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19 PÓ S - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /1 3 Linguística e Língua de sinais: compreender as diferenças Linguísticas a partir dos estudos da Linguagem Unidade II 2 PrinciPais autores da Linguística – Ferdinand de saussure e avram noam chomsky 2.1 Ferdinand de saussure (1857-1913) Um dos mais importantes linguistas da era moderna, chamado inclusive de “pai da Linguística moderna”, o suíço Ferdinand de Saussure teve o seu livro publicado após sua morte prematura. Na verdade, o Curso de Linguística Geral foi lançado em 1916 a partir das anotações dos seus alunos de uma série de palestras que havia proferido em 1913 e se tornou uma das mais célebres obras póstumas. Pode-se perguntar, em seguida: mas qual a sua importância? Saussure fundou a ciência linguística com base no estruturalismo. Essa afirmação em geral leva à pergunta: o que vem a ser o estruturalismo, afinal? Embora na França e Europa a nova ciência tenha iniciado seu percurso de difusão a partir de 1916, aqui no Brasil a Linguística começou a ser ensinada como disciplina obrigatória nos cursos de Letras somente no início dos anos 1960, e só então alguns pontos de vista novos sobre língua e linguagem (vistos na unidade anterior) começaram a se difundir, fazendo com que alunos e professores tomassem contato com a assim chamada Linguística estrutural. Os pontos fundamentais citados por Ilari (2009) são o destaque dado à depreensão da estrutura de qualquer língua a partir do comportamento linguístico observado. Para os estruturalistas, a língua não se confunde com as frases que as pessoas usam, nem com o comportamento verbal que observamos no dia a dia. Ela é uma abstração, um conhecimento socializado que todos os falantes de uma comunidade compartilham. Como pressuposto, há uma estrutura linguística a revelar sempre que as pessoas se comunicam por meio da linguagem, e isso vale para as grandes línguas de cultura e para as línguas politicamente menos importantes, como aquelas que são faladas nas sociedades consideradas primitivas (as línguas indígenas e as línguas de sinais) ou para os comportamentos linguísticos que seguem o padrão culto e para aqueles que a sociedade discrimina como incultos ou vulgares. Para compreensão dessa estrutura das línguas, o primeiro passo foi diferenciar língua e linguagem, como apresentado na unidade I, e que podemos sintetizar como sendo a linguagem uma faculdade humana, uma capacidade que os homens têm para produzir, desenvolver, compreender a língua e outras manifestações simbólicas semelhantes à língua, enquanto esta última, a língua, é um produto social da faculdade da linguagem, um conjunto de convenções necessárias, estabelecidas e adotadas por um grupo social para o exercício da faculdade da linguagem. 20 Unidade II PÓ S - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /1 3 O objetivo foi o de criar um método que pudesse ser aplicado a toda e qualquer língua – logo, uma ciência –, e criar a possibilidade das línguas serem comparadas entre si. Pensando dessa forma, Saussure estabeleceu algumas dicotomias importantes para conseguir estabelecer o objeto da Linguística. observação No Dicionário Houaiss (2001), podem-se encontrar as seguintes definições para “Dicotomia”: • modalidade de classificação em que cada uma das divisões e subdivisões contém apenas dois termos; • na dialética platônica, repartição de um conceito em dois outros, ger. contrários e complementares, já que abarcam toda a extensão do primeiro (por exemplo, seres humanos: homens e mulheres); e • divisão em duas partes iguais (na rubrica utilizada em botânica). Será possível observar a importância da classificação realizada por dicotomias para a compreensão do que está em jogo na Linguística. 