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Artrite Idiopática Juvenil Larissa Reis 2021.1 Artrite idiopática juvenil (AIJ) é a denominação escolhida pela Liga Internacional de Associações de Reumatologia (ILAR) para definir um grupo heterogêneo de doenças autoimunes caracterizadas pela presença de artrite crônica (com duração maior do que seis semanas), de origem desconhecida e que se inicia antes dos 16 anos de idade. Prevalência de aproximadamente 1 para cada 1000 crianças; Maior incidência no sexo feminino; o Exceto na forma sistêmica, onde não há diferença entre os sexos; o Artrite Relacionada a Entesite (ARE) onde predomina o sexo masculino. Relação de prevalência entre os sexos feminino e masculino é de 3 para 1. Essa condição clínica acomete pacientes de qualquer raça, embora não existam dados fidedignos sobre as diferenças raciais. Uma distribuição bimodal para a idade de início indica um pico em crianças com menos de cinco anos e outro no grupo de 10 a 16 anos de idade. A AIJ é a doença reumática crônica mais comum em crianças. Os principais biomarcadores utilizados no diagnóstico e prognóstico são os anticorpos anti- nucleares (FAN) e o Fator Reumatoide (FR), sendo o primeiro marcador de desenvolvimento de Artrite Idiopática Juvenil Larissa Reis 2021.1 uveíte crônica, e o segundo, quando positivo, marcador de pior prognóstico e envolvimento articular severo, com maior risco para o desenvolvimento de deformidades. A sinovite persistente poderá resultar em lesão articular com diminuição do desempenho nas atividades cotidianas, retardo motor de grandes e pequenas articulações, o que irá interferir no desempenho escolar e na qualidade de vida. COMPLICAÇÕES 1. Cegueira: Uveíte 2. Assimetria de MMII 3. Síndrome de ativação macrofágica 4. Deformidade articular AIJ Oligoarticular (MAIS COMUM) Inicia < 8 anos o pico de incidência é entre 1 e 3 anos de idade ≤ 4 articulações (MAIS COMUM: JOELHO) Característico: Assimetria de MMII e Uveíte o A artrite é em geral assimétrica, de grandes articulações e início precoce (antes dos seis anos), com frequência aumentada de FAN positivo (70-80%), e maior risco de iridociclite. A AIJ oligoarticular se caracteriza pela presença de artrite em uma a quatro articulações, nos primeiros seis meses de doença. Se após este período o número de articulações acometidas ultrapassar cinco, será denominada como AIJ oligoarticular estendida (porém somente após 6 Artrite Idiopática Juvenil Larissa Reis 2021.1 meses da doença); se permanecer com menos de cinco articulações, será denominada de AIJ oligoarticular persistente. A AIJ oligoarticular é o subtipo mais comum e benigno, compreendendo 50% dos casos de AIJ, tendo predomínio em crianças pré-escolares e no gênero feminino. O subtipo AIJ mais frequentemente associado à uveíte anterior assintomática ou crônica é a oligoarticular, que é o subtipo mais frequente de AIJ. Nesses casos, a uveíte pode ser até mais grave que a artrite, ser concomitante, anteceder ou preceder a artrite. A iridociclite acomete cerca de 30% destes pacientes, com início insidioso e assintomático, podendo afetar um ou ambos os olhos. Poliarticular FR+ Inicia na adolescência ≥ 4 articulações o A artrite é simétrica, principalmente em pequenas articulações das mãos e dos pés. Artrite crônica que acomete cinco ou mais articulações nos primeiros 6 meses de doença e presença de FR positivo em duas ocasiões com pelo menos 3 meses de diferença. Com pico bimodal , o primeiro entre 3 e 4 anos e o segundo entre 12 e 16 anos, com predominância no sexo feminino. Artrite Idiopática Juvenil Larissa Reis 2021.1 Na artrite reumatoide, o sistema imunológico do corpo ataca seus próprios tecidos, incluindo articulações. Em casos graves, ele ataca os órgãos internos. A artrite reumatoide afeta o revestimento das articulações, causando inchaços doloridos. Com o passar do tempo, a inflamação causada pela artrite reumatoide pode levar à erosão do osso e deformidade da articulação. Semelhante a AR Característico: Semelhança clínica AR (ARJ) o Potencial erosivo Poliarticular FR- Inicia entre os 8 a 12 anos ≥ 4 articulações o A artrite é assimétrica, com alta frequência de FAN e risco aumentado de iridociclite. Grandes articulações Característico: Extra-articular incomum e baixo potencial erosivo TRÊS TIPOS DE APRESENTAÇÕES