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Montes Claros/MG - 2014 Ireny Caldeira de Souza Oliveira José Lúcio Ferreira Higino 2ª edição atualizada por José Lúcio Ferreira Higino Filologia românica 2ª EDIÇÃO 2014 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Maria Ivete Soares de Almeida DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Humberto Velloso Reis EDITORA UNIMONTES Conselho Consultivo Antônio Alvimar Souza César Henrique de Queiroz Porto Duarte Nuno Pessoa Vieira Fernando Lolas Stepke Fernando Verdú Pascoal Hercílio Mertelli Júnior Humberto Guido José Geraldo de Freitas Drumond Luis Jobim Maisa Tavares de Souza Leite Manuel Sarmento Maria Geralda Almeida Rita de Cássia Silva Dionísio Sílvio Fernando Guimarães Carvalho Siomara Aparecida Silva CONSELHO EDITORIAL Ângela Cristina Borges Arlete Ribeiro Nepomuceno Betânia Maria Araújo Passos Carmen Alberta Katayama de Gasperazzo César Henrique de Queiroz Porto Cláudia Regina Santos de Almeida Fernando Guilherme Veloso Queiroz Jânio Marques Dias Luciana Mendes Oliveira Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Maria Aparecida Pereira Queiroz Maria Nadurce da Silva Mariléia de Souza Priscila Caires Santana Afonso Zilmar Santos Cardoso REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Carla Roselma Athayde Moraes Waneuza Soares Eulálio REVISÃO TÉCNICA Karen Torres C. Lafetá de Almeida Káthia Silva Gomes Viviane Margareth Chaves Pereira Reis DESIGN EDITORIAL E CONTROLE DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDO Andréia Santos Dias Camila Pereira Guimarães Camilla Maria Silva Rodrigues Fernando Guilherme Veloso Queiroz Magda Lima de Oliveira Sanzio Mendonça Henriiques Wendell Brito Mineiro Zilmar Santos Cardoso Diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS/ Unimontes Maria das Mercês Borem Correa Machado Diretor do Centro de Ciências Humanas - CCH/Unimontes Antônio Wagner Veloso rocha Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA/Unimontes Paulo Cesar Mendes Barbosa Chefe do Departamento de Comunicação e Letras/Unimontes Mariléia de Souza Chefe do Departamento de Educação/Unimontes Andréa Lafetá de Melo Franco Chefe do Departamento de Educação Física/Unimontes rogério Othon Teixeira Alves Chefe do Departamento de Filosofi a/Unimontes Ângela Cristina Borges Chefe do Departamento de Geociências/Unimontes Anete Marília Pereira Chefe do Departamento de História/Unimontes Francisco Oliveira Silva Jânio Marques Dias Chefe do Departamento de Estágios e Práticas Escolares Cléa Márcia Pereira Câmara Chefe do Departamento de Métodos e Técnicas Educacionais Helena Murta Moraes Souto Chefe do Departamento de Política e Ciências Sociais/Unimontes Carlos Caixeta de Queiroz Ministro da Educação José Henrique Paim Fernandes Presidente Geral da CAPES Jorge Almeida Guimarães Diretor de Educação a Distância da CAPES João Carlos Teatini de Souza Clímaco Governador do Estado de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho Júnior Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Narcio rodrigues da Silveira Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos reis Canela Vice-Reitora da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes Maria Ivete Soares de Almeida Pró-Reitor de Ensino/Unimontes João Felício rodrigues Neto Diretor do Centro de Educação a Distância/Unimontes Jânio Marques Dias Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Autores Ireny Caldeira de Souza Oliveira Especialista em Filologia (curso em andamento. PUC - Minas); Docência de Ensino Superior (disciplina isolada do Mestrado em Desenvolvimento Social – Unimontes); Linguística Aplicada ao Ensino de Português (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-Minas);Língua Portuguesa: Leitura e Produção de Textos(PUC-Minas); Língua Portuguesa (PUC-Minas): Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (PUC-Minas); Língua Portuguesa (PUC-Minas): Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (Fundação Norte Mineira de Ensino Superior – FUNM – Unimontes). Graduada em Letras /Francês e suas Literaturas pela Unimontes (FUNM). Curso Superior de Francês (Alliance Française -FUNM).Professora, organizadora e conteudista dos Cadernos de texto das disciplinas: Fundamentos do Português; Literatura Infantil; Leitura e Produção Textual; Fundamentos do Ensino de Português (para o curso Normal Superior (Unimontes); das disciplinas Estilística, Filologia, Fundamentos da Linguística; Linguística Aplicada, Língua Portuguesa, Semântica, Gramática Histórica(para os cursos emergenciais e modulares de Letras/Português e Letras/Inglês). Atualmente: Coordenadora da área de Português do Projeto NAP/Unimontes; Professora dos cursos de Letras/Português, Administração e Ciências Contábeis. Professora, com experiência em ensino superior, há 30 anos. José Lúcio Ferreira Higino Especialista em Ensino de Língua Inglesa e graduado em Letras/Inglês pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes.Atualmente, é professor do Departamento de Comunicação e Letras da Unimontes e Professor Conteudista e Formador dos Cursos de Letras da Universidade Aberta do Brasil – UAB. Sumário Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Unidade I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 Filologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.2 Filologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.3 Filologia: da sntiguidade ao século XX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13 1.4 A filologia na idade média. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16 1.5 O século XIX e a Filologia comparada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 1.6 Diacronia das línguas românicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31 Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33 O trabalho filológico e seus métodos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33 2.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33 2.2 Crítica textual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.3 Crítica Histórico-Literária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35 2.4 Edição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 2.5 Métodos da filologia românica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .42 Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43 Referências básicas, complementares e suplementares . . . . .45 Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47 9 Letras Português - Filologia Românica Apresentação Prezados Acadêmicos e Acadêmicas, Com muita satisfação, damos-lhes as boas-vindas ao estudo de Filologia Românica. Somos José Lúcio Ferreira Higino e Ireny Caldeira de Souza Oliveira, professores de Filologia Românica, na Universidade Estadual de Montes Claros. Esperamos despertar, em todos vocês, o interesse e o gosto por essa disciplina. Devido à exiguidade da extensão do curso, bem como ao imenso e rico campo de estudo da Filologia Românica, ater-nos-emos, atendendo à nossa ementa, aos principais pontos da histó- ria externa das línguas românicas, com uma visão geral dessas línguas, especialmente da língua portuguesa. A história interna, embora interdependente, será explorada em seus aspectos estri- tamente relevantes, mesmo porque, esta será estudada em disciplina específica. Filologia Românica estuda a formação das línguas, ditas românicas, do português ao rome- no, passando pelo castelhano, catalão, gascão, provençal (hoje occitano), francês, rético (com suas três variedades), sardo, italiano e dalmático. A Filologia é uma ciência multidisciplinar e, para alcançar seus objetivos, conta com o auxílio de todos os ramos do conhecimento, isso porque considera a língua uma herança social, de evo- lução multissecular. Adquirimos e desenvolvemos a língua materna na nossa família, no nosso meio social, não a inventamos e nem nos cabe o direito de modificá-la. E, ao mergulhar em sua fascinante história, conheceremos a sua verdadeira estrutura, desde a ortografia à semântica, do léxico à morfologia e à sintaxe. Como vimos, além de agradável, o estudo da Filologia Românica é fundamental para a for- mação do professor de línguas, sobretudo, do português e espanhol, pois possibilitará visão ge- ral da formação e evolução das chamadas línguas românicas, isto é, aquelas que se formaram a partir da modificação do latim vulgar introduzido pelos romanos na Península Ibérica. Bom estudo! 11 Letras Português - Filologia Românica UNIDADE I Filologia Ireny Caldeira de Souza Oliveira José Lúcio Ferreira Higino 1.1 Introdução Caro(a) acadêmico(a), nesta unidade aprenderemos, um pouco, sobre a Filologia, o significa- do do vocábulo, sua origem e sua trajetória até os dias atuais. Veremos, também, a diacronia das línguas românicas, isto é, estudaremos a formação e evolução dessas línguas, até o presente. 1.2 Filologia A palavra Filologia provém de dois radicais gregos: phílos,“amigo”, “amante”, e logos, “es- tudo,” “ciência” (φιλό-λόγόα). O vocábulo entrou na língua portuguesa por intermédio do la- tim philologus,“amigo das letras”, cujo significado etimológico é “amor da ciência”, “culto da erudição”. A palavra passa às línguas modernas de cultura como eruditismo. Francês: philo- logie; espanhol: filologia, de 1732;português e italiano: Filologia; inglês: philology, de 1614 (provavelmente por meio do francês); alemão: Philologie, todos entre o século XIV e XVIII. O termo não é unívoco; portanto, a partir de agora, vocês verão como ele recebe variadas defi- nições. Vamos lá! Segundo Lázaro Carreter (1990, p. 187), a Filologia é “[...] ciência que estuda a linguagem, a literatura e todos os fenômenos de cultura de um povo ou de um grupo de povos por meio de textos escritos”. Pessoal, reparem a data desta fotografia: 1904. O vocábulo “Filologia”, preocupando-se com as atividades da linguagem do homem e de suas manifestações através das obras de arte escritas nessa linguagem, mais as disciplinas que delas cuidam metodicamente, comporta vá- rios conceitos em suas primeiras definições, daí a conceituação variar de acordo com o que se segue abaixo. O significado da palavra Filologia quase sempre esteve relacionado à ciência da cultura. É uma ciência muito antiga, mas, modernamen- te, o vocábulo tornou-se ambíguo, porque, com o passar da história e dos acontecimentos no mundo, outras ciências foram aparecendo com campo definido de estudo sobre o que ante- riormente era o objeto da Filologia. Lausberg (1981, p. 21) aponta como seu objeto de estudo as “obras” ou “textos”, tanto os textos de uso pragmáticos, como também os textos de uso repetido, ou seja, literários. Basseto (2005, p.17)assevera que “[...] o fi- lólogo é aquele que apreende a palavra, a ex- pressão da inteligência, do pensamento alheio e, com isso, adquire conhecimentos, cultura e aprimoramento intelectual”. DICA A necessidade de cons- tituir textos autênticos se faz sentir quando um povo de alta civilização toma consciência dessa civilização e deseja pre- servar dos estragos do tempo as obras que lhe constituem o patrimô- nio espiritual; salvá-las não somente do olvido como também das alterações, mutilações e adições que o uso popular ou o desleixo dos copistas nelas introduzem. Tal necessi- dade se fez já sentir na época dita Helenística da Antiguidade grega, no terceiro século a.C., quando os eruditos que tinham seu centro de atividades em Alexan- dria registraram por escrito os textos da antiga poesia grega, sobretudo Homero, dando-lhes forma definitiva. Desde então, a tradição da edição de textos antigos se manteve durante toda a Antiguidade; teve igualmente grande importância quando se tratou de constituir os textos sagrados do Cristianismo (AUERBA- CH, 1972, p. 11). ◄ Figura 1: Typos das ruas - O Aguadeiro.Edição: F.A. Martins- n°2. Ano: 1904 Fonte: Coleção Hugo D.Disponível em http:// postaisportugal.canalblog. com. Acesso em 20 jul. 2009. 12 UAB/Unimontes - 3º Período Dubois (1993, p. 278), em seu Dicionário de linguística, afirma que “a filologia é uma ciência histórica que tem por objeto o conhecimento das civilizações passadas através dos documentos escritos que aquelas nos deixaram, os quais nos permitem compreender e explicar as sociedades antigas”. Miazzi (1976, p.15) assume uma posição clara e de consenso. Segundo ela, do ponto de vista filológico, cabe ao romanista a pes- quisa e publicação de textos, enquanto, no plano linguístico, estuda ele os múltiplos aspectos da história das línguas neolati- nas, sua evolução a partir do latim vulgar, as influências externas que receberam, os contactos que mantiveram entre si, a sua fragmentação dialetal, enfim, todos os fenô- menos concernentes à fonética, à morfolo- gia, à sintaxe e ao léxico. Modernamente, com efeito, puramente didático, alguns autores têm dividido o estudo da Filologia em duas perspectivas: • Da Linguística – que estuda, cientificamente, as línguas do ponto de vista sincrônico (em uma dada época, em seu estado atual), ou seja, a Linguística Descritiva; e/ou diacrônico (através dos tempos), ou seja, a Linguística Histórica. Mais especificamente, o que melhor delimita este campo é o estudo comparativo e histórico das línguas. • Da Filologia Textual/Crítica Textual – que estuda o processo de transmissão dos textos, com o objetivo de restituir e fixar sua forma original. Embora, historicamente, a Crítica Textual te- nha privilegiado o estudo dos textos literários, atualmente considera tanto os textos literá- rios como os não literários. Rosa BorgesSantos Carvalho afirma: ... nossa abordagem amplia-se pelo terreno da Filologia Textual/Crítica Textual que se caracteriza por sustentar uma investigação de natureza interdisciplinar, ou seja, tanto a Filologia, enquanto crítica de textos, fornece matéria-prima – textos fidedignos, portadores de conteúdos historiográficos, literários, doutri- nários, lingüísticos – para diversos especialistas, linguistas, literatos, historiado- res, por exemplo, quanto outras disciplinas oferecem subsídios para o trabalho do filólogo. Teremos então de reconhecer à Crítica Textual um estatuto deter- minante, na medida em que condiciona os objetos de outras disciplinas e in- flui, consequentemente, na qualidade e no alcance dos respectivos produtos, nas edições que apresenta. Por mais rígidos que sejam os pesquisadores, se não forem precavidos quanto aos cuidados críticos relacionados à constitutio- textus, se não tiverem por base um texto crítico, poderão ter questionadas as suas conclusões (CARVALHO, 2003,p.35). Filologia x literatura A atual definição de Filologia não difere, em sua essência, daquela que se fazia anteriormente, ou seja, como o disciplina do saber, continua estudando a lín- gua e a literatura. No plano linguístico, a Filologia considera os vários aspectos da história das línguas, sua evolução, as influências que receberam, a fragmen- tação dialetal, todos os fenômenos relacionados com a fonologia, a morfolo- gia, a sintaxe e o léxico (CARVALHO, 2003,p.35). Quanto à literatura, trata dos autores e obras literárias; revisa a história da literatura através dos movimentos culturais e estéticos, tendências e estilos mais relevantes; analisa temas, gêne- ros e formas literárias comuns a diversas línguas e culturas; discute como as diferentes correntes de pensamento têm influenciado na estética, na arte e na comunicação ao longo do tempo. Enfim, as “Filologias” trabalham sobre as línguas, sobre os textos e sobre as culturas, a partir de motivações diferentes. Cabe, portanto, ao filólogo posicionar-se criticamente em relação aos objetos linguísticos, estético-lite- rários e culturais (CARVALHO, 2003,p.35). ▲ Figura 3: Imagem da folha de rosto de um manuscrito. Fonte: Disponível em http://images.google.com. br/imagens. Acesso em 20 jul. 2009. Figura 2: Uma letra “P” capitular iluminada na Bíblia de Malmesbury, um livro medieval Ficheiro: Histórico de edições de “Iluminura”. Fonte: Disponível em Wikipédia,a enciclopédia livre. Acesso em 20 jul. 2009. ► 13 Letras Português - Filologia Românica Houaiss(1970, p. 4599)define a Filologia em sua acepção mais geral, “como destinada a pes- quisar, estudar, perpetuar, através das manifestações linguísticas de um povo, seu gênio próprio, sua civilização e sua evolução cultural”. Ainda, que “suas fontes de informações são os textos le- gados por esse povo em diferentes épocas, textos não só literários, mas também religiosos, histó- ricos, filosóficos e científicos”. 1.3 Filologia: da antiguidade ao século XX O estudo da língua inicia-se com os Hindus, os quais sentiram necessidade de preservar os textos religiosos contidos nos Vedas, considerados sagrados, para que os hinos e cânticos não sofressem nenhuma alteração, durante a sua execução nos ritos religiosos, pois sendo apenas falada, a língua tende a deturpar-se. Esse povo, então, passou a pesquisar e estudar sobre sua língua, resultando em trabalhos considerados muito mais completos do que os da gramática tradicional do ocidente, no que diz respeito à fonética e à estrutura interna dos vocábulos. Deu-se, na Índia, maior importância à língua escrita, pois os textos sagrados induziram naturalmente a isso. Trataram os hindus, melhor que os gregos, a fonética, havendo introdu- zido as noções de raiz, afixo, flexão e desinência. Também distinguiram as classes de pala- vras, fazendo distinção entre substantivo e verbo, preposições e particípios, e estabeleceram glossários, a fim de garantir a interpretação dos textos clássicos. Os gramáticos hindus precederam os gregos nos estudos da língua; porém, mantiveram a tradição científica autônoma sem influência para fora do seu meio. Foram, finalmente, pou- co antes de 1.800, descobertos pelos linguistas do Ocidente, os quais estabeleceram uma nova e maior síntese geral, expli- cativa de todo o contexto das lín- guas indo-europeias. Portanto, deste povo não podemos esquecer. Os Hindus tiveram como seu representan- te maior, nos estudos da língua, o gramático Pãnini, cuja obra só agora vem sendo conhecida. Ao estudar a língua Sânscrita, ele não ficou limitado apenas a estu- dar os textos sagrados,mas estu- dou, principalmente, a língua de seu tempo. Dedicou-se ao estudo do valor e do emprego das pala- vras e fez de sua língua,com preci- são e minúcias admiráveis, descri- ções fonéticas e gramaticais que são modelares no gênero. Sua gra- mática foi modelo para muitos es- tudiosos das Escolas Linguísticas da era moderna. Pãnini estudou, observou e analisou esses textos, e compilou a primeira gramática do Sânscrito, expondo minuciosa- mente em 4.000 regras o sistema gramatical desta língua. DICA Linguística não é Filologia. Linguística é o estudo da linguagem humana considerada na base da sua mani- festação como língua. Trata-se de uma ciência desinteressada, que observa e interpreta os fenômenos linguís- ticos para depreender os princípios funda- mentais que regem a organização e o funcio- namento da faculdade da linguagem entre os homens, a) numa dada língua, b) numa família ou bloco de línguas, c) nas línguas em geral (CÂMARA JR., 1986, p.159). DICA Continuando, no mesmo verbete “Lin- guística”, acrescenta Câmara: A Linguística é uma ciência recente, pois data do século XIX o estudo científico e desinteressado dos fenômenos linguísticos. A princípio, concentra- va-se nos fenômenos de mudança linguís- tica através do tempo como Linguística Comparativa, especial- mente indo-europeia, baseada na técnica do comparativismo. Hoje, alargou-se-lhe o âmbito, distinguindo- se, ao lado do estudo histórico (Linguística Diacrônica), o estudo descritivo (Linguística Sincrônica), porque “a fixidez aparente da língua, sendo uma realidade social, é que a permite funcionar nos grupos humanos como meio essencial de comunicação e esteio de toda a vida mental – individual e coletiva” (CÂMARA JR. 1977, p.39-40). (CÂMARA JR., 1986, p.160) ◄ Figura 4: O Livro dos Vedas. Fonte: Dados Técnicos. Tradutor: Raul Xavier. Coleção: Suprema Joia da Sabedoria. Ano: 1972. 