2.1.1 Língua e fala Além da diferença entre língua e linguagem, outra distinção muito importante, segundo Saussure, foi determinar a diferença entre língua e fala – em francês, langue (língua) e parole (fala). Para ele (e para os que estudam as línguas a partir de suas reflexões), a língua é coletiva e social, enquanto a fala é manifestação ou concretização da língua por um indivíduo. Fundamentalmente, a língua não é uma função do falante. Ao falar, ele realiza um ato individual de vontade, porque precisa fazer opções por uma ou outra maneira de dizer a mesma coisa, fazer escolhas sobre o vocabulário que vai usar, entre outras coisas, e cada pessoa produz, dessa forma, uma fala diferente. No entanto, a língua vai ser sempre a mesma: português. Para poder ilustrar o que significa tal diferença, podemos citar que não há mais “falas” do latim, mas a língua continua a existir e a ser estudada. Dessa forma, podemos dizer, para além da frase clássica “o objeto da Linguística é a língua”, que ela é um conjunto organizado de elementos, no qual cada elemento se define pelas diferenças que apresenta em relação a outro elemento, e por sua relação com todo o conjunto. Vejamos um exemplo: a palavra “pata” é transcrita foneticamente desta forma: [pata]. Ao trocar um dos elementos, por exemplo [p] à [b], “pata” se torna “bata”, o mesmo podendo ser feito com [m], [l], [f] ou qualquer outro elemento no lugar de um deles. A mudança em um dos elementos torna outra a palavra inicial. 21 PÓ S - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /1 3 Linguística e Língua de sinais: compreender as diferenças Linguísticas a partir dos estudos da Linguagem 2.1.2 Significante e significado Na unidade anterior, discutiu-se a questão da multiplicidade dos signos na música, na pintura, nos filmes, enfim, na linguagem. Viu-se, também, que a língua é um tipo especial de signo, por meio do qual a espécie humana pode estabelecer relações entre seus membros, entre ela e o mundo ao seu redor, constituindo-se como seres humanos. O signo linguístico, dessa maneira, carrega outras diferenciações importantes, entre as quais aquela estabelecida pelo significante e o significado. Signos são unidades linguísticas que significam alguma coisa, nos quais à parte que carrega a significação deu-se a denominação de “significado”, enquanto a imagem acústica, ou o que se ouve ao falar determinada palavra, denominou-se “significante”. A relação entre significação e imagem acústica, tal como analisada por Saussure, é arbitrária, quer dizer, não há nenhuma ligação entre as duas. Essa declaração pode parecer estranha, porque no nosso dia a dia temos muitas vezes a impressão de que os signos são uma mera nomenclatura das coisas que existem no mundo. Muitos de nós temos a ideia de que o nosso mundo está repleto de coisas e de que a língua é criada para nomeá-las. Se seguirmos esse raciocínio, as coisas já existiriam antes da língua. Saussure se opõe frontalmente a essa visão de que as ideias a respeito do que as coisas são dependem da língua, pois não existem ideias estabelecidas anteriormente à língua. Para ele, antes da língua, o nosso pensamento é uma massa amorfa e indistinta, como uma nebulosa, e a língua é a relação que associa a massa amorfa do pensamento à massa amorfa fônica, ao mesmo tempo formatando-as e delimitando-as de uma maneira particular. O processo ocorre nos dois sentidos, pois ao impor uma formatação à massa amorfa do pensamento, a língua cria o significado, que é um conceito, ao mesmo tempo em que, ao impor uma formatação à massa amorfa fônica ou gestual, a língua cria o significante, que é uma imagem acústica (no caso das línguas orais) ou óptica (no caso das línguas de sinais). Para ilustrar ainda mais esse raciocínio, Saussure se utiliza de uma metáfora, aquela da folha de papel, na qual o pensamento é a frente da folha, e o som/sinal é o verso. Dessa forma, não se pode cortar um lado da folha sem cortar o outro. Em síntese, ao criar os signos, a língua impõe uma organização, tanto na massa amorfa do pensamento quanto na massa amorfa fônica/gestual. É importante, ainda,desfazer outra ideia corrente, que é a de que o signo designa somente uma palavra. Na verdade, sentenças ou frases também são signos, assim como textos também são grandes signos, na medida em que também têm uma significação própria e para os quais todos esses elementos de distinção ou diferenciação se aplicam. 22 Unidade II PÓ S - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /1 3 2.1.3 Outras dicotomias importantes Ao prosseguir na reflexão sobre a arbitrariedade do signo, sobre a sua imotivação, podem-se levantar as seguintes questões: o que ocorre com as onomatopeias? E a iconicidade presente em alguns sinais das línguas de sinais? É importante lembrar que há, nas línguas, graus maiores e menores de motivação, o que responderia pelos sons presentes nas onomatopeias e por certa iconicidade nas línguas de sinais. No entanto, para corroborar o conceito da arbitrariedade do signo, pode-se pesquisar como são onomatopeias de dor para americanos, franceses e brasileiros ou do