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FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS VENDA NOVA DO IMIGRANTE - ES SUMÁRIO 1 GLOBALIZAÇÃO E SOCIEDADES MULTICULTURAIS ............................ 4 2 CENÁRIO PÓS-COLONIAL ........................................................................ 5 3 CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA ...................... 8 4 IDENTIDADE CULTURAL ........................................................................ 10 5 IGUALDADE E DIFERENÇA .................................................................... 12 6 UNIVERSALISMO E RELATIVISMO ........................................................ 14 7 QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO SEXUAL E RELIGIÃO ............................................................ 18 8 ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO ......................... 21 9 EDUCAÇÃO MULTICULTURAL ............................................................... 31 10 CURRÍCULO E INTERCULTURALIDADE ............................................ 33 11 ORIGEM DA ATENÇÃO À MULTICULTURALIDADE ........................... 35 12 A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NA RENOVAÇÃO DE UM CURRÍCULO QUE CONCRETIZE O PRINCÍPIO DA “ESCOLA PARA TODOS”...........................................................................................................36 13 A EDUCAÇÃO NAS RESPOSTAS AO MULTICULTURALISMO .......... 38 14 ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS E PERSPECTIVA INTERCULTURAL .........................................................................................................................42 15 DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA ........................ 46 16 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO ESCOLAR .......................................................................... 50 17 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS (PNEDH)...................................................................................... 54 18 OS DIREITOS HUMANOS NA HISTÓRIA ............................................ 57 18.1 Antiguidade ..................................................................................... 57 18.2 Conquista da Babilônia ................................................................... 57 18.3 O Império Romano .......................................................................... 59 19 IDADE MÉDIA ....................................................................................... 62 19.1 Contexto histórico ........................................................................... 62 19.2 A Justiça na Idade Média ................................................................ 63 20 IDADE MODERNA ................................................................................ 64 20.1 Revolução Gloriosa e a Petition of Rights ....................................... 65 20.2 Declaração dos Povos da Virgínea ................................................. 66 20.3 Declaração de Independência dos EUA ......................................... 67 20.4 Revolução Francesa ....................................................................... 68 21 IDADE CONTEMPORÂNEA .................................................................. 69 21.1 Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar ......... 70 21.2 Liga das Nações e a Criação da ONU ............................................ 70 22 DOCUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO E SUA RELAÇÃO .........................................................................................................................71 22.1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos ............................... 71 22.2 Preâmbulo ....................................................................................... 72 23 DOCUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO E SUA RELAÇÃO .........................................................................................................................79 23.1 Carta da ONU ................................................................................. 79 23.2 Guia prático ‘Campo de ação da sociedade civil e o Sistema dos Direitos Humanos das Nações Unidas. ....................................................... 80 23.3 Guia de orientação das Nações Unidas no Brasil para denúncias de discriminação étnico-racial .......................................................................... 80 23.4 Mapa do Encarceramento – Os jovens do Brasil ............................ 80 23.5 Relatório do Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT) sobre o Brasil (2012).......................... ................................................................................ 81 23.6 Declaração de Durban (2001) ......................................................... 81 23.7 A organização das Nações Unidas (ONU) ...................................... 81 23.8 Quais os princípios da ONU? .......................................................... 81 23.9 Por que a ONU foi criada? .............................................................. 83 23.10 Como é a estrutura da ONU ........................................................... 83 23.11 Onde a ONU está sediada .............................................................. 84 23.12 Como são as reuniões da ONU? .................................................... 84 23.13 A Assembleia-Geral da ONU .......................................................... 85 23.14 O Conselho de Segurança da ONU ................................................ 86 23.15 Conselho Econômico E Social ........................................................ 88 23.16 Conselho De Tutela ........................................................................ 89 23.17 Corte Internacional De Justiça ........................................................ 90 23.18 Secretariado .................................................................................... 91 24 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ........................................................................ 92 4 1 GLOBALIZAÇÃO E SOCIEDADES MULTICULTURAIS Fonte: www.diegobrandao.jusbrasil.com.br O multiculturalismo é conhecido como um fenômeno que estabelece a coexistência de várias culturas em um mesmo espaço territorial e nacional. Ele é muito comum em nossa época, pois graças aos importantes avanços tecnológicos, ao desenvolvimento das comunicações e da interligação de diferentes partes do mundo, todas as sociedades podem receber informação sobre outras. Ao mesmo tempo, o crescimento das migrações e a travessia legal das fronteiras colaboram com a mistura de culturas e sociedades. As relações entre esses ‘’grupos’’ podem ser aceitação e tolerância ou de conflito e rejeição. Isso vai depender da história da sociedade em questão, das políticas públicas propostas pelo Estado e, principalmente, do modo específico como a cultura dominante do território é imposta ou se impõem para todas as outras. A convivência entre culturas diferentes não é uma questão nova, mas que se se intensificou nos últimos anos devido a acontecimentos marcantes. Não é possível entender o multiculturalismo fora do contexto do fenômeno da globalização. O desenvolvimento acelerado dos meios de transporte e das tecnologias de comunicação aproximaram diferentes regiões do mundo, criando redes industriais e financeiras complexas e uma economia multinacional, interdependente e insubmissa 5 às fronteiras nacionais. Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos passam a hegemonizar culturalmente todo o planeta. Seus produtos, filmes, músicas e formas de ver as coisas se espalham globalmente gerando o que se chama de “americanização” do mundo. Frente a esse fenômeno de hegemonização dos padrões culturais globais, as culturas tradicionais se fortaleceram, reagindo contra a massificação dos modos de ser. Por outrolado, apesar da massificação, vemos que essas comunidades culturais locais são capazes de se apropriar de partes da cultura americana, transformando-as em uma algo novo e diferente do original. No Brasil, o funk e rap são um exemplo claro dessa possibilidade. Outros processos importantes que influenciam no surgimento das sociedades multiculturais, são as lutas pela independência que ocorrem nas colônias europeias da segunda metade do século XX, especialmente na África e na Ásia. 2 CENÁRIO PÓS-COLONIAL Fonte: www.cartacapital.com.br O cenário pós-colonial gera um processo de resgate das culturas tradicionais locais e, ao mesmo tempo, pela ligação histórica, desencadeia um movimento migratório para os países colonizadores. Também os conflitos de ordem étnica, religiosa e política, além das deficiências econômicas, são fatores que aumentam o 6 fluxo migratório. Incentivado por tudo isso e pelo próprio cenário criado pela globalização, esse movimento migratório transforma de modo profundo as nações que receberam os imigrantes, colocando em cheque a capacidade dos estados modernos de gerirem sua nova configuração multicultural. Alguns países democráticos têm buscado promover a aceitação e incorporação de culturas diferentes em seus territórios, valorizando a possibilidade de se constituírem enquanto nações pluriétnicas. No entanto, em outros países, a negação de direitos sociais e a perseguição de minorias culturais são práticas oficiais. Muitas vezes, ainda que exista uma política multiculturalista oficial, a perseguição é praticada por pessoas comuns, inflamadas por um sentimento de nacionalismo e rejeição ao outro. Os ataques violentos organizados por civis aos abrigos de refugiados de origem árabe na Alemanha são um exemplo disso. O multiculturalismo emerge a partir das reivindicações de minorias étnicas que sofrem de opressão histórica em seus territórios, como os negros e as populações indígenas por todo continente americano, incluindo o Brasil. O debate em torno desse tema é muito importante e traz à tona a forma como lidamos, enquanto sociedade, com as diferenças étnicas, culturais e religiosas que nos cercam. De um modo genérico o multiculturalismo pode ser entendido como a gestão de um fenômeno social assentado na refração das culturas postas em maior contato a partir da segunda metade do século XX. O cerne político da questão está na luta por mais justiça social. O ponto de inflexão é posto na democracia. Portanto, uma luta por oportunidades, mais respeito à diferença e menos desigualdade. Enfim, é um fenômeno adensado pela conquista dos direitos civis. Como resultado prático buscam- se melhorias em termos legais, econômicos, políticos sociais e culturais para as denominadas minorias. O multiculturalismo configura-se como política de gestão da multiculturalidade e/ou movimentos culturais demandados pela valorização da diferença como fator de expressão de identidade (s). Este, enquanto movimento de ideias, resulta de um tipo de consciência coletiva para a qual as orientações do agir humano se oporiam a toda forma de centrismos (SEMPRINI, 1999). Assim, esta política afronta as concepções monoculturais das sociedades etnocêntricas. Os Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Inglaterra, Espanha e outros mais são exemplos de países onde as sociedades passaram a assumir 7 formalmente a multiculturalidade. Deste feito, tais países engendraram políticas públicas como formas de gestão da pluralidade cultural. A América Latina, e nesta o Brasil, também se pôs diante da necessidade de valorizar a diversidade cultural (UNESCO, 2002). Valorização esta, situada na legislação e na formatação de políticas públicas específicas. Coroando esta política pública encontram-se programas antirracistas. Um lado prático destes consiste em levar professores/as e alunos/as a intervir em casos de “constrangimento racial e cultural”. A dimensão pedagógica do programa tem como finalidade a identificação das práticas racistas sistêmicas implicadas na definição de políticas e práticas de imigração, moradia, emprego e educação. No Brasil é disputado o reconhecimento da diferença através de políticas compensatórias (índios, negros, portadores de necessidades especiais, mulheres, jovens, idosos, gays, etc.). Não obstante, este reconhecimento é marcado por contradições próprias da formação política e cultural expressa em desigualdades sociais. O Estado brasileiro assumiu a multiculturalidade como um condicionante da estruturação social. Por isso, pôs no corpo da Lei Maior (BRASIL, 1988) este feito cultural como marca da formação social do país. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei 9394/96, (BRASIL, 1996) trouxe uma concepção de educação para a diversidade cultural. Este processo de reforma estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998). Em outros âmbitos legais foram implantadas políticas públicas na forma de ações afirmativas nas universidades. A Lei nº 12.711/2012 foi sancionada em agosto de 2012. Ela garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. O restante (50%) das vagas permanece no processo de seleção universal. A reforma universitária está atravessada por este eixo transversal. Neste processo reformista foi criada a Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdades Raciais – SEPPIR e A Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI. Outras reformulações hão sido desenvolvidas para o fortalecimento de grupos sociais discriminados ou postos à margem da sociedade. São políticas encorajadoras das questões multiculturais. Estas, portanto, constroem- 8 se mediante desafios. Porque a expressão das mesmas desloca poderes. O que tenciona relações antes mantidas em uma aura de naturalização. 3 CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA Fonte: www.portalmie.com Nos últimos tempos a cultura tem sido o foco das discussões antropológicas devido ao estudo de sua evolução ser essencial à compreensão da diversidade cultural da espécie humana. Conforme Laraia (1996), o termo “cultura” foi definido pela primeira vez, no final do século XVIII, por Edward Tylor que através do termo germânico “Kultur”, que significava os aspectos espirituais de uma comunidade, com a palavra francesa “Civilization”, que significava as realizações materiais de um povo. Ao tratar do conceito de cultura, a sociologia se ocupa em entender os aspectos aprendidos que o ser humano, em contato social, adquire ao longo de sua convivência. Esses aspectos, compartilhados entre os indivíduos que fazem parte deste grupo de convívio específico, refletem especificamente a realidade social desses sujeitos. Características como a linguagem, modo de se vestir em ocasiões específicas são algumas características que podem ser determinadas por uma cultura que acaba por ter como função possibilitar a cooperação e a comunicação entre aqueles que dela fazem parte. 9 A cultura possui tanto aspectos tangíveis - objetos ou símbolos que fazem parte do seu contexto, quanto intangíveis - ideias, normas que regulam o comportamento, formas de religiosidade. Esses aspectos constroem a realidade social dividida por aqueles que a integram, dando forma a relações e estabelecendo valores e normas. Esses valores são características que são consideradas desejáveis ou indesejáveis no comportamento dos indivíduos que fazem parte de uma cultura, como por exemplo o princípio da honestidade que é visto como característica extremamente desejável em nossa sociedade. As normas são um conjunto de regras formadas a partir dos valores deuma cultura, que servem para regular o comportamento daqueles que dela fazem parte. O valor do princípio da honestidade faz com que a desonestidade seja condenada dentro dos limites convencionados pelos integrantes dessa cultura, compelindo os demais integrantes a agir dentro do que é estipulado como “honesto”. As normas e os valores possuem grandes variações nas diferentes culturas que observamos. Em algumas culturas, como no Japão, o valor da educação é tão forte que falhar em exames escolares é visto como uma vergonha tremenda para a família do estudante. Existe, então, a norma de que estudar e ter bom desempenho acadêmico é uma das mais importantes tarefas de um jovem japonês e a pressão social que esse valor exerce sobre ele é tão forte que há um grande número de suicídios relacionados a falhas escolares. Para nós, no entanto, a ideia do suicídio motivado por uma falha escolar parece ser loucura. Mesmo dentro de uma mesma sociedade podem existir divergências culturais. Alguns grupos, ou pessoas, podem ter fortes valores baseados em crenças religiosas, enquanto outras prefiram a lógica do progresso científico para compreender o mundo. A diversidade cultural é um fato em nossa realidade globalizada, onde o contato entre o que consideramos familiar e o que consideramos estranho é comum. Ideias diferentes, comportamento, contato com línguas estrangeiras ou com a culinária de outras culturas tornou-se tão corriqueiro em nosso dia a dia que mal paramos para pensar no impacto que sofremos diariamente, seja na adoção de expressões de línguas estrangeiras ou na incorporação de alimentos exóticos em nossa rotina alimentar. Uma cultura não é estática, ela está em constante mudança de acordo com os acontecimentos vividos por seus integrantes. Valores que possuíam força no passado 10 se enfraquecem no novo contexto vivido pelas novas gerações, a depender das novas necessidades que surgem, já que o mundo social também não é estático. Movimentos contraculturais, como o punk ou o rock, são exemplos claros do processo de mudança de valores culturais que algumas sociedades viveram de forma generalizada. O contato com culturas diferentes também modifica alguns aspectos de nossa cultura. O processo de aculturação, onde uma cultura absorve ou adota certos aspectos de outra a partir do seu convívio, é comum em nossa realidade globalizada, onde temos contato quase perpétuo com culturas de todas as formas e lugares possíveis. 