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141 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Unidade III 7 AMÉRICAS NO PÓS‑SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A articulação das relações contemporâneas nas Américas passa, necessariamente, pelos fatores que provocaram a emergência do neoliberalismo. O período da Guerra Fria, para além das grandes tensões militares envolvendo sérias ameaças de eclosão de hecatombes nucleares em razão de possíveis enfrentamentos diretos entre as superportências – Estados Unidos e União Soviética – foi, também, repleto de discussões relativas ao papel dos indivíduos em suas sociedades, dos países em relação aos vizinhos – relações internacionais – de economia e de cultura. Isso para mencionar os aspectos mais evidentes uma vez que a liderança norte‑americana no ocidente fez com que esses debates ganhassem força e, assim, alinhar‑se era deixar de lado algumas demandas sócio‑políticas e econômicas, o que tinha custo político e econômico. Durante as décadas de 1950 e 1960, uma das grandes discussões na política internacional era a questão da necessidade da construção de blocos econômicos e a América Latina não ficou alheia ao processo de construção de alianças visando a integração econômica. Segundo Arruda, a partir de 1955 cresceu intensamente o endividamento dos países do continente junto aos países desenvolvidos. A inflação tornou‑se galopante em muitos países, pois a emissão era o meio pelo qual se procurava cobrir o déficit deixado pela balança comercial e pelas despesas orçamentárias (ARRUDA, 2004, p. 569). Muito mais dinheiro é colocado em circulação e isso provoca inflação com os gastos na compra de produtos supérfluos que atendiam a demandas de consumo novas, incentivadas no pós Segunda Guerra representando uma “americanização” de costumes. No Brasil, o governo do Gal. Dutra (1946‑1951) representou uma guinada em direção ao modelo norte‑americano de consumo e as reservas acumuladas foram gastas com importações de bens dos Estados Unidos – tamanha foi a crise que se tornou necessário o planejamento e ação do governo para solucionar a questão, sendo que esse esforço levou a formação da Missão Abbink e da Comissão Mista Brasil‑Estados Unidos. 142 Unidade III Saiba mais Para saber mais sobre a Missão Abbink, leia: RIBEIRO, T. R. M. Das missões à Comissão: ideologia e projeto desenvolvimentista nos trabalhos da “Missão Abbink” (1948) e da Comissão Mista Brasil‑Estados Unidos (1951‑1953). 2012. Dissertação (Mestrado) ‑ Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: https://bit.ly/3zBZGzX. Acesso em: 16 jun. 2022. 7.1 Estados Unidos e os anos 1960 e 1970: a emergência das reivindicações sociais e políticas Os Estados Unidos assistiram ao surgimento de uma nova esquerda, e a explosão da juventude na vida pública com manifestações de contestação e rebeldias em torno da liberdade de dispor do corpo como bem entendesse com a busca da liberdade sexual e a contracultura assustaram alguns dos setores mais conservadores e até mesmo retrógrados dos Estados Unidos, e a reação não demoraria a se articular. Segundo Karnal (2007). historiadores chamam os anos 1960 de a “longa década”, pois muito da mudança social e cultural dessa década foi sentida ao longo dos anos 1970. Fazendo campanhas, em 1968 e 1972, para restaurar a “lei e a ordem”, o presidente Nixon, não obstante continuou algumas das iniciativas liberais que tinham marcado os governos Kennedy e Johnson. Nixon e seu sucessor, Gerald Ford, queriam acabar com as heranças do New Deal [...] a Suprema Corte acelerou a expansão das noções de igualdade, cidadania e proteção da liberdade individual iniciada na década de 1950. A retirada das últimas tropas americanas do Vietnã e a renúncia do presidente Nixon, por abuso de poder em 1974, marcaram o ápice da “crise de autoridade” nos Estados Unidos (KARNAL, 2007, p. 253). Apesar da constante menção aos avanços nas liberdades individuais e sociais – condição essencial para a construção de sociedades realmente democráticas, vale lembrar que Nixon renunciou em agosto de 1974, em função do escândalo do Watergate surgido durante um ano de disputa eleitoral contra George McGovern vencida por Nixon. Além das instabilidades políticas, economicamente a crise se instaurava com o choque do petróleo desde 1973, causado pela súbita alta dos preços internacionais por determinação dos países árabes produtores com represália ao apoio ocidental e norte‑americano à Israel. Os EUA começaram então a enfrentar inflação e a cada ano, entre 1973 e 1981, a renda dos trabalhares diminui 2% e o poder aquisitivo em geral baixou ao nível de 1961, segundo Karnal (2007). 143 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Saiba mais Para desenvolver um olhar amplo sobre o momento histórico e a realidade econômica dos Estados Unidos, recomendamos: MARINHO, H. A. M. P. Estados Unidos: o contexto dos anos 1970 e as crises do petróleo. Revista Eletrônica História em Reflexão, Dourados, v. 4 n. 7, jan/jun. 2010. Disponível em: https://bit.ly/3tDdTce. Acesso em: 15 jun. 2015. Como resposta à rápida “deteriorização” do quadro político e econômico, ocorre uma espécie de “contra‑ofensiva conservadora” e que deveria portar‑se como uma nova direita. Karnal (2007) adverte ainda que a partir das crises do petróleo os grupos defensores da economia livre cresceram e passaram a ter a força necessária para pressionar o governo. Esse grupo era favorável à retomada de políticas mais agressivas em relação a outros países na defesa dos interesses colocados como sendo norte‑americanos. Setores da grande mídia eram controlados por esse grupo que passava então a fazer propaganda do modo de vida americano, que novamente se identificava com um modelo de liberdade que pregava um certo tipo de liberdade. “Liberdade veio a ser redefinida como nos anos 1920 e 1950: o direito de o capitalismo norte‑americano florescer livremente” (KARNAL, 2007, p. 253). Dessa maneira, foi num contexto de reestruturação interna que o país passa a adotar práticas neoliberais, uma vez que salários eram reduzidos e o desemprego eram “aceitos” como métodos de saneamento das grandes corporações para assegurar a manutenção de sua rentabilidade, quase que ignorando as enormes consequências sociais do processo. A grande ofensiva dessa “nova direita” se articulou como uma resposta às importantes mudanças sociais pelas quais passava a sociedade norte‑americana durante a década de 1960 e as pressões existentes ainda nos primeiros anos da década de 1970. A discussão a respeito dos direitos civis para os negros com o Poder Negro (Black Power) e Panteras Negras colocava à mostra as desigualdades e violentas exclusões que existiam no interior da sociedade que se colocava para as outras nações do mundo com a terra da defesa da liberdade e igualdade. Os imigrantes hispânicos e seus descendentes também estavam as discussões no dia a dia – o que para alguns autores seria a defesa dos direitos dos “chicanos” (JENKINS, 2012) e havia, ainda, demandas de populações indígenas. O Poder vermelho assumiu o renascimento do movimento índio americano, que levou a cabo protestos espetaculares e confrontos com forças federais. Estes culminaram na ocupação de vários lugares em Wounded Knee, local do massacre brutal de 1890 que constituiu o fim simbólico dos conflitos militares da fronteira do século anterior. Além dos movimento étnicos, aquilo que pode ser descrito como ‘68ismo’ manifestou‑se também no Movimento das Mulheres, que fez renascer o feminismo, responsável por uma das linhas sociais mais importantes da América nos finais do século XX. 144 Unidade III O movimento teve origem a meio da década, com a publicação de obras como Feminine Mystique (1963), de Betty Friedan, e a formação da National Organization for Women (NOW); e a ideia explodiu na atmosfera política de 1968 [...] o descontentamento em relação aos conceitos tradicionais de gênero e sexualidade levaram à criação do movimento pelodireitos dos homossexuais [...] o momento crucial deste movimento ocorreu com a revolta no bar Stonewall de Nova Iorque, em 1969, quando os manifestantes homossexuais resistiram a um sistema já antigo de assédio policial (JENKINS, 2012, p. 239‑240). Essas observações nos permitem ver uma sociedade complexa e cindida, questionada por seus próprios membros e distante do paraíso da liberdade e democracia que surgia como propaganda no exterior. Um novo e poderoso grupo de reivindicações tornou‑se extremamente relevante e acabou por tornar‑se uma forma de inclusão política via um ativismo político para além das velhas bandeiras que, aparentemente, estariam desgastadas. O ambientalismo, assim, tornou‑se um movimento de grande relevância e outra grande polêmica era a manutenção da Guerra do Vietnã. 7.2 Estados Unidos e o avanço do conservadorismo Nos Estados Unidos, as mudanças culturais, o aumento populacional, os problemas sociais internos com os questionamentos em relação ao papel dos poderes de Estado provocaram receios no setores menos progressistas e estes passaram à uma contra‑ofensiva articulada com a finalidade de se manter no poder e “salvar” os valores da sociedade americana que consideravam mais “verdadeiros”. A partir de finais dos anos 1970, os conservadores [...] encontraram uma causa comum no movimento contra o aborto e na luta para evitar que os estados e cidades adotassem medidas sobre os direitos de homossexuais e passassem a incluí‑los nos direitos civis. Igualmente crítica foi a campanha contra a proposta da Emenda sobre a Igualdade de Direitos (ERA) à Constituição dos Estados Unidos, que proibia a discriminação sexual. A emenda foi reprovada pelo Congresso [...] a campanha galvanizou o movimento feminista: em 1978, 100.000 pessoas marcharam em Washington para apoiar a medida (JENKINS, 2012, p. 249). Nesse cenário, a direita, com o Partido Republicano, indicou às eleições presidenciais Ronald Regan, ex‑artista de televisão e cinema de filmes de “segunda linha” que ganhara notoriedade recente com um posicionamento de extrema direita sendo seu vice George H. W. Bush, que depois se tornou presidente – nos meios jornalísticos ele passou a ser Bush “pai”, já que seu filho foi outro presidente. Percebe‑se aqui uma “linhagem” na política federal com um discurso político utilizando Deus, Nação, Bandeira e Família – o que nos dá a medida de suas convicções e posicionamento político inequivocamente à direita. 145 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA 7.3 As Eras Reagan e Bush: a consolidação do discurso neoliberal A vitória de Ronald Wilson Reagan nas eleições presidenciais norte‑americanas em 1980 o transformou no 40º presidente do país e seus mandatos se estenderam de 20 de janeiro de 1981 a 20 de janeiro de 1989, uma vez que foi reeleito. Reagan estava muito ligado à sua imagem pública construída em grandes veículos midiáticos como rádio e cinema – no qual apareceu em mais de 50 filmes – e também às posições cada vez mais conservadoras e de direita quando atuou no sindicato dos artistas norte‑americanos. Vale lembrar que a Guerra Fria ainda não havia terminado e o discurso anticomunista agregava votos e arregimentava intenções. Nos finais da década de 1970 e no princípio do governo Reagan, o discurso contra o “império do mal” fazia enorme sucesso junto ao de combate aos comunistas, ajudando na afirmação do liberalismo econômico. Exagerando a situação encarada em 1981, descreveu a inflação e o desemprego da época como “terror” a serem combatidos por sua administração e que justificariam suas medidas anti‑New Deal: corte de gastos e de impostos, política monetária restritiva e diminuição da regulamentação estatal. [...] uma verdadeira revolução nas relações entre economia e governo, com o estabelecimento do Estado mínimo (MELLO FILHO, 2010, p.11). E ainda na dissertação de Mello Filho, mas citando outro autor, vem o esclarecimento, Por detrás da euforia do corte de impostos [...] estava [...] o Estado mínimo – uma criatura magra e pão‑duro, que oferecia justiça pública imparcial, mas não mais. Sua visão de boa sociedade repousava na força e potencial produtivo dos homens livres nos mercados livres (STOCKMAN, 1986, p. 8 apud MELLO FILHO, 2010, p. 11) E retomando diretamente Mello Filho, Observaremos, na retórica do presidente, a defesa de princípios de livre mercado e de diminuição do papel do Estado na economia. A essas ideologias, princípios teóricos e práticas que argumentam a ineficiência da ação governamental na economia e promovem ordenações econômicas com menor intervenção estatal, chama‑se neoliberalismo (MELLO FILHO, 2010, p. 11). Assim com um discurso que utilizava uma retórica liberal, os sentidos são modificados e, ao invés da defesa de direitos sociais com a ampliação de liberdades, o que ocorre é um combate ao papel do Estado promotor de bem‑estar social. Se o nascimento neoliberalismo ocorreu antes da Era Reagan, foi em seu governo internacionalmente ligado à Inglaterra governada por Thatcher que se transformou em prática e em política de Estado. Normalmente identifica‑se o surgimento do neoliberalismo com a criação da Mont Pelerin Society, nome do spa suíço em que um grupo, congregado 146 Unidade III em torno da figura de Friedrich von Hayek, se reuniu pela primeira vez em 1947 para defender tais tipos de ideias. Entre os membros dessa sociedade, estavam Ludwig von Misses, Milton Friedman e, por algum tempo, Karl Popper [...]. Em sua declaração de fundação o grupo defendia que: Os valores centrais da civilização se acham em perigo. Em grandes extensões da superfície da Terra, as condições essenciais da dignidade e da liberdade humanas já desapareceram. Noutras, acham‑se sob a constante ameaça do desenvolvimento das atuais tendências políticas [...] sustenta [...] que esses desenvolvimentos vêm sendo promovidos por um declínio da crença na propriedade privada e no mercado competitivo; porque, sem o poder e a iniciativa difusos associados a essas instituições, torna‑se difícil imaginar uma sociedade em que se possa efetivamente preservar a liberdade (DECLARAÇÃO DA FUNDAÇÃO DA MONT PELERIN SOCIETY, 1947, apud HARVEY, 2008, p. 29). Mello Filho (2010) observa que essas ideias ficaram um pouco em desuso durante as décadas de 1950 e 1960, mas seu retorno foi premiado pela Academia Sueca com o Nobel de Economia em 1974 para von Hayek e em 1976 para Milton Friedman. O neoliberalismo associa propriedade privada e mercado competitivo a liberdade em geral. [...] esse é o cerne do pensamento econômico de Ronald Reagan. Porém [...] nunca houve, na história da humanidade, uma sociedade unicamente organizada em torno da liberdade de mercado. Nesse sentido, o neoliberalismo não passa de uma utopia ou, na pior das hipóteses, de uma visão de mundo construída apenas para a restauração do poder econômico e de classe das elites enfraquecidas pelo liberalismo americano do pós‑Guerra (PALLEY, 2005, p. 21‑3 apud MELLO FILHO, 2010, p. 13). O governo Reagan promoveu ajustes no sentido da redução dos gastos orçamentários com assistência social e, no plano externo, gerou uma escalada das ações dos Estados Unidos com forças oficiais ou mesmo clandestinas, da CIA, atuando em diversas partes do globo no combate ao poder dos soviéticos e de seus aliados. O orçamento do Departamento de Defesa dos Estados Unidos aumentou de 136 mil milhões de dólares em 1980 para 244 mil milhões em 1985 [...] durante a presidência de Reagan, as restrições anteriores foram abandonadas e défices anuais da ordem de 200 mil milhões de dólares eram comuns no anos 1980, o que equivalia a cerca de 5% ou 6% do PIB (JENKINS, 2012, p. 251). O militarismo ressurgia como a defesa dos valores americanos indo além da propaganda e discursos inflamados. Os Estados Unidos desenvolveram uma série de mísseis de médio alcance (Pershing e Cruise) e eles foram posicionados na Europa em países aliados, contra a União Soviética em 1983. Orisco de um armagedon, de uma hecatombe nuclear provocada por um 147 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA ataque mútuo que levaria ao fim da civilização provocou manifestações pacifistas na Inglaterra e na Alemanha e também provocou mudanças no imaginário norte‑americano uma vez que as pessoas passaram a construir abrigos antinucleares e a estocar mantimentos ou ainda, diversos filmes eram produzidos pela mais significativa máquina de propaganda norte‑americana – Hollywood – em que essa temática surgia. O mundo pós guerra nuclear amedrontava e isso era reforçado pelo cinema. Saiba mais Como forma de perceber o universo cultural em torno do medo de um armagedom nuclear, recomendamos os filmes de ficção: O DIA Seguinte. Direção: Nicholas Meyer. EUA, 1983. 127 min. MAD Max. Direção: George Miller. Austrália, 1979. 93 min. E suas continuações: MAD Max 2: A caçada continua. Direção: George Miller. Austrália, 1981. 95 min. MAD Max 3: Além da cúpula do trovão. Direção: George Miller. Austrália, 1985. 105 min. Reagan promovia grandes gastos com a indústria bélica e a desregulamentação dos mercados financeiros – com o neoliberalismo e a globalização – e a desvalorização do sindicalismo com a diminuição de restrições às indústrias. Dentro desse quadro aparentemente próspero e sedutor como modelo a ser imitado, associando‑se ao enorme desenvolvimento do mundo da informática e, portanto, digital com grandes corporações se estruturando na década de 1980, havia um problema grave de desindustrialização e a taxa de desemprego oficial passou de 6% em 1978‑9 para quase 10% em 1982‑3, conforme indica Jenkins (2012). Para se entender toda a dinâmica dos Estados Unidos articulada com as relações internacionais e com a expansão de determinadas práticas financeiras, é importante observar as adesões ao pensamento neoliberal, como ele foi construído enquanto discurso e prática. Um dos aspectos da análise de Harvey, inspirado em Gramsci, sobre o neoliberalismo é a capacidade que o neoliberalismo tem de mobilizar ideias presentes em diversas sociedades e fazer que sua mensagem faça parte do senso comum. “Nenhum modo de pensamento se torna dominante sem propor um aparato conceitual que mobilize nossas sensações e nossos instintos, nossos valores e nossos desejos, assim como as possibilidades 148 Unidade III inerentes ao mundo social que habitamos. Se bem‑sucedido, esse aparato conceitual se incorpora a tal ponto ao senso comum que passa a ser tido por certo e livre de questionamento” (HARVEY, 2008, p. 15 apud MELLO FILHO, 2010, p. 48‑9). E continua, Ao longo dos anos 1970, espalhou‑se a concepção de que a presença do Estado na economia seria prejudicial ao funcionamento da mesma. A mídia, os think thanks e universidades foram alguns dos elementos primordiais na elaboração e propagação de tal visão de mundo. A década de 1970 assistiu [...] a uma maior unificação das corporações capitalistas formando uma poderosa correlação de forças. [...] Propagandeiam as noções de liberdade individual e de nivelamento do funcionamento do mercado com a diminuição da interferência governamental mas, na verdade, estão propondo um tipo de comportamento do Estado que favorece mais a grupos específicos da sociedade sob o pretexto de que esse tipo de governo seria mais benéfico para a sociedade como um todo. [...] Gramsci já havia observado esse importante aspecto da hegemonia: O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que se leve em conta interesses e grupos sobre os quais a hegemonia se exerce, que se forme um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômica corporatista; mas é evidente que tais sacrifícios e tal compromisso não podem dizer respeito ao essencial (GLUCKSMANN, 1990, p. 100 apud MELLO FILHO, 2010, p.48‑9). A partir dessa observação percebe‑se que no neoliberalismo não é possível eliminar completamente o Estado de Bem‑Estar criado anteriormente pois as enormes tensões sociais criadas aí seriam insuportáveis e poderiam, inclusive, explodir em conflitos sociais e étnicos – assustadores para diversos setores sociais. Vale lembrar que em 1992, em diversas cidades norte‑americanas, sendo a mais notável, Los Angeles, explodiram conflitos étnicos que deixaram mais de 50 mortos – ao lado do racismo das forças oficiais na repressão à população negra, havia a recessão e o aumento do desemprego e isso provocou um estado de tensões muito significativas. Exemplo de aplicação Você consegue estabelecer um paralelo entre esses confrontos e a crise em maio de 2015 e que teve início na cidade norte‑americana de Baltimore? Para isso sugerimos a consulta de jornais e revistas desse período. No cenário econômico, mesmo com a expansão ocorrida na Era Reagan, o sistema não estava livre de crises, ao contrário, sua dinamização provoca alterações tão intensas e momentos tão críticos que cada vez mais houve‑se falar de crises nas bolsas de valores. De acordo com as observações de Arruda, 149 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA (2004), em 1987 a Bolsa de Nova Iorque sofreu fortes baixas, a produção industrial desacelerou – o foco havia sido o capitalismo financeiro e a ênfase na manutenção de elevados índices de rentabilidade na Bolsa de Valores, independentemente das graves consequências. O combate a essa situação torna‑se uma das bandeiras republicanas, apoiados também na manutenção de uma política externa agressiva. Sobre George Bush (pai), A grande obra política de Bush foi a Guerra do Golfo contra o Iraque, seu antigo aliado, que transformou Saddam Hussein no inimigo público número um dos Estados Unidos. A vitória arrasadora obtida pelas tropas norte‑americanas. [...] Isso não foi o bastante para garantir a reeleição de Bush, que, em 1992, foi derrotado pelo democrata Bill Clinton. Tinha início a era Clinton [...] (ARRUDA, 2004, p. 603). O termo que constantemente utilizamos para fazer referência ao grupo político que chega ao poder com Reagan, permanece com Bush pai e retorna com Bush é, nas palavras de Finguerut (2014), O que chamamos de Nova Direita é a coalizão ou articulação de três atores centrais do conservadorismo americano: os libertários, a Direita Cristã e os conservadores tradicionais e neoconservadores, agindo em três campos distintos: cultural, social e político. Esta articulação em nossa discussão ganha corpo a partir dos anos 60 e conforme o momento histórico ganha evidência ou se desarticula (FINGUERUT, 2014, p. 1). E Finguerut (2014) completa, as ideias são disseminadas (seja pela imprensa conservadora – que tenta se contrapor a mídia progressista num embate ideológico que perpassa por diferentes temas e assuntos tais como os direitos dos gays, aborto, o estado de bem‑estar social, a regulação do sistema financeiro, o aquecimento global/pressões ambientais internas e externas, os limites e formas de fazer a guerra contra o terrorismo etc. (FINGUERUT, 2014, p. 2). A articulação do discurso em torno da defesa de valores considerados como norte‑americanos não é uma especulação de quem analisa a realidade social dos Estados Unidos em fins do século XX e princípios do XXI. Anualmente são promovidas reuniões para promover discussões e traçar os rumos desses setores da Nova Direita no sentido de conseguir retornar o poder na Casa Branca. O Values Voters Summit é um dos eventos dos mais tradicionais do conservadorismo social dos EUA. Possibilita todos os anos uma grande mobilização de ativistas de todo país que reúnem em Washington D.C. [...] A proposta do encontro é mobilizar e energizar ativistas, cidadãos, lideranças políticas e futuros candidatos políticos em torno de temas da agenda do conservadorismo social [...] Se prestarmos atenção nas 150 Unidade III ideias e nas formas de mobilização [...] notaremos a centralidade em torno das ameaças ao casamento heterossexual e à tradicional família cristã como temas centrais dos painéis e das conferências secundáriasdo evento. [...] Ted Cruz, vencedor da eleição interna do encontro como candidato favorito dos conservadores para a próxima eleição presidencial americana, enfatiza o fracasso do chamado Obamacare, a tentativa do governo Obama de oferecer um plano de saúde estatal universal. [...] Michelle Bachmann, do estado de Minnesota, revela a força do argumento Tea Party, com uma retórica que prega a desobediência civil e o enfretamento diante de um governo apresentado como tirânico e autoritário (FINGUERUT, 2014, p. 7). Quadro 1 – Conservadores X liberais: dois modelos familiares Família conservadora Família liberal / progressista Centralidade na figura paterna Os pais dividem as tarefas e os papéis A educação dos filhos é centrada na disciplina. Criam‑se mecanismos de recompensa e de punição a partir dela Os liberais focam‑se na comunidade e na atuação social do governo A educação é norteada por forte senso competitivo, criando a perspectiva de uma divisão entre vencedores e perdedores. A educação é norteada pelo diálogo e pela experiência social plural e multicultural Obediência, disciplina e autoridade se destacam como valores morais Empatia, responsabilidade e esperança se destacam como valores morais. Desconfiança diante da atuação do governo Aposta e visão proativa do governo Fonte: Lakoff (2008) apud Finguerut (2014, p. 12). Nessa visão conservadora, o país seria uma nação a ser preservada contra mudanças que consideram contrárias à liberdade individual e à manutenção da União. Finguerut (2014) afirma, ainda que os dois grupos referem‑se às liberdades direitos civis mas os liberais querem seu aumento enquanto os conservadores, sua manutenção. 