bater de portas. Elas são diferentes. Assim também acontece com as línguas de sinais, pois os sinais para árvore, homem, mulher ou branco são diferentes entre as diferentes línguas de sinais. Dessa forma, os significantes de um signo, ou seja, sua imagem acústica (auditiva para as línguas orais) ou sua imagem gestual (visual para as línguas de sinais) são arbitrários e mais ou menos motivados (mais ou menos próximos aos seus referentes), mas convencionados entre os falantes (ou sinalizantes) de uma língua. Em seu percurso de fundação de uma ciência linguística, Saussure prossegue com a metodologia ligada ao pensamento estruturalista, em busca de determinar o que é estrutura e, portanto, sem alterações, daquilo que se modifica a cada vez. As distinções mínimas, ou melhor, aquilo que pode fazer diferença e modificar o signo, são o foco da atenção. Nesse sentido, cada signo adquire um valor, que vai demarcar seus limites, e contrapô-lo a outros signos. Uma característica que Saussure atribuiu às línguas naturais foi a linearidade do significante. Como descrevemos anteriormente, na produção da língua oral, isto é, ao falar (pelas próprias características dos órgãos e músculos envolvidos na produção dos sons da língua), o significante (a imagem acústica, no caso das palavras faladas), por ser de natureza acústica, só poderia se desenvolver em uma sequência linear. Dessa forma, não existiria simultaneidade nas línguas, isto é, não seria possível produzir dois sons ao mesmo tempo. No entanto, deve-se reiterar que Saussure limitou suas observações às línguas orais, que eram as conhecidas naquela época, e para as quais esse fato é verdadeiro. Nas línguas de sinais é possível a simultaneidade, pelos mesmos motivos elencados no parágrafo anterior. Em sua observação do comportamento das línguas, Saussure também observou duas maneiras de organização dos signos na língua, denominados respectivamente “sintagma” e “paradigma”, os quais foram colocados em eixos. Foi levantada anteriormente a organização dos signos na língua pela linearidade, justamente o correspondente ao eixo sintagmático ou horizontal. O exame dos elementos linguísticos nesse eixo envolve o contraste que um elemento estabelece com outro elemento que está adjacente a ele na cadeia de elementos que ocupa a linha horizontal. Podemos citar como exemplo: 23 PÓ S - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /1 3 Linguística e Língua de sinais: compreender as diferenças Linguísticas a partir dos estudos da Linguagem • o signo “desmedidamente”, formado por três outros signos, ou morfemas: des-, medida-, mente; • o signo “entrar pelo cano” (que significa que algo esperado não deu certo) Já o eixo paradigmático ou eixo vertical é o eixo das relações associativas que se estabelece na memória, pela maneira como os signos que têm algo em comum se associam ou formam grupos. Isso pode acontecer a partir das mais diversas relações, como: • na sequência: amor, desamor, amoroso, amável; • nas trocas: [pato] troca [p] à [b] – [bato], ou na troca [o] à [a] – [bata] (do verbo bater ou um tipo de vestimenta feminina). Ainda no esforço de elaborar uma ciência da Linguística, a última dicotomia fundamental observada e estabelecida por Saussure tem relação com o tempo e foi, de certa forma, explicitada na unidade I. De qualquer maneira, são elas a sincronia e diacronia, as quais novamente ele coloca em eixos, no qual o eixo do estado é o eixo sincrônico, em que a língua é estudada como ela se apresenta em um determinado momento de sua história e toda e qualquer intervenção do tempo é excluída. Por seu lado, o eixo das evoluções é o eixo diacrônico, no qual a língua é analisada como um produto de uma série de transformações que ocorrem ao longo do tempo. Para finalizar com a apresentação das valiosas contribuições de Ferdinand de Saussure para a Linguística moderna e que tem implicações fundamentais para os estudos sobre as línguas até o momento atual, cabe lembrar algumas ressalvas levantadas por este grande estudioso. Fazendo uma comparação entre a língua e o jogo de xadrez, deve-se lembrar que, no jogo, o jogador tem a intenção de mover uma peça e, assim, alterar o estado do jogo, enquanto na língua isso não acontece, pois não é possível ao “falante” decidir impor uma mudança em sua língua. A língua muda naturalmente, por pressões internas, provocadas por necessidade de economia de energia, por praticidade ou por simplificação, ou