estadual de Assistência Social ou congênere e por representantes dos municípios, indicados pelo Colegiado Estadual de Gestores Municipais de Assistência Social (Coegemas), que representam os interesses e as necessidades do estado, referentes à assistência social. A CIB, como instância na qual se concretiza a gestão compartilhada do SUAS em âmbito estadual, deve pactuar a operacionalização da gestão e organização do sistema, defi nindo estratégias para implementar e operacionalizar a oferta de serviços e benefícios em âmbito estadual. Representantes das três instâncias do SUAS na CIT: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). O MDS é o órgão da União responsável pela coordenação do SUAS. Na CIT, está representado pela Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS). Fonseas O Fórum Nacional de Secretários de Estado de Assistência Social (Fonseas) é formado pelos gestores estaduais e do Distrito Federal de assistência social. É um importante mecanismo na gestão colegiada da Política Nacional de Assistência Social, pois tem como objetivo o fortalecimento da participação dos estados na defi nição dessa política pública. Congemas O Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) representa os municípios brasileiros junto ao Governo Federal e aos governos estaduais. Seu objetivo é fortalecer a representação municipal nos conselhos, comissões e colegiados de assistência social em todo o Brasil. FONTE: <https://cutt.ly/Rgsx0wV>. Acesso em: 26 ago. 2020. 113 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 2.5 SISTEMAS DE INFORMAÇÃO DA REDE SUAS A Rede SUAS, ou também conhecido como Sistema Nacional de Informação do Sistema Único de Assistência Social, possui a atribuição de prover as demandas de comunicação no que diz respeito ao SUAS, bem como no que concerne ao acesso a dados referentes à implementação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) (BRASIL, 2015). Leia o texto a seguir, extraído da página da Secretaria Especial do Desenvolvimento Social, Sistemas de Informação da Rede Suas: A Rede SUAS é um instrumento de gestão, organizando a produção, o armazenamento, o processamento e a disseminação dos dados. Com isso, dá suporte à operação, ao fi nanciamento e ao controle social do SUAS e garante transparência à gestão da informação. A Rede SUAS é composta por ferramentas que realizam registro e divulgação de dados sobre recursos repassados; acompanhamento e processamento de informações sobre programas, serviços e benefícios socioassistenciais; gerenciamento de convênios; suporte à gestão orçamentária; entre outras ações relacionadas à gestão da informação do SUAS. FONTE: <https://cutt.ly/fgscpDZ>. Acesso em: 26 ago. 2020. 2.6 GESTÃO DO TRABALHO A Gestão do Trabalho é o campo que cuida de aspectos vinculados ao trabalho social e aos trabalhadores atuantes na política de assistência social. Trata-se de uma das esferas de gestão do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A gestão do trabalho envolve, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, questões, como planejamento, organização e execução de ações voltadas ao reconhecimento do trabalhador, bem como à organização do processo de trabalho institucional (BRASIL, 2015). 114 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Leia o texto a seguir, extraído da páginada Secretaria Especial do Desenvolvimento Social, a respeito da gestão do Trabalho: A Gestão do Trabalho é um eixo estratégico e imprescindível à qualidade da prestação de serviços, programas, projetos, benefícios e transferência de renda no âmbito do SUAS. O trabalho na assistência social possui uma importante dimensão relacional e seus trabalhadores são os principais mediadores entre o direito socioassistencial e os usuários da política. Portanto, a valorização dos trabalhadores, a estruturação de condições institucionais de trabalho e implementação sistemática de ações de formação e capacitação potencializam a efetivação e a qualidade do SUAS. A Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS (NOB-RH/SUAS), a Norma Operacional Básica do SUAS (NOB- SUAS) e a Lei Orgânica de Assistência Social, regulamentam a Gestão do Trabalho no âmbito do SUAS e estabelecem seus princípios e diretrizes. FONTE: <https://cutt.ly/MgscEU0>. Acesso em: 26 ago. 2020. 3 PARTICIPAÇÃO SOCIAL A participação social é uma inovação em temos de políticas sociais e foi instituída a partir da Constituição Cidadã. Essa participação ocorre de diferentes maneiras: conselhos, conferências, consultas públicas, ouvidorias etc. (BRASIL, 2015). Sobre estes, falaremos com mais detalhes nos próximos itens deste capítulo. Vale fazer referência à recente Lei nº 13.460/2017, que dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. Nesta lei estão estabelecidas as maneiras pelas quais o cidadão pode buscar direitos (como é o caso da Ouvidoria, por exemplo), bem como estão dispostos os deveres da Administração Pública, o que é aplicável no âmbito da assistência social. 115 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 Observe a charge a seguir e refl ita o papel da democracia e da participação social na atualidade. FIGURA 2 – CHARGE DEMOCRACIA FONTE: <https://cutt.ly/mgscPsi>. Acesso em: 26 ago. 2020. 3.1 CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CNAS) Instituído pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), em 1993, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) tem como incumbência a promoção do controle social da política pública de assistência social, bem como a contribuição para o seu constante aperfeiçoamento, levando em conta as demandas da população brasileira (BRASIL, 2015). Leia o texto a seguir, extraído da página da Secretaria Especial do Desenvolvimento Social, com relação ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Algumas das principais competências [do CNAS] são aprovar a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), regular a prestação de serviços públicos e privados de assistência social, zelar pela efetivação do sistema descentralizado e participativo de assistência social e convocar ordinariamente a Conferência Nacional de Assistência Social. 116 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS O CNAS é composto por 18 membros, sendo nove representantes governamentais e nove da sociedade civil. O órgão é sempre presidido por um de seus integrantes, eleito pelos próprios membros do Conselho, com mandato de um ano e possibilidade de estendê-lo por mais um. Na gestão 2010/2012, ele é presidido pelo representante da sociedade civil Carlos Eduardo Ferrari, da Federação Nacional das Associações para Valorização das Pessoas com Defi ciência (Fenavape). Em sua estrutura, o CNAS conta com quatro Comissões Temáticas: de Política da Assistência Social; de Normas da Assistência Social; de Financiamento e Orçamento da Assistência Social; e de Conselhos da Assistência Social. FONTE: <https://cutt.ly/zgscDek>. Acesso em: 26 ago. 2020. 3.2 CONFERÊNCIAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Consideradas como instâncias, cujas funções são, de um lado, a avaliação da política de assistência social e, de outro lado, a delimitação das diretrizes para o melhoramento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), as conferências de assistência social são, em última instância, espaços de cunho deliberativo que possibilitam, com relação à Política de Assistência Social, o debate, a avaliação e a proposição de novas diretrizes, concretizando e expandindo os direitos socioassistenciais dos usuários (BRASIL, 2015). Observe, a seguir, as funções das Conferências de Assistência Social. A realização de uma Conferência não é algo isolado, mas parte de um processo amplo de diálogo e democratização da gestão pública. Por esta razão, a participação popular e, principalmente, a presença dos usuários é fundamental. As conferências são realizadas em três instâncias: municipal, estadual e nacional. Na etapa municipal, podem participar todos os sujeitos envolvidos na Assistência Social e pessoas interessadas nas questões relativas a essa Política. Já nas Conferências estaduais, 117 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 participam os delegados, eleitos nas Conferências municipais. Na Conferência Nacional, participam os delegados eleitos nas conferências estaduais. Desde sua criação, o CNAS já realizou Conferências Nacionais com os seguintes temas: I Conferência Nacional de Assistência Social, realizada no período de 20 a 23 de novembro de 1995, com o tema geral: “A Assistência Social como um direito do cidadão e dever do Estado”. II Conferência Nacional de Assistência Social, realizada no período de 9 a 12 de dezembro de 1997, com o tema geral: “O Sistema Descentralizado