14 UAB/Unimontes - 3º Período BOX 1 Pāṇini (Devanāgarī significando “descendente de Paṇi”) Nascido em Gandhara (c.520 a.C. – c.460 a.C.), foi um gramático indiano que compôs uma gramática sânscrita com o nome Ashtadhyayi (sânscrito transliterado ashta = oito + adhyaya = capítulo), constituída por 8.000 sutras ou aforismos, cuja consistência e encadeamento lógico apresentam notável rigor. A gramática de Pānini é convencionalmente usada para marcar o fim do Sânscrito Védico, introduzindo o Sânscrito clássico.O testemunho dos registros histó- ricos disponíveis leva a comunidade científica a reputá-la como a primeira gramática de uma língua produzida na história da civilização humana.Essa gramática foi traduzida pela primeira vez para uma língua europeia no alemão, por Böthtlingk, en Leipzig (Alemanha), entre 1837 e 1840. Pānini resume e sintetiza toda uma tradição (até então apenas oral) de gramáticos india- nos anteriores: refere pelo nome a 68 predecessores, inclusive o imediatamente anterior. Sua obsessão pelo estudo do sânscrito deve-se ao fato de que era considerada a “língua dos deu- ses”, e os eruditos davam-se conta de que ela se estava modificando ou “corrompendo”. Comefeito, cria-se então que apenas uma ligeira diferença ou erro de pronúncia poderia invalidar uma vasta e complicada cerimônia religiosa da cultura local. Decorre disso o rigoroso estudo fonético do sânscrito encontrado nesse texto: a análise da segunda articulação é tão profunda que se admira pela sua modernidade. Trata-se, porém, de uma pseudociência, já que carece por completo de uma base metodológica científica: prescinde por completo do conceito de fonema, e a palavra tem como constituinte fundamental o swara (ou sopro vocal), modificado ao longo de sua trajetória pelos diferentes pontos de contato desde os pulmões. Os pontos de articulação são descritos de modo tão exaustivo que chegam a dar uma verossímil impressão de cientificidade. A ciência ocidental tardaria mais de dois mil anos para alcançar tal grau de análise. Fonte: Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Vedas . Acesso em 15 de ago. 2009 Não podemos nos esquecer, também, que foi muito significativa a descoberta do Sânscrito, no final do século XVIII, pelos sábios do Ocidente. Essa língua alcançou sua forma clássica e, a partir de então, ela só se desenvolveu em seu vocabulário. Essa descoberta foi muito importante, pois a partir dela pôde-se descrever o parentesco existente entre as diversas línguas. Os linguis- tas perceberam, por exemplo, as semelhanças entre o sânscrito, o grego e o latim. O sânscrito foi considerado língua-mãe de todas as outras línguas, mas isso durou pouco tempo, e logo se percebeu que o sânscrito era uma língua irmã do latim e do grego, e que todas variavam de uma língua ainda mais antiga. A partir daí, começa-se a comparar as línguas à procura de parentescos entre elas. Os saberes sobre a tradição gramatical da Índia foram fundamentais ao desenvolvimento das pesquisas feitas pela corrente dos comparatistas. A linguística do século XIX revela clara in- fluência dessa tradição e, estudos mais recentes, no campo da linguagem, comprovam a impor- tância dos princípios propostos por Pãnini, tais como o da “exaustividade”, da “coesão” e da “eco- nomia”. Foi na Grécia que o termo Filologia foi usado pela primeira vez, com variados sentidos em relação às épocas e aos autores que o utilizavam. Antes de surgir como substantivo ou verbo (Fi- lologia e Filologar), foi encontrado como adjetivo (Filólogo) em Platão e em Aristóteles. O sig- nificado etimológico da palavra é “o amigo da palavra”, sendo palavra, nesse caso, sinônimo de expressão, exteriorização da inteligência, “por isso, o filólogo é aquele que apreende a palavra, a expressão da inteligência, do pensamento alheio e, com isso, adquire conhecimentos, cultura e aprimoramento cultural”. (BASSETO, 2005, p.17). Mais tarde, quando a escrita se tornou mais co- mum, o termo passou a designar aqueles que sabiam ler e escrever, e, depois, aqueles que gos- tam de falar ou aprender, ouvindo. O estudo da língua, na Grécia, data do século V a.C. Os gregos pensavam e estudavam ape- nas em sua própria língua. O estudo da língua era feito com a intenção de se compreender e pre- servar textos antigos, e como tomavam por base somente o grego, sem compará-lo com outras línguas, chegavam a falsas conclusões, pois davam mais valor às suposições do que às experiên- cias. Assim, a base filosófica tornava as definições muito abstratas, e por ser puramente norma- tiva, a gramática grega só ensinava a ler e aescrever. Apesar dessas restrições, “os gregos foram os precursores dos estudos da linguagem por lançarem as bases fundamentais e as categorias gramaticais que permanecem até hoje traduzidas” (BORBA,1975, p.13). DICA Denominam-se Vedas os quatro textos, escritos em Sânscrito por volta de 1500 a.C., que formam a base do extenso sistema de escrituras sagradas do hinduísmo, que repre- sentam a mais antiga literatura de qualquer língua indo-europeia. Consistem de vários tipos de textos, todos datando aos tempos antigos. O núcleo é formado pelos Mantras que representam hinos, orações, encantações, mágicas e fórmulas rituais, encantos etc. Os hinos e orações são endereçados a uma grande quantidade de deuses (e algumas deusas), dos quais im- portantes membros são Rudra, Varuna, Indra, Agni etc. Os mantras são suplementados por textos relativos aos rituais sacrificiais nos quais são utilizados es- ses mantras e também textos explorando os aspectos filosóficos da tradição ritual, narrati- vas etc. Fonte: Disponível em http://pt.wikipedia.org/ wiki/Vedas . Acesso em 15 de ago. 2009. GLOSSárIO Veda: em sânscrito, vid- (reconstruída como sendo derivada do Pro- to-Indo-Europeu weid-) que significa conhecer, escreve-se veda no alfa- beto devanágari e sig- nifica “conhecimento”. É a forma guna da raiz vid- acrescida do sufixo nominal-a. Nos tempos modernos, estudos védicos são cruciais para a compreensão da linguística Indo-Euro- peia, como também da história indiana antiga. Fonte: Disponível em http://pt.wikipedia.org/ wiki/Vedas . Acesso em 15 de ago. 2009. 15 Letras Português - Filologia Românica A gramática era vista sob dois aspectos: “plano estético” (os procedimentos de estilo) e o “plano filosófico” (adequação da linguagem ao pensamento). Essa preocupação com a língua foi a base gramatical, estabelecida pelos gregos, que fundamentou os estudos linguísticos na Euro- pa séculos depois, embora os gregos considerassem o estudo da língua não como gramatical, mas sim como filosófico, tendo como tema central a relação pensamento/palavra, ou seja, o que leva determinada coisa a ter aquele determinado nome. As gramáticas tinham como objetivo: a) explicar e fixar a língua dos autores clássicos; b) proteger o grego, pois ao ser “falado por pessoas incultas”, correria o risco de corromper- se. Os representantes dessa escola foram os bibliotecários Zenódoto, Aristófanes de Bizân- cio e Aristarco da Samotrácia. Assim, fazendo a gramática parte da filosofia, os fatos linguísticos formaram a base das dis- cussões por parte de filósofos das escolas filosóficas de Platão, Aristóteles, estoicos e sofistas. No século III a.C., ao redor da biblioteca de Ale- xandria– a chamada "escola "alexandrina""– reuniam-se os sábios para fazer pesquisas linguísticas e literárias. Além do conheci- mento fundamental, os sábios de Alexan- dria davam grande importância ao saber prático. Os textos escritos em épocas anterio- res, como os de Homero, já não se mostra- vam em estado de pureza, e para melhor restabelecer o original e caracterizar os manuscritos autênticos e apócrifos, os estu- diosos usaram os conhecimentos de história, de geografia e de mitologia. Para Duarte Nunes, na época dos alexandrinos, acreditava-se que o tempo desfigurava e corrompia as palavras. Esse sen- timento, de certa forma, impregnaria o espírito racionalista dos filósofos e escritores dos séculos XVII e XVIII, os quais precisavam se dar a certeza de que nada se tinha perdido e que as línguas na- cionais eram até melhores que o latim para a expressão das ideias e sentimentos, uma concepção que passou a perdurar após ter sido feita a opção pela expressão nas línguas vernáculas. A língua grega da época helenística, isto é, o período da história da Grécia compreendido entre a morte de Alexandre III (O Grande) da Macedônia em 323 a.C. e a anexação do Egito por Roma em 31 a.C., já apresentava diferenças em relação à língua dos textos clássicos e pré-clás- sicos. Para facilitar a leitura das obras publicadas e fazer comentários, os alexandrinos viram a necessidade de preservar a língua, escrevendo gramáticas. Desse momento, até o século XIX, a língua literária, então, passa a ser a língua mais “pura” e mais “correta” que a língua falada. Os filólogos alexandrinos eram levados a estudar as antigas fases da língua e os traços dis-tintivos dos dialetos gregos. Conforme Câmara Jr: Assim, em um dicionário de Hesíquio, que viveu provavelmente no século V de nossa era, encontramos não somente palavras áticas, mas, também, vocábulos de outros dialetos gregos, do latim e, mesmo, de muitas línguas ‘não clássicas’, tais como o egípcio, o acadiano, o lídio, o persa, o frígio, o fenício, o cita e o parto. Vemos, assim, o início do estudo ‘de língua estrangeira’ como conse- quência do estudo “filológico”(CÂMARA JR, 1986, p.19). 1.3.1 Os povos latinos Os povos latinos foram influenciados pelos gregos em todos os aspectos humanos e sociais. Entretanto, demonstraram grandes dificuldades em estabelecer regras e acordos com as teorias gregas, mas terminaram ampliando os estudos casualmente. Adotaram, então, os pontos de vista dos estoicos – que estudaram os problemas filosóficos da origem da linguagem, ao estudo da lógica, retórica e pesquisas etimológicas buscando a verdade na origem das palavras–"a lingua- gem se origina, naturalmente, na alma dos homens e a palavra expressa a coisa conforme a na- tureza dela, suscitando, do mesmo modo, no ouvinte, uma impressão conforme a dita natureza" (BORBA, 1975, p. 13), e dos alexandrinos, que, além de se ocuparem com o estabelecimento de textos, também fizeram a crítica literária. DICA Correspondência entre som e símbolo- O Sânscrito é fonetica- mente preciso, isto é, cada som é represen- tado através de um símbolo único. Isto é bem diferente quando vemos, por exemplo, em português, que o símbolo “x” pode ser pronunciado e usado de diversas formas. ◄ Figura 5: Biblioteca ou Escola de Alexandria Fonte: Disponível em http://www.angelfire.com/ al/alexandriano1/bibliot. html. Acesso em 15 ago. 2009. 16 UAB/Unimontes - 3º Período Nesse período, a preocupação com a relação coisa/nome foi substituída pela relação anomalia/ analogia, sendo a anomalia a “falta de consequência continuamente observada entre palavra e pen- samento” (BORBA, 1975, p. 14), e a analogia a “tendência niveladora da língua” (BORBA, 1975, p. 14). A gramática surgida nesse período era puramente normativa, sendo usada para diferenciar o certo do errado e estava ligada à interpretação de textos. Os romanos já reconheciam as partes de um discurso, mas sem nomeá-las sujeito, predicado etc. Os primeiros tratados dirigidos aos escolares apareceram entre 37 e 52 d.C. e, depois, nos séculos IV e VI, outros também discursa- vam sobre as partes do discurso, as regras da retórica, métrica etc. Dessas partes do discurso, os romanos distinguiam o Nome (substantivos e adjetivos), Pronome, Verbo, Particípio, Advérbio, Preposição, Conjunção e Interjeição, com a exclusão do Artigo, que não tinha correspondente em latim. A morfologia visava os sons (vogais, consoantes, semivogais, mudas etc.). Em Roma, a gramática continuou a integrar-se à filosofia, e os filólogos a fazerem a crítica enquanto aprofundavam os estudos de retórica. A língua latina, por sua vez, deveria seguir as re- gras elaboradas pelos gregos. Entre os estudiosos latinos, destaca-se Varrão (116 a27 a.C.), que es- creveu a obra De Língua Latina (Sobre a língua latina), a fonte principal dos estudos latinos “e fez grande esforço para definir a Gramática ao mesmo tempo como ciência e como arte e que vislum- brou, com mais lucidez que os gregos, o valor da oposição de aspectos no sistema do verbo” (BOR- BA,1975, p.19). Embora, com as mesmas limitações dos gregos, tenham criado semelhantes fanta- siosas explicações e derivações para as palavras, os romanos avançaram ao estudar duas línguas. Prosseguem-se os trabalhos filológicos numa compilação enciclopédica, tomando novo rumo com as escolas dos séculos III, IV e V d. C, cujos nomes representativos são Cássio Longino, Porfírio, Donato, Macróbio e Prisciano. Donato e Prisciano produziram uma gramática que serviu de suporte didático da Idade Média até o século XVII. Eles estudaram, sobretudo, a língua literá- ria, portanto, o latim clássico, apoiando-se em Cícero e Virgílio. Outra obra significativa, que teve seu uso por muito tempo, foi De nuptiis Philologie et Mer- curii (Sobre as bodas da Filologia com Mercúrio), escrita por Marciano Capela (Martianus Capella) no século V, que, partindo das ideias de Isócrates e de Aristóteles, reuniu em torno das obras-pri- mas da poesias partes do conhecimento humano e as valoriza por essa função. 1.4 A filologia na idade média Na Idade Média, os bizantinos deram continuidade à tradição filológica clássica, muito lon- ge do antigo esplendor. Entre eles, sobressai-se Fócio, no século IX. No Ocidente europeu, os trabalhos filológicos entraram em visível decadência. O único trabalho digno de menção foi a cópia de manuscritos, pagãos ou cristãos, que os monges faziam nos mosteiros, seguindo a tra- dição inaugurada por Cassiodoro, no século V. Essa tarefa teve, porém, fundamental importância, porquanto, com a destruição das enormes bibliotecas de Alexandria e Constantinopla, foi graças a tais cópias que se pôde salvar uma parte significativa da cultura clássica, a qual, de outro modo, provavelmente teria desaparecido. DICA A Biblioteca de Ale- xandria se distinguiu por ser um centro universal, aberto ao saber e à pesquisa sem fronteiras. O acervo da biblioteca teve uma grande expansão no reinado de Ptolomeu III, que solicitava livros de todo o mundo para copiar e utilizava os mais diversos meios para obtê-los. Com isso, Alexandria se tornou um grande centro de fabricação e comércio de papiros, e uma le- gião de trabalhadores, ao lado de inúmeros copistas e tradutores, dedicavam-se a esse ofício. Dizem que a biblioteca chegou a ter 700.000 pergami- nhos. Era suporte para estudos de diversas áreas do conhecimen- to, como Filosofia, Matemática, Medicina, Ciências Naturais e Aplicadas, Geografia, Astronomia, Filologia, História, Artes etc. Os pesquisadores alexan- drinos organizavam ex- pedições para aprender mais em outras partes do mundo e desenvol- veram tanto as ciências puras como as aplica- das. Fala-se de inúme- ras invenções, como bombas para puxar água, sistemas de en- grenagens, odômetros, uso da força do vapor de água, instrumentos musicais, instrumentos para uso na astrono- mia, construção de espelhos e lentes. Figura 6: O cristianismo ortodoxo, uma das particularidades doImpério Bizantino. Fonte: Disponível em www.brasilescola.com/ historiag. Acesso em 22 ago. 2009. ► 17 Letras Português - Filologia Românica O latim foi a língua do Estado e da Igreja, da diplomacia, da erudição e da cultura, língua de transmissão dos ensinamentos ministrados aos alunos nas escolas seculares e nas univer- sidades, do estudo e explicação das Sagradas Escrituras, das discussões diplomáticas, dos en- contros entre intelectuais, enfim, ela fornecia os subsídios necessários para um maior desen- volvimento da cultura medieval, sendo, com isso, uma marca de sua autonomia. O sagrado e o profano, frutos da tradição escrita e oral, confluem no tecido linguístico desse latim. Sua gra- mática foi escrita baseada em Donato e Prisciano, como auxiliar no ensino do latim nas escolas. Língua que, ao ser levada e falada em outras regiões e países, se “corrompia”. No seu contato com povos de língua “bárbara“, isto é, na propagação do cristianismo, a tradução da Bíblia em gótico no século IV, em armênio no século V, e em eslavo no século IX, o latim alterou algumas teorias da tradição greco-latina. A Filologia, reconhecendo o particular, o individual, tornou-se estudo da língua, da gra- mática e, também, comentários anedóticos. Seus objetivos eram os “de analisar e fixar o texto correto; propor sua leitura correta; explicar palavras e passagens incompreensíveis; for- necer dadossobre o autor, sobre as fontes da obra e as circunstâncias em que foi escrita; julgar qualitativamente a mesma” (HOUAS- SIS,1970, p. 4600).A tendência à exegese alegórica foi herança dos estoicos, que se preocuparam muito com os problemas de significação – relação entre a palavra e o que designa, entre significante e o referente. Essa discussão reaparece no século XIII, com os escolásticos, que veem na língua um instru- mento de análise real. Os primeiros Padres da Igreja – Agostinho, Ambrósio, Orígenes – com a intenção de carrear toda produção escrita para as Escrituras, insistiram na tendência de que os sábios da Idade Média achassem em todas as obras a sua origem e seu fim na teologia e na filosofia. Assim, a filolo- gia passa por algum tempo no esquecimento. A tradição cultural fica sob a responsabilidade dos monges a partir de Cassiodoro (século VI). As escolas irlandesas (séculos VI e VII), anglo-saxônica (séculos VI e VIII) e carolíngia (séculos IX e X) ficaram responsáveis pela conservação dos manus- critos clássicos, que depois serão materiais de estudos na Renascença. Os objetivos eram de in- terpretações teológicas e, em razão da preocupação com a exegese alegórica, não viam relevân- cia com a originalidade e a pureza do manuscrito. Acadêmicos e acadêmicas, viram como é rica a história filológica? Vamos tomar fôlego, pois ainda temos um pouco de caminhada cultural. Reparem o cuidado em produzir uma capa bonita para os trabalhos! DICA Durante a Idade Média, a Igreja Católica deti- nha grande poder na Europa, fazendo com que a sociedade, a cul- tura e a política estives- sem sob o controle da instituição. Este poder concentrado fez com que os religiosos crias- sem doutrinas absurdas para extorquir dinheiro do povo. É o caso da venda de indulgências. O indivíduo só conse- guiria o perdão de seus pecados mediante o pagamento de uma taxa equivalente ao pe- cado cometido. Quanto maior o pecado, maior a taxa para a absolvi- ção. Outra doutrina era a simonia, ou seja, a venda de relíquias como fios de cabelo de santos, pedaços da cruz de Cristo e ossos da tíbia dos apóstolos. ◄ Figura 8: Manuscritos da Idade Média Fonte: Disponível em images.google.com.br/im ages?gbv=2&hl=PTBR&q= imagens+de+manuscritos &sa=N&start=80&ndsp=20 Acesso em 22 ago. 2009. ◄ Figura 7: Venda de indulgências Fonte: Arquivo pessoal dos autores. 