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■ k-j ■ • -,. ■ (á pu Tí/*\í^ir’ ■ s--ia ... Ltefe ® /A\i®>feyí@ ■ ■ - - < • / ' 8 A Natureza Jurídica do Autolançamento 120 - Lançamento Tributário e “Autolançamento” 1. 2. 3. 4. 5. 8.1. A Operação Intelectual do Sujeito Passivo como Autolançamento Esta tese busca identificar o autolançamento com a opera ção intelectual realizada pelo sujeito passivo, tendente à deter minação da prestação a efetuar. Cutrera, considerado como tendo sido seu primeiro exposi tor, afirma que a ausência da participação da Administração Pú blica na determinação do débito tributário, nos casos dos impos- Muito se tem escrito na doutrina internacional acerca da natu reza jurídica do autolançamento, dada a sua crescente importân cia nos ordenamentos tributários contemporâneos. Procederemos, de seguida, a um exame das principais teorias que foram construídas ao largo dos últimos anos, desde que se iniciou o fe nômeno conhecido como “a generalização dos autolançamentos”, para, ao depois, chegar a expor nosso juízo sobre cada uma delas, formulando, então, a postura que esposa nosso pensar. As principais construções a respeito da natureza jurídica dos autolançamentos são as seguintes: a operação intelectual do sujeito passivo como autolançamento; a recepção da autoliquidação como um ato admi nistrativo tácito; o autolançamento como ato administrativo reali zado pelos particulares; o autolançamento como modalidade de lançamen to provisório; e o autolançamento como ato de colaboração do administrado. Passaremos, de imediato, a discorrer sobre tais propostas. Estevão Horvath -121 1 2 3 4 tos satisfeitos mediante timbres, não implica que o pagamento do tributo “não esteja precedido de uma operação mental efetuada pelo próprio contribuinte, a qual, por mais simples que possa ser, constitui um verdadeiro lançamento tributário”1. Conclui este autor italiano que naqueles tipos de tributo, “se bem que os dois momentos - comprovação e pagamento do tributo - se apresen tem como coincidentes e quase confundidos no fato do cumpri mento da obrigação, estes momentos devem ser distinguidos na mente do jurista, porquanto não pode haver pagamento do im posto sem uma precedente operação de comprovação2 por quem quer e como quer que seja que se faça, simples ou complexa”3. Para Berliri, a operação mental do contribuinte é de todo irrelevante, tanto nos impostos que são satisfeitos mediante timbre, como naquele geral sobre a renda, sendo que a única coisa que conta é o pagamento do tributo: “se este foi efetuado em medida suficiente, a obrigação tributária está regularmente extinta, enquanto que se o pagamento faltou no todo ou em parte a obrigação tributária subsiste”. Continua o ilustrado pro fessor dizendo que se o imposto foi pago na medida adequada, “nem o Fisco poderia intervir de nenhum modo, nem o contri buinte poderia pedir o reembolso do montante corretamente pago somente porque a autocomprovação que precedeu a com provação fora equivocada”4. Isto faz com que ele afirme que a Apud Ruíz Garcia. La liquidación en el ordenamiento tributário, p. 284. Também Berliri o cita, no volume III dos seus Princípios de Derecho Tributário, traduzido para o castelhano pelo prof. Carlos Palao Taboada, Editorial de Derecho Financiero, Madri, 1974, p. 70 e seguintes. Toda vez que se mencionar a palavra "comprovação", salvo ressalva expressa, estar-se-á referindo à apuração do tributo. A primeira dessas palavras é utilizada em ordenamentos onde a comprovação é levada a cabo por órgão distinto daquele que efetua a fiscalização e outros atos que levam à arrecadação do tributo. Apud Berliri, na obra mencionada (nota 1), p. 70. Idem, p. 73. O termo "autocomprovação" foi utilizado pelo professor Palao Taboada na tradução do mencionado livro de Berliri, como correspon dente ao italiano autoaccertamento, da mesma forma que houvera feito 122 - Lançamento Tributário e “Autolançamento” 5 6 7 com relação ao vocábulo accertamento, que recebeu a tradução de "comprobación" (cf. Palao Taboada, no estudo preliminar ao volume III dos Princípios..., denominado Naturaleza y estructura dei procedimiento de gestión tributaria en el ordenamiento espanol, p. 47 e seguintes. Este estudo, aliás, é de fundamental importância para a real compreensão do denominado procedimento de gestão tributária. Berliri, cit., p. 73. Apud Berliri, op. cit., p. 73, em nota. D'Amati, N. Funzione giuridica dell'avviso di accertamento. In: Revista Diritlo e Pratica Tributaria. Pádua: Cedam, 1977, p. 1217. chamada autocomprovação é um conceito “inútil e perigoso”, enquanto considera num mesmo plano uma simples operação mental e o ato administrativo ao qual a lei atribui importantís simos efeitos5. Em sentido análogo, D’Amati afirma que se o contribuinte satisfaz sua dívida