7.4 A Era Clinton e a reação ao conservadorismo político O processo de intensas mudanças econômicas com a reestruturação do capitalismo sob a forma neoliberal desenvolvidos pelos governos de Reagan e Thatcher começa a dar resultados no início do anos 1990 com a intensificação da revolução tecno‑científica que, para alguns autores, representa a 3ª Revolução Industrial. Robôs na produção, informatização crescente do setor bancário conferindo maior agilidade às transações financeiras. As mudanças tecnológicas tiveram fortes impactos na economia com o aumento da produtividade, queda de preços e ajuda na recuperação econômicas dos Estados Unidos, tirando o país do quadro de piora do final da era Reagan. O início da administração Clinton coincidiu com a manutenção de um congresso de maioria republicana de tendências conservadoras. 151 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA ao iniciar o seu primeiro mandato presidencial, em 1992, Bill Clinton foi impedido pelo Congresso, de maioria republicana, de realizar muitos gastos em sua política social, o que contribuiu para diminuir os gastos públicos e zerar o déficit em 1998 (ARRUDA, 2004, p. 671). O trecho é elucidativo dos mecanismos de funcionamento do neoliberalismo – naquele momento já operando de maneira muito intensa – e os governos que adotam essas práticas se afastam de gastos sociais. A expansão capitalista resultado da modernização e dinamização do sistema levou a uma recuperação da capacidade produtiva dos Estados Unidos e a retomada de sua capacidade de exportar, mas o outro lado da questão é uma concentração de riquezas no mundo nunca antes visto em toda a História. Mas nem tudo é maravilhoso. As grandes fortunas cresceram de forma brutal. Poucas empresas controlam orçamentos superiores a muitos países do mundo. As fortunas individuais tornam‑se fantásticas, como a de Bill Gates, dono da Microsoft. Enquanto, a situação social dos negros pouco mudou. Apesar da ascensão social possibilitada pelas leis dos direitos civil, pelo ingresso em universidades, somente 35% dos negros têm rendimentos de classe média, em trono de 35 mil dólares anuais (em 1968 eram 10%). O salário dos brancos é em média 65% superior ao dos negros (ARRUDA, 2004, p. 672). Considerando a modernização e sofisticação do capitalismo, nossa preocupação constante aqui é desenvolver um olhar mais crítico a respeito de suas dinâmicas e impactos no dia a dia das nações americanas. De norte a sul do continente as mudanças são percebidas intensamente e podemos considerar que certamente o que se passava nos Estados Unidos afetava cada vez mais seus vizinhos. A era Clinton se desenvolveu sob o signo da informação e constantemente ele esteve em noticiários – direta ou indiretamente como, por exemplo, em denúncias de irregularidades no setor imobiliário envolvendo uma empresa em que sua esposa Hillary Clinton era sócia – o escândalo Whitewater. A retórica democrata de ênfase em aspectos sociais – para combater a obra dos republicanos – com projetos para saúde, educação e previdência não se consolidava e a inflação, a queda do déficit fiscal e também a redução do desemprego deram um segundo mandato da Clinton. A mais poderosa nação do planeta era abalada por escândalos envolvendo assédio sexual do presidente contra Paula Jones e de ter um caso com a estagiária Monica Lewinski e, como Clinton teria solicitado que ela mentisse em seu testemunho, negando o caso, os boatos de um possível impeachment tomaram conta dos noticiários e do cenário político interno e externo. Mas o que tem que ver isso com a realidade do restante das Américas? Politicamente Clinton se desgastava rapidamente e sua esposa o defendeu publicamente alegando haver um ataque da extrema direita contra seu marido. Em sua defesa Clinton apresentava o fim do déficit 152 Unidade III público, o baixo desemprego, inflação baixa e seus programas de ajuda a setores mais desfavorecidos. A “opinião pública” pendeu para Clinton e o processo de Paula Jones acabou arquivado. Ao mesmo tempo que o presidente corria risco de impeachment, a política externa torna‑se novamente agressiva na recuperação da imagem de um país que determinava os rumos da História não apenas continental, mas mundial. Os discursos oficiais frequentemente mobilizavam o argumento da defesa dos interesses norte‑americanos para justificar intervenções militares – como no caso do Iraque que novamente era invadido em nome do combate às armas de destruição em massa que Saddam Hussein alardeava possuir. Saiba mais Para saber mais a respeito das constantes invasões norte‑americanas no Oriente Médio, recomendamos: EBRAICO, P. R. B. M. As opções de geopolítica americana: o caso do golfo pérsico. 2005. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – PUC‑Rio, Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: https://bit.ly/3aYg5nW. Acesso em: 16 jun. 2022. Com o fracasso dos esforços de contenção do Iraque por meio de sanções econômicas e buscando agradar os setores favoráveis ao fortalecimento internacional dos Estados Unidos, a Secretária de Estado norte‑americana Madeleine Albrigth alardeou publicamente: “nós temos o motivo, o direito e os meios para fazê‑lo” (ARRUDA, 2004, p. 676) iniciando uma série de bombardeios à Bagdá. Em outubro de 1994, a administração Clinton começou a despachar aviões, navios e tropas terrestres para responder a uma aproximação militar iraquiana na fronteira do Kuwait. [...] Os EUA enviaram 30.000 soldados americanos para a região em nome da manutenção da paz. [...]“(Irã e Iraque) mantém terroristas dentro de suas fronteiras. Eles apoiam bases terroristas em outras terras. Eles anseiam por armas nucleares e outras armas de destruição em massa. Todos os dias, eles colocam inocentes em perigo e incitam a discórdia entre as nações. Nossa política com relação a eles é simples: Eles devem ser contidos”. [...] o Presidente Clinton iniciou uma campanha de bombardeamento contra o Iraque, conhecida como Operação Raposa do Deserto, em dezembro de 1998 (EBRAICO, 2005, p. 100). Vale lembrar que o mesmo governo que avançou sobre o Iraque – importante produtor mundial de petróleo – em 1993 havia patrocinado um célebre encontro entre os líderes arquirivais de Israel e da Autoridade Palestina, Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, respectivamente.153 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Figura 49 – O histórico aperto de mão entre Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, mediado pelo presidente Clinton em Washington, 13/9/1993 Disponível em: https://bit.ly/3xRBrN4. Acesso em: 16 jun. 2022. A imagem dos líderes apertando as mãos com Bill Clinton sorridente e ao fundo como promotor da paz mundial foi amplamente explorada pela propaganda que promovia os Estados Unidos como liderança mundial. Desde a década de 1980, as relações com a América Latina eram muitas vezes definidas por invasões militares dos Estados Unidos e ações da CIA. Por exemplo, o caso de Manuel Noriega, apeado do poder por um ataque que o capturou e levou preso para os Estados Unidos. De antigo colaborador da CIA passou a acusado de colaborador com o narcotráfico internacional promovido pelo Cartel de Medellín, da Colômbia, que alcançaria notoriedade mundial com ações agressivas contra candidatos presidenciáveis, sequestros e assassinatos ordenados por seu chefe Pablo Escobar. Noriega acabou condenado a quarenta anos de prisão nos Estados Unidos. Arruda indica ainda sobre a América Latina que Razões ainda diferentes explicam a intervenção americana no Haiti. Nem motivos ideológicos, nem combate ao narcotráfico. País nascido de uma rebelião de escravos no século XVIII, o Haiti encerrou, em 1986, um período trágico de sua história, com a deposição do ditador Baby Doc, filho do famigerado François Papa Doc, que impôs uma ditadura férrea ao país desde sua chegada ao poder em 1957, apoiado pelos terríveis tontons macoutes, membros de sua guarda pessoal que espalhavam o terror no seio da população (ARRUDA, 2004, p. 680). 7.5 Era George W. Bush e o 11 de Setembro: a guerra ao terror O ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center (WTC), em Nova Iorque, no dia 11 de setembro de 2001 é um dos principais eventos que marcaram o final do século XX e princípios do XXI. Talvez nenhum outros tenha sido tão discutido, analisado, visto e questionado. Tal evento, ao menos no imaginário 154 Unidade III norte‑americano, constitui‑se como um divisor de águas – algo que funciona como o marco de uma geração – e que define a política externa dos Estados Unidos no decorrer do governo de George W. Bush. O WTC foi construído no momento de expansão do capitalismo dos norte‑americanos com um símbolo incontestável de progresso material e da pujança do capitalismo de Wall Street – em Manhattan. Sua destruição, num atentado que envolveu também o ataque ao Pentágono – símbolo máximo da potência militar estadunidense – e uma outra aeronave que caiu sobre solo norte‑americano se transformam em marcos de memória para muitas pessoas, inclusive não norte‑americanos que acompanharam o evento pela televisão, mas que não tinham, no momento, clareza do que estava ocorrendo. Nossa intenção aqui não é reconstituir o dia 11 de setembro de 2001, mas perceber de que maneira esse evento contribuiu para as formas como a política interna e externa dos Estados Unidos passaram a ser conduzidas a partir de então. Não faria sentido aqui fazer um longo histórico dos ataques sofridos pelos Estados Unidos dede o século XIX – com assassinatos de presidentes e declarações de guerra no decorrer do século XX. Nossa preocupação é apresentar de que maneira a Era da globalização e do Neoliberalismo se articulam e provocam novos conflitos entre diferentes povos – principalmente nas Américas. Considerando os danos causados no imaginário norte‑americano, quando a confianças nas autoridades é abalada, o medo de novos atentados é crescente e a presença de norte‑americanos mortos dentro do próprio país por inimigos estrangeiros foi algo muito difícil de combater. Uma imagem, entretanto, somente pode ser combatida com outra imagem. Se a ação terrorista seguiu um script cinematográfico, a reação americana teria que seguir o mesmo figurino. A televisão incumbiu‑se de fazer isso desde o primeiro momento. Elegeu logo seus novos heróis: bombeiros, policiais militares e tripulantes do vôo 93. As revistas em quadrinhos colocaram seus super‑heróis a serviço do resgate dos mortos ou desaparecidos no ataque, muitos dos quais foram certamente volatilizados pela explosão dos tanques dos aviões. A rede americana CNN voltou aos dias de glória da Guerra do Golfo, quando o jornalista Peter Arnette transmitiu suas imagens sob o registro America under Attack (América sob ataque), logo substituído pelo rótulo America’s New War (A nova guerra da América) (ARRUDA, 2004, p. 752). A reação norte‑americana foi equivalente à declaração de uma Terceira Guerra Mundial, posto que internamente o país se uniu sob o governo de George W. Bush acreditando que quem não estivesse ao seu lado, seria seu inimigo ou faria parte do “Eixo do Mal”. Uma vez que o Afeganistão foi identificado como protetor da Al Qaeda, rede terrorista de Osama Bin Laden, a guerra contra esse país foi declarada. O militarismo e o patriotismo foram revalorizados na sociedade norte‑americana. A indústria bélica ganhou novo alento no esforço mundial de combate ao terrorismo e isso fica evidente com a escolha do vice de Bush, Dick Cheney – amplamente favorável àquilo que foi chamado de Guerra ao Terror, admitindo, inclusive o recurso da tortura contra opositor dos Estados Unidos. 155 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Saiba mais Indicamos a leitura sobre estar em Nova Iorque no 11 de setembro de 2001, com vários relatos, inclusive do crítico à política agressiva dos Estados Unidos, Noam Chomsky. ARRUDA, J. J. Nova História moderna e contemporânea. Bauru: Edusc, 2004. O passo seguinte do recrudescimento da política internacional foi um novo ataque ao Iraque. O núcleo político em torno de George W. Bush era composto por Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Paul Wolfowitz e Colin Powell – sendo os três primeiros também chamados de “falcões” – sendo Rumsfeld e Cheney peças‑chave da administração de Bush pai que havia realizado a primeira Guerra do Iraque – e representando a ala neoconservadora e sua agressividade militarista e o ataque de 11 de setembro de 2001 aproximou as alas mais conservadoras e agressivas da figura do presidente e os moderados – no caso Colin Powell – perderam espaço. O país rumava novamente para guerra externas e em setembro de 2002 – após um ano do ataque, foi apresentado o que seria a Doutrina Bush por meio do documento “Estratégia de Segurança Nacional dos EUA”, do qual Arruda, 2004, nos apresenta seus quatro eixos principais, a saber, – Na academia militar de West Point, em 2 de junho de 2002, George Bush disse: “a guerra contra o terror não se ganha na defensiva. [...] promessa de retaliação maciça nada significam contra esquivas redes terroristas sem nações ou cidadãos para defendê‑las. [...] É preciso levar a batalha ao inimigo e confrontar as piores ameaças antes que elas venham à tona”. Isso significa a legitimação dos ataques preventivos como elemento central da nova ordem internacional. – No Congresso norte‑americano, em 20 de setembro de 2001, George Bush dissera: “Todas as nações, em todas as regiões, agora têm uma decisão a tomar: ou estão conosco ou estão com os terroristas”. Isto é, o terrorismo o principal inimigo da humanidade e os países são divididos em favoráveis aos terroristas ou aos Estados Unidos, sem lugar para os neutros (ARRUDA, 2004, p. 767). Aqui podemos observar o delineamento da ação do governo dos Estados Unidos naquele momento. Na pertinente observação crítica de Kurz – citado por Arruda (2004, p. 769) – “os Estados Unidos precisam adotar as funções de um Estado mundial, sem poder ser o Estado mundial”. Daí a unilateralidade da agressiva Doutrina Bush. O significado do empenho dos Estados Unidos pode ser avaliado quando se observa que cerca de 4% do PIB vai para a defesa, o equivalente aos gastos realizados pelas demais 192 nações do globo. E ainda segundo Arruda, “O orçamento de 400 bilhões de dólares anuais equivale ao dobro do faturamento individualizado das trêsmaiores corporações norte‑americanas, a saber, a Walmart, a Exxon e a General Motors” (ARRUDA, 2004, p. 780). 156 Unidade III Relembra Arruda (2004, p. 777) que além do aspecto humanitário da morte de milhares de civis em função dos ataques – algo como 7.000 pessoas, além de 10.000 soldados iraquianos contra 169 soldados da coligação invasora, existe a destruição de um patrimônio cultural irrecuperável em um país símbolo do início da civilização e que contava com mais de 25 mil sítios arqueológicos. A Biblioteca Nacional, onde estavam versões muito antigas do Alcorão, foi queimada. O Museu Nacional, atacado e saqueado e jamais se saberá ao certo o que se perdeu uma vez que os registros também foram destruídos. Internamente, a guerra do Iraque servia para se articular da reeleição de Bush – vale lembrar que eleito anteriormente sob suspeitas. Afinal, diz Robert Kurz, as novas religiões do ódio, sejam elas de origem islâmica ou cristã, são todas de natureza sintética, arbitrária e eclética. Todas têm apenas o nome em comum com autênticas tradições religiosas que se remetem. São um subproduto da modernidade decadente das sociedades de mercado ocidentais ou ocidentalizadas (KURZ apud ARRUDA, 2004, p. 787). E continua Arruda (2004, p. 787) com outros autores O que está em causa é a própria perpetuidade dos valores americanos, no lamento de Gunter Grass. O país generoso, defensor do direito inarredável de expressão, vê sua imagem regredir, empalidecer, um simulacro do que já foi. Contradição inevitável da história. Exatamente no momento em que o brilho da democracia precisa resplandecer sobre o Oriente Médio, porque é isso que se deseja, seu poder iluminador se eclipsa (ARRUDA, 2004, p. 787). De maneira mais ampla, podemos perceber conexões entre a política interna e externa dos Estados Unidos no médio e curto prazos e, assim, Pecequilo faz uma observação que aparentemente é despretensiosa, mas que se lida atentamente é esclarecedora da maneira como a política externa foi conduzida. Afirma a autora que Na ausência de consensos, as posições oscilam como produto de bases sociais fragmentada, e não como resultado de uma ‘política disfuncional’ de Washington [...]. A política é reflexo da sociedade da qual emerge e representa suas contradições, não podendo dela ser descolada. Em duas décadas do pós‑Guerra Fria, esses tendências produziram três grandes estratégias diferentes: o Engajamento e Expansão (1993) no governo do democrata Bill Clinton (1993/2000), a Doutrina Bush (2002) com o republicano George W. Bush (2001/2008) e a Doutrina Obama (2010), do democrata Barack Obama (2009/2012) (PECEQUILO, 2012, p. 14). Assim, as mudanças internas com o crescimento dos neoconservadores – que mesmo durante a administração Clinton tiveram grande capacidade de atravancar projetos sociais do governo, reflete uma sociedade cindida e preocupada com sua própria manutenção. 157 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Por fim, é preciso mencionar que a tática neoconservadora envolveu pesadas ofensivas na mídia, opondo‑se ao que definem como excessos liberais (apoio aos citados aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, proteção à imigrantes e minorias em geral), sendo uma de suas manifestações o processo de impeachment contra Clinton por conta de seu caso extraconjugal com Monica Lewinski, estagiária da Casa Branca no período de 1998/1999. Porém, sua volta ao poder foi somente em 2000, uma vez que em 1992 Bush pai não conseguiu a reeleição. Sustentando sua campanha no slogan ‘It’s the economy, stupid’(‘é a economia, estúpido!’), e na mudança e na esperança, o que seria repetido por Barack Obama em 2008, o democrata Bill Clinton foi eleito Presidente (PECEQUILO, 2012, p. 17). O governo Clinton investiu a expansão de valores caros aos norte‑americanos como a democracia em âmbito mundial e, num contexto de globalização da economia, a ideia da supremacia do livre mercado. Essa estratégia foi apelidada de Engajamento & Expansão, quando os Estado Unidos se posicionam estrategicamente seguindo quatro pontos, indicados por Lake (1993), mas aqui citados via Pecequilo (2012), a saber 1. Fortalecer o núcleo principal das democracias de mercado, inclusive a norte‑americana, favorecendo a disseminação dos valores e princípios democráticos para todo o sistema a partir desta comunidade 2. Incentivar, quando possível, a implantação e consolidação de novas democracias e livres mercados em Estados significativos e importantes. 3. Impedir a agressão de Estados hostis à democracia e incentivar a sua liberalização por meio de políticas específicas. 