18 UAB/Unimontes - 3º Período Agora, vamos adentrar por mais um período importantíssimo da Filologia. 1.4.1 A renascença Sabe-se que, nessa época, o interesse pela Antiguidade greco-latina renasceu na Europa, se bem que nunca tenha deixado totalmente de existir. Não obstante, antes da Renascença, não se trabalhava sobre os textos originais dos grandes autores, mas, antes, sobre remanejamentos e adaptações secundárias. A descoberta da medicina e do direito romano exigiram que se tives- sem textos merecedores de fé. No período anterior, não se importavam com esta verdade: os textos sofriam arranjos e adaptações e os autores da Antiguidade Clássica eram lidos em manuais de épocas muito poste- riores e, de longe, apenas mostravam a cultura literária greco-latina. Os textos autênticos teriam sumido, desaparecido nas guerras, ca- tástrofes, negligências e esquecimen- to; e os existentes eram cópias, devi- das, na maioria dos casos, a monges, e espalhadas por bibliotecas dos con- ventos. Muitas vezes elas estavam in- completas, sempre inexatas, algumas vezes mutiladas e fragmentárias ou eram simplesmente fragmentos dos originais. De numerosas obras não há praticamente autor da Antiguida- de cuja obra inteira tenha chegado a nós, e de muitos livros antigos se tinha uma só cópia, muitas vezes totalmente incompleta. DICA O Império Romano sen- tiu um de seus maiores golpes quando, em 395, o imperador Teodósio dividiu os territórios em Império Romano do Ocidente e do Oriente. Em 330, o imperador Constan- tino criou a cidade de Constantinopla no local onde anteriormente se localizava a colônia grega de Bizâncio. Não sentindo os reflexos da desintegração do Império Romano, a cidade de Constanti- nopla aproveitou de sua posição estratégica para transformar-se em um importante centro comercial. Cercada por águas e uma imponen- te fortificação, tornou- se uma salvaguarda aos conflitos que marcaram o início da Idade Média. Com o passar do tem- po, o Império Bizantino alcançou seu esplendor graças à sua prospe- ridade econômica e seu governo centrali- zado. No governo de Justiniano (527 – 565), o império implemen- tou um projeto de expansão territorial que visava a recuperar o antigo esplendor vivido pelo Antigo Império Romano. Figura 9: Manuscrito latino Fonte: Disponível e http://images. google.com.br/ images?gbv=2&hl =pt-BR&q=im agens+de+man uscritos&sa=N& start= 966&ndsp =21. Acesso em 22 ago. 2014. ► Figura 10: Monge escriba medieval. Fonte: Disponível em http://pt.wikipedia.org/ wiki/Idade_Média. Aces- so em 23 ago. 2009.. ► 19 Letras Português - Filologia Românica Mexias-Simon afirma: (...)o trabalho que se impunha aos humanistas era, primeiramente, encontrar os manuscritos que ainda existissem e, em seguida, compará-los e tentar extrair a redação autêntica do autor. Era uma tarefa muito difícil. Alguns manuscritos foram localizados pelos colecionadores, outros se perderam. Séculos transcor- reram até que se reunisse tudo que existia. Um grande número de documentos só foi descoberto muito mais tarde, nos séculos XVIII e XIX e nos chamados Pa- pirus do Egipto, que, ainda recentemente, enriqueceram nosso conhecimento dos textos, sobretudo da Literatura Grega. Em seguida, foi necessário compa- rar e julgar o valor dos manuscritos. Eram, quase todos, cópias de cópias feitas sobre cópias e essas já tinham sido escritas numa época em que a tradição já estava muito obscurecida. Muitos erros foram introduzidos nos textos; alguns copistas não sabiam ler bem a escritura de seu modelo, anterior, às vezes, de vários séculos. Há troca de palavras, mudanças de posição e modificações arbi- trárias. por falta de correto entendimento; os manuscritos podem também ser alterados por censura, gastos pelo tempo e pelos vermes. A partir dos huma- nistas, um método rigoroso de reconstituição foi estabelecido. Hoje em dia, é possível fotografar os textos, o que evita novos lapsos. Quando o filólogo tem, diante de si, várias versões do mesmo manuscrito, é preciso compará-las, por um método preestabelecido. O trabalho do filólogo é o de um genealogista (MEXIAS-SIMON, 2009, p.49). A Filologia renasce fortemente com a tradição filológica árabe-islâmica, crescendo, a partir do século IX, e influenciando o Ocidente, salvando documentos importantíssimos da Época Clás- sica. O grego e o latim, depois o hebraico, são estudados minuciosamente. A partir dessa época, surge a edição de textos como pensam os estudiosos modernos. Ela se transforma no principal fundamento do humanismo, na Itália, primeiramente, depois em toda a Europa. No final do sécu- lo XIII, muitos manuscritos são identificados e publicados. No século XIV, ressurge o interesse dos estudiosos para os documentos da Antiguidade. O grande invento de época é a descoberta da imprensa que vem multiplicar, fielmente, os documentos. Dando continuidade ao nosso estudo, vamos aprender que, mesmo passando tantos sécu- los, a língua estudada era a escrita e literária, de escritores considerados “bons”. Os dados cientí- ficos serão considerados ao se estudar a veracidade das fontes desses documentos. À Filologia apresentam-se, então, duas perspectivas de estudo: a) Uma formal cujo representante foi Júlio César Escalígero(1484-1558) que exerceu grande influência,tanto pela disputa mantida com Erasmo de Roterdã como por suas edições das obras de Aristóteles e Teofrasto. Seu trabalho intitulado De Causis Linguae Latinae foi vis- to como a primeira proposta de uma gramática latina científica. Como médico, poeta e humanista, foi o modelo renascentista do sábio, do filólogo na acepção grega e latina. O termo “filólogo” volta a qualificar os expoentes intelectuais. b) Outra mais histórica e enciclopédica de José Justo(1540-1609), filho de Júlio César, pro- motorda escola holandesa do século XVII. Essa última tendência começa com Guillaume Budé(1468-1540), Robert Estienne (1503-1559) e seu filho Henri Estienne(1531-1598). Uma perspectiva ainda mais formal (língua escrita e literária) surge primeiramente no iní- cio do século XVIII, em Cambridge, com Richard Bentley(1662-1742). 1.4.2 Os séculos XVII e XVIII O tempo passa, outras tradições não tão velhas suscitam o interesse dos eruditos. As outras línguas da Europa começam a despertar o interesse dos sábios. Surge a primeira gramática do Ir- landês no século XII, uma do Provençal no século XIII, e várias do Francês, redigidas por viajantes ingleses, nos séculos XIV e XV. O Basco já havia sido estudado no Século X. Todos esses trabalhos só serão considerados durante a Renascença. Em 1678, Charles Du Fresne Du Cange(1610-1688) publica seu Glossarium mediae et infimae latinitatis (Dicionário da Latinidade média e ínfima). Familiarizado com muitas línguas, Du Cange foi consultado por todos os lados, e obteve informações por meio de sua correspondência. Sua forte energia foi em grande parte gasta com a história da França e de Constantinopla. Para garan- tir uma base sólida para suas pesquisas, ele começou a dominar as línguas dos textos e foi inces- sante em seus esforços para aumentar o seu conhecimento do Bizantino Grego e do Baixo Latim. DICA Alguns linguistas contemporâneos acham que a fala é um objeto de estudo mais importante do que a escrita. Talvez porque ela seja uma caracterís- tica universal dos seres humanos, e a escrita não (pois existem muitas culturas que não possuem a escrita). O fato de as pessoas aprenderem a falar e a processar a linguagem oral mais facilmente e mais precocemente do que a linguagem escrita também é outro fator. Algunsacham que o cérebro tem um “módulo de linguagem” inato e que podemos obter conhecimento sobre ele estudan- do mais a fala que a escrita. 20 UAB/Unimontes - 3º Período BOX 2 O Latinitatis Glossarium mediae et infimae, publicado originalmente por Charles Du Fresne, SieurCanges (1610-1688), é um glossário de latim me- dieval e latim da sua época. Esse livro é, apesar de sua idade, uma referên- cia para a pesquisa histórica e linguística do Ocidente medieval. A edição eletrônica do Glossarium, com base nos arquivos resultantes da digitaliza- ção de imagens, é um modo de texto (codificação em XML de acordo com o modelo TEI P5) do Glossarium. Atualmente, apenas o volume 6 do livro (letras O, P, Q, é de cerca de 620 páginas, cerca de 6 000 páginas a serem processados) é processado e disponível. O aplicativo é o resultado do tra- balho de uma equipe multidisciplinar, incluindo um objetivo em longo prazo que é o de ajudar a entender melhor a semântica do latim medieval. Du Cange: Breves sunt dies hominis... Sola aetemitas longa. Breves são os dias dos homens... Apenas a eternidade é longa. Fonte: Disponível em http://ducange.enc.sorbonne.fr/. Acesso em 2 ago. 2009. Outro estudioso que deixou um legado também importante foi La Curne de Sainte-Palaye (1697-1781). Ele pesquisou, nos textos medievais, a história dos trovadores e foi o precursor do estudo comparativo das línguas românicas. Queridos estudantes: são muitas informa- ções, mas ainda temos muito a dizer, assim, vo- cês compreenderão melhor. Vamos lá? Os beneditinos de Saint-Maur-des-Fossés (quer dizer Fossos; Fossatiem Latim Medieval), uma abadia, nos arredores de Paris, fundada em 638 pela Rainha Nanthild, regente pelo seu filho Clóvis II, começaram, em 1733, a publica- ção da Histoire littéraire de France (História Lite- rária da França),na qual são analisados e inter- pretados diversos documentos da Idade Média. Também significativos foram os estudos de Leibniz. Ele não admitia a teoria de que a “língua-mãe” daria origem a outras línguas e deixa claro, a todos, que os documentos anti- gos só poderiam ser analisados e interpretados em comparação com os de línguas modernas. Em 1660, os gramáticos de Port-Royal, An- toine Arnauld [1612-1694] e Claude Lancelot [1616-1695], publicaram a Grammaire générale et raisoné (Gramática de Port Royal), a primeira tentativa mais coerente de oferecer uma teoria da gramática, com vista a incorporar as proprie- dades universais da linguagem humana. Nela, eles defendiam uma filosofia da linguagem racio- nalista, oposta à linguagem de modelo empirista, que surgirá depois. A linguagem seria regida por princípios gerais, que são racionais. É marcante o encontro tenso da gramática particular pro- duzida até então com a filosofia, num contexto em que o latim, desafiado por um vernáculo após o outro como veículo de produção intelec- tual, e totalmente inútil fora da Europa ocidental, estava empenhado numa ba- talha desesperada. Defrontados com a perspectiva iminente da fragmentação linguística numa escala desconhecida na Europa desde a partida dos romanos, os eruditos e também o público reagiram, lançando o foco do interesse sobre o aspecto universal da linguagem (WEEDWOOD, 2002, p. 96-97). A luta da obra, então, é a de construir uma gramática que pudesse servir a todas as línguas, sem aceitar uma língua específica como sendo universal. Assim, seria possível amenizar a frag- mentação supracitada, dando, ao mesmo tempo, valor aos vernáculos. Após sua publicação, passaram a exigir, dos falantes, clareza e precisão no uso da linguagem: ideias claras e distintas deviam ser expressas de forma precisa e transparente. Sua principal intenção era mostrar que a Figura 12: Leibniz Fonte: Disponível em http://www.guia.heu. nom.br/leibnitz.htm. Acesso em 05 abr.2014. ► Figura 11: Du Cange Fonte: Disponível emhttp://ducange.enc. sorbonne.fr/. Acesso em 2 ago.2009. ► 21 Letras Português - Filologia Românica estrutura da língua é um produto da razão (LYONS, 1979). A gramática que desejavam construir deveria funcionar como uma máquina que pudesse separar automaticamente o que é válido do que não é. O objetivo era traçar uma língua-ideal, universal, lógica, sem equívocos nem ambigui- dades, capaz de assegurar a unidade da comunicação do gênero humano. É preciso, ainda, clarear um pouco mais sobre essa gramática. Vamos lá? Quanto à obra em si, a definição de gramática e do objeto de estudo deles já aparece na primeira página, antes do prefácio, no qual Arnaulde e Lancelot (2001, p.3) deixam claro que a gramática é a arte de falar. Falar é explicar seus pensamentos por meio de signos que os homens inventaram para esse fim [...] Assim, pode-se considerar duas coisas nesses signos. A primeira: o que são por sua própria natureza, isto é, enquanto sons e caracteres. A segunda: sua significação, isto é, o modo pelo qual os homens deles se servem para expressar seus pensamentos. A Gramá- tica de Port-Royal explicita o conceito de signo como meio, através do qual os homens exprimem seus pensamentos. A relação pensamento/linguagem era dada por princípios gerais, que se es- tenderiam a todas as línguas. No desenvolvimento dela, os autores se apegam na base lógica dos pensadores da época, afirmando que há no espírito dos homens três operações: conceber (formar um conceito), julgar (afirmar coisas a respeito dos conceitos) e raciocinar (fazer um julgamento a partir de julgamen- tos já estabelecidos). Essas seriam a base da expressãodos pensamentos em todas as línguas, por isso, segundo Weedwood (2002, p.99), “essas operações e as suas consequências linguísticas são universais, elas podem ser exemplificadas por meio de qualquer língua”. Além disso, Arnauld e Lancelot (2001)distinguem dois tipos de palavras: os objetos do pensa- mento (nomes, artigos, pronomes, particípios, preposições e advérbios) e o modo do pensamento (verbos, conjunções e interjeições), afirmando a existência de uma ordem natural de expressão do pensamento na qual essas palavras são exteriorizadas. Em linhas gerais, a análise feita no decor- rer da obra tem características prescritivas e descritivas ao mesmo tempo. As primeiras aparecem sempre que se referem às regras do bem falar, sem que seja dada uma explicação plausível sobre a regra. Um exemplo é o capítulo sobre os advérbios. A descrição aparece toda vez que os autores da gramática se atêm numa análise mais detalhada e comparativa entre línguas, geralmente latim e francês, com um pouco de grego e hebraico. A utilização de poucas línguas faz com que, em alguns pontos determinados, o texto pareça apenas conter uma lista de regras do francês e do latim, como é o caso dos artigos que eles afirmam não se tratarem de uma característica presente em todas as línguas. Os critérios utilizados também são bastante flutuantes, mas geralmente le- vam em conta a significação, fato este que a aproxima da semântica, principalmente no que diz respeito ao conceito de proposição e de suas relações com as operações mentais. Deve-se ressaltar, aqui, que não se pode ignorar a contribuição da gramática filosófica aos estudos linguísticos. Dela é tributária a própria gramática tradicional, não só na sua divisão e es- truturação enquanto compêndio, mas também na apresentação e descrição de fatos gramaticais, principalmente na classificação e descrição dos sons fundamentais, na distribuição e classifica- ção das partes da oração, na divisão e classificação das orações, nas sintaxes de regência, concor- dância e construção etc. Disso testemunham os que sobre ela se debruçaram em algum momen- to de suas pesquisas. DICA Leibniz e o Pensamento Quase todas as obras de Leibniz estão escri- tas em francês ou latim e poucas em alemão, língua que não era mui- to destinada às obras de filosofia. Ortodoxas e otimistas, proclaman- do que o plano divino fez deste o melhor de todos os mundos possíveis, um ponto de vista satirizado por Voltaire (1694-1778), no Candide. Leibniz é conhecido entre os filósofos pela amplitu- de de seu pensamento sobre ideias e princí- pios fundamentais da filosofia, incluindo a verdade, os mundos possíveis, o princípio de razão suficiente (isto é, que nada ocorre sem uma razão), o princípio da harmonia pré-estabelecida (Deus construiu o universo de tal modo que os fatos mentais e físicos ocor- rem simultaneamente), e o princípio de não contradição (que uma proposição da qual se pode derivar uma con- tradição é falsa). Teve por toda a vida interes- se e perseguiu a ideia de que os princípios da razão pudessem ser reduzidos a um sistema simbólico formal, uma álgebra ou cálculo do pensamento no qual controvérsias seriam acertadas por meio de cálculos. Fonte: Disponível em http://gballone.sites.uol. com.br/hlp/leibniz.html. Acesso em 2 ago. 2009. ◄ Figura 13: Gramma- ticaphilosophica da língua portugueza ou principios de gramma- tica geral applicados à nossa linguagem / por J. S. B. Fonte: Disponível em http://purl.pt/128/2/l- 296-v_PDF/l-296-v_PDF_ 24-C-R0072/l-296-v_ 0000_capa-v_t24- C-R0072.pdf. Acesso em: 2 ago. 2009. 22 UAB/Unimontes - 3º Período A Gramática de Port-Royal também exerceu grande influência entre os estudiosos eruditos de toda a Europa, por mais de dois séculos. Serviu de base para as gramáticas filosóficas portu- guesa e italiana. Em Portugal, esse corte vem manifestar-se mais tardiamente, no final do século XVIII. A Academia das Ciências propôs premiação a quem escrevesse a melhor gramática filosófi- ca. Muitos foram os concorrentes. Jerônimo Soares Barbosa é considerado o principal represen- tante do movimento. A gramática filosófica (Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Principios da Grammatica Geral applicados à Nossa Linguagem), de Jerônimo Soares Barbosa, foi lançada nos primeiros anos do séculoXIX, sendo a 1ª edição, póstuma, em 1822, mas estava voltada para o espírito filosófico do século XVIII, com base na Gramática de Port-Royal (1660). Apesar de publi- cada, em 1ª edição, em 1822, é de se deduzir que foi concluída em 1803, uma vez que sua Intro- dução data de 24 de junho desse ano. À época da Gramática de Port-Royal, desenvolve-se um pensamento para revalorizar e ree- xaminar a história. Entre as figuras significativas desse período, destacou-se Giambattista Vico (1668-1744) que escreveu De constantia philologiae (Sobre a continuidade da filologia) e La Scienza nuova (A Ciência nova), obras em que ele apresenta a teoria de uma nova ciência, cujo objeto seria o mundo histórico, por oposição ao mundo natural. Essa ciência se confunde com a filologia. Há um vínculo entre filologia – no caso, estudo das obras como produto da vontade humana – e a filosofia, fundada sobre a razão. A filologia, então, renasce e amplia os seus domí- nios. Além disso, Vico publicou, em 1710, o De Antiquíssima Italorum Sapientia (A Antiga Sabe- doria dos Italianos), no qual tentava apresentar a sabedoria dos sábios jônios e etruscos através de uma análise filológica das palavras latinas. A filologia renasce como uma “neofilologia” e se preocupa em estudar textos de línguas mo- dernas, cujos precursores são encontrados entre os editores das canções que vieram dos séculos XIII e XIV. No final do século XVIII e início do seguinte há, paralela a uma “filologia clássica”, uma “fi- lologia germânica”, uma “filologia românica”, seguindo-se estudos filológicos do eslavo e do inglês. 