sem realizar a operação prévia de determinação do importe da prestação, isso é totalmente indiferente para o ordenamento jurídico, “ya que resulta igualmente logrado el fin perseguido por éste”6. Este mesmo autor posteriormente tempera sua posição, dizendo que não é que careça de relevância jurídica a operação intelectual realizada pelo particular, senão que, quando o pagamento efetuado for correto, o juízo acerca de sua conformidade “absorve todo juízo relativo ao processo lógico desenvolvido pelo contribuinte”7. Para Ruíz Garcia, a semelhança entre a atividade lançadora da Administração e o autolançamento efetuado pelo sujeito passivo se dá - e termina - no fato de que em ambos os casos se trata da aplicação da lei tributária efetuada por intermédio de uma série de mecanismos lógico-jurídicos. O relevante, se gundo o autor, para efeitos jurídicos, não é o processo mental mercê do qual o funcionário competente, ou o sujeito passivo, conforme o caso, determinam a quantia do débito tributário; pelo contrário, “o que juridicamente interessa é que a ativida de administrativa de lançamento se plasma num concreto ato Estevão Horvath - 123 10 8 9 Ruíz Garcia. La liquidación..., cit., p. 288-289. Xavier, Alberto P. Do Lançamento no DireitoTributário Brasileiro. São Paulo: Resenha Tributária, 1977, p. 44-45. Idem, ibidem. administrativo, o ato de lançamento, ao que o ordenamento jurídico atribui uma série de efeitos”, o que não ocorre no autolançamento, que não é um ato administrativo8. Examinando-se as leis dos diversos tributos, assim no Brasil que no direito comparado, verifica-se que o que normalmente produz efeitos jurídicos quando se fala de autolançamento é o pagamento do débito liquidado pelo próprio sujeito passivo, ou, ainda, uma declaração sua (DCTFs, GIAs e que tais). As eventuais operações aritméticas de subsunção dos fatos à nor ma tributária ou quaisquer outras não passam de meros atos intermediários que culminarão no pagamento da soma devida, de um modo ou de outro. Não dependem dessas operações os efeitos que o pagamento produzirá; falta-lhes “a exteriorização em uma conduta e a produção de efeitos jurídicos próprios”9. Segundo Alberto Xavier, no autolançamento o que ocorre é “muito singularmente uma adequação espontânea e pacífica do destinatário do preceito ao mandato legal através do cum primento da obrigação que este lhe impõe, sem que se perfilhe com autonomia um momento juridicamente autônomo, ante rior a tal cumprimento”10. Acreditando haver repassado as principais posições doutri nárias concernentes a esta teoria, procuraremos doravante comentá-las e expor nosso pensamento. Em primeiro lugar, devemos recordar que Cutrera, na época em que escrevia sobre o autoaccertamento (1935), se referia aos tributos satisfeitos mediante a inutilização de estampilhas uni camente, de vez que inexistia então outra espécie tributária em que estivesse presente tal figura. Isso não obstante, o autor italia- 124 - Lançamento Tributário e “Autolançamento” no via claramente a separação conceptual entre a operação men tal realizada pelo contribuinte e o pagamento do tributo. A afirmaçãode Berliri conforme a qual a operação mental do contribuinte é de todo irrelevante terá de ser matizada para que se possa aproveitá-la. De certo modo, a única coisa que conta nos impostos que se satisfazem mediante a inutilização de estampi lhas é o pagamento do tributo, porém o que deve ser indagado é se o pagamento foi efetuado corretamente e em que medida. Para mais, não se trata, tampouco, de pretender equiparar a operação mental ao ato administrativo de lançamento porque, como já se disse, o “autolançamento” consiste em um ato ou em operações do particular, enquanto que o lançamento propriamente dito é um ato administrativo, o que significa que, embora materialmente sejam - ou possam ser - operações similares, juridicamente são realidades distintas. A posição de D’Amati, por ser análoga à de fendida por Berliri, pode ser comentada com base nos mesmos argumentos usados quando aludimos a este autor. No que se refere à posição de Ruíz Garcia, não lhe negamos validade, porém podemos dizer que, embora o autolançamento (ou melhor, a sua exteriorização) não seja um ato administrati vo, nem por isso está privado de produzir efeitos jurídicos. Pen se-se que, ao menos, está assegurada a possibilidade de pedir sua retificação. Alberto Xavier, por seu turno, tem postura de certa forma coincidente com as demais ao negar efeitos jurídicos próprios às operações mentais realizadas pelos sujeitos passivos. Quan to ao mais, para que possamos aceitar sua afirmação segundo a qual no autolançamento o que sucede é “uma adequação es pontânea e pacífica do destinatário do preceito ao mandato legal através do cumprimento da obrigação que este lhe im põe” faz-se