4. Perseguir uma agenda humanitária para a melhora das condições de vida em regiões prejudicadas. Posteriormente, criar condições para que eventualmente essas comunidades possam integrar‑se ao sistema pacífica e democraticamente (PECEQUILO, 2012, p. 18). Outra importante diferença dos democratas em relação aos republicanos foi a afirmação de Clinton em áreas como meio ambiente, direitos humanos e até saúde apesar da intensa a oposição à aprovação das medidas de cunho mais social. O período final do governo Clinton assistiu a uma certa recuperação geral da economia e isso lhe permitiu lançar seu vice, Al Gore, à presidência, mas surpreendentemente a campanha foi um fracasso e a família Bush, apoiada em diversos setores conservadores retornou à Casa Branca. Como aponta Pecequilo (2012, p. 19), a agenda neoconservadora foi marcada pelo chamado conservadorismo com compaixão (compassionate conservantism) afirmando que não atacariam direitos adquiridos como o aborto mas combateriam os “excessos liberais” como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a delicada questão da tolerância com os ilegais. No voto direto, Al Gore teve mais votos mas no colégio eleitoral foi Bush o que conduziu os republicanos para o Salão Oval da Casa Branca, mas sob suspeitas de fraude e irregularidades. 158 Unidade III 7.5.1 Bush (filho): conservadorismo com compaixão Em termos cronológicos Pecequilo (2012) divide o governo de Bush filho em três fases: De janeiro a setembro de 2001, setembro de 2001 a dezembro de 2004 e janeiro de 2005 ao final de seu mandato. A primeira destas fases é representada por tendências mistas de ofensiva neoconservadora, resistência interna e baixa popularidade. Mais da metade da população não apoiara a eleição de Bush filho e muitos contestavam a forma como a eleição fora decidida pelos tribunais, uma vez que a Suprema Corte Federal suspendera os processos de recontagem de votos, solicitados e em andamento. [...] a Retórica da Casa Branca (pendia fortemente para o unilateralismo) (PECEQUILO, 2012, p. 19). E ainda segundo a mesma autora, mas em obra de 2011, Na manhã de 11 de setembro de 2001, os atentados terroristas às cidades de Nova Iorque e Washington mudaram essa realidade, ao gerar um consenso baseado no medo inédito que atingiu os Estados Unidos depois da perda da invulnerabilidade do território continental. A exacerbação do nacionalismo e da união nacional foram outros resultados (PECEQUILO, 2011, p. 21). E prossegue, Internamente, os mesmos liberaram as forças neoconservadoras, favoreceram a construção de um novo inimigo, o terrorismo fundamentalista islâmico de caráter transnacional [...] e a implementação de regras de censura e restrição de liberdades civis pelo Estado. [...] Essas regras foram sistematizadas no Ato Patriota (2001), lei de combate ao terror que permitia a prisão de suspeitos sem direito a advogado, e que, conforme sua última prorrogação em 2011, permanecerá em vigor até 2015. Resultaram, também, nos memorandos internos autorizando a tortura, redefinida como práticas de interrogatório mais duras, e no caráter de prisioneiros, vistos não mais como soldados, mas combatentes inimigos, sem pátria, somente com afiliação a grupos terroristas. Estas posturas resultaram nos escândalos de maus tratos de prisioneiros na base norte‑americana de Guantánamo em Cuba, nasinstalações de Abu Graib no Iraque e em instalações secretas da CIA em outros países. Para dar amparo a essas ações, foi criado o Departamento de Segurança Doméstica (Homeland Security) e o USNORTHCOM (Comando do Norte), em 2001. Externamente, a Guerra Global Contra o Terror (GWT, Global War on Terrorism), geraria duas guerras na Ásia Central e no Oriente Médio, o Afeganistão (2001 em andamento) e o Iraque (2003/2011) (PECEQUILO, 2012, p. 21). 159 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Reunindo todos os esforços dos Estados Unidos no sentido de promover a Guerra Global ao Terror, surge a Doutrina Bush, ou também denominada Doutrina Preventiva, Não podemos defender a América e nossos amigos esperando pelo melhor. Devemos estar preparados para derrotar os planos de nossos inimigos [...] único caminho para a paz e a segurança é o caminho da ação [...] Devemos estar preparados para deter Estados Bandidos e seus clientes terroristas antes de se tornarem aptos a nos ameaçar ou usar armas de destruição em massa contra os EUA e seus aliados e amigos (PECEQUILO, 2012, p. 22). Os setores mais conservadores provocaram uma reestruturação e posicionamento dos Estados Unidos para tentar equacionar os problemas mais preementes que Pecequilo elenca, a saber: à perda de legitimidade e credibilidade hegemônicas; ao definhamento e estagnação do sistema multilateral; à crescente valorização de coalizões anti‑hegemônicas e a utilização de doutrinas preventivas por outros Estados que temiam ser invadidos pelos norte‑americanos (como os membros remanescentes do Eixo do Mal, Coreia do Norte, Irã, Venezuela); a ascensão de novas potências e o distanciamento de aliados, que indicavam a consolidação de um sistema internacional com tendências multipolares e de desconstrução de poder (PECEQUILO, 2012, p. 24). Se tivermos em conta que a crise e o receio de novos ataques ou atentados foi amplamente explorados pelo governo de Bush filho num esforço de garantir a segurança de seu país, mas também de promover uma legitimação de um governo eleito sob suspeitas, podemos de alguma maneira montar um quadro em que a guerra ao terror permanece como elemento central. Não significa isso que os Estados Unidos declararam guerra a tudo e a todos, uma vez que são necessários aliados para sua causa e assim Bush filho promoveu uma série de viagens pela Europa, Ásia e América Latina, visitando o Brasil e causando diversos transtornos na rotina das cidades por onde passou, sendo o caso de São Paulo emblemático uma vez que cada vez que sua comitiva se deslocava de um ponto a outro da cidade avenidas eram bloqueadas, escoltas de helicópteros tornavam os céus tensos espetáculos militaristas e assim presença de Bush na cidade não pôde passar desapercebida por sua população mais comum. Quando o governo de Bush filho, em seu segundo mandato, já se encaminhava para o final, a articulação conservadora se constrói em torno de Cheney para dar continuidade ao projeto político representado por Bush, mas os democratas ganharam força com a crise interna pois a situação econômica se deteriorara muito rapidamente a partir de 2007 e piorava em 2008. O fantasma de uma nova recessão, de escala que lembrava a todos as consequências da Grande Depressão que se seguiu à quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929 e a crise mundial nos anos posteriores assustava muitos. No ano em que a crise ganha força, 2008 e no seguinte, 2009, o PIB ficou na casa de ‑0,4% e ‑3,5%. A campanha de Obama, em oposição ao governo federal lançou mão de slogans como Yes, we can e Change We Can Believe In (“Sim, nós podemos” e “Mudança na qual podemos acreditar”). 160 Unidade III A defesa de suas posições políticas Obama acenou para a formação de um governo no qual até mesmo os rivais republicanos poderiam ter espaço – o que na prática significou articular uma ideia de reconciliação nacional via partidos políticos. Dessa forma sua propaganda enfatizava sim o papel hegemônico dos Estados Unidos mas, novidade na história recente dos Estados Unidos, tinha uma agenda social importante. Sua eleição, para Pecequilo significava em linhas gerais, que Obama tornou‑se o primeiro afro‑americano a chegar à Casa Branca, como símbolo de uma nova América, multicultural, multirracial e global, com a tarefa de renovar o poder e a sociedade dos Estados Unidos para os desafios internos e externos do século XXI (Pecequilo, 2012, p. 25). Assim, continua a autora, A eleição de Barack Obama deve ser entendida como histórica por diversos prismas: pelo fato de ter se tornado o primeiro afro‑americano a ser tornar Presidente, pela gravidade da crise norte‑americana e pelas operações militares nas quais o país estava envolvido (PECEQUILO, 2012, p. 25). Apesar da crise econômica e financeira desencadeada a partir de 2008 no ser imobiliário dos Estados Unidos, contaminando bolsas de valores pelo mundo e se agravando nos meses seguintes, os republicanos não se alinharam automaticamente ao consenso e paulatinamente foram minando os esforços sociais de Obama, uma vez que estímulos à economia eram reduzidos, bem como foi impedida estrutura de uma de suas bandeiras de campanha que era a criação de um serviço de saúde nacional. E por mais incrível que possa parecer, em razão do aumento da presença do Estado na vida das pessoas, houve quem considerasse Obama socialista. Externamente, cumprir a promessa de fechar Guantánamo acabou se revelando mais difícil do que parecia – vale lembrar que o Ato Patriótico foi prorrogado até 2015. Apesar das enormes dificuldades enfrentadas tanto internamente quanto externamente, Obama conseguiu em 2009 ter seus esforços reconhecidos internacionalmente e ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Expressões agressivas saíram do rol dos discursos presidenciáveis e foram organizados os esforços para tirar as tropas do Iraque e do Afeganistão, em 2011 e 2014, respectivamente. Nos dizeres de Clinton, ex‑presidente, a nova realidade pode ser vista assim, Vivemos em um mundo profundamente interdependente no qual as velhas regras e fronteiras não mais se aplicam [...] precisamos fazer uso do que vem sendo chamado de “paz inteligente”, de todas as ferramentas ao nosso dispor – diplomática, econômica, militar, político, legal e cultural, escolhendo as ferramentas e sua combinação para cada situação. Com o poder inteligente, a diplomacia estará na vanguarda da política externa. (CLINTON, 2009 apud PECEQUILO, 2012, p. 26). 161 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Saiba mais Para uma análise crítica do 11 de Setembro, recomendamos a leitura de Noam Chomsky. Obra realizada por um norte‑americano que procurou entender o que provocou o 11 de setembro e não apenas referendar o ataque CHOMSKY, N. 11 de Setembro. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. A transição política da Era Bush para o sucessor Barack Obama não foi um processo simples. Devemos considerar que desde a Era Reagan o neoconservadorismo se fortaleceu e na Era Bush, tanto do pai como do filho, suas práticas militaristas agressivas serviram para reafirmar a imagem pública norte‑americana de potência militar, na sequencia com a Era Obama, ao menos na retórica, o governo da Casa Branca parece defender algumas mudanças de rumo e os discursos internacionais – apesar da manutenção da rigidez no que é tido por Guerra ao Terror, com a captura e execução de Osama Bin Laden por forças norte‑americana que invadiram o Paquistão. 7.6 Era Obama: Yes, We Can Barack Obama ao ser eleito derrotou os setores mais conservadores, Como nenhuma outra o fora antes, a campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos é um fenômeno planetário. A notícia da sua vitória sobre o republicano John McCain foi festejada com manifestações em todo o mundo. O jovem senador do Illinois, filho de uma antropóloga branca e de um economista negro, sobressai‑se já em meados de 2004, quando discursa na Convenção Democrática de Boston e a sua intervenção é vista por quase dez milhõesde telespectadores. Mas poucos ousam prever que um negro com um middlename árabe – Hussein – irá ser o sucessor de George W. Bush. Mas o carisma de Obama é contagiante e a sua campanha, centrada na palavra de ordem ‘sim, nós podemos’ (yes, we can), mobiliza músicos, atores e outras figuras públicas, como a apresentadora de televisão Oprah Winfey, espalha‑se pela internet e cria uma adesão popular sem precedentes. Barack Obama fora um dos primeiros políticos americanos a opor‑se à invasão americana do Iraque e a promessa da retirada dos soldados americanos é um dos temas fortes de sua campanha. A prioridade militar dos Estados Unidos deve ser o Afeganistão, defende o candidato democrata, que assume também objetivos ambiciosos na política interna, como o de garantir cuidados de saúde para todos, assegurar a independência energética do país ou reduzir drasticamente o poder dos lobbies de Washington. Nas eleições de 4 de novembro de 2008, vence McCain com 53 por cento do voto popular, 162 Unidade III obtendo mais de 69 milhões de votos, um recorde absoluto na história das eleições presidenciais americanas. Quando chega ao Grant Park de Chicago, no dia seguinte, para fazer seu discurso de vitória, espera‑o uma multidão de 240 mil pessoas. Usando o slogan ‘yes, we can’ como refrão de seu texto – numa tática muito semelhante à que Martin Luther King usara, quase meio século antes, com o seu ‘I have a dream’ ‑, Obama centra a sua intervenção na ideia de que se vive um momento histórico e que os Estados Unidos, cuja reputação internacional decaíra durante a era Bush, voltarão a ser uma nação respeitada e admirada no mundo (DISCURSOS..., 2010, p. 131). E nas palavras do próprio presidente Barack Obama no discurso pós‑eleição, Yes, we can. Boa noite, Chicago. Se houver uma única pessoa nesta sala que duvide ainda que a América seja um lugar onde tudo é possível, que se pergunte todos os dias se o sonho dos nossos fundadores continua vivo, que duvide do poder de nossa democracia, aqui tem a resposta. [...] Esta é a vitória de vocês. [...] Prometo para vocês. Nós, enquanto povo, chegaremos lá. Haverá fracassos e passos em falso. Haverá muitos que não estarão de acordo com todas as decisões que tomarei como presidente. Sabemos que o governo não pode resolver todos os problemas, mas serei sempre honesto com vocês sobre os desafios que nos afrontam. [...] Esta vitória em si não representa a mudança que buscamos. Para nós, é apenas a oportunidade de fazermos esta mudança e isso não pode acontecer se voltarmos a fazer as coisas da mesma maneira que foram feitas anteriormente. [...] Lembremos que, se esta crise financeira tiver nos ensinado alguma coisa, é que não podemos ter uma Wall Street forte e uma Main Street que sofre. [...] Como Lincoln disse a uma nação ainda mais dividida do que a nossa, não somos inimigos, mas amigos. Embora a paixão tenha colocado sob tensão os nossos laços afetivos, ela não pode rompê‑los. E a esses americanos cujo apoio ainda tenho de conquistar, digo: talvez não tenha conquistado o seu voto, mas ouço suas vozes. [...] Àqueles... àqueles que querem destruir o mundo: nós vamos vencê‑los. Àqueles que procuram a paz e a segurança: nós vamos apoiá‑los. E a todos aqueles que se perguntam se o farol da América ainda brilha todos os dias, provamos uma vez mais esta noite que a verdadeira força da nossa nação não vem do poder das nossas armas ou da extensão da nossa riqueza, mas sim da força das nossas ideias: a democracia, a liberdade, a oportunidade e a esperança que nunca morre. Este é o verdadeiro caráter da América: a sua capacidade de mudar (DISCURSOS..., 2010, p. 131‑4). Registramos aqui apenas alguns dos trechos de sua fala e ressaltamos o caráter ideológico da valorização da unidade e da capacidade de superação das dificuldades internas e externas numa época em que indubitavelmente a liderança dos Estados Unidos não já era tão evidente assim, um pouco 163 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA em razão da agressiva Era Bush (filho), mas também como consequência de uma crise financeira que teve epicentro nos Estados Unidos entre 2007 e 2008 e que se alastrou por quase todo o mundo, com consequências desastrosas para diversos países. Apesar do tom conciliador e de esperança de um mundo melhor, o projeto de derrotar os inimigos desse sonho americano prossegue e em 2011 Barack Obama faz outro discurso “histórico”, mas agora noutro sentido, A Casa Branca. Escritório do Secretário de Imprensa. Para divulgação imediata. 23h36 – Horário de verão da Costa Leste dos EUA, domingo, 1º de maio de 2011. Presidente Obama: Boa noite. Esta noite posso informar ao povo americano e ao mundo que os Estados Unidos realizaram uma operação que matou Osama bin Laden, líder da Al Qaeda e terrorista responsável pelo assassinato de milhares de homens, mulheres e crianças inocentes. [...] Há quase 10 anos, um lindo dia de setembro foi obscurecido pelo pior ataque ao povo americano na nossa história. As imagens do 11 de Setembro estão marcadas em nossa memória nacional – aviões sequestrados cruzando o céu limpo de setembro, as Torres Gêmeas desabando, a fumaça negra subindo do Pentágono, os destroços do voo 93 em Shanksville, Pensilvânia, em que as ações de heróicos cidadãos impediram mais tristeza e destruição. [...] logo após tomar posse, ordenei a Leon Panetta, diretor da CIA, que fizesse do assassinato ou captura de Osama bin Laden prioridade máxima de nossa guerra contra a Al Qaeda. [...] Ao mesmo tempo, devemos também reafirmar que os Estados Unidos não estão – e nunca estarão – em guerra com o Islã. [...] Bin Laden não era um líder muçulmano. Ele era um assassino em massa de muçulmanos (MISSÃO diplomática..., 2011). Se acreditarmos apenas nos aspectos superficiais dos discursos políticos, sendo assim capturados pela lógica dos produtores dessas falas, podemos considerar uma aproximação com diversos países no sentido de se modernizar politicamente para sobreviver no século XXI, mas, se uma análise mais detida é elaborada, fica mais fácil de observar que os discursos favoráveis a um ou outro país acabam por auxiliar o impedimento da formação de conjuntos regionais muito fortes. Tal observação não exclui a questão da liderança dos Estados Unidos, no cenário econômico mundial no início do século XX. Internamente, Obama sofre derrotas políticas impostas pela oposição republicana e também pelo escândalo do vazamento de informações sigilosas num escândalo conhecido como Wikileaks promovido por Assange, e isso tem contribuído para o desgaste da Era Obama. Em diversos momentos da História recente, os Estados Unidos precisaram se articular no sentido de estabelecer os parâmetros continentais para que sua liderança fosse assegurada. Se voltarmos o olhar para a Doutrina de Monroe, que apregoava “América para os americanos”, isso fica evidente. No 164 Unidade III entanto, em termos práticos, e mais relevantes para nossas discussões, visamos ao período pós‑Guerra Fria, e principalmente, naquele momento em que os Estados Unidos novamente buscou desenvolver sua política continental. A integração regional voltou para a agenda política dos Estados Unidos e diversas iniciativas de encontros, acordos e aproximações econômicas auxiliaram nesse movimento. Desde os acordos comerciais como o Nafta (implementado em 1º de janeiro de 1994 e com intensas reações populares locais contra ele mas que veremos mais adiante quando tratarmos de movimentos sociais contemporâneos), envolvendo Estados Unidos, Canadá e México até a Área de Livre Comércio das Américas – chamada de Alca, existe um esforço no sentido mencionado. Os Estados Unidos, no início dos anos 1990, viviam a já mencionada rearticulação neoconservadora em sua política interna, mas economicamente ganhava força a propaganda neoliberal e na primeira Era Bush (pai) isso fica claro com o Nafta para o Norte, mas também – o que é particularmente relevante ao Brasil,o Mercosul visava integrar Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – segundo a lógica do neoliberalismo que foi, indiscutivelmente, uma política norte‑americana de promoção de seus fundamentos econômicos. O alinhamento aos Estados Unidos ocorreu naquilo que passou a ser chamado de Consenso de Washington, segundo o qual o neoliberalismo acaba por se tornar a política desses Estados também – então recém‑saídos de longas e sangrentas ditaduras militares. Os governos de Fernando Collor de Melo, no Brasil (entre 1990 e 1992 – que marcou época por ser o primeiro presidente eleito do Brasil de forma direta na Nova República e também por seu impeachment em 1992, com intensa mobilização popular nas ruas do Brasil) e no caso dos vizinhos argentinos, era o governo de Carlos Menem (entre 1989 e 1999). A crise política no Brasil alçou ao comando do executivo nacional Itamar Franco (1992‑4), que desenvolveu ainda mais esse aspecto continental, tendo deixado a articulação do processo sob responsabilidade de seu Ministro das Relações Exteriores, entre 1992‑3, Fernando Henrique Cardoso, que posteriormente foi eleito presidente do país. As ambiguidades da época são bem apontadas por Pecequilo (2012, p. 41), uma vez que internamente ocorre a manutenção do Plano Real e o governo segue a cartilha neoliberal de privatizações com redução da presença do Estado em diversos setores, mas externamente não enfatiza a participação na OMC ou a América Latina – o que nos indica não ser a região uma prioridade de seu governo uma vez que foi preferida a articulação com potências de outros continentes como a China, a Rússia e a Índia. Esse quadro, no entanto, sofre uma reviravolta nos dois governos de Luis Inácio Lula da Silva (2003‑2010), com sua ênfase no papel da liderança do Brasil e na intensificação das articulações regionais próximas, no caso, dos parceiros vizinhos. Foi emblemático em seu governo, a aproximação da Venezuela, sob o governo de Hugo Chávez (entre 1999 e 2012) e também com Cuba. 165 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Equador Trópico de Capricórnio Brasil Guianas 1 – Guiana Francesa 2 – Suriname 3 – República Cooperativa da Guiana América Andina 4 – Venezuela 5 – Equador 6 ‑ Peru 7 – Bolívia 8 – Chile 9 – Colômbia América Platina 10 ‑ Paraguai 11 – Argentina 12 – Uruguai Figura 50 – Países da América do Sul Disponível em: https://bit.ly/3b1kDu0. Acesso em: 16 jun. 2022. Em termos continentais, a maior articulação econômica foi obra da administração Clinton e uma tendência retomada com Obama. Diversas cúpulas continentais ocorreram para assegurar a implementação daquilo que foi alardeado como sendo a democracia e a boa governança. No ano 2000, ocorreu a I Cúpula de Brasília e da reunião dos chefes de Estado sulamericanos nasceu uma proposta de Integração da Infraestrutura Regional Sul‑Americana (IIRSA), dando ênfase a setores locais como telecomunicações, transportes e energia – problemas comuns aos diversos países. As mudanças podem ser percebidas em termos de um salto qualitativo, nas palavras de Pecequilo (2012) Também foi apresentado o conceito de “globalização assimétrica”, de crítica moderada à globalização (SILVA, 2009), e retomados os contatos com as potências regionais do mundo em desenvolvimento. A reaproximação do Brasil com nações como a China, Rússia e Índia não trazia, porém, um sentido político mais amplo, mas representava a quebra dos padrões de alinhamento que dominaram os anos 1990. Esse salto qualitativo foi observado a partir do governo Lula (2003/2010). Lula consolidou o fim dos alinhamentos e imprimiu uma nova