1.5 O século XIX e a Filologia comparada O Ocidente intensificou os seus contatos com a Índia só a partir do século XVI, com a utiliza- ção das rotas marítimas, mas nesse primeiro século de relações mais frequentes entre Ocidente e Oriente, chegaram à Europa poucas notícias relativas ao sânscrito, as quais não tiveram divulga- ção, como as cartas de Filippo Sassetti a seus parentes, amigos e personalidades da Europa. As referidas cartas só foram publicadas quase dois séculos mais tarde, na primeira metade do século XVIII, em Prose Fiorentine, cujo volume II, parte IV, divulgou 34 delas. Não sabemos se, na época, tiveram muita repercussão, mas no século XIX, certamente, foi-lhes atribuída importância porquanto foram republicadas e comentadas. Duas cartas tornaram-se famosas: uma, dirigida a B. Davanzati e outra a PierVettori, ou Valori, nas quais fazia referência às semelhanças que observara entre o sânscrito e as línguas europeias, em particular o italiano, como por exemplo, devaḥ / dio, “Deus”, sarpaW / serpe, “serpente”, sapta / sette, “sete”, aṣṭa / otto, “oito”, nava / nove, “nove”. O jesuíta francês Gaston Coeurdoux e outros estudiosos fizeram observações semelhantes quanto às comparações entre o grego e o latim. Coeurdoux fez uma comparação minuciosa das conjugações do sânscrito, do grego e do latim, no fim da década de 1760, sugerindo uma possí- vel relação entre eles. A hipótese ressurgiu em 1786, quando Sir William Jones deu sua primei- ra palestra a respeito das semelhanças entre quatro das línguas mais antigas conhecidas na sua época: o latim, o grego, o sânscrito e o persa. Foi Thomas Young quem usou, pela primeira vez, o termo indo-europeu, em 1813, tornando-se o termo científico padrão (exceto na Alemanha) atra- vés da obra de Franz Bopp, cuja comparação sistemática destas e de outras línguas antigas deu suporte à teoria. A Gramática Comparativa de Bopp,que surgiu entre 1833 e 1852, é considerada o ponto de partida para os estudos indo-europeus como disciplina acadêmica, trazendo uma visão mais his- toricista dos estudos gramaticais e abrindo perspectivas para o surgimento dos estudos linguís- ticos. Bopp destaca elementos morfológicos: trata da importância das inflexões na conjugação dos verbos, comparando esse fenômeno linguístico em várias línguas distintas. DICA Antigamente, os homens escreviam utilizando diversos suportes, tais como: moedas, mármores, madeira, bronze, papiros e pergaminhos. Hoje, o suporte não é tão resistente nem tão duradouro como os de antes. O que se utiliza em larga escala desde o Humanismo é o frágil papel. A umidade, a poeira, os fungos, o sol, os insetos em geral podem desfazer e des- truir a imensa massa de papel em que está de- positada toda a história da humanidade, ou seja, aquilo que lhe é mais caro e precioso. O corpus que vem sendo editado é constituí- do por documentos eclesiásticos – livros de batismo, casamento e óbito, e livro de tombo – e cíveis: cartas de alforria, queixa-crime, inventários, certidões de venda, declaração de venda, cartas impe- riais, correspondências pessoais, queixas de defloramento, livro de notas de compra e ven- da de escravos etc. 23 Letras Português - Filologia Românica Bopp preferiu o fenômeno à essência; estudou a língua por si mesma, através da sua fala, começando por comparar diversas línguas tradicionais, procurando descobrir seus pon- tos de intersecção e suas estruturas mais remotas. Os estudos gramaticais anteriores, que recaíam sobre o significado, passa- ram a priorizar o significante, e, aos poucos, a filosofia da es- critura foi se ampliando em linguística da fala, inaugurando-se assim, com Bopp, uma nova idade nos estudos linguísticos. A gramática passa a se preocupar mais com o signo, as flexões, as raízes etc., e, segundo ele, há três tipos de línguas relativa- mente às flexões e afixos: uma língua pode ser justa positiva, quando agrega os afixos à raiz, como é o caso do Chinês e do Basco; pode ser flexiva, quando flexiona internamente o ra- dical, como no Sânscrito e no Celta; e finalmente, uma soma dos dois casos anteriores, mistura de flexões e afixações, como ocorre no Árabe. Outra conclusão é de que o estudo de um sistema linguístico qualquer pode dar- se em duas direções: ou começa pela palavra (etimologia), ou pela estrutura (sintaxe) (DOMINGUES, 1991, p.339), ou seja, ou pela palavra, tendo a raiz como seu elemento irredutível, ou pelas relações que ela estabelece. Bopp, portanto, se preocupou com o mistério das raízes. Vários estudiosos começam a afirmar, a partir da Gramática Comparativa, os conceitos de “parentesco linguístico” e “protótipo comum”. Explicando: “duas línguas são aparentadas quando derivam de uma mesma língua – pertencem, então, à mesma família”’. Ex.: QUADRO 1 Ramos linguísticos pertencentes ao Indo Europeu 1. Germânico: alemão, inglês, holandês e sueco etc. 2. românico, provindo do latim: português, espanhol, francês, italiano etc. 3. Grego 4. Indo-iraniano: sânscrito, persa etc. 5. Eslavo: russo, polonês, theco etc. 6. Celta: gaélico, bretão, gaulês etc. Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados coletados em Ilari, 2002. QUADRO 2 Outras famílias linguísticas 1. Camito-semítica: hebraico, árabe, egípcio, etiópio etc. 2. Sino-tibetana: chinês, tibetano etc. 3. Altaica: turco, mongol, mandchuetc. 4. Ugro-fínica: finlandês, húngaro etc. Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados coletados em Ilari, 2002. Ressalta- se, aqui, que, no decorrer do século XIX, os estudos filológicos são direcionados no sen- tido de serem fixados princípios e métodos para a definição das famílias linguísticas, de uma teoria geral relacionada às mudanças linguísticas e às relações entre as línguas. Em 1840, surge, pela primei- ra vez, o termo filologia comparada ou gramática comparada ou linguística histórica e comparada. A corrente literária romântica ou Romantismo contribuiu para que as línguas da Europa ti- vessem grande importância no cenário europeu. Os românticos discordavam que a tradição clás- sica fosse modelo, em sua totalidade, na literatura. Para que isso acontecesse, procuraram conhe- cer e valorizar suas próprias raízes, editando textos alemães e estudando e analisando os dialetos germânicos. J.G.vonHerder (1744-1803) escreveu, em 1772, Abhandlung überden Ursprung der Sprache (Ensaio sobre a origem da linguagem), oportunidade que teve de estreitar relações entre a lín- gua e a mentalidade de um povo. Johann Gottfried Herder insistiu, também, no caráter natural evolutivo da linguagem, que teria surgido da imitação dos sons da natureza e seria capaz de evo- lução e crescimentos contínuos. DICA Padre Jerônimo Soares Barbosa (1737-1816) é um filólogo português. Bateu-se pela renova- ção dos métodos de ensino de então, contra a pedagogia dos jesuí- tas, pela qual primeiro se ensinava a gramática latina para, só então, ensinar-se a do portu- guês. Preconizava que se procedesse primei- ramente ao ensino da língua materna para só então ensinar-se o latim. Sua obra tem como fundamentação teórica a da gramática geral e filosófica. Ela apresenta, ao final de cada lição, orientações aos mestres-escola. Como homem de seu tempo, malgrado bater- se pela renovação no ensino, prescreve, em sua gramática, normas que atendiam a inte- resses sócio-políticos e culturais. Malgrado pautar-se por princípios ligados à fé católica, num período eminen- temente missionário, Soares Barbosa deu contribuição deci- siva para a reforma do ensino da língua vernácula, especifica- mente o português. Nela, Barbosa antecipa muitas das conclusões apresentadas como ovo-de-colombo por alguns estudiosos mais recentes. Fonte: Disponível em http://www.ub.uio.no/uhs/ sok/fag/RomSpr/misling- brasil/ponencias/abstrac- tRanauro.pdf. Acesso em: 2 ago. 2009. ◄ Figura 14: Franz Bopp - O pai da Filologia Românica Fonte: Disponível em wapedia.mobi/PT/ ficheiro:FranzBopp.jpg; Acesso em ago. 2009. 24 UAB/Unimontes - 3º Período Friedrich Wilhelm Christian Karl Ferdinand, Barão von Humboldt (1767-1835), baseando-se na obra de Bopp que havia apresentado, com dados precisos, a aproximação do sânscrito com as línguas europeias, procurou estudar a linguagem de um ponto de vista global e estabeleceu uma teoria geral sobre ela. Atento às diferenças estruturais das diversas línguas, declarou que cada uma delas tem sua própria estrutura e que essa estrutura mostra e condiciona a maneira de pensar e de manifestar-se de cada grupo étnico. Fez, também, importantes contribuições à filo- sofia da linguagem, à teoria e prática pedagógica e influenciou o desenvolvimento da filologia comparativa. Foi reconhecido como sendo o primeiro linguista europeu a identificar a linguagem humana como um sistema governado por regras, e não simplesmente uma coleção de palavras e frases acompanhadas de significados. Essa ideia é uma das bases da teoria da Linguagem, de Noam Chomsky (gramática transformacional). Vico, Herder e Humboldt, então, proporcionaram o desenvolvimento e a fixação das con- cepções da linguagem como uma atividade do homem e em criação permanente. Também a linguística geral teve a fixação de objeto e método que diferenciou daqueles que primeiramen- te preocuparam os especialistas do século XX. O vocábulo “gramática”– estudo da estrutura da linguagem –passou a ser substituído por “linguística”, o que implica, por sua vez, que a língua considerada seja a falada, susceptível de transformações e independente de suas manifestações escritas. É na Alemanha que se encontram os fundadores da filologia comparada. A segunda versãoda obra de Vico foi publicada em 1827, em francês, e sem o título original Principe de La philoso- phie de l’histoire (Princípio da filologia da história). As ideias de Vico eram conhecidas pelos filólo- gos alemães. Schelling (1775-1854), ao discorrer sobre sua teoria, afirma que é de competência da filolo- gia perceber e expor a história das obras de arte e das ciências, enquanto August Boeckh (1785- 1867) apresenta um ponto de vista filosófico do objeto da filologia: “os fatos históricos são em si um saber cujo conteúdo(a ideia) cabe à filologia precisar e explicar”. Ao lado de Boeckh, estão Friedrich Von Schlegel (1772-1835), que estudou o contraste entre a literatura clássica e a litera- tura romântica e expandiu a teoria da “ironia romântica”, ou seja, a consciência da lacuna exis- tente entre o ideal artístico e as possibilidades e meios para atingi-lo, e Jacob Grimm, que fez estudos relacionados à fonética. Na França, vale destacar François-Juste-Marie Raynouard (1761-1836), F. Michel (1809-1887) e Paulin Paris (1800-1881) que estudaram documentos medievais e fizeram as primeiras interpre- tações globais. Karl Lachmann (1793-1851) publica, em 1824, sua edição do Novo Testamento e, em 1850, a de Lucrécio. São obras que foram acompanhadas por prefácios explicativos sobre o método utilizado para a classificação de manuscritos e o estabelecimento de textos. Esse método só vai ser usado, cientificamente, no final do século XIX, quando se faz o estema das várias lições de um manuscrito, o que facilita a fixação de critérios de valor e reconstituição do texto. Esse método vigora até hoje, com pequenas modificações. Entre 1815 e 1850, o conceito de filologia estende-se ao “estudo geral” das línguas, ao estu- do de documentos escritos e sua devida transmissão, e ainda,à ciência universal da literatura. 1.5.1 De 1860 ao início do século XX Foi uma época de grandes realizações no âmbito da Filologia. Vários documentos de civili- zações diversas foram reconstituídos e publicados. O espírito positivista e científico do final do século contribuiu muito para o restabelecimento do texto e suas fontes, e ainda, para especiali- zação dos vários ramos da filologia. Gröber (1844-1911) reconstruiu, fundamentado em comparações românicas em seus Vul- gärlateinische Substrate romanischer Wörter, em ALLG, toda uma série de palavras latinas vulga- res, cuja existência foi confirmada mais tarde. Seu estudo formou o núcleo do Dicionário Etimo- lógico das Línguas Românicas, redigido mais tarde por Meyer-Lübke, no qual as palavras que levam asterisco, ou seja, reconstruídas, formam aproximadamente 10% das 10.000 que encabe- çam os artigos. Em 1880, Gröber fez uma distinção entre uma “filologia real” (Sachphilologie), que se ocupava dos textos, e uma “filologia pura”, que estudava os documentos antigos da língua. Surge, então, uma divisão entre o que é da língua como tal e o que é literatura como expressão. Em relação à língua e à linguagem, assim se expressou: ATIVIDADE Reflita sobre o tre- cho da Gramática de Jerônimo abaixo e em seguida postesuas con- siderações no fórum, Normas e Usos em Jerô- nimo Soares Barbosa: O primeiro estudo funda- mental “a todo homem bem creado”, esclarece, seria o da gramática da língua nacional, posto que “ainda que não as- pire à outra litteratura deve ter ao menos a de fllar e escrever correc- tamente a sua lingua (...)”. (BARBOSA, 1881, p.XIII). Considera que “o meio unico, e o mais geral, para emendar ao povo” dos “vicios da linguagem, e rectificar a sua pronunciação é o das escolas publicas das primeiras lettras”, “sob a direcção de bons mestres”. (BARBOSA, 1881, p.38). Nas gramáticas, obser- va, (...)“há coisas que so os mestres devem estudar para exppli- car a seus discipulos; outras que estes devem apprender, como os usos particulares e idiotismo da lingua; e muitas que devem decorar, como são os paradigmas todos das partes da oração e regras de suas termi- nações, conjugações e syntaxe.” (BARBOSA, 1881, p. XV e XVI). (Apud. Normas e usos em Jerônimo Soares Barbosa– uma análise crítica e comparativa da GrammaticaPhilo- sophica da LinguaPor- tugueza ou Principios da Grammatica Geral applicados à Nossa Linguagem, 494p. digi- tadas, em fase final de revisão, com texto de apresentação do Prof. Dr. Antônio Martins de Araújo, comentada por Hilma Ranauro – UFF). 25 Letras Português - Filologia Românica E se uma língua ou a linguagem fosse imutável, não haveria absolutamente possibilidade de filologia. É aqui que se reconhece, sem ambiguidade, o cam- po da atividade específica do filólogo: o discurso e a língua não compreendi- dos, ou que se tornaram incompreensíveis. Somente nesse caso, o investigador do passado de um campo de realizações espirituais tem necessidade de ajuda do filólogo. Aliás, não é senão junto a ele que encontrará ajuda: somente ele [o filólogo] possui a chave que permite abrir a significação do escrito mudo, so- mente ele faz com que os tempos passados nos falem e que as línguas desco- nhecidas nos sejam compreensíveis; a filologia é, portanto, a ciência do discur- so desconhecido. [Trad. a partir do francês]. (Apud: SWIGGERS, Pierre. Filologia e Linguística: enlace, divórcio, reconciliação. Filologia e Linguística Portuguesa, n. 2, p. 5-18, 1998). A seguir, ressaltam-se as publicações das obras de Hermann Paul (1846-1921), Gastón Paris (1893-1903) e Bertoni (1878-1942),que se preocupavam com o substrato étnico, daí proveio a lin- guística francesa, com Ferdinand Saussure, que era sociólogo, indo-europeista. Seus discípulos, entretanto, já serão romanistas. Também foram publicadas várias revistas dedicadas aos estudos filológicos, tais como a Re- vista de Filologia Românica (Zetschrift Jür Romanische Philologie), e a Revista de Língua e Litera- tura Francesa, Neofilólogo, Revista Belga de Filologia e História, Filologia Moderna, Cultura Neo- latina e România. Os artigos nelas publicados relatavam sobre o estabelecimento da edição e da interpretação – linguística ou histórica–de textos escritos em línguas antigas. 1.5.2 Século XX A Alemanha foi o berço dos grandes filólogos do século XX: Erich Auerbach (1892-1957), Curtius (1886-1956), Karl Vossler (1872-1949) e Spitzer (1887-1961). Todos eles procuraram iden- tificar o fundamento da filologia como relação particular existente entre a obra literária e o leitor. Revalorizaram a filologia ao buscar nos textos um testemunho da humanidade, desde quando ela surgiu e participa da história. Auerbach (1972)conceituou “filologia românica” como “um dos ramos do historicismo romântico, no qual o fato histórico da România era visto como uma tota- lidade semântica”. Spitzer preocupou-se com a estética da língua. Estudou a etimologia com a estilística e, como Vossler, estudou a história da língua com a história da literatura. A diferença entre ambos é apenas formal. Diferenciam a língua literária da língua de um falante qualquer. Uma é objeto de estudo de literatura, a outra é a língua normal. A partir de 1900, surgem diversas ciências autônomas, com princípios e métodos próprios, preocupando-se com os fatos linguísticos e literários, e determinando a área do campo de es- tudos linguísticos. Os estudos de filologia comparada foram de grande valia para a formação de ideias da nova ciência, a linguística. Os primeiros comparatistas foram muito presos à ideia clássi- ca de que a língua escrita e literária era a mais importante e que ela deveria ser objeto de estudo. Logo reconheceram que as letras eram símbolos e que representavam sons. Até então, a língua falada ainda não tinha sido estudada. A gramática, por sua vez, tinha um caráter normativo, esta- belecendo “regras” para uso “correto” da linguagem. Os estudiosos da línguapreocuparam-se em estabelecer a distinção entre língua e dialeto, em razão da valorização das línguas europeias. As transformações das línguas não eram mais vis- tas como um processo de decadência delas. Fatores de ordem política e social contribuíam para que as línguas e certos dialetos sofressem mudanças. Surge a dialetologia ou geografia linguís- tica, que é a apresentação dos fatos linguísticos em forma de mapas. Esses estudos mostraram que as palavras, como as pessoas, migram e assim se modificam. Inicia-se, então, o estabelecimento da distinção entre língua e dialeto. Tem-se a língua com um dialeto que foi alçado ao status de língua, isto é, a rigor todo falar é dialeto, nas suas diversas variantes, que são, conforme Mexias-Simon (2009): • de estrato social – para classificá-la, usam critérios extralinguísticos (econômicos ou de esco- laridade) – estudos diastráticos; • de espaço – estudos diatópicos – localização espacial das línguas; • de geração – estudos diafásicos – fase da vida em que o indivíduo se encontra; • de situação (formal ou informal, culta, semiculta, coloquial etc.) – estudos dias situativos. DICA Línguas indo-europeias resultam de transfor- mações históricas de um idioma hipotético, falado há mais ou menos 4.500 anos, por um povo que hoje denominamos ários, dos quais pouco se co- nhece. Deu-se o nome indo-europeu porque os atuais idiomas que se originaram dela são falados na Índia e em quase toda a Europa. Fonte: FREITAS, J.Távo- ra. Pontos essenciais de gramática histórica.Col. Champagnat, 1969. 