necessário que entendamos a referida “adequação espontânea e pacífica” ao mandato da lei como sendo a situa- Estevão Horvath -125 ção na qual qualquer pessoa se encontra ao estar debaixo da incidência de uma lei que lhe impõe uma determinada obriga ção e em relação à qual o sujeito pode optar entre acatar este mandato e/ou desobedecê-lo e sofrer as consequências que disso decorram. Se tivermos sido suficientemente claros até aqui, teremos deixado patente que as várias opiniões acerca da consideração do autolançamento como operação intelectual do sujeito obri gado coincidem em diversos pontos, apesar da diferença de matizes empregadas por seus autores. E uma afirmação bastante conhecida, principalmente pela Física, aquela que diz que tudo tem uma determinada explica ção segundo o referencial adotado. O mesmo repetimos aqui para expressar nossa opinião sobre o tema. Segundo pensamos, o chamado “autolançamento” é realmen te a operação ou o conjunto de operações mentais ou intelectuais, e não somente aritméticas, mas também interpretativas e, sobre tudo, aplicativas do Direito correspondente. Isolamos esta ativi dade de seus atos derivados, que podem ser o pagamento sim plesmente, uma declaração ou uma obrigação por conta, estas últimas normalmente seguidas também pelo pagamento. Sobre esta conclusão voltaremos ao definir o autolançamento. Salientamos que nos parece claro e evidente que, por mais singela e automática que seja a operação mental que realiza o sujeito obrigado a autolançar, esta existe e o particular poderá efetuar o pagamento de uma quantia indevida ou apresentar uma declaração incorreta ao executar aquelas operações. Impende reiterar que o autolançamento, tal como o concei tuamos, não produz, por si mesmo, efeitos jurídicos enquanto não se exteriorize materialmente, seja numa declaração (legal mente apta a formalizar o débito), seja diretamente no paga mento de um débito. 126 - Lançamento Tributário e “Autolançamento" 11 12 13 8.2. A Recepção do Autolançamento como Ato Administrativo Tácito Cf. Cavijo Hernández, F. La autoliquidación tributaria. In: Estúdios de Derecho y Hacienda, Homenagem a César Albinana, Vol. III, Ministério de Economia y Hacienda, 1987, p. 743. In: Seminário de Derecho Financiero, Notas de Derecho Financiero, Tomo I, Vol. 3o, 2a ed., Madri, 1975, p. 100. La naturaleza jurídica de Ia autoliquidación. In: Revista de Derecho Financiero y Hacienda Pública, n° 93, p. 57. Esta tese foi muito difundida na doutrina alemã anterior ao Código Tributário de 1977, cujo parágrafo 212 estabelecia: “cuando no es obligado dictar un acto de liquidación formal, vale como acto de liquidación toda manifestación de voluntad de una oficina tributaria... por la que por vez primera se pretende en concepto de deuda impositiva una determinada cantidad de una determinada persona a satisfacer inmediatamente o dentro de un determinado plazo”11. Segundo essa teoria, o ato de lançamento se identificaria, nos autolançamentos, com a recepção pela Administração Tri butária, de declaração por parte do particular que estivesse obrigado a apresentá-la. Sainz de Bujanda afirma que a fixação pelo contribuinte do importe da dívida tributária e seu efeito liberatório não se podem produzir juridicamente por obra exclusiva daquele, senão que a Administração deve pronunciar-se a respeito. E ela o faz em acei tando a soma que o contribuinte declara, ou retificando-a, produ zindo assim um ato liquidatório. Para o ilustre professor da Uni versidade de Madri, a aceitação, e não uma nova declaração da Administração, constituirá o verdadeiro ato de lançamento12. Gutiérrez dei Alamo sustenta também esta tese, dizendo que o ato declarativo da Administração se produz no momen to da aceitação ou mera recepção do autolançamento13. Estevão Horvath -127 14 15 Cota Losada, A. Tratado dei impuesto sobre Ia renta, vol. IV. Madri: Ed. Derecho Financiero, 1972, p. 449. Clavijo Hernández, F. La autoliquidación..., cit. p. 747. Por sua vez, Gota Losada entende que a atividade da Admi nistração, ao aceitar a declaração-lançamento do sujeito passi vo, é mera atividade de arrecadação do tributo. Com efeito, diz ele textualmente - com o que estamos de pleno acordo - que “en las autoliquidaciones Ia Administración realiza una actividad de ‘caja’; de modo expresso admite el ingreso, sin prejuzgar la cuantía de la obligación tributaria respecto de la cual no existe pronunciamiento alguno, ni tácito, ni presunto”14. Parece-nos, mesmo sem detalhar demasiadamente o racio cínio, que se trata claramente de dois atos completamente dis tintos, que de nenhum modo podem confundir-se. Uma coisa é o ato do particular exteriorizado no pagamento da quantia que entende devida e outra coisa é o ato da Administração que recebe este pagamento. Ambos são atos do procedimento