e Participativo da Assistência Social - Construindo a Inclusão - Universalizando Direitos”. III Conferência Nacional de Assistência Social, realizada no período de 4 a 7 de dezembro de 2001, com o tema geral: “Política de Assistência Social: uma trajetória de avanços e desafi os”. IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada no período de 7 a 10 de dezembro de 2003, com o tema geral: “Assistência Social como Política de Inclusão: uma nova agenda para a Cidadania - LOAS 10 anos”. V Conferência Nacional de Assistência Social, realizada no período de 5 a 8 de dezembro de 2005, com o tema geral: “SUAS – Plano 10: Estratégias e Metas para Implementação da Política Nacional de Assistência Social”. VI Conferência Nacional de Assistência Social, realizada no período de 14 a 17 de dezembro de 2007, com o tema geral: “Compromissos e Responsabilidades para Assegurar Proteção Social pelo Sistema Único da Assistência Social - SUAS”. VII Conferência Nacional de Assistência Social, realizada no período de 30 de novembro a 3 de dezembro de 2009, com o tema geral: “Participação e Controle Social no SUAS”. VIII Conferência Nacional de Assistência Social, realizada no período de 7 a 10 de dezembro de 2011, com o tema geral: “Avançando na consolidação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) com a valorização dos trabalhadores e a qualifi cação da gestão, dos serviços, programas, projetos e benefícios”. IX Conferência Nacional de Assistência Social, realizada no período de 16 a 19 de dezembro de 2013, com o tema geral: “A Gestão e o Financiamento na efetivação do SUAS”. FONTE: <https://cutt.ly/jgscGPk>. Acesso em: 26 ago. 2020. 118 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS 3.3 CONSULTAS PÚBLICAS No que diz respeito às consultas públicas é importante salientar que se trata de instrumento que visa uma perspectiva democrática, em prol de uma edifi cação conjunta, em que os esforços do governo e da sociedade civil se juntem a fi m de construir as políticas públicas. Ocorre que, ao se caminhar na perspectiva da colaboração, as políticas socioassistenciais e seus respectivos serviços podem ser aperfeiçoados (BRASIL, 2015). 3.4 OUVIDORIA Instrumento à disposição de todo e qualquer cidadão, a ouvidoria se presta a reclamações críticas, denúncias, ou até mesmo para sugestões e elogios. Ela acolhe todas as demandas dos usuários, analisando-as e dirigindo-as ao setor responsável. A ouvidoria só entende por fi nalizada uma demanda a partir do momento em que a solicitação do cidadãoseja devidamente respondida. Por ter contato com diferentes necessidades dos usuários, a ouvidoria tem condições igualmente de sugerir aos gestores modifi cações que resultem em melhoras nos processos de prestação de serviço (BRASIL, 2015). Adicionalmente, interessante notar que o ouvidor-geral, no cargo central da ouvidoria respectiva, deve ser pessoa correlata à comunidade, e, por isso, deve ter um perfi l de escuta, de sensibilidade e de celeridade no atendimento das demandas. É importante, nesse momento, mencionar a recente Lei nº 13.460/2017, que dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. Lá há regras expressas a respeito das ouvidorias. 4 SISTEMAS DE PLANEJAMENTO, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Para que se concretizem as metas presentes na Política Nacional de Assistência Social é imperativo que haja um avanço em relação à constituição de um sistema potente de informação em nível nacional e na sua integração em relação às bases de dados existentes nas três esferas de governo. 119 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 Além disso, é urgente a efetivação de políticas de monitoramento e avaliação, as quais têm como função medir e melhorar os projetos já em execução, de modo a contribuir igualmente para um planejamento futuro. Tanto a informação como o monitoramento e a avaliação devem ser enxergados como práticas permanentes e que se comprometem com o percurso da política de assistência ao longo de sua realização e não após a sua fi nalização (BRASIL, 2015). 4.1 OS SERVIÇOS E PROGRAMAS SOCIAIS Conforme observamos na fi gura a seguir, quando falamos em serviços e programas sociais, não podemos deixar de fazer referência ao que lhes dá respaldo: a seguridade social brasileira. Trata-se, assim, de um sistema não contributivo e em um dos seus eixos há a assistência social, que, por sua vez, nos conduz ao SUAS e, consequentemente, à proteção social e defesa de direitos fundamentais. Os programas e serviços estão aí para garantir esses direitos fundamentais. FIGURA 3 – SISTEMA NÃO CONTRIBUTIVO BRASILEIRO FONTE: <https://cutt.ly/zgscMRw>. Acesso em: 26 ago. 2020. 120 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Há, nesse sentido, um rol de serviços ofertados pela Política de Assistência Social com vistas a assegurar ao cidadão seus direitos de cidadania em ocasiões em que estes encontram-se ameaçados por contingências da vida. Contingências que podem estar relacionadas à idade, a questões familiares, ao desemprego, à violência, à quebra de vínculos familiares ou desastres naturais (BRASIL, 2015). A ideia é oferecer subsídios para o fortalecimento das famílias e o incentivo a sua autonomia, ofertando-lhes apoio no sentido de superação de situações adversas e na direção do acesso aos seus direitos sociais fundamentais. Igualmente possibilita o fortalecimento da comunidade, no sentido da mobilização e do empoderamento, bem como lhe fornece benefícios em contextos de adversidade (BRASIL, 2015). Ademais, trabalham intersetorialmente com as demais políticas públicas, de modo que as demandas dos sujeitos, que podem ser diversas e relacionadas a outras políticas, possam ser contempladas (BRASIL, 2015). Atualmente, os serviços e programas constantes no Ministério de Desenvolvimento Social são os seguintes: • Proteção e Atenção Integral à Família (PAIF) Ofertado em todos os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), o serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) visa fornecer apoio às famílias, realizando a prevenção do rompimento de vínculos, bem como a promoção do acesso a direitos fundamentais (BRASIL, 2015). No PAIF, mediante a promoção de espaços de escuta e de compartilhamento de vivências, são realizados trabalhos sociais com as famílias de forma a incentivar tanto as suas potencialidades quanto as potencialidades da comunidade. São atendidas famílias em contexto de vulnerabilidade social, benefi ciários de programas de transferência de renda e benefícios assistenciais, bem como pessoas com defi ciência ou idosas que estejam passando por momentos de fragilidade. São ofertados pelo PAIF serviços como: Atendimento às famílias, visitas domiciliares, orientações e encaminhamento a outros serviços e políticas do Governo Federal. O serviço também apoia ações comunitárias, por meio de palestras, campanhas e eventos, ajudando a comunidade na construção de soluções para o enfrentamento de problemas comuns, como nos casos de falta de acessibilidade, violência no bairro, trabalho infantil, falta de transporte, baixa qualidade na oferta de serviços, ausência de espaços de lazer, cultural, entre outros (BRASIL, 2015). 121 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 • Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) Direcionado a famílias e indivíduos que já foram vítimas de violação de direitos ou que já se encontram em situação de risco social, encontrando-se em vulnerabilidade social. Nesse sentido, é ofertado o apoio necessário para a solução de tais situações, promovendo direitos e fortalecendo os vínculos familiares e sociais. Tal serviço é disponibilizado nos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) (BRASIL, 2015). O trabalho desenvolvido envolve diferentes profi ssionais, como assistentes sociais, psicólogos e advogados. Entre as atividades, estão a identifi cação das necessidades das pessoas que buscam ou são encaminhadas ao CREAS; atenção especializada; orientação sobre direitos; encaminhamento para outros serviços da Assistência Social e de outras políticas, como saúde, educação, trabalho e renda, habitação; orientação jurídica; acesso à documentação, entre outros (BRASIL, 2015). Por meio da regionalização, o CREAS regional proporciona cobertura a populações de municípios com até 20.000 habitantes (BRASIL, 2015). Leia a notícia a seguir que refl ete a vulnerabilidade social das famílias do município de Campinas e como a situação da pandemia da COVID-19 revelou mais profundamente a desigualdade social e o desamparo das famílias. Número de famílias de Campinas atendidas em programas sociais cresce 496% na pandemia: ‘Expôs invisíveis’ Em entrevista ao G1, Eliane Jocelaine conta os desafi os