agenda interna e externa para o país. Em termos internos, a retomada de políticas sociais (Fome Zero, investimentos em saúde e educação) e de ações de desenvolvimento, trouxe uma nova 166 Unidade III era de crescimento econômico, que levou à consolidação da estabilidade e a diminuição da vulnerabilidade do país. Na dimensão externa, essa política levou a ganhos de poder com o reforço do poder brando brasileiro e a retomada de seu papel de líder do Terceiro Mundo. A ênfase na cooperação Sul‑Sul, mas sem abandonar o Norte‑Sul, reforçaram a atuação brasileira no mundo e na região. Em termos globais, isso significou a aproximação com os países emergentes, posturas mais assertivas no multilateralismo e, na região, observou‑se a continuidade da IIRSA e o lançamento do projeto da Comunidade Sul‑Americana de Nações (Casa) em 2004, depois renomeada UNASUL (União Sul‑Americana de Nações) a partir de 2007. Em 2004, ainda, o Brasil passou a líder a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah), demonstrando seu papel afirmativo e assertivo na região e nas Nações Unidas (PECEQUILO, 2012, p. 46‑7). Ressaltamos, no entanto, outro aspecto fundamental que ganhou força – apesar de muitas vezes não ser muito presente nos noticiários regionais da época – que foram as reações ao movimento genericamente tratado por globalização. Carlos Fuentes, eminente escritor mexicano, observou com muita propriedade os momentos críticos que envolveram o início do século XXI e registrou sua visão de mundo e percepção do que estava ocorrendo num livro chamado Contra Bush, de 2004. A necessidade de restaurar uma ordem jurídica internacional, multilateral e confiável, dedicada a resolver os conflitos políticos mediante negociação diplomática e os conflitos sociais mediante solidariedade internacional. Subjacentes aos eventos [...] existem seis bilhões de seres humanos à espera de um mundo de cooperação que se ocupe da vasta pauta do trabalho e da saúde, da educação e da habitação. Não teremos um mundo justo e equilibrado se não atendermos a essas necessidades. Exaltar o “choque de civilizações” propicia os fundamentalismos violentos de um e de outro lado, esquecendo que todos somos descendentes de encontros de civilizações e que nos incumbe respeitar as diferenças e somar as semelhanças das grandes culturas humanas. [...] O presidente Bill Clinton declarou, com grande propriedade: ‘não se vencerá o terror se não se conseguir determinar a maneira de um mundo interdependente’. Esse é o grande problema de nossa época e George W. Bush não contribuiu para resolvê‑lo, somente para exacerbá‑lo (FUENTES, 2004, prefácio). Vale lembrar que o vice de Bush era Cheney e que da administração pública ele passou a controlar uma corporação, a Halliburton Incorporated, que administra mais de cem mil funcionários e que chega a faturar anualmente mais de quinze bilhões de dólares e que essa empresa é grande produtora e fornecedora de insumos e tecnologia petrolífera. E, segundo Fuentes (2004), 167 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA A Halliburton Inc. ampliou seus interesses da Argélia a Angola, da Nigéria à Venezuela, do Mar do Norte ao Oriente Médio, e da Birmânia a Bangladesh. “Os Estados Unidos não tem amigos, têm interesses”, disse cinicamente John Foster Dulles, secretário de Estado do presidente Eisenhower. Mais sutil, Cheney declarou: “É lamentável que o bom Deus não haja posto as jazidas de petróleo nas nações democráticas” (FUENTES, 2004, p. 13). Carlos Fuentes relata ainda, em um texto de 18 de janeiro de 2001, com o título “Adeus, Mr. Clinton”, o seguinte: Num jantar com Gabriel García Marquez e Bernardo Sepúlveda, perguntei ao presidente Clinton quem eram seus piores inimigos. Sem hesitar, o presidente respondeu: “a extrema direita fundamentalista’ (FUENTES, 2004, p. 25). As complexas relações entre México e Estados Unidos também foram objeto de discussões no início do século XX, sendo que em 2001 indicava Carlos Fuentes que Vicente Fox, presidente mexicano, e George W. Bush se encontraram em Guanajuato, no México, para discutir quatro pontos, a saber: drogas, trabalho, comércio e energia. Por ocasião da reafirmação de seus princípios, Bush e seu o procurador geral John Ashcroft tomaram medidas para combater o terror, a saber, – Criação de tribunais militares secretos para julgar e condenaras pessoas suspeitas de ser, poder ser ou querer ser terroristas. – Faculdade arbitrária do executivo para decidir quem vai ser julgado pelos tribunais ad hoc. – Celebração de julgamentos secretos em alto‑mar ou em bases militares como Guantánamo, em Cuba. – Abolição de jurados e sua substituição por comissões de oficiais das forças armadas. – Supressão do direito do acusado de se comunicar com seus advogados. – Revogação do princípio de que toda pessoa é inocente até prova em contrário, em favor do princípio de culpabilidade e, em consequência, da responsabilidade do acusado em provar que é inocente. – Advogados defensores impostos pelo tribunal, sem consulta do acusado. – O acusado e seus advogados não terão acesso aos documentos da acusação. – A culpabilidade não exigirá, como estabelece o direito vigente, provas “além de qualquer dúvida razoável”. 168 Unidade III – Bastará a decisão majoritária e discricional dos juízes militares. – Não haverá direito a apelações (FUENTES, 2004, p. 62‑3). Fuentes alega que Apesar de todas as salvaguardas, [...] o governo de Bush Jr. diz não. E o faz para afirmar que os EUA não estão sujeitos a nenhuma lei ou jurisdição superior aos próprios EUA. Paradoxo dos paradoxos: na era da globalização, quando se celebra ou lamenta, conforme o caso, a morte das soberanias nacionais, a potência máxima do mundo afirma sua própria soberania em grau sem precedentes, pelo menos, desde a época do Império Romano. Sem poderes limitantes ou equilíbrios potenciais, os Estados Unidos dizem ao mundo: minha soberania é inviolável, a sua não. Ou seja, neste mundo existe uma regra para os EUA, e outra para os demais países (FUENTES, 2004, p. 83). Afirma o mesmo autor que Bush é um “tratadicida” (FUENTES, 2004, p. 84), ficando evidente o tom das acusações. Não significa que ao relacioná‑las aqui estejamos corroborando com todos os pontos ressaltados, mesmo porque o fundamental é seu olhar crítico. Lembra Fuentes que na administração que chama de Bush Jr. os Estados Unidos ficaram contra o Tratado de Kioto e a favor das emissões nocivas de gases. Contra o Protocolo sobre Armas Nucleares. Contra o Tratado de Experiências Nucleares. Contra o Tratado de Minas Antipessoais. A favor da exploração petrolífera em zonas ecológicas do Alasca. E a favor de medidas protecionistas do aço e dos gigantescos subsídios à agricultura. Exemplo de aplicação Você consegue relacionar as discussões ecológicas presentes no início do século XXI em relação ao desmatamento, poluição e esgotamento de recursos hídricos – além de problemas de planejamento e infraestrutura, com as questões apresentadas em conferências ambientais internacionais, tais como a ECO‑1992? Mencionamos, ainda, as mais recentes alterações em termos de política externa nas Américas quando por ocasião da Cúpula das Américas, em 2014, no Panamá, a imprensa especializada pôde noticiar um gesto que simboliza uma sensível alteração das relações entre Estados Unidos e Cuba quando seus chefes de Estados – Barack Obama e Raul Castro – apareceram juntos em um cumprimento que, de alguma maneira, acena para novas relações para o século XXI. 7.6.1 Estados Unidos e o início da era Trump – 2017 O final da era Obama foi marcado pela eleição, em 2016, do Republicano de Donald Trump, derrotando a candidata democrata e ex‑primeira dama, Hillary Clinton – candidatura que sucederia a Obama, que não podia concorrer a um terceiro mandato. A eleição foi muito discutida, pois o sistema norte‑americano é bastante diferente do brasileiro, uma vez que Hillary Clinton obteve mais votos entre a população, mas como não venceu no colégio eleitoral não ficou com o cargo. 169 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Saiba mais No Brasil, na Nova República, não temos eleições por colégio eleitoral. O último caso recente foi a eleição indireta de Tancredo Neves, derrotando Paulo Maluf, em 1984, para o primeiro mandato pós‑Ditadura Cívico Militar (1964‑1985), mas com a morte de Tancredo Neves o cargo ficou com José Sarney. Sobre isso, indicamos dois filmes: O PACIENTE: o caso Tancredo Neves. Direção: Sérgio Resende. Brasil: Globo Filmes, 2018. 100 min. TANCREDO: a travessia. Direção: Silvio Tendler. Brasil, 2011. 104 min. Em sua campanha, Trump adotou como slogan “Make America Great Again!” (Torne a América Grande Novamente!), e estruturou suas propostas como a antítese da era Obama, prometendo retirar o país de acordo internacionais relacionados à proteção ambiental, tornar mais rigorosa a política anti‑imigração – tendo como ponto mais famoso e controverso a construção de um muro entre os Estados Unidos e o México, custeado pelos próprios mexicanos. O governo Trump tem sido marcado na política externa por debates relacionados a tarifas e aumento de taxas externas, rivalizando muitas vezes com a nova potência emergente no início do Terceiro Milênio e, também, no século XXI – a China. Na política interna, em dezembro de 2019 foi processado e teve encaminhado o seu pedido de impeachment – aprovado pela Câmara dos Representantes (semelhante à Câmara dos Deputados no Brasil), mas absolvido pelo Senado, o que encerrou o caso. Podemos considerar que a história da América Contemporânea ganha complexidade à medida que chega cada vez mais próxima de nossa época. Isso equivale a dizer que é preciso desenvolver cada vez mais a capacidade de analisar criticamente as informações que circulam, as produções da grande imprensa e mesmo de diversas áreas culturais. Se a chamada era Trump começa envolvida em grandes discussões, beirando crises, é sinal de que novos tempos se anunciam. Não se está dizendo com isso que são tempos de grandes rupturas ou calamidades, mas que é importante ter o olhar atento para todas as referências que são produzidas e que podem influenciar nossa maneira de pensar e entender o mundo. Se a Era Trump se inicia com o debate sobre uma possível crise na globalização – marcada na Europa pela saída da Inglaterra da União Europeia, naquilo que se convencionou, na grande imprensa, chamar de Brexit (vocábulo formado pela junção das palavras inglesas Britain e exit, que juntas formam a ideia de saída britânica) – antes mesmo da eleição de Trump –, muitos outros temas aparecem na ordem do dia. A promessa de construção de um muro na fronteira com o México visando impedir a entrada de imigrantes, tidos como ilegais, as ações contrárias à entrada de muçulmanos no país, as disputas comerciais com a China e a saída de tratados internacionais de proteção ambiental são ações que reiteram um dos grandes lemas de campanha de Trump: a América em primeiro lugar. 170 Unidade III É curiosa essa crise e os ataques à globalização, pois esta teve como um de seus motores os EUA, com a implementação do neoliberalismo do governo de Ronald Reagan. Na atualidade, o debate sobre o desemprego intensifica‑se e discussões nacionalistas e xenofóbicas têm marcado presença nos debates e na mídia, principalmente, com a presença cada vez mais intensa da imigração. Saiba mais Para conhecimentos adicionais a respeito da produção cultural e da construção do imaginário norte‑americano sobre a crise no mundo do trabalho e o impacto das relações entre os norte‑americanos e os chineses, indicamos o filme: INDÚSTRIA americana. Direção: Steven Bognar; Julia Reichert. EUA: Higher Ground Productions, 2019. 110 min. E sobre o ano final da era Obama, indicamos: THE final year. Direção: Greg Barker. EUA: Motto Pictures, 2017. 89 min. 7.6.2 América: território de tensões e enormes possiblidades nos anos iniciais da década de 2020 Para trazer aqui a diversidade das questões que envolvem os povos e países americanos no início do século XXI, podemos mencionar as muitas dificuldades enfrentadas pelo governo venezuelano de Nicolás Maduro, desde 2013, ou ainda a polarização de projetos políticos e de sociedade que envolveu a Argentina em 2019, quando nas eleições presidenciais, Alberto Fernández, e sua vice CristinaKirchner, derrotaram o então presidente Mauricio Macri – representando o retorno ao cenário político da velha referência argentina ao peronismo O partido de Fernández é o Partido Justicialista (PJ), que lançou em sua posse o programa Argentina sem Fome. Em termos de relações internacionais, o quadro é de incertezas, pois o destino do Mercosul é uma grande incógnita, considerando que é formado pelo Brasil, pela Argentina, pelo Paraguai, pelo Uruguai e pela suspensa Venezuela – que enfrenta internamente um quadro de oposição ao presidente e de crise humanitária. Vale ressaltar que muitas possibilidades estão em aberto, alternativas que envolvem a superpotência mundial – Estados Unidos, passando por países como o Brasil e chegando aos vizinhos argentinos. 7.7 Colômbia e o narcotráfico Um caso emblemático à ação dos Estados Unidos na América Latina é a história recente da Colômbia com a enorme violência que a assolou nos anos de 1980 e 1990 em função do narcotráfico. A estruturação de cartéis de drogas ganhou notoriedade internacional, tal como o Cartel de Cali e o Cartel de Medellín – comandado por Pablo Escobar, morto pela polícia do país em 1993. Atentados a bomba, grupos paramilitares, sequestros e assassinato de candidatos presidenciáveis, tornando a 171 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA situação crítica em 1989 com a morte de três candidatos. Entre 1994 e 1998, o país foi comandado pelo presidente Ernesto Samper, que não conseguiu reverter o quadro de enorme instabilidade interna e ainda seria acusado de receber dinheiro do narcotráfico e não acatou as pressões de ceder aos Estados Unidos no combate às drogas. Saiba mais Para saber mais leia: MÁRQUEZ, G. G. Notícia de um sequestro. São Paulo: Record, 1996. E para aprofundar a leitura: SILVA, K. C. Análise discursiva de “Notícia de um sequestro”, de Gabriel García Márquez: na fronteira entre o Jornalismo e a Literatura. 2007. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. Entre 1998 e 2002 o quadro geral começou a ser alterado quando Andrés Pastrana Arango consegue iniciar acordos com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, ativas desde a década de 1964 como uma guerrilha de origem marxista). No final de seu governo aproxima‑se dos Estados Unidos, e daí nasceu o chamado Plano Colômbia, segundo o qual a Colômbia recebeu enormes somas – na casa de um bilhão de dólares – e também treinamento para forças militares para o combate ao narcotráfico. Os conservadores estavam ganhando espaço na política interna pelo combate às drogas e com o seu sucessor Álvaro Uribe, que é eleito com a promessa de intensificar essa luta naquilo que foi chamado de “segurança democrática”. a segurança da lei e da ordem sem prejuízo das liberdades democráticas, mas a sua tomada de posse foi assinalada por explosões em Bogotá, das quais resultaram 20 vítimas mortais. Uribe, cujo pai foi assassinado pelas FARC, estava determinado a desmantelar as guerrilhas e declarou estado de emergência (WILLIAMSON, 2012, p. 607). A enorme comoção popular com as mortes e sequestros fortalecia Uribe, que consegue do Congresso a autorização para o segundo mandato e Em face da crescente indignação pública com o interminável problema da tomada de reféns pelas guerrilhas – em julho de 2007 ocorreram manifestações nas ruas contra os raptos e a violência – Uribe tentou desmantelar as forças paramilitares de direita e entrou em complexas negociações com as FARC para trocar reféns por guerrilheiros presos. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, mediou estas conversações durante algum tempo, mas sua postura branda com a guerrilha criou tensões com Uribe (WILLIAMSON, 2012, p. 607). 172 Unidade III O governo federal intensificou o combate às FARC e, em 2008, o líder fundador do grupo, Pedro Antonio Marín, conhecido como “Tirofijo”, foi morto por uma ação oficial. Depois disso, as ações do governo passaram a ser mais de inteligência e infiltrações e este consegue libertar reféns antigos e notórios, tal como Ingrid Betancourt, mantida em cativeiro por seis anos. Tendo aprovado a possibilidade de um segundo mandato em um forte clima de acusações de compra de votos no Congresso para conseguir a aprovação dessa medida, Uribe chegou a propor um referendo para um terceiro mandato, que inicialmente foi permitido pelo Senado, mas, mesmo que aparentemente o povo estavesse a favor, o Judiciário vetou a decisão. Narcotráfico, guerrilhas, grupos paramilitares e as Forças Armadas do governo são os personagens principais da realidade colombiana de hoje e integram, frequentemente, as manchetes dos noticiários de televisão, rádio e jornais impressos no país e no mundo. Enquanto esses vários grupos disputam o poder, a população colombiana convive com carências de serviços básicos e a ameaça constante da violência, o que revela uma realidade que mais se parece com literatura fantástica. Gabriel García Márquez faz um recorte da realidade colombiana, em meados da década de 1990, em “Notícia de um sequestro”: a verdade é que o país estava encerrado em um círculo infernal. Por um lado, os extraditáveis se negavam a entregar‑se ou a moderar a violência, porque a polícia não lhes dava trégua. Escobar havia denunciado por todos os meios que a polícia entrava a qualquer hora nas comunidades de Medellín, pegava dez menores ao acaso e os fuzilava sem maiores averiguações em botequins e descampados. [...]. Os terroristas também não davam trégua nas matanças às traições de policiais nem nos atentados e sequestros. Por seu lado, os movimentos guerrilheiros mais antigos e fortes, o Exército de Libertação Nacional (ELN) e as Forças Armadas Revolucionárias (FARCs) acabavam de responder com todo o tipo de atos terroristas à primeira proposta de paz do governo de César Gavíria (MÁRQUEZ, 1996, p.144 apud SILVA, 2007. p. 26). O Plano Colômbia representou, assim, um esforço de sobrevivência do governo para conseguir estruturar suas instituições, pois, do contrário, sofria sérios riscos de desaparecer. Saiba mais Para saber mais sobre o Plano Colômbia e outros temas da América Latina Contemporânea, recomendamos: SADER, E. et al. Latinoamericana. Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006. 173 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA 7.8 Venezuela e Chávez Ainda tratando da mesma região e lembrando o antagonismo entre Uribe e Hugo Chávez, fazemos referência aqui à Venezuela. A partir do momento em que o governo de Carlos Andrés Pérez, da Acción Democrática, retorna ao poder e alinha‑se às medidas neoliberais ditadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), provoca uma explosão popular de manifestações contrárias que sofrem forte repressão do Exército, A capital foi varrida por uma onda de motins e pilhagens – um episódio que ficou conhecido como Caracazo – que não tardou a alastrar a outras cidades. [...] Dois anos após o Caracazo, um grupo de jovens oficiais do Exército, chefiado por Hugo Chávez, tentou um golpe contra Pérez. Tinham formado o Movimento Revolucionário Bolivariano, inspirados pela revolução socialista das forças armadas do Peru nos anos 1970, e também pelo ideal de Simón Bolívar de uma união continental dos Estados hispano‑americanos (WILLIAMSON, 2012, p. 608). Apesar do esforço para chegar ao poder, o movimento fracassou e Chávez acabou preso por quase dois anos. Vale enfatizar que seus companheiros continuavam ativos na oposição ao governo de Carlos Andres Perez. Conforme aponta Williansom (2012), o presidente Perez foi impugnado por corrupção e preso em 1994. A inflação subiu e as reações à austeridade se intensificaram. Em 1998, Chávez foi eleito com 56% dos votos. A promessa da Revolução Bolivariana assusta setores mais conservadores que, na visão dos bolivarianos, seriam uma oligarquia perdulária e corrupta que simplesmente esbanjava e dilapidava os enormes recursos petrolíferos do país em seu benefício próprio,enquanto milhões estavam na indigência. Figura 51 – Venezuela: Simón Bolívar e Hugo Chávez Disponível em: https://bit.ly/3zynuEV. Acesso em: 16 jun. 2022. A mística construída em torno de Bolívar foi fundamental para a sobrevivência do movimento e, em 1999, um referendo constata que 88% da população era favorável a uma nova constituição. Os chavistas conquistaram 119 das 131 cadeiras no Congresso Nacional – o produto final também passou por um referendo e 71% da população aprovou a constituição eminentemente contrária aos interesses das antigas oligarquias do país. 174 Unidade III Uma inovação importante – na Venezuela e, de um modo geral, também na América Latina – era a atribuição de três lugares aos representantes eleitos dos povos indígenas, dos quais existiam 26 grupos étnicos distintos, correspondendo a 1,4% da população. [...] A constituição de 1999 também criou uma comissão eleitoral independente e um novo órgão governativo designado “Poder Cidadão”, dirigido por um Conselho Moral Republicano de três elementos [...]. Em 2000, Chávez candidatou‑se à reeleição, como a sua nova constituição lhe permitia fazer, e voltou a vencer, com 59% dos votos, tendo os seus apoiantes obtido 55% dos lugares na recém‑formada Assembleia Nacional (WILLIAMSON, 2012, p. 610). O discurso bolivariano foi estruturado inserindo os setores historicamente excluídos da Venezuela e em torno do combate às antigas oligarquias – buscando reformas na educação, na estrutura agrária e principalmente, no setor petrolífero – com a PDVSA (leia‑se pedevesa, que é a Petróleos de Venezuela S.A.). A principal reação ao chavismo explode em 11 de 2002 com golpe contra Chávez no qual ele foi derrubado e reinstalado no poder. A crise atinge o setor petrolífero que entrou em greve e, para legitimar um afastamento de Chávez, a oposição conseguiu a realização de um referendo para que Chávez deixasse a presidência, mas ele venceu em agosto de 2004 e permaneceu, com respaldo popular na condição de mandatário do país. Saiba mais Para conhecer mais sobre o contexto e do que estava envolvido, recomendamos o documentário: A REVOLUÇÃO não será televisionada. Direção: Kim Bartley; Donnacha O’Briain. Irlanda, 2003. 