4 IDENTIDADE CULTURAL A identidade cultural ainda é bastante discutida dentro dos círculos teóricos das Ciências Sociais em face de sua complexidade. Entre as possíveis formas de entendimento da ideia de identidade cultural, existem duas concepções distintas que devemos destacar dentro dos estudos sociológicos mais recentes. Essas concepções de identidade são brevemente explicadas por Anthony Giddens, sociólogo britânico, e nos ajudarão a entender melhor esse conceito. Fonte: www.pt.slideshare.net O conceito de identidade refere-se a uma parte mais individual do sujeito social, mas que ainda assim é totalmente dependente do âmbito comum e da convivência http://www.pt.slideshare.net/ 11 social. De forma geral, entende-se por identidade aquilo que se relaciona com o conjunto de entendimentos que uma pessoa possui sobre si mesma e sobre tudo aquilo que lhe é significativo. Esse entendimento é construído a partir de determinadas fontes de significado que são construídas socialmente, como o gênero, nacionalidade ou classe social, e que passam a ser usadas pelos indivíduos como plataforma de construção de sua identidade. Dentro desse conceito de identidade, há duas distinções importantes que devemos entender antes de prosseguirmos. A teoria sociológica distingue duas apreensões: a identidade social e a auto identidade. A identidade social refere-se às características atribuídas a um indivíduo pelos outros, o que serve como uma espécie de categorização realizada pelos demais indivíduos para identificar o que uma pessoa em particular é, portanto, o título profissional de médico, por exemplo, quando atribuído a um sujeito, possui uma série de qualidades predefinidas no contexto social que são atribuídas aos indivíduos que exercem essa profissão. A partir disso, o sujeito posiciona-se e é posicionado em seu âmbito social em relação a outros indivíduos que partilham dos mesmos atributos. O conceito de auto identidade (ou a identidade pessoal) refere-se à formulação de um sentido único que atribuímos a nós mesmos e à nossa relação individual que desenvolvemos com o restante do mundo. A escola teórica do “interacionismo simbólico” é o principal ponto de apoio para essa ideia, já que parte da noção de que é diante da interação entre o indivíduo e o mundo exterior que surge a formação de um sentido de “si mesmo”. Esse diálogo entre mundo interior do indivíduo e mundo exterior da sociedade molda a identidade do sujeito que se forma a partir de suas escolhas no decorrer de sua vida. Diante do que já foi esclarecido, que o conceito de identidade cultural faz alusão à construção identitária de cada indivíduo em seu contexto cultural. Em outras palavras, a identidade cultural está relacionada com a forma como vemos o mundo exterior e como nos posicionamos em relação a ele. Esse processo é continuo e perpétuo, o que significa que a identidade de um sujeito está sempre sujeita a mudanças. Nesse sentido, a identidade cultural preenche os espaços de mediação entre o mundo “interior” e o mundo “exterior”, entre o mundo pessoal e o mundo público. Nesse processo, ao mesmo tempo que projetamos nossas particularidades sobre o mundo exterior (ações individuais de vontade ou desejo particular), também 12 internalizamos o mundo exterior (normas, valores, língua...). É nessa relação que construímos nossas identidades. Algumas pessoas consideram a globalização um perigo para a preservação da diversidade cultural, pois acreditam na perda de costumes tradicionais e típicos de cada sociedade, dando lugar às características globais e "impessoais". Com o intuito de tentar preservar a riqueza da diversidade cultural dos países, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) criou a "Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural". A Declaração da UNESCO sobre Diversidade Cultural reconhece as múltiplas culturas como uma "herança comum da humanidade", e é considerada o primeiro instrumento que promove e protege a diversidade cultural e o diálogo intercultural entre as nações. Já o Brasil, é um país incrivelmente rico em diversidade cultural, devido a sua extensão territorial e a pluralidade de colonizações e influências que sofreu ao longo do processo de construção da sociedade brasileira. As diferenças são bastante visíveis mesmo entre as diferentes regiões do país: norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul. Nas regiões norte e nordeste, a predominância é das tradições indígenas e africanas, sincretizadas com os costumes dos povos europeus, que colonizaram o país. Na região centro-oeste, onde predomina o Pantanal, existe ainda uma grande presença da diversidade cultural indígena, com forte influência da culinária mineira e paulista. No sudeste e sul destacam-se costumes de origem europeia, com colônias portuguesas, germânicas, italianas e espanholas que, ainda hoje, mantêm a cultura típica de seus países de origem. 5 IGUALDADE E DIFERENÇA Igualdade e diferença são temas velhos a despeito de sua permanência no debate atual. Esses temas estiveram enlaçados com os processos históricos emergentes e alcançaram várias formas de aparição histórico-discursiva que nem sempre combinavam a igualdade como oposto a uma desigualdade naturalizada, que demandava busca de soluções, exemplo disso era na Antiguidade Clássica, cuja 13 igualdade nãoera universalizável aos “não cidadãos”, aos “bárbaros”, mas sim, apenas aos cidadãos. Fonte: www.aee2013cristina.blogspot.com.br Os responsáveis pela dignidade do conceito de igualdade de forma mais universal foram as filosofias humanistas dos séculos XVI e XVII, a ética cristã, os Iluminismos do século XVIII e o marxismo do século XIX. Entretanto, a noção de igualdade persistente na cultura ocidental está indissociavelmente ligada ao Cristianismo, o qual enxerga cada homem individualmente, como uma pessoa singular, diferente, mas igual perante Deus e dotado da mesma origem. Assim, a noção de igualdade para o Cristianismo está intimamente ligada à noção de diferença: igualdade porque pela origem comum não há homem superior e nem inferior, e diferença porque na relação entre homem e Deus existe desigualdade entre criatura e Criador. E essa ideia de uma igualdade perante Deus foi ao longo do tempo sendo aperfeiçoada e codificada como igualdade perante a lei. Partindo desse suposto, o princípio de isonomia ou de igualdade, legalmente reconhecido e garantido pelos textos constitucionais dos países com regime político democrático, como é o caso do Brasil, afirma que todos são iguais sem distinção de qualquer natureza, porém a estrutura concreta das sociedades, revela as diversidades de ordem cultural, social, de gênero, étnico-racial e as interferências das mesmas nas condições de vida e de história dessas sociedades e a necessidade da busca de uma 14 igualdade material, substantiva, que perpassa pelo reconhecimento do direito a diferença. Em outras palavras, existem dois tipos de igualdade: a legal – àquela que está presente em dispositivos jurídicos; e a material – àquela que se consubstancia na vida cotidiana, garantindo que todos os sujeitos usufruam os mesmos direitos e oportunidades. Entretanto, o direito a igualdade material, real, só se legitima quando o direito as diferenças são respeitadas. Com efeito, nas sociedades pluriétnicas, a noção de neutralidade do Estado, nas esferas econômica e social, se traduz na crença de que a mera introdução de dispositivos legais é o suficiente para garantir a existência de uma sociedade harmônica, onde independentemente da diversidade, seria assegurado a todos a efetiva igualdade de acesso aos bens produzidos pela humanidade, mas a discriminação se dá exatamente quando indivíduos são tratados iguais em situações diferentes, e quando diferentes, em situações iguais. Nesse contexto, a discussão de igualdade tem trazido à cena as várias coletividades, as diversas demandas específicas dos grupos excluídos histórica e culturalmente, como as mulheres, os índios, os negros, os homossexuais, os deficientes, etc., que lutam pelo direito às diferenças como pressuposto ao direito à igualdade, ou seja, uma discriminação positiva. 6 UNIVERSALISMO E RELATIVISMO Com o processo de internacionalização dos direitos humanos, compreendido como um fenômeno do pós-guerra de 1945 em diante houve a necessidade premente de se formalizar, em diversas cartas, declarações e pactos internacionais, um rol mínimo de direitos, individuais e coletivos, que os Estados e as Organizações Internacionais se comprometem a respeitar, manter e promover. O objetivo era fomentar o reconhecimento e a valorização da dignidade da pessoa humana, independentemente, das diversidades culturais e do regime jurídico adotado por cada Estado. 15 Fonte:www.pulpitocristao.com Nesse ínterim, foi idealizado um complexo sistema de proteção dos direitos humanos, o qual, num contexto global é exercido pela ONU, e, nas perspectivas regionais, pelas organizações internacionais. Destacam-se os sistemas: europeu, africano, asiático e interamericano. Acredita-se que parte das monstruosas violações aos direitos humanos da era Hitler poderiam ter sido evitadas, caso tais sistemas existissem. Pela adoção do novo paradigma, o qual situa a tutela dos direitos humanos como tema de legítimo interesse internacional, foi necessário restringir o conceito de soberania estatal, a qual se caracterizava, até então, por sua natureza ilimitada. Assim, a proteção dos direitos humanos não deve mais, reduzir-se ao âmbito interno de cada Estado, visto que a violação dos direitos humanos não é um problema doméstico, mas sim, uma questão que afeta toda a comunidade internacional. A concepção universalista, notadamente demarcada a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, oferece como contra-argumentos à crítica relativista, os seguintes: a) No que pertine ao argumento filosófico, os universalistas refutam as visões antropocêntricas e cosmoteleológicas, afirmando que os direitos expressos nas declarações de direitos humanos não têm o condão de abranger todas as nuanças da vida em sociedade. 16 Ainda nesse sentido, os universalistas argumentam que é possível identificar traços comuns em qualquer sociedade, como, por exemplo, a valorização da dignidade da pessoa humana e a proteção contra opressão ou arbítrio. Nessa esteira, afirma-se a ideia de um núcleo mínimo de direitos os quais merecem a salvaguarda em nível global. b) Contra a crítica da imposição da cultura ocidental aos demais povos, como expressão imperialista, os universalistas reagem à postura relativista afirmando que vários Estados promovem graves e generalizadas violações aos direitos humanos, sob a justificativa da manutenção da identidade cultural. O discurso relativista, nesses termos, estaria impregnado de conveniência e segundas intenções, haja vista valer-se como ideologia para oprimir as populações subjugadas por essas práticas vis e inexpugnáveis, e, ao mesmo tempo, para impedir a interferência da sociedade internacional na seara dos direitos humanos. Para reforçar essa crítica, ainda, era imprescindível refutar o argumento da falta de representatividade dos Estados na adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o que para os relativistas era um sinal da arrogância dos países ocidentais. Assim, em 1993, foi adotada a Declaração e Programa de Ação de Viena. Neste acordo internacional houve a tentativa, via normativa, de se afirmar a universalidade como característica intrínseca aos direitos humanos. Para tanto o fórum de Viena contou com a participação de 171 Estados, os quais de forma livre e consensual acordaram que, resguardadas as particularidades culturais, os direitos humanos devem possuir um caráter protetivo de cunho universal, conforme dispõe o seguinte dispositivo: “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contexto histórico, cultural e religioso, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais”. Desta forma, pode-se inferir que, se a Declaração de 1948 consagrou a perspectiva ocidental da definição dos direitos humanos, foi em Viena, em 1993, que 17 se efetivou a tese da universalidade, haja vista os amplos debates que se travaram, em uma arena política mais numerosa e representativa das diversas perspectivas regionais e culturais, os quais repercutiram, inclusive, na modificação de algumas tradições ocidentais. c) No que concerne à crítica da supervalorização dos direitos humanos, na perspectiva individual, os universalistas explicam que, em face da fragilidade do indivíduo frente ao Estado, ao capital privado e, até mesmo, à comunidade, era necessário elencar um rol mínimo de direitos que resguardassem a dignidade humana, minimizando os aspectos negativos, inerentesa vulnerabilidade individual, em situações de opressão e desigualdade extrema. Soma-se a isso a inexistência de impedimentos normativos para assunção de deveres, isto é, os direitos consagrados nas declarações de direitos humanos podem ser implementados à luz dos deveres correlatos. Esta interpenetração, direitos-deveres, é salutar e deve ser fomentada para possibilitar uma aproximação entre as culturas, num contexto de aprendizado recíproco. d) Para refutar o argumento do direcionamento geopolítico dos direitos humanos, os universalistas reconhecem a existência desse tipo de prática instrumentalização-interesse, entretanto acentuam que tal assertiva não é, de forma alguma, exclusiva da seara humanista. Em outros termos, essa censura pode ser estendida a qualquer tema do Direito Internacional, visto que, na Sociedade internacional a correlação de forças não é isonômica, tão pouco homogênea, o que facilita a seletividade das normas internacionais de acordo com a influência política. Assim, a crítica deve recair não sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas sim sobre as próprias características da sociedade internacional, cujos atores principais, Estados, são, ao mesmo tempo, produtores, destinatários e aplicadores da norma internacional, podendo então interpretá-la de modo unilateral para atingir seus fins”. Por derradeiro, rebate-se a crítica “desenvolvimentista” à perspectiva universalista dos direitos humanos, afirmando-se que a inexistência de recursos 18 econômico-financeiros não deve servir de mote a permitir uma postergação ad infinitum do gozo destes direitos. Ademais é preciso lembrar que os direitos previstos nas declarações de direitos humanos são denominados de mínimo ético irredutível ou mínimo existencial, ou seja, compõe o rol mínimo de direitos e garantias que devem ser asseguradas para possibilitar a existência de uma vida digna. Nesse sentido, vislumbra-se que as políticas de Estado devem ser orientadas, prima facie, para a implementação fático-jurídica dos direitos humanos, os quais, em muitos casos, também são direitos fundamentais, por estarem também previstos nas diversas Constituições estatais. Além disso, é falacioso o argumento de que a existência de riquezas fomenta a implementação dos Direitos Humanos, em especial, os econômicos, sociais e culturais. A realidade dos Estados é demarcada por grandes desigualdades econômicas internas, as quais alijam a grande população do acesso a tais direitos, mantendo o status quo de seletas elites locais. 7 QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO SEXUAL E RELIGIÃO Fonte: www.radiocidadecaratinga.com.br Nos diversos contextos culturais existem fronteiras simbólicas que delimitam, de forma semipermeável, as diferenças entre os indivíduos e grupos sociais. Quando tais fronteiras se tornam rígidas, não permeáveis, e passam a qualificar alguns grupos 19 a partir da desqualificação constante e difusa de outros grupos, percebemos o preconceito em ação, ou seja, a discriminação. Quando estas fronteiras rígidas são alvos de transgressão, percebemos a violência e a intolerância, subjacentes às práticas discriminatórias, em relação aos supostos 'transgressores'. Para a manutenção das desigualdades sociais é fundamental que tais fronteiras sejam respeitadas, não importando o preço pago em termos de sofrimento psíquico. Afinal, sentir-se inferiorizado ou desqualificado por defeitos pressupostos não é, certamente, uma experiência agradável. Apesar dessa fragmentação, gênero, raça, etnia, religião e sexualidade estão intimamente imbricados na vida social e na história das sociedades ocidentais e, portanto, necessitam de uma abordagem conjunta. Para trabalhar estes temas de forma transversal, é fundamental manter uma perspectiva não essencialista em relação às diferenças. A adoção dessa perspectiva justifica-se eticamente, uma vez que o processo de naturalização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de orientação sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição do acesso à cidadania a negros, indígenas, mulheres e homossexuais. Lembremos, por exemplo, que até o início do século XX uma das justificativas para a não extensão às mulheres do direito ao voto baseava-se na ideia de que elas possuíam um cérebro menor e menos desenvolvido que o dos homens. Este imperativo de encontrar no corpo as razões de tais diferenças, ou seja, de essencializá-las ou naturalizá-las, explica-se pela preponderância formal dos princípios políticos do Iluminismo, muito especialmente do princípio da igualdade. Depois da Revolução Francesa, nas democracias liberais modernas, apenas desigualdades naturais, inscritas nos corpos, podiam justificar o não acesso pleno à cidadania. Alguns autores vêm mostrando como discursos homofóbicos, misóginos ou sexistas e racistas estão profundamente articulados. Um dos exemplos mais interessantes diz respeito ao modo pelo qual, na Alemanha nazista, a ascensão do discurso racista afetou não apenas as mulheres judias ou ciganas, consideradas racialmente inferiores. Como se tratava de “proteger” a chamada raça ariana, considerada superior às demais, passou a ser atribuído às mulheres “arianas” o ambíguo estatuto de “mães da raça”. E para cumprir esse papel deveriam ficar fora do espaço público, permanecendo em casa e ocupando-se apenas da tarefa de criar 20 filhos “racialmente puros”. Vê-se aqui como a adoção do racismo como política de Estado acabou implicando a reclusão das mulheres ao espaço doméstico. Vale lembrar que, ainda na Alemanha nazista, o racismo anti-semita articulou-se também à discriminação de homossexuais. Vistos, como os judeus, como ameaças à raça ariana, acabaram igualmente sendo enviados a campos de concentração. Além de relações históricas, há em situações bem cotidianas uma espécie de sinergia entre atitudes e discursos racistas, sexistas e homofóbicos. Um exemplo talvez banal: se um adolescente ou aluno manifesta qualquer sinal de homossexualidade, logo aparece alguém o chamando de “mulherzinha” ou “mariquinha”. O que poucos se perguntam é por que ser chamado de mulher pode ser ofensivo. Em que sentido ser feminino é mau? Aqui pode ser visto o modo como a misoginia e a homofobia se misturam e se reforçam. A discriminação em relação às mulheres ou ao feminino articula-se à discriminação dos sexualmente diferentes, daqueles que são sexualmente atraídos por pessoas do mesmo sexo. O sofrimento que emerge dessa situação para adolescentes de ambos os sexos talvez só possa ser realmente avaliado por aqueles que foram submetidos/as a tais processos de estigmatização e marginalização. Além disso, frequentemente o discurso racista utiliza características atribuídas às mulheres para inferiorizar negros/as, indígenas ou outros grupos considerados inferiores: “São mais impressionáveis, mais imprevidentes, mais descontrolados, mais impulsivos” etc. e, como as mulheres, estariam mais próximos da natureza, devendo ser tutelados, ou seja, tratados como crianças, incapazes de exercer plenamente seus direitos políticos. Assim, diferentes desigualdades se sobrepõem e se reforçam. Faz todo o sentido, portanto, discuti-las em conjunto, pois aquele que é considerado como cidadão, o sujeito político por excelência, é homem, branco e heterossexual. Em torno dele constrói-se todo um universo de diferenças desvalorizadas, de subcidadãos e subcidadãs. Precisamos, portanto, ir além da promoção de uma atitude apenas tolerante para com a diferença, o que em si já é uma grande tarefa, sem dúvida. Afinal, as sociedades fazem parte do fluxo mais geral da vida e a vida só persevera, só se renova, só resiste às forças que podem destruí-la através da produção contínua e incansável de diferenças, de infinitas variações. As sociedades também estão em 21fluxo contínuo, produzindo a cada geração novas ideias, novos estilos, novas identidades, novos valores e novas práticas sociais. Não precisamos recuar tanto no tempo para encontrar diferentes formas de organização social e manifestações culturais: nossos antepassados agiam e pensavam de forma muito diversa da nossa. Num passado não muito distante, a situação da mulher no Brasil, por exemplo, era bastante distinta da atual. Os costumes de muitas famílias da nossa oligarquia rural exigiam que os pais escolhessem aquele que desposaria sua filha. Uma série de fatores influía na decisão dos pais e mães: desde alianças antigas entre as famílias, obrigações recíprocas, promessas feitas, às vezes, antes do nascimento dos filhos e filhas, até mesmo questões como o dote e os interesses econômicos, contando muito pouco o desejo dos filhos e das filhas. Hoje as coisas são bem diferentes e, embora uma série de elementos de diversas ordens interfira na escolha do parceiro(a), o desejo individual é representado pela coletividade como decisivo. A diversidade das manifestações culturais se estende não só no tempo, mas também no espaço. Se dirigirmos o olhar para os diferentes continentes, encontraremos costumes que nos parecerão, à luz dos nossos, curiosos ou aberrantes. Do mesmo modo que os povos falam diferentes línguas, eles expressam das formas mais variadas os seus valores culturais. O nascimento de uma criança será festejado de forma variada se estivermos em São Paulo, na Guiné-Bissau ou no norte da Suécia: a um mesmo fato aparente – o nascimento – diferentes culturas atribuem significados distintos que são perceptíveis por meio de suas manifestações. 