provocados pelo novo coronavírus, a visibilidade que a crise trouxe à assistência social e aborda a representatividade que é ser a primeira secretária negra do governo municipal. A crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus lançou à situação de vulnerabilidade social milhares de famílias em Campinas (SP). De acordo com a secretária de Assistência Social, Pessoa com Defi ciência e Direitos Humanos, 122 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Eliane Jocelaine Pereira, houve crescimento de pelo menos 496% no número de atendidos por alguns dos programas sociais, seja de transferência de renda ou auxílio alimentar. Enquanto a prefeitura tinha 32 mil cadastrados no início de 2020, dados preliminares mostram que 191 mil famílias já recorreram a alguma ação vinculada à pasta. “A maior demanda foi por ajuda para obter o auxílio emergencial, mas também outros benefícios do município, principalmente com alimentação, primeira necessidade. Saltamos para 191 mil famílias atendidas, mas o número ainda pode ser maior. A crise expôs esses invisíveis, que é como os chamamos. Pessoas que tinham renda e essa renda acabou prejudicada”, explica Eliane. Ao G1, a titular da pasta, servidora de carreira da prefeitura e primeira mulher negra no alto escalão da administração em Campinas, conta como o trabalho vinculado à assistência social ganhou maior visibilidade diante da crise e os desafi os para a manutenção desses atendimentos, além de abordar a luta antirracismo que se espalhou pelo mundo nas últimas semanas. A pasta que a senhora comanda envolve direitos fundamentais e houve um aumento grandepela assistência social durante a pandemia. Já é possível mensurar esse impacto? Eliane Jocelaine: Não fi zemos ainda uma análise diagnóstica de números, não teve tempo para fazer essa trabalho pela necessidade de responder às ações que chegam para nós, mas tem algumas dimensões diante do trabalho que já realizamos. Na situação de normalidade, nós temos regiões muito vulneráveis na cidade, como a Noroeste, Sul e Sudoeste. Nossos CRAS [Centro de Referência da Assistência Social], que são territorializados, atendem, em média, 800 famílias em cada equipamento. Só que saltamos nosso atendimento, tanto pela necessidade de orientação, já que nosso trabalho também é de cidadania, educativo, como de ajuda para a obtenção dos benefícios. A maior demanda foi por ajuda para obter o auxílio emergencial, mas também outros benefícios do município, principalmente com alimentação, primeira necessidade. No começo do ano tínhamos cadastradas na prefeitura 32 mil famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza. Saltamos para 191 mil famílias atendidas, mas o número ainda pode ser maior. A crise expôs esses invisíveis, que é como os chamamos. Pessoas que tinham renda e essa renda acabou prejudicada. Não estavam nessa política, mas no momento precisam. 123 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 Por conta dessa demanda, tivemos de reajustar nossos serviços, manter os serviços em porta aberta, e fi car atentos também a todas as outras demandas que recebemos, como violência doméstica e pessoas em situação de rua, por exemplo, que assumimos a distribuição de alimentos que antes era feita por voluntários. A questão da segurança alimentar, com o Cartão Nutrir, está chegando a pessoas do recorte de extrema pobreza que não tinham nenhum benefício. O Banco de Alimentos atende muitos desses invisíveis, já que alimentação é a primeira necessidade, básica. Por isso criamos estratégias para descentralizar a entrega de alimentos, com mais pontos de distribuição. Já arrecadamos e distribuímos 90 toneladas de alimentos, e sabemos que a recuperação da economia não vai ser tão rápida, e precisamos manter esse atendimento. Quais os principais desafi os que a secretaria tem enfrentado com a crise? O défi cit de recursos agravado pela situação econômica. É bom frisar que a assistência social, assim como o SUS, é uma política social que tem como necessidade o partilhamento de recursos. Temos feito requisições junto ao Ministério da Cidadania, que precisa responder a essa questão, mas precisamos que o governo federal não atue apenas agora, com recursos extraordinários, mas também com recursos ordinários, pois há uma continuidade desses problemas e precisamos de mais adesões, ampliações. Quanto é esse valor necessário de aporte do governo federal? Para que pudéssemos recompor equipes, dar conta de atender àquilo que já existe, seria necessária uma recomposição de R$ 12 milhões por ano. O governo federal liberou R$ 2 bilhões para municípios e estados, mas é uma ajuda de três meses, e nós teremos consequências perdurando. Seria necessário pelo menos mais R$ 2 bilhões, para todo o Brasil, para que possamos fazer um serviço de longo prazo, para quando esse isolamento acabar. A senhora acredita que a crise trouxe visibilidade à pasta que comanda? Sim, era muito invisibilizada, era uma visão que assistência social tem como recorte apenas a pobreza ou extrema pobreza. Não trabalhamos com vulnerabilidade apenas em razão da renda, tem a violência, imigração e refúgio, questão etária, diversas situações que são passíveis de ocorrer em qualquer classe social, para qualquer nível econômico, independente da cor, do gênero. 124 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Talvez o único efeito positivo da crise seja a refl exão de nosso país aos problemas estruturais, estruturantes, que qualquer um está sujeito e que somos iguais em uma pandemia. A secretaria recebeu uma luz imensa, e o trabalho apareceu para a população, serviu para mostrar que temos unidades que estão aqui para atender essas pessoas. [...] e é preciso consolidar esse olhar [às políticas de assistência social]. Sobre visibilidade, a senhora é a primeira mulher negra da história de Campinas titular de uma secretaria no governo, e isso sendo servidora de carreira. Como avalia essa oportunidade? Primeiro, é preciso destacar o fato de eu ter tido, como mulher, oportunidade de ocupar um espaço de decisão [está no posto desde 2017]. A questão do gênero precisa ser exaltada, um motivo de comemoração, mas é um desafi o, é preciso responder. É muito importante que essa categoria seja vista, fi co feliz de demonstrar a capacidade das mulheres de lidarem com situações complexas, com decisões rápidas, em uma pasta de muitas políticas públicas e que dialogam diretamente com a pandemia. É muito importante a representatividade de gênero, como temos em Campinas, na Educação [Solange Villon Kohn Pelicer, titular da pasta] e na Saúde, com a Andrea [Andrea Von Zuben, diretora do Devisa], por exemplo, e sobre a mulher negra, fi co muito agradecida. Nosso prefeito fez um ato político, mas um ato político que é exigido das pessoas brancas. É preciso dar espaço e voz para que as pessoas negras falem por elas mesmas, para os seus pares e para todos. É a oportunidade de expressão de nossas difi culdades, das nossas necessidades, e serve para mostrar que podem sim, estar em cargos de decisão, e respondam à complexidade de estar em uma pauta não só do povo e da comunidade negra. O país precisa de mais secretários ou secretárias negros, mais jornalistas, mais políticos. É preciso que as pessoas contratem, deem mais oportunidades, não apenas ganhe visibilidade nas manifestações ou redes sociais. Sou servidora, neste ano faço 22 anos de prefeitura, e vejo como é importante ter uma oportunidade dentro de uma carreira, de conseguir se destacar. O fato de eu ascender dentro de uma estrutura pública, onde passei por vários cargos, mostra que não sou um número, que não fui escolhida por minha cor, mas minha cor representa muito dentro da minha história. Sobre a representativa de raça, a senhora abordou durante uma transmissão on-line da prefeitura a importância da luta 125 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 antirracismo, principalmente após os atos que ganharam o mundo com a morte de George Floyd, nos Estados Unidos. O que acha que falta para que a discussão sobre o tema perdure ou avance na sociedade? Eu penso que esses atos pelo George Floyd tomaram essa importância porque, talvez, tenha acontecido nos Estados Unidos. Temos isso cotidianamente no nosso país, e isso não é visto como uma questão necessária de ser encampada. Esse é um complexo que nós temos, invisibilizando atos e manifestações políticas negras. Tivemos e temos ativistas negros, temos resistência desde a formação do nosso país, e precisam importar um movimento para se instalar em nosso país. O Brasil precisa ter consciência de raça, precisa ler escritores e escritoras negros, compreender sua história e assumir que o Brasil é um país racista. Apesar disso, o movimento é positivo, ele invoca que