74 min. Os constantes confrontos para derrubar o presidente contribuíram para a retórica chavista do “socialismo do século XXI”, com sua democracia “proativa e participativa”, por meio de comitês populares e com o Partido Socialista Unido da Venezuela. Cooperativas de trabalhadores foram criadas, supermercados subsidiados pelo governo, programas educativos se espalharam e chegaram às favelas (“bairros de lata”, no livro de Williamson) e na Misión Barrio Adentro, serviços de saúde gratuitos são oferecidos por médicos e dentistas cubanos. A Venezuela, oficialmente se chama República Bolivariana da Venezuela e sob o governo Chávez articula uma aliança pró‑Cuba, aproximando‑se da Bolívia, do Equador, de Honduras, do Paraguai, da Argentina – formando o bloco chamado de ALBA – e no governo de Lula, do Brasil. Em termos internacionais, o ponto alto é o combate às ações internacionais de Bush no Iraque – caracterizadas como Imperialismo, de acordo com Williamson (2012). Sob o comando de Chávez, a economia tornou‑se cada vez mais dependente das exportações de petróleo e isso tem causado problemas frente às oscilações de preços internacionais pois, em julho de 2008 era de U$122 e, em começo de 2009, caiu para U$40. Apesar de negado em 2007, o projeto 175 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA de reeleição indeterminada foi reapresentado em 2009 e aprovado com 54% dos votos. Na análise de Williamson (2012), percebe‑se que Chávez havia encontrado uma maneira de neutralizar os opositores liberais utilizando suas próprias normas, ou seja, eleições livres e referendos, sendo que o eleitorado votou nada menos do que 15 vezes entre 1998 e 2009. O quadro geral latino‑americano de princípios do século XXI estava pendendo para os setores mais populares como, por exemplo, o Movimento Cocaleiro na Bolívia, que alçou à presidência Evo Morales, ou as constantes manifestações de populações de origem indígena no Equador – de forma geral podemos observar que existe uma valorização da identidade indígena e de participação popular, sendo isso muito recente se a permissão de voto aos indígenas – final da década de 1970 e início de 1980. A aproximação bolivariana do regime socialista de Cuba tem provocado a oposição ferrenha dos setores mais liberais da Venezuela, e a crise se tornou mais aguda com a doença e morte de seu líder, Hugo Chávez, em 2013, quando a oposição ao sucessor Nicolás Maduro volta a se estruturar em torno de Capriles, derrotado politicamente em seu antichavismo. Vale lembrar que a grande imprensa latino‑americana, o que inclui o Brasil, taxou o governo de Chávez, de 1999 a 2013, de ditadura populista, mas é fundamental questionar de que forma isso se sustenta uma vez que o projeto bolivariano, além de seus aspectos sociais, encerrou um domínio político de três partidos que durou mais de 40 anos, após o final da ditadura de Pérez Jiménez – acordo conhecido como Pacto de Punto Fijo, firmado em 1958. 7.9 Movimentos sociais e culturais nas Américas Apesar da construção midiática se desenvolver, em grande medida, em torno das ideias de consenso e progresso no que diz respeito à globalização, estudos mais criteriosos se desenvolveram a partir das recorrentes manifestações contrárias à globalização. As revoltas e protestos que são cada vez mais frequentes, além da ocorrência do Fórum Social Mundial, demonstram que é falsa a ideia largamente difundida de benefícios a todos e de aceitação dos rumos do neoliberalismo benéfico a todos. “O brasileiro tem alma de cachorro de batalhão; aparece uma palavra nova e sai todo mundo atrás”. A frase de Nelson Rodrigues descreve exatamente o que aconteceu com a globalização. O assunto virou uma verdadeira mania nacional. A atitude varia do encantamento ao pânico, do fascínio à repulsa. Mas há um quase consenso de que se trata de um debate altamente prioritário (HIRST, 1998, p. 9). E com tamanha acidez desconfortante prossegue, Em um país como o nosso, ainda marcado pelas inibições e hábitos mentais do período colonial, a ampla difusão de avaliações extravagantes sobre a suposta “globalização” ou “mundialização”, da economia tem produzido estragos consideráveis. A qualidade do debate tem deixado muito a desejar. Nunca tantos disseram tanta bobagem em tão pouco tempo. Segundo 176 Unidade III as versões mais exaltadas, estaríamos indefesos diante de movimentos irreversíveis e forças internacionais avassaladoras. Aos Estados nacionais, especialmente na periferia subdesenvolvida, só restaria a submissão e a aceitação passiva de um processo inexorável de desenvolvimento das forças produtivas em escala global (HIRST, 1998, p.16‑17). Saiba mais Recomendamos consultar o verbete movimentos sociais do seguinte livro: SADER, E. et al. Latinoamericana. Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006. 7.9.1 Movimentos sociais contra-hegemônicos A partir de 1999, ocorreu uma intensificação das críticas que passaram a explodir em manifestações antiglobalização e, dentre outros aspectos, se dá ênfase à tentativa de quebrar o silêncio da grande mídia em manifestações na cidade de Seattle e outras, passando por Gênova em 2001, protestos contra a Alca, contra a Guerra do Iraque, passando por Porto Alegre e a noção desenvolvida por Milton Santos da necessidade de uma outra globalização, contra uma globalização vista como perversa. A noção de globalização feita “por baixo” ou ainda o combate ao slogan neoliberal de Margareth Thatcher “There is no alternative”, produziram outros olhares e estratégias de ação. De acordo com Martins, frente às grandes mudanças e às crescentes contestações, vivemos numa época de grandes incertezas e uma enorme aceleração do tempo histórico. Mais do que nunca parecemvivas as palavras de Marx de que “tudo que é sólido se desmancha no ar”. A integração da economia mundial se intensifica e, com ela, o choque entre as forças sociais, políticas e ideológicas, provocando resultados inesperados. Captar o movimento da crescente articulação entre o global e as particularidades regionais, nacionais e locais é um dos maiores desafios das Ciências Sociais contemporâneas. O fin de siècle definitivamente se foi e, com ele, o fim da história. Emerge com a força da vida, mesmo ao olhar menos atento, um mundo paradoxal: decadente e intenso, apático e vital, ordenado e caótico, privado e público, violento e pacífico, de ódios e esperanças, de indiferenças e memória, de anonimatos e identidades. Mapear suas forças dinâmicas e as encruzilhadas que se apresentam permite não apenas a compreensão de uma realidade de aparente non sense, mas iluminar a intervenção social e política para tornar possível imprimir na realidade o selo de nossos desejos (MARTINS, 2011, p. 11). 177 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Assim, para o autor, o movimento de globalização do capital, das mídias e das tecnologias abre de alguma maneira uma série de possibilidades. A menção direta à era da insegurança e os pares opostos ajudam a dar a dimensão das incertezas sem, contudo, impossibilitar alternativas. Quando se trata da globalização nos discursos midiáticos, do senso comum e mesmo em ambientes de discussões acadêmicas, não é raro as pessoas serem taxativas. No entanto, podemos lembrar que diversas outras crenças do passado que, em sua época, pareciam eternas e imutáveis, hoje estão bem distante de nossa vivência história. E como ser diferente se as sociedades se modificam constantemente pois os homens se modificam constantemente? Devemos ressaltar que, apesar do movimento da globalização ter fortes características econômicas, essa não é a única dimensão do real que afeta a vida das pessoas. O trabalho e as relações sociais se modificaram desde a década de 1970 e o final do século XX e início do XXI são tempos de incertezas e de possibilidades. Consideramos que existe recentemente um movimento de aumento da massa crítica e da preocupação com o envolvimento de diversas sociedades no sentido de perceber como globalização efetivamente afeta a vida das pessoas. Ressaltamos que é fundamental perceber discordâncias e a necessidade de se criar categorias que possam dar conta dos fenômenos que se nos apresentam e também funcionar como aspectos propositivos sempre tendo como horizonte aquilo que para Fernando seria a função mais importante de se estudar história. Vale dizer, que a função seria desconstruir mitos e não contribuir para sua afirmação. Em suas palavras, “conhecer o passado é a única maneira de nos libertarmos dele, isto é, destruir os seus mitos” (NOVAIS, 1985, contracapa). Saiba mais Para desenvolver esse olhar, sugerimos a leitura de LOPES, M. A. (org.). Fernand Braudel: tempo e história. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p. 184. SANTOS, A. S. O tempo e a história em torno de Fernand Braudel. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 7, p. 305‑311, out./nov. 2011. Disponível em: https://bit.ly/3b3K4Ly. Acesso em: 16 jun. 2022. Ressaltamos aqui a importância de dominar as noções de globalização e neoliberalismo como forma de aprofundar a percepção dos eventos que nos cercam no dia a dia. Nossa intenção é criar subsídios para que tenhamos a capacidade de estabelecer diálogos relevantes em sala de aula, elencamos aqui alguns dos movimentos mais recentes ocorridos no Brasil e nas Américas que podem dar elementos para que os alunos percebam a História não como algo distante e abstrato e sim como parte de suas vivências e também como elementos que influenciam mais ou menos seu dia a dia. 178 Unidade III Tratando dos movimentos antiglobalização, Breno Bringel e Enara Echart Muñoz produziram um texto chamado “Dez anos de Seattle”, o movimento antiglobalização e a ação coletiva transnacional, em 2010, Em primeiro lugar, sua enorme heterogeneidade derivada da união de amplos setores da esquerda (política e social) e de diversas lutas (geradoras de eixos temáticos que conformam o movimento antiglobalização); em segundo lugar, o caráter espetacular de seu repertório de ações coletivas (o que contribuiu para a sua inclusão na agenda midiática) que se articula entre o pacifismo, os vários tipos de ação direta, as estratégias de inovação cultural e a resistência ativa, entre outras; em terceiro, a utilização das novas Tecnologias de Informação e Comunicação, com iniciativas que surgem desde Seattle como Indymedia, passando pelo media center de Gênova ou os diferentes canais de contra‑informação, os quais se constituíram em ferramentas‑chave em todo o mundo para canalizar a informação contada pelos próprios movimentos sociais, mas que também funcionam como instrumentos de participação, mobilização e criação de identidade; em quarto lugar, a horizontalidade como forma de organização política, a partir de um sistema de tomada de decisões de caráter assembleário e por consenso, desvinculado do centralismo, das fortes hierarquias e da lógica da representatividade, e uma estrutura organizativa descentralizada em forma de redes; em quinto lugar, a presença de uma conexão glocal, cujo lema pensar globalmente, atuar localmente funciona como impulsor de uma engrenagem que permite identificar a globalização neoliberal como causa principal de diversos conflitos locais, com a importância da visibilização global dos conflitos e também dos trabalhos de base mais invisíveis; finalmente, em sexto lugar, uma radicalidade reivindicativa frente a um modelo socioeconômico que se pretendia infalível (BRINGEL; MUÑOZ, 2010, p. 29‑30). A ação desses movimentos, ao desenvolver a noção de glocal coloca as redes de informações não mais contra as manifestações, ao contrário, lançando mão delas para poder justamente aparecer e ganhar mais adeptos. Considerando que não existe uma coordenação unificada dos movimentos, as demandas que aparecem são múltiplas e mais do que isso, as respostas são também variadas. Saiba mais Para desenvolver ainda mais o assunto, propomos a leitura GIOVANNI, J. R. Seattle, Praga, Gênova: política antiglobalização pela experiência da ação de rua. 2007. Dissertação (Mestrado) – FFLCH, Departamento de Antropologia, São Paulo, 2007. Para pensar na efetivação das críticas, assista ao filme: A BATALHA de Seattle. Direção: Stuart Townsend. França, 2008. 99 min. 179 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Genericamente, os manifestantes são o de “Povo de Seattle”, indicação bastante ampla para as diferentes demandas envolvidas. 7.9.1.1 Movimentos sociais contra-hegemônicos: México: Chiapas, EZLN Para entender de que maneira a globalização e o neoliberalismo acabaram sendo percebido pelas populações diretamente envolvidas no processo de liberalização econômica é importante eleger alguns dos movimentos que surgiram como respostas estruturadas tal como ocorreu como levante iniciado em Chiapas, no mesmo dia em que entrava em vigor o tratado de livre‑comércio entre os Estados Unidos (Nafta) a 1º de janeiro de 1994. No caso, nossa referência direta é a eclosão de uma revolta em Chiapas que foi sangrentamente reprimida e a considerar os relatos mais vivos e recentes das ações do Exército Zapatista de Libertação Nacional. O Estado de Chiapas, teatro do levantamento, é o mais pobre de um México já pobre, com uma população cuja maioria não chega a ganhar dois dólares diários. Em 1992, milhares de camponeses indígenas chiapanecos desfilaram contra as comemorações oficiais pelos quinhentos anos da colonização espanhola em San Cristóbal de las Casas, capital do Estado. A insurreição de 1994, contrariamente a uma ideia largamente difundida, não foi uma “surpresa”. Desde a década de 1980 diversos “programas sociais” do governo mexicano, como o Pronasol, ou dos organismos internacionais, procuravam na verdade desativar o que diversosobservadores já chamavam de “bomba chiapaneca”, uma “bomba social” de efeito retardado que não demorará a explodir. A partir de 1994, uma vasta literatura composta por dezenas de livros e centenas de artigos passou a discutir a natureza da luta zapatista e a sua projeção atual, nem sempre com uma posição simpática ao movimento (ARELLANO, 2002, p. 9). No entanto, a grande mídia ignora os acontecimentos em Chiapas e o movimento ganhou repercussão internacional principalmente pela instrumentalização de ferramentas ligadas à internet. Ao contrário do discurso oficial da época, as denúncias de execuções e forte repressão puderam assim romper a muralha da opinião oficial. Em dezembro de 1997, o massacre de Acteal punha em evidência a falência da “saída dialogada” para a crise mexicana. Em 1999, a luta estudantil maciça na capital mexicana testemunhava a entrada em cena de uma nova geração de lutadores (ARELLANO, 2002, p. 10). Diferentemente de outros movimentos de contestação, na mobilização em Chiapas, Há algo novo que não encontramos em levantes anteriores. Não buscam apenas mudanças locais ou regionais para si mesmos, mas exigem também uma transformação da vida nacional. Por isso, anunciam: “Tudo para todos, nada para nós”. Tampouco querem o poder para eles mesmos, mas chamam a “sociedade civil inteira para participar na transformação democrática da 180 Unidade III vida nacional. [...] pelos artigos de intelectuais mexicanos (a maior parte de artistas e intelectuais estão em torno desse movimento), podemos aprender como essa força insurgente, de caráter indígena pluriétnico e de identidade zapatista, foi reconhecida por lei na sua realidade e nas causas da sua revolução. [...] Na proposta indígena e na do EZLN [Exército Zapatista de Libertação Nacional], a autoridade, o poder, a comunidade têm outro significado. Por isso, “a experiência de centenas de anos mostra”, diz Luiz Hernández Navarro, que “a luta pela terra, pela apropriação do projeto produtivo, pelo bem‑estar social e a defesa dos direitos humanos é insuficiente e limitada se não se luta pela modificação das relações de poder que possibilite a participação dos próprios indígenas e da sociedade no seu conjunto na solução dos problemas e na construção de uma pátria menos injusta” (ARELLANO, 2002, p. 13‑5). A estratégia de mobilização social para a sobrevivência das populações locais e também da própria luta acabou resultando em atos que ganharam significado e apoio internacionais. E com essa intensa mobilização, as discussões se intensificam e a propaganda do movimento também. As filmagens dos eventos e das ações ganharam o mundo e se transformaram, inclusive em um documentário da marcha até chegarem ao Zócalo da Cidade do México em 1997, chamados Marcos, estamos aqui. Saiba mais Para saber mais, assista ao documentário: MEMÓRIAS Cubanas: Marcos, estamos aqui. Direção: Gianni Minà. Cuba, 2007. 72 min. As raízes da mobilização social chiapaneca podem, em alguma medida, ser localizadas com a presença de um movimento intenso de organização popular desde a década de 1960 e ao mesmo tempo, de forte e violenta repressão das forças da “ordem”. Pesquisando as origens do Movimento Zapatista, Igor Andreo afirma que Segundo o Subcomandante Insurgente Marcos, em entrevista concedida a Yvon Le Bot, a origem do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) remonta à chegada ao estado mexicano de Chiapas, no princípio da década de 1970, de um grupo urbano, marcado por um ideário marxista‑leninista. A maior parte das múltiplas e dissonantes interpretações sobre as origens do EZLN coincidem em afirmar que este grupo urbano consistia em uma célula das Fuerzas de Liberación Nacional (FLN). Fundada em 1969, a FLN era um grupo político militar partidário às características da Revolução Cubana e marcado por sua forma rígida de recrutamento, pela não utilização de táticas de assalto e sequestro e por sua discrição e paciência (ANDREO, 2013, p. 31). 181 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA O movimento resiste até princípios da década de 1980 quando parte dele se interna na Selva Lacandona, no estado de Chiapas, e lá se desenvolve o EZLN com características um pouco diversas das práticas da FLN. A própria estratégia de mobilização também via internet na década de 1990 é um traço distintivo, sendo inclusive possível acessar na rede mundial de redes de computadores, as declarações do EZLN e do Subcomandante Marcos. Igor Andreo aponta a dimensão política e cultural em seus aspectos sociais num México repleto de questões ligadas à terra que explodiram em revoltas, revoluções e constantes conflitos entre camponeses, proprietários e forças governamentais no século XX. Andreo, sinaliza que No México, o ejido, em linhas gerais, constitui‑se como uma forma jurídica da posse da terra, cuja propriedade pertence ao Estado, que fornece o usufruto coletivo a agrupamentos campesinos comunitários e com autoridades locais reconhecidas legalmente. A exploração coletiva da terra era uma prática comum na Mesoamérica no período do domínio da Confederação Mexicana, que foi apropriada pelos espanhóis, sendo substituída pelo sistema de encomiendas. Paulatinamente o sistema de encomiendas foi desaparecendo frente a outras formas de posse e exploração da terra, mas somente foi abolido legalmente e por completo em território mexicano com a Constituição de 1917, sob a promessa de restabelecer o sistema de ejidos, que foi concretizado, ao menos parcialmente, apenas com a reforma agrária conduzida pelo presidente Lázaro Cárdenas a partir de 1934. Em 1960, 23% das terras cultivadas no México eram ejidos. Em 1992, o então presidente Carlos Salinas de Gortari promulgou reformas legais que acabavam com o direito legal à reforma agrária (conquistado com a Constituição de 1917) e regularizavam a posse fundiária dos ejidos por meio do Programa de Certificación de Derechos Ejidales y Titulación de Solares (Procede), que concedia títulos de direitos parcelares a cada ejidatário particular, o que os convertia em micro‑proprietários com direitos de uso e aproveitamento da parcela atribuída (ANDREO, 2013, p. 58). Podemos indicar que uma grave questão para a sociedade mexicana é o problema das terras e recentemente da transformação da terra em valor capitalista e não em meio de vida coletivo – como era tratada tradicionalmente. O combate oficial às formas tradicionais de organização comunitárias resvalou na questão do indigenismo na sociedade mexicana sendo que muitos defenderam a integração do indígena de forma a dissolver seus traços particulares num esforço que certamente é uma afronta à sua cultura pois, O período de 1940 a 1970 caracterizou‑se pelo refluxo das mobilizações indígenas surgidas no sexênio de Lázaro Cárdenas e, desde a década de 1940, por uma efetiva colocação em prática, por intermédio do ‘Instituto Nacional Indigenista’ (INI), das políticas indigenistas: o indigenismo é um movimento generoso que tratou de redimir os índios, elevando sua forma de vida. Mas interpretou sua “redenção” como uma integração na cultura nacional dominante, criollo e mestiça, por meio do abandono, [...] 182 Unidade III paulatino, do que constituía sua diferença (VILLORO, 2002, p. 174 apud ANDREO, 2013, p. 61). E buscando delimitar a questão da terra Andreo avalia que, O estado de Chiapas possui 77.500 km2 e, na década 1960, contava com aproximadamente 1.200.000 habitantes, sendo 400.000 indígenas, dentre os quais cerca de 250.000 eram tzeltales, tojolabales, tzotziles ou choles. (a) [...] concepção agrarista prevalecente na Constituição Nacional, que considera os direitos dos camponeses [...] mas não os direitos dos indígenas como comunidades. Ao não considerar na legislação o status legal diferencial das comunidades indígenas, nenhum direito coletivo histórico e territorial pode ser legalmente reclamado (VOS, 2002, p.135‑182 apud ANDREO, 2013, p. 64). A essa vertente, digamos que territoriale indígena, da explicação sobre o movimento de Chiapas, passa‑se ao que é o cerne da discussão de Igor Andreo, vale dizer, a influência que o Bispo de Chiapas, Samuel Ruiz García, que posteriormente à sua chegada à San Cristóbal de Las Casas, aderiu à Teologia da Libertação atuando de forma enfática e decisiva na defesa dos povos da região. Nas palavras do próprio Samuel Ruiz García, A evangelização tal como se estava levando a cabo no continente, era simplesmente uma destruição de culturas e uma ação dominadora. [...] Então, que coisa era evangelizar? (ANDREO, 2013, p. 69). A Teologia da Libertação, ou para alguns, Cristianismo da Libertação, tem seus fundamentos no Concílio Vaticano II, em 1962, também conhecido como XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica – se estendendo até 1965. Não existe unanimidade quanto ao nascimento das discussões sociais que se envolveram na religião um a vez que alguns autores preferem o protagonismo de setores estudantis e também de populações excluídas politicamente e também miseráveis a consideram como obra de membros do alto clero católico. Ao sublinhar que a Igreja é o Povo de Deus na história e que somos chamados à santidade pelo Espírito que recebemos no batismo e confirmação, recupera‑se o sentido do povo portador do evangelho. Um povo que pode e deve comunicar a mensagem salvífica recebida. Um povo evangelizador, que, portanto, tem como uma de suas funções fazer teologia (ANDREO, 2013, p. 87). A partir do Concílio Vaticano II, diversas conferências episcopais passaram a ocorrem na América Latina como em 1968 em Medellín, na Colômbia, em São Paulo em novembro de 1969, Montevidéu (Uruguai) também em 1969, em 1970 em Bogotá (Colômbia), duas vezes, e em Buenos Aires (Argentina), em 1972 em Sucre (Bolívia). 