8 ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO Etnocentrismo, estereótipo, preconceito e discriminação são ideias e comportamentos que negam humanidade àqueles e àquelas que são suas vítimas. A situação tem melhorado graças à atuação dos movimentos sociais e de políticas públicas específicas. E você? Como pode contribuir para a mudança? 22 Fonte: megaarquivo.files.wordpress.com A reação diante da alteridade faz parte da própria natureza das sociedades. Em diferentes épocas, sociedades particulares reagiram de formas específicas diante do contato com uma cultura diversa à sua. Um fenômeno, porém, caracteriza todas as sociedades humanas: o estranhamento diante de costumes de outros povos e a avaliação de formas de vida distintas a partir dos elementos da sua própria cultura. A este estranhamento chamamos etnocentrismo. Por exemplo, todas as culturas definem o que as pessoas devem levar como vestimenta e adorno. Muitas vezes, a cultura ocidental se negou a ver nas pinturas corporais ou em diferentes adornos e adereços dos grupos indígenas sul-americanos os correspondentes às nossas roupas, e criou-se a ideia de que o “índio” andaria pelado, avaliando tal comportamento como “errado”. Recentemente, com a onda ecológica, o que no passado fora condenado, passou a ser valorizado, ou seja, a nudez de “índios e índias” os colocaria de forma mais salutar em maior contato com a natureza. Nada mais equivocado do que falar do “índio” de forma indiscriminada: o etnocentrismo não permite ver, por um lado, que o “índio” não existe como algo genérico, mas nas manifestações específicas de cada cultura – Bororo, Nhambiquara, Guarani, Cinta-Larga, Pataxó etc. – e por outro, que o “índio” nem anda “pelado” nem está mais próximo da natureza, pela simples ausência de vestimentas ocidentais. Os Zoé, índios Tupi do rio Cuminapanema (PA), por exemplo, utilizam botoques labiais; os homens, estojos penianos e as mulheres, tiaras e outros adornos sem os quais jamais apareceriam em público. São elementos que os diferenciam definitivamente 23 dos animais e que marcam a sua vida em sociedade, da mesma forma que o uso de roupas na nossa cultura. Vê-se, com naturalidade, que mulheres, e atualmente também os homens, furem suas orelhas e usem brincos. Ninguém vê no ato de furar as orelhas um signo de barbárie e o uso de brincos é sinônimo de coqueteria para homens e mulheres. Há pouco tempo, homens que usassem brincos eram tidos como homossexuais ou afeminados. O uso de botoques labiais por diversos grupos indígenas do Brasil não foi, porém, incorporado da mesma forma. Os brincos que as indianas usam no nariz eram vistos com estranheza, pois o nariz não era considerado o lugar “certo” para colocar brincos, segundo o padrão de beleza ocidental predominante no país, até chegarem os piercings, cada vez mais adotados pelos jovens. O etnocentrismo consiste em julgar, a partir de padrões culturais próprios, como “certo” ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal” os comportamentos e as formas de ver o mundo dos outros povos, desqualificando suas práticas e até negando sua humanidade. Assim, percebemos como o etnocentrismo se relaciona com o conceito de estereótipo, que consiste na generalização e atribuição de valor (na maioria das vezes negativo) a algumas características de um grupo, reduzindo-o a essas características e definindo os “lugares de poder” a serem ocupados. É uma generalização de julgamentos subjetivos feitos em relação a um determinado grupo, impondo-lhes o lugar de inferior e o lugar de incapaz no caso dos estereótipos negativos. No cotidiano, temos expressões que reforçam os estereótipos: “tudo farinha do mesmo saco”; “tal pai, tal filho”; “só podia ser mulher”; “nordestino é preguiçoso”; “serviço de negro”; e uma série de outras expressões e ditados populares específicos de cada região do país. Os estereótipos são uma maneira de “biologizar” as características de um grupo, isto é, considerá-las como fruto exclusivo da biologia, da anatomia. O processo de naturalização ou biologização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de orientação sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição da cidadania a negros, mulheres e homossexuais. Uma das justificativas até o início do século XX para a não extensão às mulheres do direito de voto baseava-se na ideia de que possuíam um cérebro menor e menos desenvolvido que o dos homens. A homossexualidade, por sua vez, era tida 24 como uma espécie de anomalia da natureza. Nas democracias modernas, apenas desigualdades naturais podiam justificar o não acesso pleno à cidadania. No interior de nossa sociedade, encontramos uma série de atitudes etnocêntricas e biologicistas. Muitos acreditaram que havia várias raças e sub-raças, que determinariam, geneticamente, as capacidades das pessoas. Da mesma forma, pesquisas foram realizadas para provar que o cérebro das mulheres funcionava de modo diferente do cérebro dos homens. Esses temas serão aprofundados nos Módulos Relações de Gênero e Relações Étnico-Raciais. Encontramos um exemplo de intolerância religiosa na relação com o candomblé e outras religiões de matriz africana. O sacrifício animal no candomblé e em outras religiões afro-brasileiras tem sido considerado como sinônimo de barbárie pelos praticantes de outros credos: trata-se, contudo, simplesmente, de uma forma específica para que homens e mulheres entrem em contato com o divino, com os deuses, neste caso, os orixás, cada qual com a sua preferência, no que diz respeito ao sacrifício. Outras religiões pregam formas diversas de contato com o divino e condenam as práticas do candomblé como “erradas” e “bárbaras”, ou como “feitiçaria”, a partir de seus próprios preceitos religiosos. O preconceito de alguns seguimentos religiosos tem levado seus seguidores a atacar, com pedras e paus, terreiros e roças. O espiritismo kardecista, hoje praticado nas mais diferentes partes do Brasil, foi durante muito tempo perseguido por aqueles que, adotando um ponto de vista católico ou médico, afirmavam serem as práticas espíritas próprias de charlatães. Se boa parte dos brasileiros se definecomo católica, a verdade é que somos um país cruzado por múltiplas crenças. Até mesmo no interior do próprio catolicismo há diferentes práticas religiosas: somos um país plural. A constituição garante a liberdade religiosa e de crença, e as instituições devem promover o respeito entre os praticantes de diferentes religiões, além de preservar o direito não adotam qualquer prática religiosa. No entanto, é bastante comum encontrarmos crianças e adolescentes que exibem com orgulho para seus/suas educadores/as os símbolos de sua primeira comunhão, enquanto famílias que cultuam religiões de matriz africana são pejorativamente chamadas de “macumbeiras”, sendo discriminadas por suas identidades religiosas. O estereótipo funciona como um carimbo que alimenta os preconceitos ao definir a priori quem são e como são as pessoas. Sendo assim, o etnocentrismo se aproxima também do preconceito, que, como diz a palavra, é algo que vem antes (pré) 25 do conhecimento (conceito), ou seja, antes de conhecer já defino “o lugar” daquela pessoa ou grupo. Um outro significado da palavra “conceito” é “juízo” e, assim sendo, preconceito seria um “prejuízo” para quem o sofre, mas também para quem o exerce, pois não entra em contato com o outro. Fonte: www.empoderadasnagestao.wordpress.com O preconceito relativo às práticas religiosas afro-brasileiras está profundamente arraigado na sociedade brasileira por essas práticas estarem associadas a negros e negras, grupo historicamente estigmatizado e excluído. Os cultos afro-brasileiros seriam contrários ao “normal e natural” cristianismo europeu. Teremos um módulo dedicado ao estudo das relações étnico raciais e ao estudo histórico, cultural e pedagógico da presença dos negros no Brasil, assim como tratará das reivindicações e das conquistas dos movimentos negros. Para efeito desse exemplo, porém, vale lembrar que expressões culturais como o samba, a capoeira e o candomblé foram, durante décadas, proibidas e perseguidas pela polícia. Isso mostra que essas práticas foram incorporadas aos símbolos nacionais no interior de processos extremamente complexos. O caso mais evidente é o samba, que de “música de negros” passou a ser caracterizado como “música nacional”. As religiões afro-brasileiras, no entanto, ainda enfrentam um profundo preconceito por parte de amplos setores da sociedade: há quem considere o candomblé como uma “dança folclórica”, negando, como consequência, seu conteúdo religioso; há também quem o caracteriza como uma 26 “prática atrasada”. Em ambos os casos, seu caráter religioso é negado e não é tomado em pé de igualdade com outras práticas e crenças. Ora, tanto o candomblé quanto a umbanda são religiões extremamente complexas, são práticos rituais sofisticados e fazem parte de um sistema místico que da mesma forma que a Bíblia explica a origem da humanidade, suas relações com o mundo natural e com o mundo sobrenatural. Os grupos que compõem as religiões afro-brasileiras possuem o conhecimento de um código que se expressa por intermédio da religião, desconhecido por outros setores da população. Enquanto códigos e expressões culturais de determinados grupos, as diferentes religiões afro-brasileiras devem ser olhadas com respeito. Além das práticas religiosas, em nossa sociedade, existem práticas que sofrem um profundo preconceito por parte dos setores hegemônicos, ou seja, por parte daqueles que se aproximam do que é considerado “correto” segundo os que detêm poder. Seguindo essa lógica, as práticas homossexuais e homo afetivas, são condenadas, vistas como transtorno, perturbação ou desvio à “normal e natural” heterossexualidade. Aqueles e aquelas que manifestavam desejos diferentes dos comportamentos heterossexuais, além de condenados por várias religiões, foram enquadrados/as no campo patológico e estudados/as pela medicina psiquiátrica que buscava a cura para aquele mal. Foi necessária a contribuição de outros campos do conhecimento para romper com a ideia de “homossexualismo” como doença e construir os conceitos de homossexualidade e de orientação sexual, incluindo a sexualidade como constitutiva da identidade de todas as pessoas. O preconceito contra pessoas com orientação sexual diferenciada vem sendo fortemente combatido pelo Movimento LGBT. Consideradas, no passado, um pecado pela religião (e por muitos até hoje), uma doença pela medicina, um desvio de conduta pela psicologia, as práticas homoeróticas, nas últimas décadas, têm contribuído para a superação do estigma que as reprova e persegue. Embora se trate de um grupo social ainda fortemente estigmatizado, é inegável que a atuação dos movimentos sociais tem provocado mudanças no imaginário e agregado conhecimentos sobre a homossexualidade, de maneira a tirá-la da “clandestinidade”. Há pouco mais de uma década, era impensável a “Parada do Orgulho Gay”, atualmente denominada Parada LGBT, por exemplo, que ocorre em boa parte das grandes cidades brasileiras. Cada vez mais vemos homossexuais ocupando a cena pública de diferentes formas. A atual 27 luta pela parceria civil constitui uma das muitas bandeiras dos movimentos homossexuais com apoio de vários outros movimentos sociais. Fonte: pedrovallsfeurosa.com.br No conjunto das conquistas político-sociais da atuação do Movimento LGBT, se enquadra a sensibilização da população de modo geral para as formas de discriminação por orientação sexual, que tem levado estudantes a abandonarem a escola, por não suportarem o sofrimento causado pelas piadinhas e ameaças cotidianas dentro e fora dos muros escolares. Esses mesmos movimentos têm apontado a urgência de inclusão, no currículo escolar, da diversidade de orientação sexual, como forma de superação de preconceitos e enfrentamento da homofobia. Questões de gênero, religião, raça/etnia ou orientação sexual e sua combinação direcionam práticas preconceituosas e discriminatórias da sociedade contemporânea. Se o estereótipo e o preconceito estão no campo das ideias, a discriminação está no campo da ação, ou seja, é uma atitude. É a atitude de discriminar, de negar oportunidades, de negar acesso, de negar humanidade. Nessa perspectiva, a omissão e a invisibilidade também são consideradas atitudes, também se constituem em discriminação. O predomínio de livros didáticos e paradidáticos em que a figura da mulher é ausente ou caracterizada como menos qualificada que o homem contribui para uma imagem de inferioridade feminina, por um lado, e superioridade masculina, por outro. É o caso dos livros em que a mulher ocupa os lugares de menos prestígio, como, por exemplo, a organização e limpeza da casa, ou quando aparece como ajudante nas atividades masculinas, como enfermeiras e garçonetes. Silenciosamente, vão sendo 28 demarcados, com uma linha nada imaginária, os lugares dos homens e os lugares das mulheres. E os homens e as mulheres que fugirem desse roteiro pré-definido terão seus valores humanos ameaçados ou violados. O grupo social, respaldado por um conjunto de ideias machistas, exercerá seu controle e fortalecerá os mecanismos de exclusão e negação de oportunidades iguais. É importante destacar que há mudanças acontecendo. No que se refere às mulheres, por exemplo, historicamente em situação de desigualdade com relação aos homens, sua entrada progressiva no mercado de trabalho, seu acesso a ambientes antes considerados “masculinos” e, inclusive, a predominância feminina em determinadas profissões liberais se deram em meio a um processo de transformação pautado, entre outros fatores, pelas demandas dos movimentos feministas, muito vigorosos em todos os países ocidentais, nas últimas décadas. Esse processo veio acompanhado de uma profunda discussão sobre a construção das feminilidades e masculinidades nos diferentes processos de educação e pela organização políticadas mulheres na luta contra o preconceito e as discriminações e pela construção da igualdade. A superação das discriminações implica a elaboração de políticas públicas específicas e articuladas. Os exemplos relativos às mulheres, aos homossexuais masculinos e femininos, às populações negra e indígena tiveram a intenção não apenas de explicitar que as práticas preconceituosas e discriminatórias – misoginia, homofobia e racismo – existem no interior da nossa sociedade, mas também que essas mesmas práticas vêm sofrendo profundas transformações em função da atuação dos próprios movimentos sociais, feministas, LGBT, negros e indígenas. Tais movimentos têm evidenciado o quanto as discriminações se dão de formas combinadas e sobrepostas, refletindo um modelo social e econômico que nega direitos e considera inferiores mulheres, gays, lésbicas, transexuais, travestis, negros, indígenas. A desnaturalização das desigualdades exige um olhar transdisciplinar, que, em vez de colocar cada seguimento numa caixinha isolada, convoca as diferentes ciências, disciplinas e saberes para compreender a correlação entre essas formas de discriminação e construir formas igualmente transdisciplinares de enfrentá-las e de promover a igualdade. Daquilo que vimos refletindo até aqui, fica evidente que a escola é instituição- parte da sociedade e por isso não poderia se isentar dos benefícios ou das mazelas 29 produzidos por essa mesma sociedade. A escola é, portanto, influenciada pelos modos de pensar e de se relacionar da/na sociedade, ao mesmo tempo em que os influencia, contribuindo para suas transformações. Ao identificarmos o cenário de discriminações e preconceitos, vemos no espaço da escola as possibilidades de particular contribuição para alteração desse processo. A escola, por seus propósitos, pela obrigatoriedade legal e por abrigar distintas diversidades (de origem, de gênero, sexual, étnico-racial, cultural etc.), torna-se responsável juntamente com estudantes, familiares, comunidade, organizações governamentais e não governamentais, por construir caminhos para a eliminação de preconceitos e de práticas discriminatórias. Educar para a valorização da diversidade não é, portanto, tarefa apenas daqueles que fazem parte do cotidiano da escola; é responsabilidade de toda a sociedade e do Estado. Compreendemos que não se faz uma educação de qualidade sem uma educação cidadã, uma educação que valorize a diversidade. Reconhecemos, porém, que a escola tem uma antiga trajetória normalizadora e homogeneizadora que precisa ser revista. O ideal de homogeneização levava a crer que os estudantes negros, indígenas, transexuais, lésbicas, meninos e meninas deveriam se adaptar às normas e à normalidade. Com a repetição de imagens, linguagens, contos e repressão aos comportamentos “anormais” (ser canhoto, por exemplo) se levariam os “desviantes” à integração ao grupo, passando da minimização à eliminação das diferenças (defeitos). E o que seria normal? Ser homem-macho? Ser mulher feminina? Ser negro quase branco? Ser gay sem gestos “afetados”? Espera-se que o discriminado se esforce e adapte-se às regras para que ele, o diferente, seja tratado como “igual”. Nessa visão, “se o aluno for eliminando suas singularidades indesejáveis, será aceito em sua plenitude” (Castro, 2006). Essa concepção de educação justificou e justifica, ainda hoje, a fala de educadores e educadoras, os quais, ainda que reconheçam a existência de discriminações dentro e fora da escola, acreditam que é melhor “ficar em silêncio”. Falar do tema seria acordar preconceitos antes adormecidos, podendo provocar um efeito contrário: em vez de reduzir os preconceitos, aumentá-los. E, nos silêncios, no “currículo explícito e oculto”, vão se reproduzindo desigualdades. Quando a escola não oferece possibilidades concretas de legitimação das diversidades (nas falas, nos textos escolhidos, nas imagens veiculadas na escola etc.) o que resta aos alunos e 30 alunas, senão a luta cotidiana para adaptar-se ao que esperam deles/as ou conformar- se com o status de “desviante” ou reagir aos xingamentos e piadinhas e configurar entre os indisciplinados? E, por último, abandonar a escola. A diversidade está presente em cada entrelinha, em cada imagem, em cada dado, nas diferentes áreas do conhecimento, valorizando-a ou negando-a. É no ambiente escolar que as diversidades podem ser respeitadas ou negadas. É da relação entre educadores, entre estes e os educandos e entre os educandos que nascerá a aprendizagem da convivência e do respeito à diversidade. “A diversidade, devidamente reconhecida, é um recurso social dotado de alta potencialidade pedagógica e libertadora. A sua valorização é indispensável para o desenvolvimento e a inclusão de todos os indivíduos. Políticas socioeducacionais e práticas pedagógicas inclusivas, voltadas a garantir a permanência, a formação de qualidade, a igualdade de oportunidades e o reconhecimento das diversas orientações sexuais e identidades de gênero [e étnico- raciais], contribuem para a melhoria do contexto educacional e apresentam um potencial transformador que ultrapassa os limites da escola, em favor da consolidação da democracia” (Texto-base da Conferência Nacional de LGBT – Direitos Humanos e Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, 2008) É no ambiente escolar que os/as estudantes podem construir suas identidades individuais e de grupo, podem exercitar o direito e o respeito à diferença. Faz-se necessário contextualizar o currículo, “cultivar uma cultura de abertura ao novo, para ser capaz de absorver e reconhecer a importância da afirmação da identidade, levando em conta os valores culturais” dos/as estudantes e seus familiares, favorecendo que estudantes e educadores/as respeitem os valores positivos que emergem do confronto dessas diferenças, possibilitando, ainda, desativar a carga negativa e eivada de preconceitos que marca a visão discriminatória de grupos sociais, com base em sua origem étnico-racial, suas crenças religiosas, suas práticas culturais, seu modo de viver a sexualidade. Trata-se, portanto, de tarefa transdisciplinar, pela qual todos os educadores e educadoras são responsáveis. Cada área do conhecimento pode e tem a contribuir para que as realidades de discriminação sejam desveladas, seja recuperando os processos históricos, seja analisando estatísticas, seja numa leitura crítica da literatura ou na inclusão de autores de grupos 31 discriminados ou que abordem o tema. Seja, ainda, na análise das ciências biológicas e naturalização das desigualdades. Espera-se, portanto, que uma prática educativa de enfrentamento das desigualdades e valorização da diversidade vá além, seja capaz de promover diálogos, a convivência e o engajamento na promoção da igualdade. Não se trata, simplesmente, de desenvolver metodologias para trabalhar a diversidade e tampouco com “os diversos”. É, antes de tudo, rever as relações que se dão no ambiente escolar na perspectiva do respeito à diversidade e de construção da igualdade, contribuindo para a superação das assimetrias nas relações entre homens e mulheres, entre negros e brancos, entre brancos e indígenas entre homossexuais e heterossexuais e para a qualidade da educação para todos e todas. É no ambiente escolar que crianças e jovens podem se dar conta de que somos todos diferentes e que é a diferença, e não o temor ou a indiferença, que deve atiçar a nossa curiosidade. E mais: é na escola que crianças e jovens podem ser, juntamente com os professores e as professoras, promotores e promotoras da transformação do Brasil em um país respeitoso, orgulhoso e disseminador da sua diversidade. 