as pessoas precisam se mobilizar de alguma forma, principalmente as pessoas brancas, mas precisamos incorporar isso na nossa sociedade, para demarcar uma ruptura com o sistema escravocrata. FONTE: <https://cutt.ly/lgsviEJ>. Acesso em: 26 ago. 2020. • População em Situação de Rua Direcionado à população em situação de rua, que podem ser jovens, adultos e famílias, esse serviço tem como foco as pessoas que têm a rua como local de moradia, sempre procurando respeitar as suas escolhas. Busca proporcionar atenção e acompanhamento a essas pessoas, dispensando a elas atividades que fortaleçam os vínculos sociais e familiares, dando a oportunidade de elaboração de novos projetos de vida (BRASIL, 2015). Importante mencionar a existência da Política Nacional para a População em Situação deRua (PNPR), instituída pelo Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009. No Decreto, há várias disposições, cabendo destaque às seguintes: • Há o objetivo de contagem ofi cial da população de situação de rua, o que conta com diversos percalços, mas é relevante para dados ofi ciais (exemplo: total de contagem do número de infectados da COVID-19 poderia ser, quiçá, muito maior se houvesse uma contabilização de pessoas em situação de rua vulneráveis) – Art. 7º, III. • A nomenclatura “população em situação de rua” foi pensada numa 126 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS perspectiva de prevenção, sendo objeto de cuidados por parte do legislador. Isso porque deve-se evitar o uso de expressões tão comuns, como “mendigos de rua”, “pedintes de rua”, “ciganos”, entre outros tantos que depreciam a fi gura das populações de rua, que contam com diferentes históricos e motivos para estar em situação de vulnerabilidade. Conforme Art. 1º, par. único: Considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória (BRASIL, 2009). • É proibida a remoção compulsória das populações em situação de rua. Exemplo: é ilegal e viola direitos esguichar jatos de água para fazer com que pessoas saiam das ruas. Por isso, a atuação da assistência social é essencial para propor [e não impor] alternativas e escolhas àqueles que se encontram em situação de rua. • A Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República instituirá o Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos para a População em Situação de Rua, destinado a promover e defender seus direitos (Art. 15). São dispensados atendimentos individuais e em grupo, bem como são realizados encaminhamentos quando necessário aos demais serviços socioassistenciais e às demais políticas públicas. Tudo isso com o intuito de incentivar a autonomia, proporcionar a inserção social e dispensar proteção a vítimas de violência (BRASIL, 2015). São serviços que ocorrem no Centro Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) e que buscam igualmente dar acesso à documentação civil, bem como proporcionar espaço de guarda de pertences pessoais (BRASIL, 2015). Os profi ssionais envolvidos nesta empreitada são de diversas áreas, os quais buscam elaborar e desenvolver atividades voltadas para as necessidades do usuário, orientação sobre seus direitos, atividades de convívio e socialização, incentivo à convivência familiar e comunitária, e, quando necessário, encaminhamento para a rede de serviços (BRASIL, 2015). 127 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 1 Observe, refl ita e redija um parágrafo sobre suas conclusões com relação à tirinha a seguir: FONTE: <https://cutt.ly/mgdRQHf>. Acesso em: 26 ago. 2020. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. • Convivência e Fortalecimento de Vínculos Oferecido de forma complementar ao PAIF e ao PAEFI, o serviço de Convivência e fortalecimento de vínculos é uma ferramenta de Proteção Social Básica do SUAS e possui um cunho preventivo. O referido serviço oferta atividades (artísticas, culturais, de lazer e esportivas) grupais, conforme a idade dos sujeitos. O intuito é propor desafi os que estimulem os usuários na (re)construção das suas trajetórias de vida, no âmbito individual, coletivo ou familiar (BRASIL, 2015). Esse serviço é disponibilizado no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), bem como nos Centros de Convivência. Está disponível para diferentes sujeitos e demandas: 128 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Podem participar crianças, jovens e adultos; pessoas com defi ciência; pessoas que sofreram violência, vítimas de trabalho infantil, jovens e crianças fora da escola, jovens que cumprem medidas socioeducativas, idosos sem amparo da família e da comunidade ou sem acesso a serviços sociais, além de outras pessoas inseridas no Cadastro Único (BRASIL, 2015). • Equipe Volante Direcionada à atenção e à disponibilização de serviços de assistência social a famílias que habitam em locais de difícil acesso, a Equipe Volante compõe a equipe do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). São considerados locais de difícil acesso as áreas rurais, as comunidades indígenas, os quilombolas, as calhas de rios, os assentamentos, entre outros (BRASIL, 2015). Na medida em que se realiza a busca ativa de tais famílias, as equipes concretizam o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), bem como demais serviços de Proteção Social Básica, os quais deverão ser ajustados conforme o contexto local específi co. Além desse trabalho, essas equipes buscam incluir essas famílias, atualizar o seu cadastro no Cadastro Único, efetuar encaminhamentos indispensáveis para o acesso à renda, encaminhamentos para demais serviços da Assistência Social e de outras políticas. A movimentação dessas equipes até os locais é feita por meio de carros ou das lanchas da Assistência Social (BRASIL, 2015). • Abordagem Social Trata-se, neste caso, de trabalho executado por equipe de educadores sociais. Estes realizarão o reconhecimento de indivíduos e de famílias que estejam em condição de risco pessoal e social em espaços públicos. São exemplos disso: trabalho infantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, situação de rua, uso abusivo de crack e outras drogas. A ideia é abordar essas pessoas em espaços públicos e disponibilizar a elas serviços direcionados as suas demandas urgentes, de modo a assegurar seus direitos de cidadania, inserindo-as na rede de serviços socioassistenciais, bem como nas demais políticas públicas (BRASIL, 2015). Esse serviço pode ser fornecido em diferentes locais, como no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), em Unidade Específi ca Referenciada ao CREAS ou no Centro Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop.) (BRASIL, 2015). 129 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 • Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Defi ciência, Idosas e suas Famílias Esse serviço é voltado para sujeitos com defi ciência ou para sujeitos idosos com algum nível de dependência e que sofreram violações de seus direitos, que agravaram a sua dependência e comprometeram o desenvolvimento da sua autonomia (BRASIL, 2015). Vale especial menção ao benefício de prestação de assistência social, previsto no LOAS, conhecido justamente como “benefício LOAS” por guardar o nome da lei que o rege. Os assistentes sociais podem dar informações gerais a respeito dos requisitos necessários para a realização do requerimento no INSS por parte da pessoa em situação de vulnerabilidade e com renda inferior ao previsto em lei. O objetivo é diminuir a exclusão social desses sujeitos, dispensando a eles autonomia e melhor qualidade de vida, bem como auxiliar na suplantação das violações de direitos. Nessa direção, é desenvolvido o trabalho social, o qual é efetuado por uma equipe diversa, constituída por assistentes sociais, psicólogos e terapeutas ocupacionais. As ações desenvolvidas estão focadas na promoção da defesa de direitos; no estímulo ao convívio familiar e comunitário e no incentivo à organização da vida cotidiana. Também são realizados encaminhamentos, quando necessário, para a rede de serviços. Normalmente,esses serviços são ofertados em Centro-Dia, no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e em unidade referenciada ao CREAS e/ou no domicílio do usuário (BRASIL, 2015). Leia a notícia com relação ao junho violeta e à violação de direitos dos idosos em tempos de pandemia da COVID-19. Junho violeta: proteção e segurança da pessoa idosa O DF tem 303.017 pessoas com 60 anos ou mais, 10,5% da população. Mês é dedicado à discussão sobre os cuidados com esse público. O mês de junho é violeta com o objetivo de alertar para a proteção e segurança da pessoa idosa. No Distrito Federal, são mais de 300 mil pessoas com 60 anos ou mais – 10,5% de todos os habitantes. Neste ano, em cenário de pandemia de coronavírus, a