por pressões externas, como a influência de outras línguas e de novos campos de conhecimento. Esse fenômeno das mudanças na língua fica claro quando pensamos na influência da informática sobre a nossa língua, pois o processo que inicialmente foi necessário apenas para traduzir termos como delete, escape, inicialize, para as pessoas que trabalhavam com computadores e programas, hoje está incorporado à língua, dicionarizado e faz parte das palavras usadas por grande parte da população falante do português do Brasil (pois em Portugal essas incorporações foram feitas de maneira diferente). Lembrete Em seu percurso de fundação de uma ciência linguística, Saussure buscou determinar o que é estrutura da língua e, portanto, sem sofrer alterações, daquilo que se modifica a cada vez. As distinções mínimas, ou melhor, qualquer evento que pode fazer a diferença e modificar o signo, foram o foco da atenção. 24 Unidade II PÓ S - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /1 3 Essas reflexões são, com certeza, bastante complexas, mas sua importância para a disciplina requer que possam ser apreendidas pelos alunos-leitores, para que possam acompanhar as demais reflexões na apresentação de novos conceitos e autores, como acontecerá a seguir com Chomsky. 2.2 avram noam chomsky (1928-) Como se pode observar a partir do título, Noam Chomsky é um dos grandes pensadores ainda vivo. Professor emérito do Departamento de Linguística e Filosofia do M.I.T. (Massachusetts Institute of Tecnology), é linguista, filósofo, cientista cognitivo e crítico político atuante nos Estados Unidos da América. Sua primeira contribuição para os estudos linguísticos se deu a partir de um posicionamento crítico frente a muito dos conceitos do behaviorismo (ou teoria comportamental) e ao estruturalismo. Em sua obra de 1957, Syntatic Structures (Estruturas sintáticas), Chomsky deu início à construção dos conceitos da Gramática Gerativa. Seu principal ponto de crítica se deu em relação às análises sintáticas, pois por meio delas não se podia diferenciar os níveis superficial e profundo do enunciado. Um exemplo sempre mencionado é o seguinte: • John is easy to please (John é fácil de agradar). • John is eager to please (John está ávido por agradar). A razão da crítica se dá porque do ponto de vista sintático a análise é a mesma, muito embora do ponto de vista do significado seja muito diferente. Dessa forma, buscouelaborar uma gramática em que o nível mais profundo do enunciado pudesse ser igualmente considerado, a Gramática Gerativa. 2.2.1 Competência e desempenho Em relação à Linguística estrutural, em que o que se toma em análise é a língua, sua estrutura, a porção mais estável, e não a fala, Chomsky estabelece uma distinção fundamental entre competence (competência, em português) e performance (desempenho). De certa maneira, ele busca trazer para a discussão dos linguistas a dicotomia langue x parole instituída por Saussure, pois o autor define competência como o conhecimento que a pessoa tem das regras de uma língua, enquanto desempenho é considerado o uso efetivo da língua em situações reais. Pode-se, então, estabelecer certa equivalência entre competência e língua e entre desempenho e fala. O foco dos estudos linguísticos seria, portanto, a competência. A partir de um trabalho de observação e registro dos falantes da língua, denominados por Chomsky de corpus, tem-se um conjunto de enunciados de um determinado grupo a ser analisado, nos quais se considera as hesitações, repetições etc. Compreende-se que o corpus representa uma fração ínfima dos enunciados de uma língua, pois os falantes usam a competência para irem além de qualquer corpora e podem, eles mesmos, reconhecer enunciados inéditos e identificar erros de desempenho. Portanto, na Gramática Gerativa busca-se a descrição das regras que governam a estrutura dessa competência. 25 PÓ S - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /1 3 Linguística e Língua de sinais: compreender as diferenças Linguísticas a partir dos estudos da Linguagem Interessa a Chomsky descobrir as realidades mentais subjacentes ao uso da língua/linguagem, pois considera a competência como um dos aspectos da capacidade psicológica geral dos humanos. Por essa razão, consideram-no um “mentalista”, em oposição ao estruturalismo de Saussure. 