9 EDUCAÇÃO MULTICULTURAL Fonte: www.pt.dreamstime.com 32 O debate acerca da educaçãomulticultural tem proliferado ao longo das últimas décadas. Políticos, professores, educólogos, pais; enfim, os cidadãos em geral, têm omitido diversas opiniões, mais ou menos fundamentadas, acerca das reformas educativas que deveriam ser implementadas no sistema educativo. Este fenómeno ocorreu em praticamente todos os países do denominado mundo ocidental, obrigando a diversas alterações nas práticas educativas. A diversidade cultural existente no nosso país é cada vez maior; contudo, as medidas tomadas no sentido de alargar o nosso sistema educativo às minorias existentes, não têm sortido o efeito esperado. Embora seja unânime a convicção da necessidade de uma resposta educativa adequada e equilibrada, que tenha em consideração o crescimento de uma sociedade cultural e etnicamente pluralista no nosso país e tendo em consideração que os debates, congressos e encontros sobre este tema são cada vez mais frequentes; no quotidiano educativo, a referência dominante continua a da maioria. O desafio que se nos coloca é consideravelmente complexo. O debate teórico acerca da definição mais correta, relativa à educação destinada a todos sem exceção, ser multicultural, intercultural ou pluricultural; demonstra, em parte, a dimensão do problema. Na comunidade, outros problemas se adensam, nomeadamente o racismo e a xenofobia, assim como as dificuldades inerentes ao elevado insucesso das populações imigrantes e das minorias éticas. A nível europeu, o problema do racismo e da xenofobia tem aumentado consideravelmente, quer relativamente ao número de incidentes, quer em relação à gravidade destes. É espantoso e assustador ver jovens de 12 ou 13 anos manifestarem-se contra determinadas pessoas utilizando argumentos como a sua proveniência, cor ou religião; ainda mais, quando esses mesmos jovens cometem atos de vandalismo justificados por esses ideais. No nosso país, felizmente, ainda não se atingiu semelhante dimensão; contudo, os atos de vandalismo têm aumentado consideravelmente nas grandes cidades. É evidente que o nosso sistema educativo não consegue dar resposta a estas questões. Os manuais têm sido progressivamente alterados e atualmente já possuem alguns exemplos de outras realidades que não a nossa; contudo, estas iniciativas são manifestamente insuficientes. 33 É necessário fornecer oportunidades aos jovens que residem no nosso país, de forma contínua e individualizada; é necessário adaptar o ensino dos objetivos de cada grau de ensino às diversas realidades presentes em Portugal. Enquanto estas questões permanecerem no domínio dos debates teóricos, não será possível um verdadeiro avanço. Acima de tudo é necessário ter em conta que Educação engloba muito mais que ensino, não se restringindo por isso às salas de aula, aos manuais escolares e à dialética professor-aluno. Educação diz respeito a todos os cidadãos, à forma como nos relacionamos quotidianamente com as pessoas que conosco convivem. Afinal, independentemente do país de origem, da cor ou da religião é de pessoas que estamos a falar, de seres humanos com necessidades e desejos, com expectativas de uma vida melhor, que também cabe ao nosso país ajudar a concretizar. Se refletirmos ponderadamente, será fácil apercebermo-nos que num país tão pequeno como o nosso, os habitantes das diversas regiões possuem costumes diferentes, pronunciam algumas palavras de forma diferente, acreditam em coisas diferentes. Se convivemos todos em harmonia à tantos anos, qual é a justificação para não aceitarmos outras pessoas, quando a base desse argumento é a diferença, que afinal tanto nos une? 10 CURRÍCULO E INTERCULTURALIDADE O cenário dos espaços escolares tem sofrido grandes alterações desde os fins do século XVIII, quando começaram a surgir, por toda a Europa, pequenas escolas para retirar da rua crianças filhas das classes trabalhadoras que eram obrigadas a abandonar os filhos enquanto trabalhavam. A escola, que tinha sido criada apenas para elites, foi, lentamente, alargando a sua base de recrutamento a clientelas sociais diversas que a foram transformando numa escola de massas e de contato entre grupos de diferentes culturas. 34 Fonte: www.focussocial.eu Sofrendo o efeito da progressiva multiculturalidade da sociedade, a escola passou a confrontar-se com uma realidade desajustada dos currículos etnocêntricos e monoculturais que a caracterizavam. Esse desajuste, aliado aos ideais democráticos que passaram a orientar muitas das políticas educativas, foi instituindo o discurso de “uma escola para todos” e reclamando a necessidade de se repensar o currículo nas condições de sucesso que oferece aos diferentes alunos que passaram a frequentá- la. De fato, muitos dos debates do passado que olhavam a educação face à diferença, centrando-a nas questões individuais e, algumas vezes, analisando-a apenas numa perspectiva meramente psicológica passaram a dar lugar a outros que sustentam a importância do grupo e do contexto cultural. Quero, com isso, dizer que, atualmente, têm sido admitidas como explicações para os acontecimentos educativos posições que, em vez de se centrarem exclusivamente nos sujeitos e nos seus “dotes” individuais, têm em conta os contextos em que ocorrem esses acontecimentos, as representações que deles fazem os diferentes atores sociais e a complexidade que atravessa qualquer situação de formação. Mesmo sem recuarmos muito no tempo, e se nos centrarmos nestas últimas décadas, notamos, na verdade, bastantes diferenças no tipo de preocupações (e, portanto, também no tipo de discursos) que atravessam a educação escolar quando pretende refletir sobre o tipo de respostas que oferece aos seus clientes. Enquanto, nos anos 1980, a ênfase era colocada na igualdade de oportunidades individuais e na justificação da necessidade de uma reforma que se constituísse como um meio de combate ao insucesso escolar e de melhoria dos índices de desempenho dos alunos, nos anos 1990, reconhece-se a responsabilidade que tem, nesse sucesso ou 35 insucesso, a organização do sistema escolar, e começa a ser expresso o imperativo de uma política da diferença para proporcionar quer uma real igualdade de oportunidade a todos os grupos, quer um enriquecimento pessoal e social que possa advir das interações entre esses diversos grupos. Mas qual a origem dessa atenção à multiculturalidade? 11 ORIGEM DA ATENÇÃO À MULTICULTURALIDADE Fonte: www.dm.com.br A origem da atenção da educação escolar ao multiculturalismo tem as suas raízes nos ideais de democracia instalados entre nós nos anos 1970. No fato de ser visível, numa escola que passou a ser de massas, a presença de alunos que não correspondem ao perfil do “cliente ideal” (H. Becker). Ou seja, daquela criança ou daquele jovem que facilmente compreende ou aceita o ensino-padrão que caracteriza a escola tradicional e que responde de acordo com as regras valorizadas por esses modelos-padrão. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (aprovada em 1948), que, entre nós, ganhou nova força com a Lei de Bases do Sistema Educativo (aprovada em 1986). No direito à diferença hoje instituído nos discursos políticos que rejeitam as teses monoculturalistas, as quais, pressupondo um modelo cultural único, o impõem a todos como forma de ascensão e de reconhecimento social. 36 Na ideia do empobrecimento cultural que resulta da desculturação da cultura de origem, que obriga todos aqueles que estão mais afastados da cultura-padrão a “passarem uma esponja” sobre as suas raízes e experiências de vida. Esses acontecimentos e essas ideias foram ocorrendo a par de uma evolução das explicações para o sucesso ou insucesso escolar dos alunos. Depois de ultrapassada a explicação baseada no Q.I. dos alunos, justificou-se o nível diferenciado dos seus desempenhos escolares pelo handicap socioculturalde que eram portadores, pelas técnicas de ensino utilizadas pelos professores e, mais recentemente, pelo tipo de organização do sistema escolar, pela capacidade, ou incapacidade, de se levar a cabo uma diferenciação pedagógica que promova uma educação em que tenham lugar as diversas culturas. É evidente que essas diferentes explicações corresponderam, também, e correspondem a diferentes concepções curriculares e a diferentes papéis atribuídos aos professores. Da concepção meramente técnica do currículo, que o olha como algo neutro e na qual as atenções são apenas com o como, e não com o porquê, e em que aos professores cabe o papel de apenas executarem o que é prescrito, tem-se vindo a caminhar para uma concepção que considera que o currículo não é neutro na seleção dos conhecimentos afirmados como mais importantes nem é neutro na forma como organiza a transmissão desses conhecimentos nem nos processos que adota para a sua estruturação. Dito de outro modo, aceita-se que o currículo é atravessado por relações de poder e “transmite visões sociais particulares e interessadas” (Moreira e Silva, 1995), pelo que distribui desiguais oportunidades de sucesso aos diferentes grupos socioculturais. Por isso, tem-se vindo a afirmar que cabe às escolas e aos professores adequarem esse currículo que é prescrito em nível nacional, às realidades locais, assumindo, portanto, os professores um papel ativo na configuração curricular. 12 A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NA RENOVAÇÃO DE UM CURRÍCULO QUE CONCRETIZE O PRINCÍPIO DA “ESCOLA PARA TODOS” Uma das ideias que até agora atravessaram a reflexão que tenho vindo a convidar aqueles que me estão a ler a fazerem comigo é a de que uma “escola para 37 todos”, em que “todos são diferentes”, exige de cada professora e professor a capacidade e a flexibilidade para inovar na linha de um paradigma que proporcione o êxito e a mudança, sem despersonalizar e aculturar. As argumentações que têm sido feitas, do ponto de vista social e educativo, apontam para o caráter injusto e empobrecedor que os princípios que orientam a assimilação ou homogeneização cultural transportam. Na realidade, e como já atrás foi indiciado, a valorização de uma cultura única e as práticas de homogeneidade social penalizam determinados grupos e, ao ignorarem a riqueza proveniente da diversidade, impedem desenvolvimentos societais que se afastem dessa cultura considerada padrão. Daí as críticas a uma educação monocultural. Decorrente dessas críticas feitas às práticas monoculturalistas e assimilacionistas que, perante a diferença, optam por uma atitude subtrativa, ignorando essa diferença ou por uma atitude aditiva preenchendo os aspectos considerados em déficit relativamente à cultura hegemônica, outras correntes têm surgido apoiadas em ideias do reconhecimento da existência de culturas diversas do direito à diferença e do enriquecimento que pode advir da interação entre essas características diversas. É perante esse multiculturalismo que se caracterizam as sociedades em geral, e a portuguesa em particular, os ideais democráticos de uma “escola para todos” e os novos papéis atribuídos aos professores no currículo e nos processos do seu desenvolvimento, surgindo discursos, projetos e enquadramentos legais que procuram adaptar a escola às mudanças ocorridas, formando-se a educação intercultural. 38 13 A EDUCAÇÃO NAS RESPOSTAS AO MULTICULTURALISMO Fonte: bookbuilder.cast.org As respostas educativas que têm sido dadas ao multiculturalismo têm variado ao longo dos anos, de país para país, de escola para escola e, mesmo, de professor para professor, influenciadas por concepções ideológicas, teóricas e contextuais diversas. Na intenção de suscitar alguma reflexão em torno de possíveis efeitos das respostas que se dão à multiculturalidade e que, à partida, poderiam não ser desejados, explicito algumas dessas respostas. Assim, adeptos de algumas correntes, perante o multiculturalismo, põem em prática uma educação que se confina à aceitação passiva da diferença, nada fazendo no sentido de a fazer interagir. É aquilo a que se pode chamar de educação multicultural benevolente ou passiva, pois reconhece a diferença sem a querer conhecer. Das críticas a essa educação multicultural, por não resolver os problemas decorrentes da diferença e que se traduzem em fenômenos de racismo e atitudes xenófobas da responsabilidade dos grupos das culturas majoritárias, há quem defenda uma educação antirracista, que tem como objetivo principal combater os estereótipos, preconceitos e outras atitudes geradoras de marginalização racial. Perspectivas que consideram ser empobrecedor, para cada uma e para todas as culturas, isolá-las, impedindo interações e confrontos entre diferentes histórias, vivências e valores, apostam no enriquecimento mútuo proveniente de uma convivialidade refletida. Apostam, portanto, no que se designa como uma educação intercultural. 39 Se pensarmos nas consequências de cada um desses tipos de atitude escolar, é previsível que a aceitação passiva (e não interagida) da diferença acentue essa diferença e provoque até a “guetização”. É o que se passa, também, quando olhamos paternal e caritativamente os alunos que pertencem a grupos sociais e econômicos desfavorecidos, mas não os desafiamos a desenvolverem o seu potencial cognitivo nem lhes proporcionamos ocasiões de conhecerem a organização e as regras da cultura majoritária e de maior poder. É com ela, também, que essas crianças terão de viver e conviver. Por isso, o desconhecimento das suas lógicas e dos processos do seu funcionamento não mais faz do que favorecer situações de exclusão. Há que se proporcionar a esses alunos um bilinguismo cultural, que lhes permita conhecer e reconhecer as suas origens, mas, simultaneamente, aceder ao usufruto dos direitos da cidadania conferidos pelo convívio com outras culturas. Com o que acabei de dizer, não pretendi negar o direito à diferença. A intenção foi realçar a possibilidade de cada um ter acesso a bens de outras culturas, sem ter de negar e rejeitar a sua identidade e as especificidades que dela lhe advêm. É sabido que o reconhecimento pela escola (e na escola) de diferentes manifestações e comportamentos culturais tem repercussões ao nível das autoestimas dos elementos dos grupos minoritários, gerando confiança e predisposição para a aquisição de outros saberes. É nisso que cada um ou uma de nós, educador ou educadora, terá de acreditar se quiser vencer o fatalismo do insucesso escolar e contribuir para a construção de uma sociedade mais democrática. Em síntese, uma educação intercultural não encara a diversidade dos alunos como um problema e, perante ela, recorre a práticas que permitem a cada um deles conhecer melhor a si e aos outros. Para isso, transporta para a escola os saberes do cotidiano e as especificidades dos diversos grupos e trabalha-os não de forma esporádica e fragmentada, mas contextualizados e vivenciados por processos interagidos. Essa atitude educativa é, portanto, substancialmente diferente de um “currículo turístico”, onde os temas da diversidade cultural, da situação diferenciada das mulheres e outros aspectos das especificidades de certos grupos socioculturais e étnicos promovem um olhar do “diferente” como algo de estranho e de exótico. Essa é apenas uma atitude de contemplação que, ao procurar definir ou descrever as culturas em presença, numa atitude comparativa, tem, muitas vezes, o efeito perverso 40 de separar o “nós” dos “outros” e de só realçar as diferenças, reforçando os estereótipos. A Figura 2 ilustra o tipo de interação entre culturas característico da educação intercultural e o que o distingue de uma educação monocultural e de uma multicultural. Fonte: www.construirnoticias.com.br O intercultural bem conduzido permite“identidade ao outro”, mas, sobretudo, “conhecer o outro na sua diferença e complexidade” (Perotti, 1992). Se aceitarmos, portanto, essas ideias, a coexistência nas escolas e nas salas de aula de alunos portadores de culturas diversas, em vez de constituir um obstáculo para o ensino, pode ser um fator de enriquecimento, pela reciprocidade que essa situação acarreta e pelas oportunidades de aquisição que oferece da “competência cultural” (Leite, C. 1997). De fato, quando acreditamos nas vantagens que decorrem dessas interações culturais, desenvolvemos práticas que contemplam as especificidades diversas dos alunos, damos lugar, na escola, aos saberes do cotidiano dos diversos grupos e trabalhamos esses saberes não de forma esporádica e fragmentada, mas, sim, de uma forma contextualizada e vivenciada por processos interagidos. Como, também, noutro momento, disse C. Leite (1997) e apoiando-me em M. Rey (1986), podemos considerar que a concretização dessas ideias, ou seja, o desenvolvimento de uma educação intercultural é facilitado se nos orientarmos pelas seguintes ideias-base: 41 1. As culturas devem ser apreendidas no seu dinamismo através de processos interativos que impliquem reconhecimentos mútuos e que desocultem relações de dominação. 2. A educação intercultural é um princípio subjacente a toda a atividade escolar, e não uma nova disciplina; é o que Merino Fernández e Muñoz Sedano (1995) consideram ser “fundamentalmente uma educação de valores e de atitudes”. 3. Uma postura e opção interculturais pressupõem uma ação integrada que não se esgota nos conteúdos e nas matérias selecionados para o ensino e a aprendizagem. Ao contrário, atravessam todos os aspectos da organização e gestão curriculares como, por exemplo, a elaboração de programas e dos horários escolares, a seleção dos recursos materiais e humanos, o tipo de atividade extraescolar, etc. 4. A escola é o lugar privilegiado de coeducação e tem de ser o lugar de criação de condições de comunicação real entre alunos de origens diversas, de forma a permitir uma partilha de experiências e o desenvolvimento de atitudes de aceitação. 