atenção precisa ser multiplicada: dados do Disque 100 e da Polícia Civil apontam crescimento de casos de violações de direitos. Por 130 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS isso, o GDF faz campanha para alertar sobre esse problema e divulgar canais de denúncia. “Em tempos de pandemia, a preocupação com os idosos é redobrada. Precisamos protegê-los do risco de contaminação pelo coronavírus e, ao mesmo tempo, prevenir e combater as violações de direitos”, afi rma a secretária de Justiça e Cidadania (Sejus), Marcela Passamani. A pasta é responsável pela promoção dos direitos dos idosos – recebe e encaminha denúncias, acompanha vítimas e cria políticas públicas de prevenção, acolhimento e proteção. Os dados apontam o problema. Do início de março ao começo de junho, o Disque 100 recebeu 474 casos de violações de direitos da pessoa idosa no DF. Nesse período, o número de casos chegou à metade das denúncias de todo o ano passado, que fechou com 989 denúncias. Nesse sentido, a Polícia Civil registrou aumento de 49% no número de ocorrências de crimes contra idosos – comparados os cinco primeiros meses de 2020 e 2019. FONTE: <https://cutt.ly/rgfZFFl>. Acesso em: 26 ago. 2020. • Serviços de Acolhimento Tratam-se de serviços especializados que dispensam acolhimento e proteção tanto a indivíduos apartados de suas famílias quanto de famílias separadas provisoriamente de sua comunidade. Ambos em situações, como abandono e violação de direitos. São moradias provisórias que acolhem os indivíduos até que consigam retornar a sua família/comunidade de origem (BRASIL, 2015). Os públicos aos quais se dirigem são os seguintes: Crianças e Adolescentes; Adultos e Famílias; Pessoas Idosas; Pessoas com Defi ciência; Mulheres em Situação de Violência; Situação de Calamidades e Emergência (BRASIL, 2015). Para cada um desses públicos existem leis e estatutos específi cos. No caso de crianças e adolescentes, tem-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), relativamente aos idosos, tem-se o Estatuto do Idoso e, por último, no que concerne às mulheres em situação de violência, tem-se a Lei Maria da Penha. 131 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 1 Observe a charge a seguir e descreva em um parágrafo o que ela refl ete. FONTE: <https://cutt.ly/lgfXIWG>. Acesso em: 26 ago. 2020. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 2 Observe a charge a seguir e refl ita o seu conteúdo. Descreva em poucas linhas o que ela quer dizer. FONTE: <https://cutt.ly/HgfXP8S>. Acesso em: 26 ago. 2020. 132 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. • Medidas Socioeducativas A medida socioeducativa se dirige ao adolescente que teve autoria de ato infracional, sendo determinado judicialmente que ele cumpra tal medida, que visa auxiliar pedagogicamente para que esse adolescente tenha acesso a direitos e para que ele opere uma mudança de valores pessoais e sociais. Tais medidas, conforme preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), podem ser efetivadas de diferentes formas: em liberdade, em meio aberto ou, com privação de liberdade, sob internação (BRASIL, 2015). Segundo o ECA e a Lei do SINASE (que rege a execução das medidas socioeducativas), tais medidas deverão ter caráter de brevidade, excepcionalidade e legalidade, podendo ser desde remissão (espécie de “perdão” dado pelo Ministério Público ou pelo Juízo), advertência, obrigação de reparação de dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e, na pior das hipóteses e somente nos casos previstos no Art. 122 do ECA (violência e grave ameaça, fl agrante delito etc.), a privação de liberdade pela via da internação. Cabe frisar que as medidas socioeducativas apenas se aplicam aos adolescentes, ou seja, maiores de 12 anos. Às crianças – pessoas de até 12 anos incompletos – não se aplicam medidas socioeducativas, mas medidas protetivas, que possam abranger todo o seio familiar. Leia a seguir as diferentes formas de serem efetivadas as medidas socioeducativas. O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) oferece o serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC). A fi nalidade é 133 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 prover atenção socioassistencial e acompanhamento a adolescentes e jovens encaminhados pela Vara de Infância e Juventude ou, na ausência desta, pela Vara Civil correspondente ou Juiz Singular. Também cabe ao CREAS fazer o acompanhamento do adolescente, contribuindo no trabalho de responsabilização do ato infracional praticado. O Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto possui interface com o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, devendo, assim, compor o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo. O Plano tem como objetivo organizar a rede de atendimento socioeducativo e aprimorar e monitorar a atuação dos responsáveis pelo atendimento a adolescentes em confl ito com a lei. Liberdade Assistida O adolescente em medida de Liberdade Assistida é encaminhado ao CREAS, onde será acompanhado e orientado. A Liberdade Assistida pressupõe certa restrição de direitos e um acompanhamento sistemático do adolescente, mas sem impor o afastamento de seu convívio familiar e comunitário. Essa medida é fi xada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo ser prorrogada, revogada ou substituída caso a Justiça determine. Prestação de Serviços à Comunidade De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a prestação de serviços à comunidade consiste na realização de atividades gratuitas de interesse geral, por período não superior a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos, bem como em programas comunitários governamentais. As tarefas são atribuídas conforme aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados, ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência escolar ou jornada normal de trabalho. O cumprimento da medida socioeducativa de PSC não pode dar margem à exploração do trabalho do adolescente. Acompanhamento Encaminhado pela Vara de Infância e Juventude ou, na ausência desta, pela Vara Civil correspondente ou Juiz Singular, o adolescente é recebido pelo Creas e orientadosobre as medidas aplicadas pelo juiz. Ele também é informado e encaminhado, caso seja necessário, a outros serviços da assistência social e a outras políticas públicas. 134 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Esse acompanhamento é informado por meio de relatórios à Justiça. O juiz determina a continuidade ou o fi m da medida aplicada. Em caso de descumprimento, o juiz pode determinar inclusive a privação de liberdade. O acompanhamento ao adolescente é estabelecido de acordo com os prazos legais: no mínimo seis meses para a medida de Liberdade Assistida e inferior a seis meses para a medida de Prestação de Serviços à Comunidade. FONTE: <https://cutt.ly/ngfXHhZ>. Acesso em: 26 ago. 2020. • Calamidade Pública No caso específi co das calamidades públicas, existe o Serviço de Proteção em Calamidades Públicas e Emergências. Trata-se de serviço de proteção especial do SUAS com vistas à superação de contextos de Calamidade Pública (BRASIL, 2015). Presente no Artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal, LC n° 101/2000, a calamidade pública diz respeito a desastres que impõem o estabelecimento de situação jurídica especial, possibilitando o atendimento às demandas provisórias de interesse público por parte do Estado. O serviço está previsto na Resolução CNAS nº 109, de 11 de novembro de 2009, que aprova a Tipifi cação Nacional de Serviços Socioassistenciais e é regulamentado pela Portaria MDS nº 90, de 3 de setembro de 2013. O objetivo do serviço é assegurar provisões de ambiente físico, recursos materiais, recursos humanos e trabalho social. Todas essas provisões devem ser empregadas na manutenção de abrigos temporários como estratégia de resposta a esses eventos. Todos os estados, Distrito Federal e municípios são elegíveis. O aceite do serviço pode ser feito tanto antes como posteriormente à ocorrência de algum desastre. É importante ressaltar que mesmo que o aceite seja feito de forma antecipada, o repasse de recurso só ocorre depois de preenchidos os requisitos elencados na portaria MDS nº 90/2013 (BRASIL, 2015). • BPC na Escola A garantia de acesso e permanência na escola é a meta que movimenta o Programa BPC na Escola, que tem como público-alvo crianças e adolescentes com defi ciência em idade entre zero e 18 anos. Essa dinâmica se dá mediante ações intersetoriais, bem como por meio da participação da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal. Além disso, trata-se de uma ação interministerial, visto que envolve diferentes ministérios: Desenvolvimento Social; Educação; Saúde; Secretaria de Diretos Humanos (BRASIL, 2015). 