2.2.2 Hipótese inatista Também é da década de 1950 a hipótese inatista da aquisição da linguagem. É uma teoria proposta por Chomsky, segundo a qual o ser humano nasce com uma capacidade inata no cérebro para adquirir linguagem, da mesma forma como adquire o andar. Segundo Otero (2011), em seu artigo sobre aquisição de linguagem em Chomsky, a tarefa da criança será a de desenvolver a sua faculdade em função do ambiente que a rodeia, e não apenas a de imitar o que ouve. Alguns argumentos são levantados pelo famoso linguista para sustentar sua teoria, como o fato de os bebês terem a capacidade de produzir palavras ou frases que nunca ouviram antes. Se a aquisição fosse um processo meramente imitativo (crítica à teoria comportamental) a criança não produziria essas mesmas frases. Além disso, a sistematicidade dos erros das crianças parece corroborar sua hipótese, pois se ela estivesse apenas a imitar, ela não deveria ser sistemática, nem permanecer no erro durante um certo período do desenvolvimento. Chomsky defende ainda a universalidade e a sequencialidade a favor da sua hipótese inatista, segundo a qual todas as crianças passam por fases semelhantes de aquisição da linguagem, independentemente da língua que as cerca. Segundo esses princípios, o processo de aquisição é rápido e simples, pois as crianças já têm a gramática interiorizada. A sua tarefa acabaria por ser a de observar a forma como é utilizada a língua que é falada no meio em que ela está inserida. 2.2.3 Fase crítica Há ainda outra colaboração de Chomsky relacionada ao período de aquisição de linguagem, denominada “fase crítica” para a aquisição da linguagem. O argumento de que existe um período nos primeiros anos de vida essencial para que a criança possa vir a falar vem favorecer também a hipótese inatista, pois a linguagem, assim como outros processos de desenvolvimento psicomotor, tem de ser estimulada para amadurecer na idade adequada, porque se tal fato não ocorrer, há o risco de essa capacidade atrofiar. As contribuições de Chomsky tiveram e têm grande repercussão para a Linguística, porque vieram propor novos caminhos para a Linguística e para os estudiosos. Sua hipótese de “período crítico” foi posteriormente corroborada por pesquisas na neurologia, neuropsicologia, nas quais se aprendeu que essa fase crítica coincide com o período em que os neurônios do Sistema Nervoso Central (SNC) estão se reproduzindo, crescendo e sendo recobertos por uma substância denominada “mielina”. Em geral, a fase crítica ou período crítico é um tempo limitado no qual um evento pode ocorrer e que resulta em um tipo de transformação. Principalmente na psicologia e na biologia do desenvolvimento, um período crítico é uma fase no ciclo de vida em que um organismo tem um nível mais alto de sensibilidade a estímulos exógenos que são obrigatórios para o desenvolvimento de uma habilidade particular. Se o organismo não recebe o estímulo adequado durante este “período crítico”, pode ser difícil, menos exitoso ou inclusive impossível o desenvolvimento de algumas funções mais 26 Unidade II PÓ S - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /1 3 tarde na vida. A ideia geral é a de que o fracasso na aprendizagem de uma habilidade particular dê lugar a que as áreas corticais normalmente responsáveis por essa função não sejam usadas e estimuladas. Por exemplo, acredita-se que o período crítico para o desenvolvimento da visão binocular de uma criança aconteça entre três e oito meses de idade. A sensibilidade ao dano se estende pelo menos aos três anos de idade. Perceberam-se outros períodos críticos relacionados aos sistemas auditivos e vestibulares, o que comprova sua existência. Ao mesmo tempo, outros estudos analisaram crianças privadas de certas experiências, devido a uma enfermidade ou ao isolamento social (como as crianças selvagens). Muitos desses estudos de investigação de um período crítico para a aquisição de linguagem se centraram em filhos surdos de pais ouvintes e filhos surdos de pais surdos e sinalizadores. Retornando às contribuições de Chomsky, muitos estudiosos da área da surdez nos EUA e no Brasil têm no inatismo e na Gramática Gerativa a perspectiva teórica adotada em suas pesquisas e publicações. Esta é uma constatação para a qual muitas vezes não se percebe a qual linha pertence cada autor; no entanto, compreender as bases teóricas utilizadas e os efeitos para o que está sendo proposto é importante. Um dos objetivos desta disciplina, inclusive, é oferecer subsídios aos alunos para poderem compreender as diferentes perspectivas e, quem sabe, levá-los