26 UAB/Unimontes - 3º Período Portanto, os dialetos não pertencem à língua, eles são a língua. Um sistema é formado por mais de um elemento que tem características comuns e algumas divergências. Em 1933, S.Étienne, em Défense de La philologie (Defesa da filologia) definiu a filologia como “estudo insubstituível e irredutível do texto na sua relação interna com o autor”. Mais tarde, N.E.Enkvist apresentou a ideia de que o estudo da linguagem comportaria três ciências: a) crítica literária, estética, histórica e sociológica b) linguística descritiva; c) filologia com o trabalho de crítica textual e a estilística. Atualmente, determina-se que o objeto específico da filologia é o estabelecimento de textos, criando uma confusão entre esse conceito e um dos seus aspectos, a ecdótica, de que trataremos adiante. A história literária e a crítica literária obtiveram métodos próprios de estudos, sendo que a crítica mantém estreito relacionamento com outras ciências, como a antropologia, a sociologia e a psicologia. Já a estilística cuida da interpretação de texto. O universo semântico está na semân- tica e na semiologia. Evidencia-se, aqui, que o termo filologia, ainda hoje, é usado com o sentido de estudos lite- rários, enquanto nos países anglo-saxões é frequente a referência aos estudos linguísticos. Segundo Segismundo Spina, a filologia também tem funções: função substantiva, que seria a explicação do texto, restituição à sua forma ge- nuína através dos princípios da Crítica Textual e preparação técnica para publi- cação. Tem caráter erudito; função adjetiva: a filologia também se interessa por uma série de problemas, que não estão no texto, mas deduzem-se dele, nas etapas da investigação lite- rária :determinação de autoria, biografia do autor, datação do texto, sua posi- ção na literatura do autor e da época, bem como a sua avaliação estética (valo- rização) perante os textos da mesma natureza; função transcendente: o filólogo, agora, não se concentra no texto, nem deduz aquilo que não está no texto, mas procura transpô-lo. O texto deixa de ser um fim, em si mesmo, na tarefa filológica para se transformar na reconstituição da vida espiritual de um povo ou de uma comunidade em determinada época. A individualidade ou presença do texto praticamente desaparece, pois o leitor, abstraindo do texto, apenas se compraz no estudo que dele resultou. Vocação ensaística do filólogo, em busca da história da cultura. (SPINA, 1977, p.77). Para facilitar o estudo da Filologia, diversos autores fazem a seguinte classificação: Filologia Clássica; Filologia Românica e Filologia Portuguesa. Filologia Clássica Reafirmando o que já abordamos, a filologia tem como objetivo conhecer a civilização e a cultura de um povo através de seus documentos escritos, tendo como principal instrumento a língua em que esses documentos foram produzidos. Valemo-nos de Silveira Bueno (1963, p. 22) para dizer: “quantas forem as civilizações deixadas em certas e determinadas línguas, tantas e quantas serão as filologias”. Conforme Ilari (2002), a partir do Humanismo, muitos estudiosos começaram a se interessar pela cultura clássica, surgindo, assim, um especial gosto pelos textos produzidos pelos gregos e romanos. Tais documentos eram tidos como fontes de informações sobre a época a que se refe- riam os textos antigos, o que exigia um conhecimento muito grande das línguas antigas. A esse interesse pelas literaturas antigas, chamou-se Filologia Clássica, que busca analisar e desvendar a civilização greco-romana através do estudo da produção literária deixada por seus poetas e pro- sadores. De acordo com Silveira Bueno (1963), esse estudo poderá ser realizado tanto indepen- dentemente um do outro, como, também, comparativamente, confrontado os aspectos seme- lhantes nas línguas e literaturas desses povos. Filologia românica Durante a expansão do Império Romano, houve a dialetação do latim, dando origem a di- versas línguas modernas, as línguas românicas, que, por sua vez, desenvolveram uma literatura própria. Com o passar do tempo, essas línguas foram modificando-se também, no limite de se tornarem incompreensíveis aos leitores modernos, necessitando, portanto, de estudo para a sua interpretação. Nasce a filologia românica, responsável por buscar a compreensão de civilizações distintas, mas com origem em comum – o latim – como a italiana, a espanhola, a francesa, a ro- mena, o provençal e a portuguesa, através de seus documentos e produção literária. DICA É preciso, também, levar em conta a afeti- vidade, o estado emo- cional do falante. Esse fator, que se estende ao estado físico, produz modificação na fala, incluindo o som e o sig- nificado. O erro na fala seria consequência de estado emocional. Para Freud, seria resultado de Nebengedanken (pensamentos laterais). Os objetos passam a ter denominações em re- lação a outros objetos já existentes e também em consequência da afetividade. É o caso de sambódromo, em relação a hipódromo e autódromo. O nome original, Passarela do Samba, não agradou. Em relação a sambó- dromo, formaram-se fumódromo, namo- ródromo, tendo o radical-dromo passado a significar ‘lugar onde’, ao invés de ‘corrida’. Fonte: Maria Lucia Mexias-Simon, Texto do Curso de especialização em Filologia (2009). GLOSSárIO Formidável: o primeiro significado é “pavoroso, diabólico, horrendo, as- sustador”. Mas, depois, essa palavra passou a significar algo como “maravilhoso, excelen- te, fantástico”. Bárbaro: Os gregos e os romanos chamavam bárbaros todos os estrangeiros. Bárbaro também é um indi- víduo dos bárbaros, povos do Norte da Europa, que, por sinal, invadiram parte do Império Romano. A pa- lavra também assumiu o significado de “rude, sem civilização, inculto, selvagem”. No Brasil, essa palavra possui ain- da o sentido de “muito bom, excelente”. Muita gente de mais de 40 anos continua usando essa palavra com esse sentido muito comum na época da Jovem Guarda. 27 Letras Português - Filologia Românica Filologia Portuguesa A Filologia Portuguesa aparece no século XII com o poema “A Canção da Ribeirinha”, de Paio Soares de Taveirós, consideradoo texto mais antigo da literatura portuguesa. Nessa época, a língua falada era o galego-português, devido à integração linguística e cultural existente entre Portugal e a região da Galiza. As primeiras produções literárias portuguesas estão registradas em galego-português e, do ponto de vista literário, constituem um período denominado de Trova- dorismo. Mas, há de se lembrar que a Galiza é anexada ao território espanhol, e gradativamente essa região vai perder a sua influência sobre Portugal, sendo que, no século XV, o português se separa do galego, tornando-se uma língua independente. 1.6 Diacronia das línguas românicas As mais antigas inscrições latinas datam, aproximadamente, do século VI a.C. A tradição lite- rária, porém, inicia-se em Roma no século III a. C., com o aparecimento dos primeiros escritores: Lívio Andronico, Ênio, Plauto e Terence. O período de ouro do latim clássico, cujos principais re- presentantes são Cícero e Virgílio, abrange, aproximadamente, um século das últimas décadas da República ao fim do reinado de Otaviano (Augusto), primeiro imperador romano. Antes dessa época, o latim, porém, já apresenta dois aspectos que, com o correr do tempo, se tornam cada vez mais distintos: o clássico (língua escrita, literária, um tanto artificial) e o vulgar (falado pelas classes inferiores da sociedade romana). O latim, primeiramente um simples dialeto de pastores e agricultores, foi falado no Lácio (Latium), pequena região às margens do rio Tibre, onde, depois, se edificou a cidade de Roma, na Península Itálica. Passou-se depois a ser a língua dominante da península, e foi levada pelos romanos para os países por eles conquistados, onde o adotaram, por fim, para língua própria, as populações vencidas e romanizadas. Ao se propagar, o latim vai se modificando e surgem então as chamadas Línguas Românicas, neolatinas ou novilatinas, línguas que representam continuações históricas do latim vulgar fala- do na România (nome que designava o conjunto de territórios ocupados pelos romanos e onde se falava o latim). Elas não descendem do latim, mas são os diversos aspectos assumidos pelo latim na sua evolução através dos territórios sujeitos a Roma ou aos romanos, cuja língua era o latim e que conservam plenamente o seu vestígio no vocabulário, na sintaxe e, sobretudo, na morfologia. As línguas românicas vivas são: francês, português, italiano, espanhol, catalão, rome- no, sardo, provençal e reto-românico. GLOSSárIO Sofisticado: usada com o sentido de “chique, muito chique, de extremo bom gosto, de alto nível”, essa palavra aparece nos dicioná- rios como derivada de “sofisticar”, sinônimo de “sofismar”, ou seja, “falsificar, adulterar, deturpar”. E um sofisma nada mais é do que “argumento falso formulado de propósito para induzir alguém a erro”. relevar: “Relevar um fato” pode ser “desta- cá-lo”, dar-lhe impor- tância, salientá-lo, ou “deixá-lo de lado, ignorá-lo, atenuar sua importância”. A palavra simplesmente tem sen- tidos quase opostos. E mais uma que quase passa despercebida: “tornar a levar, levar de novo”. Percalço: que significa “problema, obstáculo, dificuldade”, como é mais usada hoje. Mas também pode signifi- car “lucro, vantagem, provento, rendimento, proveito”. Sanção: pode significar “aprovação” (a sanção que o presidente dá a uma lei, por exemplo). Mas também pode significar “castigo, punição” (as sanções impostas aos que des- respeitam o código de trânsito, por exemplo). ◄ Figura 15: Mapa das regiões onde as línguas românicas são faladas. Legenda: laranja- português; verde- espanhol; azul-francês; amarelo-italiano; vermelho-romeno (cores escuras indicam língua oficial; cores claras, língua de uso comum). Fonte: Disponível em WWW.tiosam.net. Acesso em 10 ago. 2009. 28 UAB/Unimontes - 3º Período Afinidade latino-românica No quadro a seguir podemos observar a proximidade de uma língua com a outra: QUADRO 3 O latim e as línguas românicas LATIM ESPANHOL FrANCÊS ITALIANO POrTUGUÊS octo aurícula nocte oculu cantare Ocho oricla oreja noche oclu ojo cantar Huit Oreil Nuit Oeil chanter Otto Orecchia Notte Occhio cantare Oito Orelha noite olho cantar Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados coletados em Ilari, 2002. Conforme Rita de Cássia Ribeiro de Queiroz (UEFS) e Maria da Conceição Reis Teixeira (UNEB), no texto “Contribuições da Filologia para o ensino de línguas”, percebe-se que os resulta- dos apresentados nas línguas românicas são muitos próximos, tendo ocorrido os seguintes fatos: 1. no encontro das consoantes oclusivas c e t, tem-se no espanhol a palatalização do grupo ct em ch ([tS]); no francês, a palatalização do primeiro elemento oclusivo, passando a it; no italiano, a perda do primeiro elemento oclusivo e a geminação do segundo, tt; e no português, com o mesmo processo do francês, it. 2. Nos casos do encontro formado pela oclusiva mais líquida, cl, têm-se os seguintes resulta- dos: em espanhol j ([z&]); a palatalização do elemento oclusivo no francês, il; a palataliza- ção no italiano cchi ([ki]); a palatalização no português lh ([λ]); 3. No exemplo em que consta o verbo latino cantare, tem-se: em espanhol e português, há a apócope da vogal final e; em italiano, há a manutenção da forma latina; e, em francês, ocorre um fenômeno típico dessa língua. 4. Quando a consoante oclusiva [k] está diante da vogal [a] em início de palavra, ocorre a palatalização, passando a [S], a vogal final sofre apócope e a vogal a passa a e. Quando se tem conhecimento desses resultados e um conhecimento básico da língua lati- na, assimilam-se melhor as realizações nas línguas românicas. Toda palavra em que ocorra o que foi aqui exemplificado, exceto para aquelas que não seguem esse paradigma, os resultados serão os mesmos. Veremos, a seguir, outro quadro em que se constata certa similitude nas formas apresen- tadas. É clara a influência da língua latina, pois foi dela que as formas, nas outras línguas, se es- tabeleceram. Observa-se, entretanto, que, nesses casos, há as particularidades de cada língua, principalmente quanto à pronúncia (que envolve a fonética e a prosódia, por exemplo). As lín- guas estão sempre em processo de intercâmbios, de empréstimos, mesmo entre línguas de ori- gens aparentemente distintas, pois as línguas evoluem, se diferenciam, tomam empréstimos, são substituídas, dominam e são dominadas. QUADRO 4 O latim, o inglês e as línguas românicas. LATIM INGLÊS ESPANHOL FrANCÊS ITALIANO POrTUGUÊS problema paupertas translatio admirabilis bicycle problem poverty translation admirable bicicleta problema pobreza traducción admirable bicyclette problème pauvreté traduction admirable bicicletta problème povertà traduzione admirable bicicleta problema pobreza tradução admirável Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados coletados em Ilari, 2002. O Império Romano, que teve sua florescência entre os séculos III a.C. e V d.C., expandiu-se por uma boa extensão da Europa, África e Oriente Próximo. Essas ocupações tinham um caráter principalmente político-econômico, mas, também, ajudaram a difundir o latim, a arte e a cultura romana. Para se compreender as transformações ocorridas na língua latina, citam-se três causas: a histórica, a etnológica e a política. DICA A variação no número das línguas românicas decorre da diferença de critérios usados pelos estudiosos. Alguns se baseiam no critério literário (considera-se como língua aquela variedade que possui farta literatura); outros utilizam o critério político(consideram- se como um grupo de dialetos de uma mesma língua aquelas varieda- des que se encontram em uma dada região, que constitui uma uni- dade política) e outro,ainda, fundamenta-se no critério linguístico (consideram-se como dialetos deumalíngua aquelas variedades que possuem certas carac- terísticas linguísticas em comum). Fonte: CHAVES,1981. 29 Letras Português - Filologia Românica A causa histórica deve-se ao fato de as conquistas romanas acontecerem em diferentes épocas; um exemplo disso é a distância temporal entre a conquista da Sardenha e da Dácia, que durou aproximadamente quatro séculos. Segundo Coutinho (1976), as primeiras terras romaniza- das receberam a linguagem mais popular, enquanto as últimas conheceram um latim mais erudi- to. Isto se deu pelo fato de a língua literária ser mais recente do que a popular. A causa etnológica pode ser notada através dos diversos povos de raças e idiomas diver- sos dominados pelo Império Romano. Um exemplo disto é a Península Itálica, onde eram falados muitos outros idiomas, como o etrusco, o céltico, o ligúrio. Esses idiomas constituem os substra- tos linguísticos, que abordaremos adiante. A razão política é explicitada pelas invasões e imposição cultural e linguística que deram origem a dialetos mistos. É a causa mais importante, porque a unidade linguística se mantém forte enquanto um povo está politicamente sujeito a outro. Quando isso ocorre, a língua inicia um processo de divergência, e as diferenças aumentam à medida que os elos entre o país dominante e o país dominado se tornam enfraquecidos. Desse modo, originam-se os dialetos, que, posterior- mente, podem transformar-se em línguas independentes, como ocorreu com o latim. Além dessas, outras causas são consideradas: diversidade do meio, extensão territorial e to- pografia irregular de vários domínios romanos, criando um relativo isolamento geográfico dos grupos entre si; o desenvolvimento de unidades políticas separadas; as circunstâncias educacio- nais; as diferenças dialetais na língua dos colonos latinos; os substratos linguísticos originais; os superstratos linguísticos subsequentes e as influências dos adstratos. 1.6.1 Origem: as denominações Romanus, Romania Caros acadêmicos e acadêmicas, o capítulo intitulado “As Denominações Romanus, Romania” apresenta um breve percurso histórico do Império Romano e da língua latina, desde o início da ex- pansão territorial romana, por intermédio de violentas guerras. As conquistas do Império Romano contribuíram para a divulgação do latim como língua oficial do Império, que, ao entrar em contato com as diferentes famílias linguísticas dos povos dominados, deram origem a novas línguas, deno- minadas, então, de línguas românicas, isto é, as línguas formadas a partir do latim vulgar. Estuda- remos, ainda, o significado das denominações Romanus e România e o surgimento desses termos. Vamos lá! Não se sabe ao certo, mas a origem do Estado romano se deu entre os séculos X ou IX a.C., porém, a tradição histórica fixa a data de 753 a.C. como marco da fundação de sua capital, a cidade de Roma. É importante lembrar que a história de Roma se divide em três fases, e estas correspondem às três formas de governo que os romanos tiveram. A primeira é a fase da monarquia, que perdurou desde a origem do Estado até o ano de 509 a.C. A segunda é a Re- pública, cujo início se deu em 509 a.C. e se estendeu até 27 a.C. A terceira fase é o Império, que vigorou de 27 a.C. até o ano de 476 d.C. ◄ Figura 16: Os domínios romanos no século IV Fonte: Disponível em www.ime.usp.br. Acesso em 10 ago. 2009 30 UAB/Unimontes - 3º Período Entre os séculos V a.C. e II d.C., o Estado romano conseguiu uma fabulosa expansão territo- rial, quase sempre às custas de sangrentas ações militares. Por exemplo, contra Cartago, Roma empreendeu três sangrentas guerras que duraram mais de cem anos e ficaram conhecidas como Guerras Púnicas. Após obter a vitória definitiva sobre Cartago, a região da Tunísia, terra dos carta- gineses, tornou-se território romano, com o nome de África. Cerca de trinta anos depois da vitória sobre Cartago, Roma já dominava quase toda a Euro- pa mediterrânea, alguns territórios da África do Norte e, ainda, da Ásia Menor. Deu-se, então, o nome de România ao conjunto dos territórios sujeitos a Roma, isto é, os territórios que se uniram linguística e culturalmente por intermédio do latim e da cultura romana. O termo Romania for- mou-se a partir de romanus, isto é, habitante de Roma, e os povos latinizados ou romanizados (povos que assimilaram o latim vulgar e a cultura dos romanos) que habitavam essas regiões se autodenominavam romanus para distinguirem-se dos bárbaros, ou seja, daqueles que não agiam segundo os costumes romanos e tampouco falavam dialetos latinos. Foi a partir de romanus que se formou o advérbio romanice, ou “à maneira ou costume romano”, que, por sua vez, originou um novo advérbio denominado romance, que se aplicava a qualquer texto ou composição escri- ta em uma das línguas vulgares. Podemos dizer que o romance nada mais é do que o prenúncio do surgimento de uma nova língua, que só receberia esta denominação após o surgimento dos primeiros escritos literários. O termo românia é empregado, modernamente, em toda área ocupada por línguas de ori- gem latina, sendo que os limites da România atual e os do antigo Império Romano não coinci- dem, pois, por um lado, através dos movimentos de propagação do catolicismo e das grandes navegações, as línguas românicas chegaram a novos continentes, chegando a atingiro status de línguas oficiais como o português, o espanhol e o francês; por outro lado, antigas províncias ro- manas, como a Britânia, atualmente, não utilizam o idioma de origem, isto é, o latim. Entre os fatores que contribuíram para que o latim não se mantivesse como a língua falada em todo o Império, podemos citar: a romanização superficial, a superioridade cultural dos povos vencidos e a superposição maciça de populações não romanas. Sobre esses fatores é que se passa a tratar agora. 