135 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 A empreitada é identifi car quais são os obstáculos difi cultadores do acesso e da permanência de crianças e adolescentes com defi ciência na escola. Nessa direção, é importante fazer referência à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, Artigo 4º, inciso III, segundo o qual: O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1996). A partir dessa identifi cação, realizar a efetivação de ações intersetoriais, que englobem políticas de diferentes áreas: Assistência Social; Educação; Saúde; Direitos Humanos. Para reconhecer esses obstáculos são aplicados instrumentos, como questionários, ao longo de visitas domiciliares. Após, “é realizado o acompanhamento dos benefi ciários e de suas famílias pelos técnicos dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), e das ações intersetoriais desenvolvidas pelos grupos gestores do Programa” (BRASIL, 2015). • BPC Trabalho Já o programa BPC Trabalho busca a promoção do protagonismo e da participação social “dos benefi ciários com defi ciência do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), por meio da superação de barreiras, fortalecimento da autonomia, acesso à rede socioassistencial, à qualifi cação profi ssional e ao mundo do trabalho” (BRASIL, 2015). A ideia do BPC Trabalho é atender preferencialmente os benefi ciários com idade entre 16 e 45 anos, que desejam trabalhar e, no entanto, deparam-se com barreiras para adquirir formação profi ssional e qualifi cação necessárias para o ingresso no mercado de trabalho. Com o intuito de ajudar com relação a esse acesso, promoveram-se modifi cações na legislação relativa ao BPC. Assim, a partir de 2011, houve a seguinte alteração: o benefi ciário com defi ciência que se inserisse no mercado de trabalho teria seu benefício suspendido, porém, não cancelado, enquanto permanecesse a atividade remunerada. Já com relação ao caso de Contrato de Aprendizagem Profi ssional, haveria alternativa do benefi ciário do BPC realizar o acúmulo do salário de aprendiz juntamente ao do benefício por um período de até dois anos (BRASIL, 2015). • Acessuas Trabalho O Acessuas Trabalho é um programa que busca promover o acesso ao 136 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS mundo do trabalho. Esse programa enseja a autonomia das famílias usuárias da Política de Assistência Social, por meio da inserção ao mundo do trabalho (BRASIL, 2015). Trata-se de um conjunto de ações que busca articular políticas públicas, assim como mobilizar, encaminhar e acompanhar pessoas em situação de vulnerabilidade social a fi m de que elas tenham acesso a oportunidades relacionadas ao mercado de trabalho. Na verdade, é uma tentativa de Inclusão Produtiva, que compreende questões como: Qualifi cação técnico-profi ssional; intermediação pública de mão de obra; apoio ao microempreendedor individual e à economia solidária; acesso a direitos sociais relativos ao trabalho (formalização do trabalho); articulação com comerciantes e empresários locais para mapeamento e fomento de oportunidades, entre outros (BRASIL, 2015). São atendidas por esse programa populações urbanas e rurais em situação de vulnerabilidade social com idade entre 14 e 59 anos, havendo prioridade para aqueles que já são usuários de programas de transferência de renda, especialmente os seguintes grupos: • Pessoas com defi ciência. • Jovens do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. • Pessoas inscritas no CADÚNICO. • Adolescentes e jovens no sistema socioeducativo e egressos. • Famílias com presença de trabalho infantil. • Famílias com pessoas em situação de privação de liberdade. • Famílias com crianças em situação de acolhimento provisório. • População em situação de rua. • Adolescentes e jovens no serviço de acolhimento e egressos. • Indivíduos e famílias moradoras em territórios de risco em decorrência do tráfi co de drogas. • Indivíduos egressos do sistema penal. • Benefi ciários do Programa Bolsa Família. • Pessoas retiradas do trabalho escravo. • Mulheres vítimas de violência. • Jovens negros em territórios do Plano Juventude Viva. • Adolescentes vítimas de exploração sexual. • Povos e comunidades tradicionais. • Público de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTT). • Entre outros, para atender especifi cidades territoriais e regionais (BRASIL, 2015). 137 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 • Ação Estratégica do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil Iniciado em 1996, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) contou com o respaldo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com vistas à luta contra o trabalho infantil. Aos poucos esse programa foi alcançando o país como um todo, num intenso esforço do Estado brasileiro para implementar políticas públicas direcionadas ao combate do trabalho infantil. Com o passar do tempo foram agregados outros programas ao PETI (BRASIL, 2015): Em 2011, o PETI foi instituído pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) comoum programa de caráter intersetorial, integrante da Política Nacional de Assistência Social, que compreende: transferências de renda; trabalho social com famílias e oferta de serviços socioeducativos para crianças e adolescentes que se encontram em situação de trabalho. Iniciou-se um debate, em 2013, a respeito de um novo formato para o PETI, tendo em vista o avanço com relação à estruturação, de um lado, do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e, de outro lado, da política de prevenção e erradicação do trabalho infantil. Ademais, identifi cava-se mediante censo realizado pelo IBGE em 2010 um novo arranjo do trabalho infantil no Brasil. Assim, a ideia é buscar uma nova estrutura deste programa que busca acelerar as ações de prevenção e erradicação do trabalho infantil (BRASIL, 2015). 1 Observe a tirinha a seguir e discuta com seus colegas o que ela nos faz refl etir. FONTE: <https://cutt.ly/DgfXM1H>. Acesso em: 26 ago. 2020. 138 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________________________________________. 4.2 PLANEJAMENTO, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE SERVIÇOS E PROGRAMAS SOCIAIS Antes de iniciarmos esta seção é importante esclarecer que existe uma diferença entre o controle e a avaliação/monitoramento. O que ocorre é que normalmente há um equívoco quando se faz referência a esses conceitos. No controle, tem-se como foco a legalidade dos atos da administração pública. Já na avaliação e monitoramento o foco reside na qualidade da gestão (VAITSMAN, 2009). FIGURA 4 – CONTROLE E AVALIAÇÃO/MONITORAMENTO: DIFERENÇAS FONTE: Adaptada de Vaitsman (2009) 139 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 Aqui estamos falando, portanto, da qualidade da gestão. Esse monitoramento e avaliação devem ocorrer concomitantemente à gestão, não após o seu término, como normalmente se imagina. FIGURA 5 – ASPECTOS DO MONITORAMENTO FONTE: <https://cutt.ly/sgfCRmz>. Acesso em: 26 ago. 2020. Observe o quadro e o texto a seguir que mostram o caminho de desenvolvimento das políticas sociais. 140 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS QUADRO 1 – CAMINHO DE DESENVOLVIMENTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS Âmbito Tarefas Organização • Determinar atividades ou executar • Dividir o trabalho • Agrupar tarefas e dispor sua organização • Delegar autoridade na estrutura organizacional • Criar divisões administrativas • Defi nir o grau de descentralização da gestão do programa • Estabelecer relações materiais e pessoais orientadas ao êxito dos objeti- vos • Defi nir perfi l do gerente do projeto Direção • Guiar e supervisionar o pessoal • Dotar os cargos criados pela estrutura • Sincronizar a ação individual • Recrutar e selecionar pessoal • Motivar o pessoal • Comprometer-se com os objetivos de impacto • Coordenar a comunicação com os usuários • Adotar práticas inovadoras de gestão Programação • Estabelecer a sequência lógica de realização das atividades • Utilizar ferramentas de programação (carta/cronograma de ativida- des, entre outros) • Construir matriz de programação • Defi nir objetivos de produto e atividade • Fornecer oportunamente insumos ao processo produtivo • Cumprir o calendário de trabalho • Reformular o programa em caso de externalidades negativas • Defi nir o monitoramento e a linha de base para a avaliação 141 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 Monitoramento • Realizar acompanhamento da gestão • Contrastar efeitos e resultados do programa com as metas • Detectar desvios • Impulsionar ações corretivas • Manter sistema preventivo de informação • Registrar o nível de prestação dos serviços • Analisar o grau de efi cácia da focalização • Analisar a efi ciência no alcance dos produtos • Avaliar a efi cácia no alcance dos produtos • Contrastar efi ciência no manejo dos recursos • Reprogramar se for necessário Avaliação • Identifi car os resultados líquidos esperados do programa • Organizar o projeto de acordo com a magnitude da mudança obtida • Determinar o impacto obtido pelo programa FONTE: Adaptado de Cepal (1997) Para o desempenho das diversas funções e tarefas mencionadas nos cinco âmbitos (organização, direção, programação, monitoramento e avaliação), são requeridas dos gerentes ou coordenadores de programas e projetos certas habilidades e competências, dentre as quais destacamos as seguintes: • atuar com perspectiva estratégica; • conhecer e buscar inovações; • capacidade para manejar complexidade; • promover articulação social, coordenação, consensos e alianças; • capacidade para gerar compromissos e confi ança; • exercício de liderança tanto com relação à equipe como para fora do pro- jeto/programa; • desenvolvimento de ética de compromisso; • capacidade de comunicação; • competência técnica: conhecimentos específi cos para análise rigorosa e sis- temática dos aspectos fundamentais do contexto e das intervenções (FILGUEIRAS, 2009, p. 140). 