5. É importante a valorização das culturas maternas dos diversos grupos presentes na escola, quer pelo poder de expressão da identidade pessoal e social, quer pela significação que comporta enquanto reconhecimento do direito à diferença. 6. A arte, enquanto expressão artística e cultural, é uma forma privilegiada de comunicação e reconhecimento das diversas culturas. 7. A implicação das famílias e outros elementos da comunidade é não só uma condição importante de aprendizagem, como também um fator gerador de um maior conhecimento e articulação entre eles. No entanto, há quem acuse a educação escolar, quando tem em conta a diversidade de acentuar a diferença ou alertar para ela. Concordo que se corre esse risco quando as práticas educativas separam, como atrás sustentei, o “nós” dos “outros” e só realçam as diferenças. Mas o que estou aqui a propor é que práticas interculturais se “alimentem” de situações concretas, do contato entre grupos ou indivíduos concretos e situados num momento histórico e social determinado. 42 Mas, a esse propósito, vale a pena também lembrar que não podemos olhar a educação intercultural como uma panaceia para remediar as dificuldades educacionais colocadas pelas crianças e pelos jovens das minorias e resolver todas as situações de desigualdade, discriminação e exclusão econômica, social e cultural. Ela é apenas um processo de aquisição de um biculturalismo, ou seja, um meio de adquirir competência em duas culturas: a cultura de origem e a do grupo social majoritário e que detém o poder, pois só assim se criam condições para que todos sejam capazes de vir a usufruir da totalidade dos bens sociais. 14 ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS E PERSPECTIVA INTERCULTURAL Fonte: ec.filos.unam.mx Educar professores que estejam preparados para as necessidades de uma sala de aula multicultural é, sem dúvida, um dos maiores desafios que encontramos em cursos de formação de professores hoje em dia. Além disso, estes professores têm que estar preparados para ensinar grupos de estudantes cada vez mais diversos em todos os sentidos, desde língua e cultura até raça, etnia, gênero, idades, preferência sexual, religião, classe social e poder econômico. Muitos professores trabalham com alunos imigrantes de diversas partes do Rio de Janeiro, com línguas e culturas que 43 muitas vezes necessitam ser negociadas na sala de aula. Além disso, por multiculturalismo nos textos utilizados em sala de aula, entende-se também uma literatura que abrange não só diferentes culturas, mas diferentes temas e diversos grupos de alunos, como por exemplo, necessidades especiais e inclusão, gênero e sexualidade, preferência sexual, diferentes religiões e credos, diversas características físicas e cargas emocionais, diversas idades, diferentes grupos étnicos e classes sociais. Através da literatura, leitores podem ganhar um entendimento de questões e códigos que estruturam a vida social. Livros direcionados às crianças e aos adolescentes, em particular, têm o potencial de promover entendimento intercultural quando seu foco é em torno de questões que afetam esta população e que tratam de temas e mensagens universais. Muitos professores utilizam textos curtos na sala de aula (como narrativas, crônicas, ensaios) como uma forma de introduzir conteúdo, promover discussão e complementar os temas apresentados nos livros que os estudantes leem. Aspectos da literatura infanto-juvenil, como a economia no uso e na escolha lexical, o uso de uma linguagem conversacional, tramas que despertam o interesse e cativa a atenção e que se desenvolvem rapidamente, ilustrações ou gravuras que ajudam a compreensão, fazendo da literatura um recurso viável para ser utilizado no tempo previsto para um período escolar. O uso da literatura multicultural também propicia uma reflexão sobre as atitudes e crenças com relação à diversidade. Valores culturais são formados a partir de uma tradição histórica e representam aspectos da formação de um povo, elementos presentes na vida de uma população e que compõem e caracterizam uma sociedade. Valores culturais não são necessariamente permanentes e podem sofrer adaptações com mudanças em fatores históricos, evolução social e econômica, contato com outros grupos e culturas, como, por exemplo, com a vinda de imigrantes, que trazem consigo novos valores e elementos culturais, passando a destruir processos discriminatórios. Entretanto, partiremos da ideia de que nenhuma forma de discriminação ocorre no vácuo. Ao contrário, elas sempre se entrelaçam a outras formas de discriminação, bem como à maneira pela qual uma sociedade se organiza. A discriminação, nessa visão, apresenta-se sob as mais variadas formas, desde a intolerância manifestada em seu mais alto grau através de atos de violência, até as 44 práticas mais sutis, de forma moral e social, que podem se dar através das brincadeiras ou do isolamento do indivíduo na sociedade. A marginalização é uma das maneiras de excluir os indivíduos ou os grandes contingentes populacionais do processo de tomada de decisões a respeito de sua própria vida e da vida do país. A participação dessa maneira é dificultada por uma série de obstáculos culturais, matérias e políticos. Pensamos que uma educação multicultural é capaz de desenvolver sensibilidade para a pluralidade de valores e culturas. Para tanto, é necessário resgatar valores culturais antes segregados, a fim de reduzir, ou quem sabe extinguir, os preconceitos. Este é um desafio não só de quem sofre algum tipo de preconceito, mas sim de todo aquele que se indigna com atitudes de exclusão, seja ela étnica, cultural, racial, religiosa, social ou sexual. Porém, infelizmente,a escola ainda está um pouco distante de desempenhar o seu papel como uma organização multicultural, visto que muitas vezes é nela que encontramos situações que reforçam o preconceito e a não valorização do outro como ele é. Pensar que além de aprender sobre metodologia e desenvolvimento cognitivo, físico e emocional de seus estudantes, professores em formação necessitam desenvolver também um entendimento e uma apreciação por diversidade na sala de aula. O uso da literatura, principalmente literatura multicultural, pode ajudar nesta tarefa apresentando diversos temas e conteúdo de uma forma que agrade aos estudantes e que também os motive a levar em consideração e a questionar diferentes valores, novas perspectivas e diversas formas de compreender o mundo e de relacionar com as situações que a vida apresenta. A escola é uma instituição cultural e tem como função social transmitir cultura e transmitir às novas gerações o que de mais significativo culturalmente produziu a humanidade. Os autores afirmam que um dos problemas que têm ainda afligido a educação é sua visão homogeneizadora da cultura escolar, o que a torna, na verdade, um espaço de conflitos, haja visto que os alunos que não se adaptam à realidade que encontram, desestabilizam sua lógica e instalam outra realidade sociocultural. É dessa forma, então, que a escola é chamada a desempenhar outro papel. “A escola, nesse contexto, mais que transmissora da cultura, da “verdadeira cultura”, passa a ser concebida como um espaço de cruzamento, conflitos e diálogo entre diferentes culturas” (MOREIRA; CANDAU, 2003). 45 Segundo Moreira e Candau (2003), muitos dos relatos sobre situações de discriminação mostraram, também, que a escola é palco de manifestações de preconceitos e discriminações de diversos tipos. Contudo, a escola tende a não reconhecer tais conflitos, reforçando, dessa forma, o preconceito. Numa perspectiva mais crítica do multiculturalismo, a escola deveria desafiar o preconceito através de práticas pedagógicas mais comprometidas com a pluralidade de culturas existentes na escola. Logo, trabalhar a identidade negra é emblemático da luta das identidades multiculturais, visto que muitas vezes o preconceito racial é reforçado no ambiente escolar. Ao relacionar o multiculturalismo com a educação, é possível identificar seu caráter questionador em relação aos conhecimentos produzidos e transmitidos pelas instituições escolares, evidenciando etnocentrismos e estereótipos criados pelos grupos sociais dominantes, silenciadores de outras visões de mundo. Assim, uma educação sustentada por essa perspectiva pressupõe um processo dinâmico e permanente de relação, diálogo e aprendizagem entre culturas em condições de respeito e legitimidade mútua. A escola é um espaço onde há reprodução e também produção de novos saberes. Na escola há uma predominância da cultura dominante, mas também convivem as manifestações das culturas dominadas, num espaço de conflito e de emancipação. Percebe-se que a questão multicultural na educação é um grande desafio para as próximas décadas, visto que esta questão acolhe significações que admitem objetivos diversos, fundamentos ideológicos específicos, cujos limites nem sempre são claros e transparentes, não podendo também dissociar a questão das condições sociais e econômicas concretas de cada sociedade. Portanto, trabalhar democraticamente para uma educação multicultural voltada para a diversidade, em vez da proposta segregacionista ou endereçada aos alunos diferenciados culturalmente, como nas formas assimilacionista e compensatória. Para isso necessitamos de: a) Possibilitar um contexto democrático de decisões sobre os conteúdos do ensino, no qual o interesse de todos seja representado; 46 b) Modificar a forma de entender, praticar e de atuar com a cultura dominante no ensino, integrando outras culturas não dominantes neste processo; c) Realizar uma análise crítica, investigando como cada escola internamente, no seu projeto, em suas práticas de ensinar, pode atender à diversidade. 15 DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA Fonte: www.ibradd.org.br É no período pós-guerra que surge o Direito Internacional dos Direitos Humanos como uma tentativa de situar os direitos fundamentais na base da ordem internacional contemporânea. Para que esse objetivo fosse alcançado, seria necessária uma universalização e internacionalização desses direitos, ou seja, a questão dos Direitos Humanos deveria ir além das fronteiras dos Estados Nacionais. Esse processo de internacionalização acabou gerando o surgimento de um sistema normativo internacional, voltado para a proteção e amparo dos direitos fundamentais. O sistema internacional de proteção dos direitos humanos dialoga com os sistemas nacionais para a garantia e o respeito aos direitos e às liberdades fundamentais dos indivíduos. Todavia, se o Estado se torna negligente frente ao 47 compromisso de promoção dos Direitos Humanos, o sistema internacional possui legitimidade para cobrar desses Estados. Essa legitimidade tem lugar, sobretudo, quando se estabelece uma efetiva relação do Estado Nacional com a ordem internacional, no sentido de garantia dos direitos fundamentais. De outra maneira: quando o Estado aceita o aparato internacional. Nessa perspectiva, a intervenção internacional é uma medida que reflete apenas em um auxílio ou em um complemento à proteção interna desses direitos. O processo de internacionalização dos direitos humanos desencadeia a democratização do cenário internacional, uma vez que surge a sociedade civil internacional, composta por organizações não governamentais e por indivíduos, que passam a poder acionar órgãos internacionais em casos de violação dos direitos humanos. Por essas razões, a dimensão da cidadania no exercício de garantia dos direitos humanos, sobretudo no plano internacional, sugere que o favorecimento do acesso às Cortes internacionais a indivíduos ou grupos organizados, não só contribui para a efetivação dos direitos humanos, como se realiza, propriamente, o entendimento de que o sistema internacional de proteção desses direitos envolve um sistema legal juridicamente vinculante, podendo ser exigível, portanto, diretamente pela cidadania. É preciso, no entanto, refletir sobre como a proteção dos direitos humanos costuma se realizar no interior de ordenamentos jurídicos internos dos Estados democráticos e, sobretudo para os objetivos deste trabalho, na democracia brasileira. As declarações francesas de 1789 e americana de 1776, no início da idade contemporânea, trazem a ideia de cidadania apoiada em um discurso liberal, em que os direitos fundamentais se relacionavam à ideia de liberdade, segurança e propriedade. Estabeleciam, desse modo, os direitos civis e políticos. Já no período entre guerras, surge a preocupação com o discurso social da cidadania, sendo valorizada a ideia de igualdade (na dimensão dos direitos sociais e econômicos), como uma tentativa de eliminar a exploração econômica conforme tratava a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918, da extinta República Soviética Russa. A separação entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais acerca da cidadania tem fim com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 48 1948. Aquele texto reúne todos os tipos direitos fundamentais, que agora não podem mais ser pensados isoladamente. Além disso, a Declaração Universal estabelece que os Direitos Humanos são universais e inerentes aos seres humanos. Somando esses dois aspectos, a Declaração de 1948 traz a concepção contemporânea de cidadania. Representando uma nova dimensão sobre o que passa a ser um sujeito de direito: a partir de então, se fala em categorias de direitos, segundo suas condições particulares. Nessa linha, ganharelevo discussões sobre os direitos das mulheres, dos grupos raciais e de quaisquer sujeitos que costumam ser discriminados ou constitua alguma espécie de minoria que precise de uma dimensão de afirmação de seus direitos. É preciso pensar, nesse cenário, se a Constituição brasileira de 1988 acolhe essa nova dimensão de cidadania, tal como descrita. A Constituição brasileira adota a indivisibilidade dos direitos humanos. Ou seja, ela proclama ser inconcebível separar os direitos civis e políticos dos direitos sociais, econômicos e culturais. Nesse quesito, ela atende a concepção de cidadania que se delineou. No que diz respeito ao alcance universal dos Direitos Humanos, a Carta de 1988 também está em consonância com a concepção contemporânea de cidadania, tendo em vista que seu texto afirma que todos são iguais e que os direitos fundamentais são inerentes à pessoa humana. A Constituição brasileira também concebe os direitos fundamentais como um tema de interesse internacional. Além disso, a ordem constitucional estabelecida em 1988 acolhe aquela nova dimensão de sujeito de direito, concreto e categorizado, segundo suas particularidades. Em seu texto, fica clara a divisão em capítulos dedicados a categorias como idosos, crianças e adolescentes, direitos dos índios, entre outros, dessa maneira propondo um tratamento específico para esses grupos. Dessa forma, a Constituição brasileira parece dialogar fortemente com essa nova dimensão de sujeito de direito internacional, e propriamente com a nova concepção de cidadania, tal como apresentada. Para além disso, é possível analisar a responsabilidade do Estado na consolidação da cidadania brasileira observando três elementos essenciais da ideia de cidadania no cenário da discussão sobre Direitos Humanos, refletidos na Constituição brasileira: a indivisibilidade e a universalidade da ideia de direitos humanos, e a característica de especificidade dos sujeitos de direito. A Constituição brasileira assegura todos os tipos de direitos fundamentais e garante a efetividade de 49 seus preceitos. Por essa razão, a todos esses direitos são assegurados a mesma garantia de proteção na ordem jurídica interna. A Carta de 1988 também estabelece o princípio da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, dessa forma vinculando os Poderes Públicos ao dever de promover esses direitos de forma plena e efetiva. Quanto à universalidade dos direitos fundamentais, o Estado brasileiro leva isso em consideração em relação a todos os indivíduos. Além disso, o país é obrigado a observar plenamente na ordem interna os acordos internacionais firmados que tratam dos direitos e garantias fundamentais e que foram ratificados pelo Estado brasileiro. Uma reflexão sobre Direitos Humanos, sobretudo quando se pensa a democracia brasileira e seu passado (recente) de autoritarismo, passa pela necessidade de se analisar a responsabilidade do Estado na consolidação da cidadania no Brasil. A Constituição Federal de 1988 é considerada, por muitos, um marco da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no Brasil26, importando, desse modo, em uma redefinição do Estado e dos direitos fundamentais no país, após longos vinte e um anos de ditadura militar. A importância com o bem-estar social e a preservação da dignidade humana é tão expressiva que a Constituição eleva os direitos e garantias fundamentais ao patamar de cláusulas pétreas. A Carta de 1988 inova ao extrapolar os limites dos direitos individuais e tutelar também os direitos coletivos (direitos que se aplicam a classes ou categorias sociais). Além disso, ela estabelece a aplicabilidade imediata das normas que dizem respeito aos direitos fundamentais. Aquilo que Flávia Piovesan chama de um “constitucionalismo concretizador dos direitos fundamentais”. Os direitos sociais também são tratados na Constituição com a mesma dimensão. O artigo 6º da Constituição estabelece uma série de direitos, como à educação, à saúde e ao trabalho, entre outros. Não obstante, o importante é ressaltar que a Constituição estabelece “uma ordem social com um amplo universo de normas que enunciam programas, tarefas, diretrizes e fins a serem perseguidos pelo estado e pela sociedade”. Por outro lado, além da ordem social, a Constituição de 1988 também estabeleceu uma ordem econômica, marcada pelo intervencionismo estatal em prol do bem-estar social. Isto corresponderia, em linhas gerais, ao modelo de “Estado de Bem-Estar Social. 