de gestão tributária, ou, mais especificamente, do procedimento de lançamento, mas não se confundem absolutamente. Por outro lado, a questão de considerar-se este ato adminis trativo como ato presumido de lançamento e, como tal, “con trário a um Estado de Direito”15 não se coloca aqui, segundo nos parece. Em primeiro lugar porque, como vimos, a recepção do pagamento do tributo autolançado não é mais que uma ati vidade de caixa realizada pela Administração Tributária, sem que esta se manifeste acerca do conteúdo da declaração-lança mento, nem sobre o importe do pagamento efetuado. Não se trata tampouco de um ato liquidatório, provisório ou definiti vo, no sentido de que pusesse fim de algum modo ao procedi mento de lançamento, senão que consiste simplesmente num ato a mais desse iter. Seria presumido, isto sim, o ato que pu desse haver sido praticado pela Administração após a apresenta- 128 - Lançamento Tributário e “Autolançamento” 8.3.1. O Autolançamento como Ato Administrativo Realizado pelos Particulares ção do autolançamento, e ainda assim depois de transcorrido o prazo legal eventualmente previsto para a confirmação ou retifi cação expressas do autolançamento apresentado pelo sujeito passivo. Não se tratará de violação a princípios do Estado de Direito, pois o an e o quantum da tributação são conhecidos pelo sujeito obrigado, já que por ele mesmo apurados e apresentados ao fisco. A eventual atuaçãodo Estado, seja confirmando, seja alterando o autolançamento, terá de ser devidamente notificada ao contribuinte sob pena de, aí sim, afetar-lhe em seus direitos. Cremos poder resumir nosso pensamento sobre esta doutri na da forma que segue. Tendo em conta que a mera operação mental efetuada pelo obrigado a lançar o tributo não tem nenhuma serventia se, em primeiro lugar, este não a plasma em um documento e, em se guida, não entrega sua declaração ou paga o importe devido di retamente (nos tributos satisfeitos mediante a inutilização de estampilhas) ou simultaneamente (com a declaração em alguns casos). A recepção pela Administração - sem que contenha ne nhum ato de conformidade ou de desconformidade com o que foi apresentado - constitui um mero ato de trâmite, enquanto que a recepção do pagamento é, sem dúvida, a nosso ver e como diz Gota Losada, uma atividade de caixa, simplesmente. Ao examinarmos as teorias que procuraram explicar o autolan çamento, logo nos damos conta de que, em sua maioria, foram construídas buscando encontrar uma forma de impugná-lo em sede dos Tribunais Econômico-Administrativos, o que, em prin cípio, podería parecer uma heresia. Um dos exemplos disso é a ideia que penetrou na doutrina num determinado momento. Gutiérrez dei Álamo, por exemplo, afirmava que o autolan çamento vinha a participar das características essenciais atribuí- Estevão Horvath -129 16 17 18 Guliérrez dei Álamo, J. Naluraleza jurídica de Ia autoliquidación. In: R.D.F.H.P., n° 93, 1971, p. 567-572. V. também o comentário de Eseverri, In: Sobre Ia naluraleza jurídica de Ias autoliquidaciones tributarias, Civitas - REDF, n° 37, 1983, p. 98-99. Idem, p. 570/572. Martínez Lafuente, A. El enjuiciamiento de los actos y de Ias normas emanados de Ia Hacienda Pública a Ia luz de Ia Constitución. In: Hacienda y Constitución. Madri: I. E. F., 1979, p. 519-520. das ao ato administrativo em geral, apesar de ressaltar que aque le encerrava dois atos perfeitamente diferenciáveis, a saber: de um lado, uma declaração de fatos e de dados relacionados com um fato imponível determinado e, de outro, uma operação de lançamento tributário. Ao primeiro deles - a declaração - o au tor não atribui o caráter de ato administrativo, já que é efetuada pelo próprio sujeito passivo e não pela Administração. O ato de lançamento, ao revés, revestir-se-ia das características de ato ad ministrativo, porque é declaratório de vontade, e por intermédio dele o particular pratica o autolançamento do tributo e o trans mite aos órgãos competentes da Administração16. Este autor reconhece e parece aceitar a concepção subjetiva do ato administrativo, segundo a qual este havería de ser emiti do por algum órgão da Administração Pública para que pudes se ser considerado como tal. Apesar disso, ressalva seu raciocí nio, dizendo que o ato declaratório da Administração se pro duz no momento da aceitação ou mera recepção da declaração que contém as operações de autolançamento e o recolhimento do tributo. Em outras palavras, o autolançamento gozaria da natureza jurídica de ato administrativo em virtude dessa acei tação tácita que dela faz a Administração Tributária17. Martínez Lafuente, ao cuidar dos lançamentos, escreve que “podría pensarse [...] que los particulares son titulares de unas facultades que implican una actuación viçaria de potestades de forma que las autoliquidaciones