Doença é semelhante à forma oligoarticular, exceto pelo número de articulações acometidas nos primeiros 6 meses, que é maior do que cinco. Também é caracterizada por artrite assimétrica, início precoce, predominância do sexo feminino, aumento da frequência de FAN e maior risco de iridociclite Similaridade com a artrite reumatoide FR negativo do adulto, com sinovite simétrica de pequenas e grandes articulações, início na idade escolar, aumento de VHS, negatividade para FAN, e prognóstico variável. Ocorre sinovite com edema insignificante, porém com contraturas, rigidez articular e VHS normal ou levemente aumentado. Esta forma tem curso destrutivo e é pouco responsiva ao tratamento. Quanto mais velha for a criança, maior tende a ser o número de articulações acometidas, mais frequente é a simetria e a positividade do fator reumatoide. Artrite Idiopática Juvenil Larissa Reis 2021.1 Entesite Relacionada Inicia entre os 8 a 12 anos Acomete principalmente sexo masculino (6:1) acima de 6 anos, sendo a maioria HLA B27 positivo (76-85%), e é caracterizada por artrite associada à entesite. Sacroileíte (Envolvimento axial) A artrite geralmente é de membros inferiores, e o quadril pode ser envolvido precocemente. Em alguns pacientes a artrite axial pode ser grave e afetar articulação sacroilíaca e coluna vertebral, levando a espondilite anquilosante. Periférico MMII É definida por artrite e entesite ou artrite ou entesite e mais dois dos seguintes critérios: 1) História de dor em sacroilíacas e/ou dor inflamatória lombossacral; 2) HLA B27 +; 3) Início de artrite em menino acima de 6 anos; 4) Uveíte anterior aguda sintomática; 5) História de espondilite anquilosante, ARE, sacroileíte com doença intestinal inflamatória , Artrite Reativa ou uveíte anterior aguda em parente de primeiro grau Artrite Idiopática Juvenil Larissa Reis 2021.1 Psoriásica É uma forma pouco frequente, com idade de início média da artrite entre 7 e 10 anos, e psoríase um pouco mais tarde, entre 9 e 13 anos. Inicia em qualquer idade Articulações variadas Característico: Psoríase, alterações ungueais, História Familiar +, dactilite Artrite Idiopática Juvenil Larissa Reis 2021.1 AIJ Sistêmica (Doença de Still) - doença autoinflamatória (DAT) Inicia em qualquer idade Difere dos outros subtipos por não ter predominância de sexo ou faixa etária de acometimento, mas é mais frequente entre 1 e 5 anos e rara antes de 1 ano, correspondendo a 10-20% dos casos. AIJ sistêmica, os mecanismos relacionados à resposta imune inata têm as interleucinas (IL) inflamatórias IL-1, IL-6 e IL-18 como os principais responsáveis. Articulações variadas o Presença de artrite em 1 ou mais articulações o A artrite é em geral simétrica e poliarticular. Acompanhada ou precedida de febre diária por no mínimo duas semanas o pelo menos três dias seguidos E mais um dos seguintes critérios: 1) Exantema evanescente eritematoso não fixo, principalmente durante a febre; 2) Hepato e/ou esplenomegalia; 3) Linfonodomegalia generalizada ; 4) Serosite (pericardite, pleurite, peritonite) Característico: Extra-articular, FAN/FR – o Febre o Odinofagia o Hepatoesplenomegalia o Rash o Serosite o Linfonodomegalia Os critérios de exclusão são: a presença de psoríase no paciente ou parente de primeiro grau; artrite em menino HLA B27 após os seis anos; espondilite anquilosante (EA), ARE, sacroiliíte (SII) em Doença Inflamatória Intestinal (DII), Artrite Reativa, uveíte anterior aguda ou história de alguma dessas desordens em parente de primeiro grau; e presença de FR positivo em duas ocasiões com três meses de diferença. A artrite é em geral simétrica e poliarticular. O laboratório mostra leucocitose importante, anemia, trombocitose, aumento de ferritina e também de provas de atividade inflamatória como velocidade de hemosedimentação (VHS) e proteína C reativa (PCR). Artrite Idiopática Juvenil Larissa Reis 2021.1 Complicação: SAM (Síndrome de Ativação Macrofágica) o Potencial fatal o Em torno de 7 a 13% dos casos de AIJ sistêmica evoluem o Trigger comum - infecção viral o Febre persistente o Sangramentos – plaquetopenia e CIVD o Pancitopenia o Tratamento Rastrear infecção concomitante Corticóide altas doses Ciclosporina Imunoglobulina EV Artrite Idiopática Juvenil Larissa Reis 2021.1 SAM O quadro clínico caracteriza-se pelo aparecimento de febre