50 16 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO ESCOLAR Fonte: www.patriciapaulausp.blogspot.com.br Direitos humanos é uma expressão que abrange diversas concepções e abordagens em torno de um conjunto de direitos que fazem parte da própria natureza humana e da dignidade a ela inerente. A proteção a tais direitos é resultado de um lento processo histórico que foi se reconhecendo legislativamente a partir dos imperativos sociais postos ao longo do tempo. No entanto, ressalte-se que este processo ainda está em evolução, tendo em vista que em algumas sociedades ainda se identificam poucos avanços em relação aos direitos humanos. Bobbio (2004) destaca que os direitos humanos são históricos, modificáveis, suscetíveis de constante transformação e alargamento de seus horizontes, relacionando-se à própria civilização humana em seus diferentes níveis sociais de desenvolvimento. Dessa forma, torna-se essencial discutir acerca deste conceito para que se possa compreendê-lo em sua amplitude diante das constantes transformações histórico-sociais, bem como sua relação intrínseca com a educação. Os direitos humanos podem ser definidos como um conjunto de instituições que concretizam, em cada tempo histórico, as necessidades sociais relacionadas à sua dignidade. Tais necessidades devem ser reconhecidas positivamente pelo ordenamento jurídico conferindo a estes direitos o caráter de universalidade. Nesse sentido, Pérez Luño (1999) leciona que os direitos humanos são um “[...] conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretiza as exigências da dignidade, da liberdade, da igualdade humana”. No entanto, embora o reconhecimento dos direitos humanos e sua consequente positivação em algumas regulamentações, como a Declaração Universal 51 dos Direitos do Homem, tenham se expandido ao longo dos anos, ainda se vislumbram constantes afrontas a tais direitos evidenciando-se a necessidade de constante observância dos dispositivos postos visando o respeito e a garantia de proteção a todos em suas diversidades. Para Gorczevski (2005), os direitos humanos são universais, absolutos e inerentes ao homem, não dependendo de concessão por parte do Estado, entretanto, apesar de inerentes à natureza humana, o “[...] seu reconhecimento e proteção é o resultado de um longo processo histórico, que ocorreu de forma lenta e gradual, passando por várias fases e, eventualmente, com alguns retrocessos”. Os direitos humanos trazem o sentido de igualdade entre os sujeitos ao representarem o reconhecimento de que todos são dignos do mesmo respeito, independentemente de diferenças biológicas ou sociais. Não há, pois, distinção entre os sujeitos de direitos. Ainda que não se identifique um conceito único de tais direitos, pode-se indicar um núcleo central comum: a ideia de universalidade. Esta característica de universalidade é essencial para se chegar à uma definição de direitos humanos, pois, sem atribuir a estes o caráter de universalidade, corre-se o risco de criarem-se fragmentações em sua titularidade, concebendo-se a existência de direitos cabíveis apenas a determinados grupos sociais. Assim, falar que os direitos humanos apresentam a característica da universalidade, significa dizer que os mesmos são inerentes a todos os homens, pelo simples fato de serem humanos,em todas as épocas e espaços sociais, devendo ser respeitados indistintamente. Nesse contexto, a lei escrita positiva tais direitos, tornando-se igualmente aplicável a todos. Segundo Gorczevski (2009) os direitos humanos constituem-se em valores superiores existentes no mundo axiológico concretizados por meio dos direitos fundamentais positivados. Tem-se, portanto, a necessidade de evidenciar a distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos, tendo em vista as constantes concepções de serem termos sinônimos. Os direitos humanos são direitos naturais cabíveis a todos os homens, independente de nacionalidade, enquanto que os direitos fundamentais se referem à positivação destes direitos nos respectivos ordenamentos jurídicos pátrios. Pode-se afirmar que os direitos fundamentais nascem da positivação dos direitos humanos, significa a consolidação dos direitos naturais do indivíduo na ordem jurídica positiva. A positivação por meio da letra da lei constitui-se em maior garantia 52 ao sujeito, tendo em vista a concretização da tutela jurídica destes direitos pelo Estado, que assume o dever de observá-los e respeita-los como fundamento da igualdade e respeito aos seus cidadãos. No entanto, apesar da existência de inúmeros instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, estes ainda são constantemente violados desencadeando situações de violência e caos social em algumas situações. As condições mínimas para a existência digna são comumente inobservadas, direitos fundamentais como a vida e a liberdade são desrespeitados pelos próprios sujeitos, destacando-se ainda as situações de omissão e afronta aos direitos humanos pelo próprio Estado como na deterioração do meio ambiente, na desigualdade social, no desemprego e na omissão diante da criminalidade (RAYO, 2004). O respeito aos direitos humanos é, portanto, indispensável à sobrevivência do próprio homem no planeta, observando-se que não nos são dados pelo Estado ou construídos a partir da luta de terceiros, mas são construídos pelo cotidiano social. Estes direitos acompanham a evolução social, sendo alvo de contínuas mudanças e refletindo as lutas e necessidades dos sujeitos. Dessa forma, estes direitos precisam de instrumentos que colaborem na sua conscientização para uma efetiva aplicabilidade dos mesmos. A educação é certamente um dos instrumentos mais poderosos de consolidação dos direitos humanos. Como prática social, a educação em direitos humanos constitui-se em política transformadora da sociedade e do homem, trazendo em si a possibilidade de superação de fenômenos como a pobreza, a violência, a desigualdade e a exclusão social. Assim, o processo educativo traz em si a potencial formação humana e promoção dos direitos humanos. A educação constitui-se em instrumento que possibilita a promoção dos direitos humanos visto que é parte integrante da dignidade humana por formar e conscientizar socialmente o indivíduo para o exercício pleno de sua cidadania. Pode-se dizer que a educação é pressuposto fundamental para o indivíduo realizar-se plenamente como ser humano na sociedade. Em se tratando de direitos humanos a educação assume papel considerável, pois abrange a função de humanizar o humano (SAVIANI, 1989). No entanto, educar não se trata apenas de depositar ou transmitir conteúdos dissociados da realidade vivenciada pelo aluno, esta prática, reconhecida por Freire (1997) como “educação https://jus.com.br/tudo/desemprego 53 bancária”, ainda predomina no sistema educativo formal pátrio e não colabora na emancipação dos indivíduos. Dessa forma, ao evidenciar o papel preponderante da educação na consolidação dos direitos humanos faz-se necessário destacar que aquela se refere a um processo educativo crítico, participativo, que visa a superação dos contextos de alienação e opressão a que estão submetidos os sujeitos no contexto capitalista. Este processo, que habilita o indivíduo para a conscientização do contexto sócio histórico em que vive e seu consequente questionamento, perpassa necessariamente pelo estudo e reflexão constante da temática relativa aos direitos humanos. A educação para os direitos humanos deve contribuir: Para o fortalecimento do respeito aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano. Ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e sua dignidade; a prática da tolerância, do respeito à diversidade de gênero e cultura, da amizade entre todas as nações, povos indígenas e grupos raciais, étnicos e religiosos. E a possibilidade de todas as pessoas participarem efetivamente de uma sociedade livre. Assim, os princípios da igualdade e da não discriminação devem nortear a educação em direitos humanos de maneira que, neste contexto, desenvolvam-se atividades que considerem a experiência e o contexto social vivenciado pelos alunos, permitindo que os mesmos compreendam e atendam às suas necessidades a fim de buscar as devidas soluções compatíveis com o ordenamento jurídico na garantia de proteção aos direitos humanos. Dessa forma, estabelece-se um processo educativo que visa não apenas a transmissão de conteúdos técnicos a fim de capacitar o aluno para o mercado de trabalho, mas, antes de tudo, busca-se prepará-lo para a vida, para a construção de uma cultura onde prevaleça o respeito a todos em suas diversidades. O sistema educacional posto não contribui com a construção desta cultura quando aceita as desigualdades sociais como naturais, legitimando as diferenças de 54 classe, raça, gênero, etnia, dentre outras, executando o processo de reprodução das diferenças sociais em sala de aula e promovendo a exclusão. Faz-se necessário suscitar um exercício contínuo de reflexão crítica que ofereça aos alunos condições de posicionarem-se como sujeitos ativos no processo educativo. Nesse sentido, desenvolveram-se regulamentações nacional e internacionalmente a fim de efetivar a educação em direitos humanos. Em 2003 iniciou-se a elaboração do I Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Em 2005 foram realizados encontros estaduais para difundi-lo, que resultaram em contribuições da sociedade para aperfeiçoar também o documento. Em 2004, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos com o objetivo de avançar na implementação de programas de educação em direitos humanos, bem como na promoção de ações e fortalecimento de parcerias desde o nível internacional até os níveis locais. 17 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS (PNEDH) Fonte: www.edu-cacao.blogspot.com.br No Brasil, em 1996, foi instituído o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH I, com o objetivo de identificar os principais obstáculos à promoção e defesa dos direitos humanos, promovendo o planejamento de políticas para a efetivação dos https://jus.com.br/tudo/direitos-humanos https://jus.com.br/tudo/direitos-humanos https://jus.com.br/tudo/direitos-humanos http://www.edu-cacao.blogspot.com.br/ 55 atos internacionais sobre direitos humanos. Mais tarde, em 2002, promulga-se o Decreto nº 4.229, conhecido como Programa Nacional de Direitos Humanos II - PNDH II, ampliando as atribuições e criando propostas de ações governamentais. No programa reformulado há a inclusão dos direitos sociais, econômicos e culturais, preocupando-se com as propostas capazes de ter uma concretude com as políticas públicas e a destinação de recursos para sua execução (GORCZEVSKI; KONRAD, 2013). O enfoque da educação em direitos humanos é interdisciplinar, não podendo restringir-se à mera reprodução de conteúdo curriculares pré-estabelecidos, mas deve promover uma cultura de consolidação dos direitos humanos de maneira que todas as disciplinas assumam o compromisso de efetivar os valores humanos visando maior participação e emancipação dos alunos no contextosocial em que vivem. Destaque-se que a educação em direitos humanos deve iniciar-se nos primeiros anos de inserção escolar estendendo-se por todos os níveis de ensino, ela abrange a instituição educativa e a comunidade em se insere como um todo, não se restringindo à sala de aula, tendo em vista que os valores incentivados neste processo educativo devem consolidar-se na comunidade em sua totalidade e não apenas na escola, concebida de forma fragmentada. Mais ainda, a educação para os direitos humanos deve estar voltada para o desenvolvimento de valores e de atitudes de solidariedade, que levem ao comprometimento e a mudança das práticas sociais que garantam a efetividade dos direitos humanos. A educação é decisiva para a promoção dos direitos humanos ao motivar um processo emancipatório, que busque instrumentalizar os educandos para exercer os direitos que lhe são assegurados pelos instrumentos jurídicos. Deve-se ter em conta que, para que se efetive uma educação em direitos humanos, faz-se necessário que o conhecimento construído se relacione com a realidade na qual o indivíduo está inserido, para que o saber possa fazer sentido. Neste processo educativo o papel do professor é essencial, observando-se a superação da reprodução de conteúdo para a construção de uma relação dialógica entre professor e aluno, abrindo-se espaço para a problematização dos conteúdos e a reflexão crítica na compreensão da relação destes com a realidade. A problematização dos conteúdos é um elemento essencial na construção da educação em direitos humanos. É esta problematização que conduz à criticidade em 56 relação aos conteúdos postos, levando os alunos a pensarem-se como homens inconclusos. Contudo, esse pensamento não se faz possível pela prática bancária de ensino, uma vez que a palavra e o diálogo se fazem necessários para essa compreensão, na medida em que é através delas que o sujeito consegue “emergir” de dentro do ambiente no qual vive para, a partir daí, identificar quais os problemas que se apresentam e, então, buscar a superação de suas situações geradoras. Ademais, a educação problematizadora é um esforço permanente através do qual os homens vão percebendo-se criticamente no mundo (FREIRE, 1996). Dessa forma, a educação em direitos humanos promove, essencialmente, a formação de uma cultura de respeito à dignidade humana, através da vivência de atitudes, hábitos, comportamentos e valores como igualdade, solidariedade, cooperação e tolerância. Nesse sentido, a educação constitui-se em meio de formação de sujeitos capazes de desvelar criticamente o mundo das injustiças e práticas que ferem a dignidade humana e de engajar-se ativamente para a transformação social. O papel da educação em direitos humanos é criar condições de conhecimento e transformação da consciência sobre o contexto sócio histórico e cultural em que os indivíduos se inserem, criando condições de questionamento crítico e transformação social por meio do processo educativo reflexivo. Ressalte-se que este papel não é exclusivamente do Estado, tendo em vista que, a formação de indivíduos éticos, solidários, comprometidos com a justiça social e os direitos humanos requer o engajamento de toda a sociedade, de modo que cada cidadão assuma a sua quota de responsabilidade. Assim, educar em direitos humanos é “[...] criar uma cultura preventiva, fundamental para erradicar a violação dos mesmos. Com ela conseguiremos efetivamente dar a conhecer os direitos humanos, distingui-los, atuar a seu favor e, sobretudo, desfrutá-los” (GORCZEVSKI, 2009), sendo, portanto, imprescindível para o desenvolvimento do Estado e da formação humana. 57 18 OS DIREITOS HUMANOS NA HISTÓRIA 18.1 Antiguidade Iniciando nosso estudo pelo período Axial, K. JASPERS, analisou o nascimento espiritual do ser humano, afirmando que tal período, (...) se situaria no ponto de nascimento espiritual do homem, onde se realizou de maneira convincente, tanto para o Ocidente como para a Ásia e para toda a humanidade em geral, para além dos diversos credos particulares, o mais rico desabrochar do ser humano; estaria onde esse desabrochar da qualidade humana, sem se impor como uma evidência empírica; seria, não obstante, admitido de acordo com um exame dos dados concretos; ter-se-ia encontrado para todos os povos um quadro comum, permitindo a cada um melhor compreender sua realidade histórica. Ora este eixo da história nos parece situar-se entre 500 a.C. no desenvolvimento espiritual que aconteceu entre 800 e 200 anos antes de nossa era. É aí que se distingue a mais marcante cesura na história. É então que surgiu o homem com o qual convivemos ainda hoje. Chamamos breve essa época de período axial. A partir desse período que o ser humano passa a ser considerado como ser dotado de liberdade, razão em sua igualdade essencial e nas múltiplas diferenças de sexo, raça, religião e costumes sociais. Essa nova visão do ser humano se deu devido as várias conquistas realizadas nesse período. Veremos abaixo, os acontecimentos mais relevantes que contribuíram para essa evolução. 18.2 Conquista da Babilônia No início da civilização humana os primeiros Estados constituíam sua ordem interna através da religião. Nesse tempo as leis eram elaboradas e apresentadas aos súditos pelos sacerdotes que afirmavam tê-las recebido diretamente dos Deuses, os quais conferiam autoridades a essas regras para que todos obedecessem. E assim ocorreu na Babilônia em 1700 a.C. O rei Hamurabi recebeu do Deus “Shamash”, o Deus do sol e da justiça, um conjunto de leis, que o obrigava a aplicá-la ao povo da Babilônia. Consequentemente, o indivíduo que a infringisse, estaria desobedecendo a Lei Divina e seria submetido aos terríveis castigos impostos por essa lei. 58 Fonte: quersaberdequer.blogspot.com.br Além desses castigos cruéis, o Código de Hamurabi, pregava o ‘olho por olho e dente por dente’, proibia os súditos de escolherem suas religiões, desfavoreciam determinadas classes trazendo vantagens em detrimento de outras, e ainda, mantinham pessoas como escravas. Diante disso, no ano de 550 a. C, Ciro, o Rei da Persa, insatisfeito com as atrocidades cometidas pelo Império da Babilônia, resolveu reunir sua pequena tropa e tomar o poder para libertar o povo. Então, Ciro fez algo completamente revolucionário. Com base na estratégia de conquista e tolerância, anunciou que todos os escravos eram livres e estabeleceu a liberdade de religião. Além de agradar a sociedade, esse comportamento de Ciro fez com que as pessoas aceitassem seu governo sem qualquer ato de rebeldia. Essas conquistas foram registradas em um tablete de barro conhecido como Cilindro de Ciro. Tornou-se um documento de grande importância para os Direitos Humanos, pois para alguns autores, foi a primeira carta de Direitos Humanos da história. O Cilindro de Ciro, basicamente, associava o Rei Ciro com um Deus chamado Marduk. Demonstrava que esse Deus estava insatisfeito com o Rei anterior, e que por esse motivo, resolveu colocar Ciro para Governar seu povo por ser considerado um Rei mais correto. Na verdade, o escopo do Rei Persa era buscar a paz universal e evitar qualquer desejo de vingança, para que pudesse dar continuidade ao seu governo. Dessa forma, acreditavam que a única forma de alcançar esse objetivo era construir um Império Universal, concedendo liberdade individual e religiosa. 59 Fonte: www.penapensante.com.br Inspirado nesses princípios, Ciro partiu para novas conquistas expandindo seu império. A Persa tornou-se muito extensa, compreendendo os atuais países: Irã, Iraque, Síria, Líbano, Jordânia, Israel, Egito, Turquia, Kuwait, Afeganistão, parte do Paquistão, parte da Grécia e da Líbia. Sua existência manteve-se por mais de duzentos anos até a conquista definitiva por Alexandre, O Grande em332 a. C. Ciro foi um imperador que deixou um legado sobre a arte da liderança, no qual a administração embora centralizada, tinha como foco trabalhar para o proveito de seus súditos. 18.3 O Império Romano Dando seguimento ao contexto histórico, em Roma, por volta do ano de 509 a.C, os abusos dessas leis ditas divinas, começaram a incomodar o povo, provocando a desconfiança de que ao invés dos Deuses, havia por de trás dessas leis, indivíduos interessados em obter proveitos. Foi então que os súditos começaram a exigir que as leis fossem feitas pelos homens e não pelos Deuses. 60 Fonte: www.esquerda.net Nesse período, Roma dividia-se em dois grupos sociais: os Patrícios e os Plebeus. Os Patrícios eram a classe privilegiada da sociedade que era sustentada pelos Plebeus. Mas, isso logo mudou, os Plebeus estavam cansado dessa situação e então deram início a uma revolta que alterou profundamente o sistema legal romano. Revoltados, os Plebeus se juntaram e se deslocaram para um local chamado Monte Sagrado. Nesse local fundaram um Estado independente e abandonaram os Patrícios a sua própria sorte. A estratégia deu certo porque como os Patrícios dependiam dos Plebeus para garantir o seu sustento, era mais vantajoso deixá-los ter uma pequena participação administrativa na política e continuar desfrutando da exploração dos Plebeus. Mas, insatisfeitos, os Plebeus não contentaram apenas com a participação política, queriam mudanças nas Leis Romanas, que até então eram secretas por se tratarem de Leis Divinas. Com isso, os Plebeus exigiram que essas leis fossem mostradas para a sociedade, mas os Patrícios recusavam. Então, com o intuito de pressiona-los, os Plebeus começaram a pregar para a sociedade que essas leis divinas eram uma farsa, e que sua existência era apenas para manter os súditos aceitassem a sua condição de submissão. Consequentemente, a Plebe revoltou-se e quase ocorreu uma guerra civil dentro de Roma. Com receio de que essa guerra civil ocorresse, o Senado cedeu o pedido da Plebe, para que as Leis Romanas fossem refeitas de forma que limitasse a 61 exploração do povo pelas classes dominantes e que fosse exposta para a sociedade com o escopo de conscientizar todos os cidadãos dos seus direitos. Fonte: www.quadrosartejur.com.br O resultado disso, foi a elaboração das Leis das XII Tábuas, um documento de relevante valor histórico, pois representou a abolição do ius divino (direito divino) e deu início ao ius civilis (direito civil). As Doze Tábuas foram afixadas na porta do fórum para que todos tivessem conhecimento das Leis. Abordava sobre Direito Processual, Família, Sucessões, Negócios Jurídicos e Direito Penal. Foi o primeiro diploma escrito que eliminou as diferenças de classes dando origem ao Direito Civil. Mas, assim como todas as leis primitivas, ainda mantinha um sistema onde as penas e os procedimentos eram rigorosos. http://www.quadrosartejur.com.br/ 62 19 IDADE MÉDIA 19.1 Contexto histórico Fonte: www.cleofas.com.br A Idade Moderna inicia-se com a Queda de Roma, por volta do ano de 476 e estende até o ano de 1453. Roma, naquela época, era muito grande, tinha fronteiras com Europa, África e Ásia. Não era simples mantê-la. E como Roma já tinha conquistado todas as regiões que era de seu interesse, não havia mais território para expandir-se. Esse fato trouxe vários prejuízos para Roma, porque as conquistas rendiam lucros que advinham dos saques e da escravização de seus cidadãos. Com esse prejuízo, Roma não visualizou outra solução senão os aumentos dos impostos e o uso do dinheiro do cofre público. Isso agravou ainda mais a situação do Império. Outro fato que ensejou a queda de Roma foi o Cristianismo. O número de pessoas que não reconheciam a divindade do imperador aumentou. Os cristãos tornaram inimigos do governo e começaram a ser perseguidos. Para enfatizar mais a crise, nessa época, o Império estava sendo invadido e saqueado pelos Bárbaros. Esse fato, fez com que as pessoas de maior poder aquisitivo abandonassem as cidades e fossem para as fazendas em busca de segurança e proteção. Aqueles que não possuíam terras, dirigiam-se até essas fazendas para pedir abrigo aos proprietários. Em troca do abrigo, essas pessoas propunham a autorização http://www.cleofas.com.br/ 63 para plantar nas terras, mediante entrega de parte dessa produção para o proprietário. Esse fenômeno ficou conhecido como “ruralização de Roma”. Foi a partir desse momento que iniciou a instauração do feudalismo na idade média. 