1.6.2 Os substratos, os adstratos e os superstratos linguísticos O substrato é a língua que não sobrevive ao contato com outra língua, isto é, a língua usa- da antes por uma população e que foi abandonada e suplantada por outra, por vários motivos: conquista, posse, ou colonização da terra por outro povo. Temos como exemplo os falares célti- cos utilizados na Gália antes da conquista romana, nos territórios que hoje constituem a França e foram substituídos pelo latim. Figura 17: A România atual Fonte: Disponível em www.ime.usp.br. Acesso em 10 ago.2009. ► 31 Letras Português - Filologia Românica O superestrato é a língua utilizada por povos conquistadores que, introduzida na área con- quistada, não substitui a língua dos povos conquistados, podendo, com o passar do tempo, vir a desaparecer, deixando-lhes alguns traços. Depois das grandes invasões bárbaras, as línguas ger- mânicas acabaram por desaparecer das antigas províncias romanas, mas exerceram sobre o ro- mance uma influência léxica e sintática que não é de se menosprezar. Adstrato é a língua que coexiste com outra no mesmo espaço territorial, influenciando-a e dela recebendo influência, porém nenhuma delas é assimilada pela outra. Diz-se, por exemplo, que o grego e o latim foram adstratos, no período em que Roma dominou a Grécia. O espanhol, também, é adstrato do português brasileiro (tomado este como referência nas regiões da frontei- ra Brasil / Uruguai). É a partir desses elementos que ocorrerá a dialetação do latim vulgar, que se transformará no português, galego, castelhano, catalão, provençal, francês, rético, sardo, italiano, dalmático e romeno, línguas ditas Românicas, Neolatinas ou Novilatinas. Referências ARNAULD, Antoine; LANCELOT, Claude. Gramática de Port royal. Trad. Bruno FregniBassetto e Henrique Graciano Murachco. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. AUERBACH, E. Introdução aos estudos literários. São Paulo:Cultrix, 1972. BORBA, Francisco da Silva. Coleção Biblioteca Universitária: Letras e Linguística, vol. 3. 4. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975. CÂMARA Jr, Joaquim Mattoso. História e estrutura da língua portuguesa. 4.ed. Rio de Janeiro: Padrão, 1986. __________. Princípios de Linguística Geral: como introdução aos estudos superiores da lín- gua portuguesa. 5ª ed. Rio de Janeiro: Padrão,1977. CARVALHO, Rosa Borges Santos. A filologia e seu objeto: diferentes perspectivas de estudo. Re- vista Philologus, Rio de Janeiro, n. 26, maio/ago. 2003. CHAVES de Melo, G. Iniciação à filologia e à linguística portuguesa, 1981. COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática histórica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1976. p. 20-45. DOMINGUES, Ivan. O grau zero do conhecimento: o problema da fundamentação das ciências humanas. São Paulo: Edições Loyola, 1991. 339 p DUBOIS, Jean etall. Dicionário de linguística. Direção e coordenação geral da tradução: Prof. Dr. IzidoroBlikstein. São Paulo: Cultrix, 1993. HOUASSIS, A. Filologia. In: Enciclopédia Mirador Internacional. Ed. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. São Paulo/Rio de Janeiro, 1970. p. 4599-4603. ILARI, Rodolfo. Linguística românica. 2.ed.São Paulo: Ática, Janeiro: Padrão, 2002. ◄ Figura 18: Os substratos, os adstratos e os superstratos linguísticos Fonte: Elaboração dos autores. 32 UAB/Unimontes - 3º Período LAUSBERG, H. Linguística românica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981. LÁZARO CARRETER, Fernando. Diccionario de términos filológicos. 3ª ed. corr. Madrid: Gredos, 1990. LYONS, J. Introdução à linguística teórica. São Paulo: Ed. Nacional; Ed. da USP, 1979. MEXIAS-SIMON, Maria Lucia. Texto do Curso de especialização em Filologia, 2009. MIAZZI, Ma. Luíza F. Introdução à Linguística românica. São Paulo: Cultrix, 1976. SILVEIRA BUENO, Francisco da. Estudos de filologia portuguesa. 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Depois, teremos a etapa de reconstituição de texto, o estu- do dos vários aspectos da chamada Crítica Histórico-Literária,em que estudaremos o que seria a autenticidade; datação; fontes; circunstâncias; sorte; unidade e integridade; linguagem do texto; avaliação crítica, cuja finalidade é procurar esclarecer os pontos obscuros e eliminar as lacunas no conhecimento de dados sobre o texto. Para finalizar o trabalho filológico, o autor terá em suas mãos a escolha do tipo de edição que gostaria que seu trabalho fosse publicado, ou seja, Edição: crítica; diplomática; paleográfica; outros tipos de edição. Abordaremos, ainda, de forma sucinta, os Métodos da Filologia Românica: histórico-comparativo; idealista; geografia linguística; “pala- vras e coisas”; onomasiológico; neolinguístico ou espacial; teoria das ondas; afins. 2.1.2 A caminhada filológica Como já foi dito, os documentos escritos formam o campo de estudo da filologia. Assim, o trabalho filológico consiste na reconstituição de um texto, total ou parcial, ou a determinação e o esclarecimento de algum aspecto relevante a ele relacionado. Há a reconstituição tanto na sua existência material e histórica como na função de testemunho documental e literário. Compreende-se desde a Crítica Textual, cujo objeto é o próprio texto, até as questões históri- co-literárias, como a autoria, a autenticidade, a datação etc., e o estudo e a exegese do pormenor. Através deles, conhece-se o pensamento de um povo e a sua produção literária; porém, o filólogo deve estar preparado em diversas áreas do conhecimento, para que seja capaz de de- sempenhar as seguintes funções: • Determinar por meio do estudo, análise e interpretação dos manuscritos as diversas versões do texto. • Interpretar e corrigir os possíveis erros encontrados nos textos e restaurá-los em toda a sua máxima perfeição. • Esclarecer e explicitar os pontos obscuros dos manuscritos, completando-os em suas falhas, restituindo-os ao seu estado tal qual os deixou o seu autor em sua época. • Determinar a autenticidade de textos anônimos ou autoria duvidosa, colocando-os em sua época devida. 34 UAB/Unimontes - 3º Período Karl Lachmann (1793-1851) estabeleceu os princípios científicos do trabalho filológico. Depois o método foi aplicado à filologia germânica e à filologia românica. Antes dele, Giorgio Pasquali (1842-1952)completou as ideias de Lachmann, um texto era reproduzido com base em apenas um manuscrito, que muitas vezes nem era o melhor, apenas o mais próximo e acessível ao editor, sendo as variantes apresentadas com critérios subjetivos. Também, faz parte do trabalho do filólogo a análise do texto sob diversos pontos de vista: morfológico, sintáxico e semântico, bem como o estudo do objeto de que o texto trata. Exemplo: um trecho da análise do manuscrito de Theotonio Joze Juzarte – “Diário da Navegação” de 1769. Esse exemplo faz parte de uma síntese do capítulo 3, da dissertação de mestrado intitulada: Diá- rio da navegação: reprodução e Estudo das variantes da Edição “Uspiana Brasil 500 anos”, com orientação do professor doutor Manoel Mourivaldo Santiago Almeida, defendida em 2006, por Maria Aparecida Mendes Borges, UFMT, doutora em Filologia e Língua Portuguesa pela USP. Ela disponibilizou essa edição para comemorar os 500 anos de descobrimento do Brasil. * Erro paleográfico – a letra “r” minúscula é semelhante à letra “v” atual, também minúscula. O cronista não descreve os índios como “vesgos”, mas de olhos “resgados para baixo” – é possível que ele esteja se referindo à maquiagem dos olhos. (Crítica textual: variantes semânticas, sintáti- cas e lexicais na edição “Uspiana Brasil 500 anos”*BORGES, Maria Aparecida Mendes** ). Legenda:* (asterisco) marca o comentário de cada variante. MS. = Manuscrito. Ed. = edição uspiana 2.2 Crítica textual O objetivo fundamental desta primeira etapa é a reconstituição do texto. “Emendar” o texto para aproximá-lo ao máximo da forma que recebera do próprio autor. Consta das seguintes fases: a. Recensio: foi denominada recensio (“recenseamento”) por Lachmann; é a operação inicial da edição crítica. Consiste no levantamento de todos os códices existentes da obra a ser publicada. Destaca-se, aqui, a tradição direta da indireta. A direta consiste nos manuscri- tos (do próprio autor, chamados de “autógrafos”, ou de copistas, chamados de apógrafos) ou edições impressas da obra. A indireta é constituída de todos os documentos que po- dem auxiliar na leitura ou interpretação desse texto, tais como as fontes, versões, alusões, glosas, paráfrases, imitações, as traduções, as citações, os comentários etc. Os dados da tradição indireta são considerados de grande utilidade para a compreensão do texto. Os códices (plural de codex, palavra em latim que significa “livro”, “bloco de madeira”) eram os manuscritos gravados em madeira, em geral do período da era antiga tardia até a Idade Mé- dia. Manuscritosdo Novo Mundo foram escritos por volta do século XVI. O códice é um avanço do rolo de pergaminho, e gradativamente substituiu este último como suporte da escrita. O có- dice, por sua vez, foi substituído pelo livro impresso. Os manuscritos podem ser do próprio autor, chamados então “autógrafos”, ou de copistas, chamados “apógrafos”. Com o recensio, obtêm-se diversos resultados: um manuscrito único (codexunicus), ou uma só edição de um texto impresso (editio princeps), ou vários manuscritos do mesmo autor (códi- ces plurium), ou ainda várias edições. Nos manuscritos da Antiguidade Clássica, feitos de papiro ou de pergaminho, o trabalho de recensio precisa de condutas específicas, porque eles estão, há muitos séculos, distante de seus autógrafos. Cada edição, à época, só dispunha de um exemplar, Figura 20: Trecho do Diário da navegação: reprodução e Estudo das variantes da Ed. “Uspiana Brasil 500 anos”. Fonte: Dissertação de mestrado defendida por Maria Aparecida Mendes Borges intitulada: Diário da navegação: repro- dução e Estudo das variantes da Edição “Us- piana Brasil 500 anos”, defendida em 2006. ► Figura 19: M.S do Trecho de Diário da Navegação. Fonte: M.S de Theotonio- JozeJuzarte – “Diário da Navegação” de 1769 ► 35 Letras Português - Filologia Românica escrito à mão, e outros volumes também. Os copistas erravam muito em seus trabalhos não só pelo cansaço, má leitura, distração, e até por conta própria. Ressalta-se que é necessário muita atenção para a época em que esses textos foram pro- duzidos, se antes ou depois do aparecimento da imprensa, pois, antes, dispunha-se somente de cópias de cópias, e qualquer intenção de restauração do texto seria resultante de um processo difícil e complexo, através do método conjectural; depois, os textos interessam como realidades dinâmicas nas quais se mesclam, de muitas formas, diversas perspectivas de estudo, daí se pro- cura estudar os materiais e as técnicas de escrita, as condições históricas e sociais que interferem em sua produção. b. A Colação, ou Collatio Codicum: inicia-se esta fase quando terminada a distinção entre testemunhos coletados(no caso dos manuscritos) ou colação das edições (quando sob tra- dição impressa). Aqui, comparam-se diversos códices ou edições da tradição direta, tendo por base um manuscrito ou edição (texto ou exemplar de colação, primeira edição em li- vro), ou seja, há comparação de manuscritos para extrair as variantes. Toma-se um deles como texto de base ou exemplar de colação, cuja execução exige cuidados muito espe- ciais, pois é necessário que ele seja o que mais se aproxime do original. Por isto, é preciso verificar o estado de conservação do texto e a sua história externa, pois desta verificação é que resultará a escolha do texto-base. No caso de se ter o original manuscrito, por exem- plo, ou edições impressas em vida do autor, a preferência será dada a um deles, de acordo com critérios estabelecidos para cada caso. Como resultado, elege-se o testemunho mais completo e se eliminam os inúteis ao estabelecimento do texto crítico, por serem coinci- dentes (ou cópias de outros testemunhos subsistentes) ou por outros motivos, como, por exemplo, por serem edições contaminadas ou deturpadas. Através dos confrontos dos “lu- gares críticos” e do exame sistemático dos “erros comuns”, segue-se ao estabelecimento do grau de independência e parentesco dos testemunhos conservados. Realizada essa etapa de confrontação e escolha de um manuscrito mais correto, passa-se à classificação dos ma- nuscritos ou das edições impressas. A esta operação da crítica textual se costuma denomi- nar eliminatiocodicumdescriptorum (eliminação dos códices copiados). c. Estemática: é a fase da crítica textual que registra, classifica, interpreta e organiza os exemplares remanescentes, com o objetivo de definir as relações hierárquicas (descen- dentes, ascendentes ou colaterais), deixando claras todas as relações de dependência que há entre cada um deles e os demais. A construção desta árvore genealógica dos manus- critos e edições parte do original ou arquétipo e termina nos testemunhos mais recentes. Quando só há uma edição impressa da obra e quando o original está perfeito, e não hou- ver edição em vida do autor, a estemática é dispensável. d. Emendatio ou Correção do Texto: é o nome dado ao conjunto das operações que visam à correção do texto. A exatidão resultante dessa fase e dos acertos do filólogo nas escolhas indicará o valor e a qualidade do texto final. 2.3 Crítica Histórico-Literária Fase para esclarecer possíveis pontos obscuros, eliminar lacunas no conhecimento de dados a respeito do texto etc. São usados critérios internos fornecidos pelos próprios documentos e cri- térios externos, como citações, alusões, referências etc. A crítica histórico-literária consistirá em determinar: a) autenticidade: a autoria de manuscritos normalmente não é clara, e ao filólogo cabe a missão de estudar e dizer se o texto é autêntico ou não. Exemplo: As Cartas Chilenas fo- ram publicadas de forma anônima, por razões históricas, e o estudo do crítico Afrânio Pei- xoto demonstrou que acarta prefácio foi de autoria de Cláudio Manuel da Costa e as ou- tras doze foram de Tomás Antônio Gonzaga. b) datação: precisar a data, o ano ou, pelo menos, a época em que o documento foi escrito. Tais dados serão importantes para a compreensão do conteúdo, forma, finalidade e outros aspectos do documento em análise, pois um escrito é um reflexo de sua época. c) fontes: pesquisam-se as citações diretas e as indiretas, as alusões, os possíveis plágios, as imitações, ou toda e qualquer influência de outros autores sobre o texto. O estudo das DICA O arquétipo é o manuscrito existente ou reconstituído que se interpõe entre o manuscrito e o original. Para melhor entendi- mento das denomina- ções usadas até então, entende-se por “arqué- tipo” o manuscrito que mais se assemelhe com o original, podendo ter existência real ou ser um texto ideal; passa a ser considerado o original das cópias subsistentes. As cópias do original são deno- minadas “apógrafos” e o texto que está entre o arquétipo e um grupo de manuscritos, “subar- quétipo’. Já “variantes” são versões diferentes de uma palavra, ou pequeno número de palavras, ocorrentes em manuscritos diver- sos da mesma obra. “Versão” vai se referir às diferentes redações do texto, enquanto “lição” ou “leitura” consiste na variante escolhida pelo editor do texto. Os erros constituem ele- mentos de provas para detectar as relações de parentesco entre códices transmitidos de determinada obra, entretanto, nem todos os erros servem para re- lacionar ou definir uma tradição literária. 36 UAB/Unimontes - 3º Período fontes leva à reconstituição, pelo menos parcial, de documentos e obras perdidas. Ex.: Nos gramáticos latinos há a influência da Ars Grammatica, de Dionísio Trácio. Até a terminolo- gia gramatical latina é tradução, decalque das fontes gregas correspondentes e nem os exemplos são mudados. d) circunstâncias: são todas as variáveis que “estão ao redor” de algo, ou seja, o contexto em que está inserida a obra. Situar um documento em seu contexto histórico, cultural, social e político pode facilitar a compreensão de sua mensagem, esclarecer tópicos e alusões, além de integrar o autor e sua obra segundo as diversas correntes filosóficas, literárias, políticas etc. Exemplo: O conhecimento das circunstâncias político-sociais da época per- mitiram justificar o anonimato da obra Cartas Chilenas, conforme Bassetto (2005, p. 54), (...) A situação político-social explica o anonimato da obra, bem como o próprio título; era preciso satirizar, verberar a opressão, protestar contra o exagero dos impostos, contra a “derrama” injusta, mas também,se possível as represálias, através do disfarce de alguém supostamente distante, em Santiago do Chile. e) sorte: aqui, o filólogo procura rastrear a sorte, boa ou má, do documento. O êxito de um texto manuscrito se avalia pelo número de cópias, pelas citações, referências, estudos, alu- sões etc. Exemplo: a Bíblia foi o primeiro livro impresso e é o mais publicado em todas as línguas. f) unidade e integridade: era possível em um manuscrito acrescentar textos e também su- primir-lhe uma parte menor ou maior; estudando esse ângulo, o filólogo verifica a integri- dade da obra, isto é, se está inteira, íntegra e completa. g) linguagem do texto: através do estudo da linguagem do documento em análise, o filólogo pode obter diversas informações para o conhecimento mais aprofundado do próprio texto. h) avaliação crítica: o último ponto desta fase, onde o filólogo avaliará criticamente a obra sob duas perspectivas: seu valor documental e seu valor literário. Exemplo: na obra Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, há diversas informações, implícitas, sobre a fauna e a flora da região descrita, os usos e costumes, as crenças e rotinas daquela população. i) exegese do pormenor: para completar o trabalho filológico, é necessário determinar os detalhes ou os pormenores que o leitor não consegue entender com clareza, ou que exi- ge um estudo com maior aprofundamento. Para tanto, aplicam-se os princípios da herme- nêutica, a ciência da interpretação; à prática dessa ciência, dá-se o nome de exegese (do grego εξήγηση), do verbo“ eu conduzo, guio, explico, interpreto”, que esclarece as alusões obscuras, verifica a autenticidade e correção das citações, os erros históricos, se houver, e explicitação das expressões típicas, tópicos não claros por interpolações ou supressões. Justificará, também, as aparentes ou reais incoerências textuais e outros problemas seme- lhantes. Há uma exigência de que o pesquisador tenha conhecimentos de ciências afins, e do contexto próximo e remoto. 