signifiquen algo asi como actos rea lizados en nombre de la Administracióri'™. Os autolançamentos 130 - Lançamento Tributário e "Autolançamento” 21 19 20 Idem, ibidem. Coscolluela Montaner, L. Manual de Derecho Administrativo, vol. I, Madri: Civitas, 1990, p. 214 (os griíos não constam no original). Idem, ibidem. suporiam um transbordamento de funções da Administração ao administrado, chegando a dizer que em virtude do autolançamento “se transferem potestades do credor do débi to ao devedor”19. Em que pese ao fato de, em nosso sentir, estas teses esta rem superadas, conviría que nos manifestássemos sobre elas, ainda que mui rapidamente. Quanto à equiparação do autolançamento à aceitação táci ta ou adesão por parte da Administração, nos remetemos a outra parte deste trabalho, onde dissemos que se trata de dois atos distintos e inconfundíveis. No que diz com a possibilidade de o particular praticar um ato administrativo, recordemos que a doutrina administrativista parece estar assente na tese de que este último tem como um de seus elementos essenciais o sujeito, que sempre tem de ser a Admi nistração Pública. Tomemos, exemplificativamente, a definição de Garcia de Enterría, para quem o ato administrativo é a “declaración de voluntad, de juicio, de conocimiento o de deseo realizada por la Administración en ejercicio de una potestad admi nistrativa distinta de la potestad reglamentaria”. Coscolluela Montaner é mais contundente ao afirmar que “el acto adminis trativo sólo puede ser dictado por la Administración”2Q. Este mesmo autor esclarece que os atos dos administrados, qualificados ou não nas relações jurídico-administrativas com a Administração Pública, não são atos administrativos, ainda que sejam atos jurí dicos submetidos ao Direito Administrativo21. É o que acontece quando o particular autolança um tributo: realiza essa atividade em cumprimento de um dever tributário, e nada mais. Estevão Horvath - 131 22 23 24 Fernandez de Velasco, R. El acto administrativo, Madri, 1929, p. 15, citado por Zornoza Pérez, em tese de doutoramento apresentada na Universidade Autônoma de Madri, não publicada, que tem por título Las consultas a Ia Administración en matéria tributaria, Tomo I, p 242. Villar Palasí, J. L. Apuntes de Derecho Administrativo. Madri: UNED, 1977, Tomo II, pp. 20/21. V. González Paez, E. Caracter administrativo de las autoliquidaciones. In: Crônica Tributaria, n° 51/1984, p. 56. Já Fernández de Velasco definia o ato administrativo como a “declaración jurídica, unilateral y ejecutiva en virtud de la cual la Administración tiende a crear, a reconocer, a modificar o extinguir situaciones jurídicas subjetivas”22. No mesmo senti do, com alguma diferença, Villar Palasí tem por ato adminis trativo aquele “dictado por un órgano de la Administración, en el ejercicio de una potestad administrativa, por el que se crea, modifica o extingue una situación jurídica individualizada”23. Bem mais estrita que as definições anteriores, porém similar a elas, é a que dá o parágrafo 118 do Código Tributário Alemão de 1977, quando diz que ato administrativo é “toda resolução ou qualquer outra medida soberana adotada por uma autorida de para regular um caso particular no âmbito do Direito Públi co, tendente a produzir efeitos jurídicos diretos e externos”. A jurisprudência espanhola, por outro lado, numa primeira etapa, vacilou. O Tribunal Econômico-Administrativo Central, por exemplo, considerava implicitamente os autolançamentos tributários como atos administrativos, quando se reclamava, em sede de repetição de indébito, improcedentemente, por cau sa de erros de direito ocorridos. Posteriormente, contudo, mu dou de entendimento, e hoje sustenta que não constituem atos administrativos reclamáveis24. E interessante repassarmos a discussão travada nos Tribunais espanhóis, que tiveram de debruçar-se antes dos nossos sobre esta intrincada questão acerca da possibilidade de impugnação dos autolançamentos. É o que faremos nas próximas páginas. 132 - Lançamento Tributário e “Autolançamento” O Tribunal Supremo (da Espanha), em várias ocasiões, manifestou-se da seguinte forma: “[...] dificultad que, como aprecio la Sentencia de esta Sala de 16 de junio de 1977, parte de considerar esta forma de colaboración con la Administración, en la que el contribuyente autoliquida el impuesto como un propio acto administrativo susceptible de ser recorrido, desnaturalizando el concepto dei mismo, toda •vez que sólo merecen tal calijicación los ac tos de la Administración,pero no de losparticulares, ya que éstos, aunque ciertamente desempenen en ocasiones un papel juridicamente relevante en el campo dei Derecho Administrativo, su proceder no origina actos administrativos, en cuanto que éstos entranan una declaración soberana de la Administración que en