19.2 A Justiça na Idade Média A justiça na Idade Média era a justiça de um mundo de pesadelos, absurda e cruel. Ao cair o Império Romano, foi abaixo as leis que formavam aquela civilização e a Europa entrou em um período onde não havia mais leis definidas e iguais para os mesmos tipos de delitos. Não havia a função especializada de julgar, ou seja, não havia juízes. Na chamada baixa Idade Média, com objetivo de solucionar esse problema, formaram uma assembleia com as pessoas mais importantes da região para a função de julgar. Algumas vezes até nomeavam um juiz, mas esse não julgava, apenas acompanhava o procedimento e zelava pelo cumprimento da sentença. Quando firmou o feudalismo, o direito de julgar passou para os senhores feudais. Mas eles tinham a prerrogativa de nomear um substituto caso não quisessem exercer essa função. Foi nesse contexto histórico que no ano de 1215, na Inglaterra, surgiu a Magna Carta. O Reino Inglês estava sob o domínio do Rei João conhecido como “João Sem Terra”, e encontrava-se sob ameaça de ser invadida e conquistada pelo Rei da França, Felipe Augusto. Esse fato fez com que a Inglaterra permanecesse em guerra com a França por anos, não apenas com o intuito de se defender, mas de conquistar o território francês. Isso ocasionou altos gastos para Inglaterra que se encontrava fragilizada devido ao fracasso da Terceira Cruzada. Mediante essa fragilização, o rei João, ordenou o aumento de cobranças de tributos sobre os feudos gerando um enorme descontentamento dos barões feudais, que entendia esse ato como uma opressão por parte do Rei. Então, os barões, reuniram seus exércitos e invadiram a cidade de Londres para pressionar o Rei João a elaborar um documento legislativo que colocasse fim em suas hostilidades e que concedesse direitos sociais, judiciais, políticos, administrativos, comerciais, dentre outros. Essa Carta ficou conhecida como Magna Carta. Foi responsável pelo surgimento do constitucionalismo. Seu objetivo era limitar o poder do Rei da Inglaterra 64 para impedir o poder absoluto. O rei deveria renunciar certos direitos e respeitar determinados procedimentos legais, bem como reconhecer que sua vontade estaria sujeita a lei. Segundo Comparato, “Tal documento reconheceu vários direitos, tais como a liberdade eclesial, a não existência de impostos, sem anuências dos contribuintes, a propriedade privada, a liberdade de ir e vir e a desvinculação da lei e da jurisdição da pessoa do monarca.” O grande problema consistia que naquela época, ano de 1213, a Inglaterra era feudo de Roma. O Papa tinha autoridade sobre a Inglaterra de forma que todas as leis e decisões tomadas pelo Rei deveria passar pelo crivo papal. E como a Magna Carta não foi submetida a esse procedimento, o Rei João, recorreu ao Papa e requereu a sua anulação. Mas no ano de 1216, o Rei João faleceu e deu lugar ao seu sucessor Henrique III, que retomou os direitos propostos na Magna Carta. A Magna Carta trouxe para esse período, a previsão de Direitos ainda não presentes na história, como o habeas corpus, o direito de propriedade e o devido processo legal. Obviamente não podemos afirmar que após o seu advento tudo caminhasse perfeitamente. Entretanto, uma demonstração da viabilidade de tal comportamento haviasido dada, apesar de que ainda não foi suficiente para garantir os Direitos Humanos. 20 IDADE MODERNA A Idade Moderna compreende o período dos séculos XV até o XVIII, iniciando com a Tomada de Constantinopla no ano de 1453, até a Revolução Francesa no ano de 1789. Foi um período de grandes revoluções e acontecimentos. Nesse período os Direitos Humanos deixam de ser exclusivamente das elites e passa a ser uma conquista de uma classe emergente. Nas fases anteriores poder-se-ia falar de direitos de príncipes, de etnias, de estamentos, ou de grupos, mas não de direitos humanos como faculdades jurídicas de titularidade universal. O grande invento jurídico-político da modernidade reside, precisamente, em haver ampliado a titularidade das posições jurídicas ativas, ou seja, https://jus.com.br/tudo/propriedade 65 dos direitos a todos os homens, e em consequência, ter formulado o conceito de direitos humanos. ” Esse caráter universalista dos Direitos Humanos, foi influenciado por vários fatos ocorridos na Idade Moderna. Os mais importantes para o nosso estudo são: a Revolução Gloriosa, a Declaração de Virgínea, a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. 20.1 Revolução Gloriosa e a Petition of Rights Fonte: www.estudofacil.com.br A “Revolução Gloriosa” é o nome dado ao movimento que ocorreu na Inglaterra entre os anos de 1688 e 1689, marcado pela destituição do Rei Jaime II. Ficou conhecida como a “Revolução sem sangue” devido à forma pacífica como ocorreu. Este movimento resultou na substituição do Rei da Dinastia Stuart, que representava os católicos, por Guilherme, Príncipe de Orange da Holanda que representada os protestantes. O motivo dessa revolução, consistia no fato de que o rei Jaime II queria conduzir o país dentro das diretrizes da doutrina católica e isso desagradava os nobres. Então, foi realizado um acordo secreto entre o Parlamento inglês e o príncipe da Holanda, Guilherme de Orange, para que o trono fosse entregue a ele. Assim, o rei Jaime II foi compelido a assinar um documento chamado “Petition of Rights” o qual afirmava que o rei não poderia criar impostos sem declarar guerra e nem assinar tratados sem a 66 autorização do Parlamento. Essa nova ordem mostrou que para acabar com o absolutismo, não era necessário acabar com a figura do rei, desde que aceitasse a ser submisso as decisões do Parlamento. Representou, na verdade, a transição de uma monarquia absoluta para uma monarquia Parlamentar. Para os Direitos Humanos sua importância consiste no fato de que ela reafirmou os direitos da Magna Carta, dando ênfase a propriedade e a proibição da detenção arbitrária. Afirmou que nenhum homem livre seria detido ou aprisionado, tampouco despojado de seu feudo, suas liberdades, nem exilado senão em virtude de sentença. 20.2 Declaração dos Povos da Virgínea Outro documento de extrema importância para os Direitos Humanos foi a Declaração de Direitos do Povo da Virgínea 1776, território que hoje é os EUA. Declaração de Direitos de Virgínia foi elaborada para proclamar os direitos naturais e positivados inerentes ao ser humano, dentre os quais, o direito de se ebelar contra um governo inadequado. A influência desse documento pode ser vista em outras declarações de direitos, como a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776), a Carta dos Direitos dos Estados Unidos (1789) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Fonte: www.direitonahistoria.blogspot.com.br http://www.direitonahistoria.blogspot.com.br/ 67 A Declaração é constituída por um conjunto de direitos individuais e coletivos, civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, influenciando diretamente no conceito de dignidade da pessoa humana. Por esse fato, tornou-se importante para os Direitos Humanos. 20.3 Declaração de Independência dos EUA A Declaração de Independência dos Estados Unidos, também de 1776, tem como tônica preponderante à limitação do poder estatal e a valorização da liberdade individual. Deu surgimento a primeira Constituição Americana que é conhecida como a Bill of Right. Assegura direitos como religião, vida, liberdade, propriedade e júri. É um documento de inestimável valor histórico, que influenciou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789) e inspirou as outras colônias do continente americano, até mesmo da Europa. Fonte: www.grupohistoriado.blogspot.com.br A independência dos Estados Unidos iniciou com a revolta dos norte- americanos mediante a decisão da Inglaterra de aumentar os impostos e criar taxas que retiravam a liberdade comercial dos americanos. Para isso, criaram a Lei do Chá, Lei do Selo e a Lei do açúcar. Todas essas leis tinham em comum a imposição de que esses produtos viessem da Inglaterra, restringindo assim o desenvolvimento comercial dos EUA nesses setores. 68 Além dessas leis restritivas, a Inglaterra não aceitava que os Estados Unidos mantivessem um representante dentro do Parlamento Inglês. Diante dessa situação no ano de 1774, os colonos se reuniram no chamado Congresso de Filadélfia para tomarem medidas diante de tudo que estava acontecendo. No primeiro Congresso a intenção dos colonos era apenas retomar a situação anterior, mas não obtiveram êxito. Dessa forma, resolveram realizar um segundo congresso no ano de 1776, mas com o objetivo de conquistar a independência dos EUA. Foi então quando Thomas Jefferson redigiu a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. Porém, a Inglaterra não aceitou a independência de sua colônia e declarou guerra. A Guerra de Independência, que ocorreu entre 1776 e 1783, foi vencida pelos Estados Unidos com o apoio da França e Espanha. A Declaração de Independência dos Estados Unidos ficou conhecida como “Bill of Rigths” devido as dez primeiras emendas que entraram em vigor em 1791. Essas emendas tiveram grande importância para os Direitos Humanos porque limitavam o poder do governo federal dos EUA em prol de todos cidadãos residentes e visitantes no território americano. Assim, protegia a liberdade de expressão, de religião, de usar armas, de petição, de assembleia e ainda de proibia o governo de privar qualquer pessoa da vida, da liberdade ou da propriedade sem os devidos processos da lei. 20.4 Revolução Francesa Fonte: www. pt.wikipedia.org 69 A Revolução ocorreu no final do século XVIII e foi o marco da transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea. A Revolução Francesa foi muito importante porque foi uma revolução feita pela burguesia com a ajuda do povo, que conseguiu afastar a nobreza, o clero e ainda ser vitoriosa. O objetivo dessa revolução era lutar contra o antigo regime Absolutista, contra a nobreza parasitária da monarquia e a igreja que a sustentava. Para entender melhor como era a estrutura da burguesia, é preciso entender que ela se dividia em duas classes: os jacobinos e os girondinos. Os primeiros eram os mais radicais e tinham uma maior proximidade com os chamados “sans cullottes”, que era a classe mais baixa dentro da França. Já os girondinos eram mais conservadores. Entretanto foram os jacobinos que tomaram o poder na França e inauguraram a era do terror com a Santa Guilhotina. Foram eles que mataram o rei Luiz XVI e sua esposa Maria Antonieta, além de muitos outros cidadãos que se rebelaram contra seu poder. A Revolução Francesa foi importante para os Direitos Humanos devido a criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, no ano de 1789 pelos representantes do povo francês reunidos em assembleia. Essa Declaração reconheceu o direito de resistir a tirania e a opressão, o direito a igualdade jurídica, o direito à propriedade, a liberdade, e a eliminação dos privilégios da nobreza, o fim da exploração dos camponeses, o confisco das propriedades da igreja e aindacolocou fim na isenção de impostos para a Nobreza. 21 IDADE CONTEMPORÂNEA A idade Contemporânea se deu a partir da Revolução Francesa até aos dias atuais. No segundo período da Revolução Francesa, alguns direitos denominados sociais, especificamente os direitos relacionados ao trabalho, apareceram na sociedade, mas com uma visão individualista. Essa ótica individualista fez com que esses direitos não abrangessem a sociedade de forma igualitária. Portanto, foi necessário que o Estado intervisse para que a justiça social fosse concretizada. Dessa forma, temos a transição do Estado Liberal para o Estado Social, ou seja, a passagem da primeira geração de direitos; que são os valores ligados a 70 liberdade (civis e políticos), no qual exigia-se uma abstenção do Estado, para os direitos de segunda geração; que são os direitos sociais, econômicos e culturais, onde era preciso a atuação do Estado para concretizar esses direitos. No entanto, para que esses direitos se tornassem universais, foi necessário um discurso de Direitos Humanos que abrangesse todas as nações. Esse episódio ocorreu apenas após a Segunda Guerra Mundial. E até que isso ocorresse, vários fatos contribuíram para que culminasse a internacionalização dos Direitos Humanos. Nesse período, os eventos de maior importância para os Direitos Humanos foram: a Constituição Mexicana (1917) e alemã (1919), a Liga das Nações Unidas (1919) e a Organização das Nações Unidas (1945). 21.1 Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar A Constituição Mexicana de 1917 foi a pioneira em eleger os direitos trabalhistas e previdenciários em status de direitos fundamentais. Tratava-se de assuntos inéditos como: a limitação da jornada de trabalho para oito horas diárias; a proteção de menores de 12 anos; a limitação de seis horas diárias para os menores de dezesseis anos; a limitação de jornada de trabalho noturno para sete horas; o descanso semanal; o salário mínimo; a igualdade salarial; o direito de greve; e outros institutos inovadores que vieram proteger as relações de trabalho. Já, a inovadora Constituição de Weimar surgiu logo depois da assinatura do Tratado de Versalhes, que colocou fim na primeira guerra mundial (1914-1918). O Estado Democrático Social, cujos parâmetros já haviam sido delineados pela Constituição Mexicana de 1917, adquiriu com a Constituição Alemã de 1919 uma melhor estruturação. E ainda, assim como na Constituição Mexicana, transformou os direitos trabalhistas e previdenciários em direitos fundamentais. 21.2 Liga das Nações e a Criação da ONU A primeira Guerra Mundial teve seu fim estabelecido pelo Tratado de Versalhes no ano de 1919. Esse tratado, além de colocar fim na primeira guerra, responsabilizou a Alemanha pelo conflito, condenando-a financeiramente pelos desastres causados e ainda criou a Liga das Nações. O objetivo da Liga das Nações era manter a paz e a 71 ordem mundial, evitando que novos conflitos desastrosos ocorressem. No conselho consultivo da Liga das Nações estavam as potências vitoriosas da primeira guerra mundial: Grã-Bretanha, França, Itália, Japão e mais tarde a Alemanha e a União Soviética. Os EUA não fazia parte da Liga porque alegou que sua entrada desviaria o tradicionalismo da sua política externa. No entanto, a Liga das Nações, não possuía um corpo militar destinado a sustentar e promover situações de paz em áreas de conflitos. O seu instrumento de coerção baseava-se em ações econômicas e militares, e isso não era suficiente para pressionar os países a manterem os princípios instituídos pela Liga. Dessa forma, perante a fragilidade da Liga e o sentimento de ultranacionalismo dentro da Alemanha, advindo do fato de ter sido condenada a ressarcir todos os Estados vencedores da Primeira Guerra Mundial, culminou-se a Segunda Guerra Mundial. Seu início se deu quando Hitler invadiu a Polônia no ano de 1935. No decorrer da Guerra, Hitler exterminou metade da população Judaica em terríveis campos de concentração, totalizando em média 9 milhões de mortos. Nunca os Direitos Humanos tiveram tão próximo da extinção e tão desesperado por mudança. Então, almejando impedir que esse episódio se repetisse, os países de todo o mundo juntaram-se e formaram a Organização das Nações Unidas no ano de 1945. 22 DOCUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO E SUA RELAÇÃO 22.1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos Fonte: www.historiaonline.com.br 72 A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que delineia os direitos humanos básicos, foi adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Foi esboçada principalmente pelo canadense John Peters Humphrey, contando, também, com a ajuda de várias pessoas de todo o mundo. Abalados pela recente barbárie da Segunda Guerra Mundial, e com o intuito de construir um mundo sob novos alicerces ideológicos, os dirigentes das nações que emergiram como potências no período pós-guerra, liderados por Estados Unidos e União Soviética, estabeleceram, na Conferência de Yalta, na Rússia, em 1945, as bases de uma futura paz mundial, definindo áreas de influência das potências e acertando a criação de uma organização multilateral que promovesse negociações sobre conflitos internacionais, para evitar guerras e promover a paz e a democracia, e fortalecer os Direitos Humanos. Embora não seja um documento com obrigatoriedade legal, serviu como base para os dois tratados sobre direitos humanos da ONU de força legal: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Continua a ser amplamente citado por acadêmicos, advogados e cortes constitucionais. Especialistas em Direito Internacional discutem, com frequência, quais de seus artigos representam o direito internacional usual. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. 22.2 Preâmbulo Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum. 73 Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla. Considerando que os Países-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades, considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso. Agora portanto a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e,pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Países- Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. Artigo 1 Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Artigo 2 1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 74 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. Artigo 3 Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo 4 Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. Artigo 5 Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Artigo 6 Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei. Artigo 7 Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Artigo 8 Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. Artigo 9 Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. 75 Artigo 10 Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. Artigo 11 1.Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte de que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso. Artigo 12 Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. Artigo 13 1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. 2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio e a esse regressar. Artigo 14 1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 2. Esse direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas. 76 Artigo 15 1. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade. Artigo 16 1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. 3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. Artigo 17 1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade. Artigo 18 Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular. Artigo 19 Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. Artigo 20 1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação. 77 Artigo 21 1. Todo ser humano tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; essa vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto. Artigo 22 Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Artigo 23 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses. Artigo 24 Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas. Artigo 25 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados 78 médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social. Artigo 26 1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, está baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará asatividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. Artigo 27 1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. 2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor. Artigo 28 Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados. 79 Artigo 29 1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas. Artigo 30 Nenhuma disposição da presente Declaração poder ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos. 23 DOCUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO E SUA RELAÇÃO 23.1 Carta da ONU A Carta da ONU é o tratado que estabeleceu as Nações Unidas. A Carta das Nações Unidas foi elaborada pelos representantes de 50 países presentes à Conferência sobre Organização Internacional, que se reuniu em São Francisco de 25 de abril a 26 de junho de 1945. No dia 26 de junho, último dia da Conferência, foi assinada pelos 50 países a Carta, com a Polônia também um membro original da ONU, assinando dois meses depois. A Carta da ONU é o documento mais importante da Organização, como registra seu artigo 103: “No caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas, em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta”. 80 23.2 Guia prático ‘Campo de ação da sociedade civil e o Sistema dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Guia prático para a sociedade civil elaborado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. O principal objetivo é auxiliar os atores da sociedade civil que ainda não estejam familiarizados com o sistema dos direitos humanos das Nações Unidas. A sua elaboração contou com contribuições e os conselhos de vários atores da sociedade civil. 23.3 Guia de orientação das Nações Unidas no Brasil para denúncias de discriminação étnico-racial Este guia é uma resposta às demandas da sociedade civil identificadas durante o evento ‘Diálogos com a ONU pela Igualdade Racial’, cujo objetivo foi de fomentar troca de informações e experiências sobre a equidade racial entre o Sistema ONU no Brasil e a sociedade civil brasileira organizada. A publicação, de linguagem simples e amigável, pretende orientar o cidadão e a cidadã na busca dos seus direitos em casos de discriminação étnica e racial sofridas no Brasil, fortalecendo, assim, os canais de comunicação entre o Sistema ONU e a sociedade civil. 23.4 Mapa do Encarceramento – Os jovens do Brasil O crescimento da população carcerária no Brasil foi impulsionado principalmente pela prisão de jovens, de negros e de mulheres. O perfil dos encarcerados demonstra que a seletividade penal recai sobre segmentos específicos (jovens e negros), uma vez que a faixa etária que mais foi presa é a de 18 a 24 anos; negros foram presos 1,5 vezes a mais do que brancos; e a proporção de negros na população prisional também aumentou no período. Além disso, embora o número de homens presos seja maior do que o número de mulheres, o crescimento da população carcerária feminina foi de 146%. Esses são dados extraídos do Mapa do Encarceramento, lançado em junho de 2015 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) como parte do programa Juventude Viva. 81 23.5 Relatório do Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT) sobre o Brasil (2012) Está disponível o relatório do Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT) das Nações Unidas, apresentado ao Governo do Brasil, fruto da primeira visita do Comitê ao País ocorrida entre 19 e 30 de setembro de 2011. Durante a visita, o SPT se reuniu com as autoridades nacionais competentes e representantes da sociedade civil, e realizou visitas em uma série de lugares de privação de liberdade, incluindo delegacias, presídios, centros de detenção juvenil e instituições psiquiátricas nos estados do Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo. 23.6 Declaração de Durban (2001) A III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas foi realizada em setembro de 2001, em Durban, na África do Sul, e contou com mais de 16 mil participantes de 173 países. A conferência resultou em uma Declaração e um Plano de Ação que expressam o compromisso dos Estados sobre os temas abordados. 23.7 A organização das Nações Unidas (ONU) A Organização das Nações Unidas, popularmente conhecida como ONU (ou no idioma inglês como UN), é uma organização internacional cuja principal missão é a paz. Ela é formada pelo que se chama de países-membros e nenhum deles é obrigado a integrá-la; a ideia é que o país que concordar com os princípios da organização, como o trabalho pela paz e o desenvolvimento mundial, possa voluntariamente adentrá-la e somar na construção dessas metas. 23.8 Quais os princípios da ONU? Assim como uma empresa constrói suas missões e metas, as organizações também precisam se reunir, discutir e chegar a um propósito comum. Não foi diferente na ONU, que escreveu a Carta das Nações Unidas, seu documento de fundação, onde declara seus ideais, propósitos e a expectativa sobre seus membros, tanto os https://nacoesunidas.org/prevencao-da-tortura-orgao-da-onu-de-direitos-humanos-apresenta-observacoes-confidenciais-preliminares-para-o-governo-do-brasil/ https://nacoesunidas.org/prevencao-da-tortura-orgao-da-onu-de-direitos-humanos-apresenta-observacoes-confidenciais-preliminares-para-o-governo-do-brasil/ 82 povos, como os governos dos países. Esse documento foi escrito pelos 50 países que compuseram a Conferência sobre Organização Internacional, em São Francisco (EUA) no dia 26 de junho de 1945 – ano de fim da Segunda Guerra Mundial, mas já falaremos da relação entre esse episódio e a ONU. O Brasil, inclusive, assinou a Carta das Nações Unidas na ocasião. O preâmbulo da Carta das Nações Unidas explica um pouco sobre a missão e a visão da ONU e do seu trabalho no mundo. “NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forçaspara manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos. RESOLVEMOS CONJUGAR NOSSOS ESFORÇOS PARA A CONSECUÇÃO DESSES OBJETIVOS. Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas. ” 83 23.9 Por que a ONU foi criada? Depois de duas grandes guerras causadas por atritos internacionais terem destruído diversos países e ter feito milhões de vítimas, havia um sentimento comum em vários países da necessidade da busca pela paz. Principalmente depois da II Guerra Mundial, essa sensação ganhou urgência. Foi criada, então, em 24 de outubro de 1945, a Organização das Nações Unidas, em São Francisco, Estados Unidos. Em um primeiro momento, esses países fundadores queriam criar uma organização que conseguisse impedir mais um conflito armado de proporção mundial. Mas a ONU foi se tornando um organismo muito mais complexo e importante, cujas pautas vão desde criação de leis internacionais até a defesa dos direitos humanos. A ONU não foi propriamente uma iniciativa original: em 1919, havia sido criada a Liga das Nações, que visava a evitar mais conflitos como o da I Guerra Mundial. Porém, ela deixou de existir porque sua intervenção não foi efetiva para evitar a II Guerra Mundial, que não havia como ser evitada. De qualquer forma, a Liga das Nações pode ser considerada a antecessora da ONU. 23.10 Como é a estrutura da ONU A chave da questão quando se trata da ONU são os seus países-membros, que são muitos. Pensando nessa diversidade, a Carta das Nações Unidas determinou que para a melhor comunicação dos membros, de toda a parte do mundo, haveria seis idiomas oficiais: inglês, francês, espanhol, árabe, chinês e russo. Afinal, a presença desses países é essencial, pois são eles que definem políticas, escolhem como agir em determinadas situações, financiam a organização. Esse financiamento é protocolo a partir do momento em que o país adentra a organização e é definido de acordo com a riqueza e o desenvolvimento de cada um. Por esse financiamento ser uma grande fonte de renda para que a ONU consiga realizar projetos, campanhas e políticas continuadas, houve um rebuliço internacional quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a preparação de decretos em que corta radicalmente o repasse de verbas para a ONU, além de retirar os Estados Unidos de acordos multilaterais. Hoje, a ONU conta com 193 países- membros e o orçamento do biênio de 2016/2017 é de 5,61 bilhões de dólares. 84 23.11 Onde a ONU está sediada São tantos países que integram a ONU, que você deve estar se perguntando onde fica a sua sede. Bom, foi durante a primeira reunião da Assembleia-Geral em Londres, no ano de 1946, que ficou decidido que a sede permanente da Organização seria nos Estados Unidos. Os desdobramentos disso foi que o magnata John Rockefeller ofereceu cerca de oito milhões de dólares para a compra de parte dos terrenos na margem do East River, na ilha de Manhattan, em Nova York e a cidade de Nova York ofereceu o restante dos terrenos para que fosse construída a sede da Organização. A primeira sede e a estrutura principal da ONU, portanto, estão em Nova York. Mas existem outras sedes da ONU em Genebra (Suíça), Viena (Áustria), Nairóbi (Quênia), Addis Abeba (Etiópia), Bangcoc (Tailândia), Beirute (Líbano) e Santiago (Chile), além de escritórios espalhados em grande parte do mundo. 23.12 Como são as reuniões da ONU? Devido ao tamanho dessa organização, a Carta da ONU definiu a existência de seis órgãos principais: a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela, a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado. Todos são vitais para o seu funcionamento e administração, mas existem dois em especial que precisamos conhecer mais a fundo: a Assembleia-Geral e o Conselho de Segurança. 85 23.13 A Assembleia-Geral da ONU Fonte: www.rtp.pt A Assembleia-Geral da ONU é muito importante porque se constitui como o principal órgão de discussão e deliberação, em que participam todos as 193 nações membros. Lá, são discutidos todos os assuntos considerados mais emergentes e que afetam a vida de todos os habitantes do planeta. Ao contrário de outros órgãos e conselhos da ONU, na Assembleia-Geral o voto é universal, o que concede igualdade a todos os seus membros. As resoluções votadas e aprovadas na Assembleia Geral, porém, têm o caráter de recomendação e não são obrigatórias. Assuntos em pauta na ONU são: paz e segurança, aprovação de novos membros, questões de orçamento, desarmamento, cooperação internacional em todas as áreas, direitos humanos, entre outros. Principais funções da Assembleia-Geral da ONU Segundo a própria organização, existem algumas atribuições do órgão que se destacam, como: Discutir e fazer recomendações sobre todos os assuntos em pauta na ONU; Discutir questões ligadas a conflitos militares – com exceção daqueles na pauta do Conselho de Segurança; Discutir formas e meios para melhorar as condições de vida das crianças, dos jovens e das mulheres; 86 Discutir assuntos ligados ao desenvolvimento sustentável, meio ambiente e direitos humanos; Decidir as contribuições dos Estados-Membros e como estas contribuições devem ser gastas; Eleger os novos Secretários-Gerais da Organização. 23.14 O Conselho de Segurança da ONU O Conselho de Segurança é o órgão da ONU responsável pela paz e segurança internacionais, que toma decisões como a intervenção (ou não) militar em um país em guerra, autoriza operações de países em outros que estejam em conflito ou mesmo a execução de políticas. Fonte: www.nemrisp.wordpress.com É constituído por 15 membros: cinco permanentes, que possuem o direito a veto – Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha, França e China – e dez membros não permanentes, eleitos pela Assembleia Geral por dois anos. A diferença mais importante entre permanentes e não permanentes é o direito de veto. Os membros permanentes do Conselho têm direito a dizer “não” para as políticas, ações ou diretrizes relativas à segurança internacional, e assim impedir sua implementação, mesmo que elas tenham sido aprovadas de forma unânime pelos demais membros. 87 Uma polêmica recente envolvendo o Conselho de Segurança foram as decisões tomadas em relação à guerra civil na Síria. A Rússia e os Estados Unidos, membros permanentes, estão diretamente no conflito: a Rússia apoiando o ditador Bashar Al-Assad e os EUA apoiando os rebeldes. Por isso, questiona-se seu envolvimento nas decisões de políticas adotadas no conflito. A Rússia já vetou várias decisões propostas no Conselho e os dois países entraram em choque diversas vezes. Este é o único órgão da ONU que tem poder decisório, ou seja, o que for decidido ali deve ser respeitado. As decisões do Conselho de Segurança devem ser aceitas e cumpridas por todos os membros das Nações. Principais Funções do Conselho de Segurança da ONU Manter a paz e a segurança internacional; Determinar a criação, continuação e encerramento das Missões de Paz, de acordo com os Capítulos VI, VII e VIII da Carta; Investigar toda situação que possa vir a se transformar em um conflito internacional; Recomendar métodos de diálogo entre os países; Elaborar planos de regulamentação de armamentos; Determinarse existe uma ameaça para a paz; Solicitar aos países que apliquem sanções econômicas e outras medidas para impedir ou deter alguma agressão; Recomendar o ingresso de novos membros na ONU; Recomendar para a Assembleia Geral a eleição de um novo Secretário-Geral. 88 23.15 Conselho Econômico E Social Fonte: www.nacoesunidas.org O Conselho Econômico e Social (ECOSOC) é o órgão coordenador do trabalho econômico e social da ONU, das Agências Especializadas e das demais instituições integrantes do Sistema das Nações Unidas. O Conselho formula recomendações e inicia atividades relacionadas com o desenvolvimento, comércio internacional, industrialização, recursos naturais, direitos humanos, condição da mulher, população, ciência e tecnologia, prevenção do crime, bem-estar social e muitas outras questões econômicas e sociais. Principais funções Coordenar o trabalho econômico e social da ONU e das instituições e organismos especializados do Sistema; Colaborar com os programas da ONU; Desenvolver pesquisas e relatórios sobre questões econômicas e sociais; Promover o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais. 89 23.16 Conselho De Tutela Fonte: www.pt.wikipedia.org Segundo a Carta, cabia ao Conselho de Tutela a supervisão da administração dos territórios sob regime de tutela internacional. Os objetivos do Conselho de Tutela foram tão amplamente atingidos que os territórios inicialmente sob esse regime, em sua maioria países da África alcançaram, ao longo dos últimos anos, sua independência. Tanto assim que em 19 de novembro de 1994, o Conselho de Tutela suspendeu suas atividades, após quase meio século de luta em favor da autodeterminação dos povos. A decisão foi tomada após o encerramento do acordo de tutela sobre o território de Palau, no Pacífico. Palau, último território do mundo que ainda era tutelado pela ONU, tornou-se então um Estado soberano, membro das Nações Unidas. As principais metas desse regime de tutela Promover O Progresso Dos Habitantes Dos Territórios Desenvolver Condições Para A Progressiva Independência E Estabelecimento De Um Governo Próprio. http://www.pt.wikipedia.org/ 90 23.17 Corte Internacional De Justiça Fonte: www.nacoesunidas.org O Tribunal Internacional de Justiça ou Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas (ONU). Tem sede em Haia, nos Países Baixos. Por isso, também costuma ser denominada como Corte de Haia ou Tribunal de Haia. Sua sede é o Palácio da Paz. Sua principal função é resolver conflitos jurídicos a ele submetidos por Estados e emitir pareceres sobre questões jurídicas apresentadas ordinariamente pela Assembleia Geral das Nações Unidas ou pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Extraordinariamente, poderão solicitar parecer consultivo órgãos e agências especializadas autorizados pela Assembleia Geral da ONU, desde que as questões submetidas estejam dentro de sua esfera de atividade (artigo 96, inciso II do Estatuto da Corte Internacional de Justiça). Foi fundado em 1945, após Segunda Guerra Mundial, em substituição à Corte Permanente de Justiça Internacional, instaurada pela Sociedade das Nações. O Tribunal Internacional de Justiça não deve ser confundido com a Corte Penal Internacional, que tem competência para julgar indivíduos e não Estados. Ela se compõe de quinze juízes chamados “membros” da Corte. São eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança em escrutínios separados. https://pt.wikipedia.org/wiki/Estado https://pt.wikipedia.org/wiki/Assembleia_Geral_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas https://pt.wikipedia.org/wiki/Conselho_de_Seguran%C3%A7a_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas https://pt.wikipedia.org/wiki/1945 https://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_Mundial https://pt.wikipedia.org/wiki/Corte_Permanente_de_Justi%C3%A7a_Internacional https://pt.wikipedia.org/wiki/Corte_Permanente_de_Justi%C3%A7a_Internacional https://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade_das_Na%C3%A7%C3%B5es https://pt.wikipedia.org/wiki/Corte_Penal_Internacional https://pt.wikipedia.org/wiki/Corte_Penal_Internacional 91 23.18 Secretariado Fonte: www.opiniaoenoticia.com.br O Secretariado presta serviço a outros órgãos das Nações Unidas e administra os programas e políticas que elaboram. Seu chefe é o secretário-geral, que é nomeado pela Assembleia Geral, seguindo recomendação do Conselho de Segurança. Cerca de 16 mil pessoas trabalham para o Secretariado nos mais diversos lugares do mundo. Principais funções Administrar as forças de paz; Analisar problemas econômicos e sociais; Preparar relatórios sobre meio ambiente ou direitos humanos; Sensibilizar a opinião pública internacional sobre o trabalho da ONU; Organizar conferências internacionais; Traduzir todos os documentos oficiais da ONU nas seis línguas oficiais da Organização. 92 24 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ATHAYDE, Austregésilo de; IKEDA, Daisaku. Diálogos: direitos humanos no século XXI. Tradução de MasatoNinomiya. RJ: Record, 2000. LEITE, Glauber Salomão; FERRAZ, Carolina Valença, Direito a diversidade. São Paulo: Atlas, 2015. SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Tradução de Laureano Pelegrin. Bauru/SP: EDUSC, 1999. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 9. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. RAGUSO, O desafio do multiculturalismo: entre a identidade e o reconhecimento: uma leitura a partir de Charles Taylor. Tese de Doutorado. Braga: Universidade do Minho, 2015. SANTOS, Boaventura de Sousa. Se Deus fosse um activista dos direitos humanos. Coimbra: Ed. Almedina. 2013. SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção Multicultural dos direitos Humanos. CES/FEUC. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 48, jun., 1997. ZUCON, Otávio. Introdução às culturas populares no Brasil. Curitiba: InterSaberes, 2013.