alta, de início súbito e não responsiva a antitérmicos, hepatoesplenomegalia, linfadenomegalia, insuficiência hepática, encefalopatia, coagulopatia e manifestações hemorrágicas. Na avaliação laboratorial, notam-se pancitopenia, aumento de transaminases, desidrogenase lática, triglicerídeos, ferritina e PCR, queda da albumina e VHS normal. De acordo com os critérios EULAR/ACR/PRINTO, um paciente com AIJ sistêmica e febre é diagnosticado com SAM se apresentar hiperferritinemia e mais 2 dos seguintes: plaquetopenia, aumento de TGO, hipertrigliceridemia ou hipofibrinogenemia. Portanto, febre e elevação de ferritina são condições obrigatórias. Formas atípicas Crianças com AIJ podem desenvolver sintomas gastrointestinais e dificuldade de crescimento devido à própria doença ou como complicações do seu tratamento. Além disso, alguns estudos mostram que doenças gastrointestinais primárias como a Doença celíaca (DC) podem estar associadas a diferentes doenças autoimunes, entre as quais a AIJ. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Os exames laboratoriais para o diagnóstico de AIJ incluem basicamente o hemograma e testes que avaliam a presença de inflamação, como a determinação da velocidade de hemossedimentação (VHS) e a dosagem de proteína C reativa (PCR). Os testes imunológicos como a determinação de Fator Reumatoide (FR), e a detecção do HLA B27 ajudam na separação de subtipos de A SAM é considerada um tipo de Hemofagocitose Linfohistiocítica (HLH), que pode ser primária ou secundária. Na forma primária, ocorre defeito no controle da ativação de células T e células NK, levando a produção descontrolada de citocinas que resulta na excessiva ativação e invasão de tecidos por linfócitos T e macrófagos. Nos casos secundários, como ocorre na AIJ sistêmica, a tempestade de citocinas e hemofagocitose de células sanguíneas pelos macrófagos CD163 é a responsável pelas manifestações clínicas e laboratoriais da HLH. Artrite Idiopática Juvenil Larissa Reis 2021.1 UVEÍTE (IRIDOCICLITE) E AIJ Crônica anterior Assintomática Screening: Lâmpada de fenda DX, 3M, 6M, anualmente FAN + Sexo feminino < 7 anos e primeiros 4 anos HLA-B27+ e sexo masculino: anterior e aguda AIJ e a identificação de Fator Antinuclear (FAN), na avaliação do risco de uveíte. Diagnóstico por imagem Recentemente, Colebatch-Bournet e colaboradores desenvolveram níveis de evidências científicas para os exames de imagem como parte do diagnóstico da AIJ. Embora estas considerações sejam baseadas em estudos observacionais e apresentem um grau de recomendação C, estes autores ressaltam que os pontos a seguir merecem discussão pela sua significância na prática clínica. 1) A ultrassonografia (US) e a Ressonância Magnética (RM) são superiores à avaliação clínica no diagnóstico de inflamação articular. 2) Quando houver dúvida diagnóstica baseada nos sinais clínicos, radiografias (RX), US ou RM podem ser utilizadas para auxiliar na certeza do diagnóstico de AIJ. 3) Se houver necessidade de detecção de anormalidades estruturais ou destruição articular, o RX pode ser utilizado, mas a RM ou US podem detectar estas alterações mais precocemente. 4) Na AIJ, exames de imagem podem ser mais benéficos que a avaliação clínica para determinar inflamação em determinadas articulações, como o uso da RM na articulação temporo-mandibular (ATM) ou axial. 5) A imagem na AIJ pode ser utilizada como indicador prognóstico. O dano no RX pode ser usado como preditor de dano articular subsequente. Do mesmo modo, o achado de inflamação persistente no US ou RM pode ser preditivo de dano articular subsequente. 6) Na AIJ, US e RM podem ser utilizados para monitorar atividade de doença devido a maior sensibilidade destes métodos radiológicos sobre exame clínico. RM deve ser considerada para monitorar atividade de doença em ATM e envolvimento axial. Artrite Idiopática Juvenil Larissa Reis 2021.1 7) A avaliação periódica de dano articular deve ser considerada. A modalidade de imagem é dependente da articulação. 8) O US pode ser usado para melhor acurácia da injeção de corticoide intra articular. 