2.4 Edição Após o trabalho filológico, o autor fará ou não a publicação e escolherá que tipo de edição lhe é mais conveniente para atingir os seus objetivos. Entre as edições possíveis temos: 2.4.1 Edição crítica É o momento mais difícil do trabalho filológico. É reproduzir o melhor texto possível que veio com muitas variações. Para fazer uma edição crítica, é necessário ter, pelo menos, duas ver- sões da obra independentes da vontade do escritor. Uma edição crítica pode ser definida como um ponto de partida, mais do que como um termo de chegada, para a publicação de textos, em edições correntes, escolares ou de divulgação, destinadas a um público amplo. “Edição crítica” é a que procura determinar o texto perfeito – confrontando manuscritos ou edições antigas, à vida do autor, anotando variantes – e, além disso, desfaz as abreviaturas, quando é o caso, moderniza a pontuação, corrige os erros tipográficos, interpreta os passos obscuros, podendo ainda substi- tuir o sistema ortográfico por outro mais moderno – mas tudo isso respeitando, cuidadosamen- te, a língua, as formas, a fonética do tempo e do autor. Para o filólogo, a edição deve conter: GLOSSárIO Alguns Termos da Crítica Textual Autógrafo: original escrito pelo próprio autor. Apógrafo: cópia derivada do original. Idiógrafo: original escri- to sob o controle direto do autor. Apócrifo: de falsa pro- cedência ou de fonte duvidosa. Testemunhos: cópias manuscritas ou impressas de uma obra. Lição: a leitura de uma passagem determinada do texto transmitido por um testemunho. Edição príncipe ou princeps: a primeira edição impressa de uma obra. Vulgata editio: edição popular. Obra autêntica: do próprio autor que a assina. 37 Letras Português - Filologia Românica a) Introdução: deve indicar os problemas encontrados e as soluções dadas na crítica textual, os critérios adotados em suas diversas etapas; o conspectus siglorum, conjunto das siglas indicativas dos diversos códices; das diversas edições ou editores e das abreviaturas mais usadas; informações, como as colhidas no estudo histórico-literário, selecionadas de acor- do com a importância dos esclarecimentos em relação à compreensão do texto. b. Texto reconstituído; as variantes que foram encontradas formam o “aparato crítico” (parte de uma edição crítica que contém a história da gênese do texto, anotações críticas ou estratos de outras versões; são ainda registradas todas as variantes, ainda que se trate de lições sin- gulares), no rodapé de cada página, com a indicação do códice ou documento em que cada variante se encontra. Conforme o caso, acrescenta-se os resultados da hermenêutica, como interpretações, comentários, notas e os esclarecimentos obtidos pela exegese do pormenor. Dependendo do assunto, um glossário ajudará muito na compreensão do texto. 2.4.2 Edição diplomática Consiste na “reprodução tipográfica do original manuscrito, como se fosse completa e per- feita cópia do mesmo na grafia, nas abreviações, nas ligaduras, em todos os seus sinais e lacunas, inclusive nos erros e nas passagens estropiadas” (SPINA, 1977, p. 78). Atualmente, está em desu- so, porque a reprodução fotográfica tem tomado o seu lugar (esta tem, contudo, alguns inconve- nientes também). 2.4.3 Edição paleográfica Transcrição de um manuscrito antigo ([...]). Mais perfeita que a reprodução fac-similada, por- que ressalta particularidades do texto e do material que só um perito pode descobrir. 2.4.4 Outros tipos de edição Com a tecnologia em expansão, vão surgindo outras formas de reprodução do texto: lito- grafia, fotografia, fototipia, por meio de programas e equipamentos computacionais. Edição comentada: aquela em que há explicações, notas e esclarecimentos sobre termos técnicos ou específicos, vocábulos polissêmicos, alusões etc. Edição escolar: para facilitar e adequar ao nível a que se destina, muitas vezes são suprimi- dos itens considerados inconvenientes e a obra perde na sua integridade e valor. Edição popular: destinada ao público em geral. Impressa em papel mais barato, composi- ção cerrada e formato compacto, para diminuir o custo de produção e venda. A diferença entre a edição crítica e as outras edições é o número de textos. A edição crítica é pluritextual, e as outras edições são monotextuais. Cabe ao filólogo a busca da edição mais fiel sempre. Caros acadêmicos, vamos, agora, aprender, em linhas gerais, sobre os Métodos que podem ser utilizados no trabalho filológico. 2.5 Métodos da filologia românica Desde a época da biblioteca de Alexandria, surgiu a preocupação em preservar a cultura e o passado, quando foram compiladas as obras antigas da literatura grega, principalmente de Ho- mero. Entretanto, só a partir de 1500, com a Renascença, é que cresce, de fato, o interesse dos es- tudiosos pela história cultural do seu país. Há um interesse pela filologia, dando origem à história literária, porque no Oriente começava a despertar o desejo de preservação do seu passado, que, por sua vez, remetia à Antiguidade greco-latina. Ao humanista cabia a tarefa de descobrir os ma- nuscritos que ainda existiam, compará-los e tentar obter o texto original do autor. DICA Edição de um manus- crito com as mesmas características gráfi- cas do texto original. Nesse tipo de edição, o paleógrafo deve ler os manuscritos antigos (normalmente papi- ros e pergaminhos), atribuir-lhe uma data e um local de edição ou produção. Em regra, as edições paleográficas dizem respeito a textos antigos escritos em grego e latim. O editor paleógrafo deve conhe- cer os diferentes estilos dos copistas e ser capaz de identificar os perío- dos em que os textos foram escritos. Deve-se notar que nem todos os copistas são fiáveis, pois alguns eram, sobre tudo desenhadores que não sabiamler o que copiavam, produzindo erros que se repetiam de cópia em cópia. Fonte: Disponível em <http://www.fcsh.unl.pt/ edtl>. Acesso em 10 ago. 2009. 38 UAB/Unimontes - 3º Período Para fazer esse resgate, o estudioso conta com alguns métodos de trabalho. Uns métodos são mais adequados, produtivos; outros trazem pequena contribuição. Assim, o recurso é a apli- cação de mais de um método e confrontação dos resultados obtidos. Vejamos a seguir, sintetica- mente, os mais conhecidos. 2.5.1 Método histórico-comparativo De grande valia, com condições ideais de estudo para a reconstrução do léxico do latim vul- gar e das línguas românica, também eficiente nos estudos das línguas germânicas e eslavas ou grupos de línguas genealogicamente afins. Parte de fatos comprovados em textos observados nas línguas estudadas. Processo de trabalho: recolhem-se os dados nas línguas com a mesma origem; faz-se a comparação entre elas a fim de encontrar a forma originária, os fenômenos de metaplasmos, verifica-se o significado, a formação de novos campos semânticos e o motivo ou os motivos das formações e outros estudos. Ideal para os trabalhos na fonética, na morfologia, no léxico e questões afins. Não ideal para o estudo da sintaxe, cujo motivo seria a dificuldade de comprovar a regularidade e a frequência das correspondências em que o método se fundamen- ta, porque a sintaxe é mais sujeita às particularidades não só individuais como coletivas. BOX3 Exemplo verbo deixar Derivou “deixar” supondo* delaxare. Com os metaplasmos: delaxare>delaixar>deleixar>- deeixar>deixar; que se apoia nas formas desleixo e desleixado. Conclusão: tais alterações são comuns na evolução normal dos vocábulos em português. Port.: deixar – tem seu registro a partir do século XV variante da língua falada – leixar com caráter mais erudito se arcaizou. Dis- leixo e desleixado – derivados de laxare, acrescido de outro prefixo – dis- ou de mais ex – mais antigos. Vocábulos semanticamente afins, eruditos, em Português, com o étimo laxare: laxa- ção, laxante, laxar, laxativo, laxidão, laxiorismo, laxiorista, laxiorístico, laxismo, laxista e laxo. Fonte: VASCONCELOS, 1920. 2.5.2 Método idealista Foge dos modelos propriamente filológicos, por ter estrutura de caráter filosófico e de lin- guística geral. Tinha seu centro de estudos relacionado com a valorização de quanto de indivi- dual e criador há na língua; o descobrimento do elemento artístico, estético e espiritual que há em toda manifestação da linguagem, valorização da estilística e da sintaxe frente ao excessivo in- fluxo da fonética, e por último, a colocação da História da literatura e da língua no mesmo nível. Segundo Walther Von Wartbug, em Evolution et structure de la langue française, o método idealista, apoiando-se em módulos históricos, linguísticos e descritivos, toma como ponto de partida os fatos linguísticos sociais e individuais, relacionando a língua com os fatos sociais, polí- ticos e literários do país. A língua é expressão da cultura e da “mundividência” do povo que a usa. Desde os seus primeiros momentos, o método foi objeto de duras críticas, provenientes, em grande parte, de autores positivistas, que tinham ressalvas quanto ao aspecto criador e indivi- dual da língua, assim como a concepção da língua como produto estético, reflexo de uma deter- minada cultura. Outros estudiosos afirmam que a contribuição do método idealista dá resultados inexatos e inconcludentes porque não há contato direto com os fatos linguísticos; parte dos fatos não são levados em consideração em todos os seus aspectos, nem há relacionamento com um número grande de causas; são selecionados por princípios não muito claros. 2.5.3 Método da geografia linguística Ocupa-se com a situação em que uma língua se encontra num determinado momento, em localidades ou em regiões previamente escolhidas. Não utiliza documentos escritos como objeto de sua pesquisa, mas investiga, sobretudo a linguagem falada. 39 Letras Português - Filologia Românica Conforme Câmara Jr (1986, p. 94), a geografia linguística é a técnica mais moderna de pes- quisa na área da dialetologia e consiste no levantamento de mapas, de cartas geográficas, que indicam a distribuição geográfica de cada traço linguístico dialetal. A organização do método consiste na caracterização exata de suas etapas: elaboração dos questionários; melhores meios de aplicação deles; seleção das regiões ou das localidades a se- rem pesquisadas, de acordo com os objetivos propostos; definição do tipo e número de infor- mantes, e outras variáveis. Tem como resultados da pesquisa os atlas linguísticos, que obedeciam a rigoroso planejamento. Limitavam-se a uma área geográfica que pudesse ser estudada e esta- beleciam-se normas para determinar o objetivo pretendido e a execução das pesquisas de cam- po para coletar os dados. Depois de reunir os dados de todas as regiões do território, procedia-se a seu processamento, até a elaboração e publicação do atlas respectivo. Vários foram os atlas planejados, mas nem todos realizados ou concluídos, e sua metodolo- gia variou bastante, particularmente em face da experiência dos que se foram realizando. Para Bassetto (2005), a contribuição do método da geografia linguística para o estudo das lín- guas românicas é muito valiosa, apesar do seu caráter unilateral que recolhe apenas os dados lin- guísticos instantâneos. Não registra aspectos e vocábulos satíricos, familiares e afetivos por serem de caráter sintético. Tem o mérito de possibilitar uma visão geral da situação atual da língua, além de realizar o ideal neogramático de estudar a língua viva. Seus estudos mostraram que as palavras se chocam, migram, arcaízam-se, renascem ou desaparecem, demonstrando que o fator deter- minante em todo esse processo é o aspecto semântico, cuja busca fez nascer outros métodos de pesquisa. Exemplo: em Port. ferrolho do latim verruculum. Port. /v/ inicial não passa a /f, ferrolho. Pela etimologia popular, ligou-se a ferro (metal em que é fabricado) daí a mudança /v/ - /f. Segundo Santiago e Dalpian (2001), as pesquisas de campo feitas através da geografia lin- guística proporcionaram maior compreensão do processo de evolução histórica das formas lin- guísticas. Assim, deduziram que as regiões mais afastadas dos grandes centros apresentam uma resistência maior às variações, enquanto as regiões centrais e mais desenvolvidas culturalmente aceitam melhor as inovações linguísticas. Ex: O Atlas Linguístico da França(ALF), publicado em Paris, entre 1902 e 1910, pelo linguista suíço Jules Guilliéron (1854-1926), registra 30 expressões para “avarento” e uma só para “rico” no Galo – românia. Láhá cerca de 200 expressões para “avarento” e 80 para “rico”. BOX 4 Excerto: Projeto Atlas Linguístico do Brasil O Projeto Atlas Linguístico do Brasil tem por objetivo geral a descrição do português do Brasil considerando os espaços geográficos e as variáveis sociais, gênero, faixa etária e grau de escolaridade, a partir da coleta de dados tomados a 1.100 informantes, distribuídos por 250 localidades brasileiras, dentre as quais se incluem as capitais de Estado (exceto Palmas e o Distrito Federal), observando-se a representação de todas as regiões. É coordenado por um Comitê Nacional de que participam Suzana Alice Marcelino Cardoso (UFBA), Jacyra An- drade Mota (UFBA), AbdelhakRazky (UFPA), Ana Paula Antunes Rocha (UFOP), Aparecida Ne- gri Isquerdo (UFMS), Cléo Vilson Altenhofen (UFRS), Maria do Socorro Silva de Aragão (UFPB/ UFC), Mário Roberto LobuglioZágari (UFJF) e Vanderci de Andrade Aguilera (UEL). O corpus em constituição resulta da aplicação sistemática de Questionários Linguísticos que recobrem as áreas fonético-fonológica, semântico-lexical, morfossintática, pragmática, e incluem, ainda, amostras de falas coletadas em discurso semidirigido e na leiturade texto. O produto final do Projeto deverá atender aos objetivos e finalidades da Geolinguística, área em que se inse- re, especificamente trazendo um mapeamento do português do Brasil, apresentando as par- ticularidades de áreas e permitindo, com o traçado de isoglossas, o estabelecimento de uma divisão dialetal do Brasil no tocante ao português brasileiro. A isso se acrescentam: (i) a contri- buição para a formulação de políticas de ensino-aprendizagem da língua materna integradas à realidade de cada área e tendo em vista a diversidade regional; (ii) o fornecimento de dados para ampliação do volume de informações constantes de léxicos, glossários e dicionários ge- rais; (iii) a indicação de fatores linguísticos com repercussão na história do povoamento do país; (iv) a explicitação de interfaces dos estudos geolinguísticos com outros ramos do conhe- cimento científico. Fonte: Disponível em http://74.200.74.244/~munadmin/sites/default/files/proyectos/ALIB.htm. Acesso em 20 de junho de 2014. 40 UAB/Unimontes - 3º Período 2.5.4 Método “wörterundsacher” (palavras e coisas) “Palavras e coisas” traz o que há de vivo na linguagem. Há necessidade de se conhecer o objetivo designado por determinado termo, a fim de se captar seu significado. “Conhecimento das coisas fica mais fácil para se chegar ao significado correto e originário com que a coisa foi primeiramente nomeada”(BASSETTO, 2005, p.79).Sabendo-se a natureza, as medidas, a forma, o uso etc. dos objetos, é possível fixar a origem e a história das palavras com as quais esses mes- mos objetos são designados. Estabelece a etimologia e até a biografia das palavras. Destaque à Semântica. Tornou os estudos filológicos mais objetivos. Segundo Ilari (2002, p.31), esse movimento buscava a verdadeira etimologia de uma palavra. Há necessidade de um estudo minucioso da realidade que ela designa e dos conhecimentos que a cercam. Os estudiosos da língua deveriam considerar com mais interesse as “coisas”, em oposi- ção a outros movimentos que dedicavam atenção quase que exclusivamente às “palavras”. Para ilustrar o estilo de pesquisa desse movimento, Ilari (2002) exemplifica com a palavra “fígado” e de seus cognatos românicos (esp. hígado, fr.foie, it. Fegatto, cat. e prov. fetge). De acordo com o au- tor, essas palavras são a tradução exata da palavra latina iecur, entretanto, não é possível traçar entre esta e aquelas uma derivação fonética regular.Não se conhecia a “coisa” chamada ficatum. Descobriu-se, depois, que a coisa etimológica estava no “hábito dos grupos engordar patos e por- cas com figos para que o fígado desses animais ficassem maiores e melhores para o consumo”. “Fígado engordado com figo”. (lat. ficum, port. figo), os gregos importaram o nome e o produto, iecur ficatum – por braquissemia ficou apenas ficatum que tornou o étimo das formas românicas em substituição a iecur. Com o passar do tempo, apenas a segunda parte da expressão (ficatus) sobrevive, passando a significar genericamente o “fígado”. A dificuldade fonética foi o exame das designações românicas que vêm de ficatum, proparoxítona, recente influência dos gregos. 