183 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA A Teologia da Libertação situava seu ideário nos oprimidos concretos presentes na América Latina, o foco crítico‑libertador dos teólogos europeus era voltado contra o Estado ou as instituições, tornando‑se assim abstrato, pois válido para todos os homens, ou seja, para nenhum homem concreto, o que [...] resultava em mais um instrumento de manutenção da opressão (ANDREO, 2013, p. 97). E em termos práticos, começam a surgir na América Latina comunidades eclesiais de bases (CEB), em que Pensam‑se celebrações litúrgicas, orações e leituras da Escritura em grupo, em comum. Os temas mais polêmicos de natureza estritamente teológica cedem precedência às experiências de luta e de oração (ANDREO, p. 2013, p. 98). No trabalho da professora e historiadora Zilda Márcia Grícoli Iokoi, [...] as comunidades eclesiais de base procuraram ocupar todos os espaços sociais, mas foram as comunidades agrárias que mais puderam exercer sua influência agregadora. Essa função das comunidades agrárias devia‑se à forma intrínseca de ser da comunidade camponesa, onde vivido está em sintonia com a cultura e não com a exterioridade, como nas comunidades urbanas (IOKOI, 1999, p. 240 apud ANDREO, 2013, p. 101). As considerações mais comuns a respeito do início da organização dos zapatistas oscilam entre a Teologia da Libertação e a ênfase no uso da Teoria da Dependência como elemento de explicação para a tomada de consciência social. Para Löwy – provavelmente incomodado com a perda da força da Teoria da Dependência – a Conferência de Puebla marcou o início de uma reação da ala conservadora da Igreja, uma vez que ocorreu uma transformação no entendimento acerca da missão e das opções da Igreja, ampliando‑os suficientemente ao ponto de permitir que cada corrente pudesse interpretar de acordo com suas próprias tendências; enquanto para Libânio e Oliveros Maqueo essa ampliação estava ligada a um aprofundamento das questões espirituais que possibilitou a consolidação da Teologia da Libertação (ANDREO, 2013, p. 103). Existe sim um pensamento místico que alimenta a ação, o primeiro é a denúncia do sistema capitalista dependente como injusto, de maneira mais categórica do que muitos setores marxistas, uma vez que carregado de uma repulsa moral; o segundo é a utilização do marxismo para compreender as causas da pobreza e as contradições do capitalismo; o terceiro é a opção em favor dos pobres e da solidariedade com sua luta 184 Unidade III de autolibertação; o quarto é o desenvolvimento de comunidades cristãs de base entre os pobres como alternativa ao modo de vida individualista imposto pelo sistema capitalista; o quinto é uma nova leitura da Bíblia, voltada para o Êxodo, visto como paradigma da luta de um povo por sua libertação; o sexto é a luta contra a idolatria materialista identificada com o sistema capitalista; o sétimo é a libertação humana histórica como antecipação da salvação humana em Cristo; e, por fim, uma crítica a teologia dualista tradicional como fruto da filosofia platônica e não da tradição bíblica, onde a história humana e a divina são distintas, entretanto, inseparáveis (ANDREO, 2013, p. 105). Em 1968, em Melgar, na Colômbia, o bispo Samuel Ruiz entrou em contato com formas alternativas de problematizar a realidade em que estavam inseridas as pessoas de seu bispado. [...] o antropólogo Gerardo Reichel‑Dolmatoff [...] me fez ver que a evangelização tal como se estava levando a cabo no continente, era simplesmente uma destruição de culturas e uma ação dominadora [...] Aquela explanação me deixou aturdido, confuso [...] Parei e perguntei ao antropólogo: “Nas culturas indígenas que o senhor conhece [...] a religião é algo secundário ou fundamental?”. Dolmattof me respondeu: “Em todas as culturas indígenas que conheço, a religião é um elemento definitivamente aglutinante de todos os fatores culturais”. [...] Fiquei com uma incógnita terrível [...] “Então que coisa era evangelizar? Era destruir culturas? [...] Por que permitiu Deus a existência de tantas culturas? (ANDREO, 2013, p. 117). Na Conferência de Medellín, na Colômbia, Samuel Ruiz alinhou‑se aos setores realmente críticos do clero na América Latina afirmando, inclusive, Creio que o que fez Medellín foi descobrir, com a sociologia, a situação de marginalização e dependência que viviam os povos da América Latina [...] Até então a Igreja havia estado unida às elites econômicas e de dominação; partia‑se daquele conceito de que os desenvolvidos deviam ajudar os subdesenvolvidos. Mas em Medellín nós bispos nos deparamos com a análise sociológica da época: a da marginalização. E começamos a descobrir que os marginalizados não estão assim porque querem sê‑lo, mas que é o sistema que os marginaliza [...] E que inseri‑los na sociedade em tais condições significa não reconhecer que o sistema marginaliza. Enquanto se inseriam dez ou quinze ao sistema mediante um processo de ajuda, o sistema já havia fabricado mil marginalizados (FAZIO, p. 95 apud ANDREO, 2013, p. 120). Um dos momentos significativos para a construção do EZLN foi quando, no final da década de 1960, muitas comunidades indígenas migraram para viver na Selva Lacandona. Com a presença de diversos 185 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA grupos, o bispo Samuel Ruiz autoriza a organização da catequese na língua dos indígenas, principalmente os tzeltal, mas também aos chiapanecos de origem maia. A nova orientação se preocupava com a realidade indígena não mais como imposição de uma única e unilateral visão de mundo. Andreo (2013) prefere chamar os grupos de neozapatistas quando afirma que as palavras de ordem eram “Por um mundo onde caibam todos os mundos” ou “Nunca mais um México sem nós”. [...] entre 14 e 17 de outubro de 1974, no próprio auditório municipal de San Cristóbal de Las Casas, havia representantes de 327 comunidades indígenas, com 587 delegados tzeltales, 330 tzotziles, 152 tojolabales e 161 choles, número apresentados por Andreo (2013, p. 193), e que completa que no universo populacional chiapaneco havia 96.000 tzeltales, 84.000 tzotziles, 13.000 tojolabales e 48.000 choles (ANDREO, 2013, p. 157). A politizaçãoentre os indígenas era cada vez mais significativa e considerando a necessidade de problematizarmos aqui o Exército Zapatista de Libertação Nacional, Arturo Warman informa que, Em 1994, o EZLN não apareceu como um movimento ou insurgência indígena, mas como um foco de guerra prolongada, com bases indígenas, mas cujo objetivo central era propiciar a mudança (revolucionária) do regime político‑administrativo mexicano por um regime de orientação socialista: Ainda que fosse evidente que as bases insurgentes do zapatismo consideravam‑se indígenas, não se postulavam reivindicações específicas dessa condição. Foi a opinião pública, orientada pelos meios de comunicação, quem identificou o zapatismo como uma insurreição indígena e mobilizou‑se para evitar sua repressão. O EZLN, em um processo gradual, mas acelerado, assumiu essa identificação que protegia, garantia apoio e simpatia. Desde 1996 converteu‑se em polo e interlocutor definitivo no debate nacional sobre a questão indígena (WARMAN, 2003, p. 8 apud ANDREO, 2013, p. 266). Apesar disso que foi exposto, na visão do próprio EZLN eles seriam indígenas em sua essência e origem, pois a direção é dos próprios nativos por meio do Comité Clandestino Revolucionario Indígena – Comandancia Geral del Ejército Zapatista de Liberación Nacional. Em meios às controvérsias relativas às origens e orientações mais gerais, Andreo (2013) com grande lucidez explica que o fundamental é que a questão indígena colocou‑se na pauta de discussões com o governo federal. Em 21 de fevereiro de 1994 são iniciadas as negociações com o governo federal que resultaram nos Acuerdos de San Andrés sobre Derechos y Cultura Indígena. Saiba mais Para saber mais, acesse as declarações zapatistas: MÉXICO. Primeira Declaração da Selva Lacandona. 1994. Disponível em: https://bit.ly/3Ok9gf7. Acesso em: 16 jun. 2022. 186 Unidade III Para o governo federal, o problema explode com o levante zapatista em 1º de janeiro de 1994, quando o EZLN passa a ser reprimido pelo governo, chega‑se a formação de uma “mesa de negociações” na qual participam o subcomandante Marcos, 18 membros da Comandancia General, o comissário para a paz Camacho Solís e como mediador o próprio bispo Samuel Ruiz. Para se estabelecer uma mesa de negociações efetiva e que realmente pudesse dar conta das demandas havia a exigência, pelos rebeldes, de garantias de uma participação democrática no país. Exigia‑se também respeito e reconhecimento da autonomia daquela população dentro do pacto federal. No entanto o que se segue frustra esses sonhos. O que se sucede é uma violenta repressão por parte do governo federal mexicano, amplamente denunciada na bibliografia especializada relativa ao movimento zapatista. Saiba mais Das obras mais acessíveis relativas ao movimento zapatista indicamos: GENNARI, E. EZLN. Passos de uma rebeldia. São Paulo: Expressão Popular, 2005. HARVEY, N. La rebelión de Chiapas. La lucha por la tierra y la democracia. México: Era, 2000. BRIGE, M. Votán‑Zapata. A marcha indígena e a sublevação temporária. São Paulo: Xamã, 2002. Recomendamos, ainda, a leitura: QUIJANO, A. Dom Quixote e os moinhos de vento na América Latina. Dossiê América Latina. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n. 55, set./dez. 2005. Disponível em: https://bit.ly/2wig72t. Acesso em: 14 jun. 2022. O lema zapatista do EZLN proclama “El mundo que queremos es uno donde quepan muchos mundos”, o que para nós se traduz como “Queremos um mundo onde caibam todos os mundos”. Assim, em carta ao presidente da república Vicente Fox, datada de 22 de março de 2001, os 23 comandantes e a delegação do EZLN escrevem: Nós temos a vontade de diálogo verdadeiro e de chegar à paz logo mas, como deixamos claro [...] os povos zapatistas pediram três sinais a seu governo para ver se sua vontade de diálogo é verdadeira [...] não confiamos na palavra e sim nos fatos [...] nós não queremos humilhar ninguém, mas não vamos deixar que nos humilhem e enganem. Nós não queremos que terminem vencidos nem o senhor nem os seus soldados. Nós queremos diálogo com verdade e respeito [...] nós não temos nosso exército ocupando as casas de vocês ou dos que fazem parte de sua equipe, nem fizemos prisioneiro ninguém de se governo. Nós queremos que a solução da guerra 187 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA seja também a solução das causas da guerra, porque senão ela vai se repetir, por isso nós estamos reivindicando o reconhecimento constitucional dos direitos e da cultura indígenas (BRIGE, 2002, p. 176). Deve‑se ressaltar que, desde 1994, o EZLN mobiliza‑se claramente contra a exclusão indígena por meio de declarações chamadas de Declarações Selva Lacandona, iniciando as ações contra o então presidente Carlos Salinas de Gortari e elencando nada menos que onze pontos: terra, trabalho, moradia, alimentação, saúde, educação, independência, liberdade, democracia, justiça e paz. Segundo o que aponta Brige (2002, p. 207), os zapatistas afirmam que “caminharemos então pelo mesmo caminho da História. Mas não a repetiremos. Somos os de antes, mas somos novos”. Podemos inserir aqui, ainda, a lembrança fundamental do papel político e cultural das mulheres nas comunidades uma vez que em muitas declarações à classe política, é pela voz feminina que elas são feitas. No que se refere às discussões sobre direitos, além do já mencionado sobre a educação, o combate ao preconceito étnico, tão presente na América Latina, e para isso poderia contribuir a aceitação de que os nativos devem ter acesso aos direitos trabalhistas, valorização de sua medicina tradicional e também das decisões quando ao uso de recursos naturais. A ênfase do EZLN é da ideia presente desde a Revolução Mexicana de 1910 que de a terra deve ser de quem trabalha e isso é que dá a condição de liberdade, o que é uma referência direta aos ideias de Emiliano Zapata – daí seu zapatismo. A ação coletiva é posta como soberana, sendo Marcos um subcomandante uma vez que tomam como lema, e prática, que é preciso “mandar obedecendo” (ANDREO, 2013, p. 281). O levante zapatista coloca‑se, ainda, claramente contrário aos efeitos do neoliberalismo sobre as populações indígenas do país e também às condições de inserção internacional do México no bloco do Nafta. A globalização econômica, tão referida e discutida aqui, aparece como referência em diversos movimentos políticos e sociais, daí nossa escolha em tratar os aspectos mais relevantes da História Contemporânea das Américas sob sua sombra. No entanto, para se entender a História das Américas, ao menos dos anos finais do século XX aos primórdios do século XXI, é fundamental questionar a ideia de que não existe alternativa nos rumos das sociedades e no caso estamos incluindo os latinos e também os norte‑americanos na discussão posto que alguns autores se referem às demandas de mudanças como o “espírito de Seattle”. 7.9.1.2 Movimentos sociais contra-hegemônicos: Porto Alegre, Brasil: Fórum Social Mundial (FSM) Se é correto afirmar, como aqueles que participaram da fundação do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, de que “um outro mundo é possível”, é preciso se discutir historicamente como essas demandas surgiram como se apresentam para as sociedades americanas. A agenda dos movimentos sociais que se organiza nesse momento traz, constantemente, palavras de ordem contra a predominância do Fundo Monetário Internacional (FMI), contra ações do Banco Mundial e também como a busca de alternativas políticas críticas. As reuniões da Organização Mundial do Comércio tornaram‑se o 188 Unidade III símbolo de uma determinada globalização neoliberal que alguns identificam como um modelo imposto via protagonismo da Inglaterra de Thatcher e as administrações norte‑americanas desde Reagan até as Eras Bush e Clinton. Nesse ínterim, os fundamentos neoliberais são colocados em prática com o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), assinado entre Estados Unidos, Canadáe México em 1993 e que entrou em funcionamento em 1994 com sérias reações entre os mexicanos, como o movimento zapatista, por exemplo, e além disso, em 1996, ainda no México, 4.000 pessoas se reuniram no chamado I Encontro Intercontinental pela Humanidade e contra o Neoliberalismo. Pensadores como David Harvey e Eric Hobsbawm são alçados à condição de ícones do pensamento crítico por seus posicionamentos anti‑hegemônicos. No âmbito brasileiro, o geógrafo Milton Santos é uma referência fundamental na construção de pensamentos alternativos. Ainda segundo aspectos levantados por Leite (2003), Presenciamos, depois de 1997, a uma aceleração das resistências. Entre abril e junho daquele ano, tivemos a primeira Marcha Europeia contra a precariedade e as exclusões, que terminou em junho, em Amsterdã, na Holanda, por ocasião da Cúpula Europeia, com uma manifestação de 50 mil pessoas. Em maio, a reunião da III Cúpula Sindical paralela à reunião ministerial da Alca, em Belo Horizonte, formou a Aliança Social Continental. Entre junho e agosto, um novo Encontro Intercontinental pela Humanidade e contra o Neoliberalismo ocorreu em Barcelona, propondo a formação de uma Ação Global dos Povos, efetivada oito meses depois. Em outubro, no contexto da crise financeira na Ásia, é formado o Jubileu 2000, constituído por organizações cristãs e sociais que iniciam uma campanha pelo cancelamento da dívida dos países pobres. [...] Em abril, é realizada, como atividade da Aliança Social Continental, a Cúpula dos Povos das Américas, paralela à II Cúpula Presidencial das Américas. [...] Em seguida, durante o II Encontro Anual do G‑7, em Birminghan, na Inglaterra, temos uma manifestação de 70 mil pessoas, puxada pelo Jubileu 2000, pela anulação da dívida dos países pobres. [...] Protestos se repetem no II Encontro Ministerial da OMC realizado em Genebra. Em 3 de julho é formado na França a ATTAC, movimento cidadão visando promover uma campanha pela taxação das transações financeiras internacionais (a taxa Tobin). [...] O ano de 1999 começa com a realização em Zurique, na Suíça, do encontro internacional, “O outro Davos”, simultaneamente à reunião do Fórum Econômico Mundial [...] ATTAC, Fórum Mundial das Alternativas, Coordenação contra o AMI e Strutural Adjustment Parcipatory Review International, que promoviam o encontro alternativo, já trabalhavam, nessa reunião, com a ideia de “uma outra”. Esses mesmos setores voltaram a se encontrar, junto com outros, em junho, no Encontro Internacional “Um outro mundo é possível”, realizado em Paris. [...] em 12 de outubro temos o Primeiro Grito dos Excluídos Latino‑Americano, cujo lema era “Por trabalho, justiça e vida” [...] de 18 a 21 de novembro ocorre o Encontro Internacional pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo e da Cúpula Sul‑Sul sobre a Dívida, em Johannesburgo, na África do Sul (LEITE, 2003, p. 40‑1). 189 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Ao que parece, segundo a visão do autor, a ênfase deve ser dada à questão da mobilização, no movimento global posto em 1999 mais de 50.000 pessoas foram às ruas de Seattle nos Estados Unidos contra uma reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), o que impediu a reunião, ocorrendo algo semelhante ao que se passou anteriormente em 1996 em Cingapura e 1998 em Genebra. Em Seattle, participaram 1.449 organizações de 89 países sob coordenação da rede ecologista Friends of Earth. Essas manifestação se configuraram como a expressão da importância da articulação via rede mundial de computadores – naquilo que seria caracterizado como “netwar” Uma vez que foi pela rede que uma lista intitulada Stop WTO Round (Pare a rodada da OMC). O presidente dos EUA, Bill Clinton, chegou a ser impedido de discursar na noite de gala de Seattle aos delegados da OMC em função de protestos. Saiba mais Para compreender o grande ciclo de movimentos antiglobalização que pulularam nesse momento, recomendamos a leitura: LEITE, J. C. De Seattle a Gênova: o ciclo de protestos. In: LEITE, J. C. Fórum Social Mundial: a história de uma invenção política. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. No contexto da construção de um pensamento contra‑hegemônico, ocorre o I Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, de 25 a 30 de janeiro de 2001 – movimento que articula diversos outros movimentos sociais. Quando o G‑8 se reúne em Gênova, no início de julho, estava preparado o maior protesto até então realizado, envolvendo cerca de 300 mil manifestantes. Do outro lado, o governo de Berlusconi, de direita, estava firmemente resolvido a enfrentar o movimento, preparando uma forte repressão aos manifestantes, na sequência da linha dos governos centrais de criminalizar as manifestações, apresentando‑as como atos de minorias de vândalos. [...] a repressão aos protestos terminou no assassinato de um jovem manifestante, Carlo Giuliani, pela polícia italiana (LEITE, 2003, p. 57). Um pouco antes dessa ação em Gênova – que simbolizou a inflexão e a disposição de repressão –, ocorria a organização do Fórum Social Mundial afirmando que O FSM compreenderá três tipos de atividades: I) uma série de sessões plenárias diárias com palestras e exposições de personalidades convidadas; II) o maior número possível de encontros com a apresentação de iniciativas em curso e troca de experiências; III) reuniões de entrosamento e articulação entre 190 Unidade III organizações sociais que desenvolvem o mesmo tipo de luta. As plenárias serão programadas pelos organizadores do FSM, segundo temário que será definido; os encontros e reuniões serão programados a partir dos interesses e solicitações dos participantes do FSM (LEITE, 2003, p. 65). O FSM ocorreu, como já mencionado, entre 25 e 30 de janeiro sob o lema “Um outro mundo é possível” e contou com 4 mil delegados e 16 mil participantes credenciados de 117 países, 1870 jornalistas (sendo 356 estrangeiros) e ainda segundo Leite (2003), um número desconhecido de participantes eventuais em 16 plenárias, 400 oficinas e 20 testemunhos – sendo que a intervenção de Michael Löwy ganhou destaque por colocar a discussão nos seguintes termos, Davos e Porto Alegre, dois projetos antogônicos (LEITE, 2003, p. 70). Saiba mais Recomendamos que assista aos filmes: ENCONTRO com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá. Direção: Silvio Tendler. Brasil, 2006. 89 min. TRABALHO interno. Direção: Charles Ferguson. EUA, 2010. 109 min. CAPITALISMO: uma história de amor. Direção: Michael Moore. EUA, 2009. 120 min. No FSM não se apresentava um pensamento único e dogmático, sendo seu caráter mais marcante justamente a pluralidade, tanto é que não é uma tarefa simples a recuperação de todas as discussões levantadas na primeira edição e nas subsequentes. A partir da segunda edição, as discussões ganham traços mais fortes em torno da defesa da abolição da dívida externa de países pobres; do controle da circulação de capitais e impostos internacionais para a redistribuição de riquezas e o financiamento do desenvolvimento; moratória contra a OMC para reordenar os caminhos do comércio internacional; controle público de empresas transnacionais; defesa de direitos dos trabalhadores; promoção da economia solidária; implantação e desenvolvimento de sistemas de saúde e de educação públicos e gratuitos; defesa da soberania popular na produção de alimentos; defesa dos meios de comunicação de massa democráticos; defesa do direito à manutenção da identidade dos povos para sobrevivência de minorias; propostas de desarmamentos; direitos humanos como realização de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais; defesa da construção de alternativas ao Banco Mundial, ao Fundo Monetário Internacional e à Organização Mundial de Comércio. As três primeiras edições do FSM ocorreram em Porto Alegre em 2001, 2002 e 2003, sendo que depois eles começaram a ser caracterizados pela mobilidade, rumando para diferentes cidades pelo mundo. 