142 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS FIGURA 6 – POLÍTICAS PÚBLICAS: MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO FONTE: <https://cutt.ly/cgg43ZU>. Acesso em: 26 ago. 2020. FIGURA 7 – COFINANCIAMENTO DA UNIÃO FONTE: <https://slideplayer.com.br/slide/3665592/>. Acesso em: 26 ago. 2020. 143 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 5 FINANCIAMENTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS O modo de fi nanciamento das políticas proposto pelo SUAS deu grande passo em direção ao melhor funcionamento e concretização. A PNAS coloca como meta um novo formato de gestão, em que ocorre o diálogo entre gestão, fi nanciamento e controle social (TAVARES, 2009). A ideia reside em ultrapassar o modo costumeiramente utilizado para colocar em prática o fi nanciamento, voltado para atuações centralizadas, fragmentárias, clientelistas, além disso ancorada em formatos de repasse de recursos colocados em prática sob a lógica per capita, a qual, na sua maior parte, não conseguia dar respaldo às necessidades específi cas, compõe esse desafi o (TAVARES, 2009). Um empecilho sempre se fez presente com relação à política de assistência social: a não articulação entre gestão (a forma de operar) e fi nanciamento (a forma de fi nanciar), de modo a haver uma lacuna a ser resolvida nesse sentido, ou seja, a realidade é que o desalinhamento entre a gestão e o fi nanciamento torna-se um grande obstáculo à concretização exitosa das políticas sociais (TAVARES, 2009). Leia com atenção as diretrizes estabelecidas pela PNAS para o fi nanciamento da assistência social. Considerando que uma das grandes preocupações nessa área é de que o fi nanciamento expresse o modelo de gestão proposto pelo SUAS, seguem as principais diretrizes estabelecidas pela PNAS para que o fi nanciamento da assistência social se dê forma exitosa: • tendo como base o território; • considerando o porte dos municípios; • de acordo com a complexidade dos serviços, concebidos de maneira hierarquizada e complementar; • com repasses regulares e automáticos para os serviços ultrapassando o modelo convenial para esse tipo de provisão da política; • com o estabelecimento dos pisos de proteção que correspondam ao nível de complexidade da atenção a ser operada; • com cofi nanciamento, representando a corresponsabilidade que deve haver entre as esferas de governo na provisão da assistência 144 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS social como política pública; • com correspondência nos instrumentos de planejamento público (PPA, LDO e Loas), com destaque para o PPA que, por seu papel de guia programático para as ações do poder público, pode traduzir, segundo a PNAS, “a síntese dos esforços de planejamento de toda a administração para contemplar os princípios e concepções do SUAS”; • efetuando projeções paraa universalização da cobertura; • garantindo revisão da regulação e novas normatizações; • a partir de novas diretrizes para a gestão dos benefícios preconizados pela Loas; • com protocolos intersetoriais com Saúde e Educação para a transição dos serviços afetos a essas áreas ainda operados e fi nanciados pela assistência social; • com defi nição de responsabilidades e papéis das entidades sociais (TAVARES, 2009). Na PNAS, relativamente ao fi nanciamento, indica-se que, nas três esferas de governo, os fundos de assistência social “representam a instância de fi nanciamento do Sistema Descentralizado e Participativo da Assistência Social operacionalizado pela via do SUAS” (TAVARES, 2009, p. 232). Indispensável trazer à tona que, igualmente nas três esferas de governo, o fi nanciamento da Política de Assistência Social tem de considerar o diagnóstico socioterritorial (regional, municipal, intramunicipal), o qual deve orientar de um lado o planejamento de ações e, de outro, ofertar os equipamentos necessários ao orçamento. Este, por sua vez, deve expressar a unidade do sistema – ou seja, com base nos diferentes níveis de complexidade das proteções a serem afi ançadas e com a consideração do nível de gestão quando do cofi nanciamento aos municípios −, mas traduzindo as diversidades e as especifi cidades locais e regionais (TAVARES, 2009). 145 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 FIGURA 8 – FINANCIAMENTO DO SUAS FONTE: <https://slideplayer.com.br/slide/10371664/>. Acesso em: 26 ago. 2020. É mediante os repasses fundo a fundo que é operacionalizado o fi nanciamento da união para a Assistência Social. A dinâmica é a seguinte: o repasse ocorre diretamente do Fundo Nacional de Assistência Social aos Fundos de Assistência Social dos municípios, dos estados e do Distrito Federal. Além disso, no que concerne ao fi nanciamento, o SUAS estrutura a partir das seguintes modalidades: serviços; programas, projetos, benefícios (BRASIL, 2015). Relativamente aos serviços, tratam-se de atividades continuadas que têm como foco a melhor qualidade de vida da população. Para tal, ocorrem ações direcionadas para as demandas basilares dos indivíduos, sempre levando em conta os objetivos e as diretrizes da PNAS, a qual prevê um “ordenamento em rede de acordo com os níveis de proteção: básica e especial, de média e alta complexidade” (BRASIL, 2015). Já os programas não são ações continuadas. Tratam-se de ações integradas e complementares que possuem metas, prazos e áreas de abrangência delimitados, de modo a estimular e a melhorar os benefícios e os serviços assistenciais (BRASIL, 2015). Os projetos, por sua vez, destinam-se aos indivíduos em situação de pobreza e são considerados pela PNAS/2004 como fazendo parte do nível de proteção básica. Tratam-se de investimentos econômicos e sociais que ensejam auxiliar 146 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS técnica e fi nanceiramente iniciativas que buscam garantir capacidade produtiva e de gestão, visando à melhoria com relação às condições de subsistência de um modo geral, assim como a melhoria na qualidade de vida (BRASIL, 2015). No que diz respeito aos benefícios, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), é um benefício que compõe o nível de proteção social básica. Trata-se de repasse de um salário mínimo mensal ao idoso (com 65 anos ou mais) e à pessoa com defi ciência, os quais necessitam comprovar serem desprovidos de meios para o sustento de suas famílias ou para serem sustentados pela família (BRASIL, 2015). Existem também os benefícios denominados Eventuais. Estes visam o pagamento relacionado a questões como: auxílio por natalidade; morte; para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade provisória. As prioridades desse benefício são: crianças, famílias, idosos, pessoas com defi ciência, gestantes, calamidade pública. Por último e não menos importante, temos os programas de Transferência de Renda. Estes são programas de repasse direto de recursos dos fundos de assistência social aos benefi ciários, oferecendo-lhes o acesso à renda, combatendo diferentes formas de privação de direitos, como a fome, a pobreza, entre outras responsáveis por situações de vulnerabilidade social. A proposta é gerar aos indivíduos e famílias possibilidades de emancipação, de exercício de autonomia (BRASIL, 2015). Recentemente, o atual ministro da Economia anunciou o “Renda Brasil”. Trata-se de um novo programa de renda mínima criado pelo governo federal com a fi nalidade de dar continuidade ao auxílio emergencial criado para o enfrentamento da pandemia da COVID-19. Segundo os seus idealizadores, trata-se de um novo Bolsa Família, porém, há críticas à tentativa de implantação do programa, o qual é enxergado com fi ns eleitoreiros e não é visto como uma medida mais efi caz que o bolsa família, não possuindo justifi cativas para sua implementação. 