a estudar mais e mais e poderem, posteriormente, proceder às suas próprias escolhas teóricas e metodológicas nas suas profissões. Após essa exposição, que encerra esta unidade, dá-se notícias do que virá a seguir. Na próxima unidade será feita a apresentação de dois autores e de seus conceitos. O primeiro, Bakhtin e sua teoria enunciativo-discursiva, com reflexões bastante diferentes dos dois autores até o momento apresentados, finalizando a passagem mais geral sobre a teoria linguística. Em seguida, as contribuições de William Stokoe, primeiro linguista a descrever uma língua de sinais. Após essas três unidades iniciais, serão abordadas mais profundamente as discussões relacionadas às línguas de sinais e à Libras. resumo Com essa unidade, pretendeu-se trazer para os alunos do curso de Interpretação de Libras alguns conceitos, reflexões e discussões importantes sobre dois autores, Ferdinand de Saussure e Noam Chomsky. O primeiro, considerado o “pai da Linguística moderna” contribuiu de forma decisiva para que “a língua” pudesse ser conhecida e estudada pelo ser humano como nunca antes. 27 PÓ S - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /1 3 Linguística e Língua de sinais: compreender as diferenças Linguísticas a partir dos estudos da Linguagem Em seu esforço por construir uma ciência linguística, apropriado ao período em que viveu e degrande agitação científica, na qual campos específicos procuravam encontrar seu objeto de estudo, elaborar métodos científicos de pesquisa e estudo, foi criar um método que pudesse ser aplicado a toda e qualquer língua e criar a possibilidade das línguas serem comparadas entre si. Para isso, partiu de algumas dicotomias, ou seja, repartição de um conceito em dois outros, geralmente contrários e complementares. A ciência linguística criada por Saussure, Linguística estrutural, pretendia apreender a estrutura de qualquer língua a partir do comportamento linguístico observado, evitando confundi-la com as frases que as pessoas usam e com o comportamento verbal que observamos no dia a dia. Para ele, a língua é uma abstração, um conhecimento socializado entre os falantes de uma comunidade. Apenas para relembrar, nas dicotomias apontadas por Saussure têm-se a diferença entre língua (langue) e fala (parole), aquela estabelecida entre significante e significado, a relação entre significação e imagem acústica (totalmente arbitrária), a linearidade do significante, sintagma e paradigma e as possibilidades de análise sincrônica ou diacrônica. Importantíssima a reflexão de Saussure sobre o que surgiu antes: as coisas ou a língua. Para ele, antes da língua, o nosso pensamento é uma massa amorfa e indistinta, como uma nebulosa, e a língua é a relação que associa a massa amorfa do pensamento à massa amorfa fônica, ao mesmo tempo formatando-as e delimitando-as de uma maneira particular. Noam Chomsky, por sua vez, posiciona-se criticamente frente a muitos dos conceitos do behaviorismo (ou teoria comportamental) e do estruturalismo. Em relação à Linguística estrutural, em que o que o que se toma em análise é a língua, sua estrutura, a porção mais estável, e não a fala, Chomsky estabelece uma distinção fundamental entre competence (competência, em português) e performance (desempenho), ao buscar trazer para a discussão dos linguistas a dicotomia langue x parole instituída por Saussure, e definir competência como o conhecimento que a pessoa tem das regras de uma língua, enquanto desempenho é considerado o uso efetivo da língua em situações reais. Pode-se, a partir daí, estabelecer certa equivalência entre competência e língua e entre desempenho e fala. Outra crítica se deu em relação às análises sintáticas, pois, para ele, por meio delas não se podia diferenciar os níveis superficial e profundo do enunciado. Ele propõe, então, uma análise baseada na Gramática Gerativa, 28 Unidade II PÓ S - Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /1 3 na qual os dois níveis pudessem ser considerados e proceder à descrição das regras que governam a estrutura da competência. Também é da década de 1950 a hipótese inatista da aquisição da linguagem, uma teoria proposta por Chomsky, segundo a qual o ser humano nasce com uma capacidade inata no cérebro para adquirir linguagem, da mesma forma como adquire o andar. Há ainda outra colaboração de Chomsky relacionada ao período de aquisição de linguagem, denominada “fase crítica” para a aquisição da linguagem.