191 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEASaiba mais Para uma cronologia detalhada do contexto das três primeiras edições dos FSM recomendamos que visite o site do Fórum Social Mundial, onde também encontrará referências à memória do movimento e os projetos futuros: Disponível em: www.forumsocialportoalegre.org.br. Acesso em: 16 jun. 2022. 7.9.1.3 Movimentos sociais: Brasil e os 20 centavos Marcelo Pomar (apud JUDENSNAIDER, 2013, p. 9) faz a retrospectiva de um movimento social existente no Brasil há mais de uma década, mas que, para a grande mídia, parecia inexistir. Já se vai uma década: Salvador, Bahia, agosto de 2003. Milhares de pessoas ocupam as principais vias da cidade durante mais de três semanas. As ruas são o grande palco das manifestações, que têm protagonismo juvenil, mas atingem toda a sociedade. Trata‑se de uma revolta popular. Uma luta para derrubar mais um aumento de tarifas de ônibus na capital baiana, curiosamente, de vinte centavos – de R$ 1,30 para R$ 1,50. [...] Sentam, junto à prefeitura, para negociar um conjunto de pautas e conquistas para o movimento. Emplacam várias, mas capitulam na central: a redução da tarifa. Importantes registros dessa história seguem sendo o documentário do cineasta Carlos Pronzato, A Revolta do Buzu, e a cobertura realizada pelo Centro de Mídia Independente (CMI‑Brasil) (JUDENSNAIDER, 2013, p. 9). Em seguida, Marcelo Pomar continua a apresentar os diversos movimentos que tiveram em seu elemento principal essa mesma demanda: As Revoltas da Catraca em Florianópolis, Santa Catarina, junho de 2004 e maio de 2005. A partir daí apresenta a articulação de diversos movimentos existentes pelo país, Paralelamente ao desenvolvimento político desigual e complexo do MPL, as avenidas do Brasil são tomadas de norte a sul por uma onda de mobilizações urbanas, ainda que espaçadas. Quase todas as capitais do país assistem, na última década, a alguma manifestação juvenil relacionada a transporte, ainda que não sejam sempre fruto de uma intervenção orgânica do Movimento Passe Livre. Cidades como Salvador, Florianópolis, Porto Alegre e Curitiba; São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória; Aracajú, Maceió, Recife, João Pessoa, Fortaleza, Natal e Teresina; Belém, São Luís, Rio Branco e Manaus; Distrito Federal, Goiânia e Cuiabá registraram [...] manifestações com a temática do “passe livre” ou contra o aumento das tarifas. Além das capitais, uma porção de outras cidades grandes e médias, como Joinville (SC) e Campinas (SP), para citar duas, entram na lista (JUDENSNAIDER, 2013, p. 13). 192 Unidade III Em maio de 2009, o governo do Distrito Federal determina o passe livre para os estudantes a partir de 2010 e, em janeiro de 2015, a prefeitura de São Paulo anuncia que o passe livre para os estudantes começa a valer em fevereiro de 2015. Uma das principais novidades no transporte público em 2015, o passe livre para estudantes, começará a funcionar nos ônibus municipais na próxima segunda‑feira (2). A gratuidade é válida para alunos do Ensino Fundamental e Médio da rede pública, de universidade pública com renda familiar per capita de até R$ 1.182 e de universidade privada beneficiários do Prouni, Fies, Bolsa Universidade ou Cotas Sociais. De Secretaria Executiva de Comunicação (SÃO PAULO, Secretaria de Comunicação, 2015). Para Marcelo Pomar, resgatando a trajetória que, ao menos parcialmente, desenvolveu o MPL indica que um novo movimento toma forma, como uma forte característica comum – para o bem e para o mal: é constituído em sua maior parte por jovens que tem aversão aos meios institucionais, como partidos políticos e a disputa de espaços de poder no Estado.[...] no entanto, atuam politicamente na sociedade e impactam uma nova realidade nos âmbitos dos municípios. Articulam‑se em rede, em relações de poder mais horizontais. Dominam técnicas, sobretudo associadas à tecnologia, e sua linguagem política é menos engessada, se comparada aos grupos tradicionais de organizações de juventude de esquerda. Tudo isso ajuda a construir um conjunto de condições subjetivas para junho de 2013 [...] com mais de doze milhões de pessoas indo às ruas protestar (Pesquisa do Ibope) (JUDENSNAIDER, 2013, p. 15). Quando, em junho de 2013, o Movimento Passe Livre de São Paulo dá início a mais uma jornada de lutas, certamente não tem dimensão das proporções que sua ação pode tomar. E, numa frase que pode passar desapercebida pelo leitor mais ligeiro, Marcelo Pomar afirma que “ainda me parece necessário dizer que o MPL não inventou a roda no movimento social” (JUDENSNAIDER, 2013, p. 17). A cronologia é fundamental, 06/06: Primeiro Grande Ato, 15 detidos, MPL é criminalizado; 07/06: imprensa condena vandalismo e atribui protagonismo a partidos; governo e Metrô se manifestam; MPL se defende de acusações; Primeiras tentativas de interlocução com a Prefeitura; Segundo Grande Ato; Promotor pede morte de manifestantes; 08 e 09/06: Imprensa reforça tese de vandalismo; Protagonismo é atribuído a partidos; Haddad é chamado a apresentar agenda para tarifa; Prefeitura desenha estratégia; Promotor se desculpa; 10/06: prefeito e governador viajam a Paris; promotor sofre inquérito; Vereadores do PT explicam relação 193 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA com Passe Livre; MPL se declara aberto ao diálogo; Juventude do PT adere à luta contra o aumento; Goiânia suspende o aumento; 11/06: MPL solicita reunião com prefeito e governador; Rejeição de Haddad aumenta; Prefeito e governador seguem em Paris; Na Câmara, situação e oposição se manifestam sobre protestos; aumenta adesão no terceiro grande ato; manifestantes são presos, entre eles um jornalista; sede do PT é depredada; 12/06: disseminação de relatos de violência policial nas redes sociais; imprensa denuncia vandalismo e difunde imagem de policial agredido; governador e prefeito condenam violência em protestos; rigor penal contra detidos; Ministério Público tenta mediação com prefeitura e governo; jornais televisivos pedem ação firme contra vandalismo; 13/06: jornais impressos pedem repressão dura; organizações de direitos civis condenam abuso e prisão de jornalista; MPL publica artigo na Folha; Suplicy pede intermediação; quarto grande ato mobiliza dezenas de milhares; polícia monta estratégia de guerra; jornais televisivos mudam abordagem; Datena apoia protesto; denúncias de abusos nas redes sociais; Nabil Bonduki oferece assistência jurídica; Ministro da Justiça oferece apoio federal à repressão; 14/06: discurso contra abuso policial torna‑se hegemônico na imprensa e nas redes sociais; pesquisa Datafolha mostra apoio a protestos; organizações de direitos humanos condenam atuação da polícia e PT se divide; prefeitura convoca Conselho da Cidade para se reunir com MPL; Alckmin defende ação da polícia. 15 e 16/06: Datafolha mostra insatisfação no transporte público; O Globo mostra relevância dos 20 centavos; jornais criticam a polícia; famosos apoiam protestos; segurança pública chama negociação sobre trajeto da próxima manifestação; imprensa adota nova postura. 17/06: dispersão da pauta das manifestações; Alckmin ordena suspensão do uso de armas menos letais; trajeto e acompanhamento policial são negociados com a Segurança Pública; MPL se reúne com secretário e prefeito; MPL faz coletiva de imprensa; ex‑presidentes apoiam mobilização; quinto grande ato reúne cem mil pessoas; manifestação no Rio supera expectativas; imprensa consolida apoio a manifestações pacíficas; MPL é entrevistado no Programa Roda Vida; 18/06: pauta difusa aparece com força nos meios de comunicação; MPL angaria apoio no Conselho da Cidade; sete prefeituras anunciam revogação do aumento; presidenta se pronuncia sobre protestos; sexto grande ato; prefeitura é depredada e ocorrem saquem a lojas; postura suspeita da polícia militar; ataques de manifestantes aos meios de comunicação; imprensa reforça distinção entre vândalos e manifestantes pacíficos; 19/06: imprensa repercute caos da noite anterior e ausênciada polícia; Haddad convoca coletiva: não haverá revogação; jogo político nos gabinetes de São Paulo e Rio de Janeiro; Alckmin e Haddad anuncia revogação do aumento. 194 Unidade III E no epílogo, Em entrevista à imprensa, dias depois da revogação, o prefeito atribuiu o sucesso do MPL ao “resultado de movimentos de placas tectônicas muito diferentes, que de certa maneira não tinham relação entre si”. A essa fortuita conjunção de fatores se dava outrora o nome de fortuna. Sobre ela, escreveu um diplomata florentino: em tempos de guerra, nada é de maior importância que saber usar a oportunidade – reflexão que serve bem a ambos os lados da história (JUDENSNAIDER, 2013, p. 224). Pablo Ortellado, ainda na obra de Judensnaider (2013), afirma, Quando os movimentos se reuniram em Seattle para um bloqueio “não violento” da Rodada do Milênio da Organização Mundial do Comércio e um grupo dissidente questionou a estratégia da não violência, tudo passou a girar em torno do Black Bloc. “A violência dos Black Bloc faz parte do mundo que queremos?” “A violência da resistência deve ser julgada da mesma maneira que a violência da opressão?”, “Afinal, destruir propriedade é mesmo violento?” Como resultado do debate, emergiu meses depois a doutrina da diversidade de táticas, na qual as formas de luta são todas acolhidas no espírio zapatista do mundo onde cabem muitos mundos. [...] Em 2011, a revista canadense Adbusters divulgou um cartaz no qual uma bailarina dançava sobre o touro que simboliza a bolsa de valores de Nova York, convocando ativistas a ocuparem Wall Street. No alto do cartaz, lia‑se a instigante pergunta: “Qual é nossa única demanda?” O objetivo da provocação era estimular os futuros ocupantes a mimetizar a mobilização egípcia que tinha tomado a praça Tahir com uma demanda única clara: a saída de Mubarak. [...] No quinto comunicado, o movimento anuncia sua única demanda: “Acabar com a pena de morte é nossa única demanda... Acabar com a desigualdade de renda é nossa única demanda... Acabar com a pobreza é nossa única demanda... Acabar com a guerra é nossa única demanda”. Os sonhos dos ocupantes não cabiam em uma demanda única. O movimento decidiu que não queria os seus 20 centavos (JUDENSNAIDER, 2013, p. 229‑33). Assim, apesar da dispersão do movimento com a colaboração da grande imprensa que multiplica das demandas para os mais variados aspectos, observamos que A redução redirecionou a lógica da tarifa, da ampliação para a redução crescente, até o limite lógico da tarifa zero. Ao conquistar a revogação do aumento, a tarifa zero foi imediatamente lançada no coração do debate político. A dupla vitória de reduzir o custo da passagem e trazer para a centralidade do debate público a tarifa zero por meio de uma ação autônoma com uma estratégia clara é o mais importante legado dos protestos de junho. Ele não é apenas um novo paradigma para as lutas sociais no Brasil, mas um 195 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA modelo de ação que combina a política horizontalista e contracultural dos novos movimentos com um maduro sentido de estratégia (JUDENSNAIDER, 2013, p. 237). 8 CULTURA NAS AMÉRICAS Ao se discutir as realidades sociais nas Américas e depois de passarmos por importantes movimentos políticos e contestatórios, vale ainda fazer uma menção a alguns aspectos de transformações que ocorreram no final do século XX e início do século XXI na área da cultura. Para não ficarmos apenas em uma extensa lista de notáveis nas artes ou de outsiders exemplares e rebeldes, optamos por discutir aspectos amplos das mudanças no mundo das artes. É prática dos historiadores [...] tratar os fatos das artes, por mais óbvias e profundas que sejam suas raízes na sociedade, como de algum modo separáveis de seu contexto contemporâneo, como um ramo ou tipo de atividade humana sujeito às suas próprias regras, e capaz de ser julgado como tal. [...] A tecnologia revolucionou as artes de modo mais óbvio, tornando‑as onipresentes. [...] Na década de 1980, cerca de 80% de um país como o Brasil tinha acesso à televisão. Isso é mais surpreendente que o fato de nos EUA o novo veículo ter substituído tanto o rádio quanto o cinema como a forma padrão de diversão popular na década de 1950, e na próspera Grã‑Bretanha na década de 1960 (HOBSBAWM, 1995, p. 485). A simples constatação de que nosso mundo está cada vez mais devotado às tecnologias da informação não é capaz de explicar como isso ocorreu e como influencia nossas relações com as artes. O afastamento da Europa foi mais óbvio ainda na arte mais visivelmente insistente, a arquitetura. [...] O movimento moderno na arquitetura na verdade construíra pouca coisa entre as guerras. [...] Nos EUA, que o desenvolveu ainda mais e acabou, através de redes de hotéis americanas que se instalaram como teias de aranha no mundo na década de 1970, exportando uma forma peculiar de palácio de sonho para executivos em viagem e turistas prósperos. Em suas mais características versões, eram facilmente reconhecíveis por uma espécie de nave central ou conservatório gigante, em geral com árvores, plantas e fontes internas; elevadores transparentes deslizando visíveis por dentro ou por fora das paredes; vidro e iluminação teatral por toda parte. Iriam ser para a burguesia de fins do século XX o que o teatro de ópera padrão fora para sua antecessora do século XIX. Mas o movimento moderno criou igualmente destacados monumentos em outras partes: Le Corbusier (1887‑1965) construiu toda uma capital na Índia (Chandigarth); Oscar Niemeyer [...], grande parte de outra no Brasil (Brasília); enquanto talvez o mais belo dos grandes produtos do movimento moderno – também construído mais por encomenda pública do que por patronato privado ou lucro – se encontra na Cidade do México, o Museu Nacional de Antropologia (1964) (HOBSBAWM, 1995, p. 486). 196 Unidade III A literatura que nos é particularmente relevante ganha ainda mais espaço nas Américas e começa a ser lida em outras paragens. Na América Latina, os escritores renomados, quase independentemente de suas opiniões políticas, podiam esperar postos diplomáticos, de preferência em Paris, onde a localização da Unesco dava a cada país que assim o desejasse várias oportunidades de colocar cidadãos nas vizinhanças dos cafés da Rive Gauche. Os professores sempre esperavam temporadas como ministros de gabinete, de preferência o de Economia, mas a moda em fins da década de 1980 de pessoas ligadas às artes concorrerem como candidatos presidenciais (como fez um bom romancista no Peru), [...] parece nova (HOBSBAWM, 1995, p. 491). E tratando do ressurgimento do romance, Podemos encontrar grandes romances [...] certamente os encontraremos na América Latina, cuja ficção, até então desconhecida fora dos países interessados, tomou o mundo literário a partir da década de 1950. O romance mais sem hesitação e instantaneamente reconhecido como obra‑prima em todo o globo veio da Colômbia, um país que a maioria das pessoas educadas no mundo desenvolvido tinha problemas até para identificar no mapa, antes de ser identificado com a cocaína: Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez (HOBSBAWN, 1995, p. 494). Quando se pensa em manifestações artísticas e se toma a Europa como a referência fundamental, se está preso aos cânones do século XIX. No decorrer do XX, Nova Iorque substituiu Paris e Londres e, na América Latina, diversas são as correntes emergentes e de grande relevância artística tais como suas discussões de vanguardas apresentadas por Schwartz (2008), na obra Vanguardas Latino‑Americanas: Polêmicas, Manifestos e Textos Críticos, num rol que apresentamos a seguir: Manifesto da poesia Pau Brasil; Manifesto Antropófago; Klaxon no Brasil; Futurismo; Maquinismo e Estética; Construtivismo; Expressionismo; Surrealismo; Estética Vanguardista e Revolução; Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente; Nacionalismo versus Cosmopolitismo. Existe um pensamento Hispano‑americano?Nacionalismo e Vanguardismo na Literatura e na Arte; Modernismo e Ação Regionalismo; Antropofagia versus Verde‑Amarelismo. Se considerarmos o século XIX como o momento da ruptura com as metrópoles ibéricas, devemos lembrar que os Estados nacionais não emergem do processo já estruturados e prontos politicamente. Assim, as discussões identitárias são um dos mais importantes traços na América Latina, persistindo, inclusive, no decorrer do século XX. Schwartz (2008, p. 604 e seguintes), apresenta a discussão das identidades na América Latina, tratando da Raça Cósmica, de José Vasconcelos, em 1925, no México. Aborda ainda a Brasilidade com Monteiro Lobato, Paulo Prado, Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda com o capítulo sobre “O Homem Cordial”, de 1936, em seu livro clássico Raízes do Brasil. Schwartz ressalta também as preocupações sociais ao trazer Indigenismo de Mariátegui e, para encerrar as discussões, apresenta como manifestações 197 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA identitárias o Gaúcho e o Negrismo e Negritude. Quase um século depois, nos Estados Unidos, a situação de conflito étnico explode naquilo que ficou conhecido como uma rebelião urbana, A redução do estado de bem‑estar, ao longo dos anos 1980 e 1990, também piorou as condições da vida de negros desproporcionalmente em relação aos brancos. Frustração com o racismo ainda existente, poucas oportunidades econômicas e violência policial provocaram vários motins urbanos desencadeados por questões raciais em Miami, Nova York e outras cidades nos anos 1980 e 1990. O evento mais marcante nas “relações de raça” na época foi a rebelião urbana de Los Angeles, em 1992. Em março de 1991, um motorista negro, Rodney King, foi parado na estrada e brutalmente espancado pela polícia. Uma pessoa filmou o incidente, que acabou amplamente divulgado pela mídia. Os quatro policiais julgados pela violência foram absolvidos, um ano mais tarde, por um júri branco. A população pobre de Los Angeles explodiu em reação: por cinco noites seguidas, multidões enfurecidas queimaram prédios, saquearam lojas e lutaram contra a polícia. Cinquenta e oito pessoas morreram, 2,3 mil ficaram feridas, 9,5 mil foram presas, mais de mil prédios foram destruídos e 10 mil danificados. Os danos financeiros somaram US$ 1 bilhão. A rebelião em Los Angeles foi diferente de outros motins urbanos do século XX em três aspectos. Primeiro, a ira dos manifestantes foi alimentada não somente pelo racismo, mas também pelo profundo mal‑estar econômico que tinha germinado há décadas na cidade. “Preste atenção ao que essas pessoas estão roubando” – comentou na ocasião a poetiza Meri Nana‑Anna Danquah –, “comida, fraldas, brinquedos”. Segundo, as pessoas envolvidas na rebelião eram de origem diversa. De acordo com a polícia, de todos os presos, 30% eram negros; 37% latino‑americanos; 7% brancos e 26% “outra etnia ou desconhecida”. Terceiro, além de atingir símbolos do poder público, os participantes direcionaram muito da sua fúria contra lojistas coreanos instalados nos bairros pobres negros e latino‑americanos da cidade. Como o historiador Mike Davis concluiu, a sublevação de Los Angeles foi uma “revolta social híbrida” dos pobres multirraciais e um conflito interétnico, refletindo simultaneamente os novos rumos e os velhos enigmas da sociedade americana (KARNAL, 2007, p. 265‑6). Assim, o elemento de fratura social é evidente e nos faz questionar a imagem de igualdade e paz social tão alardeada quando se trata dos Estados Unidos e, dessa maneira, a discussão relativa aos direitos sociais é um dos traços mais marcantes na passagem do século XX para o século XXI, envolvendo além de elementos étnicos, que infelizmente parecem quase que “traço” americano, outros ligados às questões de gênero e identidade sexual e também cidadania. 198 Unidade III Gays e lésbicas aumentaram sua visibilidade na vida americana nessas décadas, apesar da existência contínua de preconceitos. Comunidades de gays e lésbicas foram consolidadas nas grandes cidades, postas em evidência pelas passeatas anuais do Dia do Orgulho Gay, que atraíram enorme público em cidades como Nova York e São Francisco. Mas a violência física não era incomum e poucos ganhos legais foram de fato conquistados. Nos anos 1980 e 1990, além disso, os gays foram as primeiras pessoas a enfrentar a agonia da Aids, que matou mais de 427 mil americanos até 2000. [...] Os grandes movimentos sociais dos anos 1960 e 1970 se enfraqueceram por causa da repressão, de novas pressões políticas e econômicas e das divisões internas. Lutas contra a opressão, entretanto, não desapareceram, continuando no nível local e às vezes atraindo atenção nacional e mobilização intensa, como algumas grandes manifestações em Washington nos anos 1990 em resposta às ameaças ao direito de aborto. [...] Diante de toda essa situação, muitos se desiludiram e abandonaram a militância nos movimentos. [...] Talvez a característica mais importante da passagem para o século XXI tenha sido o maior sucesso de uma nova força política – oposta às mudanças dos anos 1960 – em organizar e avançar seu projeto social. A “nova direita” refere‑se a um conjunto de correntes políticas, intelectuais, religiosas e culturais, que surgiu nos anos 1950 e 1960 de várias fontes: eleitores brancos dos subúrbios preocupados com os impostos e os valores de suas propriedades, o término forçado da segregação racial e os “excessos” dos movimentos sociais dos anos 1960; intelectuais urbanos neoconservadores preocupados com a intromissão do Estado na economia e o declínio do respeito à autoridade; religiosos, em grande parte cristãos evangélicos, contrários aos novos valores sexuais e morais que emergiram dos anos 1960; e pessoas que compartilhavam várias dessas feições (KARNAL, 2007, p. 269). Como as manifestações são múltiplas, lembramos que, em épocas de protestos, as músicas geralmente aparecem como catalisadores do pensamento crítico. 