2.5.5 Método onomasiológico Com objetivos semânticos e lexicológicos, estuda as dominações, os diversos nomes dados a um objeto, animal, planta, conceito, individualmente ou em grupo, dentro de um ou de varia- dos domínios linguísticos, com os aspectos vivos e as forças criadoras da linguagem. Segundo Ilari (2002, p.31), o método onomasiológico “consiste no levantamento de todas as expressões que designam um mesmo objeto ou conceito”. Essa linha de pesquisa leva a repre- sentar o léxico “como um conjunto de ‘campos semânticos’, estruturados por relações de sinoní- mia e posição”. Tem em comum os métodos de geografia linguística e o de palavras e coisas; não foi criado por um só pesquisador, pois ele se desenvolveu aos poucos. Ver a cultura do povo, cuja língua se estuda, costumes, ocupações, instrumental, crenças e crendices, moradia – sua mundi- vidência. Segue caminhos contrários à etimologia do significante para os significados – da his- tória da palavra, desde a época mais antiga até os dias atuais, explicando as diversas influências sofridas pelos vocábulos, os cruzamentos semânticos, vitalidade e frequência de uso. Para Bassetto (2005), esse método teve uma grande contribuição para os estudos da lingua- gem ao permitir identificar a cultura de um povo através do estudo de seu léxico, ou seja, permi- te sentir a linguagem viva, traduzindo a vivência cultural de um povo. 2.5.6 Neolinguístico ou espacial Esse método apresenta o modo pelo qual a história dos diversos aspectos das línguas dei- xa seus traços no espaço. A partir dos dados da Geografia Linguística, mascara relações cronoló- gicas entre os vários fenômenos linguísticos. Conforme Bassetto (2005), havendo palavras dife- rentes em fases cronológicas distintas para um significado, a forma da área mais afastada ou de acesso difícil costuma ser a mais antiga. O método se apresenta como normas(norma – corres- ponde aos fatos); a) áreas afastadas: dificuldade de acesso: interposição de montanhas e outros acidentes geográficos. b) formas de regiões periféricas são mais antigas que as correspondentes centrais; 41 Letras Português - Filologia Românica c) são mais antigas: palavras conservadas em áreas mais amplas que as correspondentes, de áreas mais restritas; d) regiões de latinização mais tardia: conserva formas mais antigas (especialmente em rela- ção à Itália); e) palavras desaparecidas, arcaizadas, menos usuais são mais antigas. Ressalta-se que as normas de área são muito esquemáticas. Os fatos linguísticos não podem se reduzir à fórmula rígida. Há necessidade de se observar as grandes variações provocadas por fatores sociais e estilísticos dos diversos estratos. Os fatos contrários ao que elas estabelecem não são tão raros. Embora ajudem a determinar as características gerais e as tendências das línguas e dialetos românicos, suas normas carecem da abrangência e da precisão necessárias, e sua contri- buição específica foi mais negativa que positiva. 2.5.7 Método da teoria das ondas (Wellentheorie) A contribuição do método não abrange a totalidade do fato linguístico; apenas o observa e o acompanha no espaço, mas não explica sua natureza ou as causas múltiplas que podem pro- duzi-lo. As inovações linguísticas se propagam como ondas, irradiadas continuamente de centros geográficos humanos de prestígio, que se cruzam e entrecruzam com frequência. Relaciona-se com a geografia linguística. Combinado com elementos da Geografia Linguística, da Linguística Espacial e de outros métodos pode ser útil à Filologia Românica. Caros acadêmicos: as principais linhas metodológicas entrecruzam-se e, combinadas, auxi- liam-se mutuamente. Da geral se concebe outras mais específicas. Cada estado da língua é con- tinuação de um anterior e, por sua vez, encerra os germens que o tornarão um novo estado lin- guístico. Se a filologia encerra os estudos possíveis sobre uma língua ou grupo de línguas, para tanto vai necessitar, muitas vezes, do fio condutor constituído por sólida base linguística. Considerações finais Queridos acadêmicos, Chegamos ao fim de mais uma disciplina e, como sempre, nessa etapa, chega também a avaliação. Este é o melhor momento para pensarmos em um trecho da música de Beto Guedes (nascido Montes Claros), o qual contém muita sabedoria: “A lição sabemos de cor, só nos resta aprender.” Será que aprendemos? Naturalmente, não queremos essa resposta agora, mas ao longo do nosso curso. Espera- mos que vocês tenham lido e aproveitado muito desse conteúdo e utilizado o Fórum para tirar as dúvidas e conversar sobre os temas pertinentes ao curso, pois através desses momentos é que construímos a verdadeira aprendizagem. Estamos convictos de ter apresentado apenas um breverelato da Filologia Portuguesa nos últimos anos, relato este que ainda há de ser completado e retificado futuramente. Uma inves- tigação mais extensa sobre a pesquisa filológica no Brasil exigirá não apenas a incorporação de dados de outros estudos, tais como os locais, regionais ou estrangeiros, mas também um rastrea- mento minucioso das publicações da área no país e no exterior. Na impossibilidade de incluir neste texto informações obtidas através de todos esses instrumentos, deixamos aqui essa contri- buição e externamos-lhes o desejo de continuidade deste trabalho, pois sabemos que muito terá sido deixado de se expor, pela exiguidade natural do tempo e da regra de espaço. Os trabalhos filológicos precisam de muitos pesquisadores, infelizmente não ainda em nú- mero suficiente para suprir todas as carências. Na verdade, a Filologia, no Brasil, ainda não se re- cuperou de todo do impacto provocado pela introdução da Linguística, porque ainda ocupa um lugar marginal nos cursos de graduação, ficando como apêndice das disciplinas “Filologia Româ- nica” ou “História da Língua Portuguesa”. Tal condição suscita a ideia errônea de que a preocupa- ção com a “fidedignidade dos textos é relevante apenas em relação a textos medievais ou renas- centistas, ou seja, textos que remontam à época da tradição apenas manuscrita”: a preocupação com a autenticidade do texto é também fundamental mesmo quando se trata de obras que da- tam já de depois da imprensa. Uma amostra dessa falta de preocupação com o texto moderno é descrita por Gomes (1986) em seu trabalho sobre a fidedignidade dos textos nos livros didáticos no Brasil: demonstra a pesquisadora que 42 UAB/Unimontes - 3º Período as diversas deturpações e mutilações que os livros didáticos fazem ao repro- duzir textos de grandes nomes da literatura brasileira. O compromisso com a fidedignidade na transmissão e a compreensão de quanto é grave a adulte- ração dos textos são atitudes indispensáveis nos profissionais que trabalham com textos (não apenas os literários, mas também os não literários – que são fundamentais para os estudos linguísticos) e precisam ser provocadas através de reflexão sobre Crítica Textual, tarefa que é de responsabilidade da Filologia. Daí, portanto, a importância de esta disciplina ocupar o lugar que lhe é devido na formação dos alunos de Letras (GOMES, 1986). Neste caderno, buscamos apresentar uma reflexão para que vocês, futuros licenciados em Letras, usem o conhecimento sócio-histórico-cultural que adquirem nas aulas da disciplina Filo- logia Românica em sua prática de ensino. Refletir sobre esse conhecimento fará com que enten- dam a dinâmica da língua que se usa e que se ensina na escola. Vocês não podem deixar de lado o componente cultural no momento em que ensina gramática, literatura e técnicas de redação. Tudo isso junto reflete o todo que compõe a sociedade atual, herdada de gerações e gerações. É urgente que os egressos de Letras analisem o processo de construção das suas identidades e que seja passado para os(as) alunos(as), a fim de que todos juntos entendam os mecanismos que compõem e que seguirão compondo as sociedades. Trabalhar com textos, sejam estes literários ou não, verificar naqueles as ocorrências relati- vas às mudanças linguísticas, históricas, culturais é um exercício que será revelado na prática do licenciado em Letras. Entretanto, sabe-se que muitos dos egressos dos cursos de Letras, ao in- gressarem no mercado de trabalho, seguem a cartilha que as escolas determinam, ensinando a língua materna sem a devida reflexão dos aspectos sócio-histórico-culturais que a compõem e que a tornam um bem inestimável para todos os seus usuários (GOMES, 1986). Sucesso em seus estudos! Referências BASSETTO, Bruno Fregni. Elementos de filologia românica: história externa das línguas. V.1, 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. CÂMARA Jr, Joaquim Mattoso. História e estrutura da língua portuguesa. 4.ed. Rio de Janeiro: Padrão, 1986. GOMES, Marlene Mendes. A fidedignidade dos textos nos livros didáticos no Brasil. Anais do I Encontro de Filologia do Brasil, 1986. ILARI, Rodolfo. Linguística românica. 2.ed.São Paulo: Ática, Janeiro: Padrão, 2002. SANTIAGO, L.L.; DALPIAN, L. Geografia Linguística: consolidação de um método dialetológico. Seminário Internacional em Letras, 2001, Santa Maria - RS. Anais do Seminário Internacional em Letras (em CD), 2001. SPINA, Segismundo. Introdução à Edótica: crítica textual. São Paulo: Cultrix, Editora da Universi- dade de São Paulo, 1977. 43 Letras Português - Filologia Românica resumo Filólogos e linguistas, mesmo com objetivos diferentes, continuam a analisar o mesmo obje- to, a língua. Para os primeiros, o texto é documento da língua, para os segundos, a língua existe enquanto atividade comunicativa documentada no texto. Nesta ou naquela perspectiva, o ob- jeto final enfocado será sempre a língua. Dirige-se, então, à Filologia, ao conhecimento de uma civilização, de uma cultura através de documentos escritos, tendo como instrumento principal o estudo da língua. Ao buscar a lição autêntica do testemunho, a filologia pode dar inestimável contribuição ao estudo de nossa literatura e, sobretudo, da história de nossa língua. Podemos observar que a compreensão de certos fenômenos linguísticos, históricos nos faz compreender os fatos da língua atual. Vimos como uma língua evolui durante o seu uso no decorrer do tempo e que essa evolução cria dialetos, que podem vir a se transformar numa língua diferente, como ocorreu com o latim, principalmente depois da queda do Império Romano no século V. Vimos, também, que da língua latina surgiram diversas línguas românicas, uma das quais foi o portu- guês, e que a sua evolução se deu, em alguns casos, de forma espontânea e, em outros, de forma motivada. Apesar de serem fatos consolidados, podem mesmo assim suscitar opiniões diversas no que diz respeito ao conceito da disciplina. Silveira Bueno (1967) sabiamente afirmou que os textos podiam ser belos ou feios, em poesias ou em prosa. Isso não importa ao filólogo. Importa- lhe unicamente que sejam verdadeiros, da época e do autor a que são atribuídos e que estejam na sua forma perfeita; para isso, deve o filólogo estar preparado em paleografia, em hermenêuti- ca e em todos os ramos do conhecimento que forem necessários para restabelecer as passagens obscuras, para elucidar os pontos falhos ou de difícil intelecção, para, enfim, restabelecer os tex- tos em toda a sua verdadeira fisionomia de documento do passado. 45 Letras Português - Filologia Românica referências Básicas ILARI, Rodolfo. Linguística românica. 2. ed. São Paulo: Ática, Janeiro: Padrão, 2002. SILVEIRA BUENO, Francisco da. Estudos de filologia portuguesa. São Paulo: Saraiva, 1963. VIDOS, Benedek Elemér. Manual de linguística românica. Rio de Janeiro: EDVERJ, 1996. Complementares ARNAULD, Antoine; LANCELOT, Claude. Gramática de Port royal. Trad. Bruno Fregni Bassetto e Henrique Graciano Murachco. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. AUERBACH, E. 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Sites: Google, UOL e www.filologia.org. 47 Letras Português - Filologia Românica Atividades de Aprendizagem - AA 1) Dos enunciados a seguir, marque a letra “V” se o enunciado for VERDADEIRO, e a letra “F”, se FALSO: a) ( ) A Filologia preocupa-se com as atividades da linguagem do homem e de suas manifesta- ções através das obras de arte escritas nessa linguagem, mais as disciplinas que delas cuidam metodicamente. b) ( ) Embora historicamente a Crítica Textual tenha privilegiado o estudo dos textos literários, atualmente considera tanto os textos literários como os não literários. c) ( ) Crítica Textual é um estatuto determinante, na medida em que condiciona os objetos de outras disciplinas e influi, consequentemente, na qualidade e no alcance dos respectivos produ- tos, nas edições que apresenta. d) ( ) No plano linguístico, a Filologia não considera os vários aspectos da história das línguas, sua evolução, as influências que receberam, a fragmentação dialetal, todos os fenômenos rela- cionados com a fonologia, a morfologia, a sintaxe e o léxico. e) ( ) Os Hindus sentiram necessidade de preservar os textos religiosos dos Vedas, considerados sagrados, para que os hinos e cânticos não sofressem nenhuma alteração durante a sua execu- ção nos ritos religiosos, pois sendo apenas falada, a língua tende a deturpar-se. f ) ( ) Pânini, ao estudar a língua Sânscrita, ficou limitado apenas a estudar os textos sagrados; estudou principalmente a língua de seu tempo. 2) Numere a 2 coluna de acordo com a 1ª 1. Autógrafo ( ) Edição popular. 2. Apógrafo ( ) Cópias manuscritas ou impressas de uma obra. 3. Idiógrafo ( ) A primeira edição impressa de uma obra. 4. Apócrifo ( ) Original escrito pelo próprio autor. 5. Testemunhos ( ) Do próprio autor que a assina. 6. Lição ( ) Original escrito sob o controle direto do autor. 7. Edição príncipe ou princeps ( ) De falsa procedência ou de fonte duvidosa. 8. Vulgata editio ( ) Cópia derivada do original. 9. Obra autêntica ( ) A leitura de uma passagem determinada do texto transmi- tido por um testemunho. 3) Dos enunciados a seguir, marque a letra “V” se o enunciado for VERDADEIRO, e a letra “F”, se FALSO. É papel do filólogo: a) ( ) Estabelecer, através do estudo e da análise dos manuscritos, as diversas versões do texto. b) ( ) Corrigir os possíveis erros encontrados nos textos e restaurá-los em toda a sua possível perfeição. c) ( ) O filólogo não precisa se incomodar com a análise de texto nem com o estudo do objeto de que ele trata. d) ( ) Estabelecer a autenticidade de textos anônimos ou autoria duvidosa, colocando-os em sua época devida. 4) Após séculos de dominação da cultura e do idioma romano, as línguas românicas vão surgir e se desenvolver nas províncias em que a latinização tinha lançado raízes mais profundas e resistentes a mudanças políticas e sociais, bem como a intermináveis guerras e invasões. Dis- tinguem-se então várias etapas neste processo de evolução do latim vulgar para as línguas e dialetos românicos. Sobre essas etapas, é INCORRETO afirmar que a) ( ) substrato: “são as marcas linguísticas advindas do povo que abandona seu idioma, levadas para a língua que passa a adotar”. b) ( ) no que diz respeito à contribuição do superstrato para a origem das línguas românicas, de- ve-se principalmente tomar em consideração o superstrato germânico. 48 UAB/Unimontes - 3º Período c) ( ) na fase do bilinguismo, o povo dominado passa a usar o idioma do povo dominador por período de tempo indeterminado. d) ( ) adstrato é a denominação dada à língua que coexiste com outra no mesmo espaço territo- rial, influenciando-a e dela recebendo influência. 5) Friedrish Diez tornou-se o pai da Filologia Românica aplicando o método histórico-comparati- vo às línguas românicas, obtendo excelentes resultados. Assinale a alternativa INCORRETA, considerando o assunto acima. a) ( ) O método histórico-comparativo é aplicável a casos de grupos de línguas genealogicamen- te afins. b) ( ) A utilização do método histórico-comparativo deu à Filologia Românica uma perspectiva histórica mais coerente e adequada. c) ( ) O uso criterioso do método histórico-comparativo foi e continua sendo profícuo e muito útil para o conhecimento tanto do latim vulgar como das línguas românicas. d) ( ) Os resultados do método histórico-comparativo foram satisfatório sem todos os níveis da linguagem. 6)A línguaportuguesa proveio do latim vulgar que os romanos introduziram na Lusitânia, região situada ao ocidente da Península Ibérica. Das alternativas abaixo, assinale a única que NÃO corresponde à afirmativa acima. a) ( ) As circunstâncias históricas em que se criou e se desenvolveu nosso idioma estão intima- mente ligadas a fatos que pertencem à história geral da Península. b) ( ) É falsa a afirmação de que o português é o próprio latim modificado. c) ( ) Pode-se afirmar que o idioma falado pelo povo romano não morreu, mas continua vivo, transformado no grupo de línguas românicas ou novilatinas. d) ( ) O latim que se vulgarizou no território ibérico foi o do povoinculto, o sermovulgaris, ple- beius ou rusticus. 7) Marque a proposição INCORRETA. a) ( ) Função substantiva: é a explicação do texto, restituição à sua forma genuína através dos princípios da Crítica Textual e preparação técnica para publicação. b) ( ) Função adjetiva: a filologia não se interessa com a série de problemas, que não estão no texto, mas deduzem-se deles, nas etapas da investigação literária. c) ( ) Função transcendente: o texto deixa de ser um fim em si mesmo da tarefa filológica para se transformar na reconstituição da vida espiritual deum povo ou de uma comunidade em determi- nada época. d) ( ) Função adjetiva: o trabalho do filólogo é a determinação de autoria, biografia do autor, da- tação do texto, sua posição na literatura do autor e da época bem como a sua avaliação estética (valorização) perante os textos da mesma natureza. 8) Marque com a letra ”V” se a proposição for VERDADEIRA, e com “F”, sefor FALSA. O estudo filológico de um texto ou documento perpassa as seguintes etapas: a) ( ) Sua datação. b) ( ) Seu deciframento, recorrendo-se à paleografia, à diplomática, à codicologia e à bibliologia. c) ( ) Seleção de qualquer testemunho através dos confrontos dos “lugares críticos” e do exame sistemático. d) ( ) Seleção só de citações diretas. e) ( ) Análise das variantes. f ) ( ) Verificação da tradição – recensio. g) ( ) Segue-se a examinatio, para escolha do texto-base. h) ( ) Colação das várias lições. i) ( ) Emendatio, no que respeita a passos duvidosos e reparação de “erros”. 9) As línguas evoluem, se diferenciam, tomam empréstimos, são substituídas, dominam e são dominadas. Abaixo, apresentam-se as causas dessa evolução, EXCETO: 1) ( ) A histórica, em que as conquistas romanas aconteceram em diferentes épocas; as primeiras terras romanizadas receberam a língua mais popular, enquanto as últimas conheceram um latim mais erudito. 2) ( ) A extensão territorial e a topografia irregular de vários domínios romanos não interferem na evolução linguística. 49 Letras Português - Filologia Românica 3) ( ) A política é explicitada pelas invasões e imposição cultural e linguística que pode originar dialetos mistos, foi o que aconteceu com a língua latina. 4) ( ) A etnológica pode ser notada através dos diversos povos de raças diversas dominados pelo Império Romano, onde eram falados diversos idiomas. 10 ) Marque com a letra ”V” se a proposição for VERDADEIRA, e com “F”, se for FALSA. a) ( ) Os manuscritos podem também ser alterados por censura, gastos pelo tempo e pelos ver- mes. b) ( ) Uma edição crítica é um ponto de partida para a publicação de textos, em edições corren- tes, escolares ou de divulgação, destinadas a um público amplo. c) ( ) O editor paleógrafo deve conhecer os diferentes estilos dos copistas e ser capaz de identifi- car os períodos em que os textos foram escritos.