momento alguno puede transferirse al contribuyente so pena de provocar considerables contradicciones tanto en el orden estricto de la técnica jurídica como en el de la política fiscal, tales como las que afectan a los principios de buena fe y doctrina de los actos propios, los relativos a la concepción de un acto productor de efectos sólo para el administrado y no para la Administración, que inicia el transcurso de un plazo impugnatorio sin la adecuada notificación, y tantas otras de innecesaria enumeración, que quedan obviadas sin más que considerar que las autoliquidaciones no alcanzan esa identidad de actos administrativos, sino que son simples declaraciones tributarias que necesitan de un posterior y autêntico acto administrativo de comprobación para que adquieran firmeza a efectos de impugnar la naturaleza debida o indebida de los ingresos realizados en su cumplimiento [...]” (sublinhou-se). O mesmo Tribunal Supremo, em Sentença de 31 de outubro de 1988, reitera: ”las autoliquidaciones son simples declaraciones tributarias necesitadas de un posterior acto administrativo de comprobación para que adquieran firmeza a efectos impugnatorios, no siendo, por tanto, actos administrativos, ya que éstos entranan una declaración soberana de la Administración, que en momento alguno puede transferir al contribuyente que, de otro modo seria Estevão Horvath -133 25 26 Gota Losada, A., op. cit., vol. IV, p. 448. Idem, p. 449. privado de la garantia que significa la notificación de los recursos procedentes para la impugnación dei acto...”(grifou-se). Ao que foi dito acima por esse Alto Tribunal, somente acres centaríamos, data venia, que o autolançamento ali referido é uma chamada “declaração-liquidação”, e não simplesmente uma “declaração”, de vez que esta possui, tecnicamente, um significado próprio que se não confunde com aquela, onde o obrigado não se limita a declarar fatos e dados, mas os qualifi ca e os quantifica, apurando sua prestação de caráter tributário. Reconhecemos como louvável a tentativa dos defensores desta teoria, no sentido de assegurar os direitos dos sujeitos que se veem obrigados a proceder ao autolançamento de um tributo, mas entendemos ser ela um pouco forçada, porquanto parece evidente que um ato do particular, ainda que de colabo ração com a Administração, não pode ser equiparado a um ato emitido por esta última. A principal e mais contundente resposta a esta doutrina foi dada, a nosso ver, por Gota Losada, ao afirmar que “no puede concebirse al sujeto contribuyente, ni siquiera al sujeto sustituto, como vicario de la Administración, porque no realizan función pública alguna, al contrario, son los administrados que se limitan a cumplir las obligaciones tributarias de que se trata”25. Prossegue este autor: “concretamente, la autoliquidación implica respecto dei sujeto pasivo un simplepago a cuenta de una obligación tributaria no determinada por el organismo competente: la Administración. En puridad de conceptos no es una liquidación tributaria, sino un cálculo privado de un pago a cuenta”26. De toda sorte, mesmo entendendo que o particular também pratica atos administrativos, já que estes se caracterizariam pelo 134 - Lançamento Tributário e “Autolançamento” 27 28 seu regime jurídico - e não somente pelo agente que o pratica diz a lei brasileira que cuida do lançamento que este é privativo da autoridade administrativa, significando com isso, claramente, que este ato administrativo tem como exigência ser o seu agente uma “autoridade administrativa”. Embora se devesse separar o autolançamento de sua consequência normal, que é o pagamento, estamos de pleno acordo com o último autor citado quando diz que os particula res, nas situações mencionadas, se limitam a cumprir as obriga ções tributárias que as leis lhes impõem. 8.3.2. O Autolançamento e o Ato-norma formalizador DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO Eurico Marcos de Santi27, longe de equiparar o ato Adminis trativo de lançamento ao ato praticado pelo particular, defende a existência de duas espécies de crédito tributário: i) formalizado pelo ato-norma administrativo, exarado por um agente público competente; e ii) formalizado por ato-norma da lavra do próprio particular. Segundo o mencionado autor, a formalização do cré dito tributário pode ocorrer por meio de duas espécies de nor mas individuais e concretas: i) ato-norma administrativo de lan çamento; e ii) ato-norma formalizador, expedido pelo particular. Para melhor ilustrar o endentimento do professor da Fun dação Getúlio Vargas28 em foco, ressalte-se o trecho abaixo reproduzido: “O contribuinte que se encontra obrigado, segundo a forma prevista na legislação, a formalizar o crédito tributário, subsume o evento tributário à regra-matriz de incidência e determina o DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. In: Lançamento Tributário. São Paulo: Max Limonad, p. 185. DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. In: Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000. Estevão Horvath -135 29 CARVALHO, Paulo de Barros. In: Curso de Direito Tributário, 19a ed., p. 467. quantum debeatur. Definido o montante do tributo, efetua o pagamento, que pressupõe a formalização do credito. Pode-se concluir, assim, que a constituição do crédito tribu tário não exige necessariamente ato-norma administrativo de lançamento (...) Nosso direito positivo, portanto, reconhece expressamente a possibilidade jurídica de o contribuinte constituir a relação jurídica (crédito) instrumental, expedido pelo particular.” Por sua vez, o Professor Paulo de Barros Carvalho29 ensina, com a habitual precisão: “A experiência da realidade jurídica brasileira é farta em exemplos de normas jurídicas individuais e concretas, pro duzidas pelos administrados, no campo dos tributos [...]. Em outras palavras, a lei dá competência ao contribuinte para constituir o fato jurídico e a obrigação tributária que dele decorre pelo fenômeno da causalidade jurídica (Lourival Vilanova). E graças ao procedimento do administrado que se torna possível o recolhimento do tributo devido, sem qualquer interferência do Estado-Administração.” Cumpre registrar que a Primeira Sessão do Superior Tribu nal de Justiça abraçou o posicionamento em voga, tendo ad mitido a constituição do crédito tributário pelo contribuinte, nos termos, a seguir, explicitados: “Segundo jurisprudência pacífica do STJ, a apresentação, pelo contribuinte, de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF (instituída pela IN-SRF 129/86, atualmente regulada pela IN8 SRF 395/2004, editada com base no art. 5o do DL 2.124/84 e art. 16 da Lei 9.779/99) ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS - G1A, ou de 136 - Lançamento Tributário e "Autolançamento” 30 8.4. O Autolançamento como Lançamento Provisório Todas as referências ao pensamento deste autor foram extraídas do traba lho de Martin Delgado, J. M., Los nuevos procedimientos tributários: Ias declaraciones-autoliquidaciones y Ias declaraciones complementarias. In: Hacienda Pública Espanola, n° 84/1983, p. 48 e seguintes. Os principais defensores da tese que identifica o autolança mento com o lançamento provisório são, na Espanha, Moreno Torres e Bollo Arocena, embora utilizando-se de diferentes critérios. O primeiro deles - e pensamos que a referência a ele baste para nosso objetivo - define os autolançamentos como atos dos administrados “submetidos ao Direito Tributário e pelos quais, em virtude de uma transferência de funções públicas, se praticam lançamentos tributários, com as características e efeitos dos lan çamentos provisórios, no sentido que demos a este termo, de lan çamentos de igual naturezae propósitos que o ato final de impo sição, embora logicamente desprovidas do caráter definitivo que se reconhece a este último”30. Já Martin Delgado, criticando esta ideia, entende que Moreno Torres parte de uma petição de princí pios carregada de um preconceito lógico e metodológico quando afirma que “se nos aferramos à concepção tradicional do ato ad- outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de formalizar a existência (= constituir) do crédito tributário, dispensada, para esse efeito, qualquer outra providência por parte do Fisco (AgRg nos Embargos de Divergência em RESP N° 638.069 - SC (2005/0018052-3). Acerca deste entendimento, remetemos o leitor ao capítulo 14 deste trabalho, onde manifestamos nossa opinião mais minudentemente. EstevAo Horvath - 137 31 32 33 Idem, p. 49. Idem, ibidem. Barros Carvalho, Paulo. Curso de Direito Tributário, 19a ed. São Paulo: Ed, Saraiva, 2007, p. 446-447. Este professor é incisivamente claro em sua explanação, ao dizer: "[...] Quase tudo no direito seria provisório. Os Minis tros de Estado, por exemplo, seriam provisórios, porquanto os respectivos atos de nomeação poderíam ser impugnados. Todas as sentenças seriam provisórias, uma vez que delas a parte vencida poderia recorrer [...] E assim por diante. O direito seria um corpo de manifestações interinas, meramente transitórias, com número reduzido de exceções". ministrativo como ato formalmente emanado da Administração que cumpre uma função processual de conexão entre Adminis tração e Justiça, é praticamente impossível encontrar uma solu ção satisfatória ao problema da natureza jurídica dos autolan- çamentos tributários”31. O preconceito apontado estaria em que se está condicionando as conclusões quando se parte do pressu posto de que somente é possível uma solução satisfatória para os autolançamentos fora da concepção tradicional do ato adminis trativo. Não passou despercebido a Martin Delgado que