199 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Saiba mais Indicamos o documentário a seguir, que pode ser uma valiosa contribuição para os estudos acerca da relação entre História e diversas linguagens, além de interações entre Artes, Língua Portuguesa e História, com temas relevantes como: pluralidade cultural, comportamento jovem, cultura de massa, televisão e Ditadura Militar. UMA NOITE em 67. Direção: Renato Terra e Ricardo Calil. Brasil, 2010. 93 min. Tratando da mídia, da cultura pop e as guerras da cultura, Karnal (2007) aborda com propriedade o estado atual da cultura quando afirma que As novas tecnologias e as tendências conservadoras na política e na sociedade fortemente influenciaram a produção cultural do fim do século XX. O computador pessoal, a internet (originalmente inventada para uso militar), o e‑mail, o VHS, o DVD e a televisão paga, usados regularmente, em 2000, pela vasta maioria dos americanos, revolucionariam muitos aspectos da vida cotidiana, mas não transformam as estruturas da sociedade. A promessa democrática das novas mídias foi eclipsada por objetivos mais amplos: a busca de mercados e audiências lucrativas resultou na padronização e banalização da cultura, que foi altamente susceptível aos ventos políticos da época. A mídia, seja nas formas convencionais da imprensa, rádio e televisão, seja na internet, se consolidou em enormes conglomerações, frequentemente em combinação com corporações de outros setores. A corporação General Electric, por exemplo, que produz de eletrodomésticos a armas nucleares, é dona da grande rede de TV NBC. [...] as gigantes da mídia americana limitaram a diversidade do discurso político, desviando atenção do seu próprio poder e criando o que intelectuais de esquerda como Noam Chomsky e Edward Herman chamaram de “manufatura do consentimento” (KARNAL, 2007, p. 271). Apesar dessa construção hegemônica, existem olhares discordantes, Numa série de documentários de sucesso de público, Michael Moore criticou, a seumodo peculiar, a concentração de riqueza, a hipocrisia política e o militarismo da sociedade americana. Mas para cada filme de Moore ou John Sayles, houve uma dúzia de filmes como Pearl Harbor (2001), do diretor Michael Bay, uma descarada distorção da 200 Unidade III história americana em favor do conservadorismo. Nos anos 1990, a nova natureza multicultural da sociedade americana passou a ser o foco de debates chamados “as guerras da cultura”. [...] Em 1992, o NEH convidou um grupo de historiadores sob a direção do proeminente historiador Gary Nash para redigir o que seriam as diretrizes nacionais para o estudo de História nas escolas do país. A proposta do grupo, que incluiu alguns elementos de multiculturalismo, foi duramente atacada por conservadores culturais e posteriormente rejeitada. Em 1994, o principal museu histórico no país, o Smithsonian, em Washington, organizou uma exibição sobre o lançamento das bombas atômicas contra o Japão na Segunda Guerra Mundial. Os curadores sutilmente incluíram textos com argumentos de historiadores que questionavam os motivos do presidente Truman e evidenciavam as consequências horríveis dos ataques. Por 10 meses, as Forças Armadas, veteranos, políticos e grupos conservadores fizeram uma forte campanha contra o suposto “revisionismo histórico” da exibição, forçando o museu a cancelá‑la. [...] A democracia plena prometida pelo sistema passou a significar não a verdadeira liberdade política, mas a economia livre sem a resolução das iniquidades econômicas e sociais. Como mostraram a Batalha de Seattle, em 1999, as críticas à reação lenta e à insuficiente ajuda do governo federal dada às vítimas do devastador furação Katrina em 2005, em Nova Orleans, que afetou desproporcionalmente a população negra, e a greve nacional montada por imigrantes latino‑americanos em 2006 para combater as restrições legais contra imigrantes, setores expressivos da população norte‑americana continuaram contestando as definições restritas de liberdade (KARNAL, 2007, p. 271). Saiba mais Para saber mais, leia: BUTCHER, P. A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle. Revista Contemporânea, Rio de Janeiro, n. 3, 2004. Disponível em: https://bit.ly/3xSiOZq. Acesso em: 14 jun. 2022. PAIVA, C. C. O cinema de Hollywood e a invenção da América. BOCC, Portugal, v. 1, n. 1, p. 1‑15, 2006. Disponível em: https://bit.ly/2HzfC92. Acesso em: 14 jun. 2022. 201 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA 8.1 Cultura nas Américas: o caso das vanguardas Tratando das vanguardas, indica Schwartz (2008): a recusa inicial de estilos já exaustos deu à literatura fôlego para que retomasse o labor cognitivo e expressivo peculiar a toda ação simbólica. Depois de Macunaíma, das Memórias Sentimentais de João Miramar, dos Setes Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, de Adán Buenosayres (que o autor começou a escrever por volta de 1930), não parece licito separar, por escrito de geometria, a assimilação do princípio de geometria, a assimilação do princípio da liberdade formal e a autossondagem antropológica, pois ambas as tendências coexistem e se enlaçaram nos projetos mais criativos [...] Culturas que se compõem de estratos não europeus densos e significativos puderam inspirar um tipo de literatura “marcada”, se contraposta à das metrópoles. É o caso do Peru quéchua de Ciro Alegría e José Maria Arguedas; do México asteca e mestiço de Agustín Yáñez e Juan Rulfo; da Guatemala maya‑quiché de Asturias; do Paraguai guarani do primeiro Roa Bastos; da Cuba negra de Nicolás Guillén; do Porto Rico mestiço de Luis Palés Matos, das Antilhas mulatas de Carpentier, de Jean Price Mars, de Aimé Césaire. É o caso parcial do Nordeste brasileiro negro e mulato de Jorge de Lima. Todos se beneficiaram do vento de liberdade que soprou nos anos 1920. O sertão mineiro (luso, negro e caboclo) de Sagarana, o primeiro livro de novelas de Gimarães Rosa, não faz propriamente exceção nesse quadro, mas sinaliza um contexto peculiar ao Brasil onde o português nunca perdeu sua hegemonia no processo de mestiçagem linguística (SCHWARTZ, 2008, p. 39). Em nosso livro‑texto, quando apresentamos a Revolução Mexicana, foi aos muralistas mexicanos que recorremos para buscar referências: Siqueiros, Rivera e Orozco, a crítica já disse o quanto souberam fundir motivos da história nacional com sugestões formais do cubismo e do expressionismo [...] Nesta ordem de ideias, Siqueiros insistia: “aproximemo‑nos, de nossa parte, das obras dos antigos povoadores de nossos vales, os pintores e escultores índios (maias, astecas, incas); nossa proximidade de clima com eles nos dará a assimilação do vigor construtivo de suas obras, em que existe um claro conhecimento elementar da natureza, que nos pode servir de ponto de partida. Adotemos a sua energia sintética” (BELLUZZO, 1990, p. 242). 8.2 Cultura nas Américas: o caso das vanguardas e o modernismo literário no Brasil Tratando do modernismo na primeira metade do século XX, comparadas ao percurso intelectual de Mário de Andrade, as mudanças operadas na estética e na ideologia de Oswald de Andrade, a partir 202 Unidade III dos anos 1930, são bem mais perceptíveis, radicais e salutarmente contraditórias. Mário da Silva Brito aponta justamente para sua “coragem de desdizer, de retratar‑se, de dialeticamente contradizer‑se, de rever‑se a si mesmo, corrigindo enganos, equívocos e às vezes irritada visão de pessoas, fatos e circunstâncias” (ANDRADE, 2004, p. 18): O primeiro texto significativo dessa reviravolta intelectual é uma espécie de manifesto, hoje clássico, em que Oswald renega violentamente seu passado. É o “antiprefácio” a Serafim Ponte Grande, datado de 1933, ou seja, quatro anos após o término do romance. É uma espécie de mea‑culpa por seu passado pequeno‑burguês (“um palhaço de classe”) e por ter visitado Londres sem ter percebido Karl Marx. No texto, ele revela seu desejo de ser, pelo menos, “casaca de ferro na Revolução Proletária”. A evolução política de Oswald faz com que ele repense totalmente o seu papel na sociedade e passe a assumir, a partir dos anos 1930 (denominados pelo próprio Oswald como a “Era Revolucionária de 1930”), a postura de um intelectual engagé. Se já representara para ele um desafio durante a virada socializante dos anos 1930, tal missão se intensificaria ainda mais com os eventos que culminaram na Segunda Guerra. [...] O papel do intelectual e do artista é tão importante hoje como o do guerreiro de primeira linha (ANDRADE, 2004, p. 99‑100 apud SCHWARTZ, 2008, p. 87). 8.3 Cultura nas Américas: discurso de Gabriel García Márquez no recebimento do Nobel de Literatura: a solidão da América Para enfatizar o valor literário dos latino‑americanos no decorrer das décadas de 1960, 1970, 1980 e 1990, além da primeira década do século XXI, remetemos a uma parte do discurso do escritor colombiano Gabriel García Márquez por ocasião do recebimento do Prêmio Nobel de Literatura. Após fazer um arrazoado do que era a América Latina Colonial, o autor empreende uma aproximação com o tempo presente tão intensa que merece seu registro aqui, [...] América Latina, essa pátria imensa de homens alucinados e mulheres históricas, cuja tenacidade sem fim se confunde com a lenda. Não tivemos, desde então, um só instante de sossego. [...] Os desaparecidos pela repressão somam quase 120 mil: é como se hoje ninguém soubesse onde estão todos os habitantes da cidade de Upsala. Numerosas mulheres presas grávidas deram à luz em cárceres argentinos, mas ainda se ignora o paradeiro de seus filhos, que foram dados em adoção clandestina ou internados em orfanatos pelas autoridades militares. Por não querer que as coisas continuem assim, morreram cerca de duzentas mil mulheres e homens em todo o continente, e mais de cem mil pereceram em três pequenos e voluntariosos países da América Central – Nicarágua, El Salvador e Guatemala. Se fosse nosEstados Unidos, a cifra proporcional seria de um milhão e 600 mil mortes violentas em quatro anos. [...] O país que poderia ser feito com todos os exilados e emigrados forçados da América Latina teria uma população mais numerosa 203 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA que a da Noruega. [...] Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e malandros, todos nós, criaturas daquela realidade desaforada, tivemos que pedir muito pouco à imaginação, porque para nós o maior desafio foi a insuficiência de recursos convencionais para tornar nossa vida acreditável. Este é, amigos, o nó de nossa solidão. [...] Pois se estas dificuldades nos deixam – nós, que somos de sua essência – atordoados, não é difícil entender que os talentos racionais deste lado do mundo, extasiados na contemplação de suas próprias culturas, tenham ficado sem um método válido para nos interpretar [...] (MÁRQUEZ, 2009, p. 8‑13). E ajusta o discurso a fim de ressaltar como a América Latina é única e não inferior à Europa, A interpretação da nossa realidade a partir de esquemas alheios só contribui para tornar‑nos cada vez mais desconhecidos, cada vez menos livres, cada vez mais solitários. Talvez a Europa venerável fosse mais compreensiva se tratasse de nos ver em seu próprio passado. [...] Por que a originalidade que é admitida sem reservas em nossa literatura nos é negada com todo tipo de desconfiança em nossas tentativas tão difíceis de mudança social? Por que pensar que a justiça social que os europeus desenvolvidos tratam de impor em seus países não pode ser também um objetivo latino‑americano, com métodos distintos e em condições diferentes? [...] diante a opressão, do saqueio e do abandono, nossa resposta é a vida. [...] meu mestre William Faulkner, disse nesse mesmo lugar: “Eu me nego a admitir o fim do homem”. [...] Diante desta realidade assombrosa, que através de todo tempo humano deve ter parecido uma utopia, nós, os inventores de fábulas que acreditamos em tudo, nos sentimos no direito de acreditar que ainda não é demasiado tarde para nos lançarmos na criação da utopia contrária. Uma nova e arrasadora utopia da vida, onde ninguém possa decidir pelos outros até mesmo a forma de morrer, onde as estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham, enfim e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a terra. [...] Por isso é natural que eu me interrogasse, lá naquele bastidor secreto onde costumamos enfrentar‑nos às verdades mais essenciais que conformam nossa identidade, qual terá sido o sustento constante da minha obra, o que pode ter chamado a atenção, de forma tão comprometedora, desse tribunal de árbitros tão severos (MÁRQUEZ, 2009, p. 8‑13). Ressalta o autor nessa passagem a originalidade e a necessidade de se pensar a América em si. A menção à história da repressão no continente é dramática, uma vez que estabelece um paralelo para pensar numa equivalência de impacto se os ocorridos tivessem lugar nos Estados Unidos e, a partir desse trecho, o autor passa a enfatizar outro aspecto para além da violência e da barbárie das ditaduras, passa a falar da qualidade das pessoas e da sua produção artística. García Marquez passa a reivindicar a necessidade de se interpretar as culturas em seus próprios códigos e não com transposições equivocadas e muitas vezes imprecisas, no mínimo. Assim, procuramos pontuar diversos aspectos da complexa vida nas Américas, em suas mais diversas facetas, mas tomando sempre o cuidado de não acreditar simplesmente nas aparências 204 Unidade III mais superficiais da realidade, alardeando o que muitas vezes é apenas o senso comum que nos atrapalha na complexa tarefa de entender nossa realidade americana para além da construção dos mitos. 205 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA Resumo Para finalizar nosso livro sobre a América Contemporânea, escolhemos retornar à problematização lançada na primeira unidade e abordar de que maneira o mundo globalizado e o neoliberalismo foram construídos – pensando mais especificamente como influenciaram as relações entre os Estados Unidos e seus vizinhos. Dessa maneira, tratamos do avanço do pensamento liberal economicamente mais conservador socialmente e chegamos às discussões sobre inclusão e exclusão social no seio da maior potência econômica e militar do final do século XX e início do século XXI. Tratamos da “pavimentação” dos caminhos que conduziram Reagan e Bush “pai” ao Salão Oval da Casa Branca e também dos significados dos governos de Clinton e de Bush “filho”, tratando sempre da preocupação em entender a interface entre a política interna e a política externa dos Estados Unidos. Dessa forma, era inevitável abordar o 11 de Setembro, mas o transformamos mais em um referencial do que o tratamos como objeto das discussões. Serve esse momento para entender ações no governo de Bush “filho” e depois dos discursos de Barack Obama no esforço de resgatar a liderança mundial norte‑americana. O contexto social da América Latina não fica de lado e, por isso, tratamos de graves crises envolvendo o narcotráfico na Colômbia e de seu combate, além das discussões em torno da figura de Hugo Chávez. Uma discussão fundamental nessa parte do livro é a construção dos movimentos de reação ao neoliberalismo e à globalização, além a crescente demanda por participação política nas sociedades americanas. Então apresentamos movimentos sociais como o levante do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), no México, o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre e a Revolta dos 20 Centavos, em 2013, no Brasil – ressaltando como no início do século XXI são muitas as demandas sociais, apesar da retórica desenvolvida com a globalização. Para finalizar, apresentamos algumas discussões relativas às artes no continente e também acerca da importância da literatura na construção disso, que dificilmente é possível de se determinar como sendo o americano. 206 Unidade III Exercícios Questão 1. (Enade 2005) “Numa manhã clara de setembro de 1976, Orlando Letelier, influente ex‑embaixador chileno em Washington, jazia morto e mutilado em Sheridan Circle na Embassy Row, em Washington, com o seu carro despedaçado por uma bomba acionada por controle remoto. Apenas alguns meses antes, os esquadrões da morte na Argentina tinham sequestrado e executado um ex‑presidente da Bolívia e dois dos líderes políticos mais proeminentes do Uruguai” (JOHN DINGES). O texto faz referência: A) À Aliança para o Progresso, criada pelos Estados Unidos em 1961, como um instrumento para combater o avanço do comunismo na América Latina. B) À Operação Condor, que eliminou dezenas de opositores das ditaduras militares da América do Sul. C) Aos Corpos da Paz formados pelos Estados Unidos para atuar na América Latina. D) À Operação Pan‑americana, criada em 1959, para combater o tráfico de drogas no continente americano. E) À ação policial patrocinada pela Comunidade das Nações Sul‑americanas contra os crimes de lavagem de dinheiro. Resposta correta: alternativa B. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: a Aliança para o Progresso acabou em 1971. B) Alternativa correta. Justificativa: a Operação Condor foi uma operação secreta que reuniu membros de governos ditatoriais sul‑americanos e dos EUA para eliminar opositores aos regimes vigentes. Suspeita‑se que o ex‑presidente João Goulart tenha sido assassinado por agentes dessa operação. C) Alternativa incorreta. Justificativa: os Corpos da Paz, a não ser que seja provado um possível envolvimento com o anticomunismo, foi um programa criado para promover a saúde em países pobres. 207 HISTÓRIA DA AMÉRICA CONTEMPORÂNEA D) Alternativa incorreta. Justificativa: a Operação Pan‑americana foi criada para eliminar a miséria e, assim, esvaziar o discurso socialista. Foi criada por Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil, e, em princípio, foi pacífica. E) Alternativa incorreta. Justificativa: a alternativa é totalmente absurda. Questão 2. (Enade2011) Muitos historiadores do Tempo Presente testemunharam processos de redemocratização acontecidos após o fim das ditaduras militares e civis implantadas nas décadas de 1960 e 1970 na América Latina. Durante a década de 1980, diversos desses historiadores participaram de movimentos populares clamando pelo fim dos regimes autoritários. Considerando o processo de redemocratização acima mencionado, analise as afirmações que se seguem. I – No Chile, o movimento levou, em 1989, à eleição de Patrício Aylwin, que assumiu o poder no lugar de Augusto Pinochet, propondo reformas democratizantes de restabelecimento as liberdades civis. II – No Peru, na década de 1980, os movimentos Sendero Luminoso e Tupac Amaru apoiaram politicamente Alan Garcia e, posteriormente, Alberto Fujimori no processo de redemocratização. III – No Haiti, na década de 1980, enquanto em outros países latino‑americanos aconteciam lutas pela redemocratização, estabelecia‑se um governo ditatorial, pondo fim ao período democrático iniciado na década de 1950 por François Duvalier. É correto apenas o que se afirma em: A) I. B) II. C) III. D) I e II. E) II e III. Resposta correta: alternativa A. 208 Unidade III Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: no Chile, embora os avanços tenham sido tímidos, houve um expurgo da época do mandato de Pinochet. II – Afirmativa incorreta. Justificativa: o Sendero Luminoso e o Tupac Amaru se opunham violentamente ao governo de Fujimori, tido como um representante do neoliberalismo. III – Afirmativa incorreta. Justificativa: ao contrário, o Haiti saíra de regimes ditatoriais justamente nesse período. 209 REFERÊNCIAS Audiovisuais A BATALHA de Seattle. Direção: Stuart Townsend. França, 2008. 99 min. BOA noite, e boa sorte. Direção: George Clooney. EUA, 2005. 90 min. OS BOSTONIANOS. Direção: James Ivory. EUA, 1984, 115 min. CAMINHO para Guantánamo. Direção: Michael Winterbottom. Reino Unido, 2006. 95 min. CAPITALISMO: uma história de amor. Direção: Michael Moore. EUA, 2009. 120 min. CHICOGRANDE. Direção: Felipe Cazals. México, 2010. 95 min. CIDADÃO Kane. Direção: Orson Welles. EUA, 1941. 119 min. O DIA Seguinte. Direção: Nicholas Meyer. EUA, 1983. 127 min. ENCONTRO com Milton Santos ou o Mundo Global visto do lado de cá. Direção: Silvio Tendler. Brasil, 2006. 89 min. O ENCOURAÇADO Potemkin. Direção: Sergueï Mikhailovich Eisenstein e Grigori Aleksandrov. União Soviética, 1925. 72 min. ESTRELANDO Pancho Villa. Direção: Bruce Beresford. EUA, 2003. 112 min. EVITA. Direção: Alan Parker. EUA, 1996. 134 min. THE final year. Direção: Greg Barker. EUA: Motto Pictures, 2017. 89 min. HOLANDA, C. B. Apesar de você. Intérprete: Chico Buarque de Holanda. In: Chico Buarque. Philips, 1978. 1 disco. Lado B, faixa 6. HOMO sapiens 1900. Direção: Peter Cohen. Suécia, 1998. 89 min. INDÚSTRIA americana. Direção: Steven Bognar; Julia Reichert. EUA: Higher Ground Productions, 2019. 110 min. OS INFRATORES. Direção: John Hillcoat. EUA, 2012. 115 min. OS INTOCÁVEIS. Direção: Brian De Palma. EUA, 1987. 119 min. 210 A INVENÇÃO de Hugo Cabret. Direção: Martin Scorcese. EUA, 2011. 126 min. O LABIRINTO do Fauno. Direção: Guillermo del Toro. Espanha; México, 2006. 112 min. A LUTA pela Esperança. Direção: Ron Howard. EUA, 2005. 144 min. MAD Max. Direção: George Miller. Austrália, 1979. 93 min. MAD Max 2: A caçada continua. Direção: George Miller. Austrália, 1981. 95 min. MAD Max 3: Além da Cúpula do Trovão. Direção: George Miller. Austrália, 1985. 105 min. MAUÁ, o Imperador e o Rei. Direção: Sergio Rezende. Brasil, 1999. 135 min. MEMÓRIAS cubanas: Marcos, estamos aqui. Direção: Gianni Minà. Cuba: 2007. 72 min. UMA NOITE em 67. Direção: Renato Terra e Ricardo Calil. Brasil, 2010. 93 min. O PACIENTE: o caso Tancredo Neves. Direção: Sérgio Resende. Brasil: Globo Filmes, 2018. 100 min. QUESTÃO de Honra. Direção: Rob Reiner. EUA, 1992. 138 min. REDS. Direção: Warren Beatty. EUA, 1981. 194 min. A REVOLUÇÃO não será televisionada. Direção: Kim Bartley; Donnacha O’Briain. Irlanda, 2003. 74 min. TANCREDO: a travessia. Direção: Silvio Tendler. Brasil, 2011. 104 min. NO TEMPO das borboletas. Direção: Mariano Barroso. EUA; México, 2001. 95 min. TEMPOS Modernos. Direção: Charles Chaplin. EUA, 1936. 83 min. TRABALHO interno. Direção: Charles Ferguson. EUA, 2010. 109 min. AS VINHAS da ira. Direção: John Ford. EUA, 1940. 130 min. VIVA Zapata! Direção: Elia Kazan. EUA, 1952. 115 min. VOTO feminino no Brasil completa 83 anos nesta terça‑feira. 2015. 1 áudio. (5m40s). 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