9) US e RM podem detectar inflamação quando doença inativa está clinicamente presente; e isto pode ter implicações na monitorização da doença. TRATAMENTO AIJ Os principais objetivos do tratamento são o alívio da dor, a remissão da atividade de doença, a normalização da função motora, além de assegurar o crescimento e desenvolvimento normais e a melhora da qualidade de vida do paciente. Se não tratada, pode persistir até a idade adulta e causar morbidade significativa a longo prazo. o NÃO MEDICAMENTOSO 1. Educação da família 2. Estímulo atividade escolar e extra-escolar 3. Atividade física 4. Fisioterapia 5. Suporte psicológico o TRATAMENTO AIJ – MEDICAMENTOSO 1. AINE – 1ª LINHA a. Refratário: associação de MMCD Os AINE não modificam o curso da doença e são usados como medicação sintomática. Os AINE aprovados e mais comumente usados em pediatria são o naproxeno e o ibuprofeno. No SUS apenas o ibuprofeno é disponível em formulação líquida, sendo indicado para crianças de baixa idade. É opcional a associação de inibidor de bomba de prótons como o omeprazol para reduzir efeitos adversos gástricos. Não se recomenda usar AINE como monoterapia por mais de 2 meses. Os medicamentos considerados como segunda linha são medicamentos modificadores do curso da doença (MMCD), entre eles, o Metotrexato (MTX), a Sulfassalazina e a Leflunomida, de acordo com o subtipo. Quando não há resposta com estas medicações após três meses de uso, deve-se considerar o emprego de medicamentos biológicos, agentes de terceira linha que foram desenvolvidos nas últimas décadas com o objetivo de diminuir sequelas da artrite crônica. Podem ser utilizados MMCD de origem sintética (MMCDs) ou biológica (MMCDb) e a escolha é feita de acordo com a idade do paciente, o subtipo de AIJ e resposta aos diferentes esquemas de tratamento. Em geral, inicia-se com um MMCDs e, em casos de falha terapêutica ou resposta incompleta, recomenda-se o uso de MMCDb. Duas exceções são a AIJ sistêmica com manifestações sistêmicas ativas e a artrite relacionada a entesite com sacroiliíte, nas quais os Acompanhamento mais periódico Artrite Idiopática Juvenil Larissa Reis 2021.1 biológicos poderão ser prescritos antes dos sintéticos, respeitando as faixas etárias indicadas na informação técnica do medicamento. SUBTIPO CLASSE MEDICAMENTOSA RECOMENDADA MEDICAMENTOS AIJ Sistêmica Preferencialmente anti-IL6 Tocilizumabe. Poliarticular ser manifestações sistêmicas Anti-TNF-α e CTLA4-Ig Etanercepte, Adalimumabe, Infliximabe, Abatacepte. Artrite relacionada à entesite Anti-TNF-α Etanercepte,Adalimumabe, Infliximabe. AIJ oligoarticular e poliarticular Anti-TNF-α, CTLA4-Ig, anti-IL6 Etanercepte, Adalimumabe, Infliximabe,Abatacept e, Tocilizumabe. 2. Sistêmica: glicocorticoide oral A administração de glicocorticoide por via sistêmica, em altas doses, sob a forma de pulsoterapia endovenosa ou oral, deve ser reservada apenas para o manejo das manifestações extra articulares da artrite sistêmica (febre alta que não responde aos AINE, anemia grave, miocardite ou pericardite) e complicações como a SAM. Apesar do rápido efeito anti- inflamatório e imunossupressor, glicocorticoides não devem ser mantidos por longos períodos devido aos graves efeitos adversos. Uma indicação excepcional de glicocorticoide por via sistêmica, apenas por curto período (menos de 3 meses), seria em casos graves de AIJ poliarticular que não podem aguardar algumas semanas pelo efeito dos MMCD. Nestes casos, enquanto se aguarda o efeito terapêutico de um MMCD iniciado recentemente, um curto período de prednisona ou prednisolona em dose baixa (0,2- 0,5 mg/kg/dia) pode ser considerado. Glicocorticoide intra-articular (GC IA) A aplicação de glicocorticoide intra-articular é uma forma especial de dose alta (de ação local) muito empregada na AIJ. É bastante eficaz na maioria dos casos, proporcionando alívio rápido dos sintomas, principalmente na AIJ oligoarticular, evitando-se o uso de terapia sistêmica. Múltiplas infiltrações podem ser feitas em um só dia, geralmente com sedação ou anestesia em crianças pequenas. As principais complicações do uso desta via são o aparecimento de atrofia do tecido subcutâneo, calcificações periarticulares, sinovite induzida por cristais e artrite séptica. Bibliografia DA ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL, A. I. J. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas. CONITEC - 2019. MALIKI, Amanda D.; SZTAJNBOK, Flavio R. Artrite idiopática juvenil: atualização. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, v. 15, n. 2, p. 140-145, 2016.