147 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 QUADRO 2 – PROTEÇÃO SOCIAL / PISO / SERVIÇO PROTEÇÃO SOCIAL PISO SERVIÇO Básica Básico fi xo (PBF) Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) Variável (PBV) Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) Equipes Volantes Manutenção de Lanchas da Assistência Social Especial Média Complexidade Fixo de Média Complexidade (PFMC) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Família e Indivíduos (PAEFI) Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de liberdade assistida (LA) e de prestação de serviços à comunidade (PSC) Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua Serviço Especializado em Abordagem Social Serviço de Proteção Social Especial em Centro-Dia de Referência para pessoas com defi ciência em situação de dependência e suas famílias Transição de Média Complexidade Serviço de Proteção Social Especial para pessoas com defi ciência, idosas e suas famílias Variável de Média Complexidade Serviço Socioeducativo Programa de Erradicação de Trabalho Infantil (PETI) Alta Complexidade Piso Fixo de Alta Complexidade (PAC I) Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes Serviço de Acolhimento ao Público Geral Piso Fixo de Alta Complexidade (PAC II) Serviço de Acolhimento Institucional para Pessoas em Situação de Rua Serviço de Acolhimento Institucional para Jovens e Adultos com Defi ciência e em situação de dependência Piso Variável de Alta Complexidade (PVAC) Serviço de Proteção Social Especial em situações de calamidades públicas e emergências 148 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS Programas Programa Nacional de Promoção do Acesso ao Mundo do Trabalho (Acessuas) Pessoas economicamente ativas que necessitam de mediação do acesso ao mundo do trabalho Capacitação dos Trabalhadores do SUAS (CapacitaSUAS) Trabalhadores do SUAS Gestão Índice de Gestão Descentralizada do SUAS (IGD-SUAS) Estados e municípios Índice de Gestão Descentralizada do Programa Bolsa Família (IGD-PBF) Estados e municípios FONTE: A autora 4.1 PISOS O piso é uma forma de estruturar os serviços dispensados a determinado público-alvo. O valor de repasse às esferas estaduais e municípios tem seu cálculo realizado por meio de critérios para a oferta dos serviços. Tomando como parâmetro tais critérios, calculam-se os pisos, de modo que os municípios recebem recursos para efetivar os serviços (BRASIL, 2015). Ocorre, assim, uma agregação dos serviços a pisos distintos, conforme mostra o quadro anterior. 5.2 REPASSES FUNDO A FUNDO O repasse de recursos relativos à efetivação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) se dá mediante a transferência regular e automática do tipo fundo a fundo ou mediante a celebração de convênios e contratos de repasse (BRASIL, 2015). No modelo fundo a fundo, os pagamentos efetivados são aqueles que acontecem pelo repasse mediante descentralização de recursos diretamente do FundoNacional de Assistência Social (FNAS) para fundos do estado, do município e do Distrito Federal, de maneira regular e automática (BRASIL, 2015). Essa forma de pagamento vincula-se ao cofi nanciamento de serviços de ação continuada. De acordo com o Decreto nº 5.085/04, ações continuadas são aquelas de assistência social, que são fi nanciadas pelo Fundo Nacional 149 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 de Assistência Social (FNAS) e que têm por objetivo atender periodicamente e de forma sucessiva: famílias, crianças, adolescentes, idosos, pessoas com defi ciência. Possui o intuito também de realizar ações vinculadas aos programas de Erradicação do Trabalho Infantil, bem como o combate à violência contra crianças e adolescentes (BRASIL, 2015). 5.3 CONVÊNIOS E CONTRATOS O que são os convênios? Tratam-se de acordos que regulamentarão o deslocamento de recursos fi nanceiros da União para os demais entes federados (estados, municípios, Distrito Federal). Isso ocorrerá de modo que, de um lado, haja um órgão representativo da Administração Pública Federal (nesta situação, tem-se o FNAS) e, de outro lado, um órgão representativo da Administração Pública Estadual, Distrital ou Municipal. Será desse modo que o diálogo e, portanto, a transferência de recursos, se concretizará (BRASIL, 2015). Na ocasião de realizar a proposta de um convênio, o Distrito Federal, estado ou município deverá expor um Plano de Trabalho com argumentos que justifi quem a celebração do convênio. Por exemplo, deverá descrever o objeto a ser efetuado; relatar as metas a serem alcançadas; exibir as fases de execução; expor o plano de emprego dos recursos; o cronograma de despesas etc. Nos dias de hoje, a celebração de convênios está sendo regulamentada pelo Decreto nº 6.170/07 e pela Portaria Interministerial nº 507/2011 (BRASIL, 2015). No caso dos contratos de repasse, tratam-se de instrumentos que tornam possíveis a transferência de recursos fi nanceiros mediante instituições ou agentes fi nanceiros públicos federais, os quais funcionam como representantes da União. Por ser equivalente ao convênio, o contrato de repasse é igualmente regulamentado pelo Decreto nº 6.170/2007 e pela Portaria Interministerial nº 507/2011 e suas alterações (BRASIL, 2015). Nas duas situações, de convênio e de contrato, os recursos somente poderão ser utilizados a partir do momento que se comprove que serão destinados para despesas previstas no Plano de Trabalho (BRASIL, 2015). Para tornar mais claras as modalidades de objetos possíveis de serem adquiridos, defi niram-se, por meio do Fundo Nacional de Assistência Social, padronizações com relação ao que é viável (BRASIL, 2015). Eis algumas defi nições a seguir: I - Construção de Centros de Referência em Assistência Social (CRAS). 150 SoCiEDADE E PoLÍTiCAS SoCiAiS II - Construção de Centros de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS). III - Aquisição de Veículo de Transporte Adaptado para Pessoa com Difi culdade de Locomoção. IV - Aquisição de kits de equipamentos para o funcionamento dos CRAS. V - Aquisição de kits de equipamentos para o funcionamento dos CREAS. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Nesse capítulo você teve a oportunidade de entrar em contato com questões e refl exões caras às políticas sociais. Foi possível entender como funciona a gestão das políticas sociais no que diz respeito aos diferentes entes federados (União, estados, municípios e Distrito Federal). Buscamos compreender a importância do Planejamento, Monitoramento e Avaliação de Políticas Sociais no Brasil. Evidenciamos a importância de que eles ocorram concomitantemente à execução das políticas e não após a sua fi nalização, como equivocadamente se aventa. Tratamos da gestão e apresentamos os participantes nesse processo: secretarias, comissões, conselhos e fundos. Trouxemos, nesse sentido, as pactuações necessárias, bem como a participação social por meio do controle social. Com relação à gestão, ao fi nanciamento e à avaliação das políticas, identifi camos como ocorre a participação dos entes federados (a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios), indicando tratar-se de um processo que ocorre de forma descentralizada, com atuação de outras instâncias, porém de forma articulada, com pactuação e negociação. Conseguimos refl etir a necessidade de desfazer o equívoco de lidar com a atenção assistencial somente quando a situação-problema está instalada, sendo urgente trabalhar de modo preventivo e na direção da promoção de autonomia e empoderamento dos cidadãos. Apresentamos o rol de serviços oferecidos pela Política Nacional de Assistência Social, com a fi nalidade de garantir direitos, principalmente em situações de grandes contingências, que podem estar relacionadas ao desemprego, à violência e à quebra de vínculos familiares. O intuito é ofertar subsídios para o fortalecimento de indivíduos, famílias e comunidades, mediante o acesso aos seus direitos sociais fundamentais. 151 GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS Capítulo 3 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017. Dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/ Lei/L13460.htm. Acesso em: 31 ago. 2020. BRASIL. Assistência Social. Gestão do SUAS. Brasília: Ministério da Cidadania; Secretaria Especial do Desenvolvimento Social, 2015. Disponível em: http://mds. gov.br/assuntos/assistencia-social/gestao-do-suas. Acesso em: 26 ago. 2020. BRASIL. 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