a questão é de manter-se o autolançamento no âmbito dos atos administra tivos, qualquer que seja o conceito que deles se tenha32. Não se deve perder de vista que a discussão acima travada tem como ponto de partida o ordenamento positivo espanhol e se aplica a todos os demais que exijam, previamente à emis são do ato liquidatório (nosso lançamento), outro ato de apura ção da dívida, que será, além de prévio, provisório. No Brasil, quando se fala de lançamento como ato definiti vo ou provisório está-se referindo à possibilidade dele sofrer alterações no curso de discussão acerca de sua validade. Sob este aspecto, estamos com Paulo de Barros Carvalho, que de monstrou, irrefutavelmente, que o ato administrativo está pron to e acabado quando estejam presentes todos os elementos que o integrem; a possibilidade de impugnação do lançamen to é a mesma que existe com relação a todo ato administrati vo33 e nada tem a ver com provisoriedade. Em outras pala- 138 - Lançamento Tributário e “Autolançamento” La autoliquidación tributaria, cit., p. 753.34 Martin Delgado foi o primeiro autor, ao menos na Espanha, que sublinhou a importância de se estudar o autolançamento vras, o ato é definitivo até o momento de sua eventual anula ção ou anulabilidade. Evidentemente, tudo o que restou dito acima concernen temente ao lançamento vale também, mutatis mutandi, para o autolançamento. De qualquer forma, e para finalizar este trecho, cremos opor tuno deixar estampado, desde já, que muito contribuiu para con fundir as idéias em tomo do autolançamento o fato de sempre se haver equiparado conceitos que não são equiparáveis, como o de lançamento e autolançamento. Clavijo Hernández resume bas tante bem esta situação, quando afirma “[...] se parte de una premisa equivocada, como es el afirmar que existe un concepto de liquidación tributaria, cuando lo que ocurre es que existen actos de liquidación de la Administración y actos de liquidación dei administrado, cada uno con su propia naturaleza jurídica, que, en modo alguno, se pueden equiparar”34. Nós apenas temperaría mos essa asserção dizendo, ou complementando, que a natureza jurídica do ato de lançamento, tanto no Direito positivo brasileiro como no espanhol, é a de um ato administrativo, enquanto que o ato do particular ao praticar operações de liquidação do débito (de lançamento), será sempre isso: um ato do particular não equiparável (juridicamente) ao ato administrativo. 8.5. O Autolançamento como Ato de Colaboração do Administrado com a Administração Pública Estevão Horvath - 139 e 35 36 37 Pérez de Ayala e González Garcia veem no autolançamento um ato do administrado que, por imperativo legal, este deve cumprir dentro do procedimento de gestão tributária com os efeitos que a própria lei lhe atribui37. Da mesma forma pensamos. Deveras, indubitavelmente, os autolançamentos pertencem ao âmbito daqueles deveres aos que se convencionou denominar “deveres de colaboração”. Todavia, entendemos que não basta qualificá-los como tais, senão que se faz necessário precisar o que significa e quais as consequências que disso decorrem. A tanto dedicaremos um capítulo específico, que é o que se segue a este. como “atos de particulares regulados pelo Direito Tributário atos de colaboração impostos pelas normas jurídicas”35. Também Eseverri entende o autolançamento como um com portamento do contribuinte “que tiene perfecta cabida entre los denominados deberes de colaboración dei ciudadano con la Administración tributaria, en virtud de los cuales el sujeto pasivo dei tributo no asume funciones tipicamente administrativas, sino que colabora en el mejor y más ágil desarrollo de dichas funciones”36. Martin Delgado, J. M. Los nuevos procedimientos tributários: Ias declaraciones-autoliquidaciones y Ias declaraciones complementarias. In: H.P.E., n° 84/1983, p. 49 e seguintes. Eseverri Martínez, E. Sobre la naturaleza jurídica de Ias autoliquidaciones. In: Civitas - R.E.D.F., n° 37/1983, p. 102. Em seu livro Las actuaciones reclamables en via económico-adminislrativa, o mesmo autor afirma en tender que os autolançamentos obedecem ao desejo de que "la condición de contribuyente no se limite al hecho de pagar la correspondiente deuda tributaria y alcance también el cumplimiento de otros deberes que, en un plano general, redundan en pro de la solidaridad interindividual y en el terreno particular, redundan en la seguridad jurídica dei contribuyente que será consciente de que la actuación administrativa subsiguiente girará sobre los datos por él aportados y la liquidación por él practicada, sin perjuicio de la labor investigadora a cumplimentar por los órganos de la Administración" (Madri: Ed. Civitas, 1983, p. 43). Pérez de Ayala, J. L. e González Garcia, E. Curso de Derecho Tributário, 5a ed. Tomo II, Edersa, 1989, p. 89.